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Filosofia – UFPR

Data: 21.11.2021

Aluno: Derek Gonçalves

Fichamento do texto “Tempo Histórico e Tempo Lógico na Interpretação dos Sistemas


Filosóficos”, de Victor Goldschmidt

A fala de Victor Goldschmidt, transformada em texto e nomeada “Tempo Histórico e Tempo


Lógico na Interpretação dos Sistemas Filosóficos”, começa dividindo as formas de se
interpretar um sistema filosófico em duas formas: a dogmática e a genética. Ele inicia o texto
propondo variadas diferenças entre estas duas formas. A primeira se preocupa de maneira
enfática com o aspecto filosófico da doutrina, com as sua verdade e as suas razões, seguindo
as intenções do autor na sua abordagem; a segunda maneira de interpretação, a genética,
busca as causas de um determinado sistema, podendo tomar-se do uso do método científico
e possivelmente explicar tal sistema de maneira diversa a do autor. Goldschmidt prossegue
dizendo que o método dogmático buscaria se medir juntamente com a doutrina a ser
estudada, enquanto o método genético se colocaria “por sobre” a doutrina, buscando
medi-la ao invés de medir-se com ela. Outra diferenciação que Goldschmidt delimita entre
os dois métodos é com relação ao tempo. O método dogmático se subtrairia ao tempo,
olhando para a doutrina filosófica pelo que ela é enquanto verdade, já o método genético
colocaria o tempo enquanto causa e agente ativo da doutrina, entendendo o tempo de
maneira cronológica e portanto mais histórica. Prontamente em sequência, dessa
diferenciação, ele conclui e compara a sua maneira de elaborar o método com Martial
Guéroult no sentido de enxergar a história da filosofia como um método tanto científico
quanto filosófico.

O próximo parágrafo do texto me parece tão central à explicação de Goldschmidt que


senti-me na obrigação de citá-lo por inteiro. “A filosofia é explicitação e discurso. Ela se
explicita em movimentos sucessivos, no curso dos quais produz, abandona e ultrapassa teses
ligadas umas às outras numa ordem por razões. A progressão (método) desses movimentos
dá à obra escrita sua estrutura e efetua-se num tempo lógico. A interpretação consistirá em
reapreender, conforme à intenção do autor, essa ordem por razões, e em jamais separar as
teses dos movimentos que as produziram. Precisemos esses diferentes pontos”. A
importância desse trecho se dá por vários motivos. O primeiro é de que a filosofia é
explicitação e discurso, ou seja, todo texto filosófico consiste em uma tentativa do autor em
explicitar a sua teoria, através dos movimentos que elas tomam em seu discurso,
independente da origem do seu pensamento. A segunda parte do trecho é a de que as
progressões do texto são efetuadas em um tempo lógico, ou seja, em um tempo fora do
tempo cronológico, e relacionado a interpretação do texto. Esta interpretação é o terceiro
motivo, que para ele, seria obrigatoriamente feita de acordo com a intenção do autor;
interpretar seria reaprender, refazer o caminho do autor, unir cada doutrina a seu
determinado método e encontrar a união entre cada tese produzida por um autor através
das razões que o movimentaram a pensá-la.

A seguir, Goldschmidt assemelha o método de interpretação, que teria de ser um método de


exposição, à uma forma de analisar as estruturas, comparando-a às obras e fazendo
referência direta ao conceito de Arquitetônica em Kant. Porém, a peculiaridade é que ele
também as compara às composições musicais, no sentido em que se encadeiam
logicamente através de uma compreensão temporal específica; ora, movimentos
coordenados dentro de um determinado tempo é exatamente a forma como funciona a
música: notas encadeadas em um determinado tempo, no qual o intérprete irá reler a obra
composta e reproduzi-la através da sua compreensão sobre o sistema musical a ser
empregado. Aplicando esta analogia à filosofia, é exatamente assim que Goldschmidt
entende a filosofia: refazer os movimentos do autor do texto filosófico tal qual um cantor
interpreta uma obra musical. Porém, há que se refazer uma menção importantíssima à
forma como Goldschmidt propõe a compreensão do tempo. O tempo físico, ou tempo
vivido, seria tudo aquilo que entendemos como o tempo que corre no relógio, a passagem
das horas, dias, meses e assim por diante; já o tempo lógico seria o espaço entre as ideias ou
conhecimentos contidas em uma obra filosófica e a compreensão do leitor que o estuda. Ou
seja, compreender um sistema sob o tempo lógico seria enxergá-lo independente de todo o
tempo que não for interno à compreensão de uma obra filosófica, seriam de ordem das
pesquisas genéticas. Já compreendê-la preocupando-se com a sua estrutura interna, buscar
as causas de uma doutrina de acordo com a intenção de seu autor seria entendê-la dentro
do tempo lógico, e fora de sua biografia, ou do tempo vivido.

Além disso, Goldschmidt propõe que os movimentos dentro da obra filosófica são como
decisões do autor e devem ser compreendidos em sua totalidade de teses e movimentos
dentro de um tempo lógico, e não em partes; ou seja, são de sua responsabilidade, por mais
que se apresentem em formas de rupturas, ele cunha, pois, o termo “responsabilidade
filosófica”, que seria medida da coerência de um sistema e seua acordo com o real.
Portanto, Goldschmidt conclui disto que o historiador não deveria ser um ator ativo, um
crítico ou um redentor do autor e sim, um interpretador de sua obra que deve ser feita
dentro do tempo lógico e servindo-se e sendo conduzido somente pela obra que é de pura
responsabilidade do autor, ou seja, ele desconsidera as obras póstumas aos autores.

Ao ler este texto de Victor Goldschmidt, me transparece a sua intenção em delimitar o


método da história da filosofia proposto por Guéroult, lendo a filosofia com diferenças sutis
entre as suas obras. A comparação da interpretação com uma música é de valor
extremamente importante para a reflexão sobre todas as obras filosóficas, e mesmo sobre a
vida como um todo, sobre as coisas que nos acontecem e nos cercam. A filosofia seria como
um desenrolar de notas, nas quais os autores aprendem com os outros, leem suas obras e
daí tiram suas próprias conclusões, as quais imprimem em suas próprias obras e assim por
diante. Ou seja, o conhecimento é como uma eterna releitura, um refazer e construir-se em
si mesmo e, naturalmente, estarão conectados aos sujeitos que as produzem, mas serão
separadas deste e devem ser entendidas como criações e não como extensões de seus
criadores. Talvez a dificuldade que sentimos em aprender desta maneira, e de a realidade
nos fazer pensar constantemente somente no tempo vivido, não nos damos conta da
importância de refletir sobre aquilo que lemos e conhecemos, de realmente absorver as
ideias que ali estão em tinta ou na tela de um computador e colocá-las dentro de nossas
mentes. Novamente, me parece que será uma ferramenta muito útil para o meu curso, mas
com este texto me transparece muito mais a importância de refletir sobre o tempo lógico e
sobre como aprender, de fato, do que somente da importância da ferramenta, como foi em
Guéroult. Correndo o risco de estar agressivamente errado, Goldschmidt parece dar uma
nuance mais reflexiva sobre o método, talvez muito mais filosófico do que científico.
Referências Bibliográficas

GOLDSCHMIDT, Victor. Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos


sistemas filosóficos : A religião de Platão. São Paulo : Difusão Europeia do Livro, 1963.
p.. 139-147.

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