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Durabilidade e proteção
do concreto armado
O primeiro indício do uso do con-
creto armado no mundo ocorreu
em 1850 na França por Jean-Louis
Marcelo Henrique Farias de Medeiros
Prof. Dr. do Departamento de Construção
de pesquisa, passando pela dosagem ra-
cional do concreto, uso de adições po-
zolânicas, escória de alto forno, fibras,
Civil, Universidade Federal do Paraná
Lambot. Isso significa que o concreto polímeros, entre outros. Contudo, todas
medeiros.ufpr@gmail.com
armado é um material ou sistema es- essas aplicações são inerentes ao uso em
trutural relativamente “jovem”, com estruturas novas (dosagem do concreto
Paulo Helene
menos de 200 anos de existência, a ser empregado em uma edificação a ser
Prof. Dr. do Departamento de
porém, a maioria das pessoas que o construída). Nesse contexto, a proteção
Engenharia Civil, Escola Politécnica,
utilizam não tem consciência disso. superficial do concreto figura como uma
Universidade de São Paulo
A origem do concreto armado foi alternativa que pode ser usada em estru-
totalmente intuitiva e empírica. Nesse turas novas e em estruturas antigas (tra-
contexto, é compreensível que não se Proteção de superfície no contexto da balhos de manutenção). Essa versatilida-
tenha pensado cuidadosamente na du- durabilidade do concreto armado de é uma das principais vantagens dessa
rabilidade dos materiais envolvidos. Pensar em durabilidade do concre- ferramenta de elevação da durabilidade
Contudo, pode-se dizer que a to é algo extremamente novo. Há pou- do concreto armado. Porém, é impor-
união desses dois materiais (aço + cas décadas, esse assunto não era consi- tante ter em mente que nenhuma solu-
concreto) contou com um pouco de derado um ponto de grande importân- ção é composta só por vantagens. No
sorte para alcançar a grande aplica- cia. Existia uma impressão geral (tanto caso da proteção superficial, é de suma
ção que tem nos dias atuais. Isso por- do meio técnico quanto do usuário) importância ter em mente que a durabi-
que, felizmente, os coeficientes de que o concreto armado tinha durabili- lidade do sistema de proteção é muito
expansão térmica dos dois materiais dade tão extrema que esse não era um inferior à do concreto que está sendo
são similares e porque o aço dentro ponto a se preocupar. protegido. Isso significa que para manter
do concreto encontra-se em um meio Infelizmente a experiência mostrou o grau de proteção do sistema é necessá-
altamente alcalino devido à forma- o contrário, e há alguns anos a durabili- rio que ele seja renovado de tempos em
ção de cal, e esse meio com pH acima dade do concreto tem sido um dos as- tempos, e esse período varia bastante em
de 12 faz com que o aço não corroa. A suntos mais estudados na área de mate- função da qualidade e do tipo do produ-
menos que haja a presença de íons riais de construção civil. Isso é reflexo to de proteção empregado.
despassivantes ou redução do pH de- do impacto econômico que os serviços
vido ao ataque por CO2, por exem- de reparo e manutenção de edificações Tipos de sistemas de proteção
plo. Pode-se dizer que foi sorte, por- têm tomado em diversos países, como de superfície
que essa teoria não era conhecida muito bem ilustrado na tabela 1. Os materiais de proteção superfi-
quando Lambot resolveu confeccio- Dentro do tema durabilidade do cial para concreto podem ser classifi-
nar os seus barcos. concreto armado, existem várias linhas cados em formadores de película, hi-
Tabela 1 – Gastos com reparo e manutenção em alguns países (Ueda, Takewaka, 2007).
País Gastos com construções novas Gastos com manutenção e reparo Gastos totais com construção
França 85,6 bilhões de euros (52%) 79,6 bilhões de euros (48%) 165,2 bilhões de euros (100%)
Alemanha 99,7 bilhões de euros (50%) 99,0 bilhões de euros (50%) 198,7 bilhões de euros (100%)
Itália 58,6 bilhões de euros (43%) 76,8 bilhões de euros (57%) 135,4 bilhões de euros (100%)
Reino Unido 60,7 bilhões de pounds (50%) 61,2 bilhões de pounds (50%) 121,9 bilhões de pounds (100%)
Observação: Todos os dados se referem ao ano de 2004, exceto no caso da Itália que se refere ao ano de 2002.
como alquiltrialcoxisilano. Possuem Figura 2 – Absorção de água por sucção capilar (kg/m2) para concreto de referência
pequena estrutura molecular (diâ- e concreto protegido
3
Figura 3 – Coeficiente de difusão de cloretos
apara
r t concreto
i go de referência e concreto protegido
icorr (microA/cm²)
de armaduras pela restrição do ingres- 0.7 moderado
so de água para o interior do concreto, 0.6
ou seja, aumento da resistividade. A 0.5
figura 5 evidencia a eficácia de alguns 0.4
0.3 Nível de corrosão
sistemas de proteção de superfície
0.3 baixo
quando aplicadas sobre uma estrutura 0.2
de concreto armado contaminada 0.1 Nível de corrosão
com 1% de cloretos em relação à massa 0.0 desprezível
de cimento. Nesse caso, os corpos de 50 60 70 80 90 100
prova contaminados (concreto de re-
ferência e protegidos) foram submeti- Referência Acrílico (B) Hidrofugante (1) Silicato
dos à estabilização em diferentes níveis Acrílico (A) Poliuretano Hidrofugante (2)
de umidade relativa do ar. Verificou-se Fonte: Medeiros, 2008
que a velocidade de corrosão aumen- Figura 5 – Velocidade de corrosão (µA/cm2) para concreto de referência e
tou drasticamente para umidade rela- Figura 6 – Vida útil estimada x cobrimento
concreto protegido
tiva acima de 80%, enquanto no caso para concreto de referência e concreto protegido
do concreto protegido a velocidade de
Limite crítico de Cl-= 0,4% (em relação à massa de cimento)/Cs = 1,8
corrosão se manteve baixa mesmo 10
acima de 90%.
Cobrimento (cm)
timativa do tempo de vida útil em fun- Figura 6 – Vida útil estimada (anos) X cobrimento (cm) para concreto de referência e
ção do cobrimento adotado em proje- concreto protegido
to ou encontrado na obra a ser recupe-
rada. Esse tipo de raciocínio está re- cloretos, contudo, não apresentar boa acrílico base solvente, apesar de ser um
presentado na figura 6, cujo processo resistência à radiação UV. Num caso excelente material de acabamento, se
de cálculo está detalhado em Medeiros como esse, um sistema um pouco aplicado sem um primer adequado,
(2008). É importante enfatizar que a menos eficiente quanto à capacidade de escurece a superfície, uma vez que é
estimativa de vida útil representada na barrar a água e cloretos que tenha uma incompatível com a alcalinidade do
figura 6 se refere ao caso em que o maior resistência a esse tipo de radiação concreto. A especificação de um verniz
agente agressivo principal é o ataque pode ser mais interessante, se o caso en- epoxídico para áreas externas pode ser
por íons cloretos e a sua penetração volver a exposição ao sol. Desse modo, é trágica, caso receba incidência solar,
ocorre por difusão. fundamental analisar a eficiência em pois o produto se degrada com a inci-
Para especificar um sistema de pro- conjunto com a durabilidade do siste- dência dos raios ultravioleta. É, porém,
teção superficial não se deve ter como ma de proteção superficial. um dos melhores em resistência a ata-
base apenas a sua eficiência isolada- É primordial que o especificador ques químicos, podendo ser ampla-
mente. É de extrema importância que esteja ciente das condições de serviço a mente utilizado em ambientes indus-
se tenha em conta a capacidade de que os materiais estarão submetidos. triais. Deve-se tomar cuidado também
manter essa característica ao longo do Isso irá evitar a ocorrência de certas na especificação do verniz poliureta-
tempo. Um sistema pode ser muito efi- incompatibilidades e consequências no, já que existem dois tipos: o aromá-
caz em barrar o ingresso de água e de indesejáveis. Por exemplo: o verniz tico e o alifático, este último bicompo-
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Figura 7 – Cobrimento equivalente
a r t i go
dos sistemas de proteção
16 proteção superficial para concreto está
CS = 1,8 %
Cobrimento Equivalente
da Proteção (cm) 14 Ccrit. = 0,40 % em rel. a massa de cim. no estabelecimento de um programa
12 de manutenção, considerando que
10 cada material tem uma vida útil limita-
8 da, necessitando de renovação para ga-
6
rantir o nível de proteção requerido.
4
2
Além disso, é importante enfatizar
0 que a escolha do material a ser especi-
Sistemas de proteção ficado precisa estar baseada em dados
técnicos e científicos, além de expe
Acrílico (A) Poliuretano Hidrofugante (2)
riências anteriores. O profissional pre-
Acrílico (B) Hidrofugante (1) Silicato cisa ter consciência das vantagens e
Fonte: Medeiros, 2008 desvantagens de cada sistema de pro-
Figura 7 – Cobrimento equivalente dos sistemas de proteção teção para especificá-lo adequada-
mente e de forma compatível com o
nente e resistente aos raios solares, por micro-organismos e outros; con- tipo e grau de exposição em que a edi-
podendo ser usado em superfícies ex- dições de acesso; custo da proteção; ficação esteja inserida.
ternas. Portanto, nunca se deve especi- facilidade de manutenção; ganho de
ficar um poliuretano aromático para vida útil proporcionado.
tratamento de superfícies externas su-
Leia Mais
jeitas à ação solar. Considerações finais Perfeitos Hidrorrepelentes para
Uma forma muito útil de racioci- É importante que a indústria da Toda Situação. M. Batista; Revista
nar em termos de proteção de superfí- construção civil juntamente com o Recuperar, v. 23, 1998.
cie foi proposta na tese de doutorado usuário veja sua edificação como algo Steel Corrosion in Concrete –
de Medeiros (2008), em que a prote- que necessita de manutenções perió- Fundamentals and Civil
ção é convertida em termos de cobri- dicas e a proteção de superfície é uma Engineering Practice. A. Bentur; S.
mento equivalente, que consiste em ferramenta que pode e deve ser usada Diamond; N. S. Berke. London: E and
quantos centímetros de cobrimento nos trabalhos de manutenção. É per- FN SPON, 1997.
equivale uma demão de um determi- feitamente aceito que o dono de um Corrosion of Steel in Concrete –
nado sistema de proteção. A figura 7 carro troque suas velas, óleo, lave, faça Understanding, investigation and
serve como resultado ilustrativo da balanceamento dos pneus e etc. É exa- repair. J. P. Broomfield. Londres: E &
avaliação feita por Medeiros (2008). tamente esse conceito que precisa ser FN Spon, 1997.
É importante enfatizar que a expe- estendido para as edificações, o usuá- Contribuição ao Estudo da
riência e qualificação do profissional rio precisa se conscientizar que uma Durabilidade de Concretos com
conta muito na hora de especificar edificação não é um bem eterno e sua Proteção Superficial Frente à
algum tipo de proteção de superfície durabilidade vai ser maior ou menor Ação de Íons Cloretos. M. H. F.
para o concreto armado. É importan- em função da manutenção realizada Medeiros. Tese (Doutorado) – Escola
te estar atento a todas as variáveis en- ao longo da sua vida útil. Politécnica, Universidade de São
volvidas no sistema a ser recuperado, No caso de uma estrutura de con- Paulo, São Paulo, 2008.
tais como: se a estrutura já está conta- creto armado, a proteção de superfície Efficacy of Surface Hydrophobic
minada com cloretos; se vai estar ex- tem influência nos dois estágios da Agents in Reducing Water and
posta à radiação U.V.; se existe exposi- vida útil da estrutura (Iniciação e Pro- Chloride Ion Penetration in
ção à água diretamente; se o mecanis- pagação), como resume a tabela 2. Concrete. M. Medeiros; P. Helene.
mo de penetração de água envolve Não se pode esquecer que a eficiên- Materials and Structures, v. 41,n.1, p.
sucção capilar ou permeabilidade; se cia de uma proteção superficial é dimi- 59-71, 2008.
existem outros mecanismos de degra- nuída ao longo do tempo de exposição Characterization of silicate sealers
dação, tais como: carbonatação, ata- ao meio ambiente. Desse modo, o ca- on concrete. J. L. Thompson; M. R.
que por sulfatos, chuva ácida, ataque minho do sucesso para os produtos de Silsbee; P. M. Gill; B. E. Scheetz.
Cement and Concrete Research, v. 27,
Tabela 2 – Efeito da proteção X Período da vida útil mais influenciado n. 10, p. 1561-1567, 1997.
(Medeiros, 2008) Performance-based Standard
Specifications for Maintenance
Efeito da proteção de superfície Período da vida útil mais influenciado
and Repair of Concrete Structures
Restrição ao ingresso de agentes Iniciação (obras novas)
in Japan. T. Ueda; K. Takewaka.
agressivos
Structural Engineering International,
Redução da umidade interna Propagação (obras antigas)
v. 4, p. 359-366, 2007.