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DIREITO ROMANO

Exame final – 06/01/2012

Duração da prova: duas horas.


I.
Das afirmações seguintes, escolha (em cada número) a verdadeira, transcrevendo-a e
indicando a alínea, sem justificar:
1.
a) A época clássica do Direito Romano situa-se entre 230 a.C. e 130;
b) O Digesto é uma colectânea de fragmentos de obras de jurisconsultos clássicos;
c) O Corpus Iuris Civilis foi mandado elaborar pelo imperador Marco Aurélio, no ano
170.

2.
a) Os iuris praecepta eram preceitos de natureza moral;
b) O segundo dos iuris praecepta era «prejudicar outrem» («alterum laedere»);
c) Os iuris praecepta (princípios fundamentais do direito) eram os seguintes: «não
abusar dos seus direitos» («honeste vivere»); «não prejudicar ninguém» («alterum
non laedere») e «atribuir a cada um o que é seu» («suum cuique tribuere»).
(2 x 1 valor)
II.
Das afirmações seguintes, escolha (em cada número) a verdadeira, transcrevendo-a e
indicando a alínea, mas justificando a escolha:
1.
a) O plebiscito (plebiscitum) teve sempre o mesmo valor normativo da lex rogata;
b) A lex rogata era aprovada pelo povo (populus), sob proposta de um magistrado;
c) A constituição imperial nunca foi considerada fonte do direito civil (ius civile).

2.
a) O penhor (pignus) era um contrato consensual;
b) A fidepromissio era uma garantia pessoal das obrigações acessível aos peregrinos;
c) A stipulatio, no direito clássico, era um contrato escrito.
(2 x 2 valores)
III.
Analise dois dos seguintes temas:
1. Mútuo (mutuum): noção; classificação quanto às obrigações que originava;
elementos essenciais; natureza gratuita ou onerosa;
2. Compra e venda (emptio venditio): noção; elementos essenciais; obrigações
geradas; tutela das partes;
3. Dano causado com injúria (damnum iniuria datum): noção; disciplina consagrada
na lex Aquilia, com indicação do seu âmbito de aplicação e da obrigação do autor
do facto danoso (capítulos 1.º e 3.º); exemplo de situação em que tenha havido
alargamento posterior dessa disciplina.
(2 x 4 valores)
IV
Em 7 de Junho do ano 125, Mauricius entregou a Lucius, ambos patresfamilias
romanos, o seu cavalo de competição para que este o guardasse até ao seu regresso de
uma viagem à província da Britannia.
a) Identifique e caracterize o contrato celebrado entre Mauricius e Lucius.
b) Suponha que o cavalo adoeceu e Lucius gastou 2.000 sestércios no seu
tratamento: que poderia fazer Lucius, no caso de Mauricius recusar o reembolso?
c) Considere agora a hipótese de Lucius ter usado o cavalo numa competição e
pretender exigir a Mauricius uma compensação por o animal ter ficado mal
classificado. Quid iuris?
(3 x 2 valores)

1
GRELHA DE CORRECÇÃO

I. Afirmações correctas:
1.
b) O Digesto é uma colectânea de fragmentos de obras de jurisconsultos clássicos.
2.
c) Os iuris praecepta (princípios fundamentais do direito) eram os seguintes: «não abusar dos
seus direitos» («honeste vivere»); «não prejudicar ninguém» («alterum non laedere») e
«atribuir a cada um o que é seu» («suum cuique tribuere»).

II. Afirmações correctas e justificação:


1.
b) A lex rogata era aprovada pelo povo (populus), sob proposta de um magistrado.
Escolha da afirmação correcta: 0,5 val.
Justificação: 1,5 val.
Elementos a mencionar na justificação: indicação de que a lex rogata era uma das fontes do
direito civil romano (ius civile) e que envolvia o acordo entre os três órgãos constitucionais da
República (o magistrado ou magistrados, o Senado e o povo); referência às fases do seu
processo de elaboração, destacando, sobretudo, a aprovação da proposta pelos comitia
(assembleias populares) e o papel do Senado.
2.
b) A fidepromissio era uma garantia pessoal das obrigações acessível aos peregrinos;
Escolha da afirmação correcta: 0,5 val.
Justificação: 1,5 val.
Elementos a mencionar na justificação: indicação do conceito de garantia pessoal das
obrigações; referência à necessidade de criação da fidepromissio (em virtude de a sponsio
apenas poder ser utilizada por cidadãos romanos) e à sua aplicação tanto nas relações entre
cidadãos como nas relações entre cidadãos e peregrinos, ainda que somente para garantir
obrigações verbais.

III. Analise dois dos seguintes temas:


N.B. A quem, porventura, tenha analisado os três temas foi atribuída classificação nos dois
primeiramente referidos.

1. Mútuo (mutuum): noção; classificação quanto às obrigações que originava; elementos


essenciais; natureza gratuita ou onerosa.
Noção (contrato real, pelo qual uma pessoa – que era o mutuante – dava a outra uma
determinada quantia de dinheiro ou certa quantidade de outras coisas fungíveis, ficando o
mutuário obrigado a restituir igual quantia de dinheiro ou igual quantidade de coisas
fungíveis, do mesmo género e qualidade); classificação quanto às obrigações que originava
(dizer que se tratava de um contrato unilateral e justificar – apenas havia obrigações para
uma das partes, o mutuário); elementos essenciais (a conventio – dizendo em que consistia
e aludindo à sua insuficiência para a perfeição do contrato, por se tratar de um
contrato real; e a datio rei – transferência da propriedade das coisas que eram objecto do
contrato); natureza gratuita ou onerosa (em regra, contrato gratuito – dizendo porquê; a
necessidade de celebrar a stipulatio usurarum para que houvesse obrigação de pagar juros;
referir, pelo menos, um exemplo de mútuo oneroso).

2. Compra e venda (emptio venditio): noção; elementos essenciais; obrigações geradas; tutela
das partes.
Noção (contrato consensual, pelo qual uma das partes – o vendedor – se obrigava a transferir
a posse pacífica de uma coisa para a outra pessoa – o comprador – e esta se obrigava a pagar
o preço); elementos essenciais (enumeração – a conventio, a res e o pretium – e explicação
sobre cada um deles); obrigações geradas (sendo um contrato bilateral perfeito, a compra e
venda originava obrigações para ambas as partes, logo no momento da realização do
contrato; obrigações do vendedor – obrigação de transferir a posse da coisa para o

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comprador, obrigação de conservar a coisa até à sua entrega, responder pela evicção e
responder por vícios ocultos; obrigações do comprador – obrigação de pagar o preço, receber
a coisa quando o vendedor pretendesse efectuar a entrega, reembolsar o vendedor das
despesas feitas com a conservação da coisa e responder pelo risco; explicação adequada);
tutela das partes (actio venditi e actio empti – ambas de boa fé, dizendo porquê; referência à
protecção do comprador no caso dos vícios ocultos).

3. Dano causado com injúria (damnum iniuria datum): noção; disciplina consagrada na lex
Aquilia, com indicação do seu âmbito de aplicação e da obrigação do autor do facto danoso
(capítulos 1.º e 3.º); exemplo de situação em que tenha havido alargamento posterior dessa
disciplina.
Noção (trata-se de um dos delitos privados; consistia num dano causado culposamente em
coisa alheia; disciplinado de forma sistemática pela lex Aquilia de damno, é designado por
dano aquiliano, aludindo-se também a responsabilidade aquiliana, além de responsabilidade
delitual); disciplina consagrada na lex Aquilia (este plebiscito, do ano 287 ou do ano 286
a.C., no capítulo 1.º determinava que quem matasse um escravo ou um quadrúpede alheio
pertencente ao gado doméstico era obrigado a pagar ao lesado o valor mais elevado que a
coisa tivesses atingido no ano anterior à verificação do facto ilícito; e no capítulo 3.º
estabelecia que o autor de qualquer outro dano causado nessas coisas ou em quaisquer outras
era obrigado a pagar ao lesado o maior valor que a coisa destruída ou danificada tinha
alcançado nos últimos trinta dias; requisitos – iniuria, dano causado corpore et corpori e
dolo ou culpa – explicando em que se traduziam); exemplo de situação em que tenha havido
alargamento posterior dessa disciplina (o ressarcimento dos danos não causados
directamente por uma acção corpórea – escravo alheio fechado e deixado morrer à fome –
protecção concedida pelo pretor, com base na sugestão da iurisprudentia, através de uma
actio in factum concepta).

IV. Em 7 de Junho do ano 125, Mauricius entregou a Lucius, ambos patresfamilias romanos, o
seu cavalo de competição para que este o guardasse até ao seu regresso de uma viagem à
província da Britannia.
a) Identifique e caracterize o contrato celebrado entre Mauricius e Lucius.
Identificação do contrato celebrado entre Mauricius e Lucius (trata-se do depósito, contrato pelo
qual uma pessoa – o depositante – entregava uma coisa móvel a outra – o depositário –, para
que esta a guardasse e a restituísse decorrido o prazo convencionado ou quando o depositante o
exigisse).
Caracterização desse contrato (contrato real, bilateral imperfeito, de boa fé e gratuito; com a
devida justificação).
b) Suponha que o cavalo adoeceu e Lucius gastou 2.000 sestércios no seu tratamento: que
poderia fazer Lucius, no caso de Mauricius recusar o reembolso?
Sendo um contrato bilateral imperfeito, de início apenas nasciam obrigações para o depositário
(a obrigação de guardar a coisa, sem a usar, e a obrigação de a restituir ao depositante). Mas
depois poderiam surgir, também, obrigações para o depositante; uma delas era, precisamente, a
de reembolsar as despesas que o depositário tivesse feito com a conservação da coisa. Assim,
Mauricius estava obrigado a efectuar o reembolso da quantia gasta por Lucius com o tratamento
do cavalo (2.000 sestércios); no caso de Mauricius se recusar a efectuar esse reembolso de
forma voluntária (como sucedeu), Lucius tinha a seu favor a actio depositi contraria e gozava
ainda do direito de retenção (ius retentionis) da coisa depositada enquanto não fosse
reembolsado.
c) Considere agora a hipótese de Lucius ter usado o cavalo numa competição e pretender exigir
a Mauricius uma compensação por o animal ter ficado mal classificado. Quid iuris?
Como foi referido, Lucius estava obrigado a guardar a coisa depositada, não a podendo usar.
Tendo-a usado o cavalo numa competição, o depositário cometeu um acto ilícito, o furtum usus
(furto de uso). Por esse motivo, Lucius não poderia exigir qualquer compensação pelo facto de o
animal ter ficado mal classificado na competição; e ainda teria de pagar a pena correspondente a
delito cometido (que era um furtum nec manifestum, punido com uma pena pecuniária igual ao
dobro do valor do cavalo).

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