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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA PARAÍBA

5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL

Processo Nº : 2002010027126-7
Natureza : Ação Ordinária
Autor(a) : SADY RICARDINO LACERDA
Réu : MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA

SENTENÇA

ADMINISTRATIVO. Contrato temporário. Art.


37, IX, Constituição da República. Lei
Municipal. Regime jurídico especial.
Prorrogações sucessivas. Nulidade.
Manutenção do regime jurídico. Verbas
contraprestacionais devidas. Vedação do
Enriquecimento sem causa. Dano moral.
Lesão a direitos da personalidade. Ausência
de provas. Procedência parcial do pedido.
“Mesmo em contratos temporários irregulares,
deve a Administração Pública arcar com as verbas
contraprestacionais, sob pena de enriquecimento
sem causa e ofensa à dignidade do trabalhador”.

Vistos, etc.

SADY RICARDINO LACERDA, qualificado nos


autos, através de advogado, apresentou demanda em face do MUNICÍPIO
DE JOÃO PESSOA, objetivando receber 13º salários não pagos, férias e
terços de férias, referentes a todo o período (02/01/2006 à 21/12/2006 e
01/2007 à 03/2010) em que esteve vinculado ao município, através de
contratos temporários.
Alega, também, que sofreu acusação de receber
propinas e, em razão disso, deseja indenização por danos morais.

Juntou documentos fls..

Citado (fl.), o município apresentou contestação


(fls. 28 e ss.) onde argumenta que as verbas cobradas não são devidas,
haja vista que não havia contrato de trabalho, mas apenas contratos de
prestação de serviços e que não ocorreu danos morais, negando as
acusações.

1
Apresentada réplica (fls. ).

Realizada audiência de instrução e julgamento


(fls.).
É o relatório.

PASSO AO JULGAMENTO.

Quanto às verbas trabalhistas

Analisando os autos, observo que o(a) servidor(a)


temporário(a) foi contratada a fim de atender necessidade excepcional e
temporária do serviço público.

No entanto, seu vínculo foi prorrogado por várias


vezes, desvirtuando o propósito original do contrato. Assim, a relação
jurídica que, a princípio, nasceu legítima, adentrou na ilegalidade
consubstanciada na prorrogação indevida do contrato.

Segundo a Lei Municipal 6.611/91, a hipótese de


contratação dos autos estaria limitada ao período máximo de um ano,
vedada a prorrogação (art. 13, caput). Outrossim, o contrato é nulo em
relação ao período que ultrapassou o limite de tempo legal.

Apesar da desnaturação, o regime jurídico do


contratado temporariamente não se altera, continua sendo aquele previsto
na lei municipal, com aplicação subsidiária do Estatuto dos Servidores
Municipais.

Entender de maneira diversa, inseriria pessoas


admitidas sem concurso público em regime jurídico mais benéfico do que
aquele aplicado aos servidores temporários contratados regularmente.

Em sentido semelhante tem decidido o Supremo


Tribunal Federal1.
Da mesma forma, o Tribunal de Justiça da
Paraíba, como se observa:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COBRANÇA. FUNDO DE


GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CONTRATO
TEMPORÁRIO. REGIME JURÍDICO ESPECIAL INSERIDO NO

1
RE 573.202-AM, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21.08.2008; RCL 6667, Rel. Min. Cármen Lúcia,
27.11.2008.

2
ÂMBITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE
VÍNCULO CELETISTA, QUE NÃO DECORRE DO
DESVIRTUAMENTO DO CONTRATO. IMPROCEDÊNCIA.
APELAÇÃO. DESPROVIMENTO. O contrato temporário (CF, art.
37, IX) submete o servidor a um regime especial, mas de
natureza administrativa, de forma que o seu desvirtuamento
pode ensejar a nulidade do vínculo jurídico, mas não o
submete ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
Verificado que os autores foram contratados por prazo
determinado, a sua permanência além do prazo inicialmente
estipulado não os torna celetistas, autorizando o pagamento
de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. (Apelação Cível
nº 001.2010.010078-1/001, 4ª Câmara Cível do TJPB, Rel.
Frederico Martinho da Nóbrega Coutinho. unânime, DJe
21.07.2011).

Não obstante, deve Administração Pública pagar


às verbas contraprestacionais, sob pena de enriquecimento sem causa e
violação da dignidade do trabalhador (art. 170, caput, CF/88).

A Constituição da República prevê no art. 37, II e


§ 2º, que será nulo o ingresso no serviço público sem concurso público,
como se observa:

Art. 37. A administração pública direta e indireta, de


qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e
eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de


aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas
e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do
cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração;

[...]

§ 2º A não-observância do disposto nos incisos II e III


implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade
responsável, nos termos da lei.

A jurisprudência era firme ao reconhecer que


“contratos” nulos, em evidente burla à regra do art. 37, II, da CF/88
gerariam, apenas, o direito à percepção das verbas salariais, a fim de evitar
o enriquecimento sem causa do Estado, bem como para assegurar a
observância da moralidade administrativa.

3
É bastante comum apregoar-se que a nulidade do
ato administrativo retroage à data em que ele foi praticado,
desconstituindo-se todas as consequências geradas a partir de sua edição
(efeitos ex tunc).
A afirmação deve recebida com reservas, em
especial quando há direitos adquiridos e locupletação sem causa da
Administração Pública.

CELSO BANDEIRA DE MELLO aborda o tema


com a mastreia que lhe é peculiar:

“Inúmeras vezes relações jurídico-administrativas, sobreposse


contratuais, são ulteriormente proclamadas como nulas e, em
tais casos, a Administração normalmente entende que, dado
o vício que as enfermava, delas não poderia resultar
comprometimento algum do Poder Público, uma vez que "o
ato nulo não produz efeitos". Assim, esforçada em tal
pressuposto, pretende que sua contraparte nada tem a
receber por aquilo que realizou, inobstante haja incorrido em
despesas e mesmo cumprido prestações das quais a
Administração usufruiu ou persiste usufruindo, como ocorre
nas hipóteses em que o contratado efetuou obra em proveito
do Poder Público. Trata-se, pois, de saber se o Direito sufraga
dito resultado. Ou seja: importa determinar se a ordem
jurídica considera como normal e desejável que, 'vindo a ser
considerada inválida dada relação comutativa', a parte que já
efetuou suas prestações deva ficar a descoberto nas despesas
realizadas, entendendo-se, assim, que o aumento do
patrimônio do beneficiado pela prestação alheia é um
incremento justo, merecendo ser resguardado pelo sistema
normativo e, correlatamente, que o empobrecimento sofrido
pelo adimplente é - também ele - justo, motivo pelo qual não
deve ser juridicamente remediado, mas, inversamente,
cumpre que seja avalizado pelo Direito. 2. Ao lume de noções
jurídicas correntes, em face do princípio da eqüidade ou
mesmo do simples princípio da razoabilidade - que há de
presidir qualquer critério interpretativo -, parece difícil
sufragar a intelecção de que, em todo e qualquer caso e
independentemente das circunstâncias engendradoras do
vício que enferma a relação, caiba à contraparte da
Administração arcar com os custos que ela lhe causou e que,
inversamente, esta última deva absorver as vantagens que
captou sem indenizar o onerado. Mesmo a um primeiro súbito
de vista, tão desatado entendimento apresenta-se como
visivelmente chocante, repugnando ao próprio senso comum
e a um mínimo de sensibilidade jurídica ou a rudimentos de
ética social. De fato, não é aceitável, em boa razão, que o
engajamento de dois sujeitos em relação reputada inválida -
se a invalidade proclamada foi fruto da ação conjunta destas
partes contrapostas -, deva receber do Direito um beneplácito
acobertador dos efeitos benéficos que o vínculo invalidado fez
surdir para uma parte e a confirmação dos efeitos
detrimentosos que gerou para a outra” (O princípio do
enriquecimento sem causa em Direito Administrativo, Juris
Plenum, n. 12, Março de 2010).

4
O próprio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em
sua Súmula 473, apregoa que de atos nulos não se originam direitos,
ressalvados os direitos adquiridos, como se observa:

Súmula 473

"A Administração pode anular seus próprios atos, quando


eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se
originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência
ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."

A nulidade da contratação sem concurso público,


como dito anteriormente, advém da própria Constituição, tratando-se de
uma realidade jurídica irrefutável. No entanto, não é razoável imputar
apenas ao contratado o ônus da dissolução do vínculo irregular, assumido
por ambas as partes, quando aquele age de boa-fé.

A precariedade da investidura sem concurso


público, por sua nulidade, traz à tona, pelo menos, os direitos
contraprestacionais, a fim de evitar o enriquecimento sem causa da
Administração e o trabalho sem remuneração, o que feriria a dignidade do
trabalhador (art. 170, CF/88).

Assim, saldo salarial, férias não gozadas, terço de


férias, décimo terceiro salário devem ser pagos (caso inadimplidos), sob
pena de enriquecimento sem causa da Administração Pública, conforme tem
decidido o Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba, expressamente:

APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA DE OFÍCIO.


COBRANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. SALÁRIOS, FÉRIAS, 13º
SALÁRIO, SALÁRIO-FAMÍLIA E FGTS. VERBAS RESCISÓRIAS.
NÃO COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO. PROCEDÊNCIA
PARCIAL DO PEDIDO. PAGAMENTO DO SALDO DE SALÁRIOS,
GRATIFICAÇÕES NATALINAS E INDENIZAÇÃO EM PECÚNIA
DAS FÉRIAS NÃO GOZADAS, ACRESCIDAS DO TERÇO
CONSTITUCIONAL. RECURSO. CERCEAMENTO DE DEFESA.
NÃO OCORRÊNCIA. CONTRATAÇÃO POSTERIOR À
CONSTITUIÇÃO DE 1988. AUSÊNCIA DE PRÉVIA APROVAÇÃO
EM CONCURSO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. CONTRATO
NULO. AFRONTA AO ART. 37, II, DA CF. DIREITO AO SALDO
DE SALÁRIOS, DÉCIMO TERCEIRO E TERÇO DE FÉRIAS.
PRECEDENTES DO STF. REMESSA OFICIAL E APELO
DESPROVIDOS. 1. Tratando-se de questão de direito e de
fato, a respeito da qual não haja necessidade de produção de
novas provas, o julgamento antecipado da lide não
caracteriza nulidade. 2. O Supremo Tribunal Federal,
modificando posicionamento anterior, tem entendido que, em
caso de nulidade do contrato de trabalho, ao empregado
admitido no serviço público sem concurso são devidos, além

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do saldo de salários, o décimo terceiro e o terço de férias.
(Apelação Cível e Remessa Oficial nº 083.2011.000241-
3/001, 4ª Câmara Especializada Cível do TJPB, Rel. Romero
Marcelo da Fonseca Oliveira. unânime, DJe 28.05.2012).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATAÇÃO


TEMPORÁRIA. RENOVAÇÃO ILEGAL. SERVIÇOS DE NATUREZA
HABITUAL E PERMANENTE. PRAZO SUPERIOR AO ADMITIDO
NA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. NULIDADE DO ATO. PROTEÇÃO
AO CONTRATADO DE BOA-FÉ. DIREITO SOCIAIS
ESTENDIDOS AOS SERVIDORES PÚBLICOS. 13º SALÁRIO
DEVIDO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. A legalidade
da contratação temporária exige a estipulação de prazo
determinado de vigência, respeitado o tempo máximo da lei
municipal, e que as funções a serem desempenhadas visem a
atender necessidade pública temporária e excepcional.
Excedendo - se com sucessivas prorrogações o prazo máximo
determinado no diploma regulamentador e demonstrado que
a necessidade passou a ser habitual e permanente, resulta
nulo o contrato por ofensa ao art. 37, II, da Constituição
Federal. Embora o contrato nulo não produza efeitos,
excepcionalmente, deve ser resguardado o direito do
administrado, que de boa-fé prestou os serviços, conferindo-
lhe além das verbas previstas no contrato, férias
remuneradas com o acréscimo de um terço e décimo terceiro
salário. Aplicação dos princípios da segurança jurídica, da
boa-fé e da vedação ao enriquecimento sem causa. (Apelação
Cível nº 055.2009.000486-6/001, 1ª Câmara Cível do TJPB,
Rel. José Ricardo Porto. unânime, DJe 26.03.2011).

No caso em análise, a parte autora demonstrou


possuir vínculo com município de 02/01/2006 até 31/12/2006 (fls. 12/14),
bem outro vínculo iniciado em 01/04/2007 (conforme consta no
contracheque de fl. 16.
Não há prova do pagamento das gratificações
natalinas, terço de férias e do gozo das férias pelo período reclamado.
Ademais, nestas demandas, figura no polo passivo
parte que possui toda uma estrutura que lhe permite, facilmente, provar
documentalmente, a inveracidade das alegações, haja vista que é o órgão
pagador, e detém todas as operações documentadas. O ônus de provar o
fato impeditivo do direito da parte autora, ou seja, que as férias foram
gozadas e pagos os terços de férias cabe ao Estado, nos moldes do art.
333, II, do CPC.

Quanto ao dano moral

Por outro lado, inexiste prova de dano moral. As


testemunhas que confirmam a versão que o autor foi acusado de receber
propinas, segundo elas mesmas, possuem demandas indenizatórias com o
mesmo propósito, que compromete sua isenção (fls. 63/65). Ademais, as
demais testemunhas ouvidas negam a existência da acusação (fls. 70/71).

6
Assim, inexiste prova de que tenha havido dano
aos direitos da personalidade do autor, o que afasta a ocorrência do dano
moral.

ANTE O EXPOSTO, atento ao que mais dos autos


consta e aos princípios de Direito aplicáveis à espécie, JULGO
PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para condenar o Município de
João Pessoa a pagar ao autor 13º salário, terços de férias e
indenização de férias, proporcionais ao período trabalhado, ou seja,
01/2006 a 12/2006 e 04/2007 a 03/2010.

No caso em apreço, houve sucumbência recíproca.


Portanto, os honorários advocatícios – arbitrados em 10% (dez por cento)
sobre o valor da condenação – ficam compensados na forma do art. 21,
caput, do CPC c/c a Súmula n. 306/STJ. De outro lado, também ficam
divididas as custas, mas com a isenção prevista no art. 12 da Lei n.
1.060/50, no que tange ao autor (beneficiário da gratuidade processual), e
a isenção disciplinada no art. 29 da Lei Estadual n. 5.672/92, em relação à
parte demandada (Faz. Pública Estadual).

Os valores devem ser atualizados pelo IPCA, a


partir do ajuizamento2 da ação, e acrescidos dos juros aplicados à caderneta
de poupança, nos termos do art. 1º-F, da Lei 9.494/97. 3

Diante do que dispõe o art. 475, §2.º, do CPC, não


é cabível, in casu, o reexame necessário.

P. R. I.

Joã o Pessoa, 17/12/21.

JOSÉ GUTEMBERG GOMES LACERDA


Juiz de Direito Auxiliar

2
Art. 1º, § 2º, Lei 6.899/81.
3
O art. 1º-F da Lei 9.494/97 foi declarado parcialmente inconstitucional por arrastamento na ADI 4357,
quanto ao índice de correção monetária a ser utilizado. Assim, a partir do julgamento do STF, o STJ
(REsp 1.356.120/RS, julg. 14/08/2013, rel. Min. Castro Meira) decidiu que os juros de mora continuam
regidos pela Lei .494/97, incidentes desde a citação; mas foi alterada a correção monetária, devendo
incidir o IPCA.

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