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O vestibular da Engenharia era marcado na primeira quinzena de fevereiro, que muitas vezes
coincidia com o mês do Carnaval, talvez para testar a persistência do candidato. Lembro-me que
no primeiro vestibular que fiz ainda havia prova oral. A cabeça raspada no trote exigia o uso de
boina, que era a característica dos calouros de Engenharia, e fazia sucesso entre as meninas, no
footing da Avenida Afonso Pena ou da Praça da Liberdade. Não existia outra escola de
Engenharia em Belo Horizonte, e o curso era anual e não departamentalizado. Por isso os alunos
conviviam sempre juntos, na mesma turma, durante todo o curso.
Não existia calculadora eletrônica e nem computador. Os cálculos eram feitos com calculadoras
mecânicas, manuais ou elétricas, ou com a famosa régua de cálculo. A régua pequena era
carregada no bolsinho do paletó ou camisa como símbolo do estudante de Engenharia.
Carregávamos também tábua de logaritmos, senos e cossenos, além de esquadros, tiralinhas e
tinta nanquim.
Não existia xerox. A maioria dos livros na Biblioteca e os adotados eram em língua estrangeira,
como exemplo o calhamaço de Geometria Descritiva, em francês (Roubaudi,C. , Traité de
Geometrie Descriptive. Paris: Masson e Cie., 1948). As anotações de aula ou alguma tradução de
livro eram feitas em mimeógrafos a álcool, só de um lado da folha .Eram chamadas de “bentas”,
abreviação de sebentas, pois eram passadas de um aluno para outro, já mesmo bem usadas,
marcadas e rasgadas. Já existia durex?
As visitas técnicas fora de Belo Horizonte, como Rio e São Paulo, eram feitas no ônibus da
Escola ou então as passagens eram pagas por ela. Também recebíamos diárias, que o professor
acompanhante distribuía cada dia, pois se fosse entregue de uma vez, o aluno sumia.
Procurávamos locais mais baratos para nos hospedar, e uma vez em São Paulo fomos parar em
um hotelzinho, na rua Aurora, com elevado movimento noturno de entra e sai. De outra feita,
ficamos em uma pensão em Copacabana, no Rio. Um dos colegas, muito estudioso,
compenetrado, não perdia uma aula, não era de farra, foi à praia e viu aquela quantidade de
moças de biquíni, queimadas de sol e ficou meio pirado. Mais tarde, na pensão, lá estava ele
cantando as empregadas da casa. Chamamos um pronto-socorro psiquiátrico e o médico
recomendou que ele fosse para casa. Queria ir de canoa. Dois colegas voltaram com ele de avião.
O bedel era o funcionário da Escola que tinha mais contato com os alunos, pois ficava nas
portarias e auxiliava o professor para buscar algum equipamento; às vezes levava-lhe um café,
limpava o quadro negro. Um dos queridos da turma era o Mazzaropi, que sempre excedia na
bebida, muito brincalhão. Parou de beber, ficou comportado, entrou para os Alcoólatras
Anônimos, os AAs. Ganhou até um distintivo, que usava na lapela. Era a figura de um camelo,
animal que só bebe água. Passado certo tempo, lá estava outra vez Mazzaropi naquela
carraspana tremenda. “O que foi isso, Mazzaropi, você não é dos AAs??”. Com a voz melosa ,
respondia: Sou sim,! (H)Aja Álcool!!!
O professor Édio Vieira de Azevedo virava uma fera quando o aluno, depois de responder a
chamada, saía de sua aula. Para resolver o problema, resolveu um dia trancar a porta e colocar a
chave no bolso. No meio da aula o Paulo Abrão pede para ir lá fora. “Não.Mas eu preciso ir,
senão...” O professor Édio entrega a chave, o Paulo Abrão sai e fecha a porta. Por fora. No final
da aula, o professor quase arrebenta a porta , até que um bedel veio abri-la.
Célio Ribeiro