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Candido Mendes

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ISBN: 978-85-352-1453-6

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_________________________________________________________________________
H493o Herz, Mônica
Organizações Internacionais: história e práticas / Mônica
Herz, Andrea Ribeiro Hoffman. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
— 10a reimpressão.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-352-1453-6

1. Organizações internacionais. 2. Relações internacionais.


I. Hofmann, Andrea Ribeiro. II. Título.
CDD – 341.2
04-2067 CDU – 327.7
_________________________________________________________________________
Para Sandra, Ana Maria, Silvio e George,

nossos pais.
Apresentação

A S ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS são hoje parte central da política in-


ternacional e da vida social em diferentes partes do mundo. A prá-
tica profissional, a compreensão do mundo que nos cerca e o exercício
da cidadania exigem atenção ao tema.
Parte considerável dos esforços da diplomacia de cada país se volta
para a atuação dentro das organizações intergovernamentais. As forças
armadas lidam com preparativos para operações de paz; em seu treina-
mento, podemos discernir normas internacionais sobre o uso de armas
ou o tratamento de prisioneiros de guerra geradas no âmbito das organi-
zações internacionais.
Elas estão presentes em nosso cotidiano, em notícias que lemos e
ouvimos sobre a participação da ONU (Organização das Nações Uni-
das) no processo de reconstrução do Iraque, sobre as negociações co-
merciais na Organização Mundial do Comércio, sobre as tentativas de
combater a epidemia da AIDS e sobre os esforços para sustar a crise
humanitária no Sudão. Muitas das normas com as quais convivemos,
tais como aquelas referentes à administração do déficit público, à prote-
ção das crianças ou aos procedimentos diante de epidemias, são debati-
das e geradas nas organizações internacionais. Algumas das questões
políticas, econômicas, sociais e culturais que mais nos afetam só podem
ser compreendidas inteiramente se levarmos em conta o papel e o fun-
cionamento das organizações internacionais.
2 Organizações Internacionais

Diante dessa realidade, a produção acadêmica sobre o tema tem


crescido e se difundido. Especialistas em relações internacionais produ-
zem pesquisas e debates sobre as inúmeras organizações internacionais
contemporâneas. Os cursos de Relações Internacionais, Direito, Ciência
Política, Economia, Jornalismo e Sociologia, entre outros, incorporam
cursos sobre organizações internacionais aos seus currículos.
Este livro responde à necessidade de abordar o tema de forma ampla,
acessível e profunda. Buscamos atender ao interesse de alunos de gradua-
ção e pós-graduação, professores, diplomatas, profissionais e ativistas que
convivem com as organizações internacionais. Embora o texto trate o as-
sunto a partir da perspectiva da disciplina de relações internacionais, res-
saltamos que sua leitura não requer conhecimento anterior específico.
Apresentamos as questões, os conceitos e as práticas que consti-
tuem a realidade das organizações internacionais contemporâneas. O
leitor encontrará os instrumentos analíticos que permitem compreen-
der o processo de criação das organizações, seu funcionamento e sua
influência sobre a política internacional. Focalizamos aspectos históri-
cos, a estrutura institucional, as dinâmicas políticas e também as críticas
feitas às organizações internacionais. Para ilustrar a discussão do tema,
mostramos em detalhes algumas organizações mais representativas.
Enfatizamos a atuação das organizações intergovernamentais, mas tam-
bém tratamos das não governamentais.
O livro está organizado a partir de conceitos centrais da área de
estudos: segurança coletiva, cooperação funcional, integração regional
e sociedade civil global. Esses conceitos permitem uma compreensão
do papel e do funcionamento das organizações internacionais em um
contexto amplo, ressaltando as formas de interação entre as organi-
zações internacionais, delas com outras instituições e os processos da
política internacional.
Em cada capítulo, o leitor encontrará uma explicação do conceito
abordado, a história e uma análise do funcionamento de organizações
relevantes. As referências bibliográficas visam a oferecer um guia para o
aprofundamento dos estudos.
Apresentação 3

No primeiro capítulo, oferecemos uma definição das organizações


internacionais, delineando suas características comuns. Explicamos como
elas são e apresentamos fóruns, atores e mecanismos de cooperação do
sistema internacional. A seguir, relatamos uma breve história das orga-
nizações internacionais modernas.
As teorias de relações internacionais são discutidas no Capítulo 2.
Inicialmente, descrevemos de forma sucinta a área de estudos de orga-
nizações internacionais. Apresentamos os pressupostos e os conceitos
centrais de cada teoria e discutimos a compreensão específica do papel
das organizações internacionais na política internacional.
No Capítulo 3, abordamos os três momentos históricos em que o
conceito de segurança coletiva constituiu a base para a criação, ou para
a redefinição, de uma organização intergovernamental universal. Trata-
mos da criação e do funcionamento da Liga das Nações e da ONU e, por
fim, das transformações do comportamento da ONU no campo da se-
gurança após a Guerra Fria.
No Capítulo 4, definimos o conceito de cooperação funcional e ana-
lisamos o surgimento das organizações funcionais. Apontamos a relação
dessas organizações com a Liga das Nações e com a ONU. Além disso,
analisamos seu papel na formulação de normas nas mais diversas áreas e
seu impacto sobre os Estados. As atividades e o funcionamento da União
Internacional de Telecomunicações, da Organização Mundial da Saúde e
da Organização Mundial do Comércio são vistas em detalhes.
A integração regional é abordada no Capítulo 5. Situamos historica-
mente o surgimento das duas ondas de regionalismo e das principais or-
ganizações de integração regional criadas nesses contextos. Destacamos o
desenvolvimento dos processos de integração regional na Europa e no
Cone Sul da América Latina, e a criação da União Europeia e do Mercosul.
Finalmente, no Capítulo 6, introduzimos o conceito de sociedade
civil global para apresentar as organizações não governamentais inter-
nacionais. Detalhamos seu surgimento, sua atuação e sua relação com
os Estados e as organizações intergovernamentais. A história e as princi-
pais atividades da Cruz Vermelha, do Greenpeace e da Human Rights
Watch são consideradas em suas especificidades.
4 Organizações Internacionais

Nossos alunos foram fundamentais para a realização deste livro. A con-


vivência com os alunos dos cursos de graduação e pós-graduação do
Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, sua motivação e seus
questionamentos foram um incentivo para nos engajarmos neste em-
preendimento. O ambiente acadêmico estimulante do IRI e o apoio de
sua secretaria e Núcleo de Documentação também contribuíram para a
realização deste projeto.
Agradecemos o suporte da CAPES e do CNPq.
João e Florian acompanharam nossos esforços, opinaram sobre o
trabalho e nos apoiaram ao longo do processo. Seu lugar é daqueles que
não se descreve. Hannah e Adriana são uma inspiração constante. Obri-
gada também à equipe da Elsevier Editora, especialmente a Natalie
Gerhardt.
Siglas

(As siglas foram usadas segundo sua versão em inglês quando sua versão em português
ainda não foi incorporada à prática e literatura no país).

ACP — African, Caribeean and Pacific Group of States (Grupo de Estados Africanos,
do Caribe e do Pacífico)
ALADI — Associação Latino-Americana de Integração
ALALC — Associação Latino-Americana de Livre-Comércio
ALCA — Área de Livre-Comércio das Américas
APEC — Asia-Pacific Economic Cooperation (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico)
ASEAN — Association of Southeast Asian Nations (Associação das Nações do Sudeste
Asiático)
CAN — Comunidade Andina
CdE — Conselho da Europa
CECA — Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
CEE — Comunidade Econômica Europeia
CEP AL — Comissão Econômica e Social para a América Latina e o Caribe
CEPAL
CIJ — Corte Internacional de Justiça
CIS — Comunidade dos Estados Independentes
CMC — Conselho do Mercado Comum
COMECON — Council for Mutual Economic Cooperation (Conselho para Assistên-
cia Econômica Mútua)
ECA — Economic Commission for Africa (Comissão Econômica para a África)
ECE — Economic Commission for Europe (Comissão Econômica para a Europa)
ECOSOC — Economic and Social Council (Conselho Econômico e Social)
6 Organizações Internacionais

ECOW
ECOWAS AS — Economic Community of West African States (Comunidade Econômica
dos Estados da África Ocidental)
ESCAP — Economic and Social Commission for Asia and the Pacific (Comissão Eco-
nômica e Social para a Ásia e o Pacífico)
ESCW
ESCWA A — Economic and Social Commission for Western Asia (Comissão Econômi-
ca e Social para a Ásia Ocidental)
EURA TOM — European Atomic Energy Community (Comunidade Europeia de Ener-
EURATOM
gia Atômica)
FAO — Food and Agriculture Organization of the United Nations (Organização da
ONU para Alimentação e Agricultura)
FMI — Fundo Monetário Internacional
GA TT — Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
GATT
GPS — Sistema de Posicionamento Global
IAEA — International Atomic Energy Agency (Agência Internacional para Energia
Atômica)
ICAO — International Civil Aviation Organization (Organização da Aviação Civil In-
ternacional)
IFAD — International Fund for Agricultural Development (Fundo Internacional para
IFAD
o Desenvolvimento Agrícola)
IMO — International Maritime Organization (Organização Marítima Internacional)
INT AL — Instituto para Integração Latino-Americana
INTAL
ITC — International Trade Centre (Centro de Comércio Internacional)
ITU — International Telecommunication Union (União Internacional de Telecomuni-
cações — UIT)
Mer cosul — Mercado Comum do Cone Sul
Mercosul
NAFT
NAFTA A — North American Free Trade Agreemen (Acordo de Livre-Comércio da
América do Norte)
OCDE — Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OEA — Organização dos Estados Americanos
OHCHR — Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (Es-
critório do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos)
OIT — Organização Internacional do Trabalho
OMC — Organização Mundial do Comércio
OMS — Organização Mundial da Saúde
ONUCA — United Nations Observer Group in Central América (Grupo de Observa-
ção da ONU na América Central)
Siglas 7

OPCW — Organization for the Prohibition of Chemical Weapons, (Organização para


a Proibição de Armas Químicas)
OPEP — Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo
OSCE — Organização para Segurança e Cooperação na Europa
OT AN — Organização do Tratado do Atlântico Norte
OTAN
OUA — Organização da União Africana
PNUD — Programa da ONU para o Desenvolvimento
SADC — Southern African Development Community (Comunidade do Sul da África
para o Desenvolvimento)
SEA TO — Organização do Tratado do Sudeste Asiático
SEATO
SELA — Sistema Econômico Latino-Americano
TIAR — Tratado Interamericano de Defesa
UA — União Africana
UE — União Europeia
UIA — União das Associações Internacionais
UNAIDS — Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (Programa Unificado da
ONU para AIDS)
UNCDF — United Nations Capital Development Fund (Fundo de Capitais para De-
senvolvimento da ONU)
UNCT
UNCTAD AD — United Nations Conference on Trade and Development (Conferência da
ONU sobre Comércio e Desenvolvimento)
UNDCP — United Nations Drug Control Programme (Programa da ONU para o Con-
trole de Drogas)
UNEP — United Nations Environment Programme (Programa da ONU para o Meio
Ambiente)
UNESCO — United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Or-
ganização para a Educação, a Ciência e a Cultura da ONU)
UNFP
UNFPA A — United Nations Population Fund (Fundo da ONU para População)
UN-HABIT
UN-HABITA AT — United Nations Human Settlements Programme (Programa da ONU
para Assentamentos Humanos)
UNHCR — United Nations High Comissioner for Refugees (Escritório do Alto
Comissariado da ONU para Refugiados)
UNICEF — United Nations Children’s Fund (Fundo da ONU para a Infância)
UNIDO — United Nations Industrial Development Organization (Organização da
ONU para o Desenvolvimento Industrial)
UNIFEM — United Nations Development Fund for Women (Fundo de Desenvolvi-
mento da ONU para a Mulher)
8 Organizações Internacionais

UNMIK — United Nations Interim Administration Mission in Kosovo (Missão de Ad-


ministração Interina da ONU no Kosovo)
UNMISET — United Nation Mission in Support of East Timor (Missão de Apoio da
ONU ao Timor Leste)
UNOPS — United Nations Office for Project Services (Escritório da ONU para Servi-
ços de Projetos)
UNR
UNRWWA — United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the
Near East (Agência da ONU de Ajuda aos Refugiados Palestinos no Oriente Próxi-
mo)
UNSSC — United Nations System Staff College (Universidade para a Equipe do Siste-
ma ONU)
UNT AC UN — Transitional Authority in Cambodia (Autoridade de Transição da
UNTAC
ONU no Camboja)
UNT AG UN — Transition Assistance Group in Namíbia (Grupo da ONU de Assistên-
UNTAG
cia à Transição na Namíbia)
UNU — United Nations University (Universidade da ONU)
UNV — United Nations Volunteers (Voluntários da ONU)
UPU — Universal Postal Union (União Postal Universal)
WFP — World Food Programme (Programa Mundial de Alimentos)
WIPO — World Intellectual Property Organization (Organização Mundial de Proprie-
dade Intelectual)
WMO — World Meterological Organization (Organização Meteorológica Mundial)
WTO — World Tourism Organization (Organização Mundial do Turismo)
CAPÍTULO

1
Organizações Internacionais:
Definição e História

P RINCIPAIS QUESTÕES ABORDADAS :

 As organizações internacionais e os outros mecanismos de estabili-


zação do sistema internacional.
 O que são organizações internacionais, quais os papéis que preen-
chem e como funcionam.
 Quem são os servidores públicos internacionais.
 Quais os antecedentes das modernas organizações internacionais.
 Como surgiram as organizações internacionais modernas.

Definição de Organizações Internacionais


As Organizações Intergovernamentais Internacionais (OIG), for-
madas por Estados, e as Organizações Não Governamentais Interna-
cionais (ONGI) são a forma mais institucionalizada de realizar a coo-
peração internacional. A simples observação do número de organiza-
ções existentes hoje atesta sua importância: cerca de 238 OIGs e de
6.500 ONGIs.1
10 Organizações Internacionais

A rede de organizações internacionais faz parte de um conjunto


maior de instituições que garantem uma certa medida de governança
global.2 Normas, regras, leis, procedimentos para a resolução de dispu-
tas, ajuda humanitária, a utilização de força militar, programas de assis-
tência ao desenvolvimento, mecanismos para coletar informações são
algumas das práticas que produzem a governança global.
O caráter permanente das OIGs as diferencia de outras formas de
cooperação internacional com um nível mais baixo de institucionalização.
As organizações internacionais são constituídas por aparatos burocráti-
cos, têm orçamentos e estão alojadas em prédios. As OIGs empregam
servidores públicos internacionais, mas devemos salientar que outros ato-
res fazem parte do vasto conjunto envolvido no processo de governança
global, como grupos de especialistas, redes globais envolvendo indiví-
duos, agências governamentais, corporações e associações profissionais.
O sistema internacional tem sido caracterizado, desde a gestação
da disciplina de relações internacionais durante as primeiras décadas do
século XX, como um sistema político anárquico, tendo esse conceito
adquirido diferentes significados ao longo da história e de acordo com
diferentes tradições teóricas. Contudo, a ideia de que a ausência de um
Estado supranacional gera uma prática social e política específica, em
particular no que se refere ao uso legítimo da violência e à ausência de
uma instância central geradora de normas legítimas e sancionadas, é um
denominador comum mínimo. Nesse contexto, ao longo da história de
mais de três séculos do sistema internacional moderno, inúmeros meca-
nismos de estabilização do sistema foram gerados. Arranjos ad hoc, o
multilateralismo, os regimes internacionais, as alianças militares e a se-
gurança coletiva estão diretamente associados ao processo de criação
das OIGs. O balanço de poder, as zonas de influência, a estabilidade
hegemônica, o Concerto de Estados, o direito internacional, as práticas
diplomáticas, a cultura internacional são também muito significativos.
Arranjos ad hoc, ou seja, formas de cooperação voltadas para um
problema específico em um tempo determinado, muitas vezes dão ori-
gem às OIGs. Quando o espaço institucional apropriado para uma ne-
Organizações Internacionais: Definição e História 11

gociação ou para a realização de um projeto específico não está disponí-


vel, os atores interessados geram um arranjo ad hoc, com uma ou várias
reuniões de cúpula ou conferências internacionais. Em meados dos anos
70, o Grupo dos Sete3 surgiu, dessa maneira, em face dos problemas
econômicos do período. Da mesma forma, a Conferência de Ottawa
surgiu para eliminação de minas antipessoais em dezembro de 1997 e
os tribunais, para julgamento de crimes contra a humanidade geradas
pelo Conselho de Segurança da ONU para casos específicos. A experiência
com cortes ad hoc para julgamento de crimes contra a humanidade foi
fundamental para o processo de criação do Tribunal Penal Internacional
em 2002.
O multilateralismo,4 ou seja, a coordenação de relações entre três
ou mais Estados de acordo com um conjunto de princípios, já represen-
ta um passo adiante no processo de institucionalização das relações in-
ternacionais. Três conceitos definem a prática do multilateralismo, se-
gundo John Ruggie. Princípios norteiam a coordenação entre os Esta-
dos, como o princípio da não discriminação ou nação mais favorecida,
o qual governa o regime de comércio multilateral.5 O conceito de
indivisibilidade indica que os princípios acordados são aplicados a to-
dos os Estados envolvidos. Finalmente, o conceito de reciprocidade
difusa, mais amplo e abstrato do que a ideia de troca mútua, marca essa
arquitetura das relações internacionais. A associação entre o multilate-
ralismo e as OIGs é intensa, pois proveem o espaço social e os recursos
necessários para a prática do multilateralismo poder avançar. Por outro
lado, os princípios, a lógica da indivisibilidade e a reciprocidade difusa
favorecem o processo de legitimação das OIGs no sistema internacional.
No passado, tratados e acordos tendiam a ser bilaterais ou regio-
nais, mas em décadas mais recentes têm sido parte de arranjos multila-
terais, lidando com problemas cada vez mais complexos no campo eco-
nômico, político e social. Assim, muitas vezes, observamos a formação
de regimes internacionais. Regimes são arranjos que os Estados constro-
em para reger as relações entre os mesmos em uma área específica, como
o regime de comércio, o regime monetário, os regimes de proteção de
12 Organizações Internacionais

espécies animais e vegetais em perigo de extinção, o regime de navega-


ção em oceanos ou o regime de comunicação postal. A definição clássica
de regimes é:

“Um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos decisórios em


torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma área temática.”
(Krasner, 1982, p.1).

Os princípios são ideias gerais sobre como o mundo funciona, ou


como ele deveria funcionar, e as normas estabelecem as obrigações e os
direitos dos atores. Esses são os elementos fundamentais dos regimes.
Uma mudança dos princípios ou das normas de um regime representa
uma modificação da natureza do mesmo. As regras e os procedimentos
decisórios referem-se à operacionalização do regime.
Em diversos casos, os regimes internacionais produzem organiza-
ções internacionais, ou seja, elas emergem como resultado da existência
de normas e expectativas comuns. Alguns regimes produzem um con-
junto de organizações, como é o caso do regime de proteção aos direitos
humanos; outros são administrados a partir de um conjunto de organi-
zações mais abrangentes; existem ainda regimes claramente associados
a uma organização internacional, o regime de comércio.
As alianças militares são coalizões de Estados formadas para en-
frentar um inimigo real ou potencial. Elas geram a agregação de forças
militares e outros recursos para a defesa coletiva da coalizão. Dessa for-
ma, seus Estados membros adquirem uma posição mais favorável no
contexto dos conflitos em que estão envolvidos. Elas podem ser ofensi-
vas ou defensivas e ter maior ou menor grau de institucionalização.
Contudo, nem todas as coalizões constituem uma aliança, às vezes elas
são apenas um arranjo ad hoc, como foi o caso da coalizão de países
formada em 1990 e 1991 para libertar o Kuwait da ocupação iraquiana.
Algumas alianças geram a formação de organizações, como é o caso da
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), criada em 1949
para enfrentar a União Soviética.
Organizações Internacionais: Definição e História 13

O conceito de segurança coletiva, discutido no Capítulo 3, visa a


dissuadir qualquer Estado de usar a agressão para alcançar seus objeti-
vos, já que todos se comprometem a reagir coletivamente no caso de
ameaças à paz ou à segurança de qualquer Estado. A Liga das Nações e
a ONU foram criadas, em parte, para realizar o sistema de segurança
coletivo.

ALGUNS MECANISMOS DE ESTABILIZAÇÃO


DO SISTEMA INTERNACIONAL:

 Arranjos ad hoc: Criados para gerar cooperação em um momento


específico.
 Multilateralismo: Prática que envolve o estabelecimento de princí-
pios que norteam a relação entre os atores. A indivisibilidade e a
reciprocidade difusa também são algumas de suas características.
 Regimes internacionais: Princípios, normas, regras e procedimen-
tos que regulam as relações entre os atores em uma área específica.
 Alianças militares: Coalizões entre Estados formalizadas para en-
frentar ameaças externas às mesmas.
 Segurança coletiva: Sistema baseado no compromisso de uma reação
coletiva no caso de ameaça à paz ou à segurança de qualquer Estado.
 Balanço de poder: Sistema flexível de alianças entre Estados desig-
nado a evitar a preponderância de um determinado Estado. A sua
base é a expectativa comum de que, quando as relações de poder
mudam, os Estados irão continuamente mudar suas alianças para
manter um equilíbrio e evitar a gestação de um sistema hegemônico
ou de um império.
 Zonas de influência: São regiões em que uma potência exerce in-
fluência predominante, limitando a independência e a liberdade de
ação das entidades políticas. Durante a Guerra Fria, o respeito pe-
las zonas de influência da União Soviética e dos Estados Unidos era
uma das normas que garantia a estabilidade do sistema.
14 Organizações Internacionais

 Estabilidade hegemônica: Refere-se ao papel de uma potência


hegemônica que garante instituições internacionais, como no caso
da pax britânica no século XIX ou da pax americana após a Segunda
Guerra Mundial.
 Concerto de Estados: Sistema de conferências entre as grandes po-
tências do século XIX para a administração coletiva de suas rela-
ções. Pode também ser utilizado como um conceito aplicável a qual-
quer momento histórico em que as grandes potências assumem co-
letivamente a administração do sistema internacional através de
negociações.
 Direito internacional: Conjunto de normas e princípios encontrados
nos tratados e convenções internacionais e oriundos do costume.
 Práticas diplomáticas: Processos de negociação, formação de acor-
dos e assinatura de tratados e o exercício de influência e pressão
pelos Estados realizados por meio de canais de comunicação diplo-
máticos. As normas da diplomacia permitem o contínuo fluxo de
comunicação, mesmo em situações de conflito ou até de guerra.
 Cultura internacional: Valores e normas universalizados, como re-
sultado da intensificação das relações entre diferentes atores no
sistema internacional.

A criação das OIGs é uma decisão dos Estados, que delimitam sua
área de atuação inicial. As grandes potências têm um papel crucial nesse
processo. O exemplo mais claro é o impulso dado pelo governo norte-
americano para a criação de uma série de OIGs no pós-Segunda Guerra.
A criação da ONU e de uma rede de agências especializadas nos anos
40, em particular as instituições de Bretton Woods (BIRD, Banco Mun-
dial e FMI, Fundo Monetário Internacional), refletia o interesse norte-
americano em promover o comércio global, estabelecendo uma ordem
internacional em que a democracia e o capitalismo pudessem florescer.
Todavia, outros países, particularmente potências médias como Cana-
dá, Austrália, Noruega, Suécia, Brasil, Índia e Nigéria, podem adquirir
Organizações Internacionais: Definição e História 15

influência significativa no delineamento do papel e do funcionamento


das OIGs, caso seja feita a opção de um investimento importante nesse
campo ou seja formada uma coalizão.
As OIGs são ao mesmo tempo atores centrais do sistema internacio-
nal, fóruns onde ideias circulam, se legitimam, adquirem raízes e tam-
bém desaparecem, e mecanismos de cooperação entre Estados e outros
atores. As OIGs são atores, uma vez que adquirem relativa autonomia
em relação aos Estados-membro, e elaboram políticas e projetos própri-
os, além de poderem ter personalidade jurídica, de acordo com o direito
internacional público.
No âmbito das organizações internacionais, está em curso um pro-
cesso social complexo em que normas são criadas. Conhecimento é for-
mado, e tarefas que cabem à comunidade internacional são definidas,
tais como gerar desenvolvimento. Surgem novas categorias, como refu-
giados, difundem-se modelos de organização social e política, como a
democracia liberal, e os próprios Estados podem redefinir seus interes-
ses a partir dessa interação.6
Sua contribuição para a cooperação entre os Estados-membro en-
volve a criação de um espaço social e até físico, no qual negociações de
curta, média e longa duração podem ser realizadas, além de uma má-
quina administrativa que traduz essas decisões em realidade. A existên-
cia de uma burocracia permanente abre a possibilidade de uma reação
rápida em momentos de crise, favorece a elaboração de projetos de as-
sistência técnica, ajuda humanitária, cooperação científica, dentre ou-
tros. A própria legitimação de novos Estados soberanos, fenômeno fre-
quente ao longo do processo de descolonização e no final da Guerra
Fria, realiza-se no contexto das OIGs. Hoje, o ritual de inserção de um
novo país na comunidade internacional tem como foco sua incorpora-
ção à ONU.
Além de contribuir para a gestação de normas e regras, as OIGs
fornecem mecanismos para garantir a aquiescência à essas normas e
regras. Nesse sentido, a coleta, a análise e a disseminação de informação
são cruciais, além dos diferentes mecanismos de monitoramento dos
16 Organizações Internacionais

Estados. Cria-se assim um ambiente propício à expectativa de recipro-


cidade, e o próprio autointeresse dos Estados pode levá-los a se com-
portar de acordo com normas e regras. Quanto maior a expectativa
difundida no sistema de que todos ou quase todos os atores vão respei-
tar normas e regras, maior a probabilidade de que sejam respeitadas
por ator. Trata-se da expressão concreta do conceito de reciprocidade
difusa. As organizações internacionais também podem, em certas
circunstâncias, coagir atores a respeitar normas e regras por meio de
pressão política, imposição de sanções ou até o uso de força militar.
A necessidade de administrar a cooperação deve ser tratada com
atenção. Abraam Chayes e Antonia Chayes apontam em seu trabalho
para fontes de não aquiescência às normas internacionais: ausência de
clareza no texto do tratado, capacidade limitada das partes de realizar
suas responsabilidades e problemas do período de adaptação às novas
condições criadas pelos tratados (Chayes & Chayes, 1998). As OIGs
têm um papel central nesse campo: o aparato burocrático pode propor-
cionar formas de resolver disputas sobre as determinações de um trata-
do e diferentes formas de assistência técnica e financeira.
Finalmente, as OIGs podem favorecer a legitimação de normas e
regras, ou seja, fazer a maior parte dos atores do sistema internacional
acreditarem que elas devem ser respeitadas, gerando um sentimento de
obrigação moral.7 As normas e as regras adquirem legitimidade por dois
processos: o procedimento que leva a sua criação, como por exemplo o
processo decisório de uma organização, e seu tema substantivo. Deter-
minados temas, como a proteção do meio ambiente e a defesa dos direi-
to humanos, passam a compor a cultura internacional, sendo tratados
com base em valores disseminados.
As organizações (OIGs e ONGIs) podem adquirir autoridade e as-
sim exercer poder no sistema internacional. Isso é possível apenas quando
se tornaram atores com legitimidade reconhecida por um conjunto sig-
nificativo dos atores. Evidentemente, a forma que a autoridade assume
no sistema internacional é descentralizada, ao contrário dos sistemas
políticos nacionais, mas isso não significa que ela não esteja presente
Organizações Internacionais: Definição e História 17

(Hurd, 1999). As organizações internacionais adquirem autoridade à


medida que produzem bens públicos. As OIGs são dependentes dos
Estados para adquirir legitimidade — se os Estados não aderem a uma
organização, ela não será um ator ou fórum legítimo.
Michael Barnett e Martha Finnemore apresentam duas fontes de
poder das OIGs: a legitimidade da autoridade racional-legal, baseada
em procedimentos, regras e normas legais impessoais e racionais, e o
controle sobre conhecimento técnico e informativo. As OIGs são buro-
cracias modernas e, assim, esses atributos, também presentes em outras
organizações burocráticas, podem ser encontrados nas mesmas (Barnett
& Finnemore, 1999). Para que possam realizar suas funções como fóruns
produtores de normas e garantir aquiescência às mesmas, as OIGs en-
frentam o problema da legitimidade. Essa é uma questão presente na
ação política de uma forma geral, mas as OIGs enfrentam dificuldades
específicas como a ausência de uma cultura comum robusta ou da pos-
sibilidade de impor decisões com o uso da força, com exceção de casos
extremos.
Alguns padrões de constituição e funcionamento caracterizam as
OIGs. A participação é voluntária, embora hoje a pressão para que os
Estados façam essa opção seja imensa. Elas devem conter um instru-
mento jurídico básico que estabelece seus objetivos, sua estrutura e suas
formas de operação.
Quanto ao processo decisório, as OIGs são, em geral, compostas
por um corpo de representação ampla, como uma conferência ou
assembleia por um secretariado permanente, responsável pelas tarefas
administrativas e, em muitos casos, um corpo menor com uma repre-
sentação mais restrita.8 O voto por maioria, o voto proporcional ou qua-
lificado e a delegação do poder de veto a um grupo restrito de países são
práticas amplamente disseminadas. O princípio de “um Estado um voto”
expressa o respeito pelo princípio da igualdade de soberania. As deci-
sões baseadas no consenso, ou seja, todos os países têm poder de veto,
expressam o respeito pelo princípio da soberania — os Estados têm
autoridade em última instância para decidir sobre questões domésticas
18 Organizações Internacionais

e internacionais. Contudo, esses dois formatos não caracterizam gran-


de parte dos processos decisórios nas OIGs. Muitas vezes, o processo
decisório varia de acordo com o tema tratado.
O processo decisório dentro das organizações intergovernamentais
convive com a tensão entre o conceito de soberania e a produção de
decisões que implicam a flexibilização desse mesmo conceito, pois ge-
ram uma interferência externa nos assuntos de política externa e do-
méstica dos Estados. Na maior parte das organizações, o processo deci-
sório é baseado em instâncias intergovernamentais, ou seja, os Estados
estão representados; no entanto, algumas incluem instâncias suprana-
cionais, em que o órgão decisório não é composto por representantes de
Estados. Poucas organizações adquirem autoridade supranacional sobre
os Estados-membro, e a maior parte das decisões são recomendações,
que somente serão implementadas se os Estados fizerem essa opção.
Inis Claude resume as ideias que nortearam a geração desses padrões:

“O igualitarismo do direito internacional tradicional, o conceito de vontade


da maioria da filosofia democrática e o elitismo da diplomacia das grandes
potências europeias foram transferidos para a esfera das organizações in-
ternacionais, para funcionar como elementos concorrentes, na formação
de uma perspectiva sobre o processo decisório internacional.” (Claude,
1984, p.118).

No entanto, essa realidade está mudando, tanto do ponto de vista


do processo decisório, quanto no que se refere à capacidade de inter-
venção das OIGs em assuntos domésticos. A União Europeia, por exem-
plo, contém elementos supranacionais importantes em seu processo
decisório, e os mecanismos de monitoramento da Agência para Ener-
gia Atômica Internacional (IAEA, International Atomic Energy Agency)
permitem acesso às instalações nucleares sem aviso prévio aos gover-
nos-alvo.9
As OIGs podem ser tratadas como um conjunto, com uma série de
características comuns, como acabamos de discutir. Ademais, hoje, uma
Organizações Internacionais: Definição e História 19

cultura envolvendo a binômio segurança/desenvolvimento é compar-


tilhada pela maior parte das OIGs. No entanto, as variações também
são significativas. Cada OIG acaba gerando uma subcultura própria,
assim como organizações em todas as esferas sociais. O FMI (Fundo
Monetário Internacional), por exemplo, e a UNDP (United Nations
Development Program — Programa da ONU para o Desenvolvimento)
adotam visões muito distintas quanto ao crescimento econômico e ao
desenvolvimento. Elas também se diferenciam bastante quanto ao seu
tamanho e funções. Algumas são compostas por apenas três membros,
outras contam com quase a totalidade dos Estados do sistema. Algu-
mas têm funções bastante específicas e técnicas, outras lidam com a
governança global de uma forma ampla.
Essa variação abre a possibilidade para a classificação das organi-
zações segundo diversos critérios, ressaltando-se o geográfico. Algumas
organizações são regionais como a OEA (Organização dos Estados Ame-
ricanos), ou a ASEAN (Association of Southeast Asian Nations — Associa-
ção das Nações do Sudeste Asiático), outras são globais como OMC
(Organização Mundial do Comércio) ou a OMS (Organização Mundial
da Saúde).
As organizações podem ainda ser classificadas segundo as funções
que exercem: umas gerais, ou seja, exercem um conjunto muito variado
de funções e não são definidas a partir das mesmas; outras especializadas
como a UNICEF (United Nations Children’s Fund — Fundo da ONU para
as Crianças) ou OIT (Organização Internacional do Trabalho).
As organizações não governamentais internacionais são privadas
e voluntárias, com membros individuais ou coletivos de diversos países.
Algumas organizações se voltam para causas como direitos humanos,
paz ou a proteção ambiental. ONGIs são formadas também para prover
serviços específicos, como a ajuda humanitária e a assistência ao desen-
volvimento. Em alguns casos, são redes ou federações de organizações
com base nacional como, por exemplo, a Federação das Sociedades da
Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho ou os Médicos Sem Fronteiras.
20 Organizações Internacionais

As relações entre as ONGIs e as OIGs são cada vez mais densas. As


grandes conferências internacionais organizadas desde os anos 70, mais
particularmente a partir dos anos 90, são espaços privilegiados de inte-
ração entre esses dois tipos de organizações.
As organizações internacionais enfrentam um conjunto de desa-
fios: dificuldades de financiamento, problemas de coordenação entre
agências e diferentes organizações lidando com o mesmo problema e
legitimidade democrática. A efetividade das decisões tomadas em um
mundo em que ainda impera o princípio da soberania estatal é outra
questão muito discutida. Pergunta-se quanto as organizações interna-
cionais podem mudar o comportamento dos Estados e de outros atores
e qual o grau de legitimidade das normas produzidas por elas.

O Funcionário Público Internacional


Com o surgimento das organizações internacionais modernas no
século XIX, tornou-se necessário empregar servidores públicos interna-
cionais que se distinguem das delegações nacionais que representam os
Estados em cada organização. O desenvolvimento das burocracias inter-
nacionais expressa um aspecto supranacional de cada organização in-
ternacional. Os primeiros secretariados foram criadas nos anos 60 e 70
do século XIX, para garantir o funcionamento da União Telegráfica In-
ternacional, da União Postal Universal e do Escritório Internacional de
Pesos e Medidas. A necessidade de gerar uma memória e organizar uma
agenda são os propulsores iniciais para a criação dos secretariados das
organizações.
De início, foram recrutados servidores nos países-sede dessas orga-
nizações. Apenas com o estabelecimento da Liga das Nações foi
estabelecida a noção de um serviço público internacional, de caráter
multinacional, com responsabilidade apenas perante a organização a
qual serve.
O surgimento da versão de um servidor público está associada ao
papel do secretário-geral da Liga das Nações, que deveria, segundo o
Organizações Internacionais: Definição e História 21

Pacto da Liga, nomear seu próprio secretariado. Sir Eric Drummmond,


o primeiro secretário-geral da Liga, trouxe para a organização a visão de
um serviço público imparcial e profissional, de acordo com a tradição
britânica com a qual convivera. Sua discreta liderança favoreceu a cria-
ção da norma de um secretariado multinacional em termos de composi-
ção e internacional no que se refere à lealdade. A Carta da ONU, em
seus artigos 100 e 101, e os tratados que criaram cada uma das agências
especializadas do sistema ONU incorporam essa norma. A Convenção
Geral sobre Privilégios e Imunidade, aprovada pela Assembleia Geral
em 1946, enumera os privilégios e imunidades para categorias específi-
cas de funcionários. Os secretários-gerais e secretários-gerais assistentes
têm imunidade diplomática plena.
Ao longo da primeira metade do século XX, a norma da interna-
cionalização do servidor público fortaleceu-se e pode ser considerada
fundamental para o funcionamento eficaz e para a legitimidade das
organizações internacionais. O princípio multinacional está presente
na composição e no funcionamento da ONU. O artigo 101 da Carta
prevê que a origem dos funcionários será considerada no processo de
contratação, buscando estabelecer uma distribuição geográfica ampla,
embora se mantenham os critérios da eficiência e das necessidades
operacionais. O caráter multinacional da organização é refletido na pre-
sença de uma variedade de culturas e no estabelecimento de seis idio-
mas oficiais (inglês, francês, russo, chinês, espanhol e árabe).
A relação entre os servidores públicos internacionais e os governos
nacionais gera tensões inevitáveis, visto que os servidores continuam
sendo cidadãos de seus países com obrigações e direitos. Além disso,
diferentes governos nacionais podem perceber a presença de servidores
originários de seus países em posições de destaque como uma forma de
influenciar o processo político interno das organizações. Um caso que
exemplifica o problema em pauta é a crise que envolveu a demissão de
18 funcionários norte-americanos em 1952-53. No contexto dos
expurgos anticomunistas nos Estados Unidos, funcionários foram acu-
sados de terem inclinações comunistas. Com a recusa de testemunhar
22 Organizações Internacionais

diante do Subcomitê de Segurança Interna, dirigido pelo Senador Joseph


McCarthy, o secretário-geral Thygve Lie decidiu, em meio a uma crise
sem precedentes, demiti-los e permitiu investigações dentro da ONU
por parte do FBI e da Comissão de Serviço Público dos Estados Unidos.
O debate gerado por esse evento favoreceu o fortalecimento da indepen-
dência do Secretariado, e Dag Hammarskjold, sucessor de Lie, retirou a
permissão para as investigações norte-americanas.
As estruturas e as atividades do Secretariado da ONU e de outras
organizações cresceram significativamente ao longo da segunda metade
do século XX. Enquanto a Liga das Nações funcionava com cerca de 700
funcionários, o Secretariado da ONU emprega atualmente cerca de
20.000 funcionários. As principais tarefas dessa burocracia são guardar
a memória da organização, gerar um debate interno sobre sua própria
atuação, criar um ambiente propício para a realização de negociações
internacionais e realizar os projetos específicos de cada organização.
Os secretários-gerais das diferentes organizações têm impactos di-
ferenciados sobre a direção das mesmas, dependendo, em grande medi-
da, de suas personalidades, do conjunto de alianças específicas que os
mantém no topo da burocracia da organização e das condições geradas
pela política internacional em cada momento histórico. Em alguns ca-
sos, o secretário-geral detém a capacidade de influir significativamente;
em outros, apenas expressa, em seu comportamento, as posições dos
países ou das alianças mais influentes. Cada organização estabelece o
grau de autonomia conferido ao secretário-geral. No caso da ONU, os
artigos 98 e 99 da Carta abrem as portas para que a função do secretá-
rio-geral seja politizada, pois a Assembleia e o Conselho podem delegar
novas funções ao secretário-geral e ele pode trazer à atenção do Conse-
lho de Segurança qualquer questão que ameace a manutenção da paz e
da segurança internacional. Os secretários-gerais encontram-se em uma
posição estratégica, na interseção entre os setores administrativos e po-
líticos das organizações, tendo de lidar com os aspectos supranacionais
e intergovernamentais da organização. Ao mesmo tempo em que diri-
gem uma burocracia que deve ter independência em relação às repre-
Organizações Internacionais: Definição e História 23

sentações nacionais, os secretários-gerais têm a função de negociar com


os representantes dos diferentes países para garantir a aprovação de de-
cisões e a realização de operações. Muitas vezes, a ausência de clara
definição de como realizar uma tarefa, ou mesmo a ambiguidade de
uma resolução, permite ao secretário-geral exercer suas atividades di-
plomáticas com relativa autonomia.
O secretário Hammarskjold, por exemplo, exerceu essa autono-
mia diversas vezes, como na negociação da disputa entre o Camboja e a
Tailândia, entre 1958 e 1960, ou durante a crise do Congo, em 1960-
61. Nesse segundo caso, a ação do secretário diante da crise da operação
da ONU levou a União Soviética a propor a deposição do mesmo e sua
substituição por um grupo de três líderes representando o ocidente, o
bloco comunista e os países independentes. Hammarskjold, contudo,
foi mantido no cargo até sua morte, em setembro de 1960.

História das Organizações Internacionais


A maior parte das organizações internacionais com as quais convi-
vemos hoje foi criada a partir da segunda metade do século XX. Entre-
tanto, para compreendermos o fenômeno, é importante voltarmos para
o século anterior, quando foram estabelecidas as bases para as práticas
das organizações internacionais intergovernamentais e quando surgi-
ram as primeiras organizações não governamentais internacionais.
As organizações internacionais passaram a ter maior relevância na
política internacional no século XIX. No entanto, a Liga de Delos (478
a.C.-338 a.C.), criada para facilitar a cooperação militar entre as cida-
des-Estado gregas e a Liga Hanseática, uma associação de cidades do
norte da Europa que facilitou a cooperação no campo comercial entre o
século XI e XVII, podem ser consideradas congêneres de períodos ante-
riores. Devemos lembrar ainda que, diversos autores, como Emeric Crucé,
Abbé de Saint Pierre e Immanuel Kant,10 desenvolveram propostas de
transformação do sistema internacional, que são precursoras das pro-
postas que acabariam gerando as modernas organizações internacionais.
24 Organizações Internacionais

As grandes conferências de Estados ocorridas desde o século XVI, e


que contribuíram para fixar muitas das normas que definem as rela-
ções internacionais modernas, também são precursoras das OIGs. Fi-
nalmente, a prática do multilateralismo, desde os primeiros séculos da
era moderna, está associada à história das organizações internacionais.
O estabelecimento do princípio do mar territorial, estendendo a sobe-
rania do Estado11 e definindo o acesso ao alto mar, segundo a proposta
de Hugo Grotious,12 foi um importante marco já que surgia uma regra
que deveria ser aplicada a todos os Estados.
Inis Claude salienta que quatro pré-requisitos são necessários para
o desenvolvimento de OIGs: a existência de Estados soberanos; um flu-
xo de contatos significativo entre eles; o reconhecimento pelos Estados
dos problemas que surgem a partir de sua coexistência e da necessidade
da criação de instituições e métodos sistemáticos para regular suas rela-
ções13 (Claude, p.21). Essa era a realidade no século XIX, que permitiu
a criação de um conjunto de OIGs. O processo de industrialização ge-
rou avanços nos transportes e nas comunicações e produziu problemas
impossíveis de serem resolvidos no âmbito do Estado-nação. O aumen-
to da produção e do comércio, aliados à penetração do imperialismo
europeu, permitiu a criação de uma rede complexa de relações econô-
micas em todo o globo. Da mesma forma, a maior interação entre as
elites e as lideranças de movimentos sociais na Europa e nos Estados
Unidos favoreceu o estabelecimento das primeiras organizações não
governamentais de caráter internacional.
O Concerto de Estados Europeu, sistema de conferências iniciado
após o fim das guerras napoleônicas com o Congresso de Viena de 1815,
foi um importante antecessor das modernas OIGs. As conferências não
eram apenas encontros para acertar tratados de paz, como era a prática
até então, mas um fórum no qual as grandes potências — Prússia, Áus-
tria, Rússia, Grã-Bretanha e França (a partir de 1818) — lidavam com a
ordem internacional de uma forma mais geral. Assim, durante o Con-
gresso de Viena, as regras da diplomacia foram codificadas. A distribui-
ção de poder no sistema de Estados, as regras do jogo imperialista, a
Organizações Internacionais: Definição e História 25

formulação de uma legislação internacional e a manutenção da paz en-


tre os Estados europeus foram os principais temas tratados ao longo do
século. O princípio da consulta mútua foi estabelecido, e a prática da
diplomacia multilateral atingiu um novo patamar, embora ainda não
tivesse sido criada uma organização para lidar com a segurança interna-
cional. O Concerto Europeu baseava-se na ideia de que as grandes po-
tências tinham responsabilidades e direitos especiais. Por conseguinte,
os Estados menores não participavam das deliberações, e o interesse
geográfico limitava-se à Europa, embora disputas coloniais entre euro-
peus fossem negociadas.
Ao final do século XIX, o Czar russo, Nicolas II, propôs a convoca-
ção de uma conferência sobre desarmamento. O sistema de Haia, criado
no contexto das duas conferências de paz, em 1899 e 1907, representou
uma mudança qualitativa em termos de universalização da administra-
ção do sistema internacional. O número, a distribuição geográfica e o
tamanho dos Estados representados atestam para a mudança em curso.
Enquanto na primeira conferência estiveram presentes 26 Estados (in-
clusive China, Sião, México e Estados Unidos), a maior parte europeus;
na segunda conferência, 44 Estados enviaram delegados, tendo sido in-
corporados os países latino-americanos.
O desenvolvimento do direito internacional, a formulação de pro-
cedimentos para a resolução pacífica de disputas, a codificação das leis
e costumes quanto à condução da guerra visavam a criar melhores con-
dições de convivência internacional. A preocupação com a paz em abs-
trato, não apenas com a resolução de conflitos ou crises específicas, faz
parte de uma nova perspectiva sobre a administração coletiva do siste-
ma internacional. Nesse sentido, podemos dizer que as Conferências de
Haia desenvolveram uma perspectiva racionalista e legalista para a ad-
ministração do sistema internacional, buscando criar regras baseadas na
razão para lidar com os conflitos internacionais. A Convenção para a
Resolução Pacífica de Disputas, adotada em 1899, e a criação de uma
Corte de Permanente de Arbitragem14 são os resultados institucionais
mais concretos desse processo.
26 Organizações Internacionais

O grau de institucionalização introduzido pelo sistema de Haia


anunciava tendências que só se realizariam plenamente com a criação
da Liga das Nações. A ideia era criar um sistema de conferências regu-
lares, sem haver a necessidade de uma convocação. Esse foi um marco
relevante para a história das OIGs. Ademais, a assembleia de 1907 pro-
pôs que um comitê preparatório deveria ser criado para preparar a con-
ferência seguinte. Planejou-se até mesmo uma sede. As resoluções eram
aprovadas por consenso, mas as recomendações passavam com voto
por maioria. Esse foi um momento crucial na gestação de uma cultura
internacional, que permitiria produzir a Liga das Nações e a ONU anos
depois. Além disso, o legalismo e o racionalismo que marcaram as con-
ferências iriam inspirar a criação da Corte de Justiça Permanente e da
Corte de Justiça Internacional.
Contudo, a terceira conferência, programada para 1915, não foi
realizada, como resultado do início dos combates da Primeira Guerra
Mundial. Os projetos de introduzir o controle de armamentos ou o esta-
belecimento de um mecanismo de arbitragem compulsória não foram
realizados, e a eclosão da Primeira Guerra demonstrou a ineficácia do
sistema.
A Conferência pan-americana, reunida em Washington em 1889 e
1890 foi um fórum regional pioneiro, criando um escritório de divulga-
ção de oportunidades comerciais para países-membro e instaurando um
sistema de conferências regulares que deveriam realizar-se a cada cinco
anos. A União Internacional dos Estados Americanos, criada então, foi a
primeira organização regional a introduzir uma tradição de institucio-
nalização das relações entre os países da região e visava a limitar a auto-
nomia norte-americana para intervir militarmente nas Américas. A re-
gularidade foi interrompida pela Primeira Guerra Mundial, mas a União
Pan-americana já havia sido criada em 1910. As Américas tiveram até a
criação do sistema ONU um papel pioneiro no desenvolvimento das
OIGs e do direito internacional.
Durante o século XIX, surgiu um número grande de organizações
funcionais, ou uniões públicas internacionais, como eram chamadas
Organizações Internacionais: Definição e História 27

então. As transformações econômicas, a assunção de maiores respon-


sabilidades econômicas e sociais pelos Estados e o desenvolvimento
tecnológico foram os fatores mais relevantes que contribuíram para esse
fenômeno. Criava-se um novo campo de atuação dos Estados na esfera
internacional. O barco a vapor, as estradas de ferro, o telégrafo, o cabo
submarino conectando a França e a Inglaterra a partir de 1850 fazem
parte desse cenário que demandava mais coordenação entre governos.
As comissões geradas para administrar os rios europeus, a União Tele-
gráfica Internacional criada em 1865 e a União Postal Universal criada
em 1874 são as mais notáveis agências do período.
Um número grande de agências foi criado para responder às ne-
cessidades de coordenação e cooperação em áreas diversas, como saú-
de, agricultura, tarifas, estradas de ferro, pesos e medidas, patentes e
tráfego de drogas. A necessidade de criar padrões universais no campo
da comunicação, controle de epidemias, pesos e medidas era premente,
em particular para aqueles envolvidos no mundo dos negócios
transnacionais. Esse assunto será discutido no Capítulo 5.
Ainda no século XIX, organizações não governamentais internacio-
nais proliferaram a partir da percepção da existência de questões univer-
sais, como a paz e os problemas sociais. São associações privadas inter-
nacionais com objetivos humanitários, religiosos, econômicos, educa-
cionais, científicos e políticos. A Convenção Mundial antiescravista de
1840 foi um marco importante na história das ONGIs. Ao final do sécu-
lo, organizações pacifistas cresceram nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha,
dentre as quais destacamos: o Congresso Universal para a Paz e a Confe-
rência Interparlamentar. Essas já tinham impacto sobre o sistema de Esta-
dos, sendo a relação entre o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e
as Convenções intergovernamentais de Genebra, de 1864, 1906, 1929 e
1949, o exemplo paradigmático. Em 1910, é criada a União de Asso-
ciações Internacionais. Esse tema será tratado no Capítulo 6.
A criação da Liga das Nações, ao final da Primeira Guerra, foi um
evento de fundamental importância, muito embora a organização tenha
entrado para a história como um ícone de insucesso, tendo sua vida útil
28 Organizações Internacionais

terminada com a violência que se espalhou pela Europa nos anos 30.
Tratava-se da primeira organização internacional universal voltada para
a ordenação das relações internacionais a partir de um conjunto de prin-
cípios, procedimentos e regras, claramente definidos. O conceito de se-
gurança coletiva é introduzido pela primeira vez e foi encontrada uma
síntese entre o princípio da responsabilidade especial das grandes po-
tências, que norteou o funcionamento do Concerto Europeu, e uma
lógica universalizante, presente nas conferências de Haia. O Capítulo 3
aborda esse tema. O processo político em curso ao final da Primeira
Guerra produziu ainda a Corte Internacional Permanente de Justiça.
Esse tribunal, em contraste com a Corte Permanente de Arbitragem, foi
criado como um tribunal de justiça, ou seja, aplica a lei. Em 1946, a
Corte Internacional de Justiça o substituiria.
O início do século XX é um momento histórico em que a crença na
conciliação, mediação ou arbitragem, como formas pacíficas de resolu-
ção dos conflitos internacionais, adquire raízes e se institucionaliza. As
organizações internacionais viriam a ter, a partir de então, um papel
central no desenvolvimento dessas atividades.

MECANISMOS PARA RESOLUÇÃO DE DISPUTAS:

 Bons ofícios: Quando uma terceira parte (indivíduos, Estados, orga-


nizações) oferece o local e outras facilidades para a realização de
uma negociação.
 Mediação: Quando uma terceira parte propõe soluções para uma
disputa ou controvérsia, que as partes podem escolher aceitar.
 Conciliação: Quando se forma uma comissão de conciliação para
ajudar as partes a solucionar a disputa ou a controvérsia.
 Arbitragem: Quando uma terceira parte fornece uma solução para a
conflito que as partes devem aceitar através de um mecanismo ad hoc.
 Adjudicação: Quando uma terceira parte oferece solução para o con-
flito que as partes devem aceitar através de um tribunal permanente.
Organizações Internacionais: Definição e História 29

A estruturação da ONU é marcada pela realidade política ao final


da Segunda Guerra, ou seja, a afirmação da hegemonia norte-americana
no ocidente e o começo da Guerra Fria. Entretanto, ao mesmo tempo o
sistema ONU, que analisaremos nos Capítulos 3 e 4, é depositário das
experiências anteriores: da prática de administração das relações inter-
nacionais pelas grandes potências no âmbito do Concerto Europeu, do
legalismo do sistema de Haia, da coordenação de políticas públicas e
colaboração em áreas específicas pelas organizações funcionais e do pro-
jeto de um sistema de segurança coletiva da Liga das Nações. Sucessora
legal e lógica da Liga das Nações, a ONU representa o ápice do processo
de institucionalização dos mecanismos de estabilização do sistema in-
ternacional, iniciado no século XIX.
As grandes guerras, o desenvolvimento econômico, as inovações
tecnológicas e o próprio crescimento do número de Estados no sistema
internacional, a partir da desagregação dos impérios, favoreceram um
enorme crescimento do número de OIGs e ONGIs na segunda metade
do século XX. Dentre elas, destacamos a formação da Comunidade
Europeia em 1957, fruto de um processo político iniciado ao final da
Segunda Guerra Mundial e que viria a constituir um paradigma para
futuros processos de integração regional.
As organizações intergovernamentais regionais proliferaram no ce-
nário internacional a partir de meados do século passado. A identidade
regional, a percepção de que a interdependência econômica em nível re-
gional pode favorecer o desenvolvimento e melhorar as condições de
competição internacional e as considerações geoestratégicas são fatores
que favoreceram esse processo. Em todos os continentes, podemos ob-
servar a criação de organizações regionais de diferentes tipos.
O final da Guerra Fria trouxe consigo o crescimento do número
de países que compõe as OIGs e um otimismo inicial sobre o papel
dessas, deflagrado com a intervenção no Iraque em 1991, sob a bandei-
ra da ONU, e a Conferência sobre o Meio Ambiente no Rio de Janeiro
em 1992. A ONU, a OTAN e a Organização para Segurança e Coopera-
ção na Europa, por exemplo, incorporaram um número grande de países
30 Organizações Internacionais

sucessores da União Soviética. Outras organizações perderam impor-


tância o Pacto de Varsóvia e o Conselho para assistência Econômica Re-
cíproca encerraram suas atividades em 1991, um exemplo raro de
extinção de organizações internacionais.
O novo ativismo da ONU e de suas agências foi uma característica
marcante do período pós-Guerra Fria. O processo decisório no Conse-
lho de Segurança foi descongelado, e a organização foi chamada a exer-
cer um papel central na administração da segurança internacional. Ob-
serva-se também um ressurgimento das atividades das agências funcio-
nais com a criação de novas agências e maior ênfase em temas como:
meio ambiente, assistência humanitária, combate as atividades crimi-
nais e epidemias, além da proteção aos direitos humanos.
Por outro lado, a proliferação de estruturas mais informais, os ar-
ranjos ad hoc, mencionados no início do capítulo, produzem outros es-
paços sociais importantes para negociações, gestação de normas e exer-
cício da influência de atores estatais e não estatais.
Nesse período, as organizações internacionais foram muito criticadas
pela sua ineficiência, em particular pela alocação de recursos sem a
maximização dos benefícios. As burocracias das OIGs tendem a ser menos
flexíveis do que as burocracias nacionais, já que o recrutamento multi-
nacional, mencionado acima, gera uma necessidade de produção de re-
gras bastante específicas. Em resposta a essas pressões, muitas organiza-
ções adotaram práticas administrativas análogas àquelas das empresas
privadas, inclusive buscando consultar grupos de interesse específicos.15
Hoje, são inúmeras as inquietudes dentre os mecanismos que ad-
ministram as relações internacionais sobre qual deve ou pode ser o pa-
pel das organizações internacionais. A política externa norte-americana
durante a administração de George W. Bush Jr. (2001-2005), as inter-
venções internacionais sem aprovação do Conselho de Segurança da
ONU, a dificuldade de avançar a agenda de proteção ao meio ambiente
e as contradições entre as normas universais proclamadas pela ONU e a
realidade da política internacional geram dúvidas, propostas de reforma
para o sistema ONU e mesmo ceticismo.
Organizações Internacionais: Definição e História 31

Durante as últimas décadas, mudanças importantes na política


mundial modificaram drasticamente o ambiente no qual as organiza-
ções internacionais operam. A crescente consciência face aos problemas
sociais, ambientais e de saúde pública, de natureza global, o desenvolvi-
mento tecnológico, o acesso à internet e a própria proliferação de orga-
nizações internacionais compõem esse quadro. As organizações inter-
nacionais são, portanto, um tema em constante transformação e que
têm gerado um debate cada vez mais intenso entre os especialistas em
relações internacionais, tema que abordaremos no Capítulo 2.

Leituras para Continuar seu Estudo


Abram Chayes & Antonia Handler Chayes, The New Sovereignty Compliance with International
Regulatory Agreements, Cambridge MA, Harvard University Press, 1988.
Ian Hurd, “Legitimacy and Authority in International Politics”, International Organization, n.
53, v. 2, pp. 379-408, 1999.
Innis Claude, Swords into Plowsheres, Nova York, McGraw-Hill, 1986.
Lisa Martin & Beth A. Simmons, International Institutions an International Organization Reader,
Cambridge, Mass, MIT Press, 2001.
Peter Katzenstein, Robert Keohane & Stephen Krasner, “Exploration and Contestation in the
Study of World Politics”, International Organization, número especial, abril, 1999.

Notas
1. Yearbook of International Organizations 2003/04, acesso em 10/05/2004 http://www.uia.org/
services/databases.php. Alguns autores preferem usar a terminologia de ONGs transnacionais,
mas usamos aqui a adotada pela União das Associações Internacionais (UIA), ou seja,
ONGIs. A UIA foi fundada em 1907, em Bruxelas, como Escritório Central de Associações
Internacionais, renomeado UIA em 1910, durante o Primeiro Congresso Mundial das As-
sociações Internacionais. A UIA permanece sendo a maior referência para documentação
das ONGIs, principalmente através de sua publicação anual referida acima. Para detalhes,
veja o site http://www.uia.org/. John Boli destaca que o Escritório Central de Associações
Internacionais foi ativo na criação da Liga das Nações e do Instituto Internacional de Coo-
peração Intelectual (Boli & Thomas, 1999, p.20). Para uma análise crítica da metodologia
usada pela UIA, veja o trabalho de Sikking e Smith (Sikking & Smith, 2002, pp.26-30).
2. O conceito de governança global aparece no relatório da Comissão para Governança global
de 1995. O conceito se distingue da ideia de governo já que as medidas em pauta não são
garantidas por uma autoridade formal. Trata-se assim de um conceito mais amplo, que
envolve a cooperação, regras e normas que permitem a resolução de problemas em diver-
32 Organizações Internacionais

sas áreas de convivência. Veja o relatório da Comissão sobre Governança Global (Comission
on Global Governance, 1995). Veja também o site do Centro de Estudos sobre Governança
Global da London School of Economics, que conta com a participação de Mary Kaldor e
David Held, entre outros, e que possui diversas publicações sobre a governança global e a
sociedade civil internacional: http://www.lse.ac.uk/Depts/global/AboutCsGG.htm.
Veja ainda o trabalho de James Rosenau para uma apresentação do conceito
(Rosenau,1992, p.4).
3. O G7/G8 congrega os países mais desenvolvidos do mundo — Estados Unidos, França,
Alemanha, Itália, Japão, Canadá, Grã-Bretanha e Rússia (desde 1994) — para discutir ques-
tões econômicas, políticas e de segurança. Eles realizam uma reunião de chefes de Estados
anualmente e outras reuniões a nível ministerial.
4. Para esse assunto, veja o artigo de John Ruggie (Ruggie, 1993).
5. Proibição da discriminação contra importações de países que produzem o mesmo produto.
6. Esse argumento é desenvolvido por Michael Barnett e Martha Finnemore (Barnett &
Finnemore, 2001).
7. O tema é discutido por Ian Hurd, que salienta que existem três formas de garantir que uma
regra seja obedecida: coerção, autointeresse e legitimidade. O autor considera o conceito de
legitimidade como um dos mecanismos de ordenamento do sistema internacional (Hurd,
1999).
8. Essa discussão é desenvolvida por Ricardo Seitenfus (Seitenfus, 1997).
9. Essa regra é aplicada apenas aos Estados que assinaram os novos protocolos da IAEA.
10. A proposta de Abbé Saint-Pierre (Project of Perpertual Peace, 1713) incluía a criação de uma
liga de Estados e uma corte internacional, representando os Estados Europeus, com poder
para arbitrar as disputas e impor sanções caso necessário. Eméric Crucé propôs a criação
de uma federação mundial. Ele apontava para a superficialidade das diferenças entre os
homens — cristãos, mulçumanos, judeus e pagãos teriam lugar no desenho de sua federa-
ção (Crucé, 1909). Immanuel Kant, autor que apresentamos no Capítulo 2, escreveu sobre
a formação de uma cidadania cosmopolita e de uma federação de repúblicas (Kant, 1970).
11. O mar territorial foi estabelecido em três milhas, já que esse era o alcance de um canhão
baseado em terra no início do século XVII.
12. Hugo Grotious foi um teórico do direito internacional, tendo escrito um dos textos funda-
dores do direito internacional moderno, De Jure Belli ac Pacis, em 1625.
13. Veja o livro de Innis Claude para essa discussão (Claude, 1984, p. 121).
14. A Corte funciona no Palácio da Paz em Haia desde 1913, lidando com disputas envolven-
do Estados, OIGs e atores privados, direito público e privado. Trata-se de um aparato que
permite a montagem de tribunais de arbitragem. Veja http://pca-cpa.org.
15. Essa discussão é feita por Veijo Heiskanen (Heiskanen, 2001).
CAPÍTULO

2
Contribuições Teóricas para o
Estudo de Organizações Internacionais

P RINCIPAIS QUESTÕES ABORDADAS :

 A história dos estudos sobre organizações internacionais.


 A teoria realista e sua contribuição para o debate sobre o papel
das organizações internacionais.
 As perspectivas liberais e a relevância das instituições.
 O funcionalismo e a versão de David Mitrany do papel das organiza-
ções internacionais.
 O neofuncionalismo e o estudo da integração regional.
 O marxismo e a crítica às organizações internacionais.
 O cosmopolitismo e suas questões normativas e éticas.
 O construtivismo e a leitura sociológica das organizações.

Introdução
A disciplina de relações internacionais, ao longo de sua história,
iniciada nas primeiras décadas do século XX, produziu um conjunto
de teorias, conceitos e debates que visa à criação de conhecimento
34 Organizações Internacionais

sobre o sistema internacional. O debate teórico esteve presente desde


o começo do delineamento do estudo de relações internacionais como
uma disciplina específica, ainda nas primeiras décadas do século XX.1
As diferentes perspectivas teóricas buscam, entre outros objetivos, ex-
plicar a cooperação e o conflito entre os principais atores do sistema
internacional, a produção de mecanismos de estabilização do mesmo
e as formas como esse sistema político é governado, na ausência de
aparato estatal central. Nesse sentido, as diferentes teorias, com maior
ou menor ênfase, têm algo a dizer sobre as organizações internacio-
nais. Assim, apresentaremos a seguir uma descrição sucinta da contri-
buição das teorias relevantes para o estudo das organizações interna-
cionais.2
A área de estudos sobre organizações internacionais desenvolveu-
se ao longo do século XX, tendo momentos de maior e menor produti-
vidade, sendo influenciada por processos históricos como a criação do
sistema ONU após a Segunda Guerra ou o novo ativismo das organi-
zações internacionais ao final da Guerra Fria, assim como pelo trajeto
dos debates teóricos da disciplina. Começaremos com uma breve histó-
ria dessa área de estudos.
Apontamos as principais questões associadas aos principais gru-
pos teóricos da disciplina de relações internacionais. Daremos es-
pecial ênfase às contribuições das teorias ao estudo das instituições
internacionais, visto que são fundamentais para a compreensão do pa-
pel, funcionamento e impacto das organizações internacionais. Du-
rante os últimos 25 anos, em particular, grande parte das discussões
teóricas no campo das relações internacionais foi composta por ar-
gumentos sobre o papel, a origem, as dinâmicas e o formato das ins-
tituições, além de seu impacto sobre o comportamento dos Estados.
O debate sobre as organizações internacionais está intimamente as-
sociado a essa realidade, mas apresenta peculiaridades ilustradas a
seguir.
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 35

História da Área
As pesquisas sobre organizações internacionais fazem parte de uma
extensa área de estudos sobre as formas como o sistema internacional se
governa. São estudos sobre os diferentes mecanismos que garantem às
relações entre os Estados e outros atores uma certa medida de estabili-
dade e continuidade, mantendo e transformando a estrutura do sistema
internacional e, em particular, seu princípio organizacional: a soberania
dos Estados nacionais. Ao mesmo tempo, é possível delinear um campo
específico de estudos sobre organizações internacionais, interligado aos
trabalhos sobre instituições, integração, regimes internacionais e outros.
A história desse campo de estudos está ligada, por um lado, às ca-
racterísticas da agenda internacional e, por outro, às transformações teó-
ricas e metodológicas da disciplina de relações internacionais como um
todo. O nascimento da disciplina e o primeiro debate entre liberais e
realistas nos anos 30 e 40, em que se estabeleceu um contraste entre o
balanço de poder, o direito internacional e as organizações internacionais
como formas de gerar ordem no sistema internacional, são o marco ini-
cial para a compreensão da história desse campo de estudos.
A crença na possibilidade de progresso e no potencial da razão
para enfrentar o flagelo da guerra está na origem da disciplina no pós-
Primeira Guerra Mundial. Na época, as propostas do presidente norte-
americano Woodrow Wilson e dos movimentos pacifistas, para que o
direito internacional, a arbitragem internacional ou uma organização
internacional evitassem conflitos armados, estavam presentes em de-
bates públicos e nos currículos dos cursos de relações internacionais,
que eram criados na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. As publica-
ções do período, na maior parte voltadas para a história diplomática e
o direito internacional, abordavam as diferentes propostas ao longo da
história do moderno sistema de Estados, de criação de Ligas, federa-
ções e organizações internacionais que evitariam as guerras.3 O ambi-
ente menos otimista instaurado a partir dos anos 30 favoreceu a pro-
dução de uma literatura crítica às crenças que haviam marcado o deba-
36 Organizações Internacionais

te público sobre as relações internacionais até então. Os trabalhos de


Edward Hallett Carr e Hans Morgenthau são considerados um marco,
por enfatizarem as relações de poder entre os Estados e estabelecerem
as bases da hegemonia do pensamento realistas que caracterizaria a
disciplina (Carr, 1939; Morgenthau, 1948).
O estudo das organizações internacionais, como definidas no Ca-
pítulo 1, é um fenômeno que acompanha o crescimento das OIGs após
o final da Segunda Guerra Mundial. O otimismo inicial quanto ao seu
papel na nova arquitetura do sistema internacional, com a criação do
sistema ONU, impulsionou estudos bastante específicos. Por outro lado,
a partir da década de 1950, a hegemonia da perspectiva realista, que,
como veremos adiante, não confere maior relevância às organizações
internacionais, impediu que recursos humanos e financeiros fossem
alocados para o desenvolvimento do campo de estudos como foram
para outras áreas, como estudos estratégicos.
Trabalhos sobre as OIGs, concentrando-se nos atributos formais
das organizações, como seu mandato constitucional, procedimentos de
votação, análise de suas cartas constitutivas e estruturas dos comitês são
gerados nesse período (Goodrich & Simons, 1955; Knorr, 1948; Sharp,
1953; Rolin, 1954). Ao mesmo tempo, já aparecem textos indicando as
tensões entre os processos decisórios formais e a realidade da política
internacional. O uso do veto no Conselho de Segurança, por exemplo,
como expressão das relações internacionais durante a Guerra Fria, e o
voto em bloco na Assembleia Geral são salientados (Padelford, 1948;
Ball, 1951; Moldaver, 1957). Embora os textos do período já tragam
questões que serão desenvolvidas mais tarde, não há um quadro de refe-
rência conceitual que permita o avanço de um programa de pesquisa
mais integrado.
Os padrões de votação foram um tema particularmente explorado,
tendo os estudos sobre os padrões de votação no congresso norte-ame-
ricano exercido clara influência sobre autores como Hayward Alker e
Bruce Russet (Alker & Russet, 1965). A forma como determinados paí-
ses tendiam a votar em bloco, ou a formação de coalizões legislativas, foi
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 37

investigada. A partir do final da década de 1950, o ambiente acadêmi-


co, marcado pela chamada “revolução behaviorista”, favorecia estudos
baseados em dados empíricos acessíveis.4 A necessidade de reformar o
desenho institucional das organizações também é apontada (Finkelstein,
1955; Riggs, 1960, Claude, 1961).
Na década de 1960, ocorre uma separação analítica entre a discus-
são sobre mecanismos de estabilização do sistema internacional e o es-
tudo sobre o que as organizações internacionais fazem. Tratava-se então
de descobrir qual seria a função específica das OIGs (Kratochwil &
Ruggie, 2001). O trabalho de Inis L. Claude contribui para essa modifi-
cação, assinalando diferentes formas de governo no sistema internacio-
nal e o papel da ONU como geradora de legitimidade. Os estudos pas-
sam a abordar questões mais substantivas, concentrando-se nos proble-
mas que as OIGs podiam resolver. Diversos problemas são focalizados:
paz e segurança, segurança nuclear, assistência ao processo de
descolonização e ajuda ao desenvolvimento. Nos anos 70, também há o
enfoque no papel das organizações internacionais na reestruturação das
relações norte-sul ou na administração do ambiente.
Um estudo mais sistemático dos padrões de influência que deter-
minam o conteúdo das resoluções, os orçamentos, a forma como os
Estados votam e a orientação geral das organizações, se afastando da
tendência a tratar as votações na Assembleia Geral como o centro da
política mundial, é editado por Robert Cox e Harold K. Jacobson, na
década de 1970. (Cox & Jacobson, 1973). Trata-se de um trabalho
sobre oito agências especializadas da ONU, no qual as organizações
internacionais são analisadas como sistemas políticos distintos. Pela
primeira vez, relações transgovernamentais são consideradas, ou seja,
coalizões envolvendo partes de governos e partes das organizações in-
ternacionais.
A discussão sobre a relação entre as características do sistema inter-
nacional e o papel das organizações internacionais torna-se uma orien-
tação marcante da bibliografia nos anos 70. A transferência de legitimi-
dade coletiva, a formação de agenda, fóruns para a formação de coali-
38 Organizações Internacionais

zões e formas de coordenação de políticas transgovernamentais são al-


guns dos papéis das organizações internacionais abordados nesse contex-
to (Hoffmann, 1970; Nye, 1974). A crítica à visão realista do sistema in-
ternacional, em particular ao tratamento exclusivo das relações interestatais,
favoreceu o desenvolvimento de estudos sobre outros atores, como as
OIGs e as ONGIs. A maior abertura para a análise de atores subestatais,
como agências do governo, também representou um impulso para a
compreensão de como interagem no contexto das OIGs.
Os estudos sobre integração regional propunham que nem as orga-
nizações internacionais existentes nem os Estados nacionais seriam su-
ficientes para lidar com os crescentes problemas internacionais. O con-
ceito de integração regional foi o único conceito amplo capaz de estruturar
o campo de estudos, até o aparecimento dos trabalhos sobre regimes
internacionais nos anos 80. Entre meados dos anos 50 e meados da
década de 1970, as teorias de integração foram formuladas em diferen-
tes vertentes, como o neofuncionalismo e o intergovernamentalismo,
abordadas a seguir. Contudo, a estagnação do processo de integração
política na Europa, frustrando boa parte das expectativas acumuladas
após a Segunda Guerra Mundial, e as críticas epistemológicas e concei-
tuais aos trabalhos produzidos até então geraram uma crise nesse cam-
po de estudos, e muitas questões levariam 10 ou 15 anos para serem
retomadas. O novo ímpeto integracionista na Europa, a partir da meta-
de da década de 1980, produziu uma retomada dos estudos sobre
integração com o relançamento do programa de pesquisa neofuncionalista
e o desenvolvimento de outras perspectivas.
Trabalhos sobre regimes internacionais dominaram os estudos so-
bre instituições internacionais durante os anos 80, surgindo como re-
sultado de debates anteriores sobre interdependência, sobre a manuten-
ção das normas internacionais diante do suposto declínio da hegemonia
norte-americana, além da inoperância da ONU naquele período (Krasner,
1982). O tratamento de normas no contexto internacional, abandonado
com o advento da revolução behaviorista, foi retomado pela literatura
sobre regimes. O conceito buscava responder por que, apesar dos sinais
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 39

de declínio da hegemonia norte-americana e a consequente crise das


instituições internacionais, um conjunto de normas que regiam as rela-
ções internacionais continuavam a ser respeitadas. Essa bibliografia lida
com o processo de formação dos princípios, normas, regras e procedi-
mentos, que compõem diferentes regimes e seu impacto sobre o com-
portamento dos atores; a dimensão subjetiva das normas e a relação
entre regimes e cooperação internacional.5
A Escola Inglesa, que desenvolveu o conceito de sociedade interna-
cional, buscando analisar a ordem internacional a partir da existência
de normas e valores, também é um marco para os estudos sobre institui-
ções internacionais (Wright, 1977 e Bull, 1977). No entanto, a visão
ampla e histórica do sistema internacional, da qual partem esses auto-
res, não favoreceu o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa sobre
instituições internacionais profícua nesse período.
Os estudos sobre organizações formais não galvanizaram esforços
até um período posterior, tornando-se marginais. Contudo, na medida
em que os regimes, em alguns casos, geram organizações internacionais
— e a bibliografia trata das possibilidades e/ou dificuldades da coopera-
ção internacional —, ela estabeleceu parâmetros importantes para a in-
vestigação das organizações internacionais. Ademais, um tratamento mais
diversificado das organizações internacionais pode surgir, uma vez que
cada área específica — cada regime — requer uma forma de regulação
particular e o lugar das organizações varia em cada uma delas. A litera-
tura sobre desenho organizacional, por exemplo, busca estabelecer a
adequação entre arranjos institucionais e problemas específicos (Joyce
& Van de Vem, 1981). Os trabalhos sobre regimes continuam ocupando
especialistas, tendo se consolidado como uma área de estudos impor-
tante. Novas áreas temáticas foram incorporadas e atores não estatais
passaram a fazer parte das análises, tendo alguns regimes um caráter
eminentemente privado.6
Nos anos 90, observa-se um significativo aumento do número de
publicações, apresentações em conferências internacionais sobre orga-
nizações internacionais, além da presença do tema em currículos uni-
40 Organizações Internacionais

versitários. Ocorre uma modificação do lugar desse campo de estudos


no contexto mais amplo da disciplina de relações internacionais, em
função do novo otimismo sobre o papel das organizações internacionais
no pós-Guerra Fria, mas também como resultado da incorporação de
novos instrumentos analíticos aos estudos. As organizações passam a
ser tratadas como atores, e abre-se uma janela para incorporar a discus-
são sobre as organizações “como organizações” através da incorporação
da sociologia das organizações aos instrumentos analíticos utilizados.
Por outro lado, o debate sobre atores transnacionais, que teve gran-
de impacto sobre a disciplina nos anos 70, foi recuperado a partir do
final dos anos 80.7 Nesse contexto, o conceito de sociedade civil global
adquire grande relevância, permitindo uma avaliação diferenciada do
papel e do comportamento das ONGIs. Eventos em que as ONGIs tive-
ram um papel importante — como a Conferência de 1992 sobre meio
ambiente, realizada no Rio de Janeiro; o debate sobre a sociedade civil
global e o processo de globalização; além da crescente influência das
ONGIs nas OIGs e sobre os governos nacionais — despertaram o inte-
resse de especialistas.
Na medida em que as organizações internacionais passaram a ad-
quirir um papel central na política internacional e a tornar-se tema de
debate público em diversas partes do mundo, uma bibliografia crítica
emergiu. As organizações internacionais são veementemente criticadas
como uma força desestabilizadora, em especial na forma de sua inter-
venção em conflitos internacionais ou porque perpetuam o subdesen-
volvimento de determinadas regiões.8 Outros autores as veem como
um empecilho ao funcionamento normal das forças do mercado par-
tindo das premissas do liberalismo econômico. As deficiências admi-
nistrativas são amplamente discutidas em fóruns políticos e na biblio-
grafia (Pitt &Weiss, 1986). A ineficiência das OIGs como forma de admi-
nistrar as relações entre os atores internacionais também é discutida
(Conybeare, 1980). A relação entre as organizações internacionais e os
mecanismos de reprodução das formas de dominação capitalistas são
tratadas por autores marxistas.
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 41

Realismo
A tradição realista foi, durante muito tempo, dominante na disci-
plina de relações internacionais e, como vimos, isso explica parcialmen-
te a ausência de uma vasta bibliografia sobre organizações internacio-
nais até o final da Guerra Fria. Segundo essa perspectiva, os principais
atores no sistema internacional são os Estados, entendidos como atores
unitários, que buscam maximizar seu poder e sua segurança.9 A ausên-
cia de uma autoridade supranacional, ou de uma hierarquia baseada em
uma estrutura de autoridade, leva à caracterização do sistema internacio-
nal como anárquico. Uma distinção rígida entre a esfera doméstica na
qual o progresso, a ordem e a paz são possíveis, e a esfera internacional
na qual reina a anarquia, a desordem e a guerra é um pressuposto bási-
co. Essa é uma realidade permanente, a teoria realista não vislumbra
uma transformação da natureza do sistema internacional, embora as
relações de poder se transformem. O aspecto central a ser analisado é o
poder ou as relações de poder; são focalizadas as capacidades dos Esta-
dos, ou seja, os recursos de poder militares, econômicos ou políticos e
as relações de poder, ou a possibilidade de influenciar ou determinar o
comportamento do outro.
Assim, autores realistas criticam a proposição de que instituições
podem mudar aspectos importantes do sistema internacional e não con-
ferem relevância ao papel de atores não estatais como as ONGIs
(Mearsheimer, 1994; Grieco, 1988). John Mearsheimer, em particular,
dedicou-se a demonstrar a falta de evidências empíricas indicativas de
que as instituições mudam os padrões de comportamento dos Estados,
especialmente na área da segurança.
A cooperação é dificultada pela natureza insegura do sistema in-
ternacional. Além do receio de que a cooperação acordada não será res-
peitada, os realistas salientam que a ausência de governo gera uma luta
constante pela sobrevivência e pela independência. Logo, é impossível
ignorar a posição dos outros atores na hierarquia de poder do sistema,
pois os amigos de hoje podem ser os inimigos de amanhã. Dessa forma,
42 Organizações Internacionais

os atores são movidos pela falta de confiança no outro e pela lógica dos
ganhos relativos. Se a posição de cada ator na hierarquia de poder do
sistema é considerada fundamental, a colaboração que favorece o outro
tende a ser vista como uma possível perda.
Na medida em que a cooperação, embora presente no sistema in-
ternacional, seja limitada pelas condições de anarquia, o papel das orga-
nizações internacionais como atores e, por vezes, até como fóruns rele-
vantes, é questionado. As OIGs não têm poder nem autoridade para
fazer as decisões serem cumpridas, e os Estados optam por obedecer às
regras e normas criadas, de acordo com seus interesses nacionais. Elas
são tratadas como barcos vazios, existindo somente enquanto servem
aos interesses dos Estados. As organizações são fundamentalmente ins-
trumentos usados pelos Estados mais poderosos para atingir seus obje-
tivos. Elas só exercem funções importantes quando expressam a distri-
buição de poder no sistema internacional. Apenas quando os atores mais
poderosos acordam a utilização conjunta das OIGs para realização de
seus objetivos é esperado que elas se tornem efetivas.
Embora para alguns realistas que se concentram na análise da es-
trutura anárquica do sistema internacional as instituições internacio-
nais não mereçam o esforço dos pesquisadores, outros compreendem
que a relação entre cooperação e instituições deve ser analisada. O estu-
do da cooperação sob condições de anarquia é a orientação dada à pes-
quisa. Para autores como Robert Gilpin, Stephen Krasner e Joseph Grieco,
a distribuição de capacidades é a variável central para a explicação sobre
a natureza ou a efetividade das instituições (Gilpin, 1981; Krasner, 1991,
Grieco, 1990). A teoria da estabilidade hegemônica, por exemplo, pro-
põe que a presença de um líder poderoso é fundamental para manter o
funcionamento das instituições internacionais. Apenas quando se ob-
serva a presença de um ator hegemônico, é possível garantir a criação e
o respeito pelas normas (Kindleberger, 1981). Por outro lado, outros
autores desenvolvem estudos de como os Estados usam as OIGs racio-
nalmente ou qual é o desenho institucional mais racional a partir da
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 43

perspectiva dos interesses dos Estados (Gruber, 2000; Koremenos,


Lipson & Snidal, 2001).
A maior contribuição da perspectiva realista ao estudo sobre orga-
nizações internacionais está na constante contestação dos pressupostos
e resultados das pesquisas desenvolvidas por autores associados a ou-
tros grupos teóricos. Seu ceticismo em relação ao papel das instituições
internacionais, particularmente quanto ao seu impacto sobre a natureza
do sistema internacional, sua preocupação com o conceito de poder e a
demanda por demonstrações empíricas impulsiona, por meio do deba-
te, a pesquisa sobre organizações internacionais.

Liberalismo
A tradição liberal do pensamento sobre relações internacionais
não pode ser tratada como um bloco coeso. As ênfases são variadas e a
associação com diferentes pensadores clássicos da filosofia, do direito e
da economia política já indica a presença de uma ampla gama de propo-
sições sobre a natureza das relações internacionais. Para fazer um estu-
do detalhado das ideias dos autores liberais, é necessária uma volta aos
textos clássicos de Immanuel Kant, Hugo Grotious, Adam Smith e Jeremy
Bentham e uma análise cuidadosa de sua apropriação e revisão pela dis-
ciplina de relações internacionais em diferentes momentos históricos.
Observemos, portanto, a relevância dessa tradição para o estudo das
organizações internacionais partindo de uma ideia básica que permite
agrupar uma coleção tão heterogênea, ou seja, o pressuposto da racio-
nalidade como característica básica da humanidade que abre as portas
para o potencial de transformar as relações sociais e realizar o progresso
(lembrando que a racionalidade está, em última instância, depositada
nos indivíduos). A crença no progresso indica que é possível transcen-
der a política do poder ou o caráter endêmico da guerra.
Uma série de discussões sobre os caminhos para reformar o siste-
ma internacional se abre a partir deste pressuposto: um fluxo mais in-
tenso de comércio favorece a paz, regimes políticos democráticos ou
44 Organizações Internacionais

republicanos estão associados a relações pacíficas entre os Estados e, o


mais importante para este trabalho, a construção de instituições inter-
nacionais pode transformar as relações entre os atores no sistema inter-
nacional. Essa última versão está historicamente associada às propostas
do Presidente Woodrow Wilson,10 ao final da Primeira Guerra Mundial,
que deram origem à formação da primeira organização internacional
universal — a Liga das Nações, que será vista no Capítulo 3.
A tradição liberal é o fundamento de propostas que envolvem o
papel das organizações e do direito internacionais para a geração de
mais cooperação e mais ordem no sistema internacional. Como há uma
relação inerente entre razão e paz, há um enfoque nos mecanismos que
potencializam o uso da razão como o direito, a arbitragem, a negociação
e a administração coletiva dos conflitos.
Da mesma forma que no plano doméstico, pensadores liberais pro-
põem formas de controle do exercício do poder. No plano internacio-
nal, as instituições como o direito, as organizações e outras representa-
rão um limite ao exercício do poder dos Estados e de sua soberania. Na
interseção entre a esfera internacional e a esfera doméstica está o exer-
cício da política externa, que os liberais propõem tornar mais transpa-
rente, como na proposta de Woodrow Wilson de uma diplomacia aber-
ta, em contraposição à diplomacia secreta das elites do século XIX.
Nos anos 70, o domínio realista sobre os estudos de relações in-
ternacionais é questionado, a partir de constatações sobre a crescente
interdependência entre as sociedades e sobre a sobrevivência das ins-
tituições criadas no pós-Segunda Guerra, mesmo em face das crises
daquele período, como o aumento dos preços do petróleo, o colapso
dos arranjos monetários de Bretton Woods, o crescimento da dívida
do terceiro mundo e o declínio do poder econômico norte-americano
em relação à Europa e ao Japão.11 Na década seguinte, o chamado
neoliberalismo institucionalista desenvolveu um programa de pesqui-
sa fundamentalmente associado ao estudo de regimes internacionais,
enfrentando a compreensão de autores realistas de que as instituições
não são relevantes.
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 45

Os trabalhos de autores vinculados ao liberalismo nessa fase são


mais descritivos ou buscam construir teorias empiricamente verificáveis,
atendo-se ao projeto de construção de uma ciência das relações interna-
cionais; um movimento similar àquele ocorrido dentre especialistas rea-
listas. Questões éticas são deixadas de lado. O papel das instituições
internacionais adquire lugar central, mantendo-se hegemônica a ideia
de que o Estado é o principal ator do sistema internacional.12 O livro de
Robert Keohane e Joseph Nye, publicado em 1977 (Keohane, Nye, 1977),
no qual o papel das instituições internacionais no contexto da inter-
dependência complexa é discutido, teve um impacto marcante sobre o
debate no período.13 A percepção de que as instituições internacionais
podem mudar as relações entre Estados é o grande divisor de águas que
separa liberais e realistas no debate que ficou conhecido como aquele
entre neoliberais e neorrealistas dos anos 80.14

O DEBATE ENTRE NEOLIBERAIS


E NEORREALISTAS NOS ANOS 80:

 Neorrealistas: O poder é a principal variável para a compreensão do


sistema internacional. As relações de poder são relativas; cada Es-
tado objetiva estar em uma posição superior na hierarquia de poder
do sistema internacional. A cooperação só ocorre quando os Estados
mais poderosos entendem que ela realiza seus interesses e é difícil
de manter. Enfatizam a preocupação com a sobrevivência dos Esta-
dos em um sistema anárquico. As relações de poder militares são
fundamentais. As instituições internacionais não têm um impacto
significativo sobre as relações internacionais.
 Neoliberais: O poder e a circulação de informação através das ins-
tituições são as principais variáveis para a compreensão do siste-
ma internacional. As relações de poder são absolutas, cada Estado
busca acumular recursos de poder. As instituições têm um papel
crucial em facilitar a cooperação.
46 Organizações Internacionais

Por outro lado, o processo de transnacionalização também é con-


siderado, sendo ONGIs, redes de interesses e grupos de pressão trans-
nacionais incluídos nas análises propostas. Com o fim da Guerra Fria e
a intensificação do processo de globalização, houve um significativo au-
mento no número de estudos que partem dos pressupostos liberais.
O neoliberalismo institucionalista trata o conflito e a cooperação
com apenas um aparato lógico, em contraposição à tradição anterior no
campo das relações internacionais, em que algumas correntes concen-
travam-se nas relações cooperativas, e, outras, nas relações conflituosas.
Nesse sentido, a divisão rígida entre a ênfase sobre as possibilidades de
cooperação e a inevitabilidade do conflito, que marcou o debate entre as
disciplinas no começo do século XX, é superada. A existência de confli-
to e a possibilidade de coordenação de políticas não são antitéticas; por-
tanto, não é necessário partir da ideia de harmonia de interesses para
fazer o percurso da cooperação. Em contraposição aos autores realistas,
parte-se da premissa de que os Estados buscam melhorar sua posição
no sistema internacional, auferindo ganhos absolutos, independente da
posição dos outros atores.
Os Estados, principais atores do sistema internacional, são caracte-
rizados como atores racionais movidos pelo autointeresse. Essa litera-
tura tem como suporte teórico primordial as teorias de escolha racional,
ou seja, pressupõe que os atores são racionais e calculam a utilidade
(vantagens) de caminhos alternativos, escolhendo aquele que maximiza
as utilidades nas circunstâncias em que se encontra.15 Da mesma forma
que os autores realistas do mesmo período, os neoliberais instituciona-
listas são influenciados pela literatura que trata do papel de firmas dian-
te das imperfeições do mercado. A realidade da política internacional
seria análoga à realidade do mercado, na qual convivem atores que bus-
cam maximizar utilidades em um contexto competitivo. Assim como as
firmas, as instituições podem corrigir problemas gerados por informa-
ções incompletas e altos custos de transação.16
A incerteza que configura o sistema internacional dificulta a cons-
trução de relações cooperativas, particularmente porque é muito difícil
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 47

confiar nas promessas dos atores. As instituições têm a função de dimi-


nuir o grau de incerteza por meio da geração de transparência e da rea-
lização de conexões entre diferentes questões através do tempo (linkage).
A maior transparência e a existência de conexões entre questões ajudam
a diminuir o medo da trapaça, aumentando a disposição dos atores de
envolverem-se em arranjos cooperativos. Dessa forma, a circulação de in-
formação através das instituições pode transformar o sistema interna-
cional (Keohane, 1984). Nesse sentido as instituições realizam os inte-
resses dos Estados.
A teoria dos jogos não cooperativos é frequentemente utilizada
para mostrar como a cooperação é difícil, mas possível. Nesse tipo de
modelo, os atores são racionais e egoístas e não há um terceiro ator que
garanta o cumprimento dos acordos. A presença de instituições que
favorecem a reciprocidade e a confiança mútua é fundamental (Axelrod
& Keohane, 1985). Modelos formais, que reproduzem os interesses e
as decisões dos atores, diante da possibilidade de cooperação (forma-
ção de acordos) e/ou coordenação (estabelecimento de convenções),
são aplicados para explicar o comportamento dos atores.17 Pergunta-se
como gerar cooperação — o melhor resultado do ponto de vista coleti-
vo —, se um comportamento não cooperativo é a escolha mais racional
para um indivíduo. As relações contínuas entre atores egoístas, ou
seja, a repetição dos jogos, favorece a cooperação, uma vez que ocorre
uma “sombra sobre o futuro”, ou seja, as ações do presente são influen-
ciadas pela noção de que a interação se repetirá, passando a ser interes-
sante gerar a expectativa de cooperação. Estados com uma reputação
negativa terão dificuldades em serem aceitos como parceiros de meca-
nismos de cooperação. Essa continuidade é muitas vezes sustentada
pelas instituições ou organizações internacionais.
As instituições são identificadas como uma solução possível para
os problemas de produção de bens públicos ou coletivos.18 A literatura
sobre bens públicos salienta a dificuldade de prover esses bens ou esta-
belecer quem irá arcar com os custos de sua produção. As OIGs podem
criar incentivos para a produção de bens públicos.
48 Organizações Internacionais

O JOGO “DILEMA DO PRISIONEIRO”

O diretor de uma prisão precisa de uma confissão voluntária de um


dentre dois prisioneiros que cometeram um crime juntos. Ele oferece
ao prisioneiro 1 sua liberdade se ele confessar o crime antes do prisio-
neiro 2. Assim, ele poderia condenar o prisioneiro 2. Mas o diretor tam-
bém estabeleceu que se o prisioneiro 2 confessasse antes, o mesmo
seria libertado e o prisioneiro 1 seria condenado. Caso os dois confes-
sassem no mesmo dia, os dois seriam condenados a uma pena menor.
Caso nenhum dos dois confessasse ambos seriam libertados. As mesmas
condições foram apresentadas ao prisioneiro 2. Se os prisioneiros cola-
borarem, eles podem obter uma solução mais favorável. Seria o caso
de os dois optarem por não confessar. Mas atores racionais em um am-
biente competitivo, sem informação perfeita (no caso sobre qual a es-
tratégia escolhida pelo outro prisioneiro), tendem a fazer a opção que
acaba gerando uma solução menos favorável para os dois em conjunto.
Isso ocorrerá se ambos optarem pela confissão. A repetição do jogo “n”
vezes geraria uma maior propensão para a cooperação. A repetição e a
disponibilidade de informação é justamente a forma como as institui-
ções, segundo os neoliberais institucionalistas, estimulam a opção por
uma estratégia de colaboração por parte de atores racionais e egoístas.

As OIGs facilitam a ação coletiva a partir da ativação de uma série


de mecanismos que modificam as condições do ambiente internacional.
Os mecanismos estudados diminuem os custos de transação, ou seja,
criam um ambiente que facilita as negociações. As normas estabelecidas
diminuem os custos de transação,19 pois uma negociação já começa com
alguns parâmetros estabelecidos. Ademais, as instituições favorecem o
cumprimento dos acordos, diminuindo os custos de controlar o com-
portamento dos atores, lidando assim com os problemas de aquiescên-
cia. Nesse sentido, o monitoramento, as sanções e a publicação de infor-
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 49

mações são papéis cruciais que podem ser exercidos pelas organiza-
ções internacionais. Finalmente, as instituições estabelecem regras para
distribuição de ganhos da ação coletiva. As preferências dos atores não
são modificadas nesse processo, apenas a sua disposição de negociar e
se ater aos acordos estabelecidos.
Os liberais reformistas, por sua vez, salientam a necessidade de
transformar o sistema internacional por meio da maior democratização
das instituições (McGrew, 2003). O déficit democrático das organiza-
ções internacionais é um tema recorrente e propõe-se a busca de mais
representatividade, transparência e responsabilidade (Falk, 1995; Co-
missão para a Governança Global, 1995). Discutem-se assuntos como a
presença de atores não estatais e o papel da sociedade civil transnacional,
e prevalece a visão de que a movimentação destes setores favorece a
democratização do sistema (Rosenau, 1990, 1997).
As instituições internacionais também são tratadas por alguns au-
tores liberais como estruturas que constrangem e moldam o comporta-
mento dos Estados. Dessa forma, embora sejam criadas pelos Estados,
elas, ao longo da sua história, têm um impacto sobre seu comportamen-
to, inclusive limitando as opções disponíveis para suas políticas exter-
nas e domésticas. O caráter da hegemonia norte-americana no pós-Se-
gunda Guerra é ressaltado por G. J. Ikenberry (Ikenberry, 2001). Esse
autor destaca que uma ordem multilateral foi estabelecida sob a lideran-
ça dos Estados Unidos, tendo como base os princípios do liberalismo.
Todavia, como as instituições enraízam-se e os custos de substituí-las
torna-se alto, elas acabam constrangendo o próprio exercício do poder
norte-americano.
A perspectiva liberal contempla ainda uma preocupação com a es-
fera doméstica. Retomando a tradição da ciência política norte-america-
na, grupos de interesse são tratados como atores centrais por Andrew
Moravscik. O autor enfatiza a negociação que ocorre no âmbito domés-
tico entre governo e grupos de interesse. A formação de preferências
dentro de cada sociedade terá um impacto sobre a possibilidade de co-
operação no nível internacional e sobre a formação de instituições inter-
50 Organizações Internacionais

nacionais, gerando demandas que governos buscarão responder no âm-


bito intergovernamental.20 O papel exercido pela barganha política do-
méstica não impede que o Estado se comporte como um ator racional
com preferências estabelecidas, quando se envolve em negociações in-
ternacionais, já que ele exerce justamente a função de agregar os dife-
rentes interesses internos.
As críticas às perspectivas liberais, comuns aos campos marxista e
realista, se concentram na sua incapacidade de incorporar o exercício do
poder às análises oferecidas, adotando assim uma postura ingênua em
face do papel das instituições internacionais (Halliday, 2000). A perda de
uma perspectiva ética e as limitações impostas pelo modelo do ator racio-
nal são ressaltadas por inúmeros autores que serão discutidos adiante.

Funcionalismo21
O funcionalismo está fortemente associado ao nome de David
Mitrany, em particular a uma monografia de 1943 titulada A Working
Peace System (Mitrany, 1946) e à criação do sistema de agências funcio-
nais da ONU no pós-Segunda Guerra.22 Uma agenda fortemente nor-
mativa propunha que uma rede de organizações transnacionais, com
base funcional, poderia constranger a política externa dos Estados e, em
última instância, evitar a guerra. O autor estabelecia pela primeira vez
uma conexão clara entre a cooperação funcional, a ser discutida no Ca-
pítulo 4, e a segurança internacional.
Essa perspectiva concentra-se em uma proposta gradualista para o
problema da ordem internacional, partindo da premissa de que a “for-
ma” segue a “função”. Hábitos de cooperação seriam constituídos em
áreas mais técnicas, nas esferas econômica e social, nas quais o interesse
comum pode emergir mais facilmente. Mais tarde, o hábito de interação,
a construção de valores comuns e instituições permitiriam que a prática
da cooperação transbordasse para a arena política (um processo referido
pela bibliografia como spillover). A visão positiva da crescente
interdependência entre as sociedades, retomando a associação entre
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 51

comércio e paz presente no liberalismo do século XIX, é a base para a


proposta funcionalista.
O bem-estar da população não estaria sendo garantido pelo Estado
nacional, e uma maior cooperação internacional, ao satisfazer necessi-
dades nesse campo, levaria a uma transferência de lealdade, permitindo
a construção do que Mitrany chamou de um sistema de paz. A constru-
ção de uma comunidade política menos particularista do que o Estado-
nação, a partir de um processo de aprendizado coletivo e da administra-
ção técnica, seria o fundamento do sistema de paz.
Duas avaliações complementares estão presentes aqui. Por um lado,
a possibilidade de cooperação aumentaria quando a natureza do proble-
ma a ser enfrentado impusesse a coordenação de políticas entre as partes.
Trata-se de questões em que o fluxo de bens, pessoas e formas de comu-
nicação gera a necessidade de coordenar as diferentes ações do Estado.
O avanço tecnológico seria um grande impulsionador desse processo.
Por outro lado, a cooperação nessas esferas da ação do Estado não
representaria uma ameaça frontal à soberania e não teria implicações
para a formulação autônoma de políticas externas voltadas para o “inte-
resse nacional”. Assim, a cooperação torna-se aceitável para os atores,
que reagem negativamente às propostas de transformação das relações
entre os Estados que afetam de maneira direta o princípio da soberania.
A soberania não seria superada, como em propostas de formação de um
governo mundial, mas compartilhada; uma parcela de soberania seria
transferida para uma nova autoridade. A cooperação em áreas específi-
cas é enfatizada, sendo que as próprias tarefas e necessidades delineiam
o contorno dessas áreas. A realização dessas tarefas por meio de organi-
zações separadas que congregam especialistas e técnicos é vista de for-
ma positiva.
A preocupação com as causas da guerra, central para a literatura de
relações internacionais, está presente aqui em uma versão orientada para
questões sociais. Os conflitos armados são associados a problemas so-
ciais como: pobreza, fome, doenças e baixo nível educacional. A coope-
ração internacional poderia enfrentar essas questões. O trabalho das or-
52 Organizações Internacionais

ganizações funcionais no campo da assistência ao desenvolvimento, ain-


da hoje, tem como um de seus fundamentos essa perspectiva.
Os especialistas que trabalham nas organizações internacionais são
atores centrais pois eles teriam uma identidade profissional com colegas
de diferentes partes do mundo, que poderia vir a ultrapassar sua leal-
dade com o Estado nacional. Enquanto os diplomatas tenderiam a de-
fender o interesse nacional, os especialistas estariam em uma posição
privilegiada para levar adiante a cooperação em áreas específicas, con-
centrando-se em aspectos técnicos. Eles seriam os principais agentes do
processo de aprendizagem de cooperação, que pode transbordar das
áreas técnicas para a arena política. Por outro lado, abre-se a possibilida-
de de pensar o processo de interação entre agências específicas dos go-
vernos, em vez de partir apenas da interação entre Estados como unida-
des fechadas.
As críticas mais veementes à visão original de Mitrany apontam
para a necessidade de politizar o debate; a separação entre política e
cooperação funcional que fundamenta essa perspectiva não retrataria a
realidade. A própria distinção entre uma esfera técnica e uma esfera
política pode ser questionada. A história dos processos de cooperação
funcional indica que a opção pela cooperação, distância ou conflito muitas
vezes emerge de objetivos políticos mais amplos. A cooperação no cam-
po técnico não transborda necessariamente para o campo político —
em ultima instância, decisões políticas difíceis devem ser tomadas (Haas,
1964).
Contudo, a perspectiva funcionalista avançou propostas que per-
mitem compreender a realidade da imensa rede de organizações funcio-
nais existente hoje em dia em alguns aspectos relevantes. A ideia de
associar o exercício de autoridade a agentes funcionalmente definidos,
em contraposição ao príncipio que rege o sistema internacional con-
temporâneo, o qual associa a autoridade a um território definido, é bas-
tante inovadora. Ademais, a visão de um processo de transnacionalização
das relações sociais também já está presente.
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 53

Neofuncionalismo
A partir da observação do funcionamento da CECA (Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço), da Euratom (European Atomic Energy
Community — Comunidade Europeia de Energia Atômica) e da CEE (Co-
munidade Econômica Europeia) e das dificuldades de levar adiante o
projeto federalista no âmbito da “alta política”,23 um conjunto de autores
e líderes concluiu que o funcionalismo como teoria e prática deveria ser
reformulado e apropriado para a discussão sobre a natureza do processo
de integração em curso na Europa Ocidental. Tratava-se de pensar a for-
ma como o processo de integração regional europeu desafiava o sistema
de Estados territoriais e construir uma teoria que pudesse captar o caso
singular da Europa, mas também ter significado para processo de integração
regional em geral.24 Uma combinação de objetivos federalistas e do pensa-
mento funcionalista gera uma discussão sobre as perspectivas de integração
em setores específicos.25 Nos anos 50 e 60, o neofuncionalismo tornou-
se a teoria de integração hegemônica e esteve presente nos debates polí-
ticos voltados para uma maior integração na Europa ocidental.
Uma de suas principais premissas, baseada no funcionalismo, é
que um processo gradual de integração em áreas específicas pode
transbordar para novas áreas de integração. Assim, se Estados adqui-
rem maior integração em áreas particulares, como o setor carvoeiro,
haverá um incentivo para maior integração em outras áreas do setor
energético. Ademais, a integração em áreas específicas gera apoio para
novas arenas políticas e novas formas de autoridade. À medida que pro-
blemas em determinadas áreas são enfrentados, o apoio às instituições
geradas aumentará. A existência de órgãos supranacionais, como a Co-
missão Europeia, eleva o nível da cooperação e da integração, já não se
trata de encontrar um mínimo denominador comum, mas de trabalhar
com interesses comuns, possivelmente chegando à formação de uma
nova comunidade política.
Os neofuncionalistas também conferem um papel central às orga-
nizações internacionais, como agentes ativos do processo de coopera-
54 Organizações Internacionais

ção, e também trabalham com a ideia de atitudes que transbordam da


área técnica para a área política. Contudo, se para os funcionalistas as
organizações focalizadas não têm como referência uma região, os
neofuncionalistas conferem papel central às relações regionais. Além
disso, enquanto para os funcionalistas as agências funcionais internacio-
nais são os atores centrais do processo de transformação que propu-
nham, para os neofuncionalistas o foco da análise são os sindicatos,
associações comerciais, partidos políticos e burocracias supranacionais
convivendo em constante negociação. A crescente interdependência, da
qual também partem os funcionalistas, só gera maior integração no con-
texto da barganha ocorrendo entre os atores relevantes. Processos
decisórios graduais e demandas dos atores mencionados geram a trans-
ferência de autoridade para instâncias supranacionais. Em última ins-
tância, a erosão da soberania do Estado transformaria as relações inter-
nacionais, gerando o tipo de consenso encontrado em sistemas políticos
domésticos. Em contraposição ao Estado nacional, agências
supranacionais, como a Comissão Europeia, poderiam realizar funções
ligadas ao bem-estar no nível regional (Haas, 1968; Schmitter, 1969;
Lindberg & Scheingold, 1970; Nye, 1971). Ademais, os autores vincu-
lados a essa perspectiva buscaram construir estudos mais sistemáticos,
baseados na análise de um número limitado de variáveis que concorrem
para o processo de integração, dentro do espírito do behaviorismo
(Lindberg & Scheingold, 1970).
Assim como no caso dos funcionalistas, as críticas a essa perspecti-
va se concentram no conceito de transbordamento. A resolução de pro-
blemas em diferentes setores não leva facilmente a transformações no
campo político, em particular no que se refere à identificação com uma
comunidade política. Ademais, a predominância dos interesses estatais
se mantém, particularmente no que se refere à área da segurança inter-
nacional, havendo grande ceticismo quanto à possibilidade de realiza-
ção das previsões neofuncionalistas. Já em 1967, Haas admitiu que o
processo gradual previsto em sua teoria havia sido interrompido por
eventos da “alta política”, tais como a política europeia de De Gaulle,
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 55

impedindo o avanço em direção a supranacionalidade, salientando o


duplo movimento de integração e desintegração (Haas, 1967).26
Os autores que adotam a visão neofuncionalista, assim como aque-
les que analisam os múltiplos níveis de governança gerados pelo pro-
cesso de integração,27 percebem que está ocorrendo uma transforma-
ção na natureza da comunidade política. Mas essa avaliação é criticada
pelos autores que trabalham com o processo de integração a partir de
uma perspectiva realista ou liberal, que afirmam a contínua preemi-
nência do Estado. A perspectiva intergovernamentalista afirma que
apenas a convergência de preferências nacionais pode levar à integração.
Isso porque a estrutura do sistema internacional determina o compor-
tamento egoísta dos Estados, buscando sempre maximizar seu poder.
Os Estados guardam as portas entre as nações e o bloco regional, pre-
servando sua soberania. Autores como Stanley Hoffmann, por exem-
plo, criticaram a perspectiva neofuncionalista a partir de uma visão
realista, salientando a centralidade dos Estados, afirmando que a in-
tegração regional apenas poderia ter sucesso no campo econômico
(Hoffmann, 1996).
Tendo como pano de fundo a renovação da integração europeia
na década de 1980, houve uma reavaliação das teorias neofuncionalistas;
alguns autores referem-se a isso como uma teoria neo-neofuncionalista.28
A transferência de papéis sociais, ação coletiva e interesses dos atores do
nível nacional para o supranacional continua no centro das atenções
dos teóricos voltados para o estudo da integração regional. Entretanto,
uma série de expectativas da proposta neofuncionalista foi frustada, par-
ticularmente no que concerne ao papel crucial das autoridades nacio-
nais em garantir o avanço ou impulsionar o retrocesso do processo de
integração. Assim, os ciclos decisórios que levam à transferência de au-
toridade para a esfera regional são analisados de forma mais complexa,
envolvendo uma série de crises geradas por contradições endógenas e
tensões exógenas. Esse processo não é automático nem irreversível e não
é homogêneo para todas as áreas temáticas.
56 Organizações Internacionais

Marxismo
O marxismo se desenvolveu sob uma perspectiva teórica a partir
do trabalho de Karl Marx e, ao longo dos últimos 150 anos, diversas
vertentes foram geradas. A análise da estrutura profunda do sistema ca-
pitalista, um modo de produção que caracteriza uma parte da história
humana, é um objetivo comum aos atores marxistas. Eles partem de
uma visão da realidade social como uma totalidade, em que as relações
sociais estão interconectadas. Uma dinâmica central das relações econô-
micas é focalizada: a relação entre meios de produção e relações de pro-
dução. A tensão entre instrumentos, tecnologias e trabalho, os quais
compõem o mundo da produção, e as relações que organizam esse mun-
do, como o trabalho assalariado e a propriedade privada no caso do
capitalismo, são o motor da história. A perspectiva de emancipação,
associada à busca da autonomia, está também presente na maior parte
dos escritos marxistas.
Os marxistas consideram a estrutura do sistema capitalista, o proces-
so de acumulação em uma escala global, as relações entre classes sociais e
o interesse das elites das potências capitalistas em manter a reprodução
do sistema elementos essenciais para a compreensão das instituições
internacionais, e, mais especificamente, das organizações internacionais.
Os estudos sobre o imperialismo, no começo do século XX, são os
primeiros movimentos explícitos de aplicação da teoria marxista à com-
preensão das relações internacionais. Lenin desenvolve o conceito de
capitalismo monopolista, salientando a divisão entre o centro do siste-
ma e a periferia menos desenvolvida.29 De acordo com a teoria de Lenin
(Lenin, 1964) sobre o imperialismo, as instituições internacionais são
arranjos possíveis para as potências imperialistas, em um dado momen-
to histórico, que permitem administrar a competição entre as mesmas
(Fernandes, 1992).
O debate entre autores marxistas em torno da natureza do imperia-
lismo, presente no início do século XX (Kautsky, 1988; Bukharin, 1972),
e reconduzido às plataformas de discussão sobre o sistema internacio-
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 57

nal a partir do final dos anos 60, versa sobre a relação entre as potênci-
as imperialistas, sua rivalidade ou a construção de coalizões para a re-
produção do sistema. Nesse contexto, o domínio do capitalismo norte-
americano e a perspectiva de seu declínio são temas centrais (Poulantzas,
1974; Van der Pijl, 1984).
O debate marxista sobre o imperialismo e a bibliografia marxista
em ciências sociais ou economia desenvolveram-se à parte da disciplina
de relações internacionais.30 Somente a partir da década de 1970, o mar-
xismo adquiriu um lugar como uma teoria de relações internacionais. A
análise sistêmica, focalizada nos padrões de dominação, e a crença em
uma mudança revolucionária representam uma visão bastante distinta
das perspectivas liberal e realista dominantes na disciplina. O conflito
não opera apenas entre Estados, mas dentro e através dos mesmos. A
crítica ao realismo empreendida por Justin Rosenberg, por exemplo,
apresenta o sistema de Estados historicamente contextualizado e pro-
fundamente marcado pelas relações sociais ou pelo modo de produção
predominante (Rosenberg, 1994). A anarquia não é uma característica
natural do sistema internacional, como propõem os autores realistas, ao
contrário, está associada ao modo de produção capitalista.
A discussão sobre governança global adquire aqui novo significa-
do. A manutenção de uma forma de organização da economia política
internacional que garanta a reprodução do capitalismo, dominada pelo
pólo norte-americano, é a chave explicativa para a análise das institui-
ções internacionais que compõe o triunfo do neoliberalismo nos anos
80 e 90 (Panitch, 2000; Gowan,1999). Michael Hard e Antonio Negri,
por sua vez, afastando-se da visão do processo de reprodução do siste-
ma capitalista sustentado pelo Estado nacional, ou em particular o Esta-
do norte-americano, avançam a ideia de um aparato de poder descen-
tralizado e desterritorializado (Hard & Negri, 2001).
A teoria crítica, assim como o trabalho de Antonio Gramsci, buscou
responder à frustração dos marxistas diante da realidade europeia nos
anos 20 e 30. Em contraposição ao otimismo quanto ao seu projeto de
emancipação, marxistas de todas as vertentes assistiam a ascensão do
58 Organizações Internacionais

fascismo. Assim, tanto teóricos críticos quanto Antonio Gramsci, dentre


outros marxistas, salientam que uma variedade de forças, além daquelas
que compõem o mundo da produção, molda a história humana.
A teoria crítica, fortemente associada ao marxismo, foi introduzida
ao estudo de relações internacionais no contexto das críticas ao
positivismo nos anos 80 (Linklater, 1996; Cox, 1981). Esse grupo teóri-
co está associado a autores da Escola de Frankfurt como: Max
Horkheimer, Theodor Adorno e Jungen Habermas — autores que em-
preenderam uma crítica à epistemologia positivista e que criticaram a
ideia de que produzir conhecimento consiste em investigar a regulari-
dade do comportamento, a partir de evidências empíricas e modelos
abstratos. Opuseram-se também ao pressuposto de que podemos ter
acesso a uma realidade objetiva e separada do observador. O debate
sobre a relação entre interesses e a constituição do conhecimento é cen-
tral para esses autores. Outros eixos de conflito, para além das relações
de classe, são incorporados às análises. Assim, é possível pensar diferen-
tes formas de exclusão e inclusão geradas por comunidades demarcadas.
Alguns autores, como Robert Cox (Cox, 1989), enfatizam a reação dos
Estados do Terceiro Mundo e de movimentos políticos ao processo de
globalização. Outros, como Andrew Linklater (Linklater, 1990), focali-
zam as relações entre as comunidades definidas pela existência do Esta-
do soberano e o resto do mundo. Linklater parte da concepção de
Habermas de um processo de emancipação através da comunicação para
propor a expansão das fronteiras morais da comunidade política
(Habermas, 1999). Sua visão de uma relação ética, obrigações e direitos
que não estariam confinados pelas fronteiras do Estado-nação se aproxi-
ma da perspectiva cosmopolita, que será analisada na próxima seção.
A influência do trabalho do marxista italiano Antonio Gramsci
molda o trabalho de um conjunto de autores que discutem a impor-
tância de elites globalizantes na estruturação da economia política glo-
bal (Cox, 1986; Gill, 1994). O trabalho de Robert Cox foi pioneiro na
proposição de uma análise gramsciana das relações internacionais, ain-
da no início da década de 1980 (Cox, 1981; Cox, 1983). O tratamento
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 59

do conceito de hegemonia se distingue da forma que tradicionalmen-


te informa a literatura de relações internacionais, estando associado a
uma concepção de poder como mistura de coerção e consenso. A
construção do consenso através das instituições da sociedade civil
passa a ser um tema crucial.
Cox se refere à forma consensual que o poder adquire na consti-
tuição de uma ordem mundial, podendo assim ser aceita pelas partes
dominadas. Uma determinada classe social exerce a hegemonia quando
transcende seus interesses econômicos particulares e é capaz de conectar
diversas aspirações, interesses e identidades formando um bloco histó-
rico.31 Os intelectuais têm um papel fundamental nesse processo, de-
senvolvendo e sustentando imagens mentais, tecnologias e organizações
que vinculam os membros de uma classe e de um bloco histórico na
formação de uma identidade comum (Cox, 1983). Enquanto a realida-
de doméstica é a referência para o conceito de hegemonia, em sua con-
cepção gramsciana, especialistas em relações internacionais buscam com-
preender sua dimensão internacional.
O FMI (Fundo Monetário Internacional), a OMC (Organização Mun-
dial do Comércio) ou o Banco Mundial são organizações nas quais a atua-
ção dessas elites é particularmente relevante, incidindo de maneira direta
sobre as relações entre o norte desenvolvido e o sul menos desenvolvido.
Interesses e ideias dominantes são apresentados como universais e re-
produzidos a partir das OIGs, permitindo a continuidade da dominação
capitalista (Murphy, 1994). O processo de integração europeia também
foi interpretado à luz da perspectiva gramsciana, a partir de uma crítica
às teorias neofuncionalista e intergovernamentalista. O contínuo confli-
to que gera o processo de integração, e que poderia ter resultado em
caminhos muito diferentes, é salientado (Bieler & Morton, 2001).
Partindo de uma crítica ao sistema capitalista, teóricos marxistas
salientam o papel das organizações internacionais no processo de repro-
dução desse modo de produção. Para autores que mantêm a ortodoxia
materialista, elas não são mais do que um epifenômeno das relações es-
truturais econômicas e de poder. Outros, contudo, conferem atenção às
60 Organizações Internacionais

organizações internacionais, tratando-as como arena de formação de co-


alizões entre as potências capitalistas, como produtoras de mecanismos
de submissão de Estados na periferia do sistema e como espaço de for-
mação de hegemonia e reprodução das relações de poder dominantes.

Perspectiva Cosmopolita
A relevância do pensamento cosmopolita, uma postura filosófica e
normativa para a discussão sobre organizações internacionais, refere-se
a dois temas centrais, tratados por um conjunto de autores: a existência
de valores universais e o déficit democrático. Essa visão do mundo pode
se associar ao liberalismo, à perspectiva marxista, à teoria crítica ou às
vertentes do construtivismo porque essas perspectivas admitem a ado-
ção de uma atitude normativa e uma preocupação com a emancipação
da humanidade. A perspectiva cosmopolita é a versão mais antagônica à
noção de que o sistema internacional comporta um vácuo moral no
qual apenas as relações de poder são relevantes.
A construção da democracia, que amplia lentamente o conceito de
cidadania, teve como base o Estado-nação como comunidade política.
A crescente importância de estruturas de autoridades internacionais cria
assim uma disjunção entre os direitos de cidadania, particularmente no
que se refere à participação no processo político, e o lugar de onde emer-
gem muitas das normas que regem a vida de indivíduos e grupos. Uma
grande variedade de problemas não pode ser administrada no contexto
doméstico ou mesmo a partir da lógica de uma separação rígida entre as
esferas doméstica e internacional. O tráfico de drogas, as pandemias, o
uso de recursos naturais não renováveis, a alocação de lixo nuclear, a
proliferação de armas de destruição em massa, o aquecimento global,
a regulação de mercados financeiros são questões progressivamente
percebidas como transnacionais, requerendo estruturas de autoridade
internacionais e transnacionais para poderem ser enfrentadas. Por outro
lado, os mecanismos de controle e participação democráticos, desen-
volvidos ao longo dos últimos 200 anos, têm como referência básica o
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 61

Estado-nação. Abre-se assim o debate sobre a perspectiva de constru-


ção de uma cidadania cosmopolita.
A incorporação de valores universais pelas instituições internacio-
nais, ao longo dos séculos XX e XXI, tem sua base ideacional em postu-
lados sobre a humanidade. A perspectiva cosmopolita propõe uma aná-
lise da política partindo da ideia de um ser humano universal. As for-
mas de organização política para o mundo devem ter como base prin-
cípios morais universais (Held, 2003). Podemos encontrar as origens
dessa visão no estoicismo, que incorporou a noção de uma comunida-
de mais ampla do que a comunidade local, baseada em ideais huma-
nos, aspirações e na capacidade de argumentação. O julgamento moral
não poderia assim ser baseado nos critérios de uma comunidade polí-
tica específica. No cosmopolitismo estóico, já é afirmado um vínculo
universal entre os homens. Os conceitos de cidadania e Estado, com
dimensão mais universal, nascem no ocidente como resultado da espe-
culação filosófica grega e desenvolvem-se no império romano, sempre
lembrado posteriormente como um modelo para um governo mun-
dial. As ideias de humanidade e império sobrevivem durante o período
medieval, no sonho da reconstituição do império romano. O huma-
nismo renascentista e a visão de reconstituição do império pelo im-
perador Habsburgo Carlos V retomam o tema durante a transição
para a modernidade, quando o Estado territorial ainda não havia se
firmado como a forma de organização da política.
Movimentos religiosos do século XVI e XVII elaboraram as primei-
ras críticas ao sistema de Estados modernos, inaugurando um dos as-
pectos da tradição cosmopolita moderna. Protestantes, particularmente
calvinistas, enfatizavam a corrupção e a perversão do sistema de Estados
modernos, jesuítas contrapunham a Cristandade à divisão entre Esta-
dos-nação. No mesmo período, Eméric Crucé e outros faziam propostas
para a unificação da Europa, tendo em vista o estabelecimento da paz,
em contraposição ao movimento de divisão territorial imposto.
No século XVIII, a perspectiva cosmopolita ganha sua forma moder-
na. A unidade cristã ou imperial da Europa é substituída pela discussão
62 Organizações Internacionais

sobre os direitos naturais dos homens. Propostas universalistas, que in-


corporam de formas distintas a possibilidade de traduzir a universalida-
de da comunidade humana em termos de uma organização política, são
elaboradas. Os filósofos da ilustração construíram uma autoimagem de
uma elite cosmopolita transnacional, nas palavras de Thomas Paine, “meu
país é o mundo” (Paine, 1969). A tensão entre a condição humana de ser
político e a concepção de cidadania nacional inicia seu trajeto.
O trabalho de Immanuel Kant (Kant, 1970) parte de sua discussão
sobre razão e seu uso público para apresentar a possibilidade de partici-
pação em um mundo cosmopolita, em contraposição à participação em
uma sociedade civil. O direito cosmopolita de se apresentar e ser ouvi-
do, através de comunidades políticas; a existência de uma comunidade
universal e de uma cidadania universal são introduzidos pelo filósofo,
que marcaria grande parte da literatura de relações internacionais assim
como de outras áreas do conhecimento. As consequências da perspec-
tiva filosófica da ilustração atingem a soberania interna e externa do
Estado territorial. Isso porque suas propostas adiantavam a ideia de
uma sociedade internacional de Estados, expressa em particular na
defesa do direito internacional, e porque reclamavam direitos univer-
sais inalienáveis, os quais o poder estatal não poderia atingir. Nesse
contexto, as propostas federativas, como aquelas defendidas por I. Kant
e J. Bentham,32 tiveram maior impacto. Contudo, a ideia de uma repú-
blica universal chegou a ser discutida por Anacharsis Cloots.33
Kant acreditava na possibilidade de transformar as relações inter-
nacionais a partir do desenvolvimento histórico da vida moral e da for-
mação de uma sociedade civil universal. Deveres e obrigações inerentes
à humanidade permitiriam a extensão das fronteiras da comunidade
moral e política. É nesse sentido que Kant adianta-se ao debate atual
sobre a necessidade de lidar com a incongruência entre as fronteiras do
Estado-nação e a criação de normas. A força da lei deveria prevalecer em
cada Estado, nas relações entre os mesmos e nas relações internacio-
nais, que ultrapassam a esfera interestatal. Kant não era um pacifista,
como um leitor desatento de seu panfleto, A paz perpétua, poderia con-
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 63

cluir, mas um legalista. Sua formulação de um direito cosmopolita, dis-


tinto do direito internacional, refere-se às condições de hospitalidade
universal e fundamentou sua crítica ao colonialismo. Para ele, discutir
uma das questões centrais para a política internacional — a guerra —
implica repensar o conceito particularista de cidadania. Segundo o
autor, a paz seria alcançada no momento em que todos os Estados fos-
sem republicanos (Kant).
A tradição cosmopolita, em relações internacionais, é marcada pela
ofuscação da distinção entre sociedades domésticas e internacional e
entre estado da natureza e sociedade civil (Wight, 1991). A sociedade
internacional é apresentada como uma sociedade de indivíduos e a cons-
tituição ou presença de valores cosmopolitas é defendida. Nesse senti-
do, o aspecto particularista da cidadania moderna é questionado. A crí-
tica ao particularismo, inerente à moderna concepção de cidadania, é
feita por diversos filósofos políticos que reivindicam critérios universais
para a definição de direitos e deveres (Beitz, 1979). O impacto da cons-
ciência e a interdependência entre sociedades nacionais sobre o pensa-
mento cosmopolita têm como marco a realidade nuclear. A Declaração
de Montreux, por ocasião da Primeira Conferência do Movimento Mun-
dial para um Governo Federal Mundial em 1947, e a campanha de Albert
Einstein, por um governo mundial, são exemplos representativos. Sub-
sequentemente, a preocupação com a ecologia tem o mesmo efeito. A
proposta federalista de criação de um direito mundial (e não interna-
cional), de cortes globais e de um aparato para garantir que essas leis
sejam respeitadas está presente em movimentos sociais e textos acadê-
micos. Por fim, os documentos que definem os direitos humanos, desde
a Declaração Universal de 1948, podem ser inseridos na história das
ideias cosmopolitas.
David Held resume os três elementos que caracterizam as preocu-
pações de autores hoje vinculados à essa perspectiva (Beitz, 1994; Barry,
1998): o princípio do igualitarismo individualista, ou seja, cada indiví-
duo tem valor moral igual e os indivíduos são as unidades últimas de
considerações morais; o princípio do reconhecimento recíproco, ou
64 Organizações Internacionais

seja, os argumentos de todos devem ser ouvidos; e o tratamento imparci-


al perante práticas, regras ou instituições (Held, 2003b). Ele resume sua
posição afirmando que o cosmopolitismo implica a existência de um es-
paço ético e político que estabelece os termos de referência para o reco-
nhecimento da igualdade moral, capacidade de ação das pessoas e para a
gestação de sua autonomia e de seu desenvolvimento (Held, 2003a).
A perspectiva cosmopolita, tendo um forte caráter normativo, re-
presenta um caminho fecundo para uma crítica às organizações interna-
cionais, em particular ao seu processo decisório. Ademais, a visão
universalista da humanidade encontra expressão concreta em diversos
princípios, normas e regras gerados e realizados no contexto das organi-
zações internacionais, em especial no campo político. O regime de di-
reitos humanos e a ideia de proteção do ecossistema partem do princí-
pio do igualitarismo individualista. A Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, a Convenção sobre Tortura de 1984 ou o Estatuto
da Corte Criminal Internacional, dentre outros, representam a presen-
ça, ainda que de difícil implementação, de princípios cosmopolitas. Es-
ses convivem em constante tensão com a defesa de interesses e identida-
des particulares. Finalmente, as organizações não governamentais po-
dem ser estudadas como parte de um movimento para formação de
uma cidadania global.

Construtivismo
Um número crescente de especialistas em relações internacionais
define seu trabalho como construtivista. A diversidade intelectual des-
ses autores torna a tarefa de definir o construtivismo, como corpo teóri-
co, bastante difícil. Aqui, optamos por apresentar uma agenda mínima
comum aos construtivistas convencionais, segundo a categorização de
Peter Katzenstein, Keohane e Krasner.34
Caracterizam o conjunto de trabalhos associados à perspectiva
construtivista: a ênfase sobre a forma como identidades e interesses são
socialmente construídos; a influência da sociologia; e a tentativa de
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 65

desnaturalizar os conceitos mistificados pela literatura de relações in-


ternacionais, como anarquia e interesse nacional. Autores construtivistas
conferem especial atenção ao processo de formação de identidades e
interesses, como esses mudam e qual a relação entre os dois. Ideias,
valores, normas e crenças devem ser considerados de forma central nas
explicações sobre o funcionamento do sistema internacional. Seu trata-
mento das instituições internacionais, e em particular das organizações
internacionais, é moldado por essas preocupações.
Os atores não existem separados de seu ambiente social e dos siste-
mas de significados compartilhados, ou seja, da cultura. Atores e estrutu-
ras sociais são mutuamente constituídos. O ambiente social em que nos
encontramos define nossas identidades como seres sociais; ao mesmo tem-
po, a agência humana cria, reproduz e muda a cultura através de práticas
contínuas. Não podemos nem partir das estruturas sociais para então com-
preender os atores, nem fazer o inverso. Ademais, as consequências não
intencionais do comportamento são consideradas.
As práticas discursivas e de comunicação adquirem importância.
Elas permitem que os atores confiram sentido ao mundo e às suas
atividades. As práticas discursivas e de comunicação também estabe-
lecem relações de poder, já que determinam a forma como problemas
são delineados e quais perguntas são levantadas. Por outro lado, a ar-
gumentação, a tentativa dos atores de justificar seu comportamento e
a disposição de mudar sua visão a partir do processo de comunicação
também são estudadas.35
O predomínio do debate entre realistas e liberais nos anos 80 teve
como uma de suas consequências a ausência do tratamento da forma-
ção de preferências dos Estados pela literatura de relações internacio-
nais. Esse tema é extraditado da literatura, seja pelo suposto da
racionalidade estritamente utilitária e uma ontologia individualista tam-
bém utilitária, adotadas por liberais e realistas, seja pela busca de fatores
explicativos no nível sistêmico por neorrealistas. No contexto da crítica
ao positivismo, que influencia grande parte da literatura de relações
internacionais a partir dos anos 80, o pressuposto de que atores são
66 Organizações Internacionais

movidos por uma racionalidade instrumental e convivem em um mun-


do com estruturas predefinidas é criticado.36 Nesse contexto, estudar
como a racionalidade dos atores e as instituições do sistema internaci-
onal são construídas adquire novo sentido. Dessa forma, podemos falar
de um eixo de discordância, central à disciplina a partir dos anos 80,
entre construtivistas e racionalistas, anunciado em uma conferência da
ISA (International Studies Association), em 1988, por Robert Keohane
(Keohane, 1988). Liberais e realistas se atêm a uma visão do ator racio-
nal que se move a partir de um cálculo de custos e benefícios; constru-
tivistas, por sua vez, se voltam para o processo intersubjetivo que pro-
duz uma visão de racionalidade, podendo adquirir diferentes formas ao
longo da história e através de culturas variadas. Contrapondo-se a refe-
rência exclusiva à racionalidade instrumental e estratégica pelos racio-
nalistas, construtivistas trabalham também com o comportamento guia-
do por normas. Os atores consideram qual o comportamento apropri-
ado em uma dada realidade social.

O DEBATE ENTRE CONSTRUTIVISTAS E RACIONALISTAS

 Racionalistas: Partem do modelo do ator racional. As instituições


são criadas a partir dos interesses dos atores, sendo os interesses
exógenos ao modelo explicativo. As racionalidades instrumental e
estratégica são enfatizadas. As instituições modificam as opções
disponíveis para os atores.
 Construtivistas: Objetivam compreender e explicar a construção
social dos atores e das estruturas sociais. As estruturas sociais e os
atores se constituem mutuamente. As identidades, a racionalidade,
os interesses e as preferências são construídos socialmente (uma
análise sociológica permite compreender esse processo). O papel
das normas, influenciando o comportamento, é enfatizado. As insti-
tuições modificam as opções disponíveis para os atores, transfor-
mando suas identidades e interesses e gerando normas relevantes.
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 67

Friedrich Kratochwil e John G Ruggie (Kratochwil & Ruggie, 1986)


elaboraram uma crítica à perspectiva racionalista do estudo de regimes
internacionais, ainda em 1986, que indica o caminho que a contestação
construtivista à visão dominante no estudo de instituições internacio-
nais tomaria. Eles salientaram a negligência quanto ao papel de sentidos
intersubjetivos no estudo de regimes e defenderam uma agenda de pes-
quisa que desse mais atenções às organizações internacionais. Mas o
termo construtivismo e uma teoria complexa foram apresentados pela
primeira vez por Nicholas Onuf, em 1989 (Onuf, 1989). Alexander
Wendt tornou o debate mais acessível em seu artigo de 1992 (Wendt,
1992) e posteriormente em seu livro (Wendt, 1999). Kratochwil tam-
bém é uma referência central para essa literatura (Kratochwil, 1989).
Para autores construtivistas, as instituições internacionais têm um
papel fundamental, podendo mudar a definição de interesses e identi-
dades dos Estados e de outros atores. Assim, as instituições não se limi-
tam a constranger o comportamento dos atores ou a modificar a gama
de opções disponíveis para os mesmos. Da mesma forma, essas institui-
ções se transformam. Mesmo o conceito de soberania, a mais central das
instituições do sistema internacional estaria se modificando (Reus-Smit,
1999). Se interesses e identidades são construídos socialmente, as orga-
nizações internacionais, enquanto fóruns, podem gerar um espaço de
interação que constitui os mesmos. Nesse contexto, compreender o pro-
cesso de argumentação que ocorre quando diferentes atores interagem é
essencial. Esse processo é “produtivo”, pois gera resultados, mudanças
nos interesses, nas identidades e na atribuição de racionalidade às práti-
cas sociais. As organizações internacionais são, frequentemente, um
fórum privilegiado para a realização desse processo de argumentação.
Elas podem ainda ser atores centrais do mesmo processo.
Na medida em que Estados são tratados como entidades sociais
embutidas em um sistema social internacional, eles podem ter seus in-
teresses e identidades moldados por uma ação produzida no âmbito
internacional, possivelmente por organizações internacionais. As polí-
ticas externa e doméstica dos Estados podem ser influenciadas por nor-
68 Organizações Internacionais

mas internacionais, muitas vezes produzidas e difundidas a partir das


organizações internacionais.
A contribuição de Wendt tem marcado o tratamento da relação entre
interesses e identidade pela literatura aqui em foco.37 A presença ou au-
sência de cooperação não é predeterminada pela estrutura anárquica do
sistema internacional segundo o autor. Um contínuo de identidades —
da egoísta até a cooperativa — é possível, e a natureza do sistema também
varia.38 É o processo de interação que explica a construção de identidades,
mas sem a formação de identidades não podemos falar em interesses, não
podemos saber o que queremos se não sabemos quem somos (Wendt,
1999). A dinâmica de gestação e funcionamento das instituições deve ser
compreendida no contexto intersubjetivo e não apenas material. As orga-
nizações internacionais são uma arena em que normas e expectativas con-
vergentes sobre o comportamento internacional são desenvolvidas. As
organizações internacionais produzem e ensinam normas, contribuindo
assim para mudar as formas de interação no sistema internacional.
Onuf começa sua análise da vida social com a ideia de regra, ou
seja, uma proposição que afirma o que as pessoas devem fazer. As re-
gras proveem guias para o comportamento humano e permitem a exis-
tência de significados compartilhados. Por meio da linguagem, essas
proposições ganham realidade. Esse processo de construção está asso-
ciado aos recursos disponíveis aos diferentes atores e é limitado por
fatores materiais. Os atores movem-se em um contexto institucional
em que padrões estáveis de regras e práticas associadas às mesmas es-
tão presentes. Ao mesmo tempo, eles agem sobre esse contexto trans-
formando-o. Onuf ressalta ainda a importância das consequências não
intencionais da ação e os limites para as possibilidades de transformar
o contexto institucional. Regras, instituições e consequências não in-
tencionais formam padrões que ele chama de estruturas.
Ao contrário da perspectiva realista, que, como vimos, supõe que os
únicos atores relevantes são os Estados, o construtivismo propõe que
atores encontrados no nível sistêmico podem ser proativos. São elabora-
das explicações do comportamento dos Estados que emergem a partir
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 69

da análise de processos e de atores no nível sistêmico, observando-se o


papel de ideias, de relações transnacionais, de comunidades epistêmicas,
entre outros. As organizações internacionais fazem parte desse conjun-
to. Ernst Haas já havia enunciado algumas dessas questões anos antes.
Contudo, enquanto os neofuncionalistas buscavam explicar o processo
de transferência de autoridade do Estado-nação para organizações inter-
nacionais, enfatizando seu papel técnico, os construtivistas objetivam ana-
lisar o processo de aprendizagem intrinsecamente vinculado à política.
O estudo do lugar do conhecimento na compreensão do funcio-
namento e relevância das organizações internacionais foi impulsiona-
do pela literatura sobre comunidades epistêmicas. Essa literatura tem
um caráter mais descritivo e assim não participa do debate teórico lan-
çado pelos autores mencionados anteriormente. Contudo, seu alcance
sociológico, em particular sua ênfase em aspectos subjetivos, permite
um amplo espaço para o diálogo. O termo aparece em um número
especial da revista International Organization de 1992.39 Peter Haas defi-
niu uma comunidade epistêmica como uma rede de profissionais, re-
conhecidos como especialistas em uma determinada área do saber, que
adquire autoridade sobre conhecimento relevante para a definição de
políticas em uma área específica. Esses grupos podem identificar inte-
resses, delinear debates públicos, apontar para questões que devem ser
objeto de negociação, além de propor medidas específicas. Eles com-
partilham crenças normativas (sobre como o mundo deve ser), crenças
causais (sobre a relação entre políticas específicas e resultados possí-
veis), noções de validação do conhecimento e o envolvimento em prá-
ticas associadas a determinado conjunto de problemas.
Ernst Haas, por sua vez, introduziu a discussão sobre a forma como
as organizações mudam (Haas,1990). O autor busca explicar como as
organizações definem os problemas que buscarão resolver. Ele estabele-
ce duas possibilidades básicas: a adaptação e o aprendizado. As organi-
zações se adaptam quando adicionam novas atividades à sua agenda e
mudam gradualmente. O processo de mudança envolve os meios para
a ação. Novos objetivos são incorporados, sem ser alcançado um encaixe
70 Organizações Internacionais

lógico com os objetivos já estabelecidos. As organizações aprendem quando


as crenças são questionadas e os objetivos e a formulação de problemas
são redefinidos. Nesse caso, as teorias que fundamentam as ações da
organização são questionadas. As comunidades epistêmicas têm um pa-
pel fundamental nesse processo. As mudanças ocorridas no Banco Mun-
dial seriam um exemplo desse último processo. Em uma fase anterior,
havia uma preocupação com projetos de infraestrutura e hoje se observa
uma ênfase sobre o alívio da pobreza e a boa governança.
À medida que a perspectiva construtivista estabelece um diálogo
mais intenso com a literatura mais ampla de ciências sociais e busca
estudar processos sociais, a literatura sobre organizações apresenta-se
como um conjunto bibliográfico a ser explorado. Os estudos sobre cul-
tura organizacional desenvolvidos por sociólogos e antropólogos a par-
tir da década de 1970 são um polo para um novo diálogo. A visão de
mundo dos indivíduos que colocam em funcionamento as organizações
internacionais incorpora regras, rituais e crenças enraizadas nas estrutu-
ras organizacionais (Barnett & Finnemore, 1999). Devemos por fim sa-
lientar que estudos baseados na perspectiva construtivista analisam a
constituição e o funcionamento de regimes (Hasenclever et al, 2000),
assim como o processo de integração regional (Risse, 2004).

Leituras para Continuar seu Estudo


Antje Wiener & Thomas Diez, European Integration Theory, Oxford, Oxford University Press,
2004.
David Baldwin, Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary Debate, Nova York, Columbia
University Press, 1993.
Scott Burchill & Linklater, Andrew, Theories of International Relations, Londres, Macmillan Press,
1996.
Steve Smith, Ken Booth & Marysia Zalewski, International Theory:Positivism & Beyond, Cam-
bridge, Cambridge University Press, 1996.

Notas
1. Para obter uma visão ampla da história da disciplina, veja os livros de Scott Burchill &
Andrew Linklater e Torbjorn Knutsen (Burchill & Linklater, 1996; Knudsen, 1992).
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 71

2. A literatura pós-moderna e/ou pós-estruturalista não foi abordada, já que essa bibliografia não
consolidou propostas sobre o papel das organizações internacionais, embora a crítica e a
desconstrução dos conceitos que fundamentam as instituições internacionais possam ser
encontradas.
3. Salientamos que durante as primeiras décadas do estabelecimento da disciplina, a maior
parte dos textos publicados e adotados nos cursos não tinha um caráter idealista, buscan-
do descrever os processos diplomáticos e não apontar para um mundo em que prevaleceria
a harmonia de interesses.
4. Movimento que marcou a disciplina a partir do final dos anos 50, visando a transformar o
estudo de relações internacionais em um empreendimento científico, nos moldes da ciên-
cia social norte-americana. A ênfase sobre estudos empíricos e formas de medição afastou
os especialistas de estudos voltados para interpretações amplas da realidade internacional.
Para esse ponto, veja o artigo de Michael Banks (Banks, 1984).
5. O conceito é definido na p. 20, Capítulo 1.
6. Veja, por exemplo, os trabalhos de Virginia Haufler, Charles Lipson e Mark Zacher & Brent
Sutton. (Haufler, 1997), (Lipson, 1986) e (Zacher & Sutton, 1996).
7. Dentre os autores que produziram trabalhos importantes para esse debate podemos citar
Robert Keohane e Joseph Nye e James Rosenau (Keohane & Nye, 1977; Rosenau, 1990).
8. Veja as publicações da fundação norte-americana Heritage Foundation — www.heritage.org.
9. É possível estabelecer uma distinção entre o realismo clássico e o neorrealismo. A versão
introduzida por Kenneth Waltz e Robert Gilpin busca produzir um conhecimento mais
científico, lidando com um número menor de variáveis e propondo um programa de pes-
quisa empiricamente verificável (Waltz, 1979; e Gilpin, 1981).
10. Presidente norte-americano entre 1913 e 1921, apresentou em 1918 seus 14 pontos para
a reorganização do sistema internacional a partir dos princípios do liberalismo. Foi uma
liderança central durante a Conferência de Paris (Versalhes), ao final da Primeira Guerra,
tendo proposto a criação da Liga das Nações.
11. O termo perspectivas pluralistas é utilizado por muitos atores para se referir à literatura que
critica a visão do sistema internacional baseada apenas nas relações entre Estados. Os au-
tores pluralistas seriam aqueles que propõem uma visão do sistema internacional como
uma rede de relações entre Estados e diversos outros atores. Essa perspectiva está mais
próxima do liberalismo, mas nem todos os atores liberais adotam essa visão.
12. Durante os anos 80 e 90, o novo institucionalismo torna-se central para a ciência política
norte-americana. No período anterior (1950-1980), as instituições estavam ausentes das
análises ou eram tratadas como epifenômeno. A partir do final da década de 1970 estudos
sobre as instituições políticas domésticas americanas iniciam um movimento que enfatiza
seu valor explicativo. O fenômeno atinge o campo das relações internacionais no mesmo
período.
13. Keohane e Nye discutem a perda de autonomia do Estado, dada a presença de forças trans-
nacionais em seu livro de 1977. Os mesmos autores retomam o tema dez anos depois
(Keohane & Nye, 1987).
14. Veja o livro editado por David Baldwin para uma visão desse debate (Baldwin, 1993).
15. A teoria da escolha racional parte de alguns pressupostos: os seres humanos estabelecem uma
hierarquia de preferências e fazem um cálculo racional, pesando custos e benefícios, para
72 Organizações Internacionais

adotar uma estratégia de ação e os fenômenos sociais emergem como resultado dessas
escolhas individuais.
16. Veja o trabalho editado por Walter Powell e Paul DiMaggio para esta discussão (Powell &
DiMaggio, 1991).
17. A teoria dos jogos foi desenvolvida para estudos de economia e utiliza modelos formais
para estudar interações estratégicas. Os jogos são definidos de acordo com as preferências
e o conhecimento dos atores sobre a situação.
18. Os bens públicos geram vantagens indivisíveis em benefício de todos, e o uso por uns não
diminui a possibilidade do uso por outros.
19. Custos de transação são os custos associados à conclusão, monitoramento e execução de
acordos.
20. Andrew Moravcsik cunhou o termo intergovernamentalismo liberal (Moravscik, 1993).
21. O termo é usado para se referir à perspectiva teórica da disciplina de relações internacionais
descrita a seguir e se distingue das teorias funcionalistas da sociologia contemporânea.
22. A publicação foi reeditada em 1966 e um volume de 1975 apresenta uma coletânea de sua
obra (Mitrany, 1975). O trabalho de Ernst Haas sobre a OIT (Haas, 1964) e o trabalho de
J. P. Sewell sobre o Banco Mundial utilizam parte de sua argumentação (Sewell, 1966).
23. A derrota do projeto de criação de uma Força de Defesa Europeia na Assembleia Nacional
Francesa em 1954 foi um marco no debate sobre o tipo de integração que se buscaria na
Europa.
24. O trabalhos de Ernst Haas e Philippe Schimitter são particularmente relevantes (Schmitter
& Haas, 1964; Haas, 1967, 1970).
25. A federação é um desenho institucional, aplicado para a estrutura política dos Estados, mas
também para o processo de integração regional europeu. A integração ou associação de
entidades, sem sua assimilação, mantendo-se a convivência entre o autogoverno e o gover-
no compartilhado são seus pressupostos básicos. No caso de federações, como a suíça ou
a norte-americana, unidades regionais são incorporadas ao processo decisório, sendo res-
peitadas suas diversidades. O projeto federalista europeu, desenvolvido após a Segunda
Guerra, por líderes como Jean Monnet e Altiero Spinelli, objetivava a criação de estruturas
supranacionais para lidar com problemas comuns e está associado à formação de uma
união política (Burgess, 2000).
26. O presidente francês impediu a aprovação do voto por maioria no Conselho e atacou a
autoridade da Comissão.
27. Esses autores propõem que a governança regional é gerada nos níveis europeus, nacionais
e subnacionais, sendo criadas associações transnacionais. Os Estados nacionais deixam de
ser a única forma de agregação de interesses domésticos, podendo gerar associações no
nível regional. Atores subnacionais, supranacionais e Estados convivem em uma rede com-
plexa de relações (Marks, 1996).
28. Veja o texto sobre o assunto de Philipppe Schmitter (Schmitter, 2004).
29. Esse tema será retomado por Immanuel Wallestein (Wallestein, 1989) no contexto da
teoria sistema mundo e pelos teóricos da dependência na América Latina (Cardoso e
Faletto, 1969).
30. Nos países do bloco soviético, o marxismo era a teoria oficial, na qual se baseavam todas as
análises do sistema internacional.
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações Internacionais 73

31. Termo utilizado por Antonio Gramsci para se referir às relações entre a base socioeconômica
e as práticas políticas e culturais. Para Gramsci, a transformação da sociedade envolve ideias
e economia e o estabelecimento de uma nova hegemonia.
32. O ensaio A Plan for an Universal and Perpetual Peace, escrito por J. Bentham entre 1786 e
1789, já incorpora o debate sobre a relação entre opinião pública e relações internacionais
pacíficas, desenvolvida mais tarde pelos liberais no século XX (Derek, 1996, p. 81).
33. O autor foi o primeiro a imaginar um Estado mundial republicano e não monárquico (Heater,
1996, p. 79).
34. Os autores definem ainda construtivistas críticos e pós-modernos (Katzenstein, Keohane
& Krasner, 1999).
35. A influência do trabalho de Jurgen Habermas deve ser notada (Habermas, 1999).
36. Para ver uma análise da crítica ao positivismo na disciplina de relações internacionais, veja
o artigo de John Vasquez (Vasquez, 1995).
37. O autor ressalta que, no que concerne o debate entre positivistas e pós-positivistas, ele se
coloca em um ponto médio, defendendo a ideia de que é possível produzir ciência sobre
relações sociais, mas criticando a excessiva ênfase sobre métodos por autores no campo
positivista (Wendt, 1999, p. 39).
38. Wendt se refere a uma cultura hobesiana, a uma cultura lockeana e a uma cultura kantiana.
Em cada caso um papel domina o sistema, respectivamente do inimigo, do rival e do
amigo. (Wendt, 1999, Cap. 6).
39. Para ler mais sobre esse tema veja o número especial da revista International Organization
n. 46, v. 1, inverno de 1992 (Haas, 1992).
CAPÍTULO

3
Segurança Coletiva

P RINCIPAIS QUESTÕES ABORDADAS :

 O que é um sistema de segurança coletiva.


 Como funcionava o sistema de segurança coletiva da Liga das Na-
ções.
 O projeto de criação de um novo sistema de segurança coletiva ao
final da Segunda Guerra.
 A administração da segurança pela ONU durante a Guerra Fria.
 As principais mudanças do sistema de segurança coletiva, gerados
a partir do final da Guerra Fria.

O Conceito de Segurança Coletiva


Os Estados cooperam na área da segurança de diferentes formas:
através da formação de alianças e coalizões, da criação de mecanismos
de resolução de disputas, do estabelecimento de medidas de confiança
mútua,1 da assinatura de tratados para o controle de armamentos e para
o desarmamento. No começo do século XX, a geração do sistema de segu-
rança coletiva foi o empreendimento mais audacioso até aquele momento
visando à cooperação no campo da segurança. O sistema de segurança
Segurança Coletiva 75

coletiva é um dos mecanismos de administração do sistema internacio-


nal mais estreitamente vinculado às organizações internacionais.2
O sistema é baseado na ideia da criação de um mecanismo inter-
nacional que conjuga compromissos de Estados nacionais para evitar,
ou até suprimir, a agressão de um Estado contra outro. Ao engendrar
uma ameaça crível de que uma reação coletiva, através de boicotes, de
pressões econômicas e de intervenção militar, seria produzida em qual-
quer hipótese de agressão, o sistema deveria deter atores dispostos a
iniciar uma empreitada militar. A imensa agregação de recursos de po-
der levaria atores racionais a evitar uma derrota já prevista. Essa lógica
só se realizaria caso houvesse imensa confiança no funcionamento do
sistema e a participação universal — ou quase — dos membros do
sistema internacional. Dessa forma, qualquer ato de guerra seria objeto
do sistema, não importando as causas: ato de paixão ou cálculo racio-
nal, forma de resolver uma disputa territorial ou expansão agressiva. A
decisão poderia ser tomada por um regime democrático ou pelo mais
autocrata dos ditadores.
Assim como os mecanismos frequentemente utilizados para a ne-
gociação de disputas, como a investigação, os bons ofícios, a mediação,
a conciliação, a arbitragem e a adjudicação, foram originalmente pensa-
dos para induzir atores racionais, o sistema de segurança coletiva tam-
bém se baseia no pressuposto de que é possível mudar o cálculo racio-
nal dos Estados. Dessa forma, o sistema funciona associado a arranjos
para facilitar a resolução de disputas, seja porque ambos visam a limitar
o uso da violência, seja porque se baseiam em uma perspectiva
racionalista. Contudo, ao contrário dos mecanismos de resolução de
conflitos, para os quais as causas das guerras são relevantes para a deter-
minação da melhor estratégia de negociação, no caso do sistema de se-
gurança coletiva elas não são determinantes.
As normas de uso da força são parte crucial do conjunto de meca-
nismos que representam possibilidades e restrições para os atores no
sistema internacional. No moderno sistema de Estados, o monopólio do
uso da força dentro do território de um Estado soberano ficou estabele-
76 Organizações Internacionais

cido, pelo menos como princípio organizador das relações sociais. O


uso da força entre Estados é uma prática disseminada, mas também é
circunscrito por normas relativas aos motivos para uma ação militar e a
forma que essa pode adquirir. As armas que podem ser utilizadas, quais
os objetos da violência, o tratamento de prisioneiros de guerra e a prote-
ção de canais de comunicação entre as partes em conflito por exemplo
fazem parte de um conjunto de normas sobre como a guerra pode ser
realizada. Aqui nos interessa a discussão sobre os motivos aceitos para
iniciar uma ação militar, já que esse tema é central para a compreensão
do sistema de segurança coletiva.
O sistema de segurança coletiva modifica as normas de interven-
ção, subordinando a decisão do Estado de usar a força à autorização inter-
nacional, que um tratado multilateral delineará e uma organização in-
ternacional interpretará. O direito de autodefesa é permitido, mas as
demais decisões sobre o uso da força passam a ser subordinadas ao com-
promisso internacional. Garantir a ordem internacional seria então o
motivo legítimo por excelência para ir à guerra. Veremos a seguir como
as normas referentes às justificativas para a guerra, ou para uma inter-
venção, modificaram-se significativamente ao longo do último século.3
A distinção entre uma aliança militar e um sistema de segurança
coletiva é fundamental para a compreensão do sistema. Enquanto uma
aliança militar, sendo um acordo de defesa coletiva, se dirige a um
inimigo estabelecido, e obviamente excluído da coalizão em questão,
o sistema de segurança coletiva não predetermina a origem da ameaça
à segurança. Além disso, o acordo sobre a reação coletiva à quebra da
paz refere-se às agressões geradas no seio dessa coalizão. As alianças
seriam supérfluas caso o sistema funcionasse, pois o compromisso com
a defesa de cada Estado já teria sido estabelecido. Por outro lado, há
uma incompatibilidade entre o sistema de segurança coletiva e as alian-
ças militares, já que no segundo caso o compromisso assumido é mais
estreito — envolvendo um grupo específico de países — e esse pode-
ria entrar em contradição com o compromisso geral frente à qualquer
agressão.
Segurança Coletiva 77

Durante o século XX, observa-se a presença de três oportunidades


para a criação de um sistema de segurança coletiva global.4 As duas
primeiras posteriores a Primeira e a Segunda Guerra e a última ao final
da Guerra Fria. Cada uma dessas oportunidades será tratada mais adiante
neste capítulo.

O Sistema de Segurança Coletiva da Liga das Nações


A Liga das Nações foi a primeira organização internacional univer-
sal, pois seus criadores imaginaram uma entidade que poderia incluir
todos os Estados soberanos que escolhessem compor os seus quadros.5
Não foram estabelecidos critérios regionais, de tamanho ou de poder
dos Estados, e seu objetivo era lidar com a ordem internacional de for-
ma global. O desenho institucional e os temas a serem tratados, segun-
do seu Pacto, que é sua carta constitutiva, expressam, ao mesmo tempo,
a intenção das grandes potências de dar continuidade ao status quo, man-
tendo a lógica do sistema de Estados soberanos e seu papel especial em
administrar a ordem internacional, e um projeto de transformação do
sistema a partir da crença no progresso, na razão e na democratização
das relações internacionais.
A criação da Liga das Nações foi estabelecida pelo primeiro dos 440
artigos do Tratado de Versalhes, concluído ao final da Primeira Guerra
Mundial. Quando as sessões da Conferência de Paris foram iniciadas em
janeiro de 1919, um comitê com representantes das cinco grandes po-
tências — Grã-Bretanha, França, Estados Unidos, Itália e Japão — e
cinco representantes de Estados menores foi convocado para produzir o
Pacto da nova organização. O Pacto passou a vigorar a partir de 10 de
janeiro de 1920, e a primeira sessão do Conselho ocorreu em Londres,
no dia 16 do mesmo mês.
As bases para o estabelecimento da nova organização foram
construídas durante o período do conflito mundial, entre 1914 e 1918.
Grupos como a Liga para Impor a Paz (League to Enforce Peace) nos Esta-
dos Unidos ou a Liga da Sociedade das Nações (League of Nations Society)
78 Organizações Internacionais

no Reino Unido mobilizaram cidadãos influentes para discutir e pres-


sionar governos no sentido de lidar com o problema da paz e da guerra
de uma forma totalmente nova. Os governos britânico e francês criaram
comitês especiais para preparar propostas na mesma direção. O presi-
dente norte-americano claramente apoiava uma nova ordem mundial. A
própria atuação conjunta dos aliados para vencer a guerra, através do
Conselho Supremo de Guerra, e outras instâncias para coordenação de
políticas, indicava novas potencialidades e necessidades de cooperação. À
medida que informações sobre os horrores da guerra se disseminavam e,
em certa medida, sob a influência da ideia de que a guerra se iniciara a
partir de um processo em que a racionalidade se perdera, quase acidental,
construía-se o projeto que deveria evitar a repetição dos eventos de 1914.
Por outro lado, a vitória dos aliados incentivou-os a buscar a
institucionalização da nova configuração de poder. Assim, a Liga foi tam-
bém uma forma de impor a paz dos vencedores sobre os vencidos, nesse
sentido é significativo que o Pacto da Liga tenha feito parte dos Tratados
de Paz de Paris. Contudo, a dissolução dos impérios austro-húngaro,
russo e otomano colocava na pauta das negociações o papel a ser exerci-
do pelos pequenos Estados. O sistema de segurança coletiva deveria, ao
mesmo tempo, garantir o status quo e a configuração de poder ao final da
guerra e inserir os pequenos Estados no sistema de maneira estável.
Ademais, a Revolução Bolchevique, de 1917, levou as lideranças
europeias e norte-americanas a buscar a institucionalização de uma
ordem internacional que se contrapusesse às propostas de redefinição
das relações internacionais presentes no ideário marxista-leninista. A
Liga se apresentava como um ícone da ordem baseada em Estados na-
cionais, em contraposição aos laços de solidariedade transnacionais de
classe, proclamados pelo ideário marxista-leninista.
O pensamento sobre relações internacionais no período também
teve impacto sobre o processo de formação da Liga. A figura do presi-
dente norte-americano Woodrow Wilson tornou-se paradigmática como
representante da aplicação do pensamento liberal às relações interna-
cionais. Ao final da Primeira Guerra, Wilson fez seu famoso discurso,
Segurança Coletiva 79

dirigido ao Senado norte-americano, em 22 de janeiro de 1918, pro-


pondo quatorze princípios para garantir a paz. O décimo quarto ponto
refere-se à criação da Liga das Nações, que garantiria a independência e
a integridade territorial de todos os Estados. O sistema de segurança
coletiva tomaria o lugar do balanço de poder, então desacreditado. Se-
gundo o presidente, o balanço de poder seria substituído por uma co-
munidade de poder e as rivalidades organizadas por uma paz comum
organizada.6 Em sua visão, a Liga seria uma organização de Estados de-
mocráticos, introduzindo de forma pioneira na arena política interna-
cional a associação entre paz e regimes políticos democráticos. A opi-
nião pública é vista como depositária da racionalidade, do bom senso
que poderia evitar a guerra. A crescente hegemonia norte-americana
permitiu aliar a ideia de ordem internacional e a legitimidade do Esta-
do liberal democrático. O princípio da autodeterminação era, para
Wilson, um corolário da defesa do Estado liberal democrático, ou seja,
se cada nação estivesse organizada na forma de um Estado, a estabilida-
de do sistema seria muito mais provável.
A Liga existiu juridicamente entre 1919 e 1946 e funcionou com
sede em Londres, embora em 1939 já não estivesse mais funcionando.
Entre 1925 e 1929 observa-se o período de sua maior importância para
a política internacional. As instituições, os procedimentos e os funcio-
nários públicos internacionais já estavam estabelecidos, e o Palácio das
Nações começou a ser construído em 1929 em Genebra. Com a entrada
da Alemanha em 1926, a Liga tornou-se um fórum importante de en-
contro dos líderes europeus, embora fosse notável a ausência da União
Soviética e dos Estados Unidos.
De acordo com a tradição liberal ocidental, a formulação de sua
estrutura organizacional contemplou a ideia da divisão de poder entre
um legislativo, um executivo e um judiciário (veja a tabela). O Conselho
era o órgão executivo, composto inicialmente por quatro membros per-
manentes — Reino Unido, França, Itália, Japão — e quatro membros
rotativos.7 Posteriormente, a Alemanha e a União Soviética foram incor-
poradas como membros permanentes e mais cinco membros rotativos
80 Organizações Internacionais

adquiriram representação. Embora o modelo do concerto europeu es-


teja impresso nesse órgão, em especial através da ideia de que as gran-
des potências têm responsabilidades e direitos específicos que devem
ser reconhecidos, a definição legal da autoridade, a continuidade institu-
cional, a regularidade das sessões e a composição distribuída entre po-
tências e Estados menores atestam as inovações introduzidas. Na
Assembleia, todos os Estados-membro estavam representados, cada um
com direito a três votos. Enquanto previu-se originalmente que a
Assembleia se reuniria apenas uma vez a cada quatro anos, em sua
primeira sessão, em 15 de novembro de 1920, foi decidido que as reu-
niões seriam anuais. As decisões eram tomadas por unanimidade nas
duas instâncias, expressando a proteção do princípio de soberania. O
Secretariado reproduzia o modelo das organizações funcionais do sé-
culo XIX, tendo funções administrativas.8

PRINCIPAIS ÓRGÃOS DA LIGA

ÓRGÃO C OMPOSIÇÃO E P ROCESSO D ECISÓRIO

Conselho Quatro (depois seis) membros permanentes, qua-


tro (depois nove) membros não permanentes,
cada qual com um representante e direito a um
voto e decisões por unanimidade.

Assembleia Representação de todos os Estados, cada qual


com no máximo três representantes e direito a
um voto e decisões por unanimidade.

Secretariado Formado pelo secretário-geral, escolhido pelo


Conselho e aprovado pela maioria da Assembleia,
e pelo corpo de servidores civis internacionais
Segurança Coletiva 81

A Corte Permanente de Justiça Internacional, prevista no Pacto


(artigo 14), só começou a operar em 1922. Inicialmente, onze juízes
selecionados pelo Conselho e pela Assembleia compunham seu qua-
dro. Suas atribuições envolviam o julgamento de casos e a emissão de
opiniões. Os Estados podiam declarar que aceitariam a jurisdição da
Corte para certas categorias de disputas. A lógica de funcionamento da
organização conferia ao direito internacional papel central na geração
de ordem no sistema internacional, e a Corte Permanente Internacio-
nal seria peça fundamental nesse contexto. No entanto, as tentativas
de codificar as regras do direito internacional, como a Conferência de
Haia, de 1930, sobre o assunto, fracassaram.
Um corpo permanente para assessorar o Conselho em questões
militares e uma Comissão Permanente de Mandatos foram criados. O
sistema de mandatos criado pela Liga representou a primeira ingerência
internacional no funcionamento do colonialismo. O artigo 22 do Pacto,
além de ter sido a primeira afirmação explícita da autoridade e respon-
sabilidade da comunidade internacional quanto ao bem-estar dos povos
“ainda incapazes de lidar com as condições do mundo moderno”, esta-
beleceu também a tutela sobre os mesmos em nome da Liga. Essa foi a
forma de legalizar o processo de transferência de possessões coloniais,
decorrente da nova configuração de poder após a guerra, já que o siste-
ma era aplicado apenas em territórios de países derrotados. Mas ao mes-
mo tempo, o sistema já expressava os valores anticoloniais crescentes e
o movimento de humanização das populações não europeias, introdu-
zindo a ideia de obrigações legais e supervisão na prática colonial.
Embora a Liga não tenha sido desenhada para lidar com questões
econômicas e sociais, a organização exerceu algumas funções nesse cam-
po. Ela foi um fórum para a discussão dos problemas econômicos glo-
bais, tendo sido realizadas uma série de conferências internacionais que,
contudo, não geraram nenhum resultado, em um momento no qual a
economia mundial encontrava-se em uma crise profunda. O esforço de
reconstrução e estabilização da Áustria, assim como o envolvimento em
atividades similares na Húngria, Bulgária e Grécia, tiveram algum suces-
82 Organizações Internacionais

so. As uniões públicas não chegaram a ser incorporadas, como havia


sido inicialmente previsto, mas foram criados órgãos para lidar com
questões técnicas, educacionais e humanitárias. A Organização da Saú-
de e a Organização de Comunicação e Trânsito, comitês para lidar com
problemas como o tráfico de drogas, refugiados, o tráfico de mulheres e
de crianças e cooperação intelectual, entre outros, são exemplos. A OIT
(Organização Internacional do Trabalho), uma agência vinculada a Liga,
porém independente, está prevista no Tratado de Versalhes e passou a
funcionar em Genebra, em 1920, visando a estabelecer padrões de condi-
ções de trabalho mínimas universais.
A primeira formulação jurídica da ideia de segurança coletiva pode
ser encontrada nos artigos 10, 11 e 16 do Pacto da Liga das Nações.9 O
conceito de segurança coletiva é a pedra lapidar da proposta de admi-
nistração do sistema internacional, gerado em 1919. Segundo o artigo
10, “cada Estado-membro se compromete a respeitar e preservar a inte-
gridade territorial e a independência política de todos os membros da
Liga”. Segundo o artigo 11, “qualquer ato de guerra ou ameaça de guer-
ra, não importando se afetando algum membro da Liga ou não, é decla-
rado uma questão de importância para a Liga como um todo, e a Liga
deverá agir da forma que parecer sábia e efetiva para proteger a paz das
nações”. Ainda no artigo 16, “se qualquer Estado-membro da Liga re-
correr à guerra (...) será considerado que cometeu um ato de guerra
contra todos os outros membros da Liga, os quais se comprometem a
submeter o mesmo à quebra de relações de troca e financeiras, à proibi-
ção de contato entre seus nacionais e os nacionais do Estado quebrando
o Pacto e prevenir todo contato financeiro, comercial ou pessoal entre
nacionais do Estado quebrando o Pacto e nacionais de qualquer Estado,
seja membro ou não da Liga. Será obrigação do Conselho em tais casos
recomendar aos governos a força militar, naval ou aérea que os mem-
bros da Liga devem dispor para as forças armadas a serem usadas para
proteger os membros da Liga. O Estado que recorrer à guerra será sujei-
to a sanções e poderá ser coagido militarmente por forças das partes
contratantes”.
Segurança Coletiva 83

A proposta de criação de um sistema de segurança coletiva repre-


sentava uma ruptura dramática com a lógica do balanço de poder que
havia regido as relações entre as potências europeias até então. O ba-
lanço de poder permitia a manutenção da ordem internacional na
medida em que o sistema de alianças entre as potências evitava que um
dos Estados representasse uma ameaça à soberania dos demais. O prin-
cípio organizacional do sistema seria assim preservado, ou seja, a sobe-
rania dos Estados territoriais. O projeto de um sistema de segurança
coletiva tinha objetivos mais ambiciosos, procurando lidar com a guer-
ra como ameaça à ordem, percebida de forma restrita (a existência de
mecanismos de governância global regulamentando diferentes aspec-
tos das relações internacionais não é um tema daquele momento). A
agressão era o objeto do sistema, e a paz era tomada como indivisível.
Uma ameaça localizada deveria ser tratada como uma ameaça à paz
internacional. Além disso, os pequenos Estados deveriam estar prote-
gidos da coerção que sofrem em um sistema de balanço de poder.
Enquanto o balanço de poder, e mesmo o concerto europeu que o
administrou durante uma parte do século XIX, continha um baixo grau
de institucionalização, o sistema de segurança coletiva proposto ao final
da Primeira Guerra teria um grau de institucionalização elevado, se in-
serido no projeto de criação da primeira organização internacional uni-
versal. O aparato organizacional criado deveria funcionar de forma cons-
tante e não ser acionado em momentos de crise.
A ocorrência de uma agressão deveria gerar uma resposta automá-
tica por parte de uma coalizão de Estados. O emprego de sanções eco-
nômicas, políticas e diplomáticas e o uso de meios militares para conter
a agressão foram previstos. A lógica da deterrência fundamentou a pro-
posta, sendo a efetividade do sistema proporcional à sua universalidade,
ou seja, o tamanho da coalizão. Por outro lado, a deterrência gerada
pelo sistema não impunha a concentração de poder. Enquanto a opera-
ção do balanço de poder depende de um certo grau de concentração de
poder, muitas vezes gerados pelo próprio sistema de alianças, o sistema
de segurança coletiva poderia, ao menos teoricamente, gerar o efeito
84 Organizações Internacionais

deterrência na ausência de processos de concentração de poder. O pres-


suposto era de que nenhum dos membros do sistema era tão poderoso
que o conjunto de unidades independentes não poderia se opor a esse.
Embora o projeto de criação de um sistema de segurança coletiva
tenha se consubstanciado no contexto da imensa indignação gerada pelos
horrores da Primeira Guerra Mundial, o pressuposto da ausência de re-
lações conflituosas, ou mesmo de violência, não estava presente. O uso
legítimo da violência por Estados territoriais soberanos foi preservado,
sendo a legitimidade de seu uso em autodefesa a expressão jurídica des-
se princípio.
Os autores do Pacto partiam da distinção entre conflitos interna-
cionais para os quais uma solução legal seria possível e outros para os
quais não seria uma opção. Assim, o sistema buscou criar mecanismos
que valorizassem a solução pacífica de conflitos e também gerar um
período de esfriamento em caso de crise. A Liga se dedicaria à investiga-
ção, à mediação, à arbitragem, ao desarmamento e à diplomacia aberta,
como formas de incentivar a solução pacífica de disputas e evitar o dile-
ma de segurança, ou seja, a percepção de ameaça gerando uma espiral
armamentista. Foi prevista uma moratória de três meses depois de uma
decisão de arbitragem ou da produção de um relatório de uma comissão
de inquérito, antes do recurso à guerra. As disputas deveriam ser referi-
das à Liga caso não houvesse acordo entre as partes. O processo inicia-
va-se quando uma das partes, ou outro membro, registrava uma recla-
mação. Os artigos 12, 13 e 15 do Pacto previam a sujeição de disputas
interestatais ao arbitramento da Corte Internacional Permanente de Jus-
tiça. A crença nos recursos da diplomacia e na possível pressão popular
contra a guerra pode ser claramente percebida.
Nos anos 20, foram assinados tratados que objetivavam comple-
mentar o sistema. O Tratado de Locarno de 1925 visava a garantir a
fronteira franco-germânica, belgo-germânica e a zona desmilitarizada
da Renânia, por meio de um tratado entre Reino Unido, França e Ale-
manha. Finalmente, o ambicioso, mas ineficaz, Pacto Briand-Kellog de
1928 declarava a renúncia à guerra como instrumento da política exter-
Segurança Coletiva 85

na. O Protocolo de Genebra de 1924 deveria estabelecer a arbitragem


obrigatória de disputas, mas o Reino Unido não aceitou a proposta.
A existência da Liga das Nações, como sabemos, não evitou o con-
junto de conflitos e a corrida armamentista que precederam a Segunda
Guerra Mundial. O sistema de segurança coletiva, criado em 1919, é
considerado um enorme fracasso. As principais negociações internacio-
nais do período foram realizadas em outros fóruns, como o Conselho
Supremo e a Conferência de Embaixadores. Um conjunto de conflitos
não foram evitados pelo sistema; exemplos que podem ser citados são:
as invasões de Corfu em 192310 e da Etiópia em 1935 pela Itália; a Guer-
ra do Chaco entre Bolívia e Paraguai (1932-1935); a invasão da Manchúria
pelo Japão em 1931;11 a guerra civil espanhola, acompanhada pela in-
tervenção alemã e italiana; a absorção da Albânia pela Itália em 1939; o
começo da expansão alemã na Áustria e nos sudetenland (Checoslováquia);
e as agressões alemãs que anunciavam a Segunda Guerra Mundial.
Dentre todos esses conflitos destaca-se a invasão da Etiópia pela
Itália como um marco da incapacidade da Liga para lidar com as cres-
centes tensões do período. Embora a Etiópia fosse um Estado soberano,
membro da Liga, e um tratado de 1928 previsse a arbitragem para qual-
quer disputa entre os dois países, a Itália invadiu o país em 1935. Rea-
gindo a essa agressão, a Liga impôs um embargo sobre as exportações de
materiais bélicos para a Itália, a proibição de suas exportações e baniu
sua concessão de empréstimos. Contudo, essas medidas não tiveram
resultado, e sanções mais efetivas, como um embargo de petróleo, que
chegou a ser considerado, não foram possíveis. Por um lado, conside-
rou-se que, como os Estados Unidos não faziam parte da Liga, suas com-
panhias podiam optar por manter o suprimento de petróleo; por outro
lado, a França e o Reino Unido naquele momento priorizaram uma úl-
tima tentativa de evitar a aproximação entre Itália e Alemanha.12 Em
maio de 1936, o imperador da Etiópia, Haile Selassie, decidiu terminar
a resistência à ocupação italiana.
No entanto, uma série de intervenções da Liga em conflitos duran-
te o período expressa a disposição, em certos casos, de recorrer à organi-
86 Organizações Internacionais

zação e indica as potencialidades do sistema montado, que não foram


suficientemente exploradas. Decisões no âmbito do artigo 16 foram to-
madas: sanções foram aplicadas, em 1935 e 1936 por 52 dos 59 Esta-
dos-membro, contra a Itália, após a agressão de Benito Mussolini contra
a Etiópia; a China foi autorizada, pela Assembleia, a sancionar o Japão,
em represália à ocupação da Manchúria. A disputa entre Grécia e Bulgária
em 1925 foi mediada pela Liga,13 o conflito entre Iugoslávia e Albânia
gerou uma comissão de inquérito, e a fronteira em disputa foi demarcada.
A Liga teve um papel negociador em outros conflitos: entre Suécia e
Finlândia, referente às ilhas Aland, em 1920; entre Grécia e Itália em
1923; entre Bolívia e Paraguai em 1933. A organização governou o terri-
tório de Saar, uma área na fronteira franco-germânica disputada pelos
dois países, durante 15 anos. Ao final do período, um plebiscito foi
organizado, segundo a designação do Tratado de Versalhes, e o território
passou a fazer parte do Estado alemão. Outras disputas na Europa ori-
ental e central e sobre a política de nacionalidade francesa na Tunísia
também chegaram ao Conselho. Durante os anos 20, a Liga desenvol-
veu um conjunto de técnicas para a investigação de disputas, para a
conciliação entre as partes e para a manutenção da paz depois de um
cessar-fogo, além do uso, ou ameaça do uso de sanções. Por fim, em
um de seus últimos atos, já em 1939, a Liga expulsou a União Soviética,
como reação à invasão da Finlândia.
Ao contrário do que previa o sistema implantado, a frequência com
que os Estados formaram alianças entre os anos de 1923 e 1933 levou o
período a ser chamado de “a era dos pactos”. Assim, o balanço de poder
foi o mecanismo de ordenamento das relações internacionais. Apesar da
tentativa de incluir a Alemanha no sistema pelo Pacto de Locarno, ob-
serva-se, ao longo dos anos, que a formação de alianças e a luta por
poder nacional atingiu proporções epidêmicas.
A literatura oferece uma série de explicações para o fracasso da Liga
das Nações. A tensão entre o conceito de soberania e a lógica da
indivisibilidade da paz, presente no sistema de segurança coletiva, está
na base das dificuldades de seu funcionamento. As ameaças à paz loca-
Segurança Coletiva 87

lizadas, percebidas como ameaças à paz internacional, deveriam gerar


um cálculo custo-benefício que se diferencia claramente daquele pres-
suposto na lógica do interesse nacional. Por outro lado, o próprio in-
teresse nacional teria de ser redefinido, sendo esse um movimento
extremamente difícil, dada a experiência de socialização vivida pelos
Estados desde a formação do sistema internacional moderno. A rela-
ção Estado/sociedade historicamente construída pelo menos desde a
Revolução Francesa conferia ao Estado o papel de defensor do interes-
se nacional. O automatismo que o sistema pressupõe também entra
em contradição com a flexibilidade de formulação da política externa
de Estados soberanos.
A ineficácia do sistema é atribuída, ainda, ao processo decisório
criado pelo Pacto. Devem ser lembradas: a exigência de unanimidade
entre os membros do Conselho e da Assembleia, o caráter das resolu-
ções desses órgãos (sem o estabelecimento de obrigatoriedade), a ausên-
cia de referências claras quanto à definição de situações em que o siste-
ma deveria ser acionado e a inexistência de mecanismos que asseguras-
sem a implementação da coerção militar.
A dificuldade de definição do agressor, ou mesmo do que é uma
agressão, é um problema inerente ao sistema de segurança coletiva. O
silêncio sobre o assunto esconde a pressuposição de que existem princí-
pios morais universais. Se essa não é uma afirmação verdadeira, ou mes-
mo se ela não encontra expressão no comportamento dos atores, estamos
diante de um pressuposto que acaba tornando o sistema refém de inte-
resses particulares — aqueles articulados como expressão de princípios
morais universais.
O Conselho podia recomendar que as partes contratantes contri-
buíssem com forças terrestres, navais ou aéreas, para o combate à agres-
são, mas era deixada aos Estados, individualmente, a decisão sobre o
uso da força. Assim, embora o sistema da Liga previsse a possibilidade
de autorização de recurso à força militar coletiva, caso falhassem as san-
ções políticas comerciais e financeiras do artigo 16, essa decisão nunca
foi tomada.
88 Organizações Internacionais

A ausência dos Estados Unidos na Liga, apesar dos esforços do pre-


sidente Wilson, impediu que o sistema adquirisse um caráter universal,
o que comprometeu sua credibilidade e operacionalidade. No caso da
imposição de sanções econômicas, em particular, a universalidade da
coalizão é fundamental, tanto na geração dos efeitos desejáveis, quanto
para a socialização dos custos. Ademais, a Alemanha esteve presente ape-
nas entre 1926 e 1933, a União Soviética só foi incorporada em 1934, o
Japão deixou a organização em 1933, a Itália em 1937 e 13 países latino-
americanos seguiram o mesmo caminho. No total, 63 países chegaram a
fazer parte da Liga, embora não ao mesmo tempo, e 17 países deixaram a
organização. Assim o sistema não pode ser considerado universal.
Os Estados Unidos não aderiram à Liga como resultado de um
conjunto de variáveis. O isolacionismo da maioria da Comissão de Negó-
cios Estrangeiros do Senado impediu que o Tratado de Versalhes fosse
ratificado. Havia dois argumentos contra a participação norte-america-
na. Percebia-se uma contradição entre a obrigação de garantir a integri-
dade territorial e independência de todos os membros da Liga e a defesa
da soberania norte-americana. Além disso, o pacto não assegurava aos
Estados Unidos o mesmo número de votos que o Império Britânico (Ca-
nadá, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia e Índia). Embora a preo-
cupação em garantir o status especial dos Estados Unidos, no hemisfério
ocidental, também tenha sido um argumento contra a adesão norte-
americana, o Pacto foi modificado, em uma tentativa de convencer os
senadores, e há menção explícita à Doutrina Monroe.14 Aos Estados
Unidos era atribuído o papel de protetor do hemisfério, mesmo haven-
do contradição entre a lógica da Liga e o reconhecimento de uma esfera
de influência.
Essa atribuição, de protetor do hemisfério ocidental, legitimando
assim a Doutrina Monroe, criava uma zona de influência em que o siste-
ma de segurança coletiva não funcionaria, podendo os Estados Unidos
envolver-se em atividades militares em desrespeito aos princípios do
Pacto. Como resultado, Georges Clemenceau, primeiro ministro fran-
cês, demandou a garantia de segurança para a França por parte dos
Segurança Coletiva 89

Estados Unidos e da Inglaterra, fora do sistema, e o Japão demandou


direitos especiais na província de Shantung (China). As concessões re-
presentavam a perda de legitimidade do sistema, prevalecendo os inte-
resses das grandes potências.
A construção da credibilidade do sistema foi assim abortada, ge-
rando um ciclo de fracassos que impediu a lógica da deterrência de
funcionar. De fato, o sistema de segurança coletiva da Liga das Nações
sucumbiu à lógica do balanço de poder, justamente o mecanismo que se
buscava substituir. No entanto, seu papel no lento processo de constru-
ção de normas referentes à administração coletiva do sistema internacio-
nal deve ser salientado, e as experiências das décadas de 1920 e 1930
viriam a ter um impacto significativo sobre o projeto de gestação de uma
nova organização universal nos anos 40.

O Sistema de Segurança Coletiva da ONU

Ainda durante a Segunda Guerra, uma equipe comandada por Leo


Pasvolsky e supervisionada pelo secretário de estado Cordell Hull, traba-
lhava na elaboração de uma proposta para a implementação de um novo
sistema de segurança coletiva. Em Dumbarton Oaks, Washington, entre
agosto e outubro de 1944, foi acordado entre a União Soviética, os Esta-
dos Unidos, a China e o Reino Unido que uma organização universal,
baseada no princípio da igualdade entre Estados soberanos, seria criada,
estando impedidos de participar a Alemanha, a Itália, o Japão e a Espanha.
Embora a formação de uma organização multilateral universal não fos-
se consenso desde o início das negociações, o tema da segurança cole-
tiva dominou os debates entre as delegações dos Estados Unidos, Reino
Unido e União Soviética. O texto básico foi então examinado pelos par-
ticipantes da Conferência de São Francisco em abril de 1945, quando a
ONU foi criada por cinquenta países.15 Em 24 de outubro de mesmo
ano, com a ratificação da carta pelos futuros membros do Conselho e
pela maioria dos países, a ONU passou a existir oficialmente.16
90 Organizações Internacionais

A ONU é uma organização intergovernamental, sendo a arena mais


universal para a negociação de normas internacionais, mas também é
um ator, assumindo posições e produzindo ideias dentro dos limites
estabelecidos pelos Estados que a constituíram. Seu caráter intergover-
namental não impediu que as normas produzidas no âmbito do sistema
abandonassem o princípio de que o direito internacional se constitui de
normas referentes às relações apenas entre Estados. Tribunais especiais,
a Declaração Universal dos Direitos do Homem, as Convenções sobre
Direitos Civis, Políticos e Sociais, de 1966, e o recém-criado Tribunal
Penal Internacional têm como princípio que indivíduos, ou grupos, são
sujeitos do direito internacional.
O sistema ONU tem funções sociais e econômicas, mas a adminis-
tração da segurança, a partir do princípio de que o uso da força contra a
integridade territorial ou independência de qualquer Estado está pros-
crita e de que disputas devem ser resolvidas pacificamente, é a principal
função da organização. A Carta é seu documento constitutivo, estabele-
cendo as obrigações e os direitos dos membros e a estrutura da organi-
zação.17 A ONU é composta por seis órgãos principais: o Conselho de
Segurança, a Assembleia Geral, o ECOSOC (Conselho Econômico e
Social), o Conselho de Tutela, a Corte Internacional de Justiça e o Secre-
tariado (veja a tabela a seguir). O sistema ONU é formado ainda por
quinze agências, além de diversos programas específicos, cada qual com
orçamentos e mandatos distintos.18 Os Estados normalmente mantém
missões permanentes na organização.19 Sua sede fica em Nova York.
Cabe primordialmente ao Conselho a administração da seguran-
ça; entretanto, os outros órgãos também têm funções nesse campo. O
Conselho pode enfrentar as ameaças à paz e segurança através da nego-
ciação, de decisões que sancionam os agressores, da investigação, da
formação de operações de paz ou apenas através do estabelecimento
de parâmetros para a resolução de um conflito. Ele é composto por
cinco membros permanentes e dez membros não permanentes que
exercem um mandado de dois anos. Outros países podem ser convida-
dos a participar dos debates, quando envolvidos em uma disputa. Os
Segurança Coletiva 91

membros permanentes — Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia


e China.20 — têm o poder de veto sobre as decisões tomadas. O poder
de veto é fortalecido pela impossibilidade de ratificar a Carta sem acor-
do dos membros permanentes e pode ainda ser usado para impedir
que uma determinada questão seja declarada processual.21 Os dez mem-
bros não permanentes exercem um mandato de dois anos. A distribui-
ção geográfica confere maior universalidade ao Conselho: cinco mem-
bros não permanentes são da África e da Ásia, dois da América Latina,
dois da Europa ocidental e um da Europa oriental.
A norma da igualdade entre Estados soberanos é expressa no
funcionamento da Assembleia Geral, pois o princípio de um voto para
cada Estado é a base do processo decisório e é seu órgão mais represen-
tativo.22 A Assembleia é a grande arena da ONU na qual as mais diver-
sas questões são discutidas.23 Muitas vezes ela funciona como o corpo
legislativo da ONU, com suas resoluções estabelecendo a base para no-
vas normas do direito internacional e com a produção de tratados mul-
tilaterais.24 A admissão de novos membros, a eleição de membros não
permanentes do Conselho, do ECOSOC, do Conselho de Tutela, a de-
signação de juízes da CIJ, a aprovação do orçamento e a participação no
processo de revisão da Carta são atribuições da Assembleia. A discus-
são e a análise de conflitos e a elaboração de recomendações sobre ques-
tões de segurança que o Conselho não está enfrentando são previstas
na Carta. Ademais, uma resolução de 1950 estabelece que a Assembleia
pode fazer recomendações para medidas coletivas quando o Conselho
está paralisado devido ao uso do veto.25 A Assembleia é também um
espaço privilegiado para a formação de grupos regionais, ou com outro
ponto de convergência, que visam a pressionar por determinadas polí-
ticas. São coalizões de Estados, comparáveis às coalizões de partidos
que se formam em parlamentos nacionais. Os Estados africanos, latino-
americanos e caribenhos, asiáticos, da Europa oriental e ocidental e
outros, o grupo dos 77,26 movimento não alinhado, conferência islâmica,
grupo nórdico, União Europeia funcionam dessa forma. Até cerca de
1955, os Estados Unidos tinham controle sobre o processo decisório na
92 Organizações Internacionais

Assembleia através do bloco formado por europeus ocidentais, latinos-


americanos e Estados do Commonwealth britânico. Ao final da década
de 1960, o grupo dos 77 havia se tornado uma coalizão dominante.
O Secretariado é composto por uma equipe de cerca de 20.000
funcionários, servindo nas sedes da ONU em Nova York, Genebra, Vie-
na e Nairobi, além de outros postos. O secretário-geral é o administra-
dor chefe da ONU, responsável pela preparação do orçamento da orga-
nização, por submeter um relatório anual à Assembleia Geral e pelos
estudos sobre diferentes problemas. Ele pode trazer para a agenda do
Conselho problemas e temas no campo da segurança, tendo assim um
papel crucial na prevenção e limitação de crises. A personalidade e a
postura dos diferentes secretários, além do momento histórico em que
exerceram o cargo, tiveram um impacto sobre sua atuação, tendo secre-
tários como Dag Hammarskjold e Boutros Boutros-Ghali elaborado pro-
postas que, muitas vezes, intervinham no processo político. Seu manda-
to de cinco anos é renovável apenas uma vez. O secretário exerce uma
função de liderança, e suas atividades expressam e simbolizam o lugar
da ONU como ator no sistema internacional.

SECRETÁRIOS-GERAIS DESDE 1946

Trygve Lie — 1946-1953


Dag Hammarskjold — 1953-1961
U Thant — 1961-1971
Kurt Waldheim — 1972-1981
Javier Pérez de Cuellar — 1982-1991
Boutros Boutros-Ghali — 1992-1996
Kofi Annan — desde 1997

O Conselho Econômico e Social é responsável pela coordenação


das atividades das agências e programas especializados da ONU, além
de fazer recomendações gerais sobre questões econômicas, sociais, de
Segurança Coletiva 93

saúde pública, culturais, educacionais e aquelas pertinentes ao respeito


aos direitos humanos. Os membros do ECOSOC são eleitos para um
termo de três anos, sendo utilizado o critério de representação geográfica
(14 países africanos, 11 asiáticos, 6 europeus orientais, 10 latino-ameri-
canos e caribenhos, 13 europeus ocidentais e outros). Embora não haja
uma distinção entre membros permanentes e não permanentes, na prá-
tica, os membros permanentes do Conselho de Segurança são reeleitos
continuamente. O funcionamento do ECOSOC reflete a ideia de que a
ONU deve ter um papel no campo econômico e social muito maior do
que aquele exercido pela Liga. A presença dos Estados Unidos como nova
potência hegemônica, fornecendo os contornos da ordem do pós-guer-
ra, e a percepção da associação entre conflito e condições econômicas
pelos projetistas da organização explicam a mudança em questão.
A Corte Internacional de Justiça, formada por quinze juízes eleitos
para um mandato de nove anos, emite decisões sobre disputas legais
entre Estados e opiniões sobre questões legais referidas a ela. A Corte
contribui para a resolução pacífica de disputas, particularmente quando
a definição de fronteiras terrestres e marítimas é contestada. Os traba-
lhos foram iniciados em 1946, quando a Corte substituiu a Corte Inter-
nacional Permanente de Justiça, em Haia.
O Conselho de Tutela era responsável por monitorar a administra-
ção de territórios sob tutela, ainda de acordo com o sistema criado pela
Liga. O Conselho gerou relatórios sobre as condições dos povos e fazia
visitas no contexto de suas atribuições de supervisão. A Carta enfatiza a
importância de promover o desenvolvimento do autogoverno, ou inde-
pendência, já indicando uma visão positiva em face do processo de
descolonização. Devido às dificuldades de emendar a Carta da ONU, o
Conselho ainda existe, mas suas atividades foram interrompidas quan-
do a ilha de Palau adquiriu independência em 1994.
A proposta de criação de uma nova organização universal e de um
novo sistema de segurança coletiva visava a corrigir os erros detectados
no sistema anterior. Assim, o papel especial das grandes potências foi
reconhecido na forma das atribuições específicas do Conselho de Segu-
94 Organizações Internacionais

PRINCIPAIS ÓRGÃOS DA ONU

ÓRGÃO P ROCESSO D ECISÓRIO

Conselho de Segurança Composto por cinco membros permanentes,


com direito de veto, e dez membros rotativos,
eleitos para um mandato de dois anos pela
Assembleia. Suas decisões são obrigatórias.

Assembleia Geral Todos os membros estão representados, cada


um com direito a um voto. Decisões são toma-
das por maioria, com exceção do orçamento,
questões de paz e segurança e a admissão de
novos membros (aprovadas por 2/3 dos votos).

Secretariado Composto pelo secretário-geral (eleito para


um mandato de cinco anos) e pelo corpo de
servidores públicos internacionais.

Corte Internacional Composto por 15 juízes, que não represen-


tam seus países, eleitos para um mandato de
nove anos pelo Conselho e pela Assembleia.
Um juiz ad hoc pode ser designado para um
caso em que nenhum juiz originário do país,
parte de um contencioso, componha a Corte.

Conselho Composto por 54 membros eleitos pela


Econômico e Social Assembleia para um mandato de três anos.
Cada membro tem direito a um voto e as deci-
sões são tomadas por maioria simples.

Conselho de Tutela As operações foram suspensas em 1994. Os


membros em 1994 faziam parte permanente do
Conselho, mas a Carta admite outros membros.
SISTEMA DAS NAÇÕES UNIDAS
Assembleia Conselho Conselho Conselho Econômico Corte Internacional
Secretariado
Geral de Segurança de Tutela e Social de Justiça

®
Comitês principais Comitê de Estado Agências Departamentos e Escritórios
Comitês de sessões Maior Especializadas Escritório do secretário-geral
Comitês permanentes Tribunal Internacional ILO (OIT) Escritório de serviços internos
Outros órgãos subsidiários Criminal para a FAO Escritório de serviços legais
ex-Iugoslávia UNESCO Departamento de questões políticas
Tribunal Criminal WHO (OMS) Departamento de questões de desarmamento
OHCHR Internacional para Banco Mundial Departamento de operações de paz
UNOPS Ruanda IMF (FMI) Escritório para a coordenação de questões humanitárias
® UNU Comissão de ICAO Departamento de questões econômicas e sociais
UNSSC ®
Monitoramento, IMO Departamento de administração da Assembleia Geral e
UNAIDS verificação e ITU (UIT) Conferências
Inspeção da ONU UPU Departamento de informação pública
(Iraque) WMO Departamento de administração
Programas e Fundos Comissão de WIPO Escritório do alto representante para os países menos
UNCTAD Compensação da ONU IFAD desenvolvidos,
ITC Missões e operações UNIDO Países em desenvolvimento sem acesso ao mar e pequenas
UNDCP de paz WTO ilhas em desenvolvimento
UNEP Escritório do coordenador de segurança da ONU
UNICEF Escritório da ONU para drogas e crime
UNDP Comissões Funcionais Escritório da ONU em Genebra
® UNIFEM Direitos humanos
Escritório da ONU em Viena
UNV Drogas
® Escritório da ONU em Nairobi
UNCDF Prevenção de crime e justiça criminal
UNFPA Ciência e tecnologia para o desenvolvimento
UNHCR Desenvolvimento sustentável Outras Organizações
WFP Status da mulher
Relacionadas à ONU
UNRWA UN_HABITAT População e desenvolvimento
OMC
Comissão para o desenvolvimento social
WFP IAEA
Comissão de estatística
UNRWA OPCW
Comissões regionais
UN_HABITAT ECA, ECE, ECLAC (CEPAL), ESCAP, ESCWA CTBTO
Outros órgãos
96 Organizações Internacionais

rança e em um processo decisório que concede prerrogativas de sobera-


nia especiais às grandes potências, na forma do poder de veto. A relevân-
cia da participação de todas as grandes potências em uma organização
universal, que buscava evitar um novo conflito, logo após a Segunda Gran-
de Guerra, era evidente. A experiência da Liga das Nações salientava essa
realidade. A decisão de criar o poder de veto teve esse objetivo. Ademais,
o direito de veto bloqueia o processo decisório no Conselho caso haja
discordância entre as grandes potências; a ONU só pode se envolver em
atividades no campo da segurança, se todos os membros permanentes
estiverem de acordo. O suposto é que uma ação coletiva só pode ser rea-
lizada quando há unanimidade entre os Estados mais poderosos e nunca
contra um desses. Dito de outra forma, o poder de veto funciona como um
fusível, congelando o processo decisório quando há o perigo de colapso
do sistema. Além disso, a União Soviética e os Estados Unidos não teriam
concordado em participar do sistema de segurança coletiva da ONU caso
o processo decisório não protegesse sua autonomia de forma especial.
Esse é um tema controverso, porque contradiz o princípio da igual-
dade entre Estados soberanos e porque a mudança da distribuição de
poder no sistema internacional deveria ser expressa na composição do
Conselho.
A nova organização precisava de instrumentos de coação mais efi-
cazes. Os criadores do sistema estavam convencidos de que a ineficiên-
cia das sanções contra a Itália havia apenas alienado o governo daquele
país da comunidade que a Liga representava, durante os meses em que
Mussolini conquistava a Etiópia. A ameaça militar da ONU deveria ser
mais crível. Assim, as resoluções do Conselho que lidam com ameaças à
paz são obrigatórias, e não recomendações, como ocorria com as resolu-
ções do Conselho da Liga, e a Carta enfatiza a necessidade de uma capa-
cidade militar para dar suporte ao sistema de ação coletiva. Contudo, o
poder do Conselho é limitado pela sua dependência nos Estados para
adquirir os meios militares e financeiros, o apoio político e a imple-
mentação de decisões como embargos. O caráter intergovernamental
da ONU explica essa realidade.
Segurança Coletiva 97

A base legal do sistema de segurança coletiva da ONU pode ser


encontrada no Capítulo VII da Carta; que estabelece que ameaças à paz
e à segurança internacional devem ser tratadas pelo Conselho de Segu-
rança. Como não há uma definição clara no que consiste em uma ame-
aça, é conferido amplo poder discricionário ao Conselho. Uma ameaça
à paz não envolve, necessariamente, o uso de violência armada, nem se
limita aos conflitos entre Estados. Durante a Guerra Fria, o Conselho
considerou a inexistência de um governo legítimo, claramente identifi-
cado, no Congo em 1960 e a política de discriminação racial dos gover-
nos da África do Sul e da Rodésia ameaças à paz e à segurança interna-
cional. Nesses dois casos, a definição clássica de agressão não era aplicá-
vel. A mais importante limitação ao amplo poder discricionário do Con-
selho na sua definição de ameaças à paz e à segurança está presente no
artigo 51 da Carta. Ele define o direito legítimo à autodefesa, restrito,
contudo, ao caso específico de uma reação a um ataque armado. Ata-
ques preventivos, como o bombardeio à Líbia pelos Estados Unidos em
1986, devido ao apoio dado a grupos terroristas, ou a invasão do Pana-
má também pelos Estados Unidos em 1989, como resultado do envolvi-
mento do governo local no tráfego de drogas, não são considerados.
De acordo com o artigo 39, uma ameaça ou quebra da paz, ou um
ato de agressão permite ao Conselho exercer seus poderes de imposição
de resoluções, e, nesses casos, a exceção da jurisdição doméstica não é
aceitável. Por exemplo, pode ser adotado um bloqueio naval, sendo essa
uma medida coercitiva que não envolve um estado de guerra. O prece-
dente foi a resolução n. 221, de abril de 1966, que fortaleceu a proibi-
ção da venda de petróleo à Rodésia. A resolução convocava a Grã-Bretanha
a prevenir, com o uso de força se necessário, a chegada de petróleo ao
porto de Beira, em Moçambique, que se destinava a continuar por terra
para a Rodésia.
O artigo 40 refere-se às medidas de emergência preliminares a ou-
tra resolução, baseada no Capítulo VII, em que o Conselho demanda,
requer com urgência ou urge medidas que evitem a escalada de um
conflito. Algumas situações típicas em que o artigo é a base de uma
98 Organizações Internacionais

recomendação são: o requerimento de um cessar fogo ou de soltura de


presos políticos, pedidos para que Estados não apoiem partes de um
conflito e lhes forneçam armas, pedidos de retirada de tropas estrangei-
ras ou para o afastamento de tropas até determinadas posições.
O artigo 41, por sua vez, faz menção às medidas que não envolvem
o uso da força, mas determinam sanções contra um Estado que tenha
quebrado ou ameaçado a paz, ou é considerado um agressor. As medi-
das incluem embargos (proibição de exportações), boicotes (proibições
de importações), restrições de ordem financeira, ou de relacionamento
cultural ou esportivo, interrupção de meios de comunicação, corte das
relações diplomáticas, ou outras medidas que levam ao isolamento do
Estado em questão. De uma forma geral, essas são decisões obrigatórias,
embora o artigo 50 faça exceção aos países com necessidades econômicas
especiais. O artigo 16, do Pacto da Liga, forneceu a base para a elaboração
do artigo 41. No entanto, no caso da Liga, a decisão de impor sanções
cabia a cada Estado-membro, já as medidas previstas no artigo 41 têm um
caráter obrigatório. Assim, a comunidade internacional adquiriu, após a
Segunda Guerra, a capacidade de impor sanções coletivamente.
O artigo 42 estabelece a possibilidade do uso direto da força contra
um Estado. O caráter doméstico da situação não constitui um obstáculo
à ação do Conselho, pois medidas sob o Capítulo VII não são limitadas
pela proteção à jurisdição doméstica. Está especificado no artigo 43 que
no sistema de segurança coletiva da ONU a ação direta consiste no uso
de contingentes de forças armadas nacionais submetidas ao Conselho de
Segurança.
Os artigos 43, 44 e 45 estabelecem a obrigação dos Estados-mem-
bro de assinar acordos com o Conselho para determinar o tamanho e a
prontidão das tropas a serem utilizadas. Quando um país contribui para
uma operação, ele pode participar dos debates no Conselho. Os artigos
46 e 47 estabelecem que o uso de contingentes nacionais será decidido
pelo Comitê do Alto Comando (Military Staff Committee) composto pe-
los comandantes em chefe dos cinco membros permanentes do Conse-
lho, sob a autoridade do mesmo.
Segurança Coletiva 99

Contudo, o mecanismo de implementação do sistema de seguran-


ça coletiva previsto no artigo 43 da Carta não foi posto em prática. As
negociações para a conclusão dos “acordos especiais”, que teriam per-
mitido à ONU dispor de forças armadas e direitos de passagem foram
interrompidas em decorrência do início das tensões entre as superpo-
tências. Assim, as operações militares foram executadas de duas formas
diferentes (algumas vezes combinando as duas): criando forças das Na-
ções Unidas para operações de paz ou autorizando o uso de força por
Estados-membro, individualmente, em coalizões ou no contexto de or-
ganizações regionais.
A operação na Coreia foi a única instância em que o Conselho deci-
diu responder a uma agressão com o uso da força, nos moldes clássicos
do sistema de segurança coletiva durante a Guerra Fria. A Coreia do
Norte havia invadido a Coreia do Sul em junho de 1950, ocupando a
maior parte do país, dividido, até então, segundo a lógica da Guerra
Fria.27 Nessa ocasião, o Conselho foi claramente objeto da política exter-
na americana, tendo sido a resolução aprovada porque a União Soviéti-
ca estava ausente no momento da votação em protesto contra a repre-
sentação de Taiwan como membro permanente. A operação inicialmen-
te visava à volta do status quo, dentro dos princípios do sistema de segu-
rança coletiva, ou seja, a retirada das tropas norte-coreanas para além do
paralelo 38. A intervenção armada esteve sob controle dos Estados Uni-
dos que proveu a maior parte das forças, mas incluiu uma coalizão de
quinze países. Quando a União Soviética retornou ao Conselho, os Esta-
dos Unidos buscaram apoio da Assembleia para que as forças pudes-
sem mover-se ao norte do paralelo 38. Até hoje o armistício de julho de
1953 divide a Coreia.
Durante a Guerra Fria, apenas em dois casos o Conselho agiu com
medidas de imposição sob o Capítulo VII, em situações que não envol-
veram operações militares. A política do apartheid foi penalizada pelas
resoluções 232, de dezembro de 1966, e 253, de maio de 1968, contra
a Rodésia e pela resolução 418, de novembro de 1977, contra a África
do Sul.
100 Organizações Internacionais

O apoio do Conselho a processos de resolução de conflito faz par-


te dos papéis da ONU na administração da segurança internacional.
Enquanto o Capítulo VII lida com situações em que houve quebra da
paz, situações em que uma crise já se estabeleceu, o Capítulo VI lida
com ameaças à paz em potencial. Nesses casos, o papel principal cabe
às partes — e não ao Conselho — que devem buscar uma forma de
conciliar suas diferenças. Quando o Conselho age sob a égide do Capí-
tulo VI, a cooperação entre as partes em disputa é o foco das recomen-
dações, enquanto quando a ação é feita sob a égide do Capítulo VII a
cooperação dos outros Estados para tornar efetivas as medidas sobre as
quais o Conselho tomou decisões é fundamental, e as decisões são
direcionadas contra os agressores.
Embora o sistema de segurança projetado não tenha funcionado
durante a Guerra Fria, a ONU desempenhou um papel mais restrito no
campo da segurança, na mediação de conflitos isolados, ao monitorar
arranjos de cessar fogo ou ao separar forças hostis. As operações de paz
representam a mais significativa participação da ONU na administração
da segurança internacional, fazendo parte de um esforço de controle de
conflitos, ou seja, realizando os objetivos expressos no Capítulo VI.28
Essas atividades deixariam uma porta aberta para a retomada das pro-
postas de um sistema de segurança coletiva após o final da Guerra Fria.
Duas categorias de operações de paz foram desenvolvidas: missões
de observadores e missões de manutenção da paz. As operações de paz
são executadas a partir de um mandato por tempo determinado, nor-
malmente de seis meses, podendo ser estendido.
As missões de observação são formadas por um pequeno contin-
gente desarmado, distribuído em uma região após o estabelecimento de
um cessar-fogo. As primeiras missões de observação da ONU, compos-
tas por observadores militares, foram aprovadas já em 1947 e 1948. A
primeira objetivava verificar o apoio externo recebido pela guerrilha
grega (Comitê Especial das Nações Unidas para os Bálcãs) e a segunda
visava a monitorar o cessar fogo nas fronteiras israelenses e ainda está
ativa (UNTSO, United Nations Truce Supervision Organization).
Segurança Coletiva 101

As operações de manutenção da paz são formadas por um contigente


maior, armado para a autodefesa, tendo como função principal a inter-
posição entre forças hostis. Elas geralmente visaram a resolver uma crise
ou estabilizar uma situação. A separação das partes e o monitoramento
dos acordos firmados, inclusive a verificação de acordos de controle de
armamentos, são realizadas. As forças eram de Estados neutros em rela-
ção ao conflito específico e ao conflito sistêmico. Canadá, Fiji e Suécia
contribuíram significativamente para as operações desse período. A neu-
tralidade era considerada fundamental para o sucesso das operações.29
O Conselho delega ao secretário-geral a responsabilidade de prover
forças internacionais por meio de acordos com membros e de delegar
o comando da operação. As forças operam com o consentimento do
Estado onde estão estacionadas. O consentimento é considerado um
requisito básico para esse tipo de operação. Contudo, o mesmo pode
ser uma ficção, como no caso do Congo em 1960-61 e da Somália em
1992, não havendo um governo legítimo claramente constituído.
Entre 1947 e 1985, a ONU realizou treze operações de paz, estabe-
lecendo-se uma norma de conduta que perduraria até o final da Guerra
Fria. Algumas operações devem ser citadas porque representaram um
marco na história da prática em foco.
A crise do Canal de Suez em 1956 permitiu o desenvolvimento do
novo conceito de operação de paz. Em 1956, foi criada a primeira força
de manutenção da paz e o termo “operação de manutenção da paz” foi
incorporado ao vocabulário da ONU (UNEF I — United Nations
Emergency Force). A operação tinha como mandato a separação de for-
ças israelenses e egípcias e durou onze anos. Nesse caso, o secretário-
geral Hammarskjold teve relativa autonomia em negociar a resolução da
crise que se instalara. Seu mandato amplo e sua liderança permitiram
inaugurar uma nova prática. As forças foram lideradas por um general
canadense, subordinado ao secretário-geral, em contraste com a ope-
ração na Coreia, em que as forças foram comandadas por oficiais norte-
americanos. O peso da neutralidade e as funções das operações de paz
foram articulados nesse contexto. O secretário se responsabilizou ain-
102 Organizações Internacionais

da pela operação de limpeza do canal de Suez, que estava bloqueado


por navios afundados pelos egípcios. Essa missão foi peculiar já que foi
criada pela Assembleia Geral, dada a obstrução do processo decisório
pelos vetos britânicos e francês no Conselho.
A missão presente no Congo entre 1960 e 1964 (ONUC — Opération
des Nations Unies au Congo) para restaurar a ordem civil no país é consi-
derada o “Vietnã da ONU” e afastou a possibilidade de intervenções
coercitivas por muitos anos. A amplitude do mandato, nesse caso, in-
cluindo a permissão para utilização de força ofensiva, acabou envolven-
do a ONU em um conflito intraestatal de grande proporção e a organi-
zação ainda não estava preparada para essa experiência. A operação no
Chipre (UNFICYP — UN Force in Cyprus), criada em 1964, é um exem-
plo do congelamento de conflito que essas operações podem gerar, não
sendo resolvida a disputa entre as partes. Ademais, a operação não foi
capaz de evitar o conflito armado em 1974.
O sistema de segurança coletiva durante a Guerra Fria não funcio-
nou como previsto. As grandes potências vetaram sistematicamente sua
aplicação, e as negociações em torno da Guerra Fria ocorreram em ou-
tros fóruns. Conflitos como o ocorrido no Vietnã jamais chegaram ao
Conselho de Segurança. A relativa estabilidade do sistema internacional
foi gerada pela bipolaridade, pela ameaça de uma catástrofe nuclear, por
um sistema de alianças e zonas de influência e por normas acordadas
entre as superpotências. O sistema de segurança coletiva manteve-se
congelado, e a ONU preencheu um papel relevante na manutenção da
paz através das operações de paz e de seu apoio à negociações interna-
cionais. O apoio ao processo de descolonização, a criação de um fórum
para as negociações visando ao controle de armamentos e o desarma-
mento30 são também contribuições para a administração da segurança
internacional. Criada inicialmente com 51 membros, em 1990 a ONU
já contava com 158 Estados, demonstrando a força que a ideia de uma
organização universal havia adquirido.
Finalmente, devemos acrescentar que a administração da segu-
rança internacional é realizada também no âmbito regional, e essa rea-
Segurança Coletiva 103

lidade é contemplada pela Carta da ONU. O Capítulo VIII apresenta a


possibilidade de autorização por parte do Conselho de ações
implementadas por arranjos regionais. Além disso, o artigo 51, já men-
cionado, refere-se à autodefesa individual e coletiva. A ideia de autode-
fesa coletiva foi contemplada em São Francisco para conferir legitimi-
dade aos acordos de assistência recíproca que estavam sendo desenha-
dos no continente americano e que depois proliferaram, com o estabe-
lecimento de organizações regionais tais quais a OTAN (Organização
do Tratado do Atlântico Norte) e o Pacto de Varsóvia. Contudo, o direi-
to à autodefesa coletiva, presente no artigo 51 da Carta, não deve ser
confundido com as medidas que uma organização regional pode tomar
sob direção do Conselho de Segurança, de acordo com o artigo 53 da
Carta. A Liga Árabe (criada em 1945), a OEA (criada em 1948) e a Orga-
nização de Unidade Africana (criada em 1963, hoje União Africana) são
organizações de segurança coletiva regionais. Essas foram as organiza-
ções originalmente previstas para cooperar para o funcionamento do
sistema de segurança coletiva segundo o artigo 53.
O sistema de segurança coletiva pode conviver com acordos de
segurança territorialmente circunscritos, podendo esses constituir me-
canismos de segurança coletiva regionais ou alianças militares. Como
vimos, a existência de alianças militares pode entrar em contradição
com o funcionamento do mesmo.

O Sistema de Segurança Coletiva no pós-Guerra Fria


Como vimos, o sistema de segurança coletiva previsto na Carta das
Nações Unidas não se tornou realidade. Essa possibilidade foi reinaugurada
com o final da Guerra Fria. O processo decisório no Conselho de Seguran-
ça foi ativado a partir do momento em que os Estados Unidos e a União
Soviética (e depois a Rússia) deixaram de usar o poder de veto sistematica-
mente e uma tendência a decisões consensuais ter sido inaugurada. O
número de operações de paz aumentou significativamente, assim como o
escopo de suas atividades e a quantidade de militares e civis envolvidos,31 a
104 Organizações Internacionais

imposição de sanções tornou-se mais frequente e foram criados tribunais


para crimes de guerra e genocídios. A cooperação entre as potências no
Conselho de Segurança facilitou a resolução de conflitos que tinham ori-
gem na Guerra Fria. Uma resolução do Conselho forneceu um quadro de
referência para a cessação das hostilidades entre o Iraque e o Irã, uma
guerra que já durava oito anos, e a retirada das tropas soviéticas do
Afeganistão foi negociada através da ONU.32 Seguiu-se sua atuação na Ni-
carágua, na Namíbia e no Camboja, mencionadas mais adiante.
O fim do conflito entre os dois blocos político-ideológicos repre-
sentou uma intensificação do processo de globalização, ou seja, uma
maior ligação e interdependência entre as sociedades, permitindo dessa
forma que o modelo ocidental de organização e governança das socieda-
des nacionais, baseado no tripé: economia de mercado, democracia e
direitos humanos, se universalizasse.33 Destarte, as normas sobre as quais
se basearam as novas operações de paz — expansão da democracia e
respeito pelos direitos humanos — passavam por um momento de cres-
cente universalização e enraizamento. A força do ideário neoliberal du-
rante os anos 90 contribui para o enfraquecimento de Estados em diver-
sas partes do Terceiro Mundo, a partir da implementação de programas
de ajuste estrutural e das condições para apoio econômico, estabelecidas
pelos Estados do ocidente e desenvolvido pelo FMI e pelo Banco Mun-
dial, aumentando a demanda por operações de paz. O acesso a informa-
ções e imagens sobre crises humanitárias, atos de desrespeito aos direi-
tos humanos e genocídios gerou pressões da opinião pública por inter-
venções. O “efeito CNN”, termo que passou a ser incorporado pela lite-
ratura, refere-se a essa tendência.
Assim, ao longo dos últimos quinze anos, a ONU e as organizações
regionais envolvidas com a administração da segurança internacional par-
ticiparam de um processo de redefinição das normas de segurança cole-
tiva. A ONU, em particular, foi o fórum privilegiado em que esse proces-
so ocorreu, tendo sua identidade se transformado ao mesmo tempo.
O debate sobre a reforma da ONU tornou-se um tema para a pró-
pria organização, assim como para as lideranças dos Estados que a com-
Segurança Coletiva 105

põem, e um conjunto de organizações não governamentais. As come-


morações de seu cinquentenário foram um pretexto adicional. Os do-
cumentos produzidos pelo secretário-geral, Boutros Boutros-Ghali,
sobre o assunto — “ Uma Agenda para a Paz”, de 1992 e “Uma Agenda
para o Desenvolvimento” de 1995 34 — tornaram-se uma referência para
as discussões. A profusão de estudos sobre o assunto (mais de 50 livros
foram produzidos nos últimos anos) expressa a participação do meio
acadêmico nesse debate.35
Durante o período imediatamente posterior ao fim da Guerra Fria,
marcado pelo “sucesso” da intervenção no Golfo Pérsico, observava-se
uma articulação entre a ideia de uma “nova ordem internacional” e o
novo papel da ONU. Assim, as propostas surgidas nesse momento mos-
tram um elevado grau de otimismo em relação ao papel da organização
e às possibilidades de reforma da mesma (Urquhart e Childers, 1990).36
Hoje, o ceticismo e a rotinização do fluxo de propostas e negociações
marcam esse debate. As propostas de reforma caracterizam-se pela
multiplicidade de questões abordadas, dentre as quais destaca-se a pre-
ocupação em democratizar a organização. Outros temas debatidos
são: os problemas operacionais da organização, particularmente o fi-
nanciamento dos projetos, e a coordenação entre as unidades do siste-
ma; as possibilidades de cooperação entre a ONU e as organizações re-
gionais; o papel da organização no incentivo ao desenvolvimento, o uso
de sanções e o recurso à ação militar.
O debate sobre a necessidade de democratizar a organização tem
focalizado duas questões centrais: o processo decisório dentro da orga-
nização e a representação de atores não estatais, colocando-se em ques-
tão o próprio caráter intergovernamental da organização. As propostas
sobre a democratização do processo decisório dentro da organização
incluem formulações sobre: o equilíbrio de poder entre a Assembleia
Geral e o Conselho de Segurança; a necessidade de ampliar o Conselho
de Segurança e mudar o sistema de veto; o estabelecimento de critérios
mais claros sobre a jurisdição do Conselho de Segurança e o papel da
Corte Internacional de Justiça nesse contexto. A aceitação do princípio
106 Organizações Internacionais

de ampliação do Conselho, a inclusão da Alemanha e do Japão, mesmo


que com um status especial, e a necessidade de encontrar uma fórmula
para a representação de países da Ásia, África e América Latina é o con-
senso mínimo do qual partem as discussões.
A partir de 1988, o Conselho vive um primeiro renascimento, ha-
vendo facilitado soluções pacíficas para as crises herdadas da Guerra
Fria no Afeganistão, no Camboja e na América Central. Nos primeiros
dez anos após o final da Guerra Fria, foram aprovadas mais operações
da ONU do que nos quarenta e cinco anos anteriores. Ainda em 1988 e
1989, cinco operações foram inauguradas (Afeganistão, fronteira Irã-
Iraque, Angola, Namíbia e América Central), depois de dez anos de in-
terrupção.
No entanto, foi durante a Guerra do Golfo de 1991 que o Conse-
lho deslocou-se para um novo espaço político e estratégico no cenário
internacional. Nos casos subsequentes, ocorreu um gradual processo
de redefinição do paradigma de segurança coletiva e da natureza das
operações de paz. A ampliação das possibilidades de intervenção interna-
cional, seja em termos dos critérios, seja em termos dos meios utiliza-
dos, é a marca das transformações em pauta. Ao longo desse processo, a
distinção entre operações de paz, como mecanismo de administração
de conflitos, ou mesmo de resolução de conflitos, e o sistema de segu-
rança coletiva, observada no período entre 1946 e 1985, tornou-se difusa.
Se as operações de paz foram um “substituto” ao mecanismo de segu-
rança coletiva, que não pode funcionar durante a Guerra Fria, no pós-
Guerra Fria, elas tornam-se gradualmente parte desse sistema, na medi-
da em que a definição de ameaças à paz e à segurança é reescrita e os
meios utilizados para enfrentá-las tornam-se cada vez mais inter-
vencionistas.
O caráter das operações de paz da ONU tem se modificado drasti-
camente durante os últimos anos. A fase das operações de paz tradi-
cionais, que se estende de 1948 a 1989, foi suplantada. Depois de 1989,
novos parâmetros foram aos poucos sendo introduzidos.37 A literatura
especializada faz referência às operações de segunda geração (Mackinlay
Segurança Coletiva 107

& Chopra, 1992) ou à “nova manutenção da paz” (Ratner, 1995). As


novas atividades das operações e sua autorização em diferentes fases
dos conflitos geraram um debate na literatura especializada sobre como
classificar as operações; com isso, novos termos surgiram, como opera-
ções que fazem a paz, operações que constroem a paz, operações coerci-
tivas.38 Aqui optaremos por discutir as mudanças nas normas para a
gestação e o funcionamento das operações da ONU, sem nos determos
na taxonomia das mesmas.
Em primeiro lugar, devemos ressaltar que o princípio do consenti-
mento das partes é abandonado. A ONU passa a intervir em conflitos
ainda em curso ou em situações extremamente voláteis, usando a força
em situações que não se limitam à autodefesa. Em alguns casos, as ope-
rações adquirem um caráter preventivo, ou seja, ainda não há um con-
flito armado ou ocorre um conflito de baixa intensidade. As operações
de paz tradicionais dependiam do consentimento das partes e estavam
subscritas pelo Capítulo VI da Carta, ou seja, diretamente vinculadas
aos mecanismos de resolução pacífica de disputas. Operações de impo-
sição da paz são legitimadas pelo Capítulo VII da Carta, não requerendo
o consentimento das partes.
A imparcialidade é redefinida como objetividade em face do man-
dato, tendo a busca de representatividade ampla das forças sido aban-
donada, assim como o princípio de que membros permanentes do Con-
selho ou países da região do conflito não deveriam contribuir para as
operações com tropas. Dessa forma, em muitos casos, as potências pas-
sam a operar em suas zonas de influência sob o mandato da ONU.
As novas missões são mais complexas e o envolvimento no pro-
cesso de resolução de conflitos mais claro. As técnicas de resolução de
conflito são amplamente utilizadas. A paz negativa, ou seja, a supres-
são da violência, deixa de ser o objetivo primordial e esforços se ori-
entam para a criação de uma paz positiva, ou duradoura. Em vez de
se limitar a controlar conflitos, a organização passa a se dedicar inten-
samente a resolvê-los.
108 Organizações Internacionais

A necessidade de ajuda humanitária e o desrespeito pelos direitos


humanos passam a ser critérios importantes para a criação de opera-
ções de paz, passando a segurança de indivíduos a serem objeto das
mesmas. O transporte e a distribuição de comida e suprimentos médi-
cos em cooperação com organizações não governamentais são ativida-
des amplamente disseminadas a partir dos anos 90.
Em um conjunto de operações, a ONU passa a preencher uma série
de funções administrativas e até políticas. A operação criada para a
Namíbia em 1989 inaugura uma fase de ampla participação na recons-
trução pós-conflito. Nesses casos, a integração entre atividades milita-
res, diplomáticas, humanitárias, políticas e administrativas aumenta dras-
ticamente a complexidade das operações. A construção de instituições
estatais e da sociedade civil é visada através do envolvimento em ativi-
dades como a reestruturação de polícias, organização de eleições, retira-
da de minas, assistência humanitária, monitoramento no campo dos
direitos humanos e criação de comissões de reconciliação. A pacificação
de sociedades que enfrentaram um conflito civil ou interestatal é o obje-
tivo central de muitas operações.
A redefinição do próprio conceito de segurança, tema amplamen-
te discutido pela literatura especializada nos últimos quinze anos, faz
parte das transformações históricas em foco aqui.39 Duas ideias preva-
lecem nesse debate: a internacionalização do conceito de segurança,
ou seja, o papel do sistema de segurança coletiva, a amplitude dos cri-
térios de intervenção, a crescente rede de normas internacionais e a
extensão do mesmo, envolvendo a redefinição das fontes e objetos de
ameaças. Observa-se um movimento de ampliação da definição das
“ameaças à paz e à segurança internacional”, que deixam de estar limi-
tadas às ameaças à integridade territorial dos Estados. Esse movimento
de ampliação incorpora crises humanitárias (geradas por catástrofes
naturais ou desrespeito aos direitos humanos), terrorismo, prolifera-
ção de armas de destruição de massa e falência de Estados. Os indiví-
duos passam a ser considerados objetos de ameaças. O conceito de
segurança humana, referindo-se às ameaças aos direitos humanos e à
Segurança Coletiva 109

dignidade humana, é incorporado ao vocabulário de atores e especia-


listas, contribuindo para cristalizar esse translado. Ao mesmo tempo,
em um contexto em que o número, a intensidade e a atenção auferida
aos conflitos intraestatais cresce, a fonte das ameaças é reavaliada, não
mais se limitando às agressões por parte de Estados.
Por outro lado, os meios utilizados vêm se modificando, com maior
ênfase sobre ações coercitivas, com uso de violência, ou não. Na “Agen-
da para Paz”, em diversos trechos, pode-se perceber a presença de pro-
postas de uso de formas militarizadas e coercitivas de preservação da
paz.40 A ONU recomenda a criação de forças de mobilização imediata
como contribuição dos Estados-membro. Essas devem estar disponí-
veis para o caso de uma autorização do Conselho para uma ação mili-
tar. Ao final da Guerra Fria, a então União Soviética contemplou a pos-
sibilidade de um possível retorno ao paradigma original de segurança e
propôs a reativação da Comissão de Estado-Maior, como previsto pela
Carta. O departamento de operações de paz criou uma sessão militar
para gerar maior coordenação e preparo de tropas. Ainda assim, a trans-
ferência de responsabilidade para coalizões de Estados, para um Estado
ou para organizações regionais é a forma mais comum de disponibilizar
tropas para operações autorizadas pelo Conselho.
Como vimos anteriormente, crises que representam uma “ameaça
à paz e à segurança internacional” podem, segundo a Carta da ONU,
suscitar resoluções do Conselho de Segurança nos termos do Capítulo
VII. Assim, a conjunção de três fatores — a ampliação da definição de
ameaças, a tendência a recorrer a medidas coercitivas e o descongela-
mento do processo decisório no Conselho de Segurança — permitiu
um aumento significativo de resoluções com base no Capítulo VII. Ao
mesmo tempo, observa-se que a distinção entre resoluções baseadas no
Capítulo VII e resoluções baseadas no Capítulo VI torna-se mais difícil.
A Guerra do Golfo foi o marco em que o Conselho de Segurança
autorizou medidas coercitivas militares sob o Capítulo VII, em um con-
texto que permitia uma clara aplicação dos princípios de segurança co-
letiva. De fato, esse pode ser considerado o primeiro caso de realização
110 Organizações Internacionais

do sistema de segurança coletiva da ONU. No caso da invasão do Kuwait


pelo Iraque em 2 de agosto de 1990, a referência ao Capítulo VII era
incontroversa: houve agressão, ruptura da paz, recurso à força contra a
integridade territorial e independência política de um Estado-membro
da ONU. A pergunta gerada por essa experiência é em que medida a
Guerra do Golfo foi um caso sui generis ou um marco no início de um
processo de reconstrução do sistema. O caminho percorrido ao longo da
década afastaria a organização do modelo clássico de segurança coletiva.
O conceito de intervenção humanitária, disseminado ao longo dos
anos 1990, estabelece uma associação entre ameaças aos direitos huma-
nos e/ou crises humanitárias e a segurança internacional.41 A existência
de populações submetidas à violência, mesmo que pelos Estados exer-
cendo soberania sobre o território onde as mesmas habitam, passa a jus-
tificar a intervenção internacional. A convivência tensa entre diferentes
partes da Carta da ONU — o princípio da não intervenção e a defesa dos
direitos humanos — vem a ocupar lugar central na agenda internacio-
nal. Ao longo dos últimos quinze anos, a balança entre esses princípios
modificou-se, favorecendo o fortalecimento da obrigação da comunida-
de internacional em face das graves violações dos direitos humanos.
Embora o Capítulo IX, artigo 60, refira-se ao tratamento de ques-
tões humanitárias pela Assembleia Geral, o tema passa progressivamente
a ocupar a agenda do Conselho, conferindo-lhe um novo status. Inicial-
mente, o problema gerado pela ampla movimentação de refugiados foi
um argumento importante para que crises humanitárias fossem consi-
deradas questões de segurança e, portanto, passíveis de serem tratadas
pelo Conselho. Por exemplo, quando as sanções e o agravamento das
tensões políticas provocaram o êxodo de refugiados haitianos em dire-
ção à Florida em junho e julho de 1994, tornando a estabilização polí-
tica no país um objetivo da política externa norte-americana, a inter-
venção no Haiti tornou-se possível. Posteriormente, a abrangência das
ameaças ao indivíduo foi ampliada.
A intervenção humanitária não é uma prática inaugurada nos úl-
timos quinze anos; contudo, as normas que a conformam modifica-
Segurança Coletiva 111

ram-se drasticamente. A proteção humanitária foi estendida a qual-


quer população, enquanto no século XIX apenas cristãos recebiam pro-
teção. Ademais as intervenções são multilaterais, envolvendo os supos-
tos do multilateralismo discutidos no Capítulo 1. As intervenções na
Somália, no Camboja, no Kosovo e na Bósnia podem ser definidas como
intervenções humanitárias.42
A regionalização das operações também é uma característica das
transformações em curso. A intervenção da ECOWAS (Economic Com-
munity of West Africa States — Comunidade Econômica dos Estados Afri-
canos Ocidentais) na Libéria em 1990 deu início a essa tendência.43 O
capítulo VIII da Carta prevê a cooperação entre arranjos regionais e a
ONU, mas, como vimos, as organizações de segurança coletiva regio-
nais eram o foco da previsão inicial. A partir da metade da década de
1990, as resoluções do Conselho deixam de diferenciar os arranjos regio-
nais. O maior número de operações e a expansão de suas atividades
geravam uma demanda que poderia, em parte, ser atendida pelas orga-
nizações regionais. Há uma tendência à institucionalização do novo pa-
pel das organizações regionais, tendo diversas delas redefinido seus pa-
péis e sua estrutura interna para poder responder às novas demandas. O
documento do secretário-geral de 1992, em um extenso subcapítulo
sobre organismos e arranjos regionais, enfatiza a flexibilidade oferecida
pela Carta para a definição desses arranjos e favorece o desenvolvimen-
to de esforços complementares entre a ONU e esses grupos, permitindo
que “associações ou entidades, organizações criadas por tratados, antes
ou depois da fundação da ONU, para a segurança mútua ou defesa”,
entre outras, fossem aceitas como organismos regionais em sentido lato.44
Estava aberta a brecha para que alianças, como a OTAN, viessem a
ser tratadas como organizações de segurança coletiva sob o Capítulo VIII
(artigo 53), enquanto essa organização havia sido criada com base no
direito à autodefesa do artigo 51, e seu tratado constitutivo só lhe per-
mitia, a rigor, agir para a proteção do território de seus membros em
caso de ataque a um deles. O Relatório Brahimi de 2000, em uma ex-
112 Organizações Internacionais

tensa revisão das operações de paz da ONU, também recomenda o


fortalecimento da cooperação entre a ONU e organizações regionais.45
Uma das características do final da Guerra Fria é a ausência de um
projeto amplo de reconstrução da ordem internacional, em contraposição
a outros momentos históricos em que as grandes potências buscaram
redefinir os parâmetros e as instituições do sistema internacional, como
por exemplo na assinatura do tratado de Vestfália em 1648, na assinatu-
ra do tratado de Utrecht em 1713, no Congresso de Viena em 1815, ou
no Tratado de Versalhes, ao final da Primeira Guerra Mundial. Assim, a
articulação de um novo paradigma de segurança coletiva ocorre a partir
de decisões ad hoc, que ocorreram como reação a um conjunto de cri-
ses descongeladas com o final da Guerra Fria, ou como resultado da
ascensão de temas à agenda de segurança das grandes potências. Nes-
se sentido, um exame das mudanças incorporadas no debate e nas
resoluções aprovadas com relação a um conjunto de crises durante os
anos 90 é crucial.
Como vimos, progressivamente amplia-se o leque de parâmetros
para o desencadeamento da coerção, abarcando situações de crise hu-
manitária, ou de violações de direitos humanos. O marco mais significa-
tivo nesse processo foi a Resolução 688, que outorga ao secretário-geral
o mandato para levar a cabo esforços humanitários para a proteção dos
curdos no Iraque. Essa resolução, aprovada pelo Conselho de Seguran-
ça em abril de 1991, declara que a repressão das populações curdas e
xiitas do Iraque, pelo governo de Saddam Hussein, constitui uma amea-
ça à paz e à segurança internacional e representa a primeira vinculação
explícita entre segurança e direitos humanos. A resolução 733, de ja-
neiro de 1992, estabelece a UNOSOM (United Nations Operation in
Somália — Operação da ONU na Somália, abril de 1992 — março de
1993 ), legitimando a intervenção norte-americana para proteção da
operação de assistência humanitária na Somália. Em dezembro de 1992,
com a deterioração da situação no país, o Conselho autorizou, pela
resolução 794, os Estados-membro a criar a UNITAF (Unified Task For-
ce, Força Tarefa Unificada, dezembro de 1992 — maio de 1993), uma
Segurança Coletiva 113

operação que visava a criar um ambiente seguro para a distribuição de


assistência humanitária. Uma operação de caráter humanitário era cri-
ada, tendo como base legal o Capítulo VII da Carta.
A experiência na Somália representou mais um passo em direção
à legitimação do conceito de intervenção humanitária. Apesar das di-
ficuldades da operação, que afastou os Estados Unidos de operações
desse tipo e favoreceu posições isolacionistas no congresso norte-ame-
ricano, a operação abriu o debate sobre os “Estados falidos” e a respon-
sabilidade da comunidade internacional diante do estado de anomia
social alcançado. Além disso, a obsolescência das noções tradicionais
de soberania e a inutilidade do apego rígido à regra do consentimento
como requisito para a presença de forças da ONU representaram um
passo na direção de uma nova geração de operações de paz. A opera-
ção introduziu o termo “linha de mogadício” ao vocabulário internaci-
onal, referindo-se à autorização do uso de força por operações de paz.
Na ex-Iugoslávia observa-se uma gradual incorporação do elemen-
to coercitivo para lidar com um conflito em que a crise humanitária e o
desrespeito aos direitos humanos ocupavam a esfera pública internacio-
nal como resultado da presença da mídia e da pressão da opinião públi-
ca. A declaração de independência da Croácia e da Eslovênia, em 1991,
iniciou o processo de desagregação da Iugoslávia no contexto de um con-
flito marcado por atrocidades, desagregação de comunidades e um flu-
xo de refugiados intenso. Em 1992, a Bósnia-Herzegovina e a Macedônia
também declararam sua independência. A diversidade étnica e religiosa
na Croácia e na Bósnia e a reação da liderança sérvia ao movimento
separatista são o cenário em que o conflito se desenvolveu. As tentati-
vas de mediação não tiveram sucesso, e a ONU autorizou a criação de
uma operação UNPROFOR (United Nations Protection Force — Força de
Proteção da ONU, março de1992 — dezembro de 1993), que visava a
criar áreas protegidas para a população civil. Suas responsabilidades
foram acrescidas quando a Bósnia-Herzegovina aprovou sua própria
independência em um referendum. A instalação da UNPROFOR em
um palco de batalhas entre os três grupos étnicos, sem negociação pré-
114 Organizações Internacionais

via de acordo, expôs a força de paz a ataques, e essa conjuntura levou o


Conselho a introduzir ingredientes coercitivos a seu mandato. Os sérvios
seriam o alvo privilegiado desses elementos coercitivos, já que não acei-
taram a disposição de forças da ONU na Bósnia que eles controlavam.
Nesse caso, também o Capítulo VII foi invocado. Sanções foram impos-
tas contra a Iugoslávia, e os Estados-membro foram autorizados a utili-
zar “todos os meios necessários” para o provimento de assistência hu-
manitária. A conjunção entre a perda da imparcialidade e a
vulnerabilidade militar, não obstante a presença do aparato da OTAN
como retaguarda, gerou crises de graves proporções para a ONU, com
a tomada de dezenas de reféns pelas forças sérvias na Bósnia em 1994
e em 1995. Em novembro de 1995, foi assinado o Acordo de Dayton,
a UNPROFOR foi substituída pela IFOR (Implementation Force, Força
de Implementação, dezembro de 1995 — dezembro de 1996), uma
operação da OTAN, incluindo membros de outros países, inclusive a
Rússia. Deve-se mencionar ainda que um Tribunal Criminal Interna-
cional ad hoc foi instituído para julgar em 1993 os crimes cometidos
contra as populações da região.
Em duas outras intervenções do período — Ruanda e Haiti — o
termo “todos os meios necessários” aparece nos textos das resoluções do
Conselho — um padrão claramente se estabelecia. No primeiro caso,
tratava-se de cessar as hostilidades intraestatais e no segundo de res-
taurar a legitimidade institucional.
Em Ruanda, após a morte do presidente Juvenal Habyarimana,
um hutu, em um acidente de aviação, extremistas iniciaram um massa-
cre da minoria tutsie e de moderados hutus. O capítulo VI foi invocado
para o envio de uma operação multinacional. A UNAMIR UN (Assistance
Mission — Missão de Assistência da ONU), de outubro de 1993 a mar-
ço de 1996, operação que já havia estado no país sem conseguir pro-
teger a população, voltou a ser constituída. O Conselho também esta-
beleceu um Tribunal Criminal Internacional ad hoc para Ruanda em
1995, para investigar o massacre em que cerca de 750.000 pessoas
foram assassinadas.
Segurança Coletiva 115

Em setembro de 1991, um golpe de Estado contra o presidente


haitiano desencadeou uma iniciativa para restauração da democracia
envolvendo a ONU e a OEA. Depois de um longo período de negocia-
ção e pressões internacionais, uma operação, da qual participaram 28
países, sob liderança norte-americana, foi aprovada pelo Conselho de
Segurança e chegou ao Haiti em setembro de 1994 (MNF — Multinational
Force — Força Multinacional, de setembro 1994 a janeiro de 1995)46. A
operação visava a restaurar o governo legítimo, segundo os termos do
Acordo de Governors Island entre o governo haitiano no exílio e a junta
militar que havia assumido o poder depois do golpe. Uma operação
ampliada foi posteriormente instalada para assumir o processo de re-
construção do país a partir de janeiro de 1995 [UNMIH, UN Mission in
Haiti, Missão da ONU no Haiti setembro de 1993 (criação), janeiro de
1995 (começo das atividades) junho de 1996].
Operações, como aquela liderada pela França em Ruanda em 1994,
pelos Estados Unidos no Haiti em 1994-5, ou pela Itália na Albânia em
1997, permitem dividir os custos das operações e legitimar a ação das
potências em suas zonas de influência. Quando o termo “todos os meios
necessários” aparece nas resoluções da ONU que delegam a liderança de
uma operação a um país como a França em Ruanda e os Estados Unidos
no Haiti, abre-se o debate da falta de controle da ONU sobre as operações
e os interesses nacionais específicos, particularmente quando se trata de
uma zona de influência tradicional de uma das grandes potências.
A resolução 687 é muito significativa também, pois se trata do
primeiro caso de ampliação da atuação do conselho de Segurança na
esfera do desarmamento e não proliferação. A resolução, adotada em 3
de abril de 1991, prolongou as sanções contra o Iraque e impôs rígidas
condições para suspendê-las, mesmo depois de resolvida a agressão ao
Kuwait. A resolução afirmava que o país deveria aceitar a destruição de
suas armas químicas e biológicas, além de mísseis balísticos. Armas nu-
cleares não deveriam ser desenvolvidas, e o material nuclear deveria
estar sob controle internacional. Uma comissão especial da ONU foi
criada para, juntamente com a IAEA (International Atomic Energy Agency
116 Organizações Internacionais

— Agência Internacional para Energia Nuclear) supervisionar o pro-


cesso. As dificuldades do processo de inspeção e um conjunto de ou-
tros interesses dos Estados Unidos e do Reino Unido resultaram em
um novo conflito em 2003; dessa vez sem a autorização do Conselho.
As operações na Namíbia, no Camboja e na Nicarágua representa-
ram um marco na ampliação das atividades da ONU no campo da cons-
trução de instituições do Estado e da sociedade civil. Após o acordo
regional de 1988, que permitiu a independência da Namíbia, a UNTAG
(UN Transition Assistance Group In Namibia — Grupo da ONU de Assis-
tência à Transição na Namíbia, abril de 1989 — março 1990) foi institu-
ída com um mandato que incluía tarefas tradicionais, como garantir o
cessar-fogo e novas atribuições que visavam a garantir a ordem domésti-
ca e estabelecer um regime democrático, criando um sistema legal não
discriminatório. A operação organizou eleições, supervisionou a força
policial civil, ajudou a mudança da legislação, dentre outras atividades,
permitindo que um governo eleito fosse instalado em 1990. No Camboja,
a ONU foi responsável pela implementação do acordo que findava a
guerra civil no país a partir de outubro de 1991. A UNTAC (UN
Transitional Authority in Cambodia — Autoridade de Transição da ONU
no Camboja, outubro de 1991 — março de 1992) incorporou ativida-
des militares, de polícia e de pessoal civil. Durante o período de transi-
ção de oito meses, a operação tinha a responsabilidade de administrar o
país exercendo funções de governo. Durante a operação na Nicarágua, e
em outros países da América Central, que visava a monitorar o acordo
de Esquipulas II (ONUCA, United Nations Observer Group in Central
America — Grupo de Observação da ONU na América Central, novem-
bro de 1989 — janeiro de 1992), pela primeira vez a ONU participou
de um esforço de desmilitarização, recolhendo e destruindo armamen-
tos. As operações multifuncionais no Timor Leste (UNMISET, United
Nation Mission in Support of East Timor — Missão de Apoio da ONU ao
Timor Leste, maio de 2002 até o presente) e no Kosovo (UNMIK, United
Nations Interim Administration Mission in Kosovo — Missão de Admi-
nistração Interina da ONU no Kosovo, junho de 1999 até o presente)
Segurança Coletiva 117

representam o auge do envolvimento da ONU em atividades de cons-


trução de instituições estatais e da sociedade civil.
A atuação da OTAN na Bósnia-Herzegovina, primeiramente como
o braço armado da UNPROFOR e — após os acordos de Dayton47 — no
contexto da IFOR, autorizada pelo Conselho de Segurança a cumprir
sua missão sob o Capítulo VII, estabeleceria novos parâmetros para a
relação entre a ONU e uma aliança defensiva. Em julho de 1992, a OTAN
iniciou uma operação no mar Adriático para monitorar o embargo con-
tra a Iugoslávia — pela primeira vez em sua história, a aliança participa-
va de uma ação militar. A proibição de tráfego aéreo sobre a Bósnia-
Herzegovina, pela resolução 816 de março de 1993, abriu as portas para
a cooperação entre a OTAN e a ONU. Posteriormente, foram criadas
zonas protegidas, em torno de localidades com concentração de popu-
lação muçulmana na Bósnia. A OTAN passou a ser responsável em zelar
por essas áreas. A criação da IFOR em dezembro de 1995 (posterior-
mente denominada SFOR, Stabilization Force — Força de Estabilização)
representa uma primeira atuação da OTAN em um processo de recons-
trução pós-conflito, envolvendo a manutenção da cessação de hostilida-
des, troca de prisioneiros, ajuda no estabelecimento de um ambiente
seguro para realização das tarefas de reconstrução por parte de outras
organizações e manutenção da ordem pública. A crise humanitária no
Kosovo no início de 1998 e a impossibilidade de gerar um consenso
no Conselho sobre a questão levaram a OTAN a intervir na região em
janeiro de 1999, dessa vez sem a autorização do Conselho. Desde 1991,
a OTAN tem investido na adaptação à nova realidade do pós-Guerra
Fria, ampliando sua concepção de defesa coletiva. Além da expansão
em direção à Europa Oriental, a aliança busca adequar seus princípios
operacionais às novas funções. Por fim, em agosto de 2003, a organiza-
ção assumiu o controle sobre a força internacional, atuando no
Afeganistão, já no contexto da guerra antiterrorista.
A possibilidade de ampliação de temas tratados no âmbito do sis-
tema de segurança coletiva ainda não se esgotou, novos temas como
meio ambiente ou saúde pública podem ser introduzidos. A crescente
118 Organizações Internacionais

complexidade do ambiente de segurança é gerada por um conjunto de


ameaças potenciais, antes pouco reconhecidas, como a degradação
ambiental, o tráfico de drogas, movimentos irregulares de capital, epi-
demias, terrorismo, abusos aos direitos humanos, a desintegração de
Estados e o movimento de refugiados. Essas convivem com problemas
tradicionais, como propagação de armas convencionais e nucleares ou
desrespeito às fronteiras territoriais. À medida que se configura uma si-
tuação percebida pelas lideranças das grandes potências como uma amea-
ça ao fluxo de bens e pessoas, e não mais apenas à integridade territorial,
os temas migram para o Conselho de Segurança, tornando-se objeto do
sistema de segurança coletiva. Assim, no dia 10 de janeiro de 2000,
pela primeira vez o Conselho de Segurança debateu um tema ligado à
saúde pública com um discurso do vice-presidente norte-americano Al
Gore. A epidemia de AIDS na África foi então objeto de atenção.
O Conselho também tem se manifestado em relação ao terroris-
mo, tendo sido criado um Comitê antiterrorismo logo após os atentados
de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington. Um conjunto
de convenções foi aprovado pela ONU tratando do tema. Resoluções
específicas do Conselho estabelecem as obrigações dos Estados de evi-
tar o acesso de atores não estatais às armas de destruição em massa ou
fornecer qualquer tipo de apoio às organizações terroristas, afirmando
claramente a associação entre proliferação de armas de destruição em
massa, terrorismo e ameaças à paz e à segurança internacional. Nesse
sentido, está aberta a porta para a ação do Conselho dentro da lógica
do Capítulo VII nos casos que se adequarem a essa definição.
A preocupação com a capacidade operacional da ONU cresce à
medida que suas atividades se diversificam. A organização deve monitorar
eleições, proteger os direitos humanos, treinar polícias locais, garantir a
entrega de ajuda humanitária e usar da força quando necessário, inte-
grando ainda suas atividades com as agências específicas do próprio
Sistema ONU, com as ONGIs e arranjos regionais. Trata-se de uma ta-
refa imensa. Dois problemas são prementes: o déficit financeiro da or-
ganização e sua capacidade de mobilizar e coordenar forças militares.
Segurança Coletiva 119

Ademais, coloca-se a difícil relação com os Estados Unidos, país sem o


qual a organização carecerá de sustentação financeira, política e militar
para realizar suas tarefas. Por outro lado, para manter sua legitimidade
a ONU não pode estar subjugada à política externa norte-americana.
Além disso, a partir do final da década de 1990, apresentam-se situações
em que a unanimidade entre os membros permanentes é rompida. Como
foi visto, a decisão da OTAN de intervir no conflito em Kosovo foi tomada
sem a aprovação do Conselho. Assim como a guerra contra o Iraque,
iniciada em março de 2003, também não obteve essa aprovação.
O sistema de segurança coletiva, projetado ao final da Primeira
Guerra, visava a garantir a estabilidade do sistema internacional, mu-
dando o cálculo custo/benefício dos países-membro e gerando mecanis-
mos de resolução de controvérsia alternativos ao confronto entre Esta-
dos. O sistema não visava a garantir um estado de direito internacional,
embora prescindisse de um quadro legal para funcionar. Hoje, em um
contexto marcado pela fartura de regimes internacionais e uma cultura
internacional robusta, observa-se um movimento no sentido de tornar o
sistema de segurança coletiva da ONU um dos pilares do estado de di-
reito internacional.
O sistema de segurança coletiva continuará contendo contradi-
ções inerentes à sua convivência com um sistema de Estados territoriais
soberanos e uma distribuição hierárquica de poder. Contudo, as pes-
quisas sobre o assunto conduzidas nos últimos vinte anos indicam um
gradual fortalecimento do sistema, com a incorporação das modifica-
ções mencionadas anteriormente, sendo a mudança nas normas para
intervenção a transformação mais marcante do período. O sistema de
segurança coletiva não foi realizado segundo a proposta apresentada
no início deste capítulo, o sistema de Estados não passou a funcionar
baseado no princípio de que a paz é indivisível e as políticas externas
dos Estados não se modificaram a ponto de gerar uma ameaça crível
que detivesse agressores. Contudo, as experiências analisadas modifi-
caram as identidades e os interesses dos principais atores do sistema
— Estados, mas também outros — e a rede de normas que representa
120 Organizações Internacionais

limites e potencialidades para as formas de interação no meio interna-


cional. O lugar da agressão modificou-se. A opção pelo ato da guerra
está enquadrada em uma rede internacional de normas, que limita se-
veramente a autonomia dos Estados. A ideia de responsabilidade inter-
nacional diante da agressão ocupa um lugar central na pauta internaci-
onal, mesmo se a reação automática prevista pelo sistema de segurança
coletiva não tenha se tornado realidade. Um enorme conjunto de esfor-
ços no campo da administração de conflitos busca evitar que a eclosão de
choques armados ocorra. A proposta de um sistema de segurança coleti-
va, sua história ao longo do século XX e as transformações ocorridas a
partir dos anos 80 não são a única explicação para as mudanças mencio-
nadas, mas sua contribuição é inegável. Finalmente, a participação de
191 países nos quadros da organização salienta sua universalidade.

Leituras para Continuar seu Estudo


Karen Mingst & Margaret Karns, The United Nations in the Post-Cold War Era,Westview Press,
2000.
League of Nations (1935), The aims, methods and activity of the League of Nations, Secretariat
of the League of Nations.
http://www.historyguide.de/zeige_datensatz_komplett.php?ID=002950&provider=SUB.
Organização das Nações Unidas, Basic Facts about the United Nations, http://www.un.org/aboutun/
basicfacts/index.html.
Thomas G. Weiss, Collective Security in a Changing World, Boulder Co, Lynne Rienner, 1993.
William Durch. The Evolution of UN Peacekeeping, Nova York, St Martin, 1993.

Notas
1. Medidas acordadas no âmbito bilateral ou multilateral que visam a gerar confiança através do
acesso a informações sobre as forças armadas dos países em questão.
2. Veja o texto de Innis Claude para uma discussão do conceito (Claude, 1984; 1961).
3. Intervenções armadas também são uma forma de guerra, mas são tratadas a partir do
século XIX como uma ação que não visa a modificar o status territorial de um ou mais
Estados.
4. O conceito de segurança coletiva pode ainda ser encontrado no Pacto da Liga de Veneza, de
1454, no Tratado de Londres, de 1518 e no Tratado de Munster, de 1648.
5. Veja, para um estudo sobre a Liga, o trabalho de F. S. Northedge (Northedge, 1986) e
www.unog.ch/library/archives/lon/ovrvfset.html.
Segurança Coletiva 121

6. Woodrow Wilson fala ao Senado, em 22 de janeiro de 1917 (Wilson, 1982).


7. A previsão inicial era de cinco membros permanentes, incluindo os Estados Unidos. O
número de membros não permanentes passou de quatro para seis, em 1922, e de seis para
nove, em 1926. Em 1926, quando a Alemanha foi admitida na Liga, o Brasil, a Polônia e a
Espanha requisitaram um assento como membros permanentes, gerando uma crise na
organização. O aumento do número de assentos não permanentes buscou administrar a
mesma, mas o Brasil decidiu desligar-se da Liga.
8. Os secretários-gerais foram Sir Eric Drummond (1919-1933), Joseph Avenol (1933-1940)
e Sean Lester (1940-1946).
9. Veja o Pacto da Liga em http://www.unog.ch/library/archives/lon/lbryfset.html.
10. Três diplomatas italianos foram assassinados na Grécia. Logo após o incidente tropas italia-
nas invadiram Corfu, expressando sua insatisfação com a distribuição de poder feita pelo
Tratado de Versalhes.
11. O Japão invadiu a Manchúria, sob o pretexto de proteger seus interesses na estrada de ferro
do sul da Manchúria, posteriormente criando o Estado fantoche de Manchukuo. Uma
comissão de investigação foi enviada à Manchúria, mas a demora dos procedimentos e a
falta de clareza quanto à agressão levaram a sua ineficácia. Como resultado, o Japão reti-
rou-se da Liga em março de 1933.
12. O comitê de sanções da Liga deveria reunir-se para incluir o petróleo entre as mercadorias
banidas. Naquele momento, em dezembro de 1935, os ministros das relações exteriores
inglês e francês propuseram conceder à Itália soberania sobre 60.000 milhas quadradas de
território Etíope, e uma área de 160.000 milhas quadradas, cerca de metade do país, como
zona para expansão econômica e colonização. O governo inglês desautorizou a proposta,
mas ela demonstra o movimento em direção à racionalidade do balanço de poder.
13. Uma comissão de inquérito foi designada para investigar a presença de tropas gregas den-
tro da Bulgária, a Grécia recebeu ajuda econômica sob os auspícios da Liga e uma missão
de observadores esteve presente na fronteira por dois anos depois do cessar-fogo.
14. O presidente norte-americano James Monroe declarou, em 1823, os interesses especiais
dos Estados Unidos no hemisfério ocidental e a determinação de excluir a influência europeia
na região.
15. A Polônia, que não estava representada na Conferência, também assinou a Carta tornando-se
um dos 51 membros fundadores da organização.
16. Veja os trabalhos de David Armstrong, L. Lloyed e J. Redmond (Armstrong, 1996), de B.
Conforti, (Conforti, 1996), de T. Weiss, D Forsythe e R. Coate (Weiss, 1994) e para uma
visão geral da organização, o texto da própria ONU, Basic Facts About the United Nations
(http://www.un.org/aboutun/basicfacts/index.html).
17. A Carta foi revista em 1965, tendo sido o número de membros do Conselho (membros não
permanentes passam a ser 10) e do ECOSOC (de 16 para 27) modificado. Em 1973, a Carta
também foi revista, passando número de membros do ECOSOC de 27 para 54. Para uma
leitura da Carta na íntegra veja http://www.un.org/aboutun/charter/index.html.
18. Estas agências são tratadas no Capítulo 4.
19. Os membros do Conselho de Segurança devem manter missões permanentes.
20. Quando o governo comunista foi estabelecido na China em 1949 e o governo de Chiang-Kai-
Shek na ilha de Formosa, é decidido que a China nacionalista, (Taiwan) assumiria a posição
122 Organizações Internacionais

chinesa em todos os órgãos da ONU. Apenas em 1971, a República Popular da China substi-
tuiu Taiwan no Conselho.
21. No caso de decisões de caráter processual o poder de veto não pode ser exercido.
22. As decisões são tomadas através de votação por maioria simples ou 2/3 para questões
específicas, como eleições e questões de segurança.
23. Depois do processo de descolonização a agenda da Assembleia mudou significativamente
com a incorporação de temas ligados ao desenvolvimento econômico.
24. Por exemplo, a Convenção para Relações Diplomáticas de 1961, a Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados de 1969 e o Tratado de Não Proliferação Nuclear de 1968.
25. A decisão foi tomada quando a continuidade do apoio da ONU à operação na Coreia foi
ameaçada pelo retorno da União Soviética ao Conselho. A intervenção havia sido aprovada
inicialmente pelo Conselho porque a União Soviética estava ausente, em protesto contra a
presença de Taiwan como representante da China. Naquele momento, os Estados Unidos
tinham controle sobre o processo decisório na Assembleia e dessa forma buscaram nesse
órgão apoio à intervenção. A resolução foi utilizada em outras ocasiões ao longo dos anos.
Embora em uma decisão de 1962 a Corte Internacional de Justiça tenha emitido o parecer
de que a Assembleia tem autoridade para criar uma operação de paz, a partir do final da
Guerra Fria, estabeleceu-se um acordo tácito entre os membros permanentes do Conselho
de que apenas esse órgão pode autorizar o uso de força.
26. O grupo dos 77 foi formado em 1964 durante a primeira sessão da UNCTAD (United
Nations Conference on Trade and Development — Conferência da ONU sobre Comércio e
Desenvolvimento) para promover os interesses dos países em desenvolvimento. Conta hoje
com 132 membros, mas o nome foi mantido.
27. A divisão do país foi estabelecida na Conferência de Yalta em 1945 sendo o paralelo 38 a
referência de demarcação.
28. Para uma discussão sobre as operações de paz durante a Guerra Fria veja os livros de
William Durch, Paul Diehl e Paulo Fontoura (Durch, 1993; Diehl, 1994; Fontoura, 1999).
29. Observe a contradição entre o princípio da neutralidade aplicado a esse tipo de operação
de paz e o pressuposto da identificação do agressor no sistema de segurança coletiva.
30. A Conferência sobre Desarmamento, criada em 1979, é o mais amplo fórum para negociações
multilaterais sobre o assunto. Sessenta e seis países participam da Conferência.
31. No período anterior, cerca de 10.000 militares participavam de operações de paz, após o
final da Guerra Fria as operações chegam a envolver 60.000 militares. Veja uma lista das
operações de paz da ONU em http://www.un.org. Em 1992, o Departamento de Operações
de Paz foi criado para administrar as operações, assistindo os Estados-membro e o secretá-
rio-geral.
32. Os Acordos de Genebra, assinados em 14 de abril de 1988, puseram fim à invasão soviética
no Afeganistão. A ONU, além de apoiar o processo de negociação, criou uma operação de
paz que visava a monitorar a retirada das tropas soviéticas (UNGOMAP — United Nations
Good Offices Mission in Afghanistan and Pakistan — Missão de Bons Ofícios da ONU no
Afeganistão e no Paquistão, abril de 1988 – março de 1990).
33. Esse argumento é desenvolvido por Peter Viggo Jakobsen. O autor busca explicar a relação
entre o processo de globalização e a emergência de novas operações de paz depois do final da
Guerra Fria (Jakobsen, 2002).
Segurança Coletiva 123

34. Uma reunião especial do Conselho de Segurança (reunião de cúpula), congregando os chefes
de Estados dos quinze membros, em 31 de janeiro de 1992, delegou ao secretário-geral a
preparação de um relatório sobre a organização. O documento “Uma Agenda para Paz” foi
então publicado em julho de 1992 e depois um suplemento foi acrescentado em janeiro de
1995. Os textos dos relatórios podem ser encontrados em http://www.un.org/Depts/dpa/
prev_dip/fst_prev_dip.htm.
35.Veja http://www.un.org/Depts/dhl/reform.htm#B para uma bibliografia sobre a reforma da ONU.
36. A resolução 47/62 da Assembleia Geral, de 11 de dezembro de 1992, convidou aos Estados-
membro a apresentar propostas referentes a reforma do Conselho de Segurança e mais de
100 países apresentaram sugestões. Além disso, a 47a sessão da Assembleia Geral decidiu
criar um grupo especial de trabalho para discutir a expansão do Conselho de Segurança.
37. Para uma crítica a essa tendência veja o artigo de Edward Luttwak. (Luttwak, 1999).
38. Uma classificação muito utilizada encontra-se no relatório de 1992 do secretário-geral
Boutros Boutros-Ghali (Boutros-Ghali, 1992).
39. Por exemplo, veja os trabalho de J. Tickner, (Tickner, 1995), de Barry Buzan (Buzan,
1991), de Jessica Mathews (Mathews, 1991) e de David Baldwin, (Baldwin, 1997).
40. Veja o relatório de Boutros Boutros-Ghali (Boutros-Ghali, 1992).
41. Para uma discussão sobre o conceito, veja o livro de Nicholas Wheeler (Wheeler, 2000).
42. Veja o livro de Martha Finnemore para uma discussão sobre a transformação das normas
de intervenção (Finnemore, 2003).
43. Para ver uma discussão sobre esse assunto veja o livro editado por Michael Pugh e Waheguru
Pal Singh Sidhu (Pugh & Sidhu, 2003).
44. Boutros-Ghali, op. cit.
45. Relatório do Painel sobre Operações de Paz da ONU, 21 de agosto de 2000. http://www.un.org/
peace/reports/peace_operations/.
46. Uma missão civil, que deveria monitorar os direitos humanos no país, foi aprovada, em
abril de 1993 pela Assembleia da ONU. Um embargo de petróleo e armas foi inicialmente
imposto pelo Conselho de Segurança em junho de 1993. Um novo conjunto de sanções foi
imposto ainda pelo Conselho de Segurança em 1994.
47. Acordo assinado em 14 de dezembro de 1995 que estabelecia um quadro amplo para
resolução do conflito na ex-Iugoslávia.
CAPÍTULO

4
Cooperação Funcional

P RINCIPAIS QUESTÕES ABORDADAS :

 O que se entende por cooperação funcional.


 A relação entre regimes e organizações funcionais.
 O papel das organizações funcionais na Liga das Nações e na ONU.
 A história, o funcionamento e as principais atividades da União
Internacional de Telecomunicações, da Organização Mundial da
Saúde e da Organização Mundial do Comércio.
 A cooperação na área de direitos humanos e o Alto Comissariado
das Nações Unidas para Direitos Humanos.

O Conceito de Cooperação Funcional


A cooperação funcional se refere à cooperação em uma área temática
específica e pode ter abrangência universal, ou apenas regional. Histori-
camente, ela se diferencia da cooperação na área de segurança, que,
como visto no Capítulo 3, foi abordada pelos Estados de uma forma
particular. A cooperação funcional aqui tratada engloba, portanto, a co-
operação sobre questões sociais e econômicas.
Cooperação Funcional 125

Ao longo do século XIX, os Estados passaram a ter um papel de


destaque na organização das questões sociais e econômicas em suas so-
ciedades domésticas. À medida que essas sociedades se tornaram mais
complexas, cresceu a demanda por serviços específicos, e os Estados
passaram a atuar na organização da infraestrutura necessária para o
desenvolvimento. Esse fenômeno também começou a ocorrer em nível
internacional, ainda que com menos intensidade. Segundo Inis Claude
(Claude, 1984), essa tendência não foi um produto de propostas ideoló-
gicas, mas sim da necessidade de resolver problemas que surgiam à
medida que avançava a revolução industrial e que aumentava a comple-
xidade das interconexões econômicas, sociais, técnicas e culturais entre
as pessoas e as sociedades. Os governos nacionais começaram, assim, a
se engajar na coordenação das atividades econômicas e sociais que ti-
nham um caráter intrinsecamente transnacional.
As primeiras organizações internacionais que surgiram tinham o
objetivo imediato prático de possibilitar a comunicação entre os Esta-
dos tais como a União Telegráfica Internacional, criada em 1865, e a
União Postal Universal, em 1874. Essas organizações serviram como
fóruns para a troca de informações e a discussão de problemas comuns
aos governos. Foram instrumentos para a realização da cooperação e
para a coordenação de suas políticas e práticas, através da formulação
de padrões de comportamento. Ao longo do início do século XX, surgi-
ram várias organizações funcionais, nas mais diversas áreas, como: saú-
de, agricultura, patentes e condições das prisões.
Como visto no Capítulo 1, a cooperação pode ser conduzida em
diversos graus de institucionalização. No caso da cooperação funcional,
as organizações funcionais representam o mais alto grau de institucio-
nalização, a partir de um contínuo que parte de iniciativas de coopera-
ção diplomática ad hoc e passa pelos regimes internacionais. As diversas
instituições no âmbito da cooperação funcional numa determinada área
interagem entre si. Organizações funcionais podem ser criadas a partir
de regimes internacionais estabelecidos, mas suas atividades as modifi-
cam ao longo do tempo. Alguns regimes, como o de comércio interna-
126 Organizações Internacionais

cional, possuem uma organização referencial, no caso, a Organização


Mundial do Comércio. Em outros casos, como o regime de direitos hu-
manos, não há uma organização funcional central, mas sim uma
pluraridade de instituições.1

DEFINIÇÃO DE COOPERAÇÃO FUNCIONAL:

Cooperação em uma área temática específica no âmbito das questões


sociais e econômicas. Pode ser realizada em diversos graus de institu-
cionalização, desde iniciativas diplomáticas ad hoc, regimes interna-
cionais, até organizações internacionais.

Apesar de terem um caráter em geral mais técnico, as organizações


funcionais não estão imunes a disputas políticas, como originalmente
defendido pelas premissas funcionalistas. A crise da UNESCO, nos anos
70, é ilustrativa de como essas organizações podem tornar-se palco de
clivagens políticas entre seus Estados-membro.2 Na União Internacional
de Telecomunicações, Estados disputam para que sejam adotadas nor-
mas técnicas que favoreçam suas indústrias nacionais, como será visto
adiante.
Apesar de as organizações funcionais conterem definições preci-
sas sobre sua área de atuação em seus documentos constituintes, a inter-
ligação que ocorre na prática entre diversas áreas temáticas dificulta uma
delimitação rígida.3 Algumas organizações reconhecem esse fato e in-
cluem a necessidade de promover a cooperação entre organizações fun-
cionais em seus documentos constituintes, como é o caso da OMS, que
prevê a cooperação com a UNICEF, ou do FMI, que prevê a cooperação
com o Banco Mundial. A maioria das organizações funcionais da ONU
firmou acordos de cooperação entre si, como é o caso das supracitadas.
Outras organizações funcionais têm incorporado com relutância refe-
rências a outros temas além de sua área específica de atuação, como,
Cooperação Funcional 127

por exemplo, a incorporação de questões de desenvolvimento, empre-


go e meio ambiente na OMC.
Um impacto importante das organizações funcionais sobre as socie-
dades nacionais dá-se pelas chamadas normas brandas (soft-law). As
normas brandas são produzidas por organizações, ou instituições em
geral, que não têm caráter obrigatório e não são cobertas pela Conven-
ção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Esse é o caso da maioria das
normas geradas pelas organizações funcionais. Apesar de não serem
obrigatórias, as normas produzidas, por exemplo, na UIT e na OMS, são
em geral incorporadas às legislações nacionais.4
Os fundadores da Liga das Nações atribuíram um importante papel
à cooperação funcional. As organizações funcionais deveriam contribuir
para a organização do mundo em tempos de paz. O Pacto da Liga de-
manda, em seu artigo 23, que seus signatários se esforcem para “assegu-
rar e manter as condições de trabalho equitativas e humanas para o
homem, a mulher e a criança, fundando ou mantendo para isso as ne-
cessárias organizações internacionais”, “comprometam-se a assegurar o
tratamento equitativo das populações indígenas”, “encarregam a orga-
nização de fiscalizar os acordos relativos ao tráfico de mulheres e crian-
ças, do ópio e outras drogas nocivas, do comércio das armas e muni-
ções”, e “adotem as disposições necessárias para assegurar e manter a
liberdade das comunicações e do trânsito, bem como o tratamento
equitativo do comércio de todos os seus membros”. O artigo 24 ainda
recomenda que todas as repartições internacionais anteriormente
estabelecidas por tratados coletivos, e todas que forem ulteriormente
criadas, sejam postas sob a autoridade da Liga.5
Dessa forma foram criados, por exemplo, os institutos para Coope-
ração Intelectual, para Unificação do Direito Privado e o Cinematográfi-
co Educacional. Além dos institutos, foram criadas as organizações téc-
nicas para Comunicação e Trânsito, Saúde, e Economia e Finanças. A
Organização Econômica e Financeira patrocinou duas Conferências In-
ternacionais, em 1927 e 1933, com o objetivo de estabilizar as moedas
e evitar a escalada das tarifas comerciais. As conferências, no entanto,
128 Organizações Internacionais

não tiveram sucesso como resultado do conturbado período, marcado


pelo nacionalismo, protecionismo e crise econômica. A Organização para
Comunicação e Trânsito obteve mais resultados, tendo facilitado a con-
clusão de algumas convenções, tais como a Convenção para Unificação
dos Sinais Rodoviários, de 1931.
A Organização da Saúde foi criada em 1922 e é considerada uma
das organizações funcionais da Liga de maior sucesso, tendo desenvol-
vido programas para conter epidemias e de vacinação preventiva. A
Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919, junta-
mente com a Liga. Suas origens remetem aos movimentos trabalhistas,
no século XIX, que se formaram em reação aos abusos cometidos no
contexto do processo de industrialização. Essa organização tem um for-
mato institucional particular, pois além dos Estados, possui membros
representantes dos trabalhadores e empresários.6
A Liga também criou órgãos para lidar com questões associadas às
crianças, mulheres, minorias e refugiados. Apesar do fracasso em conter
a Segunda Guerra, as atividades de várias das instituições de cooperação
funcional da Liga não foram suspensas e a maioria foi incorporada pela
ONU, dando origem à OMS, UNICEF, UNESCO, FAO, entre outros.

PRINCIPAIS ÓRGÃOS E ORGANIZAÇÕES


FUNCIONAIS LIGADAS À LIGA DAS NAÇÕES:

 Organização Internacional do Trabalho


 Organização para Comunicações e Trânsito
 Organização Econômica e Financeira
 Organização da Saúde
 Instituto Internacional de Cooperação Intelectual
 Instituto Internacional Educacional e Cinematográfico
 Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado
 Alto Comissariado para Refugiados
 Comitê para Proteção de Crianças e Jovens
Cooperação Funcional 129

A ONU assumiu um papel ainda mais ativo na promoção da coo-


peração funcional, desenvolvendo uma verdadeira rede de órgãos, co-
missões e organizações internacionais na área econômica e social. O
conceito de cooperação funcional ganha uma nova conotação nessa
época, sob influência do desenvolvimento da perspectiva funcionalista,
de David Mitrany, vista no Capítulo 2. A cooperação funcional passa a
ser vista não apenas como um facilitador para solução de problemas
técnicos de organização do mundo durante os tempos de paz, mas
como uma condição para a própria manutenção da paz. A cooperação
funcional tem um papel importante na segurança preventiva.
Entre o final da Segunda Guerra Mundial e meados da década de
1970, o número e as atividades das organizações funcionais do sistema
ONU cresceram significativamente. Em contraposição ao congelamento
do processo decisório no Conselho de Segurança, resultado da tensão
bipolar da Guerra Fria, as agências funcionais ampliaram seus progra-
mas, particularmente no que se refere ao apoio ao desenvolvimento.
Esse processo foi favorecido pela prosperidade econômica do período
e pela ação dos países em desenvolvimento, que aumentaram em nú-
mero e influência a partir do desmonte do sistema colonial. Contudo,
os anos 80 e 90 foram caracterizados pela crise da atuação dessas agên-
cias, engendrada pelas críticas norte-americanas.
O grau de institucionalização e independência das instituições fun-
cionais no âmbito do sistema ONU varia, desde programas diretamente
a ela subordinados, como o Alto Comissariado para Direitos Humanos,
agências especializadas, como a Organização Internacional do Trabalho,
ou organizações relacionadas, como a Organização Mundial do Comér-
cio. Algumas já existiam no âmbito da Liga e foram incorporadas ao siste-
ma ONU, como a Organização Internacional do Trabalho; outras foram
criadas posteriormente, como a Organização Mundial do Comércio.
A Carta da ONU atribui competência à Assembleia Geral e ao
ECOSOC (Economic and Social Council — Conselho Econômico Social)
para promover a cooperação funcional nas áreas econômica e social, em
seus Capítulos IV, IX e X. A Assembleia Geral pode discutir e fazer reco-
130 Organizações Internacionais

mendações aos membros da ONU sobre quaisquer questões ou assun-


tos que estiverem dentro das finalidades expressas na Carta (artigo 10),
em particular sobre a cooperação internacional nas áreas econômica,
cultural, educacional e sanitária, e favorecer o pleno gozo dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais (artigo 13-1(b)). Além disso
tem poderes para criar órgãos subsidiários que julgar necessários ao
desempenho de suas funções (artigo 22) e iniciar negociações entre os
Estados interessados para a criação de novas agências especializadas (ar-
tigo 59). Finalmente, tem a função de supervisionar todas as atividades
do sistema ONU e de coordenar a atuação de seus órgãos e agências
especializadas (artigo 58).
Embora o ECOSOC esteja sob autoridade da Assembleia Geral (ar-
tigo 60), possui uma estrutura independente da mesma e é considerado
um dos seis órgãos principais da ONU. Seu principal objetivo é promo-
ver o bem-estar da população mundial, incluindo seus aspectos econô-
micos e sociais (artigo 60). Com essa finalidade, o ECOSOC pode elabo-
rar estudos e relatórios, fazer recomendações à Assembleia Geral, aos
Estados-membro e às entidades especializadas interessadas, e convocar
conferências internacionais sobre assuntos de sua competência (artigo
62).7 Ele pode ainda estabelecer acordos com as agências especializadas
a fim de determinar as condições em que a entidade interessada será
vinculada à ONU — desde que aprovados pela Assembleia Geral — e
coordenar as atividades dessas agências por meio de consultas e reco-
mendações às mesmas, à Assembleia Geral e aos membros da ONU
(artigo 64).
O ECOSOC, como vimos no Capítulo 3, é composto por 44 mem-
bros, eleitos pela Assembleia Geral com base em nomeações dos blocos
regionais e se reúne uma vez por ano durante um mês, normalmente em
abril, de forma alternada em Nova York e Genebra. Suas decisões são
tomadas por maioria dos membros presentes e votantes, e cada membro
tem um voto. Além das sessões anuais, o ECOSOC se reúne, desde 1999,
também em abril, com os chefes dos principais comitês das organiza-
ções do FMI e o Banco Mundial.
Cooperação Funcional 131

A capacidade efetiva do ECOSOC para a realização e a coordena-


ção de todas essas atividades é, no entanto, muito questionada. Além da
complexidade e do escopo das atividades, o órgão não dispõe de instru-
mentos suficientes — materiais ou legais — à sua disposição para essa
tarefa. À falta de recursos, soma-se o problema de que o ECOSOC não
exerce autoridade real sobre as agências especializadas. Como visto, tem
poderes apenas para receber relatórios e emitir recomendações, e, mes-
mo assim, esses precisam ser aprovados pela Assembleia Geral. Dessa
forma, a maioria das agências especializadas do sistema ONU exerce
suas atividades com relativa independência.
Assim como o Pacto da Liga, a Carta da ONU recomenda que as
organizações internacionais preexistentes sejam a ela vinculadas, pas-
sando a ser designadas como entidades, ou agências, especializadas (ar-
tigo 27). Esse foi o caso, por exemplo, das mencionadas União Postal
Universal e União Internacional de Telecomunicações, que se tornaram
agências especializadas em 1947.8 A relação entre as agências especia-
lizadas e a ONU é formalizada através da conclusão de acordos de coo-
peração. Embora os acordos não sejam uniformes, há uma certa padro-
nização, já que quase todos incluem: provisões para representação em
reuniões e temas nas agendas recíprocas; troca de documentos e infor-
mações; submissão de relatórios pela agência a ONU; consideração das
agências dos relatórios da ONU; consulta para promoção de padrões e
práticas; e apresentação do orçamento da agência à ONU para revisão
e recomendações.
A seguir serão analisados alguns casos específicos de organizações
funcionais, atuantes na área de telecomunicações, saúde, comércio in-
ternacional e direitos humanos, incluindo as agências especializadas da
ONU, e outras organizações universais ou regionais fora do sistema ONU,
quando existirem. As duas primeiras áreas são mais técnicas, embora
não por isso imunes a conflitos políticos, e sua particularidade advém
de serem as áreas temáticas nas quais surgiram as primeiras organiza-
ções internacionais. As duas últimas áreas envolvem questões mais
ideológicas e normativas e, por isso, são mais abertamente politizadas.
132 Organizações Internacionais

ORGANIZAÇÕES FUNCIONAIS DO SISTEMA ONU

A GÊNCIAS E SPECIALIZADAS :

 Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola


 Fundo Monetário Internacional
 Grupo do Banco Mundial
 Organização da Aviação Civil Internacional
 Organização da ONU para o Desenvolvimento Industrial
 Organização da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura
 Organização Internacional do Trabalho
 Organização Internacional Marítima
 Organização Mundial da Saúde
 Organização Mundial de Propriedade Intelectual
 Organização Mundial do Turismo
 Organização Mundial Meteorológica
 Organização da ONU para Alimentação e Agricultura
 União Internacional de Telecomunicações
 União Postal Universal

O RGANIZAÇÕES RELACIONADAS :

 Organização Mundial do Comércio


 Agência Internacional de Energia Atômica
 Organização do Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares
 Organização para a Proibição de Armas Químicas

A cooperação funcional na área de comércio internacional está relati-


vamente centralizada na OMC e seu predecessor GATT, e todas as ou-
tras instituições e organizações comerciais internacionais e regionais
refletem seus princípios e normas. Já a cooperação funcional na área de
direitos humanos está muito menos centralizada e abarca uma grande
diversidade de instituições e organizações internacionais.
Cooperação Funcional 133

Cooperação Funcional na Área de Telecomunicações


e a União Internacional de Telecomunicações (UIT)
Como já visto, a área de comunicações inaugurou o processo de
gestação de organizações funcionais, com a criação da União Telegráfica
Internacional e da União Postal Universal. A área de telecomunicações
se restringe às formas de comunicação realizadas por meio de cabos,
fibra óptica e propagação pelo ar, ou seja, que não dependem do trans-
porte de objetos físicos, como é o caso do serviço postal.9 É interessante
notar como a própria definição da área de telecomunicações requer um
certo conhecimento técnico.
Embora o aspecto técnico das organizações funcionais seja uma
das suas principais características, essas organizações não estão isentas
de conflitos políticos. Essa politização, porém, não costuma atingir a
opinião pública, ou quando o faz, permanece em termos muitos super-
ficiais devido à complexidade técnica das questões debatidas. A disputa
ocorre principalmente pela adoção de padrões técnicos que favoreçam a
indústria de um dado país. O antagonismo atualmente se concentra entre
os Estados Unidos, UE e Japão.
A área de telecomunicações é uma das mais importantes para o
funcionamento das sociedades contemporâneas. Apesar das divergênci-
as políticas e diferenças de conhecimento tecnológico entre os diversos
Estados, a cooperação nessa área é uma necessidade prática: sem pa-
drões e tecnologias comuns, a comunicação não consegue ser realizada,
ainda que para fins não cooperativos.
A União Internacional de Telecomunicações (UIT) foi criada em 1932,
pela junção das Uniões de Telégrafos e de Rádio-Telégrafo, herdeiras da
União Telegráfica Internacional. Em 1947, tornou-se uma agência especi-
alizada da ONU e transferiu sua sede de Berna para Genebra. Na ocasião,
tinha 74 Estados-membro; atualmente são 189, quase todos os membros
da ONU, o que demonstra a importância a ela acordada. O setor de tele-
comunicações se tornou o terceiro maior setor de negócios no mundo ao
longo do século XX, contando com um volume de transações anuais aci-
134 Organizações Internacionais

ma de um trilhão de dólares. A UIT tem um papel central no regime


internacional dessa área, sendo o principal fórum no qual os padrões téc-
nicos são decididos. Além das atividades relacionadas à padronização, a
organização administra o espectro de frequências de rádio e promove a
assistência técnica e cooperação com os países em desenvolvimento.

PRINCIPAIS ATIVIDADES DA UIT:

 Promoção de padrões técnicos globais


 Administração do espectro de frequências de rádio
 Assistência técnica e cooperação com países em desenvolvimento

O principal órgão da UIT é a Conferência Plenipotenciária, que


normalmente se reúne apenas a cada cinco anos, determina as políticas
gerais da organização e estabelece o orçamento, entre outros. As deci-
sões são tomadas por maioria, e cada membro tem direito a um voto.
Outros órgãos são as Conferências Administrativas e o Conselho Admi-
nistrativo, que se encontram em intervalos variados. O Conselho é com-
posto por 41 membros eleitos pela Conferência, seguindo critérios de
distribuição geográfica, e sua principal função é facilitar a implementação
de normas e decisões adotadas pela União, além de supervisionar o tra-
balho dos órgãos permanentes. As atividades diárias da organização são
realizadas no Secretariado-Geral e pelas três divisões da UIT: Radioco-
municações (UIT-R), Padronização de Telecomunicações (UIT-T) e De-
senvolvimento de Telecomunicações (UIT-D).
A principal atividade da divisão de Radiocomunicações é a adminis-
tração do espectro de frequências de rádio. As ondas de rádio são essen-
ciais para o funcionamento de uma série de serviços, tais como: a navega-
ção, sistemas de posicionamento global (GPS), monitoramento do meio
ambiente e pesquisa espacial. Com essa finalidade, a divisão registra as
concessões para assegurar que os satélites de transmissão funcionem sem
Cooperação Funcional 135

causar interferências, tarefa cada vez mais difícil à medida que o espaço da
órbita da terra começa a ficar superlotado. A divisão também facilita as
negociações para assinatura das Regulações de Rádio, que têm caráter
obrigatório para seus signatários. As Regulações estipulam a forma como
o espectro deve ser utilizado, no que se refere às frequências de 9kHz a
400GHz. A plataforma para os serviços da terceira geração de telefonia
celular (3G) também foi desenvolvida por essa divisão.
A divisão de Padronização de Telecomunicações é a encarregada
das atividades mais antigas da UIT: desenvolver padrões técnicos e ope-
racionais internacionais e definir tarifas e princípios contábeis para os
serviços de telecomunicações. A divisão elabora recomendações, que
embora não sejam obrigatórias, são, em geral, adotadas pelos membros
da organização. Os grupos de estudo da divisão são compostos por es-
pecialistas dos setores governamentais e privados, e as especificações
cobrem uma área muito abrangente, incluindo, por exemplo, os pa-
drões para transmissão de dados, voz e vídeo pela Internet.10
A terceira divisão da UIT, a de Desenvolvimento de Telecomunica-
ções, busca facilitar o acesso às infraestruturas e às novas tecnologias de
informação pelos países em desenvolvimento. Esse trabalho é feito através
da assistência técnica e promoção de parcerias público-privadas. O se-
tor também promove a divulgação sobre os meios de telecomunicações
e as práticas adotadas pelos diversos Estados em publicações tais como
a World Telecommunication Development Report e a Telecommunication
Regulatory Survey. Para facilitar seu trabalho, o setor tem escritórios re-
gionais na África, Estados Árabes, Ásia e América Latina e promove con-
ferências internacionais com a participação de setores governamentais,
privados e da sociedade civil global.11
Uma característica particular da UIT em relação à maioria das OIGs
é que, além dos Estados-membro, ela possui duas outras categorias de
membros: os membros setoriais e os associados setoriais. Esses mem-
bros podem ser do setor privado e participam apenas das atividades da
divisão à qual são filiados (UIT-R, UIT-T e UIT-D). Os membros setoriais
são, na maioria, agências operadoras, organizações industriais ou cientí-
136 Organizações Internacionais

ficas, instituições financeiras ou de desenvolvimento, e os associados


setoriais são entidades e organizações menores. Embora representantes
do setor privado participem das atividades da UIT desde sua criação,
seu poder cresceu bastante nos últimos anos. Críticos sugerem que a
organização esteja passando por um verdadeiro processo de “privatização”
(Lee et al,, 1997). Originalmente os representantes das empresas priva-
das participavam dos comitês consultivos nas delegações dos Estados-
parte, e sua presença era justificada pelo caráter técnico das questões tra-
tadas. Atualmente, como visto, tem status de membro independente dos
Estados. Ainda que os membros setoriais e os associados setoriais não
tenham poder de voto, eles têm direito a participar dos encontros setoriais
e têm acesso irrestrito às informações e documentos da UIT. Sua parti-
cipação lhes concede grande influência na organização, pois atuam como
lobbies numa situação privilegiada, participando informalmente de coa-
lizões e colaborando com os Estados onde têm suas sedes e filiais.
Outra crítica feita à UIT é que a organização não dispõe de meca-
nismos efetivos de imposição de normas e decisões, nem para garantia
de aquiescência dos membros. Seu funcionamento depende, essencial-
mente, do reconhecimento por seus membros dos efeitos e custos de
suas normas e decisões não serem respeitadas. Apesar do alto índice de
aquiescência por parte dos membros, a UIT tem enfrentado problemas
decorrentes de clivagens políticas internas entre os países desenvolvi-
dos e em desenvolvimento. Com o aumento do hiato tecnológico, espe-
cialmente nas últimas duas décadas, cresceu a demanda por parte dos
países em desenvolvimento para que a UIT não restrinja suas atividades
à regulação e à padronização, mas também promova a transferência de
tecnologia.
A distribuição desigual de recursos e tecnologia combinada com o
sistema igualitário de votação, no qual cada membro tem um voto, tem
resultado em impasses na União, que chegou a um momento de crise no
início da década de 1990. A contribuição financeira dos membros é
decidida de forma voluntária. Cada membro escolhe uma “classe” de
acordo com sua capacidade de contribuição, o que faz com que os paí-
Cooperação Funcional 137

ses desenvolvidos sejam responsáveis pela quase totalidade do orça-


mento da organização. Esses países têm questionado o sistema de con-
tribuição, demandando que a instituição institua um sistema de voto
ponderado de acordo com as contribuições financeiras. Na Conferência
Plenipotenciária de 1989, em Nice, o Reino Unido se tornou o primeiro
contribuinte principal a não ser eleito para o Conselho Administrativo.12
Algumas reformas foram realizadas na UIT na década de 1990,
com o objetivo de tornar a organização mais flexível e adaptável às mu-
danças tecnológicas e no contexto internacional. A atual estrutura, des-
crita anteriormente, foi estabelecida por reformas estruturais propostas
na Conferência Plenipotenciária de 1992. Em 1994, foi criado o Fórum
Mundial de Políticas na Área de Telecomunicações, para encorajar a tro-
ca de informações e ideias sobre questões relacionadas às mudanças na
área. O primeiro fórum foi realizado em 1996 sobre o tema das comuni-
cações pessoais móveis globais por satélite (Global Mobile Communications
by Satelite — GMCS); o segundo ocorreu em 1998, sobre o comércio
dos serviços de telecomunicações, e o terceiro sobre Telefonia do Proto-
colo de Internet (Internet Protocol Telephony). No entanto, essa iniciativa
foi suspensa em 2002 sob alegação de falta de recursos.
No final da década de 1990 foram criados um Grupo de Trabalho
formado por membros estatais e setoriais e um Comitê Consultivo, com-
posto por especialistas e representantes governamentais e do setor pri-
vado, para dar continuidade aos esforços de reforma. Outra iniciativa
recente da UIT foi a proposta de realização de uma Conferência Interna-
cional sobre a Sociedade de Informação. A iniciativa foi aprovada pela
Assembleia Geral da ONU em 2001, e um primeiro encontro ocorreu
em dezembro de 2003, em Genebra. Um segundo encontro está previs-
to para novembro de 2005, na Tunísia. A conferência representou um
evento único na história da UIT para a promoção e a colaboração com
ONGIs. Essas organizações emitiram um documento no final do encontro
de 2003, que enfatiza a importância do acesso às novas tecnologias, infor-
mação e meios de comunicação aos países e povos menos desenvolvidos
e clama que a UIT aumente sua atuação nessa área.13
138 Organizações Internacionais

Cooperação Funcional da Área de Saúde


e a Organização Mundial da Saúde (OMS)
Assim como as telecomunicações, a saúde tem um componente
bastante técnico. No entanto, sua relação com as outras áreas de coope-
ração é mais intensa. Praticamente todas as atividades em que há coopera-
ção internacional têm implicações sobre a saúde humana, tais como:
alimentação, agricultura, habitação, patentes de medicamentos, meio
ambiente e trabalho. Com isso, diversos aspectos da saúde são tratados
em distintas organizações, nos níveis regional e universal. No nível regio-
nal, devemos destacar a Organização Pan-Americana da Saúde, que foi
uma das primeiras organizações funcionais da área, criada em 1902,
com sede em Washington.14
No nível universal, a principal organização na área de saúde é a
Organização Mundial da Saúde (OMS), que pode ser vista como uma
herdeira da Organização da Saúde, criada no âmbito da Liga das Na-
ções, como visto acima. No entanto, outras organizações do sistema ONU
também atuam em áreas diretamente relacionadas à saúde, como, por
exemplo, a FAO, a OIT, a IAEA e a UNESCO, que possuem acordos de
cooperação com a OMS e realizam vários projetos em conjunto, além
das organizações da área de direitos humanos. Como será visto adiante,
organizações como o Banco Mundial e a OMC também têm tido um
papel crescente na área da saúde.
A OMS foi criada em 1948 como uma agência especializada da ONU
e tem como principal objetivo atingir o maior nível de saúde para todas as
pessoas. A organização adota uma definição de saúde que compreende o
bem-estar físico, mental e social, conforme consta no preâmbulo de sua
Carta constituinte. Embora suas atividades se limitassem, inicialmente, a
intervenções técnicas e programas específicos destinados a enfrentar do-
enças particulares, a partir da década de 1970 tornaram-se mais abrangen-
tes, passando a abarcar questões socioeconômicas e a prevenção de doen-
ças em geral através da melhoria das condições de vida da população.
Essa orientação foi consolidada na Conferência Mundial da Saúde,
realizada em 1978, na cidade de Alma Ata, atual Amalty, no Cazaquistão.
Cooperação Funcional 139

A Declaração de Alma Ata, “Saúde para todos no ano 2000”, é conside-


rada um marco do discurso sobre a saúde, tendo explicitado sua perten-
ça aos direitos humanos fundamentais, em consonância com o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que entrou
em vigor em 1973.
Apesar do aspecto positivo associado à relação entre saúde e direi-
tos humanos, devemos salientar que há um aspecto negativo também,
no qual a proteção da saúde pública implica restrições às liberdades
individuais. Isso ocorre, por exemplo, no caso da vacinação obrigatória,
e, mais grave, da hospitalização ou isolamento obrigatório uma vez ten-
do sido detectadas epidemias, quando o objetivo da saúde pública é
evitar o contato dos contaminados com o resto da população. Algumas
dessas medidas têm sido questionadas por ativistas de direito humanos,
que alegam que devem existir limites à privação da liberdade dos indi-
víduos. Essa questão tem sido extremamente polêmica em casos de AIDS,
por exemplo, que não é uma doença temporária, levando o secretário da
ONU, Javier Pérez de Cuellar, a enfatizar que o mundo deveria fazer
uma guerra contra a AIDS, mas não contra os portadores da doença.15
A Declaração de Alma Ata enfatizou a necessidade da garantia ao
acesso igualitário à saúde em escala global e foi adotada pela Assembleia
da OMS em 1981. Essa agenda se inseriu no contexto do movimento
para uma nova ordem econômica internacional e tinha um viés social-
democrata, com propostas concretas de intervenção estatal e das OIGs
com objetivo de atingir a meta proposta de saúde para todos em 2000.
Apesar dos avanços, a avaliação feita no final do século constatou uma
discrepância enorme entre os objetivos e os resultados obtidos. Entre os
principais fatores apontados para esse fracasso estão a crise econômica e
a falta de priorização acordada para a saúde na política internacional.16
Em sua sessão de 1998, a Assembleia da OMS endossou a Declara-
ção “Saúde para todos no século XXI”, que estabeleceu um novo
paradigma na governança global na área da saúde. As metas foram revi-
sadas e redefinidas de uma forma muito mais limitada, em termos de
doenças específicas e objetivos quantitativos. Apesar de continuar defi-
140 Organizações Internacionais

nindo a saúde como um direito humano universal, a estratégia adotada


tem um viés liberal e seu principal componente é a busca de parcerias
público-privadas para canalizar mais investimentos. Nesse contexto, a
OMS perdeu seu lugar de principal financiador dos programas relacio-
nados à saúde para o Banco Mundial. No novo cenário, os programas de
saúde passaram a ser sujeitos à condicionalidades, que se referem em
geral à metas macroeconômicas.17
O principal objetivo da nova estratégia passou a ser o aumento da
liquidez de recursos no setor, de forma que o mercado solucione o pro-
blema da saúde. Apenas determinados serviços primários de saúde de-
veriam permanecer sob responsabilidade dos Estados. A provisão de
medicamentos deveria ser determinada pelo mercado, e seu comércio
internacional condicionado às regras da OMC. Essa organização virou
palco de disputas da área da saúde, como no caso da luta pela quebra de
patentes e produção de genéricos para países em desenvolvimento.18
Apesar de algumas conquistas, como o acordo sobre a quebra de
patentes e algumas adaptações no contexto do “pós-Consenso de Wa-
shington”, os críticos apontam que o regime internacional de saúde con-
tinua sendo condicionado por uma lógica econômica limitada, o que
tem contribuído para acirrar a desigualdade no acesso à saúde.19 No que
se refere ao papel da OMS, essa organização adotou uma postura mais
crítica, principalmente após a gestão de Gro Harlem Brundtland, e pro-
curou implementar algumas reformas e adotar novas estratégias.
As principais reformas se concentram em duas áreas: flexibilização
de sua estrutura interna e fortalecimento dos mecanismos de monito-
ramento e aquiescência. A estrutura da organização tem sido criticada
por ser hierárquica e rígida. O fato de os funcionários da OMS serem, na
sua maioria, profissionais da área de saúde, também imprime pouca
multidisciplinaridade no enfoque da organização para lidar com ques-
tões que claramente extrapolam questões técnicas, prejudicando a for-
mulação de estratégias mais abrangentes.
O principal órgão na estrutura da OMS é a Assembleia, que se
reúne uma vez ao ano, normalmente em maio. Em geral, as decisões
Cooperação Funcional 141

são adotadas por consenso, embora as regras formais sejam maioria


de dois terços dos membros presentes para questões importantes e
maioria simples para outras questões, cada membro tendo direito a
um voto. A Assembleia tem poderes para adotar regulações obrigató-
rias para os membros, embora possam optar por não participarem,
mas essa não tem sido a prática; a maioria das decisões é feita em
caráter recomendatório.20
O segundo órgão mais importante é o Conselho Executivo, com-
posto por 32 membros, eleitos pela Assembleia para mandatos de três
anos, segundo os critérios de distribuição geográfica e qualificação téc-
nica. Suas principais funções são a formulação da agenda para a
Assembleia e a indicação do diretor-geral da organização. A OMS tem
ainda representantes em vários países em desenvolvimento e escritóri-
os no Congo (África), Dinamarca (Europa), Índia (Sudeste Asiático),
Filipinas (Mediterrâneo Ocidental) e Estados Unidos (Américas). As
orientações gerais e políticas específicas da organização são decididas no
Secretariado, em Genebra, e os escritórios regionais se encarregam ape-
nas da implementação dos programas. Esse fato tem sido um dos princi-
pais objetos de crítica, pois limita a criatividade profissional e a adapta-
ção das políticas às realidades locais. A OMS também conta com “centros
de colaboração” em diversos países, com os quais estabelece uma relação
de parceria nas áreas de pesquisa e implementação de programas.21
Entre as propostas para reformas estão a transferência da autoridade
do Secretariado para os representantes nacionais e a incorporação de pro-
fissionais de outras áreas. A presença de funcionários, além da área de
medicina, no assessoramento do planejamento de novas estratégias para
prevenção de doenças e prevenção da saúde trariam visão mais abrangente.
Também são propostos o aumento da transparência e a maior participa-
ção de ONGs no processo decisório e na implementação de programas.
As reformas teriam o efeito de tornar a organização mais flexível e eficaz e
também estimular um aumento das contribuições financeiras.22
Essas contribuições diminuíram significantemente ao longo das
últimas décadas. O problema apontado, assim como na UIT, é que há
142 Organizações Internacionais

uma incompatibilidade entre as regras para contribuição e o sistema de


representatividade no processo de votação. Enquanto o processo de vo-
tação é feito por maioria, a contribuição dos membros se baseia na capa-
cidade de pagamento. Atualmente, os seis maiores contribuidores (o
principal sendo os Estados Unidos) contribuem com cerca de 70% do
orçamento, mas têm pouco poder sobre a alocação dos recursos. Como
resultado, há uma tendência dos países desenvolvidos em preferir fazer
contribuições extra-orçamentárias, o que possibilita que tenham um maior
controle sobre a alocação de recursos, já que são feitas diretamente aos
programas específicos e não precisam ser aprovadas pela Assembleia.
A segunda área que concentra propostas de reforma refere-se aos
instrumentos para garantir a aquiescência dos membros. No caso das
epidemias, por exemplo, embora haja regulações obrigatórias, a OMS
depende da notificação voluntária dos Estados sobre a existência de sur-
tos em seus territórios, não tendo instrumentos para monitorar, nem
sancionar os que não o façam. O problema é a existência de uma resis-
tência em geral por parte dos Estados em fazer essas notificações, como
foi verificado nos casos de surtos de cólera nos anos 70, de AIDS nos
anos 80 e no caso da SARS nos anos 2000. Essa resistência é fruto do
medo dos governos nacionais de criar pânico e de incitar medidas discri-
minatórias contra as exportações e o trânsito de cidadãos nacionais, e
faz com que a OMS acabe atuando somente quando as epidemias já
atingiram dimensões praticamente incontroláveis e os Estados são for-
çados a notificá-las.23
Apesar de todas as reformas em andamento, elas não têm consegui-
do enfrentar o que pode ser considerado o maior problema relacionado
à saúde dos dias atuais: a AIDS. Talvez a AIDS seja um indicador de que,
mais do que meras reformas pontuais, o que se requer é a mudança do
paradigma geral da governança global da saúde, de forma a reverter a
lógica economicista presente e retomar um paradigma mais abrangente
a respeito das causas e efeitos dos problemas ligados a saúde.24 Apesar
de todos esses problemas, devemos salientar que, no que se refere a
suas atividades mais tradicionais, a OMS ainda é considerada uma das
Cooperação Funcional 143

agências especializadas da ONU de maior sucesso. Além de ser o prin-


cipal fórum internacional para formação de consenso sobre padrões e
normas técnicas, algumas de suas campanhas são extremamente efica-
zes, tais como as de vacinação infantil e para viajantes, a campanha a
favor da amamentação, realizada em cooperação com a UNICEF,25 e
mais recentemente, a campanha para contenção da Síndrome Respira-
tória Aguda e Severa (SARS).26

A Cooperação Funcional na Área do Comércio Internacional


e a Organização Mundial do Comércio (OMC)
O desenvolvimento do comércio internacional acompanhou em
grande medida o desenvolvimento do próprio sistema internacional, já
que as relações comerciais sempre foram uma das principais áreas das
relações entre as unidades políticas desse sistema, mesmo antes da for-
mação dos Estados soberanos. Apesar da densa rede de acordos que
foram concluídos ao longo dos séculos, é somente após a Segunda Guerra
Mundial que podemos falar de um regime de comércio de abrangência
internacional.
Ainda em 1944, representantes de 44 países se reuniram em Bretton
Woods, em New Hampshire, com o objetivo de planejar a cooperação
pós-guerra no âmbito da economia internacional. Foi decidido que se-
riam criadas três organizações dentro do sistema da ONU para esse pro-
pósito. A primeira seria o FMI, cuja principal tarefa seria estabelecer e
supervisionar um sistema internacional de taxas de câmbio fixas para
promover a estabilidade das moedas, evitando desvalorizações competi-
tivas, como havia ocorrido no período entreguerras, e fornecer créditos
de curto prazo para países com desequilíbrios temporários de balança
de pagamentos. A segunda organização seria o Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) — também conhecido como
Banco Mundial — que deveria fornecer empréstimos de longo prazo
para o financiamento de projetos para reconstrução dos países devas-
tados pela guerra.
144 Organizações Internacionais

A terceira organização do sistema de Bretton Woods planejada de-


veria ser a Organização Internacional do Comércio. Em 1946, o
ECOSOC, da recém-criada ONU, convocou uma Conferência sobre Co-
mércio e Emprego, para que fosse negociado um acordo para o estabe-
lecimento dessa organização. A Conferência iniciou-se em Havana, em
novembro de 1947 e, em março de 1948, foi assinada sua Carta Consti-
tuinte. A Carta, entretanto, não foi ratificada pelo Congresso america-
no, apesar do papel central dos Estados Unidos na sua idealização, e a
organização acabou não sendo criada.
No entanto, durante as negociações em Havana, talvez já preven-
do o destino da organização, 23 países dos 50 presentes resolveram

RODADAS DE NEGOCIAÇÕES DO GATT

Ano Local Questões temáticas Número


negociadas de países

1947 Genebra Tarifas 23

1949 Annecy Tarifas 13

1951 Torquay Tarifas 38

1956 Genebra Tarifas 26

1960-1961 Genebra (Rodada Dillon) Tarifas 26

1964-1967 Genebra Tarifas, medidas 62


(Rodada Kennedy) antidumping

1973-1979 Genebra Tarifas, barreiras


(Rodada Tóquio) não tarifárias. 102

1986-1994 Genebra Tarifas, barreiras 123


(Rodada Uruguai) não tarifárias,
produtos agrícolas,
serviços, propriedade
intelectual, têxtil
Cooperação Funcional 145

iniciar negociações imediatas para a redução de tarifas comerciais. Como


resultado dessas negociações, em outubro de 1947, foi assinado o Acor-
do Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), que entrou em vigor em
janeiro de 1948. Com a ausência de uma organização internacional para
coordenar a cooperação na área de comércio internacional, o GATT
assumiu esse papel, ainda que de forma menos institucionalizada.
Por um lado, o GATT foi considerado um sucesso, ao reduzir as
tarifas comerciais ao longo de várias rodadas de negociações e ver seu
número de signatários aumentar progressivamente ao longo dos anos.
Durante a Guerra Fria, englobava praticamente todos os países do bloco
ocidental, e com a dissolução do bloco soviético, a maioria dos países
ex-comunistas também aderiu ao Acordo.
Por outro lado, o GATT se mostrou incapaz de se adaptar às mu-
danças na economia internacional, principalmente à medida em que o
processo de globalização se intensificou, no final da década de 1980.
Entre essas mudanças pode ser mencionada a diminuição da importân-
cia do comércio de produtos industrializados, principal tema tratado
nas rodadas do GATT, em detrimento de outros produtos, como servi-
ços, propriedade intelectual e têxteis. Outra mudança que contribuiu
para a diminuição da capacidade do GATT de influenciar os fluxos de
comércio foi a diminuição da importância das barreiras tarifárias e o
aumento do uso de barreiras não tarifárias. O surgimento da segunda
onda de regionalismo econômico também começou a ser percebido como
uma ameaça ao sistema multilateral.27
Outra questão que se tornou cada vez mais polêmica no final da
década de 1980 foi o tratamento especial e diferenciado aos países em
desenvolvimento, retomando a questão da relação entre comércio e de-
senvolvimento. Um dos impasses nas negociações de Havana para a cria-
ção da Organização Internacional do Comércio havia sido o conflito
entre países mais avançados economicamente e os em desenvolvimento
a respeito da premissa liberal de que o livre-comércio entre os países
maximizaria o crescimento econômico mundial. Enquanto o GATT tra-
tava da liberalização do comércio, esse tema era apenas um capítulo
(Capítulo IV) da Carta da Organização Internacional do Comércio, que
146 Organizações Internacionais

era bem mais abrangente e abordava, entre outros, o impacto do co-


mércio sobre o emprego e o desenvolvimento dos países mais pobres.
A rodada do Uruguai começou a tratar desses problemas, mas ficou
claro no curso das prolongadas negociações que a eficiência do GATT
seria comprometida caso não fosse realizada uma ampla reforma
institucional que lhe provesse instrumentos para lidar com a incorpora-
ção de tantos novos temas em sua agenda. Nesse contexto, seus signatá-
rios decidiram criar a Organização Mundial do Comércio (OMC).
A criação da OMC não representou, portanto, uma ruptura no regi-
me internacional do comércio, e sim sua ampliação para novas áreas, e
sua maior institucionalização. Todos os Acordos negociados no âmbito
das rodadas do GATT, tais como o Acordo GATT 1994, o acordo de
agricultura, têxteis, antidumping, e outros, foram diretamente incorpo-
rados pela organização, constituindo anexos do seu acordo constitutivo,
assinado em 15 de abril de 1994, em Marraquesh, quando foi finalizada
a rodada do Uruguai.28
Seus princípios continuam os já existentes no GATT, os mais im-
portantes sendo o da não discriminação entre parceiros, por meio do
respeito da cláusula da nação mais favorecida (artigo 1 do Acordo GATT
1947) e em relação aos agentes nacionais, através da cláusula de trata-
mento nacional (artigo 3 do Acordo GATT 1947). O princípio da não
discriminação para fins de desenvolvimento pode ser temporariamen-
te suspenso para fins de desenvolvimento, a título de tratamento espe-
cial e diferenciado, visto antes neste capítulo. Além disso, foi introduzi-
do nas negociações na OMC o princípio de que todos os itens das nego-
ciações devem ser incluídos no final de cada rodada, ou seja, nada fica
decidido até tudo ter sido decidido (single undertaking). Por tradição,
esse princípio é visto como um facilitador de negociações amplas e com-
plexas, ao favorecer a política de linkages, mas apontado por críticos de
funcionar como condicionalidade para os países menos poderosos.29
O principal órgão da OMC é a Conferência Ministerial, composta
por representantes de todos os membros, que se reúne pelo menos a
cada dois anos e toma decisões por consenso.30 Cada membro tem di-
reito a um voto, ao contrário das outras organizações de Bretton Woods,
Cooperação Funcional 147

como o FMI e o Banco Mundial, nas quais o poder de voto dos mem-
bros é ponderado por sua contribuição financeira. Isso não implica que
o poder real dos membros seja igual. Devido à alta politização do co-
mércio internacional, os Estados mais poderosos procuram ativamente
exercer influência sobre os mais fracos. Uma prática comum nas ne-
gociações da OMC é a formação de coalizões políticas na forma de
grupos entre membros que tenham interesses em comum. A maioria
dos grupos corresponde a blocos econômicos regionais, como a União
Europeia, o Mercosul, o NAFTA e a ASEAN.31 Outros grupos são for-
mados por outras afinidades tais quais o Grupo Africano, o dos Países
Menos Desenvolvidos, os Estados da África, Caribe e Pacífico (ACP), o
Grupo de Cairns, e mais recentemente o G-21.32 Além disso, grande
parte das decisões é tomada em encontros informais, chamados de
processo da Sala Verde (Green Room), pelos Estados Unidos, UE, Ja-
pão e Canadá, referidos como o Quad.33

CONFERÊNCIAS MINISTERIAIS DA OMC

Ano Local

1996 Cingapura

1998 Genebra

1999 Seattle

2001 Doha (lançou a Rodada do Milênio)

2003 Cancún

Outros órgãos que funcionam permanentemente são o Secretaria-


do, o Conselho Geral e os Conselhos Setoriais: Comércio de Bens, Co-
mércio de Serviços, Aspectos de Propriedade Intelectual relacionados
ao Comércio, entre outros. Esses Conselhos, ao contrário da maioria das
OIs, também possuem representantes de todos os membros (embaixa-
dores ou delegados em Genebra), com direito de iguais de voto, e to-
mam decisões por consenso (ou maioria simples se necessário). Os Con-
148 Organizações Internacionais

selhos são assessorados por vários Comitês técnicos, como de Comér-


cio e Desenvolvimento, Restrições na Balança de Pagamentos, Orça-
mento e Finanças e Administração. O Secretariado da OMC se mante-
ve em Genebra, onde se abrigava o escritório administrativo do GATT, e
conta com um corpo de funcionários relativamente pequeno, cerca de
550 pessoas atualmente. O diretor-geral é apontado pela Conferência
Ministerial, mas tem poderes basicamente administrativos. Ele não par-
ticipa da preparação das agendas de negociação, nem do sistema de
solução de controvérsias, podendo apenas tentar influenciar o proces-
so de formação de consenso de forma informal.
A maior inovação da OMC em relação ao GATT se encontra no
sistema de solução de controvérsias. Além do já existente Órgão de So-
luções de Controvérsias, foi criado o Órgão Permanente de Apelação,
implicando uma maior institucionalização jurídica, ou uma maior “le-
galização”, como definido no Capítulo 1. O Órgão de Solução de Con-
trovérsias é composto pelos membros do Conselho Geral e atua pela
mediação política, procurando solucionar os conflitos de forma diplo-
mática. Se necessário, ele pode convocar painéis ad hoc, compostos por
três especialistas, escolhidos pelas partes conflitantes. Enquanto no GATT
o processo se encerrava com as decisões do painel, na OMC, a parte
perdedora pode recorrer ao Órgão Permanente de Apelação. Esse órgão,
como o próprio nome diz, tem caráter permanente e é composto por
sete membros, especialistas da área de direito e comércio internacional,
apontados pelo Órgão de Solução de Controvérsias para um mandato
de quatro anos. Suas decisões são obrigatórias, quando adotadas por
consenso, e podem incluir medidas compensatórias.
Outra inovação na OMC em relação ao GATT foi a criação do Ór-
gão de Revisão de Políticas Comerciais. Esse órgão é composto pelos
membros do Conselho Geral e tem como principal função monitorar a
política comercial dos membros da organização, através da elaboração e
divulgação de relatórios sobre sua política comercial (Trade Policy Reviews).
A periodicidade do exame de cada membro é determinada pela sua par-
cela no comércio mundial: os membros de maior representatividade
são examinados a cada dois anos, outros a cada quatro anos (como é o
Cooperação Funcional 149

caso do Brasil) ou seis anos. Quando um relatório é concluído, ele é


apresentado e os demais membros podem fazer perguntas escritas e
orais, que devem ser respondidas pelo membro analisado. Embora o
órgão não tenha poderes para sancionar políticas ou práticas em desa-
cordo com os princípios da OMC, ele contribui para aumentar a trans-
parência e a aquiescência dos membros ao expô-los abertamente.
Desde sua criação, a OMC tem sido alvo de críticas, principalmente
por parte das ONGs do movimento antiglobalização, tais quais a ATTAC.
As manifestações em Seattle se tornaram um símbolo dessa oposição: a
OMC é acusada de pouca transparência e sua agenda liberalizante de con-
tribuir para a crescente desigualdade econômica no mundo.34 A relação
da OMC com as ONGIs é de fato mais caraterizada como de confronto,
do que de colaboração. Ainda assim essa prática tem se intensificado.
O artigo 5(2) do Acordo de Marraquesh estabeleceu que o Conse-
lho Geral pode promover a consulta e a cooperação com essas organiza-
ções, mas a prática não é muito difundida. A resolução do Conselho,
emitida em 1996 (WT/L/162), reconhece a contribuição das ONGs para
aumentar o conhecimento do público sobre a organização (artigo 2),
ainda que estabeleça que, devido ao fato de as negociações no âmbito da
organização serem de caráter obrigatório, as ONGs não devem poder se
envolver diretamente nas suas atividades, devendo concentrar seus es-
forços no nível nacional (artigo 6). Em 1998, o Secretariado criou um
link para a colaboração com as ONGs no site da organização e passou a
receber documentos recomendatórios das ONGs, que são repassados
aos Estados-membro.
Apesar de não poderem participar dos grupos de negociação, as
ONGs ganharam acesso às plenárias das Conferências Ministeriais. Na
Conferência de Cingapura, 159 ONGs se registraram, entre elas o
Greenpeace Internacional e o Oxfam Internacional. Na Conferência de
Cancún, em 2003, mais de 800 ONGs se inscreveram. Além das confe-
rências, as ONGs têm participado de simpósios organizados pelo Secre-
tariado, o último sendo sobre a crise multilateral, em maio de 2004.
Também tem sido discutido o acesso ao processo de solução de contro-
vérsias como amicus curae.35
150 Organizações Internacionais

Além das críticas das ONGs, a OMC também tem enfrentado impasses
internos, com a crescente polarização entre os países em desenvolvimento
e desenvolvidos nas negociações da Rodada do Milênio, lançada em 2001
na Conferência Ministerial de Doha. Durante as negociações em Cancún,
foi criado o Grupo G-21 sob liderança do Brasil. O grupo inclui a Índia, a
China e a África do Sul, entre outros, e tem como principal objetivo o fim
dos subsídios aos produtos agrícolas nos países desenvolvidos. Após a en-
trada e a saída de alguns países, o grupo passou a ser referido como G-20, e
sua atuação tem exercido grande influência nas negociações.36
Apesar das críticas e impasses internos, os membros da OMC pare-
cem concordar com o fato de que esses problemas devem ser enfrenta-
dos dentro da organização, e não fora. Indicativo é o fato de a organiza-
ção já ter ganhado vinte novos membros desde 1995, entre eles a Chi-
na.37 Os membros também têm demandado maior rigor na aprovação e
análise dos blocos regionais, realizada pelo Comitê sobre Acordos Regio-
nais de Comércio. A importância dessa medida pode ser avaliada pelo
fato de existirem atualmente cerca de 170 Acordos Regionais de Comér-
cio notificados na OMC, 130 dos quais após 1995, e da estimativa que
esse número chegue a 300 até 2005. É essencial para o funcionamento
da OMC que esses blocos se mantenham nos moldes do regionalismo
aberto, e não se tornem protecionistas.38
O maior desafio que a organização enfrenta para manter sua legiti-
midade parece ser a capacidade de capturar e institucionalizar as novas
demandas dos atores da política internacional, em particular da socie-
dade civil global e dos países em desenvolvimento, de forma que não
perca seu papel central no regime de comércio internacional e se torne
um arcabouço institucional vazio.

A Cooperação Funcional na Área de Direitos Humanos e o Alto


Comissariado da ONU para Direitos Humanos
Ao contrário dos outros casos vistos neste capítulo, a cooperação na
área de Direitos Humanos não é tratada em uma organização funcional
específica. O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos (OHCHR
Cooperação Funcional 151

— Office of the United Nations High Comissioner for Human Rights), a quem
poderia ser atribuído esse papel, é apenas um órgão da ONU — não é,
portanto, uma organização internacional. A maioria das organizações in-
ternacionais que atuam na área de segurança, como a própria ONU, a
OEA e a UE, trata de questões relacionadas aos direitos humanos, mas
esse não é, em geral, seu principal objetivo. Embora esse cenário possa
mudar à medida que se transforma o conceito de segurança no âmbito
dessas organizações, como visto no Capítulo 2, não podemos falar de uma
organização internacional de direitos humanos, mas de um regime inter-
nacional nessa área, que inclui uma diversidade de instituições.39
As principais instituições desse regime são aquelas que compõem o
sistema ONU, os Tratados Internacionais sobre os Direitos Humanos,
obrigatórios para seus signatários, as Cortes regionais de Direitos Hu-
manos, os tribunais penais internacionais ad hoc, e o Tribunal Penal In-
ternacional permanente, criado em 2002. Cada um desses componen-
tes do regime internacional de direitos humanos será analisado a seguir.
A ONU adotou uma perspectiva bem mais abrangente sobre os Di-
reitos Humanos do que a Liga das Nações. Embora a Carta de São Fran-
cisco se baseie no princípio da soberania estatal e da não intervenção, ela
concede um destaque aos direitos humanos já no primeiro parágrafo de
seu preâmbulo: “Nós, povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as
gerações vindouras do flagelo da guerra (...) e reafirmar a fé nos direitos
fundamentais do homem, da dignidade e no valor do ser humano, na
igualdade de direitos dos homens e das mulheres (...)”. Fruto dessa am-
biguidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em
1948, não é um Tratado Internacional, apenas uma declaração, como diz
seu nome, não tendo, portanto, caráter obrigatório. A Declaração con-
tém uma proposta de elaboração de um Tratado Internacional sobre os
direitos humanos, que nunca foi, no entanto, realizado. Com o desenvol-
vimento da Guerra Fria, cristalizou-se uma divergência central a respeito
da definição substancial dos Direitos Humanos. Enquanto para os países
ocidentais, liderados pelos Estados Unidos, maior importância era con-
cedida aos direitos civis e políticos; para o bloco comunista, os direitos
sociais e econômicos eram mais importantes. Essa divergência fez com
152 Organizações Internacionais

que, em 1966, fossem assinados dois tratados distintos: o Pacto Interna-


cional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Ambos entraram em vigor em 1976 e
são instituições centrais do regime dos Direitos Humanos.
Desde então, consolidou-se um movimento para a criação de um
Alto Comissariado na ONU nos moldes daquele já existente para refugia-
dos, mas isso ocorreu somente em 1993, na Conferência de Direitos
Humanos promovida pela ONU em Viena.
O OHCHR é chefiado pelo Alto Comissário de Direito Humanos da
ONU, que assumiu um papel de destaque na ONU, principalmente duran-
te o mandato de Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda. Seu sucessor,
Sérgio Vieira de Mello, morreu em um atentado no Iraque em 2003 onde
exercia temporariamente o cargo de Representante Especial do secretário-
geral da ONU naquele país. Louise Arbour assumiu essa posição em 2004.40
O OHCHR centraliza as atividades da ONU na área de Direitos
Humanos, funcionando como um fórum central para as diversas insti-
tuições que lidam com questões particulares. A principal distinção en-
tre essas instituições refere-se ao fato de atuarem com base na Carta da
ONU (charter-based institutions) ou com base nos Tratados Internacio-
nais (treaty-based institutions). A principal diferença entre os dois tipos
de instituição é o caráter mais político do primeiro tipo, e o mais jurídi-
co do segundo. As instituições que atuam com base na Carta são: a
Comissão de Direitos Humanos e a Subcomissão de Direitos Humanos a
ela subordinada, anteriormente chamada Subcomissão para Prevenção
de Discriminação e Proteção de Minorias.41
A Comissão de Direitos Humanos é a mais antiga instituição da ONU
para os direitos humanos, criada em 1946, e a mais importante. É com-
posta por 53 representantes governamentais eleitos pelo ECOSOC para
um mandato de três anos e é um órgão político, não jurídico. A Subco-
missão é composta por 26 especialistas eleitos pela Comissão de Direitos
Humanos sob recomendação dos Estados. A Comissão de Direitos Huma-
nos pode também eleger relatores especiais para países ou temas, tais
quais o Relator Especial para Execuções Extrajudiciais. Henry Steiner e
Philip Alston (Steiner & Alston, 2000) apontam três características das
Cooperação Funcional 153

instituições da ONU que atuam com base na Carta. A primeira seria a


maior ênfase aos direitos civis e políticos em relação aos sociais e econô-
micos, em especial no que se refere à Comissão. A segunda característica
seria a ênfase nas violações que atinjam um número grande de pessoas,
ou que são particularmente graves, tais como conflitos étnicos violentos e
declarações de leis marciais. Finalmente, essas instituições dão pouca
atenção a atividades educacionais e que estimulam a consciência a res-
peito dos direitos humanos e às prevenções das violações.
Ao contrário das instituições que operam com base na Carta da ONU,
as que operam com base nos Tratados têm um caráter mais jurídico. Essas
instituições operam com base em tratados específicos. Assim, temos o
Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Comitê de Direi-
tos Humanos (que operam com base nos dois pactos anteriormente men-
cionados), o Comitê para a eliminação da discriminação racial (conven-
ção para a eliminação de todas as formas de discriminação racial), o Co-
mitê para a eliminação da discriminação contra as mulheres (convenção
sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulhe-
res), o Comitê contra a tortura (convenção contra a tortura e outros trata-
mentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes), o Comitê dos direi-
tos da criança (convenção sobre os direitos da criança) e o Comitê sobre
trabalhadores migrantes (convenção internacional sobre a proteção dos
direitos de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias).
A principal função dos Comitês é o monitoramento do cumprimen-
to dos acordos por parte de seus signatários. Todos esses acordos, exceto
o de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, têm protocolos facultati-
vos a partir dos quais os Estados autorizam os comitês receber petições de
indivíduos. Historicamente, o mais destacado desses comitês é o Comitê
dos Direitos Humanos, devido à ênfase acordada aos direitos civis e polí-
ticos. O Comitê Econômico, Social e Cultural é o mais controverso, devi-
do a discordância a respeito de sua implementação.42
Devemos ressaltar que embora o regime de direitos humanos englobe
vários tratados internacionais obrigatórios, como os mencionados ante-
riormente, não existe uma Corte Internacional que abranja os Direitos Hu-
manos de uma forma ampla. Existem Cortes regionais, como a Corte Europeia
154 Organizações Internacionais

de Direitos Humanos, criada sob auspícios do Conselho da Europa (CdE),


com sede em Estrasburgo, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos,
criada sob auspícios da OEA, com sede em São José, na Costa Rica.
No nível internacional, a Corte Intenacional de Justica (CIJ) tem se
pronunciado sobre questões de direitos humanos, apesar de não rece-
ber petições de indivíduos. Além disso existem os tribunais penais in-
ternacionais. As primeiras iniciativas no sentido de responsabilizar cri-
minalmente indivíduos perante crimes contra a humanidade contem-
poraneamente foram os tribunais de guerra ad hoc criados no contexto
dos conflitos em Ruanda e da ex-Iugoslávia. Esses tribunais foram esta-
belecidos sob auspícios do Conselho de Segurança da ONU e se basea-
ram na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Convenção so-

ALGUNS SITES DA INTERNET DE INTERESSE:

 Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola: www.ifad.org


 Fundo Monetário Internacional: www.imf.int
 Grupo do Banco Mundial: www.worldbank.int
 Organização da Aviação Civil Internacional: www.icao.org
 Organização da ONU para o Desenvolvimento Industrial:
www.unido.org
 Organização Educacional, Científica e Cultural da ONU (UNESC0):
www.unesco.org
 Organização Internacional do Trabalho: www.ilo.org
 Organização Internacional Marítima: www.imo.org
 Organização Mundial da Saúde: www.who.int
 Organização Mundial de Propriedade Intelectual: www.wipo.int
 Organização Mundial do Turismo: www.world-turism.org
 Organização Mundial Meteorológica: www.wmo.ch
 Organização para Alimentação e Agricultura: www.fao.org
 União Internacional de Telecomunicações: www.itu.int
 União Postal Universal: www.upu.int
 Organização Mundial do Comércio: www.wto.org
 Agência Internacional de Energia Atômica: www.iaea.org
Cooperação Funcional 155

bre a Prevenção e Punição de Crimes de Genocídio, e no precedente


dos tribunais internacionais militares de Nuremberg e de Tóquio no
final da Segunda Guerra Mundial. O mais importante precedente dos
tribunais militares foi estender o escopo tradicional do direito humani-
tário, adicionando o direito penal às normas de Genebra e Hague, mas
foram, no entanto, iniciativas predominantemente políticas, dos ven-
cedores da guerra, principalmente os Estados Unidos. Ainda assim, os
tribunais militares introduziram o conceito legal de crime contra a hu-
manidade no direito internacional consuetudinário.
Em 1993, ainda durante o conflito na ex-Iugoslávia, o Conselho de
Segurança confirmou sua decisão de estabelecer um tribunal penal in-
ternacional com o instrumento para manutenção da paz e segurança,
sob o Capítulo VII da Carta da ONU. Em 1994, o Conselho de Seguran-
ça criou um órgão similar para lidar com os crimes cometidos durante o
conflito em Ruanda. Nenhum dos dois tribunais tem, no entanto, um
mecanismo de imposição para execução de suas sentenças, e ambos
dependem da cooperação voluntária dos Estados-parte da ONU para a
realização de seu trabalho.
Nesse contexto se consolidou o movimento a favor da criação de
uma instituição permanente, curiosamente, sob a liderança inicial de
um pequeno país, Trinidad e Togago, que enfrentava problemas crimi-
nais relacionados ao tráfico de drogas. Finalmente, em junho de 1998,
120 Estados iniciaram as negociações para a criação do Tribunal Penal
Internacional, e aprovaram seu estatuto após cinco semanas de traba-
lhos árduos. O estatuto entrou em vigor em julho de 2002 e o Tribunal
foi criado com sede na cidade de Hague. Embora o Tribunal já tenha
sido ratificado por mais de 94 Estados (até maio de 2004), entre os que
não o fizeram estão os Estados Unidos, o que tem sido apontado como
fator que compromete sua efetividade.43

Leituras para Continuar seu Estudo


Claude, Inis Jr., Swords into Plowshares: The Problems and Progress of International Organization,
Nova York, McGraw-Hill, 1984.
Schachter, Oscar & Christopher C. Joyner, United Nations Legal Order, Cambridge University
Press, 1995.
156 Organizações Internacionais

Steiner, Henry J. & Philip Alston, International Human Rights in Context. Law, Politcs, Morals,
Oxford University Press, 2000.
Thorstensen,Vera, Organização Mundial do Comércio. As regras do comércio internacional e a Ro-
dada do Milênio, Rio de Janeiro, Aduaneiras, 1999.

Notas
1. Para a definição de regime veja o Capítulo 1. Sobre a relação entre regimes e organizações
internacionais veja o livro de Volker Rittberger (Rittberger, 2004).
2. No contexto do movimento para criação de uma Nova Ordem Econômica Internacional,
os países em desenvolvimento buscaram reestruturar os fluxos de informações no mundo,
que viam como sendo unilaterais: do “Norte” para o “Sul”. Além desse objetivo mais geral,
surgiram disputas específicas sobre o funcionamento da UNESCO, em particular a
abrangência de suas atividades. Para mais detalhes veja o artigo de Kittel e outros (Kittel et
al., 1995).
3. Essa questão é tratada principalmente na literatura de regimes internacionais. Teóricos
críticos ao conceito liberal de regime internacional, como por exemplo Susan Strange
(Strange, 1982) e Robert Cox (Cox, 1983, 1986, 1987) que apontam para os conflitos in-
trínsecos entre regimes internacionais tais como entre o de comércio e de meio ambiente.
4. Sobre o debate a respeito das normas brandas veja, por exemplo, os artigos de Kenneth
Abbot e Ducan Snidal (Abbot & Snidal, 2000) e Hartmut Hillgenberg (Hillgenberg, 1999).
5. League of Nations, 1935, p. 31.
6. Sobre a OIT veja os livros de Ernst Haas (Haas, 1964) e Craig Murphy (Murphy, 1994).
7. Para uma listagem completa das Conferências Internacionais da ONU veja o site: http://
www.un.org/esa/coordination/ecosoc/puc.htm. Da iniciativa de cooperação com as organiza-
ções de Bretton Woods, surgiu, por exemplo, a proposta para realização da Conferência
Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento em 2002, no México (Monterrey).
Sobre o papel das conferências internacionais para democratização da política internacio-
nal veja o Capítulo 6.
8. Em ambos os casos o status de Agência Especializada da ONU exigiu mudanças em sua
estrutura interna e a introdução de um órgão supervisor que se encontrasse anualmente
para prover uma continuidade entre os encontros entre plenipotenciários (Lyall, 1996).
9. Podemos distinguir dois tipos de serviços de telecomunicações. O primeiro são as teleco-
municações realizadas por meio de cabos e fibras ópticas, que requerem a instalação de
redes físicas que devem conectar as partes que desejam se comunicar. O segundo são as
telecomunicações realizadas por ondas de rádio, que são transmitidas pelo ar. Nesse últi-
mo caso, podemos perceber a relação entre a cooperação na área de telecomunicações e a
cooperação sobre o uso do espaço internacional, já que as ondas de rádio de alta frequência
são cada vez mais enviadas com a intermediação de satélites, e que esses precisam ser
colocados em órbita para funcionarem, sendo a posição orbital um recurso escasso.
10. Sobre a Internet, veja os artigos de Christoph Knill e Dirk Lehmkuhl (Knill & Lehmkuhl,
2002) e de Simon Craig (Craig, 1998).
11. Para mais informações sobre as atividades das três divisões da UIT veja seu site: www.iut.org.
12. Lyall, 1996, p. 818.
Cooperação Funcional 157

13. Veja a íntegra da declaração “Shaping Information Society for Human Needs” no site da
conferência: http://www.itu.int/wsis/documents/doc_multi.asp?lang=en?&id=1179|1208.
14. Desde a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana
da Saúde também serve como escritório regional para as Américas da OMS no seu secreta-
riado em Washington, sendo, portanto, reconhecida como parte do sistema da ONU. Para
mais detalhes sobre a Organização Pan-Americana veja seu site: http://www.paho.org
15. Para mais detalhes sobre a relação entre saúde e direitos humanos veja o artigo de Katarina
Tomasevski (Tomasevski, 1995).
16. Veja o artigo de Caroline Thomas & Martin Weber (Thomas & Weber, 2004).
17. Para uma descrição precisa da definição das condicionalidades veja o dicionário (Factsheet)
no site do FMI: http://www.imf.org/external/np/exr/facts/conditio.htm.
18. Sobre essa questão, veja o artigo de M. Heywood (Heywood, 2002).
19. Por Pós-Consenso de Washington se entende o reconhecimento, por parte, principalmen-
te, do Banco Mundial e do FMI dos problemas relacionados ao modelo econômico e as
condicionalidades impostas aos países beneficiários de seus créditos após as crises nos
países em desenvolvimento da Ásia, América Latina e Rússia, que seguiam seu receituário
econômico no final da década de 1990.
20. Stein, 2001, p. 497.
21. No Brasil, por exemplo, alguns desses centros são a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio
de Janeiro, o Instituto Evandro Chagas em Belém, o Instituto Nacional do Câncer e vários
centros de pesquisa em universidades tais como a PUC de Porto Alegre e a USP. Para uma lista
completa veja o site da OMS.
22. Veja o artigo de John Peabody (Peabody, 1995).
23. É interessante notar que o princípio da obrigatoriedade de notificação, juntamente com a
restrição da imposição de medidas excessivas por parte de terceiros substituíram as
regulações anteriores de “quarentena” para objetos e pessoas, pois foi comprovado que o
fechamento das fronteiras estatais não impedia o alastramento de epidemias, já que vírus e
bactérias podem atravessá-las de diversas formas incontroláveis. Para mais detalhes veja o
artigo de Katarina Tomasevski (Tomasevski, 1995).
24. Thomas & Weber, 2004, p. 188. Sobre a AIDS, veja também o livro de Leon Gordenker
(Gordenker et al., 1995).
25. Sobre a campanha da amamentação veja o artigo de Kathryn Silkkink (Sikkink, 1986). A
autora demonstra a importância da atuação da OMS e da UNICEF para combater a promo-
ção comercial de alimentação infantil em substituição à amamentação na década de 1970,
com efeito prejudicial claro à saúde nos bebês. A campanha culminou com a criação do
Código Internacional para o Marketing de Substitutos do Leite Materno, adotado por ambas
organizações em 1981 (a caráter não obrigatório), e o comprometimento de uma das maio-
res empresas multinacionais na área, a Nestlé, em cumpri-lo, em 1984.
26. A SARS é um tipo atípico de pneumonia e reconhecido em fevereiro de 2003. Até julho de
2003, quando o surto foi controlado, haviam sido reportados cerca de 8.000 casos, sendo 774
mortais a maioria na China (incluindo Hong Kong e Taiwan), Cingapura e Canadá. Em julho
de 2004 o Secretário de Saúde de Hong Kong Yeoh Eng Kiong foi demitido sob alegação de
má condução da política pública no caso da SARS. Para mais detalhes veja o site da OMS:
http://www.who.int/csr/sars/en/.
27. Sobre o debate regionalismo versus multilateralismo veja o Capítulo 5.
158 Organizações Internacionais

28. Todos os textos dos acordos podem ser acessados no site da OMC: http://www.wto.org/english/
docs_e/legal_e/legal_e.htm.
29. Para a crítica ao princípio do single undertaking veja o artigo de Ngaire Woods e Amrita
Narlikar (Woods & Narlikar, 2001).
30. Se o consenso não for atingido, deve ser feita votação por maioria simples. A votação tem
sido usada em poucas ocasiões, como a aprovação de concessões de obrigações (waivers)
(Stein, 2001, p. 501).
31. Deve-se destacar que, no caso da União Europeia, ela atua mais do que um grupo nas
negociações em que a Comunidade Europeia possui competências exclusivas, já que acumula
de fato os votos de seus Estados-membro. Sobre a representação da UE nas organizações
internacionais veja o Capítulo 5.
32. O Grupo de Cairns foi criado em 1986 por iniciativa da Austrália para coordenar a posição
de seus membros sobre as negociações de produtos agrícolas durante a Rodada Uruguai.
Após a conclusão da mesma, o grupo continuou a trabalhar na promoção e implementação
dos compromissos acordados e submeteu propostas comuns em outras rodadas. Os mem-
bros originais eram a Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Fiji, Hungria,
Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Filipinas, Tailândia e Uruguai. O Paraguai, Bolívia,
África do Sul, Costa Rica e Guatemala foram incorporados posteriormente, embora Fidji e
a Hungria tenham saído. Para uma discussão sobre as perspectivas do Grupo de Cairns
veja o artigo de Vaillant e Nin (Vaillant & Nin, 2002), e para as suas atividades veja o site:
www.cairnsgroup.org. Para o G-21 veja adiante.
33. Woods & Narlikar, 2001, p. 573.
34. Sobre a mobilização em Seattle e o termo “Consenso de Washington” veja o Capítulo 6.
35. Este tema é controverso, alguns países em desenvolvimento não veem essa prática como um
elemento democratizante. Veja, por exemplo, o artigo de Veena (Veena, 1999)
36. Sobre a formação do G-X veja, por exemplo, o artigo do ministro Roberto Rodrigues
(Rodrigues, 2003).
37. Os vinte novos membros são: Albânia, Armênia, Bulgária, Camboja, China, Croácia, Equa-
dor, Estônia, FYR Macedônia, Geórgia, Jordan, República Kyrgyz, Lituânia, Látvia, Moldávia,
Mongólia, Nepal, Omã, Panamá, Taipei Chinesa. Sobre a entrada da China na OMC veja,
por exemplo, os artigos de Qingjiang Kong (Kong, 2000) e Jadgish Bhagwati (Bhagwati,
2000).
38. Sobre o regionalismo aberto veja o Capítulo 5.
39. Sobre as origens do regime internacional de direitos humanos e seu impacto sobre as
sociedades domésticas estatais, veja as obras de Andrew Moravisik (Moravisik, 2000) e
Thomas Risse et al. (Risse et al, 1998). Sobre a evolução do papel dos direitos humanos na
ONU, veja também o artigo do secretário Kofi Annan, Two concepts of sovereinty no site:
www.um.org/overview/SG/kaecon.htm
40. O primeiro Alto Comissário foi José Ayala-Lano (mandato de 1994 a 1997).
41. Para detalhes sobre essas instituições veja o livro de Henry Steiner e Philip Alston (Steiner
& Alston, 2000).
42. Veja o debate sobre a justiciabilidade no livro de Henry Steiner e Philip Alston (Steiner &
Alston, 2000, pp. 275-300).
43. Sobre o Tribunal veja os artigos de Antônio Cassesse et al. (Cassesse et al., 2002) e M.C.
Bassiouni (Bassiouni, 2002) e de Spires Economics (Economics, 2001).
CAPÍTULO

5
Integração Regional

P RINCIPAIS QUESTÕES ABORDADAS :

 O que é integração regional.


 Quando ocorreram as duas ondas de regionalismo e qual a diferen-
ça entre elas.
 A relação entre regionalismo e multilateralismo.
 Como se desenvolveu e quais os maiores obstáculos para a consoli-
dação dos processos de integração regional na Europa e no Cone
Sul da América Latina.
 As principais caraterísticas do desenho institucional da União
Europeia e do Mercosul.

O Conceito de Integração Regional


O termo integração regional envolve dois conceitos básicos:
integração e região. Uma região pode ser definida por critérios econô-
micos, socioculturais, político-institucionais, climáticos, entre outros,
mas remete necessariamente a uma localidade territorial onde essas ca-
racterísticas ocorrem. Essa localidade pode ser geograficamente contí-
nua, ou não, e pode mudar ao longo do tempo, o que dificulta a deter-
160 Organizações Internacionais

minação das fronteiras de certas regiões, mas o importante a ser desta-


cado é que uma região tem sempre uma correspondência territorial.1
A integração pode ser definida como um processo ao longo do qual
atores, inicialmente independentes, se unificam, ou seja, se tornam par-
te de um todo. Os atores envolvidos em um processo de integração po-
dem ser classificados segundo dois critérios. Primeiramente, podem ser
governamentais ou não governamentais, ou seja, serem representantes
de governos, ou da sociedade civil. Em segundo lugar, podem ser nacio-
nais, subnacionais ou transnacionais. Um exemplo de ator nacional go-
vernamental são os setores executivos dos Estados. Já entre os atores
nacionais não governamentais, podem ser citadas federações nacionais
de indústria, agricultura ou comércio e ONGs de abrangência nacional.
Entre os atores subnacionais governamentais, encontram-se os gover-
nos estaduais e municipais, e entre os atores subnacionais não governa-
mentais, ONGs regionais e federações estaduais de indústria, agricultu-
ra ou comércio. Um exemplo de ator governamental transnacional são
as organizações transnacionais compostas por prefeitos ou governado-
res.2 Exemplos de atores transnacionais não governamentais são as
ONGs internacionais e redes acadêmicas compostas por membros de
dois ou mais Estados.
Levando-se em conta os conceitos analisados, podemos definir a
integração regional como um processo dinâmico de intensificação em pro-
fundidade e abrangência das relações entre atores levando à criação de
novas formas de governança político-institucionais de escopo regional.

DEFINIÇÃO DE INTEGRAÇÃO REGIONAL:

É um processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência


das relações entre atores levando à criação de novas formas de governança
político-institucionais de escopo regional.

Deve-se destacar que os processos de integração regional podem,


ou não, “gerar” organizações regionais.3 Uma organização de integração
regional é um resultado institucional específico de um processo de
Integração Regional 161

integração regional, que inclui um documento básico constituinte e a


criação de uma sede com um secretariado permanente. É importante
destacar que embora uma grande variedade de atores, como os anterior-
mente mencionados, possam ter um papel determinante para o estímu-
lo e para o sucesso de um processo de integração regional, sua institu-
cionalização na forma de uma organização é conduzida por governos
nacionais de Estados. Apesar de as organizações de integração regional
serem criadas por governos de Estados e, nesse sentido, poderem ser
classificadas como intergovernamentais, seu formato jurídico institucional
pode ser supranacional, ou seja, pode limitar o escopo da soberania dos
Estados nas atividades exercidas pela organização.
Outra questão importante sobre a integração regional é que ela en-
globa a cooperação em diversas áreas temáticas: político-institucional,
sociocultural, econômica. O escopo das atividades de cooperação de uma
organização de integração regional é, portanto, bastante amplo. Aqui fica
clara a distinção entre uma organização regional funcional ou de seguran-
ça e uma organização de integração regional. Enquanto as primeiras são
organizações com uma abrangência temática específica, a última se refere
a organizações criadas no contexto de um processo de integração regio-
nal, que abrangem várias áreas temáticas de cooperação.
Com base nessa definição, devemos distinguir uma organização de
integração regional de acordos regionais de integração econômica que
visam a criar áreas de livre-comércio, uniões aduaneiras, mercados co-
muns ou uniões monetárias. Ainda que a integração econômica possa
ser promovida intencionalmente como uma etapa de um processo de
integração regional, como o advogado pelos funcionalistas, a integração
regional, como aqui definida, envolve também questões sociais, políti-
cas e culturais. Além disso, acordos de integração econômica não preci-
sam estabelecer organizações regionais com sedes permanentes para
administrar suas atividades (embora quanto maior for a profundidade
da integração, principalmente no caso de mercados comuns e uniões
monetárias, mais a ausência de uma organização parece comprometer
sua própria eficácia).
162 Organizações Internacionais

TIPOS DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA:

 Área de livre-comércio: As tarifas comerciais entre seus membros


são eliminadas, mas cada um possui tarifas comerciais diferencia-
das com terceiros.
 União aduaneira: É uma área de livre-comércio com uma tarifa
externa comum.
 Mercado comum: Além da tarifa externa comum, promove também
a harmonização da política comercial e livre circulação de serviços,
capitais e pessoas.
 União monetária: Mercado comum, e acrescentando-se uma moe-
da comum a harmonização da política monetária.

Historicamente, as organizações regionais funcionais, de seguran-


ça e de integração regional, e os acordos de integração econômica po-
dem surgir concomitantemente. Esse fenômeno é chamado de “regio-
nalismo”. O termo regionalismo é bastante amplo, englobando esses
três tipos de resultado institucional, bem distintos, mas que têm como
referencial comum o fato de envolverem atividades no âmbito de uma
região geográfica específica, e não no âmbito universal/global.
O fenômeno do regionalismo é associado a dois períodos históri-
cos, conhecidos como primeira e segunda onda de regionalismo.4 A pri-
meira onda iniciou-se no pós-guerra, e embora seu vigor tenha sido
maior até a década de 1970, engloba também os acordos e organizações
criados até o início da década de 1980:5

Na Europa — Organização Europeia de Cooperação Econômica, em


1948 (renomeada Organização para Cooperação e Desenvolvimen-
to Econômico (OCDE) em 1960), União Ocidental, em 1948
(renomeada União da Europa Ocidental (WEU) em 1955), Conse-
lho da Europa (CdE), em 1949, Organização do Tratado do Atlân-
tico Norte (OTAN), em 1949, Comunidade Europeia do Carvão e
Integração Regional 163

do Aço (CECA), em 1952; Comunidade Econômica Europeia (CEE)


e Comunidade Europeia de Energia Atômica (EURATOM) em 1958,
Área de Livre-Comércio Europeia, em 1960; Conselho para Assis-
tência Econômica Mútua (COMECON) em 1949; o Pacto de Var-
sóvia, em 1955; e a Organização para Segurança e Cooperação na
Europa (OSCE), em 1975.
Nas Américas — Tratado Interamericano de Defesa (TIAR, ou Pacto do
Rio) em 1942, Organização dos Estados Americanos (OEA), em
1948; Mercado Comum da América Central, em 1960; Associação
Latino-Americana de Livre-Comércio (ALALC), em 1960; Pacto
Andino, em 1969; Comunidade Caribenha, em 1973; Sistema Eco-
nômico Latino-Americano (SELA), em 1975; Associação Latino-
Americana de Integração (ALADI), em 1980; e Organização dos
Estados do Leste Caribenho, em 1981.
Na Ásia — Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO), em
1954; e Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), em
1967.
Na África — Organização da União Africana (OUA), em 1963; União
Econômica e Aduaneira da África Central, em 1964; Comunidade
Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS), em 1975;
Comunidade Econômica dos Estados dos Grandes Lagos, em 1976;
Comunidade Econômica dos Estados da África Central, em 1983; e
União Árabe do Magreb, em 1989.
No Oriente Médio — Liga dos Estados Árabes, em 1945; Organização
dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPEC), em 1960; Or-
ganização da Conferência Islâmica, em 1969, Organização Árabe
para o Desenvolvimento Agrícola, em 1970; e Conselho de Coope-
ração para os Estados Árabes do Golfo, em 1981.

No que se refere aos aspectos de segurança, o surgimento da pri-


meira onda de regionalismo foi fortemente influenciada pela estratégia
164 Organizações Internacionais

promovida pelos Estados Unidos no pós-guerra. Várias organizações e


alianças, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e
Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO), foram propostas
ou promovidas pelos Estados Unidos para conter o comunismo. O caso
da OEA foi diferente, pois sua criação refletiu principalmente o tradi-
cional interesse dos países latino-americanos de institucionalizar o prin-
cípio da não intervenção, contra possíveis interferências por parte, en-
tre outros, dos Estados Unidos. A criação de organizações regionais de
segurança não era percebida como uma ameaça ao sistema universal de
segurança e sim como complementar, desde que respeitando a hierar-
quia prevista no Capítulo VIII da Carta da ONU, que concede primazia
ao Conselho de Segurança e obriga as organizações regionais a mantê-lo
informado sobre suas atividades.6
Já no que se refere aos aspectos econômicos, a primeira onda de
regionalismo ficou conhecida como regionalismo “fechado”. Esse tipo
de regionalismo foi promovido como uma estratégia de desenvolvimen-
to econômico, dado que a percepção era de que os regimes econômicos
internacionais, principalmente o de comércio, promovido pelo GATT,
não atendiam a essa necessidade. A principal ideia que sustentava o
regionalismo fechado era que os países mais atrasados não podiam con-
correr em igualdade com os mais desenvolvidos e precisavam de incen-
tivos especiais para promoção de sua industrialização. Essa tese foi de-
fendida por organizações funcionais da ONU, como a UNCTAD e a
CEPAL, ainda que na Carta da ONU nada constasse a respeito da rela-
ção entre a integração econômica regional e a cooperação multilateral.7
Já no Acordo GATT de 1947, essa questão foi tratada em seu artigo 24,
que prevê a aprovação de áreas de livre-comércio e uniões aduaneiras,
desde que não em prejuízo do sistema multilateral.8 No caso do proces-
so de integração na Europa, posto que a ideologia do regionalismo fe-
chado não fôsse uma motivação explícita, a liberalização comercial in-
terna acabou por ser discriminatória na medida em que não foi acompa-
nhada pela liberalização externa, levando à percepção de que a Europa
estava se transformando em uma “fortaleza” (Fortress Europe).
Integração Regional 165

A relação entre regionalismo e universalismo/multilateralismo na


área comercial permanece polêmica, já que os estudos sobre a criação/
diversão de comércio são inconclusivos. Alguns autores, como Anne
Krueger (Krueger, 1995), defendem que são atividades complementares
e mutuamente benéficas, e outros, como Jagdish Bhagwati (Bhagwati,
1991), defendem que são incompatíveis e que a proliferação de acordos
e organizações regionais representa uma ameaça ao sistema multilateral,
a custa do crescimento econômico global.9
A partir de meados da década de 1970, a onda de regionalismo se
enfraqueceu. A crise econômica global, propulsionada pelo fim do siste-
ma de Bretton Woods, e as crises do petróleo e da dívida do terceiro
mundo provocaram uma profunda mudança na conjuntura internacio-
nal. Na América Latina (e Ásia), a estratégia protecionista de substitui-
ção de importações foi levada adiante e o regionalismo deixado para
segundo plano. Os Estados Unidos e o Reino Unido se engajaram na
promoção da desregulamentação e liberalização no âmbito global, que
acabaram por ter um profundo impacto sobre os fluxos econômicos
internacionais. O processo de integração na Europa, que já passava por
um período delicado, sofreu uma verdadeira estagnação com a recessão
econômica, como será visto adiante.
Somente na segunda metade da década de 1980, com o fim da
Guerra Fria, com a recuperação econômica global e a aceleração do pro-
cesso de globalização, é que a integração regional foi retomada, dando
origem a uma “nova onda de regionalismo”.10 Nesse período, foram cria-
das novas organizações e acordos de integração e outras já existentes
foram revigoradas, como pode ser visto a seguir:11

Na Europa — Assembleia do Báltico, em 1991; Conselho dos Estados


do Báltico, em 1992; Área Econômica Europeia, em 1992; e União
Europeia (UE) em 1992.
Nas Américas — Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA),
em 1989; Sistema de Integração na América Central, em 1991; Merca-
166 Organizações Internacionais

do Comum do Cone Sul (Mercosul) em 1991; Associação dos Esta-


dos Caribenhos, em 1994; Área de Livre-Comércio do Grupo de
Três (G3), em 1995; e Comunidade Andina (CAN), em 1997.
Na Ásia — Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), em 1989;
Comunidade dos Estados Independentes (CIS), em 1992; e Co-
missão do Rio Meking, em 1995.
Na África — Comunidade do Sudeste Asiático para o Desenvolvimen-
to (SADC), em 1992; Comunidade Econômica e Monetária da África
Central, em 1994; Mercado Comum da África Oriental e do Sul
(COMESA), em 1994; União Econômica e Monetária da África Oci-
dental, em 1994; Comunidade da África Oriental, em 1999; e União
Africana (AU), em 2002.

No campo da segurança, embora o fim da Guerra Fria tenha possi-


bilitado inicialmente uma maior atuação do Conselho de Segurança, as
organizações regionais também foram revigoradas, vistas como comple-
mentares aos esforços no nível multilateral universal. A mudança do
conceito de segurança, que passou a abarcar uma série de questões como
a democracia, os direitos humanos e o meio ambiente, também ampliou
o espaço para atuação dessas organizações.12
No que se refere aos aspectos econômicos, a maior motivação para
esse novo impulso de regionalismo foi a busca de uma melhor inserção
na economia internacional no contexto do processo de globalização eco-
nômica. O termo regionalismo aberto se refere ao fato de que os proces-
sos regionais de integração econômica passaram a ser vistos como eta-
pas intermediárias para a liberalização multilateral e não como fins em
si mesmos. Nesse sentido, os blocos regionais passam a promover a
liberalização entre eles, ou seja, não apenas uma liberalização
intrarregional, mas também inter-regional. A União Europeia, por exem-
plo, concluiu uma série de Acordos de Associação com diversas regiões
do mundo com esse objetivo, como será visto adiante. Ao contrário da
Integração Regional 167

primeira onda, os Estados Unidos foram um dos principais promoto-


res do novo regionalismo econômico ao proporem a criação do NAFTA,
APEC e posteriormente a ALCA.13

REGIONALISMO ECONÔMICO ABERTO E FECHADO:

 O regionalismo econômico aberto é visto como uma etapa intermedi-


ária para a liberalização econômica multilateral, e não como um fim
em si mesmo. É, portanto, complementar ao regime de comércio
promovido pelo GATT/OMC.
 O regionalismo econômico fechado promove o protecionismo no ní-
vel regional, confrontando o regime de comércio promovido pelo
GATT/OMC.

No início do século XXI, a crença otimista do regionalismo aberto


como forma de promover o desenvolvimento econômico diminuiu,
principalmente após as crises econômicas na Ásia e na América Latina
e o crescente questionamento no México, sobre os efeitos do NAFTA.14
Na Europa, no entanto, apesar dos obstáculos, fica claro que o proces-
so de integração atingiu um grau de desenvolvimento incomparável
com os demais. Esse descompasso entre o processo de integração na
Europa e no resto do mundo tem contribuído para destacar o caráter
específico dessa integração, e questionar o sentido em se comparar
processos tão distintos.15
A despeito do pessimismo sobre o desenvolvimento dos processos
de integração além da UE, o regionalismo continua sendo visto como
uma alternativa viável para manutenção da ordem e estabilidade da polí-
tica internacional, dada a crise das instituições multilaterais universais de
governança global e a crescente unipolaridade do sistema internacional.
No restante deste capítulo serão analisados os processos de
integração na Europa e no Cone Sul da América Latina que incluíram a
criação de organizações de integração regional.
168 Organizações Internacionais

Integração Regional na Europa: a União Europeia


O processo de integração na Europa englobou a criação de várias
instituições e organizações regionais, culminando na criação da União
Europeia (UE) em 1993, quando entrou em vigor o Tratado de
Maastricht. Independentemente de sua institucionalização, a ideia de
integração na Europa tem origens históricas distantes. No século XIX,
pode-se mencionar o projeto do Conde Henri de Saint-Simon, prepa-
rado para o Congresso de Viena de 1815, que propôs a criação de uma
organização europeia nos moldes de uma confederação, iniciando-se
com a aproximação entre a França e a Inglaterra. Embora o projeto
tenha despertado interesse de intelectuais, não teve nenhum impacto
sobre as decisões finais do Congresso, que impôs uma visão de Europa
fundada sobre o princípio da legitimidade das dinastias e do equilíbrio
de poder entre os grandes Estados europeus.16
Em reação ao sistema imposto pelo Congresso, proliferaram pro-
jetos defendendo a ideia da integração na Europa como os de Béranger,
Mazzini, Pierre Leroux, Frédéric Bastiat, Carlo Cattaneo, Joseph
Proudhon e Constantin Frantz. Após a Primeira Guerra, no espírito de
cooperação lançado pela Liga das Nações, alguns esforços foram reto-
mados, em particular a proposta do então ministro de relações exte-
riores da França, Aristide Briand. Foi necessário, no entanto, que o
continente passasse por mais uma guerra para que os projetos de inte-
gração europeia fossem transformados em políticas concretas. Antes
mesmo do fim da Segunda Guerra, circulavam projetos de integração
como os propostos por ativistas políticos da resistência não comunis-
ta, como Walter Lipgens, Altiero Spinelli, Ernesto Rossi e León Blum,
e políticos exilados, como o ministro de relações exteriores belga Paul-
Henri Spaak. Nesse contexto, foi criado, por um Tratado concluído
em Londres em setembro de 1944, o Benelux, uma organização regio-
nal entre a Bélgica, os Países Baixos e Luxemburgo compreendendo
uma união aduaneira.17
Inicialmente, os Estados Unidos resistiram à ideia de integração
regional na Europa, já que o presidente Roosevelt defendia a criação de
Integração Regional 169

uma organização universal, a Organização das Nações Unidas, e não


organizações regionais para institucionalizar a cooperação entre os Es-
tados. Contudo, com a configuração do conflito leste-oeste e a criação
do bloco soviético, a política norte-americana se alterou rapidamente.
O Plano Marshall, criado em abril de 1948 como um programa de aju-
da à recuperação europeia, já incluiu como requisito a cooperação en-
tre os Estados europeus. Com o objetivo de facilitar a implementação
dessa cooperação, os dezesseis países classificados como receptores de
fundos do Programa, — Reino Unido, França, Benelux, Turquia, Grécia,
Itália, Portugal, Irlanda, Áustria, Suíça, Suécia, Noruega, Dinamarca e
Islândia — criaram a Organização Europeia de Cooperação Econômica
(OECE), com sede em Paris, que pode ser considerada a primeira organi-
zação regional gerada no contexto do processo de integração na Europa.
Apesar de o nome sugerir uma ênfase na cooperação econômica, o pre-
âmbulo do tratado constituinte dessa organização deixa claro que a coo-
peração econômica era vista como instrumental para atingir os objetivos
de paz e de liberdades individuais acordados na Carta da ONU.18
Pouco antes da criação da OECE, em março de 1948, foi assinado,
também com apoio e incentivo dos Estados Unidos, o Tratado de Bruxe-
las entre o Reino Unido, França e países do Benelux, criando uma orga-
nização regional chamada União Ocidental (UO). O Tratado incluiu a
cooperação econômica, social e cultural e também um artigo de defesa
coletiva (artigo 4), sendo essa a primeira iniciativa de cooperação na
área de defesa entre países europeus após a guerra. Apesar de ser
revitalizada em 1954, como será visto adiante, a UO passou a funcionar
como um apêndice da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN).
Uma terceira organização regional criada no âmbito do processo
de integração na Europa, e que funciona até o presente momento, foi o
Conselho da Europa (CdE). Seu tratado constituinte foi assinado em
maio de 1949 entre Reino Unido, França, países do Benelux, Itália, Ir-
landa, Dinamarca, Noruega e Suécia, e previu um campo de atuação
bem vasto, excluindo, porém, as questões de defesa.19 Apesar de tam-
170 Organizações Internacionais

bém ter sido apoiado pelos Estados Unidos, o CdE foi uma iniciativa
mais diretamente impulsionada por forças europeias. Além do papel
decisivo dos governos europeus, em especial o inglês e o francês, deven-
do-se destacar a atuação do então ministro de relações exteriores da
França, Robert Schuman, a sociedade civil, articulada no chamado Mo-
vimento Europeu, também teve grande influência sobre o processo de
integração.
A criação do Movimento Europeu, na Conferência de Haia em maio
de 1948, representou o apogeu da cooperação entre diversos grupos de
intelectuais e políticos a favor da integração regional. Entre os principais
grupos se destacaram: a União Europeia dos Federalistas, o Movimen-
to para uma Europa Unida, a Liga Europeia de Cooperação Econômi-
ca, as Novas Equipes Internacionais, o Movimento Socialista pelos Es-
tados Unidos da Europa e a União Parlamentar Europeia.20 Apesar do
consenso sobre ideia e a institucionalização da integração regional, o
movimento incluía orientações bem diversas quanto ao desenho
institucional específico que suas organizações deveriam ter. O princi-
pal eixo de divergência se referia à soberania dos Estados, questão que
sempre foi e continua sendo o principal foco de conflitos e polêmicas
no processo de integração regional europeu. De um lado, havia os de-
fensores da manutenção do tradicional formato intergovernamental,
ainda que na forma de uma confederação e de outro, os federalistas,
subdivididos entre maximalistas, defensores de uma constituição
europeia que incluísse uma divisão clara de competências; e modera-
dos, favoráveis à transferência de soberania progressiva e negociada para
os órgãos supranacionais.
Nesse contexto, Robert Schuman proferiu seu famoso discurso de
9 de maio de 1950. No discurso, ele propõe a criação de uma organiza-
ção supranacional para coordenar a produção de carvão e aço da França
e da Alemanha, aberta a outros países europeus interessados em partici-
par dessa iniciativa.21 A produção siderúrgica não apenas representava o
principal setor no processo de industrialização e desenvolvimento eco-
Integração Regional 171

nômico, como também tinha um caráter simbólico por ser um setor


estratégico na produção de armamentos. O caráter setorial da organi-
zação proposta marcou também a implementação de uma nova estra-
tégia para o processo de integração regional, baseada nos escritos
funcionalistas em voga na época que, como vimos, também influencia-
vam a criação das agências especializadas da ONU e cuja principal ideia
era que a cooperação seria mais fácil de ser atingida se iniciada em
setores mais técnicos e menos politizados.22
O projeto funcionalista de integração europeia, embora levado a
cabo por Robert Schuman, tinha como principal mentor o francês, en-
tão comissário-geral do Plano de Modernização e de Equipamento, Jean
Monnet. Defensor do processo de integração já desde a Segunda Guer-
ra, Monnet acreditava que era essencial impedir a reconstrução da sobe-
rania econômica dos Estados europeus e que a prosperidade e o pro-
gresso social dependeriam de seu reagrupamento em uma entidade eco-
nômica comum e, posteriormente, uma verdadeira federação europeia.
O projeto de Monnet e Schuman recebeu apoio do então chanceler
alemão Konrad Adenauer. Na Alemanha, ocupada pelas forças aliadas,
os empresários propunham a internacionalização das usinas siderúrgi-
cas como alternativa ao seu desmonte completo, proposta pelos vence-
dores.23 Quatro outros países demonstraram interesse na proposta de
Schuman: a Itália e Luxemburgo, que foram os mais entusiastas, a Bélgi-
ca, que apesar da apreensão por razões econômicas, preferiu discutir
suas críticas dentro da organização, e os Países Baixos, que receavam a
perda de soberania mas também não queriam ser excluídos. O Reino
Unido, embora fosse o principal produtor de carvão e de aço na época,
resistiu fortemente a participar de um projeto de caráter supranacional.24
Foram portanto apenas esses seis países, França, Alemanha, Itália,
Luxemburgo, Bélgica e Países Baixos, que fizeram parte da Conferência
sobre o Plano Schuman, aberta em 20 de junho de 1950, em Paris, para
negociar a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA).
Apesar de seus objetivos imediatos terem um caráter meramente eco-
172 Organizações Internacionais

nômico, a CECA foi criada como a primeira etapa de um processo que


deveria culminar na integração política nos moldes de uma federação
supranacional.
A Guerra da Coreia, iniciada apenas cinco dias após a Declaração
de Schuman, e o acirramento da Guerra Fria acabaram por trazer aos
debates a possibilidade de incluir no projeto a cooperação político-mili-
tar. A tentativa de gerar uma política de defesa comum, incluindo a
criação de um exército europeu e um ministro europeu de defesa, pro-
movida pelo primeiro ministro francês René Pleven, foi, no entanto,
frustrada. Entre os fatores determinantes do fracasso do chamado Plano
Pleven, estava a complexa questão do rearmamento alemão, também
presente nas negociações para a criação da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN). Apesar de, no curso das negociações, ter sido
proposto o fim da ocupação e a reconquista da soberania integral da
Alemanha como uma etapa para possibilitar sua participação no que
seria a Comunidade Europeia de Defesa, seu tratado constitutivo, assi-
nado em junho de 1952, acabou não sendo ratificado pela Assembleia
Nacional francesa, em agosto de 1954.25
Já o Tratado de Paris, assinado em abril de 1951, propondo a cria-
ção da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), entrou em
vigor em julho de 1952, não tendo havido dificuldades no processo de
ratificação. O principal órgão da CECA, a Alta Autoridade, tinha pode-
res supranacionais em diversas áreas, detalhadamente definidas no Tra-
tado. Deve-se destacar que o artigo 9 do Tratado dispõe que seus mem-
bros deveriam exercer suas funções em plena independência pelo inte-
resse geral da Comunidade, não devendo solicitar nem aceitar instru-
ções de nenhum de seus governos.26 A Alta Autoridade podia emitir
declarações não obrigatórias e adotar decisões aplicáveis após sua pu-
blicação. Além desse órgão, o Tratado ainda criou: a Assembleia Co-
mum, composta por representantes parlamentares dos Estados-mem-
bro, com poderes apenas de controle dos membros da Alta Autoridade,
sem portanto poderes legislativos nem orçamentários; o Conselho Espe-
cial de Ministros, que deveria dar seu consentimento para certas deci-
Integração Regional 173

sões da Alta Autoridade; e a Corte de Justiça, composta por sete juízes


nomeados pelos Estados-membro e com a função de assegurar o res-
peito ao direito na interpretação e aplicação do Tratado e de se pro-
nunciar sobre recursos contra as decisões da Alta Autoridade por parte
dos Estados-membro, do Conselho e de empresas privadas.
Em seus primeiros anos de funcionamento, a CECA ganhou
credibilidade no exterior, abrindo delegações em terceiros países e em
organismos internacionais, como o GATT e a OECE, e alcançou sua
independência financeira através de empréstimos americanos. A organi-
zação negociou acordos bilaterais de comércio, destacando-se o Acordo
de Associação com o Reino Unido em 1954, e fez investimentos sociais
na área siderúrgica. Apesar de alguns fracassos na expansão de suas com-
petências, como a tentativa de desenvolver uma política de concorrên-
cia comum, a CECA se estabeleceu como o principal fórum de conver-
gência dos interesses europeus.
A conjuntura econômica do período inicial do desenvolvimento
da CECA foi favorável, tendo sido retomado o crescimento econômico
e se iniciado o “milagre alemão”. Na área de segurança, houve um rela-
xamento das tensões leste-oeste após a morte de Stalin, mas logo inter-
rompido com a crise de Suez e a escalada das tensões em Berlim. A
despeito do fracasso da Comunidade Europeia de Defesa, a integração
permaneceu uma prioridade para os países europeus e na política exter-
na dos Estados Unidos. Após uma série de encontros e pré-projetos,
realizou-se, sob influência de Monnet, uma conferência intergoverna-
mental entre os Estados-membro da CECA, na qual foi estabelecido um
comitê, presidido pelo ministro belga, Paul Henri Spaak, encarregado
de elaborar um projeto de relançamento do processo de integração. O
projeto deveria discutir a cooperação econômica e de energia nuclear.
O Reino Unido foi convidado a participar, mas se retirou do comitê por
não concordar com a ideia da criação de um mercado comum, prefe-
rindo uma área de livre-comércio, além de não se interessar pela coo-
peração na área de energia atômica, dado que já tinha uma bomba nu-
clear desde 1952 e um programa de cooperação com os Estados Uni-
174 Organizações Internacionais

dos e Canadá. O relatório final dessa conferência foi adotado como base
de negociação para uma nova conferência intergovernamental, inicia-
da em junho de 1956 em Val Duchesse, com o objetivo de elaborar dois
novos tratados para aprofundar o processo de integração.
O primeiro deveria estabelecer as condições para a criação da
Comunidade Econômica Europeia (CEE), que, além de expandir
setorialmente a cooperação funcional econômica iniciada com a CECA,
deveria estabelecer metas para a consolidação de um mercado co-
mum entre os Estados-membro. O segundo tratado teria como obje-
tivo a cooperação na área de energia atômica e pode ser visto como
uma resposta à crescente preocupação com a questão nuclear no ce-
nário mundial. A organização a ser criada, a Comunidade Europeia da
Energia Atômica (Euratom), trataria da cooperação na área de pesqui-
sa e produção de energia nuclear para fins não militares com o obje-
tivo de atender à demanda crescente por energia em um cenário de
insegurança quanto ao fornecimento do petróleo e de saturação da
indústria de carvão, além de evitar uma corrida secreta entre os paí-
ses europeus por essa tecnologia.
Os Tratados constituintes da CEE e da Euratom foram assinados
em Roma, em março de 1957, e entraram em vigor em janeiro de 1958.
O desenho institucional de ambas as organizações criadas seguiu em
grande medida o da CECA, com um órgão intergovernamental, o Con-
selho de Ministros e um supranacional, sendo que, o equivalente da
Alta Autoridade foi denominada Comissão nas duas novas organiza-
ções. Em relação ao órgão parlamentar, decidiu-se racionalizar as ativi-
dades criando-se apenas uma Assembleia única para as três Comuni-
dades. Essa seria inicialmente composta por parlamentares nacionais,
mas, depois, eleita por sufrágio universal direto, o que ocorreu pela
primeira vez em 1979. Em relação ao órgão jurídico, também optou-se
por atribuir à Corte Europeia de Justiça competência no âmbito das
três Comunidades. Foi criado um novo órgão comum às duas novas
organizações, o Comitê Econômico e Social, para representação dos
empregados e assalariados, embora com poder apenas consultivo.
Integração Regional 175

Apesar das tensões iniciais devido à proposta do Reino Unido para


criação de uma área de livre-comércio como uma alternativa ao merca-
do comum, esse começou a ser implementado a partir de janeiro de
1959, e avançou rapidamente, alcançando uma união aduaneira em ju-
lho de 1968.27 Um dos maiores sucessos do mercado comum foi a cria-
ção da Política Agrícola Comum (PAC), que se tornou um verdadeiro
símbolo da integração. Se, por um lado, a posição do General de Gaulle,
que voltara ao poder na França em junho de 1958, foi determinante
para o desenvolvimento do mercado comum, por outro lado, o estadista
tinha uma visão bastante inflexível do projeto de integração, insistindo
na preservação da soberania dos Estados-parte, o que impediu a forma-
ção de um consenso sobre a integração política.
Para de Gaulle, a Europa deveria assumir um papel influente na
política internacional, com independência em relação aos Estados Uni-
dos, inclusive na área de segurança e defesa, mas institucionalmente
deveria ser uma confederação de caráter intergovernamental e não uma
federação de caráter supranacional. O Plano Fouchet para integração
política, apresentado em 1961, refletiu essa visão de de Gaulle28 e, ape-
sar da conjuntura internacional favorável, tendo sido pouco antes
construído o Muro de Berlim, acabou não sendo aprovado, permane-
cendo a integração institucionalizada apenas em seu âmbito econômi-
co. O pedido de adesão do Reino Unido justamente nesse momento
desequilibrou o delicado consenso entre de Gaulle e os defensores de
um projeto federal de cunho supranacional. Em represália, de Gaulle se
opôs abertamente à adesão do Reino Unido, deslanchando uma profun-
da crise política no processo de integração, que culminou na chamada
“crise da cadeira vazia”.
Embora a causa imediata da crise tenha sido um impasse nas ne-
gociações sobre reformas orçamentárias no âmbito da PAC, ela refletiu
a intransigência fundamental do governo francês a respeito da cessão
de soberania, seja pelo aumento das competências dos órgãos suprana-
cionais, seja pela introdução de votação por maioria nos órgãos
intergovernamentais.29 O governo francês acabou por suspender a par-
176 Organizações Internacionais

ticipação de seus representantes nos órgãos comunitários em junho de


1965, paralisando suas atividades por seis meses, até encontrar uma
solução através da conclusão do chamado Compromisso de Luxemburgo.
Esse documento estipulou que as decisões consideradas de interesse
nacional vital deveriam ser votadas por unanimidade, mesmo se, segun-
do os Tratados, devessem ser votadas por maioria.30
Apesar da retomada dos trabalhos nas Comunidades, o processo de
integração continuou avançando muito lentamente até o final da déca-
da de 1960. A segunda candidatura do Reino Unido foi novamente re-
jeitada por um “veto de veludo” de de Gaulle, a contragosto dos outros
Estados. O impasse político só foi revertido com a mudança do governo
na França após a demissão de Gaulle, em abril de 1969. Em uma Cúpu-
la de chefes de Estado e Governo, ainda em 1969 em Haia, o novo
presidente francês, George Pompidou, propôs um programa de ação
para aprofundar e alargar a integração. Um dos principais resultados do
programa foi o lançamento de um projeto de integração monetária. Ainda
que esse primeiro projeto, o Plano Werner, tenha sido rejeitado novamen-
te pelo governo francês, contrário à supranacionalização, ele representou
o primeiro passo para criação da união monetária. Outro resultado im-
portante dessa iniciativa foi o apoio à adesão dos quatro países que
haviam se candidatado: Noruega, Dinamarca, Irlanda e, novamente, Rei-
no Unido. Após três anos de negociações, em 1973, esses países se tor-
nam membros da Comunidade Europeia, com exceção da Noruega, que
não pôde ratificar o tratado devido à sua rejeição em referendo popular.
Apesar da ampliação, que continuou com a adesão da Grécia, em
1981, e de Portugal e Espanha, em 1986, a integração econômica e
monetária foi lenta durante a década de 1970 e início de 1980, período
que ficou conhecido como “eurosclerosis”. Entre os fatores determinantes
dessa estagnação, pode-se mencionar: a conjuntura econômica desfavo-
rável, marcada pelo fim do sistema de Bretton Woods; a desvalorização
do dólar; as crises do petróleo; e a recessão e desemprego na Europa. A
retomada do aprofundamento do processo de integração europeu só
ocorreu com a conclusão do Ato Único Europeu, em 1986, que estabe-
Integração Regional 177

leceu metas para a conclusão do mercado comum até janeiro de 1993,


e reformas institucionais, entre elas a formalização da Cooperação Polí-
tica Europeia.31
O relançamento da integração foi promovido por diversos atores
em manifestações tais quais a Declaração Solene do Conselho Europeu
de 1983, sob a motivação dos ministros de relações externas alemão e
italiano, Hans-Dietrich Genscher e Emílio Colombo; a criação de dois
lobbies empresariais, também em 1983, advogando a consolidação do
mercado comum: a Mesa Redonda de Industriais Europeus (ERT) e a
União das Confederações e Industriais e Empregadores da Europa
(UNICE); o Relatório Spinelli do Parlamento Europeu, de 1984; e, por
fim, o “Livro Branco para consolidação do mercado interno”, emitido
pela Comissão Europeia em 1985, sob motivação do seu recém-eleito
presidente Jacques Delors.32
Com o desenvolvimento do mercado comum, o processo de
integração passou a afetar cada vez mais a vida dos cidadãos. O progra-
ma lançado pelo Ato Único foi um verdadeiro divisor de águas, ao mar-
car a passagem da integração econômica negativa, ou seja, a mera
liberalização, para uma integração positiva, com a harmonização das
legislações nacionais e formulação de políticas comuns regulatórias em
diversas áreas.33 A partir da segunda metade da década de 1980, tor-
nou-se cada vez mais difícil não estar envolvido em atividades cujas
decisões não fossem tomadas no nível comunitário, desde comércio e
agricultura até meio ambiente e política social. Empresários e trabalha-
dores começaram a compartilhar de fato um mercado único. Paralela-
mente, a sociedade civil foi se transnacionalizando, com o aumento da
cooperação universitária tanto no nível de redes de pesquisa como no
nível de intercâmbio de estudantes. ONGs, movimentos sociais e gru-
pos de interesse começaram a se deslocar das capitais europeias, como
Paris, Londres, Berlim e Roma para Bruxelas. A divisão entre as socieda-
des nacionais e a sociedade europeia tornou-se cada vez mais fluida.
A queda do muro de Berlim, em novembro de 1989, a reunificação
alemã, em outubro de 1990 e a dissolução da União Soviética, em de-
178 Organizações Internacionais

zembro de 1991, aceleraram essa profunda transformação do processo


de integração. A Europa passou a buscar um espaço proeminente na
reconfiguração da nova ordem internacional, em particular na promo-
ção da estabilidade do centro e leste europeu através da cooperação para
as transições democráticas e econômicas. Nesse contexto, os Estados-
parte deram um grande passo para a institucionalização do processo de
integração ao concluir o Tratado em Maastricht. O Tratado, assinado em
fevereiro de 1992, entrou em vigor em janeiro de 1993 e criou uma nova
organização do processo de integração na Europa: a União Europeia (UE).
As negociações para a criação da União Europeia envolveram no-
vamente a polêmica questão da cessão de soberania. A falta de consen-
so sobre a inclusão de várias áreas de cooperação, entre elas a de segu-
rança, no âmbito comunitário supranacional, levou a um exercício cri-
ativo de desenho institucional e a configuração de uma estrutura com-
posta por três “pilares” independentes. Nessa estrutura, apesar de es-
tarem inseridos em um quadro institucional único, os poderes e os
métodos de decisão dos órgãos da UE variam conforme a área temática
tratada. Apesar de algumas modificações posteriores, como será visto
adiante, o desenho institucional estabelecido pelo Tratado de Maastricht
é o que vigora até o presente momento.
O primeiro pilar da UE, chamado de pilar comunitário, consiste nas
políticas de competência exclusivas e não exclusivas da Comunidade
Europeia. Nas áreas de competências exclusivas, os Estados-parte per-
deram a capacidade de formular e implementar políticas nacionais, como
é o caso da política comercial. Nas áreas de competências não exclusivas,
os Estados ainda podem formular e implementar políticas, apesar da
Comunidade também o fazer, como é o caso da política de cooperação ao
desenvolvimento. O Tratado ampliou as competências da Comunidade
Europeia, que passaram a abarcar, entre outros, as áreas de pesquisa —
meio ambiente, indústria e coesão social — e também estabeleceu novas
metas para finalização do mercado comum e a introdução da moeda co-
mum. O segundo pilar consiste na cooperação política na área de Políti-
ca Externa e de Segurança Comum (PESC), que substituiu a Cooperação
Integração Regional 179

Política Europeia, embora mantendo seu caráter intergovernamental. O


terceiro pilar, também de caráter intergovernamental, trata das questões
internas policiais e judiciais, abarcando a política de imigração, asilo, luta
contra drogas, criminalidade e terrorismo.
A incorporação formal, mesmo que de forma intergovernamental,
da política de segurança ao processo de integração foi um tema ampla-
mente debatido por políticos e acadêmicos. Sempre houve uma relutân-
cia por parte dos Estados-parte e da população em tornar a União Europeia
uma potência militar, como explicitada nos debates sobre o conceito de
potência civil (civilian power) definido por Francois Duchêne.34 Nesse
contexto, o Conselho Europeu, reunido em Petersberg em 1992, limitou
o escopo da política de segurança comum definindo suas atividades como
apenas a intervenção em missões humanitárias, manutenção e
restabelecimento da paz, sem, portanto, incluir a defesa comum. A lógica
da defesa coletiva entre os Estados-parte da UE permaneceu presente
apenas na União da Europa Ocidental, além da OTAN. Ao ser criada a
Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), em 1999, houve uma
aproximação à União da Europa Ocidental, sendo essa incorporada com
um “braço armado” da UE. No entanto, mais recentemente, houve uma
progressiva transferência de capacidades operacionais dessa organização
para a UE.35 A questão da política de segurança e de defesa na UE perma-
nece uma das mais controversas, principalmente após os ataques terro-
ristas e impasses ocorridos dentro da OTAN com a invasão no Iraque.
Outro aspecto importante do Tratado de Maastricht foram as re-
formas institucionais com vistas a aumentar a legitimidade democráti-
ca da organização, como o aumento dos poderes legislativos do Parla-
mento. De fato, à medida que foi aumentando a consciência da popula-
ção europeia quanto ao impacto do processo de integração e suas
consequências de curto e médio prazo, intensificou-se o debate sobre o
“déficit democrático” de suas instituições.36
Além da crescente politização do processo de integração, outro
fator importante que contribuiu para o desenvolvimento de uma nova
percepção de participação em uma coletividade entre os cidadãos eu-
180 Organizações Internacionais

ropeus foi a incorporação do Acordo de Schengen, pelo Tratado de


Amsterdã, de 1997. Esse Acordo, em vigor desde 1995, havia elimina-
do os controles fronteiriços entre seus signatários e, ao ser incorporado
à União Europeia, significou a implementação da liberdade de circula-
ção de pessoas no âmbito do mercado comum. O impacto da possibili-
dade de cruzar fronteiras livremente sem controle de passaporte foi,
sem dúvida, enorme.37
Os principais órgãos da União Europeia são o Conselho de União
Europeia (ex-Conselho de Ministros, também chamado apenas de Con-
selho), a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu, o Tribunal de Justi-
ça das Comunidades Europeias e o Tribunal de Contas Europeu. O Con-
selho Europeu, embora não seja formalmente um órgão da União
Europeia, é de vital importância para a organização. Ele foi reconhecido
pelo Ato Único Europeu e institucionalizado pelo Tratado de Maastricht,
como uma codificação da prática de cooperação intergovernamental
fora da Comunidade Europeia. O Conselho é composto pelos chefes de
Estado e de Governo dos Estados-parte e pelo presidente da Comissão
e se reúne pelo menos uma vez a cada seis meses, sendo coordenado
pelo Estado-parte que esteja exercendo a Presidência do Conselho da
União Europeia. Sua principal função é definir as orientações políticas
gerais da União, mas, ao contrário do Conselho da União Europeia, não
emite decisões formais, apenas declarações, que precisam ser aprovadas
por unanimidade. No entanto, qualquer modificação nos Tratados da
UE precisa ser aprovada pelo Conselho Europeu, em um processo cha-
mado de Conferências Intergovernamentais.38
O Conselho da União Europeia é o principal órgão legislativo da
UE, de caráter intergovernamental. Embora seja um órgão único, sua
composição varia conforme a área temática, tendo sempre um represen-
tante de cada Estado-parte em nível ministerial. Entre os principais, pode-
se mencionar o Conselho de Assuntos Externos, cujos participantes
são os ministros de relações exteriores, o Conselho de Assuntos Econô-
micos e Financeiros, cujos participantes são os ministros da economia;
e o Conselho de Agricultura, cujos participantes são os ministros de
Integração Regional 181

agricultura. Os encontros do Conselho são coordenados pelo Estado-


parte que esteja exercendo a Presidência e preparados por oficiais naci-
onais em comitês e grupos de trabalhos.39 O Conselho delibera e emite
decisões com base nas propostas da Comissão, por unanimidade ou
maioria qualificada, dependendo da área temática, embora busque-se
o consenso. Apesar de o Compromisso de Luxemburgo ter incluído
uma salvaguarda para votação por unanimidade em casos de interes-
se vital, como visto anteriormente, o escopo das decisões por maioria
qualificada tem aumentado progressivamente, o que significa uma ver-
dadeira diluição da soberania dos Estados-parte, já que as decisões
tomadas são obrigatórias.
A Comissão Europeia exerce funções principalmente administra-
tivas e executivas de caráter supranacional, embora sua autonomia va-
rie de acordo com a área temática e as competências da Comunidade.
Além disso, também detém o direito, em geral exclusivo, de iniciativa,
ou seja, de definir a agenda do Conselho da União Europeia, o que lhe
confere uma influência direta no processo legislativo. É ainda a “Guardiã
dos Tratados”, ou seja, deve monitorar o cumprimento pelos Estados-
parte, das decisões obrigatórias tomadas pelo Parlamento e pelo Conse-
lho da UE e sancioná-los, caso não o cumpram, via a abertura de um
caso na Corte Europeia de Justiça.
Outra função da Comissão é representar a Comunidade Europeia
em negociações e organizações internacionais sob mandato conferido
pelo Conselho da UE. A Comissão é composta por Comissários respon-
sáveis por Diretórios Gerais, que equivalem aos ministérios estatais, e
um presidente, que tem ganhado progressivamente mais autoridade.40
Desde o Tratado de Maastricht, os Comissários tem mandato de cinco
anos coincidindo com o período do mandato dos parlamentares euro-
peus e, desde o Tratado de Amsterdã, devem ser aprovados pelo Parla-
mento Europeu, após recomendação dos Estados-parte, o que lhe con-
feriu um maior caráter democrático. As decisões e propostas dos Co-
missários devem ser aprovadas por consenso ou, se necessário, por
votação de maioria simples para serem levadas ao Conselho.
182 Organizações Internacionais

Os funcionários da Comissão são recrutados, em sua maioria, por


processos de seleção competitiva, constituindo um serviço civil euro-
peu, “eurocratas”, nos moldes dos funcionários dos Secretariados das
organizações internacionais, ou seja, devem buscar os interesses da or-
ganização e não de seus países de origem. O número total de seus fun-
cionários é considerado relativamente pequeno em comparação com
suas atividades, cerca de 24.000 em 2004. Devido a essa falta de pes-
soal, a Comissão desenvolveu uma vasta rede de canais com os Estados-
parte e com grupos de interesse que cooperam na formulação de suas
propostas.41
O Parlamento Europeu era originalmente um órgão apenas consul-
tivo, mas teve seus poderes legislativos fortalecidos, possuindo, desde o
Tratado de Maastricht, quatro tipos de inserção no processo decisório:
consentimento, consulta, cooperação e codecisão, em ordem crescente
de poder legislativo. Além disso, o Parlamento Europeu deve aprovar os
comissários da Comissão e tem poderes para destituí-los com aprovação
de maioria de 2/3, como ocorreu em 1999.42 Embora o Secretariado do
PE esteja em Luxemburgo, suas sessões plenárias ocorrem em Estrasburgo
e Bruxelas. Desde 1979, ele tem seus membros eleitos por sufrágio dire-
to pelos cidadãos dos Estados-parte, por um mandato de cinco anos.
Apesar da alta taxa de abstenção (50,1%, em 1999 e 54,3% em 2004), é
considerado o órgão da UE com maior legitimidade democrática. Um
dos principais problemas do PE é a ausência de um verdadeiro sistema
partidário. Embora o TEU tenha previsto a criação de partidos trans-
nacionais europeus, na prática o que existe são apenas grupos políticos
que englobam os candidatos dos partidos nacionais de maior proximi-
dade ideológica.43
O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é composto por
um juiz de cada Estado-parte e advogados gerais, nomeados pelos Esta-
dos-parte por um período de seis anos. O Tribunal tem um papel cen-
tral no processo de integração europeu, tendo sido acionado por indi-
víduos, empresas e Estados-parte sobre questões extremamente diver-
sas. Devido ao enorme número de casos trazidos ao Tribunal, foi criada,
Integração Regional 183

pelo Ato Único Europeu, uma Corte de Primeira Instância, que julga
principalmente as demandas de indivíduos. Em sua jurisprudência, o
Tribunal estabeleceu dois princípios básicos do direito comunitário eu-
ropeu: o princípio do efeito direto e a sua primazia sobre o direito nacio-
nal. O princípio do efeito direto estipula que o direito comunitário,
originário e derivado, é diretamente aplicável aos Estados-parte e aos
seus cidadãos, não necessitando passar por nenhum processo de
internalização. Desde a TEU, o Tribunal tem poderes para impor pena-
lidades aos Estados-parte caso não cumpram suas decisões. Já o princí-
pio da primazia do direito comunitário significa que, no caso de conflito
com o direito nacional de qualquer Estado-parte, a norma comunitária
deve prevalecer, mesmo que essa seja posterior, garantindo que o direito
comunitário tenha uma aplicação uniforme. Apenas as normas consti-
tucionais estão excluídas desse princípio, já que não são aceitas como
inferiores ao direito comunitário em vários Estados-parte.
O Tribunal de Contas foi criado em 1977 para fiscalizar as contas e
o orçamento da Comunidade. Além desses órgãos principais, a UE tem
ainda vários órgãos essenciais para o desenvolvimento de suas ativida-
des tais como o Comitê Econômico e Social (CES), o Comitê das Re-
giões (CdR), o Banco Central Europeu (BCE), o Banco Europeu de In-
vestimento (BEI) e o Provedor de Justiça Europeu (Ombudsman). O Co-
mitê Econômico e Social foi criado pelo Tratado de Roma como um
canal de representação de interesses setoriais, divididos nas categorias
de empregadores, empregados e outros, mas não se tornou um fórum
efetivo para canalização das pressões políticas da sociedade civil, que se
articula, principalmente, através de canais informais, na forma de grupo
de interesse e lobbies.44
Já o Comitê das Regiões, embora tenha sido criado nos moldes do
Comitê Econômico e Social, pelo Tratado de Maastricht, tem tido uma
atuação de maior peso político, em parte devido à crescente importân-
cia do princípio de subsidiariedade, que estipula que as decisões da UE
devem ser tomadas no nível mais próximo possível do cidadão, ou seja,
que a UE não deva assumir tarefas que sejam realizadas com maior
184 Organizações Internacionais

eficiência por administrações locais, regionais ou nacionais. As opini-


ões do CdR são obrigatórias para questões tratadas no Conselho da UE
e na Comissão que tenham repercussão a nível regional e local, em
diversas áreas, tais como coesão social e infraestrutura, e facultativa em
outras. O Banco Central Europeu foi criado em 1998, em Frankfurt, e é
o órgão encarregado de implementar a política monetária comum. O
Banco Europeu de Investimento foi estabelecido pelo Tratado de Roma
e sua principal função é prover financiamento de longo prazo para os
projetos comunitários, embora também financie projetos para outros pa-
íses como instrumento da política de cooperação ao desenvolvimento.
Finalmente, o Ombudsman lida com reclamações do público sobre a UE.

PRINCIPAIS ÓRGÃOS DA UNIÃO EUROPEIA


E SEU PROCESSO DECISÓRIO:

 Conselho Europeu: Votação por unanimidade, busca do consenso, de-


clarações não obrigatórias.
 Conselho da União Europeia (ex-Conselho de Ministros): Votação por
unanimidade ou maioria qualificada dependendo da área temática,
decisões obrigatórias.
 Comissão Europeia: Votação por maioria simples entre os comissá-
rios, busca de consenso para propostas legislativas.
 Parlamento Europeu: Votação por maioria simples ou 2/3, decisões
de caráter recomendatório ou obrigatório dependendo da área
temática.
 Corte Europeia de Justiça: Decisões obrigatórias.

Apesar das críticas ao seu complexo desenho institucional, a UE


se tornou o principal fórum para o exercício da política na Europa,
tanto no nível de suas atividades internas quanto externas. No plano
doméstico, um dos principais desenvolvimentos foi a consolidação da
união monetária e a implementação da moeda única: o euro. Apesar
Integração Regional 185

do fracasso do plano Werner de 1970, visto anteriormente, o colapso


do sistema de Bretton Woods levou os europeus a criarem um sistema
monetário para manter a estabilidade de suas moedas e evitar desvalo-
rizações competitivas. Esse sistema foi consolidado com o Ato Único
Europeu e desenvolvido pelo Plano Delors de 1989. O Tratado de
Maastricht finalmente estabeleceu um calendário e critérios para ado-
ção da moeda única, embora o Reino Unido e a Dinamarca tenham
decidido não participar. Em 1998, os Estados-parte qualificados para
participar da união monetária, tendo cumprido as metas do Pacto de
Estabilidade, constituíram a Zona do euro, também chamada de UE-
11. No ano seguinte, a paridade das moedas dos onze países foi fixada
ao euro e o Banco Central Europeu assumiu a condução da política
monetária comum, que passou a ser supranacional. Os Bancos Cen-
trais nacionais continuam existindo como entidades executivas e ad-
ministrativas em nível regional, mas devem obedecer às decisões toma-
das no BCE. Em janeiro de 2002, o euro entrou em circulação e, com a
saída de circulação das moedas nacionais em fevereiro, passou a ser a
única moeda válida em todos os países da Zona do Euro.
O impacto do euro sobre o processo de integração ultrapassa seus
aspectos técnicos. A moeda é considerada um dos símbolos da sobera-
nia estatal. Além disso, certas moedas, como o franco francês e o marco
alemão, tinham um valor cultural particular, o primeiro tendo sido cria-
do por Napoleão, e o segundo, após o conturbado período das hiper
inflações. A aceitação do euro por parte da população não foi livre de
controvérsias, e a propaganda para sua introdução foi cuidadosamente
planejada pela Comissão, inclusive com estratégias diferentes para cada
país. A queda inicial de seu valor frente ao dólar e a percepção da “infla-
ção escondida”, decorrente de ajustes de preços, contribuíram para
uma apreensão geral. No entanto, à medida que os ganhos econômicos
decorrentes da eliminação de gastos com conversões e a facilidade do
manuseio em viagens de negócios e turismo foram sendo percebidos, a
população foi se identificando com a nova moeda.
186 Organizações Internacionais

No campo de suas atividades externas, a UE concluiu, ao longo da


década de 1990, uma série de acordos com quase todos os países e
regiões do mundo, consolidando uma vasta rede de relações instituciona-
lizadas. Embora haja uma variação muito grande em relação aos com-
promissos jurídicos contidos em cada acordo em função dos interesses
específicos em cada caso, essa rede contribuiu para consolidar a imagem
da UE como um ator independente dos Estados-parte.45 De fato, a UE
passou a ser cada vez mais vista não apenas como um fórum de negocia-
ções para seus Estados-parte, mas como um ator da política internacional,
ganhando representação em outros fóruns e organizações internacionais.46
No âmbito dessa densa rede de relações externas, há uma clara
hierarquia na política externa da UE. Primeiramente, são priorizadas
as relações com os países passíveis de entrarem em futuras ondas de
ampliação, como foi o caso dos países do centro e leste europeu. Antes
mesmo de terem suas candidaturas aceitas, eles se beneficiaram de uma
série de acordos preferenciais e programas de cooperação que visavam a

AMPLIAÇÕES DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO EUROPEU:

 1951: Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos


 1973: Dinamarca, Irlanda, Reino Unido
 1981: Grécia
 1986: Portugal, Espanha
 1995: Áustria, Finlândia, Suécia
 2004: Chipre, Eslovênia, Eslováquia, Estônia, Hungria, Lituânia,
Letônia, Malta, Polônia, República Checa
 A Bulgária e a Romênia deverão ser incluídas em 2007
 A Turquia e a Croácia deram entrada em pedido para inclusão na UE,
em 1987 e 2003, respectivamente, mas ainda não obtiveram respos-
ta definitiva. No encontro de Copenhaguen de 1993, o Conselho Eu-
ropeu estabeleceu uma previsão de decidir sobre a aceitação do
pedido da Turquia até dezembro de 2004.
Integração Regional 187

manter sua estabilidade política e econômica na transição democrática


e capitalista.47 Os chamados países ACP, ex-colônias da África, Caribe e
Pacífico, e do Mediterrâneo também recebem atenção destacada. Além
das relações especiais com os Estados Unidos e países como a Rússia e a
China, as relações com blocos regionais, como a ASEAN, e especialmen-
te o Mercosul, têm um papel especial, sendo vistos como suscetíveis à
adoção do modelo de integração à la UE.48
Em função da ampliação para o centro e leste europeu, várias refor-
mas institucionais foram discutidas na Conferência Intergovernamental
concluída em Nice, em dezembro de 2000, e que deu origem ao Tratado
de Nice, assinado em fevereiro de 2001. Além dos problemas logísticos
devido ao aumento significativo do número de membros, a Conferência
retomou o debate mais profundo sobre o desenho institucional da UE
em termos da “finalidade” da integração. Embora sempre presente des-
de as primeiras ideias a respeito da integração europeia no século XIX,
como visto anteriormente, o debate havia perdido proeminência nas
décadas de 1980 e 1990, tendo sido substituído por discussões de mais
curto prazo a respeito do funcionamento prático do mercado comum.49
Como não conseguiam chegar a um consenso sobre a maioria das ques-
tões na agenda, os chefes de Estado e Governo decidiram convocar uma
Convenção para que fosse discutido “o futuro da União”, na Declaração
de Laeken, anexada ao Tratado de Nice.
A Convenção foi composta pelo ex-presidente francês Giscard
d’Éstaing, o ex-primeiro ministro italiano Giuliano Amato e ex-presi-
dente belga Jean Luc Dahaene, quinze representantes dos Estados-mem-
bro, dois parlamentares de cada Estado-parte, dezesseis membros do
Parlamento Europeu e dois representantes da Comissão. Representan-
tes dos países do centro e leste europeu cujo processo de adesão já
tinha sido aprovado também participaram, assim como representantes
do Comitê Econômico e Social e das Regiões e o Ombudsman. Eles não
podiam, no entanto, impedir a formação de consensos. A sociedade civil
também foi convidada a participar de um Fórum cujas propostas foram
incorporadas ao debate. Os trabalhos da Convenção se iniciaram em
188 Organizações Internacionais
Principais Tratados do
Processo de Integração Data de Data da Entrada
da União Europeia Assinatura em Vigor Principais Características

Tratado de Paris 18/04/1951 25/07/1952 Criação da CECA

Tratados de Roma 25/03/1957 14/01/1958 Criação da CEE e Euratom

Tratado de Fusão 08/04/1965 01/07/1967 Unificação das instituições das três


comunidades

Ato Único Europeu 17/02/1986 01/07/1987 Mais VMQ no CE, mais poderes ao PE, metas
para o mercado comum

Tratado de Maastricht 07/02/1992 01/11/1993 Criação da UE, mais VMQ no CE, Comitê de
Regiões, princípio da subsidiaridade, EURO

Tratado de Amsterdã 02/10/1997 01/05/1999 Mais poderes para PE, incorporação do


Schengen

Tratado de Nice 26/02/2001 01/02/2003 Reformas institucionais para o ampliação


Integração Regional 189

marco de 2002 e terminaram em junho de 2003, quando foi aprovado o


“Projeto de Tratado que institui uma Constituição para a Europa”.
Algumas das principais propostas do projeto são a criação do cargo
de presidente do Conselho Europeu, eleito por maioria qualificada pelo
Conselho da UE com um mandato de dois anos, eliminando o sistema
rotativo de Presidências, e do cargo de ministro de assuntos externos,
acumulando os papéis do Alto Representante de Política Externa e de
Segurança Comum e de Comissário de Assuntos Externos da Comissão.
Outras propostas são a incorporação da Carta de Direitos Fundamentais,
o estabelecimento de uma personalidade jurídica única para a União e o
aumento dos poderes do Parlamento e da abrangência das áreas temáticas
votadas por maioria qualificada no Conselho da União Europeia. O esbo-
ço do Tratado Constitucional foi apresentado ao Conselho Europeu de
Thessaloniki em junho de 2003, mas não foi aprovado devido a
discordâncias fundamentais, principalmente a oposição da Polônia e da
Espanha às novas regras propostas para ponderação dos votos da maioria
qualificada.50 Em outubro de 2004, foi aberta uma nova Conferência
Intergovernamental e, em junho, o Conselho Europeu aprovou finalmente
o texto do novo tratado. O Tratado será assinado em uma cerimônia em
Roma, em novembro de 2004, simbolicamente no mesmo local onde foi
assinado o Tratado da Comunidade Econômica Europeia e da Euratom.
A nova constituição, no entanto, só entrará em vigor após ser ratificada
por todos os Estados-parte. Embora dificuldades sejam previstas, princi-
palmente nos Estados onde o processo de ratificação exige referendum
popular, a expectativa é que até o prazo estipulado, final de 2006, o povo
europeu tenha pela primeira vez na história uma constituição comum.
Os debates sobre a Constituição se concentraram em dois pontos
principais, a finalidade do projeto de integração e o desenho institucional
mais adequado para atender a essa finalidade. Uma questão importante é
que as alternativas não se restringem à antiga dicotomia entre um projeto
intergovernamental, nos moldes de uma confederação, ou supranacional,
nos moldes de uma federação, que poderia vir a adquirir as características
de um superestado. A complexidade do processo de integração levou à
190 Organizações Internacionais

difusão da autoridade para criar e implementar políticas entre uma varie-


dade de atores nacionais, subnacionais e transnacionais. Em diversas
áreas, os Estados nacionais não possuem mais o monopólio dessa auto-
ridade, seja formalmente, quando se analisa a atuação do Comitê de Re-
giões, ou informalmente, com a proliferação de grupos de interesse (lobbies)
transnacionais operando em Bruxelas. A importância crescente atribuída
ao princípio da subsidiariedade, já mencionado, reforça essa tendência. O
desenvolvimento do processo de integração regional na Europa coloca em
questão não apenas a diluição da soberania estatal, mas também a redefi-
nição do espaço em que é realizada a política e exercida a democracia. A
UE tem sido definida como um espaço de “governança multinível”
(multilevel governance), no qual a hierarquia de autoridade encabeçada
pelos Estados nacionais tem sido substituída por redes difusas de autori-
dade, que variam de acordo com as áreas temáticas das políticas.51
Enquanto uma organização internacional, a UE pode ser conside-
rada tanto um fórum de negociações para seus Estados-parte, principal-
mente sobre as atividades ainda fora de suas competências, quanto um
verdadeiro ator da política internacional, basicamente no que se refere
às atividades comunitárias. Essa separação se reflete na própria popula-
ção, que se encontra dividida entre cidadania e identidade nacional e
europeia. O Tratado Constitucional busca dar uma solução ao problema
jurídico da cidadania, mas a questão da identidade provavelmente per-
manecerá no espírito dos europeus até a vivência comum possibilitar a
eliminação definitiva das fronteiras sociais na Europa.

Integração Regional no Cone Sul da América Latina: o Mercosul


A ideia de integração nas Américas, assim como na Europa, tam-
bém não é recente. Pode-se atribuir a Simon Bolívar a primeira tentativa
integracionista no continente. Na célebre Carta da Jamaica, de 1815,
não por coincidência, o mesmo ano em que foi realizado o Congresso
de Viena, o general venezuelano já havia expressado seu desejo de criar
três federações no continente, uma entre o México e América Central,
Integração Regional 191

uma no norte e uma no sul da América do Sul. A ideia de integração foi


novamente proposta por Bolívar em um projeto político que, dessa vez,
deveria englobar todo o continente, no Primeiro Congresso Americano
realizado no Panamá, em 1826. Esse projeto de integração tinha um
caráter defensivo, na medida em que era visto como uma estratégia para
garantir a independência dos Estados latino-americanos contra possí-
veis tentativas de reconquista por parte das potências europeias e tam-
bém de uma política expansionista por parte dos Estados Unidos, que
havia, em 1823, declarado a Doutrina Monroe.52 O Congresso ainda se
reuniu mais três vezes, em Lima em 1847; em Santiago em 1856, e em
Lima novamente, em 1864, mas não obteve sucesso em promover a
integração. A maioria dos documentos aprovados, incluindo uma Alian-
ça de Defesa, não foi ratificada pelos signatários.
Entre os fatores determinantes do fracasso do movimento integra-
cionista de Bolívar, deve-se destacar o fato de os próprios Estados nacio-
nais latino-americanos ainda estarem em processo de consolidação. Além
disso, alguns, como os do Cone Sul, não aderiram à sua causa. O Brasil,
em particular, tinha uma postura diferenciada pois, por um lado, além
de ser o único país não colonizado pela Espanha, manteve um regime
monárquico ligado à Coroa Portuguesa mesmo após sua independên-
cia, ao contrário dos outros países latino-americanos, que lutaram ver-
dadeiras guerras de independência e estabeleceram regimes republica-
nos. A Argentina, embora inserida no contexto revolucionário republi-
cano, havia liderado o movimento independentista no sul do continen-
te sob comando do General San Martin e preferiu não participar por
considerar o projeto integracionista uma expressão da tentativa de
Bolívar de exercer uma liderança hegemônica na região.53
Apesar do fracasso, a doutrina do pan-americanismo criada pelos
Congressos Americanos deixou um legado no continente, sendo resga-
tada por ocasião da criação da Organização dos Estados Americanos
(OEA), em 1948, e da Associação Latino-Americana de Livre-Comércio
(ALALC), em 1960.54 O projeto de integração promovido no âmbito da
ALALC, diferente dos anteriores, partiu da premissa de que a integração
192 Organizações Internacionais

deveria ser implementada primeiramente na esfera econômica, como


advogado pelo pensamento funcionalista na época, que também influ-
enciou a criação das comunidades europeias e das organizações funci-
onais universais.55 O projeto também teve influência do pensamento
econômico desenvolvido no âmbito da Comissão Econômica para Amé-
rica Latina (CEPAL), criada em 1948 pelo ECOSOC (ONU).56 O
“cepalismo” pregava, além da substituição de importações, a integração
regional como estratégia para promoção do desenvolvimento econômi-
co dos países mais atrasados.57 A criação do Instituto para Integração
Latino-Americana (INTAL) pelo Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento (IDB), em 1966, também reflete a importância concedida, nesse
período, à integração regional. Embora os países do Cone Sul tenham
participado da ALALC, não fizeram dela sua prioridade, o mesmo ten-
do ocorrido no caso da Associação Latino-Americana para o Desenvol-
vimento de Integração (ALADI), que substituiu a ALALC em 1980.58
O fracasso da ALADI levou ao questionamento da possibilidade de
promover a integração, ainda que somente econômica, em uma área tão
abrangente e diversa como a América Latina. Se, na Europa, a integração
se expandiu progressivamente a partir de um subgrupo mais homogê-
neo, o inverso parecia ocorrer nas Américas. Apesar do resgate da ideia
de integração continental pela proposta de criação de uma Área de Li-
vre-Comércio (ALCA), a promoção da integração sub-regional ganhou
força no final da década de 1980, no âmbito da segunda onda de regio-
nalismo.59 Como visto anteriormente, o novo regionalismo se insere em
um paradigma do pensamento do desenvolvimento econômico de cu-
nho liberal. Os projetos de integração regional são vistos como etapas
para inserção internacional. Alguns se limitam à integração econômica,
outros têm um forte componente político, como é o caso do Mercosul.
Nesse contexto se desenvolveu o processo de integração no Cone
Sul. A definição do Cone Sul como uma região específica é recente e
refere-se ao formato geográfico dos Estados-parte do Mercosul. Histori-
camente, a região não era vista como uma unidade, pelo contrário, foi
palco de disputas hegemônicas entre a Argentina e o Brasil desde suas
Integração Regional 193

independências. Desde o final da década de 1970, mudanças na políti-


ca externa da Argentina e do Brasil possibilitaram uma série de iniciati-
vas de cooperação, antecedentes diretos do processo de integração.60 A
primeira dessas iniciativas, tomada ainda durante os governos milita-
res, foi a conclusão do Acordo Multilateral Corpus-Itaipu, em outubro
de 1979, como solução para a incompatibilidade da construção de duas
usinas hidrelétricas: Corpus, entre Argentina e Paraguai e Itaipu, entre
Brasil e Paraguai, a poucos quilômetros de distância.
Já completada a transição democrática, os presidentes recém-elei-
tos Raul Alfonsín e Tancredo Neves explicitaram a vontade de desenvol-
ver um projeto de integração de cunho mais político. Apesar da morte
de Tancredo, José Sarney levou adiante o projeto comum e assinou jun-
tamente com Alfonsín, em novembro de 1985, a Declaração de Iguaçu,
que constituiu a Comissão Mista Binacional de Alto Nível para acelerar
o processo de integração bilateral. Mais um passo foi dado com a criação
do Programa para Integração e Cooperação Econômica, em julho de
1986, e a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, em novembro do
mesmo ano. O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento,
assinado em novembro de 1988, projetou a criação de um espaço eco-
nômico comum em dez anos. Com a troca de governo e a eleição de
Carlos Meném e Fernando Collor de Mello na Argentina e Brasil, res-
pectivamente, os dois países adotaram uma política econômica libera-
lizante sem precedentes e, nesse contexto, se propuseram a formar um
mercado comum. A Declaração de Buenos Aires, assinada em julho de
1990, criou o Grupo Mercado Comum, encarregado de elaborar um
projeto para a implementação do mercado comum.61
Apesar de sua origem bilateral, o Uruguai e, posteriormente, o
Paraguai aderiram ao projeto de integração. A preferência inicial por
parte da Argentina e do Brasil pela manutenção do projeto no âmbito
bilateral foi definitivamente revertida após a declaração da Iniciativa
para as Américas pelo governo norte-americano. Aqui percebe-se o ca-
ráter exógeno e defensivo da integração no Cone Sul, que se adicionou
aos fatores endógenos anteriormente citados. A integração regional
194 Organizações Internacionais

passou a ser vista como um instrumento para agregar forças e coorde-


nar posições frente às negociações internacionais. A incorporação do
Chile também foi cogitada, mas esse país acabou optando por não par-
ticipar, já que possuía um maior grau de abertura comercial e demons-
trava ter mais interesse em participar do NAFTA. Os quatro países assi-
naram assim, em março de 1991, o Tratado de Assunção.62
Embora a iniciativa de integração tivesse claros objetivos políticos,
o Tratado de Assunção só incluiu compromissos na esfera comercial,
especialmente em seus anexos, que estabeleceram critérios e prazos para
implementação do programa de liberalização comercial, regime de ori-
gem, salvaguarda e um sistema de solução de controvérsias.63 A própria
estrutura jurídico-institucional do Mercosul só veio a ser estabelecida
três anos após sua criação, com a assinatura do Protocolo de Ouro Pre-
to, em dezembro de 1994, que estabeleceu também sua personalidade
jurídica. Dessa forma, apenas com a entrada em vigor do Protocolo de
Outro Preto em dezembro de 1995 é que se pode falar no Mercosul
como uma organização internacional.
Um aspecto interessante do Mercosul é a progressiva importância
concedida ao caráter democrático dos governos de seus Estados-parte.
Esse aspecto é em particular relevante devido ao fato de o projeto de in-
tegração ter se desenvolvido concomitantemente ao processo de redemo-
cratização de seus Estados-parte. As primeiras eleições após as ditadu-
ras militares foram realizadas em 1983 na Argentina; em 1985 no Brasil
e no Uruguai; e em 1989 no Paraguai. Apesar de ter sido um pressupos-
to do projeto de integração, não consta nenhuma referência à demo-
cracia no Tratado de Assunção, seja no preâmbulo, no artigo 1, no qual
constam seus propósitos e princípios, ou no artigo 20, sobre a adesão de
novos membros, que é aberta a qualquer Estado-parte da ALADI. No
entanto, a instabilidade política no Paraguai, onde ocorreu uma tenta-
tiva de golpe por parte do General Oviedo em abril de 1996, levou os
Estados-parte a desejarem uma maior institucionalização do compro-
misso democrático. Nesse sentido foi concluída, em julho do mesmo
ano, a Declaração sobre o Compromisso Democrático, na qual “os pre-
Integração Regional 195

sidentes reafirmaram sua plena adesão aos princípios e às instituições


democráticas, aos estados de direito e ao respeito aos direitos humanos
e às liberdades fundamentais”. Esse compromisso foi formalmente in-
corporado ao Tratado de Assunção, por via da conclusão do Protocolo
de Ushuaia em julho de 1998, que entrou em vigor em janeiro de 2002.
O Protocolo prevê, após uma fase de consultas, a suspensão dos direitos
do Estado-parte onde tenha ocorrido a ruptura da ordem democrática
de participar dos órgãos, ou mesmo dos direitos e obrigações dos trata-
dos do processo de integração. Além das preocupações internas, a in-
corporação da cláusula democrática, como instrumento para promoção
e estabilização da democracia, também reflete a prática em outras orga-
nizações regionais, como a OEA e a UE.64
Outra evolução importante no processo de integração regional foi a
Declaração de Zona de Paz, assinada em Ushuaia em 1998. Embora seus
Estados-parte já participassem de mecanismos de segurança e defesa
comum regionais, como a OEA e o TIAR, e bilaterais, como o “Mecanis-
mo de Consulta e Coordenação entre os Governos do Brasil e da Argen-
tina em matéria de Defesa e Segurança Internacional”, estabelecido em
1997, o Mercosul não incluía, até então, a cooperação nessa área, não
havendo nenhuma referência a esses temas no Tratado de Assunção.
Impulsionados pelas explosões nucleares na Índia e no Paquistão e pela
ênfase sobre a ameaça da proliferação de armas de destruição em massa
nos fóruns internacionais, os Estados-parte do Mercosul decidiram assu-
mir um compromisso contra uma possível corrida armamentista. A de-
claração explícita à paz como um elemento essencial para a continuida-
de e o desenvolvimento do processo de integração incentiva o fortaleci-
mento dos mecanismos de consulta e da cooperação existentes e o avan-
ço da cooperação no âmbito das medidas de fomento à confiança e segu-
rança na área do uso pacífico da energia nuclear, entre outros.
Em relação a possíveis ampliações, o Tratado de Assunção prevê,
em seu artigo 20, a possibilidade da adesão de qualquer membro da
ALADI, sujeita à aprovação unânime pelos Estados-parte. Embora até o
presente momento nenhum outro país tenha aderido como membro
196 Organizações Internacionais
Tratados e Protocolos
Mais Importantes do Data de Data da Entrada
Mercosul Assinatura em Vigor Principais Características

Tratado de Assunção 26/03/1991 29/11/1991 Cria o Mercosul

Protocolo de Brasília 17/12/1991 22/04/1993 Solução de controvérsias

Protocolo de Ouro Preto 17/12/1994 15/12/1995 Estrutura institucional definitiva,


personalidade jurídica

Protocolo de Ushuaia 24/07/1998 17/01/2002 Cláusula democrática


Zona de Paz

Protocolo de Olivos 18/02/2002 10/02/2004 Corte Permanente de Solução de


Controvérsias
Integração Regional 197

integral ao Mercosul, o Chile, a Bolívia e o Peru tornaram se membros


associados, os dois primeiros em 1996, e o último em 2003, respectiva-
mente. Essa categoria de adesão regulamentou a participação de países
em reuniões dos órgãos do Mercosul como observadores. Para se tornar
um membro associado do Mercosul, o país interessado deve ser membro
da ALADI e ter concluído um acordo de livre-comércio com o bloco.65
O desenho institucional do Mercosul tem um caráter intergover-
namental, não incluindo nenhuma instituição supranacional e exigindo
a tomada de decisão por consenso com a presença de todos os Estados-
parte em todos os órgãos, como estabelecido no artigo 37 do Protocolo
de Ouro Preto. A existência de uma forte assimetria de poder entre o
Brasil e os demais países, acirrada ao longo da década de 1990, sobretu-
do após a crise argentina, é apontada como um dos fatores determinantes
da rejeição à cessão parcial de soberania no âmbito da integração. Além
da inexistência de órgãos supranacionais e votação por maioria, a vali-
dade das normas produzidas no âmbito das instituições do Mercosul só
ocorre após sua incorporação aos sistemas jurídicos domésticos. Em
outras palavras, a produção de direito no Mercosul não é comunitária,
como o caso da União Europeia, mas equipara-se ao Direito Internaci-
onal. As decisões, ainda que de caráter obrigatório, são apenas deter-
minações políticas e não normas jurídicas. Para complicar, algumas são
automaticamente validadas após sua recepção, enquanto outras reque-
rem que todos os membros a tenham recepcionado.66
Os principais órgãos do Mercosul são: o Conselho do Mercado
Comum, o Grupo Mercado Comum, a Comissão de Comércio, a Co-
missão Parlamentar Conjunta, o Foro Consultivo Econômico-Social, o
Tribunal Permanente de Revisão e a Secretaria Administrativa. O Conse-
lho do Mercado Comum é o principal órgão, tem poder legislativo e
suas decisões, tomadas por consenso, são obrigatórias, como visto acima,
só tem validade após sua internalização nos Estados-membro. O Conse-
lho também é o titular da personalidade jurídica do Mercosul, e pode
negociar acordos com terceiros. É composto pelos ministros de relações
exteriores e de economia dos Estados-parte, que exercem a presidência
198 Organizações Internacionais

pro tempore rotativamente a cada seis meses. O Conselho funciona em


articulação com dois órgãos auxiliares consultivos: a Reunião de Minis-
tros, que, assim como o Conselho da União Europeia, varia sua composi-
ção de acordo com o setor, e o Foro de Consulta e Concertação Política,
composto por altos funcionários dos Ministérios de Relações Exteriores.
O Grupo Mercado Comum tem poder executivo e de iniciativa
legislativa, já que prepara a agenda do Conselho, e é composto pelos
ministros de relações exteriores e de economia e pelos presidentes dos
Bancos Centrais dos Estados-parte, e emite resoluções, por consenso, de
caráter apenas recomendatório. O Grupo Mercado Comum possui vários
órgãos subordinados, tais como subgrupos setoriais, reuniões e comitês
especializados. As áreas temáticas abordadas nos subgrupos foram
redefinidas ao longo do tempo, sendo atualmente as seguintes: comuni-
cações, aspectos institucionais, regulamentos técnicos e avaliação da con-
formidade, assuntos financeiros, transportes, meio ambiente, indústria,
agricultura, energia e mineração, assuntos laborais, emprego e segurança
social, saúde, investimentos, comércio eletrônico, acompanhamento da
conjuntura econômica e comercial.
A Comissão de Comércio tem como principal função divulgar e
monitorar a aplicação da política comercial comum, recebendo inclusive
reclamações do Estados-parte a esse respeito e podendo emitir diretrizes,
de caráter obrigatório, ou propostas, ambas por consenso. A Comissão
conta com comitês subordinados, encarregados de fazer propostas sobre
assuntos específicos, tais como tarifas, normas comerciais, políticas pú-
blicas, competitividade, concorrência e defesa do consumidor.
A Secretaria Administrativa está localizada em Montevidéu e tem um
diretor de caráter administrativo, eleito pelo Grupo Mercado Comum
por um mandato de dois anos, sem possibilidade de reeleição, e um cor-
po de funcionários. Uma decisão do Conselho de 2002 (Decisão 30/2002)
implementou reformas importantes na secretaria ao criar um setor — a
Assessoria Técnica — com o objetivo de gerar um espaço de reflexão
sobre o processo de integração. A reforma tem por objetivo transformar a
secretaria administrativa em uma secretaria técnica e é vista como favorá-
Integração Regional 199

vel aos adeptos da supranacionalização do Mercosul, já que apesar de


atender a quotas nacionais, os consultores foram selecionados através de
concurso competitivo para trabalhar na secretaria, e não apenas aponta-
dos pelos Estados-parte, assim como ocorre na Comissão da UE.67
Os outros dois setores têm um caráter mais administrativo. O Setor
de Normativa e Documentação tem como principais funções apoiar a
elaboração, implementação e divulgação das normas do Mercosul, in-
clusive sua incorporação aos ordenamentos jurídicos dos Estados-parte,
e prestar assistência nos procedimentos de solução de controvérsia. O
Setor de Administração e Apoio tem como principais funções a admi-
nistração financeira e patrimonial, como a elaboração dos projetos de
orçamento e administração de recursos humanos.
A Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul tem poder apenas
consultivo. É composta por até 64 parlamentares que estejam exercen-
do mandato em seus Estados-parte e se organiza em subcomissões, que
tratam de questões específicas. Reúne-se, quando convocada, na Secre-
taria Administrativa, e suas recomendações são tomadas por consenso
e encaminhadas ao Conselho do Mercado Comum, por intermédio do
Grupo Mercado Comum. A Comissão Parlamentar é vista como um passo
em direção à criação de um verdadeiro Parlamento, que teria poder
legislativo, e seria idealmente eleito por voto direto, assim como o Parla-
mento Europeu.68 Embora a Comissão Parlamentar seja relativamente
ativa, tendo emitido várias recomendações, não tem sido eficaz em ga-
rantir uma de suas principais funções: a aceleração da internalização
das normas emitidas no Mercosul, o que será discutido adiante.
Como órgão de representação da sociedade civil, o Mercosul criou o
Foro Consultivo Econômico-Social. Embora a ideia fosse progressiva, seu
impacto político, assim como o Comitê Social e Econômico da União
Europeia, tem sido pequeno. O Foro funciona com representantes de tra-
balhadores, empresários e consumidores e emite recomendações ao GMC.69
Finalmente, desde a entrada em vigor do Protocolo de Olivos, o
Mercosul conta com um Tribunal Permanente de Revisão como parte de
seu sistema de solução de controvérsias. O modelo original de solução
200 Organizações Internacionais

de controvérsias havia sido previsto no Tratado de Assunção, criado pelo


Protocolo de Brasília, assinado em dezembro de 1991 e em vigor a partir
de abril de 1993.70 Esse sistema passou por uma reforma substancial,
incorporada pelo Protocolo de Olivos, assinado em fevereiro de 2002 e
em vigor a partir de fevereiro de 2004. O sistema novo é composto pelas
três etapas tradicionais de solução de controvérsias, já presentes anterior-
mente: negociação direta, conciliação (com a intervenção do GMC, que
pode requerer o assessoramento de especialistas) e arbitragem, e também
um Tribunal Permanente de Revisão. O tribunal é composto de três a cinco
árbitros, escolhidos da lista depositada na Secretaria pelos Estados-parte.71
O Tribunal pode confirmar, modificar ou revogar os laudos da arbi-
tragem, mas também pode ser acionado sem intermediário, após a etapa
de negociação direta, o que despertou muitas críticas entre especialis-
tas. O problema levantado é que, mesmo tendo buscado aprofundar a
segurança jurídica, o TPR permaneceu tendo um caráter arbitral, não
judiciário (composto por juízes permanentes), o que complicou a sua
relação com a etapa anterior de arbitragem, especialmente quando se
leva em conta que os árbitros que podem ser convocados em ambas as
instâncias são os mesmos. Um aspecto progressivo do sistema de solu-
ção de controvérsias do Mercosul é a consideração de reclamações de
particulares, pessoas físicas ou jurídicas, além dos Estados-parte. Os parti-
culares, no entanto, devem obter a proteção diplomática do Estado-parte
onde tenha sua residência habitual ou a sede de seus negócios, o que
limita seu acesso de fato ao sistema de solução de controvérsias.72 O atual
sistema de solução de controvérsias não pode ser considerado permanen-
te. O Protocolo de Olivos prevê, em seu artigo 53, que o mecanismo de
solução de controvérsias seja novamente revisto até a finalização do pro-
cesso de convergência da Tarifa Externa Comum, previsto para 2006.
O sucesso inicial do Mercosul superou todas as expectativas. No
que se refere à evolução da implementação do mercado comum, a
liberalização tarifária teve um efeito de crescimento de 89% do comér-
cio intrabloco e 311% do comércio extrabloco entre 1990-1996. Em
janeiro de 1995, foi implementada a Tarifa Externa Comum, com uma
variação de 0 a 20%, marcando a passagem do Mercosul de uma área
Integração Regional 201

PRINCIPAIS ÓRGÃOS DO MERCOSUL


E SEU PROCESSO DECISÓRIO:

 Conselho do Mercado Comum: Poder legislativo, decisões por con-


senso, obrigatórias (devem ser internalizadas).
 Grupo do Mercado Comum: Poder executivo e de iniciativa legislativa,
resoluções por consenso.
 Comissão de Comércio do Mercosul: Diretrizes obrigatórias, ou pro-
postas, por consenso.
 Comissão Parlamentar Conjunta: Poder consultivo, recomendações
por consenso.
 Tribunal Permanente de Revisão: Laudos arbitrais adotados por
maioria e obrigatórios.
 Foro Consultivo Econômico-Social: Poder consultivo, recomendações
ao Grupo Mercado Comum.

de livre-comércio para uma união aduaneira. A Tarifa Externa Comum,


no entanto, assim como o regime tarifário intrabloco, possui muitas
exceções, e, por isso, o Mercosul é considerado uma união aduaneira
imperfeita. A previsão para sua implementação completa foi adiada para
2006, como mencionado anteriormente.73
No plano externo, o Mercosul também teve um reconhecimento
imediato. Deve-se destacar a importância do Acordo de Cooperação
Interinstitucional, concluído com a UE, em 1992, que além de ter sido
o primeiro acordo internacional concluído pelo Mercosul, incluiu o fi-
nanciamento de projetos para a Secretaria Administrativa e para a
harmonização aduaneira. Em 2002, o Mercosul assinou acordos com a
Comunidade Andina e com o México e, em 2003, com a Índia.74
Apesar desse sucesso inicial, o Mercosul passou por uma crise pro-
funda no final da década de 1990. A adoção de medidas unilaterais,
sem consultas prévias, por parte dos Estados-parte em áreas de claro
impacto mútuo, minou a credibilidade do processo de integração. En-
202 Organizações Internacionais

tre as medidas mais críticas, podem-se mencionar a desvalorização do


real em 1999, e a modificação das tarifas externas sobre bens de capital
e de consumo por parte do governo argentino em 2001. Em reação a
essa tendência, o Conselho do Mercado Comum tomou a decisão em
julho de 2001 (Decisão 05/01) de estabelecer um grupo de alto nível
para examinar a consistência e a dispersão da tarifa externa comum. O
grupo criado — Grupo de Reflexão Prospectiva — realizou uma análi-
se muito mais ampla do que as instruções da decisão previam. As con-
tribuições do grupo, que contou com várias personalidades do meio
acadêmico, empresarial e governamental dos quatro Estados-parte, fo-
ram apresentadas em um seminário no Palácio Itamaraty e buscaram
extrair conclusões para informar as deliberações da 26ª reunião do
Conselho do Mercado Comum e da Conferência de Cúpula de Chefes
de Estado, ambas realizadas em dezembro do mesmo ano. Algumas
das recomendações consensuais foram: a consolidação da união adua-
neira; o aprimoramento da estrutura institucional do Mercosul, a in-
corporação das normas ao direito interno, a integração fronteiriça, a
coordenação das políticas macroeconômicas, o fortalecimentos dos la-
ços comerciais com mercados emergentes e a conclusão de um acordo
de livre-comércio com a Comunidade Andina.75
Essa iniciativa de relançamento do processo de integração foi refor-
çada pelos novos governos eleitos no Brasil, Lula da Silva, em janeiro
2003, e na Argentina, Nestor Kirchner em maio do mesmo ano. Ambos
os presidentes têm priorizado a integração regional em suas políticas
externas.
Apesar do relançamento, o processo de integração regional enfrenta
impasses de tal complexidade e profundidade que colocam em questão
sua continuidade. Entre os principais obstáculos à integração, destacam-
se a instabilidade macroeconômica dos países, que dificulta ainda mais o
processo à medida que a integração entra em uma fase positiva de desen-
volvimento de políticas comuns, que vão além da liberalização comerci-
al, e a assimetria de poder entre o Brasil e os demais membros, acirrada
com a crise argentina. Apesar do claro projeto de liderança regional da
Integração Regional 203

política externa de Lula, a condição de país em desenvolvimento limita a


capacidade de esse país exercer uma hegemonia benigna no Mercosul.
Outro fator que tem limitado a credibilidade do Mercosul é a falta
de eficácia de suas normas. Um estudo recente aponta que, das 149
decisões aprovadas pelo CMC entre 1991 e setembro de 2002, 70% não
haviam sido internalizadas. Das 604 resoluções do GMC, 63% estavam
pendentes, e das 90 diretivas da Comissão de Comércio, 59%.76 Esse
alto índice de não internalização das normas do Mercosul provoca um
ciclo vicioso, pois à medida que os Estados-parte percebem que podem
tomar decisões sem se comprometer a cumpri-las, o processo de inte-
gração torna-se fictício, a integração não sai do papel e não se torna
realidade. Como há pouco controle e não são previstas sanções no caso
de não cumprimento da internalização, o problema nem se torna públi-
co. Uma das razões apontadas para o baixo índice de internalização das
normas é o fato de a integração ser promovida pelos executivos e chan-
celarias dos Estados-parte, sem consulta à sociedade e aos legislativos.77
Por fim, o desconhecimento e a falta de interesse da sociedade pelo
bloco não contribui para gerar uma dinâmica favorável ao aprofunda-
mento da integração. Excetuando-se o empresariado, há muito pouco
envolvimento da sociedade civil e é muito difícil falar de uma identidade
comum mercosulina. Algumas iniciativas, tais como o Mercocidades, fórum
criado entre as cidades e municípios dos Estados-parte, e o Fórum Uni-
versitário Mercosul (Fomerco), poderiam ser apontadas como mobiliza-
ções, mas ainda exercem pouca influência real no processo de integração.78
Como uma organização internacional, o Mercosul pode ser conside-
rado um fórum de discussão entre seus Estados-parte. No entanto, várias
decisões importantes tomadas por seus Estados-parte, com um claro im-
pacto nos demais, não foram discutidas nas instituições do Mercosul, como
por exemplo a mencionada desvalorização do real em 1999 e a mudança
nas tarifas comerciais argentinas em 2001. Ainda que essas decisões te-
nham sido legitimadas a posteriori, elas colocam em questão a importância
atribuída à cooperação, especialmente em momentos de crise. O Mercosul
não pode ser considerado um ator da política internacional, que atue in-
204 Organizações Internacionais

dependentemente de seus Estados-parte. Apesar de participar nas nego-


ciações internacionais, como no âmbito da OMC ou na União Europeia,
sua estrutura jurídico-institucional restringe qualquer autonomia da or-
ganização, não existindo nenhum órgão supranacional que pudesse
exercê-la. A Secretaria Técnica poderia vir a ser um embrião de tal órgão,
mas a importância atribuída à soberania nacional, claramente subordi-
nando a cooperação regional à lógica dos interesses particulares nacio-
nais, parece impedir a emancipação da organização.

ALGUNS SITES DA INTERNET DE INTERESSE:

ACP: http://www.acpsec.org
ALCA: http://www.ftaa-alca.org
APEC: http://www.apec.org
Área de Livre-Comércio G3: http://www.americas.fiu.edu
Área Econômica Europeia : http://www.efta.int
Área Europeia de Livre-Comércio : http://www.efta.int
ASEAN: http://www.aseansec.org
CAN : http://www.comunidadandina.org
CdE: http://www.coe.int
CIS: http://www.cis.minsk.by/
COMECOM: http://www.caricom.org
Comissão do Rio Meking: http://www.mrcmekong.org
Comissão do Oceano Índico: http://www.coi-info.org
Comunidade Econômica dos Estados dos Grandes Lagos:
http://www.polisci.com/almanac/organs/intorg/20055
Conselho de Cooperação do Golfo: http://www.gcc-sg.org
Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo:
http://www.gcc-sg.org
Conselho Nórdico: http://www.norden.org
Cooperação Econômica do Mar Negro : http://www.bsec.gov.tr
ECOWAS: http://www.ecowas.int
Liga Árabe: http://www.leagueofarabstates.org
Integração Regional 205

Mercado Comum para África Oriental e do Meridional:


http://www.comesa.int
Mercosul: http://www.mercosur.org.uy
NAFTA : http://www.nafta-sec.alena.org
OCDE : http://www.oecd.org
OEA : http://oas.org
OPEC: http://www.opec.org
Organização Árabe para Desenvolvimento Agrícola:
http://www.aoad.org
Órgão da Conferência Islâmica: http://www.oic-oci.org
OSCE: http://www.osce.org
OTAN : http://nato.int
Regional Integration Information System, UNU/CRIS:
http://amantoin.brinkster.net/ri/site/index.htm.
SADC: http://www.sadc.int
SELA: http://www.sela.org
UA: http://www.africa-union.org
UE : http://europa.eu.int
União Árabe do Magred: http://www.maghrebarabe.org
União do Rio Mano: http://www.manuriver.com
WEU: http://www.weu.org

Leituras para Continuar seu Estudo


Breslin, Shauen, Christopher W. Hughes, Nicola Phillips & Ben Rosamond, New regionalisms in
the global political economy, Routledge, Londres & Nova York, 2002.
Calley, Stephen C. Regionalism in the Post-Cold War World, Aldershot, Hampshire: Ashgate
Publising Ltd., 2000.
Costa Vaz, Alcides, Cooperação, integração e processo negociador. A construção do Mercosul, FUNAG,
2002.
Neill, Nugent, The government and politics of the European Union, 5th ed., Palgrave Macmillan,
2003.

Notas
1. Algumas organizações regionais incluem uma definição precisa dos limites geográficos para
adesão de membros, como a OTAN ou a OEA, outras não, como a União Europeia, que será
206 Organizações Internacionais

vista adiante. Para a discussão a respeito da definição de região veja, por exemplo, os artigos
de Amitav Acharya (Acharya, 2002) e Alexander Murphy (Murphy, 1991).
2. Exemplos particulares no âmbito do processo de integração na Europa e Cone Sul são o
Comitê de Regiões da União Europeia e o fórum Mercocidades do Mercosul.
3. Da mesma forma que um regime também pode, ou não, gerar uma organização internacio-
nal funcional, como visto no Capítulo 4.
4. Veja os artigos de Raimo Vaeyrynen (Vaeyrynen, 2003), Arvind Panagyrya (Panagyrya,
1999), Björn Hettne (Hettne, Inotai & Sunkel, 1999, 2000a e 2000b) e Edward Mansfield
& Helen Milner (Mansfield & Milner, 1997, 1999).
5. Alguns exemplos incorporam membros de mais de uma região, a classificação considerou
a região onde se encontra a maioria dos membros.
6. Para o regionalismo na área de segurança e sua relação com a ONU veja o artigo de Michael
Pugh (Pugh, 2003) e o Capítulo 3. Para o caso da OEA veja o artigo de Mônica Herz (Herz,
2003).
7. Sobre as orientações da CEPAL, veja o artigo de Ricardo Bielschowsky (Bielschowsky, 2000).
8. Na década de 1970, abriu-se a possibilidade para que processos de integração econômica
entre países em desenvolvimento também fossem aprovados através de suspensões (waivers)
da Cláusula de Nação-mais-Favorecida a fins de desenvolvimento (Decisões do GATT de
1971 e de 1979).
9. Sobre essa questão veja também o artigo Joseph Weiler (Weiler & Cho, 2003).
10. Veja nota n. 4.
11. Veja nota n. 5.
12. Sobre a relação entre a ONU e as organizações regionais de segurança no período pós-
Guerra Fria ver os artigos de Louise Fawcett (Fawcett, 2003) e Michael Pugh (Pugh, 2003),
e o Capítulo 3.
13. Autores como Alberta Sbragia atribuem essa mudança na política externa norte-america-
na aos entraves nas negociações na OMC, ao sucesso da integração europeia e à supera-
ção da tese do multilateralismo econômico ser uma precondição para a paz (Sbragia,
2004). É interessante notar que as duas ondas de regionalismo foram acompanhadas por
duas ondas de perspectivas teóricas desenvolvidas com o intuito de explicar sua criação.
A primeira onda incorpora as chamadas perspectivas clássicas de integração regional,
como o federalismo, funcionalismo e neofuncionalismo. A segunda onda incorpora, além
das perspectivas clássicas revigoradas como o neo neofuncionalismo, novas perspectivas,
estando entre as mais importantes o intergovernamentalismo liberal, as perspectivas
neoinstitucionalistas e a chamada “governança multinível”. Para as perspectivas teóricas
veja o Capítulo 2.
14. Para o impacto da crise asiática sobre o regionalismo veja o artigo de Douglas Webber
(Webber, 2001) e de Amitav Acharya (Acharya, 1999). Para críticas ao NAFTA veja, por
exemplo, o artigo de Tony Porter (Porter, 2002).
15. Para o debate sobre a especificidade da UE e a possibilidade de realizar estudos comparativos
de integração regional veja os artigos de James Caporaso e outros (Caporaso et al., 2003), e
Shauen Breslin e outros (Breslin et al., 2002), respectivamente.
16. Veja o Capítulo 1.
17. Para uma visão histórica detalhada sobre a integração na Europa veja o livro de Marie-
Thérèse Bitsch (Bitsch, 2001).
Integração Regional 207

18. Mesmo após o fim do Programa de Reconstrução Europeia, em 1952, a OECE não foi extinta
e acabou sendo transformada, em dezembro de 1960, na Organização Europeia de Coopera-
ção ao Desenvolvimento Econômico (OECD).
19. A estrutura do CdE é intergovernamental, e seu principal órgão é um Comitê de Ministros,
composto pelos ministros de relações exteriores. Além do Secretariado Administrativo,
situado em Estrasburgo, o CdE ainda possui uma Assembleia, que embora só tenha caráter
consultivo e não seja eleita por sufrágio universal, foi a primeira assembleia parlamentar
internacional.
20. Deve-se destacar a participação de Winston Churchill como principal mentor dos grupos
da União Europeia dos Federalistas e Movimento para uma Europa unida. O ex-primeiro
ministro inglês, após as derrotas eleitorais, em 1945, foi um dos principais promotores da
integração, ainda que nos moldes intergovernamentais.
21. Em consideração à Declaração de Schuman, comemora-se no dia 9 de maio o aniversário
da União Europeia.
22. Para o funcionalismo veja o Capítulo 2.
23. A participação de Adenauer nas negociações para a criação da CECA precisou ser autoriza-
da pelo presidente da Alta Comissão Aliada, o americano John McCloy, dado que essa
ainda possuía o controle sobre as relações externas da Alemanha.
24. Além da relutância em aceitar a criação de um órgão supranacional, a resistência inicial do
Reino Unido em participar da integração europeia é atribuída à preocupação em manter sua
relação especial com a Commonwealth, e de uma forma mais ampla, a não aceitação de sua
decadência como uma potência hegemônica.
25. Com o fracasso da CED, a União Ocidental foi reforçada e renomeada União da Europa
Ocidental (UEO). A Alemanha, assim como a Itália, foi convidada a participar tanto dessa
organização quanto da OTAN.
26. A Alta Autoridade era composta por nove membros: dois franceses, dois alemães, um de cada
outro Estado-membro e um eleito pelos outros, Jean Monnet tendo sido o primeiro escolhido.
27. A Associação Europeia de Livre-Comércio acabou sendo criada pelo Tratado, assinado em
Estocolmo em janeiro de 1960, entre o Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Suíça, Áustria e
Portugal, sem, portanto, nenhum dos membros das Comunidades Europeias.
28. O Plano foi elaborado por uma comissão ministerial chefiada pelo diplomata gaulista Christian
Fouchet, que recebera o mandato dos chefes de Estado e Governo dos Seis para fazer altera-
ções no plano para integração política, inicialmente proposto por de Gaulle.
29. Como visto no Capítulo 1, a votação por maioria, ao contrário da unanimidade ou do
consenso implica que um Estado seja obrigado a implementar as decisões acordadas, mesmo
sem sua concordância.
30. O texto do compromisso diz que “sempre que, no caso de decisões que podem ser tomadas
por maioria relativamente a uma proposta da comissão, estiverem em jogo interesses im-
portantes de um ou mais parceiros, os membros do Conselho diligenciarão, em um prazo
razoável, no sentido de encontrar as soluções que possam ser adotadas por todos os mem-
bros do Conselho no respeito dos seus interesses mútuos e dos interesses da comunidade,
nos termos do Artigo 2 do tratado.” O Compromisso de Luxemburgo representou uma
diminuição dos poderes legislativos da Comissão vis-à-vis o Conselho, já que passou a ser
mais conservadora em suas iniciativas para evitar que fossem bloqueadas.
208 Organizações Internacionais

31. A cooperação política entre os governos dos Estados-parte já ocorria na prática desde a década
de 1970, mas fora das instituições comunitárias, já que as tentativas anteriores de incorporá-
la, tais como o Plano Fouchet, fracassaram.
32. Livros brancos são relatórios preparados pela Comissão para o Conselho da UE com pro-
postas para ação comunitária. Caso aceitos pelo Conselho, como foi o caso em questão,
são implementados em programas de ação.
33. Argumento defendido por Alasdair Young e Helen Wallace (Young & Wallace, 2000).
34. Em um artigo de 1972 que se tornou clássico, o professor francês Francois Duchene defen-
deu que o papel da Europa para a manutenção da paz deveria se basear em seu poder
econômico, e não militar (Duchene, 1972). Para o debate contemporâneo sobre o conceito
veja as obras de Richard Whitman (Whitman, 1998) e Ian Manners (Manners, 2000).
35. As atividades da PESD têm se limitado portanto à gestão de crises e prevenções de conflitos
internacionais. Em janeiro de 2003, foi lançada a primeira operação da PESD, a Missão
de Polícia da União Europeia na Bósnia-Hezergovina, que substituiu a Força Internacional
de Manutenção da Paz da ONU, prevista para durar até 2006, e com o principal objetivo de
estabelecer padrões europeus de policiamento. A essa primeira operação se seguiram: a
operação Concórdia, na Antiga República Iugoslávia da Macedônia, de março a dezembro de
2003, com o objetivo de promover a estabilidade na região, a operação Artemis, na Repúbli-
ca Democrática do Congo, de junho a setembro de 2003, com objetivo de promover a
estabilidade e as condições humanitárias, e a operação Próxima, também na Antiga Repúbli-
ca Iugoslávia da Macedônia, iniciada em dezembro e 2003, com previsão para ser finalizada
em dezembro de 2004, com o objetivo principal de combater a criminalidade organizada e
estabelecer padrões europeus de policiamento.
36. Sobre o debate do déficit democrático na UE veja o livro de Philippe Schmitter (Schmitter,
2000) e os artigos de Ives Meny (Meny, 2002) e Joseph Weiler (Weiler, 2003).
37. O Acordo de Schengen havia sido concluído inicialmente entre a França, a Alemanha e o
Benelux, em 1985, e posteriormente incluiu todos os membros da UE, exceto o Reino
Unido e a Irlanda. Sua abrangência também foi aumentada pela Convenção de Aplicação
do Acordo de Shengen, de 1990, prevendo a harmonização dos procedimentos para a
concessão de vistos, asilo e extradição, entre outros. Com o Tratado de Amsterdã, o Reino
Unido e a Irlanda optaram por não participar da área de livre-circulação de pessoas, embo-
ra participem de algumas iniciativas particulares como a cooperação policial e legal em
assuntos criminais. A Islândia e a Noruega, apesar de não serem membros da UE, fazem parte
do Acordo de Schengen, pois participavam da União Nórdica com a Suécia, Finlândia e
Dinamarca, que compreendia a livre-circulação de pessoas quando as últimas se tornaram
membros da UE. A incorporação do Schengen pelo Tratado de Amsterdã também significou
a transferência de várias políticas do terceiro para o primeiro pilar.
38. Embora a decisão final caiba ao Conselho Europeu, as Conferências Intergovernamentais
são convocadas pelo Conselho da UE por maioria simples, e seus trabalhos preparatórios
envolvem a Comissão e o Parlamento, além de representantes dos Estados-parte.
39. Entre os comitês mais importantes, encontram-se os Comitês de Representantes Perma-
nentes dos Estados-parte, COREPER I, compostos pelos chefes das representações, e
COREPER II, composto por outros membros das representações.
40. O número de Comissários e de Diretórios Gerais sofreu várias modificações, assim como a
divisão das áreas temáticas dos últimos. Conforme estipulado pelo Tratado de Nice, com o
Integração Regional 209

ampliação para o leste europeu, o número de Comissário passará de 20 (dois para França, dois para
Alemanha e um para cada outro Estado-parte da UE-15) para 25 (um por Estado-parte da UE-
25), após um período transitório, de 30 entre 1 de maio e 31 de outubro de 2004.
41. A rede de canais com os Estados-parte se constitui principalmente de encontros no âmbito
de comitês formais mistos, um processo referido como “comitologia”, descrito por Wolfgang
Wessels (Wessels, 1997). Já a rede com grupos de interesse, ou lobbies, tem caráter mais
informal, embora não menos importante, como destacado por Justin Greenwood
(Greenwood, 1997).
42. No contexto das alegações de corrupção e investigações por parte do Parlamento, a Comis-
são resignou coletivamente em março de 1999, não tendo sido necessário, portanto, que o
Parlamento exercesse seus poderes de destituí-la. Para uma análise desse evento veja o
artigo de Angelina Topan (Topan, 2002).
43. Os principais grupos são o Grupo do Partido Popular Europeu (democrata-cristão) e Demo-
cratas Europeus (PPE-DE), Grupo do Partido dos Socialistas Europeus (PSE), Grupo do
Partido Europeu dos Liberais, Democratas e Reformistas (ELDR), Grupo dos Verdes/Alian-
ça Livre Europeia (Verts/ALE), Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda
Nórdica Verde (GUE/NGL); Grupo União para a Europa das Nações (UEN) e Grupo para a
Europa das Democracias e das Diferenças (EDD). Parlamentares que não se enquadrem em
nenhum dos grupos anteriores são classificados como Grupo dos Não Inscritos (NI).
44. Para esse argumento veja, por exemplo, o estudo de Justin Greenwood sobre os grupos de
interesse e lobbies atuantes em diversas áreas na União Europeia (Greenwood, 1997).
45. Ramon Torrent, acadêmico e ex-assessor do serviço jurídico do Conselho da União Europeia,
classifica os acordos internacionais da União Europeia entre “cheios” e “vazios”, os últimos
não contendo nenhum compromisso jurídico específico, apenas referências gerais sobre in-
tenções futuras (Torrent, 1998).
46. Há uma ampla literatura sobre a subjetividade (actorness) da UE. Alguns autores negam
essa possibilidade, tais como os realistas Mersheimer (Mersheimer, 2001) e Hedley Bull
(Bull, 1982). Outros estabeleceram critérios para determinação de quando a UE pode ser
considerada um ator da política internacional. Para Sjostedt, os critérios deveriam incluir a
existência de uma comunidade de interesses, um sistema decisório, canais de representa-
ção e comunicação com o exterior (Sjostedt, 1977); Breternton e Vogler enfatizam a existên-
cia de um compromisso a valores e princípios comuns (Bretherthon & Vogler, 1999);
Christopher Hill identifica o principal obstáculo a lacuna (gap) entre as expectativas e a
capacidades da UE (Hill, 1993, 1998). Finalmente, um terceiro grupo de autores incluindo
Ian Manners, Ricahrd Whitman, Alan Ginsberg e Karen Smith (Manners, 1997, Whitman
1998, Ginsberg 2001, Smith 1999), defendem a possibilidade de analisar a UE como um
ator da política internacional, dado que apesar de não cumprir vários dos critérios aponta-
dos, já se estabeleceu como uma presença na arena global. Alguns realistas, como Keneth
Waltz (Waltz, 2000) e Robert Kagan (Kagan, 2002), consideram que a UE pode ser tratada
“como se fosse” um ator internacional.
47. Para uma análise detalhada do processo de ampliação para o centro e leste europeu veja o
livro de Karen Smith (Smith, 2003).
48. Para um estudo sobre a política externa da União Europeia para o Mercosul veja o livro de
Andrea Ribeiro Hoffmann (Ribeiro Hoffmann, 2004).
210 Organizações Internacionais

49. A retomada do debate sobre a finalidade da integração é atribuída à palestra do ministro de


relações exteriores da Alemanha Joshka Fisher na Universidade de Humboldt em Berlim em
12 de maio de 2000. Para um brilhante compêndio incluindo a análise da palestra de Fisher
por vários acadêmicos proeminentes veja a obra organizada por Joerges e outros (Joerges,
Meny & Weiler, 2000). Veja também o artigo de Sônia Camargo (Camargo, 2004).
50. Até o Tratado de Nice, a maioria qualificada exigia aproximadamente 71% dos votos, e a
ponderação dos votos era feita com base na população dos Estados-parte, sendo corrigida
de forma a favorecer os Estados menos populosos. O Tratado de Nice recalculou o peso
dos Estados e modificou os critérios de ponderação passando também a incluir o requeri-
mento de que a maioria qualificada represente pelo menos 62% do total da população da
União. Para o poder dos Estados-parte no Conselho da União Europeia veja os quadros em
anexo.
51. Sobre a perspectiva de integração governança multinível veja o Capítulo 2.
52. A Doutrina Monroe aumentou a apreensão latino-americana a respeito das intenções dos
Estados Unidos. Sem entrar no mérito do que seria melhor para a América Latina, estar sob
influência europeia ou dos Estados Unidos, o fato é que a Doutrina Monroe marcou a entrada
desse último na disputa de influência sobre a América Latina, como destacado pelo primeiro-
ministro inglês George Canning em discurso reproduzido na obra de Evan Louard (Louard,
1992).
53. Para uma visão histórica do período colonial e dos processos de independência no Cone
Sul, ver as obras de Moniz Bandeira (Bandeira, 1995), Amado Luiz Cervo e Mario Rapoport
(Cervo & Rapoport, 1998), e Jean-Marie Lambert (Lambert, 2002). É interessante notar
que, como destacado por Pope Atkins, após o Congresso de Lima de 1865, os Estados
americanos redirecionaram seus esforços políticos da integração regional para a consolida-
ção do direito internacional, uma característica que marca a diplomacia latino-americana
até o presente momento (Atkins, 1995).
54. Ainda no século XIX, o pan-americanismo foi resgatado pelos Estados Unidos, que promoveu
a primeira Conferência Pan-americana, em 1888. A iniciativa foi percebida como uma estraté-
gia expansionista no continente, e as propostas de criar uma união aduaneira e uma corte de
arbitragem obrigatória para solução de conflitos no hemisfério não foram aceitas sobretudo
pelos países do Cone Sul. No entanto, a sede criada em Washington (Escritório Internacional das
Repúblicas Americanas) não foi extinta, mas incorporada pela OEA anos mais tarde.
55. Sobre o funcionalismo veja o Capítulo 2.
56. Sobre o ECOSOC veja também o Capítulo 6.
57. A teoria econômica estruturalista e o modelo de substituição de importações foram desenvol-
vidos pela CEPAL, principalmente pelas contribuições de seu primeiro secretário-geral, o
argentino Raul Prebish, e outros economistas como: Celso Furtado e Osvaldo Sunkel. As ideias
centrais da teoria inspiraram a criação da Comissão para o Comércio e Desenvolvimento da
ONU (UNCTAD), o movimento da Nova Ordem Econômica Internacional e a teoria da
dependência, uma vertente política da teoria estruturalista que vinculou o processo de desen-
volvimento a estrutura de poder e comportamento das classes sociais nos planos doméstico e
internacional, desenvolvida, entre outros, por Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faletto e José
Medina Echavarria. Para uma análise detalhada das teorias estruturalista e da dependência, ver
as obras de Ricardo Bielschowsky (Bielschowsky, 1998 e 2000).
Integração Regional 211

58. Para uma análise da ALALC e ALADI veja o artigo de Rubens Barbosa (Barbosa, 1991).
59. A decisão de estabelecer uma Área de Livre-Comércio nas Américas foi tomada pelos chefes
de Estado e Governo dos 34 Estados da região durante a Cúpula das Américas, realizada em
Miami em 1994, a partir da proposta do presidente norte-americano George H.W. Bush no
âmbito da Iniciativa para as Américas de 1991. As negociações do acordo se iniciaram em
abril de 1998, durante a Segunda Cúpula, realizada em Santiago, e tem previsão para termi-
nar até o final de 2005. Para detalhes sobre o processo de negociações veja o site http://
www.ftaa-alca.org. Nota-se que, como destacado por Pope Atkins, a abordagem de integração
econômica proposta pela CEPAL era inicialmente sub-regional, mas mudou logo no início da
década de 1960, defendendo que a integração latino-americana serviria melhor ao interesse
de contrabalançar a hegemonia norte-americana (Atkins, 1995).
60. Veja, por exemplo, a obra de Alcides Costa Vaz (Vaz 2002).
61. Sobre as iniciativas de cooperação bilaterais veja, por exemplo, os artigos de Sônia Camargo
(Camargo, 1997) Paulo Wrobel e Mônica Herz (Wrobel & Herz, 1988).
62. Para detalhes sobre as negociações e a multilateralização do projeto de integração veja a
obra de Alcides Costa Vaz (Vaz, 2002).
63. Regimes de origem estabelecem conjuntos completos de critérios que definem os requisitos
a que as mercadorias devem atender a fim de serem consideradas originárias, inclusive os
procedimentos acordados entre os países-parte de uma área de livre-comércio para a admi-
nistração e verificação de origem. Salvaguardas são medidas adotadas, em geral, de natureza
tarifária, que incide em caráter provisório sobre a importações de bens que causem ou
ameacem causar prejuízos graves a uma determinada indústria doméstica que produz bens
iguais ou similares (Dicionário de Termos de Comércio OEA,BID,CEPAL).
64. Sobre o tratamento da democracia pela OEA veja o artigo de Mônica Herz (Herz, 2003). É
interessante notar que a maioria das organizações universais, como a OMC e a própria
ONU, não condiciona a adesão de membros à prática da democracia. As organizações
regionais na Ásia também não possuem a cláusula democrática.
65. Veja a Decisão 14/96 do Conselho do Mercado Comum.
66. Sobre a questão da intergovernabilidade/supranacionalidade no Mercosul ver a obra de
Wagner Rocha D’Angelis (D’Angelis, 2003).
67. Veja o artigo de Fernando Pedro Meinero (Meinero, 2004).
68. Para um estudo sobre a institucionalização da CPC em um Parlamento do Mercosul veja a
obra de Francisco Pedro Jucá (Jucá, 2002).
69. Para uma análise da participação dos sindicatos no Mercosul veja a obra de Tullo Vigevani
(Vigevani, 1998).
70. Para os laudos do Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul até 2003, veja Seitenfus, 2004.
71. Cada Estado-parte elaborou uma lista de especialistas que podem ser chamados a atuar no
processo de solução de controvérsias, que fica depositada na SAM. Nota-se que, no caso de
um conflito, os Estados-parte podem optar por tentar solucioná-lo no âmbito do Mercosul,
mas também no âmbito de outros foros, tais como o da OMC, se de comum acordo. No
entanto, uma vez levado a um foro, não podem recorrer a outro, concomitante ou poste-
riormente.
72. Para mais detalhes sobre o sistema de solução de controvérsias do Mercosul e as críticas a
ele endereçadas veja por exemplo as obras de Elizabeth Accioly (Accioly, 2004) e Wagner
212 Organizações Internacionais

Rocha D’Angelis (D’Angelis, 2003). Dreysin de Klor & Arroyo (2004) e Jorge Fontoura
(Fontoura, 2004).
73. Para a evolução econômica do Mercosul veja o artigo de Roberto Bouzas (Bouzas, 2002).
74. O Mercosul também tem atuado de forma coesa nas negociações no âmbito da OMC,
ALCA e com a UE.
75. Um compêndio dos trabalhos apresentados foi publicado pelo Instituto de Pesquisas de
Relações Internacionais (IPRI) da Fundação Alexandre de Gusmão, em Brasília, sob orga-
nização de Clodoaldo Hugueney Filho e Carlos Henrique Cardim (Hugueney & Cardim,
2002).
76. Veja o artigo de Felix Pena (Pena, 2003).
77. Para a característica “presidencial” do processo de integração no Mercosul veja também o
artigo de Andrés Malamud (Malamud, 2004).
78. Veja os sites dessas iniciativas: http://www.pbh.gov.br/mercocidades/ e www.pucminas.br/
Mercosul/.
Para um mapeamento da sociedade civil no âmbito do Mercosul veja o artigo de Jorge
Grandi e Lincoln Bizzozero (Grandi & Bizzozzero, 1999). Para uma visão otimista a respei-
to das possibilidades de desenvolvimento dessa sociedade civil, veja o artigo de Heikki
Patomaki e Teivo Teivainen (Patomaki & Teivainen, 2002).
Anexo
DISTRIBUIÇÃO DE PODER DOS ESTADOS-PARTE
NO CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA

Ponderação de Ponderação de Ponderação de


Estado-membro votos (UE-15) votos (UE-25)* votos (UE-27)

Alemanha 10 29 29
França 10 29 29
Itália 10 29 29
Reino Unido 10 29 29
Espanha 8 27 27
Bélgica 5 12 12
Grécia 5 12 12
Países Baixos 5 13 13
Portugal 5 12 12
Áustria 4 10 10
Suécia 4 10 10
Dinamarca 3 7 7
Finlândia 3 7 7
Irlanda 3 7 7
Luxemburgo 2 4 4
Bulgária - - 10
Chipre - 4 4
Eslováquia - 7 7
Eslovênia - 4 4
Estônia - 4 4
Hungria - 12 12
Letônia - 4 4
Lituânia - 7 7
Malta - 3 3
Polônia - 27 27
Rep. Checa - 12 12
Romênia - - 14
TOTAL 87 321 345
MAIORIA 62 (71,26%) 232 (72,27%) 255 (73,91%)
QUALIFICADA
MINORIA 26 90 91
Fonte: Site UE.
* a partir de 01/11/2004 (entre 01/05/2004 e 31/10/2004 vigora uma distribuição temporária).
DISTRIBUIÇÃO DE PODER DOS ESTADOS-MEMBRO
NO PARLAMENTO EUROPEU
% %
Estado- Assentos Assentos Assentos assentos população
membro UE-15 UE-25 UE-27 UE-25 UE-25

Alemanha 99 99 99 13,52 18,17


França 87 78 72 10,66 13,06
Itália 87 78 72 10,66 12,75
Reino Unido 87 78 72 10,66 13,18
Espanha 64 54 50 7,38 8,89
Países Baixos 31 27 25 3,69 3,54
Bélgica 25 24 22 3,28 2,27
Grécia 25 24 22 3,28 2,33
Portugal 25 24 22 3,28 2,27
Suécia 22 19 18 2,60 1,96
Áustria 21 18 17 2,46 1,79
Dinamarca 16 14 13 1,91 1,18
Finlândia 16 14 13 1,91 1,14
Irlanda 15 13 12 1,78 0,85
Luxemburgo 6 6 6 0,82 0,10
Polônia - 54 50 7,38 8,53
Hungria - 24 20 3,28 2,25
Rep. Checa - 24 20 3,28 2,27
Eslováquia - 14 13 1,91 1,19
Lituânia - 13 12 1,78 0,77
Letônia - 9 8 1,23 0,52
Eslovênia - 7 7 0,96 0,44
Chipre - 6 6 0,82 0,17
Estônia - 6 6 0,82 0,30
Malta - 5 5 0,68 0,09
Bulgária - - 17 - -
Romênia - - 33 - -
TOTAL 626 732 732 100% 100%
Fonte: Site UE.
CAPÍTULO

6
Sociedade Civil Global

P RINCIPAIS QUESTÕES ABORDADAS :

 O que é a sociedade civil global e quem são seus atores.


 O que são ONGIs e quando surgiram.
 As estratégias de atuação das ONGIS e sua relação com os Estados
nacionais e com as OIGs.
 As ONGs como elementos democratizantes da governança global.
 A origem e as principais atividades da Cruz Vermelha, do Greenpeace
e da Human Rights Watch

O Conceito de Sociedade Civil Global


O conceito de sociedade civil global invoca a existência ou o pro-
cesso de desenvolvimento de uma sociedade civil que se estenda por
todo o globo, ou seja, que perpasse as fronteiras dos Estados. Esse conceito
tem sido usado tanto descritiva, quanto normativamente, com viés ora
positivo, ora negativo. Para sua compreensão, é necessário entendermos,
primeiramente, o conceito de sociedade civil, para depois vermos como
ele tem sido apropriado ao estudo das relações internacionais.
216 Organizações Internacionais

O conceito de sociedade civil é central na disciplina de ciência


política. Segundo Norberto Bobbio, seu entendimento variou ao longo
dos séculos e no pensamento de autores clássicos tais como Thomas
Hobbes, John Locke, Immanuel Kant, Friedrich Hegel e Karl Marx. Na
linguagem política contemporânea, o conceito de sociedade civil global
seria marcado pela literatura marxista e refere-se à esfera das relações
sociais não reguladas pelo Estado. Na contraposição sociedade civil/
Estado, entende-se por sociedade civil a esfera das relações entre indi-
víduos, entre grupos, entre classes sociais, que se desenvolveram à
margem das relações de poder que caracterizam as instituições esta-
tais. Ela é representada assim como o terreno dos conflitos econômi-
cos, ideológicos, sociais e religiosos que o Estado deve resolver, inter-
vindo como mediador ou suprimindo-os.
Ainda segundo Bobbio, o conceito contemporâneo é o oposto do
utilizado em sua acepção original, corrente na doutrina política tradicio-
nal e, em particular, na doutrina jusnaturalista. Conforme os modelos
jusnaturalistas da origem do Estado, seja o proposto por Hobbes, Locke
ou Kant, a sociedade civil (societas civilis) contrapõe-se à sociedade na-
tural (societas naturalis), sendo sinônimo de “sociedade política” e, por-
tanto, de “Estado”. A ideia de sociedade civil, ou o Estado, nasce em
contraste a um estado primitivo da humanidade em que o homem vivia
sem outras leis, senão as naturais. Ela implica uma zona de civilidade,
na qual impera o estado de direito, uma comunidade política e uma
ordem pacífica baseada no consentimento explícito ou implícito dos
indivíduos que dela participam. A sociedade civil nasce, portanto, com
a instituição de um poder comum que só é capaz de garantir aos indiví-
duos associados alguns bens fundamentais como a paz, a liberdade, a
propriedade e a segurança, que, no estado natural, são ameaçados se-
guidamente pela explosão de conflitos, cuja solução é confiada exclusi-
vamente à autotutela.1
Historicamente, o termo sociedade civil global ganhou proeminên-
cia nos anos 90, impulsionado pela intensificação da globalização e das
relações transnacionais. Embora ambos fenômenos já fossem verifica-
Sociedade Civil Global 217

dos nas décadas de 1970 e 1980, o final da Guerra Fria impulsionou o


debate acadêmico sobre o tema.2 É questionado até que ponto o sistema
internacional não deve ser caracterizado por uma anarquia, nem uma
sociedade de Estados, mas sim uma sociedade global, composta por
indivíduos e grupos cujos interesses e identidades não são limitados
pelas fronteiras dos Estados. Também é debatido até que ponto os indi-
víduos e grupos que fazem parte da sociedade civil global podem ser
vistos como novos atores da política internacional. Nesse sentido, o de-
bate acerca da sociedade civil global está diretamente ligado ao debate
acerca das transformações do sistema internacional, da soberania estatal
e da governança global.3
A literatura da disciplina de Relações Internacionais reflete a diver-
sidade de premissas a respeito da sociedade civil. Ronnie Lipschutz de-
fine a sociedade civil global como um tipo de interação política focaliza-
da na construção consciente de redes de ação e conhecimento por ato-
res locais que transpassam as fronteiras reificadas do espaço, ou seja, os
Estados. Essas redes seriam, em grande medida, unidas por normas e
códigos de comportamento que emergiram em reação às ficções legais e
sociais construídas pelo sistema de Estados.4
Outros autores são mais céticos quanto à harmonia interna e as
promessas democratizantes da sociedade civil global. Robert Cox vê a
sociedade civil global como associada ao mercado capitalista e à contes-
tação entre forças hegemônicas e contra-hegemônicas.5 Richard Falk e
R.B.J. Walker definem a sociedade civil global como uma expansão da
arena de pluralismo e contestação, não apenas como uma fonte de civili-
dade, mas também de “incivilidade”. Esses autores, no entanto, fazem
uma distinção entre a sociedade civil e o mercado.6 A sociedade civil
global refere-se ao espaço de atuação e pensamento ocupado por inicia-
tivas de cidadãos, individuais ou coletivos, de caráter voluntário e sem
fins lucrativos.7 Assim como esses últimos autores, buscamos proble-
matizar as condições sob as quais surgiu a sociedade civil global e seu
papel na governança global e também excluímos iniciativas de caráter
lucrativo, tais como as corporações multinacionais.
218 Organizações Internacionais

DEFINIÇÃO DE SOCIEDADE CIVIL GLOBAL:

Espaço de atuação e pensamento ocupado por iniciativas de indivíduos


ou grupos, de caráter voluntário e sem fins lucrativos, que perpassam
as fronteiras dos Estados.

Podemos distinguir diversos tipos de ação coletiva ou de organiza-


ção dos participantes da sociedade civil. Essas formas de organização da
sociedade civil global podem ser vistas como fóruns em que os indiví-
duos e grupos colaboram na formulação de normas, ou como atores,
dependendo de seu grau de institucionalização e autonomia. Além das
organizações não governamentais internacionais (ONGIs),8 que serão
vistas em detalhes a seguir, as principais formas de organização dos par-
ticipantes da sociedade civil global são os movimentos sociais transna-
cionais, as coalizões ou redes transnacionais, as redes de políticas glo-
bais e as comunidades epistêmicas. Alguns autores também incluem as
corporações multinacionais como atores da sociedade civil global. Aqui,
consideramos que, embora as corporações multinacionais sejam atores
não estatais, elas não fazem parte da sociedade civil global já que sua
lógica de atuação não é política, e sim econômica: seu objetivo primor-
dial é a maximização de lucros.9
Os movimentos sociais transnacionais são indivíduos e grupos que
se juntam com o objetivo de transformar o status quo. Eles atuam através
de meios não violentos, embora possam desrespeitar o estado de direi-
to na promoção da mudança social. Esses movimentos se desenvolvem
ao redor de clivagens sociais, tais como: classe, religião, região, idioma
ou algum objetivo particular como meio ambiente, direitos humanos,
desenvolvimento e imigração. Alguns exemplos seriam o movimento
abolicionista no final do século XIX e o Pentacostalismo Cristão.
As redes ou coalizões transnacionais são ligações entre diversos ti-
pos de organização da sociedade civil global que, embora se mante-
nham independentes organizacionalmente, atuam em conjunto para
Sociedade Civil Global 219

promover uma determinada atividade, tal como o Fórum Social Mun-


dial. Como consta em sua Carta de Princípios, o Fórum Social Mundial
foi criado como um “espaço aberto de encontro para o aprofundamento
da reflexão, o debate democrático de ideias, a formulação de propos-
tas, a troca livre de experiências e a articulação para ações eficazes, de
entidades e movimentos da sociedade civil que se opõem ao
neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer
forma de imperialismo, e estão empenhadas na construção de uma so-
ciedade planetária centrada no ser humano”.10
Um tipo particular de coalizão são as redes de advocacia (advocacy
networks), que compartilham valores e discursos, buscando defender
uma causa ou promover novas ideias no debate político, como a criada
em 1993 para promover a Campanha Internacional para Proibição Total
de Minas Terrestres. Essa rede transformou o discurso internacional a
respeito das minas, definindo-as não como uma questão de controle de
armas ou de segurança nacional, mas como uma questão de segurança
humanitária.
As redes de política global são redes que incluem setores governa-
mentais, tais como a Comissão Mundial de Represas. Essa comissão foi
criada em 1998, como um fórum para cooperação a respeito do papel
das represas sobre o desenvolvimento econômico, e é formada por re-
presentantes governamentais, de OIGs como o Banco Mundial, ONGIs
e do setor privado. Em 2000, lançou um relatório “Represas e Desenvol-
vimento: um novo arcabouço para tomada de decisões”, com a presença
de Nelson Mandela, que se tornou referência para a área.11 As comuni-
dades epistêmicas são redes compostas por especialistas de vários paí-
ses, que podem trabalhar em institutos de pesquisa, universidades ou
nos governos. Um exemplo de comunidade epistêmica seria o grupo de
estudos UE-Mercosul organizado pela Cadeira Mercosul do Instituto de
Estudos Políticos de Paris.12
Finalmente, um tipo particular da sociedade civil global são as
ONGIs. Ao contrário dos outros tipos, as ONGIs têm um caráter parti-
cular devido a seu maior grau de formalização e institucionalização. Elas
220 Organizações Internacionais

PRINCIPAIS TIPOS DE PARTICIPANTES DA SOCIEDADE CIVIL GLOBAL:

 Movimentos sociais transnacionais: Indivíduos e grupos que se jun-


tam com o objetivo de transformar o status quo.
 Coalizões ou redes transnacionais: Ligações entre diversos tipos
de organização da sociedade civil global, que embora se mante-
nham independentes organizacionalmente, atuam em conjunto para
promover uma determinada atividade.
 Redes de advocacia: Tipo particular de rede, onde seus participan-
tes compartilham valores e discursos, buscando defender uma cau-
sa e promover novas ideias no debate político.
 Redes de políticas globais: Redes que incluem setores governa-
mentais.
 Comunidades epistêmicas: redes compostas por especialistas de
vários países, que podem trabalhar em institutos de pesquisa, uni-
versidades ou nos governos.
 Organizações não governamentais: Organizações voluntárias orga-
nizadas por indivíduos e grupos e que contam com um documento
constituinte e uma sede permanente.

são organizações internacionais, como definido no Capítulo 1, o que


não é o caso das outras formas de organização da sociedade civil global.
Deve-se destacar, no entanto, que, ao contrário das organizações inter-
nacionais intergovernamentais (e das corporações multinacionais), às
ONGIs não pode ser acordada personalidade jurídica internacional. Elas
são registradas como entidades sem fins lucrativos em cada Estado onde
atuam, de acordo com a legislação nacional. Para se configurar como
uma ONG internacional, e não apenas uma rede de ONGs nacionais, as
ONGs internacionais possuem um documento constituinte e um secre-
tariado internacional, localizado em um Estado específico. A ligação entre
o secretariado e as “filiais” é prevista no documento constituinte e varia
quanto à centralização, distribuição de recursos e responsabilidades.
Sociedade Civil Global 221

O Greenpeace Internacional, por exemplo, tem uma estrutura fe-


deral, com filiais bastante autônomas. Já a Human Rights Watch tem
uma estrutura mais centralizada. Embora a maioria das ONGIs seja uni-
versal, aberta à participação de indivíduos e grupos de qualquer parte
do globo, algumas são regionais, tais como a Federação Europeia de
Biotecnologia ou a União Árabe de Advogados.13
O papel das ONGIs na política global ganhou proeminência após
as demonstrações em Seattle, no final de 1999, durante o encontro mi-
nisterial da Organização Mundial do Comércio, que tinha na agenda a
abertura de uma nova rodada de negociações. O movimento foi compa-
rado ao de 1968, contando com milhares de manifestantes contra a
globalização, e foi um sucesso absoluto, paralisando as negociações e
colocando as ONGIs no centro das atenções da mídia global. A manifes-
tação foi planejada e divulgada principalmente pela Internet. O impacto
da Internet sobre a capacidade de influência das ONGIs é considerável,
já que a grande maioria mantém contato e divulga suas atividades atra-
vés de listas de e-mail e sites.14
Apesar do destaque recente, as primeiras ONGIs surgiram no sé-
culo XIX. A mais antiga registrada na União das Associações Internaci-
onais (Union of International Association — UIA) correntemente é a Soci-
edade Antiescravista para a Proteção dos Direitos Humanos, criada em
1839. Outros exemplos de ONGIs antigas são a Cruz Vermelha e a Asso-
ciação dos Homens Trabalhadores, criadas na década de 1860. Em 1874,
havia apenas 32 ONGIs registradas na UIA; em 1914, 1.083. Houve um
crescimento significativo no número de ONGIs criadas no final do sécu-
lo XIX, cerca de dez por ano, atingindo um pico de 51 por ano em 1910.
Esse ritmo caiu durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, mas
acelerou-se novamente na segunda metade da década de 1940, com
uma média de cerca de 90 ONGIs criadas por ano. O ritmo se estabili-
zou até a década de 1960 e 1970, quando começou a acelerar novamen-
te. Durante a década de 1990, o número de ONGIs registradas na UIA
cresceu de 10.292 para 13.206, e seus membros de 155.000 para
263.000.15
222 Organizações Internacionais

NÚMERO DE ONGIs REGISTRADAS


NA UNIÃO DAS ASSOCIAÇÕES INTERNACIONAIS:

 1874 — 32
 1914 — 1.083
 1990 — 10.292
 2000 — 13.206

Algumas dessas organizações são grandes, contam com orçamen-


tos consideráveis e atuam em uma área abrangente, tais como o Green-
peace Internacional (meio ambiente), a Oxfam Internacional (desenvol-
vimento) e a Anistia Internacional (Direitos Humanos). Outras são pe-
quenas e atuam em uma área mais específica, como sociedades profissio-
nais e organizações de refugiados. Segundo as estatísticas da UIA, atual-
mente a maioria da ONGIs atua na área de indústria e comércio, seguida
pelas áreas de medicina e saúde, ciência, matemática e espaço, esportes,
comunicações, finanças e turismo, bem-estar e direitos individuais, po-
lítica mundial, religião, família e identidade cultural, profissões e traba-
lho, educação e estudantes, humanidades, artes e filosofia e, finalmente,
partidos e ideologias políticas.16
Em termos das estratégias de atuação das ONGIs, podemos dife-
renciar entre a colaboração com outros atores da política internacional,
tais como os Estados ou OIGs, e o confronto com esses atores pelas cam-
panhas diretamente direcionadas à opinião pública global, clamando a
mudança de políticas adotadas ou reformas específicas. A estratégia mais
frequente é atingir a opinião pública de forma direta pela mídia, de
forma a fazer pressão sobre a reputação do Estado ou OIGs, colocando-
os em situações embaraçosas. Podemos citar os exemplos da campa-
nha contra a Organização Mundial do Comércio no movimento das ONGIs
antiglobalização durante a Conferência Ministerial em Seattle, em 1999, e
o caso do Japão nas campanhas do Greenpeace contra a caça às baleias.
A colaboração entre ONGIs e autoridades governamentais estatais
é fruto do interesse tanto das ONGIs em influenciar a formulação e a
Sociedade Civil Global 223

implementação de políticas sociais, quanto dos Estados em “terceirizar”


serviços, seja no âmbito local ou no da cooperação internacional. Essa
atuação tem sido alvo de críticas. As ONGIs (assim como as ONGs) são
percebidas como substitutos do Estado que escapam, no entanto, dos
mecanismos de controle democráticos. No caso da cooperação interna-
cional, a crítica é ainda mais intensa; as ONGIs operam como fornece-
dores de serviços em um contexto de liberalização imposta por meio de
condicionalidades do Banco Mundial. Bangladesh, por exemplo, um dos
Estados com a maior população de ONGIs, tem sido apontado como um
exemplo de “Estado de franchise”, um Estado sem cidadãos.17 Uma área
de colaboração entre ONGIs menos controversa é a de monitoramento da
aquiescência, na qual as ONGs são, em geral, consideradas eficazes.18
A relação entre as ONGIs e as OIs intergovernamentais é bastante
abrangente. Além da colaboração, o processo de surgimento das ONGIs
e OIs está intrinsecamente ligado. A criação da própria Liga e da ONU
teve forte influência das ONGIs. Grupos promotores da paz, tais como a
Liga para Promoção da Paz e a Sociedade da Liga das Nações, contri-
buíram para o desenvolvimento das ideias que levaram à criação da
Liga. Representantes de mais de 1.200 organizações voluntárias estive-
ram presentes na Conferência de São Francisco, quando foi assinada a
Carta da ONU. Algumas OIGs foram criadas a partir de ONGIs, como
é o caso da Organização Internacional do Trabalho, da Organização
Mundial Metereológica e da Organização Mundial de Turismo. Criadas
originalmente como ONGIs, essas organizações foram cooptadas pelos
Estados e transformadas em OIGs. A criação de diversas organizações
funcionais e regionais sofreu o mesmo processo.19
De modo inverso, muitas ONGIs foram criadas a partir do incenti-
vo de OIGs. As conferências internacionais promovidas pela Liga e pela
ONU tiveram grande impacto sobre a criação de novas ONGIs. Além
disso, muitas OIGs fazem referência às ONGIs em seus documentos
constituintes, em geral incentivando os Estados-membro a apoiá-las. O
artigo 25 do Pacto da Liga, por exemplo, incita a cooperação de seus
membros com as organizações voluntárias da Cruz Vermelha “que te-
224 Organizações Internacionais

nham por finalidade a melhoria da saúde, defesa preventiva contra as


enfermidades e o alívio dos sofrimentos no mundo”. A Liga também pu-
blicava um boletim quadrienal sobre as atividades de recomendações
políticas das ONGIs e possuía funcionários no Secretariado encarrega-
dos de supervisionar suas relações com as ONGIs. A Carta da ONU faz
referências às ONGIs, em seu artigo 71, no qual é atribuído ao ECOSOC
poder para “entrar nos entendimentos convenientes para a consulta com
organizações não governamentais, encarregadas de questões que estive-
rem dentro da sua própria competência”. O artigo acrescenta que “tais
entendimentos poderão ser feitos com organizações internacionais e,
quando for o caso, com organizações nacionais, depois de efetuadas con-
sultas com os membros das Nações Unidas interessados no caso”.
No que se refere à colaboração efetiva entre ONGIs e OIGs, ela
pode ocorrer no âmbito da formulação de normas, da implementação
de decisões ou políticas, ou de monitoramento da aquiescência dos Es-
tados-membro. Assim como no caso da colaboração com autoridades
governamentais dos Estados, visto anteriormente, a área de implemen-
tação costuma ser bastante criticada, e a de participação na formulação
de normas e de monitoramento, menos controversa.

PRINCIPAIS FORMAS DE COLABORAÇÃO


DAS ONGIs COM ESTADOS OU OIGs:

 Formulação de normas
 Implementação de decisões ou políticas (terceirização de serviços)
 Monitoramento da aquiescência dos Estados e Estados-membro.

A colaboração no âmbito de formulação de normas ocorre através


da participação nos processos decisórios como observadoras nos órgãos
legislativos das OIGs ou através da participação nas conferências inter-
nacionais. No que se refere às conferências, algumas ONGIs participam
diretamente, prática que já ocorria com a Liga, como, por exemplo, no
caso da Conferência Financeira de 1920, da Conferência Mundial Econô-
Sociedade Civil Global 225

mica de 1927 e da Conferência de Desarmamento de 1932.20 Mais recen-


temente, em especial após a Conferência sobre Meio Ambiente e Desen-
volvimento de 1972, em Estocolmo, consolidou-se a prática das ONGIs
se reunirem em fóruns paralelos. A participação de ONGIs nas conferên-
cias internacionais cresceu exponencialmente nas últimas décadas. Na
Conferência do Meio Ambiente de Estocolmo em 1972, participaram cer-
ca de 250 ONGIs, na do Rio de Janeiro em 1992, cerca de 1.400. Na
Conferência sobre a Mulher de Beijing em 1995, foram cerca de 2.100
ONGs. A participação das ONGIs varia em cada conferência, podendo ter
apenas o direito de fazer declarações finais, ou recomendações legislativas,
ou um papel formal na implementação das decisões acordadas, como foi
o caso do documento final da Conferência do Rio, a Agenda 21.21
A prática de participação de ONGIs nos processos decisórios como
observadoras também já ocorria na Liga, onde ONGIs podiam ser con-
vidadas para participar de encontros da Assembleia e do Conselho.
Embora essa participação tivesse um caráter informal, várias propostas
de ONGIs foram incorporadas nos trabalhos desses órgãos, principal-
mente na área dos direitos de minorias e das crianças. Eglantyne Jebb,
por exemplo, que fundou a Save the Children, em 1919, colaborou na
redação da Declaração dos Direitos da Criança, aprovada pela Liga em
1924. A Save the Children e outras ONGs estavam representadas no Co-
mitê do Bem-Estar da Criança da Liga, assim como nos grupos feminis-
tas no Comitê sobre o Tráfico de Mulheres e Crianças, embora não tives-
sem direito a voto. Várias ONGs abriram escritórios em Genebra para
facilitar os contatos com a Liga, a ali permanecem até os dias de hoje.22
A carta da ONU formaliza a colaboração das ONGIs, que podem
adquirir status consultivo no ECOSOC, como previsto no artigo 71 da
Carta, anteriormente citado. O número de ONGs registradas nesse ór-
gão cresceu de 41, em 1946, para 2.531, atualmente. As decisões sobre a
concessão de status consultivo são tomadas pelo próprio ECOSOC, com
base em recomendações de seu Comitê de ONGIs, composto por dezenove
Estados. Os critérios atuais para elegibilidade e seleção são determinados
pela Resolução 1996/31.23 Qualquer ONG, internacional, regional, naci-
226 Organizações Internacionais

onal ou subnacional, pode se candidatar, desde que atenda aos critérios


de ter mais de dois anos de existência, uma sede, uma constituição e
uma estrutura democrática. São acordados três tipos de status consulti-
vo: geral, especial e de listagem (roster). O primeiro tipo é mais abrangente
e é concedido a ONGs grandes e multifacetadas, tais como a Legião da
Boa Vontade, que se engajam em diversas áreas. Essas ONGs podem con-
sultar funcionários do Secretariado da ONU, propor temas para a agen-
da através do Comitê de ONGs do ECOSOC, submeter declarações es-
critas e se pronunciar oralmente no ECOSOC ou reuniões das comissões
funcionais. O status especial é concedido a ONGs conhecidas internacio-
nalmente que tenham conhecimento especializado em uma área parti-
cular, tal como a Associação Latino-Americana de Desenho Industrial.
Elas têm quase os mesmos direitos das ONGs de status consultivo geral,
exceto propor temas para a agenda. O status de listagem (roster) é conce-
dido a ONGs menores, tais como a IBASE, que tenham interesses ocasio-
nais específicos e que tenham os mesmos direitos das de status especial.24
A participação das ONGIs na Assembleia Geral e no Conselho de
Segurança não é tão formalizada como no ECOSOC. Apesar da resistên-
cia por parte dos Estados-membro para uma maior formalização, algu-
mas práticas têm ocorrido. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha,
por exemplo, adquiriu status de observador na Assembleia em 1994 e a
Federação Internacional das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e
do Crescente Vermelho, em 1996. Algumas ONGs têm participado nas
sessões dos comitês especiais e nas sessões especiais da Assembleia.25
Em 1997, pela primeira vez o Conselho de Segurança permitiu que re-
presentantes da Oxfam, CARE e Médicos Sem Fronteiras se pronuncias-
sem nesse órgão, a respeito da crise dos Grandes Lagos. Desde então,
essa prática se repetiu algumas vezes, mas de forma ad hoc e não
formalizada.26 Além da participação nos órgãos existentes, existem pro-
postas para a criação de um novo fórum na ONU somente para as ONGs,
no formato de uma Assembleia Consultiva Parlamentar ou um Fórum
da Sociedade Civil. Embora essa ideia seja rejeitada por muitos Esta-
dos, o projeto tem sido discutido, entre outros, no âmbito da Assembleia
Sociedade Civil Global 227

Global das Pessoas do Milênio (Global Millenium Peoples Assembly), rea-


lizada em abril 2000, em Samoa.27
As ONGIs também podem colaborar formalmente com a ONU no
âmbito da disseminação de informações, se associando ao Departamen-
to de Informação Pública do Secretariado. As ONGIs credenciadas têm
acesso livre aos prédios e podem, assim, assistir a quaisquer debates
públicos, ou fazer lobby com os delegados nos corredores, uma prática
que tem sido reconhecida como cada vez mais importante.28
Assim como nos órgãos principais da ONU, as ONGIs também têm
acesso aos órgãos legislativos de grande parte das agências funcionais,
tais como a Organização Mundial da Saúde ou a Organização Internacio-
nal do Trabalho, sendo que cada uma tem autonomia para estabelecer
seus próprios critérios para seleção e mecanismos de colaboração.29 As
ONGIs também colaboram com as OIGs regionais, tais quais a União
Europeia e o Mercosul.30
Como foi visto ao longo desta seção, a atitude em relação à socieda-
de civil global e às ONGIs não é uniforme. Alguns estudiosos e ativistas
as veem positivamente, como elementos democratizantes da política
internacional. Outros as acusam de serem instrumentos da manutenção
da hegemonia cultural Ocidental ou de perpetuarem as clivagens sociais
e econômicas inerentes ao sistema capitalista.
Uma crítica feita às ONGIs, nesse contexto, é até que ponto conse-
guem se manter organizações sem fins lucrativos, não se confundindo
com corporações privadas. Em suas campanhas direcionadas ao públi-
co em geral, as ONGIs utilizam técnicas de marketing do setor privado,
como o uso de logomarcas e a divulgação em objetos de consumo, como
camisetas. O Greenpeace, por exemplo, conta com lojas em centros co-
merciais em São Paulo e no Rio de Janeiro. A filial do Canadá, onde foi
originalmente criada a organização, perdeu seu status de instituição de
caridade em 1989, sob alegação de que suas atividades não trazem be-
nefícios públicos, e que tinham perfil empresarial.31
As ONGs também não são sempre bem vistas pelos Estados-mem-
bro da OIGs com quem colaboram. Estados menos democráticos ten-
dem a rejeitar ONGIs atuantes na área de direitos humanos, Estados
228 Organizações Internacionais

mais ricos, as ONGIs antiglobalização. Por insistência da China e de


outros Estados Asiáticos, as ONGIs foram excluídas do comitê que pre-
parava os documentos para a Conferência sobre Direitos Humanos em
Viena em 1993. Ademais, as ONGIs nem sempre trabalham em harmo-
nia, havendo clivagens recorrentes, tais como entre as ONGs “do Norte”
e as “do Sul”, entre as mais reformistas e as mais radicais. Essas questões
serão levantadas a seguir na análise de alguns exemplos de ONGIs: a
Cruz Vermelha, o Greenpeace Internacional e a Human Rights Watch.

A Cruz Vermelha
A Cruz Vermelha tem uma história e um papel na política interna-
cional muito particular. O termo Cruz Vermelha abrange o Comitê In-
ternacional da Cruz Vermelha, as Sociedades Nacionais da Cruz Verme-
lha e do Crescente Vermelho e a Federação Internacional das Socieda-
des Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e é referido
como um movimento global.32 A Federação foi criada em 1919 pelas
Sociedades Nacionais existentes. Elas surgiram a partir das propostas
levadas aos líderes mundiais pelo Comitê, cuja origem remete à visão e
à determinação de Henry Dunant, um banqueiro suíço que, por razões
pessoais e profissionais, estava na Lombardia durante as guerras italia-
nas de independência. Dunant se confrontou com milhares de soldados
feridos após uma luta entre italianos e austríacos na cidade de Solferino
e, chocado com a falta de médicos e assistência, permaneceu para ajudá-
los. Em 1862, publicou um livro relatando sua experiência e propondo
a criação de sociedades compostas por voluntários qualificados para
assistir os feridos durante as guerras. O livro foi um sucesso, e Gustave
Moynier, advogado em Genebra e membro da Sociedade para Bem-Estar
Público dessa cidade, convidou Dunant para participar de um comitê que
deveria examinar e implementar as propostas do livro. O comitê, original-
mente chamado Comitê Internacional para Ajuda aos Feridos Militares,
foi renomeado Comitê Internacional da Cruz Vermelha em 1880.
Um dos consensos do comitê era a necessidade de as Sociedades
Nacionais serem reconhecidas oficialmente pelos governos para evitar a
Sociedade Civil Global 229

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS


DO MOVIMENTO GLOBAL DA CRUZ VERMELHA:

 Comitê Internacional da Cruz Vermelha


 Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho
 Federação Internacional das Sociedades Nacionais da Cruz Verme-
lha e do Crescente Vermelho

resistência dos comandantes militares e colocar os voluntários em ris-


co. Os membros do comitê, especialmente Dunant, se engajaram em
uma estratégia de cima para baixo, entrando em contato diretamente
com representantes governamentais das principais potências europeias
e convidando-os a participar de uma conferência com o objetivo de
formular um acordo internacional que tratasse das propostas do comi-
tê. Apesar da importância atribuída ao apoio do público em geral, a
estratégia foi predominantemente direcionada a representantes políti-
cos e legalista. A Conferência se realizou em 1863 e contou com delega-
dos da Áustria, Baden, Bavária, Grã-Bretanha, França, Hanover, Hesse,
Itália, Holanda, Prússia, Rússia, Saxônia, Espanha, Suécia e Suíça e so-
ciedades filantrópicas tais como a Ordem de São João de Jerusalém e a
Sociedade de Ciências Sociais de Neuchatel.
Apesar de discordâncias entre os participantes, a proposta do Co-
mitê foi adotada por unanimidade. Os delegados retornaram a seus paí-
ses com a tarefa de organizar sociedades nacionais e persuadir seus go-
vernos a assinarem um acordo internacional reconhecendo a neutrali-
dade dos voluntários e dos feridos. Os voluntários deveriam portar o
emblema distintivo adotado: a cruz vermelha sobre o fundo branco,
cores invertidas da bandeira nacional suíça. O acordo foi assinado em
conferência ocorrida no ano seguinte e, em 1868, praticamente todos
os países europeus e vários não europeus, como os Estados Unidos e a
Turquia, haviam aderido. A Convenção de Genebra de 1864 foi o pri-
meiro acordo internacional de direito humanitário, sendo sua principal
230 Organizações Internacionais

característica o princípio da neutralidade para feridos e voluntários ci-


vis encarregados de assisti-los. Originalmente aplicado somente a guer-
ras interestatais, o princípio foi expandido para o caso de conflitos do-
mésticos. Da mesma forma, não apenas soldados, mas qualquer vítima
de violência passou a ser objeto de assistência das normas humanitári-
as e de proteção da Cruz Vermelha.
O papel determinante da Cruz Vermelha no desenvolvimento das
normas humanitárias internacionais e das Convenções de Genebra é
enfatizado por Martha Finnemore. A autora defende, em um estudo
abrangente, que os outros fatores usualmente atribuídos a seu desenvol-
vimento, a expectativa de reciprocidade, o interesse instrumental do
Estados em reaproveitar seus feridos e razões políticas domésticas, não
se sustentam empiricamente (Finnemore, 1996).
A relação da Cruz Vermelha com os Estados difere da maioria das
outras ONGIs. As Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos de
1977, sucessores da Primeira Convenção, de 1864, concedem mandato
oficial para a organização proteger e assistir as vítimas de conflitos arma-
dos. As Sociedades da maioria dos países concluíram acordos com suas
respectivas autoridades, nos quais à Cruz Vermelha são atribuídos privi-
légios e imunidades normalmente concedidas apenas às organizações
intergovernamentais.
Em 1965, durante a 20a Conferência Internacional da Cruz Verme-
lha, realizada em Viena, na Áustria, cinco princípios foram oficialmente
proclamados: humanidade, imparcialidade, neutralidade, independên-
cia, serviço voluntário, unidade e universalidade.33 Em relação à impar-
cialidade e à neutralidade, é interessante notar que nem sempre foi essa
a percepção dos povos não cristãos. Durante as guerras nos Balcãs de
1875, quando a Bósnia, Herzogovina e a Bulgária se rebelaram contra os
turcos, os voluntários da Cruz Vermelha não foram poupados; pelo
contrário, foram explicitamente alvejados pelos turcos mulçumanos.
Um resultado desse problema foi a inclusão do Crescente Vermelho
como símbolo alternativo à Cruz Vermelha.
Sociedade Civil Global 231

Atualmente, a Cruz Vermelha tem Sociedades em 178 países — a


Cruz Vermelha Brasileira foi uma das primeiras a ser criada, em 1907, e
seu primeiro presidente foi Oswaldo Cruz.34 As Sociedades contam com
mais de 100 milhões de membros e voluntários. Existem dois tipos de
voluntários: delegados e especialistas. Qualquer homem ou mulher en-
tre 25 e 35 anos pode se tornar um delegado, desde que tenha disponi-
bilidade para viajar, diploma universitário e fale inglês ou francês. Os
delegados atuam em diversas áreas na organização e implementação dos
programas de assistência. Os especialistas são recrutados de acordo com
as necessidades e, em geral, participam de missões que duram entre seis
meses a um ano. O recrutamento dos voluntários é feito pela Sociedade
em seu país, que podem seguir carreira na organização, tanto no campo
quanto nas sedes nacionais ou em Genebra.
Os membros do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, entre 15
e 25 pessoas, no entanto, precisam ter a nacionalidade suíça — peculia-
ridade fundamentada pela neutralidade da Suíça. Eles se reúnem perio-
dicamente na Assembleia do Comitê para estabelecer as políticas gerais
da organização. O Comitê ainda possui um Conselho, composto por
cinco membros da Assembleia, e uma diretoria para administrar o dia a
dia da organização na sede em Genebra. Apesar de determinar as polí-
ticas gerais, o Comitê não exerce autoridade sobre as Sociedades Na-
cionais, que são organizações autônomas em seus países de estabeleci-
mento. As Sociedades criaram uma federação em 1919, com um secre-
tariado também em Genebra.35
A relação entre o Comitê, as Sociedades Nacionais e a Federação é
atualmente regulamentada pelo Acordo de Sevilha de 1997 e pelos seus
documentos constituintes. Cada uma dessas organizações pode receber
doações de Estados ou OIGs, e as Sociedades Nacionais repassam parte
dos seus recursos para a Federação e parte para o Comitê. O Movimen-
to da Cruz Vermelha, como são referidos em conjunto, se reúne a cada
dois anos para decidir assuntos de interesse comum, em um fórum cha-
mado Conselho dos Delegados. Além desse fórum, o movimento parti-
232 Organizações Internacionais

cipa, juntamente com os Estados signatários das Convenções de Gene-


bra, a cada quatro anos de conferências, a última tendo ocorrido em
Genebra em 2003.
Em relação à atuação no campo, a participação da Cruz Vermelha
ocorre principalmente durante os conflitos armados, mas também após
seu término, na reconstrução de sistemas de saúde, treinamento de pro-
fissionais da saúde e distribuição de medicamentos. A Cruz Vermelha
também atua na prevenção de conflitos, assistências de vítimas de desas-
tres naturais e refugiados e fiscalização do tratamento dos prisioneiros
de guerra, entre outros.

ATUAÇÃO DA CRUZ VERMELHA:

 Atividades de campo (ajuda humanitária durante conflitos armados


e desastres naturais, assistência aos refugiados, fiscalização do tra-
tamento de prisioneiros de guerra, entre outros).
 Colaboração com Estados e OIGs na formulação de normas humani-
tárias, sua implementação e seu monitoramento.

Além de sua atuação nas áreas de conflito, a Cruz Vermelha tam-


bém busca influenciar a formulação de normas, tanto internacionais
quanto domésticas, e garantir sua implementação através do monitora-
mento dos Estados. Ela ainda provê assistência aos Estados para cum-
prirem suas obrigações e assistência jurídica para a instauração de pro-
cessos de crime de guerra.36
Quando observa a violação das normas humanitárias, a Cruz Ver-
melha primeiramente entra em contato com as autoridades responsá-
veis de modo confidencial. Se os governos não atuarem sob essas reco-
mendações, a Cruz Vermelha pode chegar a denunciá-los publicamen-
te. Embora essa prática seja rara, esse foi o caso, por exemplo, das de-
núncias sobre o tratamento dos prisioneiros na base militar norte-ame-
ricana na Baía de Guantanamo, em Cuba, detidos sob suspeita de parti-
Sociedade Civil Global 233

ciparem da rede Al Qaeda de terrorismo. A Cruz Vermelha foi a primeira


entidade a denunciar as condições em que estavam sendo mantidos e a
alertar que a guerra contra o terrorismo não pode implicar a violação do
direito humanitário e dos direitos humanos.
Finalmente, devemos destacar a colaboração da Cruz Vermelha com
as outras OIs e ONGIs atuando na área de emergências humanitárias e
proteção dos direitos humanos. Como já mencionado, o artigo 25 do
Pacto da Liga incitava à cooperação de seus membros com a Cruz Ver-
melha. No caso da ONU, além do status de observadora na Assembleia
Geral e no ECOSOC, um dos principais eixos de colaboração dá-se atra-
vés da participação no Comitê Inter-Agência (Inter-Agency Standing
Committee). Esse comitê foi criado em 1992 como um mecanismo de
coordenação sob o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humani-
tários e é composto pela Organização Mundial da Saúde, Organização
da ONU para Alimentação e Agricultura, Organização Internacional de
Migrações e a Federação da Cruz Vermelha, além de representantes de
outras ONGIs.37

O Greenpeace Internacional
O Greenpeace Internacional é uma das maiores ONGIs contempo-
râneas e também uma das mais carismáticas e místicas. Dois componen-
tes de sua principal estratégia — o uso de navios e a testemunha ocular
— são atribuídas à influência Quacker. Um de seus símbolos, o arco-
íris, foi adotado por inspiração do romance “Guerreiros do Arco-Íris”
(Warriors of the Rainbow) escrito por William Willoya e Vinson Brown,
que conta a profecia dos índios Cree, do Canadá, que um dia, quando a
terra estivesse envenenada por seres humanos, um grupo de pessoas de
todas as nações iria se unir para defender a natureza. A bandeira da
organização foi abençoada pelo Papa, pelo Karmapa Budista e pelos
índios Kuakuitl. Sua história mistura-se com o desenvolvimento do mo-
vimento ecológico global, incluindo a criação dos partidos verdes e do
regime internacional de meio ambiente.38
234 Organizações Internacionais

A organização foi criada a partir de um movimento de ativistas no


final da década de 1960 em Vancouver, no Canadá, contra a realização
de testes nucleares realizados pelo governo dos Estados Unidos na ilha de
Amchitka, no Alasca. O grupo criou um comitê para promoção da cam-
panha chamado “Não façam ondas” (Don’t make a wave Comitee), em refe-
rência às ondas potencialmente criadas com as explosões, especialmente
pelo fato de a área ser sujeita a terremotos. A campanha mobilizou a po-
pulação local e diversos grupos, desde pacifistas até biólogos (a ilha era
habitada por várias espécies animais em extinção) e foi considerada um
sucesso. Como resultado, posteriormente os Estados Unidos suspende-
ram os testes na região.
O comitê de ativistas adotou o nome Greenpeace em 1971 e, no
ano seguinte, promoveu uma campanha para protestar contra os testes
nucleares franceses no atol Mururoa, no Pacífico, marcando o caráter
global de sua atuação. Essa campanha colocou o Greenpeace no centro
das atenções da mídia internacional, principalmente, devido ao conflito
com o governo francês. O capitão do navio, David McTaggart, navegou
até a zona de testes da bomba nuclear, ancorando a três milhas de Mururoa
de forma a impedir que o navio francês fizesse os testes. Ele, no entanto,
abordou o navio do Greenpeace danificando-o. Com isso, McTaggart aca-
bou tendo de retornar a Rarotonga, e os testes foram realizados, mas en-
trou na justiça acusando os franceses de pirataria em alto mar.39
O Greenpeace tornou-se uma organização não governamental no
Canadá, em 1972 (Greenpeace Foundation), e sua segunda campanha foi
contra a caca de baleias, enfatizando seu caráter ecológico vis-à-vis o paci-
fista. A caça das baleias era praticada principalmente no Japão, ex-União
Soviética, Noruega e Islândia. Sob inspiração do cientista neo-zelandês
Paul Spong e seus estudos sobre a inteligência das baleias, o Greenpeace
se engajou nessa campanha. As normas internacionais estabelecidas no
âmbito da Comissão Internacional de Caça à Baleia, que consistiam basi-
camente em um sistema de cotas para o número total permitido para
cada país, não eram respeitadas. A estratégia, mais uma vez, foi a de cho-
car a opinião pública retratando a caça desses mamíferos como uma car-
Sociedade Civil Global 235

nificina praticada por navios comerciais. As cenas filmadas de uma caça


em 1975 contribuíram, segundo Robert Hunter, um dos fundadores da
organização, para mudar a imagem coletiva mundial a respeito das balei-
as. Em vez de grandes monstros contra pequenos e corajosos homens,
como retratado em Moby Dick, o filme mostrou navios enormes e animais
indefesos, na maioria não adultos. O objeto da coragem passou a ser a
proteção, e não a caça da baleias. Ademais, a campanha ainda contribuiu
para aumentar a eficácia da Comissão Internacional de Caça à Baleia, que
decretou uma moratória à caça comercial em 1982.40
O sucesso de suas campanhas e a atenção na mídia estimularam a
criação de outros grupos ligados ao Greenpeace em diversos países. A
proliferação de grupos ativistas ampliou as possibilidades de atuação da
organização, mas as dificuldades de coordenação entre os diversos gru-
pos criaram conflitos organizacionais. Para solucionar esse problema,
foi criado, em 1979, o Greenpeace Internacional, uma organização não
governamental internacional, com sede em Amsterdã, na Holanda.

MARCOS INSTITUCIONAIS NO
DESENVOLVIMENTO DO GREENPEACE:

 Comitê “Não faça ondas” contra testes nucleares dos Estados Uni-
dos na ilha de Amchitka, Alasca (1969).
 ONG canadense Greenpeace (1971).
 ONGI Greenpeace Internacional (1979).

Respeitando a autonomia que já existia entre os diversos grupos, o


Greenpeace Internacional adotou um formato federalizado. Atualmente
existem filiais em 41 países, que são relativamente autônomas.41 As fi-
liais são responsáveis pela captação de recursos e repassam 18% do
total à sede, que pode realocar essa quantia para outras filiais. O Green-
peace não aceita doações de governos, empresas nem partidos políti-
cos, buscando assim não comprometer sua independência, financian-
236 Organizações Internacionais

do-se exclusivamente com a contribuição dos membros. Qualquer


indivíduo interessado pode tornar-se membro do Greenpeace. Atual-
mente são 2,8 milhões de pessoas, mas sua participação se limita à
contribuição financeira. Para participar dos órgãos legislativos, os
membros precisam atuar nas filiais e seguir uma carreira profissional
na organização.
As orientações gerais das atividades da organização são decididas
em seu principal órgão legislativo: o Conselho Internacional. Esse órgão
é composto por representantes das filiais e se reúne uma vez ao ano no
Secretariado, em Amsterdã. Ele também elege os participantes do Con-
selho Internacional, órgão que aprova a estratégia política de longo pra-
zo, gerencia o dia a dia da organização e elege seu diretor-executivo.
Além das campanhas contra testes nucleares e caça de baleias, já
mencionadas, as principais campanhas atuais do Greenpeace são: aca-
bar a guerra no Iraque, promover o desenvolvimento sustentável, con-
ter o desflorestamento, a mudança climática, a poluição dos mares e do
ar, e os transgênicos. A partir desses temas, as filiais promovem campa-
nhas específicas para atender às necessidades de cada país.

CAMPANHAS ATUAIS DO GREENPEACE INTERNACIONAL:

 Pare a mudança climática.


 Proteja as florestas.
 Salve os mares.
 Pare a caça das baleias.
 Diga não à engenharia genética.
 Pare a ameaça nuclear.
 Elimine químicos tóxicos.
 Pare a guerra.
 Incentive o comércio sustentável.

A campanha contra os transgênicos é uma das mais polêmicas atual-


mente, pois, além de envolver a questão ecológica, tornou-se um sím-
Sociedade Civil Global 237

bolo do movimento antiglobalização.42 Essa campanha ilustra bem como


tem se tornado cada vez mais difícil classificar as ONGIs de acordo com
suas áreas de atuação. Ecologia e desenvolvimento econômico estão in-
trinsecamente ligados, como proposto na formulação do conceito de
desenvolvimento sustentável.43
Transgênicos são definidos como seres vivos (animais e plantas)
criados em laboratórios com técnicas de engenharia genética. Os seres
vivos geneticamente modificados podem ser patenteados, e seu comér-
cio passa a ser controlado pelas firmas que os criaram. No caso agricul-
tura transgênica, seus defensores alegam que ela é mais saudável do que
a agricultura tradicional, pois usa menos agrotóxicos, e é mais eficiente,
aumentando a produção total e, portanto, contribuindo para o combate
à fome no mundo. Os críticos, como o Greenpeace, apontam que essas
alegações não têm base científica, são mitos disseminados para favore-
cer interesses econômicos de empresas particulares. No caso da soja,
por exemplo, 90% das sementes transgênicas são produzidas pela
Monsanto e pela Novartis, ambas multinacionais norte-americanas. Na
agricultura transgênica, os agricultores passam a depender totalmente
das empresas fornecedoras, já que as plantas geneticamente modifica-
das não geram sementes que possam ser reaproveitadas. Como essas
empresas também produzem agrotóxicos para as sementes modificadas,
passam a controlar todo o ciclo agrícola.
As estratégias de atuação do Greenpeace variam nas diversas cam-
panhas. Como visto, uma de suas principais características é a busca da
atenção do público nas diversas partes do mundo, através da mídia in-
ternacional, em atitude de confronto com os responsáveis pelo status
quo. No entanto, a organização também busca colaborar com Estados e
OIs no âmbito de formulação legislativa e de monitoramento. No caso
da campanha contra transgênicos, o Greenpeace defende a formulação
de regulamentos internacionais, tal como o Protocolo de Biossegurança,
e busca modificar as legislações nacionais dos países onde a produção
ou consumo de transgênicos é autorizada. No Brasil, por exemplo, teve
uma atuação marcante na proibição do plantio e comercialização de
238 Organizações Internacionais

transgênicos em 1999 (ainda que a comercialização tenha sido autori-


zada posteriormente), decretada em função de uma sentença judicial
do caso aberto pelo Greenpeace Brasil juntamente como o Instituto de
Defesa do Consumidor. O Greenpeace Brasil também divulga uma ta-
bela com os produtos transgênicos para cobrir a deficiência do cumpri-
mento da obrigatoriedade de rotulagem e fazendo pressão para aumen-
tar a aquiescência das empresas à legislação nacional.
O Greenpeace colabora com a ONU através de diversos mecanis-
mos, principalmente no âmbito do ECOSOC e das conferências inter-
nacionais. A Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento de Es-
tocolmo é considerada um marco divisor em relação à participação de
ONGs nesses eventos. A participação do Greenpeace na Conferência do
Rio de Janeiro em 1992 foi expressiva: juntamente como outras quatro
ONGIs participou inclusive das sessões preparatórias da Conferência
(PrepComs). A Organização também colabora no monitoramento e na
implementação da Agenda 21 sob responsabilidade da Comissão de De-
senvolvimento Econômico do ECOSOC.44

A Human Rights Watch (HRW)

A HRW tem suas origens no estabelecimento em 1978 de um co-


mitê de ativistas de Direitos Humanos nos Estados Unidos (“Helsinki
Watch”), objetivando apoiar os grupos formados em Moscou e, posterior-
mente, em outros países comunistas, para monitorar o cumprimento
das provisões dos Acordos de Helsinki.45 Na ocasião, a principal atenção
era aos prisioneiros políticos. Um dos idealizadores e participantes do
grupo, considerado um dos fundadores da HRW, foi Robert Bernstein,
que trabalhava na ocasião na editora Random House Inc., e havia co-
nhecido dissidentes russos em viagens anteriores.46 Na década de 1980,
foram sendo criados outros comitês, tais como o Americas Watch, com o
objetivo de denunciar as violações aos direitos humanos cometidas du-
rante o conflito na América Central, e a Asia Watch, para monitorar a
Sociedade Civil Global 239

situação de prisioneiros políticos, principalmente na China. Em 1988,


foi então fundada a Human Rights Watch, uma ONGI que uniu os comi-
tês Watch situados nos diversos países, em uma estrutura única.
Ao contrário de ONGIs com uma estrutura federal, tais como a
Anistia Internacional ou o Greenpeace Internacional, as atividades da
HRW são mais centralizadas na sede, localizada em Nova York. As fi-
liais, atualmente em Bruxelas, Bujumbura (Burundi), Free Town (Serra
Leoa), Genebra, Hong Kong, Kigali (Ruanda), Londres, Los Angeles,
Moscou, Santiago do Chile, São Francisco, Tashkent (Uzbesquistão),
Tbisili (Georgia) e Washington, não lidam apenas com as campanhas de
seus respectivos países, como é o caso da maioria das ONGIs federa-
lizadas, mas funcionam como escritórios de apoio para o acompanha-
mento da situação dos direitos humanos nos países designados pela sede,
nos planejamentos anuais. A HRW também tem por prática abrir escri-
tórios temporários em países onde esteja envolvida mais intensivamente
em um determinado momento. Atualmente, a HRW monitora a situa-
ção dos direitos humanos em mais de 70 países. A escolha dos países é
feita na sede, de acordo com o grau de gravidade dos abusos detectados,
o número de pessoas afetadas e a avaliação da possibilidade de impacto
da sua atuação.
As atividades e as prioridades da HRW são decididas por seu Conse-
lho de Diretores, que conta com oito comitês consultivos, cinco regionais
— África, Américas, Ásia, Europa e Ásia Central e Oriente Médio —, e
três temáticos — Armas, Direitos da Criança e Direitos da Mulher. A
estrutura administrativa da organização ainda inclui um corpo executi-
vo em Nova York, composto pelo diretor-executivo, um diretor-asso-
ciado, um assistente-executivo e um assistente-especial.
A principal estratégia adotada pela HRW é a elaboração de relató-
rios, que são então apresentados às autoridades relevantes e, principal-
mente, à mídia internacional. A ideia é envergonhar os infratores pu-
blicamente e exercer pressão para que sejam punidos. Essas autorida-
des são os representantes governamentais dos países onde são cometi-
240 Organizações Internacionais

dos os abusos, mas também representantes de OIGs, tais como a ONU


ou a UE. A elaboração dos relatórios é feita a partir de pesquisas, visitas
aos locais onde ocorreram os abusos e entrevistas com vítimas, teste-
munhas e acusados.
Alguns de seus projetos especiais são sobre os direitos da criança,
da mulher, liberdade acadêmica, responsabilidade corporativa, pena de
morte, prisões e refugiados. Mas a organização denuncia qualquer tipo
de discriminação e violação dos direitos humanos, seja ela cometida por
autoridades governamentais, empresas privadas ou indivíduos, crimi-
nais ou não. O escopo de suas atividades é, portanto, bastante amplo.
Um princípio da HRW é ser imparcial em relação aos conflitos nos
quais ocorra o abuso dos direitos humanos. A organização já fez denún-
cias contra judeus e palestinos, hutus e tutsies, comunistas e ditadores
de direita, cristãos e mulçumanos. Para garantir sua imparcialidade po-
lítica, a HRW não aceita contribuições financeiras de nenhum governo,
apenas de indivíduos e fundações.
Algumas das campanhas atuais são sobre os refugiados chechenos,
a violência doméstica e a vulnerabilidade das mulheres ao risco de
contaminação da AIDS em Uganda, o tráfico de crianças na África Oci-
dental, os prisioneiros da guerra ao terrorismo nos Estados Unidos, a
discriminação contra os homossexuais no exército norte-americano, o
uso de crianças como soldados em Burma, a negligência dos orfanatos
na Rússia, a discriminação contra as crianças palestinas nas escolas em
Israel.47 Essas campanhas refletem uma seleção de questões temáticas
tratadas pela HRW nos diversos países onde atua, tais como os direitos
das crianças, das mulheres e dos homossexuais, tratamento de prisio-
neiros e refugiados, liberdade de expressão e de religião, entre outros,
e que remetem às normas do regime de Direitos Humanos, visto no
Capítulo 4.
A HRW também tem monitorado e denunciado a atuação dos
militares norte-americanos no Iraque. Em 2003, publicou vários relató-
rios denunciando o fracasso das forças armadas em conduzir investiga-
Sociedade Civil Global 241

ções sobre as mortes de civis em Bagdá causadas pelo uso excessivo ou


indiscriminado de força.48
Além de suas atividades de pesquisa e denúncia de casos de viola-
ção, a HRW ainda faz pressão sobre os governos para que esses ado-
tem legislações favoráveis à proteção dos Direitos Humanos. Nos Esta-
dos Unidos, onde está sua sede, também faz pressão para a incorpora-
ção de questões a respeito de Direitos Humanos em sua política exter-
na. Esse nível de atuação tem sido alvo de críticas: a HRW é acusada
de promover os valores ocidentais dos Direitos Humanos nos outros
países do mundo.49
Um instrumento interessante criado pela HRW para a divulgação
das violações dos Direitos Humanos é o Festival Internacional de Cine-
ma promovido desde 1988. A organização seleciona os filmes a serem
incluídos no programa, usando critérios sobre o conteúdo de Direitos
Humanos e o mérito artístico. O Festival é realizado em Nova York e
desde 1996 também em Londres.50
O processo decisório da HRW é influenciado pela atuação do “Con-
selho da HRW”. Embora suas atividades sejam diretamente ligadas a
HRW, o Conselho é uma organização independente, e não um órgão
subsidiário. Suas principais funções são contribuir para a consciência a
respeito dos Direitos Humanos, apoiar a HRW, por meio de arrecadação
de fundos, dentre outras formas, e emitir recomendações sobre diversos
aspectos das atividades dessa organização. O Conselho é formado por
quatro comitês regionais: Nova York, Califórnia Norte, Califórnia Sul,
Londres e um Comitê Europeu Geral. Enquanto para tornar-se um mem-
bro da HRW a contribuição mínima é de apenas $50,00 por ano, os
membros do Comitê devem contribuir com pelo menos $5.000,00. Crí-
ticos salientam o caráter elitista e etnocêntrico do Conselho, composto
em sua grande maioria por norte-americanos e europeus afluentes, como
George Soros. Em troca de suas atividades de arrecadação de fundos,
esses indivíduos têm aumentado sua influência na determinação da atu-
ação da HRW.51
242 Organizações Internacionais

ALGUNS SITES DA INTERNET DE INTERESSE:

 Anistia Internacional: www.amnesty.org


 ATTAC Internacional: www.attac.org
 Campanha Internacional para Proibição Total de Minas Terrestres:
www.icbl.org
 CARE Internacional: www.care.org
 Comitê Internacional da Cruz Vermelha: www.icrc.org
 Cruz Vermelha Brasileira: www.cvb.org.br
 Federação Internacional da Cruz Vermelha e das Sociedades do Ver-
melho Crescente: www.ifrc.org
 Fórum Social Mundial: www.forumsocialmundial.org.br/home.asp
 Greenpeace Internacional: www.greepeace.org
 Human Rights Watch: www.hrw.org
 International Red Cross and Red Crescent Movement:
www.redcross.int
 Médicos Sem Fronteiras: www.msf.org
 Oxfam Internacional: www.oxfaminternational.org
 Save the Children: www.savethechildren.org
 União das Associações Internacionais (UIA): www.uia.org/
 WWF: www.worldwildlife.org

Leituras para Continuar seu Estudo


Colas, Alejandro, Internacional Civil Society. Social Movements in World Politics, Polity Press,
Cambridge, Reino Unido, 2002.
Keck, M.E. & Sikkink, Kathryn, Activists beyond Borders: Advocacy Networks in International
Politics, Ithaca, Cornell University Press, 1998.
Ottaway, Marina, Corporativism Goes Global: International Organizations, Non-Governmental
Organization Networks and Transnational Business, Global Governance 7:3, 2001.
Weiss, Thomas & Leon Gordenker. NGOs, the UN & Global Governance, Lynne Rienner, Boulder,
Londres, 1996.
Sociedade Civil Global 243

Notas
1. Para uma discussão mais aprofundada sobre o conceito de sociedade civil veja, por exemplo,
as obras de Norberto Bobbio (Bobbio, 1985, 1997).
2. Mary Kaldor enfatiza a influência dos movimentos de oposição aos regimes comunistas e
dos processos de democratização nessa região e na América Latina sobre o desenvolvimen-
to da sociedade civil global (Kaldor, 2003).
3. Algumas obras de referência sobre a temática da governança global são o livro de James
Rosenau (Rosenau, 1992) e o relatório da Comissão sobre Governança Global (Comission
on Global Governance, 1995). Veja também o site do Centro de Estudos sobre Governança
Global da London School of Economics, que conta com a participação de Mary Kaldor e
David Held, entre outros, e que possui diversas publicações sobre governança global e
sociedade civil internacional: http://www.lse.ac.uk/Depts/global/AboutCsGG.htm.
4. (Lipschutz, 1992, p. 390.) Veja também as contribuições de M.J.Peterson e Martin Shaw
no volume especial do periódico Millennium de 1992.
5. Veja as obras de Robert Cox (Cox, 1981 e 1983) e a de Alejandro Colás (Colás, 2002).
6. Argumento também defendido por Jan Aart Scholte (Scholte, 1999).
7. (Falk, 1999, p. 163.) Estes autores expõem suas ideias, entre outros, no contexto do Projeto
de Modelos de Ordem Mundial (World Order Models Project — WOMP). Para um resumo das
propostas e ideias do projeto WOMP veja o artigo de Simon Dalby (Dalby, 1997) e os artigos
dos periódicos Alternatives: Global, Local, Politcs, e Social Transformation and Humane
Governance.
8. John Boli destaca que o Escritório Central de Associações Internacionais foi ativo na cria-
ção da Liga das Nações e do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (Boli &
Thomas, 1999, p. 20).
9. Não há uma tipologia padrão para classificar os tipos de organização da sociedade civil
global, ela varia de acordo com os interesses específicos de cada autor, e, em geral, se
baseia nas tipologias usadas nas disciplinas de Ciência Política e Sociologia. A tipologia
que utilizamos segue a de Margeert Kans e Karen Mingst (Karns & Mingst, 2004), que
praticamente coincide com a de Khagram, Riker e Sikkink (Khagram et al., 2002).
10. O Fórum Social Mundial se reuniu pela primeira vez em Porto Alegre, em 2001, com o
intuito de se contrapor ao Fórum Econômico Mundial, que se reúne todos os anos na
cidade de Davos, na Suíça. O número de participantes cresceu de cerca de 20.000 pessoas
no primeiro encontro para 50.000 no segundo e 100.000 no terceiro, ambos também em
Porto Alegre em 2002 e 2003. O terceiro encontro foi realizado em Mumbai na Índia, em
2004, e o próximo encontro será novamente em Porto Alegre, em janeiro de 2005. Para mais
sobre o FSM veja o site http://www.forumsocialmundial.org.br/home.asp.
11. Para mais veja o site: http://www.dams.org/commission/intro.htm. Para uma crítica dessa ini-
ciativa, veja o artigo de Marina Ottaway (Ottaway, 2001).
12. O grupo foi criado com o objetivo de discutir, monitorar e fazer recomendações aos nego-
ciadores do Acordo Birregional UE-Mercosul desde o início do processo de negociação, em
1999. Sobre o grupo veja o site: http://www.sciences-po.fr/.
13. Para estatísticas sobre o aparecimento de ONGIs regionais veja o artigo de John Boli e
M.Thomas (Boli & Thomas, 1999).
244 Organizações Internacionais

14. Sobre os movimentos da ONGs em Seattle veja, por exemplo, os artigos da Global Policy
Forum no número especial “Protests in Seattle”: http://www.globalpolicy.org/ngos/role/globdem/
stlindx.htm.
15. Sobre a UIA veja a nota n. 5.
16. Para mais detalhes sobre o aparecimento, evolução quantitativa e área de atuação das
ONGs veja o Capítulo 1 do livro de John Boli e M.Thomas (Boli & Thomas, 1999), o
Capítulo 4 do livro de Mary Kaldor (Kaldor, 2003) e o Capítulo 1 de Sanjeev Khagram et
al. (Khagram et al. 2002).
17. Para um compêndio de estudos de caso críticos a colaboração de ONGIs com os Estados e
OIGs veja o livro editado por David Hume e Michael Edwards (Hume & Edwards, 1997).
Para o caso de Bangladesh veja o artigo de Geof Wood no compêndio.
18. Veja sobre esse tema o livro de Abram Chayes e Antonia Chayes (Chayes & Chayes, 1998).
19. Boli & Thomas, 1999, p. 29.
20. Karns & Mingst, 2004, p. 225.
21. Sobre as Conferências Mundiais promovidas pela ONU e uma análise sobre o papel da
ONGIs em casos específicos veja o livro editado por Michael G. Schechter (Schechter,
2001) e o de José Augusto Alves (Alves, 2001). Para uma lista das conferências internacio-
nais promovidas pela ONU desde 1994 veja o site http://www.un.org/events/conferences.htm.
22. Karns & Mingst, 2004, p. 225.
23. Para uma descrição do sistema anterior e uma crítica do sistema atual, veja o artigo de
Marina Ottawa (Otttawa, 2001).
24. Sobre a participação de ONGS na ONU, veja também o livro de Ricardo Neiva Tavares
(Tavares, 1999), veja uma lista completa e atualizada das ONGs com status consultivo no
ECOSOC no site http://www.un.org/esa/coordination/ngo/
25. Domnini, 1996, pp. 85-86. Sobre a potencial colaboração entre ONGs e a ONU nas ques-
tões de paz e segurança veja, por exemplo, o introdução de Boutros Boutros-Ghali no livro
editado por Thomas Weiss e Leon Gordenken (Weiss & Gordenken, 1996).
26. Kaldor, 2003.
27. Para uma dessas propostas veja o artigo de Richard Falk e Andrew Strauss (Falk & Strauss,
2001). Para detalhes sobre a Assembleia Global das Pessoas do Milênio veja o site: http://
www.samoa.net.ws/suna/gmpa.htm.
28. Para mais detalhes sobre a colaboração das ONGs com o Departamento de Informação
Pública do Secretariado da ONU veja o site: http://www.un.org/dpi/ngosection/brochure.htm.
29. Para as agências funcionais veja o Capítulo 6.
30. Para as organizações regionais veja o Capítulo 5.
31. Veja o artigo de Roger Bate (Bate, 1999).
32.Veja mais detalhes nos sites: Comitê Internacional da Cruz Vermelha: www.icrc.org; Federa-
ção Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho: www.ifrc.org;
Movimento da Cruz Vermelha: www.redcross.int.
33. Para detalhes sobre os princípios veja CICV, 2000.
34. Veja o site da Cruz Vermelha Brasileira: www.cvb.org.br.
35. A Federação foi proposta por Durant após a Primeira Guerra Mundial como forma de
fortalecer os vínculos entre as Sociedades Nacionais. Originalmente chamava-se Liga das
Sociedade Civil Global 245

Sociedades da Cruz Vermelha. Em 1983 foi renomeada Liga das Sociedades da Cruz Verme-
lha e Crescente Vermelho e em 1991 adotou o nome atual.
36. Sobre o trabalho de monitoramento veja ICRC, 2001.
37. Veja os artigos de Andrew Natsios (Natsios, 1996) e Antonio Donini (Donini, 1996).
38. Para um relato sobre as origens do Greenpeace de um de seus fundadores veja o artigo de
Rex Weyler (Weyler, 2001).
39. McTaggart se juntou ao Greenpeace nessa campanha e tornou-se um de seus principais
líderes e primeiro diretor-executivo do Greenpeace Internacional, trazendo sua experiên-
cia empresarial e de velejador profissional. Um ano após dar entrada na ação judicial con-
tra a França retornou a Mururoa, onde foi agredido fisicamente por franceses. O incidente
com o barco Rainbow Warrior em 1985 também foi atribuído a sabotadores do serviço
secreto francês. Para obter mais detalhes veja o livro McTaggart (McTaggart, 1978).
40. Apesar da moratória, Noruega, Islândia e o Japão não proibiram a caça das baleias. Sobre a
campanha e as estratégias da Greenpeace veja o livro de Robert Hunter (Hunter, 1979) e os
artigos de Rex Weyler (Weyler, 2001), Paul Wapner (Wapner, 1995) e de Robert Mandel
(Mandel, 1980).
41. A filial no Brasil foi aberta em 1990 e conta com um escritório em São Paulo e um em
Manaus. Para detalhes veja o site do Greenpeace-Brasil: www.greenpeace.org.br.
42. Para este argumento e uma análise da campanha contra os transgênicos no Brasil veja o
artigo de W.E.Jepson (Jepson, 2002).
43. A definição mais usada para conceito de desenvolvimento sustentável está no Relatório
Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland) da Comissão Mundial para o Meio Ambien-
te e Desenvolvimento: desenvolvimento que atenda às necessidades do presente sem com-
prometer a habilidade das futuras gerações de atenderem as suas. (World Commission on
Environment and Development, 1987 p. 43). A ligação intrínseca entre Direitos Humanos e
desenvolvimento também tem sido enfatizada por ONGIs como a Oxfam Internacional e a
CARE Internacional, que, segundo Paul Nelson, estariam desenvolvendo novos métodos e
estratégias globais para se adequar a essa percepção (Nelson, 2003).
44. Conca, 1996, p. 111.
45. A Conferência de Segurança Europeia, realizada em julho e agosto de 1975, foi um mo-
mento importante no contexto das tentativas de resfriamento da Guerra Fria nos anos
1970. Os acordos de Helsinque incluíam três áreas: prevenção de confrontos entre o bloco
ocidental e oriental, propostas para colaboração econômica e tecnológica e contato entre
as populações de diferentes nações, além da afirmação dos princípios de respeito pelos
diretos humanos.
46. Sobre Robert Bernstein e os outros participantes da Helsinki Watch, Orville Schell, Aryeh
Neier e Jere Laber veja o perfil de Robert Bersntein no Relatório da HRW de 1998 (Human
Rights Watch, 1998).
47. Para uma lista completa veja o site: http://hrw.org/campaigns/index.html.
48. Veja os relatórios no site: http://www.hrw.org/campaigns/iraq/# Recent.
49. Para uma crítica ao caráter etnocêntrico da HRW veja o artigo de Makau Mutua (Mutua,
2003).
50. Veja o site do Festival: http://www.hrw.org/iff/2004/index.html.
51. Veja as críticas de Paul Trenor (Trenor, 2004).
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