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Ninguém nasce líder...

Prezado leitor. Minha ausência um tanto prolongada nas páginas desse portal não significa que
eu abandonei meu amigo Basílio Machado, que tão gentilmente me convidou para fazer parte
do time de colunistas. Significa mais a confirmação de uma rotina anual bem conhecida dos
meus colegas de profissão. A vida de professor nos primeiros vinte dias de dezembro costuma
ser uma ausência de vida.

Em função das idas e vindas decorrentes das altas e baixas nas taxas de mortalidade por COVID
19, o fechamento desse ano letivo está um tanto mais apertado e desafiador que os
anteriores. Pese ainda minhas próprias condições particulares, tomando pé das rotinas da
instituição da qual me tornei parte em 2021, somado ao fato de ter assumido a função de
coordenador de um programa de mestrado na Universidade Vila Velha.

Para te ser muito honesto eu sempre fugi dessas funções de coordenação, chefia, liderança, ou
qualquer equivalência. Desde quando eu era um nerdizinho de óculos que gostava mais de
Queem do que de Galinha Pintadinha (não tinha Galinha Pintadinha naquela época. Não
lembro qual o desenho infantil estava em moda), que se interessava mais nas aulas de teoria
musical do que nas de educação física, as pessoas me diziam que eu tinha “vocação para a
liderança”. Meu ceticismo, desconfiança, desinteresse e autoconhecimento me diziam que eu
não tinha vocação nenhuma para líder. Apenas gostava de estudar enquanto outros tinham
outros interesses, digamos, menos nobres ao olhar dos adultos.

Mais tarde na vida, a velha história. Com as ausências paternas, sobra para o filho homem
mais velho assumir as funções de “chefe da casa”. É o que esperam de você. É o que
esperavam de mim. Aos olhos ao redor, só confirmava a suposta vocação de liderança que
eles acreditavam que eu tinha. Aos meus olhos, eu era só um garoto de quinze anos tendo que
trabalhar (e de carteira assinada) porque meu pai era um irresponsável. Não foi divertido. Eu
queria era ter curtido minha adolescência ao invés de ficar enfiado em um escritório lidando
com todo tipo de coisa que acontece em uma empresa gigantesca como aquela em que eu
trabalhava.

Infelizmente as pessoas tendem a romantizar a desgraça que é um garoto de quinze anos ter
que trabalhar.

Passa o tempo e no serviço militar me voluntario para assumir as funções de chefia que cabiam
ao Cabo. Não mudei de opinião quanto a minha não vocação para liderança e continuava
totalmente desinteressado por ser chefe de qualquer coisa. Mas um comunicado do Sargento
Pedro deixou claro que quem tinha ensino médio completo, caso não se voluntariasse para
fazer a prova para Cabo, seria voluntariado pessoalmente por ele. Achei mais prudente me
voluntariar e demonstrar boa vontade para com o Comandante. Passei em primeiro lugar. Foi
uma boa escolha. Espero que o Capitão Pedro (sua patente atual) não tenha uma grave
decepção ao ler esse texto.

Assumi liderança ou chefias em outros momentos da vida. No Projeto Agenda 21, com Ricardo
Ferraço; na época da Rádio Difusora, com meu saudoso amigo Ruy Guedes; em grupos de
pesquisa na São Camilo. O fato é que, de fato, isso nunca foi um sonho ou um desejo. O que
não quer dizer que tenha me saído mal nas respectivas funções. Para ser honesto, acho até fiz
um bom trabalho em todas as oportunidades.
A questão que penso ser importante refletir, prezado leitor, é que ninguém nasce capaz ou
incapaz de liderar. Não existe um genezinho bendito ou maldito, ou alguma herança de alguma
reencarnação anterior, que faz o sujeito ser um grande líder. Entendo que dois elementos
formam um líder. Em primeiro lugar, suas circunstâncias. Aquilo pelo que passou na vida –
muitas vezes sem escolha – mas que de uma forma ou de outra o forjaram para ter sangue frio
quando outros se desesperam, para puxar o barco, tomar a iniciativa, resolver, motivar,
apanhar e esperar para reagir na melhor hora. Para entender que seu destino está ligado ao
destino do seu grupo. Em segundo lugar, liderança, como qualquer coisa na vida, pode ser
aprendida. Basta estudar, ora! E quando digo estudar não estou me referindo a esses livros
superficiais caça níqueis ou essas palestras shows que não servem nem para entretenimento.
Aprendizado de verdade não é algo que vem como um clique. É preciso teoria, aplicação da
teoria nos casos concretos e a renovação constante da teoria com base naquilo que se observa
na vida real. Isso não vem do dia para a noite.

Esse papo de que liderança vem no DNA, me desculpem a sinceridade, para mim é coisa de
preguiçoso.

Então, minha prezada leitora, meu prezado leitor. Não sou nenhum tipo de coach, conselheiro
ou consultor, mas posso dizer que se você pretende ser líder, a melhor estratégia é não querer
ser líder. Quem quer demais uma coisa acaba estragando tudo. De qualquer forma, é
importante estar preparado, porque a vida em alguns momentos pode exigir que você assuma
essa função. E quanto melhor estiver preparado, melhor desempenhará esse papel, o que será
bom para seu grupo, e, consequentemente para você. E como se preparar? Ora, vivendo
(estudando) e aprendendo.

Enquanto você vive e aprende, eu sigo aqui entre provas e notas a aguardar ansiosamente o
dia sagrado da entrega das pautas. E prometo – como as velhas promessas de fim de ano – ser
um colunista mais constante nesse espaço para o qual fui tão gentilmente convidado.

E por favor, não me chame para liderar nada.

Me chame para uma cerveja no Catedral do Samba.

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