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Vivi Seixas desdiz o que disse antes para a Skol chegar a um objetivo num instante.

Num parque, jovens modernos vão se juntando sorridentes e felizes. Gente de cabelo
pintado, de todos os tipos e etnias. Sol, “flare” na lente e a câmera na mão em slow motion dão um
climão lisérgico a la Woodstock. Uma frase nos convida a começar “um ano novo sem aquela velha
opinião formada sobre tudo”. Sem preconceitos. Entra Vivi Seixas, filha de Raul, e começa a cantar
Metamorfose Ambulante. A galera anima, alguns de Skol na mão. Tem até um quase sósia do Raul.
Uma frase mostra “comentários quadrados” que rolam na internet. Quadrados porque são caretas e
ao mesmo tempo não “descem redondo” como a Skol. “Lugar de velho é em casa”. O comentário
de internet não tem dono de verdade, é lógico. É só para citar uma certa caretice que vai se opor a
essa gente feliz e liberada do comercial. Segue imagem de um senhor dançando com uma lata de
cerveja na mão. Lá vem outros clichês de preconceito dos debates em voga: “mulher que se dá o
respeito não usa saia curta” e lá vai a moça de minissaia e seu namorado japonês de coque. “Tão
linda, porque não alisa o cabelo?” e alí estão duas negras lindas assumindo o estilo “afro”. Gordos,
negros, gays, trans, cadeirantes, senhoras etc. etc. A Skol nos convida a ser livres de preconceitos e
metamorfosearmos a cabeça para as ideias mais redondinhas como o respeito a diferença, ao que
não é o padrão e aos novos tempos.
“Vivi Seixas tinha 8 anos quando seu pai morreu em 1989 vítima do consumo excessivo de
álcool” diz a matéria do Guia da Folha de abril de 2012, quando o documentário sobre o seu pai foi
lançado. “Qual a parte do filme que mais te emociona?”, perguntam. “Fomos juntos a uma padaria
pela manhã, juntos, e chorei quando ele pediu um chope. Mesmo sem saber exatamente da sua
doença, eu pressenti que alguma coisa estava muito errada.”, responde Vivi.
“Esqueci o não em casa”, dizia o anúncio da Skol em 2015. Revoltou muitas mulheres que o
consideravam uma apologia ao estupro. Rapidamente a comunicação mudou para “Não deu jogo,
tire o time de campo” e coisas do gênero. Caso não mudassem estragaria a imagem da marca, não?
Comerciais de cerveja com traços (ou excessos) de machismo começaram a pegar mal de uns
tempos pra cá. As gostosas dos anúncios da Skol deram lugar a uma turma contemporânea com
gente de todo tipo e características. Albinos, negros, japas, branquelos, gordos, gays, nerds etc. Os
diferentes. Deve ter sido bom para as vendas porque todos somos diferentes em alguma coisa. Foi
nesse tom que continuaram os comerciais. Sem contar que mulheres também bebem muito e a
cerveja precisa de um comercial que as atinja.
O comercial não apenas quer ganhar novos consumidores como deve proteger os atuais no
que diz respeito a sua imagem. Quem fumava Marlboro era “cool”, defendido pela imagem do
cowboy que laçava cavalos e depois acendia um gostoso cigarro. Os fumantes de Free podiam se
achar artistas alternativos. O cara que tem um carro sedã não é necessariamente um babaca, pode
ser um macho bonitão, tranquiliza o filme para a TV. Já quem faz 18 anos passa a usar aplicativos
de transporte. Agora os comerciais tem que explorar a imagem do jovem ativista, que protesta e
depois curte a liberdade com a galera no seu novo automóvel com som interativo. Caso contrário,
não vende. Assim funciona a propaganda.
Eu recebi o comercial da Skol por Whats App de alguém que achou legal incentivar esse
respeito a diferença. Ele foi formatado para ser distribuído nessa plataforma, com a imagem na
vertical, para que não seja preciso sequer virar o celular. Também está no YouTube sem que seja
preciso confirmação de que se é maior de idade.
O cowboy de Marlboro morreu de câncer de pulmão. Raul morreu do álcool. Larguei os
meus Marlboros há uns anos e tenho saudades até hoje. Fui (ou sou...) viciado. Raul nunca
conseguiu parar de beber e deixou Vivi com 8 anos depois de decepcioná-la ao tomar álcool no café
da manhã. O cigarro é só um meio de ingestão da droga nicotina assim como a Skol é um meio de
se ingerir álcool. Tecnicamente nem é uma cerveja.
Essa galerinha jovem e bacana do comercial é formada por atores pagos. O comercial foi
criado de acordo com uma pesquisa que mostra que essa comunicação tem sido eficiente para as
vendas de Skol. Deixa o público tranquilo e parecendo bacana segurando essa lata. Vivi Seixas deve
ter sido muito bem paga para passar por cima do pesadelo de ver o pai morrer da dependência. Não
a culpo. É bom poder ao menos ganhar um dinheiro depois de viver uma tragédia e cada um faz o
que quer dentro da lei.
A lei permite que comerciais de cerveja sejam veiculados em qualquer horário porque o
produto tem menos do que 13% de álcool. É uma exceção estranha. Tão estranha quanto a
permissão de cigarros serem vendidos expostos ao lado de doces nas padarias. Há uns anos
reclamavam dos temas infantis dos comerciais de Skol com tartarugas, caranguejos e outros
animais. O Conar, órgão de auto regulamentação, e o bom senso acabaram com eles. As crianças
daquele tempo agora são o público desse comercial.
O Brasil tem uma epidemia de consumo de drogas. “Crackeiros” se espalham pelas ruas do
país numa situação deprimente implorando para serem chamados de dependentes e não de zumbis.
Maconha e cocaína são facilmente compráveis nas esquinas. Outras drogas químicas são usadas
amplamente. A bebedeira faz parte da sociedade. O álcool é a droga mais usada, 60% em forma de
cerveja, a mesma que o Raul tomou de manhã marcando a sua filha. Existe uma política anti-drogas
pronta que nunca foi posta em prática no Brasil. Campanhas alertando para o riscos, contrárias ao
uso de álcool e drogas não são feitas há anos. O comercial bacaninha, com um sósia de Raul
ressuscitado e sua filha alegre e feliz autorizando a galera a beber como o pai dependente reina
aberto na internet. Chega diretamente nos celulares das crianças e adolescentes com sede de
novidade. É mais nocivo do que o “esqueci o não em casa” porque soa positivo para todo mundo:
homens, mulheres, idosos, gays etc. Mas não é. Ninguém começa no crack, cocaína, maconha,
ácidos e todas as suas variações do nada. Começa tomando um gole de cerveja popular. Mesmo que
não cheguem tão longe, o álcool já é problema suficiente. Quantas violências são cometidas,
acidentes acontecem, vidas são perdidas e famílias desestruturadas pelo vício nessa substância lícita
propagandeada e vendida abertamente? Aqui fala um filho de alcoólatra decepcionado com atitudes
ridículas do próprio pai também, Vivi Seixas.
Pode ser que uma sociedade fique melhor sem ideias quadradas e antigas. Uma delas é
acreditar que um comercial de bebida alcoólica foi feito para mudar o mundo para melhor.

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