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DIREITO ROMANO

(1.º Ano – 1.ª Turma)


Exame (época normal) – 04/01/2020

GRELHA DE CORRECÇÃO

I. Afirmações verdadeiras:
1.
b) O direito pretório (ius praetorium) era o direito criado pelo pretor urbano, com a finalidade
de interpretar, integrar e corrigir o direito civil (ius civile).

Escolha e transcrição da afirmação correcta: 1,0 val. (sem transcrição: 0,5 val.).

2.
c) A lex rogata era uma lei aprovada pelos comícios sob proposta de certos magistrados
(detentores do poder de imperium).

Escolha e transcrição da afirmação correcta: 1,0 val. (sem transcrição: 0,5 val.).

II. Afirmações verdadeiras e justificação:


1.
c) No mandato (mandatum), a actividade a desenvolver pelo mandatário não podia ser
apenas no interesse do mandatário.

Escolha e transcrição da afirmação correcta: 0,5 val.


Justificação: 2,0 val.
Elementos a mencionar na justificação: noção de contrato de mandato – contrato
consensual e bilateral imperfeito, pelo qual uma pessoa (o mandante) encarregava outra
pessoa (o mandatário) de realizar uma determinada actividade (jurídica ou material) no
interesse do próprio mandante, de terceiro ou, simultaneamente, de qualquer deles e do
mandatário, obrigando-se este a realizá-la gratuitamente – e indicação do motivo pelo
qual a actividade a desenvolver não podia ser apenas no interesse do mandatário (porque
este era inteiramente livre de decidir sobre a melhor forma de prosseguir o seu interesse);
referir que nessa hipótese haveria simples conselho (que o destinatário poderia ou não
seguir), e não mandato.

2.
b) No contrato de sociedade, os sócios visavam alcançar um fim patrimonial comum, não
sendo admitida a denominada societas leonina (sociedade leonina – «pacto leonino», na
terminologia actual).

Escolha e transcrição da afirmação correcta: 0,5 val.


Justificação: 2,0 val.
Elementos a mencionar na justificação: noção de contrato de sociedade (societas) – contrato
consensual e de boa fé pelo qual duas ou mais pessoas (os sócios – socii) se obrigavam a
pôr em comum determinados bens ou o seu trabalho (ou bens e trabalho), com vista à
prossecução de um fim patrimonial comum; destaque deste último aspecto (com o qual se
relaciona a afirmação), salientando que a finalidade do contrato, além de lícita (não
podendo ser contrária ao direito e à moral), devia traduzir-se numa utilidade ou
vantagem patrimonial para todos os sócios, o que não se verificaria na eventualidade de
ser admissível o «pacto leonino», explicando em que consistia (acordo no sentido de os
ganhos obtidos ficarem reservados só para um sócio ou apenas para alguns deles,
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enquanto os restantes suportariam as perdas); conclusão de que a societas leonina não era
admitida (ainda que fosse objecto de acordo dos sócios, era nula, não produzindo efeitos).

III. Analise dois dos seguintes temas:


1. Depósito (depositum): noção; caracterização; obrigações das partes; meios de tutela
concedidos a cada uma delas;

Resposta:

Noção: o depósito era o contrato pelo qual uma pessoa (o depositante) entregava uma
coisa móvel a outra (o depositário), para que esta a guardasse e a restituísse decorrido o
prazo convencionado ou quando o depositante exigisse a restituição.
Caracterização: o depósito era um contrato real (quanto à constituição), uma vez que a sua
perfeição não se bastava com o acordo de vontades das partes (a conventio), sendo ainda
necessário um acto material, que nesse caso era a entrega da coisa (objecto do contrato) ao
depositário (traditio rei); quanto às obrigações que originava, era um contrato bilateral
imperfeito (de início havia obrigações apenas para uma das partes, o depositário, mas
podiam nascer obrigações para o depositante no decurso da relação obrigacional); era,
também, um contrato de boa fé, uma vez que as partes deviam observar a conduta
própria das pessoas leais e honestas (a apreciar nas acções de boa fé que lhes eram
concedidas); e era um contrato gratuito, em virtude de o depositário não receber qualquer
retribuição (atribuição patrimonial feita pelo depositante) pela guarda da coisa.
Obrigações das partes: o depositário (única parte obrigada desde a celebração do contrato,
como se disse) tinha a obrigação de guardar a coisa, sem a usar (cometendo furto de uso
se, porventura, a usasse), e a obrigação de a restituir ao depositante nas condições em que
a tinha recebido (sem a ter deteriorado), com todos os frutos e acessões; as obrigações que
podiam surgir para o depositante eram a de reembolsar as despesas que o depositário
tivesse feito com a conservação da coisa depositada e a de ressarcir os prejuízos por ela
provocados (ou pelo próprio depositante).
Meios de tutela dos contraentes: o depositante tinha a seu favor a actio depositi (directa), no
caso de o depositário não cumprir a obrigação de restituir a coisa depositada (ou de a ter
deteriorado); o depositário era tutelado com a actio depositi contraria, na hipótese de o
depositante não cumprir qualquer das obrigações eventuais acima referidas, e gozava
ainda do direito de retenção (ius retentionis) da coisa depositada enquanto não fosse
reembolsado ou ressarcido.

2. Locação de coisa (locatio-conductio rei): noção; caracterização; elementos essenciais;


obrigações das partes; meios de tutela à disposição dos contraentes.

Resposta:

Referência à locação de coisa (locatio-conductio rei) como uma das modalidades do contrato
de locação (sendo as outras a locação de trabalho e a locação de obra – locatio-conductio
operarum e locatio-conductio operis).
Noção: a locação de coisa era o contrato pelo qual uma pessoa se obrigava a proporcionar
a outra o gozo temporário de uma coisa (uso ou uso e fruição desta), mediante o
pagamento de uma retribuição (merces ou pensio, contraprestação que o locatário se
obrigava a pagar).
Caracterização: era um contrato consensual (porque bastava o acordo das partes,
manifestado de qualquer modo, para se tornar perfeito), bilateral perfeito (em virtude de
originar obrigações para ambas as partes, logo no momento da realização do contrato), de
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boa fé (uma vez que as partes deviam adoptar a conduta própria das pessoas leais e
honestas) e oneroso (porque a concessão do gozo da coisa era feita mediante retribuição –
merces, pensio).
Elementos essenciais: consensus (acordo de vontades das partes, manifestado de qualquer
modo, que era necessário e suficiente para perfeição do contrato); objecto (res cujo gozo o
locador se obrigava a proporcionar ao locatário, da qual este podia usar ou usar e fruir
durante certo tempo, nos termos acordados); merces (contraprestação devida pelo uso ou
pelo uso e fruição da res, que devia ser certa, verdadeira e, em regra, consistir em
determinada quantia de dinheiro); tempo (a utilização da res devia ser feita durante o
prazo acordado).
Obrigações das partes: o locador (locator) tinha a obrigação de proporcionar ao locatário
(conductor) o gozo livre da coisa locada, durante o tempo e nas condições acordadas, a
obrigação de fazer as reparações necessárias para evitar a deterioração ou destruição da
coisa e a obrigação de reembolsar ao locatário o valor das despesas porventura feitas com
tais reparações; o locatário tinha a obrigação de pagar a merces (ou pensio) convencionada,
a obrigação de restituir a coisa, findo o prazo estabelecido no contrato, e a obrigação de
ressarcir o locador dos danos causados na coisa locada.
Tutela: o locador tinha a seu favor a actio locati (ou ex locato) e o locatário dispunha da actio
conducti (ou ex conducto), que eram acções de boa fé.

3. Furto: noção, elementos, modalidades e respectivas penas (no direito clássico).

Resposta:

Enquadramento do furto no âmbito dos delitos privados (dizendo o que eram).


Noção: o furto consistia (segundo um texto do Digesto atribuído a Paulus) no
«apoderamento fraudulento, com vista à obtenção de um lucro, de uma coisa, do seu uso
ou da sua posse».
Elementos: objectivo (contrectatio rei) – dizendo em que podia traduzir-se (subtracção de
uma coisa corpórea, móvel, que se encontrasse no património de outra pessoa; uso ilícito
de uma coisa alheia; tomada de posse indevida de uma coisa) – e subjectivo (o animus
furandi – intenção de prejudicar outra pessoa; na época clássica, traduzia-se no dolo).
Modalidades: furto manifesto (furtum manifestum) – o autor do facto ilícito era apanhado a
cometer o furto ou logo depois disso, ainda com a coisa em seu poder) e furto não
manifesto (furtum nec manifestum) – definido pela negativa (o que não era manifesto, no
sentido acima indicado).
Penas, na época clássica (aplicáveis mediante a actio furti): para o furto manifesto, uma
pena pecuniária igual ao quádruplo do valor da coisa furtada; para o furto não manifesto,
uma pena pecuniária igual ao dobro do valor da coisa furtada (pena já estabelecida na Lei
das XII Tábuas).

(2 x 3,5 valores)

IV. Em 4 de Janeiro do ano 100, Titius, paterfamilias romano de 45 anos de idade, celebrou
com Sempronius, igualmente paterfamilias romano, da mesma idade, um contrato pelo qual se
obrigou a entregar a este o escravo Stichus, enquanto Sempronius se obrigou a dar-lhe, como
contrapartida, a quantia de 10.000 sestércios.
Sabendo que Sempronius deu a referida quantia de dinheiro a Titius, mas este não lhe
entregou o escravo Stichus…

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a) Identifique e caracterize o contrato celebrado entre Titius e Sempronius.

Identificação do contrato a que se refere o enunciado: contrato de compra e venda


(contrato pelo qual uma das partes – o vendedor – se obrigava a transferir a posse
pacífica de uma coisa para a outra pessoa – o comprador – e esta se obrigava a pagar o
preço); justificação dessa qualificação (com os elementos contidos no enunciado).
Caracterização: contrato consensual (o consensus, manifestado de qualquer modo, era
necessário e suficiente para a perfeição do contrato), bilateral perfeito (originava
obrigações para ambas as partes, logo no momento da realização do contrato; indicação
das obrigações do vendedor e das obrigações do comprador), oneroso (por haver
atribuições patrimoniais de ambas as partes) e de boa fé (uma vez que as partes deviam
adoptar a conduta própria das pessoas leais e honestas).

b) Diga por que meio e com que fundamento poderia Sempronius agir contra Titius.

No caso de Sempronius (comprador) ter efectuado o pagamento do preço (dando ao


vendedor a quantia de 10.000 sestércios – apesar de ter a possibilidade de não efectuar o
cumprimento dessa obrigação sem que o vendedor se disponibilizasse a realizar a
entrega simultânea da coisa) e Titius não ter procedido à entrega do escravo Stichus ao
comprador, o vendedor (Titius) não teria efectuado o cumprimento da obrigação
fundamental que sobre ele recaía, que era, precisamente, a de proceder a essa entrega,
transferindo para o comprador (Sempronius) a posse pacífica da coisa vendida (o
escravo Stichus). Em virtude disso, o pretor concederia a Sempronius (comprador) a actio
empti (ou ex empto), que era uma acção pessoal (actio in personam) e de boa fé, para
responsabilizar o vendedor pelo não cumprimento da referida obrigação (não
permitindo, no entanto, obter a entrega do próprio escravo, mas somente uma
condenação pecuniária, na medida do «interesse» do comprador).

c) Suponha, agora, que Sempronius não pagara o preço e que o escravo tinha morrido, ao
ser fulminado por um raio, quando Titius ia a caminho da casa de Sempronius para o
entregar a este. Em virtude disso, Sempronius recusou-se a dar os 10.000 sestércios a
Titius. Quid iuris?

Na hipótese de o escravo Stichus ter sido fulminado por um raio e ter morrido, quando
Titius ia a caminho da casa de Sempronius para o entregar a este, ter-se-ia verificado o
perecimento fortuito da coisa vendida. Como o risco de perda ou deterioração fortuita
(quanto às coisas não fungíveis) estava a cargo do comprador desde que a compra e
venda se tornava perfeita (o que se verificava com o consenso das partes) – «emptio
perfecta periculum est emptoris» –, mesmo antes, portanto, de ser efectuada a entrega da
res ao comprador, este (Sempronius) continuava obrigado a pagar o preço. O vendedor
(Titius) poderia solicitar ao pretor a concessão da actio venditi (ou ex vendito), que era
igualmente uma acção pessoal (actio in personam) e de boa fé, para responsabilizar o
comprador pela falta de cumprimento da obrigação de pagar o preço (pretium); o
comprador seria condenado a pagar a quantia correspondente ao preço (bem como os
juros, segundo o ofício do juiz).

(3 x 2 valores)

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Nota: não é permitido o uso de qualquer legislação ou de outros elementos auxiliares.

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