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FOUCAULT
Um percurso pelos seus
temas, conceitos e autores
Tradução
lngrid Müller Xavier
Revisão técnica
Walter Omar Kohan
Alfredo Veiga-Neto
autêntica
Eocnnoo Cnsrno
Vocabu lário de
FOUCAULT
Um percurso pelos seus
temas, conceitos e autores
Tradução
lngrid Müller Xavier
Revisão técnica
Walter Omar Kohan
Alfredo Veiga-Neto
autêntica
Copyright @ 2004 Edgardo Castro
EDIÍORAÇÃO ELETRÔNICA
Tales Leon de Marco
Waldênia Alvarenqa Santos Ataíde
REVJSÃO
Ana Carolina Lins Brandão
Cecília Martins
Vera Lúcia Simoni De Castro
AUTÊNTICA EDITORA
Rua Aimorés, 981, 8" andar. Funcionários
30140-07L Eelo Horizonre. MG
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Trrrvexo,qs: 0800 283 1 3 22
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09-047 1 6
VrRerrrs
Pnrrncto 13
lnrnoouçÃo 15
VocRsuLRnto or FoucnuLr 21
A Barbárie (Barbarie) 50
Barbln, Herculine 50
A priori historico (A priori historique) 2l
Barroco (Baroque) 51
Absolutismo (Ab s oluti sm e) 2t Barthes, Roland 5I
Abstinência (Ab st in e n ce) 23
5l
Basaglia, Franco
Acontecimento (Év énement) 24
52
Bataille, Georges
.4.mulatio 28
Baudeiaire, Charles 52
Afeminado (Üfféminé) 28
Beccaria, Cessare 52
Agostinho, Santo 28
B ehaviorismo (B éh av i o r i sme) 53
Alcibíades 29 Benjamin, Walter 53
Alienação (Ali é n ati o n) 29 Bentham, leremy 53
Althusser, Louis 30 Bergson, Henri, Bergsonismo (Bergsonisme) 54
Amicitia 30 Bichat, François Xavier 54
Anachóresis 30 Binswanger, Ludwig 54
Analítica da finitude (Analytique debfinitude) 31 Bio-história (B i o -hi st o ire) 55
Analogia (Analogie) 31 Biologia (Biologie) 55
Animalidade (Animalité) 31 Biopoder (Bio-pouvoir) 57
Anomaiia (Anomalie) 32 Biopolítica (Bi op olitiqu e) 59
Anormal (Anormal) J4 Bissexualidade (Bisexualité) 60
Antiguidade (Antíquité) 34 Blanchot, Maurice 60
Antipsiquiatria (Ant ip sy chi atr i e) 35 Bloch, Marc 61
Antissemitism o (Anti mit i sm e )
sé 35 Bopp, Franz 62
Antropologia (AnthroP ologie) 36 Borges, Jorge Luis 62
Aphrodísia 37 Botero, Giovanni 62
Arendt, Hannah 38 Boulainvilliers, Henry de 62
Ariês, Philippe 39 Boulez, Pierre 63
Aristófanes 39 Braudel, Fernand 63
Aristóteles 39 Brown, Peter 63
Arqueologia (Ar ch é olo gi e) 40 Burguesia (B o urge oi si e) 64
Arquitetura (Ar chit ectur e) 42
Arquivo (Archive) 43c
Ars erotica 44 Cabanis, Pierre fean George 66
Artaud, Antonin 44 Cadáver (Cadavre) 66
Artemidoro 4! Canguilhem, Georges 66
Ascese (Áscàse) 45 Capitalismo(Capitalisme) 67
Asilo (Aslle) 46 Carne (Chair) 68
Atualidade (Actu alit é) 46 Cassiano, loão 7l
AuJkliirung 46 Castel, Robert 71
Ausência (Absence) 46 Castigo (Chôtiment, punition) 71
Aotor (Auteur) 47 Cervantes Saavedra, Miguel de 72
Chemnitz, Bogislaus Philipp von 73
B Choms§, Noam Avram 73
Bachelard, Gaston 49 Cícero /3
Bacon, Francis 49 Ciências humanas (Sciences humaines) 74
7
Clausewitz, Carl von 74 Epiméleia 138
Clausura (Renfermement) 74 Episteme (Épistémà) 139
Clemente de Alexandria 74 Episteme clássica (Épistémà classique) 140
Clinica (Clinique) 75 Episteme moderna t44
Cogito 80 Epistemerenascentista 144
Comentário (Commentaire) 81 Epistrophé 145
Comunismo (Communisme) 82 Epiteto t45
Condillac, Étienne Bonnot 82 Epithymía 146
Confi ssão (Aveu, co nfession) 82 Época clássica (Époque classique) 147
Contrato (Contrat) 84 Eros t47
Controle (Contrôle) 85 Erotica(Erotique) 147
Convenientia 86 Escola(École) 149
Conversão (Epistrophé, conversion) 86 Escola dos anais (Ecole des anales) r49
Corpo (Corys) 87 Estética da existência (Esthétique de
Cristianismo (Chr i st i ani s m e) 9l lbxistence) 150
Cuidado de si (Epiméleia, souci) 92 Estratégia(Stratégie) 151
Cuvier, Georges 96 Estruturalismo (Structuralisme) 152
Ethos
t54
D Étíca (Éthique)
155
Darwin, Charles 97
Exame (Examen)
157
Degeneração ( D ége né res Existencialism o (Exi st e nt i ali s m e)
ce n c e) 97 160
Deleuze, Gilles Exomologêsis
98 160
Democracia (D ém o cr at i e) 101
Experiência (Exp érience)
161
Derrida, Jacques r02
Descartes, René r02 F
Descontinuida de (D i s co nt inui t é) 103 Fâbrla (Fable)
r64
Desejo (Désir) 104 Família (Famille)
164
Despsiquiatriz açáo (D ép sy chi at r i s at i o n) 106 Fascismo (Fascisme)
166
Diagnosticar (D iagno stiquer) 107 Fausto (Faasf)
167
Dialética (D i ale ct i qu e) 108 Febvre, lucien
167
Dietética (Diététique) 109 Fenomenologia (Phénoménologie)
167
Disciplina (D i s cipline) 110 Feudalismo (Féodalisme, Féodalité, Féodal)
Discurso (Discours) Ficçáo (Fiction) 170
117
Dispositivo (D i sp o s itifl Filodemo de Gádara 17t
123
Dispositivo de aliança (Dispositif dhlliance) Filosofia (Philosophie) t72
t25
Dispositivo de sexualidade (Dispositif de Flaubert, Gustave t72
Formaçáo discursiva (Formation discursive) 176
sexualité) 125
Divinatio Formalização (Formalisation) 177
125
180
Documento (Document) 125 Freud, Sigmund
Dogmatismo (Dogmatisme) 181
125
Dominação (Domination) 126 G
Dom Quixote 127 Galeno
Doutrina (Doctrine) 128 Genealogia(Généalogie) 184
Dumézil, Georges 129 Gênio (Génie) 184
Durkheim, Émile 129 Gnosticismo (Gnosis,Gnosticisme) 187
Goethe, Wolfgang t87
E Governo, governar, governamentalidade 188
Econômica (É co n omi tlue) 131 (Gouvernement, Gouverneri Gouvernamentalité)
Édipo 133 Gterra (Guerre) 188
Educação (Éducation) 134 Gulag(Goulag) 193
Enciclopédia (En cy cl op é die) 135 t96
Enkrateia 135 H
Enunciado (Enoncé) 136 Habermas, fürgen 197
Epicuro 138 Hadot, Pierre 198
B
Hegel, Georg Wilhelm Friedrich 1e8 M
Hegelianismo (Hé géli ani sme) 291
Heidegger, Martin
Hermafroditism o (Herm aphr o di sm e)
lii ilxlilffi',§::,tr
Marx, Karl
29t
292
Hermenêutica (Her m en éutique) ;i.;
História (Histoire)
::: Marxjsmo(Marxisme) 294
Historicismo (Historicisme)
:Y: Masturbação (Masturbation) 298
Hitler, Adolf
i:: Materialismo (Matérialisme) 298
iH Medicalização (Médicalisation) 299
Hobbes, Thomas
Modernidade (Modernité) 301
Hôlderlin, Johann Christian Friedrich ;;, Monstro (Monstre\ 303
Homem (Homme)
Montaigne, Michel de 303
Homossexualid ade ( Ho m o s e xu alit é ) ;iZ
Humanismo (Humanisme)
Husserl, Edmund i)i N
Nazismo (Nazisme)
Hypomnémata 221 304
Hlppolite, |ean 222 Nietzsche,Friedrich 305
Norma (Norme, Normalisation, Normalité) 309
I Nosopolítica (Nos o -p olitique) 311
Iatriké 223
Ideologia (Idéologie) 223
o
Ilegalidade (lllégalkme) 224 Obediência (Obédience) 312
Imaginaçáo (Im agin at i o n) 22s Ontologia do presente, Ontologia histórica
Inconsciente (ln c o n s ci ent) 227 (Ontologie du présent, Ontologie historique) 312
Individualizaçã o (In div i du ali s ati o n) 227
Intelectual (lnt ell e ct uel) 228 P
Interioridade (Int é r i o r it é) 229 Panóptico (Panoptique, Panoptisme) 3t4
Interpretação (Int e r pr ét ati on) 230 Parresía 316
Investigação (Enquête, Inquisitio) 232 Pascal, Blaise 318
Pedagogia (Pédagogie) 319
I Pinel, Philippe 320
9
Repressão (Répression) 384
Resistência (Résistance) 387
Revolução (Rév olution) 387
Roussel, Raymond 392
S
Saber (Savolr) 393
Sade, Donatien-Alphonse-François
Marques de 395
Saúde, salvaçáo (Salut, Santé) 396
Sexualidade (S exu alit é) 398
Shakespeare, William 403
Soberania (S o uv erain et é ) 403
Subjetivação (Subj e ctiv ation) 407
Subjetividade (Subj ectivité) 409
Sujeito (Suleú) 409
T
Tâtica(Tactique) 411
Técnica, tecnologia (Technique,Technologie) 412
Teleologia (Téléologie) 414
Território (Territoire) 474
Therapeutiké 415
Totalidade (Totalrtô 415
Tradição (Tradition) 416
Tianscendental (Transcendental) 417
Transgressão (Transgression) 417
U
Ubuesco (Ubuesque) 419
Ussel, los van 419
Utopra (Utopie) 419
V
Verdade, jogo de verdade, vontade de verdade
(Vérité; leu de vérité, Volonté de vérité) 421
w
Weber, Max 426
x
Xenofonte 428
Z
Zen 429
10
PRoLoGo n rolçÃo BRASTLETRA
II
Português para alguns textos e a inexistência de traduções para outros. Como também
em francês não existe uma única edição francesa dos textos de Foucault e a numeração
das páginas não é a mesma em todas as reedições, ao final d,o Vocabulárlo a seção 'As
obras e as páginas" relaciona as páginas que correspondem aos capítulos ou às seções das
ediçoes em francês utilizadas dos textos de Foucault. Para os Dits et écrits,acrescentamos
o título do texto (verbete, entrevista, intervenção) e, para os cursos no Collêge de France,
a data da aula. Todos os títulos dessa seção estão em francês e em português.
As traduções dos textos em francês citados nos verbetes foram feitas cotejando a versão
em espanhol com o original francês. Na presente edição acrescentamos um índice onomástico
e outro de obras. Os termos em grego foram transliterados segundo as normas de Henrique
Murachco. Língua Grega.Yol.I. São Paulo: Discurso Editorial; Vozes, 2001, p.40-42. De resto,
o texto segue fielmente o original.
L2
PREFAC!O
t3
nos assegura que, com o afã de ordenar, não venhamos a cair nessas autoimplicações
(classificar os conteúdos mesmos da classificação; como Borges, "(h) incluídos na presente
classificação") que só os labirintos da linguagem permitem construir. E, finalmente, no
pior dos casos, provocar somente riso, e, no melhor, também inquietude.
- Mas e se esse espaço comum existisse?
- Ah, bom, então, apresentar este Vocabulário se reduziria a dizer, de novo como
Foucault: "Eu não escrevo para um público, escrevo para usuários, não para leitores"
(D82, s24).
Edgardo Castro
l4
TNTR0DUÇÃ0
Nossa ideia inicial foi elaborar um índice completo da totalidade dos textos publi-
cados de Foucault: os livros editados em vida, a recopilaçâo intitulada Dits et écrits e os
cursos no Collêge de France que apareceram ate o momento. A intenção era dispor de
um instrumento de trabalho em estado "bruto I sem nenhum tipo de seleção ou filtro
dos dados. Dada a sua extensão e à espera de encontrar o modo mais adequado para
publicar este material, com base nele elaboramos este vocabulário.
O presente trabalho difere da nossa ideia original por vários motivos. Por um
lado, não se trata de um índice, mas, mais exatamente, de um vocabulário. Não só faz
referência a onde, nos escritos de Foucault, aparece cada termo, mas quer, ademais,
oferecer uma indicação (às vezes sucinta, às vezes extensa) de seus usos e contextos.
Por outro lado, está constituído por uma seleção arbitrária de termos.
os únicos criterios que nos guiaram, no momento de escolher o que incluir e o que
deixar de fora, foram: importância que reconhecíamos em alguns termos valendo-nos da
a
nossa leitura da obra de Foucault (o que poderíamos denominar sua "representatiüdade"),
nosso interesse pessoal ou, simplesmente, uma suposta utilidade para o leitor. Por exemplo,
no caso das expressóes e dos termos gregos, frequentes nos últimos escritos, quisemos
incluir o maior número possível. Alguns autores foram incluídos não pela frequência com
que são citados; mas, por serem autores menos conhecidos para o público em geral e, por
isso, pareceu-nos útil situá-los na obra de Foucault e também na história. Por exemplo, os
autores estudados a propósito da análise da "Razão de Estado I
As limitaçÕes que, necessariamente, surgem dessas opçoes só poderiam ser sanadas
com um trabalho de equipe, no qual os critérios de seleção se multipliquem e sejam
discutidos. Além do mais, ate que sejam publicados todos os cursos de Foucault no
Collêge de France, torna-se impossível colocar um ponto final na tarefa de elaborar um
vocabulário foucaultiano. Por outro lado, este deveria estar acompanhado de uma bi-
bliografia secundária que pudesse ser sugerida a propósito de cada termo. Outra tarefa
arealizar seria estabelecer "a biblioteca de Foucault'l a lista de obras citadas, segundo
a cronologia e a frequência. Por todas essas razões, este trabalho deveria ser tomado
como o ponto de partida para uma obra coletiva, necessariamente mais abrangente e
mais rica. O convite está feito.
Não setrata, pois, de uma exposição do pensamento de Foucault, mas de um instru-
mento de trabalho. Na redação dos verbetes, tentamos abster-nos o mais possível de nossa
I5
interpretação pessoal. A propósito de cada termo, só quisemos mostrar como e onde ele
aparece. Sobretudo, pretendemos exibir seus sentidos mais releyantes. Por isso, porque nào
se trata de uma exposição sistemática, mas apenas de uma apresentação do conteúdo, mul-
tiplicamos as referências e mantivemos algumas repetiçoes. Muitos termos talvez pudessem
ter sido reunidos dentro de outro. Mas nem sempre os agrupamos. Algumas vezes o fizemos,
a hm de náo nos estender demasiado; outras, os mantivemos separados para facilitar a
consulta por termos, e não por temas. Também para controlar a extensão da exposição e
Várias pessoas me acompanharam, com suas sugestões, suas críticas e, sobretudo, seu
entusiasmo na realização deste vocabulário. Alfabeticamente, Ariel Yoguel, Bilrbara Steinman,
Gerardo Fittipaldi, Guido Deufemia, Leiser Madanes, Marcelo Boeri, María Luisa Femenías,
Oscar Conde, Pablo Pavesi e Yves Roussel. Com María Giannoni e Paula Fleisner, ademais,
discutimos alguns dos verbetes mais complexos. Mariana Sanjurjo teve a amabilidade de ler
todo o texto sugerir-me as correções necessárias, para que a leitura fosse mais fluida e a
e
expressão mais correta desde o ponto de vista da lingua. É dificil distinglir o que pertence
a cada um deles; mas impossível não agradecer-lhes. Nos departamentos de fiiosofia da
Universidade de Buenos Aires, da Universidade Nacional de La Plata e da Universidade
Nacional de Rosário, ministrei vários cursos e seminários sobre o pensamento de Michel
Foucault. Sem o trabalho de discussão com os que participaram deles, este vocabulário
nunca teria vindo à luz. Tambem a todos eles o meu reconhecimento.
E por fim, gostaria de agradecer especialmente aos Profs. Walter Omar Kohan e Al-
tiedo Veiga-Neto pelo interesse que mostraram desde o primeiro momento, em realizar a
traduçáo brasileira desta obra. Esse interesse foi acompanhado, ademais, peio trabalho
de revisão e de adaptação necessário. Um rnerecido reconhecimento de minha parte
vai também para Ingrid Müller Xavier. É impossível expressar em poucas palavras o
esforço realizado por ela. Uma parte importante desta obra lhes pertence.
16
TNSTRUÇoES PARA 0 USo
abordam temas tratados por Foucault (por exempl o, História, Poder) e verbetes que tratam
17
DEI Dits et écrits I / Ditos e escritos I *
Na deflnição do corpus apartir do qual foi gerada a frequência de aparecimento dos termos,
seguimos os seguintes critérios: I)a totalidade dos livros, exceto títulos e índices; 2) para Dits
et écrits, não incluímos, alem dos índices, a cronologia contida no vol. I; 3) para os cursos do
Collêge de France, deixamos de lado os resumos, que já se encontram em Dits et écrits, e a
"Situation des cours'l redigida pelos editores; mas incluímos as notas.
As referências remetem às edições francesas dos textos de Foucault. Isso apresenta várias
dificuldades. A primeira delas é que não existe uma única edição francesa dos textos de
Foucault, e a numeração das páginas não é a mesma em todas as reedições. Para facilitar a
1S
traduções, ao final do vocabulário haverão de se encontrar, relacionadas por ordem alfabé-
tica: l) para os livros de Foucault publicados antes de sua morte, os capítulos ou as seções
correspondentes à numeração das páginas que utilizamos; 2) para os volumes de Dits et
écrits,o título do texto (verbete, entrevista, intervenção) utilizado;3) para os cursos no
Collêge de France, a data da aula. Ainda que náo deixe de ser um inconveniente, não en-
contramos una solução melhor.
As edições francesas que utilizamos são as seguintes (os anos correspondem à data da
edição utilizada):
I9
1 A PRIOR HISTORICO (A priori historique)
Foucault utiliza a expressão "a priori histórico" para determinar o objeto da descriçáo
arqueológica. Ainda que várias vezes ele tenha assinalado a herança kantiana de seu trabalho
filosófico (D84,632,687-688), o adjetivo "histórico" quer marcar as diferenças com respeito ao
" a priori" kantiano. O " a priorihistórico
I efetivamente, não designa a condição de validade dos
juízos, nem busca estabelecer o que torna legítima uma asserçáo, mas sim as condições históricas
dos enunciados, suas condições de emergência, a lei de sua coexistência corn outros, sua forma
específica de ser, os princípios segundo os quais se substituem, transformam-se e desaparecem.
'A priori não de verdades que nunca poderiam ser ditas nem realmente dadas na experiência,
mas de uma história já dada, porque é a história das coisas efetivamente ditas" (AS, 167). Trata-se
definitivamente da regularidade que torna historicamente possível os enuncíados.O a priorl formal
eo histórico não são do mesmo nível nern da mesma natureza (AS, 165-169). * Foucault utiliza
também a expressâo" a priorl concreto'l Em Histoire de folie à lhge classique, por exemplo, a
la
iclentificaçáo do soclus com o sujeito de direito constitui o "a priori concreto" da psicopatologia
com pretensão científica (HF, 176). * Em um de seus primeiros textos, "La recherche scientifique
etla psychologie'(em Morêre), Des chercheursfrançais s'ínterrogent. Orientation et organisa-
tion du travail scientiJ)que en Franca Toulouse, Privat, Collection "Nouvelle Recherche'l n. 13,
1957,p. 173-201, reeditado em DEl, 137 -168), encontramos a expressão " a priori conceitual e
histórico" (DEl, 155-i58). O sentido dessas duas expressões que acabamos de mencionar não
corresponde ao atribuído ao"a priori histórico' em lhrchéologie du savoir.
Apriorihistorique [17]: AS, 166 167,169,269. DEI,661. DE4,632. MC, t3,15,171,287,329,35s,361.NC, 197.
; ABSOLUTISMO (Absolutisme)
À fundaçào do Hospital Geral de Paris data de 1656. À primeira vista, tratâ-se de uma reorga-
nização atraves da qual se uniÍicam administrativamente várias instituições já existentes, entre
ls quais se encontram a Salpêtriêre e a Bicêtre, que então foram destinadas a receber, alojar
e alimentar os "pobres de Paris'l tanto os que se apresentavam por si mesmos quanto aqueles
para lá enr-iados pela autoridade judicial. Ao diretor-geral, nomeado por toda a vida, era-lhe
conterido o poder de autoridade, direção, administração, comércio, polícia, jurisdição, correção
e castigo sobre todos os pobres de Paris que se encontrassem dentro ou fora dos edifícios des-
tinados ao hospital. "O Hospital geral é um estranho poder que o rei estabelece entre a polícia
e a iustiça, nos limites da lei:
terceira ordem da repressão [...]. Em seu funcionamento ou em
a
seu propósito, o Hospital geral não está vinculado a nenhuma ideia médica; é uma instância
de ordem, de ordem monárquica e burguesa que se organiza nesta época na França" (HF, 73).
Criados por éditos do rei, na organizaçao e no funcionamento dos hospitais gerais, mesclam-se
os privilégios da Igreja quanto à assistência aos pobres e a preocupação burguesa por ordenar
o mundo da miséria (assistência, repressão). A nova instituição se estenderá rapidamente por
todo o reino e chegará a ser, para além da França, um fenômeno europeu. No entanto, na França,
Seria fácil mostrar, segundo Foucault, que a história da sexualidade não pode ser dividida
em uma etapa de permissáo e outra de restrições que corresponderiam, respectivamente, ao
paganismo e ao cristianismo. O primeiro grande livro cristão dedicado à prática sexual (cap.
X, livro II do Pedagogo, de Clemente de Alexandria) se apoia tanto na Escritura como em
preceitos e disposições tomados diretamente da filosofia antiga. Tanto no paganismo como
no cristianismo (ainda que, como o próprio Foucault ressalta, trata-se de categorias pouco
20-21, 27, l0l, 135-1 36, 187. HS3, 7 5, 77, 85, t44- 116. 272.
de, chegaram até nós. Nessa perspectiva, há certa primazia do acontecimento como regulari-
dade. A novidade já náo é um acontecimento oculto do qual as práticas seriam as manifesta-
ções; as práticas definem agora o campo das transformações, da novidade. Pois bem, tocamos
aqui em um ponto nevrálgico do pensamento de Foucault: como pensar a relação entre novi-
dade e regularidade sem fazer danovidade uma espécie de "abertura' ("a la Heidegger") nem
converter as práticas em uma espécie de "a priori" da história, do acontecimento como novi-
dade? Como pensar, ao mesmo tempo, a transformação e a descontinuidade? Por isso, Foucault
deve encontrar um equilíbrio entre o acontecimento como novidade e o acontecimento como
regularidade que não seja uma recaída nos velhos conceitos da "tradição'nem no novo con-
ceito de "estruturai Ou seja, sem reintroduzir nenhuma instância de ordem transcendental.
Trata-se, enfim, de pensar essa relaçáo assumindo a descontinuidade dessas regularidades, o
acaso de suas transformaçoes, a materialidade de suas condições de existência (OD,61). Para
isso, Foucault haverá de se servir dos conceitos de "luta'l "táticas'l "estratégias'l O termo "acon-
tecimento" adquire, então, um terceiro sentido: o acontecimento como relação de forças (em
que se percebe a presença de Nietzsche). 'As forças que estão em jogo na história não obede-
cem nem a um destino nem a uma mecânica, mas antes, ao acaso da luta' (DE2, 148). As
lutas, na história, levam-se a cabo através das práticas de que se dispoe, mas, nesse uso, elas
se transformam para inserirem-se em novas táticas e estratégias da luta. Aqui, Foucault náo
só se serve do conceito de luta, mas também atribui um sentido ao conceito de liberdade.
Todavia não como oposto à causalidade histórica, mas como experiência do limite (Yer: Li-
berdade,IuÍa). Nesse terceiro sentido, o conceito de acontecimento se entrelaça com o
conceito de atualidade (Yer: Diagnosticar)."Dito de outra maneira, nós estamos atravessados
por processos, movimentos, de forças; nós não os conhecemos, e o papel do filósofo é ser, sem
àúuidu, o diagnosticador destas forças, de diagnosticar a realidade" (D83, 573). A partir daqui,
aparece um quarto sentido do termo "acontecimento'] aquele que se encontranoverbo"évé-
nementialiser'l "acontecimentalizar'l como método de trabalho histórico. Resumindo, pode-
mos distinguir, no total, quatro sentidos do termo "acontecimento": ruptura histórica, regu-
laridade histórica, atualidade, trabalho de acontecimentalizaçao. Acontecimento
arqueológico. A mutação de uma episteme a outra é pensada como o acontecimento radical
que estabelece uma nova ordem do saber; desse acontecimento só é possível seguir os signos,
os efeitos (o surgimento do homem como acontecimento epistêmico, por exemplo). Por isso,
a arqueologia deve percorrer o acontecimento em sua disposição manifesta (MC,229-230).
O acontecimento que produz a mutação de uma episteme é pensado em termos de abertura
(MC,232).Nesse sentido, pode-se falar de acontecimento arqueológico (MC,307,318). Ver:
Episteme. Acontecimento discursivo. A arqueologia descreve os enunciados como acon-
tecimentos (AS, 40). Foucault opõe a análise discursiva em termos de acontecimento às
análises que descrevem o discursivo desde o ponto de vista da língua ou do sentido, da estru-
tura ou do sujeito. A descrição em termos de acontecimento, em lugar das condições grama-
ticais ou das condições de significação, leva em consideração as condições de existência que
determinam a materialidade própria do enunciado (AS, 40, 137-138). Ocupamo-nos delas
sem passar pela forma geral da língua nem pela consciência singular dos sujeitos falantes"
(DEr,707). História efetiva (wirkliche Historie). A história efetiva, como a entende
Nietzsche, faz ressurgir o acontecimento (as relações de força) no que ele pode ter de único e
agudo. Desse modo, opõe-se à história tradicional que o dissolve no movimento teleológico
ou no encadeamento natural (DE2, 148). Deleuze. Foucault, em sua resenha de Logique du
sel,s, ocupa-se da noção de acontecimento na obra de Deleuze. Yer Deleuze. "Acontecimen-
talizaçíd' ("Evénementialisation"). Com esse neologismo, Foucault faz referência a uma
forma de proceder na análise histórica que se caracteriza, emprimeiro lugar, por uma ruptu-
ra: fazer surgir a singularidade ali onde se está tentado fazer referência a uma constante his-
tórica, a um caráter antropológico ou a uma evidência que se impõe mais ou menos a todos.
Mostrar, por exemplo, que não há que tomar como evidente que os loucos sejam reconhecidos
como doentes mentais. Em segundo lugar, caracteriza-se também por encontrar as conexões,
os encontros, os apoios, os bloqueios, os jogos de força, as estratégias que permitiram formar,
em um momento dado, o que depois se apresentará como evidente. Segundo Foucault, isso
implica uma multiplicação causal: 1) analisar os acontecimentos segundo os processos múl-
tiplos que os constituem (por exemplo, no caso do presídio, os processos de penalização da
clausura, a constituição de espaços pedagógicos fechados, o funcionamento da recompensa e
da punição); 2) analisar o acontecimento como um polígono de inteligibilidade, sem que se
possa definir de antemão o número de lados; 3) um polimorfismo crescente dos elementos
que entram em relação, das relações descritas, dos domínios de referência (D84,24-25)."Há
já bastante tempo, os historiadores náo amam muito os acontecimentos e fazem da 'desa-
contecimentalizaçao'o princípio de inteligibilidade histórica. E o fazem referindo o objeto
de sua análise a um mecanismo ou a uma estrutura, que deve ser o mais unitária possível,
o mais necessária, o mais inevitável possível, enfim, o mais exterior possível à história. Um
mecanismo econômico, uma estrutura antropológica, um processo demográfico como
ponto culminante da análise. Eis aqui a história desacontecimentalizada. (Certamente, só
indico e de maneira grosseira uma tendência.) É evidente que, com respeito a esse eixo de
26 AcoNTEctMENTo (Évenement)
análise, no que eu proponho, há demasiado e demasiado pouco. Demasiadas relações dife-
rentes, derr-rasiadas linhas de análise. E, ao mesmo tempo, pouca necessidade unitária.
Pletora do lado das inteligibilidades. Déficit do lado da necessidade. Porém, isso é para mim
a aposta comum da análise histórica e da crítica política. Náo estamos e não tenros que nos
situar sob o signo da necessidade única" (D84,25). Revolução, Iluminismo. A propósi-
to da célebre resposta de Kant à questão "O que é o iluminismo?'l encontramos outro sen-
tido do termo "acontecimento" nos textos de Foucault. Esse tem a ver com o que Kant
considera um signo "rememoratívurn, demonstrativunt, pronosticum", ou seja, um signo
que mostre que as coisas sempre foram assim, acontecem tanbént atualmente assim e
acontecerão sempre assim. Um signo com essas características é o que permite determinar
se existe ou não um progresso na história da humanidade. Para Kant, o acontecimento da
Revolução Francesa reúne essas condições. O que constitui o valor de acontecimento (de
signo rememorativo, demonstrativo e prognóstico) não é a Revolução mesma, nem seu
êxito ou seu fracasso, mas o entusiasrno pela revolução que, segundo Kant, põe de manifes-
to uma disposição moral da humanidade (D84, 684-685). Foucault estende essas conside-
rações acerca da Revolução ao Iluminismo em geral, como acontecimento que inaugura a
Modernidade europeia. "O que e o iluminismo?" e'b que e a revolução?" são as duas ques-
tões que definem a interrogação filosófica kantiana acerca da atualidade. Se, com as Críticas,
Kant fundou uma das linhas fundamentais da filosofia moderna, a analítica da verdade que
sepergunta pelas condições do conhecimento verdadeiro, com essas duas perguntas, Kant
inaugurou a outra grande tradição, a ontologia do presente, uma ontologia do presente que
se pergunta pela signif,caçâo filosófica da atualidade (DE4,686-637). "Não são os restos da
Auftkirung que se deve preservar, é a questão mesma desse acontecimento e de seu senti-
do histórico (a questão da historicidade do pensamento universal) que é necessário ter
presente e conservar no espirito como o que deve ser pensado" (D84, 687). Por isso, poder-
se-ia considerar como uma filosofia do acontecimento nâo só a arqueologia dos discursos,
mas também a ontologia do presente, na qual o próprio Foucault se situa, isto é, a genealogia
e a ética. Governo, Verdade. "Para dizer as coisas claramente. Meu problema é saber como
os homens se governam (a si mesmos e aos outros) através da produção de verdade (repito-o
uma vez mâis, por produção da verdade não entendo a produçáo de enunciados verdadeiros,
mas o ajuste de domínios onde a prática do verdadeiro e do falso pode ser, ao mesmo tem-
po, regrada e pertinente). Acontecimentalizar (événementialiser) os conjuntos singulares
de práticas, para fazê-Ios aparecer como regimes diferentes de jurisdição e veridicidade, eis
aqui, em termos extremamente bárbaros, o que eu queria fazer. Vocês veem que não é nern
uma história dos conhecimentos, nem uma análise da racionalidade crescente que domina
nossa sociedade, nem uma antropologia das codificações que regem nosso comportamento
sem que o saibamos. Eu queria, definitivamente, ressituar o regime de produçâo do verda-
deiro e do falso no coração da análise histórica e da crítica política" (D8 4, 27).
Éverrenent[593]:4S,36-37,40-41,44,83,133 134,137,140,143,159,\62-163,169,170,185,187,215,218,224,230-23t,
246. DEl,85, 155, i74 t76, t9t-]192, 199,202-203,2t3-2r4,235,248,258,265,277,284,286,352. -170, 38r,424,430,456, 504,51 t,
520,598,607,673,675,704 707,768,770,793,796,798.D82,77,81-89,92,94,t48,226,237-238,213,273,275-278,283,292,295,
393,400,407,466,484, s03, ss l, s94-s9s,607,633,6s8,677,693-697,712,7t3-7ts,751.D83,10, 48, 80-82, 98-100. 1 16, 144- 145,
162,190,244,279-280, 302, 314, 385, ,t17,467 -468,480,481,524, s38,551,573 574,579,581,600,604,622,627,676,686,7]f',726,
r9l-291. 30;, 3 18, 328, 333, 340, 3s6, 362, 382, 388, 398. MMPE, 17, 29. MMPS, 27, 29, 88, 94. NC, xI, XV 24, 28, 61, 85'97,104'
109, 1 i0, r33, 139, 147, 155, 157. OD, 1 1, 23, 28, 53, 56-60. PP, 12,35,49,222-233,237-241,245-246,248,256,262,292'318-320.
RR, 1.1, 53, 69, 72, 76, 109, 120. SP, 18,4s, 143, 190,218.
5, ÃMULATIO
28 EMULATIO
movimento autônomo, desobediente, dos órgãos sexuais; desse modo, sua força, sua origem
e seus efeitos se convertem no principal problema da vontade. O conceito de carne faz
referência ao corpo conquistado pela libido. Posto que esse desejo, certamente não em
sua dinâmica atual, provém de Deus, à diferença de Platão, nossa luta espiritual não con-
sistirá em dirigir nosso olhar para o alto, mas para dentro, para baixo, a fim de decifrar
os movimentos da alma (D84,174-177).
Saint Augustin [47]:DFL,295. DE3,555. DE4,174-177,300,308, 389,394,563,614,619,793,805. HS,28, 180,
184, 315, 44i. HS2, 49, 155, 27 8, 280. HS3, 168.
S. ALCIBIADES
O Alcibiades I, o diálogo que a Antiguidade não tem dúvidas quanto a atribuí-lo a Platão,
é considerado por Foucault como o ponto de partida da tradição da epiméleia heautoú, do
cuidado de si mesmo, a primeira grande emergência teórica do cuidado (HS, 46). Nele, a
questão do cuidado de si mesmo aparece em relação com outras três: a política, a pedagogia
e o conhecimento de si (DE4,213-218,355, 789). O curso no Collàge de France dos anos 1981-
1982, L'herméneutique du sujet, está amplamente dedicado ao Alcibiades. Após anaiisar esse
diálogo (HS, p. 27-77), Foucault se ocupa da evolução do tema do cuidado de si mesmo até
o helenismo. Yer Cuidado.
Alcibiade [339]: AN, 25; DEl, 414; DE4. 177,213,329, -355'357, 385, 390, 398, 407, 552,615, 71 3, 721,786,789-
792,795-796_I{S, 10,27 ,32-43,45-46, 49-50, 52-54,57 -58,62-67 ,69-7 \,73,7s-77 ,79-81 ,84, 86, 88, 90 9 r, 93, l 04, 108,
435-437,438,441, 454. HS2, 27,53,81,85, 102, 208, 264-265,283. HS3, 58-59, 251,259' 278.
pessoa, a liberdade daqueles que sáo reconhecidos como doentes mentais. Nesse sentido, a raiz
da doença mental não é a alienação, mas a discriminação histórica entre o normal e o patológico
que constrói as formas de alienação: "Náo há verdade para a psicologia que náo seja, ao mesmo
tempo, alienação para o homeni'(HF, 548). Yer; Loucura, Psiquiatria.
Aliénation [217]: AN,45,100. 125, 128, 130-132, 134, 136, 1,18, 154, 1s6,260.266,271,285-287,291 292,301. AS,
56, 59. DEl, 93, tt9, 195,232,270, 480, 54 1, 657, 825 .D82,213,359,445,807 ,821,824. DE3, 1 7 I, 308, 337, 445 446, 448,
451, 453, 472, 808. DE4, 52, 62,74, 186,226,500-501, 5l 7, 594, 665. HF, I l2- 1I 3, I 15- l 16, 139, l4l,145, 147, 152, 158,
166.168,171 178,r82,184 185,211,269,281,297,307.333,380,44]1,4O.,165,171-474,486 488.490491,494,539,5,]J.
ALIENAçÂO (Alienation) 29
5+, r18,55+,559,564,566,570,575,579,584,588,590-591,595-597,599-600,606,610,612-614,623,626,631,651 654.
IDS, i6. IÍC, 273,27s,325,388. MMPE, 16,76,77,80 83, r02-108. MMPS, 15,89. NC,40. PP, 18,31,37-38, 100-101,
109-110,rr8-119k,120-122,139-140,166-168,189,192 193,195,210,212,223-224,254,263265,280,291-295,329.
11. AMICITIA
12. ANACHÓnrStS
30 AITHUSSER, Iouis
Anachoràse [5]: DE4, 416. HS, 47, 50. HS3, 57, 66.
Anakhôrêsis I I 3 ] : DE 4, 362, 7 99. HS, 47, 49-50, 88, 97, 204, 256.
i4 ANALOGlA (Ana|ogie)
135, 144, 1 51, 210. PP, 27 6, 284, 294-295, 334. RR, 1 10, r 75. SP, 32, 89, 106, 166.
: : ANIMALIDADE (Animalite)
ANIMALIDAOE (Animalite) 31
como a essência da enfermidade; porém, para a época clássica, ao contrário, é signo de que
o louco não está doente. A animalidade, com efeito, protege-o das debilidades que provoca a
loucura. Essa animalidade feroz exigia ser domada, domesticada. Através da animalidade, a
loucura não encontrará as leis danatureza,mas as mil formas de um bestiário em que o mal já
não tem lugar. Entre a experiência da animalidade como manifestação das potências do mal e nossa
experiência positiva, evolucionista, situa-se a experiência clássica, uma experiência negativa da
animalidade. Na loucura, com efeito, a relação com a animalidade suprime a natureza humana
(HF , 197 -212). * Por volta do final do século XVIII, a tranquilidade do animal constitui uma
característica própria da bondade da natureza. Agora, será afastando-se da vida imediata do
animal - isto é, com o surgimento do meio - que surge a possibilidade da loucura. O meio
desempenhará agora o papel que antes desempenhara a animalidade (HF, 465-467). * A lenda
do encontro entre Pinel e Couthon conta a história de uma purificação: o louco purificado de
sua animalidade violenta e selvagem; cabe-lhe agora uma animalidade dócil, que não responde
violentamente à coerção e ao adestramento (HF, 592-593). Biologia. Para o saber da vida
do século XIX, a animalidade representa noyos poderes fantásticos. Nela se percebe melhor
o enigma da vida (MC,289-291). Politicidade. milênios foi, como para
O homem durante
Aristóteles, um animal e, além disso, capaz de uma existência política. O homem moderno,
no entanto, é um animal, em cuja vida política sua própria animalidade é objeto de questio-
namento (HSl, 188). Ver também: Biologia, Biopoder.
Animalité [66]: Al{,283.DEt,234.D82,17.H.F,36-37,197-209,212,256,465,467,475,529,543,552,592-594,603,609,
6,10. HS3, 247. MC, 120, 289 290. RR, 90.
:+ ANOMALIA(Anoma\ie)
32 ANOMALIA \Anomaiie)
frequente. É também uma figura ambígua. Com efeito, o indivíduo a corrigir aparece como
tal na medida em que é incorrigível, na medida em que a família e as instituições, com suas
regras e métodos, fracassaram. O anormal será não apenas um monstro empalidecido, mas
também um incorrigível que terá de ser colocado em um meio de correção apropriado. * O
espaço do masturbador é ainda mais restrito: o quarto; mas sua frequência é muito maior,
quase universal (um segredo que todos compartilham, mas ninguém comunica). Na patologia
do século XVIII, a masturbação representará um princípio de explicação quase universal; toda
enfermidade terá uma etiologia sexual. "O indivíduo anormal do século XIX estará marca-
do - e muito tardiamente, na prática médica, na prática judicial, no saber e nas instituições
que o rodeiam - por essa espécie de monstruosidade cada vez mais diminuída e diáfana, por
essa incorrigibilidade retificável e cadavez mais rodeada de aparatos de retificação. E, enfim,
marcado por esse segredo comum e singular, que é a etiologia geral e universal das piores
singularidades. Consequentemente, a genealogia do indivíduo normal nos remete a estas três
figuras: o monstro, o incorrigível, o onanista" (AN, 56). Sexualidade e psiquiatria. Com
base na figura do monstro, o campo do anormal, tal como vai sendo configurado na psiquiatria
do século XIX, estará dominado pela noção de instinto. Esse mesmo campo se encontrará
atravessado pela sexualidade, pela natureza sexual do instinto. Por um lado, porque serão
aplicadas a esse campo as noções provenientes dos fenômenos da herança e da degeneração.
Por outro, porque, nesse campo, prontamente se estabelecerão as desordens de caráter sexual.
Entre 1880 e 1890, a sexualidade aparecerá como o princípio etiológico de toda anomalia (AN,
155-156).Asaulas delge26defevereiro delgT5deLesanormauxestâodedicadasaomodo
como o tema da sexualidade ingressa no campo da psiquiatria: partindo da prática cristã da
conflssão, ou seja, do surgimento do corpo do prazer e do desejo nas práticas penitenciais,
*
até a medicalização das conulsões como modelo neurológico da doença mental. Por esse
caminho, abre-se a possibilidade de incorporar a problemática da masturbação como objeto
da psiquiatria e, contemporaneamente, da medicalização da família e do surgimento da família
celular. O nexo entre anomalia e instinto aparecerá precocemente, na infância. 'A' psiquiatria,
tal como eu a descrevi, passou de uma análise da doença mental como delírio à análise da
*
anomalia como desordem do instinto" (AN, 208). "O indivíduo'anormall do qual, desde o
final do século XIX, tantas instituições, discursos e saberes se encarregaram, deriva tanto da
exceção jurídico-natural do monstro, da multidão de incorrigíveis dos institutos de correção,
quanto do universal segredo das sexualidades infantis. Na verdade, as três figuras do monstro,
do incorrigível e do onanista não vão exatamente se confundir. Cada uma se inscreverá em
sistemas autônomos de referência científica. 1) O monstro, em uma teratologia e uma embrio-
logia que encontraram, em Geofrroy Saint-Hilaire, sua primeira grande coerência científica; o
incorrigível, em uma psicopatologia das sensações, da motricidade e das aptidões; o onanista,
em uma teoria da sexualidade que se elabora lentamente a partir d a Psychopathia sexualis de
Kaan. Mas a especificidade dessas referências não deve deixar esquecer três fenômenos essen-
ciais, que em parte a anulam ou, pelo menos, a modificam: a construção de uma teoria geral da
degeneração que, baseando-se no livro de Morel (ver: Degeneraçao),var servir, durante mais
de meio século, ao mesmo tempo, de marco teórico e de justificação social e moral, para todas
interr.enção sobre os anormais; a organizaçào
as técnicas de localização, de classiflcação e de
de uma rede institucional complexa que, nos confinamentos da medicina e da justiça, serve
ANOMALIA (Anomalie) JJ
tanto de estrutura de 'recepção' para os anormais como de instrumento para a defesa da
sociedade; finalmente, o movimento pelo qual o elemento que aparece mais recentemente na
história (o problema da sexualidade infantil) vai recobrir os outros dois, para converter-se, no
século XIX, no princípio de explicação mais fecundo de todas as anomalias" (D82, 827 -828).
Yer : D egeneraçao, Norma.
Anomalie I75l: AN, 23,51,52,53,55-58, 68,70,97,101,122,15i, 155-156, 180-181,208, 265-266,290 291,293,
296,298. AS, 56. DE2, i09, 131, 446,814. DE3, 49, 161,257 , 437, 441, 495, 624. DEA, 82,772,774. HS, 32s. IDS, 5.
Yer: Anomalia.
Anormal 1rI6l: AN, 38-39,52-56,85, 101-102, t22 124,127,155,239,249,258,265,275'283,290'294'300,307'
309310.AS,57,188.D81,122,150,624.D82,233,396,417,454,539,823,825,827.D83,50,374,378.DE4,38i,532.
HF. 123, t74.322.lts,51,10. HS2,44. IDS,228. MMPE,56,68,75, 103, 10s. MMPS, s6,68,7s. NC, \02'1s7't96.PP'
57, 83, r l5- 1 16, 124, 188, 208, 218-220. sP, 28, 104, 185, 20r, 217, 307, 3ll.
34 ANORMAI- \Anormal)
necessidade para pensar-se a si mesmo, mas em fazer demodo tal que o pensamento europeu
po§§a recomeçar a partir do pensamento grego como experiência uma vez dada a respeito da
qual se pode ser totalmente livre" (D84, 702).
Antiquité [220]: AN, 64, 70, 1 90. DEl, 85, 295 296,307,497 . DE2,220,222,52t, A10-8 1 1. DE3, 69, 162,278.394,
5t5,538,558,,560,563,635. DE4, 116, 128, 139, 143, 160,291,308,312,328,353,385,396,402,404,407,440,462,478,
486,511,544-547,551-553,559-560,584,610,615,622-623,625,628,650,653_654,657,660,668 673,681,698,699,70t_
702.705 706,712,731 733,744,759, r-86,789,792,803,81.1. HF, 198, 261,396,403,108. HS,4, l8-19,60, 98, l2t, 139.
1 4 l , 1 65, r 75, 1 83, 196, 200, 208 ,2t2,235,240,246,280-281,296,299, 305, 3 1 3, 325, 3 27,338,340,346
347, 373, 383, 390,
4t6-417,445. HS2,12-13, r5, 17, 18,20-21.26,28,29,37.38,95, 106, tr5,166,216, 220,274.HS3, 16,36,48,163, 181,
222,271.IDS, 6, 58, 59-60, 62, 65-66, 156. MC, 48. MMPE, 76. NC, 88, 125. OD, 34. pp, 257, 261. Sp, 218.
:e ANTIPSIQUIATRIA (Antipsychiatrie)
a instituição (como lugar, fonna de distribuição e mecanismo destas relações de poder) o que a
332,337,314,348,377,4'14,633,808.D84,22,45,46,58,60-61,81,386,536,537.IDS,7,12.PP,15,18,137,253,265.
O antigo antissemitismo de caráter religioso foi utilizado pelo racismo de Estado somente
a partir do século XIX; desde o momento em que aprreza da raça e sua integridade se con-
verteram em uma questão de Estado (IDS,76-77). Foucault situa esse momento como uma
etapa no desenvolvimento da noção de guerra de raças que analisa em "Il faut défendre la
société". Yer Biopoder, Guerra.
Antisémitisme I I 6] : DE3, 280, 325, 502, 7 53. DE4, I I 5. lDS, 7 s -7 7 .
Foucault apresentou retrospectivamente seu trabalho como uma análise histórica dos diferentes
modos de subjetivação (D84,222-223). Nesse sentido, o sujeito foi o eixo de todo seu percurso
histórico-f,losófico. No entanto, tal projeto não constitui, de nenhuma maneira, uma antropologia,
nem no sentido filosófico nem no sentido das Ciências Humanas. Desde a extensa introdução à
edição francesa da obra de L. Binswanger, I e rêve et lbxistence,aÍé Les mots et les choses e as obras
posteriores, pode-se descobrir seu progressivo afastamento da antropologia, tal como era praticada
no contexto intelectual onde se formou Foucault. A via real da antropologia. "Na antropologia
contemporânea, a obra de Binswanger nos parece seguir a üa real. Ele tomou de viés' o problema
da ontologia e da antropologia, indo diretamente à existência concreta, seus desenvolvimentos e
seus conteúdos históricos" (DEl,67).Binswangervai evem das formas antropológicas às condições
ontológicas da existência. Não se trata, contudo, de uma aplicação dos métodos da filosofia da análise
existencial (Heidegger) aos dados da experiência, nesse caso, clínica; mas de alcançar o ponto em
que se articulam as formas e as condições da existência, ou seja, o indivíduo. Desse modo, a antro-
pologia de Binswanger eüta uma distinção a priori entre ontologia e antropologia ou dividir esta
em filosofia e psicologia. Além dessa atração pelo texto e pelo procedimento de Binswanger, Foucault
promete uma obra posterior na qual situaria a análise existencial no desenvolvimento da reflexão
contemporânea sobre o homem. Nela, mostraria a inflexão da fenomenologia sobre a antropologia,
os fundamentos propostos à reflexão concreta sobre o homem. Uma antropologia que se opõe a
todo positivismo psicológico e a situa em um contexto ontológico (DEf , 65-66). Essa obra nunca
veio à luz. O sonho antropológico. 'A antropologia constitui, Íalvez, a disposição fundamental
que dirige e conduz o pensamento filosóÊco desde Kant até nós" (MC, 353). Desde o momento em
que a representação perdeu o poder de determinar por si só o jogo da aniílise e da síntese, isto é, com
o desaparecimento da episteme clássica, a antropologia, como analítica da finitude, converteu-se
nessa disposição fundamental. Apareceu, assim, essa forma de reflexão mista, em que os conteúdos
empíricos (do homem vivente, trabalhador e falante) são subsumidos em um discurso que se eleva
até a presunção do transcendental. Nessa Dobra do empírico e do transcendental, a filosofia entrou
no sonho antropológico: todo conhecimento empírico, se concerne ao homem, vale como campo
filosófico possível, em que se pode descobrir o fundamento do conhecimento, a definição de seus
limites ea verdade (MC, 352). Essa dobra delimita o terreno em que germinaram as Ciências Hu-
manas (psicologia, sociologia, aniílise dos mitos e da literatura). O surgimento das Contraciências
Humanas (a etnologia, a psicanálise, a linguística) nos anuncia que o homem está por desaparecer.
Mas Foucault vê, sobretudo em Nietzsche, o primeiro esforço para desenraizar o pensamento da
antropologia, para despertar o pensamento de seu sonho antropológico. "Nietzsche encontrou o
ponto em que o homem e Deus se pertencem mutuamente, em que a morte do segundo é sinônima
do desaparecimento do primeiro, e onde a promessa do super-homem significa, primeiramente e
antes de tudo, a iminência da morte do homem' (MC, 353). Filosofia da história e arqueologia.
A diferença das filosoÍias da história, a descrição arqueológica dos enunciados se propõe multiplicar
na análise as instâncias da diferença, da multiplicidade, da descontinuidade. Não se trata, para
ela, de recorrer a um sujeito único (a consciência, a razâo, a humanidade) como suporte de uma
história contínua, na qual o passado encontra no presente a sua verdade, e na qual esse, em forma
de promessa, antecipa um futuro mais pleno. Antes, o contrário: multiplicar as rupturas, evitar as
36 ANTROPOLOGIA (Anthropologie\
visadas retrospectivas, renunciar à pletora do sentido ou à tirania do signiÍrcante. Nesse sentido, a
arqueologia rompe com essa solidariedade constitutiva entre antropologia e filosofia da história.
"Na medida em que se trata de definir um método de análise histórica que esteja liberado do tema
antropológico, vemos que a teoria que esboçaremos agora lemlhrchéologie du savoirl se encontra
em uma dupla relação com as investigações anteriores. Ela trata de formular, em termos gerais (e
não sem muitas retificaçoes, não sem muitas elaborações), os instrumentos que essas investigações
utilizaram enquanto se encaminhavam ou forjaram segundo as necessidades. Mas, por outro lado, ela
se fortalece com os resultados obtidos então para definir um método de anrílise que esteja puriÍrcado
de todo antropologismo" (AS, 26). Ver também'. Homem,Ilumanismo, Sujeito.
Anthropologie [140]: AN,26,49,70,95-96,143,153. A5,22,26, 182. DEl, 65 68, 87, 96, 105, 109, 1 13, 1 17, 1 19,
t36,239,248,288-293,436,439,446-447,452,541,553,608,821.D82,220. DE3, 80, 96, 144,208,454-4s5,457 ,458 459,
461-462,579,622.D84,27,58,170,184,579,729.}IF,203,307,412,440,646,652.}l5, 60, 102. HS3, 283. IDS, 174, 235.
MC, 15,238,261, 269,271,273-27s,350-353,388,390. MMPE,89. MMPS, 101. PP,218, 294,326-327.5P,24.
;}.. APHRODíSIA
APHRODiSIA 27
e ao animal. Porém, apesar dessa inferioridade, a intensidade do desejo sexual, pelo qual a
natureza assegura a continuidade da espécie, faz deles uma preocupação ética maior. Nesse
sentido, desde o ponto de vista dos prazeres, a analogia entre os aphrodísia e os prazeres da
mesa (a bebida e a comida) foi uma das constantes do pensamento grego. * Brevemente, a
interrogação ética dos gregos acerca dos aphrodísla se resume à pergunta: como usá-los?
Não se trata, pois, de uma problematização do desejo ou do prazer, mas do exercício, da
chrêsis. Nessa perspectiva, encontramo-nos com três âmbitos fundamentais de preocupação:
com relação à saúde, a dietética; com relação à casa (oikos), a econômica; e flnalmente com
relação à pederastia, a erótica (H52,47-62). Helenismo. Enquanto, como dissemos, no
segundo volume da Histoire de la sexualitá, Foucault aborda a questão dos aphrodísia nos
autores clássicos e em relação ao conceito de chrêsis, no terceiro, Le souci de soi, estende
o período de análise e se situa na perspectiva do "cuidado", epiméleia. A análise começa
por A chave dos sonhos, de Artemidoro, e se estende até Sêneca, Galeno, Epiteto, Plutarco e
Marco Aurélio, ou seja, até o helenismo. Ainda que a problematização moral da experiência dos
aphrodísiapermaneça dentro do marco definido na época clássica, encontramos, no entanto,
modificações significativas: uma preocupação maior pela conduta sexual (os médicos, atentos
aos efeitos da prática sexual, recomendam a abstinência e declaram preferir a virgindade ao
uso dos prazeres), maior importância conferida ao matrimônio (os filósofos condenam toda
relação que pudesse ter lugar fora do matrimônio e prescrevem uma fidelidade mais rigorosa
entre os esposos), menor valor conferido ao amor aos mancebos, até alcançar sua desqualifi-
cação doutrinal. Em poucas palavras, um estilo mais rigoroso em que se modifica a maneira
de definir a relação entre o sujeito e sua atividade sexual (HS3, 50,269). Os autores cristãos
se apropriaram amplamente da moral sexual do helenismo. * Foucault aborda a questão dos
aphrodísia nessa cultura do cuidado de si mesmo (novo contexto político marcado pela
crise da pólis clássica e o aparecimento de uma nova forma de individualismo) com relação
ao corpo, à esposa e aos mancebos. Cristianismo. Como vemos, a continuidade dos códigos
éticos da conduta sexual entre a Antiguidade e o cristianismo (HS2, 21 e ss.) é somente uma
continuidade relativa. Na moral cristã, a problematizaçào da carne já nào será uma questão
de "uso'l mas de deciframento dos arcanos do desejo, pelas formas e funções de um conjunto
de atos cuidadosamente definidos (HS2, 106), dando lugar assim a uma hermenêutica do
desejo e a uma hermenêutica do si mesmo. Yer Carne, Sexualidade.
Aphrodisia[143]:DF.4,21.5-216,218,302,394,397-399,481.,487,619,621,661662.HS,4,21,41.HS2,41,43,
44-45,47-59,61,63,67,77,79,92,105-106,112, tts,t23-r24,126-127,t30,133-135,142 143,153,156,236,242,251,
257,264,274-275.}I53,15,42,49,53,127,129,132-133,139,146, 148, 151-152, 154, 156, 158, 162 164,168,197,199,
201 -202, 206, 210, 214, 216, 222, 229 -230, 233, 237 -238, 242, 245, 253, 261.
Nos textos publicados até o momentol, encontramos uma única referência do próprio
Foucault a Hannah Arendt; as outras aparecem em perguntas que the foram formuladas. Nessa
3 8 ARENDT, Hannah
única referência, precisamente respondendo a uma pergunta, Foucault assinala que não se
pode tazer, diferentemente de Arendt, uma distinçâo taxativa entre "relação de dominaçâo" e
"relação de poder" (DE4, 589).
Hannah Arendt [5/: DE4, 588-589.
Philippe Artàs [ 46 ] : DE1 192, 503 - 505. DEr', 29 5, 646-6s3, 65s. HF, 686. SP, t 43.
Quatro comédias de Aristófanes são citadas emLusage des plaisirs: Assembléia de mulheres,
as tesmoforiantes, os cqvaleiros e os acarnensex Foucault faz referência a elas, principalmente,
emrazão das descrições desqualificadoras dos efeminados e da prática da pederastia (Agatão,
principalmente) (H52, 26,211,241-242,255.DF4,551-552). x Encontramos também várias
referências à figura literária de Aristófanes no Banquete, de Platão (H52,255-256).
ARtsTóTELES 39
sophrosine e enkráteia (H52,75-82); da liberdade e da escravidão na cidade e no indivíduo
(com respeito ao governo dos prazeres) (H52,92-99);sobre os perigos para a saúde pelo abuso
dos prazeres sexuais (HS2, 134-138); acerca da reprodução (HS2, 148-150); sobre a relação
entre atividade sexual e morte (HS2, 152); as políticas da temperança (HS2, 193-200). As
categorias. Sobre a teoria clássica do signo e sua crítica à doutrina das categorias de Aris-
tóteles, cf DEl, 643-644. Vontade de saber. Segundo o resumo dos cursos do anuário do
Collêge de France, o correspondente aos anos 1970-1971 foi dedicado à "vontade de saber'i
Dois modelos teóricos foram levados em consideração, Aristóteles e Nietzsche. "O desejo de
saber, que as primeiras línhas da Metafísica colocam tanto como universal quanto natural, se
funda nesse pertencimento primeiro que já é manifesto pela sensação" (D82, 243). Trata-se
do mútuo pertencimento entre conhecimento e prazer, e, ao mesmo tempo, a independência
desse nexo em relação à utilidade vital do conhecimento.
Aristote [238]: AS,187. DEl, 85,170-171,361,374,381,451, 453,457,742-644,768,770,796,804,818. DE2,
45,65,76,91,106,242-243,403,571. DE3,395,538. DE4, 140,387,399,550, 613,673,699-701. HF,202,333. HS, 19,
26,28, 56,72, 139, 178, 1 82- 1 83, 365, 37 1,376-377 . HS l, 1 88. }{52,24, 15, 48,56, 58-64, 68-69, 75-78,81 -82,86, 88, 92,
94-95,97 101,103,118,126,131,134-135,138-140,148-152,161,165,184-185,191,1.93-1.97,200-202,214,224,226,
238, 252, 279-280, 284. HS3, 55, 108, 1 3 1, 148, 167, 173-174, 180, 187, 189, 203, 208, 215, 27 1-272, 275-27 6, 284. MC,
52,70, 108. RR,82.
Aristotle II ] : tISz, 28L
Ordem. Les mots et les choses tem por subtítulo "Uma arqueologia das ciências humanas'l
O pref,ício, com efeito, apresenta a obra, mais do que como uma história no sentido tradicional do
termo, como uma arqueologia cujos problemas de método serão estudados em uma obra posterior
(qteserálhrchéologie du savoir) (MC, 13). láemHistoire delafolie àl'âge classique, Foucault
concebia sua prática da história como uma arqueologia do saber (HF, 314). A arqueologia não se
ocupa dos conhecimentos descritos segundo seu progresso em direção a uma objetividade, que
encontraria sua expressão no presente da ciência, mas da episteme, em que os conhecimentos são
abordados sem se referir ao seu valor racional ou à sua objetividade. A arqueologia é uma história
das condiçÕes históricas de possibilidade do saber. Essas dependeriam da "experiência desnuda da
ordem e de seus modos de ser" (MC, l3). Existe, para Foucault, entre os'tódigos fundamentais de
uma culturd' e as teorias científicas e filosóficas que explicam por que há uma ordem, uma "regiáo
intermediária' ("anterior às palavras, às percepções e aos gestos que devem traduzi-la com maior
ou menor exatidão [...]; mais sólida, mais arcaica, menos duvidosa, sempre mais verdadeira do que
as teorias" [MC, l2]) que Íixa, como experiência da ordem, as condições históricas de possibilidade
dos saberes. A arqueologia se propõe analisar, precisamente, esta "experiência desnuda" da ordem.
A esse nível, o trabalho de I es mots et les choses não nos mostra o movimento quase ininterrupto
daratio europeia, mas sim duas grandes descontinuidades: a que separa o Renascimento da época
clássica e a que distancia essa da Modernidade (MC, 13 14). História, monumento, documento.
A arqueologia do saber se situa nessa transformação (nem recente nem acabada) pela qual a his-
tória redeÍine sua posição arespeito dos documentos. A tarefa primeira da história já não consiste
40 ARQUEOL0GIA Arch"ologte)
t
em interpretar o documento, determinar se diz a verdade ou seu valor expressivo, mas, antes, em
trabalhá-lo desde o interior: "Ela o organiza, o divide, o distribui, o ordena, o reparte em níveis,
estabelece séries, distingue o que é pertinente e o que não é, assinala elementos, deflne unidades,
descreve relaçoes" (AS, 14). Em outros termos, em lugar de tratar os monurnentos como documentos
(lugar da memória do passado), agora os trata como monumentos. Não busca neles os rastros que
os homens tenham podido deixar, mas desdobra um conjunto de elementos, isola-os, agrupa-os,
estabelece relaçoes, reúne-os segundo níveis de pertinência. Os efeitos de superfície dessa mudança
de posição da história a respeito do estatuto do documento foram, em primeiro lugar, no campo
da história das ideias, a multiplicação das rupturas, e, na história propriamente dita, o surgimento
dos grandes períodos (AS, l5). Outras consequências dessa rnudança de posição foram: a nova
importância da noção de descontinuidade (AS, 16-17), a possibilidade de uma história geral, não
de uma história global (AS, 17-19), novos problemas metodológicos (a constituiçâo deumcorpus
coerente, a determinação do principio de seleção, a definiçáo do nível de análise, a delimitação dos
conjuntos afticulados, o estabelecimento das relações entre eles) (AS, 19-20). História das ideias.
Como resposta a esses novos problernas metodológicos, Foucault elaborou uma série de noções
(formaçoes discursivas, positividade, arquivo) e definiu um domínio de análise (enunciados, campo
enunciativo, práticas discursivas). 'A arqueologia descreve os discursos como práticas específicas no
elemento do arquivo' (AS, 174). Nesse sentido, a arqueologia se distingue da história das ideias. Os
grandes ternas da história das ideias são a gênese, a continuidade, a totalizaçào; a passagem da não
filosofia à filosofia, da não çientificidade à ciência, da não literatura à obra. A arqueologia não é uma
disciplina interpretativa, nâo trata os documentos como signos de outra çoisa, mas os descreve como
práticas. Não busca, com isso, estabelecer a transição contínua e insensível que une todo discurso ao
que o precede e ao que o segue, mas sua especilicidade. Não está ordenada à obra (para encontrar ali
a expressão da individualidade ou da sociedade, a instância do sujeito criador; não é nem psicologia
nem sociologia); deline práticas discursivas que atravessam as obras. Finalmente, tampouco pretende
estabelecer o que foi dito em sua identidade (o que os homens no momento em que protêriram seus
díscursos pensaram, quiserarn, tentaram ou desejaram dizer), mas é uma reescritura dos discur-
sos ao nível de sua exterioridade (AS, 182-183). Entre uma e outra, encontramos quatro grandes
diferenças: 1) Com respeito a outorgar a novidade. A arqueologia não está em busca das invenções
ou do momento em que algo Íbi dito pela primeira vez, mas da regularidade dos enunciados. 2)
Da análise das contradiçoes. As formações discursivas, objeto da descrição arqueológica, não são
um texto ideal, contínuo. A descrição arqueológica quer manter suas múltiplas asperezas. 3) Das
descriçoes comparativas. Suspendendo a primazia do sujeito e, por isso, não reduzindo o discurso
interior deumcogito,a arqueologia não pretende tampouco ser
à expressão de algo que sucede no
uma análise causal dos enunciados que permitiria relacionar ponto por ponto um descobrintento
e um 1àto, um conceito e uma estrutura social. Ela se inscreve na história gerai; quer mostrar conlo
a história (as instituiçoes, os processos econômicos, as relações sociais) pode dar lugar a tipos
definidos de discurso. 4) Do estabelecimento das transformaçoes. A contemporaneidade
de várias transformaçoes não significa uma exata coincidência cronológica. Entre elas,
numerosas relações são possíveis. A ruptura é o nome que recebem as transtbrmações que
afetam o regime geral de uma ou de várias formações discursivas. Por isso, a época nao é
aunidade de base. Se a arqueologia fala de época, o faz a propósito de práticas discursivas
deternrinadas. Foucault aborda cada um desses temas em AS, lB4-231 . Formalização e
ARQUEOLOGIA (Archeologie) À1
+l
interpretação. A arqueologiadeflne uma metodologia de análise dos discursos que não é nem
formalista nem interpretativa (AS, 177). Enquanto a unidade de trabalho das metodologias
formalistaséaproposição-significanteeaunidadedainterpretaçaoéafrase-significado,a
arqueologia se ocupa de enunciados eformações díscursivas (Ver os respectivos verbetes).
Outras arqueologias. Até o momento da publicação de Larchéologie du savoir (1969),
a episteme era uma modalidade de interrogação dos saberes. Nesse sentido, tratava-se de
arqueologias orientadas à episteme. De todo modo, Foucault pensa na possibilidade de outras
descrições arqueológicas, náo orientadas à episteme: uma arqueologia da sexualidade, da
pintura, da política (AS,25l-254). Geologia, genealogia. "Meu objeto não é a linguagem,
mas o arquivo, quer dizer, a existência acumulada de discursos. A arqueologia, como eu a
entendo, não é parente da geologia (como análise do subsolo) nem da genealogia (como des-
crição dos começos e das sucessões), éa análise do discurso em sua modalidade de arquivo'
(DEl, 595). Kant. Utilizou o termo "arqueologia'para referir-se à história do que torna
necessária uma forma de pensamento. O texto de Kant é: "Fortschritte der Metaphysik i in
Gesammelte Schriften, Berlin, Walter de Gruyter, t.XX, 1942,p.341. Esse é o terreno da
arqueologia; e não o de Freud, como pensa Steiner (D82,221). (Ver também Enunciado,
Episteme, Formação discursiva, Filosofia, Saber)
Archéologie [260]: AN,24,55,98,100. AS, 15, 27,173,177-178,182-183, 189-190,192,194,199-200,206-209,
212-213,2ts-2t6,21.8 223,225,227 -228,230-233,235,239,244,251-252,255,265,268-27 L DEr, 1 60, 296, 498, 499-500,
543, 575,587, 589, 595, 599, 602, 606, 663, 676,68 l, 696, 708,730,77 I 772,776-778,786-787 ,832, 843-844. DE2, I 04,
1 07, 1 57- 1 58, t66-r67 , 173, 182, 192,207,221,239,242,405-406, 521 522,643-645,752,7 59,790, 808, 8 1 3. DE3, 28 3 1,
âs ARQUIVO (Archive)
Em Foucault, o termo "arquivo" nao faz referência, como na linguagem corrente, nem
ao conjunto de documentos que uma cultura guarda como memória e testemunho de seu
passado, nem à instituição encarregada de conservá-los. "O arquivo é, antes de tudo, a lei do
que pode ser dito, o sistema que rege o surgimento dos enunciados como acontecimentos
singulares" (AS, I 70). O arquivo é, em outras palavras, o sistema das condições históricas de
possibilidade dos enunciados. Com efeito, os enunciados, considerados como acontecimentos
discursivos, náo são nem a mera transcrição do pensamento em discurso, nem apenas o jogo
das circunstâncias. Os enunciados como acontecimentos possuem uma regularidade que
lhes é própria, que rege sua formação e suas transformações. Por isso, o arquivo determina
também, desse modo, que os enunciados não se acumulem em uma multidão amorfa ou se
inscrevam simplesmente em uma linearidade sem ruptura. As regras do arquivo definem:
os limites e as formas da decibilidade (do que é possível falar, o que foi constituído como
domínio discursivo, que tipo de discursividade possui esse domínio), os limites e as formas
de conservaçao (que enunciados estão destinados a ingressar na memória dos homens,
pela recitação, a pedagogia, o ensino; que enunciados podem ser reutilizados), os limites
e as formas da memória tal como aparece em cada formação discursiva (que enunciados
reconhece como válidos, discutíveis ou inválidos; que enunciados reconhece como próprios
e quais como estranhos), os limites e as formas dareativaçao (que enunciados anteriores
ou de outra cultura retém, valoriza ou reconstitui; a que transformações, comentários,
exegeses e análise os submete ), os limites e as formas da apropriaçao (qte indivíduos ou
grupos têm direito a determinada classe de enunciados, como define a relação do discurso
§ com o seu autor; como se desenvolve entre as classes, as nações ou as coletividades a luta
tfl *
para encarregar-se dos enunciados) (AS, 169-171, DEl, 681-682). "Entendo por arquivo
o conjunto dos discursos efetivamente pronunciados. Esse conjunto é considerado não ape-
nas como um conjunto de acontecimentos que tiveram lugar uma vez por todas e ficaram
em suspenso, no limbo ou no purgatório da história, mas também como um conjunto que
continua funcionando, se transforma através da história, da possibilidade de aparecer de
outros discursos" (DEl, 772).* Não se pode descrever exaustivamente o arquivo de uma
*
sociedade ou de uma civilizaçâo (AS, 171). O umbral de existência do arquivo está fixado
pelo que separa nossos discursos do que já não podemos dizer. Por isso, o arquivo concerne a
ARQUIVO (Archive) 43
3ü. ARs EROTICA
Foucault consagra primeira parte de Le souci de soi àaúlise do texto desse filósofo pagão do
a
século II, Á chave dos sonhos (HS3, 16-50). Três capítulos dessa obra estão dedicados aos sonhos
sexuais. A economia, as relações sociais, o êxito e o fracasso do indivíduo e a sua vida política e
44 ARs EROTICA
cotidiana permitem compreender os sonhos sexuais. Nesse sentido, Artemidoro está próximo de
Freud. O valor social do sonho não depende da natureza do ato sexual, mas do estatuto social dos
partners (D84,174).
Artémidore [ 198/: HS, 468. HS3, I 3, t5-22,24-37,39-46,48_49,276.D84, t74,176,2t6, 462_486,803.
Ascese antiga e ascese cristã. A diferença das conotações que esse vocábulo sugere
atualmente, a ascese para os antigos não era um caminho de progressiva renúncia a si
mesmo. Antes, tratava-se do trabalho de constituição de si mesmo, isto é, da formação de
uma relação consigo rlesmo que fosse plena, acabada, completa, autossuficiente e capaz
de produzir essa transfiguração do sujeito que é a felicidade de estar consigo mesmo (HS,
305). . Nossa noção de ascese está determinada pela herança cristãi Foucault assinala
três diferenças conceituais entre a ascese filosófica, a helenÍstica e a rorlana, e a ascese
cristã. A diferença desta última, como já dissemos, a ascese filosófica: l) não está orien-
tada à renúncia a si mesmo, mas à constituição de si mesmo; 2) não está regulada pelos
sacrifícios, mas pelo dotar-se de algo que não se tem; 3) não busca ligar o indivíduo à
lei, mas o indivíduo à verdade (HS, 316). * o sentido e a Íunçáo fundamental da ascese
filosófica helenÍstico-romana fbram assegurar a subjetivação do discurso verdadeiro,
fazer com que eu me converta em sujeito de enunciação do discurso verdadeiro. Não se
trata, então, da objetivaçâo de si em um discurso verdadeiro, mas da subjetivação de um
discurso verdadeiro; tornar próprias, na vida, as coisas que se sabe, os discursos que se
escuta e que se reconhece como verdadeiros. "Fazer sua a verdade, converter-se em sujeito
de enunciação do discurso verdadeiro; creio que é esse o coração da ascese filosófica" (HS,
317).* Descartes rompeu com tudo isso. Para aceder à verdade, é suficiente a evidência,
basta um sujeito que seja capaz de ver o evidente. A evidência substituiu assim a ascese
(DEa, 630; HS, l5-16, 19,29). * É interessante fazer referência à interpretação histórica
que Foucault nos oferece dessa ruptura cartesiana. A separação entre verdade e ascese não
seria uma consequência do clesenvolvimento da ciência moderna, mas da teologia. Refere-
seespecialmente à teologia inspirada em Aristóteles. O modelo de sujeito cognoscente foi
um Deus concebido em termos cognoscitivos. O conflito entre espiritualidade e ciência
foi precedido pelo conflito entre espiritualidade e teologia (HS, 28). * Na Antiguidade,
no entanto, o acesso à verdade exige do sujeito pôr em jogo o próprio ser, que ele se trans-
forlne mediante o trabalho da ascese. Na realidade, ascese e éros foram as duas grandes
formas da espiritualidade ocidental mediante as quais o sujeito se modifica para ter acesso
à verdade (HS, 17). Ascese e Modernidade. A ascese caracteriza tarnbém a atitude de
Modernidade. Aqui Foucault faz referência a Baudelaire (DE4, 570-571).
Ascàse [120]: DE2, I 38, 260. DE4, 165,307,359,36t,398 399, 41 l, 416,543,560, 621,630. HF, 104. HS, 17, 32,
88, 100, 172, 203,205,301-303, 305-307,312 313, il5-318,322-323,326,334,343,348 349,355,397-399,402.409-410,
433.450,457,465. HS2,15,38, 105, 193,253,267. HS3, -lns. pp.89.
ASCESE (Áscese) 45
34, ASILO (Asile)
Yer'. Loucura.
Asile [240]: AN, lll, 132, 134, 138, 228,246,276,280,301. D81,270,409.D82,211,217,232 233,237,298-299,
307,319,321-322,431,433 434,439,593,620,665,679-680,682,685,700,746,790-792,802 804,806,811,813.D83,36,
58-62,68,91,92,).09,154,164,229,265,27t 274,333,361-364,367,388-389,393,466,505-506,766,802.DE4,27,122.
665. HF, 10t,117,147,160, 163, 191, 196,2t8,224,344,426,446,450,481,493,530,534, 538,542,545-546,548,550,
553,57 t,57 5-576, 580, 586, 596,600,602 603, 605-606, 608 -614,619-620,622-626,631,640,653. IDS, 8. MMPS, 84-86.
NC,39,104.PP,3,5-10,16t7,1920,27,29,6061,81,95,96,99-100,102-106,108,109,r15,119t20,123,125128,133,
137 138, 143, 146, 148 i51, 153-156, 160 t65,169-176,178-191, 193-195,200,2t1 2t2,215 2t7,226,228 229,233,235,
248.252,253-254,265,27 t,277 -278,310,312,325. SP, 26, 20 1, 307.
3* AITFKLÁRUNG
Yer Modernidade.
Auftliirung [106]: DEl,76, t20, 545-546, 549. DE} 431-433, 479,783. DE4,36-37,73,225,231, 438, 440, 448,
562-568, 57 t-573, 577, 679 -682, 685-687, 7 65-7 68. HF, 174. }{S, 297. 467. NC. 51. 126.
46 ASILO (Ásile)
AUTOR (Auteur)
=é.
AUTOR (Áuteur) 47
atradição cristã determinou a autenticidade. Foucault se refere a São ferônimo (DEl, 801).
Desse modo, o autor permite explicar a presença de certos fatos em uma obra, sua transfor-
mação, sua deformaçáo; mas também confere certa unidade aos discursos, permite superar as
contradições, é o foco de expressão. 4) Não reenvia pura e simplesmente a um indivíduo real,
pode dar lugar simultaneamente a vários egos. O sujeito que fala no prefácio de um tratado
de matemática não é o mesmo que fala no decurso de uma demonstração ou o que fala das
dificuldades e obstáculos que encontrou no decorrer de seu trabalho (DE1, 803). Fundadores
de discursividade. Alguns autores não são apenas autores de suas obras, mas também da
possibilidade e das regras de formação de outros discursos. Por exemplo, Marx ou Freud. A
instauração da discursividade é distinta da fundação da cientificidade. Enquanto, nesse caso, o
ato de fundação se encontra no mesmo plano que suas transformações futuras, a instauração da
discursividade lhe é heterogênea. Ela não é da ordem da generalidade formal, mas da abertura
de um campo de aplicações a respeito das quais se mantém atrás. "Para falar de maneira muito
esquemática, a obra desses instauradores não se situa em relação à ciência e ao espaço que ela
desenha, mas é a ciência ou a discursividade que se referem à sua obra como à coordenadas
primeiras" (DEl, 807). A partir daqui, compreende-se essa necessidade que guia todas as
exigências de retorno à origem, de redescobrimento, de reatualização.
Auteur [588]: AN, 18, 20, 49,98,236,246 247. AS, 12,33-36, 38, 41, 43, 57, 107, 1 10, 122-123,1.25-126, I 35, 140,
1 50, I 52, t61, 167 , 183, I 85, I 96, 224,27 4. DEt, \72, 177 -t79, 183, 186, 204-205, 254, 273, 292, 337 , 349, 361, 369, 372,
38s, 422, 429, 443, 467 , 47 4, 477 -478, s06, s I 3, 540, 59 l -593, 596, 653, 660-66 I, 682, 68s, 694, 696,702-70s, 709.7 t0,
736,758,760,765,77 4,786,789-8 1 3, 8 1 7 820. DE2, 24, 60-61, 132, 166, 172, 198,210, 2t3,216, 218,222-223, 267 , 309,
326,369,408,425,481,583, 606-607,645,664,708,721,732,767,781,. DE3,20,39,68,95, 101, 131 132, 140, 190,215,
253 254, 358, 399, 443-444, 448, 452-455, 464, 591, 620, 660,707 ,7 42,773-774,806. DE4, 16-17 , 31, 104, 106-107 , 121,
1 54, 1 56, 166, t7 4, 208, 325-326, 328. 367, 373, 392, 41.2, 421-123, 457 , 472,530, 550, 570, 59 1, 599, 601, 607 , 622, 642,
707,735,780,788,816,823.HF,9-10,57,6t,83,8s-87,97,147,163,261,277,301,220,380,461,s46,622,688.HS,2s,
61,99-100,118,140,160,196,219,339,341.HS1,31,59.HS2,25,56,70,75,113,120,124-127,129,13s,144,150,159,
194-195, 198-199,226,228,232,234,246. HS3,29, 131, 168, 181, 184,203,208, 244,259-260. IDS,20, 103, t19,2).2.
rúC.22.27.3031,1s6, 181 182,208.MMPE,38.MMPS,38.NC, 13,27,209.OD,29-32,39,54,65-69. PP,122,292,
328. RR,86, t)r,126, t79,181. SP, 17,24-25,78, 103, 159,248,256,268.
l8 AUT0R {Áuteur)
. :: : t:;i-:::rr, :.1':
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' ,: ::::i::';:':.
:jr': :l:liij:=-:
:....,'. 11,Í;'
:ll--:,':'1iií.
BACON. trancis 49
o procedimento político-judicial, tal como se o encontra, por exemplo, na Inquisição (sp,227;
DE2, 391). Yer: Investigaçào.
Francis Bacon [16]: D81,479,492,797.D82,391, 630. HF, 293. MC, 43,65-66,137. Sp,227 .
50 BARBARIE lBarbarie\
-r BARROCO (Baroque)
Barroco, teatro e loucura. * Um dos eixos do teatro barroco foi a extravagância dos
espíritos que não dominam suas quimeras, cono Dom Quixote (MMPS, 79). * O bufão, no
Renascimento e no Barroco, era o personagem que dizia a verdade. Uma espécie de profeta, mas
que se diferencia da figura do profeta nojudeu-cristianismo, porque não sabe que diz a verdade. *
Os personagens barrocos se dividem entre os que dominam sua vontade e os que são portadores da
verdade, os que não estão loucos e os que, sim, o estão. No louco há verdade, mas não yontade de
verdade (DE2, 110- 112). O personagem do louco representa a verdade irresponsável (DE3,489).
* O personagem da tragédia clássica, à diferença do personagem barroco, não pode
estar louco
(HF, 312-313). Há que esperar o século XIX, a literatura do século XIX, Nietzsche e a psicaná-
lise, para reencontrar o mútuo pertencimento entre loucura e verdade (DE2,ll2). Barroco e
semelhança. No início do século XVII, durante esse período que, com razâo ou não, se chama
de barroco, o pensamento deixa de mover-se no domínio da semelhança (MC, 65). O barroco é
o triunfo da ilusâo cômica, do quíd pro quo, do sonho e as visÕes e do trompe-lbeil.
Baroque [21]:DBr,479. DE2, 110, 112,725,789.DF.3,229,489,675.DE4,123,488,489,495. HF, 56,62,64,313.
H53, 244. MC, 63, 6s. MMPS, 79.
O que Basaglia, como Berúeim e Laing, problematizou éa maneira como o poder do médico
*
estava implicado naverdade do que dizia, A característica das instituições médicas é uma separação
taxativa entre os que têm a verdade e os que não a têm (DE2, 681).
BASAGLIA, tranco 5l
Yer Antipsiquiatria.
Franco Basaglia [16]:D82,209,233,681,684-685, 693,773. DF.3,350-351. D8{594
614-6ts. D82,25-27 ,74,80, 104- 105, 166, 412. D83,575, 588-590. DE 4, 43, 47 -50, 52-54, 57 , 437, 446, 608. HSI, 1 98.
Em um dos artigos sobre a famosa resposta de Kant à pergunta "O que é o Iluminismo?'l
Foucault aborda a Modernidade como tm êthos, ou seja, como uma atitude, e não como uma
época. Aqui, para caracterizar a atitude de Modernidade, aparece a figura de Baudelaire. Dois
textos constituem as referências de Foucault a esse respeito: Le Peintre de la vie moderne e De
l'hérolsme de la vie moderne (em Oeuvres complàtes,Paris, 1976, t. II). Com base neles, sáo
indicadas quatro características da atitude de Modernidade: I ) Fazer heroico o presente. A atitude
de Modernidade, à diferença da moda, não consiste apenas em seguir o curso dos tempos. Não
se define simplesmente peio fugitivo, pelo passageiro; mas, ao contrário, por agarrar o que há de
eterno no momento que passa. 2) Um heroísmo irônico. A Modernidade, para Baudelaire, é um
exercício em que a atenção extrema ao real se confronta com uma prática da liberdade que, ao
mesmo tempo, respeita e viola o real. 3) Uma relação que é necessário estabelecer consigo mesmo
(dandismo). Ser moderno náo consiste em aceitar-se a si mesmo tal como se é, mas em tomar-se a
si mesmo como o objeto de uma elaboração complexa e exigente (ascetismo). 4) Para Baudelaire,
essa atitude só pode ter lugar na arte, e não na sociedade ou na política (D84,569-571).
Charles Baudelaire [41 ]: DEl, 246, 37 3, 377 . DE2, 132, 708, 715, 748, 782. DE3, 490. DE4, 392, 446'447, 494,
568-571. HS, 25,241.}l52,17. NC, 175. SP,72.
Yer'. Prisao.
52 BATAILLE, Georges
Cesare Beccaria 156/: N4,8,26, I 19 DE2, 207 -208, 461-463, 589 -593, 596, 603, 606, 620, 7 26, 726. DE3, 357. 452.
463.DE4,11, 16. PP, 18. SP, 14-1s,77,93 95-98, 106, 108-109, I 19, 130.
Psicologia. Foucault escreve a seção "La psychologie de 1850 à 1950" da obra de D. Huisman
e A. Weber, Hl stoire de la philosophie européenne (t.11 Tableau de la philosophie contempo-
raine,Paris1977,59l-606).EssetextofoireimpressoemDEl, 120-137).Assuasconsiderações
sobre o behaviorismo aparecem sob o título "O estudo das significações objetivas'i O behavio-
rismo, segundo Foucault, busca 'b sentido adaptativo das condutas a partir das manifestações
objetivas do comportamento. Sem fazer intervir a experiência vivida, nem tampouco o estudo
das estruturas nervosas e seus processos, deve ser possível encontrar a unidade do comporta-
mento confrontando a análise dos estímulos e das reações" (DEl, 130). Foucault distingue duas
espécies de behaviorismo: molecular (realíza a análise em seus segmentos mais elementares) e
molar (segue as articulações significativas do conjunto, Tolman). História do conhecimento.
Os estudos históricos de Foucault deixam pouco espaço à criatividade dos indivíduos. Nesse
sentido, se poderia pensar em certo behaviorismo no trabalho de Foucault (DE2,490). A questão
foi suscitada em um debate televisivo com Choms§. Esse, com efeito, combate o behaviorismo
na linguística, a fim de recuperar a criatividade do sujeito. Para Foucault, a questão do sujeito
é diferente no behaviorismo e na história do conhecimento. Aqui se torna difícil atribuir a um
inventor os fenômenos coletivos ou gerais. Por outro lado, a história se apresentava como um
obstáculo para o acesso do sujeito à verdade (mitos, preconceitos, etc.). Para Foucault, no entanto,
trata-se de analisar a capacidade produtiva do conhecimento como prática coletiva e de ressituar
os indivíduos e seus conhecirnentos no desenvolvimento do saber (DE2, 480).
Béhaviorisme [ 1 4] : DEl, I 30. DE2, 480, 490, 49 1, 492.
Foucault se refere ao estudo de Benjamin sobre Baudelaire ("Über einige Motive bei
Baudelaire'l Zeitschrifi für Sozialfurschung, n" VIII, 1939, p. 50-89) a propósito da noção de
'tstética da existência' (HS2, l7).
Walt e r B enj a min [ 5 ] : DE3, 84, 390. DE4, 447. HS2, 1 7.
"Peço desculpas aos historiadores da filosofia por esta afirmação, mas eu creio que Bentham é mais
importante para nossa sociedade que Kant ou Hegel. Dever-se-ia render-lhe homenagem em cada
uma de nossas sociedades. Foi ele quem programou, deÍiniu e descreveu, da maneira mais precisa,
BENTHAM, Jeremy 53
asformas de poder em que vivemos, e quem apresentou um maravilhoso e célebre pequeno
modelo desta sociedade da ortopedia generalizada: o famoso Panóptico" (DE2, 594). Ver:
Disciplina, P anóptico.
leremy Bentham [109]: DF,2,31 1, 430, 437, 444,589-591, 594, 606-608, 729. DE3, 190- 191, 194-200,202 206,
Bergson vai no sentido contrário quando busca no tempo, e contra o espaço, as condiçÕes
sob as quais é possível pensar a individualidade. Com a formação da clínica, o indivíduo se
ofereceu ao saber através de um longo movimento de espacialização. Bichat, um século antes
de Bergson, deu uma lição mais rigorosa a esse respeito; a morte se converteu no espaço de
*
abertura do indivíduo à linguagem e ao conceito (NC, 174-175). "Quando eu era estudante,
uma espécie de bergsonismo latente dominava a filosofla francesa. Digo bergsonismo, nào que
tudo isso tenha sido a realidade de Bergson, longe disso. Havia certo privilégio concedido a
todas as análises temporais em detrimento do espaço, considerado como algo morto e fixo"
(D83,s76).
Henri Bergson IIZ: AN, 232,246. DEI,342, 770,782. DE2, 106,229.D83,34,193,541,576.DF4,455'764.
MC, 170,258. NC, t75.OD,79.
Bergsonisme [4] : DEl, 342. DE3, 57 6.
Yer Clínica
François Xavier Bichat [112]: AS, 47,48, 72,166,189.DF,L,123,625,713.D82,29,58,481,490,676.D83,36,
51,209,2t4,437. DE4,772.}{F,471. IDS, 189. MC, 138, 245. NC, VIII, lX,74, t23, ].27,128, r29,130, t3t,132,133,
134,136,t40,142,143,t44,t45,t47,t48,149,151, 152,153, 155, 156, i57, 158, 159,t64,169,170,17t,175,177,t78,
179, 180, l8s, 188, 189, 190, 192, 193, 199,201,202,212. PP, 18s, 196-197,300-301,304-305,325.
Foucault dedicou uma extensa introduçáo à tradução francesa da obra de Ludwig Binswanger,
Le rêve et lbxistence (DEl, 65-119). "Na antropologia contemporânea a obra de Binswanger
nos parece que segue a via real. Ele tomou de viés' o problema da ontologia e da antropologia,
indo diretamente à existência concreta, seus desenvolvimentos e seus conteúdos históricos"
(DEl, 67). Esse texto pode ser considerado como o ponto de maior aproximação entre Foucault
ea fenomenologia. Ver: Antropologia, Fenomenologia.
377 .DE4,58. IDS, 19. MMPB,62,66,67,68,69,111. MMPS, 62, 66, 67, 68, 69, 105.
Poder-se-ia chamar desse modo as pressões pelas quais os movimentos da história inter-
ferem com os processos da vida (HSl, 188). Yer: Biopoder.
Bio-histoire [9]: DE3, 48,57,95,97,207-208. HSr, 188. PP, 12, 298.
BIOLOG lA (B iolog i e)
=+.
saber são condições ao nível da simultaneidade (MC, l4). Por isso pode aflrmar, sem causar
estranheza para o leitor advertido, que nem abiologia (nem os outros saberes da Moderni-
dade: a economiq política, a nem a vida existiam antes do século XIX. Durante a
filologia)
época clássica, só existiam os seres viventes e a História Natural (MC, 139, 173). Porém,
é
necessário precisá-lo; quando desaparece a episteme clássica, a biologia não vem substituir a
História Natural;antes, ela se constitui ali onde essa não existia (MC, 220).* Lamarck, com
sua noção de organização, encerrou a época da História Natural e entreabriu a da biologia
(MC,243).* A partir de Cuvier, a noção defunçao,que certamente existia na época clássica,
vai desempenhar um novo papel e, consequentemente, será definida em outros termos. Na
época clássica, a noção de funçao era utilizada para estabelecer, por identidades e diferenças,
a ordem das coisas. Com Cuvier, no entanto, ela será o termo médio que permitirá vincular
conjuntos de elementos desprovidos de toda identidade. Surgiráo, então, novas relações: de
coexistência (um órgão ou um conjunto de órgãos náo podem estar presentes em um animal
sem que outro órgão ou conjuntos de órgãos também o estejam), de hierarquia interna (o
sistema nervoso aparecerácomo determinante de toda disposição orgânica), de dependência
com respeito a um plano de organização (a preeminência de uma função implica que o
organismo responda a um plano). A diferença da História Natural, não encontramos um
campo unitário de visibilidade e ordem, mas uma série de oposições cujos termos não se
situam ao mesmo nível (órgãos secundários, visíveis/órgáos primários, ocultos; órgãos/
funções). 'A vida não é mais o que se pode distinguir, de maneira mais ou menos certa, do
mecânico; ela é aquilo no que se fundam todas as distinções possíveis entre os viventes. E
esse passo da noção taxonômica à noção sintética de vida que é indicada, na cronologia das
ideias e das ciências, como um florescimento, no começo do século XIX, dos temas vitalistas.
BIOLOGIA (Biologte) 55
Desde o ponto de vista da arqueologia, o que se instaura nesse momento, são as condições
de possibilidade de uma biologia" (MC, 281). * Do século XVIII ao XIX, a cultura europeia
modificou fundamentalmente a espacialização do vivente. Para a época clássica, o vivente era
uma cela ou uma série de celas no quadro taxonômico dos seres. A partir de Cuvier, os seres
viyos se envolvem sobre si mesmos e rompem suas proximidades taxonômicas. Esse novo
espaço é o espaço das condições da vida (MC,287). A ruptura do espaço clássico permitiu
descobrir uma historicidade própria da vida, aquela da manutenção de suas condições de
existência. 'A historicidade [forma geral da episteme moderna] foi introduzida, então, na
natureza ou, melhor, no vivente; mas ela é mais que uma forma provável de sucessão, pois
constitui algo como um modo de ser fundamental" (MC, 288). Animalidade, morte.
Posto que só os organismos podem morrer, é desde as profundezas da vida que sobrevém a
morte. A vida, nesse sentido, torna-se selvagem; daí os novos poderes da animalidade, seus
novos poderes imaginários (}{C,289-291). O objeto da História Natural na época clássica
éo conjunto de diferenças que podem ser observadas; o objeto da biologia é o que é capaz
de viver e é susceptível de morrer (D82, 55). Cuvier e a história da biologia (Geoffroy
de Saint-Hilaire, Darwin). Em Dlfs et Ecrits (D82,30-66) encontra-se uma extensa dis-
cussão acerca da situação de Cuvier na história da biologia. Ali, Foucault defende e precisa
a sua posição a esse respeito. A taxonomia clássica, da História Natural, era uma ciência das
espécies; definia as diferenças que separam umas espécies de outras e as classificaYa para
estabelecer entre elas uma ordem hierárquica. O problema da História Natural consistia,
então, em determinar como estabelecer espécies bem fundadas. Desse modo, surge a polêmica
entre sistematizadores (partidários de um sistema artiÍicial) e metodistas (defensores de um
método natural). Para Darwin, contudo, deve-se começar pelo conhecimento do indivíduo e
de suas variações. A obra de Cuvier tornou possível essa transformação. Com a introdução da
anatomia comparada, mostrou-se que as categorias subordinadas ou superiores à espécie não
são regiões de semelhança, mas tipos de organização. De agora em diante, pertencer a uma
espécie será possuir uma determinada organização (e não possuir certas características). O
conjunto de estruturas anatômico-funcionais, fisiologicamente dirigidas, define as condiçoes
de existência do indivíduo. "Por condições de existência, Cuvier entende o enfrentamento
de dois conjuntos: por um lado, o conjunto das correlações que são fisiologicamente com-
patíveis umas com as outras; por outro, o meio em que vive, isto é, a natureza das moléculas
que tem que assimilar, pela respiração ou pela alimentação" (D82,34). x Cuvier e Geoffroy
de Saint-Hilaire resolveram um mesmo problema: como marcar uma identidade orgânica
seguindo uma constante que não nos é dada imediatamente? Cuvier recorreu à noção de
função; Saint-Hilaire a rechaça e a substitui pelo princípio da posição e da transformação no
espaço(D82,42). Ecologia. A integração da ecologia à biologia foi realizada por Darwin
(D82,56). Ciências humanas (A psicologia). Foucault fala de modelos constitutivos
das Ciências Humanas, aqueles que foram tomados das ciências empíricas, como a biologia.
Nesse caso, se trataria da oposição função-norma. Ainda que esse modelo tenha servido
particularmente para a formação da psicologia, também exerceu sua influência nas outras
ciências humanas, como na região sociológica (MC, 366-369). "Poder-se-ia admitir então
que a'região psicológica tenha encontrado seu lugar ali onde o ser vivente, na prolongação
de suas funções, de seus esquemas neuromotores, de suas regulações fisiológicas, mas também
56 BIOtOGIA (Bioloqie)
na suspensão que os interrompe e os limita, se abre à possibiiidade da representação [...]"
(MC,367). Raça. "Mas o que é noyo no século XIX é o surgimento de uma biologia de tipo
racista, inteiramente centrada em redor da concepção da degeneração. O racismo não foi
primeiramente uma ideologia política. Foi uma ideologia científica enaltecida por toda parte,
em Morel e nos outros. E a utilização política foi levada a cabo primeiro pelos socialistas,
pela esquerda, antes que pela direita" (D83,324). Modernidade. Desde o momento em que
a espécie ingressa no jogo das estratégias políticas, alcançamos o "umbral da Modernidade
biológica" (HS1, 188). A partir do século XVIII, a vida se converteu em um objeto de poder
(DE4, 194). Yer: Animalidade, Biopoder, Racismo.
Biologie [229]: AN,57, 289. AS, 44, 50,7 1,78, 200, 225, 226, 227 , 229,235, 245, 252, 269. DEl, 124, 142, 152,
514,540,594,611,657,666,674,676,679,7t7,72]l,727,728,729,785,800,806,821,833,838,843.D82,8,11,27,28,
30,31,36,38,39,43, 44,48,49,50,51,55, 56,57,59,62,64,65,66,67,99, i00, 101, 102, 103, 104, 162, t64,t68,220,
280,371,405,473,474,475,476,486,524,676.D83,95,96,143,157,235,324,434,438,439,440,44),,533.DE4,56,
67,223,517,768,770,773,774,715,784.HF,47). HSr,46,73,t02,204.IDS,52,170.MC,13,14,t39.t71,173,179,
219,220,230,232,233,243,245,25r,258,259,264,265,277,281,287,292,294,307,321,323,356,358,360,361,363,
365, 366, 367, 368, 372, 377, 389, 393, 396. OD, 36, 37, 66.
I Depois da publicação da edição original argentina do I/ocaóuldrío de MicAel Foucauh en2l)04, até Íevereiro de 2009, foram
publicados os segrrintes cursos: À'onwnce de la óhpolitiquc (Pa:js: Seuil/Gallimard. 2001); Sécurití, terrinire et population
(Paris: Seuil/Gallimard.200,l): Le goutememeu de soi et des autre.s (Paris: Seuil/Gallimard.2u(t8). (N.T.)
BIOPODER \Bio-Pauvoir) 57
XVIII, uma biopolítica da populaçao,do corpo-espécie. Seu objeto será o corpo vivente,
suporte dos processos biológicos (nascimento, mortalidade, saúde, duração da vida) (HS I ,
183). . "Sabemos quantas vezes foi colocada a questão do papel que pode desempenhar,
durante toda a formação do primeiro capitalismo, uma moral ascética; mas o que ocorreu
no seculo XVIII, em alguns países do Ocidente, e que está ligado ao desenvolvimento do
capitalismo, é um fenômeno de outro tipo e talvez de maior amplitude que essa nova moral
que parecia desqualiflcar o corpo; isso foi, nem mais nem menos, o ingresso da vida na his-
tória[...]"(HS1, 186).Pelaprimeiravez,ofatodevivernãoconstituiumabasequeemerge
vez em quando, peia morte e a fatalidade, entrando no campo de controle do saber e das
intervençoes do poder (HS1, 187). Capitalismo. O biopoder foi um elemento indispen-
sáve1 para o desenvolvimento do capitalismo. Serviu para assegurar a inserçáo controlada
dos corpos no aparato produtivo e para ajustar os fenômenos da populaçào aos processos
econômicos (HS1, 185). Sexualidade. O sexo funciona como dobradiça das duas direções
em que se desdobrou o biopoder: a disciplina e a biopolítica. Cada uma das quatro grandes
políticas do sexo, que se desenvolveram na Modernidade, foi uma maneira de compor as
técnicas disciplinares do indivíduo com os procedimentos reguladores da população. Duas
delas se apoiaram na problemática da regulação das populações (o tema da descendência,
da saúde coletiva) e produziram efeitos ao nível da disciplina: a sexualização da infância e
a histerização do corpo da mulher. As outras duas, inversamente, apoiam-se nas disciplinas
5B BIOPODER (Bio-Pouvoir)
individualizante e totalizante é, para Foucault, a característica fundamental do poder mo-
derno: "[...] desde o começo, o Estado foi, ao mesmo tempo, individualizante e totalitário"
(D84, 161). 'Ao conseguir combinar esses dois jogos, o jogo da cidade e o cidadão e o jogo
do pastor e do rebanho, no que chamamos de Estados modernos, nossas socieclades se re-
velaram verdadeiramente demoníacas" (DEa, 147). soberania. o poder, organizado em
termos de soberania, tornou-se inoperante para manejar o corpo econômico e político de
uma sociedade em vias de expiosão demográÍrca e, ao mesmo tempo, de industrialização. Por
isso, de maneira intuitiva e ao nível local, apareceram instituiçÕes como a escola, o hospital, o
quartel, a fábrica. Em seguida, no século XVIII, foi necessária uma nova adaptação do poder
para enfrentar os fenômenos globais de população e os processos biológicos e sociológicos
das massas humanas (1D5,222-223). Conhecimento. Se a questão do homem tbi coloçada
em relação com sua especificidade de ser vivente e em suas relaçoes com os outros viventes,
foi em razão do ingresso da vicla na história. (HS1, 189) * É impossível fechar o balanço da
questão do poder em Foucault até que se tenha publicado a totaliclade dos cursos no Collàge
cle France.os cursos de 1972-1973, dedicados a La société punitive, de 1973-1974, a Le
pouvoir psychiatrique, para o conceito de disciplina. Os cursos de 1977-1978, Sécurité,
territoire, population, de 1978-1979, I'laissance de la biopolitique, e de 1979-19g0, Du
Souvernement des vivants, para o conceito de biopolítica. No momento, além do material
depositado no Fond Michel Foucault, atualmente no IMEC (Institut pour la Mémoire de
l'Édition Contemporaine), em Paris, só dispouros dos resumos nos annários do Collêge de
France.2 Ver também: Biopolítica, Disciplina, Governo, Liberalismo, Medicina, Norma,
Populaçao, Poder, Polícia, Razao de Estado.
Bio-pouvoir [42]; DE3, 231. D84,386. HSr, 183, 185-186, 189. IDS,2l3. 216,220-221,226-234.
"Pois bem, tudo isto começou a ser descoberto no século XVIII. Percebe-se, conse-
quentemente, que a relação do poder com o sujeito, ou melhor com o indivíduo, não deve
ser simplesrnente essa forma de sujeição que permite ao poder tornar dos sujeitos bens,
riquezas e, eventualmente, seu corpo e seu sangue, mas que o poder deve exercer-se sobre
os indivíduos, uma vez que eles constituem uma espécie de entidade biológica que deve
ser levada em consideração, se queremos, precisamente, utilizar essa população como
máquina para produzir, para produzir riquezas, bens, para produzir outros indivíduos.
o descobrimento da população é, ao mesmo tempo qr,re o descobrimento do indivíduo
e do corpo adestrável ldressablel, o outro núcleo tecnológico em torno ao qual os pro-
cedimentos políticos do ocidente se transformaram" (DE4, 193). * Há que entender
por "biopolítica" a maneira pela qual,a partir do século XVIII, se buscou racionalízar
os problemas colocados para a prática governamental pelos fenômenos próprios de um
i Dos ctrrsos aqui referidos, Nai-ç.çatcede la àiol,olitigue (Pails: Seuil/Gallimard, 2004) e Sécurité. territoire et yopulation
(Paris: Seuil/Gallimard. 2004) foram publicados depois da edição original argentina do tr ocabulário. Du gouvemement
des yiyants ainda está inédito. (N.T.)
BloPoLÍTtcA (Biopotitique) 59
conjunto de viventes enquanto população: saúde, higiene, natalidade, longevidade, raça
(D83, 818). Essa nova forma do poder se ocupará, então: 1) Da proporção de nascimentos,
de óbitos, das taxas de reprodução, da fecundidade da população. Em uma palavra, da
demografia. 2) Das enfermidades endêmicas: da natureza, da extensão, da duração, da
intensidade das enfermidades reinantes na população; da higiene pública. 3) Da velhice,
das enfermidades que deixam o indivíduo fora do mercado de trabalho. Também, então,
dos seguros individuais e coletivos, da aposentadoria.4) Das relações com o meio geográfico, com
o clima. O urbanismo e a ecologia. Disciplina. Se compararmos uma e outra forma de poder,
podemos diferenciá-las da seguinte maneira: 1) Quanto ao objeto: a disciplina tem como objeto
o corpo individual; a biopolítica, o corpo múltiplo, a população, o homem como ser vivente,
pertencente a uma espécie biológica. 2) Quanto aos fenômenos considerados: enquanto as
disciplinas consideram os fenômenos individuais, a biopolítica estuda fenômenos de massa,
em série, de longa duraçã0. 3) Quanto aos seus mecanismos: os mecanismos das disciplinas
são da ordem do adestramento do corpo (vigilância hierárquica, exames individuais, exercícios
repetitivos); os da biopolítica são mecanismos de previsão, de estimativa estatística, medidas
globais. 4) Quanto à finalidade: a disciplina se propõe obter corpos economicamente úteis e
politicamente dóceis; a biopolítica persegue o equilíbrio da população, sua homeostase, sua
regulação (ÍDS,2l6-220). . '[...] o poder é cada vez menos o direito
de fazer morrer e cadavez
mais o direito de intervir parafazer yiver, e sobre a maneira de viver, e sobre o tomo' da vida;
a partir desse momento, então, em que o poder intervém, sobretudo a esse nível, para ampliar
a vida, para controlar os acidentes, o aleatório, as deficiências, em suma, a morte, como fim
da vida, é evidentemente o fim, o limite, o extremo do poder" (IDS, 221). Liberalismo. Não
se pode dissociar o nascimento da biopolítica do marco de racionalidade política dentro do
qual surgiu, isto é, do liberalismo (DE3, 818). Ver também: Biopoder, Disciplina, Governo,
Populaçao, Razao de Estado.
Biopolitique [j5]:DE3,9s,97,210,723,818. DE4, 193-194,826. HSl, 183, 185, 188. IDS,2i6-219,234.
A propósito dos gregos, pode-se falar em bissexualidade, apenas se com isso se quer fazer
referência ao fato de que se podia amar simultaneamente a um jovem ou a uma jovem. Mas,
nisso, não se reconheciam duas espécies de desejo ou pulsão (HS2, 208).
Bisexualité [ 3 ] : DE4, 332. HS2, 208.
BLOCH, Marc 6 I
*:. BOPP, Franz (1191 1B6t)
'Apenas os que não sabem ler estranharão que eu tenha aprendido mais claramente em
Cuvier, em Bopp, em Ricardo que em Kant ou Hegel" (MC, 318). Foucault aqui se refere à
disposição da episteme moderna, ao pensamento da finitude. Yer.. Homem, Linguagem.
Franz Bopp [34]: AS, I 86, 221. DEr, 671,724,732,751. DE2, 60, 778. MC,71,264 26s, 292,294,295,297,30s,
3 I 8. 396.
Segundo Foucault, les mots et les choses nascetde um texto de Borges, mais precisamente
de "El idioma analítico de |ohn Wilkins" (em Obras completas 1923-1972, Buenos Aires,
Emecé, 1974,p.706-709). Trata-se de uma classificação de animais de certa enciclopédia
chinesa. Esse texto de Borges, segundo Foucault, põe de manifesto a heterotopia. 'A mons-
truosidade que Borges faz circtlar em sua enumeraçáo consiste [...] em que o espaço comum
dos encontros se acha arruinado' (MC, 8).
lorge Luis Borges [23]: DEl, 252,256,260,298, 544, 599. DE2, 67,223, 425,645. DE3, 84, 85. MC, 7, 8, 9, 10.
oD,25.
Foucault se interessa pela obra de G. Botero no marco da análise da razâo de Estado. Ver:
Razão de Estado.
Giovanni Botero [5]: DEa, 150, 816, 826.
Uma parte considerável de "Il faut défendre la sociéte' está dedicada à análise da obra de Bou-
lainvilliers. Com vistas
à educação do Duque de Bourgogne, Luís XIV requereu de seus intendentes
a preparação de informes sobre cada uma das áreas de sua competência. A nobreza que rodeava o
Duque de Bourgogne, formada em parte por um núcleo que se opunha às políticas absolutistas
de Luís XII encarrega Boulainvilliers da tarefa de recodificar esses informes e transmiti-los ao
duque herdeiro. Essa é a origem de État de la France dans lequel on voit tout ce qui regarde
le gouvernement ecclésiastique, le militaire, la justice, les
finances, le commerce, les manu-
factures, le nombre des habitants, et en général tout ce qui peut faire connattre à fond cette
monarchie; extrait des mémoires dressés par les intendants du royaume, par ordre du roy
Louis XIV à la sollicitation de Monseigneur le duc de Bourgogne, pàre de Louis W à présent
62 BOPP, Franz
régnant. Avec des Mémoires historiques sur lancien gouvernement de cette monarchie
.iusquà
Hugues Capet, par M.le comte de Boulainvilllers (London, 1727).Emprimeiro lugar, Boulain-
villers reconstrói a situação das Gálias, antes da invasão dos francos, nesses termosr ao chegarem, os
romanos desarmarant a velha aristocracia guerreira do país e formaram uma nova aristocracia, já
não de caráter militar, mas administrativo (que conhece o direito romano e se expressa em latim).
Perante a ameaça das invasões, os ocupantes tiveram que recorler a uma armada de mercenários
que requereu, para arcar com a sua manutenção, aumentar acarga fiscal e, conseqLtentemente, a
desvalorização empobrecimento do pais. Os francos, por sua vez, são uma aristocracia guerreira
eo
que elege um rei para guiáJa em tempo de guerra e para que faça às vezes de rnagistrado em tem-
pos de paz. Pois bem, o rei dos francos recorre aos mercenários gauleses para afirmar seu poder.
Sela-se assim uma aiiança entre o trono e a antiga aristocracia guerreira gaulesa, que está reforçada
pela relação da Ig§a com ambos. A ignorâLncia da nobre zafranca (do latim, das práticas jurídicas,
da administração) é, na análise de Boulainvilliers, a causa de sua pobreza. História e guerra.
Boulainvilliers generaliza assim o conceito de guerra. Yer: Guerra. O sujeito da história. Com
Boulainvillers, aparece um novo sujeito da história,o continuum histórico-político (LDS,l5l.
HenrydeBoulaintilliers[151]:D83,126,129,302,323-324.HSr,115.IDS,43,54,101,112114,rt6,t22,t25,
127 - 152, 1s8, 170- r80, 182, 184- t8s, I 88- 190, 193, 196, 198, 201, 208.
BROWN, Peter 63
modo a sexualidade se converteu no sismógrafo da subjetividade (DE4, 172). * Brown concede
importância fundamental, em sua maneira de escrever a história, à noção de estilo. Nessa linha,
podem situar-se os trabalhos de Foucault (DE4, 650, 698). Ver: Estética da existência.
Peter Brown [11]:DF{'172,308,542,650,698-699. HS2, 14, NC, 181, 197.
6l BURGUESIA tBourgeotsie\
de dominação da burguesia, mas desde baixo, dos mecanismos de controle da loucura, da
repressão, das proibiçoes que concernem à sexualidade. Mostrar, então, quais foram os agentes
reais desses mecanismos de controle: o entorno imediato, a família, os pais, os médicos, a
polícia. O sistema da burguesia poderia ter sustentado o contrário. Seu interesse se dirige
não tanto aos efeitos quanto aos mecanismos. "Mais ainda: as noções de 'burguesia' e
'interesse da burguesia carecem provavelmente de conteúdo real, pelo menos a respeito
dos problemas que acabamos de ver agora. Não foi a burguesia que pensou que a loucura
devia ser excluída ou que a sexualidade inÍàntil devia ser reprimida, mas que, a partir
de um determinado momento e por razões que é necessário estudar, os mecanismos de
exclusão da loucura, os mecanismos de vigilância da sexualidade infantil procuraram certo
benefício econôrnico, certa utilidade política e, de súbito, tbram colonizados e sustentados
por mecanismos globais e, finalmente, por todo o sistema do Estado" (D83, 183; IDS,
29). Foucault reage aqui às posições de Whilhelm Reich (DerEinbruch der Sexualrnoral,
Berlin, 1932) e Reimut Reiche (Sexualittit und Klassenkampf, Frankfurt, 1969). * Do
princípio de dominação cla burguesia, se poderia deduzir exatamente o contrário do que
foi deduzido; por exemplo, que, desde o momento em que a burguesia se converte em
classe dominante, então, não são mais desejáveis os controles da sexualidade inÍàntil, mas
a aprendizagem sexual, a precocidade sexual, para reconstituir pela sexualidade a força de
trabalho (IDS, 28). Monarquia, discurso jurídico. "[...] a burguesia que, ao meslno
tempo, se aproveitava do desenvolvimento do poder real e da diminuição, da regressão
dos sistemas t'eudais, tinha todo o interesse em desenvolver esse sistema de direito que
lhe permitia, por ontro lado, clar forma aos intercâmbios econômicos, que asseguravan-l
seu próprio desenvolvimento social. De modo que o vocabulário, a forma do direito, foi
o sistema de representação do poder comum à burguesia e à monarquia. A burguesia e
a monarquia conseguiram estabelecer pouco a pouco, desde finais da Idade Média até o
século XYIII, uma tbrma de poder que se representava, que se oferecia como discurso,
corno linguagem: o yocabulário jurídico" (DE4, 185). Ver também: Família, História.
Bourgeoisie [298]: AN,241,255.4S,91,92,93. DEl, 382, 569, 576,577,666,688,759.D82,69, 115, Il9, 120,
16r, 185, 187, 188, 191, 193.224,272,302,309, 311,325,334,335, 336,342,344,345, 347,349,351,352,353,35s,356,
357, 358, 36 1, 362, 368, 400, 422, 435, 436, 437 , 440, 442. 503,508, 525, 53 l, 533, 534, 535, 597, 598, 600, 60.1, 650, 654,
7\9,722,725,727,728,730,738,743,744,745,747,748,758,779,783,812. D83,74,79,93, 101, 130, 181, 182, 183, 198,
t99,203,2tt,216,225.307,311, 376,379,42t,486.502,558,702,7t4,785,806. DE4,31, 62.,85,94. u4, 185, 189, -j71,
502,640. HF,74, 105. HSl,9, 15, 159, 163, 164, 165, 166, 168, 169. IDS, 28,29,30,86,88, l13, 115, 116, 126, 145, 146,
158, 169, r76, 183, 184, 186, 187, 188, t9,r, 210,21r. MC,356,379. NC, 7.+. pp,59-60, l12. Sp,8s,86,87,88,39,90,
22-r,279,290,295.
BURGUESIA (Bourgeotste) 65
ã*. CABANIS, Pierre Jean George (1757 1B0B)
"Mas excluam Canguilhem e não entenderão muito de toda uma série de debates que teve
lugar entre os marxistas franceses; tampouco captarão o que há de específico em sociólogos
como Bourdieu, Castel, Passeron, o que os marca tão fortemente no campo da sociologia;
vocês perderáo todo um aspecto do trabalho teórico dos psicanalistas e em particular dos
lacanianos. Mais ainda, em todo o debate de ideias que precedeu ou seguiu o movimento de
1968, é fácil encontrar o lugar daqueles que, de perto ou de longe, tinham sido formados por
Canguilhem' (D84,763-764). Arqueologia. As análises de Canguilhem mostram que a
ffil1{::illTrrã:ffi'*T..;Í;::,;1hjil#r#x*I;fi
que fenomenologia perguntou vivido
ilÍm*Ilx;hr
(vécu),
ao canguilhem
++t;. Por lsso, se poderia dizer: o a
perguntou ao vivente. Nietzsche. "Eu li Nietzsche um pouco por acaso e me surpreendeu ler
que Canguilhem, que era o historiador das ciências mais influente nessa época na França, estava
também muito interessado por Nietzsche [. . . ]" (D84, 436).
Georges Canguilhem u27l: AN,45-46, 50. As, 11,187,226,248. DEl, 167, 448-457 , 460-464,679, 688, 696-69;,
708.D82,53-54,73,240. DE3, 42g 430,432-442,583. DE4, 37,56-57,67,435 436,440,654,763-764,76;'776 }{53'
167-168,281. MC, 169. NC, 147. OD, 36,73.PP,200,221. sP, 190.
:: CAPITALISMO (Capitalisme)
334,416,431,438,449,494,553,604,612,623,638,702,739,752,777.779,817.DE3,113114,146,159160,11J6,201,
209,258,344,360,374375,401-402,494-495,497,499,569,576,610,724,781,78s,821.D84,56,68,79,190,200,216'
371,441,147,150,502. HSl, 12, 162, 185, 186. IDS,20,33. MMPE,87. PP,88, I 12, 113.
libido. * O cristianismo verá aqui uma consequência da queda, do pecado original. Yer: San-
to Agostinho. x 'A técnica de interiorização, a técnica da tomada de consciência, a técnica do
despertar-se a si mesmo em relação às suas debilidades, enquanto seu corpo, enquanto sua
sexualidade, enquanto sua carne, esse me parece ser o aporte essencial do cristianismo na
história da sexualidade. A carne é a subjetividade mesma do corpo; a carne cristã é a sexuaii-
dade aprisionada dentro dessa subjetividade, desse assujeitamento do indivíduo a si mesmo
que é o primeiro efeito da introduçáo do poder pastoral na sociedade romana" (D83, 566).
Asilo. Na clausura asilar, encontramos um lugar comum aos pecados da carne e às faltas da
razão, aos portadores de doenças venéreas e aos insensatos (HF, 120). Poder pastoral. O
cristianismo encontrou um meio de instaurar um tipo de poder que controlava os indivíduos
por meio de sua sexualidade. Mas, no fundo, a sexualidade nunca constituiu um mal absolu-
to; antes, foi algo que requeria uma vigilância contínua. Através da problemática da carne,
instaurou-se o poder pastoral sobre os indivíduos (DE3, 565-566). (Ver: Poder pastoral).
Pastoral da carne, confissão. Com a Contrarreforma, a extensão da confissão não cessa de
68 CARNE (Chair)
crescer. Por um lado, nos países católicos, acelera-se o ritmo da prática da confissão; por outro,
concede-se cada vez maior importância à carne, à sua presença nos pensamentos, nos desejos,
na imaginação, enfim, em todos os movimentos do corpo e da alma (HSl, 27-28). A carne
*'As confissões da carne" é o título de um volume
tende a converter-se na raiz de todo pecado.
nunca publicado daHistoire de la sexualité; e1e haveria de se ocupar das técnicas cristãs de
*
si mesmo, da formação da pastoral cristã da carne. 'A confissão, o exame de consciência,
toda uma insistência sobre os segredos e a importância da carne não forma aPenas um meio
de proibir o sexo ou de afastá-lo ao máximo da consciência; foi uma maneira de situar a se-
xualidade no coração da existência e de ligar a salvação ao domínio de seus movimentos
obscuros. O sexo foi, nas sociedades cristãs, o que era necessário examinar, vigiar, confessar,
transformar em discurso" (D83,257). Foucault aborda a evolução da confissão e do poder
pastoral em La volonté de savoir (71-98) e em Ie s anormaux (aulas de 19 e 26 de fevereiro).
(Yer: Confissao). Bruxas e possuídas. A prática da confissão, do exame de consciência, da
direção espiritual não foram as únicas expressões culturais da pastoral da carne. Foucault
menciona outras duas, o misticismo e a possessão. O primeiro é deixado de lado, mas sobre
a segunda ele se detém longamente para nos mostrar quais vínculos existem, por um lado,
entre possessão e técnica de exame e, por outro, entre os problemas que os fenômenos de
possessão colocam e a história da psiquiatria, ou seja, a configuração da anormalidade. Em
primeiro lugar, Foucault distingue e separa possessão de bruxaria. Ambos os fenômenos, é
certo, têm lugar em correlação com o processo de cristianização em profundidade que se
origina na Reforma e na Contrarreforma. Mas, com certa defasagem cronológica: a bruxaria
é mais frequente no século XVI, e a possessão, no seculo XVII. 1) Quanto ao lugar: a bruxa
nagens envolvidos: a bruxaria põe em jogo duas personagens, a bruxa e o diabo. Na possessão
há, pelo menos, três personagens que, por sua Yez, se desdobram e se multiplicam: a possuída,
CARNE (Chalr) 69
querer. 5) Quanto ao corpo: se o corpo da bruxa é um corpo marcado, o da possuída, por sua
vez, é aquele em que a forma plástica do combate com o diabo se apresenta como convulsão.
A carne convulsionada é o corpo atravessado pela exigência de exame, o corpo submetido à
cio do poder pastoral: como manter e desenvolver as tecnologias de governo das almas, mas
evitando os efeitos de resistência, os contragolpes? Como continuar com o exame e a confissão,
mas sem gerar conr,ulsões? Para resolver a questão, foram acionados três tipos de procedimento:
1) A moderaçáo interna, a retórica e as exigências de estilo nos discursos de exame e de confissão.
2) A conr,ulsão passará para o domínio da medicina. Como manifestação paroxística do sistema
neryoso, foi, de fato, a forma primeira da neurologia. A conmlsão será pensada, então, como um
estado de liberação involuntária dos automatismos; o que se converterá no modelo para pensar
o instintivo. 3) O apoio dos sistemas disciplinares e educativos (AN, 187-212). Masturbação,
família. A atenuação das indiscrições discursivas foi acompanhada por uma reestruturação do
espaço (dormitórios, internatos), ou melhor, pela adequação do espaço aos requisitos da vigilân-
cia. Nesse movimento de transferência da palavra ao espaço, aparece a grande cruzada contra a
masturbação (que Foucault analisa na aula de 5 de março de Les anormaux) e o gênero discur-
sivo contra a masturbação. Trata-se de um discurso diferente tanto da pastoral da carne quan-
to da psicopatologia sexual do século XIX. Por um lado, não se expressa em termos de prazer e
desejo; por outro, não se trata, propriamente falando, de sexualidade (AN, 219).* A partir
dessa grande campanha contra a masturbação, estabelecem-se noyas relações entre pais e filhos.
Requer-se dos pais ir em busca de odores, rastros, signos das práticas de seus filhos. "Há certa-
mente uma transposição, no elemento da família, da carne cristã. Transposição no sentido estri-
to do termo, porque há um deslocamento local e espacial do confessionário: o problema da
carne passou à cama' (AN, 249). Sexualidade. A experiência da sexualidade se distingue da
experiência cristã da carne (HS2, 11), mas é necessário seguir a formação do dispositivo de
sexualidade como uma transformação da experiência cristã da carne. Desse modo, onde a Idade
Média havia organizado um discurso unitário acerca da carne, encontraremos, mais tarde, uma
discursividade dispersa, múltipla: a demografia, a biologia, a medicina, a psiquiatria, a psicologia,
a moral, a pedagogia, a crítica política (HSf , 46). "[...] a tecnologia do sexo, no essencial, se
ordenará, a partir desse momento, pela instituição médica, pela exigência de normalidade, e,
mais que pela questão da morte e do castigo eterno, pelo problema da vida e da doença. A tarne'
é rebaixada ao organismo" (HSl, 155). Ambas, a experiência da carne e da sexualidade, são duas
experiências do homem de desejo (HS2, I l; DF,4, 540). Afrodisia. Acerca das diferenças entre
aexperiênciadacarne edosafrodisia,ver:Afrodisia.Yer ademais: Etica,Confissao,Família,
Masturbaçao, Poder pastoral, Santo Agostinho, Sexualidade.
Chair [247]:4N,91, 166, 174-176,179-180,187-189, 198,201-202,204-21,1,217 220,249 250,259,309. DEl,89, 107,
t77 , 194,225,245-246,250,253,304,329, 472, 485, 522, 527,536, 555. DE2, 18,20-21,640,763,765,769,825. DE3, 10,87,
105,135,257,313,319,380,565 566,570,661.DF4,t73,191,216,295-299,301,305,353,384-385,393-394,399,406,487,539,
540,546,561,584,611,618-619,626,659,66t,673,738,783784,787,802.HF,36,40,119 120,t37,194,383,,146,510,654.
H5,9,21,24,292,299,456.}{51,27-30,46, 95, 102-103, 130,142,149 150, 153, 155, 159-160, 162, 206. HS2, 1 1, 18, 39,43-44,
17,49-51,56,58,60,79,1.28,140, 155,203. HS3,49. MC,26,37,62,t57,323,395. MMPE,77.NC,l75. RR,21,92. pp, 11,
179. SP,10-11,262.
7 O cARN E (chai r)
r5. CASSIANO, João (360/368 -434t43s)
EmLe psychanalysme (Paris, 1973), Castel aborda a questão da psicanálise desde o ponto
de vista das relaçoes de poder. Segundo Foucault, a tese de Castel consiste em afirmar que a
psicanálise trata de deslocar, modificando-as, as relações de poder da psiquiatria tradicional
(DF-z,639-640; DE3, 77). Foucault se interessa também por outra obra de Castel, Lbrdre
psychiatrique (Paris, 1977). Segundo Foucault, Castel aí rnostra como: 'A loucura doravante
fazparte de nossa relaçáo com os outros e com nós mesmos, assim como a ordem psiquiátrica
atravessa nossas condições da existência cotidiana" (D83,274). Para uma apreciação geral da
obra de Castel por parte de Foucault, Cf. "Lasile ilimité" em DE2, 27L-275.
RobertCastel[29]:DE2,392,639,640,684.DE3,77,92,271-275,331,333334,351,429.DE4,386,764.PP,).9,
38, 88, 198,229, 264.5P,29.
Ainda que muito presente em Histoire de la folie, na obra de Foucault, o tema do poder se
situa no centro da cena em Surveiller et punir, com o estudo dos modos de castigar. Nosso autor
Íixa quatro regras gerais para levar a cabo essa análise: 1) Não centrar o estudo dos mecanismos
punitivos somente em seus eíeitos negativos, repressivos, do lado da sanção; mas, antes, situar
o castigo na série de efeitos positivos que pode induzir, o que implica considerar a punição
como uma função social complexa. 2) Considerar os castigos desde o ponto de vista da tática
política. A punição não é simplesmente a consequência da aplicação das regras jurídicas ou um
indicador das estruturas sociais, mas uma técnica específica no campo geral dos procedin-rentos
de poder. 3) Situar a tecnologia do poder como princípio da humanização da penalidade e do
conhecimento do homem. 4) Investigar se o ingresso do saber científico, da "almal na prática
iudicial não é o efeito de uma transformação da maneira como as relaçoes de poder investem o
corpo (SP, 28). . O corpo, com efeito, encontra-se imerso em um campo político. As relações de
poder operam sobre ele: supliciam-no, marcam-no, constrangem-no ao trabalho, obrigam-no
a certas cerimônias, exigem dele certos signos. Trata-se, em definitivo, de toda uma estratégia
de sujeição. Para isso, não se recorre apenas à violência ou à ideologia, mas também ao cálculo,
projetos, cujo único objetivo é a preservação, a expansão e a felicidade do Estado (DE4, 816).
Bogislaus Philipp rcn Clrcmnitz [4J: DE2, 151, 816.
tema de discussão proposto fosse "da natureza humana: justiça e poder'l a primeira parte da
discussão gira em torno da questâo da história do conhecimento. Também se eucontrará uma
confrontação, entre eles, acerca da criatividade do sujeito. A última parte da discussão se ocupa
dos interesses políticos de Chomsky e Foucault. "Parece-me que, em uma sociedade como a
nossa, a verdadeira tarefa política é criticar o jogo das institr"rições [as instituiçÔes do saber, de
prer,idência, assistenciais] aparentemente neutras e independentes; e criticá-las e atacá-1as c1e
maneira que a violência política que nelas se exerce obscuramente seja desmascarada e se possa
lutar contra elas" (DE2,496). "Finalmente, esse problema da natureza humana, enquanto foi
colocado em termos teóricos, não provocou nenhuma discussão entre nós. Definitivamente,
nos entendemos bem sobre questões teóricas. Por outrcl lado, quando cliscutimos o problema
da natureza humana e os problemas políticos, apareceram as diferenças entre nós. Contra-
riamente ao que você pensa [Chomsky], você não pode impsdil-m. de crer que essas noçôes
de natureza humana, dejustiça, de realização da essência humana sejam noçÕes e conceitos
que lbram formados dentro de nossa civilização, em nosso tipo de saber, em nossa forma de
fllosofia, e que, consequentemente, isso forma parte de nosso sistema de classes, e que uilo se
pode, por ntais lamentável que seja, fazer valer essas noções para descrever ou justificar um
combate que deveritr (que deve, em princípio) mudar os fundamentos de nossa sociedade. Há
nisso uma extrapolação da qual não consigo encortrar a justificativa histórica' (DE2, 506).
Noau Chonrsky [81]: D87,7-3-1, 807. DE2. 470,172,171,476-177, 179-182, 18'1-49 l, 493-512. DE3, 155, 67 l.
cÍcERo 1'
educação recebida (HS, 92-93); à enfermidadelpáthos; ao vício (HS, 9a-95); à rerórica
(HS,366-367).
Cicero [2]: DE4,585. HS,352.
Yer: Homem.
Scienceshumaines [203]: AN,100, 105,305. AS, 225.D81,121,418,439-441,413,445-447,499-500,503,515 517,
543,580. DE2, 11, 164, 169, 182-183,405,410, 595,622.D83,29,188 189,279, 551,579,586 587,662.Df4,18,75,75,
205,415,633,651,730,813. HF, 108. HS, 181. IDS, t9-20,34,36, 153,237.MC,t6,259,321.,355_378,382 393. NC,
201. PP, 20, 59, 92. SP, 28, 186- 187, 227, 287, 302, 312.
Em "Il faut défendre la société", Foucault se ocupa de analisar o discurso que Clausewitz inverteu
quando afirmou que a política é a continuação da guerra por outros meios. Trata-se do discurso da
guerra de raças (DE3, l7l-l72.IDS, 16). Yer.. Guerra.
Carl von Clausewitz [19]: DE3, 152, 171-172,637. IDS, 3, 16, 20. 41, 146.
primeiro grande texto cristão consagrado à prática sexual na vida matrimonial é o capítulo
O
X do livro lI do Pedagogo de Clemente de Alexandria (DE2,2l) . Nele se pode observar como
o cristianismo apropriou-se da filosofia moral da Antiguidade, especialmente helenística, de
seus conceitos, de suas imagens, de seus exemplos, de suas recomendações.
clément dAlexandrie [20]:D84,302,547. HS, 79,97,247,257,4t6. HS2,2t, 142-143,2g1.Hs3,90, lg1, 198,
206,276,281.
cLÍNtcA lclinique) 75
como o clero, e revestida, com respeito à saúde e ao corpo, de poderes semelhantes aos que se
exercem sobre a aima, e o mito do desaparecimento total da doença em uma sociedade sem
distúrbios nem paixões, restituída à sua saúde originária (NC, 31-32). Uma vez vinculada ao
destino do Estado, a medicina não será apenas o corpo das técnicas e conhecimentos de cura,
mas também um conhecimento do homem saudável, do homem não enfermo, do homem
modelo. Por isso, a medicina do século XIX se organiza mais pela normalidade do que pela
saúde (Claude Bernard, por exemplo). Desse modo, o objeto das ciências do homem (suas
condutas, suas realizações individuais e sociais) é um campo dividido pelo princípio do nor-
mal e do patológico (NC, 35-36). Reforma das instituições da medicina. A oposição
entre a medicina das espécies e a medicina das epidemias exigia uma reorganização do espa-
ço da doença: necessidade de um espaço onde apareçam livremente as espécies patológicas,
necessidade de um espaço onde a enfermidade esteja presente em sua totalidade, onde se
possa formar um conhecimento da saúde da população. Nesse ponto, convergem as exigências
da ideologia política e da tecnologia médica. No fina1 do século XVIII, assistimos na França a
uma série de reformas das instituiçoes da medicina. Reforma das instituições hospitalares:
descentralização da assistência (confiada agora às instâncias comunais), separação entre as-
sistência e repressão. Ao mesmo tempo em que se descentrahzaa assistência, medicaliza-se
seu exercício. O médico julgará acerca de a quem se deve prestar assistência; acerca da moral
e da saúdepública (NC,40-41). Reformas do exercício e do ensino da medicina: requisito de
estudos universitários e públicos, abolição das corporações. "Durante todo esse período, fai-
tava uma estrutura indispensável, aquela que poderia dar unidade a uma forma de experiên-
cia já definida pela observação individual, o exame dos casos, a prática cotidiana das enfer-
midades, e a uma forma de ensino que, se compreende bem, deveria dar-se no hospital mais
que na Faculdade, e no percurso inteiro da enfermidade. Não se sabia como restituir pela
palavra o que se sabia que era dado apenas ao olhar. O Visível não era Dizível, nem Diszível
(indizível/não dizível)" (NC, 50-51). A protoclínica. A organização da clínica não é corre-
lata ao descobrimento do individual na medicina. A necessidade da prática no ensino da
medicina era também amplamente reconhecida (NC, 58). Nesse sentido, Foucault fala de uma
protoclínica do final do seculo XVIII. E necessário, então, distinguir essa protoclínica tanto
da prática espontânea como da clínica propriamente dita. Foucault aponta cinco característi-
cas de tal protoclínica: 1) Mais que um estudo sucessivo e coletivo dos casos, ela deve tornar
sensÍvel o corpo da nosologia. 2) O corpo do qual ela se ocupa no hospital é o corpo da enfer-
midade, não o do doente (que é apenas um exemplo). 3) Não é um instrumento para descobrir
a verdade, mas uma determinada maneira de dispor das verdades já conhecidas. 4) Essa
protoclínica é somente pedagógica. 5) Não é uma estrutura da experiência médica, mas uma
prova do saber já constituído (NC, 58-62). Os hospitais, Cabanis. "Thermidor e o Diretório
tomaram a clínica como tema maior da reorganização institucional da medicina. Para eles,
era um meio de pôr fim à perigosa experiência de uma liberdade total; uma maneira, no en-
tanto, de dar-lhe um sentido positivo, uma via também para restaurar, conforme aos desejos
de alguns, algumas estruturas do antigo regime" (NC, 69). Com esse propósito, foram toma-
das uma série de medidas capitais. 1) Medidas do 14 frimário, ano 1I1: o projeto apresenta-
do por Fourcoy à convenção prevê a criação de uma école de santé em Paris. Nela, à diferen-
ça da Faculdade, Iugar de um saber esotérico e livresco, e segundo o modelo da École
cLiNlCA yClrnique)
Centrale des Travaux Publics, os alunos realizaráo experiências químicas, dissecações anatô-
micas, operações cirúrgicas. 'A clínica se converte em um momento essencial da coerência
científica, mas também da utilidade social e da pureza política da nova organização médica"
(NC, 70). Mas não se trata apenas de experimentação; essa clínica se def,ne ademais como
um saber nrúltiplo da natureza e do homem em sociedade. 2) ReJormas e discussões dos anos
V e Vl: reconstituição das sociedades médicas que haviam desaparecido com a Universidade,
antes de tudo da Société de Santé. Projeto cle criação de cinco escolas de saúde, segundo o
projeto de Calàs, para estabelecer um corpo médico qualificado por um sistema cle estudo e
por uma espécie de contrato variável no espaço, revogável no tempo que, situado ao nível das
municipalidades, era antes da ordem do iivre consentimento" (NC, 83). Outro conirato (si-
iencioso, segundo Foucault) se estabelece entre a nova estrutura hospitalar e a clínica onde se
cLíNlcA (clinique) 77
formam os médicos. "Posto que a enfermidade não tem possibilidade de encontrar uma cura,
a menos que os outros intervenham com seu saber, com seus meios, com sua piedade, posto
que não há enfermo curado a não ser na sociedade, é justo que o mal de uns seja transforma-
do para os outros em experiência'(NC, 35). O hospital transforma-se no lugar da experimen-
tação. Assim, em um regime de liberdade econômica, o hospital encontra a possibilidade de
interessar aos ricos. A clínica será, desde o ponto de vista do pobre, o "juro pago pela capita-
lização hospitalar consentida pelo rico" (NC, 85). Signos e casos, a medicina dos sintomas.
"Não é, pois a concepção da enfermidade que mudou primeiro e depois a maneira de reco-
nhecê-la; não é tampouco o sistema semiótico que foi modificado e depois a teoria; mas tudo
juntoe, mais profundamente, a relação da doença com esse olhar ao qual ela se oferece e que,
ao mesmo tempo, a constitui" (NC, 89). Essa modificação concerne em particular à estrutura
linguística do signo e à estrutura aleatória do caso. O sintoma converte-se em signo para um
olhar sensível à diferença, à simultaneidade ou à sucessão, e à frequência (NC, 92-93). |á não
se trata de reconhecer a enfermidade nos sintomas, mas da presença exaustiva da enfermida-
deneles.Assim,épossívelasuperposiçãoentreovereodizet'Aclínicapõeemjogoarelação,
fundamental em Condillac, do ato perceptivo e do elemento da linguagem. A descrição do
clínico, como a análise do filósofo, profere o que é dado pela relação natural entre a operação
de consciência e o signo" (NC, 95). Quanto
à percepção do caso, é necessário levar em conta:
a complexidade de combinações (daquilo que a ÍaÍrreza associa em sua gênese); o princípio
de analogia (o estudo combinatório dos elementos realça as formas análogas de coexistência
ou de sucessão que permitem identificar os sintomas da doença); a percepção das frequências
(a certeza médica não se constitui a partir da individualidade totalmente observada, mas a
partir de uma multiplicidade de fatos individuais); o cálculo dos graus de certeza (do caráter
mais ou menos necessário de uma implicação). 'A clínica abre um campo que se tornou'visí-
vel'pela introdução, no campo do patológico, de estruturas gramaticais e probabilísticas.
Essas podem ser historicamente datadas, porque são contemporâneas de Condillac e seus
sucessores" (NC, 105). Yer Saber. Em sua forma inicial, a experiência clínica representa um
equilíbrio entre o ver e o falar, entre o olhar e o dizer. Um equilíbrio precário que tem como
postulado que todo o visível é enunciável e que o totalmente enunciável é totalmente visível.
Mas a lógica de Condillac, que serviu de modelo epistemológico à clínica, não permitia uma
ciência na qual o visível e o dizível se encontrassem em uma adequação total (NC, 116-l l7).
Consequência dessa dificuldade na evolução da clínica: a combinação deixará de ser a opera-
ção fundamental da clínica; a transcrição sintática tomará seu lugar. Assim, a clínica haverá
de se afastar e de se opor ao pensamento de Condillac.Aqui encontramos Cabanis e toda uma
série de transformações do olhar clínico. "O olho clínico descobre um parentesco com um
novo sentido, que lhe prescreve sua norma e sua estrutura epistemológica; não é mais o ouvi-
do voltado a uma linguagem, é o dedo indicador que palpa as profundidades. Daí essa metáfora
do tato pela qual, sem cessar, os médicos vão definir o que é seu olhar" (NC, 123). Abrir
cadáveres, a medicina anatomopatológica. Com a medicina anatomopatológica, o corpo
tangível se instalará no centro da experiência clínica. Bichat substitui o princípio de diversi-
ficação segundo os órgãos de Morgagni pelo princípio de um isomorfismo dos tecidos funda-
do na identidade simultânea da conformação exterior, das estruturas, das propriedades vitais
e das funções (NC, 129). A noção de tecido deslocará a noção de órgáo e a de lesão à de
7B cLÍNtcA \ctínique)
sintoma (NC, l4l-142). "Técnica do cadáver, a anatomia patológica deve dar a essa noção [a
noção de morte] um estatuto mais rigoroso, isto é, mais instrumental. Esse manejo conceitu-
al da morte pode ser adquirido primeiro, ao níyel muito elementar, pela organização das clí-
nicas. Possibilidade de abrir imediatamente os corpos, diminuindo o mais possível o tempo
de latência entre o óbito e a autopsia, ela
permitiu tàzer coincidir, ou quase, o último momen-
to do tempo patológico e o primeiro do tempo cadavérico. [...] A morte não é mais que a linha
vertical e absolutamente delgada que separa, mas permite referir uma à outra, a série dos
sintomas e a das lesoes" (NC, 143). * Com a anatomia patológica, à diferença do que aconte-
cia no século XVIII, a relação entre a vida, a enfermidade e a morte será pensada cientifica-
mente. A doença ingressa na relação interior, constante e móvel da vida com a morte. "Não é
porque adoeceu que o homem morre; é, fundamentalmente, porque pode morrer que lhe
acontece de estar doente. [...] Agora ela [a morte] aparece como a fonte da enfermidade em
seu ser mesmo, essa possibilidade interior à vida, mas mais forte que ela, que a faz desgastar-
se, desviar-se e fitralmente desaparecer. A morte é a enfermidade tornada possível na vida.
[...] Daí, a importância que tomou, desde o aparecimento da anatomia patológica, o conceito
de degeneração" (NC, 158). A medicina das febres. Com a medicina das febres, assistimos
ao último passo na reorganização do olhar médico como clínica, assistimos à passagem da
anatomia à fisiologia. Com a obra de F. Broussais resolvem-se as diferenças entre a anatomia
patológica e a análise dos sintomas. Trata-se de uma medicina dos órgãos em sofrimento que
comporta três momentos: a determinação do órgão que sofre, a explicação de como alcançou
esse estado, a indicação do que é necessário fazer para detê-lo (NC, 195). Desse modo, "[...]
começa uma medicina das reaçÕes patológicas, estrutura de experiência que dominou o sé-
culo XIX e até certo ponto o século XX" (NC, 196). As ciências do homem. Com a morte
integrada epistemologicamente à experiência médica, a enfermidade se desprendeu de sua
contranatureza e tomou corpo no corpo vivente dos indivíduos. O primeiro discurso científi-
co sobre o indivíduo teve que passar, então, pelo momento da morte. 'A possibilidade para o
indivíduo de ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de seu próprio conhecimento implica que
se tenha invertido o jogo da finitude no saber" (NC, 201). Desse modo, o pensamento médi-
co se insere completamente no estatuto filosófico do homem. 'A formaçáo da medicina clíni-
ca não é senão um dos mais visíveis testemunhos dessas mudanças das disposiçoes funda-
mentais do saber" (NC,202). Yer: Homem. Descrição, enunciação. O discurso clínico não
é apenas da ordem da descrição; sua formação implica um conjunto de hipóteses sobre a vida
ea morte, opções éticas, decisões terapêuticas, regulamentos institucionais, modelos de en-
sino. Por outro lado, a descrição não cessou de modificar-se. De Bichat à patologia celular,
modificaram-se as escalas e os pontos de referência. O sistema de informação modificou-se:
a inspeção visual, a ausculta e a palpação, uso do microscópio e testes biológicos. Também se
modificou entre o anátomo-clínico e os processos fisiopatológicos. Desse modo,
a correlação
a posiçáo do sujeito que olha com relação ao enÍ-ermo configurou-se de outra maneira (AS,
47-48). * No discurso clínico, o médico é: quem interroga, o olho que vê, o dedo que toca,
quem decifra os signos, o técnico de laboratório. Todo um conjunto de relaçoes está em jogo
entre o hospital (lugar de assistência, de observação e de terapia) e unl grupo de técnicas e
de códigos de percepção do corpo humano. "Pode-se dizer que colocar em relação elemen-
tos diferentes (alguns novos, outros preexistentes) foi realizado pelo discurso clínico; é ele,
ctíNtcA \Ctinique) 79
enquanto prática, que instaura entre todos eles um sistema de relações que não é'realmente'
dado nem constituído de antemão. Se há uma unidade, se as modalidades de enunciação que
utiliza ou às quais dá lugar não são simplesmente justapostas por uma série de contingências
históricas, é porque faz funcionar de maneira constante esse plexo de relações" (AS, 73).
Olhar, sujeito. Na medida em que as modalidades de enunciação manifestam a dispersão
do sujeito e não a síntese ou a função unificante, a expressão 'blho clínico" não é muito feliz
(AS, 74). Ciência, formação discursiva. A clínica não é uma ciência, nem responde aos
critérios formais, nem alcança o nível de rigor da física ou da química. Ela é o resultado de
observações empíricas, ensaios, prescrições terapêuticas, regulamentos institucionais. Mas
essa não ciência não pode ser excluída da ciência. Ela estabeleceu relações precisas com a Íi-
siologia, a química, a microbiologia. Seria presunção atribuir à anatomia patológica o estatu-
to de falsa ciência (AS, 236). Trata-se de uma formação discursiva que não se reduz nem à
ciência nem ao estado de disciplina pouco científica.
Clinique [458]: AN, 2s, 34, 49, 63-65, 98, 1 1 0, 21 5, 226,245 247,269,283, 302-303. AS, 25'27,17,72-74,86,95,99,
141, 166, 205, 208 ,212,218,225,227,236,238,240,242,245. DEl,67, I 40, 1,18, 191, 369, 498-499,558, 590, 602,6s6,
.:;=.
coclTo
1967,p.51-97), acerca da relaçâo entre cogito e loucura. Enquanto, para o primeiro, trata-
se de uma relação de exclusão total, para o segundo, no entanto, a loucura afeta apenas de
maneira contingente algumas regiões da percepção sensível; a hipótese do sonho, em todo
caso, seria mais arriscada que a hipótese da loucura. Foucault responderá extensamente em
8 0 coGtro
duas ocasiões à interpretação de Derrida: "Mon corps, ce papier, ce feu" (D82,245-268),
"Réponse à Derrida" (D82,281 295).
Cogtro [a9]: AS, 161. DEl,455,609-610. DE2,26-5,281. DE3, 4Q..DF4. i-76.HF,187,209-210, 114. HS,26,28.
MC, 323, 326,333-337,346-347 . OD,49.
(MC,42). A marca da semelhança entre as coisas está marcada por outra forma de semelhança; a
simpatia está marcada pela analogia. Esse entrelaçamento eutre marcas e coisas supõe o prir.ilégio
da escritura que dominou durante todo o Renascimento (as marcas que Deus pôs nas coisas) e,
portanto, a subordinação do som ao escrito (Adão, quando impôs nomes às coisas, simplesrnente
leu as marcas nelas postas); desde a origem, o escrito precedeu ao falado (MC, 53-54). Por sua vez,
coMENTÁRlo lcommenraire) 81
,r COMUNISMO (Communisme)
Yer: Marxismo.
Communisme [14]: DF,2,193,345,738. DE3, 610, 623, 667. DF4,50,412,496.
"O homem ocidental converteu-se em um animal de confissão" (HSl, 80). 'A confissão é
um ritual de discurso em que o sujeito que fala coincide com o sujeito do enunciado; é também
um ritual que se desdobra em uma relação de poder, porque náo se confessa sem a presença,
ao menos virtual, de tm partner que não é simplesmente um interlocutor, mas a instância
que requer a confissão, a impõe, a avalia e intervém para julgar, punir, perdoar, consolar e
reconciliar; um ritual em que a verdade se autentica pelo obstáculo e as resistências que teve
que vencer para formular-se; um ritual, enfim, onde apenas a enunciação, independentemen-
te de suas consequências externas, produz em quem o articula modificações intrínsecas ..] "
[.
(HSl, 82-83). Na Antiguidade. Estritamente falando, segundo Foucault, não encontramos
o ritual da confissão na Antiguidade grega, nem na helenística, nem na época romana. Existem
certas práticas, como o exame de consciência, as práticas de consulta. Existe também a obri-
gação de dizer a verdade ao diretor de consciência ou ao médico, de ser franco com os amigos,
mas esse "dizer a verdade" é só instrumental, não é operador de salvação, de saúde. o sujeito
da Antiguidade convertia-se em sujeito de verdade de um modo muito diferente de como
ocorre na confissão. Na Antiguidade, a verdade em questão era a verdade dos discursos ver-
dadeiros (}J5,346-347). Na confissão, o sujeito da enunciação deve ser o referente do enun-
ciado; na filosofia greco-romana, na prática da direção espiritual, ao contrário, quem deve
estar presente na verdade do discurso é quem guia. É ele quem deve poder dizer: "Essa ver-
dade que te digo, tu a vês em mim" (Hs, 391). No cristianismo primitivo, no monasti-
cismo. O momento em que a tarefa de dizer a verdade sobre si mesmo se inscreve no proce-
dimento indispensável da salvação foi um momento absolutamente capital na história da
subjetividade ocidental (Hs,346). o curso dos anos 1979-1980 no Collêge deFrance,Du
gouvernement des vivants, esteve em grande parte dedicado ao tema do exame das almas e
B2 COMUNISMO (Communisme)
da confissão no cristianismo primitivo. A história da prática penitencial do século II ao sécu-
lo V mostra qte a exomologesls (confissão, reconhecimento) não era uma confissão verbal
analítica, nem das faltas, nem das çircunstâncias; por outro lado, ela não obtinha a remissão
pelo simples fato de ser formulada na forma canônica diante de quem tinha o poder de redi-
mir os pecados. A penitência era, antes, um estado no qual se ingressava e do qual se saía ri-
tualisticamente. Durante o período da penitência, o penitente reconhecia suas faltas com sa-
criticios, austeridade, modo de vida; a expressão verbal não tinha papel fundamental. Nas
instituições monásticas (Foucault se ocupa da obra de Cassiano, Institttições cenobíticas e
Conferências), a confissão se enquadra no marco da direção espiritual. Aqui, é necessário
analisar o modo de dependência com reiação ao mestre, a maneira de ievar a cabo o exame
de consciência, a obrigação de dizer tudo sobre os rnovimentos da alma. A confissão prescri-
ta por Cassiano não é a simples enunciação das faltas cometidas, nem uma exposição global
do estado da alma, mas a verbalização permanente de todos os movimentos do espírito (DE4,
125-128). A partir da Idade Média, durante a reforma. Na evolução da prática cristã da
penitência, é necessário prestar atenção, por um lado, à relação confissão/penitência, por
outro, à função da confissão. Quanto ao primeiro aspecto, como dissemos, originariamente a
conÍissão não Íbrmava parte do núcleo da penitência. Quanto ao segundo, a função da confis-
são, na penitência, modificou-se notoriamente. A partir do século VI, com o que se denominou
penitência tarifada, a confissão Çomeça a inscrever-se no coração da prática da penitência.
Trata-se de um modelo irlandês, não latino, de matriz laica, judicial e penal. Devido ao fato
de que cada falta grave requeria uma satisfaçáo proporcional, a enumeração das faltas, sua
conflssão, tornou-se necessária. Mas, aqui, a confrssão das fàltas, por si mesma, não tem valor
eficaz; sin-rplesmente permitia ao sacerdote estabelecer â pena. A partir do século XIII, assis-
timos a uma reinserçáo da confissão nos mecanismos do poder eclesiástico. O Concílio de
Letrán, de l2l5,estabelece a obrigação para todos os cristãos de confessar as suas faltas graves.
A frequência dessa prática era pelo menos anual, mas se recomendava que fosse mensal ou
semanal. A prática da confissão converte-se assim em uma obrigação regular, contínua e
exaustiva (não só os pecados grayes, mas também os veniais). O sacerdote, por sua vez, com
suas perguntas será o garante dessa exaustividade. A penitência converte-se, a partir desse
momento, estritamente, em um sacramento. * A partir do século XVI, assistimos a um pro-
cesso de cristianização em profundidade. Nesse processo, encontramos, por um lado, a exten-
sáo do domínio da confissão: tudo ou quase tudo da vida do indivíduo deve passar pelo filtro
da confissão. Por outro lado, o fortalecimento da figura do confessor que, além da absolvição,
disporá do direito de exame da vida do penitente e de toda uma série de técnicas para levá-lo
a cabo. Tambérn a partir do século XVI, baseando-se na pastoral de São Carlos Borromeo,
conjuntamente com a conÍissão, se desenvolveráaprática da direção de consciência. Com o
diretor, há que tratar de tudo o que concerne à pessoa interior: pequenas penas do espírito,
tentaçoes e maus hábitos, repugnância ao bem, etc. Durante a época da Reforma e da
Contrarreforma, a prática da confissão transÍbrma-se, especialmente em relaçáo com o
sexto mandamento ("não cometer atos impuros"): o antigo exame era um inyentário das
relações permitidas e proibidas; o novo, no entanto, é um percurso meticuloso do corpo,
uma anatomia do desejo, urna cartografia pecaminosa do corpo (AN, 155-186). Scientia
sexualis. Segundo Foucault, historicamente há dois grandes procedimentos para produzir
coNFlSSÃo (Confesslon) 83
a verdade do sexo: ars erotica e scientia sexualis. Na primeira, a verdade do sexo é extraída
do próprio pÍazer; na segunda, a verdade do sexo aparece em um procedimento de saber-
poder cujo eixo é a confissão (aveu). Ainda que a confissão tenha permanecido conservada
no ritual da penitência durante séculos, apesar disso, com a Reforma e a Contrarreforma, com
a pedagogia do século XVIII e a medicina do século XIX, perdeu sua localização ritual exclu-
siva. A conÍrssão começou a ser utilizada em toda uma série de relaçÕes: pais-filhos, alunos-
pedagogos, enfermos-psiquiatras, delinquentes-expertos. No que concerne ao sexo, o proce-
dimento da confissão sofreu uma série de transformações que permitiram ajustar o ritual da
confissão à regularidade científica: 1) pela codificação clínica do"fazer-falar" (combinando o
relato com os signos e os sintomas decifráveis), 2) pelo postulado de uma causalidade geral e
difusa (o sexo pode ser causa de tudo e de qualquer coisa), 3) pelo princípio de uma latência
intrínseca da sexualidade, 4) pelo método da interpretação, 5) pela medicalização dos efeitos
da confissão (HSl, 84-94) . Como prática judicial. Na época clássica, o corpo do condena-
do não só era o objeto do castigo, do suplício, mas estava inscrito no procedimento que devia
produzir a verdade acerca do crime. Apesar de seu caráter secreto (é celebrado na ausência do
675.DE4,125,147,17)..405,107,625,633,657,783-784,795,798,805-806,811-812.HF,82,116-118,r9r,268.HS,111,
151, 316,346,352, 373,461. HSt, 27 28, 78,80,82,85,87,9r,93-9,1. HS2,47. IDS,5. OD,63. PP,257, SP,45.
A teoria política dos séculos XVII e XVIII parece obedecer ao esquema de uma sociedade
que se teria constituído a partir dos indivíduos, segundo as formas jurídicas do contrato e do
B4 CONTRATO (Contrat)
intercâmbio. Mas, nessa mesma época, não se pode deixar de lado que existia uma técnica
para constituir efetivamente os indivíduos como elementos correlativos de uma forma de
poder e saber. O indivíduo é, assim, o átomo fictício de uma representação contratual da
sociedade; mas, ao mesmo tempo, uma realidade fabricada com a tecnologia da disciplina
(SP, 195-196). * Para pensar o nexo social, o pensamento político burguês do século XVIII se
serviu da ftrrma jurídica do contrato; o pensamento revolucionário do século XIX, por sua vez,
fez uso da forn'ra lógica da contradição (D83,426). * Podem-se opor dois grandes sistemas
de análise do poder. No que encontramos nos filósofos do século XVIII, o poder é concebido
valendo-se de um direito originário que se cede, que é constitutivo da soberania e que tem o
contrato como matriz originária. Aqui, quando o poder excede os limites do contrato, encon-
tramos a opressão. No outro moclelo, a opressão não se apresenta como a transgressão de um
contrato, mas como um enfrentamento perpétuo de forças, como a continuação da guerra,
da dominação (IDS, 17).
Contrat[105]:4N,83,85,88, 141, 193. AS,69, 110. DEr, 178, 180,223-224,38s,798. D82,167,535,68-] 684.
DE3, 79, 83, 169 t7 3,201.2()5,255,123. Q6,642.650.654,77 6. DF4,2rr.237 ,5 14, 567. HF, 75, I 24, 125, 589, 658. HS,
4t2,423. HSl, 184. HS3, 94, 95. IDS, 14-17, 83, tt5, 186, 197,215,218. NC, XI,61,66, 83-85. OD, 13. PP, 59. SP, 31,
Com a extensão das disciplinas, no século XIX ingressartos na época do controle so-
*
penais precedentes (DE2, 593). O panoptismo é uma das
cial, à diferença das sociedades
características fundamentais de nossa sociedade. E um tipo de poder que se exerce sobre
os indivíduos sob a forma da vigilância individual e contínua, sob a fbrma do controle, do
castigo e da recompensa, e sob a forma cla correção, ou seja, da formação e da transformação
dos indivíduos em função de certas normas (D82, 606). Humanismo. "Nós nos dizemos:
con.to telnos um fim, deveuros controlar nosso funcionamento. Enquanto que, na realidade,
é apenas sobre a base dessa possibilidade de controle que podem surgir todas as ideologias,
as filosofias, as rnetafísicas, as religioes que oferecem uma determinada irnagem capaz de
polarizar essa possibilidade de controle do funcionamento. Você entende o que quero dizer?
É a possibilidade de controle que faz nascer a ldeia de fim. Mas a humanidade não dispõe
de nenhum fim, ela funciona, controla seu próprio funcionamento e cria, a cada instante, as
tbrmas para justificar esse controle. O humanismo é uma delas, a última' (DEl, 619). Ver:
Di sciplina, Parúptico, Razão de Estado.
Contrôle [607]:4N,36,39, 41,14,47 48,80 81, 139, 149, 151, 155, 164, 179-180, 189-191,200 201,206'208,217-
218,134-236,238239,241-243,250,253-255,257,260,275,279280.282,290,292,307,309-310.AS,86,2r4.DEl.11l,
415,,135,590,619,690,76t.D82,28,69,175,187,300,311,315-316,319,323326,328,337 338,i50,353,360,363,377,
383,388,390-391,1r7,419,,131,445,455 456,460,464466,468-470,494-495,497,539,592-593,595 596,599-602,604-
607,610,613-620, 638, 644, 654, 662-663,683, 70 I, 7 17 ,7 28-731,7 18,7 51-7 55,758,796-i97 ,822, 825 826. DE3, t4. l7 ,
2l').2,25,51,65,7478,91.93-94,112,124,150,1s2153,t59,1t-3.177,182-183,193,200,202,206,210,213,220223,
225,228,233-234,2s9,299,336,3{0,384,3tt6,45.2,464,467 468,194,513 514,516 518,529,550,563,566,629,612,666,
670 671,674,681,695,731,734,737 738,760,766.773,802. DE4,35,38,62,71,116,147.156, 175, 177, 183, 189-190,
r92. t94-t96.202-203.226,227 ,210, 263, 278. 36.{, 40 5,466,497 , s I 3, 557-558, 581, 604, 612, 6,10. 645, 662, 66s, 688, 709,
cONTROLE (Contrôle) 85
721,739,797,803,809.HF,16,78-79,t20,135,152,163,171,508,518,538,548,554.HS,60,98,119,149,269,314,358,
375,413-414,418,438.HS1,20,26,40,56-57,61,66,118,132,138_140,148,155,157,159,161,163,167,179,183184,
187, 193, 195. HS2,34 35,53,64,76,86,90, r05, 141, 194. HS3,21,78,80_81,273. IDS, 18,23,28,30, 119, 152, 159_160,
163 164,194,216,2t7,223-224,23t.MC,279.MMPB,9,32.MMPS,9,32,81,84_85.NC, 19,26,27,30_31,46,66_67,
72,75,79-81,179, 18 l. OD, 23, 37,38,44,67 -68.pp, 17,19,49 52,71,78,87,1 16, 124, 18 1, 219, 310, 3 18. Sp, I 5, 32, 34,
*â. CONVENIENTIA
86 CONVENIENTIA
(anachóresis) em si. Ver: Anachóresis. Conversão do olhar. Orientar o olhar, dirigi-lo cor-
retamente, é um componente essencial da conversão. Também aqui temos que distinguir entre
a conversão platônica do olhar (exercícios de conhecimento), a helenístico-romana (exercicios
de concentraçáo) e a cristã (exercícios de deciframento). Para Platão, a orientaçáo do olhar
tem como finalidade converter-se a si mesmo em objeto de conhecimento; no cristianismo,
o olhar se apresenta como vigilância das imagens, das representaçoes que podem invadir e
turvar nossa alma; na cultura helenístico-romana do cuidado de si mesmo, trata-se de desviar
o olhar dos outros e do mundo exterior. Assim, em Plutarco, por exemplo, encontramos toda
uma série de exercícios anticuriosidade: abrir o próprio cofre (recordar o que foi aprendido),
caminhar olhando só adiante.
Epistrophê [4O) : DE4, 3-56. HS, 197, 20 | -203, 207 -209, 2 14-2 I 5, 2 I 8. HS3, 8 l.
Conversion [171 /: AS, 145. DEr, 191,524,601. D82,145,309.D83,70,479,512.DE4,51,356,410,675,714 715.
HF, 17, 35, 49-50, 84, 138, 405, .140. +49,453,53,1, 539, 620. HS, t7,30,82,97,99, 163, 172, t74, 183, 191, 197, 199 209,
215-216,218,221,237 238,242-243,247,249,257,277,295-296,301 302,313,315,410.HS2,220.HS3,81-82.IDS,
70-71, 108, 149, 191. NC, 32, 148, 190. RR, 24,27 . SP, t25,184,2t4,242.
Alma, espírito, enfermidade. Nem a medicina árabe, nem aquela da Idade Média, nem
tampouco a pós-cartesiana admitem a distinção entre enfermidades do corpo e do espírito
(MMPS, 94).* Acoincidência exata entre o corpo da enfermidade e o corpo do homem do-
ente é um dado histórico e transitório (NC, 2). Yer: Clínicq. Analítica da finitude. Cada
uma das formas positivas pelas quais o homem apreende que é finito (o modo de ser da vida,
do trabalho e da linguagem) lhe é dado a partir do fundo da própria finitude. O modo de ser
da vida lhe é dado fundamentalmente pelo próprio corpo (fragmento de espaço ambíguo cuja
espacialidade própria e irredutível se articula sobre o espaço das coisas) (MC,326'327)..
Com o aparecimento do homem, esse duplo empírico-transcendental, surgirá um tipo de
análise que se aloja no espaÇo do corpo e que, mediante o estudo da percepção, dos mecanis-
mos sensoriais, dos esquemas neuromotores e da articulaçáo do organismo com as coisas,
constituem uma espécie de estética transcendental. Descobre-se, então, que o conhecirnento
tem uma natureza que determina suas formas e que the manifestam seus conteúdos empíricos
(MC, 330). Aphrodísia, dietética. Toda uma secção de Lusage des plaisirs está dedicada à
problemática do corpo ern relação com os aphrodísia na Antiguidade clássica (HS2, 109- 156).
'A preocupação principal dessa reflexão Ia dietética] era definir o uso dos prazeres (suas
condiçoes favoráveis, sua prática útil, sua rarefação necessária) em função de certa maneira
de ocupar-se de seu corpo" (HS2, l l2). De igual modo, uma secção de Le souci de soi se
ocupa do tema na época helenística (HS3, 119-170). "Nesse quadro, táo marcado pela
preocupaçáo com o corpo, a saúde, o meio ambiente e as circunstâncias, a medicina coloca a
questão dos prazeres sexuais: de sua naturezae de seu mecanismo, de seu valor positivo e
negativo para o organismo, do regime ao qual convém submeter-se" (HS3, 126). Carne, sexo.
Com a pastoral da carne, aparecerá um novo discurso que seguirá atentamente a linha de união
entre o corpo e a alma. Fará a malha da carne aparecer debaixo da superfície dos pecados
CORPO (Corps) B7
(HSl,28-29). Yer Carne, Sexualidade. Ciências humanas. Sobre o estudo dos mecanismos
de poder que investiram os corpos, os gestos, os comportamentos, há que edificar a arqueo-
logia das ciências humanas (D82,759). Cinema, sadismo. À diferença do sadismo (que
rompia sua unidade, fragmentava-o para o desejo), no cinema contemporâneo (Foucault se
refere a Schroeter), o corpo se desorganiza, converte-se em uma paisagem, em uma caravana,
etc. Não se trata de fragmentá-lo, mas de fazer nascer imagens para o prazer (DE2, 820).
Corpo do rei. * Corpo duplo, segundo Kantorowitz. Comporta um elemento transitório
que
nasce e morre e outro que permanece através do tempo (SP, 33). * É o extremo oposto do
panoptismo (SP,210). Corpo sem órgãos. Yer Deleuze. Corpo social, população. A
teoria do direito reconhece o indivíduo e a sociedade, o indivíduo que contrata e o corpo social
constituído pelo contrato voluntário ou implícito dos indivíduos. Nas tecnologias modernas
do poder, o objetivo não é o corpo sociai, tal como o deÍinem os juristas, mas o corpo múltiplo,
a população (IDS, 218). O corpo, do castigo à correção. "Se se Írzesse uma história do
controle social do corpo, seria possível mostrar que, até o século XVIII inclusive, o corpo dos
indivíduos é essencialmente a superfície de inscrição de suplícios e penas. O corpo estava
feito para ser supliciado e castigado. |á nas instâncias de controle, que surgem a partir do
século XIX, o corpo adquire uma significação totalmente diferente; não é mais o que deve ser
supliciado, mas o que deve ser formado, reformado, corrigido, o que deve adquirir aptidÕes,
receber certo número de qualidades, qualificar-se como corpo capaz de trabalhar" (DE2,618).
l) Suplício. Surveiller et punir começa com a descrição do suplício do parricida Damiens.
Foucault lhe contrapõe um horário que regula a utilização do tempo nas prisões. Entre uma
tecnologia punitiva e outra, o estatuto do corpo mudou. No suplício, o corpo era o objeto maior
da repressão penal; tratava-se de um enfrentamento ritual entre o corpo do rei e o corpo do
condenado. Segundo a definição de laucourt, um suplício é uma pena corporal, dolorosa, mais
ou mcnos atÍoz; a produção regrada e rituai de certa quantidade de sofrimento (Sp, 37 38).
O corpo é, ao mesmo tempo, o ponto de aplicação do castigo e o lugar de extorsão da verdade
(SP,46). Um corpo destruído parte por parte, reduzido a pó pelo poder infinito do soberano
(SP, 54). Mas, antes do castigo, o corpo supliciado se inscreve no cerimonial judicial que
produz a verdade (SP, 39); encontramos, assim, a confissão obtida por tortura. Na prisão, o
corpo se converte não no objetivo, mas no instrumento da punição. Se ele é enclausurado, se
se o faz trabalhar, é para privar o indivíduo de uma liberdade que se considera perigosa. "O
corpo, segundo essa penalidade, é colocado em um sistema de coerção e de privação, de obri-
gações e de proibições" (SP, 16). Mesmo na pena de morte, o contato corpo a corpo entre os
executores e o executado é reduzido ao mínimo; trata-se de alcançar a vida mais que o corpo.
E, no entanto, no sistema punitivo das prisões, sobrevive um fundo de suplício, um suplemen-
to de castigo que afeta o corpo: trabalhos forçados, má alimentação, abstinência sexual (SP,
21). 2) Contrato, marca. A reforma penal, que começa no flnal do século XVIII com Bec-
caria, Servaa, Dupaty e outros, inscreve-se, ao nível dos princípios, na teoria geral do contrato.
o criminoso aparece como o inimigo do pacto; não se enfrenta agora ao corpo do rei, mas
ao corpo social (SP,92). As penas serão calculadas não em razão do crime, mas de sua
repetição possível, para evitar a reincidência e, além disso, o contágio. Castigar se conver-
terá, então, em uma arte dos efeitos. Por isso, mais que a realidade corporal da pena, o que
deve ser maximizado é a sua representação. 'A arte de punir deve repousar em toda uma
88 CORP0 (Corps)
tecnologia da representação" (SP, 106). Os trabalhos públicos foram a pena especialmente
proposta pelos reformadores. "No antigo sistema, o corpo dos condenados se tornaYa coisa do
rei, sobre a qual o soberano imprimia sua marca e deixava cair os efeitos de seu poder. Agora,
ele será antes um bem social, objeto de uma apropriação coletiva e útil" (SP, I I I ). Por outro
lado, na punição se poderá ler as leis: assim, por exemplo, se se trata de um condenado à
morte por traiçáo, eie irá com uma camisa vermelha com a inscrição "traidor"; se de um
parricida, a cabeça será coberta por um véu negro e em sua camisa estarão bordados os ins-
trumentos que utilizou para o crime; se, de um envenenador, serpentes bordadas. "Elisão do
corpo como sujeito da pena, mas não necessariamente como elemento em um espetáculo"
(SP, 97). 3) Disciplina. A prisão não responde aos objetivos do castigo previstos pelos re-
formadores. No entanto, será ela que colonizará as formas da penalidade no século XIX. A
prisão constitui uma maneira de traduzir nas pedras a inteligência da disciplina (SP, 252).
Assim, embora Surveiller et punir Íenha por subtítulo "O nascimento da prisão I trata-se, na
realidade, de uma genealogia da sociedade disciplinar. Com a disciplina, nos séculos XVII e
XVIII, nasce uma arte do corpo humano que busca não apenas o acréscimo de habilidades,
nem tampouco o fortalecimento da sujeiçáo, mas a formação de um mecanismo pelo qual o
cgrpo se torna tanto mais obediente quanto mais útil, e vice-versa. Com as disciplinas, o
corpo entra em uma maquinaria que o explora, desarticula-o e o recompõe' Não se trata
de
obter corpos que façam o que se deseja, mas que funcionem como se quer, com as técnicas, a
rapideze a eficácia que se pretende deles. As disciplinas são, ao mesmo tempo, uma anatomia
política do corpo e uma mecânica do poder (SP, 139-140). A disciplina fabrica a partir dos
corpos que ela controla uma individualidade dotada de quatro características: celular, orgâ-
nica, genética e combinatória. "O corpo já não tem que ser marcado, deve ser direcionado; seu
tempo deve ser medido ou plenamente utilizado, suas forças devem ser continuamente apli-
cadas ao trabalho. A forma-prisão da penalidade corresponde à forma-salário do trabalho"
(D82,469). Para uma exposição detalhada da relação disciplina-corpo, ver o verbete Dlsci-
plina.Disciplina, soberania. Se tomarmos como referência o que em Le pouvoir psychia-
CORPO (Corps) 89
momento mais claro da verdade do corpo (NC, 135). ver Clínica. Poder, política. O corpo
vivente, o corpo individual, o corpo social e a população se converteram no verdadeiro objeto
da política moderna (IDS, 216). * O corpo não existe como um artigo biológico ou um mate-
rial, mas dentro e através de um sistema político (DE3, 470). Yer: Biopoder, Biopolítica.
Possessão. Para São Tomás, a liberdade é anterior à sua alienação pela possessão do demônio.
A possessão concerne apenas ao corpo, nele penetram os anjos maus; mas ela não afeta nem
o exercício nem o objeto da vontade, porque essa não depende de um órgão corporal. Com o
Renascimento, contudo, a possessão adquire um novo sentido, será possessão do espírito,
abolição da liberdade; não é mais perversão do corpo (MMPE, 77).Yer Loucura.Simesmo,
sujeito.*NaanálisedoAlcibíadeslosujeitoéoquegovernaocorpo,oqueseservedele
como instrumento (HS, 55). * No epicurismo e no estoicismo, à diferença do platonismo, o
corpo emergirá novamente como objeto de preocupação; ocupar-se de si mesmo será, ao
mesmo tempo, ocupar-se do corpo e da alma (HS, 104). * Na conversão helenística e romana,
à diferença da platônica, não se trata de liberar-se do corpo, mas que a preocupação pelo
corpo se torne um requisito para a adequação do si mesmo consigo mesmo (HS, 202). Ver:
Conyersã0, Cuidado.Instrumentos corporais de punição. Contemporaneamente à lei
francesa de 1838 sobre a internação psiquiátrica, assistimos a uma disciplinarização do espa-
ço asilar. Foucault mostra como o espaço asilar é reorganizado de acordo com os mesmos
princípios que animam a formalízaçâo disciplinar projetada por Bentham (PP, 103), isto é,
visibilidade permanente, vigilância centralizada, isolamento, punição incessante. * Quanto
aos mecanismos de punição, encontramos nessa época uma alternativa: coerção física ou no
restraint (segundo a expressão proveniente da Inglaterra em torno de 1840), ou seja, abolição
dos instrumentos físicos de punição e controle. Na realidade, na opinião de Foucault, trata-se
apenas de uma alternativa de superfície. De fato, nessa época encontramos uma maravilhosa
proliferação de novos instrumentos técnicos: a cadeira flxa, a cadeira giratória, a camisa de
força (inventada em 1790 por Guilleret, um tapeceiro de Bicêtre), as algemas, os colares com
pontas internas (PP, 106). Foucault se detém aqui na análise desses instrumentos que mani-
festam uma tecnologia específica do corpo. Antes do século XIX, os numerosos instrumentos
corporais podem ser agrupados em três categorias: 1) instrumentos que garantem uma prova
(cinturões de castidade);2) instrumentos para arrancar a verdade (o suplício da água); e 3)
instrumentos para marcar a força do poder (marcar com fogo uma letra no corpo). Mas os
instrumentos que proliferam no século XIX são de outro tipo, pertencem a uma quarta cate-
goria; trata-se de instrumentos ortopédicos, que buscam garantir o endireitamento, o ades-
tramento do corpo. Esses possuem três características: 1) são aparatos de ação contínua;2)
seu efeito progressivo tende a que eles se tornem inúteis (o efeito deve continuar quando re-
tirados); 3) são homeostáticos (quanto menos se resiste a eles, menos se os sente; quanto mais
se resiste, mais se os sente). "Vocês têm aqui o princípio do instrumento ortopédico que é,
penso, na medicina asilar, o equivalente ao que Bentham havia sonhado como forma da visi-
bilidade absoluta' (PP,108). corpo neurológico. Acerca do corpo neurológico e da emer-
gência, a partir desse, do corpo sexual, ver Psiquiatria.
Corps [j241]: AN,12,31,34,43-44,54, 56-58, 60-61, 64,71,74,76,80,84,87,91,95,100, 107, 109-1 1 1, 1 13, 1 16, 150,
1 r5, 1 65, 1 70- 171, 1 73 180, 183, 1 87- I 89, I9 1 - I 99, 20t 204,206-207,209-213,217 -218,221 227 ,231-236,238-243,249-2s4,
l-i6 158,267 268,271,281,289,295-297,308 310.45,36,47,57-58,69-72,78,1),0,112,t24-1,25,132, 138, 148, 1s3, 1s9,
90 CORPO r Corps)
170, )96-197,198, 213, 253. DEl, 70-71, 76,77,8t 8t, 85-86, 92 93,102,107, t22,133, l -17, 139, I.15, 151, 185, 189, 216,
218,220 222, 224-225,230,233, 240,246, 249, ).51 254, 256-257, 259, 262,264, 269,277, ZB3,3t t' , 325,327 , 334-336, 37 4,
39 t, ,392, 398, .113, 434, 440 -441, 165, 472, 176, 481,484-,185, ,188-489, 19t, 496,504, 507, 5 r 3, 522-523, 527 , -530, 536, 538,
540, 5s7, 559, 56ó, s7 l, 577, 596. 621,626-628, 630 632, 616, 649, 678, 685, 689, 704,7 t2-7 13,722,729,736, 754_756. 760,
764 765,767 ,800, 843-844, 846. DE2, 12, t8-23,29, 41, 53,74-75,78-83,85, 86, 1I 3, 120, 1 33, 1 39- 1 40, 142 145, 147 , r49,
l5l,155,186,200,203,226227,229,241,)43,245,217,251,253256,259,262-266,281,188,290,314,321,)27,356,377,
384.387,402404,431,447450,453,457.467,468470,475,477,495,513,520,522523,537,547,551,575,583,590,600,
608-609, 61 2, 6 1 7-61 8, 620, 622, 637 ,6,10, 643, 662, 677 , 69s-697, 699,703,7 1.2,7 t7 ,722-724,727.728,7 41 -7 42,754-7 57,
759.763,766'767,769.771 772,77s,773-779,781, 798,803-U05,807,810-81 1,81s,818-822,824 827. DE3,8- 10, 14, 16-21,
23-25,27,36,37,41-43,51,54-55,64,66,86 87,89, 104, n2, 115-116, 1 18, 121, 126, 128, 132, 135, 139, 149 153, 159, 163,
165 t66,r72,176-182,184-187,190-191, 195-196, 198 200,201-204,208-211,214 2\6,)20,222,227 228,2!-232,234 )35,
247,249,25r.255,258-259,26t-262,261.270,272 273,284,286,288,304, 310, 313, 3.2.2,333,337-338, 347,353 351,372,
376, 378-380, 382, 386, 397, 41 1, 4 14, 420-421,424-42s,432,434-435,437 ,442,450,454,469-470,478,487 ,494,504, s r 5-5 16,
-524-528, -538. 541-542, s16, tO9-559, -§-53, 56s--566, 575, -582, 585 587, 591, s92 594, 616,621 622,631-632,646,654, 666,
672,675,680,726,730734,736737,740.DF4,16-18,23,28,36,55,63,81 82,87,102,112,116-117,119,121,150-151,152,
157,\66,171,173 175, 183-184, 186-187, 190 191, 193-194, t96,200,213,217,226,231,233,236,239,243,246,248,252,
256,257,272,296-298, t0 r -305, _il7, 309, -3 16, 330, -3.12 333, i45, 354, -r57, 371, 392, 396, 398, 399, .1 1 5-4 16, 421, 427 ,429-430,
450,458,467,468 469,471,475476,478,480,482,485,487,511,517,543,548-550,553-555,571,s77,582,601,6\7,621,
638,643,672-673,7 10,730,732, /'37 -738,7 43,750,758, 766, 768 769,77 6,784 785.787,79t,794, 8 1 7. HF, 9, 27, 35, 36 37,
67-68,84,90, 115, 119-120, 123, 167, 181, 195,201..204,229,23t,236,238,239,243,256 257,26t,262,268-276,278 279,
2tt0, 282-285, 288-292,294-296,300,303 305, 309 310,321-322.327 32e, 335-338, 341 342. 353-35.5. 358 370.372-375,377 .
380-385, 389, 392-39-r, 39-5 396, 398-402, 407 4t3. 4t9, 422, 427, 416-447, 456, 459, 462-163, 470, s 10, 5 I 7, 528-s:9, s.10,
544-546, 561,562, 588, 594, 624, 634, 641 642, 645, 648, 654-656, 667 , 673-67 4,684, 686. H5,22-24,26,38, 49, 54 61, 64,
72, 82,92-97, t 02- I 04, 1 r 3, 117 ).19, 122, 156, 166, 175-177, 179, 197,201'202, 215, 239, 262,269, 272-273,291,309, -3 I 3,
318-y.9,323,326-328, -13 l, 335, 34 1 - 342,350 352,377,38 l, i95-396, 399, 403, 408-4 1 1, 4-38. HSr, 9- 1 0, 12,11,28-30,32,59,
60 62,64 66,73,77 -78,82,86,97, 102-103, 117,119, 121 122, 124,127,128, 1 30. 1 37 142, 148, 1 50, 152,154-155, 160-170,
t78 180, 183-189, 19t-194,197.199,200-202,205-206,208,210-21r. HS2, l-5,21,23-24,28,30,39,14,19 50,52,54,58-60,
64,67 ,68-69,79,84-85,91-92,103-t07, 112,1t6-123, t25-139,141 - 149, 15 1, I 53- 1 55, 163- I 64, 170, 175,177 ,179- I 80, 193,
220,228,230,232,234,25t,256-258,261 262,265,276,278. HS3, 22-24,27,33,35-37, 40, 43, 47, 53, 55, 60, 66,70-7 4,83,
1 06, 1 15, 1 19, t22-126, t28-t35, t 38, 140- 142, 144, 146, 148- r 50, 1 52- 16 1, 163- 165, t67,169,179.196,211-213,233,235 236,
§r CRISTIANISMO (Christianisme)
CRISTIANISMO (Christianisme) 91
e apenas uma religiâo de salvação, mas também uma religião confessional que, muito mais do
que as religiões pagãs, impõe obrigações muito estritas de verdade, de dogma, de cânon' (DE4,
804). O interesse foucaultiano pelo cristianismo passa fundamentalmente por tais obrigações de
verdade que foram forjadoras das formas da subjetividade e do poder no Ocidente, inclusive para
além das instituições do cristianismo. Doença mental, loucura. * O cristianismo despojou
a doença mental de seu sentido humano e a pensou em termos de possessão demoníaca. Mas
a possessão, por exemplo, para São Tomás, concernia somente ao corpo, não à vontade nem à
liberdade (MMPE, 77 -78). * O grande tema renascentista da loucura da cruz tende a desaparecer
ou a transformar-se durante a época clássica; não se tratará, então, de humilhar arazáo em seu
orgulho, mas apenas uma falsa razão. Depois de Port-Royal, há que se esperar por Dostoievsky
e Nietzsche para queCristo recupere a glória de sua loucura (HF,204).Yer: Loucura. Carne.
O tema da carne, para Foucault, define a experiência cristã do homem de desejo. Yer: Carne,
Aphrodísia.Práticas de si mesmo, confissão. Com o monasticismo, as práticas de si mesmo
*
foram incorporadas ao poder pastoral. A elaboração cristã das técnicas da confissão constitui
um momento fundamental na história da sexualidade e da subjetividade ocidental em geral. Ver:
Cuidado,Práticas de si mesmo,Confissão.Poderpastoral. "Precisamente, nahistória que tento
fazer das técnicas de poder no Ocidente, das técnicas que concernem ao corpo, aos indivíduos,
à conduta, às almas dos indivíduos, fui levado a dar um lugar muito importante às disciplinas
cristãs, ao cristianismo como formador da individualidade e da subjetividade ocidentais . .
[. ]"
(DF-3,592).Yel Poder. Paganismo, Nietzsche. "[...] entre o paganismo e o cristianismo, a
oposição não é entre tolerância e austeridade, mas entre uma forma de austeridade que está ligada
a uma estética da existência e outras formas de austeridade que estão ligadas à necessidade de
renunciar a si mesmo decifrando sua própria verdade" (DE4, 406). "Sim, creio que
[Nietzsche]
cometeu um erro atribuindo isto Iao ascetismo cristão o mérito de fazer de nós criaturas capazes
de prometerl ao cristianismo, dado tudo o que sabemos da evolução da moral pagã do século IV
a.C ao século IV d.C" (D84,406). Yer: Aphrodísia,Etica.
christianisme l33r l: AN, 64, 159,191,27 4.DE t,306-307,326,337,521,632.D82,144. DE3, ro3, t62,219,230,234,
215,257,37 t, 112, 527, 548,5,19, 558,560, 562-566, 587 , 592,593, 621,693 694,709,7 19,790. Df.4,1 08, 126, I 39, 14,1 I 48,
t71 174,176,215-216,229,288,290,307 308,310,320,384,396-397,399,402,404_406,408_409,417,s07,544,545_547,551_
553, 559--56 l, 572, 611,62r-624,626,629,633,653,657,661,669,672-6 /'3,697 ,699 700,702,706,7 12,7 \7,731,784, 804-806,
812-8r3.HF,201,207,610.HS,11,15,21,28,65,79,105,116 lt7,tlg,t73-174,178,183,199,202,208,218,220,228.240.
245 217,281,312, 314, 340,345,37 4,378,381, 389-390, 393, 402-404, 419, 427 428, 461. HSr, 1 49, I 53, I 54, 2t 0. HS2, 1 5,
17,18,20,26-27,29,37-39,74,156,201,274,278. HS3, 149, 168,214,2s1,269 271,273. IDS,6. MMPE,78. Sp,58.
A expressão " souci de sol" (título do terceiro volume de Histoire de la sexualité) traduz
o grego "epiméleia heautoú" (em latim "cura sui"); 'tuidado de si mesmo,,parece a melhor
tradução para o português. o tema do cuidado de si foi consagrado por Sócrates; a filosofia
posterior o retomou e, na medida em que ela mesma se concebeu como uma arte da existência,
a problémática do cuidado ocupou o centro de suas reflexões. Esse tema acabou ultrapassando
os limites da filosofia e alcançou progressivamente as dimensões de uma verdadeira cultura do
CUIDADO DE Sl rFpimeleta.5ouci\ 93
autof,nalizaçáo do cuidado de si. 3) Em relação às técnicas do cuidado, não se trata só nem
fundamentalmente de conhecimento, mas de um conjunto muito mais vasto de práticas (HS,
79-84). * Assim, se acentuará a função crítica do cuidado de si mesmo. Há, em Platão, uma crí-
tica à pedagogia; pois bem, é esse elemento que irá se acentuando e se reformulando. Trata-se,
agora, de uma correção-liberação. Aprender a virtude é desaprender os vícios. O tema da desa-
prendizagem é frequente nos estoicos. Aqui nasce também a oposiçáo entre o ensino da filosoÍia
e o ensino da retórica. Produzir-se-á, por outro lado, uma aproximação entre a filosofia e a me-
dicina. A própria prática ÍilosóÍica é concebida como uma operação médica. Aqui se situa a
noção fundamental de therapeúein (therapeúein hequtón: curar-se, ser servidor de si mesmo,
render culto a si mesmo). O vocabulário do cuidado de si haverá de se enriquecer marcadamen-
te. * Também nos encontramos com uma revalorização da velhice. Na época helenística, a velhi-
ce passa a constituir um momento positivo, de realizaçáo, a culminação de toda essa longa
prática que o indivíduo deve realizar. O ancião é quem é soberano de si mesmo. A velhice, então,
deve ser considerada como um objetivo positivo da existência. * Modifica-se também a posição
do 'butro" na prática do cuidado. A ignorância segue desempenhando um papel importante,
mas, em primeiro plano, encontra-se agora a má-formação do indivíduo. Nunca, nem antes de
seu nascimento, o indivíduo teve com a natureza uma relação moralmente válida, de vontade
racional. Mais que superar a ignorância, então, trata-se de passar do estado de não sujeito ao
estado de sujeito. Consequentemente, o mestre não é mestre da memória, mas o guia, o diretor
da reforma do indivíduo. Encontramos, pelo menos, três formas dessa relação com o outro. O
epicúreo Filodemo de Gádara fala da necessidade de um /z egemón e de dois princípios que devem
vincularodiretoreodirigido,ointensoafetoearelaçãodeamizade,eumaqualidadeessencial,
a parresía. O modelo comunitário dos estoicos é, em todo caso, menos rígido. A escola de Epi-
teto, em Nicópolis, é como um internato, onde não se comparte a totalidade da existência. A
presenta do outro está assegurada pelas reuniões frequentes. A forma romana: o conselheiro,
alguém que é recebido na casa de uma pessoa importante, para que o guie e o aconselhe e que,
além disso, cumpre as funções de um agente cultural. * Finalmente, é necessário assinalar a
extensão social do cuidado de si mesmo. A figura do filósofo, desde a Antiguidade, foi uma figu-
ra socialmente ambígua e frequentemente deflagradora de suspeições e suspeitas. Na época
helenística e imperial, alguns
- como, por exemplo, Atenodoro (personagem da corte de Augus-
to) -
incitavam a uma despolitizaçáo da vida. Parece que o próprio Augusto tornou suas essas
ideias. Outros, como o epicúreo Meceno, sustentavam a busca de um equilíbrio entre a vida
política e o otium. Contudo, para além de qual tenha sido a posição acerca da participação do
filósofo na vida política e social, assistimos a uma extensão social do 'tuidado de si mesmo I uma
propagação das práticas de si mesmo que vai muito além do papel do filósofo profissional. * No
estudo do cuidado de si na época helenístico-romana, Foucault aborda numerosos autores e
temas: Fílon (a questão dos terapeutas), Sêneca (a noção de stultitia), Plínio, Proclo e Olimpo-
doro (comentários neoplatônicos do Alcibíades I), as noções de conversão e salvação, Epicuro,
Filodemo de Gádara (a questão da parresía), a noção de ascese, Marco Aurélio (o exame de
consciência), Plutarco, etc. As quase quatrocentas páginas que se seguem à análise do Alcibíades
I, em Lherméneutique du sujet,estão dedicadas ao estudo do cuidado de si na época helenís-
tica e romana.4) Cristianismo. Com o cristianismo, as práticas de si mesmo foram integradas
ao exercício do poder pastoral (especialmente as técnicas de deciframento dos segredos da
Souci [829]: AN, 146, 231,233-234,261. A5,32,54,105, 123,213, 221,259,265. DEl,68, 120,203,263,267,429,
527 -528,530,540-541,575,582,654 689, 802. DE2, 10,7 1,136, 156, t91,207 ,212,234,293,326,483,511,673,707 .D83,
15, 19,31,75, 101-102, 105, 191,229,277,326,330,373,397,437,570,586,697,732,783. DE4, 11, 108, 142, 149,153,
213-215,230,317, 353-357, 385, 390, 400 403, 405, 409 ,415,420-42t ,462.532,536,539,544, 546, 553, 555, 609, 6 1 1, 61 5,
Foucault recorre à obra de Cuvier para descrever o nascimento da biologia eo modo de ser da
üda na episteme moderna. Ve r: Biologia, Episteme moderra.
* "Cuvier
liberou a subordinação dos
caracteres de sua função taxonômica, para fazê-la entrar, para além de toda classificação eventual,
nos diferentes planos de organização dos seres viventes [. . . ] O espaço dos seres viventes gira em
torno a essa noção [de organização] e a
tudo o que havia podido aparecer, até agora, através da
quadricula da história natural (gênero, espécies, indivíduos, estruturas, órgãos), tudo o que se
oferecia ao olhar ganha, a partir de agora, um novo modo de ser" (MC, 275-276).
GeorgesCuvier[256]:A5,187,i88,221,227,245.DE1,499,791,806. D82,273t,33-36,3862,66,100,222,
-109. DE3,28,222,410. MC, 14,71, 149, 150, 157, 163,241,241,264 265,275_280,282_290,293_294,306_307,309 310,
,r18. -123,396.
96 CUVIER, Georges
:**. DARWIN, Charles (1809 1BB2)
Cuvier, espécie. A espécie para Darwin não é uma realidade originariamente primeira e
analiticamente última, como é para Cuvier. Para Darwin, é difícil distinguir entre a espécie
e
a variedade (DE2, 30). População. Darwin foi o primeiro a ocupar-se dos seres viventes ao
nível da populaçáo e não da individualidade (DE2, 160)'
charles Darwin I7sl: AS, 50, l,170,204,567 ,658,696,717 ,791,845. DE2, 30-3 1,
136-137 ,166,1 87, 1 90, 200. DE
33,3536,4445,54-56,58,60,66,100,I60,163,t67,269,335,409.DE3,48,156,471DE4,41'5.HF,406,36-37 IDS,
s2, 229. }/C, 14, 139, 166. MMPE, 36-37.
DEGENERAçÃo (Dégénérescence) 97
Anormalidade, psiquiatria. A noção de degeneração permite isolar, recortar uma zona
de perigo social e dar-lhe, ao mesmo tempo, o estatuto cle enfermidade (AN, 110).. A
degeneração é a peça teórica mais importante da medicalização do anormal (AN, 298).
* A figura do degenerado permitirá um relançamento formidável do poder psiquiátrico (AN,
298). Doença mental. Com a psiquiatria do século XIX, com Morel, a enfermidade mental
será pensada em termos de degeneração (HF, 614). Representantes. Foucault se refere aos
seguintes autores: B.-4. Morel, Traité des dégénérescences physiques, intellectuelles et morales
de lbspàce humoine, et des couses quí produisent ces varíétés maladives, Paris, 1857;Y.
Magnan, Leçons cliniques sur les maladies mentales, Paris, 1893 ;M. Legrain & V. Magnan,
Les Dégénérés, état mentol et syndromes épisodiques, Paris, 1895.
Dégénérescence I70l: AN, I I0, 125, 1 55, 180,223-221,27 1,297 -301,307,3 1 l . 45, 56, 99. DE2' 143, 1 63, 355, 359,
HF, 170, 174,570, 61'1, 6'1'1 HS1, 41, 56, 156'158, 171 i72, 198.
758. DE3, 308, 314, 323-,125, 419,45,1, ,156,'158 4.59.
IDS,53,225,235,250,258. NC, 161, I7l. OD,34. SP,295.
"Mas um dia, talvez, o século será deleuziano" (DE2, 76). Diferença e repetição, Lógi-
cq do sentido. Foucault apresenta Dffirence et répétition de Deleuze nesses termos: "Hou-
ve a filosofia-romance (Hegel, Sartre), houve a fiiosoÍia-meditação (Descartes, Heidegger)' Eis
aqui, depois de Zaratustra, o retorno da filosofia-teatro. Não como reflexão sobre o teatro,
tampouco teatro carregado de significações, mas como f,losofia convertida em cena, Persona-
gens, signos, repetição de um acontecimento único e que não se reproduz nunca" (DE1, 768).
"Theatrum philosophicum"
" Ã Dffirence et répétition e à Logique du sens dedica também
*
(D82,75-99; de75 aST,Logique du sens e depots Différence et repetition). Como sabemos,
a obra cle Deleuze âpresenta-se como uma inr.ersào do platonismo, porém não restituindo os
direitos à aparência, mas através do estbrço por pensar o impalpável fantasma e o aconteci-
mento incorporal. É nesse sentido que Deleuze se dirige ao epicurismo e ao estoicismo. Para
os primeiros, os fantasmas são pensados como emissoes que vêm da profundidade dos corpos,
efeitos de superfície que topologizam a materialidade do corpo. Porém, não a partir do dilema
verdadeiro / falso ou ser / não ser, mas como "extra-s eres". Logique du sens é, por isso, o iivro
mais afastado da obra de Merleau-Ponty, da Phénoménologie de la perception Aí, o corpo-
organismo estava ligado ao mundo por uma rede de signiÍicações originárias que a percepçào
mesma das coisas fazia aparecer. Para Deleuze, o organismo forma o incorporal e a impene-
trável superlície do corpo, a partir da qual as coisas se afastam progressivamente. Trata-se de
uma física concebida como discurso da estrutura ideal dos corpos; de uma metafísica, como
discurso da materialidade dos incorporais (fantasmas, ídolos, simulacros) (DE2, 79)."t...1
uma metafísica liberada da profundidade originária como ente supremo, mas capaz de pensar
o fantasma fora de todo modelo e no jogo das superfícies; uma metafísica onde náo se trata
do Uno-Bom, mas da ausência de Deus e de seus jogos epidérmicos da perversidade" (D82,
80). Para Deleuze, trata-se de retirar a ilusão dos fantasmas e, nessa tentativa, se cruza com a
psicanálise (como prática metafísica) e o teatro (das cenas fragmentadas, que não representam
nada), com Freud e Artaud. * Nos estoicos, Deleuze busca um pensamento do acontecimento.
98 DELEUZE, Gilles
"
[. .. ] no limite dos corpos profundos, o acontecinrento é um incorporal (superfície metatisi-
ca); na superfície das coisas e das palavras, o incorporal-acontecimiento é o sentido da pro-
posição (dimensão lógica); no Íjo do discurso, o incorporal sentido-acontecimento está ali-
nhavado pelo verbo (ponto infiuitivo do presente)" (D82,83). " O neopositivismo, a
fenomenologia e a filosoÍia da história foram tentativas para pensar o acontecimento. Porém,
o primeiro o reduziu a um estado de coisasi a segunda, ao sentido para uma consciência; a
terceira, ao ciclo do tempo. "Uma metafísica do acontecimento incorporal (irredutível, pois,
a uma física do mundo), uma lógica clo sentido neutro (mais que urlla tênomenologia das
signiÍicações e do sujeito), unr pensamento do presente inÍinitivo (e não a substituição do
tuturo conceitual na essência do passado), é isto o que Deleuze, me parece, nos propõe para
retirar a tríplice sujeição na qual é mantido o acontecimento, aindar em nossos dias" (DE2,
8,1). * Finahnente, Deleuze se propÕe a pensar as ressonâncias entre essas duas séries: acon-
tecimento/fantasma, incorporal/impalpável; no entanto, não a partir de um ponto comum,
mas em sua desunião. "Depois de tudo, nesse século XX, o que há para pensar de mais impor-
tante que o acontecimento e o lautasrna?" (DE2, 87).- Difiérerrce et réPétitiorz constitui um
esforço para pensar a diferença para além do conceito, da representação e cla dialética. Desde
a perspectiva do conceito, a diferença aparece como especificação, e a repetição, como a indi-
ferença dos indivíduos. Em uma ÊlosoÍra da representação, cada representação nova deve
estar acompanhada de representaçoes que desdobrem todas as semelhanças; a repetição será,
então, o princípio de ordenamento do semelhante. A dialética, por sua vez, não libera a diÍ'e-
rença, e sim garante que será sempre recuperada. "Era necessário abandonar, em Aristóteles,
a ider"rtidade do conceito; renunciar à sernelhança na percepção, liberando-se, de uma vez, de
toda filosofia da representação; eis que, agora, é necessário desprender-se de Hegel, da oposi-
DELEUZE, Gilles 99
encontra-se uma discussão entre Foucault e Deleuze acerca dos intelectuais e o poder ("Les
intellectuels et le pouvoir"), cujos pontos relevantes são os seguintes: * As relações entre a
teoria e a práxis são parciais e fragmentárias. O intelectual teórico deixou de ser um sujeito,
uma consciência representante ou representativa. Aqueles que lutam deixaram de ser repre-
sentados. Quem fala e quem atua é sempre uma multiplicidade, mesmo na pessoa que fala ou
atua (DE2, 307-308). * Os intelectuais descobriram que as massas não têm necessidade deles
para saber; elas sabem perfeita e claramente. Mas existe um sistema de poder que impede e
invalida esse discurso e esse saber. O papel do intelectual é lutar contra as formas do poder ali
onde é, ao mesmo tempo, objeto e instrumento, na ordem do saber, da verdade, da consciên-
cia, do discurso. Trata-se de uma prática local e regional, não totalizante (D82, 308). * Uma
teoria, seria, então, uma caixa de ferramentas. * Nossa dificuldade para encontrar formas
adequadas de luta provém de que ainda ignoramos o que é o poder. A teoria do Estado, as
análises tradicionais dos aparelhos de Estado não esgotam o campo de exercício e de funciona-
mento do poder (DE2, 312). * A generalidade da luta não se logra sob a forma da totalização. O
que faz a generalidade da luta é o sistema mesmo do poder, todas suas formas de exercício e de
aplicação (D82,315). Genealogiado capital. Em D82,452-456, seencontraráuma discussão
entre Foucault, Deleuze e Guattari a propósito da publicação de Généalogie du capital, t. I: Les
équipements du pouvoir. "O papel do Estado será cada vez maior: a polícia, o hospital, a sepa-
ração louco / não-louco; e depois a normalização. Quiçá a indústria farmacêutica se encarregue
dos hospitais psiquiátricos ou das prisões quando os internados forem tratados com neurolép-
ticos. [Tratar-se-á da] desestatização dos equipamentos coletivos que haviam sido o ponto de
ancoragem do poder do Estado' (D82,456).Édipo, psicanálise. Deleuze e Guattari (Capita-
lisme et schizophrénie, t. I, IAnti-Oedipe, Paris, 1972) mostraram que o triângulo edípico
pai-mãe-filho não é uma verdade intemporal nem uma verdade profundamente histórica de
nosso desejo, mas uma maneira de conter o desejo. Édipo não é o conteúdo secreto de nosso
desejo, mas a forma da coerção psicanalítica (DE2, 553-554). * O essencial no livro de Deleuze
é o questionamento da relação de poder que se estabelece, na cura psicanalítica, entre o psica-
nalista e o paciente; relação bastante parecida à que existe na psiquiatria clássica. Deleuze des-
creve a psicanálise como uma empresa de refamiliarização (D82,623-624). * O que há de inte-
ressante na análise de Deleuze é dizer que Édipo nao é nós, é os outros, esse grande Outro: o
médico, o psicanalista. A psicanálise como poder, isto é Édipo (D82,625). "O livro de Deleuze
é a crítica mais radical que já se fez da psicanálise. Uma crítica que não está feita desde o ponto
de vista da direita, de uma psiquiatria tradicional, em nome do bom sentido, em nome, como
foi o caso de Sartre, da consciência, da consciência cartesiana. Em nome de uma concepçào
extremamente tradicional do sujeito. Deleuze a fez em nome de algo novo. E, com bastante rigor,
provocou um desgosto físico e político à psicanálise" (DE2, 777).* Fotcatlt escreveu o prefácio
à edição estado-unidense de lAnti-Oedipe (NewYork,1977) (D83, 133-136). Deleuze e Guat-
tari combatem três inimigos: 1) os burocratas da revolução e os funcionários da verdade, 2) os
técnicos do desejo (psicanalistas e semiólogos), 3) o maior inimigo, o adversário estratégico, o
fascismo, não só o de Hitler ou Mussolini, mas o que está em nós, em nosso espírito, em nossa
conduta (DE3, 134). Propõe-se, com isso, a liberar a ação política de toda forma de paranoia
unitária e totalizante; fazer crescer a açào, o pensamento e os desejos por proliferação, não hie-
rarquicamente; liberar-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração), preferir
I 00 DELEUzE, ciiles
o que e positivo e múltiplo; não imaginar que é necessário estar triste para ser militante;
não utilizar o peusamento para dar a uma prática política valor de verdade; não exigir da
política que restabeleça os direitos do indivíduo tal como foram definidos pela filosofia; não
se enamorar do poder (D83, 135-136). Nietzsche. "Em todo caso, se Deleuze escreyeu um
livro soberbo sobre Nietzsche, no resto de sua obra, a presença de Nietzsche é certamente
sensível, mas sem que haja nenhuma referência estridente nem nenhuma vontade de levan-
tar alto a bandeira de Nietzsche para alguns efeitos de retórica ou alguns et'eitos políticos"
(D84, 444). * Foucault escreyeu junto com G. Deleuze a introdução geral às Oeuvres phi-
losophiques complàtes de Nietzsche (DEl, 561-564). Genealogia. A genealogia se propõe
à reativação dos saberes locais, menores, como diz Deleuze, contra a hierarquizaçâo cien,
tífica do conhecimento (IDS, I 1).
Gilles DeleuzeII3ll: AN, 271.D87,549,561, 573,767 77t,775.DBz22,7s-81,84,86 B7, et, es. e8, 1e8, zo.1
205,306 307,309,311,313-315,392,139,452,454,523,553-554,623-628,632,634,642,644,777,779.781 782,815 816.
DE3, 133, 1.35-136, 162, \67,425,582,588 590, 625 626,717. DE4,433, 436,436-437,444-445,696. IDS, 11,20. PP,
88. SP, 29.
Classe. "Se se entende por democracia o exercício efetivo do poder por uma população
que náo está dividida nem ordenada hierarquicamente em classes, é perfeitamente claro que
estamos muito longe dela. É tambem claro que vivemos em um regime de ditadura de classe,
de poder de classe que se impõe pela violência, ainda que os instrumentos dessa violência
sejam institucionais e constitucionais" (DE2, 495). Mercado. Dependemos de uma demo-
cracia de mercado, do controle que provérn da dominaçâo das forças clo mercado em uma
sociedade desigr"ral (D82, 497). Grécia. Antígona e Electra de Sófocles poden ser lidas
como uma ritualização da história do direito grego, a história do processo através do qual
o povo se apodera do direito de julgar, de dizer a verdade, de opor a verdade a seus chefes.
Esse direito foi a grande conquista da democracia grega (D82,571). Controle, vigilância.
Quanto mais democracia, maior a vigilância. Uma vigilância que se exerce quase sem que as
pessoas se deem conta, pela pressão do consumo (D82,722). * Foi a democracia, mais do
que determinado liberalismo que se desenvolveu no século XIX, o que aperfeiçoou técnicas
extremamente coercitivas. Elas foram a contrapartida da liberdade econômica; não se podia
liberar o indivíduo sem discipliná-lo (D84, 92). Liberalismo. A democracia e o estado de
direito náo sâo necessariamente liberais, nem o liberalismo é necessariamente democrático
ou está ligado ao estado de direito (DE3, 822). Socialdemocracia. A concepçào suposta-
mente marxista do poder como aparato do Estado, como instância de conservação, couro
superestrutura jurídica é encontrada essencialmente na socialdemocracia europeia do final
do século XIX. O problema da socialdemocracia era como fazer Marx funcionar dentro do
sistema jurídico da burguesia (DEa, 189).
Déntocratie [59]:DEt,615.D82,3.10, 384, 195. +97,513. 571, 702,72t 722.. DE3, 184, 280,614, 623,626,692,
721.822. D[,4, 49. 78, 92, I 89, 3.14, 3e2, 500, 504, 52 l, 587 ,617,751. HS, 130_131. 159. HS2. 242. IDS, 30, 180- 1 81, 185,
190, 234. PP, 78. SP,245, 293.
em conta as relaçÕes de poder que existem na sociedade onde esse discurso funciona" (DE2,
401;. * 'n ' alguns anos, havia na França um costume 'a la Heideggerl diria: todo filósofo que
fazia uma história do pensamento ou de um ramo do saber devia partir pelo menos da Grécia
arcaica e sobretudo nunca ir mais além. Platão não podia ser senáo a decadência a partir da
qual tudo começava a cristalizar-se. Esse tipo de história, em forma de cristalização metafísi-
ca estabelecida de uma vez por todas com Platão, retomada aqui na França por Derrida, me
parece desolador" (DE2, 521).
lacquesDerrida[107]:D81,101,813,815.DE2,245,247218,250,252-258,262267,281-29s,409,s21.DE4,
,146. HS, 26, 351. PP, 295.
5+0,547,519,751.DE3,10,4-r1,433,571,5q0.D84,.52,1ó9,231,.110--1t1,'146,6i0-6J1,67e-6E0,71-i,767,711e,u10.HF,
67,69-70,186-187,210,136,289,294,311,337,366,375,412,414.431,137,638.HS,19,25 28,30,183,281.296,340-'+',11.
MC,65,ô6,84, 138,140, 217,260,314,33.1 335, i57. NC, IX. PP,29, -i8, tl0, t39,184,295. SP, li8
Na obra de Foucault, encontramos numerosíssimas referências ao tema do desejo, sem que ele
nos ofereça ou pretenda fazer uma teoria do desejo. Mas cada um dos campos de análise de Foucault
deu lugar a considerações acerca do desejo. Saber. 1) representação. O fim da episteme clássica
coincidirá com o retrocesso da representação com respeito à linguagem, ao vivente, à necessida-
de. e do desejo escapará ao modo de ser da representação (MC,
A força surda da necessidade
*
222). A psicanálise serve-se da relação de transferência para descobrir, nos confins exteriores
à representação, o Desejo, a Lei e a Morte (MC, 389). Ver: Episteme clássica.2) Finitude. No
fundo de todas as empiricidades que mostram as limitações concretas da existência do homem,
descobre-se uma finitude mais radical que está dada pela espacialidade do corpo, pela abertura
do desejo e pelo tempo da linguagem (MC, 326). Yer: Homem.3) Psicanrilise, psicologia. * À
diferença das ciências humanas (a psicologia, a sociologia, por exemplo) que se movem no âmbito
da representação, a psicanálise ayança para uma região em que a representação fica em suspenso.
Nessa região, esboçam-se três figuras: a vida, que com suas funções e suas normas vem fundando-
se na repetição muda da Morte; os conflitosregras, na abertura nua do Desejo; as significações
e as
e os sistemas em uma linguagem que é, ao mesmo tempo, Lei (MC, 386). * A psicanálise se serye
da relaçáo de transferência para descobrir, nos confins exteriores à representação, o Desejo, a Lei
e a Morte, que designam no extremo da linguagem e da prática analítica as figuras concretas da
finitude (MC, 389). Poder. l) Repressão, poder, lei. * No tema geral do poder que reprime o sexo
e na ideia da lei como constitutiva do desejo, encontra-se uma mesma suposta mecânica do poder,
102, 1 16, 145, 16l,164,226,232,).42-243,314,325,3s5,365,375.377,386, 395, 447,448, s16, s42, 547, s47, ss3-ss5, 6l 1,
623621,626 628,63s,639,611,644,651,65365-5,660,664,678,692,695,707,710,713-714,746,754,757,769,772,779,
814-815,819-820,825-826.DE3,21,54,83,90-91,98,104,133 135,149,227,262,265,280,-103,-163,381-382,422,421,470,
174,517,526-527,553-556, 559, 568,594,603,617,628,733, t-47,781,783.D84,79, 108, 121, 148-149, 163-16,1, 175, 183,
198,205,215,24,1,246,248,25]l-252,295-297,303,310,313,316-317,320,326,333,352,386,389-397,399-401,,145,467 169,
529, 533, 540 542, 546, 552. 557,583, 592, 605, 608, 61 1, 614, 616 617 , 619 620, 622, 633-634, 637 , 657 ,661, 663, 668, 672,
705,710711,717-718,730,735,738,751,783,802,810-811.HF,35-38,76,122,137 138,221,231,372,384,413,423-126,
152-453,460,466 467,636,639,643,657-659,671. HS,41,49,84,88, 134, 211 212,2t-4,330-331,363,405,413 414. HSl,
20,28,30,32-33,63,103,107 109,112,11,1,118,14,1,149-1-50,170 172,198,207-208.HS2,10-13,18-19,27,34,'18,50--55,
59.62,65,66,78,81,89,98, r00-103, 106, 151-152, 155, 162, 180, 186,208,210,2\2,218,226,244,216,248,252-253.25s,
261,263,265,267 269,278.}153,22-25,60,81,83,8,1 85,97-98,128-I30,136,145, I50, I55, I57-160,162,165, I67, I79,193,
229,232,238,25t-252. IDS,36, 108, 132. MC, 107, 121, 134, 184-185, 187, 203-204,22r 224,235-237,250,255,269,320,
325-326,373,386 387, 389. MMPE, 26,38,42-46,49,66. MMPS, 26, 38, 42 46, 49, 66. NC, 16, 84. OD, 8-9, 12,15,22-23,
48.80. PP,6l, 102,1.07,1.74 :l75, 18,1-185, 189,275,293. RR, 183, 199. SP, 108, 114, 124,182.243,252,272,310.
: .-:=. D E S PS I Q U I AT R I ZA Ç AO (D e p sy c h i a t r i s a t i o n)
1 06 DESPStQUtATRIzAçAo lDepsychiatrisation)
próprios c1o espaço asilar: regras do "cara a cara' entre médico e paciente (livre contrato entre
paciente e médico); regras da liberdade discursiva; regras do divã (que só concede realidade
aos efeitos que se produzem ali). Em poucas palavras, a psicanálise foi a outra grande fbrma
de psiquiatrização. 'A essas duas grandes tbrmas de despsiquiatrizaçâo, arnbas conservado-
ras (umai porque anula a produção da verdade, outra porque trata de adequar a produção da
r,erdade e o poder medico), se opõe a antipsiquiatria' (DE2, 683).
Dépsychiatrisation [11 ]: DE2, 681 68i,68ô. DE3, 3i5, 349 350. PP, 137.
i ;= DIAGNOSTICAR (Diagnostiquer)
Várias vezes, Foucault definiu seu trabalho como uma tbrma de "jornalismol um "jorna-
lismo Íilosóhco" que quer diagnosticar a atualidade. Frequentemente também, esse modo de
entender a Íilosofia é apresentado como uma herança de Nietzsche. A diferença de urna larga
tradição filosófica que havia têito do eterno e do irnóvel o objeto da filosofia, Nietzsche introduz
o "hoje" no campo da filosofia (D82,434; DE3, 431, 573). Pois bem, nos dois artigos escritos
por ocasião do bicenteniírio da célebre resposta de Kant à questão colocada pelaBerlinische
Monatsschrifi, "O que é o Iluminismo?'l não é Nietzsche, mas Kant, quern inaugura essa forma
de interrogação Íilosófica como diagnóstico da atualidade ou, segundo outra expressào, como
'bntologia do presente" (DE4, 564). * Pode-se interrogar o presente como Platâo to Político,
isto e, como uma época do rnundo distinta ou separada de outras; como Santo Agostinho, para
descobrir os signos que anunciam um acontecinento próximo; como rv'ico, como urn rnornento
de transição para unr mundo novo. Para Kant, a atualidade, o presente, não é nem uma epoca do
mundo, nem um acontecimento revelador do iminente, nem a aurora de uma realização. Kant,
com efeito, define a atualidade em termos completamente negatir.os: saída do estado de minori-
dade. O presente, para Kant, coloca-se assim simplesmente em termos de diÍàrença (D84,564,
680-681). Não como uma relação longitudinal do presente com respeito aos antigos, mas urla
relaçáo "sagital' (DE4, 681). Interrogar o presente em termos de diferença define, para Foucault,
a atitude de Modernidade (um éthos,rno uma época) (DE4, 568). "Eu caracterizaria esse áflros
61osófico próprio da ontologia crítica de nós mesmos como uma prova histórico-prática dos
limites que podemos atravessar e, assinr, colno um trabalho de nós mesmos sobre nós mesmos
*
enquanto seres livres" (D84, 57 5) . Kant se apresenta, desse modo, como o lundador das duas
grandes tradições críticas nas quais se divide a Írlosofia rnoderna. Por um lado, a analítíca da
verdade que se interroga acerca de como é possível o conhecimento verdadeiro. Por outro, rz
ontologia do presente, que se pergunta o que éa atualidade. Nessa forma de filosofia, que vai de
Hegel à Escola de Frankfurt, passando por Nietzsche e Weber, Foucault situa sua própria tarefa
filosófica (DE4, 687-688). * Foucault, em uma entrevista dos anos primeiros (1967), diz que
"La philosophie structuraliste permet de diagnostiquer ce qubst'aujourd'hui"' (DEl, 580-
584). * Pode-se caracterizar o conceito tbucaultiano de atualidade rnediante três elementos: a
repetiçâo, a diferença e o limite. Diagnosticar a realidade consiste ern estabelecer o que constitui
nosso presente, os acontecimentos que repetimos (por exemplo, a separação razãolloucura
[DE3, 574]). Mas a atualidade não é sornente o presente no sentido da repetição. Diagnosticar
Loucura. O século XVI privilegiou uma experiência dialética da loucura; mais que
nenhuma outra época foi sensível ao que podia haver de indefinidamente reversível entre a
razão e a razâo da loucura (HF ,222). A clausura da época clássica é o espaço onde se orga-
nizam, com a coerência de uma prática, a inquietação dialética da consciência e a repetição
ritual de uma separação (HF, 223). Antropologia. No início do século XIX, constituiu-se
uma disposição do saber na qual figuram, ao mesmo tempo, a historicidade da economia,
a finitude da existência humana e o acabamento da história. História, antropoiogia e sus-
pensão do devir se pertencem segundo uma figura que define uma das conexões maiores
do pensamento do século XIX. A erosão lenta ou violenta da história (como desaceleração
indefinida ou inversão radical, Ricardo ou Marx, por exemplo) fará brotar a verdade antro-
pológica do homem. No final do século XIX, Nietzsche destruiu as promessas combinadas
da antropologia e da dialética (MC, 273-275).Yer Homem. Sartre. "Pois bem, me parece
que Sartre, escrevendo a Crítica da razao dialética, em certo sentido pôs um ponto final,
fechou o parêntesis para todo um episódio de nossa cultura que começa com Hegel. Fez tudo
o que pôde para integrar a cultura contemporânea, ou seja, as aquisições da psicanálise, da
economia política, da história, da sociologia à dialética. Mas é característico que não tenha
podido deixar de lado tudo o que provém da razao analítica e que profundamente faz parte
de nossa cultura contemporânea: lógica, teoria da informação, linguística, formalismo. A
Crítica da razão dialética é o magníf,co e patético esforço de um homem do século XIX
para pensar o século XX. Nesse sentido, Sartre é o último hegeliano e, também diria, o
último marxista" (DEl, 541-542). Razã,o analítica, cultura não dialética. Foucault
identifica uma série de manifestações do que denomina cultura analítica ou cultura não
dialética: ela começou com Nietzsche (com o descobrimento da mútua pertença da morte
de Deus e a morte do homem), continuou com Heidegger (com a tentativa de retomar a
relação fundamental com o ser mediante um retorno à origem grega), com Russell (com
a crítica lógica da filosofia), com Wittgenstein (através do problema das relações entre a
lógica e a linguagem), com Lévi-Strauss. * Contudo, Foucault sublinha a necessidade de
evitar um retorno àrazâo analítica do século XVIII. Enquanto a razão analítica do século
XVIII se caracterizou por sua referência à natureza, earazâo dialética do século XIX se
caracterizou por sua referência à existência (as reiações entre o indivíduo e a sociedade, da
consciência à história, da práxis à vida, do sentido ao não sentido, do vivente ao inerte), a
razão não dialética do século XX se constitui pela sua referência ao saber (DEr, 542). * Na
linguística, na etnologia, na história das religioes e na sociologia, os conceitos de ordem
DtETÉTtcA (Dietetique) I 09
cega ao saber de outro; ela devia ser uma prática reflexa de si mesmo e de seu corpo (HS2,
l2l).2) A dieta dos prazeres: a dietética problematiza a prática sexual nào como um con-
junto de atos que se possam diferenciar segundo suas formas e seu valor; mas como uma
atividade à qual se deve deixar um livre curso ou pôr um freio segundo a quantidade e as
circunstâncias. Mais que organizar-se na forma binária do permitido e o proibido, sugere
uma oscilação permanente entre o mais e o menos (HS2, 131-132).3) Riscos e perigos: a
necessidade de moderar a prática dos prazeres não repousa sobre o postulado de que os
atos sexuais seriam por natureza maus. No entanto, peias consequências do ato sexual para
o corpo do indivíduo e pela preocupação com a progenitura, devem ser objeto de cuidado
e medida (HS2, 133 e 137).4) O ato, o gasto, a morte: o ato sexual foi considerado, desde
sua origem, como uma mecânica violenta; atribui-se a Hipócrates tê-1o considerado como
uma pequena epilepsia (HS2, 142). Expulsando o sêmen, o ser vivente não só libera um
humor que teria em excesso, mas também se priva de elementos valiosos para a existência
(HS2, 146). O ato sexual é o ponto em que se cruza a vida individual, destinada à morte e
*
uma imortalidade que toma a forma da especie (HS2, 150). De maneira geral, pode-se
observar uma notável continuidade, desde a época clássica ao helenismo, da dietética, de seus
temas, de seus princípios que, em todo caso, foram reÍinados e detalhados. Mais que de uma
mudança, devemos falar de uma intensificação da preocupação por si mesmo e pelo corpo.
Nesse quadro, marcado pela solicitude pelo corpo, o meio ambiente e as circunstâncias, a
medicina da época helenística abordou a questáo dos prazeres sexuais: de sua natureza, de
seus mecanismos, de seu valor positivo e negativo para o indivíduo, do regime a que convém
submetê-lo (}J.53, 126, 272).
Diététique[53]:D84,611.HS,43,58-59,102,144,154,156.HS2,44,107,109,112-116,119-121,124,I25,I30 131,
t 34, | 6t, 218, 224, 230, 234. 275. HS3, t24, 126, 166, 272. NC, 35.
I I0 DtsctPLtNA (Disclpline)
disciplina aparece como uma das formas internas desse controle, isto é, como uma forma
discursiva de limitação clo discr.rrsivo. As outras duas fon.nas internas que precedem à disci-
plina são o comentário e o autor. A diferença desse último, a disciplina define um campo
anônimo de rnétodos, proposiçoes consideradas conro verdadeiras, um jogo de regras e defi-
nições, técnicas e instrumentos (OD, 32). A diferençir do comentário, não busca a repetição;
antes, exige a novidade, a geração de prqpeslç5.s ainda não f-ormuladas. A disciplina deter-
mina as condiçoes que uma determinacla proposição deve cumprir para entrar no campo do
vercladeiro: estabelece de quais objetos se deve falar, que instrumentos conceituiris ou técnicas
há que utilizar, em que horizonte teórico deve inscrever-se. Disciplinarização dos saberes.
Em "ll faut détênclre la société ", Iroucault distingue entre história das çiências e genealogia dos
saberes: enquanto a primeira se articula em torno do eixo estrutura do conhecimento/exigên-
cia de verdade, a segunda se dá ern torno do eixo prática dÍscursiva/enfrentamento de pocleres.
A tarefa de uma genealogia dos saberes é, antes de tudo, desfazer a estratégia do Iluminismo:
a NÍodernidade não é o avanço da luz contra as sombras, do conhecimento contra a ignorân-
cia, rnas sim uma história de cornbates entre saberes, uma luta pela disciplinarização do co-
nhecimento. * Um exemplo de genealogia dos saberes é a organização do saber técnico e
tecnológico no final do seculo XVIII. Até então, segredo e iiberdade haviarn sido característi-
cas desse tipo de saberes; um segredo que assegurava o privilegio de quem o possuía e a in-
dependência de cada gênero de conhecimento que permitia, por sua vez, a independência de
queÍn o manejava. Ao Íural do século XVIII, por ocasião das novas fbrmas de produção e das
exigências econômicas, faz-se necessário ordenar esse campo. Instaia-se, para dizê-lo de algum
modo, uma luta econômico-política ern torno aos sarberes. O Estado inten'irá para disciplinar
o conhecimento mediante quatro operaçÕes estratégicas: a) Eliminação e clesqualificação dos
saberes intiteis, economicamente custosos. b) Normalização dos saberes: ajustá-los tllls aos
outros, perrnitir que se comuniquem entre eles. c) ClassiÍtcação hierárquica: dos mais parti-
*
culares aos mais gerais. d) Centralizitção piramidal. É nessa luta econômico-política em
torno aos saberes em que devemos colocar o projeto da Enciclopedia e a criaçao das grandes
escolas (de minas, de pontes, de caminhos). E é nesse processo de disciplinarizaçào que surge
a ciência (previamente o que existia eram as ciências). A Írlosofia deixa, então, seu lugar de
*
saber funclamental, abandona a exigência de verdade, e se instaura a da ciência. E nessa e
por luta também que surge a universidade moderna: seleção de saberes, institucionali-
essa
zaçáo do conhecirlento e, consequentemente, o desaparecimento do sâbio-arnateur. Surge
também um novo dogmatismo que não tem como objetivo o conteúdo dos enunciados, mas
as lbrmas da enunciação. Não ortodoxia, mas ortologia (IDS, 159-165). Poder. A terceira
parte de Surveiller et punir (135-229) está inteiramente dedicada à análise do poder discipli-
nar. Aí, Foucault especifica detalhadarnente o que entende por poder disciplinar, a relação coru
as ciênciashumanas, a signiÍicação para a história social e política moderna. Trata-se de uma
forrna de poder que teul como objetivo os corpos em seus detalhes, em sua organização in-
terna, na elicácia de seus movimentos. Nesse sentido, há que distingui-la das outras formas
de poder que tarnbém têm por objeto o corpo: a escrqvidao (que estabelece uma relação de
propriedade), a domesticaçrio (que se define pela satisfação do capricho do amo), a vassalq-
gent (uma relação codificada entre o senhor e os súditos, mas distante) e o ascetismo cristao
(marcado pela renúrncia, não pelo fortalecimento das capacidades corporais). * A disciplina
e até vagabundeantes. Essa colonização disciplinar da juventude estudantil te\,e seu ponto de
partida com os Irrnãos da Vida Comum. Aqui, o trabalho progressivo do indivíduo sobre si
nlesmo, o trabalho ascético, foi o prirneiro rnodelo de colonização pedagógica da juventude.
"O acoplamento tempo-progresso é característico do exercício ascético e será também carac-
terístico da prática pedagógicir" (PP, 69). Nas escoias fundadas pelos Irmáos da Vlda Comum
(em Deventer, em Liêge, em Strasbourg), encontraremos pela primeira vez a separaçào por
idade e por divisoes com programas de exercÍcios progressivos. Em segundo lugar, nesse
contexto aparecerá, também pela prirneira vez, a regra do enclausuramento pedagógico, ou
seja, a necessidade de um espaço fechado, com um mínimo de relações com o mundo exterior
como condição do exercício pedagógico. Em terceiro lugar, a necessidade, para o exercício do
trabalho do indivíduo sobre si mesmo, da clireção constante de um guia, de um protetor que
1 14 DísclPLlNA rDisctpline)
assuma a responsabilidade do progresso. Em quarto lugar, nas escolas encontramos uma or-
ganrzaçao de tipo paramilitar (grupos de trabalho, de meditação, de f-ormaçâo intelectual e
espiritual). LIm esquerla que já se encontra nos con\rentos da Idade Média e que se inspira na
organização das legiões romanas. 3) A colonizaçao dos povos, precisamente, colonizados;
os jexitas. Aqui, como contraponto à escrayidão, os mecanismos disciplinares foram aplica-
dos e aperfeiçoados. "Com efeito, osjesuítas, adversários da escrayidão (por razões teológicas
e religiosas, igualmente por razões econômicas) sào os que se opuseram, na Anérica do Sul,
a essa forma certamente imediata, brutal e altamente consumidora de vidas humanas, a essa
prática de escravidão tão custosa e pouco organizada, conr outro tipo de distribuição, de
controle e de exploração, com um sistema disciplinar. E as famosas repúblicas, chamadas
tomuuistas' dos guaranis no Paraguai, eram, na realidade, microcosmos disciplinares" (PP,
70-71). Nelas encontramos um sistema de r,igilância constante e uma espécie de sistema penal
permanente. 4) A colonizaçao dos vagabundos, dos ntendigos, dos nômades, dos delin-
quentes, das prostitutas e "toda o clausura da época clássica". 5) Séculos X\III e Xf|III, a
disciplinarizaçao "secular". Os processos que mencionamos até aqui se apoiavam, ideológi-
ca e institucionalmente, na religiâo; a partir dos séculos XVII e XVIII, sâo postos em Funcio-
namento mecanismos "seculares" (não conectados diretamente com a religiáo) de disciplina-
rização: o exército, as fábricas, as minas. A esse respeito, Foucault menciona o papel
fundarnental desempenhado por Frederico II da Prússia na disciplinarização do exército, isto
é, na transformação de um exercito que rccrutava, quando necessário, vagabundos e merce-
nários, em um exército profissional (quartéis, adestramento, práticas, etc.). 6) O panóptico
de Bentham (1787) A obra de Bentham e uma Íbrmalizaçâo da rnicrofísica do poder disci-
plinar. Não se trata de um modelo para as prisões, mas para toda urna série de instituiçoes
(escola, hospital, etc.). Na realiclade, nem sequer se trata de um modelo institucional, mas de
um modelo para fortaiecer as instituiçôes. O "panóptico' é um rnultiplicador, um intensifica-
dor de poder (PP, 75). 7) A Jumília (um dispositívo de soberania). Do nlesrlo motlo que
durante a Idade Nlédia existiam dispositivos disciplinares em urna sociedade domineda por
mecanismos da soberania, tarnbém enl nossa sociedade disciplinar existeur mecanismos de
soberania. É o caso, para Foucault, da família. Por um lado, é necessário notar que a família
não serviu de nroclelo para o asilo (contrariamente ao que havia sustentado em Histoire de Ia
folie à lkge classique), a escola ou o quartel. Na família encontramos os mecanismos do
dispositivo de soberania: a maior individualização se encontra no r,értice, o pai. Funda-se em
um acontecimento passado (o matrimônio, o nascimento). Nela há reiaçÕes heterotópicas
(nexos locais, contratuais, de propriedade, de compromisso pessoal e coletivo, etc.). No en-
tanto, não se trata de uma forma residual das formas de soberania, mas de uma engrenagenr
essencial da sociedade disciplinar. Ela funciona como â articulação de diferentes dispositivos
disciplinares. Por um lado, a farnília assegura a inserção do indivíduo nos diferentes dispositivos
disciplinares (escola, trabalho, exército). Por outro, assegura a passagem de um a outro (da
escoia ao trabalho, por exemplo). Não se trata de um resíduo ademais porqlle, no início do
século XIX, assistimos a uma crise da família. O estabelecimento de uma sociedade discipli-
nar requereu, de fãto, um tbrtaleclnento da lamília - a iegislação dos poderes do pai, a exi-
gência da união legal para ingressar no mundo do trabaiho, etc. - e, ao mesmo tenpo, uma
limitação, sua redução à célula dos pais e fi1hos. Pois bem, quando a famíiia entra em crise e
DlSCfPtlNA (Disctpline) t 15
não desempenha mais sua função, então surge toda uma série de mecanismos disciplinares
para remediar essa situação (os orfanatos, por exemplo). "E é aqui, nessa organização de
substitutos disciplinares da família, que vocês veem aparecer o que eu chamaria a funçáo-Psi,
isto é, a função psiquiátrica, psicopatológica, psicossociológica, psicocriminológica, psicana-
lítica, etc.). E, quando digo'funçãol não entendo apenas o discurso, mas a instituição e também
o indivíduo psicologizado em si mesmo [...] A função-Psi, pois, nasceu desse face a face em
relação à família. A família pedia a internação, o indivíduo era posto sob a disciplina psiqui-
átrica e se supunha que deveria ser refamiliarizado. Em seguida, pouco a pouco, a função-Psi
se estendeu a todos os outros sistemas disciplinares: à escola, ao exército, à fábrica, etc. Ou
seja, essa função-Psi desempenhou o papel de disciplina para todos os indisciplinados [...] E
depois, flnalmente, no início do século XX, a função-Psi se converteu, ao mesmo tempo, em
discurso e controle de todos os sistemas disciplinares" (PP, 86-87). Corpo. "Por isso [poder
disciplinarl eu não entendo outra coisa senão uma determinada forma de algum modo ter-
minai, capilar de poder, um último re1é, uma determinada modalidade pela qual o poder
político, os poderes em geral vêm, em último nível, tocar os corpos, mordê-los, encarregar-se
dos gestos, dos comportamentos, dos hábitos, das palavras; a maneira como todos esses poderes
se concentram para baixo até tocar os próprios corpos individuais, trabalham, modificam, diri-
gem o que Servan chamava as'fibras mórbidas do cérebrol Dito de outra maneira, eu creio que
o poder disciplinar
é uma determinada modalidade muito especílica de nossa sociedade do que
se poderia chamar o contato sináptico corpo-poder" (PP,42). Escritura. "Para que o poder
discipiinar seja global e contínuo, o uso da escritura me parece absolutamente requerido. E me
parece que se poderia estudar a maneira como, a partir dos sécuios XVII e XVIII, se vê, tanto no
exército como na escola, nos centros de aprendizagem e igualmente nos sistemas policiais ou ju-
diciais etc., como os corpos, os comportamentos, os discursos das pessoas foram pouco a pouco
revestidos pelo tecido da escritura, por uma espécie de plasma gráÍico que os registra, codifica-os,
transmite-os ao largo da escala hierárquica e acaba por centralizá-1os. Vocês têm aqui uma relaçâo,
creio que nova, uma relação direta e contínua da escritura com o corpo. A visibilidade do corpo e
a permanência da escritura caminham lado a lado; e têm por efeito, evidentemente, o que se po-
1 I6 DtsctPUNA lDíscipline)
98, 103, 123,423,536. HSr,39,55, 184, 192-193. HS3,21. IDS,33-35, 135, 149, 153. t6t-r66,2t3,2t6,219_220,222-225,232,
260.MC,294,392.MMPE,24.MMPS,24.NC,34.OD,32-38,54,6_5,68,70.pp,4,23,25,27 28,30,41_44,48_53,55_59,62,
66-67,72,74-75,7 7, 8-l-84, 87-88, 95, 99, 1 13, 1 16, 123 t25, 128,13 1, 150, 152, 1 54, 1 56, 165, 168, 1 76, 1 78, 186, 1 89, 196, 2 19,
1 18 DtscuRso (Dlscours)
grupo individualizável de enunciados, às vezes uma prática regrada que dá conta de certo
número de enunciados; e essa mesma palavra "discurso I que devia servir de limite e envoitó-
rio ao termo enunciado, não a fiz variar à medida que deslocava minha análise ou seu ponto
de aplicação, à medida que perdia de vista o próprio enunciado?" (AS, 106). "Quanto ao termo
discurso,do qual se usou e abusou aqui [em tarchéologie du savoir) em sentidos muito di-
ferentes, pode-se compreender agora a razão de seu equívoco: de maneira mais geral e mais
indecisa, designa um conjunto de performances verbais, e por discurso entendia-se, então, o
que havia sido produzido (eventualmente tudo o que havia sido produzido) de fato como
conjuntos de signos. Mas se entendia também um conjunto de atos de formulação, uma série
de frases ou de proposiçÕes. Enfim, esse sentido foi finalmente privilegiado (com o primeiro
que the serve de horizonte); o discurso está constituído por um conjunto de sequências de
signos, uma yez que elas são enunciados, isto é, uma vez que se thes possa conferir modalida-
des de existência particulares" (AS, 141). Ver: Enunciado. Genealogia, poder.'As práticas
discursivas não são pura e simplesmente modos de fabricação de discursos. Elas tomam cor-
po no conjunto das técnicas, das instituições, dos esquemas de comportamento, dos tipos de
transmissão e de difusão, nas formas pedagógicas que, por sua Yez, as impõem e as mantêm"
(D82,241).1) Controle discursivo. Nessa linha, para incorporar a ordem clo nâo discur
formas de
sivo, em lordre du discours, Foucault distingue, como objeto de análise, várias
três tipos
controle discursivo: l) Procedimentos de exclusão'.Em primeiro lugar, encontramos
do discurso, às circunstancias em que pode ser pro-
de proibição que concernem ao objeto
nunciado, ao sujeito que pode pronunciá-lo. Em segundo lugar, a oposição ou a divisão razão-
loucura. Desde Média, o discurso do louco não pode circular como o dos outros; seja
a Idade
porque não é reconhecido como admissível (na ordem jurídica, por exemplo), seja porque lhe
atribuem poderes especiais (como voz da sabedoria ou da verdade escondida). Em terceiro
lugar, a antítese entre verdadeiro e falso. Certamente, como assinala nosso autor, à primeira
vista, não parece razoavel situar em um mesmo nível a oposição entre verdade e falsidade, a
oposição entre razão e loucura e os diversos estamentos de exclusão mencionados antes; mas,
se nos situarmos na perspectiva genealógica, isto é, da Herkunft e do Entstehung históricos,
não há por que privilegiar a oposição entre verdade e falsidade. Para justificar esse ponto de
vista, Foucault faz referência, como Nietzsche e Heidegger, a esse momento essencial para o
Ocidente que se situa entre Hesíodo e Platáo, e a partir do qual o discurso deixa de valer pelo
que é (discurso ritual, por exemplo) ou pelo que faz (curar ou julgar) e começa a ser estimado
pelo que diz (OD, 17 -lg) 2). Procedimentos de controle internos ao discurso: Trata-se do
controle que os discursos exercem sobre outros discursos. Em primeiro lugar, o comentário.
Foucault supõe que em toda sociedade existe uma defasagem entre dois tipos de texto, os
textos que poderíamos chamar primários e os outros, secundários, que não fazem outra coisa
senão repetir e retomar o que se diz nos textos primários a Íim de trazer à luz uma pretensa
verdade originária que permaneceu oculta. A relação entre textos primários e secundários,
entre textos que podem ser ditos e textos que dizem o que já foi dito, Iimita as possibilidades
discursivas impondo como limite os textos primários. Em segundo lugar, Foucault indica
entre os controies a noção de autor, o que ele denomina em L'orchéologie du savolr posições
subjetivas, isto é, o que determina no nível das instituições e da sociedade quem pode ter um
tipo determinado de discurso. Em terceiro 1ugar, a disciplina;ela determina as condições que
que correspondem aos três grupos de funções que acabo de evocar: questionar nossa vontade
de verdade, restituir ao discurso seu caráter de fato e, Írnalmente, eliminar a soberania do
significante" (OD, 52-53). * "Creio que essa Ordre du discours havia mesclado duas concep-
çÕes, ou melhor, para uma questão que considero legítima
(a articulação dos fatos do discur-
so nos mecanismos do poder), propus uma resposta inadequada. É um texto que escrevi em
um momento de transição. Até esse momento, me parece que eu aceitava a concepção tradi-
cional do poder, do poder como um mecanismo essencialmente jurídico, o que diz a lei, o que
proíbe, o que diz'nãol com toda uma quantidade de efeitos negativos: exclusão, rechaço,
barreira, negação, ocultamentos... Agora considero inadequada essa concepção [...] O caso
da penalidade me convenceu que não era tanto em termos de direito, mas em termos de tec-
nologia, em termos de tática e de estratégia; essa substituição de uma grade técnica e estraté-
gica no lugar de uma grade jurídica e negativa foi a que tratei de fazer funcionar em Surveil-
ler et punir, depois a utilizei em Histoire de la sexualité" (D83,228-229).2) Estratégias,
táticas, lutas. "Não tento encontrar atrás do discurso uma coisa que seria o poder e que seria
sua fonte, como em uma descrição de tipo fenomenológico ou de qualquer método interpre-
tativo. Eu parto do discurso tal como é. Em uma descrição fenomenológica, tenta-se deduzir
do discurso algo que concerne ao sujeito falante; trata-se de reencontrar, a partir do discurso,
quais são as intencionalidades do sujeito falante, um pensamento que se está formando. O tipo
de análise que eu pratico não se ocupa do problema do sujeito falante, mas examina as dife-
rentes maneiras pelas quais o discurso cumpre uma função dentro de um sistema estratégico
onde o poder está implicado e pelo qual o poder funciona. O poder não está, pois, fora do
discurso. O poder não é nem a fonte nem a origem do discurso. O poder é algo que funciona
através do discurso, porque o discurso e, ele mesmo, um elemento em um dispositivo estra-
tégico de relaçÕes de poder" (D83, 465). * Não há de um lado o discurso e de outro o poder,
opostos um ao outro. Os discursos são elementos ou blocos de táticas no campo das relações
e mesmo contraditórios dentro de uma mesma estratégia (HSl,
de força; pode haver diferentes
*
134). Em "ll faut défendre la société", Foucault analisa o discurso da'guerra de raças" como
um instrumento de luta (IDS, 52-53). 3) Ética, sujeito. Nos volumes I e II de Histoire de la
sexualité e na Herméneutique du sujet, Foucault se ocupa da função do discurso como
formador da subjetividade. Essa função consistiria em ligar o sujeito à verdade. Na época
clássica e na época helenística, não se trata de descobrir uma verdade no sujeito nem de fazer
da alma o objeto de um discurso verdadeiro, mas de armar o sujeito com uma verdade (D84,362).
1 20 DtScuRso (Dlscours)
Para os gregos e também para os romanos, a ascese tem como principal objetivo a constituição
do sujeito. Parte essencial da ascese é dotar (equipaa paraskeué) o sujeito de discursos ver-
dadeiros, discursos que possam conl,erter-se na matriz dos cornportamentos éticos (HS, 312).
"1...] a ascese é o que permite, por um lado, adquirir discursos verdadeiros, dos que se tem
necessidade em todas as circunstâncias e peripécias da vida, para estabelecer uma relação
plena e acabada consigo mesmo; por outro, a ascese é o que permite tornar-se a si mesmo o
sujeito desses discursos verdadeiros, é o que permite tornar-se a si mesnto um sujeito que diz
verdade e que, por essa enunciação da verdade, se encontra transfigurado t. . .] " (HS, 3 16). A
partir do cristianismo, a função do discurso, como nexo entre o sujeito e a verdade, será dife-
rente; se tratará, agora, de verter no discurso a verdade de si mesmo, a hermenêutica de seu
desejo, de seus pensamentos, de suas imaginações. O discurso torna-se, assim, um modo de
objetivação c1o sujeito em termos de verdade (HS, 317). O discurso como objetivação do su-
ordem do mundo e náo em produzi-la. Nesse sentido, não existe nenhuma atividade huma-
na enquanto tal, uma atividade que possa ser qualificada collro transcendental. A ordem do
mundo é preexistente ao sujeito e independente dele e, por isso, a única atividade do sujeito,
do ego cogito, é a de alcançar a claridade dos conceitos e a ceÍÍezadas representações. Entre
ornundoeohomem,entreosereopensamento,entreo"eusou"eo"eupenso'i existeum
nexo estabelecido pelo discurso, pela transparência dos signos linguísticos e pela função
nominatiya da linguagem. No discurso, representação duplicada, entrelaçam-se a represen-
tação-representante e a representaçáo-representada. " "No umbral da época clássica, o signo
deixa de ser uma figura do mundo, deixa de estar ligado ao que ele marca pelos nexos sólidos
e secretos da semelhança e da afinidade" (MC, 72). Segundo Foucault, o classicismo define
o signo por três variáveis: a origem do nexo com o que ele representa (natural, convencional),
a natureza do nexo: um signo fazparte do que representa ou está separado disso, a certeza
do nexo (constante, pror,ável). Foucault assinala três consequências desse novo estatuto do
signo. 1) A linguagem deixa de pertencer ao mundo das coisas e se instala no âmbito do
conhecimento. Só há signo desde o momento em que se conhece a relação de substituição
entre dois elementos conhecidos. 2) O signo para funcionar requer que, ao mesmo tempo
que se o conheça, conheça-se também aquilo que ele representa. Para que um elemento de
uma percepção, por exemplo, possa servir como signo, é necessário que se a distinga e separe
de aquilo do que fazia parte. A constituição do signo é inseparável da análise da representação.
3) Os signos naturais são só um esboço do que se instaura por convenção. Um sistema arbi-
trário de signos, por outro iado, deve permitir a análise das coisas em seus elementos mais
simples (MC,72 77). Pois bem, como vemos, um signo pode ser mais ou menos provável,
estar mais ou menos afastado daquilo que representa, ser natural ou arbitrário; mas o que
o define como signo é a relação entre o significante e o significado que se estabelece na
ordem do conhecimento, da representação. Segundo a definição da Grarnatica de Port-Royal:
diferenças. Em outras palavras, é possível analisar o pensamento e, através de tal análise, es-
Surveilller et punir e La volonté de savoir, por outro. Pois bem, enquanto que as duas primeiras
Yer Sexualidade.
Dispositif de sexualité1631:DF,3,234,260,298,302,312-313,320. DE4, 662. HS l, 99,140-147 ,1 49- 1 50, 160- 162,
166-167 , 169-173, 1 85, 198, 20 1, 203-208.
1.1; DIVINATIO
Forma de saber no Renascimento, desciframento das marcas das coisas. Ver: Co-
ment ár io, Ep i st e me re nas c enti sta.
D iv inatio [8] : DEI, 497, 566. MC, 18, 7 3 -7 1, 1,85.
:: :. DOGMATISMO (Dogmatisme)
ea outras tipologias do saber" (IDS, 163). Essa nova forma do dogmatismo permite, ao mesmo
tempo, um liberalismo quanto ao conteúdo dos enunciados e um controle mais rigoroso sobre
os procedimentos de enunciação. A partir da disciplinarização, podemos falar, então, mais que
de uma ortodoxia, de uma'brtologia'dos discursos (IDS, 161).
Dogmatisme [19]: DEl, 1 39, 816. DE3, s38. DE4, 65, I 60, 43 I ,133, ,156, 5 I 7, 567. HF, 2 18. IDS, I 63. NIC, 256, 259, 352.
A dominaçãoé tanto uma estrutura global de poder quanto uma situação estratégica, mais ou
exploraçâo não tenham desaparecido (DE4, 228). Burguesia, Classe. Qualquer coisa pode ser
deduzida do fenôtneno eeral cle dominação da classe burguesa (IDS, 28). Yer: Burguesia. Esta-
do, soberania, direito. O século XIX se preocupou com as relaçôes entre as grandes estruturas
econômicas eo poder do Estaclo; aeora, os problernas ftrndamentais são os pequenos poderes e os
sistelnas difusos de dominação (DE2, 806). * O discurso e a técnica do direito tiveram por função
essencial dissoher a dominaçâo dentro do poder; para fàzer aparecer, em lugar cla dominação, duas
coisas: os direitos legítin-ros da soberania e a obrigação legal da obediência. Foucault tenta fazer o
inverso, isto é, urostrar como o direito é um instrumento de clominação; não só ir lei, mas tambenr
o aparato, as instituições, os regramentos. Por dorlinação não há que entender um fato em massa
e global deum sobre outros ou cie um grupo sobre outro, nras as rnúltiplas formas pelas quais o
poder se exerce em uma sociedade (DE3, 177-1.78; IDS, 30, ,33). * Nas sociedades humanas, não
há poder político sem clominação (DE4, 10). Hobbes. O dlscurso Íilosólico-jurídico de Hobbes
foi urna maneirir de bloquear o discurso do historicismo politico do século X\/ll, substituindo a
dominação pelo conceito de soberania ([DS,96). * A soberania, quer se trate de uma república por
instituiçâo 0u por aquisição, não se estabelece por uma dominação belicosa, e sim pekr cálculo que
pernrite evitar a guerra (IDS,2a3). Nação, Com base na obra de Sieyês,O que é o terceiro Estado?,
o que constitui uma nação nâo é a dominação sobre outras, mas sua capacidade e virtualidades
que se ordenam ao Estado (IDS,200). Razão. É possível concluir que a promessil do lluminismo
de alcançar a liberdade mediante o exercício darazâo deu lugar à dominação da razâo através do
*
perlsanento científico, da técnica e da organização politica (D84,73,438). A história darazao
como história da dominação d arazáo fazparte da interrogação fllosófica de Max Weber a Habermas
(D84, 438). Yer: Mode rnidcrcle. Arendt. Não se pode Íazer uma distinçào tão tuativa, como o faz
H. Arendt, entre relaçÕes de poder e relações de dominação. É necessário ser en.rpírico e analisar
caso a caso (DE4, 589). Yer. Arendt. Ver também: Poder, História.
Dominqtion l4l9l: AN, l9,2lll. D82,.1.1,87 88, 115, 118,237.310,361.409,196-497.532,5i9,546 517,549,614,
640, 679, 682, 684, 694, r-25,790, 806-807, 815. DE3, 33, .15, 74, 83, 94-95, 123, 125,127- 110, I {6, 152, t70,173 1.74,
177-17S,r80-182,r81,r87,re.l,199,132,280.305,307,348,378-J79.39039t,394-,tes,406-407,111-,125,133,500.533,
54E, 558, 560,579, 581,607, 681,688, 711,716,798,804. D84,,10, 73,82, 85, 89, 17t)-171, 186, )27-228,233 2i+,2'1.1,
261 ,261-265, ) r- t-, 341. .138, 417. 449-+5 1, 176. 482 1S3, 500-502, 5 1 7, 540, 517, 588- s90, 596. 676-678 ,7 10-7 11,7 t,1 7 16,
t-20-t21,724,727 -7 29,746,768, 785. HF, 2-r0, 525, 607, 626. HS, 60, 177 ,290,431. HSl, I t, ll2-t 14,117, 12 1, I 26, I 28,
135,158,165,173,186.HS2,11,20,7577,n1,82,9r.96-97,101-102.105-106,143,146,1s9,190,203,224,238,242,).65,
268. HS3,34,43 44, n2,84-8s,262,172. IDS, 14, l7 18,21, 24 28,30, 33, i7 40,47,55. 57, 82, 87-88,90,9{-96, 118, 129,
r31-r,r2, 139, 150,170, 175-r76,\78 179,189.193,195,200 202,201-206,208-211.234.MC,345. NC,23. OD,1l. PP,
84, 2 37. 336. SP, 30--1 r, I 39- 140, I 47, 193, )25, 23 4, 27 7, 298, 3 t2.
Quichotte [ 7 ] : DEz, 17 l, - 17 2.
"Da mesma maneira que Dumézil faz com os mitos, eu tratei de descobrir as formas estru-
turadas da experiência; cujo esquema pode ser reencontrado, com modificações, em diversos
* *
níveis" (DEl, 168). Dumezil torna inútil a ideia de homem (DEl, 516). A obra de Dumézil
mostra como uma análise estrutural pode articular-se com uma análise histórica (D82,276).
"penso que Dumé2il, longe de identificar ou de projetar todas as estruturas sociais, as práticas
sociais, os ritos em um universo do discurso, no fundo, ressitua a prática do discurso dentro das
práticas sociais" (DF;z,636). A diferença de Lévi-Strauss, que supõe certa homogeneidade do
discurso, Dumézil busca estabelecer, no conjunto constituído pelas sociedades indo-europeias,
uma comparação entre os discursos teóricos e as práticas (DE2' 637)'
Georges Dumézil [a8]:DEl, I 67- I 68, 5 16, 584, 585, 590, 6 I 4-6 15, 665,667 ,822.Dr,2'273-27 6,569 ' 635-637 'D8',4'
62, 415. IDS, 73. l/C, 37 t. oD, 73.
381,398,442,453,478,480,482-484,487,489,498,503,510-512,518,579,-580,611,62r,645-646.677,72r,724,729,762.
HF, 16,91 94.96 98,101,108,226-227,458,471,479,502, sOs 506, s09 513,517,520,523,537-538,545. HS,33,43,59,
63,71,73,82,97,122.114,155-156, 161, 181. HSl, 15,33,35 37, 105, 138, 143, 161, 163, 186. HS2,44,78,83,88,93,97,
107, 157,161,169-17t,175,182- 184, 193- 199, 201, 218, 222,224,230,234,275-276,280,285. HS3, 36, 40 41, 43 45, 49,
65,92-94,173 174, r87-188,203,208,276,280. IDS,3, l4-1s,29,t12,tt5 116, 143, 146, 151, 161, 165, 170, 174, 184,
utilizado pelos psicanalistas, Foucault quer mostrar como a história de Édipo representa um
momento particular das relaçÕes entre saber e poder, entre poder politico e conhecimento no
qual ainda nos encontramos imersos (DE2, 554). 'A tragédia de Édipo é fundamentalmente o
primeiro testemunho que temos das práticas judiciárias gregas. Como todos sabemos, trata-se
de uma história em que os personagens - um soberano, um povo - ignoram certa verdade
e acabam, por uma série de técnicas das quais falaremos, por descobrir uma r.erdade que
problematiza a soberania do próprio soberano. A tragédia de Edipo é, pois, a história de
uma busca da verdade; é um procedin-rento de busca da verdade que obedece exatamente
às práticas judiciárias gregas da época" (DE2, 555). Na Grécia arcaica, a determinação da
verdade judiciária se realizava mediante uma prova que tinha a forma do desafio, como, por
exemplo, uma corrida de carros ou inediante o desaâo de jurar na presença dos deuses; não
havendo nem juiz, nem sentença, nem investigação, nem testemunhas para estabelecer a
verdade. Nas tragédias de Sófocles, ainda que encontremos resíduos dessas práticas, a busça
da verdade tem outra forma. Foucault descreve esse mecanismo através do que denomina
a lei das metades (para expressar o conteúdo literal do termo "símbolo") (DE2, 557). O
símbolo define uma das formas de exercício do poder. Quem exerce o poder ou conhece
um segredo pode partir em dois um vaso de cerâmica ou outro objeto, conservar uma das
partes e entregar a outra ao outro, para que esse leve uma mensâgem ou testemunhe sua
autenticidade. Na história de Edipo, cada personagem possui um fragmento dessa peça cuja
unidade deve ser reconstituída: Apolo e Tirésias, Édipo e )ocasta, os servidores e os escravos.
Esse jogo de reconstituição, que inicialmente havia sido dito de forma profética, adquire a
forma do testemunho. "Podemos dizer que toda a peça de Edipo é uma maneira de deslocar
a enunciação da verdade de um discurso de tipo profético e prescritivo para um discurso de
ordem retrospectir.a, não mais da ordem da profecia, mas do testemunho" (DE2, -561). E,
Íinalmente, um pastor, pelo jogo da verdade que viu e que enuncia, pode vencer, por si só, os
mais potentes ."Édipo rei e umaespécie de resumo da história do direito grego' (D82, 570).
Essa obra representa a grande conquista da democracia gresa, o direito de testemunhar, <le
opor a verdade ao poder, uma verdade sem poder a um poder sern verdade. Segue-se daí urna
série de consequências: 1) a elaboraçâo das tbrmas tradicionais da prova e da demonstração
(como produzir a verdade, em que condições, que formas observar, que regras aplicar); 2)
o desenvolvimento da arte de persuadir da veracidade da própria afrrmação, a retórica; 3)
o desenvolvirnento de um novo tipo de conhecimento, o conhecimento por testemunho,
por recordação, por investigação. "Houve na Grécia uma grande revoluçâo que, através de
uma série de lutas e de questionamentos políticos, teve como resultado a elaboração de
ÉDrPo I 33
uma forma detenninada de descobrirnento judicial, jurídico da verdade. Essa cot.rstitui a
matriz, o Ir.rodelo a partir do qual uma série de outros saberes - filosófico, retórico, empíri-
co - puderam desenvolver-se e caracterizar o pensamento grego" (DE2, 571). Antiédipo,
psicanálise. "Ser antiédipo collverteLl-se em um estilo de r.ida, uur rnodo de pensar e de r.iver"
(D83, 134-135). Ver: Deleuze, Psicantilise.
Oedipe[256]:AN,96,271.DEr, 191,198, 100,375-176,416,768769.D82,4(1,5,12,5-5.1 570,5i7,582,613626,
628,630, 634-635, 777, 78 1. DE3, 1 33 I 36. 1 62, 3s1, 373. HF, 422. HS, 352, 4ts 426, 413. HS1, I 72. IDS. 7, 20. MMPE,
26,87. NIÀ{PS,26,98.
Édipo It]:D81,120.
517,731.D82,6i,105,r27,193,132,29.\-299,33+,-137,350,35-1,.130,4-5,1,189,-515-516,531,627,661,716,784,805,
825. DE3, 1s, 18, 20, 3.1, s5, 76, 90, 1 03, I 1 2, r50, 1 59, 184, 2s9, 293,329,3s2,375,394,423,588, 591, 728,733.711.,
sr7. D84,90,93, 1-;.1, iq2, 231,,152,358, 375,460,18-5,5ti3,785,790,795,809,811. HF, 106,301,,13-5,4-56,4-58,569,
599,607,626,686.HS,27,33,35,36,38,.t4,52,53,6061,92,98,I03,121,129-130,21s,221.235,zee..113,324325,
136,416, 120-121. HS1,40,.+1,81, 137, 115, 184, 197. HS2, 50.61,72,80,87-88,92,172 \73,2t6,228,238. HS3,47,
65,76,99,r53, 157, 178, 183,208. IDS,30, 1ll,136, 142, 159, 184,201.MC, 127 MMPE,85.MNIPS,96.NC,3l.OD,
45,46. PP, 61-62, 80, 92 93,117,190, 197, 198, 2{)7, 210, )12 214,216,218, 223 226,228 230, 28E,298. SP, 101' l4l,
143, 151, 158, 163, 174, 186,201,205,208,212, 2r7,236,238-23',),254-255,257,271-27),275'281' 298,302,31-1.
424, 536. DE3, 557, 653. DE4, 821. HF, 239, 260,278,281,295-2e6,307-308, 324, 343-i44, 348, '10tt-409, 4 I 9, '160'46 1,
509,513 s14,597.H.5,249.IDS,r26,147,161.MC,7,9,10,s3,90,97,100,102,12s-126,193,217,260.MMPE,78-79.
NC, 9, 18, 28, 137, 183. PP, 21, 3 1, 259,265,329. sP,37, t77.
*9 ENKRÁTEIA
EuxnÁtera I 3 5
de si mesmo que permite resistir ou lutar no domínio dos desejos e dos prazeres. O signifi-
cado de enkráteia é próximo ao de sophrosyne; mas, nesse último caso, trata-se antes
de um estado no qual não só é necessário ser temperante, mas também piedoso e justo
(HS2,75). Melhor, o uso do termo enkráteia,naÉpoca Clássicagrega, acentua mais o
exercício, do qual Foucault assinala cinco características: 1) O domínio implica uma re-
lação agonística, de combate. 2) Essa relaçáo de combate é também um combate consigo
mesmo. 3) O resultado dessa luta pelo domínio de si mesmo é uma vitória muito mais
bela do que a que se obtém nos ginásios ou nos concursos. 4) Essa forma autocrática
se desenvolve segundo diferentes modelos, especialmente dois: o da vida doméstica (o
homem temperante governa seus desejos como a seus servidores) e o da vida cívica (os
desejos são assimilados à plebe que é necessário dirigir). 5) Para exercitar-se para essa
luta, é indispensável uma ascese. * Para o pensamento grego da Época Clássica, a ascese
que permite ao sujeito constituir-se como sujeito moral forma parte do exercício da vida
virtuosa, da vida do homem livre e político. Mais tarde, tal ascese ganhará autonomia;
por um lado, se separará o aprendizado dos exercícios do governo de si mesmo tendentes
a governar os outros; por outro, também terá lugar uma separação entre a forma desses
exercícios e a virtude (os exercícios do domínio de si mesmo tenderão a constituir-se em
uma técnica particular) (HS2, 90).
Enkrateia [24]: DE3,316. HS, 417. HS2, 41, 45, 74-75,76,81, 88, 96, 177 -178' 180' 182. HS3, 145
ser algo mais que um simples conjunto de marcas materiais: referir-se a objetos e a sujeitos,
entrar em relação com outras formulaçoes, e ser repetível. Essa possibilidade de referir-se a
objetos, de implicar sujeitos, de relacionar-se com outras formulações e de ser repetível não
sereduz nem às possibilidades da frase enquanto frase nem às possibilidades da proposição
enquanto proposição. Por objeto, sujeito, relações ou possibilidade de repetição não há que
entender aqui nem as coisas nem o sujeito psicológico ou transcendental, nem os conceitos
nem a estrutura da idealidade, nem as opiniões nem um projeto teórico, mas as instâncias
que definirnos no verbete Formaçao discursiva. O enunciado articuia-se sobre a frase ou
sobre a proposição, mas não deriva deles. Em primeiro lugar, o enunciado não se reduz à
proposição por duas razões: 1) não é necessário, para falar de enunciado, que exista uma
estrutura proposicional; 2) duas expressões equivalentes desde o ponto de vista lógico não
são necessariamente equivalentes desde o ponto de vista enunciativo. Em segundo lugar,
quanto à correspondência entre o enunciado e a frase, Foucault aponta que não todos os
enunciados possuem a estrutura linguística da frase. Não só porque o enunciado compre-
ende os sintagmas nominais - ainda que se possa descobrir neles uma estrutura predicativa
potencial-, mas porque, por exemplo, as palavras dispostas em coluna em uma gramática
latina como "amo, amas, etmat..." constituem também um enunciado (AS, 109). Ao lado
dessas distinções a respeito da unidade da gramática e da unidade da lógica e, precisamente,
por causa delas, Foucauit deve enfrer.rtar a correspondência entre os enunciados e os speech
acrs. Nesse sentido, Foucault afirma em lhrchéologie du savoir: "Náo se poderia estabelecer
uma relação biunívoca entre o conjunto dos enunciados e o dos atos ilocutórios" (AS, 1 1 I ).
A descriçáo do enunciado não é nem análise lógica nem análise gramatical, situa-se em
um nível específico de descrição. Foucault define nestes termos a existência do enunciado:
"Existência faz aparecer algo distinto de um puro traço, mas como um domínio de
qrue
objetos; não como o resultado de uma ação ou de uma operação individual, mas como um
jogo de posições possíveis para um sujeito; não como uma totalidade orgânica, autônoma,
t-echirda em si mesma e suscetível de - -
constituir urn sentido, mas como um
sozinha
elemento em um campo de coexistência; não como um acontecimento passageiro ou um
objeto inerte, mas como uma materialidade repetível" (AS, 142-143). Essa existência não é
uma existência escondida (Foucault a caracteriza como non-caché), mas tampouco visír,el.
Não está escondida porque o enunciado ou, antes, a função enunciativa se exerce através de
elementos significantes eÍ'etivamente produzidos, através de frases e de proposições. Mas
não é visível, posto que se exerce através de outras unidades como a frase ou a proposiçào
e não ao lado ou por debaixo ou por cima: está suposta no fato de que existe o significado
e o significante, está suposta por todos os outros tipos de análise linguística mas não se
identifica com eles. A descrição enunciativa não se ocupa do que se dá na linguagem, mas
do fato de que existe a linguagem, que existem determinadas formulaçoes efetivamente pro-
nunciadas ou escritas e busca determinar as condições de possibilidade de existência dessas
deterrninadas formulações. Como resumo, o nível enunciativo situa-se entre materialidade
a
bruta das formulações e a regularidade formal das frases e das proposições. *Acerca dessa
ENUNCIADO ,Lnon(e) I 37
existência não escondida e não visível, a distinção searleana entre regras constitutivas e
regras regulativas pode oferecer um paralelo esclarecedor. Os enunciados se comportariam,
com respeito às normas que determinam sua regularidade, de maneira análoga a como se
comportam os atos ilocutórios com respeito às regras constitutivas. Função enunciativa,
formações discursivas. Mais do que um elemento, o enunciado é algo assim como o áto-
mo do discurso, é uma função que se exerce verticalmente com respeito a essas unidades
como a proposiçáo ou a frase. Pois bem, a descrição da função enunciativa coincide com
a descrição das formações discursivas, são correlatas (AS, 152). A partir dessa correlação,
é possível delimitar a noção de prática discursiva: "Um conjunto de regras anônimas, his-
tóricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram para uma época dada,
e uma área social, econômica, geográfica ou linguística dada, as condições de exercício da
função enunciativa' (AS, 153-154).
Énoncé [356]: AN, 11, 158, 160-161, 166. AS, 39,40,42,44,79,103,105'1.26,128-146, 148, 150, 152, 156-157, I63,
170-171.188,t91-192,217.238,269,272.DFL,171,281,41.7,506,519-520,636,638,640-642,644,647-649,705-707,
709 7 10,724,734,7 45,778.D82,28, 82, 207, 484 485, 634, 636. DE3,32, 102,143,245,260,3ol, 437 , s84,602,607,611.
DF.4,71,126,771.HF,166,318. H5,226,250,279,298,310,391. HSl, 15,82, I13. HS2, 190. HS3, 80. IDS, 164. MC,
11,103,112.NC,XIII,111,114,118.OD,17,25,44.PP,118,143,156158,160.RR,32,46,50.
}.}=. EPIMÉLEIA
Yer: Cuidado.
Epimeleia[109]:DE4,213,353-355,385,400 401,409,622623,629,716,787.HS,4-6,10-12,15,18,24,28,31-33,
38, 4,1, .16, 49-51, 58, 64, 66-67,73,76,79,82, 88, 97, I I 3, 176, 400, 421,429, 437, 439,443,465. HS2, 85, I 19, 176, 191,
232. HS3, 59,65.
13 I EPrcuRo
A episteme deÍrne o campo cle análise dir arqueologia. Em les mots ef les c'hoses, a
descrição arqueológica está centrada exclusivamente na episteme (MC, 13); mas a episteme
não é a rhnica direção que a arqueologia pode tomar. Outras arqueologias são possír.eis: da
sexualidade, da imagem - o espaço, a [uz, as cores - da ética, do saber político (4S,251-
255). Foucault passa de uma concepção monolítica da epistenre, em les ntots et les choses,
a uma concepção mais aberta em Larchéologie du savoir. "Em les mots et les choses, a
ausência de pontos de referência metodológica pode fazer crer em uma análise em termos
de totalidade cultural" (AS,27). Em Larchéologie du sot,oir, Foucault quer dar um con-
teúdo à noção de episteme a partir de outras noçôes - formações discursivas, enunciado,
arquivo - delimitadas desde um ponto de vista arqueológico. É necessário remeter-se aos
verbetes correspondentes para compreender o conceito de episteme na obra de Foucault.
* Além dessa rnudança, é necessário ter em conta que, na medida em que Foucault se in-
teressa pela questão tlo poder e pela ética, o conceito de episteme será substituído, como
objeto de análise, pelo conceito de dispositivo e, finalmente, pelo conceito de prática. O
dispositivo é mais geral que a episteme; ela é só um dispositivo especificamente discur-
sivo. Um dispositivo que permite separar o inqualificável cientificamente do qualiÍicável,
não o verdadeiro do falso (D83,300 301). Nos textos dedicados ao estudo da cultura de
si mesmo, Íinalmente, o termo episteme aparece como sinônimo de saber: saber teórico,
*
saber prático (HS, 301-302). A episteme, em primeiro lugar, teln uma determinação
temporal e geográfica. Foucault fala de "episteme ocidental'l "episteme do Renascimento",
"episteme clássicai "episteme modernal Em Les mots et les choses, Foucault mantém, como
dissemos, uma concepção monolítica da episteme: "Em uma cultura e em um momento
dado, nunca há mais do que urna episteme que ctefine as condições de possibilidade de
*
todo saber" (MC, 179). Em segundo lugar, segundo o prefácio deLes mots et les choses'
descrever a episteme é descrever a região intermediária entre os códigos fundamentais de
uma cultura, os que regem sua linguagem, seus esquemas perceptivos, seus intercâmbios,
suas técnicas, seus valores, a hierarquia de suas práticas, e as teorias, científicas e filosóÍicas,
*
que explicam todas essas formas da ordem (MC, 11-12). Em terceiro lugar, a descrição
não refere aos conhecimentos nem ao ponto de vista de sua forma racional nem ao de sua
objetividade, rnas às suas condições de possibilidade (MC, l3). Trata-se de descrever as
relações que existiram, em uma determinada época, entre os diferentes domínios do saber
(D82,371),a homogeneidade no modo de formação dos discursos (IDS, 185). Desse modo,
pode-se pensar a descrição da episten.re como um olhar horizontal entre os saberes. * Como
dissemos, Foucault abandonará essa concepção demasiado monolítica da episteme e, em
Lhrchéologie du savoir, buscará deÍrnir o nível da descrição arqueológica, da episteme,
com base no conceito de.formaçao discursit,a. 'A análise das formações discursivas, das
positividades e do saber em suas relações com as f,guras epistemológicas e as ciências é o
que se chamou, para distingui-la das outras formas possíveis de história das ciências, de
análise da episteme. Suspeitar-se-á,talvez, dessa episteme de ser algo assim como uma visão
do mundo, uma fração de história corrrum a todos os conhecirnentos que imporia a cada
EPISTEME I 39
uma as mesmas normas e os mesmos postulados, um estágio geral da razão, certa estrutura
do pensamento da qual os homens de uma época não poderiam escapar; grande legislação
escrita de uma vez por todas por uma mão anônima. Por episteme se entende, de fato, o
conjunto das relações que podem unir, em uma época dada, as práticas discursivas que dão
lugar a figuras epistemológicas, a ciências, eventuaimente a sistemas formalizados; o modo
segundo o qual, em cada uma dessas formações discursivas, se situam e operam as passagens
à epistemologização, à cientificidade, à formalização; a repartição desses umbrais, que podem
entrar em coincidência, estar subordinados uns aos outros ou estar defasados no tempo; as
relações laterais que podem existir entre as figuras epistemológicas ou as ciências, na medida
em que elas provêm de práticas discursivas vizinhas, mas distintas. A episteme não é uma
forma de conhecimento ou um tipo de racionalidade que atravessa as ciências mais diversas,
que manifestaria a unidade soberana de um sujeito, de um espírito, de uma época; ela é o
conjunto de relações que podem ser descobertas, para uma época dada, entre as ciências
quando se as analisa ao nível das reguiaridades discursivas" (AS, 249-250). * Características
da episteme: 1) é um campo inesgotável e que nunca se pode dar por fechado; não tem por
finalidade reconstruir o sistema de postulados ao que obedecem todos os conhecimentos de
uma época, mas recorrer um campo indefinido de relações. 2) Náo é uma figura imóvel que
aparece um dia e depois desaparece bruscamente, é um conjunto indefinidamente móvel de
escansões, de defasagens, de coincidências que se estabelecem e se desfazem. 3) Permite captar
o jogo de coerções e limitações que, em um momento dado, se impõem ao discurso. 4) Não é
uma maneira de recolocar a questão crítica, isto é: dada uma determinada ciência, quais são
suas condições de legitimidade? (AS, 250-251; DEl, 67 6). Renascimento, classicismo,
Modernidade. Segundo a análise de Les mots et les choses, a arqueologia mostrou duas
grandes descontinuidades na episteme ocidental: a que inaugura a Época Clássica (em tono
de meados do século XVII) e a que, por volta do começo do século xlx, marca o umbral de
nossa Modernidade. les mots et les choses está dedicado à análise de cada uma delas (MC,
13). Nós nos ocupamos delas nos verbetes: Episteme clássica, Episteme renqscentista e
Homem. Kant. A episteme não tem nada a ver com as categorias kantianas (DEz,37l).
Paradigma. Foucault é consciente de haver confundido demasiadamente a episteme, em les
mots et les choses, com algo assim como o paradigma (DE3, 144). ver também: Arquivo,
Arqueologia, Dispositivo, Formaçao discursiva, Prática.
Epistémà [ 1 14]: AS,249-255. DEl, 493, 495, 676, 679, 696. DE2, 34, 1.72 173,210,216,220, 370-372,415. DE3,
28,300 30r,310,317, s75.D84,71,278,327. HSr, 189. IDS,20, 19i. MC, 13,45, 47,55,68,71,76 77,85_87,89, 100,
140, 179, 183, 192,219-220,222,258-259,261 262,270,320 321,323,336-338,346,356 358,375,376 379,385,390,395,
397. SP,312.
A episteme clássica refere-se à disposição do saber durante os séculos XVII e XVIII. Foucault
leva em consideração os seguintes domínios do saber: a gramática geral, ahistória natural e a
análise das riquezas. Gramática geral. A gramática geral não éa simples aplicação da lógica
coisas um nexo de atribuiçâo, quando se diz isto é aquilo. A espécie inteira do verbo se reduz
ao que significa ser" (MC, 109). 2) A teoria da articulação (MC, 1l I - 119): do mesmo moclo
que o verbo ser é essencial à forma da proposiçáo, também o é a generalidade do nome ao
discurso. A teoria da articulação explica tal generalizaçáo. 'A articulação primeira da lingua-
gem (se se deixa de lado o verbo ser que é tanto a condição como uma parte do discurso) se
leva a cabo segundo dois eixos ortogonais: um vai do indivíduo singular ao geral; o outro, da
substância à qualidade. No ponto em que se cruzam reside o nome comum; em Llna extremi-
dade, o nome próprio, na outra, o adjetivo" (MC, 1 13). 3) A teoria da designação (MC, 119-
125): o princípio da nominação primeira contrabalança a primazia formal do juízo. A análise
da linguagem da ação explica como pode constituir-se un.r signo a partir das gesticulações ou
dos gritos involuntários. As raízes ou palavras rudimentares não se contrapõem aos outros
elementos linguísticos como o natural ao arbitrário, a não ser porque foram assumidas pelos
homens a partir de um processo de compreensão. 4) A teoria da derivação (MC, 125-131):
explica como as palavras e os signos em geral se modificam quanto à sua forma e ao seu con-
teúdo. A forma se modifica em relação aos fatores extralinguísticos, por exemplo, a moda, e à
*
facilidade para pronunciá-los. A teoria dos tropos explica as rnodificaçÕes do conteúdo. 'As
quatro teorias (daproposição, da articulaçáo, da designação e da derivação) formam como os
segmentos de um quadrilátero. Elas se opõem duas a duas e de duas a duas se dão apoio. A
articulação é o que dá conteúdo à pura forma verbal, ainda vazia, da proposição; ela a preen-
che, mas se opõe a ela como uma nominação que diferencia as coisas se opôe à atribuiçâo que
as vincula. A teoria da designação manitêsta o ponto de enganche de todas as formas nominais
que a articulação recorta; mas ela se opõe a essa, como a designação instantânea, gestual,
perpendicular se opÕe ao recorte das generalidades. A teoria da derivação mostra o movimen-
to contínuo das palavras a partir de sua origem, mas o deslizamento na superfície da repre-
sentação se opoe ao nexo único e estável que une uma raiz a uma representação. Enfim, a
derivação retorna à proposição, porqLle sem ela a designação permaneceria dobrada sobre si
e não pocleria adquirir essa generalidade que autoriza um nexo de atribuição; portanto, a
derivação leva-se a cabo segundo uma Írgura espacial, enquanto que a proposição se desen-
voh.e segundo uma ordem sucessiva' (MC, t3l). História natural. A tarefa da história na-
tural é a disposição dos dados da observação em um espaço ordenado e metódico. Nesse
sentido, pode-se definir a história natural dizendo que é a nominalização do visível, a dispo-
sição taxonômica dos seres viventes servindo-se de uma nomenclatura adequada. Para isso,
recorrerii, por um iado à noção de estrutura, por outro, à noção de caráter. A estrutura dos
seres viventes se define pelos valores, não necessariamente quantitativos, que podem ser
atribuídos a cada uma dessas quatro variáveis: a forma dos elementos, a quantidade, a manei-
ra como se distribuern uns com respeito a outros e as dimensões relativas. A descrição da
estrutura é, com respeito ao observável, o que a proposição é com respeito à representação,
ção seguiu duas técnicas: o sistema (Linneu) e o método (Adanson, Buffon). Linneu limita a
comparação a um ou a poucos elementos; por exemplo, ao aparelho reprodutivo. Adanson, por
sua vez, descreve uma espécie arbitrariamente escolhida, em seguida descreve as diferenças
entre essa e uma segunda, depois, uma terceira, etc. A teoria da estrutura ocupa o lugar que
ocupavam, na gramática geral, a teoria da proposição e da articulação; a teoria do caráter, por
sua Yez, ocupa o lugar das teorias da designação e da derivação. Estrutura e caráter permitem a
disposição em"tableau" dos seres viventes. Na história natural, o conhecimento dos indivíduos
empíricos é adquirido através de um quadro ordenado, contínuo e universal de todas as diferen-
ças possíveis (MC, 157). Análise das riquezas. À diferença do Renascimento, na Epoca
Clássica, a função fundamental da moeda é a substituição; ela náo substitui porque vale, mas
vale porque substitui. Com base nesse pressuposto, surgirão duas teorias: a moeda como signo
e a moeda como mercadoria. Mas ambas partem de um pressuposto comum, a moeda é como
um intercâmbio diferido. Os preços, por sua vez, dependem da relação de representação entre a
moeda e as riquezas no processo de intercâmbio. A teoria clássica da moeda deÍine como os bens
podem ser representados no processo de intercâmbio e também as relações de representação
entre a moeda e os bens. A teoria do valor, por sua vez, define por que existe o comércio ou, o
que é o mesmo, como se constitui o valor. "Por sua vez, a teoria da moeda e do comércio explica
como uma matéria qualquer pode cumprir a função significante, referindo-se a um objeto e
servindo-lhe de signo permanente; ela explica também (pelo jogo do comércio, do aumento e
da diminuição do numerário) como essa relação do signo ao significado pode alterar-se sem
nunca desaparecer, como um mesmo elemento monetário pode significar mais ou menos rique-
zas, como pode deslocar-se, estender-se, contrair-se com respeito aos valores que está encarre-
gado de representar. A teoria do preço monetário corresponde, então, ao que na gramática geral
aparecia sob a forma de uma análise das raízes e da linguagem da ação (função de designaçao)
e aoque aParece sob a forma dos tropos e dos deslocamentos de sentido (função de derivaçao)
[...] A teoria da moeda preços ocupa, na análise das riquezas, a mesma posição que a te-
e dos
oria do caráter na história natural" (MC, 215). Gênese, máthesis, taxonomia. No início do
século XVII, a semelhança, que durante o Renascimento determinava a forma e o conteúdo do
saber, converte-se na ocasião e no lugar do erro: uma mescla de verdade e de falsidade que exige
ser analisada em termos de identidade e de diferença (MC, 65-68). A crítica cartesiana da se-
melhança confere ao ato de comparação um novo estatuto. Comparar já não consiste mais em
buscar a maneira com as coisas se assemelham, mas em analisá-las em termos de ordem e de
medidz. Medlr, calcular as identidades e as diferenças, é confrontar as quantidades contínuas
ou descontínuas com um padrão exterior. Ordenar é analisar as coisas, sem referi-las a um padrão
exterior, segundo seu grau de simplicidade ou de complexidade. Durante a Época Clássica, co-
nhecer é analisar segundo a ordem e a medida; mas, como todos os valores aritméticos são or-
denáveis serialmente, sempre é possível reduzir o medir ao ordenar. * A tarefa do pensamento
consistirá, então, em elaborar um método de análise universal que, estabelecendo uma ordem
certa entre as representações e os signos, reflita a ordem do mundo. A semelhança delxa de ser
a forma comum às palavras e às coisas e também de assegurar o nexo entre elas. No entanto, a
Época Clássica não a excluiu de maneira absoluta, mas a situa no limite da representação e como
etc. A tarefa da taxonomia consiste em construir o quadro das representações: o modo como
essas se situam umas com respeito a outras, como se assemelham e como se dilbrenciam mutu-
amente. Aqui se sítuam a grarnática geral, a histório natural ea análise das riquezas. Nesse
espaço definid o pela taxonorairz, situant-se os dois grandes projetos do classicisrno: uma língua
perfeita, uma ars combiflatoria, na qual o vâlor representativo das paiavras e dos signos estaria
perfeitamente delimitado; e a Enciclopédia, qte, em relação ao ideal de uma língua perfeita,
define o uso legítimo das palavras nas línguas reais levando em conta as variaçÕes de seu valor
representativo.Na gramática geral, o ideal da Ars combinatoria esÍá representado pelo lado
que, no quadrilátero da linguagem, une a teoria da atribuição à teoria da articulação (poderíarr-ros
dizer tanrbém pela teoria do juízo); na história flatural, pela teoria da estrutura; e, na análise
das riqttezas, pela teoria do valor. O ideal daEnciclopédia está representado, na gramática
geral, pelo lado que une a teoria da designação à teoria da derivação (ou, se quisermos, pelo
momento da signiÍicação);nahistória natural,pelateoria do caráter;e,naanálise dtts riquezas,
pela teoria do preço. Ars combinotoria e Enciclopédia representam os dois momentos cienti-
ficanrente fortes do classicismo, isto é, o que torna po ssível a gramatica geral, a história natural
e a análise das riquezas. Entre o lado do juízo (ou da estrutura ou do valor) e o lado da signifi-
cação (ou do caráter ou da teoria do preço), os dois lados do quadrilátero que permanecem
abertos representam o momento metafisicamente forte do classicismo; por um lado, a continui-
dade das representações (entre a derivaçáo e a atribuição) e, por outro, a continuidade dos seres
(entre a articulação e a designação). com efeito, para que exista rma gramática gerol, uma
história natural e uma wtálise das riquezas, é necessário o encadeamento das representaçÕes
e o encadeamento das coisas, que
entre as representações e os seres exista uma continuidade,
uma semelhança (MC, 214-221). Representaçáo. A Logique de Port-Royal define o signo
como se segue: o signo encerra duas ideias, uma da coisa que representa, outra da coisa repre-
sentada; e sua natureza consiste em provocar a segunda pela primeira (MC, 78). Uma ideia é
Em cada um dos saberes que Foucault leva em consideração, a semelhança, com suas diferentes
figuras, aparece como a forma ea condiçáo de possibilidade do conhecimento durante o Renascimento.
*
Nem o problema da representaçáo (como estar seguro de que um signo designa corretamente o que
significa) nem o problema do sentido ou da significação (como a consciência confere um conteúdo
aos signos) ocupam a reflexão acerca da linguagem; entre as palavras e as coisas, entre os signos e a
}}?. EPISTROPHÉ
Yer: Conversão.
Segundo Foucault, Epiteto marca a mais alta elaboração fllosófica do tema do cuidado de
si mesmo: ele define o homem como o ser que foi confiado ao próprio cuidado (HS3, 6l). As
referências a Epiteto são numerosas nos textos de Foucault. Não há, contudo, uma exposição
sistemática de seu pensamento, mas referências que se inserem no marco geral de urna exposição
EPITETO 1 4 5
do tema do cuidado de si mesmo no contexto da filosofia helenista. Assinalamos, a seguir, as mais
importantes. * Epiteto insiste em que a "escola" não seja considerada como um simples lugar de
aquisição de conhecimentos; antes a concebe a partir das metáforas médicas, como um hospital
da alma. Em Epiteto, ademais, as metáforas médicas são regularmente empregadas para designar
as operações necessárias para a cura da alma (HS3, 71; HS, 87, 96). Ainda que a escola de Epiteto
não fosse um lugar de residência, existia, segundo testemunhos, alguma forma de convivência (HS,
133). Nela, se oferecia a formação necessária para cumprir com a missão do filósofo, conduzir aos
outros ao cuidado de si mesmos; o que requer duas condiçoes: ser protreptikós (capaz de dirigir
o espírito na direção correta) e elenktikós (bom na arte da discussão, capaz de refutar os erros).
Nesse sentido, Epiteto nos oferece o que se poderia chamar um esquema de formaçáo profissional
*
do filósofo (HS, 134- 135). Desde esse ponto de vista, da aproximação entre a medicina ea moral,
ressalta-se a importância de reconhecer-se como doente, como necessitado do trabaiho de cura
(}J'53,73-74). * As metáforas que Epiteto utiliza (como, por exemplo, aquelas que se referem à
atitude de vigilância a respeito de si mesmo) tiveram uma influência considerável na espirituali-
*
dade cristã (HS3, 79). Para Epiteto, o "examelatitude da alma com relação a si mesma, consiste
em distinguir as representações, em prová-las, para evitar aceitar o que nos é oferecido nelas "à
primeira vista" (HS3, 80). * Epiteto sustenta a impossibilidade de universalizar a renúncia ao
matrimônio. Em seu retrato do cínico ideal, a renúncia ao matrimônio se segue da necessidade
de cumprir com a missão de ocupar-se dos seres humanos. A renúncia ao matrimônio aparece,
*
então, vinculada só a razões circunstanciais, não essenciais (HS3, 182- 185). Epiteto evoca o ideal
de não ter relações sexuais antes do matrimônio (HS3, 196). * Sustenta a exigência de fidelidade
* Acerca da relação entre cuidado de si e cuidado dos outros, Epiteto nos
matrimonial (HS3,200).
oferece um desenvolvimento em dois níveis. No nível natural, o mundo está organizado de modo
tal que cada ser busca o próprio bem. Pois bem, buscando o próprio bem, naturalmente, busca o
bem dos outros. No nível do homem, ao nível reflexivo, o homem que tem cura de si mesmo como
convém, necessariamente cumpre com seus deveres em relação à comunidade (HS, 188-190). *
Entre os exercícios de si mesmo de que nos fala Epíteto, encontramos: a caminhada (para exami-
nar as representações que nos vêm ao espírito e estabelecer qual seria nosso comportamento) e a
memória (recordar um acontecimento davida passada, estabelecer que influência teve sobre mim,
em que medida sou livre, em que medida dependo dele, como tenho que julgá-lo) (HS, 185-186).
* Foucault analisa também a posição de Epiteto sobre o ouvido como receptor
do lógos; isto é, os
exercícios de escuta (HS,321-323, 329-331).
Épictéte [275]: DF4,356-358,362,364-365,391,3gg, 401, 408, ,11 7, 42 1, ss 1, 6 6, 628, 66 9,698,700,7 12,795,802-
1
t3=. EPITHYMÍA
Yer: Desejo.
Epithumia [7] : HS2, 52, 66, HS3, 128, 160,232.
146 EPITHYMíA
:':,. ÉPOCA CLÁSSICA (Epoque ciassique)
A expressão época clássica tem dois sentidos na obra de Foucault. Por uur lado, r-efere-se aos
séculos XVII e XVIII, em termos filosóficos, de Descartes a Kant. "Clássico' aqui faz referência à
imitação dos autores antigos na ordem da literatura, e se opõe a rcmântico. Nesse sentido, a expres-
são é utilizada em Histoire de la folie e em les mots et les choses. O outro sentido corresponde
à Época Clássica dii cultr-tra ociciental, isto é, a época clássica da literatura e da filosofia gregas,
entre os séculos V a.C. e III a.C. Assim é utilizada, por exemplo, em Ilusage des plaisírs.
Âgeclassique[277]:NA.{4-45,{tt,50,5.1,62,65, ll1, t52,l12.DEl, t59,161,217,3t7,i98,412,429,180,500
502,598 599, 656,672 673,721,732.738,786,842. DE2,9-10,223,408,456,677,7t7,773,790.D83, ls, 140,229,24s,
278,4r9. 548,669, 677,728. D84.315,316.410,6,19,67r, 70t,779. HF,48,67, 77,79 80,87 88,98_99, 102, 105. 108,
110-r12,115,119,130,136,139-140,t42,t48-150,161,164-t66,176-177,179,181-182,186,188,194,201,203,2t0,212,
223-228.230,241,260,265-266,273 275,283,292,301, 306, 3 14, 3 I 7, 319-220.327 ,341.352-35,r, 355, 360-36 1, 379 380,
383 i34, -186 -187,,105,407,411 113,416,42r 42-1, 427,132,538, 513,545,555, 567.573, s82,61.1,6,1tt. HS,465. HSl,
11,20,26,33,38,47, 158, 172, 179, 183-1rJ4, 195. HS2,48. HS3, 181. MC, 13-1s, 58,58,71-72,75 76,79-83,85-88.90,
92 93, 95, 97.99,102 104, 139 140, 142-t+1,148, l(r3, 163, l7l, 175,177,222 T3,233-231,238,143, 24s,250,259-260,
266,277,28t,286,292,105,313, 322,342.348-349,381. AS, 78,230,255. MMPS,85. Sp,36,51,58, 122, 138, 141. r43,
170, 1 73, i86-l 87, 2t0 211, 217, 227, 304.
Époqueclassique[103]:A:5,76-77,84,88,90,92,206,211,219,23423s,238,2.1i.DE1,s00,671.67e,7)t.7st.
DE2,9,36,55,58,63,111-112,214,283,297,585,716.D83,17,76,149,252.481.D84,218,3t7,622.}{F,27,88,90,
105, r20, r26, 145, 199,102, 256.260,31,1,355,.151,513, -520,620. HS, 125,128. HS1,210. HS2,62,86, 90-91, 121, 165,
200.203,220.I{S3,15,49,93,126,175,219.MC,71,88-89,94,95,98,109,119,124,143,173-174,177,258,260,285,
29-5. 300. 303, 310. 346.357 . MMPS, 8l. OD. 63. PP. 71,74,96,132. SP, 46, 62, 159, 165. 306-307.
::::. EROS
Para os gregos, o eros não é nem necessariamente homossexual nem exclusivo do casa-
mento; pode unir seres humanos de qualquer sexo. Na ética sexual do homem casado, não se
requer uma relação do tipo do ero-s para constituir e definir suas regras; no caso do amor pelos
mancebos, no entanto, é necessária para que essa alcance sua forma perfeita e mais bela (HS2,
222-223). * Eros e ascese são as duas grandes formas, na espiritualidade ociclental, pelas quais o
sujeito pode transfbrmar-se para converter-se em sujeito de verdade (HS, 17). Yer'. Erotica.
Eros [9]: AN,244. DE4, 198. HS2, 101,253. HS3, 224,226,251,258. IDS,20. MMPE,86.
Éros [75]:.\N,244.DBr,223,244.D82,375-377,821.D84, 198, 359. HF, 453. HS2, 102, 166,207 -208,2\0,222,242,
252,257 .262-2(\5,267, 2E0 28 l. HS3 ,206,222,224-225,232,234.236-238,241 245,248,250, 28 L IDS, 20. MMPS. 97.
O quarto capítulo de Lusage des plaisirs está consagrado à eróticit (HS2, 205-248). A erótica
define o campo de interrogirção ética acerca do uso dos prazeres quando a relação se estabelece
609610,613-614,62t,643,671-672,68r,709,742,751,772,780,783,787,792,806.D83,27,36,73,76,19r,t93,196,
200,202,266,302,344,395-396,432 431, 455, 457, 458,162,466,478,515, 576, 580, 586-588,670,739.766,802,823-824.
DEA,Zt,72-74,76,tt9,91,1r2, r29,135, t70,182,209,225,274,275,282.323,351,356-357,358,417,421,433,438-440,
488,519,52t,529,582,650-651,656,662,665,68tt,766-767,796,802,814.HF,106,391,491,672.HS,31.44,8i,96,
u0,u9,12r,13t-r34,136-137,139,\11142,\44,159,172,178,\79,191,214,320-321,327,i35,336,395,4i6,.133,
448, 455. HSl, 40, 65, 167, 184- 185. HS2, 184, 208, 214, 218. HS3, 67, 68,7 r,185,257,259. IDS, 165, r89,222. MC,204.
NC,47,56, 68-71,73,75,77,151, r80-181, 188,208 209,211. PP, 18,41, -51,54,55, 62-63,75-76,78,81,82,87,91-92,
95, 105, 108, ll3, ll6, 128, i49-150, 187,1.96-197,199,211,215-216,226,229,258,328. PP, I8,41,51,54,55,62 63,
75-76,78,81,82,87,9t-92,95,105,108,113,il6,128,149-150,r87,196 197,199,21,1,215-216,226,229,258,328.SP,
12, 113, 130, \42,119,152,156,158 159, 163, 167,168-169,t75,178,180, 183-185, 188 189, 191,213,221-222,225,228,
235, 238, 288, 301-103, 306-307.
A partir da noção de ética, que Foucault elabora em tusage des plaisirs (ver: Etica),
podemos compreender a noção de estética da existência como modo de sujeição, isto é, como
uma das maneiras pelas quais o indivíduo se encontra vinculado a um conjunto de regras e
devalores (D84,397).Essemododesujeiçãoestácaracterizadopeloidealdeterumavida
bela e deixar a memória de uma existência bela (DE4,384). Um indivíduo, então, aceita certas
maneiras de comportar-se e determinados valores porque decide e quer realizar em sua vida a
beleza que eles propõem. A vida, como bios, é tida como o material de uma obra de arte (DE4,
390). * Foucault elabora o conceito de estética da existência para descrever o comportamento
moral da Grécia clássica. A reflexão moral na Antiguidade não se orienta nem no sentido de uma
codiÍicação dos atos, nem como uma hermenêutica do sujeito, mas no sentido de uma estilização
*
da atitude e uma estética da existência (HS2, 106). Por estética da existência, há que se entender
uma maneira de viver em que o valor moral não provem da conformidade com um código de
comportamentos, nem com um trabalho de purificação, mas de certos princípios formais gerais
Esthétique [1 t6]t A5,64,224. DEt, 169,341,387,389, 430, 548, 673, 795.DE1 \29,172,1 86, 193, 402, 418, 498,
710,746-747,751.797. DE3, r 0, 6-5, I I 8. DE4, 102-1 03, 106.219.221,329, 384-38-5, 390--191, 39-5, 397-398, 101, 40,5,{06,
410,415,488,495,536,545546,604,610-ólt,616,6\9-621,623,626,629-630,651,730,732.HS,14,25,240_241.257,
411,,1l6. HS2, l7-18, 103, 106, 107,'118,220,277-2t*8, HS3, 105, 175,21s,222.MC, 101,330-33l.NC,X,XIII, l22.RR,
92. 5P, 7 2, 108, 290. 296.
Foucault distingue três sentidos do termo "estratégia": 1) Designa a escolha dos meios
empregados para obter um fim, a racionalidade utilizada para alcançar os objetivos. 2) Designa
o modo em que, em urn jogo, um jogador se move de acordo com o que pensa acerca cle corno
atuarão os demais e do que pensa acerca do que os outros jogadores pensam acerca de como
ele haverá de se rtover. 3) Designa o conjunto de procedimentos para privar o inimigo de seus
I 52 ESTRUTURAUSMO (Structuralisme)
a partir daqui, há cadavez maior afastamento. Foucault, referindo-se a seu trabalho sobre
R. Roussel, ainda que se possa, sem dificuldade, estender essa apreciação a toda sua obra,
expressa-se nesses termos: " [. . . ] não se tratava exatamente do problerna do estruturalisrno: o
que me importava e o que eu tratava de analisar não era tanto o aparecimento do sentido na
linguagem, mas o modo de funcionamento do discurso dentro de uma cultura dada' (DEl,
605). Sujeito. "Se, ao contrário, interrogarem Lévi-Strauss, Lacan, Althusser e a mim mesmo,
cada um declarará que não tem nada em comum com os outros três e que os outros três nào
têm nada em comum entre si. [. . . ] Parece-me, antes de tudo, desde um ponto de vista negativo,
que o que distingue essencialmente o estruturalismo é que ele problematiza a importância
do sujeito humano, a consciência humana, a existência humana' (D81, 653). "penso que o
estruturalismo inscreve-se atualmente dentro de uma grande transformação do saber das
ciências humanas, que essa transformação tem como ápice não tanto a análise das estruturas
enquanto o questionamento do estatuto antropológico, do estatuto do sujeito, do privilegio
do homem. E meu método inscreve-se no quadro dessa transformação do mesmo modo que
o estruturalismo, junto a ele, não nele" (DEl, 779). Fenomenologia, episteme moderna.
O estruturalismo e a fenomenologia, segundo a análise de Les mots et les choses, têm uma
mesma condição de possibilidade, um lugar comum: a disposição epistêmica da Modernidade
(MC,3l2). "0 estruturalismo não é um método novo, é a consciência desperta e inquieta do
saber moderno" (MC, 221). Existencialismo. O estruturalismo se opôs às duas tendências
maiores do existencialismo: a tentação de situar a consciência em todos os lugares e a de livrá-la
da trama da lógica (DE1, 654). Marxismo. Na França, após se ter querido caçar o marxismo
com a fenomenologia, buscou-se acoplá-lo ao estruturalismo (DE4,434); ainda que, para Sartre
e para Garaudy, se tratasse de uma ideologia tipicamente de direita (D81,658). História.
A propósito da relação entre o estruturalismo e a história, Foucault aponta (DF,2,268-280):
1) em sua forma primeira, o estruturalismo foi uma tentativa de dispor de um método mais
preciso e rigoroso no campo das investigações históricas. 2) A crítica do caráter anti-histórico
do estruturalismo provém, por um iado, da fenomenologia e do existencialismo (por exemplo,
de Sartre, para quem, sem atividade humana, sem atividade do sujeito, não existiria o sistema
da lÍngua); e por outro, de certos marxistas, para os quais os movimentos revolucionários
têm muito pouco de estruturalistas. 3) As duas noções fundamentais da história, tal como se
a pratica hoje, não são o tempo e o passado, mas a mudança e o acontecimento. Os trabalhos
de Dumézil, por exemplo, mostram como uma análise é estrutural quando estuda um sistema
transformável e as condições pelas quais tal transformação se realiza. "Eu creio que, entre as
análises estruturalistas da mudança ou da transformação e as análises históricas dos tipos de
acontecimento e dos tipos de duração, há, não digo exatamente identidade nem convergência,
mas certo número de pontos de contacto importantes" (D82,280). Assim como os estrutura-
listas abordam os mitos, os historiadores abordam os documentos para estabelecer o sistema
de relações internas e externas. Os historiadores e os estruturalistas permitem abandonar a
grande e velha rnetáfora biológica da vida e da evolução, introduzindo a descontinuidade. "O
estruturalismo eahistória contemporânea são instrumentos teóricos graças aos quais se pode,
contra a velha ideia da continuidade, pensar realmente tanto a descontinuidade dos aconte-
cimentos como a transformação das sociedades" (DE2, 281). Filosofia. pode-se distinguir,
por um lado, o estruturalismo como um método que permitiu a fundaçáo de certas ciências
779,788.813 814,816,820,831 832, 835,838-839. DE2, 133, 210,268, 270 27]1,273,281,296,301,374, 635-636,692,
722.D83,80,89,r44 t15,402,493.579,580,590.DE4,52,61-65,70,72,74,r70,431135,447,752.;líC,221,312.OD,
t'2.PP,255.
-+* ÉTHOS
O éthos para os gregos é um modo de ser do sujeito que se traduz em seus costumes, seu
aspecto, sua maneira de caminhar, a calma com que se enfrenta os acontecimentos da vida.
O homem que possui um éthos belo e que pode ser admirado e citado como exemplo é o que
pratica sua liberdade de maneira refletida (DF4,714). Atitude de Modernidade. Em lugar
de tomar a Modernidade como um período e assim distinguir entre "moderno'i "pré-moderno"
e "pós-moderno'i Foucault entende a Modernidade como uma atitude, como um éthos to
sentido grego do termo; ou seja, como uma escolha voluntária de uma maneira de pensar
e de sentir, de agir e conduzir-se, como marca de pertencimento e como tarefa (DE4, 568).
Essa atitude se caracteriza negativa e positivamente l) Negativamentei Trata-se de evitar
a chantagem da Auftkirung não se trata de colocar a questão da Modernidade em termos
de uma alternativa simplista de aceitação ou rechaço. "É necessário tentar a análise de nós
mesmos enquanto seres historicamente determinados, em certa medida, pela Auftkirun§'
(D84,572). Devemos perguntar-nos por aquilo que não é mais necessário para constituir-
nos como sujeitos autônomos. * Não há que se confundir a Auftltirung com o Humanismo: o
princípio de uma exigência de constituir-nos a nós mesmos como sujeitos autônomos estabelece
uma tensão entre AuJklcirung eHrmanismo. Com efeito, este último supõe uma concepçào
universal do homem. 2) Positivamente:Trata-se de uma crítica prática: a crítica kantiana se
preocupava em determinar os limites que o conhecimento não devia superar; a ontologia do
presente, no entanto, é uma crítica que adota a forma prática da superação possível do limite.
É uma crítica arqueológica em seu método (não é transcendental, não trata de estabelecer as
estruturas universais de todo conhecimento): ocupa-se dos discursos que articulam o que
pensamos, dizemos e fazemos enquanto acontecimentos (événemenfs) históricos. É uma
crítica genealógica em sua finalidade: não se trata de deduzir, do que somos, o que nos é
impossível fazer ou conhecer, mas de deduzir, da contingência histórica que nos fez ser o que
somos, a possibilidade de não ser, fazer ou pensar o que somos, fazemos ou pensamos (DE4,
574). Trata-se de uma crítica experimental: um trabalho de nós sobre nós mesmos enquanto
seres livres, uma prova histórica dos limites que podemos superar. Transformaçoes parciais
e náo as promessas de um homem novo. É uma crítica que faz sua aposta (enjeu) e tem sua
homogeneidade, sua sistematicidade e sua generalidade. A aposta é desconectar o crescimento
154 ÉrHos
das capacidades (produção econôurica, instituições, técnicas de comunicação) da intensiÍicação
das relaçÕes de poder (disciplinas coletivas e individuais, procedimentos de normalização
exercidos em nonle do F,stado, exigências sociais e regionais). Hornogeneitlade: o objeto de
estudo são as práticas. Não se trata l.lem de analisar as represelltaçires que os honrens têm de
si mesmos' nem as condições que os levam a pensar de utna deterrninada mane'ira sent que
eles o saibam, mas o que fazem e o modo como o fazem. As formas de racionalidade que
organizam as maneiras de fazer (aspecto tecnológico) e a liberdade com que atualtl nesses
sistemas práticos (conto reagenl, colno os modificam - aspecto estratégico). Sistematicídade:
esseconjunto de práticas tera três domínios: as relações de domínio sobre as coisas (saber),
as relações de ação com os outros (poder), as relações consigo mesmo (ética). Como nos
constituímos como sujeitos do saber, corlo sujeitos que exercem ou padecem o poder, como
sujeitos éticos de nossas açÕes? Finalmente, generalidade: essas práticas têm um caráter re-
corrente. 'A ontologia crítica de nós mesmos não há que considerá-la como umtl teoria, uma
doutrina, nem tantpouco como um corpo permanente de saber que se acumula; é necesstírio
concebê-la como ttma atitude, vm éthos, uma vicla filosófica onde a crítica do que somos é,
ao nlesmo tempo, análise histórica dos limites que nos são impostos e prova de sua possível
transgressáo" (D84,577). Baudelaire. Foucault também descreve a atitude de À,lodernidade
a partir da obra de Baudelaire.Yer Baudelaire.
Ethos [6] : DE4, 5l-r. H52, 1 I 7, l9l, 214. HS3, I I 0, I 13.
Foucault delimita de maneira precisa nrr conceito de ética que lhe serve parâ definir
um domínio de aná1ise, do qual se ocupa nos últimos volumes de Histoire de la sexualité
e em vários cursos do Coilàge de France, dos quais fbram publicados therméneutique du
sujet e Le gouvernenrent de si e des autres. Em primeiro iugar, e necessário começar com
aigumas cor.rsideraçÕes sobre o termo "moral'l Por "rnoral" pode-se entendet por um lado,
um conjunto de valores e regras que são propostos aos indir,íduos e aos grupos por diferentes
aparatos prescritir.os (a família, as instituições educativas, as igrejas, etc.), de maneira mais
ou menos explícita. Por outro 1ado, pode-se entender por "moral" os comportamentos morais
dos individuos à medida que se adaptam ou ltão às regras e aos valores que lhes são propostos.
No primeiro caso, pode-se faiar de 'tódigo moral"; no segundo, de "moralidade dos comporta-
lllentos'l Pois bem, ademais dos códigos e comportamentos, pode-se levar em consideração a
maneira pela qual o sujeito se constitui como sujeito moral. Aqui é necessário distinguir quatro
coisas: l) Asubstância ética:apartedo indivíduo que constitui a matéria do contportamento
moral. Por exemplo, uma Inesma exigêr-rcia ao nível do códigtt, a fidelidade, pode concernir
a substâncias eticas dit-erentes: os atos, os desejos. 2) Os modos de sujeiçao: a maneira pela
qual o individuo estabelece sua relação com a regra e se reconhece como ligado a ela: porque
pertence a um grupo, porque se considera herdeiro de uma tradição espiritual. 3) As
formas
196,197,199-203,218,222.)42,252,267-269,275,277,280.HS3,29,32,19,82,84,89,92,97,r05,113,ll6,160,163,
165-166,168,17_r,180,187,190t9l,194,213214,216,222,251,253,258-259,273-275.MC,138,i39,350.MMPE,30.
MMPS,30,85,88, 103. NC, 167. OD,48. PP,255. SP,20.
objeto de poder, como efeito e objeto de saber. Combinando vigilância hierarquizada e sanção
normalizadora, assegura as grandes funções disciplinares de repartição e classificação, de
extração máxima das forças e do tempo, de acumulação genética contínua, de composição
ótima das atitudes; da fabricação, então, da individualidade ceiular, orgânica, genética e com-
binatória. Com ele, ritualizam-se essas disciplinas que se pode caracterizar corr uma palavra
ao dizer que elas são uma modalidade de poder para a qual a diferença individual é pertinen-
te" (SP, 194). Investigação. O século XVIII inventou o exame, assim como a Idade Média, a
investigaçâo judicial, a investigação como busca autoritária de uma verdade constatada e teste-
munhada. A investigação judicial serviu de matriz para a formação das ciências empíricas, como
o exame, para a formação das ciências humanas. Porém, enquanto a investigação pode despren-
der-se de seu caráter de procedimento inquisitorial, o exame, contudo, está sempre impregnado
a conÍrssáo exaustiva formam, pois, um conjunto em que cada elemento irnplica os outros dois;
a manifbstação verbal da verdade que se oculta no fundo de si mesmo aparece como uma peça
indispensável para o governo dos homens, de uns pelos outros, tal como foi posto em funciona-
mento nas instituições monásticas e, sobretudo, cenobíticas a partir do século IV" (DE4, 129).
O cristianismo vinculará, desse modo, a prática do exame à direção de consciência (DE4, 146).
*
Na comparação entre a prática do exame nas escolas filosóficas da Antiguidade e no cristianis-
mo, é necessário também levar em conta a relação com a verdade. No primeiro caso, o exame de
consciência era, antes de tudo, um exercício mnemotécnico, orientado à memorização dos
princípios justos, de uma verdade que está fora. No segundo, a verdacie em questão é a que está
no fundo de si mesmo (DE4, 659). * "Há três grandes tipos de exarne de si: primeiramente, o
exame mediante o qual se avalia a correspondência entre os pensamentos e a realidade (Descar-
tes); em segundo lugar, o exame pelo qual se avalia a correspondência entre os pensamentos e
as regras (Sêneca); ern terceiro lugar, o exame pelo qual se aprecia a relação entre um pensamen-
to oculto e uma impureza da alma. Com esse terçeiro tipo de exame começa a hermenêutica de si
crístã e o deciframento que ela faz dos pensamentos íntimos. A hermenêutica de si se funda na
ideia de que há algo escondido e que nós vivemos sempre na ilusão de nós mesmos, uma ilusão
que mascara um segredo'(D84, 810).
257 ,303,37 5, 444-446, ,549, 564. DE4, 13, 23,86, 122, \25_126, t27 128, 129, t46_148, 307, 362,376,385, 399,
517 , 527
407,426,428430,522,541,558,593,611,626,633,659,710,746,794_799,803,807_811.HF,111,282,321,684.HS,13,
23,25, 48,61,1 1 8- 1 I 9, 140, \42,144, t57 ,191-192,195,211,225,258,284_288,298,333,335,347, 353, 398_400, 405, 41 6,
439,444-445,454,457,460-464,468 469. HSl, 28, 4 1,44,61,80,87,94, 1 i9, 130, 142,147,153,155, 158-159, 201. HS2,
12,36,86,228. HS3,65,74,77-80.IDS, 123, 171.MC,94,96,t05,117,149,154-155, 181, 193,243,289, MMPE, 15,88.
MMPS,15,99.NC,4,44,50,56 57,60,66-67,73,77-79,93,r01,111-tt2,125,160,167,181,188,191,194_196,198,209,
213. OD, 40. PP, s4, i83, 195,264,301,304-306, 31 1,316. Sp, 25, 160, t73,182,186-194, 2 15, 226_22s,311.
* Pode-se definir
o existencialismo como um projeto antifreudiano, não no sentido de que
Sartre ou Merleau-Ponty tenham ignorado Freud, antes o contrário: mas no sentido em que
o problema essencial era mostrar como a consciência humana, o sujeito ou a liberdade do
homem chegavam a penetrar em tudo o que o freudismo havia descrito como mecanismos
inconscientes. Esse rechaço ao inconsciente será o obstáculo do existencialismo. * Apesar de
tudo, o existencialismo é profundamente anti-hegeliano, pois o existencialismo tenta descrever
as experiências de maneira que possam ser compreendidas em suas formas psicológicas. A
grande preocupação do existencialismo foi ter posto a consciência por toda parte (DE1, 654).
* "Fui formado filosoficamente em um clima que era o da fenomenologia e do existencialismo;
1*2. EXOMOLOGÊSIS
antes e que existirá depois" (DE4, 45). * Desde essa perspectiva, Foucault criticará seus usos
anteriores da noção de experiência. "É o conjunto de'práticas e discursos'que constitui o que
denominei experiência da loucura; mal nome, porque não é em realidade uma experiência'
a
*
(DE2,207). A atitude de Modernidade, como éthos, é uma forma de experiência histórica
livre, de experimentaç âo. Yer: Ethos.
Expérience 11552J: AN, 34, 50, 164, 210,226,244. A5,24,27, 35, 45,64,66,75,88, i00, 105, 129, 136, 147, 167,
180,202,209,237,247-249,25t,263-264.DBt,67-68,69,71,73,76,8083,8687,88,90-91,96,98 101,12t,127,t30-
1.31,1.34, t37 ,148, l 53, 1 54, 159,162,164-166,168- 169, 1 80, ).96-199,202,206,2t2,215,226.231,233,235 236,238 239,
24).-244,246-249,262-263,265-266, 268, 280, 283,285,292,297,326 328,330 332,339,35 1 354, 356 357 ,359,362 363,
365,37 \,379 380, 390 39 1, 393-398, 400-40 l, 404, 408, 4 l 5 -417 , 419-420, 428-429, 433, 435-436, 437, 441-442, 449-450,
458, 460-462,480, 502, 504, 520,523, 525. 537 ,543, 555-558, 569-57 1, 579, 582, 604, 614, 616,630, 665, 67 4, 690,704,
7 10,722, 728-730, 765-766,782-783, 794, 800, 843-844. D82, 32-33, 57 ,72, 00, 08, l l 0,
1 1 1 1 2- r 1 3, 122, 172, 17 4-175,
178,207,234-236,246-248,250,256,286 287 ,290,346, 350, 39 1, 399-400,417 -418,422, 472,482,484-485, 488, 497 ,504,
513,518,522,526,546,567,597,648,685686,736,758,803,805.DE3,29,57,59,60,62,82,92,95,104,133,165-166,
223. 225, 229,294,335, 346, 350, 352, 354, 369, 372, 377 , 387, 430, 432, 451, 490, 5r2, 520, 534,536, 54 l, 57 5-578, 590,
610,616, 618,621 622,624,629,671,676,703,707,745,749-750,785,81i,821. DE4,8, 12, i.9,40-17,49 52,54-57.59,
6t-62,67,75,77 80, 90, 97, 124,131,135,148, 160, 181, 207,211,213,2t9 220,224-225,228,244,250,286,289, 291, 308,
3t2, 3t6 317 , 320-32t, 323, 325-326, 329, 339, 343 345, 347 , 369, 372, 385,389, 405, 408, 414, 4t9, 437 , 456, 466, 503,
617,667,670-673,684,697-698,701'703,70s706,708,730-731,734,740,742,753,756,763764,766,794,801,812.
HF.31-34,41,4349,51,56,59,63,69-71,8384,99,101-103,106,109,111,113,115-116,1.27,135-137,139,141 146,
35 l. 364, 37,1, 387, 39 1, 393, 405, 4 I,1, 418, 422, 424, 426 128, 432, 134, 137 , 440 441, 154-456, 472, 475, 184, 193, 495, 521,
523, s32 533,542, 548 s49,553-555,570 573,579,591,598,610,613, 623-625,633 635,640-641,643-646,648,650-653,
656,660 661,669. HS,16, 18,21,46, 105, 121,123, t17,151,157,172,200,207 208,218,221,271 272,304,323-324,33s.
340341,386,398,423,425,,155,465-467.HSl,77.HSz,10,11,13,26,30-31,37,39.45,50,52-53,56,s8,98,207,210,
212.275-276. HS3, 15, 20-21, 25,49 50,69.73,76,83,85, 97, I 10, ).69,226,228,252, 256. IDS, 10-l 1, 86, ls9. MC, 1I - I 3,
Yer: Ficção.
Fable [68]: AN, 266. DF],296,403,506 509, 5l 1-5 12, 524,767 -768. DEz,140,26s,414, 553, 819, 821. DE3, 251,
252,256,265,307, 316, 633. DE4, 120. HF, 34 ,136,231. HS, 447. HSl, 49, 101. HS2, 230, 258, 266. HS3, 256. IDS, 105,
108. MC, 133, 141. PP,28. RR,98. SP, 148.
:==. FAMíLlA(Famille)
que foi dito anteriormente se aplica à família burguesa; mas o que acontece com o
proletariado?
filhos do casamentol Trata-se de frear
Áo proletariado se the diz'tasem-se, não tenham antes
o fenômeno das uniões livres que se multiplicam graças à debilitação do proletariado rural
eà
formação de um urbano que não requeria os suportes do casamento (assistência entre família,
intercâmbio de bens, etc.). Desde o momento em que a estabilidade da classe operária foi neces-
sária por razões econômicas, também foi preciso uma nova quadriculação política dos corpos.
A palavra de ordem aqui foi: "Não se mistureml Uma nova problemática do incesto, não do tipo
filhos-pais, mas irmão-irmã, pai-fllha. A sexualidade perigosa é, agora, a do adulto. Estamos diante
de uma reoria sociológica, já não psicanalítica, do incesto (AN,257-560). Asilo. EmHistoire de
la folie à lbge classique, Foucault sustenta que a família serviu de modelo para o surgimento
da
instituição asilar no final do século XVIII. Mas, em Le pouvoir psychiatrique, ele retifica essa
O nazismo e o fascismo não teriam sido possíveis sem que uma porção relativamente
importante da população se encarregasse das funções de repressão, de controle, de polícia.
Nesse sentido, o conceito de ditadura aplicado a tais fenômenos é relativamente falso (DE2,
654).. O inimigo maior de llAnti-Oedipe de G. Deleuze e F. Guattari é o fascismo: "E não
somente o fascismo histórico de Hitler ou Mussolini - que soube utilizar tão bem o desejo das
massas -, mas também o fascismo que está em todos nós, que habita nossos espíritos e nossas
condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar essa mesma coisa que nos
domina e nos explora' (D83, 134). Ver: Deleuze. * O século XX não dispunha de um aparato
conceitual apropriado para pensar o fascismo e o stalinismo. Dispunha-se de instrumentos
teóricos para pensar a miséria, a exploração econômica, a formação da riqueza, mas nào se
dispunha de categorias para pensar o excesso de poder (DE3, 400-401). Essa foi, sem dúvida,
uma das motivações do interesse foucaultiano pela questão do poder. * "O que me aborrece na
afirmação do desejo das massas pelo fascismo é que a afirmação cobre a falta de uma análise
histórica precisa. Vejo nela o efeito de uma cumplicidade geral no rechaço de decifrar o que
realmente foi o fascismo (rechaço que se traduz pela generalização: o fascismo está em toda
parte e, sobretudo em nossas cabeças, ou na esquematização marxista). A não análise do
fascismo é um dos fatos políticos importantes desses últimos trinta anos. O que permite fazer
dele um significante flutuante, cuja função é essencialmente a denúncia: os procedimentos de
todo poder são suspeitos de serem fascistas assim como também as massas são suspeitas de
sê-lo em seus desejos. Sob a afirmação do desejo das massas pelo fascismo há um problema
histórico para o qual não foram ainda encontrados os meios para resolvê-lo' (D83, 422). *
: FENOMEN0LOGIA (Phenomenologie)
=Ê
históricas nas quais essa existência individual aparece; pelo problema das relações entre sentido
e história ou, também, entre método fenomenológico e método marxista' (DEf , 601). 'A leitu-
ra do que se chamava'análise existencial' ou'psiquiatria fenomenológica foi importante para
mim na época em que eu trabalhava nos hospitais psiquiátricos e quando buscaya algo diferen-
te dos esquemas tradicionais da visão psiquiátrica, um contrapeso' (DE4, 58). A introdução à
tradução da obra de L. Binswanger,Le rêve et lbxistence (1954), é produto dessa formação e
dessas leituras. Naquela introdução, Foucault busca, sob a égide de Binswanger, uma conjunção
conversão foi a inquietude diante das condições formais que podem fazer que a significação
apareça. Em outros termos, nós reexaminamos a ideia husserliana segundo a qual existe Sentid0
por toda parte, que nos envolve e que nos investe já antes de que comecemos a abrir os olhos e
a tomar a palavra. Para aqueles de minha geração, o sentido não aparecia por si só, não estava
'já aíi ou melhor, sim 'ele já estâ , mas sob certo número de condições formais. E, desde 1955,
consagramo-nos a analisar as condições formais do aparecimento do sentido' (DEl, 601). "Pois
bem, o estruturalismo ou o método estrutural em sentido estrito me serviu mais como ponto de
apoio ou de confirmaçáo para algo muito mais radical: o questionamento da teoria do sujeito"
(D84,52). "Se há um ponto de vista, portanto, que rechaço categoricamente é aquele (chamê-
mo-lo, grosso modo, fenomenológico) que concede uma prioridade absoluta ao sujeito da ob-
servação, atribui um papel constitutivo a um ato e coloca seu ponto de vista como origem de toda
historicidade; brevemente, aquele que conduz a uma consciência transcendental. Parece-me que
a análise histórica do discurso científico deveria, em último lugar, surgir de uma teoria das
práticas discursivas mais do que de uma teoria do sujeito do conhecimento" (D82, 13).
"Nietzsche, Blanchot e Bataille são os autores que me permitiram liberar-me daqueles que do-
minaram minha formação universitária, no início dos anos 1950: Hegel e a fenomenologid' (DE4,
48). "t...1 o tema nietzschiano da descontinuidade, de um super-homem que seria completa-
mente diferente a respeito do homem, depois, em Bataille, o tema das experiências limites peias
quais o sujeito sai fora de si mesmo, se decompõe como sujeito, nos limites de sua própria im-
possibilidade, tem um valor essencial. Isso foi para mim uma espécie de escapatória entre o
acreditava. Para certas descrições, é necessário colocá-lo entre parêntesis. Pode-se descrever,
como o faz a arqueologia, as estruturas do saber sem recorrer ao cogito (DEl, 610). Em La
naissance de la clinique, encontramos uma frase que põe às claras a nova posição de Foucault
a respeito da fenomenologia:'As fenomenologias acéfalas da compreensão mesclam nessa ideia
mal ligada [a ideia de humanismo médico] à areia de seu próprio deserto conceitual" (NC, X).
Como dissemos, o único texto de Foucault dedicado à análise de um problema especificamente
husserliano é a introdução a Binswanger; contudo, pode-se considerar que a arqueologia, tanto
desde um ponto de vista metodológico como desde o ponto de vista da descrição arqueológica,
é em grande medida um diálogo com a fenomenologia. A arqueologia tenta liberar a análise
histórica da fenomenologia, isto é, da busca de uma origem entendida como busca dos atos
fundadores (4S,265). Les mots et les choses pode ser lido como uma anti-Krlsls, isto é, como
uma descrição do conhecimento que se opõe inteiramente à concepção husserliana da histori-
cidade do saber. Foucault não vai em busca dos atos fundadores da racionalidade nem conside-
ra que a história do conhecimento seja o desenvolvimento contínuo e progressivo da racionali-
Nesse sentido' a noçáo de
dade; antes o contrário, trata-se de uma "história" descontínua'
de tradição' Para Hus-
episteme pode ser considerada como o oposto da noção fenomenológica
ratio ocidental; para Foucault,
serl, a fenomenologia está inscrita desde a origem na tradição da
da finitude podem
só na disposição do pensamento moderno. As diferentes figuras da analítica
ser iidas como as dificuldades ou a ambivalência das diferentes
figuras da fenomenologia: a
(Husserl), o retrocesso e o retor-
análise das vivencias (Merleau-Ponty), o cogito e o impensado
epistêmica da
no da origem (Heidegger). ver, a respeito: Homem. No entanto, na disposição
figuras, ao mesmo
Modernidade, a fenomenologia e o estruturalismo aparecem como duas
o estruturalismo compar-
tempo, opostas e complementares. Para Foucault, a fenomenologia e
esforço do estruturalismo em trazer à luz as formas puras que, antes de todo conteúdo, se impõem
ao inconsciente se cruza com o esforço da fenomenologia em recuperar o solo da experiência, o
sentido do ser, o horizonte de todos nossos conhecimentos, em forma discursiva (MC, 312).
Aqui Foucault se opõe à interpretação de Sartre. O estruturalismo foi criticado desde o ponto de
vista da fenomenologia existencial. A objeção de Sartre consistia em afirmar que o estruturalis-
mo seria uma forma de análise que deixa de lado a história. Sem sujeito falante, sem atividade
humana, como é que o sistema da língua poderia evoluir? (D82,271). Mas, para Foucault, en-
quanto as análises fenomenológicas se ocupam dos discursos para encontrar, através deles, as
intencionalidades do sujeito falante, arqueologia não se ocupa do sujeito falante, mas examina
a
as maneiras pelas quais o discurso desempenha um papel dentro do sistema estratégico em que
DE2,79,83 84, I 70, 272. DE3, 3'1, 146-147 , 372, 430, 432, 440, 442, 583, 597 , 823. DF.4, 43, 48 49, 52-54, 58, 434-137 ,
14t, 444,445,529, 58 I , 60tt, 6s 1 ,7 18,750,764,767 ,773,775-776. HS,30, 40, 340, 455, 467 , 470. lDS, 19. lN{C,261,312,
Féodale 126) : AN, 47-48. DE l, 837. DE2, 343, 359, 57 6-579,606, 6 1 5, 623. DE3, I 85, 548, 586. DE4, 185. IDS,
31, 182, 205-206. PP. 66,67
Fábula. "Em toda obra que possui a forma do relato, é necessário distingtir fiibula e
ficçao. Fábula é o narrado (episódios, personagens, funçoes que eles desempenhanl no relato,
acontecimentos), o regime do relato, ou rnelhor, os diferentes regimes segundo os quais esse é
relatado: a postura do narrador a respeito do que narra (segundo participe da aventura, ou a
contemple como espectador ligeiramente a distância ou esteja excluído e a perceba do exterior),
a presenÇa ou ausência de um olhar neutro que percorra as coisas e as pessoas, assegurando
efeitos de verdade com um discurso de f,cção e de fazer de modo que o discurso de verdade suscite
algo que ainda não existe. Então, 'ficciona 'Ficciona-se a história a partir de uma realidade política
que verdadeira,'ficciona-se uma política que ainda não eúste a partir de uma verdade históricd'
a faz
(D83,236). * 'Assim, esse jogo da verdade e da ficção ou, se vocês preferirem, da constatação e
da fabricação, permitirá fazer aparecer claramente o que nos liga, às vezes de maneira totalmente
inconsciente,à nossa Modernidade e, ao mesmo tempo, fará que nos apareça como alterado'
(DE4,
*
46). "Eu pratico uma espécie de ficção histórica" (DE3, 805; DE4,40). Gótico. A novela gótica é
uma novela de ficção científica e política: ficção-política na medida em que se trata essencialmente
de novelas centradas no abuso do poder, ficção-científica, na medida em que se trata de reativar
todo um saber sobre a feudalidade (IDS, 188).
Fietion[116]:AN.223,224.AS,33,118,123.DE1,178,275,277,279282'286'298'309'338'341'399'506-507,
509,511-s13,518,520, 523-525,591,798,800,811. D82,223,266,285-286,658,690,718,810. DE3,60,84-85,
236,242,252,254,341.,406,449,628,805. DE4,40, 14-46,371,589. HF,609. H52,275. IDS, 150, 188-189. MC,62,
66, r94. OD, 30. PP,36,251. SB 199,224,246,310.
Foucault presta particular atençáo à obra Acerca da parresía, desse Íilósofo epicúreo,
encontrada naVilla dei papiri, de Herculano Yer Parresía.
Philodàme ile Gádara [45]: HS, 119, 132,137,140-141,355,357,367,369-372,374,375 376,379,382,386,388.
HS3,67,278.
n: FILOSOFIA (Philosophie)
Neste verbete, queremos apresentar as observações que o próprio Foucault nos oferece acer-
ca da tarefa da filosofla contemporânea e, mais concretamente, de seu trabalho. A primeira
o que nós somos hoje e o que significa, hoje, dizer o que somos. Esse trabalho de escavaçâo
sob os nossos pés caracteriza desde Nietzsche o pensamento contemporâneo. Nesse sentido,
posso cleclarar-me filósofo" (DE1, 606). * Se tomarmos como ponto de referência o contexto
intelectual em que Foucault formou, as filosoÍias do sujeito (fenomenologia, existencialismo,
se
marxismo), seu trabalho certamente está fora. Mas essa forma de não pertencimento põe de
manifesto, na realidade, uma transformação na própria filosoÍia. E o próprio Foucault, também
repetidas vezes, dá-se conta disso. "Houve a grande época da Íilosofia contemporânea, aquela
de Sartre, de Merleau-Ponty onde um texto filosófico, um texto teórico devia finalmente dizer-
lhes o que era a vida, a morte, a sexualidade, se Deus existia ou se Deus náo existia, o que era
a liberdade, o que se devia fazer na vida política, como comportar-se com os outros, etc. Tern-
se a impressão que essa espécie de filosofia já não pode mais ter lugar, que, se quiserem, a fi-
losoÍia, se não se volatiliz.ou, pelo menos se dispersou, que há um trabalho teórico que se
conjuga, de alguma maneira, no plural. A teoria e a atividade filosóÍica se produzem em dife-
rentes domínios que estão separados uns de outros. Há uma atividade teórica que se produz
no campo das rnatemáticas, uma atividade teórica que se manifesta no domínio da linguísti-
ca, ou nodomínio da história das religiões ou no domínio simplesmente da história, etc. E é
nessa espécie depluralidade do trabalho teórico que se realiza uma filosofia que ainda não
encontrou seu pensador único e seu discurso unitário" (D81,662). "Parece-me que a filosofia
hoje não existe mais; não que ela tenha desaparecido, mas que está disserninada em uma
grande quantidade de atividades diversas. Desse modo, as atividades do axiomatizador, do
etnólogo, do historiador, do revolucionário, do homem político podem ser formas de ativida-
cle filosófica" (DEl , 596). " [. . .] a filosoÍra de Hegel a Sartre foi, apesar de tudo, essencialmen-
te um empreendimento de totalização, se não do mundo, se não do saber, ao menos da expe-
riência humana. E eu diria que se há, talvez, agora uma atividade filosóÍjca autônoma; se pocle
haver uma filosofia que não seja simplesmente uma espécie de atividade teórica dentro das
tlLOSOtlA (Phtlosophie) I7 3
matemáticas, ou da linguística, ou da etnologia ou da economia política; se há uma Íilosofia
independente, livre de todos esses domínios, poder-se-ia defini-ia da seguinte maneira: uma
atividade de diagnóstico. Diagnosticar o presente, dizer o que é o presente, dizer em que o
nosso presente é diferente e absolutamente diferente de tudo o que não é ele, isto é, de nosso
passado. Talvez essa seja a tarefa que se atribui agora ao fliósofo" (DE1,665). Encontramo-nos,
então, diante desta alternativa: a filosofia disseminada em outros domínios e a filosofia como
diagnóstico do presente. Desde esse último ponto de vista, seu trabalho pertence, sem dúvida,
à atividade filosófica. Mais ainda, inscreve-se nessa tradição que Foucault denomina'bntolo-
gia do presente" e que remonta a Kant (DE4, 687). Trata-se de uma atividade, mas também,
deuméthos,doéthosprópriodaModernidade(ver: Éthos).*Poisbem,oaporte,sequisermos,
negativo, desse diagnóstico foi a constatação da "morte do homem' (ver: Antropologia, Ho-
mem), qrter dizer, do fim das filosoÍras do sujeito e das ciências do homem em seu sentido
moderno. Permitimo-nos uma citação pitoresca, mas altamente reveladora a esse respeito.
Respondendo a uma pergunta na qual se the indagava como ensinaria psicologia: 'A primeira
precaução que eu tomaria, se fosse professor de Íilosofia e tivesse que ensinar psicologia, seria
comprar uma máscara a mais aperfeiçoada que se possa imaginar ea mais distinta de minha
fisionomia normal, de modo que meus alunos não me reconhecessem. Trataria, como Anthony
Perkins em Psicose, de ter uma voz completamente diferente, de modo que nada da unidade
do meu discurso pudesse aparecer. Essa seria a primeira precaução que eu tomaria. Em segui-
da, trataria, na medida do possível, de iniciar meus alunos nas técnicas que estão em voga
hoje entre os psicólogos: métodos de laboratório, métodos de psicologia social; trataria de
explicar-lhes em que consiste a psicanálise. E, no momento seguinte, eu retiraria a máscara,
retomaria minha voz e faríamos fiiosoÍia. Entáo, me encontraria com a psicologia como esse
tipo de impasse absolutamente inevitável e absolutamente fatal. [...] Eu não a criticaria como
ciência, não diria que não é uma ciência efetivamente positiva, não diria que é uma coisa que
deveria ser mais ou menos filosófica. Diria simplesmente que há uma espécie de sono antro-
pológico pelo qual a filosof,a e as ciências do homem estão, de alguma maneira, fascinadas e
adormecidas mutuamente, e que é necessário despertar desse sono antropológico, como em
outros tempos se despertava do sono dogmático" (DEf , 448). Foucault quis liberar o pensa-
mento do sono antropológico. Não é o gesto de colocar a máscara, mas o de retirá-ia que de-
fine seu trabalho. Foucault não persegue uma lilosofia travestida de ciências do homem,
buscando nelas aquilo do que falar; tampouco dispersar-se em domínios como a etnologia, a
linguística ou a psiçanálise (que, em Les mots et les choses, qualifica de contra ciências hu-
manas). Mas esse diagnóstico não se detém na constatação da morte do homem, como se se
tratasse do acontecimento epigonal da filosofia, do Íim da filosofia. Ao contrário. A arqueolo-
gia e a genealogia constituem dois esforços em pensar para além do horizonte das filosofias
do sujeito. E os trabalhos dedicados à ética, um esforço em pensar para além das filosoÍias da
morte do sujeito, inclusive, em alguns aspectos, para além do próprio Nietzsche, a quem
tanto deve (a esse respeito, ver: Governo, Poder). Por isso, a ontologia do presente não se
esgota em um diagnóstico negativo, ainda que às vezes possa parecê-lo (por exemplo, quando
analisa as formas modernas do poder, a disciplina e a biopolítica). Diagnosticar, para Foucault,
é levar a cabo o esforço para pensar de outra maneira. "Que é a filosofia, se não uma maneira
de refletir, não tanto sobre o que é verdadeiro ou o que é falso, mas sobre nossa relação com a
ser de outra maneira. Mais precisamente, à luz de seus últimos trabalhos, pensar e ser de
outra maneira consiste em elaborar outros modos de subjetivação, novas práticas de si, em
uma palavra, uma ética, tm éthos, uma ascese. Por isso, poder-se-ia afirmar que a prática
filosófica de Foucault está mais próxima da prática da filosofia na Antiguidade que de Hegel
ou Sartre. Ao menos (ainda que não apenas), do modo como Foucault descreve a prática dos
antigos. Poderíamos dizer, como resumo, que o trabalho de Foucault vai da morte do sujeito
(das filosofias do sujeito, das ciências do homem) à recuperação do sujeito desde o ponto de
vista das práticas. "Não e pois o poder, mas o sujeito o que constitui o tema geral de minhas
investigações" (DE4, 223). Afilosofia de Foucault foi um esforço imenso para abrir um esPa-
.. como práticas reflexas da
ço [u. as práticas de subjetividade fossem novamente possíveis
hu-
ilU.rauà. (vei: Ética);para isso, ele teve que liberar esse espaço invadido pelas ciências
de liberação
manas, as filosofias do transcendental, as disciplinas, a biopolítica. Esse trabalho
que lhes
situa sua filosofia na pedreira da história. 'Afinal de contas, o fato de que o trabalho
apresentei tenha tido esse andamento fragmentário, repetitivo e descontínuo
corresponderia
caráter dos que adoram as
bem a algo que se poderia chamar de'preguiça febrill a que afeta o
duqu.l., que professam um saber para nada, uma espécie de saber santuário, uma riqueza de
novo-rico cujos sinais exteriores, como vocês sabem, encontramos dispostos nos rodapés das
páginas. Isso conviria a todos aqueles que se sentem solidários de uma das sociedades secre-
tas, por certo das mais antigas, as mais características também do Ocidente; uma dessas so-
ciedades secretas estranhamente indestrutíveis, desconhecidas, parece-me, da Antiguidade,
que se formaram cedo no cristianismo, na época dos primeiros conventos sem dúvida, nos
confins das invasões, dos incêndios, das florestas. Quero falar da grande, terna e calorosa
*
franco-maçonaria da erudição inútil" (IDS, 6). Não tão inútil. Para flnalizar, uma última
observação. Costuma-se distinguir na obra de Foucault dois ou três períodos que corresponderiam
aos seus eixos de trabalho e também às pausas na publicação de seus livros. Nós nos encontra-
ríamos, então, com um período arqueológico (centrado na análise do saber), um período gene-
alógico (análise do poder) e outro ético (análise das práticas de subjetivação). A passagem do
período arqueológico ao genealógico estaria marcado pela distância entre lhrchéologie du savoir
(1969)e Surveilleretpunir(1975);apassagemdoperíodogenealógicoaoético,peladistância
entre La volonté du savoir (1976) e lusage des plaisirs (1984). Tais distinçoes servem, sem
dúvida, à descriçáo eà apresentação de seu pensamento. Não se pode dizer que sejam incorretas.
570, s74-575,579-582, s87, s96, 598, 604-606, 6 I i-613, 654-655, 6s7 -6s8, 662-665, 668, 684, 696-697,70t'702,7s9,768-770,
773,775,779-785,789-790,792-793,812,815,821 822,846.DF,2,7-8,).0-l).,25,47,54,65-72,76,78,80,83,85-87,89-91,98-
99, 1 05- 109, 113, 124-126, 137, 141, 149, 152, 164, 166,170, 188, 22 1, 229,242 243,265,272,282-284,293,295-296' 304-305,
369 370,372,376,399,4r2,414,424-425,434,470,476, 483, 493, 506, 522, 539-540, s46-s47,549, s64,568,57r, s94,627,630,
633-634,693,720-721,727,756,781,798,808,827.DÊ3,29-30,95,112,134-135,150,158,175,179,193,210,234,265-266,
27 4,277.279-281,3 16, 349-350, 369,372,377,394,399,429 432, 434-435. 438, 442,476,479,502,534,537 542,547,57 l,573,
574,576,584,590,595, 597, 600-605, 6 07 -609,615-616,618,622,763,783,795-796,823. D84,21.24,29,34, 42,48-50,52 53,
56,62,70,83,103, 107- I 08, ll},127, 134-135, 140,146,169-170,182,205,219-220,224,232,278-279,291,3t7,351' 354'355'
333,335-336,349 3s0,365,369,374.378,384,390-392,397-399,408,415,442,457,466-467.}lS1,80,166,184.HS2,13-i5,21,
44, 51, 100, 107,153,200,232,234,252,262,264,269,275,282.H53,50, 55, 57, s9'60, 6s,70-7't,71,80,102, 1 1 1, i21, 168, l7e,
Foucault dedicou um artigo aLa tentation de Saint Antoine de Flaubert (DE1, 293-325).
* "Nessa obra que, à primeira vista,
como uma sucessào um pouco incoerente de
se percebe
fantasmas, a única dimensão inventada, mas com um cuidado meticuloso, é a ordem. O que
passa por fantasma não é nada mais que documentos transcritos: desenhos ou livros, figuras
ou textos. Quanto à sucessão que as une, ela está prescrita de fato por uma composição muito
complexa, que, atribuindo um lugar determinado a cada um dos elementos documentais, os
fazfr,glurar em várias séries simultâneas" (DE1, 308).
Gustave Flaubert [47]: AN,4,25. DEl, 293,293-303,309, 31 1, 502, 660, 793. DEz,27, 115, 117, 412,732. DE3,
108, s00. DE4,392.
I 76 TLAUBERT, Gustave
15s. FORMAçAO DISCURSIVA (Formation Discursive)
formulações que possibilita, o conjunto de enunciados que possuem o mesmo estatuto, etc' A
821. DEz, 16s. DE3, 434, 439. DE1768. ÀíC,220,225,259,264,312,314,3t6,358-360, 368, 393,394. NC, 105. OD,
80. PP, 65, 75,95, 103. SP, 192.
converte em sujeito. O médico, como figura alienante, continua sendo a chave da psicanálise.
É, talvez, porque ele não suprime essa estrutura última e porque a ela refere todas as outras,
que a psicanálise não pode e náo poderá escutar as vozes da desrazáo, nem decifrar por si
mesmo os signos do insensato. A psicanálise pode desatar algumas formas da loucura; a psi-
canálise permanece estranha ao trabalho soberano da desrazão. Ela não pode nem liberar nem
transcrever, muito menos explicar, o que há de essencial nesse trabalho" (HF, 630-632). Como
vemos, trata-se de uma apreciação da psicanálise desde o ponto de vista do dispositivo, das
práticas. "Quero me manter na situação de exterioridade frente à instituição psicanalítica,
ressituá-la em sua história, dentro do sistema de poder que lhe subjaz. Eu não entrarei nunca
dentro do discurso psicanalítico para dizer: o conceito de desejo em Freud não está bem
elaborado ou o corpo dividido de Melanie Klein é uma estupidez. Isso não o direi nunca. Mas
*
digo que nunca o direi" (DE2, 815). Em um terceiro momento, quando Foucault empreen-
de o estudo das práticas de subjetivação, a genealogia do homem de desejo, a psicanálise se
enquadrará na oposição aphrodísialsexualidade. Yer: Aphrodísia, Sexualidade, onde o
ponto de vista das práticas se estende do disciplinar às técnicas de subjetivação.Yet: Lacan.
Fundador de discursividade. Freud, como Marx, pode ser considerado como fundador de
esÍá de'
discursividad eYer: Discurso. Artemidoro. o primeiro capítulo de Le souci de soi
Freud, em
dicado àA chove dos sonhosde Artemidoro. Ainda que ali Foucault náo mencione
outro lugar assinala: 'A interpretação que [Artemidoro] dá dos sonhos vai ao encontro da
ler et punir e "Il faut défendre la société"; ocupamo-nos deles no verbete Poder. É necessário
precisar que não devemos entender a genealogia de Foucault como uma ruptura e, menos
ainda, como uma oposição à arqueologia. Arqueologia e genealogia se apoiam sobre um
pressuposto comum: escrever a história sem referir a análise à instância fundadora do sujeito
(DE3, 147). No entanto, a passagem da arqueologia à genealogia é uma ampiiação do carnpo
de investigação para incluir de maneira mais precisa o estudo das práticas não discursivas e,
sobretudo, a relação nào discursividade/discursividade. Em outras palavras, para analisar o
saber em termos de estratégia e táticas de poder. Nesse sentido, trata-se de situar o saber no
âmbito das lutas. Uma apreciação correta do trabalho genealógico de Foucault requer seguir
detalhadamente sua conÇepção das relações de poder (ocupamo-nos disso nos verbeÍes Poder
e Governo). As lutas não são concebidas, finalmente, como uma oposição termo a terrno que
as bloqueia, como um antagonismo essencial, mas como ttm agonismo, uma relação, ao mes-
mo tempo, de incitaçáo recíproca e reversível (DE4,238). Nessa perspectiva, se poderia Íâlar de
*
uma genealogia dos saberes no âmbito do que Foucault chama governamentalidade. Quanto
à marca nietzschiana da genealogia de Foucault, ocupamo-nos dela no verbeteNietzsche. On-
tologia histórica. Todo o projeto filosóf,co de Foucault pode ser visto em ternlos de uma
genealogia que teria três eixos: uma ontologia de nós mesmos em nossas relações com a ver-
dade (que nos permite constituir-nos como sujeito de conhecimento); uma ontologia históri-
ca de nós mesmos em nossas relações corr um campo de poder (o modo como nos constittt-
ímos como sujeito que atua sobre outros); e uma ontologia histórica de nós mesmos em
nossas relações com a r-noral (o modo como nos constituímos como sujeito ético, que atua
sobre si rnesmo) (DE4, 618). Antropologizaçáo. A antropologizaçáo da história se opõe ao
descentramento operado pela genealogia nietzschiana; ela busca, com efeito, um fundamento
originário que faça da racionalida de o télos da Hurnanidade (AS, 22-23) . Critico/genealó-
gico. Em llordre dtr discours,Foucault propõe distinguir dois conjuntos de análise no traba-
tho que projeta no Collêge de France: um crítico e ouiro geneaiógico. O conjunto crÍtico põe
ern luncionamento o princípio de inversão (renversemenÍ): ver nas figuras do autor, da dis-
ciplina, da vontade de verdade um jogo negativo de recorte e rarefação do discurso e não uma
função positiva. O conjunto genealógico, por sua vez,põe em funcionamento as outras três
regras metodológicas propostas: o princípio de descontinuidade (tratar os discursos cotno
práticas descontínuas, sem supor que sob os discursos efetivamente pronunciados existe outro
discurso, ilirnitado, silencioso e contínuo, que é reprimido ou censurado); o princípio de es-
pecificidade (considerar os discursos como una violência que exercemos sobre as coisas, não
há providência pré-discursiva); o princípio de exterioriclade (não ir ao núcleo interior e es-
condido do discurso, o pensamento, a significação; dirigir-se às suas condições externas de
surgimento) (OD, 54-55). 'A genealogia estuda a formação, ao mesmo tempo, dispersa, des-
contínua e regular [dos discursos]" (OD, 67). Essas duas práticas, crítica e genealógica, não
são na realidade separáveis; não se trata de dois domínios distintos, mas de duas perspectir,as
de análise.'A parte genealógica da análise se concentra, pelo contrário, nas séries de tbrmação
efetiva dos discursos, trata de apreendê-lo em seu poder de afirmação. E entendo com isso
a partir das práticas e de sua transformação. Desse modo, incorporando genealogia das
a
púticas de si mesmo, todo o projeto da história da sexualidade pode ser considerado uma
genealogia do homem de desejo (HS2, 18). Ética. os últimos volumes de
Hístoire de la se-
xualité e também Lherméneutique du sujet podem ser vistos como uma genealogia da ética,
Na intervenção no
isto é, do sujeito como sujeito de ações éticas (D84,397).Interpretação.
colloque de Royaumont, em julho de 1964, "Nietzsche, Freud, Marx" (DEl, 564-579)'
Foucault aborda a genealogia como método de interpretação. Ver: Nietzsche'
História' Em
um extenso artigo, "Nietzsche, la généalogie, l'histoire" (D82, 136- 156), Foucault
ocupa-se
Como explicação psicológica das mudanças na história do saber, a arqueologia poe entre
parêntesis a noção de gênio, assim como as categorias de crise da consciência ou novas formas
do espírito (AS, 32; DEl,677).
Génie[97]:AN,99.AS,32,S5,191,27-1.DEI,82,1t7,192.197,2t5,327 328,419,461.461'596,677.684,693-691'
l. DE2, I l, I ó6, 168, 223,264 266,316, 394, 485-186 , 491,523,722. D83,203,240,175,573. DE4. 113,259-260,646.
8 1
HF,40, 181,209-210,339,431,439 4.10, 144,546,614,642. HS,26,102. HSl, 104, 210'244. IDS, 156. MC,t26'23),
242. MMPE,37. MMPS, 17. NC,28, 18,49,84, 102. oD, .10. RR,99, 102. SP,219' 253' 314.
Gnôsis [1],Il5,26.
Yer: Fausto.
Wo$gang Goethe [15]:DF,|,191, 365, 555-556, 562.D82,17. DE3,700. DE4,25l.H.S' 60,296'297' 300. HSr,4l.
É impossível fechar o balanço da análise foucaultiana do poder enquanto não for publica-
da a totalidade dos cursos no Collêge de France que Foucault ministrou entre 1970 e 1982.
Poder-se-ia reunir esses cursos em três grupos. O primeiro, constituído pelos cursos cujo
material foi utilizado para a redação de Surveiller et punir e de La volonté de savoir: La
volonté de savoir (1970-1971), Théories et institutions pénales (1971-1972), La société
punitive (1972-1973), Le pouvoir psychiatrique (1973-1974), Les anormaux $97a-D75).
O eixo de trabalho desse grupo de cursos foi, fundamentalmente, a história moderna das
disciplinas, mas Foucault se encaminha da disciplina à biopolítica e abre desse modo o capí-
tulo mais amplo do biopoder. Com efeito, tal como aparece no último capítulo de La volonté
de savoir, as sociedades modernas não são apenas sociedades de disciplinarização, mas tam-
bém de normalização, dos indivíduos e das populaçoes. O segundo grupo de cursos está for-
madopor:"I1fautdéfendrelasociété" (1975-1976),\écurité,territoireetpopulation(1977-
1978),Naissance de lq biopolitique (1978-1979),Du gouvernement des vivants (1979-1980).
O eixo temático desses cursos está constituído, de maneira geral, pela biopolítica em um duplo
I BB GoETHE, wolfgang
sentido: como poder de vida e de morte. Poder sobre a vida, isto é, as Íbrmas de exercício do
poder que surgem a partir do que Foucault denomina o umbral biológico da Modernidade
(HSl, 188), ou seja, desde o momento em que o homem como animal vivente adquire uma
existência política, quando a vida biologicamente considerada converte-se no verdadeiro
objeto do governo. Poder sobre a morte, isto é, o racismo, cuja genealogia Foucault estuda em
"ll faut défendre la société". Nesse domínio de estudo, encontramos o exame d,a razào d.e
Estado, da polícia, do poder pastoral durante a época da Reforma. A partir daqui, as noções
de governo e de governamentalidade dominam a análise foucaultiana do poder. No terceiro
grupo, encontramos: subjectivité et vérité (1980-19g1), Lherméneutique du sujet (1gg1-
1982), Le gouuernement de soi et des autres (1982-1983), Le gouvernement de soi et des
autres: Le courage de la vérité (1983-1984). Parte desse material foi utilizado para a redação
dos volunres II e IIi de Histoire de la sexualil1. Esse terceiro grupo de cursos ocupa-se da
noção de governo de si mesmo e dos outros durante a Antiguidade clássica, helenística e ro-
mana até as primeiras formas do poder pastoral com o advento do cristianismo, especialmen-
te, o monasticismo cenobítico. A noção de governo entrecruza-se aqui com a história da ética,
no sentido foucaultiano do termo, quer dizer, com as formas de subjetivaçâo (a noção de
cuidado, de ascese, de parresía, etc.). Como dissemos, até que seja completada a publicação
um balanço desse material. É possível, no entanto, traçar
clesses cursos, não e desejável fechar
o quadro geral das análises de Foucault. * Podemos dizer que, a partir dos anos 1970, o inte-
resse de Foucault deslocou-se do eixo do saber para o eixo do poder e da ética. A tais desloca-
mentos corresponde a divisão, frequente, de dois ou três períodos na obra de Foucault: arqueo-
logia e genealogia, ou arqueologia, genealogia e ética. A tais deslocamentos corresponde
também seu interesse e preocupação por certas noções características de seu trabalho: epis-
teme, dispositivo e prática. Esse é certamente um modo correto de enfocar o trabalho de
Foucault, na condição, no entanto, de que não se acentuem demasiadamente tais deslocamen-
tos. Por deslocamentos não entendemos abandonos, mas sim extensões, ampliações do cam-
po de análise. Corn efeito, a genealogia não irbandonará o estudo das formas de saber, nem a
etica abandonará o estudo dos dispositivos de poder, mas cada um desses ârnbitos será reen-
quadrado em um contexto mais amplo. A noção de dispositivo incluirá a noção de episteme,
e a noção de prática incluirá a noção de dispositivo. Todo o trabalho de Foucault poderia ser
visto como uma análise fllosófico-histórica das práticas de subjetivaçáo. "Náo é o poder [e po-
deríamos acrescentar, nern o saber], mas o sujeito o que constitui o tema geral de minhas
investigaçÕes" (DE4, 223). Essas práticas de subjetivação, é necessário precisá-lo, são também
formas de objetivação, isto é, dos modos em que o sujeito foi objeto de saber e de poder, para
si mesmo e para os outros. No artigo que Foucault escreve com o pseudônimo "Maurice Flo-
rence'l para o Dictionnaire des philosophes, de D. Huisman (19S4), reirnpresso em DE4,
631-636, concluiu nestes termos. "Vê-se como o tema de uma'história da sexualidade'pode
inscrever-se dentro do projeto geral de Michel Foucault: trata-se de analisar a'sexualidade'
como um modo de experiência historicamente singular na qual o sujeito é objetivado, para
ele mesmo e para os outros, através de certos procedimentos precisos de governo"' (DE4,
636). Essa afirmação, referida aqtriàHistoire de la sexualité,pode ser estendida a todo seu
trabalho. " As noções de governo e de governamentalidade nos permitem compreender por
que e o sujeito, e não o.saber ou o poder, o tema geral das inr.estigações de Foucault. Pois bem,
GoVERNO,GOVERNAR,GOVERNAMENTALIDADE(Gouvernement,Gouverrter,Gouvernamentalité) 189
os deslocamentos aos quais aludimos acima não respondem apenas a uma lógica da ampliação,
mas também a certas dificuldades teóricas precisas. O deslocamento-inclusão da noção de
episteme na noção de dispositivo responde à necessidade de incluir o âmbito do náo discur-
sivo na análise do saber. A formação das ciências humanas, por exemplo, já não será somente
consequência de uma disposição epistêmica, mas encontrará nas práticas disciplinares sua
condição histórica de possibiiidade. Do mesmo modo, a importância das noções de governo
e governamentalidade será uma consequência das insuficiências dos instrumentos teóricos
para analisar o poder. Foucault criticou alguns deles (o conceito de repressão, de soberania)
e,em "Il faut défendre ia société", pôs à prova o que denomina a "hipótese Nietzsche'l isto é,
opoder concebido como "luta'l como 'guerra i Dada a influência que Nietzsche representa no
pensamento de Foucault, poder-se-ia extrair uma conclusão errônea: crer que a posição de
Foucault acerca da questão do poder acaba reduzindo-se à "hipótese Nietzsche'i A questão da
liberdade conduz Foucault a outra conclusão (ver: Poder). "O poder, no fundo, é menos da
ordem do enfrentamento entre dois adversários ou do compromisso de um frente a outro que
da ordem do governo [. . . ] O modo de relação próprio r1o poder não há, pois, que buscá-lo, do
G OVE R N O, G OVERNAR, G OVE R NAM ENTALI DADE ( Gou ver nement, G ouverner, G ouvernamentalité\ I 9 1
bens [...] O termo'economia designava no século XVI uma forma de governo; no século XVIII,
designa um nível de realidade, um campo de intervenção [. . .]" (D83, 642). Desde esse ponto
de vista, e à diferença dos outros gêneros de governo, o objeto do governo não é o território, mas
a população. "Para dizer as coisas muito esquematicamente, a arte de governar encontra no final
do século XVI e início do XVII uma primeira forma de cristalização. Ela se organiza em torno
ao tema de uma razâo de Estado, entendida não no sentido pejorativo e negativo que se dá hoje
(destruir os princípios do direito, da equidade ou da humanidade apenas pelo interesse do Es-
tado), mas em um sentido positivo e pleno. O Estado deve ser governado segundo as leis racionais
que the são próprias, que náo se deduzem das puras leis naturais ou divinas, nem somente dos
preceitos da sabedoria e da prudência; o Estado, como a natureza, tem sua própria racionalida-
de, que é de um tipo diferente. Inversamente, a arte de governar, em lugar de ir buscar seus
fundamentos em regras transcendentes, em um modelo cosmológico ou em um ideal f,losófico
e moral, deverá encontrar os princípios de sua racionalidade no que constitui a realidade espe-
cífica do Estado" (DE3, 648). O mercantilismo foi a primeira forma de racionalização do exer-
cício do poder como prática de governamentalidade, a primeira forma de um saber constituído
para ser utilizado como tática de governo. O desenvolvimento dessa primeira forma foi bloqueado,
fundamentalmente, por causa da preocupação em conjugar essa arte de governar com a teoria
da soberania e com a teoria do contrato. No entanto, certo número de circunstâncias, no século
XVII, determina a reativação do gênero "artes de governar": a expansão demográfica, a abun-
dância monetária, o aumento da produçáo agrícola ou, para ser mais preciso, o recentramento
da economia não sobre a família, mas sobre a população (DE3, 650). Daqui se segue uma série
de consequências: desaparecimento do modelo familiar como modelo de governo (a família se
los XV e XVI (com uma territorialidade de fronteiras e não feudal, que corresponde a uma so-
ciedade de regramentos e disciplinas), o Estado governamental (que tern por objetivo a popu-
lação e não o território, que utiliza um saber econômico, que controla a sociedade por
dispositivos de segurança) (DE3, 656-657). * Pode-se compreender, à luz do que acabamos de
expor, a importância que terá no pensamento de Foucault a questão do liberaiismo desde o
ponto de vista da racionalidade das práticas de governamentalidade.
Gouvernement [622]: AN, 44, 45, 80, 1 53, 165, 198, 201, 217. 260. D82,1 78, 188, 206, 224, 380, 420, 426 4ZB, 433,
435,137,445 416,496,514-5]15,517,584,636,730,757,781,806.DE3,121,126,130,153,214,225,290,323,330,333,351,
362,366,367,383,389,522,529-530,534,542,567,6t6,629,635-657,663-664,667,68r-683,68s 688,691 694,696,70t-705,
708,712-714,716 7 \7,719 720,724,729,748,780-782.,793,798-799,802,804, 807, 814, 819 -820,822-824.Dr4, 36, 38-39,
78, 82,93-94, 125, 129, 144, 148- 154, t60-161, I 78- 180, 2 t0-2 I l, 214-216,226-227,237,211,266-267,269-273,285, 318,
337 -339, 342-344,350, 40 1, 404, 409-4t0, 4t5, 447, 496, 498,504, 5 14, 5 I 9, 566, 583, 587 , 590,596, 623, 630,635-636,640,
670,677 -678,689,69t,719,727 -728,733,734,740,75t-752, 8 16_8 18, 820- 82t,823_824. IjF,57 ,73, 163,444,505,5t6_517 ,
37,39 40, 45,54, t3t,220, ).39,242, 256, 358,364, 370,386,392,433, 439_440. HS2, 68, 84,
530, 539, 554, 555, 578. HS, 34,
88,92,95,97,107,171,,178,180,189-190,1.9t-,199,200,202,238.HS3,98,103,110,151,174.IDi.54,92-94,10-s,l1l-113,
\22-123,126,128, 130, 147, 151-152, 171, 175, 178. 182, t95,197,212.MC.206-207,210. MMPS,77,80. NC, 19,26.38,42,
4s, 65, 73 7 4, 83. PP, 28, 37, 89, 91, 211, 229. Sp, 32, 208, 238, 244-245, 278, 286.
Gouyernementalité [46]: DE3, 635, 655-657 ,720, 819-822. DE{ 94, 214-415, 582,728, 729, 751,785. }{S, 237 ,
681.694.703.720,722,736.782,820,822.DF4.,30,1.13,151 153,159-160,171,179,213-214,237,271,273,338,395,397,409,582,
615,6t9,671,678,714,72t,728,751,817-81 8, 82 l. HF, 415,539,674,676,687. HS, 34, 35, 37, 40,44-45,51-52,54,70-73, 80,81,
90, 108, 1 14, t22, r3t, t68-169,220,239,257,265,364,386,397,400,430,433,436,440.HS3, 58, 104, r09- 1 1 0,112, tt'.191.,202.
IDS, 1 12, 200, 20s. NC, 87. PP, 164. SP, 171, 83, 8s,88 91, t22, ls6, 169, 17r, 178, 181, 183, lgt,194,196,207,218,238.
ni4. GUERRA(Guerre)
seguindo ahipótese Nietzsche. Mais concretamente, Foucault pergunta-se pelo discurso que
teria invertido o princípio de Clausewitz, segundo o qual "a guerra é a continuação da políti-
ca por outros meios'i Foucault quer estudar o desenvolvimento histórico do discurso que diz:
'A política éa continuação da guerra por outros meios'l Trata-se, então, de estudar o poder, a
partir desse discurso, em termos de oposição de forças, de enfrentamento, de combate (IDS,
14-19). Hobbes. A hipótese de trabalho de Foucault leva-o a confrontar-se necessariamente
com a teoria hobbesiana da soberania, ou seja, da instauraçáo da soberania como meio para
acabar com a guerra primitiva de todos contra todos. A esse respeito,ver: Hobbes. Guerra
de raças, luta de classe. Pois bem, contrapondo-se à teoria da soberania e à análise em
termos de relaçÕes de dominação, Foucault se pergunta se o conceito de'guerra" (de "tática'l
de "estratégia') é adequado para a análise das relações de poder. Desloca, na realidade, essa
pergunta para uma interrogação histórica acerca de quando e como surgiu o princípio que
Clausewitz teria invertido. Isto é, quando e como surgiu o princípio segundo o qual "a políti-
ca é a guerra continuada com outros meios"? Segundo nosso autor, tal princípio e o discurso
que ele sintetiza, um discurso histórico-político, circularam ao longo dos séculos XVII e XVIII.
Paradoxalmente, no momento em que, com o fim das guerras religiosas, as lutas e os com-
bates deixaramdefazer parte davida cotidiana dos povos. No entanto, esse teria sido um
momento em que o Estado teria arrogado, a si mesmo, a exclusividade do uso da força or-
ganizada com a criação das instituições militares. Podemos caracterrzar esse discurso his-
tórico da luta, da guerra da seguinte maneira: 1) Um discurso histórico-político cujos repre-
sentantes foram, entre outros, Edward Cook, John Lilburne - na Inglaterra -, H. de Boulainvilliers,
o conde d'Estaing, Augustin Thierry - na França. É um discurso que sustenta 0 caráter bi-
nário da sociedade, em cuja estrutura se é sempre inimigo de alguém; e cujo sujeito de
enunciação não pretende ser o sujeito universal e neutro do discurso filosófico, mas o su-
jeito interessado que está em um dos dois lados que se enfrentam. 2) Consequentemente,
esse discurso vê a racionalidade abstrata como uma quimera, e a verdade, como brutalida-
de e desrazão. Um discurso que inverte os valores. 3) Um discurso, enfim, de perspectiva
(inteiramente histórico, sem relação com nenhum absoluto), que encontra na mitologia
escatológica a força que alimenta seu páthos, sua paixão. Um discurso, ao mesmo tempo,
crítico e mítico. Esse discurso começou a circular na Europa, a partir dos séculos XVI e
XVII, como consequência do questionamento popular e aristocrático do poder real. E, a
partir de então, atravessou os séculos XVIII e XIX. Pois bem, não há que ver a dialética fi-
losófica, cuja forma emblemática encontramos em Hegel, como uma continuação filosófica
desse discurso histórico sobre a guerra. A dialética, antes, tratou de colonizá-lo, codiÍjcan-
do logicamente a contradiçáo, tendo em vista constituir um sujeito universal da história. A
história desse discurso deve descartar, em primeiro lugar, as "falsas paternidades" (o prín-
cipe em Maquiavel, a soberania absoluta em Hobbes). Deve começar pelo discurso de rei-
vindicação popular e da pequena burguesia na Inglaterra do século XVII; depois, na Fran-
ça, no final do reinado de Luís XIV com as reivindicaçoes da nobreza contra a monarquia
administrativa. A partir daqui, é necessário seguir a história do discurso da guerra de raças,
1 94 GUERRA (Guerre)
suas transformações durante a Revolução Francesa, sua conversão biologicista (o racismo
de Estado, momento em que se converte em discurso de Estado). Trata-se, claramente, de
um discurso polivalente, multifacético (40-44). * O elogio do discurso histórico da guerra
como constitutivo essencial da sociedade, mesmo em tempos de ordem e paz, não é um
elogio do racismo. O racismo foi uma de suas múltiplas facetas, aquela que aparece com a
transformação biológico-sociológica de um discurso já secular, com Írns políticos conser-
vadores. O elogio do discurso histórico sobre a guerra é, para Foucault, o elogio de um
certo uso da erudição histórica, de um uso que, em relação a uma concepção "romana'l
"indo-europeia'l constituiu ttma contra-historia. Segundo Foucault, o sistema indo-europeu
de representação do poder está atravessado por uma dupla exigência ou dimensão. Por um
lado, através da obrigação, o poder une, vincula; por outro, mediante os juramentos ou os
compromissos, o poder fascina. lúpiter é, ao mesmo tempo, o deus dos nexos e dos raios' A
história da soberania, discurso do poder, é, nesse sentido, uma história jupiteriana. Três fun-
çÕes vinculam o uso jupiteriano da história ao poder: l) Função genealógica:
narra a Anti-
guidade de reinos e dinastias. 2) Funçao rememorativa (os anais)'. crônica dos gestos, deci-
sões, atos (mesmo os mais banais) de soberanos e reis. 3) Funçao exemplificadora: narraçâo
daqueles acontecimentos nos quais se pode perceber a lei como viva. Essa história jupiteriana
não é outra coisa senão um ritual do poder. Pois bem, a essa história romana vai opor-se a
partir do final do Medievo uma espécie de cor.rtra-história, uma narração em que não se trata
de fundar Antiguidade de uma dinastia, de recordar os gestos dos soberanos ou mostrar os
a
exemplos capazes de ser imitados. EIa não tem por função unir o povo ao soberano, não
pen-
sa que a história dos fortes inclui em si a história dos fracos, tampouco se propõe a mostrar a
glória luminosa do poder, mas seu lado escuro, suas sombras. Trata-se de uma história, uma
(com suas formas
contra-história, mais próxima daquela mítico-religiosa da tradição judaica
épicas, suas profecias e suas promessas). Aproxima-se do uso crítico que foi fetto da Bíblia
na
segunda metade da Idade Média. É com esse discurso que começa a formar-se a Europa, no
sentido moderno do termo. Algumas observações são necessárias para caracterizar correta-
mente esse discurso: 1) Não pertence por direito próprio a nenhum grupo; não se trata exclu-
sivamente do discurso dos pobres ou dos oprimidos. A burguesia na Inglaterra e a aristocracia
na França utilizaram-no. 2) O conceito de raça não tem nem necessária nem originariamente
um sentido biológico. Designa certa clivagem (corte transversal) histórica de dois grupos que
não se misturam porque não têm a mesma língua, a mesma religiáo ou a mesma origem ge-
ográfica.3) O entrecruzamento desses dois usos da história, ritual do poder e reivindicação
crítica, permitiu a explosão de toda uma gama de saberes, determinou a formação da histo-
riografia moderna. 4) A ideia de revolução, em seu funcionamento político, é inseparável do
surgimento dessa contra-história. A "luta de classes" foi uma das transformações da "luta de
raças'l * É capital compreender que o discurso da luta de raças é um discurso que sofreu nu-
merosas transformações, conversões, traduções. A revolucionária foi uma delas. Mas a opo-
sição ao discurso revolucionário, uma contra-história da contra-história, também foi outra de
suas transformações. Em tais transformações, aparecerá o racismo, quando o Estado se dará
como missão proteger a integridade da raça superior, em sua pureza. No racismo de Estado,
não é o poder no sentido jurídico da soberania o que funciona, mas o poder no sentido da
norma, das técnicas médico-normalizadoras (na transformação nazista, acompanhada de uma
Colocar-se a questâo do Gulag implica quatro coisas. Primeiro, em lugar de perguntar que
erro, desvio, desconhecimento ou distorção especulativa dos textos de Ivlarx e Lênin tornaram
possível o Gulag, perguntar o que o permitiu e continua justificando-o a partir desses textos.
Isto é, colocar a questão em termos de realidade, e não de erro. Em segundo lugar, colocar a
questão em termos positivos, como operador econômico-político em um Estado socialista. Em
terceiro lugar, rechaçar, para levar a cabo a crítica do Gulag, o manejo com urn filtro que per-
mitiria distinguir um falso e um verdadeiro socialismo. Em quarto lugar, rechaçar a dissolução
universalista de todas as clausuras possíveis em termos de Gulag (DÊ,3,419-420). * "Eu temo
certo uso da aproximação Gulag-clausura. Certo uso que consiste em dizer: todos nós temos
nosso Gulag, está na nossa porta, em nossas cidades, em nossos hospitais, em nossas prisoes,
está aqui, em nossas cabeças" (DE3, 41S). * A análise das práticas disciplinares do século XVIII
não é uma maneira sub-reptícia de fazer Beccaria responsável pelo Gulag (DE4, 16).
Goulag [ 39]: DE3, 142, 278-279, 326, 335, 357, 357, 418-42t, 625, 7 t7. DE4. 16.
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Técnicas. Foucault atribui a Habermas a distinçáo que ele rnesmo utiliza entre técnicas
de produção, tecnicas de significação ou de comunicação e técnicas de dominação. Ao mesnto
tempo, sustenta que é necessário acrescentar, com base em suas análises, um quarto tipo de
técnicas, as que permitem o indivíduo efetuar certas operações sobre si mesmo: sobre seu
corpo, sobre sua alma, seus pensamentos, sua conduta. Esse quarto grupo são as técnicas de
si (DE4, 170-l7l). Segundo nosso autor, Habermas não vê aqui três domínios diferentes, mas
três "transcendentais" (D84,234). Foucault é crítico com relação à centralidade que Habermas
atribui comunicaçâo: 'A ideia de que poderia haver um estado de cornunicação
às relações de
que seja tal que os jogos de verdade poderiam circular sem obstáculos, sem impedimentos e
sem efeitos coercitivos me parece da ordem da utopia' (D84,726). Historicismo. "De fato,
o problema de Habermas é, no final das contas, o de encontrar um modo transcendental de
pensamento que se oponha a toda forma de historicismo. Eu, na realidade, sou muito mais
historicista e nietzschiano" (D84, 280). Modernidade. Houve o projeto de um seminário
no qual participariam Foucault e Habermas e que teria como tema a questão da Modernida-
de. Tal seminário nunca ocorreu (D84,446-447). No material publicado em Dits et écrits,
aparecem com clareza as diferenças que Foucault aponta com relação à análise habermasiana
da Modernidade. Referindo-se à Modernidade como tradição darazâo, na perspectiva de Ha-
bermas: "Esse não pode ser meu problema, na medida em que eu não admito absolutamente
a identificação darazâo com o conjunto das tbrmas de racionalidade que puderam, em um
momento daclo, em nossa epoca e ainda recentemente, ser dominantes nos tipos de saber, nas
formas técnicas e nas modalidades de governo ou de dominação, domínios nos quais se fazem
as maiores aplicaçoes da racionalidade. Eu deixo de lado o problema da arte, que é complicado.
Para mim, nenhuma forma dada de racionalida de e a razao. Por isso, náo vejo por que razão
se poderia dizer que as tbrmas de racionalidade que Í-oram dominantes nos três setores dos
quais falo estão no caminho de declinar e de desaparecer. Eu não vejo desaparecimentos desse
tipo. Eu vejo múltiplas transformações, mas náo vejo por que chamar essa transformaçâo de
unr declínio da razáo; outras formas de racionalidade se criam, criam-se sem cessar. Por isso,
Na redação dos volumes II e III de Hlsl oire de la sexualité, Foucault contou com os valiosís-
simos conselhos de P Hadot. Com efeito, Foucault devia enfrentar um domínio no qual não era
especialista (HS2, 14). A presença de Pierre Hadot é também significativa em x/r erméneutique
du sujet.Foucault interessa-se particularmente pela obra de Hadot Exercises spirituels et philo-
sophie ontique (1981). Foucault, como Pierre Hadot, considera a questão das técnicas de si como
"Nietzsche, Blanchot e Bataille são os autores que me permitiram liberar-me daqueles que
dominaram minha formação, no início dos anos 1950: Hegel e a fenomenologia' (D84, a8)'
,,[. seja por Marx ou por Nietzsche,
. . ] toda nossa época, seja pela lógica ou pela epistemologia,
trata de escapar de Hegel" (OD, 74). Essa frase, que expressa uma posiçào geral, pode ser apli-
cada especificamente à filosofia de Foucault; sua genealogia e sua arqueologia são um esforço
constante para desprender-se de uma concepção da história de tipo hegeliana, em termos de
recomposição dialética, de totalidade, com um sujeito unitário (a razão, o absoluto). As his-
tórias de Foucault são histórias descontínuas e múltiplas; nelas não habita a promessa de uma
reconciliação-acabamento. As referências a Hegel são numerosas nos escritos de Foucault; não
encontramos, no entanto, nenhuma análise detalhada dos textos de Hegel; exceto algumas
poucas referências à filosofia hegeliana do direito e à Enciclopédia das ciências JilosóJicas,
as referências são, principalmente, à do espírito. Loucura, alienação. * A
Fenomenologia
partir da segunda metade do século XVIII, a alienação não é mais da ordem da natureza
ou da queda, mas de uma ordem nova, em que se começa a pressentir a história; nela se
formam, com um parentesco obscuro e originário, a alienação dos médicos e a alienação dos
filósofos. A partir do século XVIII, aparecerá o esforço para incluir as práticas da clausura
no grande mito da alienação que Hegel formulará alguns anos mais tarde (}IF,465,597).
* A loucura solitária do desejo para Hegel, como para os fllósofos do século XVIII, lança
o homem em um mundo naturai que será retomado imediatamente por um mundo social
(HF, 659). Hyppolite. Hyppolite deu uma presença concreta à sombra de Hegel que, desde
o século XIX, percorria o pensamento na França, com sua tradução da Fenomenologia do
espírito (OD, 75). Hyppolite não deixou de confrontar o pensamento de Hegel com: Marx
;l
Yer: Hegel.
Hégélianisme [ 1 3]: DE2, 272. DF3, 592. DE4, 43, 48-50, 444, 529. HF, 47 1. OD, 7 6.
"Certamente, Heidegger foi sempre para mim o filósofo essencial. Comecei a ler Hegel,
depois Marx, e me pus a ler Heidegger em 1951 ott 1952; e, em 1953 ol 1952,li Nietzsche.
Tenho ainda aqui as notas que fiz sobre Heidegger no momento em que o lia (tenho toneladas!),
e elas são mais importantes do que as que eu tinha feito sobre Hegel e Marx. Todo meu devir
filosófico foi determinado pela minha leitura de Heidegger. Mas reconheço que foi Nietzsche
quem ganhou. Eu não conheço suficientemente Heidegger, não conheço praticamente Ser
e tempo nem as coisas editadas recentemente. Meu conhecimento de Nietzsche é muito
melhor do que o que tenho de Heidegger. No entanto, essas são as duas experiências fun-
damentais qrefiz. É provável que, se eu não tivesse lido Heidegger, não teria lido Nietzsche.
Eu tinha tentado ler Nietzsche nos anos cinquenta, mas Nietzsche sozinho não me dizia
nada! Nietzsche junto com Heidegger, esse foi o choque filosólico! Mas eu jamais escrevi
nada sobre Heidegger e escrevi apenas um pequeno artigo sobre Nietzsche; no entanto, são
os dois autores que mais li" (D84, 703). Como vemos, Foucault não escreveu nenhum texto
sobre Heidegger. A influência essencial desse sobre seu pensamento teria que ser rastreada
através dos temas que Foucault aborda. Isso excede certamente os limites deste vocabulário.
2 00 HEGELtANtSMo (Heçreliantsme)
+
No entanto, algumas indicações podem guiar o trabalho. Em primeiro lugar, haveria que
1
seguir a presença de Heidegger através de suas leituras da psiquiatria existencial, na versáo
T psiquiátrica do Daseinanalyse; ver a esse respeito: Binswanger, Fenomenologia. Em segundo
lugar, seria necessário seguir sua concepção da linguagem e da literatura no período de les
mots et les choses. Yer Linguagem. Em terceiro lugar, apesar da declarada dependência
essencial, Foucault foi crítico em relação à filosofia de Heidegger. Nesse sentido, há que se
considerar a terceira figura da analítica da finitude - o retorno e o retrocesso da origem (ver:
Homem) - e a crítica de certa maneira "a la Heidegger" de fazer história da filosofia (ver:
Derrida) e a história da verdade em termos de esquecimento (ver: Verdade). * Seria possível
distinguir duas espécies de filósofos: os que abrem novos caminhos ao pensamento, como
Heidegger, e os que desempenham o papel do arqueólogo, que estudam o espaço no
qual se desdobra o pensamento, suas condições, seus modos de produção (DEf ,553).
* "Husserl e Heidegger problematizam todos nossos conhecimentos e seus fundamentos,
mas o fazem a partir do que é originário. Essa busca se procluz, no entanto, às expensas de
todo conteúdo histórico articulado. Ao contrário, o que eu gostei em Nietzsche é sua ten-
tativa de questionar os conceitos fundamentais do conhecimento, da moral e da metafísica
recorrendo tr uma análise histórica de tipo positivista, sem se referir às origens" (D82,372).
* A filosofia husserliana, a fllosofia marxista e Heidegger quiseram esclarecer o problema
da vontade; mas a filosofia ocidental foiincapaz de pensar a questão da vontade de maneira
pertinente (D83, 604-605). * Poder-se-ia ler Heidegger como um esforço em recuperar a
dimensão da espiritualidade na fllosofia (HS, 29). Yer'. Ascese, Cuidado.
Martin Heidegger [64] : DEl,342-344, 542, 545,547,5s1, 5-53, 581, 598, 768,770.DF-2' 372' 424' 52 l. DE3' I 93,
604,619. DE4,455, 584,585, 703, 764,780,814. HS, 29, 182,470. IDS, 19. MC, 345. MMPE,64.
HERMAFRODITISMO (Hermaphrodisme) 20 I
gerais, ele nos diz o seguinte (muitos elementos dessa explicação, vale a pena ressaltar, não
resistem a uma análise histórica, mas essa era a visão de Duval): 1) a não utiiização de uma
linguagem sexual justiÍica-se pelo objetivo de evitar a concupiscência. 2) Compreende-se
isso porque as mulheres da Antiguidade se conduziam de maneira desenfreada e induziam
os homens no mesmo sentido. 3) Mas, a partir do cristianismo, com a figura da virgem
Maria, reabilita-se a figura da mulher, da maternidade e da biologia sexual feminina. A mãe
foi sacralizadapela religiao, pelo matrimônio e por sua função econômica no lar. 4) para
evitar a mortalidade infantil (que em relação com as teorias econômicas mercantilistas
apresenta-se como um fator de empobrecimento para a nação), é necessário romper com
o silêncio médico. É necessário, então, dispor de um saber sobre a sexualidade e sobre sua
organrzaçâo anatômica. O informe de Riolan que, como dissemos, não reconhece os signos
de virilidade do sujeito, sustenta explicitamente que o hermafroditismo é uma monstruo-
sidade. No entanto, desde um ponto de vista legal, não se segue uma condenação à morte.
O caso de Lyon: um sujeito, batizado como mulher, experimenta certa atração em relação
a suas companheiras, muda-se para Lyon e contrai matrimônio com uma mulher. Apelada
a primeira sentença de condenação, o tribunal exige que se vista como uma mulher e lhe
proíbe de ter relações com a mulher com a qual havia contraído matrimônio. No entanto, as
semelhanças entre os dois casos deixam ver algumas diferenças importantes. Nos informes
médicos, o hermafroditismo deixa de aparecer como uma monstruosidade produzida pela
mescla dos sexos. Trata-se, antes, de uma forma de imperfeição, de um desvio da própria
natureza. Tal imperfeição pode ser o princípio de certas condutas criminais. Conclusão:
entre um caso e outro, a monstruosidade como noção jurídico-natural passa a ser pensada em
termos jurídico-morais. O monstruoso não é a mistura de elementos naturais, mas as condutas
criminosas é que podem originar-se de um desvio da natureza. Dito de outra maneira, se antes
um monstro era potencialmente um criminoso, agora, o criminoso é sempre virtualmente um
monstro. Para sermos mais claros, a monstruosidade sempre foi percebida como a possibilidade
de transgredir a lei. Agora se invertem os papéis: toda a um criminalidade passa a ser referida
fundo de monstruosidade, de desvio da natureza (AN, 63-70). Iconografia, simbolismo.
Na iconografia e na literatura do século XVI, o hermafroditismo se acha ligado à Reforma, à
dualidade da religião cristã; também pode ser a expressão simbólica da dualidade do papado e
do império. No século XVII, ao contrário, o hermafroditismo se liga diretamente ao erotismo.
No século XIX, entre as novas significaçoes do hermafroditismo, em uma perspectiva místico-
religiosa, encontramos aquela do casal original. Uma história do hermafroditismo deveria
elucidar como se chegou à condenação desses dois fenômenos tão distintos: o hermafroditis-
mo e a homossexualidade (DE3, 625). Herculine Barbin. Foucault publicou as memórias
de Herculine Barbin (Herculine Barbin dite Alexina B, paris, l97g). "o que me chamou a
atenção no caso de Herculine Barbin é que, no seu caso, não existe sexo verdadeiro. O conceito
de pertencimento de um indivíduo a um sexo determinado foi formulado pelos médicos e
juristas apenas no século XVIII aproximadamente
[...] Na civilização moderna, exige-se uma
correspondência rigorosa entre o sexo anatômico, o sexo jurídico, o sexo social; esses sexos
devem coincidir e nos situam em uma das duas colunas da sociedade. Antes do século XVIII,
no entanto, havia una margem de mobilidade bastante grande,, (D83,624).
Hennaphrodisme I I 7] : AN, 63, 66-63, 7 2. DE} 4gg, 625. DE4, 12 t. HS l, 59, I 34.
Foucault afirmou que todo seu trabalho são fragmentos de filosofia na pedreira da história
(DE4, 21) e também que o sujeito é o verdadeiro tema de suas in\.estigações (DE4, 223). Na
realidade, a relação entre o sujeito e a história constitui, sem lugar a dúvidas, o eixo em torno
do qual se pode compreender toda a sua produção intelectual, desde as prirneilas até as últimas
obras. Por um lado, a relação história/sujeito aparece como o domínio de trabalho de Foucault.
Já na sua primeira obra, Maladie mentale et personnalité (1954), encontramos essa proble-
mática; o capítulo III intitula-se, com efeito, 'A enÍêrmidade e a história individual'l Foucault
ocupa-se em mostrar (em um contexto rnaterialista) a origem da doença mental a partir das
contradições da história concreta do indivíduo. É no conceito de alienação que se cruzam
esses dois eixos do sujeito e da história. No marco de seus estudos de psicologia, a psicanálise
era um dos âmbitos onde aparecia de modo particular essa relação entre o sujeito enfermo e
2 04 HrsróRrA (Histoire)
a semelhança, a da episteme clássica lbi a ordem, e a da Modernidade, a história. O que a
Ordem foi para a episteme clássica, a forma e o conteúdo do que pode ser conhecido com
certeza, a História o foi para a episteme moderna. A história, o fluxo da temporalidade, defi-
nirá tanto o modo de ser das empiricidades como aquilo a partir do qual essas são possíveis:
o modo de ser de tudo o que nos é dado na experiência. 'A filosofia do século XIX se alojará
na distância da história à História, dos acontecimentos à Origem, da evolução ao primeiro
jorro da fonte, do esquecimento ao Retorno. Ela não será mais, então, Metafísica,a não ser na
medida em que ela será Memória, e necessariamente ela reconduzirá o pensamento à questão
de saber o que é para o pensamento ter uma história. Essa questão urgirá sem cessar a filoso-
fia de Hegel a Nietzsche e para além. Nào vejamos aqui o fim de uma reÍlexão filosófica autô-
noma, por demais matinal e demasiado orgulhosa para inclinar-se, exclusivamente, sobre o
que foi dito antes dela e por outros; não façamos disso um pretexto para denunciar um pen-
samento impotente para manter-se apenas de pé e sempre obrigado a enrolar-se em um
pensamento já concluído. Basta reconhecer aqui uma fiiosofia desprendida de uma metafísi-
ca, posto que se desprendeu de um espaço da ordem, mas destinada ao Tempo, ao seu fluxo,
aos seus retornos, porque está capturada no modo de ser da História" (MC,231-232). 2)
História e economia política: No que concerne à economia política, trata-se particular-
mente de David Ricardo. Foucault encontra quatro consequências fundamentais da introdução
da historicidade na economia. a) Em primeiro lugar, a noção de produção. A análise clas ri-
quezas (o saber da economia da época clássica) concebia o valor de troca das mercadorias em
termos representativos, da capacidade que têm as mercadorias de representarem-se umas às
outras pela medida comum do trabalho, analisado em termos de jornadas de subsistência.
Supunha-se que a quantidade de trabalho necessária para produzir uma coisa equivalia à
quantidade de trabaiho necessária para produzir aquilo pelo qual se podia trocá-la. Para a
economia política de Ricardo, a quantidade de trabalho necessária para a fabricação de qual-
quer rnercadoria depende da forma de produção: da divisão do trabalho, da massa de capital,
dos instrumentos dos quais se clispoe. Essa noção de produção, de cadeia de produção, intro-
duz um índice temporal, de acumulação em série, na formação do valor nâo analisável em
termos de jornadas de subsistência. b) A noção de raridade: a análise da renda marginal nos
mostra que o homem econômico é aquele que perde sua vida para escapar da iminência da
morte. c) A evolução econômica: na medicla em que a população cresça e seja necessário
cultivar terras cada vez menos propícias, os custos de produção aumentarão e chegará um
momento em que os salários somente cobrirão as necessidades básicas de vestuário, rnoradia
e alimentação; os ganhos industriais serão cada vez menores. Então, a mão de obra não pode-
625-626,628-629,632 633, 637-6-18, 640, 643-644,616-648, 650, 652, 656-659, 661 662,664,675. 677 ,687 ,693,695,703,720.
721,739-740,746,749 751. r'73.780,792,802,804,815, 822,826-827. DE3. I l-12, 27-31,34,36-37,40,42 43,46-48, 51,54,
s7 58,72,74-77,79-82,88,90-91,95,97-101, 105 107, r12, 115 130, 136, 140 141, 143-148, 156-158, I6l, 172-173, 181, I90,
r92-193, 200, 203, 205,207 -209,213,21.5,2t8,225,128-229,234-237, )39,242,246 248, )56-258,261,).66,266,268, 271-274,
278 279,281.283. 298. 300, .302, 305, 3I 2 3 1 3, I I 5-31 7, 320, 323, .123, 323. 332-334, .350, 357. 360, 362, 364, 368,3 69,371-372,
377,380,385,-190-392,395,398-400,402-403,405,409 4t2,414,419.421,429,431-439.441-442,461,466-168,470,478481,
'198 50r, 503, 510, 514, 522, 524,537-539,544,546.548,553, 555-560, 562, 56.1, 566, 572,575.584,586, -590, 592, 596-s98,
600, 606, 608-6 1 0, 613,618,620, e2-623,62s,628-630,633 634,643,654 656,657,662,666,669,673,674 677,678,682,688,
694-695,699,702,707 ,714,719,726,729,740-7 41,7 43,746,759,761-762,77 t,781,7 83, 785 786, 788, 790 794, 798, 802 B05,
809,818-819,823. DE4, 10-u, t4-16, t8 19,22, 25-27,29-31.34-36,38, 40-42,44-15,17-50,53-62,66-70,71-77,80,82-85,
87,91.,94 95, 100-104,110,115-116, 118-119,122,125-t26,129,134, 136,139,144,148,150, 160 161, 169,182,189,19r-t92,
1 9,1 195, 198, 202, 2t3 216,220-223,2).s,228-230, 232,243,245,249-250,252 253,264, 269,27 4,280, )82 286, 289, 291 -293,
29s.316-317,310.323,340,-14,{-315,348,350--351,353,371.383-386,390.393,409,.111-41s.426,433,43s 446,148-449,151.
453 454, 456, 458, 466, 495, 516-5t7 ,528-530, 532-533, 535-537 ,539-546,549 550, 553, 558,562-565,567,568, 571, 575, 578
58 1, 583, 587, 592,594,597.598,600-60 l, 608-6 10, 6 t2,618,622,627.629, 63 I -633, 635, 637,639,616-659,665 669, 673. 6 r'5,
679-683, 685-687, 69t,69) ,697 -698,700,702,704 705,7 19,721,723-725,730-73t,739,7 44,748-749,752-75-1,755,757,760,
763,76s 773,775,777 -779,78r,784-7 85, 813 S I 5, 819, 821, 824. HF, 15- I 6, 19-20, 2_1, 33 ,i0,72.,79,9t,104, 10tt, 1 I 1 - I 12, I 14,
1 16, il8, 1 44, 158-t -59, 165, 169,187,204,208,221,227,232,239,215 247,26t,264,266,3)9,359,396.397 ,4l,, 408, 414, 423,
426,432, 455,457,465-466,469 475,492,494,502,506, 523, 532, 538, 541, 544, 55 l, 583, 590, 592, 59s, 605, 609, 628, 6s3, 662,
667,681,681-684.HS,4,1r 1-3,15,t9-2t,23 26,30,32-33,,1t,44,56,58-60,65-67,69,73,75,79,97-98,105,109,125,142-t43,
lsl. 158, 166, 170,172-173,181, r84, 190, 198,200,212,235, 239 )40,246.253-254,257-258,294,296,299,302,304 305,325,
340,346-347, 389,393,412,415-416.424,126,428,430,442-444,446,457. HSl, 1 1- 14, 18, 21, 32, 44 46, 59, 73, 75, ti1, 91-93,
r01-105, r07, 109, I ró, 119, t26,t33,119,152, 157, 158, 172-173, 186-189, 197.200,206_207,209. HS2,9 12, 14_17, 19,23.25,
29, 36, 50-51, 55 56, 6 1 , 63, 69, I 02. 12 1, 1 6 1, 25 1. 275,277,280,284.HS3, 21, 36, 103, I 04, I 66, 168, t82,213,220,245.248_249,
276,281.IDS,5,16,t8,27,41,45,47-4n,50-55,577t,73-76,87,96,96_97,9e,101,105_107,109111,1t4_123,125_t26,129,
l'r1'133,136-l41,143-147't49159,165't67.169-177,18-3-191,193-197,200-205,20t--213.229-230.MC,13-15,37,.13,51,53,
55-56,60,64,69-7r,77,81,84,88-90,101 105,109,116,118,124-130,1,33,135,139152,154_155,157_163,167175,177,\79,
t89, 192,202,213-222,225,229)33,238,24t-245, )47 , 219,251-252, 256,261 264,268 269,27 t-277, 281,284-285,287 -289,
29r 292, 300,303,305-307, 309, 3 1 4-3 1 -5. 3 1 9-i20, 322 326, 330-332,336-338, 340 313,345-347.35 1, 353, 356 357. 360-362.
i s r HISTORICISMO (H istoricisme)
Yer: Fascismo.
2 08 HtsrontctsMo (Historictsme)
AdolfHitler [24l:4N,27, 124. DEI,546. DEz,r94,348,6s6,73s. D83,64, 134,228,280,53s,677.6s9,724. DE4.
31, 102,587,666. IDS, 232,23s.
Deixando de lado algumas referências à Lógica de Hobbes, em Les mots et les choses,
o Lettiata é o texto de Hobbes do qual Foucault mais se ocupa. Com efeito, ao propor como
hipótese de trabalho servir-se do conceito de guerra para analisar as relações de poder, é ine-
vitável a confrontação com Hobbes. Na hipótese de Foucault, a política e, consequentemente,
também o Estado se fundan'r na guerra, enquanto, para Hobbes, na não guerra, Em "Il faut
défendre la société", Foucault aborda extensamente a questão. A ideia de Foucault é que a
guerra, como analisadora do poder, é um recurso para estudar o poder fora do que havia sido
o discurso tradicional a esse respeito no Ocidente: o político-jurídico. O que Foucault tem
em mente, como é óbvio, é a necessidade de reinterpretar a significação da obra de Hobbes.
Decerto Hobbes faz o Estado surgir da guerra de todos contra todos, de uma guerra de iguais
ou quase-iguais, da não diferença, da indiferenciação natural. Como é esse estado de guerra
originário? Nele encontramos: 1)Representações calculadas: a) eu me represento a minhor
força, b) eu me represento que meu inimigo se representa a minha força.2) ManifestaçÕes
enfáticas de vontade: é necessário manifestar que se quer a guerra, que não se renuncia à
guerra. 3) Táticas de intimidação: mostra-se a força, mas não se chega à batalha. Como t emos,
nessa guerra não corre sangue; nela tudo se joga no campo das representações e das ameaças.
Não é a guerra efetiva, mas o medo de ser vencido, a possibilidade de sê-lo (dado que não há
diferenças originárias) o que nos leva a constituir o Estado, a constituir uma soberania. Hobbes
distingue três tipos de soberania: 1 ) De instituição: vários indivíduos concordam que alguem
ou alguns (uma assembleia) os represente total e integralmente. A soberania assume, assim,
2) De aquisição (aparentemente se opõe à anterior): uma república
a pessoalidade de todos.
seconstitui após uma batalha de conquista, quando pela força alguns dominam os outros.
No entanto, a soberania não surge da própria batalha, da vitória. Os que foram vencidos
encolltram-se diante da alternativa de retomar a guerra ate morrer (e nesse caso um povo e
uma soberania desaparecem) ou, a troco da vida, aceitam obedecer aos vencedores. Então se
constitui a soberania. 3) Uma criança quando aceita espontaneamente seguir a vontade de sua
mãe. O importante é que, em cada um desses casos, a soberania se constitui a partir de baixo.
Porque, para Hobbes, o fundamental consiste em eliminar, estrategicamente, o historicismo
político. Esse é o objetivo de Hobbes, seu inimigo e o discurso que faz do conhecimento his-
tórico um uso político, contra a legitimidade dos poderes e instituições constituídos (IDS,
78-86). * No verbete Soberania, ocupamo-nos da posição de a respeito dessa noçâo
Foucar.rlt
e da metodologia que eia implica em relação à análise do poder. "Em outros termos, mais
que se perguntar como o soberano aparece no alto, trata-se de saber como pouco a pouco,
progressivamente, realmente, materialmente se constituíram os sujeitos, o sujeito, a partir da
multiplicidade dos corpos, das forças, das energias, das matérias, dos desejos, dos pensamentos,
etc. Captar a instância rnaterial enquanto constituição dos sujeitos, isso seria, se vocês quiserem,
exatamente o contrário do que quis fazer Hobbes no Leviata" (IDS, 26).
Les mots et les choses começa e termina com o anúncio da iminente morte do homem.
'Alívio, no entanto, e profundo apaziguamento, o de pensar que o homem é só uma invenção
recente, uma figura que não tem dois séculos, uma simples dobra no nosso saber, e que ele
desaparecerá a partir do momento em que este encontre uma forma nova' (MC, 15). Com o
termo "homeml Foucault se refere aqui a duas figuras da disposição da episteme moderna, a
analítica dafinitude e as ciências humonas. Elas se formaram há apenas dois séculos, quan-
do se começou a pensar o Íinito a partir do finito (MC, 329), quando desapareceu a metafísi-
ca do infinito. A morte do homem é, em definitivo, o desaparecimento do sujeito moderno,
tal como o concebeu a filosoha (particularmente as diferentes formas da fenomenologia) e as
ciências humanas. O desaparecimento da figura que "a demiurgia do saber fabricou com suas
mãos" (MC, 319). "Uma coisa, em todo caso, é certa: o homem não é o mais velho problema
nem o mais constante que foi colocado para o saber humano. [. . . ] o homem é uma invenção
recente, da qual a arqueologia de nosso pensamento mostra facilmente a data recente. E,
talvez, o fim próximo" (MC, 398). Foucault sustenta que a figura do homem se formou a
partir do desaparecimento do discurso clássico (ver; Discurso), nos interstícios de uma lin-
guagem em fragmentos. O reaparecimento da linguagem na literatura, na linguística, na
psicanálise, na etnologia nos anuncia que a figura do homem está em vias de se decompor.
Ocupamo-nos dessa incompatibilidade fundamental entre o ser da linguagem e o ser do homem
ção indo-europeia nos ntostrafll, conl os limites que lhe são impostos, que o homem é finito.
Ainda que, e é necessário precisar, essa finitude se apresente sob a forma do indefinido. A
evolução da espécie nâo está concluída, os mecanismos de produção não çessam de se modi-
ficar, nada prova que não se descobrirão sistemas simbólicos capazes de dissipar a opacidade
histórica das línguas. Contudo, cada uma dessas formas exteriores que marcam o homem em
sua finitude não podem ser apreendidas senão a partir da própria finitude. Tenho acesso ao
modo de ser da vida, fundamentalmente, através do meu corpo; às determinaçÕes da produ-
ção, através do meu desejo; à historicidade das línguas, mediante o instante em que as pro-
nuncio. Surge assim a necessidade de remontar-nos da finitude das empiricidades (a finitude
da vida, do trabalho, das línguas) a essa finitude mais fundamental (do corpo, do desejo, e da
fala) através da qual me é dada a primeira. A analítica da Íinitude designa esse movimento de
uma finitude a outra. A primeira característica dessa analítica, o modo colno marca o ser do
homem, será a repetição entre o positivo e o fundamental: 'A morte, que gasta anonimamen-
te a existência cotidiana do vivente, é a mesma que aquela fundamental a partir da qual se me
dá a minha r,ida empírica; o desejo, que liga e separa os homens na neutralidade do processo
econômico, é o mesmo a partir do qual tudo é para mim desejávei; o tempo, que leva as lin-
guagens, se aloja nelas e acaba por gastá-las, é este tempo que estira meu discurso antes
mesmo que eu o tenha pronunciado em uma sucessão que ninguém pode dominar" (MC,
326). Ainda que seja certo, como afirma Foucault, que náo era necessário esperar o século XIX
para descobrir a finitude; no entanto, até então a finitude havia sido pensada em relação ao
infinito, em A analítica da flnitude, contudo, pensa o finito a partir do finito. Neste
seu seio.
sentido, nosso autor afirma: "[...] o fim da metafísica [pensar o finito em relação ao infinito]
é somente a face negativa de um acontecimento muito mais complexo. Este acontecimento é
o aparecimento do homem [da analítica da finitude]" (MC, 328). * Foucault descreverá três
grandes formas que a analítica da finitude (a oscilação entre o positivo e o fundamental) tomou:
oempíricoeotranscendental,o cogitoeoimpensado,oretrocessoeoretornodaorigem. 1)
O empírico e o transcendental: no ser do homem haverá de se considerar o conhecimen-
to do que faz possível todo conhecimento. Por um lado, aquelas formas de análise que se di-
rigem ao corpo (estudos da percepção, dos mecanismos sensoriais, dos esquemas neuro-
rnotores) dâo lugar a uma espécie de estética transcendental; elas nos mostram que o
conhecimento tent uma rlaÍureza. Por outro lado, as que se dirigem à história dão lugar a uma
espécie de dialética transcendental: estudo das condições históricas, sociais e econômicas do
conhecimento. Pois bem, nenhuma dessas análises se pensa como um mero conhecimento
empírico; elas supõem certa crítica, entendida como determinação de divisões e separações.
Entre essas, a fundamental é a divisão a propósito da verdade. Distinguir-se-á, por isso, uma
HOMEM (Homme) 2I I
yerdade da ordem do objeto, da nat:ureza, que se esboça através do corpo, e outra que se es-
boça, por sua vez, através da história, com o dissipar-se das ilusões. Existe também uma
verdade que é da ordem do discurso, uma verdade que permite ter um discurso verdadeiro
sobre a história e a natureza do conhecimento. Mas o estatuto desse discurso é ambíguo: ou
encontra seu fundamento na verdade empírica que se esboça na natureza e na história do
conhecimento ou o discurso antecipa a verdade que se esboça (a verdade do discurso filosó-
fico constitui a verdade em formação). No primeiro caso, temos uma análise de tipo positivis-
ta; no segundo, escatológico. A fim de evitar essa ambiguidade, o pensamento fllosófico pro-
curou dar lugar a uma espécie de analítica, um discurso que não fosse nem redução nem
promessa. Essa foi a pretensão da análise das vivências (vécu). "Ela trata de articular a obje-
tividade possível de um conhecimento da natureza com a experiência originária que se esbo-
ça através do corpo; e de articular a história possível de uma cultura com a espessura semântica
que ao mesmo tempo se oculta e se mostra na experiência vivida' (MC,332).2) O cogito eo
impensado: no modo de ser do homem, funda-se essa dimensáo sempre aberta que vai de
uma parte de si mesmo, que não se reflete no cogito, ao ato de pensamento mediante o qual o
cogito retoma o impensado e, inversamente, dessa recuperaçào pura ao peso empírico. A re-
ativação do tema do cogito tem lugar, segundo Foucault, a partir de um deslocamento quá-
druplo da problemática kantiana: não se trata da verdade, mas do ser (retomar no cogito o
impensado do ser do homem); não se trata da natureza, mas do homem; não da possibilidade
de um conhecimento, mas de um desconhecimento primeiro; não do caráter infundado das
teorias filosóficas com relação às cientíÍicas, mas de retomar em uma consciência filosófica
todo o domínio das experiências infundadas em que o homem não se reconhece. A diferença
de Descartes, no entanto, o cogito moderno (da analítica da finitude) não se preocupa em
fazer do pensamento a forma geral de todo pensamento (nem mesmo do erro, da ilusão). No
cogito moderno faz-se valer a distância que separa e liga o pensamento, como presença a si
mesmo, ao impensado. Nesse espaço, que vai do cogito ao impensado e do impensado ao
cogito, situa-se a fenomenologia de Husserl. "Para nós, o projeto fenomenológico não cessa
de se desagregar em uma descrição das vivências, que é empírica apesar dela, e uma ontologia
do impensado, Que deixa fora de circulação a primazia do 'eu penso"' (MC, 337). O impensa-
do foi o An-sich da fenomenologia hegelian a, o (Jnbewussúe de Schopenhauer, o homem
alienado de Marx, o implícito, o inatual, o sedimentado de Husserl. A tarefa do pensamento
moderno será recuperar o impensado, como tomada de consciência, como elucidação do
silencioso, como o esforço por trazer à luz a parte de sombra que retira o homem de si mes-
mo. Essa tarefa constitui na Modernidade o conteúdo e a forma de toda ética. "Desde a super-
fície se pode dizer que o conhecimento do homem, à diferença das ciências da natureza, está
sempre ligado, mesmo em suas formas mais indecisas, a éticas ou a políticas; mais fundamen-
talmente, o pensamento moderno avança nesta direção na que o outro do homem deve
converter-se em o Mesmo que ele" (MC,339). 3) O retrocesso e o
retorno da origem. No
pensamento clássico, a questão da origem se apresentava como a origem da representação: a
origem da economia a partir da troca (onde dois desejos se representavam); a origem da na-
tureza na quase identidade dos seres representados no "quadro da natureza"; a origem da
linguagem nas formas elementares em que o som (na forma de grito) e o gesto (na forma de
mímica) começavam a representar as coisas. No pensamento moderno, no entanto, o trabalho,
começa com o primeiro instante da representação. "Não é mais a origem o que dá lugar à
historicidade, mas é a historicidade que, por sua própria trama, deixa perfilar a necessidade
de uma origem que seria ao mesmo tempo interna e estranha [...]" (MC, 340). O homem se
descobre, assim, em uma historicidade já feita: a de uma vida que começou muito antes que
ele, a de um trabalho cujas formas jáforum institucionalizadas, a de uma linguagem na qual
nunca encontra a palavra primeira a partir da qual se desenvolveu. 'A origem é, antes, a ma-
neira pela qual o homem se articula sobre o já começado do trabalho, da vida e da linguagem
l. .1" (MC, 341). O originário é, para o homem, esse dobrar-se até as historicidades já consti-
tuídas, essa fina capa de contato entre seu ser e o da vida, do trabalho e da linguagem. Mas
essa capa não imediatez de um nascimento, está povoada de mediações. Por um lado,
tem a
como vemos, a origem das coisas se subtrai sempre ao ser do homem; por outro, é somente a
partir da origem que o tempo pode reconstruir-se, que pode brotar a duração e, deste modo,
colocar-se a questão da origem, a partir da possibilidade mesma do tempo. Nesse movimento
que vai da subtração da origem ao retorno de seu questionamento a partir do ser do homem,
encontraremos tanto os esforços positivistas em articular o tempo do homem na cronologia
das coisas como os esforços contrários para articular, agora, na cronologia do homem a expe-
riência das coisas. No pensamento moderno, encontraremos todos aqueles esforços pelos quais
o pensamento vai em busca de sua origem, se curva sobre si mesmo até desaparecer
ali desde
(Hôlder-
onde hauia partido (Hegel, Marx, Spengler), e encontramos também aqueles outros
lin, Nietzsche, Heidegger) em que não há consumaçã0, mas desgarramento. ciências huma-
nas. O que Foucault denomina o triedro de saberes da episteme moderna é formado por: íis
ciências chamadas exatas (cujo ideal é a concatenação dedutiva e linear das proposições
evidentes a partir de axiomas); as ciências empíricas (a economia, a biologia e a linguística
que, para cada um de seus respectivos objetos - o trabalho, a vida e a linguagem -, procuram
estabelecer as leis constantes de seus fenômenos); e a analítica da finitude. Cada uma dessas
três dimensões está em contato com as outras duas. Por um lado, entre as ciênciâs exatas e as
ciências empíricas, existe um espaço comum definido pela aplicação dos modelos matemáti-
cos aos fenômenos qualitativos. Surgem desse modo os modelos matemáticos, linguísticos,
biológicos econômicos. Por outro, entre a analítica da finitude e a matemática, encontramos
e
lo matemático; mas, por duas razões, as relações entre a matemática e as ciências humanas
são as menos importantes. Por um lado, a problemática da matematização da ordem qualita-
tivo não é uma questão que afete exclusivamente as ciências humanas, é, antes, comum às
ciências empíricas. Por outro, como surge da análise da episteme clássico,o aparecimento das
ciências modernas, à exceçáo das ciências físicas, não é correlata a uma extensão progressiva
da matemática, mas de uma espécie de desmatematizaçâo ou, mais propriamente, de uma
regressão do ideal taxonômico (MC, 360-361). O que define, segundo nosso autor, as ciências
2 14 HoMEM (Homme)
indivíduos podem ser representados na consciência de um indivíduo, e a categoria comple-
mentar de regra mostra como o desejo e as necessidades respondem a uma estruturação que
não é consciente para os indivíduos que os experimentam. A categoria de função assegura a
forma como a vida pode ser representada, e a categoria de norma assegura a forma em que as
funçoes se dáo as próprias regras, que nào são conscientes (MC,373-374). Essa posição in-
termediária entre as ciências empíricas e a filosofia, essa estrutura ou, mais propriamente, a
função que cumprem as categorias estruturantes tomadas das ciências empíricas, faz com que
as ciências humanas não sejam, estritamente falando, ciências;o que não significa que se deva
considerá-las como uma criaçáo imaginária ou artística desprovida de uma conformaçáo
racional. Foucault as compara à situação que ocupavam, durante a época clássica, a gramáti-
ca geral, a análise das ríquezas e a história naturol. Como essas, as ciências humanas se
situam em uma regiao metaepistemológica (MC, 366). Contraciências humanas' A
psicanálise, a etnologia e a linguística ocupam uma posição diferente daquela das ciências
humanas: nosso autor as denomina, em relação às ciências humanas, contraciências. Vimos
que o que define, para Foucault, as ciências humanas é esse espaço intermediário entre as
ciências empíricas e a analítica da finitude, espaço no qual as ciências humanas fazem passar
pelo elemento da representabilidade os objetos das ciências empíricas - a linguagem, a vida
e o trabalho - e, ao mesmo tempo, referem o empírico das ciências empíricas ao que as torna
outro. Por um lado, a psicanálise se ocupará das figuras da analítica da finitude - aqui nosso
l6s-r66.170-173.178.181-182,186.189,193-194,202,205,209,216,2t9,221,,227,230-232,234,212,246,218'250,
30-31,15-43,45-54,58,6263,69-70,80,83,95-96,99-101,107,112 113,125,130-131,136,138-141,145'147,157,172-180'
183- 1 86, 1 89- 1 90, 193, 195-209,225,231,234,236,240,245,253,2s6,27 1,280,287 288,292,294-298, 300, 306-307, 3 10-
314,343-346,365,372,378,380,382,389-390,396,403,406-409,411,418-419,422-126,436,439-440,443,451,453 45s,
457 -458, 459 460, 462-473, 475,476, 486,494, 496, 5 I 0-5 12, 5 14, 516,518-521,526-527 , 533,534, 536-538, 544, 517 548,
55 I -552, 554-555, 557, 559 563, 565-569, 57 4-575, 579,582 584,587-588, 590-592, 594,597, 600-603, 607, 6 10-6 I 1, 6 1 5,
160,164-165,169,174,184-185,189,191,207,210,212,234,237-238,254,269,271-273,275,283,287,299,311,3t4,317,
3 1 9 334, 336 339,341-376,378-394, 396-398. MMPE, 2, 16,26,29,31,36, 45, 53, 65, 68,7 1-72,7 1,76-80,83, 84, 86-87,
89, r02, 104, 107, 1 10. MMPS, 2, t6,26,29,31,36, 45, 53, 65, 68, 7t 72,74,88-89,92, 94, 96, 98-101, 103-104. NC, il, l,
7, 12,28,33-36,43, s0, 54, 64, 66, 72, 84-85, 96, 101, 120, 158, 16,1, 176, 193,200-203,206-207,21 1. OD, 30. RR, 18, 45,
52,58,66,77,80,107-108,112-113,121-122,136,141,145,152153,179,t99,210.PP,il1,31,41,58-60,74-75,80-81,
84,88,93, 102,121,129,139,141, 1,14 145, 147,149,157, 168, 170,202,205,219-220,226,24,255,283,294,298,327,
332-335. SP, 11,28,34,41,58,64,72,76,91.,94, 101, 104, 106 107, 111, 116, 119, 124,137-138,14]1-t42,143,157, 160,
1.66, 17 L, 173,193, 19s, 205, 227,238-239,241-242,243,258,263 264,270-272, 284, 288, 293,311-312.
A época em que se queimam pela última vez os sodomitas - na Europa, a partir de 1726
- é a época em que desaparece todo o iirismo homossexual que a cultura do Renascimento
2l 6 HoMoSSExUAUDADE (Homosexualité\
havia suportado. No Renascimento, com efeito, condenava-se a homossexualidade como se
fazía com a magia e a heresia. No entanto, na época clássica, a homossexualidade não é con-
denada por razões religiosas, mas sim morais. 'A homossexualidade, a que o Renascimento
tinha dado liberdade de expressão, doravante entraria no silêncio e passaria para o lado da
proibição, herdando as antigas condenações de uma sodomia agora dessa cralizadzi' (}JF,122-
123). Na época clássica, a homossexualidade será o amor da desrazão. Os homossexuais, por
conseguinte, serâo internados junto aos portadores de doenças venéreas, os desenfreados, os
pródigos (HF, 126). * "Não há que esquecer que a categoria psicológica, psiquiátrica, médica da
homossexualidade se constituiu no dia em que se a caracterizou (o famoso artigo <le Westphal
em 1870 sobre as 'sensaçoes sexuais contrárias'pode valer como data de nascimento) menos
por um tipo de relações sexuais do que por uma certa qualidade da sensibilidade sexual, uma
determinada maneira do masculino e do feminino de intervir em si mesmo. A homossexuali-
dade surgiu como uma das figuras da sexualidade ser decalcada da prática da sodomia, sobre
uma espécie de androginia interior, um hermafroditismo da alma" (Hsl, 59). No século xIX,
aparece na psiquiatria, na jurisprudência, e na literatura toda uma série de discursos sobre
as espécies e subespécies de homossexualidade. Através de tais discursos, por outro lado, a
homossexualidade começou a faiar, a reivindicar sua naturalidade (HSl, i34). Na cuitura grega
clássica, a linha de separação entre um homem afeminado e um homem viril não coincide com
a oposiçâo entre homo e heterossexual. Antes, marca uma diferença de atitude a respeito dos
prazeres. O afeminado se caracteriza pela preguiça, a indolência (HSl, 99). * A categoria de
homossexualidade é pouco adequada para analisar a experiência grega dos prazeres (HS2,
207). " "A homossexualidade é uma ocasião histórica para reabrir as virtualidades relacionais
e afetivas, não particularmente pelas qualidades intrínsecas do homossexual, mas pela sua
posiçáo de algurna maneira oblíqua; porque as linhas diagonais que ele pode traçar no tecido
social pennitem que apareçam essas virtualidades" (DE4, 166).
Homosexualité | 1711: AN, 6, t9,156,220,293. DEr, 416. DE2, I I 7- 1 18, 131, 526-537,572,660,814. DE3, 149, 193,
260-261,297 ,32t-3D.,356,525,625,7 63.DE4, 163-164,166-167 ,254-255,28t,286-288, 290-295, -108 ,31 t -3t 2,314 316,
31,8, 320 3Zt,323-326,328-330,328 330,332-333, -135-336, 532, 660,662-664,7 t r,737 ,7 41,7 44 7 45.HF, 122-t23, 126.
HSI,52,s9,134.}l52,43,48,98,99,207-208,216,220,232,240,244,277.281. HS3,36.220.MMPE,46.SP,r75.
Sobre poucos temas haverão de se encontrar, nos textos de Foucault, rnanif'estações tão
enfáticas e constantes como as que encontran)os contra o humanismo: " [. . .] o humanismo
foi, de alguma maneira, a pequena prostituta de todo o pensamento, de toda a cultura, de
toda a moral, de toda a política dos úrltimos vinte anos" (DEl, 616). Liberar-se do huma-
nismo é, para Foucault, uma exigência e uma tarefa filosófica e política. por um lado, há
uma razáo metodológica para o combate contra o humanismo. Razão qLle se enquadra no
marco da crítica às Íilosofias do sujeito (ao existencialismo, à fenomenologia, ao marxismo
humanista) e no marco da crítica à concepçâo da história solidária a cada uma dessas po-
siçoes Íilosóficas. A arqueologia, com efeito, propõe-se a liberar a história da sujeição an-
tropológica, das promessas combinadas do humanismo e da dialética (AS, 22,262,264).
aparece quando ele trata de retomar a relação fundamental com o ser, mediante o retorno
aos gregos; em Russell, com a crítica lógica da filosofia; em Wittgenstein, quando coloca as
relaçoes entre lógica e linguagem. Também aparece nos linguistas e sociólogos, como Lévi-
Strauss. Por outro lado, enquanto a razâo analítica do século XVII se catacteriza por sua
referência à natureza, e a razâo dialética do século XIX, por sua referência à existência (as
relaçõesentreoindivíduoeasociedade,aconsciênciaeahistória,apráxiseavida,osen-
tido e o não sentido, o vivente e o inerte), o pensamento náo dialético do século XX carac-
teriza-se pela sua referência ao saber (DEl,
542-543). Em outros textos, a interpretação
foucaultiana da história do humanismo é mais ampla. O humanismo aparece, então, como
um conjunto de temas que reapareceram numerosas vezes, através do tempo, nas socieda-
des europeias. Esses temas estão sempre ligados a juízos de valor, mas variaram tanto em
seus conteúdos quanto também o que se considera valioso. Ademais, o humanismo serviu
de princípio crítico de diferenciação. Houve um humanismo como crítica do cristianismo
e da religião em geral; houve um humanismo cristão em oposição a um humanismo ascé-
tico mais teocêntrico (no século XVII). No século XIX, houve um humanismo crítico da
Yer'. Fenomenologia.
EdmundHusserl[64]:A5,265.D81,69,74,76-79,101,127,500-501,554,582,612 613,667,770.D82,106,16,1.
165,372.DE3,31,141,430,,132,823.DF.4,53,169,134,446,155,761_767,780,789,801,814.HS,29,40,443.455.469
IDS, 19. MC,261,336,338, OD,79. pp,255.
de discursos que servem de ajuda, suscetíveis, como diz Plutarco, de levantar eles mesmos a voz
e de{azer calar as pai-xões, como um amo que com uma palavra aplaca o latido dos cães" (DE4,
419). Sêneca insiste ern que a prática de si implica a leitura; com efeito, ninguém poderia extrair
do próprio fundo nern armar-se a si mesmo dos princípios de razão que são necessários para
conduzir-se na vida. Mas o ler não pode dissociar-se do escrever. A escrita, como maueira de
reunir as leituras realizadas, é um exercício darazão que se opõe, no entanto, ao grande delêito
da stultitiaprovocada pelo excesso de leituras, e pelo passar de um livro a outro (DE4, 420; HS,
343). * A escritura dos hypomnémata é uma prática regrada e voluntária do heterogêneo. Opoe-
gramático que se propõe a conhecer toda a obra ou todas as obras de um
se, assim, à prática do
autor (DE4,421). * No entanto, tal heterogeneidade não exclui a unificação, ela se estabelece
em quem escreve os hypornnémata.Por um lado, trata-se de unificar esses fragmentos por sua
subietivação no exercício da escritura pessoal. Sêneca utiliza, a respeito, a metáfora da digestão.
Trata-se de digerir o que se lê e se escreve. Os pensamentos e as observaçoes convertem-se, no
mesmo escritor, em princípio de ação racional. Por outro lado, o escritor constitui a própria
identidacle mediante a coleta das coisas ditas (DE4, 422-423). * Os cadernos de notas que cons-
tituem um exercicio pessoal de escritura podem servir também como material para os textos
que se enviam a outros. No entanto, apesar clos pontos de contato, a correspondência não deve
ser considerada corno rnera prolongação dos lrypomnématíi; a correspondência é algo mais que
o treinatnento de si mesmo pela escritura, ela constitui também uma maneira de manifestar-se
a si mesmo e aos outros (D84,423-425).
Hypomnêmata [48]: DF.a,36l, .103 405, 418 -423,425-126,430,62.t-627. HS, 343-3.14, 349 350, 352.
HYPoMNÉMATA 221
:=!. HYPPOLITE, Jean (1907 1968)
utilizável por três razões. A primeira é que, quer se queria, quer nâo, ela está sempre em opo-
sição a algo que seria a verdade. Pois bem, eu creio que o problema não é fazer a divisão entre
o que, em um discurso, provém da cientificidade e da verdade e aquilo que provém de outra
coisa, mas sim ver historicamente como se produzem efeitos de verdade dentro do discurso
que não são em si mesmos nem verdadeiros nem falsos. Segundo inconveniente: creio que ela
se refere necessariamente a algo assim como o sujeito. E, em terceiro lugar, a ideologia está
em uma posição secundária em relação a algo que funciona para ela como infraestrutura ou
determinante econômico, material, etc. Por essas três razões, creio que é uma noção que não
se pode utilizar sem precaução" (DE3, 148). Por isso, história do saber ou das formas de
a
exercício do poder, tal como a concebe Foucault, é uma história de práticas, e não de ideolo-
gias. Ver: Prática. Ciência. Para Foucault, colocar a questão da ideologia em relação à ciência
não é colocar a questão das situações ou práticas que refletem de maneira mais ou menos
consciente nem, tampouco, a questão de sua utilização eventual ou de seu mau uso; mas sim
colocar a questão de sua existência como prática discursiva e seu funcionamento em relação
a novas práticas (AS, 241). Assim, por exemplo, a economia política desempenhou um papel
na sociedade capitalista, serviu aos interesses da burguesia; mas toda descrição precisa das
justificação filosófica uma'ideologi4 isso é, uma analise geral de todas as formas da representação,
desde a sensação elementar até a ideia abstrata e complexa" (MC, 81). O projeto da ideologia, no
espaço da episteme clássica, opõe-se à característica universql tanto quanto a universalidade do
discurso exaustivo (a reconstrução da gênese de todos os conhecimentos possíveis) ea universalidade
da língua em geral (que desdobra as ordens possíveis na simultaneidade de um quadro) (MC, 99).
Ideologia burguesa. Yer Burguesia.
Ideologie [ 1 ] : DE3, 502.
Idéologie [277]: AN, 14,85, 123,210. AS, 12,53,206,232,240-243. DEl, 341, 607,617,653,658,666,836. DE2,
tt6,172,19s,230-231,235,272,303, 308, 31 1, 3 I 5, 33 6,338,342,345,3s2-353,356,3s8_362,368,438,481,493, s16_517,
523,53t,533,552,569,596,600,622-623,630,646,654,672,685,726,756-757.DF3,8,29,68,79,83,11i_112,1t4,t47,
148, 1 57, 1 58, 160, I 84, i 86, 2 10 ,263,307,324,337 -338,345-347,348-349,386,435-438,469,476,502,583,60t,626,632,
666,688,715,744,746,807,817,819,82t.D84,11,19,22,24,36,51,53,59,64,69,80,90,97,100,166,220,280,349,
514,517,540,654,663,718,770-772,828. HS,92. HSl,91, 135, 165, 168, 184. HS2, 10. HS3,89. IDS,30, 33,73,169,
230. MC, 79-83,86,96-97 ,99, I0 1, 1 07- 1 08, ltt, 1.20, 126, t28, 133,238,249,253-255,259,328, 339, 376. NC, 37 ,78,96,
104. OD, 64, 65. PP, 20, 66. Sp, 31,33-34, t87,239.
"Só uma ficção pode fazer crer que as leis foram feitas para serem respeitadas; a polícia
e os tribunais destinados a fazê-las respeitar. Só uma ficçáo teórica podefazer crer que nós
aderimos, de uma vez por todas, às leis da sociedade a que pertencemos. Todo o mundo sabe
bem que as leis foram feitas por alguns e impostas aos outros. Mas, parece, que podemos dar
um passo mais adiante. A ilegalidade não é um acidente, uma imperfeição mais ou menos
inevitável. E um elemento absolutamente positivo do funcionamento social, cuja função está
foi um instrumento para reor ganízar o campo das ilegalidades, para redistribuir a economia das
ilegalidades, para produzir uma determinada forma de ilegalidade profissional, a delinquência,
que, por um lado, fará pressão sobre as ilegalidades populares e as reduzirá; e, por outro, servirá
de instrumento da classe no poder frente ao operário cuja'moralidade'era absolutamente indis-
pensável, desde o momento em que se tinha uma economia de tipo industrial" (DE3, 93).
Yer Prisao.
Iltégalisme [115/: AN, 20, 81. DF,2,435,436,466-467 ,469,470,689,719'743-745'797 . DE3, 67, 86, 94, I 39, 816.
DE4. 190,209.639. HSl, s2. 5P,66,72,78,84-91, 122,278,279-286,288-290,292,296-299,304,312.
HF, 21, 28, -10. 37, 43, 51, s7, 67, r2 1, 1 10, 1 50, 167 ,202,249.250-25 1, 254-258, 264,266,284,296 298. 300-30 I, 306-307,
311,321-322,330,333,335,339,341,3.18,354,359,i72,380,383 384,396,407,.116 1t7,423-124,451,4s3,456,458,499,
519,520, -523,5,14-54.5,,s61,566,583,601,634,656. HS,351,375,41+,418,145-416,453. H53, 165. IDS. 189. MC,7.8,62,
72,76,81,83-85,87,105,127,1:15,158,160,172-175,216'217,219,231,252,320,329,340.346,355.MMPE,4.I{MPS,
4,77,85-86,91. NC, VIII,.l3, 1()7. PP, 19,146,202,).23. RR, 1-5,15,49,53,98, 193, 197. SP, 37,93 94,242,215.
Yer Psicanálise.
Inconscient[207]:AS,22,35,39,65,160,197,252,262,264.DEI,69,87,122123,t27 129,142 143,152,280,338,
440-143, 445, st4,522, 569, 57 6,578, -580, 609, 653-654, 656, 66 1, 663-666 .704,706,708,77 1,779,802,804. DE2, 9, 1 3,
1 89, 232, 28.1, 3 13 , 326,3,-3-37 4,148, 479,523, 553-s55,562,662,666,7 19-720,7 46,770,779. DE3, 30, 97, 118,263,293,
297,3t5,31.8,372,526-527,539,568,590, 595, 766,8r7. DE4,52,62, 386, 435, 6l 1, 652,667.737. HF,144, 456. HS, 41.
HS1,40,94. HS3, r96. MC, 3t).,337,338,373-376.378, i83,385-386,,188,390 392. MMPE.,13,56,86, 108. MMPS,
43, 57, 88, 98. SP, 24, 31 l.
moderna. Não se trata, no entanto, somente de oposição entre elasi são técnicas correlatas cujo
solo comum está dado pelo ser da linguagem. Era necessário, na época moderna, com efeito,
compensar o surgimento múltiplo da linguagem tornando-a transparente às formas de conhe-
cimento ou fundindo-a nos conteúdos do inconsciente. O estruturalismo e a fenomenologia,
desse modo, encontram seu lugar comum e seu próprio espaço (MC, 312). Arqueologia. A
descrição arqueológica, a análise enunciativa, é um método de análise histórica que renuncia
a toda interpretação (AS, 143,164). A arqueologia não pretende, com efeito, descobrir um
sentido que se encontraria, de algum modo, oculto sob os signos; por isso, não refere os
enunciados à interioridade de uma intenção, de um pensamento, de um sujeito. Artemi-
doro. Foucault dedica a primeira parte de Le souci de soi à análise da obra de Artemidoro, A
chave dos sonhos. A interpretação de Artemidoro situa-se em uma linha que vai do ator do
ato sexual ao sonhador do sonho, do sujeito ao sujeito; partindo do ato sexual e do papel do
terá por objetivo
sujeito ta1 como ele se representa no seu sonho, o trabalho da interpretação
Husserl' Freud' "Da
decifrar o que acontecerá uo qu. sonha quando retorne à vida desperta.
era necessário um método
confrontação entre Husserl e Freud nascia uma dupla problemática:
de interpretação que restituísse a plenitude dos atos de expressão" (DEl, 79). Nietzsche,
julho de L964, foi
Freud, Marx. A apresentação de Foucault no colloque de Royaumont, em
consagrada às técnicas de interpretação em Marx, Nietzsche e
Freud. Ela se encontra reim-
de interpretação do
pressaem DEl,564-579. Segundo Foucault, para compreender o sistema
isto com a superposiçáo
século XIX, é necessário compará-lo com o sistema do século XVI,
é,
da semelhança (Bacon,
da hermenêutica e da semiologia no espaço da semelhança. As críticas
Descartes) mantiveram em suspenso a interpretação durante os séculos
XVII e XVIII; no século
XIX, Marx, Nietzsche e Freud fundaram novamente a possibilidade de uma hermenêutica.
Eles, em primeiro lugar, modificaram profundamente o espaço de repartição
dos signos: um
espaço d.finido pela categoria nietzschiana de profundidade, pela marxista de b aixeza (plati'
tide),pelatopologia freudiana e pelas regras para a atenção psicanalítica. Em segundo lugar,
a interpretação tornou-se uma tarefa infinita. "Eu creio que esse inacabamento essencial
da
interpretação está ligado a outros dois princípios, também fundamentais, e que constituem,
junto com os primeiros dos que acabo de falar, os postulados da hermenêutica moderna' Em
primeiro lugar: interpretação não pode nunca acabar é, simplesmente' porque não há nada
se a
interpretação; cada signo é em si mesmo não a coisa que se oferece à interpretação, mas inter-
pretação de outros signos" (DE1,571). O segundo princípio: a interpretaçáo encontra-se diante
da obrigação de interpretar-se a si mesma, infinitamente. Deste último princípio, Foucault extrai
220.225.3tt-312.360,366,38s,393. MMPE,9,30. MMPS,9,30, 76. NC, XIII, 138, 157, 183, 188. PP,295. SP, s3.
ção cada vez mais ajustada dessas técnicas de investigação dentro dos eiementos onde já havia
o costume de elas serem aplicadas. Em suma, se lhes parece, a afinação que fez com que se pas-
sasse de uma investigaçâo essencialmente de tipo fiscal na Idade Média (saber quem coleta o
que, quem possui o que, para tomar o necessário); a passagem da investigação de tipo fiscal à
investigaçâo de tipo poiicial sobre o comportamento das pessoas, a maneira como vivem, a
maneira como pensam, a maneira como fazem amor, etc., essa passagem da investigação fiscal
à investigação policial, a constituição da individualidade policial a partir da individualidade
fiscal que era a única que o poder conhecia na Idade Méclia. Tudo isso é significativo desse afian-
çamento da investigação em uma sociedade como a nossa. [...] Pode-se dizer que se assiste,
desde o Íinal da Idade Média, a um desdobramento generalizado da investigação sobre toda a
superfície da terra e até os grãos mais Íinos das coisas, dos corpos, dos gestos; uma espécie de
parasitismo inquisitorial [...]" (PP,246). * Nesse sentido, também em Le pouvoir psychiatrique,
Foucault estuda como se transformou a medicina, ou melhor, a prática médica em reiação a
essas duas morfologias da verdade. Com o surgimento da anatomia patológica, a medicina geral
deixa de lado aqueles elementos que pertenciam à história da verdade-acontecimento para
adaptar-se aos procedimentos cujo modelo é a investigação e que pertencem à história da ver-
dade-demonstração. Foucault refere-se, em particular, à noção médica de crise de uma enfermi-
dade. No caso da psiquiatria, no entanto, a noção de crise reaparecerá, transformada, a partir
dos procedimentos de "provas de realidade'l Yer: Psiquiatria.
Enquête [300]: AN,85. AS,60, 105,267. DEl, 133,162,437,495,548,598,634,720.D82,137'174-177'18].'193'
195 200, 203, 206, 232,236,238, )78,307 ,316,32i .346,383,390 492, 5 I 5, 54 I - 542, 556, 570 57 4, 577,58 I -585, -587-588,
137 , D,4,233,27 1,298. NC, 26, 60, 112. PP, 98, 2I 0. 233,246'248,251 ,256-257 ,262. sP,24' 44-46, 59-60,72' 100' 124'
226-)28,248,255,27 3.
!=.i:j :::,i::.i
Foucault toma de empréstimo da obra de larry, Ubu roi, o termo "ubuesco'l que utiliza
para descrever o funcionamento do poder. Ver: Ubuesco.
AWed larry [1]:4N,26.
.:l,:.i::::=51:
t::j.::ailr:=!i:al
.5=,:i='
KaÍka é citado junto a Blanchot e a Bataille como os autores nos quais a literatura aparece
no sentido propriamente moderno. "[...] com Kafka, com Bataille, com Blanchot [a literatu-
ra] se oferece como experiência: como experiência da morte (e no elemento da morte), do
pensamento impensável (e na sua presença inacessível), da repetição (da inocência originária,
sempre aí, no ponto mais próximo à linguagem e mais afastado), como experiência da finitude
(capturada na abertura e na exigência dessa finitude)" (MC, 395). Yer: Línguagem.
255,298,342-344,348, 358, 362,37 4,37 4-376,378, 382, 793. DE2' 82' 124'
733,
Franz KaJka [4g]: AN,1 3. DEl,
DE3,336. IDS,20. MC,39s. RR, 17.
,.rror., (pEr, st+). "o sujeito tem uma gênese, o sujeito tem uma formação, o sujeito tem
*
sem dúvida; mas
uma história, o sujeito não é originário. Pois bem, quem o havia dito? Freud,
foi necessário que Lacan o fizesse aparecer claramente, daí a importância de
Lacan' (DE3, 590)'
* Lacan mostrou que a teoria do inconsciente é incompatível com a teoria do sujeito no sentido
* que como
cartesiano do termo (DF.4,52). "Se eu me remonto aos anos cinquenta, à época em
parece que a
estudante que era lia as obras de Lévi-Strauss e os primeiros textos de Lacan, me
novidade era a seguinte: nós descobríamos que a filosofia e as ciências humanas viviam com
uma
que não era suficiente dizer, vezes com uns,
concepção muito tradicional do sujeito humano, e às
que o sujeito era radicalmente livre e, às vezes com outros, que estava determinado por suas con-
áições sociais. Nós descobríamos que era necessário tentar liberar tudo o que se esconde atrás do
emprego aparentemente simples do pronome'eul O sujeito é uma coisa complexa, frágil, da qual
*
é tão difícil falar e sem a qual não podemos falar" (DE4,204). O que constitui todo o interesse
e a força de Lacan é que ele é o único, depois de Freud, a recentrar a questão da psicanálise sobre
a questão das relações entre o sujeito e a verdade (HS, 31).
228,240,248,274.tDs,21.-22,24,34,35,38-39,43,46-48,50,53,5859,6r-63,65,71,77,86,91,92,94_95,105,113,115,
tt7 -\19, r25, 1 39, 140, 155, 169, 172-173,1 75, 180, 190, t95-197,208,21]1 212. l.{C,9, 1 -12,23-24,34,44, s3, 60, 1 04, 105,
t20,t22,128,165,170,r82,196,201-202,213,222-223,229,237,244,248,251,263,282,291,300,307,312-313,317318,
MMPE, 15, 80, 109, I 1 l. MMPS, 105. NC, t, 6, 17,38,43,45,60,66_67,73,
324, 338-339, 364,373-374,383,386-387, 389.
75,77,80,83,9t,99, 108, 156, 175,201-202,208.OD,21,47.pp,4,27,33,38,4t,s5,60,93,96-97,107, 110, 117, 141, 151,
167,t75.20t-202,208.RR,13 14,25,52,94,181,209.Sp,13,18-20,2224,32,37,51-55,57,60,64,70.75_77,8r,83,85,91.
93-94,98-100, 102-104, 107-108, 110, 112-118, 121,\22,t25,127,155,\7\,181-182, 185-186, 225,227,233,235_238,24t,
243-245,249,25).,257 ,258-259,261,267,27 t-272,276-284,286,288-289,295-300, 304 3I 0, 3I 4.
LEPRA (tepre)
=:=.
No final da Idade Média, a lepra desaparece do mundo ocidental (HF, 15). 'A lepra se retira,
abandonando sem emprego esses baixos lugares e esses ritos que não estavam destinados a
suprimi-la, mas a mantê-la a uma distância sagrada, a fixá-la em uma exaltação inversa. O que
vai permanecer mais tempo, sem dúyida, e se manterá ainda em uma época em que, já fazia anos,
os leprosários estavam vazios, são os valores e as imagens que se haviam uniclo ao personagem
do leproso, o sentido dessa exclusão, a importância no grupo social dessa Íigura insistente que
não se aparta sem ter traçado ao seu recior um círculo sagrado'(HF, 18). A loucura ocupará
esses lugares, fisicos e simbólicos, que a lepra deixou vazios (HF, 21). Modelo lepra/modelo
peste. Foucault distingue entre o que se poderia chamar um "modelo lepra' e urn "modelo
peste'l com relação às formas de exercício do poder. O modelo lepra, modelo da exclusão, tem
três características: I ) implica urna separação rigorosa, unra regra de não contato entre os indi-
víduos; 2) trata-se de uma exclusão em um mundo exterior, para além dos limites da cidade, da
comunidade; 3) tal exclusâo comporta uma desqualificação não necessariamente moral, mas
certamente jurídica e prolítica. No modelo da peste, também se enclausura, mas trata-se de uma
prática diferente. O território do modelo peste não é o lugar da exclusão, mas o objeto da análise
detalhada, da reticulação minuciosa; trata-se de um espaço de inclusão. Com relação à lepra, o
poder exclui, expulsa os leprosos para além das fronteiras da cidade e dos campos, em um espaço
sem determinação. Como se estivessem mortos, sâo acompanhados para fbra da civilização por
um cortejo e ritos fúnebres, seus bens passam a seus herdeiros. Corn relação à peste, ao contrário,
coloca-se a cidade em quarentena, estabelece-se uma minuciosa reticulação do espaço habitado,
nomeando inspetores que devem controlar que cada um dos habitantes esteja no lugar que the é
próprio (enclausurado em sua casa), intervém-se quando alguém é vítirna da doença, faz-se um
exaustivo e detalhado informe da situação, compilam-se registros gerais, etc. Enquanto a lógica do
controle da lepra leva à exclusão, no caso da peste, ao contrário, leva à inclusão, à individualizaçao
dos sujeitos (AN, 40-44; 5P,200-202). "No fundo, a substituição do modelo lepra pelo modelo
peste corresponde a um processo histórico muito importante que eu qualificaria brevemente: a
Làpre[42]:AN,40-41,43 44,50.DE1,413.DE3,218.HF,l5-21,31,80,101,446,148,540.NC,l76.SP'200.
Foucault interessou-se pelo liberalismo particularmente nos seus últimos anos de trabalho
no Collêge de France, no marco da análise do que denomina governamentalidade. Na história
do Estado moderno, o "Estado governamentalízadçi'representa a última etapa da evolução.
Esse Estado caracteriza-se porque tem como objeto a população, e não o território; governa
através dos saberes (economia, medicina, psiquiatria, por exemplo); articula-se em torno dos
dispositivos de segurança (ver Governo). A formação do Estado governamentalizado coincide
com a formação da biopolítica, com a racionalização dos lênômenos próprios de um conjunto
de viventes constituÍdos como "população'i A racionalizaçáo desses problemas da vida é um
processo que se inscrer/e no marco da racionalidade política do liberalismo (DE3, 8t8). Por
isso, o curso dos anos 1978-1979, Naissance de la biopolitique, esÍá inteiramente dedicado
à questão doliberalismo. * Foucault resume nestes termos o debate político que teve lugar na
primeira metade do século XIX. "Em um sistema preocupado com o respeito aos sujeitos de
direito e com a liberdade de iniciativa dos indivíduos, como se pode abordar o t'enômeno da
genealogia dos saberes é a organizaçâo do saber técnico e tecnológico no final do século XVIII.
Até então, segredo e liberdade haviam sido características desse tipo de saberes; um segredo que
assegurava o privilégio de quem o possuía e a independência de cada gênero de conhecimento
que permitia, por sua vez, a independência de quem o manejava. Por volta do final do século
XYIII, por ocasião das novas formas de produção e das exigências econômicas, faz-se necessário
ordenar esse campo. Instala-se, para dizê-lo de algum modo, uma luta econômico-política em
torno aos saberes. Aqui, o Estado intervirá para disciplinar o conhecimento com quatro operações
estratégicas: 1) Eliminação e desqualificação dos saberes inúteis, economicamente custosos. 2)
Normalização dos saberes: ajustá-los uns aos outros, permitir que se comuniquem entre eles.
3) ClassiÍicação hierárquica: dos mais particulares aos mais gerais. 4) Centralização piramidal.
É nessa luta econômico-política em torno aos saberes que devemos colocar o projeto da Enci-
clopédia e a criação das grandes escolas (de minas, de pontes, de estradas). E é nesse processo
de disciplinarização que surge a ciência (previamente o que existia eram as ciências). A fllosoÍia
delra, então, seu lugar de saber fundamental, abandona-se a exigência de verdade, instaura-se a
da ciência. É nessa e por essa luta também que surge a ri niversidade moderna: seleção de saberes,
institucionalização do conhecimento e, consequentemente, o desaParecimento do sábio-amateur.
Âparece também um noyo dogmatismo que não tem por objetivo o conteúdo dos enunciados,
"O problema consistirá
mas a forma da enunciação. Não se trata de ortodoxia, mas de ortologia.
esse enunciado,
em saber quem falou e se estava qualiÍlcado para fazê-lo, em que nível se situa
que em qual medida ele se conforma a outras formas
em que coniunto se pode ressituá-lo, em e
. u out.u, tipologias de saber. o que permite ao mesmo tempo, por um lado, um liberalismo em
dos enunciados
um sentido, se não indefinido, pelo menos muito mais amplo quanto ao conteúdo
rigoroso, mais compreensivo, mais amplo em sua
e, por outro, um controle infinitamente mais
superfície, ao nível mesmo dos procedimentos de enunciação" (IDS' 164)'
Libéralisme[54/:DEI,654.D82,173,186,t90,722.D83,764,818 824.D84,36,92'100,129,273,369,374'381'
490,732,826. HF,460. IDS, 164, 183. NC,48-49, 52, 81-83,86.
Excetuando que seja em termos negativos, tem sentido colocar a questão da liberdade em
Foucault? Não se trata de uma pergunta retórica; ela aparece colocada com toda clareza na
discussão com Chomsky. "O Sr. Chomsky parte de um número limitado de regras com possi-
bilidades infinitas de aplicação, enquanto que o senhor, Sr. Foucault, subiinha a inevitabilida-
de da'grade' de nossos determinismos históricos e psicológicos, que se aplica também à ma-
neira como nós descobrimos novas ideias" (DE2, 484). Que sentido tem, com efeito,
colocar-se o problema da liberdade em uma filosofia que afirma o desaparecimento do sujei-
to ou a "morte do homem'? Na realidade, para compreender a noção foucaultiana de liberda-
de, é necessário partir, precisamente, dessa dissolução do sujeito e do sentido que Foucault
atribui à morte do homem. Segundo suas análises, as ciências humanas nasceram no século
XIX. Mas a constituição do homem em objeto de conhecimento é correlata de um grande mito
mana ou, simplesmente, o indivíduo tal como é em realidade, em sua verdade natural' Para
uma moral, mas não conseguem encontrar outra moral que aquela que se funda em um pre-
*
tenso conhecimento científico do que é o eu, o desejo, o inconsciente, etci' (DE4, 386). "Desde
o século XVI, sempre se considerou que o desenvolvimento das formas e dos conteúdos do
saber era uma das maiores garantias de liberação para a humanidade. Esse é um dos grandes
postulados de nossa civilização que se universalizou no mundo inteiro. Pois bem, é um fato já
constatado pela Escola de Frankfurt que a formação dos grandes sistemas de saber teve tam-
bém efeitos e funções de escravidão e de dominação. Isso leva a revisar completamente o
postulado segundo o qual o desenvolvimento do saber constitui uma garantia de liberação"
recurso terapêutico. Essa "liberdade" permitida ao louco propicia que a loucura ponha de ma-
nifesto o que aproxima o insensato do animal doméstico e da criança. 'A loucura não é perversão
absoluta na contra-natureza [a animalidade selvagem da época clássica], mas a invasão de uma
natureza muito vizinha" (HF, 544). Por isso, no final do século XVIII, não se trata da liberação
dos loucos, mas de uma objetivação do conceito de sua liberdade. Segundo Foucault, tal objeti-
vação teve três consequências: 1) Na reflexão sobre a loucura, já não será questáo, como na
época clássica, do não-ser e do erro, mas da liberdade em suas determinações reais: "O desejo e
o querer, o determinismo e a responsabilidade, o automático e o espontâneo" 2) "Objetiva, essa
liberdade encontra-se no nível dos fatos e das observações, exatamente repartida entre um de-
terminismo que a nega por completo e uma culpabilidade que a exaltal 3) 'A loucura, a partir
de agora, não indica mais uma certa relação do homem com a verdade; relação que, ao menos
silenciosamente, implica sempre a iiberdade. Ela indica somente certa relação do homem com
sua verdade. [...] A loucura jáúo fala do não-ser, mas do ser do homem, no conteúdo do que
ele é e no esquecimento deste conteúdo. E, enquanto ele era, em outro tempo, Estrangeiro a
respeito do Ser, homem do nada, da ilusão, Fatuus (vazio de não-ser e manifestação paradoxal
desse vazio), agora está retido em sua própria verdade e, por isso mesmo, afastado dela. Estran-
geiro com respeito a si mesmo, Álienado"(ÍIF,636-637).Yer: Loucura. Prisão. Para Foucault,
é historicamente incorreto e redutivo interpretar o funcionamento da prisão só em termos jurí-
dicos de privação da liberdade. "O aprisionamento penal, desde o começo do século XIX, cobriu,
ao mesmo tempo, a privação da liberdade e a transformação técnica dos indivíduos" (SP, 235).
Yer: Prisão. Aphrodísia. No volume II de Histoire de la sexualité, tusage
plaisirs, Foucault
des
aborda a problematização ética dos prazeres a partir do eixo liberdade/verdade (HS2, 91-107).
Para os gregos da época clássica, contrariamente ao que se afirma às vezes (Hegel), a liberdade
individual foi uma preocupação maior. "Essa liberdade individual, no entanto, não deve ser
entendida como a independência de um livre arbítrio. Aquilo ao que se enfrenta, a polaridade à
qual se opõe, não é um determinismo natural nem a vontade de uma onipotência; é a escravidão
e a escravidão com respeito a si mesmo. Ser Iivre a respeito dos prazeres é não estar ao seu ser-
viço, é não ser escravo" (H52, 92). Trata-se então de uma liberdade ativa, do domínio sobre si
mesmo, que constitui o caráter viril da temperança. Tal domínio só se pode estabelecer a partir
da relação com o lógos, com a verdade (HS2, 99- I 03).
111,218,222,230,251,267-268.273,276-2t-7.H53,17,54,62,81,95.IDs,105,125,128,13t-132,139 140,148,175-r76,
179-180, 182-183, 191,202. MC,7-8,102,114,130,222,224,247.279,29-5,303, 329,396. MMPE, 1-5,68,77,80-82,88,
104. MMPS, 15,68,83,86 87, 100, 103-104. NC,9,33,38_39, 45,48_52,65,68_70, 75,79_80,85,98, 167,206. OD,58.
PP,31, l17, 154, 1s5,228,264,276,320. RR,25,88,14s, t77.5p,16,\9,21,23,26,82,94,107,109, 111_1t2, ll6, 119,
122, 148,231-235,238-239,243,247 -248,250-251,258,26]l,266,270,273_27 6,288,297 -298.
::*. LIBIDO
Yer: Transgressão.
Limite[566]:4N,7,31,51-52,54,59,79,83,112,128,150-151,161,166,19]l,2t1,226,232-233,)52-253,255,
261-262,291,298.45,12,17,3\,44,63,97-98,106,127,131,147_148,156,17:1,201,223,228,231,273.DEL,67,94,
97,102,110,126,139,152,161,162,165,178,181,192,198_200,202_203,209,2r2,214,2).9,223,225,233_239,241,
243-249,25r-254, 256-257 ,259,266,27 5,277 ,284,333, 339, 357 358,361 362,367 ,37 4,378-379,382, 395, 398-400,
412, 4\4-416, 428, 433, 435, 437 , 452, 468, 472, 494, 509, 522,536, 538-539, 6 1 0, 6 1 2, 619, 621, 637 , 678,686_687,
689,699,727,737,740,753,774,798,819,839. DE2, 15_16, 25,29,35,40,55,70,75 76,79,82-83,90,94, 118, 156,
295,330,392,448,454,462,486,s20,537,6t1,657,66t,719,753,772,789,79t_7s2,801,816.D83,25,52,69,70,
135,144,172173,t75,234,260,265,285,310,312,341,365,373_374,386,401,421422,439,441,454,469,480,
494,s17,525,530,532,537,568,s75,608,620,626,646,677,737,748,769,77t,775776,822.D84,43,55,57,
183,201,237-238,242,250-25t,258,286,292,298,311,370,378,.151,517,574,590,604,622,738-739,757-758,
774.HF,31,63,155,17s,181,198,206,211..270,289,297,315,327,453,,1s8,492,499,519_520,540,548,557,
565-566,600,603, 614,616,630,658-659. Il5,69,72,107, 130, t74,224,249,269,280,304_305, 430,457. HSl,37,
38, 48, I 10, I 14, t48, 169, r81, 182. HS2, 65 66, 186, 203,220. HS3, 82, 1 10, 1 14, 127, r29,136, 230_231. IDS, 3,
t7-18,21,45,65,90,92,t28,153,156,197,216,219_221,226_227,231.MC,7,15,22,26,46,60,63_64,83,91,93,
111,t33134,142,147,157,174,183,197,214,218,222,224,237,268,271-272,281,291292,319,321,325-327,
352,366-367,382-383,395,398. MMPE,93,97. NC, X, XII,9, 17,33,59,111_112, 116, 143, 148, 152, 156, 160,
169,172,19]1,201-202. OD,31. pp,9,10,48, 55,67,78,87,107,127,134_135,176, 180, 250,252,311,331. RR,
18,23,54,73,88,98, 109-111, 140,167,208. Sp,25, 49,54,76,82,86,93 95,97,168,181, 185, 192,204,224,228,
235, 256, 282-283, 285, 304, 310, 313.
sua história, a vida com sua organização e sua autonomia, o trabalho com a própria capaclda-
de de produçáo. No espaço deixado livre pelo discurso, apareceu a figura do hornem. "Pode-se
compreender agora, e até o fundo, a incompatibilidade que reina entre a existência do discur-
so clássico (apoiada na evidência náo questionada da representação) e a existência do
homem,
tal corno se oferece ao pensamento moderno'(MC,349). * "O objeto das ciências humanas
não é, pois, a linguagem (contudo, falada somente pelos homens); é este ser que, desde o in-
terior da linnragem pelo qual está rodeado, se representa, falando, o sentido das palavras ou
das proposições que ele enuncia e se dá finalmente a representação da linguagem mesma"
(MC, 364). * A partir do século XIX, com a filologia, com a formalizaçâo, com o retorno da
exegese, com a literatura, a linguagem fragrnenta-se e, em seus interstícios, aparece, então, a
figura do homem. Essa figura dupla (ver: Homem) assegurará agora o nexo entre as palavras
e as coisas. Filologia, exegese, formalização. Valendo-se das análises de Bopp, a linguagem
náo é maris um sistema de representações para decompor e recompor outras representações.
Em suas raízes, designa os estados, as vontades. Quer dizer, não o que se vê, mas o que se quer;
ela se enraíza no sujeito, na sua atividade. Corno a açào, expressa utna vontade. Foucault
aponta duas consequências fundamentais desse deslocamento: 1) Com a descoberta de uma
gramática pura, atribuen'r-se à linguagem profundos poderes de expressão que não se reduzem
à dimensão cla representação. 2) A linguagem já não está ligada às civilizações pelo conheci-
mento que elas alcançaram, mas pelo espírito do povo que as fez nascer e as anima (MC,
302-303). * A Írlologia de Bopp opôe-se, termo a termo, a cada um dos quatro segmentos te-
óricos da gramtítica geral (ver: Episteme clássica). A teoria do parentesco entre as línguas
opõe-se à teoria clássica da derivação. Enquanto esta supunha fatores de desgaste e mescla
artribuíveis da mesma maneira a todas as línguas, a teoria do parentesco, por sua vez, aÍrmra
a descontinuidade entre as grandes famílias e as analogias internas. A teoria rlo radical opõe-
se à teoria clássica da designação. O radical é uma individualidade linguística isolável e interior
a um grupo de línguas, núcleo das formas verbais; na época clássica, a raiz era uma sonorida-
de indefinidamente transformár,el e que servia primariamente para recortar nominalmente
as coisas. O estudo das variações internas opõe-se à teoria da articulação representativa. As
palavras, agora, caracterizam-se pela sua morfologia, e não por seu valor representativo. Fi-
nalmente, a análise interna das línguas opõe-se ao valor que se atribuía ao verbo ser. A análise
da organizaçáo interna das línguas rompe com a primazia da forma proposicional (MC, 308).
'A partir do século XIX, a linguagen-r dobra-se sobre si mesma, adquire sua espessura própria,
desdobra urna história, leis e uma objetividade que só pertencem a eia. Converteu-se em ur1
objeto de conhecimento entre outros, junto aos seres viventes, as riquezas e os ralores, a his-
tória dos fatos e dos homens [... ] Conhecer a linguagem não é mais aproximar-se mais perto do
próprio conhecimento, é apenas aplicar os métodos do saber em geral a um domínio singular
Yer Linguagem.
650, 660, 662, 665, 667, 67 4,68 I, 685, 705-706,720,727 _728,732-733,735_739,7 50,787 ,806 807, 82 1 -84 1. DEz,8,22,
106,203,222,240,269,37t,374,470,480,483,491,539,637,645,723,741,750,772.D83,80, \5s,302,343,429,442,
466,553. DE4,52,62, ).70,220,223,373,431.,434-435,437, 474,593,601_602,667 ,763,785.HS3, 32. IDS, 86, 1 36. MC,
14,59,97 , t07,259,282,296, 300, 308, 358, 365, 37 1-373,377 ,389,392 394. NC, 89, 92, t17 , 120_122,1 33, 203. OD, 35,
43, 7 3. PP, 143. RR, 208-209.
A literatura desempenhou papel fundamental na obra de Foucault, sobretudo ate Les mots
et les choses. Para sermos mais precisos, não é a literatura entendida em termos gerais, mas
a literatura em seu sentido moderno, a que aparece ao final do século XVIIL PoT um lado, e
essa é uma primeira razão da importância da literatura para Foucauit, ela nos mostra a in-
compatibilidade fundamental entre o ser do homem e o ser linguagem. Por outro lado, uma
segunda razão é que ela representa esse espaço onde ficam fora do jogo os métodos de análises
hermenêuticas e estruturalistas; o ser da literatura não pode ser analisado nem desde o ponto
de vista do sentido nem desde o significante. Por isso, pode-se afirmar que, na epoca de Les
mots et les choses, nos escritos dos anos sessenta, a literatura representa o espaço de uma
alternativa aos métodos de análise do discurso vigentes. Ocupamo-nos dessa problemática no
verbete Linguagem e, da literatura c omo ausência de obra, no verbete Io ucura.lnteressa-nos
desenvolver aqui o que Foucault entende estritamente por literatura. * Pois bem, para com-
preender o sentido que Foucault atribui ao termo "literatural é conveniente partir da situação
da linguagem na episteme renascentista. Na experiência renascentista, a Iinguagem existe, em
primeiro lugar, "em seu ser bruto e primitivo, sob a forma simples, material, de uma escritura,
de um estigma sobre as coisas, de uma marca repartida pelo mundo e que forma parte de suas
mais inapagáveis figuras" (MC, 57). Foucault aplica aqui a noção de"signatura" (ver: Epis-
teme renascentista). A linguagem é uma marca, uma coisa, um signo escrito. Essa existência
das marcas das coisas, dispostas pelo Criador, dá lugar a dois discursos: o 'tomentário" que
retoma tais marcas para convertê-las em signos, descobrindo nelas o trabalho da semelhança,
e o "texto" que esse comentário lê quando descobre e retoma os "signos das coisas'l o modo
de existência fundamental da linguagem, no Renascimento, está determinado pela escritura
e, antes de tudo, insistimos, pela escritura das coisas. Na época clássica, essa "escritura das
coisas" desaparecerá, e o funcionamento da Iinguagem ficará encerrado nos limites da repre-
sentação. Em outros termos, o funcionamento da linguagem já não irá do texto ao comentário
e do comentário ao texto, através das escrituras das coisas, mas se situará no espaço que vai do
signiÍicante ao significado. O problema da época clássica será, então, determinar de que modo
um significante está unido a um significado ou, melhor, como no domínio da representação
está representada a relaçáo entre o significante e o significado. A linguagem converteu-se,
assim, em discurso. Jânão é "escritura das coisas'l mas'desdobramento da representação'l
'As palavras e as coisas vão separar-se" (MC, 58). o problema da representaçào ou, com um
termo mais moderno, da significação, ocupará o lugar que ocupava, durante o Renascimento, a
o enigma das origens desdobradas. E, como se essa prova das formas da finitude na linguagem
não pudesse ser suportada ou como se ela fosse insuficiente (talvez sua própria insuficiência
era insuportável), foi dentro da loucura que ela se manifestou. A figura da finitude se dá assim
na linguagern (corno o que se desvela nela), mas também antes que ela, mais aqui, nessa região
informe, muda, insignificante onde a linguagem pode liberar-se. E é nesse espaço, assim posto
a descoberto, que a literatura - com o surrealismo primeiro (mas sob uma forma travestida),
depois, cada vez mais puramente, com KaÍka, com Bataille, com Blanchot - se dá conro ex-
periência: como experiência da morte (e no elemento da morte), do pensamento impensável
(e em sua presença inacessível), da repetição (da inocência originária, sempre aí, no ponto
mais próximo à linguagem e mais afastado dela), como experiência da finitude (capturada
na abertura e a exigência dessa hnitude" (MC, 395). A literatura moderna é aquela em cuja
linguagem o sujeito está excluído ou, para utilizar a expressáo de Foucault sobre Blanchot, é
aquela na qual aparece a experiência do "fora'cujas categorias são a "atraçâo" para Blanchot,
Littérature [625]: AN,26, 43,50,61,69,72,i5,91-92,99,1 33, 65, 2 19, 220-221,224-226, 129, 236, 245, 100. AS,
1
10,13,33,37,123.t29-t30,135,r79,l8l.DEl.83,88-89,91,96,t68,246,218-249,253-256,260-26t,278279,28t,283,
294,296,298, 327,337 -339,313,356, 367,369 370, 377,38 1, 390, 398, 407-408, 412, ,118-42 1, 424, 429 430, 432, 435,
437,443,150,50r-502,507,515,517,519-520,538,54-3 s44,552,s54-557,5e2-594,596,600,660,693,697,70r702,770,
799,812,842-843. DE2,69,74, r 04- 105, 107- 109, l 12, I 15- I 26, 131 - 132, 166, t70 t71,183, 203, 2 15, 218,220,227,270,
280-281,351,393,409 410,412 413,425,524,539,59t-,648,ó53,689,707,732,734.740,713,797.801,819.D83,7,20,
4 l, 8s, 93, 100 102, 108, 238-239,250.252,253,26t-262, 305, 325, 130, 368, 39 1, _199, 403, 410, 1t2-414, 489,490, s00,
560,571,575,615,625, t,36 639, 641,677 678,733,771,815. DE4, 103, 115, r22,136,140, 144, 156-157.t73,176-177,
252, 254. 270, 323,328-329, 3,r5, 387, 405, 408, 4 16, 419, 423, 462, 523,53 r , 548, -5s0, 60 1, 603, 605, 607 . 6t2-6t3, 625,
628,666,802,808,812,820,824.HF,27 30,43-44,56,60,62,258,401.,150,453,499,596,638,649.HS,82,t42,1.59,172,
206,209,239,258,286,296,310,357,358,392,393,431,451.HS1,30,40,80,134.HS2,22,25,48,101,147,210.234,
27,3.HS3,16,97,122,t62,165,227,253,262-263.IDS,20,74,101,122,130,147,172,189,212,235.MC,-53,58-59,62,
95, 103, 119, 134,233,298,313-314,3t7,394 397. MMPS,79. NC,7,1. OD,20,29. PP, 1.14, 169, 218 295,315,333-334.
RR.55, 126, 136.209. sP. 69-72,292 293.
Foucault coloca Lombroso como exemplo da função política da psiquiatria. Lombroso en-
frenta o problema de discriminar quais movimentos políticos eram válidos e quais não. Desde
suâ perspectiva, a antropologia pareceria oferecer-nos os meios para estabelecer a distinção.
Os grandes revolucionários (Mazzini, Garibaldi, Gambetta, Marx) eram gênios e possuíam
utna fisionontia maravilhosamente harmoniosa. Ao contrário, apoiando-se nas fotografias de
quarenta e um anarquistas, observa que 31% possuíam estigmas físicos; de cem anarquistas
aprisionados em Turim 34o/o náo tinha uma fisionomia harmoniosa (AN, 142-143).
Cessre Lotnbroso [22]. AN,52,70,89,98. 142-143, 15,3.297, -103. DE2,398. D83,324,773-774.
Neste verbete reunimos vários temas dos quais Foucault ocupou-se extensamente :a loucu-
ra, a doença ruental, a alienação, a desrazão. Tratá-los separadamente implicaria demasiadas
repetições e referências recíprocas. Além do mais, como fizemos no verbete Clínicq, quisemos
ofêrecer aqui um esquema de leitura da Histoire de la J'olie. Trata-se cle um elxo temático que
se estende da primeira publicação de Foucault, Maladie mentale et personalité ( 1954), até os
cursos no Collêge de France, especialmente , Le pouvoir psychiatrique (1973-197 4) e Les anor-
maux (1974-1975. Nesse longo caminho, a Histoire de la folie à l'âge classique (1961), sua
primeira grande obra, representa esse momento decisivo em que Foucault define com os próprios
termos (já não a partir dos instrumentos conceituais que havia adquirido durante sua formação)
cada um dos temas meucionados. Percorrer esse caminho, ao preço de estender-nos talvez
mesmo modo que a patologia orgânica. Por um lado, delimitam uma série de sintomas; por
outro, a partir deles, deÍinem as entidades nosológicas. "Postuia-se, em primeiro lugar,
que a
doença é uma essência, uma entidade específica Io calizávelpelos sintomas que a manifestam,
mas anterior a eles e, de certa maneira, independente deles [..']" (MMPE, 7)' Nesse sentido,
as doenças são essências. Mas elas são também realidades naturais, e
não apenas abstrações.
Com efeito, elas evoluem e podem apresentar variantes. Em suma, a doença mental é uma "es-
pécie natural'l Pois bem, procedendo desse modo, encontramos um paralelismo de métodos
entre a patologia orgânica e a patologia mental; um paralelismo abstrato que delxa de lado o
problema da unidade humana e da totalidade psicossomátic a.Parafazer frente a essa dificulda-
de, a patologia, em geral, evoluirá na direção da totalidade, isto é, de uma concepção da doença
como alteração de todo o organismo. A doença dei,xará de ser, então, essa espécie natural que se
interpõe ao funcionamento do organismo. Na patoiogia orgânica, por exemplo, aparecerá a
realidade do enfermo do meio no qual ele se encontra. Não é possível, como na medicina
orgânica, utilizar instrumentos terapêuticos que funcionem a partir do isolamento do doente.
Como consequência disso, na patologia mental, faz-se necessário estabelecer as formas con-
cretas da doença mental na vida psicológica do indivíduo e determinar as condições reais em
que ela surge (MMPE, 17). As duas partes em que se divide essa obra se ocupam, respectiva-
mente, dessas questões. Na primeira, a noção de doença mental será abordada, entáo, em re-
lação às noções de evolução, de história individual e de existência. l) Evolução. A doença
mental manifesta-se como um déficit g1obal e extenso (confusões espaço-temporais, rupturas
entre as condutas, incapacidade para aceder ao universo dos outros, etc.) (MMPE, 19). Essa
diferença estrutural do indivíduo enfermo é duplicada por uma diferença ao nível evolutivo.
As condutas patológicas são características de um nível arcaico na evolução do indivíduo. A
doença aparece, então, como o desenvolvimento da natureza em sentido inverso (MMPE,
22). Foucault observa que, em uma concepção desse tipo, persistem certos temas míticos. Por
um lado, a "libido' de Freud ou "a força psíquica" de Janet, que seriam uma espécie de material
bruto da evolução, normalmente progridem, patologicamente regridem. Por outro, a iden-
e
tificação do enfermo com o primitivo e com a criança. Pois bem, ainda que a especificiclade
da personalidade enferma possa ser descrita em termos de involução, ela não pode ser com-
preendida como tal. Com efeito, do ponto de vista involutivo, não se pode dar conta da orga-
úzaçao da personalidade enferma. A dimensão evolutiva (naturalista) deve ser completada
pela dimensão histórica. 2) História individual. Em vários momentos de sua obra, Foucault
distingue e, até certo ponto, opõe evolução e história. Do ponto de vista evolutivo, o passado
promete e torna possível o presente. Contudo, do ponto de vista da história, é o presente que
confere sentido e significação ao passado. Nesse sentido, a genialidade de Freud consistiu em
separar a história do indivíduo do horizonte da compreensão evolucionista (herdado de Darwin
e de Spencer) (MMPE, 37). Por isso, "a psicologia da evolução, que descreve os sintomas como
condutas arcaicas, deve então ser completada por uma psicologia da gênese que descreve, em
uma história, o sentido atual destas regressões" (MMPE, 51). Pois bem, a análise da história,
das obsessões ou dos delírios, desde a perspectiva da história individual, faz aparecer a angús-
tia como significado das condutas patológicas. Ela é como o a priori da existência. É neces-
sário, então, abordar essa dimensão da existência para completar a compreensão das descriçÕes
evolutivas e das significaçÕes históricas da doença mental. 3) Existência. Aqui Foucault re-
fere-se a laspers, Minkowski e Binswanger. A existência do doente mental (com a consciência
da doença e do mundo mórbido que e1a implica) caracÍeriza-se por um duplo movimento:por
um lado, o enfermo encerra-se no próprio mundo; por outro, abandona-se aos acontecimen-
tos. "Nessa unidade contraditória de um mundo privado e de um abandono à inautenticidade
do mundo está o nó da doença. Ou, para empregar outro vocabulário, a doença é, ao mesmo
tempo, redobramento na pior das subjetividades e queda na pior das objetividades" (MMPE,
69). Uma vez explorada a dimensão interior da doença mental, Foucault aborda suas condições
exteriores. Disso se ocupa a segunda parte da obra que estamos analisando. Alienação,
sem \rer seu meio humano como ur.na condição real da doença. Quer se considere a doença
mental em relação com a evolução da humanidade, a história psicológica intlividual ou as
fbrmas da existência, em qualquer desses casos só a história permite descobrir as condições
de possibilidade do aparecimento do patológico. A doença mental apârece, em relação à evo-
lução do individuo ou da humanidade, como uma perturbação que adquire na neurose a
forma da regressão. Mas a regressão à conduta infantil não é a essência da patologia, mas um
efeito dela. A regressão só é possível em uma cultura que é incapaz de integrar o passado no
seu presente e que, portanto, estabelece entre eles limites que não se prode atravessar. E o ca-
ráter arcaico de nossas instituiçoes pedagógicas que marca esses limites, criando para a
criança um meio superprotegido e artificial. Assim, isola a criança dos conflitos do mundo
clos adultos, situando-a em um mundo infantil; mas clesse modo possibilita o conflito entre
esses dois mundos. De maneira sernelhante, a possibilidade histórica dos delírios religiosos
cleve ser buscada em uma cultura em que a laicização tornou impossível a integração do reli-
gioso. O complexo de Edipo, núcleo das ambivalências familiares, é uma versão reduzida dirs
contradiçÕes econômico-sociais da cultura moderna, em que o que nos yincula aos outros é
feito sob a fonna da dependência: a competência, a e.rploração, a guerra (MMPE, 76-90). A
alientrção histórica aparece, clesse modo, como a condição da alienação psicológica e jurídlca.
Para Foucault, a psicologia de Pavlov permite pensar a passagem de uma à outra. Não se trata,
contudo, de uma simples transposição. As contradiçoes c1o meio convertern-se em doença só
quando são contrzrdições funcionais (MMPE, 105- 106). Os conflitos sociais se tornam, desse
modo, conflitos mentais. Com base nas análises precedentes, Foucault extrai as seguintes
conclusões: 1) "Não e, então, porque se está doente que se é alienado, mas na medida em que
se éalienado, se está enfermo' (MMPE, 103). As doenças são a consequência das contradições
sociais. 2) 'A doença está lêita da mesma trama funcional que a adaptação normal; não é pois
a partir do anorntal, como quer a patologia clássica, que e necessário tentar definir a doença.
ção seja o primeiro passo no caminho da hospitalização. Em certo sentido, se poderia falar
inclusive de uma "involuçâol Com efeito, o direito canônico fazia com que a declaração de
denrência dependesse de uma decisão médica. A obra de Zacchias (Quaestiones medico-le-
gales, 1660'166 I ) apresenta o testemunho de toda essa jurisprudência. No entanto, a prática
da internação não está ordenada segundo critérios e decisões medicas. Na experiência clássi-
ca, a loucura é uma questão de sensibilidade social. A experiência jurídica, que data do Me-
dievo (do direito canônico e do direito romano), é uma experiência da pessoa como sujeito de
direito. Uma experiência jurídica: qualitativa, finamente detalhista, sensível aos limites e aos
graus. A experiência clássica da loucura, no entanto, é uma experiência da pessoa como su-
jeito social. Uma experiência normativa, dicotômica (bom ou mau para internar). O século
XVII esfbrçou-se para ajustar a velha noção de sujeito de direito à nova noçáo de sujeito social.
'A psicopatologia do século XIX (e a nossa ainda) crê situar-se e encontrar suas condições a
respeito de w Horno natura ou de um homem normal dado anteriormente a toda experi-
ência da doença. De Íàto, esse homem normai é uma criação, e, se é necessário situá-lo, não
será em um espaço naturai, mas erl um sistema que identifica o socius ao sujeito de direito.
E, consequentemente, o louco não é reconhecido como tal porque uma doença o deslocou
para as margens do norrnal, mas porque nossa cultura o situou no ponto de encontro entre o
decreto social da internação e o conhecimento jurídico que discerne a capacidade dos sujeitos
de direito. A ciência 'positiva' das doenças mentais e seus sentimentos humanitários, que
promoveran-r o louco à categoria de ser humano, só foram possíveis uma vez que essa síntese
Íbi solidamente estabelecida. Ela constitui, de certa maneira, o a priori concreto de nossa
psicopatologia com pretensão científica' (HF, 176). Os insensatos. O mundo da internação
expressa uma determinada sensibilidade moral. Aparentemente, trata-se como no Renasci-
mento do Bem e do Mal; mas, na realidade, de maneira completamente diferente. Com etêito,
no Renascimento, o Bem e o lvÍal eram concebidos substancialmente, sob as formas imaginá-
rias e transcendentes da providência divina, das forças ocultas do cosmos, do destino, etc. Na
Época clássica, o Bem e o Mal situam-se no terreno da etica, das opçoes da vontade. Não se
trata de uma consciência trágica, mas de uma consciência ética. No limite, se poderia dizeç
que já não se trata do Bem e do Mal, mas apenas do bom e do mau das opções da vontade. "É
na qualidade da vontade que reside o segredo da loucura, e não na integridade da razão' (HF,
l8l). Por isso, a época clássica foi indiferente à distinção entre loucura e falta. Ainda que não
se as confunda, existe entre elas um parentesco originário, ambas são um desvio da vontade.
Nesse sentido, sua experiência se opõe à consciênciajurídica cla loucura herdada do Medievo.
E por isso também a loucura pertence por inteiro ao mundo correcional. Tal consciência ética,
no entanto, não é da ordem dos valores ou das regras morais, mas da opção, mais fundamental,
LOUCURA (Folle) 27 |
que separa a razão da desrazão. Essa decisão fundamental aparece, desde o início, no caminho
cartesiano da dúvida. Decidir-se a duvidar é, em definitivo, decidir-se a "estar despertol a
"vigiar'] a evitar as quimeras; em outro termo, decidir-se a "buscar a verdade'i Nesse sentido,
afirma Foucault, tanto a loucura como a razão clássicas nascem no espaço de uma ética, de
uma decisão da vontade. * Mas os loucos ocupam um lugar particular no mundo da interna-
ção. Seu estatuto não se reduz simplesmente à ordem do correcional; eles são "insensatos'l Por
isso, é necessário desenhar sua figura a partir dessa opção ética da qual surge a experiência
clássica da loucura. A forma geral da internação justiflca-se pela vontade de evitar o escânda-
Io. Os loucos, no entanto, constituem uma exceção: eles são mostrados. Foucault faz referência
aos tradicionais passeios pelos lugares de internação, onde a loucura era conyertida em espe-
táculo,
e os loucos, literalmente, em monstros (o que se mostra). Não existe, no entanto, nada
em comum entre essa manifestação organizada da loucura e a liberdade com que os loucos
circulavam durante o Renascimento. Sua monstruosidade é de outra ordem. Agora ela é mos-
trada, mas do outro lado das grades, à distância, sem que a razào se sinta comprometida por
sua presença. O que se mostra é essa animalidade, essa bestialidade que foi abolida do homem.
'A loucura em suas formas últimas é, para o classicismo, o homem em relação imediata com
sua animalidade, sem outra referência e sem outro recurso" (HF, 198). A propósito dessa
relação entre animalidade e loucura, Foucault extrai uma série de conclusões. 1) Ela prova que
o louco não é um doente. A animalidade protege o louco de tudo o que pode haver de frágil e
precário nas doenças do homem. 2) Por isso, a loucura não pertence ao mundo da medicina,
mas ao mundo correcional. 3) A animalidade situa a loucura em um espaço de imprevisível
liberdadequedesencadeiaofuroreexigeaviolênciaeacoerção.*ParaaIdadeMédia,a
animalidade vinculava o homem às potências subterrâneas do mal. Nós os vinculamos através
do tema da evolução. Mas a Época Clássica percebeu a animalidade como uma negatividade
natural que suprime ar,atureza do homem. "Respeitar a loucura não é decifrar nela o aciden-
te involuntário e inevitável da doença; é reconhecer esse limite inferior da verdade humana,
limite não acidental, mas essencial. Assim como a morte é o fim da vida humana desde a
perspectiva do tempo, a loucura é o fim desde a perspectiva da animalidade; e assim como a
morte foi santificada pela de Cristo, a loucura, no que tem de mais bestial, também foi santi-
Íicada[...] A loucura é o ponto mais baixo da humanidade a que Deus consentiu com sua
encarnação, querendo mostrar desse modo que não há nada inumano no homem que não
possa ser resgatado e salvo; o ponto último da queda foi glorificado pela presença divina. E essa
éa lição que, para o século XVII, oferece toda loucura. Compreende-se porque o escândalo da
loucura pode ser exaltado, enquanto que aquele das outras formas de desrazão é ocultado com
tanto cuidado' (HF,206). * No paradoxo do classicismo, a loucura fica envolta em uma expe-
riência ética da desrazão, que a conÍina à internação; mas ela está ligada a uma experiência da
desrazão animal que constitui o limite do humano e sua monstruosidade. O louco é, desse modo,
um condenado inocente; ou, melhor ainda, o louco é a presença inocente da raiz de toda falta, o
testemunho extremo da animalidade do homem. O louco no jardim das espécies. A clausu-
ra resume e manifesta uma das duas metades da experiência clássica da ioucura (a consciência
crítica e a consciência prática). A segunda parte de Histoire de la
folie ocupa-se da outra meta-
de: as consciências enunciativa e analítica da loucura. Nessa segunda parte, além do mais,
Foucault mostra as mudanças que foram acontecendo na passagem do século XVII ao século
27 2 LoucURA (Folie)
XVIII. * Como reconhecer o louco? Como definir a loucura? Da primeira questão, ocuparam-
geralmente, os médicos; da segunda, especialmente, os filósofos e os sábios. * Em relação
se,
à primeira questáo - a consciência enunciativa da loucura -, Foucault começa apontando a
ironia do século XVIII: podem-se distinguir o louco, mas não a loucura em si. Retoma-se um
antigo tema do Renascimento, a natureza da loucura é ser secretamente razão; uma forma
precipitada e involuntária darazão. A loucura não é diretamente perceptível, tampouco se
pode defini-la positivamente, mas apenas a partir da razão. Mas, à prirneira vista e paradoxal-
mente, essa não determinação da loucura está acompanhada pela evidência imediata do
louco. No século XVIII, à diferença de Descartes, a alteridade do louco não é percebida a
partir da certeza de si mesmo. Trata-se de uma alteridade de outra ordem. Foucault cita Vol-
taire (HF, 236): o louco é o que necessariamente nào pensa e age como os outros. O louco é o
Outro em relação aos outros. fá não se trata, então, de uma alteridade pensada dentro do
âmbito da interioridade da razão, mas no espaço da exterioridade, do grupo. Essa nova forma
de consciência da loucura (já não dialética contínua, a consciência crítica do Renascimento;
tampouco oposição simples e permanente, a consciência prática da internação) dá Iugar a uma
experiência em que os nexos entre a razáo e a loucura são mais complexos e elaborados. Por
um lado, a loucura aparece na sua relação àrazáo, com os outros que são seus representantes;
por outro, ela se situa diante da razão, existe para arazão que a percebe e a olha. Ela está do
outro lado e sob seu olhar. "Do outro ladol ela é percebida com base no razoável: ausência
total de razão, evidência de um não-ser. "Sob o olhar darazão", com base nas estruturas do
racional: o comportamento do louco, sua linguagem, seus gestos não são como os dos outros.
Por um lado, a razâo é definida como sujeito de conhecimento; por outro, a razão e definida
como norma. Uma apreensão moral a partir do razoável e outra objetiva a partir da racio-
nalidade. "Pois bem, o que ocorreu no século XVII é um deslocamento de perspectivas, graças
ao qual as estruturas do razoável e as do racional inseriram-se umas nas outras, para formar
finalmente um tecido tão Íbchado que já não será possível distingui-las durante muito tempo"
(HF, 239). Esta éa experiência da desrazão: um conteúrdo definido valendo-se da racionali-
dade, mas que se manifesta como o não razoável (uma razão que não é como a dos outros).
Definitivamente, uma racionalidade nâo razoável. * Pois bem, quando a meclicina interroga-se
acerca da natureza da loucura (a consciência analítica), não o faz a partir da experiência do
louco, mas a partir da doença em geral, a partir de uma analítica da doença. E, para a época,
uma doença consiste na enumeração dos sintomas que servem para reconhecer seu gênero e
sua espécie. Foucault enfoca a análise, agora, nos textos que classificam as doenças (de Plater,
Praxeos Tractatus,1609; de Jonston, Idée universelle de la médecine,1644; de Boissier de
Sauvages, Nosologie méthodique, 17 63; de Linneo, Genera morborum, 17 63; de Weickhard,
Der philosophische Arzt,1790). Pode-se reconhecer no trabalho de todas essas classificaçoes
três obstáculos maiores. 1) A loucura por si só nao pode dar conta de suas manifestaçoes.
Através de uma analítica da imaginação, aparece a experiência moral da loucura, a experiên-
cia da desrazão, do louco (inocente na sua culpabilidade, mas condenado em sua anirnalidade).
O que se denomina delírio éa imaginação perturbada (a meio caminho entre o erro ea falta)
e as perturbaçÕes do corpo. Nesse sentido, pode-se talar de uma transcendência do delírio que
dirige a experiência clássica da loucura (}IF,257).2) A persistência de alguns temas maio-
res, anteriores à época classiJicadortt Ainda que os nomes mudem, bem como seus lugares
toUCURA (Foli e) 27 3
e suas divisões, três noções, que não provêm do próprio trabalho das classificações, delineiam
as Jiguras da loucura: a mania (um delírio sem febre), a melancolia (um delírio particular,
sem febre nem furor) e a demência (a abolição da faculdade de raciocinar, uma paralisia do
espírito) (IJF,260-261). j) A prática médica. Baseando-se nela, o conceito de "vapores" se
imporá. Ele não provém da nosografia, mas das terapias. * Nos capítulos seguintes da segun-
da parte de Histoire de la folie, Foucault abordará cada um desses três obstáculos que definem,
para a época clássica, a experiência da loucura como desrazão. A transcendência do delírio.
Falar de loucura nos séculos XVII e XVIII não é falar de doenças do espírito, mas de uma
realidade em que o corpo e a alma estão juntos. Através do problema da causalidade e do tema
das paixões, é necessário seguir esse pertencimento recíproco da alma e do corpo para com-
preender a essência do delírio clássico. * Na ordem das causas, encontramos antes de tudo a
distinção entre causas distantes e causas imediatas. A causa próxima da loucura será uma
alteração visível do órgão mais próximo à alma, isto é, do sistema nervoso e, em particular, do
cérebro. Entre o corpo e a alma estabelece-se, então, uma causalidade linear. A lista das causas
distantes é variada e numerosa: a herança, o alcoolismo, o excesso de estudo, as doenças ve-
néreas, o amor, os ciúmes, etc. Mas, entre as causas distantes mais variadas e a loucura, por
um lado, situa-se uma determinada sensibilidade do corpo e, por outro, o meio ao qual se é
sensível. "O sistema das causas sofreu, então, uma dupla evolução no curso do século XYIII.
As causas próximas não deixam de se aproximar, instituindo entre a alma e o corpo uma re-
lação linear que cancelará o antigo ciclo de transposição das qualidades. Ao mesmo tempo, as
causas distantes não deixam, ao menos na aparência, de se estender, de se multiplicar e de se
dispersar; mas, de fato, sob esta ampliação delineia-se uma nova unidade, uma nova forma
de nexo entre o corpo e o mundo exterior. No curso do mesmo período, o corpo se convertia,
simultaneamente, em um conjunto de Iocalizações diferentes, para os sistemas de causalidade
linear, e na unidade secreta de uma sensibilidade que atrai para si as influências mais diversas,
as mais distantes, as mais heterogêneas do mundo exterior. E a experiência médica da loucu-
ra desdobra-se segundo essa nova separação: fenômeno da alma provocado por um acidente
ou uma perturbação do corpo; fenômeno do ser humano, integralmente (alma e corpo ligados
em uma mesma sensibilidade), determinado por uma variação das inÍluências que o meio
exerce sobre ele. Dano local do cérebro e perturbação geral da sensibilidade. Pode-se e deve-se
buscar, ao mesmo tempo, a causa da loucura na anatomia do cérebro e na umidade do ar, ou
no retorno das estações ou nas exaltações das leituras novelescas. A precisão da causa próxima
não contradiz a generalidade difusa da causa distante. Elas não são, uma e outra, senão os
termos extremos de um único e mesmo movimento, a paixáo" (HF, 288). Com efeito, a paixão
desempenha papel fundamental, ela é a causa mais constante, mais obstinada e mais meritó-
ria da loucura. Ela é a superfície de contato entre a alma e o corpo e, por isso, converte-se em
condição de possibilidade da loucura. Através da paixão, a loucura ingressa na alma e frag-
menta sua unidade com o corpo. Gera-se, assim, esse movimento do irracional do qual surgem
as quimeras, os fantasmas e o erro. O espaço da loucura está delimitado por uma determina-
da relação entre os fantasmas e o erro, entre as imagens e a linguagem. Um homem não está
louco porque imagina que é de vidro (pode ter essa imagem, simplesmente, porque sonha).
Mas, se a partir de tal imagem, concluiu que é frágil, que pode romper-se, que não se pode
tocá-lo ou que deve permanecer imóveI, então, ainda que essas conclusões sejam lógicas e
27 4 LoucuRA (Fotie)
racionais, está louco. Nessa linguagem da razão envolta nos prestígios da imagem, encontramos
a estrutura interna do delírio. 'A definição mais simples e a mais geral que se pode dar da
loucura clássica é que ela é delírio" (HF, 303). Pois bem, em que consiste o delírio dessa lin-
guagem que, nas suas formas, não deixa de ser racional? A Época Clássica respondeu indire-
tamente a essa questão a partir da comparação entre loucura e sonho, e entre loucura e erro.
Por um lado, o delírio é o sonho das pessoas despertas; por outro, o delírio aparece quando se
obscurece a relação do homem com a verdade. Na Época Clássica, o nome mais próximo à
essência da loucura é cegueira: a noite de um quase sonho que rodeia as imagens da loucura,
crenças mal fundadas, juízos que se equivocam... Ao reunir a visão e a cegueira. a imagem e
ojuizo,ofantasmaealinguagem,osonhoeavigília,odiaeanoite,nofundo,aloucuranão
é nada, porque ela une neles só o que eles têm de negativo. Mas o paradoxo deste nada con'
siste em que ela, a loucura, manifesta-se, irrompe em signos, em palavras, em gestos. "Porque
a loucura, se ela não é nada, só pode manifestar-se saindo de si mesma e tomando a aparência
da ordem darazâo; convertendo-se no contrário de si mesma. Assim se esclarecem os para-
doxos da experiência clássica: a loucura está sempre ausente, em um perpétuo retiro onde ela
é inacessível, sem fenômeno nem positividade; e, sem eles, no entanto, ela está presente e
perfeitamente visível sob as formas singulares do homem louco. Ela, que é desordem insen-
sata, quando examinada, não revela senão espécies ordenadas, mecanismos rigorosos entre a
alma e o corpo, linguagem articulada segundo uma lógica visível' No que a loucura pode dizer
de si mesma, não há senão razâo, elaque é só negação darazaci'(HF, 310). Figuras da lou-
cura. Nesse capítulo, Foucault mostra como a negatividade (ela não é nada, só desrazão) e a
positividade (as múltiplas manifestaçoes da desrazáo) da loucura manifestam-se em cada uma
de suas figuras. 1) O grupo da demência. A demência é a doença do espírito mais próxima
da essência mesma da loucura. Ela é o efeito universal de toda alteração possível do domínio
do "nervoso'] Por um lado, uma acumulação eventual de causas das mais diversas naturezas
(sem níveis nem ordem); por outro, uma série de efeitos que têm em comum manifestar a
ausência ou o funcionamento defeituoso da razão (impossibilidade de aceder à realidade das
coisas ou à verdade das ideias). A demência é a forma empírica da negatividade da loucura
(ausência de razão) (HF, 326). O domínio dessa forma geral e indiferenciada de loucura, a
demência, encontra-se limitada por dois grupos de noções. Em primeiro llugat, o frenesi
é uma doença apirética. Em segundo lugar,
\frenesia). A diferença deste último, a demência
um grupo de noções que está aparentado com a demência: a estupidez, a imbecilidade, a
idiotia. Em um primeiro momento, considerou-se que a estupidez consiste em uma alteração
das faculdades da sensibilidade. O estúpido é insensível à luz e ao ruído, por exemplo. O de-
mente, no entanto, é simplesmente indiferente; a demência afeta a faculdade de julgar. No
final do século XVIII, para Pinel, a diferença entre a estupidez e a demência passa pela oposi-
çáo entre a imobilidade e o movimento. No idiota, há uma paralisia, uma sonolência. No
demente, as faculdades do espírito estão em movimento, mas funcionam no vazio (HF, 332).
2) Mania e melancolia.A melancolia é um delírio parcial, mas duradouro, sem febre, duran-
te o qual o doente está ocupado em um único pensamento, um delírio colorido de tristeza e
angústia. Durante o sécu1o XVIII, o conceito de melancolia foi objeto de um intenso debate,
especialmente, a propósito de sua causa. Foucault resume em quatro pontos os resultados desse
debate. a) A causalidade das substâncias é substituída pela causalidade das qualidades que se
LOUcURA (Fol/e) 27 5
transmitem do corpo à alma. b) Há, ademais, uma dinâmica das forças que entram em jogo.
Assim, o frio e a secura podem entrar em conflito com o temperamento e, então, os signos da
melancolia serão mais violentos. c) Às vezes, o conÍlito aparece dentro da mesma qualidade.
Uma qualidade pode converter-se em seu contrário. O resfriamento do corpo pode originar-se
do calor imoderado da alma. d) As qualidades podem ser modificadas pelos acidentes, as
circunstâncias e as condições de vida (HF, 335-336). "O tema do delírio parcial desaparece
cada vez mais como sintoma maior dos melancólicos em proveito de dados qualitativos como
a tristeza, a amargura, o gosto pela solidão, a imobilidade" (HF, 340). * Enquanto o espírito
dos melancólicos está ocupado por um único objeto, nos maníacos, ao contrário, há um fluxo
perpétuo de pensamentos impetuosos. Por isso, a mania deforma as noções e os conceitos.
Suas causas, no entanto, são da ordem dos espíritos animais, como nos melancólicos. No sé-
culo XVIII, a mecânica ea metafísica dos espíritos animais, que circulam pelos canais nervo-
sos, é substituída pela tensão a que estão submetidos os nervos. Os maníacos, além de estarem
afetados por um delírio universal que deforma as ideias, estão também em contínua agitação.
Foucault observa como "o essencial é que o trabalho [nessas descrições] não vai da observação
à construção de imagens explicativas. Pelo contrário, as imagens asseguraram o papel inicial
de síntese, sua força organizativa tornou possível uma estrutura de percepção onde, Írnalmen-
te, os sintomas poderão ter seu valor significativo e organizar-se como a presença visível da
verdade" (HF, 351). 3) Histeria e hipocondria. Podem-se observar duas linhas de evolução
dessas noções: a aproximação entre ambas e a formação de um conceito comum,'doença dos
nervos'l sua integração, junto com a mania e a melancolia, no domínio das doenças do espí-
rito. Pois bem, à diferença da mania e da melancolia, os fenômenos da histeria e da hipocon-
dria não se situam no registro das qualidades. Elas situam-se no corpo, com seus valores or-
gânicos e morais. No século XVIII, o tema dos trânstornos corporais, que por intermédio do
cérebro transmitem-se a todo o corpo, será substituído por uma moral da sensibilidade (HF,
362). Na histeria, os espíritos animais apossam-se de todos os espaços disponíveis do corpo,
deslocando-se sem seguir a ordem da natureza. O que distingue a histeria feminina da histe-
ria masculina ou a histeria da hipocondria éa solidez do corpo que, no primeiro caso, é menos
sólido e, por isso, menos resistente ao movimento dos espíritos animais. A resistência do
corpo, por outro lado, encontra-se em relação com a força do espírito, da alma que impõe
ordem aos pensamentos e aos desejos. Nâo se trata, por isso, de uma percepção neutra do
corpo, mas ética (HF, 366). Pois bem, essa penetração desordenada dos espíritos animais no
espaço do corpo foi possível, por um lado, pelo caráier contínuo do corpo e, por outro, pela
simpatia entre todas as suas partes. As doenças dos nervos são essencialmente perturbações
da simpatia; elas supõem um estado de alerta geral do sistema nervoso qle faz com que cada
órgão possa entrar em simpatia com qualquer outro (HF, 369). . O conceito de irritabilidade
aportará um elemento decisivo à noção de doença nervosa. Ela se caracterízapor ser um es-
tado de irritação generalizada. Nele, onde não se distingue entre sensibilidade e movimento,
a sensibilidade facilmente alterável do doente acaba por perturbar as sensações da alma.
Aparece, assim, a ideia de uma sensibilidade que não é sensação, que se opõe a ela. A partir
daqui mudará a percepção ética da histeria e da hipocondria. Antes, a alteração concernia às
partes baixas do corpo e exigia uma ética do desejo; agora, todo o corpo é irritável em sua
sensibilidade generalizada e, por conseguinte, toda a vida acabará sendo julgada segundo esse
2 76 LoucuRA (Fotie)
Srau de irritação (abuso das coisas não naturais, vida sedentária das cidade, leitura de novelas,
interesse desmesurado pelas ciências, paixão demasiadamente viva pelo sexo, etc.) (HF, 373).
"Devido à distinção capital entre sensibilidade e sensação, elas Ihisteria e hipocondria] entram
nesse domínio da desrazão que, como vimos, caracteriza-se pelo momento essencial do erro
e do sonho, isso é, da cegueira' (HF,373-374). * Foucault conclui esse capítulo de Histoire de
la folie com uma observação capital. Essa ideia de uma sensibilidade distinta da sensação,
ainda que permita situar a histeria e a hipocondria no domínio da desrazão, introduz um
elemento que não estava presente na experiência clássica: um conteúdo de culpabilidade, de
sançáo moral, de jr"rsto castigo. A 'tegueiral essência da loucura, aparece como o eÍ'eito psico-
lógico de uma falta rnoral. "O que era cegueira se converterá em inconsciente, o que era erro
se converterá em falta; e tudo o que, na loucura, designava a paradoxal manifestação do não-
ser se converterá no castigo natural de um mal moral" (HF, 374). Médicos e doentes. Dn-
rante a Época Clássica, a teoria e a prática médica nâo são duas instâncias coerentes. AIém do
tttais, as práticas tertrpêuticas foram mais estáveis que os conceitos e as classilicações. * Por
um lado, permanece o mito de uma panaceia (o opium, por exemplo), de um remédio único
para todas as doenças; que nào se pensa agora que possa atuar diretamente sobre a doença,
mas sim porque se insere nas formas gerais do funcionamento do organismo. As discussões
acerca da eficácia do meciicamento se centrarão, então, em redor do tema da natureza; um
medicamento cura porque está próximo da natureza, tem uma comunicação originária com
ela. Nesse sentido, a água ou o ar, como rtedicamentos, prolongam a ideia de uma panaceia
universal. Mas à ideia de um remédio universal opoe-se a eficácia particular de alguns meios
terapêuticos. No caso da loucura, eles não provênr do âmbito vegetal, mas do mineral e do
humano. Algumas pedras, como as esmeraldas, são consideradas particularmente eficazes; a
urina e o sangue também. Este último, quente, é considerado um bom remédio para as con-
r.ulsões. Na utilização do strngue e de outros elementos, como as serpentes, aparecem aqueles
valores simbólicos que, há muito tempo, lhes estavam associados. "Esta fragmentaçâo social
que separa, na medicina, teoria e prática, é, sobretudo sensír,el à loucura: por um lado, a inter-
naçâo fazcom que o alienado escape do tratamento dos médicos; por outro, o louco em liber-
dade é, rnais tãcilmente que outro doente, confiado aos cuidados de um empírico' (HF, 386).
E, no entanto, aÍlrma Foucault, a Época Clássica deu plenitude de sentido à ideia de cura (HF,
387). Foucault enumera as ideias terapêuticas que guiaram a prática da cura na Época Clássi-
ca:consolidação (dar vigor ao corpo e ao espírito), purificaçao (a substituição do sangue, por
exemplo), imersão (com todos os valores sinbólicos da água), regulaçao dos moyinrcntLts
(caminhadas, passeios) (HF, 388-407). * a tais remédios, encontramos também a cura
Junto
peias paixoes; a utilização da música, por exemplo, para restabelecer a harmonia e o equilíbrio
das paixões. Mas mostra Foucault: "Entre uma cura pelas paixões e uma cura pelas receitas
da farmacopeia, não há diferença de natureza; mas apenas uma diversidade na maneira de
aceder a esses mecanismos que sào comuns ao corpo e à alma [...] Não é possível, então, ri-
gorosamente, utilizar como uma distinção válida, na Época Clássica, ou, ao menos, carregada
de significação, a diferença, para nós imediatamente decifrável, entre medicações físicas e
medicaçÕes psicológicas ou morais" (HF, 4l I ). A importância atribuída às exortaçÕes, à persu-
asão ou ao raciocínio não contracliz o anterior. Segundo Foucault, tais técnicas não são nen.t
mais nem menos psicológicas que as precedentes. Como se admitia na época, a formuiação
TOUCURA (Folie) 27 7
da verdade moral pode modificar diretamente os processos do corpo. A diferença não passa,
então, pela oposição fisiologia/psicologia. Como as técnicas que mencionamos anteriormente,
que tendem a modificar as qualidades comuns da alma e do corpo, tais técnicas abordam a
loucura essencialmente como paixão. Enfrentam-na como delírio. "O ciclo estrutural da paixão
e do delírio, que constitui a experiência clássica da loucura, reaparece aqui, no mundo das
técnicas, mas sob uma forma sincopada' (HF,414). Entre as técnicas que enfrentam a loucu-
ra como delírio, encontramos: o despertar (estudar matemática ou química, por exemplo), a
realizaçao teatral, o retorno ao imediato. O grande medo. A terceira parte de Histoire de
la folie começa com a obra de Diderot, Le Neveu de Rameau. O sobrinho de Rameau é o
último personagem em que a loucura e a desrazão se unem. Esta última parte da obra, dedi-
cada à formação da experiência moderna da loucura como doença mental, descreve, por um
lado, a "liberaçáo" da loucura (separada da <iesrazão, da pobreza, da criminalidade) e, por
outro, as novas formas de "sujeição" (o asilo, a psiquiatria, a psicologia). Com outros termos,
Foucault mostra os movimentos históricos que levaram à medicalização do espaço da inter-
nação da loucura, ao nascimento das ciências das doenças mentais. * Em meados do século
XVIII, o espaço da internação recuperará seus antigos poderes imaginários. Reaparece o medo
da epidemia: uma febre que começou nos lugares de internação e alcançaria a cidade, que se
transmite através do ar e se percebe pelo cheiro. 'A casa de internação não é mais somente o
leprosário, distante da cidade; ela é a própria lepra frente à cidade" (HF,446). Os movimentos
de reforma da segunda metade do século XVIII encontram aqui um primeiro ponto de origem:
*
isolar melhor os lugares de internação, rodeá-los de ar puro. . . (HF, 451). O espaço clássico
da internação, no entanto, não era só segregação e purificação, mas reserva de imagens e
fantasias; elas reaparecerão com o medo de uma nova epidemia. Mas, agora, essas imagens e
fantasias "se situaram no coração, no desejo, na imaginação dos homens; e, em lugar de ma-
nifestar ao olhar a abrupta presença do insensato, elas deixam brotar a estranha contrâdição
dos apetites humanos: a cumplicidade do desejo e do assassinato, da crueldade e da sede de
sofrer, da soberania e da escravidão, do insulto e da humilhação [. . .] O sadismo não é o nome
Ítnalmente dado a uma prática tão velha como o Eros; é um fato cultural em massa que apa-
receu precisamente no final do século XVIII e que constitui uma das grandes conversões da
imaginação ocidental: a desrazão convertida em delírio do coração, loucura do desejo, diálo-
go insensato do amor e da morte na presunção sem limites do apetite. O surgimento do sadis-
mo situa-se no momento em que a desrazão, encerrada por mais de um século e reduzida ao
silêncio, reaparece, já não como uma figura do mundo, já não como imagem, mas como dis-
curso do desejo" (HF, 453). Contemporaneamente ao medo das epidemias, outro medo in-
quieta a segunda metade do século XVIII: o aumento das 'doenças dos nervos'i Também re-
aparecerá, então, essa consciência que o Renascimento havia experimentado: consciência da
fragilidade da razao ameaçada pela loucura. * A partir daqui, dois movimentos opostos: a
experiência da desrazão haverá de se dirigir às raízes do tempo, enquanto a consciência da
loucura estará cada vez mais ligada ao desenvolvimento da natureza e dahistória (HF, 455).
Nessa mudança, aparecerá o que posteriormente se denominará o "meio'l as "forças penetran-
tes": de uma sociedade que não maneja os desejos, de uma religiâo que não regula nem o
tempo nem a imaginaçâo, de uma civilização que não limita as distâncias entre o pensamen-
to e a sensibilidade (HF,458). 'A loucura converte-se, então, na outra face do progresso;
TOUCURA {Folie) 27 9
concebido como uma forma de loucura (despotismo, bestialidade triunfante). Uma vez reti-
rada essa população, só permanecerão internados aqueles que, por direito, pertencem a esse
espaço de exclusão: os loucos. Em poucas palavras, o nexo entre a loucura e a internação
torna-se mais sólido. * A internação padece outra crise durante o século XVIII; ela provém,
agora, do exterior (HF, 502). Por um lado, se recorrerá à população dos internados para fazer
frente às necessidades demográficas e econômicas da colonização (já não se trata de uma
regulação do mercado local da mão de obra). Por outro, com a reforma das terras, o fenôme-
no do desemprego se instala nas zonas rurais, onde, precisamente, não há casas de internação.
Em suma, a estrutura da internação é cadavez mais ineficaz: não resolve nem o problema do
desemprego nem consegue baixar os preços com mão de obra barata. * Isso levará a uma re-
formulação das políticas de assistência e de repressão ao desemprego. A miséria já não apa-
rece desde uma perspectiva moral; não é uma simples consequência da preguiça. A indigência
converte-se em uma questão econômica, uma realidade econômica que não é nem meramen-
te contingente nem é possível eliminar por completo. Em certo sentido, ela converte-se em
um elemento indispensável do Estado. Os pobres, porque trabalham e consomem pouco, sào
a condição da riqueza do Estado e das classes privilegiadas. Nessa perspectiva, enclausurar a
população indigente é enclausurar a riqueza. Então, se começará a distinguir entre o pobre
válido, que pode trabalhar, e o pobre doente. A assistência, para os primeiros, consistirá na
liberdade: baixos salários, ausência de restrições e da proteção do emprego, supressão de todos
os à possibilidade de trabalhar. Por outro lado, para os doentes que não podem traba-
limites
lhar, "economistas e liberais consideram que um dever social é um dever do homem em so-
ciedade, e não da sociedade mesma. Para fixar as formas da assistência que são possíveis, é
necessário definir, então, no homem social, quais são a natureza e os limites dos sentimentos
de piedade, de compaixão, de solidariedade que podem unir o homem aos seus semelhantes.
A teoria da assistência deve repousar nessa análise semi-psicológica, semi-moral; e não em
uma definição das obrigações contratuais do grupo. Assim entendida, a assistência não é uma
estrutura do Estado, mas um nexo pessoal que vai do homem ao homem" (HF, 518). O doen-
te concerne, agora, não à sociedade, mas ao grupo, à sua família. * Resumindo: um duplo
movimento - um, a partir da internação mesma; outro, a partir da reflexão econômica - faz
que o entrelaçamento, característico da Época C1ássica, entre a loucura, a desrazão e a miséria
comece a desatar-se. A miséria ingressa na imanência da economia, a desrazão, nas figuras
profundas da imaginação que se expressam na libertinagem. A loucura reaparecerá, agora,
internada, mas enfrentada a uma nova concepçào da assistência. O louco já não é o pobre que
pode trabalhar e tampouco o doente que pode ser conÍiado à assistência do grupo próximo ou
da família. Será necessário redefinir, então, o espaço social da loucura. Do bom uso da li-
berdade. As medidas tomadas entre 1780 e 1793 decretam o fim da internação em sua forma
clássica e deixam a loucura "livre'l sem ponto fixo de inserção no espaço social. * A diferença
da época clássica, com a reforma social da internação, no final do século XVIII, o problema
da loucura já não será abordado desde o ponto de vista da razao e da ordem, mas do direito
do indivíduo livre. Quando as faculdades racionais estão perturbadas, a sociedade tem o di-
reito de limitar a liberdade dos indivíduos. Segundo Foucault, partindo dessas premissas,
prepara-se uma definição da loucura a partir de suas relaçÕes com a liberdade. "Então, a in-
ternação do louco não deve ser senão a sanção jurídica de um Estado de fato, a tradução em
são desacorrentados e misturam-se com os outros internados. "É impossível saber com pre-
cisão o que queria fazer Pinel quando decidiu pela liberação dos alienados. Pouco importa, o
essencial está justamente nesta ambiguidade que marcará em seguida sua obra e o sentido que
ela terá no mundo moderno: constituição de um domínio onde a loucura deve aparecer em
uma verdade pura, ao mesmo tempo objetiva e inocente; mas constituição desse domínio de
maneira ideal, sempre indefinidamente recuado; cada uma das figuras da loucura mescla-se
com a não-loucura em uma proximidade indiscernílel. O que a loucura ganha em precisão
no seu perfil científico, perde em vigor na percepção concreta. O asilo, onde ela deve alcançar
sua verdade, não permite distingui-la do que não é sua verdade. Quanto mais objetiva, menos
certa é. O gesto que a libera para verificá-la é, ao mesmo tempo, a operação que a dissemina
e a oculta em todas as formas concretas darazaci'(HF,586). * De acordo com as ideias do
século XVIII, a loucura não é uma doença da natureza, mas da sociedade: o produto de uma
vida que se afasta da natureza. Na loucura, a natureza está esquecida. A partir daqui, segundo
Foucault, começa a desenhar-se um mito que será a forma organizativa da psiquiatria do sé-
culo XIX. Trata-se do mito das três naturezas: a Natureza-Verdade, a Natureza-Razão e a
Natureza-Saúde. "Nesse jogo, desenvolve-se o movimento da alienação e da cura. Se a Natu-
reza-Saúde pode ser abolida, a Natureza-Razão nunca pode ser ocultada, no entanto a Natu-
reza como Verdade do mundo permanece indehnidamente adequada a si mesma. E a partir
mais violentos, doma suas paixões e os introduz no mundo calmo das virtudes tradicionais"
(HF, 596). Foucault resume da seguinte Íbrma o movinrento discursir.o que se oculta no mito
de Pinel e Tuke: "1o - Na relação inumana e animal que impunha a internação clássica, a
loucura nâo enunciava sua verdade moral. 2' - Essa verdade, desde o momento em que se
cleixa livre para aparecer, revela ser uma relação humana em toda sua idealidade virtuosa:
heroísmo, f,delidade, sacrifício, etc. 3" - Então, a loucura é vício, violência, maldade, cor1lo o
prova demasiado bem a raiva dos revolucionários. 4o - A liberação na internaçáo, na medida
em que ela é reedilicação de uma sociedade sobre o tema da conformidade aos tipos, não pode
deixar cle curar" (HF, 596-597). " Mas, para além dos temas míticos que a psiquiatria do sé-
culo XIX herdou do gesto liberador de Pinel e de Tuke, urna série de operaçôes organizaran.t
silenciosamente o mundo asilar, os métodos terapêuticos e a experiênciâ concreta da loucura.
Tuke substituiu o terror à loucura pela angústia da responsabilidade (o trabalho possui uma
força de coerção superior a todas as coerções físicas: regularidade das horas, exigências de
atençâo, obrigação de um resultado). Em sua casa de Retiro, mais eficaz que o trabalho são o
olhar dos outros e a necessidade cle estima. "Vê-se que, no Retiro, a supressão parcial das
coerçÕes físicas formava parte de um conjunto cujo elemento essencial era a constituição de
un'selJ'restraint' onde a liberdade do er.rfermo, comprometida conl o trabalho e sob o olhar
dos outros, está sem cessar ameaçada pelo reconhecimento da culpabilidade" (HF, 604-605).
Nesse espaço, surgirá essa figura que substituirá no asiio do século XIX a repressão clássica: a
autoridade. A vigilância haverá de se unir, então, ao juízo. Como contrapartida, a loucura será
uma forma c1e minoridade. * O asilo de Pinel não é, como o de Tuke, uma segregaçâo religio-
sa, mas uma segregação que se exerce no sentido inverso: a religião, no asilo, converte-se em
objeto de consideração médica. O asilo deve estar livre de religião. Na realidade, trata-se so-
mente de suprimir os conteúdos imaginários da religiáo, não sua moral. Os valores da família
e do trabalho devem reinar nele. "O asilo, dornínio religioso sem religiáo, dominio da moral
pura, cla uniformização ética'(HF,612). Um lugar de moral pura e também de denúncia
social. A moral burguesa do asilo adquire o estatuto de uma moral universal, não só para
2 84 LoucuRA (Folte)
precisamente esta histérica na qual Charcot exaltava a maravilhosa potência do médico' (HF,
629). * Em suma, o sentido que Foucault atribui à reorganizaçâo do espaço da internação, ao
nascimento do asilo, é a interiorização da separação razãoldesrazâo, sob a forma da culpabi-
lizaçao e do controle da autoridade. "Pois bem, a partir desse momento, a loucura deixou de
ser considerada como um fenômeno global que concerne, ao mesmo tempo, através da ima-
ginaçâo e do delírio, ao corpo e à alma. No novo rnundo asilar, nesse mundo da moral que
castiga, a loucura converteu-se em um tãto que concerne essencialmente à alma humana, i\
sua cuipabilidade e à sua liberdade; ela se inscreve na dimensão da interioridade. E, clesse
modo, pela primeira vez no mundo ocidental, a loucura receberá estatuto, estrutura e signifi-
cação psicológicos. Mas essa psicologização não é senão a consequência superficial de uma
operação mais sttrda, situada em um nír,el mais profundo. Uma operação pela qual a loucura
encontra-se inserida no sistema dos r.alores e das repressões morais" (MMPS, 86-87). Nasceu
a cloença mental. * "Freud desiocou para o médico todas as estruturas que Pinel e Tuke haviam
acomodado na internação [...] O médico, como Íigura alienante, continua sendo a chave da
psicanálise" (HF,631). O círculo antropológico. Foucault aponta uma série de contradições
no gesto de liberaçao de Pinel e Tuke: 1) deixa-se livre o louco, mas em um espaço mais fe-
chado e mais rígido (menos livre, em todo caso, que a internação clássica); 2) libera-se a
loucura de seu parentesco com o crime e o mal, mas para encerrá-la nos mecanismos rigoro-
sos de um deterrninismo (o instinto, o desejo); 3) desatam-se as cadeias que impediam cr
exercício livre da volltade, mas despoja o louco dessa vontirde, e a aliena na vontade do médi-
co (HF, 636). Náo se trata, em definitir,o, de um gesto de liberação, mas de uma objetivação
do conceito de liberdade. De tudo isso, Foucault extrai três consequências. Em prirneiro lugar,
de agora en.r diante, a questão da loucura já não será a questão do deiírio e do erro, mas a
questão da liberdade; 'b desejo e o querer, o determinisrro e a responsabilidade, o automático
e o espontâneo'l Em segundo lugar, essa "liberdade liberada'se encontrará repartida entre
"urn determinismo que a nega inteiramente e uma culpabilidade que a exalta'l O pensamento
psiquiátrico do século XIX buscará clefinir o ponto de inserção da culpabilidade no determi-
nismo. Em terceiro lugar, a liberdade que Pinel e Tuke impuseram ao louco o encerra em uma
verdade objetiva, que já não é a verdade, mas a suí, verdade. 'A loucura já não falará mais do
nâo-ser, mas do ser do homem, no conteúdo do que ele é e no esquecimento de seu conteúdo.
*Alor.rcurana
[...]Aloucuratemagoraumalinguagemantropológica [...]" (IlF,636-637).
clausura clássica estava reduzida ao silêncio; agora reencontrou a linguagem no saber discur-
sivo. Mas essa linguagenr não é o retorno do velho discurso do Renascimento, do hornem de-
vorado pela animalidade. Agora, a loucura fala a iinguagem do homem, de seus segredos, de suas
profundidades: uma linguagem atravessada por uma serie cle antinomias que acompanharão a
retlexão sobre a loucura duraute todo o século XIX. 1) O louco desvela a r,erdade elementar do
homet.u: seus desejos primitivos, seus mecanismos mais simples, as determinações de seu corpo;
uma espécie de "infância cronológica e social, psicológica e orgânica do homem'l Mas, ao mesmo
ten.rpo, 'clesvela a r,erdade
terminal do homem: mostra até onde puderam empurrá-lo as paixÕes,
a vida em sociedacle, tudo o clue o afasta da natureza primitiva que não conhece a loucura'l 2)
Na loucura mostra-se a irrupção dos determinismos do corpo, o triunfo do orgânico. Mas a
loucura distingue-se clas doenças do corpo, porque ela faz surgir "um mundo interior de maus
instintos, perr,ersidades, de sofrirlentos e de violências que estava adormeciclo I 3) 'A inocência
2 B6 LoucuR A (Fotíe)
Artaud a relação entre loucura e obra é diferente; não há comunicação de linguagem. "Por
isso, importa pouco saber quando se insinuou no orgulho de Nietzsche, na humildade de Van
Gogh a voz primeira da loucura. Não há loucura a não ser como instante último da obra, essa
a empurra indefinidamente aos seus confins: ali onde há obra, não há loucura' (HF, 663).
Existe para Foucault um nexo de pertencimento entre a loucura e a literatura, no sentido
moderno do termo. Esse nexo torna possível a manifestação da loucura e, nessa manifestação,
anuncia-seaseparaçãoentrealoucuraeadoençamental."[...]adoençamentalealoucura,duas
configurações diferentes, que se reuniram e se confundiram a partir do século XVII, e que se
encontraram agora diante dos nossos olhos, ou melhor, na nossa linguagem'(DE1, a15). Em
nenhuma cultura, afirma Foucault, está tudo permitido; estabelecem-se limites, separaçÕes,
proibições. Algumas dessas concernem à linguagem. Nesse sentido, Foucault distingue quatro
formas de proibições a respeito da linguagem: l) faltas da língua (que afetam o código lin-
guístico); 2) expressões que não rompem o código, mas que não podem circular - as palavras
blasfemas (religiosas, sexuais, mágicas); 3) enunciados autorizados pelo código e que podem
circular, mas cujo significado é intolerável; 4) 'tonsiste em submeter uma palavra, aparente-
mente conforme ao código reconhecido, a outro código cuja chave está dada nesta palavra
mesma, de modo que ela está desdobrada dentro de si. Ela diz o que diz, mas acrescenta um
plus mtdo que enuncia silenciosamente o que diz e o código segundo o qual o diz. Não se
esotérica' (DEf '
trata de uma linguagem cifrada, mas de uma linguagem estruturalmente
a litera-
416). A loucura deslocou-se ao longo dessa escala de proibições de linguagem. com
proferida ou significação
tura moderna, "ela deixou de ser, então, falta de linguagem, blasfêmia
proibições definidas
intolerável (e, nesse sentido, a psicanálise é o grande levantamento das
apareceu como uma palavra que se enrola sobre si
pelo próprio Freud); a literatura moderna
mesmo tempo' o único
rn.rn]u, àir.rdo, por debaixo do que diz, outra coisa, da qual ela é' ao
sua língua dentro de
código possível. Linguagem esotérica, se se quiser, posto que mantém
,.u puiuuru que não diz outra coisa, finalmente, que essa implicação" (DEl, 417)' Alltera-
próprio
tura, no final do século XIX, converteu-se em uma palavra que inscreve em si seu
à que
princípio de deciframento, o poder de modificar os valores e as modiÍicações da língua
p.rt.n... Por isso, loucura e literatura se pertencem. A linguagem da loucura (o delírio) e da
literatura não consiste em pôr em jogo a astúcia de uma significação oculta; mas, em suspen-
jogo dos desdobramen-
der o sentido, para que nesse espaço de suspensão, espaço vazio, pelo
tos,possa alojar-se um sentido, outro segundo sentido e, assim, até o infinito. Trata-se de uma
matriz que, estritamente, náo diz nada (D81,418). Por isso, a loucura e a literatura são ausência
de obra.Mas essa ausência de obra é aquilo que torna possível a obra. Ver: Literatura.
Folie [3770]:AN,29-30,33,50,94, 100-101, 103, 109-114, 117,120 126,128-129, 131-132, 136-140, 145-148,
151
-i-i:, 560, )62-564, 566-57 6,579, 584 588, 590-594, 596-608, 6 10, 6 1 2, 61 4,61.6-6t9. 622-624,626-628, 630-663,673, 676,
681,68{ 685,688.H5,24,26,220,257,449. HS1,54,56,206. HS2, 18,54, 104, 117, 136,259. HS3, 72,136.1D5,28 29,
tl9 130,235. MC, 15,63, 188,223, 334,387,395. MMPE, 5,7,23,30,34, 56, 68, 76_79,86,88, 111. MMPS,5, 7, 17,
l-1.30,31,56,68,71,76 83,85-95,97,100,102 105. NC, 10, 193. OD, t2-13,21-22,63. RR, 196-198,205,207. pp,3.
8-10,1.1-15, t9-21,23,27,29,32,34,37-39,41-43,61,97,99-102,104 105,109, tt7-121,129-135.137,139-141,143-145,
117, 152-153, 155 157, 160-162,t64-175,182, 184-185, 188-189,200-204,209,212-213,219,225,230,233-234-,239,
)17 -253,256,258-260,263-265,267 -269,27 r-285,289-295,297 ,308-309, 3 12, 3 I 9, 324,328 329,334-335. Sp, 24-26, 50,
formas de dominação étnica, social ou religiosa,2) contra as formas de exploraçào que separam
os indivíduos do que eles produzem, 3) contra as formas de sujeição que vinculam o sujeito
consigo mesmo e, desse modo, asseguram sua sujeiçáo aos outros (D84,227). Nas sociedades
feudais, as lutas contra as formas de dominação predominaram; no século XIX, foram as lutas
contra â exploração. "E hoje é a luta contra as formas de sujeição, contra a submissão da sub-
jetividade, a que prevalece cada vez mais, ainda que não hajam desaparecido as lutas contra
a dominação e a exploração, pelo contrário. Tenho a impressão que não é a primeira yez que
nossa sociedade se encontra confrontada com esse tipo de luta. Todos os movimentos que
tiveram lugar nos séculos XV e XVI, encontrando sua expressão e sua justif,cação na Reforma,
devem ser compreendidos como os indicadores de uma crise maior que afeta a experiência
ocidental da subjetividade e de uma revolta contra o tipo de poder religioso e moral que havia
dado forma, na Idade Média, a essa subjetividade. Então, sentiu-se a necessidade de uma par,
ticipação direta na vida espirituai, no trabalho de salvação, na verdade do Grande Livro. Tudo
issotestemunhaumalutaporumanovasubjetividade. [...] Arazãopelaqualessetipodeluta
tende a prevalecer na nossa sociedade se deve ao fato de que uma nova forma de poder político
clesenvolveu-se de maneira contínua desde o século xvl" (D84,228). Essa nova forma de
poder é o Estado que, para Foucault, em seu sentido estritamente moderno, é uma combinação
complexa de técnicas de individuali zaçáo e procedimentos totalizantes. Desse ponto de yista,
o Estado moderno aparece, pelo menos em um de seus componentes, como uma reelaboração
do poder pastoral (ver: Poder). Ainda que não se possa separar cada uma dessas três formas
de dominação, isso não significa que as formas de sujeição sejam simplesmente um produto
terminal da dominação social ou da exploração econômica. As relações entre elas não são da
ordem da dedução; cada uma delas tem sua especificidade e mantém com as outras relações
todos esses novirnentos nâo é o mesmo que o dos movimentos políticos ou revolucionários
tradicionais. Não se trata de aporrtar ao poder político ou o sistema econômico' (DE3, 545).
3) Essas lutas têm por objetivo os fatos ou efeitos do poder, as formas concretas de exercício
do poder. 4) Por último, trata-se de lutas imediatas. Elas não seguem o princípio leninista do
inimigo principal; tampouco esperam um momento futuro que seria a revolução ou a liberação.
"Com respeito a utna hierarquia teórica das explicações ou de uma ordem revolucionária que
polarizaria a história e hierarquizaria os momentos, pode-se dizer que essas lutas são anárquicas.
Elas inscrevem-se dentro de uma história imediata, que se aceita e se reconhece como indefi-
nidamente aberta' (D83, 546). O que acabamos de expor provém da conÍ'erência ern Tóquio,
de 27 de abril de I 978, intitulada "La philosophie ana\,tique de la politique" (DE3, 534-551) .
Posteriormente, em 1982, em "Le sujet et le pouvoir" (D84,222-243), Foucault retomará a
caracterizaçáo dessas lutas. Aqui, ele enumera seis características; algumas retomam as que
já mencionarnos, outras as explicitam. 1) Sáo lutas transversais. Não se limitarn a um país ou
a um sistema econômico. 2) Tem por objetivo os etêitos do poder. 3) São lutas imediatas. 4)
Essas lutas questionam o estatuto do indivíduo. "Essas lutas não são exatamente pró ou contra
443,445.500-502, 506, 5 14, 530,533 ,535-537 ,539,545'546, 548-550, 552,570,572-573,575 576, ,632,634,638, 58 l, 587
644, 648 652, 656-658, 664, 679, 684 685, 699,7 18,724,755,7 57 -758,77 4-775,779-780,782,796, 800, 806. DE3, 42-43,
46,111,113,124,127,130,137,150,152,154,157,159,167,169,173 175,182,185,193,206,211,227,241,268,29t),
310-311,348 349,363-364,367,369,383-384,387,391,402,407,421,424-427,471,477,501,512.516,528-531,545,547,
605-606,609610,612-613,615 616,632,656,686,688,690,701,704,718,727,713744,715,747,759,761,771,806-807,
809, 812. DF.4,47.51,65,71-73,79-80,95, 176,177,181, 185, 228,237 238,241-243,296-298, 303, 312, 319,357'359,
375, 3eô,425,4J9,443,452,499-50r,51 1, 5t7,556,568,576,587, 591, 622,663,667,711,721,728,739 740. HF, 10, 47,
52,1.43,218,301,335,398,171,499,534,616.HS,139.r43,213,222,299,307-308,357,409,126,131,469.HSl,139,
166,173,191.HS2,33,48,74,76-77,84,96,102,115,125,128.HS3,69,158,163,168.IDS,11,13,1719,2t,3t,36-37,
40,43,45,5053,57,60-61,63,65-74,76-77,84-86,88,91,116,118-120,t27,t46,153,159-160,165 166,170,189,193,
20t-202,209 210,229-230,233-234. ÀíC,214. MMPE, 86. MMPS, 98. NC, 16, 33. OD, t2,45.pp,26,72,93, t2t, 136,
t7 t -172, 17 4, t7 6, 189, 213, 240, 256, 3 10. SP, 3 1, 54, 71-7
"O empreendimento de Mallarnré, para encerrar todo discurso possível na frágil espessura
da palavra, nessa delgada e material linha negra traçada pela tinta sobre o papel, responde no
fundo à questão que Nietzsche prescrevia à filosofia" (MC, 316). Mallarmé representa para
Foucault o nascimento da literatura no sentido moderno do termo e, nesse sentido que, como
ern Nietzsche, anuncia o fim do homem. Yer: Linguagem, Literatura.
Stéphane Mallarmé 183J: AS,35. DE1, 195,278,29{i,355,418-419, 426'428,430 133,435-437,522,537,s43,
555-556,703,770,785,796.D82,105, 109, 124,\71,220,645.753. DE3, 575.DD4,220,607. MC,59,95, 111, 119.
3t6-317.394.
Em "Il faut défendre la société'l Foucault enfrenta a questão do poder desde o ponto de vista
da guerra; as relações de poder seriam da ordem da oposição, da luta, do enfrentamento (o
que ele denomina ahipótese l{ietzsche). Por esse caminho, de uma análise do poder a partir
da noção de luta, inevitavelmente deve cruzar com Maquiavel e llobbes. Foucault, no entanto,
considera que nem um nem outro são autenticamente teóricos da guerra na sociedade civil
(DE3,174). Para Maquiavel, a relação de força é descrita essencialmente como urna técnica
política nas mãos do príncipe. Foucault opõe a essa análise a obra de Boulainvilliers (Ver:
Boulainvilliers, Guerra), para quem as relações de força definem o próprio tecido da socie-
dade. 'A relação de força, que era essencialmente um objeto político, se converte agora em um
objeto histórico ou, melhor, histórico-político [... ]" (IDS, 145). 'A história, para Maquiavel, é
simplesmente um lugar de exemplos, urna espécie de antologia da jurisprr.rdência ou de modos
táticos para o exercício do poder. [...] Ao contrário, para Boulainvilliers (e creio que isso é o
importante), a relação de força e o jogo do poder são a própria substância da história" (IDS,
151). Para Foucault, trata-se de prescindir do príncipe e decifrar os mecanismos do poder a
"Marx, para mim, não existe" (DE3, 38). "Mas há também de minha parte uma espécie de
jogo. Frequentemente cito conceitos, frases e textos de Marx, mas sem me sentir obrigado a
acrescentar o pequeno documento autenticador, que consiste em fazer uma citação de Marx,
e colocar cuidadosamente a referência no pé de página e acompanhar a citação com uma
reflexão elogiosa. [...] Eu cito Marx sem dizê-lo" (D83,752). Episteme moderna. Uma
parte importante de Ies mots et les choses esÍaconsagrada ao homem como ser que trabalha.
Da mesma forma que em relação ao homem como ser vivente e como ser que fala, Foucault
sublinha, na descrição da episteme moderna, a introdução da temporalidade como horizonte
NIarx, no livro II d' O Capital, alguns elementos conceituais para pensar o poder em termos
de produção (D84, 186). Apesar disso e do que dissemos mais acima acerca do conceito de
disciplina, para Foucault o pensan'rento de Marx nâo é inteiramente adequado para pensar as
relações de poder. Para compreender os mectrnismos do poder em sua complexidade e seus
detalhes, é necessário desfazer-se de certo esquematismo, que se encontra no próprio Marx,
e que consiste ern loc:rlizar as relaçÕes de poder no aparato do Estado ou em uma classe
(DE3, 35). Em outro texto, "Les mailles du pouvoir", Foucault considera que tal esquema
de interpretação é, principalmente, uma maneira de tornar rousseauniano o pensamento de
"Eu não sou nem um adversário nem um partidário do marxismo; eu o interrogo acer-
ca do que tem para dizer a propósito das experiências que o questionam" (D84,595).
Foucault foi formado em um ambiente universitário em grande parte dominado pelo mar-
xismo. Sua primeira obra, de 1954, Maladie mentale et personnallÍé, é testemunho disso
e de suas influências. Como era o costume da época, também esteve filiado ao Partido Co-
munista francês, ainda que por um período realmente curto. A partir de então, a distância
entre Foucault e o "marxismo" não deixou de se acentuar em cada um dos temas centrais
de seu trabalho filosófico: a história, o sujeito, o poder. Nas obras de Foucault, se excetuar-
mos Maladie mentale et personnalité e a crítiçada noção de repressão em "Il faut défen-
dre la societé " e Les anormaux, as referências ao marxismo são muito escassas; no entan-
to, nas suas entrevistas e verbetes, a questão do marxismo aparece com frequência. Entre
suas entrevistas, uma merece particular atenção: "Méthodologie pour la connaissance
du monde: comment se débarrasser du marxisme" (D83, 595-6lS). pois bem, para
MARXISMO \MarÀtsme) 29 5
* Desse ponto de vista, Foucault
lamenta que o marxismo oficial tenha descuidado a im-
portância que tem a questão do corpo em Marx, privilegiando o conceito de ideologia (DE2,
756). * Havia uma tendência do marxismo acadêmico, na França, que consistia em buscar
de que maneira as condições econômicas podiam refletir-se na consciência dos sujeitos e
encontrar, ali, sua expressão. Desse modo, supunham que estão dados anteriormente e
definitivamente: o sujeito humano, o sujeito de conhecimento e as formas de conhecimen-
to, e que as condições econômicas se imprimem neles (DE2, 538). para Foucault, no entan-
to, trata-se de mostrar a constituição histórica do sujeito de conhecimento através do dis-
curso considerado como uma estratégi a que faz parte das práticas sociais (DE2, 540). * Na
mesma linha, situam-se as diferenças entre a problemática marxista e a problemática fou-
caultiana da história das ciências. "O marxismo do pós-guerra se apresentava como uma
teoria geral de caráter científico da ciência, como um tribunal que podia discriminar o que
pertencia à ciência e o que pertencia à ideologia. A questão colocada pelo marxismo era:
"Em que medida o marxismo, reconstruindo, com seus esquemas, uma história da socie-
dade, pode dar conta da história das ciências, do nascimento e do desenvolvimento das
matemáticas, da física teórica, etc.?" (DE4, 53). Para Foucault, sob a influência de Nietzsche,
a questão se coloca em termos completamente diferentes, isto é, em termos de uma história
da verdade. Yer: Humanismo, História, Subjetivaçao. Poder. Evidentemente, não se pode
distinguir completamente entre o marxismo teórico e o marxismo como realidade política:
"O marxismo não é outra coisa que uma modalidade de poder em um sentido elementar
[. . . ] Isso é, o marxismo como ciência (na medida em que se trata de uma ciência da histó-
ria, de uma história da Humanidade) é uma dinâmica com efeitos coercitivos em relação a
determinada verdade. Seu discurso é uma força profética que difunde uma força coercitiva
sobre uma determinada verdade, não só na direção do passado, mas em direção ao futuro
da Hurnanidade. Em outros termos, o que é importante é que a historicidade e o caráter
profético funcionam como forças coercitivas que concernem à verdade" (D83, 600). o
marxismo, por outro lado, segundo a opinião de Foucault, não poderia ter existido sem a
existência do Estado e do partido. Os Estados, antes da Revolução, fundavam-se na religião;
depois, no entanto, passaram a se fundar na filosofia. "t...] o marxismo como discurso
cientíÍico, o marxismo como profecia e o marxismo como filosofia de Estado ou ideologia
de classe estâo intrinsecamente ligados ao conjunto das relações de poder" (D83, 601). por
isso, Foucault questiona o marxismo, finalmente, desde o ponto de vista de seu funciona-
mento na sociedade moderna, isto é, desde o ponto de vista do poder e não só de suas
concepções da história e do sujeito. Ainda que, e é necessário sublinhá-lo, esses três ele-
mentos estejam estreitamente vinculados. A respeito, três observações: l) Marx pertence
ao século XIX e suas análises históricas funcionam nesse marco cronológico; por essa razão,
seria necessário atenuar as relações de poder vinculadas ao caráter profético de Marx. 2) A
existência do marxismo ligada à existência de um partido comunista fez comque determi-
nados problemas tenham desaparecido de seu horizonte teórico. Nesse sentido, também é
necessário atenuar seus efeitos de poder, colocando aqueles problemas que foram deixados
de lado (como a medicina, a sexualidade ou a loucura). 3) Também será necessário vincu-
lar esses problemas aos movimentos sociais nos quais eles encontram sua expressão (ques-
tionamentos, revoltas). os partidos, suas próprias dinâmicas de poder, têm tendência a
ção (ver: Norma) dos indivíduos e das populações. Na formaçâo dessa modalidade de exercício
do poder, a medicina desempenhou e desempenha papel fundamentai. "Se os juristers dos
séculos XVII e XVIII int entaram urn sistema social que devia estar dirigido por um sistema de
leis codificadas, pode-se afirrnar que os médicos do século XX estão a inventar uma sociedade
da norma e não da lei. Não são os códigos que regem a sociedade, mas a distinção perrna-
nente entre o normal e o patológico, a tarefa perpétua de restituir o sistema de normalidade"
(DE3, 50). As sociedades modernas estáo submetidas a um processo contínuo e indefinido de
medicalização. As condutas, os comportamentos, o corpo humano, a partir do século XVIII,
integram-se a um sistema de funcionamento da medicina que é cada vez mais vasto e que vai
muito mais além da questão das enfermidades. O termo "medicalizaçâo" faz refêrência a esse
processo que se caracterizapela função política da medicina e pela extensão indefinida e senr
Iimites da intervenção do saber médico. * Pode-se caracterizar o Império Romano de Cons-
tantino dizendo que, pela primeira vez no mundo do Mediterrâneo, o Estado se atribui como
tarefa ocupar-se das almas. Desde Constantino até as teocracias do século XVIII, a salvação
das almas constituiu um dos objetivos fundamentais da intervenção política. Corn base em
um processo que se prepara desde finais do século XVIII, assistimos atualmente à formação
de uma somatocracia: uma das finalidades da intervençáo do Estado é o cuidado do corpo, a
*
saúde corporai, a relaçâo entre a enferrnidade e a saúde (DE3, 43). Pode-se resttmir, como
se segue, o processo de medicalização das sociedades ocidentais modernas. I ) A formação, ao
final do século XVIII, de uma novanosopolítica.Nâo se trata, no entanto, de uma intervenção
vertical e uniforme do Estado na prática da medicina, mas do surginlento do problema da saúde
ern diferentes pontos do corpo social. lirl problematização generalizada da questão da saúde
responde, por um lado, ao deslocamento dos problemas da saúde em relação às técnicas de
assistência. Com efeito, no século XVIII, a enfermidade e a pobreza vão se separar. Até então,
exceto no caso de epidemias, o Estado se encarregava das doenças atrar,és da assistência aos
pobres. No século XVIII, no entanto, a sacralização da pobreza será substituída por uma análise
econômica da ociosidade (ver: Loucura). Nesse deslocamento, as enfermidades aparecerão
como problema específico. Por outro lado, a formação dessa nova nosopoliÍlca inscreve-se
no processo mais geral, o que vemos a propósito da 'tiência da polícia ' (ver: Polícia). Através
dessa tecnologia política ligada à razão de Estado, a população converte-se erl um problema
político. Tradicionalmente, segundo Foucault, as competências do Estado eram a guerra e apaz,
ou seja, a manutenção da paz e da justiça; a elas foram acrescentadas, a partir do Medievo, a
manutenção da ordem ea organização da riqueza. No século XVIII, aparece urna nova função,
o acondicionamento da sociedade como meio de bem-estar fisico, de saúde e de longevidade.
"A nova nosopolítica inscreve a questâo específica da doença dos pobres no probiema geral
da saúde das populaçÕes, e ela se desloca do contexto estreito das ajudas de caridade à forma
524. DE3, t5, 1.8,20-21,24,48 53,57 ,76,1 83, 1 88, 207-209, 221,223,227 ,235,323,373 375,380,492,513' 517 ,731 733'
736.D84,381,459,645,724,741.HSl,61,90,92,132,158,167,193.IDS,29,35,217.MMPS,86.NC,32,40 PP,176,
'r1'7 )7q
setrata de uma descrição das epistemes clássica (séculos XVII e XVIII) e moderna (séculos
partir do final
XIX e XX). Surveiller et punir ic"tpa-se da história da tecnologia do castigo,
a
ponto de vista da episteme, a
do século XVIII. pois bem, em Les mots et les choses, desde o
à época da analítica
Modernidade é equivalente à época do homem, ao sonho antropológico,
não se situa
da finitude e das ciências humanas. "Porque o umbral de nossa Modernidade
antes, o dia em
no momento em que se quis aplicar ao homem os métodos objetivos, mas,
que se chamou homem" (MC' 329-330)'
que se constitulu o duplo empírico-transcendental
yer.. Trata-se, como vemos, de uma determinação epistêmica da Modernidade. A
Homem.
partir de Surveiller et punir e de La volonté de savoir, encontramos outra caracterizaçâo da
Modernidade, com base nas formas de exercício do poder. Aqui, Modernidade é equivalente
à
569.570 571,62&647,681,686,759. HF,455. HS,25. HSl, 188, 195. IDS, I54. MC, 13, l5-16, 233,255,315,328-329,
338. oD,76.
Para Foucault, o monstro constitui uma dos ancestrais genealógicos do anormal. Ver:
Anormal.
Monstre [236]: AN, 51-62,66, 69-71,73,75,84-85, 87 96, 101'102, 122,128' 132, 150-151, l'55'258-259'275'289,
307-309,311.DE1,18r,227,355,767.DEz,96,220,689,813,822-825,827 828.D83,238,245,291-292,447,655'661'
698,769. DE4,88, 102. HF,49, 195,577,655. IDS, 119,226. MC, 169, 170. OD,37. RR, 117, 186. SP,92'94, 104,263.
através deles, de Nietzsche" (DE4,48). Em les mots et les choses e também, ainda que menos,
em lhrchéologie du savoir,no entanto, a análise está por demais centrada na discursividade.
De fato, é difícil pensar a descontinuidade a partir apenas das práticas discursivas; por isso, ser-
the-á necessário integrar as práticas não discursivas. Será necessário, entáo, referir um ao outro,
o saber e o poder. Por essas dificuldades da arqueologia, Nietzsche e a genealogia se redimen-
sionam no pensamento de Foucault. A partir daqui, Nietzsche representa a referência filosófica
fundamental com respeito à maneira de conceber a relação entre a história e o sujeito, e entre a
história e o poder. "Em Nietzsche, encontra-se efetivamente um tipo de discurso qrue faz a aná-
lise histórica da formação do sujeito mesmo, a análise histórica do nascimento de certo tipo
de saber, sem admitir nunca a preexistência de um sujeito do conhecimento" (DF,Z,542).
"Nietzsche é quem colocou o poder como objetivo essencial do discurso, digamos, filosófico.
*
Enquanto que para Marx era a relação de produção' (D82,753). Pois bem, como acontece com
outros autores (Heidegger, por exemplo) essa relação fundamental nem sempre é explícita. "Com
respeito à influência efetiva que Nietzsche teve sobre mim, me seria muito difícil precisá-la,
Como expusemos nos verbetes Biopoder, Biopolítica, Disciplina e Poder, a análise fou-
caultiana do poder está centrada em seu funcionamento. Dessa perspectiva, Foucault susten-
ta que é necessário deixar de lado os conceitos tradicionais de "lei" ou "soberania" para
abordar a questão do poder. Assim como há que se abandonar a noção de repressão que ofe-
rece uma representação apenas negativa de seus mecanismos. O poder, para Foucault, na sua
forma moderna, se exerce cadayezmais em um domínio que não é o da lei, e sim o da norma
e, por outro lado, não simplesmente reprime uma individualidade ou uma natureza já dada,
mas, positivamente, a constitui, a forma. Foucault distingue duas modalidades fundamentais
de exercício do poder nas sociedades ocidentais e modernas, a disciplina e abiopolítica, ort
seja, o poder que tem por objetivo os indivíduos e o poder que se exerce sobre as populações.
Disciplina e biopolítica são os eixos que conformam o biopoder. Com efeito, o biopoder defi-
ne o verdadeiro objeto do poder moderno, isto é, a vida, biologicamente considerada. O
conceito de normalizaçáo refere-se a esse processo de regulação da vida dos indivíduos e das
populações. Nesse sentido, nossas sociedades são sociedades de normalização.'A sociedade
de normalização é uma sociedade onde se cr:uzaÍn, segundo uma articulação ortogonal, a
norma da disciplina e a norma da regulação. Dizer que o poder, no século XIX, tomou posses-
SãO da Vida, dizer aO menos, que o poder, no século XIX, se encarregou
da vicla é dizer que ele
à popula-
chegou a cobrir toda a superfície que se estende do orgânico ao biológico, do corpo
por um lado, e das tecnologias de regulação,
ção, pelo duplo jogo das tecnologias de disciplina,
* não são simplesmente sociedades de disci-
por outro" (IDS, 225). As sociedades modernas
plinarização, mas de normalização. Surveiller et punir pode dar lugar a uma interpretação
reducionista em termos de analisar apenas a disciplina. Mas é necessário completar a análise
comLa volonté de sayoir eos dos cursos do Collêge de France, "Il faut défendre la société"e
Les anormaux.r Neles, Foucault ocupa-se do outro eixo do biopoder, o poder ao nível da
população e da raça. Mostra, ademais, como se articulam disciplina e biopolítica (ver os res-
pectivos verbetes). * É necessário ressaltar que a descrição de Foucault refere-se a uma socie-
dade de normalização, não a uma sociedade normalizada. A normalização descreve o funcio-
namento e a finalidade do poder. A realização de tal objetivo, no entanto, ainda que tenha
alcançado uma extensão notável, nem por isso é hegemônica; deve enfrentar-se com os mo-
vimentos de luta e questionamento (ver: Luta). A filosofia, no sentido em que Foucault a
Podem ser acrescentados os cursos: O na.çcimento da Biopolítica e Segurança. terriório e popu/açâo, publicados depois da
edição argentinad o Vocaóulcírio e O goterno do.s Litos, ainda não publicado. (N.T.).
disciplinas. E se, de maneira formal, o regime representativo permite que direta ou indiretamen
te, co[1 ou sem revezamento, a vontade de todos forme a instância fundamentai dir soberania,
as disciplinas provêm, na base, a garantia da submissão das forças e dos corpos. As disciplinas
reaisecorporaisconstituíramosubsolodasliberdadesforn'raise jurídicas. [...] Olluminismo,
que descobriu as liberdades, também inventou as disciplinas" (5P,223-224). O poder se exerce
entre esses dois limites: o direito da soberania e a mecânica das disciplinas (IDS, 34). Ciências
hurnanas. Em Les tnots et les choses, o conceito de norma, junto ao de função, aparece como
um dos modelos constitutivos das ciências humanas; ver'. Homem.
Norme [ 182]: AN,43,46,147 -t5it,260, 264. AS, 248-2,19. DEl, 134, \51,147 ,452,453, 458, 463, 506, 696, 84 l. DE2,
l,9,163,224,323, -1.16,360,362,364 -166,.190,595,614, 67s,695 697,7-31,814. DE3,50,7.1 76, 188,288,29r,.173-374,
378, 380, 407, 436,442,447 ,495,523,697 .D8.4,95,199,377,379-38t,757,77t,775.HF,124,141,237.406, 561, 565, 607.
HSr, 10. s0, 53, 72, 189- 190, 195- 196. HS2, 53. IDS, 21, 34, 53, 71, 156, 2r3, 225. MC,369,37 | 374, .186,387. MMPE, 13,
7i. MMPS, 13,73. NC,36,53, 123. OD,62. pp, 17, -56, 58,206 208,234. Sp, 185-186, 195,221,228,2.57, -106, il0.
Nonnalisation II43l: AN, 3,24,39,40, 45-46, 48, 124, I 51, 239.249,253, .l I 1. DE2, 3l 6, 362, 433,154, 456,611,
622,640-641,644,663,724,758 759,793,828. DE3, 76, 92, t46, t47,150, I tr8- 189, 213.214, 273,358,373-374, 376,42t.
DE4, 10, 16, 60,95, t99, 204, 3i9, 345, 384, 546, 57ó, 610, 643, 781-782. HSl, 12, 92, I 18, 138. HS2, 18. IDS, 3,1 36, -5j,
160-162, 166,217,223,225,228. MC,389. Pp,57,59,87. Sp, 25,t86,228,251,303,31.3-315.
Normalité[42]:AN,241,265.D81,358,634.DE2,418,433,454,469,68-5-686,781.D83,50,375-376,670.DE4,
30, 82, i80, i1 l, 3.12,379, 581, 772. HSl, 155,20,1. HS2,278. MÀípE, t6. IIMpS, 16. NC, 35. pp, 116,282. Sp, 25,
186.229,303,.111.
Yer: Medicaliznçõo.
Noso-politique [8J: DE3, 14-15, I 7-18
Foucault concebe seu trabalho filosófico como uma ontologia do presente ou uma ontolo-
gia histórica de nós mesmos. Ela tem três domínios de trabalho: a ontologia histórica de nós
mesmos em nossas relações com a verdade (que nos permitem constituir-nos em sujeitos de
conhecimento), a ontologia histórica de nós mesmos em nossas relações a respeito do campo
do poder (que nos constituem como sujeitos capazes de atuar sobre os outros) e a ontologia
histórica de nós mesmos em relação à moral (que nos constitui em sujeitos éticos) (DE4, 393,
618). Cada um desses domínios, como vemos, corresponde a um dos períodos que costumam
ser distinguidos no trabalho de Foucault: arqueológico, genealógico e ético. + O sentido que se
deve atribuir a tais expressões ('bntologia histórica I 'bntologia do presente") é o que Foucault
dá a seu trabalho filosóÍjco: uma atividade de diagnóstico e tm éthos,a análise da constituição
histórica de nossa subjetividade.Yer: Diagnosticar, Ethos. * Além da expressão "ontologia
histórical Foucault utiliza as expressÕes 'bntologia do presente'l que aparece apenas uma vez
ONTOLOGTADOPRESENTE,ONTOTOGIAHISTÓRICA(Ontologteduprésent,Ontologiehistonque) 3I3
:4*. PANÓPTICO (Pano ptique, panoptisme)
"O panoptismo é o princípio geral de uma nova 'anatomia política cujo objeto e finalidade
nãosãoasrelaçõesdesoberania,masasrelaçõesdedisciplina"(SP,210). Surveilleretpunir
tem como subtítulo 'b nascimento da prisão'l A quarta e última parte da obra, de fato, está
dedicada à formação do sistema carcerário ocidental. Mas o objetivo geral da obra não é
analisar a prisão em si mesma, mas os mecanismos da disciplina, isto é, a tecnologia política
ou anátomo-polÍtica dos corpos. Neste sentido, o nascimento da prisão deve ser situado no
contexto do panoptismo geral da sociedade moderna. Foucault começa a exposição opondo
duas técnicas de castigo, o suplício e a disciplina. Depois se ocupa extensamente do conceito
de disciplina, ao qual dedica a terceira parte da obra; o último capítulo dessa parte está con-
sagrado ao panoptismo. * "O panoptismo foi uma invenção tecnológica na ordem do poder,
como a máquina a vapor na ordem da produção" (DE3, 35). Para descrever essa invenção da
tecnologia do poder, Foucault se serve da oposição entre o que podemos chamar o "modelo
lepra'e o "modelo peste'l O modelo lepra representa um modelo de exclusão; o modelo peste,
por sua vez, o modelo distribuição dos indivíduos em um espaço quadriculado e da formação
de um sistema de coleta de dados (ver: Lepra). Esses dois modelos, ainda que aparentemente
opostos, não são incompatíveis. "Lentamente se os vê aproximarem-se. O próprio do século
XIX é ter aplicado ao espaço da exclusão, do qual o leproso era o habitante simbólico (e os
mendigos, os vagabundos, os loucos, os violentos formavam a população real), a técnica de
poder própria da quadriculação disciplinar. Tratar os 'leprosos' como'empesteadosi projetar
as repartições finas da disciplina no espaço confuso da internação, trabalhá-lo com os méto-
dos de repartição analítica do poder, individualizar os excluídos, mas servir-se dos procedi-
mentos de individualizaçâoparamarcar as exclusões. Isto é o que foi levado a cabo regularmente
pelo poder disciplinar desde o início do século XIX 1..) O Panopticon de Bentham é a figura
arquitetônico desta composição'(SP, 200-201). * Esse modelo arquitetônico pode ser resu-
mido como se segue: uma construção periférica, em forma de anel, e uma torre no centro do
anel. O edifício periférico está dividido em celas, cada uma delas possui duas janelas, uma
para o exterior, por onde entra a luz, e outra que dá para a torre central. Esta, por sua vez,
é uma forma de governo, é uma maneira, para o espírito, de exercer o poder sobre o espírito"
*
(D82,437). No século XIX, assistimos a uma multiplicação das instituições disciplinares
segundo o modelo benthamiano. Esse processo, no entanto, é o aspecto mais visível de outro,
mais profundo, de reestruturação das disciplinas que Foucault resume em três pontos. l.) Á
inversao funcionql das disciplinas: anteriormente, o objetivo das disciplinas era neutrali-
zar os perigosi agora, desempenharn papel positivo, o de acrescentar a utilidade possível
dos indivíduos (SP,211). 2) A dispersao dos meconismos disciplinares. Multiplicam-se
as instituiçoes panópticas, mas os mecanismos disciplinares tendem a "clesinstitucionalizar-
se'l Os procedimentos disciplinares se disseminam na sociedade mediante centros de
controle dispersos (SP, 213-214). j) A estatização dos mecanismos disciplinares; forma-
ção de uma polícia centralizada, instrumentos de vigilância permanente e exaustiva (SP,
214-217). "Pode-se, pois falar, em geral, da formação de uma sociedade disciplinar neste
movimento que vai das disciplinas fechadas, urna espécie de 'quarentena social, até os
mecanismos generalizáveis do 'panoptismo"' (SP, 217). * Por sua vez, a lormação da socie-
dade disciplinar, a sociedade panóptica se inscreve no narco de determinados processos de
amplo alcance. Em primeiro lugar, as tecnicas para ordenar multiplicidades hurnanas (tec-
nicas que perseguem o máximo de intensidade com o menor custo econômico e político)
Panoptisme U7l:D82,437 438,466,469,594,606 609,621. D83,3,1 35. PP, 57,81,85, 104. SP, 19i,208,210-
211,217,219,221 226.
:1:,':. PARRESÍA
A parresía constitui para Foucault uma das técnicas fundamentais das práticas de si mesmo
na Antiguidade. No vocabulário do cuidado d,e st,"parresía" é um termo técnico. Em primeiro
lugar, na literatura epicúrea, expressa uma qualidade do fisiólogo, o médico conhecedor da
natureza, que define a relação entre o médico e o paciente. Falar com parresía, isto é, com
liberdade de palavra, consiste em dizer ao enfermo as verdades da natureza que podem mudar
o modo de ser do sujeito doente (ÍI5,231-232). Em segundo lugar, no contexto mais amplo
da relação mestre-discíprio, a parresía define a atitude do mestre que corresponde ao silêncio
do discípulo. Neste marco, aparresía se refere tanto à atitude moral, ao éthos, do mestre, do
3I6 PARRESíA
í
diretor de consciência, quanto à técnica necessária para transmitir os discursos verdadeiros.
Por isso, a Parresía tem dois inimigos, um moral e outro técnico: a adulação e a retórica. A
questão da adulação foi um tema importante na literatura helenística do cuidado de si. Plu-
tarco e Sêneca, por exemplo, ocuparam-se extensamente dessa questáo. No que concerne à
oposiçáo entre adulação e parresia, para compreendê-la, é necessário começar pela relação
de oposição e complementaridade entre adulação e cólera. A cólera como vício descreve o
comportamento arrebatado de quern se encontra, em reiação ao outro, em Llma situação de
superioridade: o senhor da casa, o pai, o mestre. O comportamento arrebatado representa um
abuso no exercício do poder. Pois bem, a adulaçâo é, precisamente, o comportamento por parte
de quem se encontra na posição inferior, para compensar esse abuso do poder, ou melhor, para
tttllizá-lo segundo os próprios interesses e Írns. Deste rnodo, quetn está na posição inferior,
mediante o discurso, fazend,o crer ao superior que é mais capaz, mais rico ou mais belo do que
é em realidade, obtérn deste favores e prêmios. Ao mesmo tempo, quem é adulado se torna
dependente do discurso do adulador. Procedendo desse modo, impede-se que queÍn exerce
a autoridade estabeleça consigo mesmo uma relação verdadeira e adequada. 'A conclusáo é
que a parresía (o falar fianco, a libertas) é exatamente a antiadulaçâo. E a antiadulação no
sentido em que a parresía é, com efeito, alguém que fala e làla a outro, mas tàla ao outro
de tal maneira que este outro possa, à diferença do que ocorre com a aduiação, constitulr
uma relação com ele mesmo que seja autônorna, independente, plena e satisfatória" (HS,
362). . Com relação à retórica, Foucault marca três grandes diferenças. Prirneiro, a retórica
nã0 tem por linalidade estabelecer a verdade, mas persuadir. Em certo sentido, é un1â arte
capaz de mentir. Na parresía, ao contrário, trata-se apenas da transmissão da verdade. Em
segundo lugar, a retórica é uma arte organizadasegundo procedimentos regrados. Quanto à
parresía, alguns autores sustentam que não é uma arte (Sêneca), e outros, o contrário (Filo-
derno de Gáclara). Em todo caso, as regras da parresía sáo diÍêrentes das regras cla retórica;
trata-se, antes, de regras de prudência, cle habilidade para saber como e, sobretudo, quando
falar para que o discípulo receba o discurso verdadeiro na melhor ocasião (HS, 367). Em
terceiro lugar, a finalidade da retórica, através da influência que se possa exercer mediante
a palavra, é dirigir as discussões da assembleia, conduzir o povo ou conduzir um exército.
A diferença da retórica, o discurso da parresía tem por finalidade que aquele a quem está
dirigido estabeleça consigo mesmo uma relação plena e soberana (HS, 368 369). * Para
descrever positivamente a parresía, Foucault se apoia em três textos: o Sobre a parresía
de Filodemo de Gádara, a Carta 75 de Sêneca a Lucílio, o Tratado das paixões de Galeno.
Filodemo apresenta a porresía como uma arte conjetural (por oposição ao metodo) acerca
dar ocasião propícia (kairós) para dirigir-se ao discípulo (HS, 371). Neste sentido, a arte
do filósofo é semelhante à arte do nal,egante e do rnedico. O texto de Filodemo (fragmen-
to 25) acrescenta, ademais, um elernento no\ro com relação ao resto da literatura sobre a
questão. Trata-se da porresía como prática nas relações entre discípulos (HS, 372). "8 é
efetivamente isto, segundo certo número de textos, por outro lado extremadamente alusivos
e esquemáticos, o que se encontra nos grupos epicúreos, ou seja, a obrigaçào, parü os que
são alunos, de reunirem-se em grupo diante do kathegotimenos e, então, tàlar: para dizer
o que pensam, para dizer o que têm no coração, para dizer as faltas que cometeram, as
debilidades das quais se sentem responsáveis ou às que ainda se sentent expostos. E, deste
PARRESiA 3I7
modo, encontra-se, por primeira vez parece, de maneira muito explícita dentro desta prática
de si da Antiguidade greco-romana, prática da confissão" (HS, 373). * A diferença da obra
a
de Filodemo, no texto de Galeno não encontramos uma teoria da parreslrz, mas, antes, uma
série de indicações. Em primeiro lugar, Galeno observa que, assim como o médico não pode
curar sem o conhecimento da doença, tampouco é possível curar-se dos erros e das paixões
sem saber quais são. Pois bem, neste caso, posto que somos frequentemente cegos a respeito
de nossos erros e paixões, necessita-se do juízo de outra pessoa. Na linguagem da cultura do
cuidado de si, necessita-se de um diretor de vida, de um guia. Galeno enumera as condições
que esse deve possuir: que fale com parresía, que seja uma pessoa de certa idade, que seja o
mais desconhecido possível. Neste último ponto, Galeno se distancia da tradição platônica
*
em que a direção da alma se âpoiava na relação amorosa (HS, 382). A respeito de Sêneca,
Foucault leva em consideração, ademais da Carta 75 aLucílio, as cartas 29, 38 e 40. Nelas,
Sêneca marca as diferenças entre o discurso retórico eaparresía. Ainda que um discurso
franco possa ser formulado de maneira florida e eloquente, seu objetivo é outro. E, a pro-
pósito disso, Sêneca insiste na relação entre esse discurso e quem o recebe. Não se trata de
retê-lo na memória, com a recordação de sua beleza, mas de conservá-lo de tal modo que
sirva como conduta de vida, que seja possível torná-lo vivo quando se apresente a situação
adequada. Os textos de Sêneca retomam, ademais, as metáforas clássicas do médico e do
navegante. * "Aparresía (alibertas, o falar franco) é, pois, esta forma essencial - e deste
modo resumiria o que queria dizer-lhes sobre a parresía - da palavra do diretor: palavra
livre, independente das regras, livre dos procedimentos da retórica, porque ela deve, por
um iado, certamente, adaptar-se à situação, à ocasião, às particularidades do auditor; mas,
sobretudo e fundamentalmente, é uma palavra que, do lado de quem a pronuncia, equivale
a um compromisso, equivale a um nexo, constitui um determinado pacto entre o sujeito da
enunciação e o sujeito da conduta. O sujeito que fala se compromete. No momento mesmo
em que diz: 'digo a verdadel se compromete afazer o que diz e a ser sujeito de uma conduta
que é uma conduta obediente, ponto por ponto, à verdade que formula" (HS, 388-389).
* Os latinos traduziram parresíapor libertas. Nas línguas românicas, foi traduzida por
"falar francamente" (HS, 248, 356).
Parrhêsia [139]: HS, 132, 152, 158, 163'164,220,231 232,338,348-351,355-357, 362-374,378-379,381-382,384,
386 389,393,397.
época clássica, do grande tema da loucura da Cruz. Com efeito, esse tema, frequente no Re-
nascimento, começa a desaparecer a partir da separação clássica entre razão e desrazão (HS,
204). Ver: Loucura.
Blaise Pascal [22J: DEl, 1s9,358,550,813-815. DE2,479. D84,410. HF,56, 195,204. HS,296,433. PP, 139.
À
246 PLATÃO ?428 a.C.- -341 a.C.)
São numerosas as referências de Foucault a Platão. A diferença do que ocorre com outros
f,lósofos presentes em sua obra, Foucault se ocupou específica e extensamente de dois textos
de Platão: o Político e o Alcibíades I. Do primeiro ele se serve para marcar a oposição con-
ceitual entre duas formas de exercício do poder, o político e o pastoral. Ocupamo-nos dessa
questão no verbete Poder. Quanto ao segundo, à diferença de grande parte dos especialistas
contemporâneos no assunto, Foucault mantém que se trata de um escrito de Platáo (HS, 43).
A ele está consagrado em grande medida o curso dos anos 1981-1982 no Collêge de France,
LHerméneutique du sujet.Mais precisamente, a primeira parte está dedicada à exposição do
tema do cuidado de si na filosofia platônica, fundamentalmente no Alcibíades I, e o resto do
cursoàtradiçãoqueoAlcibíadeslina:uglura,equeseestendeatéaépocahelenísticaeoalvorecer
do cristianismo no Ocidente. No verbete Cuidado, nos ocupamos dele. "Em todo caso, a partir
de aqui [Foucault se refere à relação cuidado de si - conhecimento de si no Alcibíades 1], creio
que se pode compreender em muitos aspectos o grande 'paradoxo do platonismo na história do
pensamento, não só na história do pensamento antigo, mas na história do pensamento europeu,
até o século XVII pelo menos. Este paradoxo é o seguinte: por um lado, o platonismo foi o fer-
mento, e pode-se dizer, o principal fermento, de diferentes movimentos espirituais, na medida
em que o platonismo concebia o acesso à verdade somente a partir do conhecimento de si, que
era reconhecimento de si no divino. A partir deste momento, vocês veem claramente que, para
o platonismo, o conhecimento, o acesso à verdade não podiam realizar-se sem as condições de
um movimento espiritual da alma em relação consigo mesma e com o divino. Relação com o
divino porque ela tinha relação consigo mesma [. . . ] Mas, vocês veem ao mesmo tempo, como
oplatonismo pode ser constantemente também o clima de desenvolvimento do que se poderia
chamar uma 'racionalidadei E, na medida em que nao faz sentido opô-las, como se fossem
coisas que estivessem em um mesmo nível, a espiritualidade e a râcionalidade, eu diria que
de conheci-
o platonismo foi, antes, o clima perpétuo no qual se desenvolveu um movimento
mento, conhecimento puro sem condição de espiritualidade, porque, precisamente, o
próprio
que se
do platonismo é mostrar como todo o trabalho sobre si mesmo, todo o cuidado de si
(HS,
deve ter para aceder à verdade, consiste em conhecer-se, ou Seia, conhecer a verdade"
75-76).* AIém dessas duas referências maiores às obras de Platão, nos volumes II, sobretudo,
e III de Histoire de la sexualité, tusage des plaisirs e Le souci de soi, vátias obras de
Platão
são citadas com frequência. Praticamente, cada um dos temas importantes de Histoire de la
sexualité, isto é, da ética do cuidado de si, é acompanhado por alguma referência à obra de
Platão. Mas aqui se trata de uma leitura dos textos de Platão que se enquadra no marco geral
de uma interpretação da cultura do cuidado de si mesmo. As referências mais relevantes são
sobre os seguintes temas: a imagem dos afeminadosno Fedro (H52,25-26); a relação entre
apetite e representaçâo no Filebo (HS2, 52-53); a concepção de luxúria no Timeu como
enfermidade do corpo (HS2, 5a); os apetites naturais na República e nas leis, entre eles, os
aphrodísia (HS2, 58-61); o exercício da temperança como luta na ordem dos aphrodísia (HS2,
67 -70);as virtudes fundamentais (sabedoria, coragem, justiça, temperança), especialmente na
República e nas Leis (HS2, 75-90); a relação governo de si/governo dos outros (HS2, 9a-95);
PLATÃO 321
a função do lógos no exercício da temperança (HS2, 100-105); a relação medicina/dietética
(HS2, I 13- 1 14); os perigos das dietas e a dietética em geral (HS2, I 18- 123, 136- 140); a reiação
atividade sexual/morte e imortalidade (HS2, 150-153); a legislação acerca do matrimônio
(HS2, 185-188; HS3, 193-194); a erótica, ou seja, a relação amorosa com os mancebos (HS2,
207-219,225-231);a passagem do amor pelos mancebos ao amor pela verdade (HS2, 251-269);
a noção de cuidado de si (HS3, 58).
Platon [5j4]: AS, 136. DEl, 88-89, 92, 242,768,770, 818. D82,76 78,98, 106, 124, 136 137,152,220,242' 414'
207 -208, 210, 21,2, 214,216, 220,224, 226, 228. 230, 244, 246, 253-255, 257 259, 261 262, 264, 266-268,283-284. HS3,
25-26,58,64-65,50, 128, 148, 173, 180, I93, 213-215,250-251,27t-272,278.1D5, 154. MC,70. MMPE,85. MMPS,96.
oD, 17. PP,236,254.
Yer: Platao.
Platonisme [67]: DEl, 219. DE2,76-78, 80, 632-633. DF4,29 L HF, 5 l. HS, 36, 64, 66,72,75-76, ll7 , 164, 167 ,
1,69,179.t82,215,247,401 403,415,416,421,441.H52,224.HS3,219,250,263.
48, 54,69, 162.202.252,28,1. HS3,24, 53, 55, 58, 60, 64-65, 70,74-75,81, I07-1 10, Ll3-114,121-122,154,162,174 175,
1 90, 204, 206, 210-2]15,217 , 221,,223 224,226-231,234-242,254,272,278,281.
situando-se nas antípodas da filosofia da história, mostram a inadequação das categorias to-
talizantes para enfrentar o trabalho histórico. 2) A inadequação da categoria de repressao para
dar conta das relações de poder. 3) A inadequação das análises jurídicas e economicistas.
Positiyos:1) A eficácia crítica da erudição histórica.2) A eficácia das lutas especíÍicas. (Ver.
Luta). Aquestão do sujeito vincula todas essas motivações à primeira que mencionamos, isto
*
é, à necessidade de estudar o funcionamento entrelaçado do saber e do poder. Desde este
ponto de vista, podemos distinguir dois sentidos do termo "sujeito": submetido, "sujeito'l pelo
controle e pela dependência de outro; ligado, "sujeito'l à própria identidade pelas práticas e
pelo conhecimento de si. Em relação a esses sentidos do termo, Foucault distingue três tipos
ile luta: 1) lutas que se opõem a formas de dominação étnicas, sociais e religiosas; 2) lutas
contra as formas de exploração que separam o indivíduo do produto de seus trabalhos; 3)
lutas que se opoem a tudo o que iiga o indivíduo a si mesmo e asseguram assim a submissão
aos outros (D84,227). A análise foucaultiana do poder se inscreve nesse terceiro gênero de
lutas. O tema do poder é, em realidade, para Foucault, um modo de enfrentar o tema do su-
jeito. 'Antes de tudo, queria dizer qual foi o objetivo de meu trabalho destes vinte anos. Não
foi analisar os fenômenos de poder nem lançar as bases para esta análise. Antes, tratei de
produzir uma história dos diferentes modos de subjetivação do ser humano em nossa cultura;
tratei, nesta ótica, de três modos de objetivação que transformam os seres humanos em sujei-
tos" (D84, 222-223). Esses três modos de subjetivaçáo são: os saberes que pretendem aceder
ao Estado de ciências, as práticas que dividem (louco/são, saudável/doente) ea maneira como
um ser humano se transforma em sujeito (a sexualidade). "Não é, pois, o poder, mas o sujeito
o que constitui o tema geral de minhas investigaçoes" (DE4, 223).Hipóteses e exigências
de método. Pois bem, do mesmo modo como acontece com o tema do saber, Foucault eia-
borou os próprios instrumentos conceituais para analisar o poder. Tal elaboraçáo tem seus
interlocutores, particularmente: Hobbes (o poder concebido em termos de soberania), Marx
eFreud (o poder concebido em termos de repressão). Em "II faut défendre la société", Foucault
opõe a todos eles a "hipótese Nietzsche'] o poder concebido como luta, enfrentamento. Porém,
a nosso juízo, essa hipótese não
posição definitiva ou, ao menos, a mais acabada de Foucault
éa
a respeito do funcionamento do poder. Ela deve ser buscada, antes, no conceito de governo.
t) Poder e soberania: o poder visto desde suas formas externas, extremas e capila-
res. Segundo Foucault, na concepção liberal e na concepção marxista, sempre se pensou o
poder com base na economia. Para os primeiros, o poder é algo assim como um bem, está
sujeito a contrqto, é objeto de possessão e, consequentemente, de alienação. Para os segundos,
o economicismo não concerne tanto à forma do poder quanto à sua função histórica: o poder
serve para manter determinadas relações de produção (IDS, 14-15). Abandonar esses supos-
tos economicistas do poder implica também deixar de lado o conceito de soberania, ou seja,
3 24 PoDER (Pouvoír\
ayisão jurídica do poder (IDS, 30-33, 37-39;DF4,185-186). Com efeito, quer se trate de
explicar a gênese do Estado, quer se denuncie a exploração por parte da burguesia, em ambos
os casos, o que se tem em vista é o poder desde o ponto de vista da lei. Para utilizar uma
imagem espacial, à visáo descendente clássica, Foucault opõe uma visão ascendente: o poder
visto, em primeiro iugar, desde suas extremidades, desde baixo (IDS,25). Não como algo que
se possui, mas como algo que se exerce. Assim, por exemplo, em lugar de nos perguntarmos
pela legitimidade, desde um ponto de vista jurídico do direito de castigar, é necessário estudar
as técnicas concretas, históricas e efetivas do castigo. Em seu distanciamento com respeito à
concepção liberal do poder, Foucault critica Hobbes ou, melhor, certa interpretação do Levia-
tã.ParaFoucault, apesar do modo como Hobbes apresenta as coisas, a guerra do Leviatanáo
é uma guerra autêntica; o que Hobbes persegue é, na realidade, evitar a guerra. O objetivo de
Hobbes seria, mais precisamente, conjurar o discurso histórico da dominação, o discurso
sobre a conquista na Inglaterra (Levellers, Diggers) (ver'. Hobbes, Guerra). Em "Il faut dé-
fendre la société", Foucault se ocupa, precisamente, nesse discurso da dominação, da guerra;
move-se dentro do que denomina a "hipótese Nietzsche", quer dizer, do poder concebido como
Iuta (IDS, 14-19). Pois bem, levar em consideração o discurso histórico da dominação, ana-
lisar o poder em termos de iuta não implica aceitar o conceito ou o princípio explicativo de
dominação da burguesia. Segundo Foucault, da ideia de dominação da burguesia, pode-se
deduzir qualquer coisa (IDS, 23-30). (ver. Burguesla). Essa crítica ao conceito de dominação
burguesa forma parte da crítica geralàhipotese repressiva.2) Poder e repressão: o poder
visto como uma instância positiva. Outro conceito da tradição marxista ou do que, com
certo fastio, Foucault denomina o freudo-marxlsrro (IDS, 38) é o conceilo de repressao ou
ahipótese Reich.Em La volonté de savoir,Foucault se coloca três perguntas acerca da hipó-
tese repressiva: a repressão é uma evidência histórica?; a mecânica do
poder é da ordem da
repressão?; e o discurso contra a repressão, libera ou, em realidade, forma parte do mesmo
pod., qu. denuncia? (HSf , 18-19). Não se trata, em realidade, de formular uma contra-hi-
pótese a propósito de cada uma das dúvidas que essas perguntas colocam. A proposta é, antes,
ressituar cada um desses elementos em uma economia geral do poder. Em La volonté de
savoir,cada uma dessas dúvidas acerca do poder colocada em relação às práticas da sexua-
é
Iidade (discursos, técnicas de exame, regulamentos das instituiçoes pedagógicas, etc.). Foucault
mostra como, a partir do século XVII, mais que a uma repressão do discurso acerca da sexu-
alidade, assistimos a uma extraordinária proliferação discursiva (HSl, 28-30; AN, 172-180)
(ver: Repressao). Por outro lado, a parte final dessa obra chega à conclusão de que a função
dos discursos liberadores (da psicanálise, por exemplo) foi estabelecer novas formas de sujei-
ção e controle (HS1, 11-16) (ver: Psicanállse). Pois bem, desde um ponto de vista teórico, a
conclusão mais importante que nosso autor extrai da crítica histórica da hipótese repressiva
é que o poder deve ser visto como uma realidade positiva, quer dizer, como fabricante ou
produtor de individualidade (SP, 182-184). Do mesmo modo que não há que supor um indi-
víduo natural para explicar como se conyerte em sujeito jurídico, sujeito de direitos e, por
conseguinte, como se gera o soberano e o Estado, tampouco há que se supor uma naturalida-
de do desejo que a sociedade capitalista aliada com a religião viria a reprimir. A individuali-
dade não é algo passivo, dado de antemão, sobre a qual se aplica o poder; é, antes, uma espé-
cie de relay, o indivíduo é ao mesmo tempo receptor e emissor de poder. Nesse sentido, a
frente ao outro do que da ordem do governo' [...] O modo de relação próprio do poder não
há que ser buscado, então, do lado da violência e da luta nem do lado do contrato ou do nexo
voluntário (que, no máximo, só podem ser instrumentos), mas do lado deste modo de ação
singular, nem guerreiro nem jurídico, que é o governo" (D84,237).4) Poder e revolução:
práticas de liberdade. A história das práticas, tal como é levada a cabo por Foucault, deixa
de laclo não só o ponto de vista jurídico acerca do poder e a hipótese repressiva, mas também
o que podemos considerar como o conceito cardinal da historiografla política moderna: o
conceito de revolução. Na realidade, tanto a concepção jurídica liberal como a marxista, bem
como a freudiana acerca do poder, podem ser vistas como diferentes versões do ideal revolu-
cionário; cada uma, a seu modo, foi a promessa de uma liberação. A substituição do conceito
de luta pelo conceito de governo tem a ver precisamente com o abandono do conceito de re-
volução. Para Foucault, o conceito de revolução é consequência de uma concepção do poder
em termos de totalidade. E isso foi a causa, em grande parte, da ineficácia de certas formas de
oposição ao poder (ver: Deleuze, Luta, Revoluçao).Por isso, a partir do conceito de governo,
Foucault opÕe as lutas e a resistência como práticas de liberdade à luta contra o poder na
forma de revolução ou liberação (ver: Liberdade, Luta, Revoluçao). A especificidade das
relações de poder. Pois, se deixarmos de lado os conceitos de soberania e de repressão, se
renunciarmos a uma representação economicista do poder, como analisar o poder? Em pri-
meiro lugar, é necessário ter presente, como dissemos, que para Foucault o poder não é uma
substância ou uma qualidade, algo que se possui ou se tem; é, antes, uma forma de relaçao.
Para determinar a especificidade das relações de poder, Foucault as distingue das'tapacidades
objetivas" e das "relaçÕes de comunicação'l Por capacidades objetivas, devemos entender: "O
[poder] que se exerce sobre as coisas, e que dá a capacidade de modificá-las, utilizá-las, consu-
mi-las ou destruí-las'l Por "relações de informaçáolrelações'que transmitem uma informação
5) O poder se exerce apenas sobre sujeitos livres, ou seja, sujeitos que dispõem de um campo
de várias condutas possíveis. Quando as determinações estão saturadas, não há
relações de
poder. "O poder não se exerce senão sobre'sujeitos livres'e na medida em que eles sáo'livresi
Entendemos por isso sujeitos individuais ou coletivos que têm diante deles um campo
de
possibilidade onde se podem dar muitas condutas, muitas reações e diferentes modos de
comportamento. Ali onde as determinações estáo saturadas, não há relações de poder' A es-
(então se trata de uma
.ruuidao não é uma relação de poder quando o homem está encadeado
relação física de coerção), mas justamente quando pode deslocar-se e, no limite, se escapar'
Não há, pois, um cara a cara do poder e da liberdade, com uma relação de exclusâo entre eles
(em todo lugar onde se exerce o poder, desaparece a liberdade); mas um jogo muito mais
complexo. Neste jogo, a liberdade aparece como a condição de existência do poder" (DE4,
237 -238). Uma história do poder. "O Estado ocidental moderno integrou, em uma forma
política nova, uma velha técnica de poder que nasceu nas instituições cristãs: o poder pastoral"
(D84,229).A história do poder, desde uma perspectiva foucaultiana, busca mostrar como foi
possível a integração do poder pastoral na forma jurídica do Estado moderno. Por essa razão,
essa história coloca a compreensão da formaçáo do Estado moderno e, em geral, das formas
modernas do poder, muito mais além da Auftlcirung. O primeiro capítulo dessa história está
dedicado à formação do poder pastoral, isto é, às formas de poder que surgem com o cristia-
nismo e, mais especificamente, com o monasticismo. A partir daqui, Foucault passa à análise
das reelaborações modernas do poder pastoral, à formação das discipiinas modernas e da
biopolítica, ou seja, ao aparecimento do biopoder. Aqui, é necessário não esquecer que, para
nosso autor, pelas razões metodológicas que explicamos acima, não se pode reduzir o estudo
do funcionamento do poder ao funcionamento do Estado ou da administração. O biopoder
náo é um conceito aplicável exclusiyamente ao governo considerado institucionalmente, mas
ao funcionamento entrelaçado de saber e poder em geral nas sociedades modernas. Em rea-
lidade, a integração do saber ao exercício do governo é uma característica definitória do
razão de Estado e liberalismo. Estes últimos dois capítulos analisam formas políticas, mas
são inseparáveis dos dois primeiros e só compreensíveis a partir deles. Dedicamos a cada
um desses capítulos um verbete próprio. Por isso, enfocaremos particularmente agora o
conceito de poder pastoral. Poder pastoral. Para levar a cabo essa história do poder,
Foucault se serve de um esquema conceitual que lança suas raízes na Antiguidade grega e
judaico-cristã. Trata-se da oposição entre o pastor e o político, da oposição entre uma
concepção própria do judaico-cristianismo e outra de matriz grega. O político dos gregos
exerce seu poder sobre um território, estabelece leis que devem perdurar após o seu desa-
parecimento; sua funçáo é comparável à do timoneiro da nave, persegue a honra. O pastor
do judaico-cristianismo, no entanto, não exerce seu poder sobre um território, mas sobre
um rebanho: reúne indivíduos dispersos; sem o pastor, o rebanho se dispersa; o pastor deve
abandonar o rebanho para sair em busca da ovelha perdida, deve dar a própria vida por
cada uma de suas ovelhas (D84,229-230). Com respeito à concepção grega do poder, Fou-
caultfazreferência a um interessantíssimo texto de Platão (DE4, 140-144). Com efeito, no
Político, Platão se pergunta se se pode definir o político como pastor dos homens. Em um
primeiro momento do diálogo, pareceria que o político é uma espécie de pastor; em segui-
da, a partir do mito do mundo que começa a girar em sentido contrário, essa primeira
aproximação ao problema é posta em dúvida, corrigida e, finalmente, chega-se a uma con-
clusão diferente. Em certo momento, o diálogo entre o jovem Sócrates e o Estrangeiro, a
partir da hipótese de considerar o rei e o político como pastores, coloca-se a necessidade de
diferenciá-los dos outros pretendentes ao título de pastores. "Sabes que todos os comerciân-
tes, agricultores, moleiros inclusive atletas e médicos protestariam energicamente juntos a
estes pastores de homens a quem chamamos políticos afirmando que eles próprios cuidam
da criação dos homens, não apenas dos membros dos rebanhos, mas também dos gover-
nantes?" (Platão, Político,267e - 268 a. [Citamos a tradução de forge Paleikat e foão Cruz
Costa. Platão, Diálogos, São Paulo: Abril Cultural, 1979)), mais adiante, "não teríamos nós
razões para inquietação quando, ainda há pouco, nos assaltou a suspeita de que talvez
houvéssemos traçado um esboço plausível do caráter real, mas que, no entanto, não o levá-
ramos até o retrato fiel do político, pelo fato de não o distinguirmos de todos aqueles que à
sua volta se agitam e reclamam uma parte de seus direitos de pastor? Não o separamos
suficientemente dos seus rivais para mostrá-lo, unicamente, na sua pureza?" (Platâo, Polí-
tico,268 c). A questão é, simplesmente, se o político deve ser o médico dos homens, seu
educador, quem os alimenta, etc. Como sabemos, a discussão deixará de considerar o polí-
tico desde o ponto de vista da arte do rebanho, passando à arte de tecer. Essa mudança se
produz precisamente a partir da distinção entre o político e os pastores (médico, mestre, etc.).
Enquanto estes últimos se ocupam dos homens individualmente, o político, apenas coletiva-
mente e em seu conjunto (D84, 142-144). Finalmente o político, definido a partir da arte de
tecer, será o legislador filósofo, quem tece, a partir de seu conhecimento do imutável, a trama
dapólis. Para a filosofia clássica grega, o político não é o pastor e estritamente falando na
expansão e a felicidade do Estado. Para esse fim, empregam-se os meios mais rápidos e mais
cômodos" (DE4, l5I). Quatro elementos fundamentais caracterizam arazão de Estado assim
concebida: l) é uma arte, uma técnica segundo regras; 2) seu objeto é o Estado, e não as leis
divinas ou naturais; 3) contrariamente à tradição que remonta a Maquiavel, seu objetivo não
é aumentar o poder do príncipe, mas do próprio Estado; 4) requer uma forma específica de
saber que, na época, foi chamado estatística ou aritmética política. No curso e no seminá-
rio dos anos 1978 e 1979, Foucault se ocupou (com respeito àrazâo de Estado) da nova forma
O autor refere-se ir Naissance de la Biopolitit1ue, pub)icado em ourubro de 2004, depois da publicação de O vocaluLirio de
,llic he I Fo ucau I t. (N.T) -
<letalhado informe da situação, compilam-se registros gerais, etc' (AN, 40-43)' Em Surveiller
et punir, ademais, a partir da análise do Panóptico de Bentham, Foucault traz à luz outro
Com base nesses
componente essencial da discipiina: a interiorização da relação de vigilância'
forma de
elementos, podemos compreender o que Foucault entende por disciplina.l)ma
no espaço; 2) náo exerce
exercício do poder que: 1) é uma arte da distribuição dos indivíduos
seu controle sobre os resultados, mas sobre os procedimentos; 3) implica uma vigilância
de dados sobre o indivíduo'
constante sobre os indivíduos; 4) supõe um registro permanente
'A disciplina é o conjunto de tecnicas em virtude das quais os sistemas de poder têm por
cujo instru-
objetivo e resultado a singularização dos indivíduos. É o poder da singularização
que permi-
mento fundamental é o exame. O exame é a vigilância permanente, classificadora'
ao máximo"
te repartir os indivíduos, julgá-los, avaliá-los, localizá-los e, assim, utilizá-los
(D83,516-517). Mas a ideia de disciplina ficaria indeterminada, se não se insiste no conceito
previsão e de estimativa estatística tendem a estabelecer medidas globais que têm como ob-
jetivo o equilíbrio da população, sua homeostase e sua regulação (IDS, 17-19). O curso inti-
tulado "Il faut défendre Ia société" está dedicado, precisamente, a uma análise da gênese do
biopoder, da politização dos fenômenos da vida, a partir da ideia de luta de raças, isto é, da
biologização do conceito de raça. Nesse sentido, Foucault levou a cabo uma genealogia do
racismo moderno. A raça e o racismo foram a condição de aceitabilidade do direito de morte
nas sociedades de normalização, a versão moderna, pós-revolucionária, do antigo direito real
sobre a vida e a morte dos súbditos (IDS, 228). Uma consequência do imperativo: "Há que
defender a sociedade'l "Eu creio que é muito mais profundo que uma velha tradição, muito
mais profundo que uma nova ideologia, é outra cosa. A especificidade do racismo moderno,
o que constitui sua especificidade, não está ligado nem às mentalidades, nem às ideologias,
nem às mentiras do poder. Está ligado à técnica do poder, à tecnologia do poder" (IDS,230).
* Concluímos com duas citações de Foucault. "Estas considerações históricas podem parecer
muito distantes, devem parecer inúteis à luz das preocupações atuais. [...] Mas a experiência
me ensinou que a história das diferentes formas de racionalidade consegue, às vezes, sacudir
melhor que uma crítica abstrata nossas certezas e nosso dogmatismo. Durante séculos, a re-
ligião não pode suportar que se contasse sua história. Hoje, nossas escolas de racionalidade
não apreciam de modo algum que se escreva a sua história. É, sem duvida, significativo" (DE4,
160). "É muito significativo que a crítica política tenha questionado o Estado por ser simulta-
neamente um fator de individualização e um princípio totalitário. Basta observar a racionali-
dade do Estado nascente e ver qual foi seu primeiro projeto de polícia para se dar conta que,
desde o começo, o Estado foi individualizante e totalitário. Opor-lhe o indivíduo e seus inte-
resses é tão arriscado como opor-lhe a comunidade e suas exigências. A racionalidade políti-
ca foi se desenvolvendo e sendo imposta ao longo da história das sociedades ocidentais. EIa
se enraizou, primeiro, na ideia de poder pastoral, depois na razão de Estado. A individualiza-
ção e a totalização são efeitos inevitáveis. A liberação não pode vir do ataque â um ou outro
de seus efeitos, mas das raízes mesmas da racionalidade política' (D84, 161). * Seleção de
textos de Dits et écrits sobre a questão do poder. l97l:"tJn problême m'intéresse depuis
longtemps, c'est celui du sistême pénal" (DF;2,205-209) "La volonté de savoir" (D82,240-44).
1972:"Les intellectuels et le pouvoir" (DE2, 306-315), "Les grandes fonctions de la médecine
dans notre société" (DE2, 380-382), "Théories et institutions pénales" (DF;z,389-393).1973:
'A propos de l'enfermement pénitentiaire" (DE2, 435-445), "La société punitive" (DF;Z,456-
470). 1974: "Prisons et asiles dans le mécanisme du pouvoir" (D82,521-525), "sexualité et
politique" (DF,z,536-537),"Lavérité et les formes juridiques" (D82,538-646). "Table ronde
sur i'expertise psechiatrique ' (D82,664-67 5), "Le pouvoir psychiatriqu e" (DF;Z,67 5-686). 197 5:
784,t'86-787,791794,797-799,803804,813,815816,822,824.DE4,10,11,16 19,25,29,31.38,40-41,46,62-63.73.
79,82-87,89 93, r03,105,107,109, n9, r24,126,135 144, t47-150,152,\56-157,159-161,165,171,178,180_195,197
202,205-207,210,214215,222-243,266,269-270,274,277 278,282,284,287,295,309-311,317,318,328,340,345,355,
358-359, 368, 370,374-376,386, 393, 395, 398, 408-409, 419, 423, 430,444,449 454,457 158,463,467,475,491,497 199.
502, 504-505, 507, 509, 5 1 I -5 1 3, 522,524,526,531,535 536, 540-54 l, 545, 552, 554, 565,566, 57 5-577 ,582 583, 585 586,
588590,593,596,615,6176r8,620-623,629,635639,64t,643,645,649,654,660,662.-663,667,676,678,693_691,
697-699,704,707-708,710-711,714 t'30,732-733,735,740 t'43,746-747,749-751,758,766,775,777,782-783,785,790,
HF, 16, 20, 3s--36, 55, 58, 70, 72 74,77,80,88, 99, 102-10_?, 105, 12s 126, t32,146,
801, 807, 8t 2, 818, 820-822,826 827.
149,158,16r t62,166,171,177,t79,185, r90-191,201,203 204,210,223,233,235,257,261,266,271,275,287,327,329,
336-337, 385, 4 l3 , 117 ,124,426, 433,435 436,442 443, 445,461,47 l, ,185, 490, 503, s08, 5 1 0, 527, 532, 542, 550, 554, 555,
557, 560, 568, 574, 577, 583, .581-586, 590, 59 1 592, 599-600, 606, 6 10 61 l, 6 18-6 1 9 ,624,627 -630, 638,640, 658, 669 670.
HS, 9, 1 7, 29, 33, 35, 37, 40, 43-45,53, 57, 60, 68, 71, 80, 84, U6, 97, 109, 1 13, 1 15, 122, t28, 139, r13, 145, 147,152, 158,
165,168 169,173,176,182, r91-192,198,201,210,213,218.227,231-232,241-242,257,264,267,271,278.283,285,290,
293,295,298,310-313,343,345-346,355,357 362,364-366,370,375,410,112,421,426,431,439,410,444,446,450-451,
458 459. HSl, 12 13,15-21.,26-27,33,35,42,44,45,57-58,60 62,64 6t',78,80 81,83,87,88 89,92-94,96-98, 104, 107-
144,163-164,168,17s,177-20t,204-211. HS2, t0-12,17,27,29-30,60,78 79,82,83,85,88,91, 93-97,99,106, 120, 141,
333, 341, 343-3,15, 347-3,18, 351, 360 361, 363. MMPE, 23, 26, 55. MMPS, 23, 26, 55, 80. NC, IX'XI, 2, 29, 48-49, 58, 60,
63 67,70,77, 85, 88, 97,109,126,146, 170, 173,186., OD, 7,9,12,18,20,22-23,34-36, 40, 48, 57,71-72. PP, 3-8, 10, 12,
I 4,- I 8, 2 l, 23 25,27 30,32 34,36, 4t-44,47 -50,52-61,65,73,75-84,86,92 93, 95- I 04, 107, tt2 t 14, \\6 \17, 123,126-
l27,l3t-138,143-153,155,160,165,168,170-t76,179-t89,191,194,196,198-201,208,212 21.7,219220,230,233-235,
23t--239,246,249-2s3,255257,261265,269-271,276-277,279,281290,299,304-305,309310,313-318,322,329,332.
Rn,1_3,17,383e,4s,7s,ao,e7,99-1O0,124,129,139.t51,t52,154,172,174,208.Sp,26_29,3035,37,39_40,42,45,
sl s4,s7-64,66 68,70 72,75-76,80 8s,90-92,9497,99,101,103-108,111,113, lt9,I2r r22,130,132,134,131J_142,
145, 150-151,154 ts-5, 157-158, 162-164,172-174,176-177,179,181,185-211,215 228,233_234,238,240,242,245 246,
250,252,258-260,266,27 t, 27 4,27 6, 278,283,285 286, 288,290, 295_296,302-303,306_3t5.
Yer'. Poder.
Pouvoir,pastoral[48]:D83,5a8-549,561562,566,587,719,804.DE4,40,137,139,141,144,148 149,161,229-
231, 409. 545, 629. HS, 44, 60. HS2, 17.
&
452,455-456,465,469,496,502 503, 522,526,531-532, 593, 596,598,600,604 605,609, 65',1,687,689-690,701, 716,
718,724,729-730,714,746-748,761,775,79s,810. DE3, 7,17,34,36, 68, 69, 93,94,120,149, 151, 182,2\1-213,215,
220-221.243,246,2,{8,250,325,333,339,341 342,361,366,389,394,397,406407,415-417,496,632,641,657-659,666,
668,679,683,687,696-697,70]l,712.71.4715,721-722,730-731,711-712,747'748,757,760.770,778,795-796,816 817,
825. DE4, 78, 86, 130, 150, 1 53-159, 161,203.230,270-273,275,3r8,336-337,352,640,667,744,762,781.816, 820-826.
IJF.16.72-73,8991,103,107-108,ll1,\21,123124,128,131,136,139,141,150,152,170,\76,181,447,496-'198,503,
527 -528,518,554-5s6, 620, 667-669, 68 1 -683, 687. HS l, 26, 35-36, 39, I 85. IDS, 29,72, 162, 167, 223. MMPE, 8 l. NC,
25-26,30,45,78-79,206,208. oD,37. SP,53,63,81'82,88,90,99, 117, 119, 12t-r22,\21'125,130,144, 145,214-217,
262 264, 272, 283 288, 291, 313.
O probiema maior que a Modernidade colocou para as tecnologias do governo foi a acumu-
lação de indivíduos. Foucault dedicou o curso no Collêge de France dos anos 1977 -197 8 ao tema
segurança-território-população. 'Através da análise específica dos dispositivos de segurança,
tratei de ver como aparecem os problemas específicos da população e, observando de perto
estes problemas, fui rapidamente levado ao problema do governo" (DE3, 635). A expansão
demográfica na Europa, no século XVIII, levou a uma ampla produção teórica no gênero "artes
de governar'l Foucault interpreta essa situação em termos de "desbloqueio epistemológico"
(DE3, 650). O surgimento da população, como uma realidade especíÍica, por um lado, deslocou
o modelo familiar como referência das técnicas de governo, e, por outro, levou a uma nova
definição do conceito de economia ou, simplesmente, levou à ideia de economia política (ver:
Governo).Até esse momento, as técnicas da estatística tinham funcionado dentro do marco
da soberania, ou seja, como instrumento da administração estatal. Pois bem, essa estatística
administrativa mostra que os fenômenos da população têm a própria regularidade, irredutível
ao modelo familiar. Mostram além do mais que o comportamento da regularidade
própria da
população tem também efeitos econômicos especíÍicos. A partir desse momento, inverte-se
a relação, desde o ponto de vista do governo, entre a família e a populaçáo: a
família aparece
como um elemento dentro do fenômeno global da população. A população se converterá, então,
no objetivo último do governo: "Melhorar as condiçoes da populaçâo, aumentar suas riquezas,
sua duração de vida, sua saúde; e o instrumento que o goYerno se dará para obter estes fins
que
sobre a qual atua diretamente mediante campanhas ou, indiretamente mediante as técnicas
que permitirão, por exemplo, estimular, sem que as pessoas se deem conta disso, a taxa de
natalidade ou dirigindo para uma região ou outra, ou para uma determinada atividade, o fluxo
da população. A população aparece, pois, mais que como a potência do soberano, como o fim e
POPUTAçÂO,Poputation, 335
o outro grande núcleo tecnológico em torno ao qual os procedimentos políticos do ocidente
se transformaram' (DE4, 193). As disciplinas foram as técnicas políticas do corpo individu-
al; a biopolítica, a técnica do governo das populaçõe s. Yer: Biopolítica. * Para Foucault esse
conceito de populaçáo que surge a partir do século XVIII comporta dois elementos: por um
lado, a relação número de habitantes/território; por outro, as relações de coexistência que se
estabelecem entre os indivíduos que habitam um mesmo território (taxas de crescimento, de
mortalidade) existência (DE3, 730). * Acerca da relação entre a questão
e suas condições de
da população e o desenvolvimento da medicina, ver: Medicalização.
Population [624]: !tN, 41, 43-44, 65, 132, 189,206,255,27 l,279-280,293,30 L AS, I 7, 32,38, 69,87, 106,213-214.
DEl, 135, 140,203,294,690,701,705,7 t9,723,753,836-837,842. DE2, 100, t03, ),29, t34,160, t7 4, t7 6,182, 188- 189, 20 1,
204,27 1-278,297,300, 303, 306, 3 18, 323,325-326,330,334-335,339,349,353, 383-385, 410, 431,437 -438,460,464,469,490,
494,495, 499,509,524,529,531-532,534,582,585,595,602,604,609,612,655,663,718,722,743-744,748,762,779. DE3,
14- 16, 18, 2t-27,32, 48-49,62,66-69,89,93,96, 152-153, 192, 194,202,209-210,212,2t4,2t6-217 ,220-221,224-227,286,
288,292,299,327,330,38s-387,392-394,403,417,494,5t1,521,s32, s77,631,635,643,64s-646,650-657,663,684,696,701,
705-706,715,719,72t-723,727 -728,730-731,,734-740,7 46-7 47,749,761,7 68-770,772,792,796-800, 818-819, 824.DE4,21,
56, 60, 96, 143, t49,154,159- 161, 193- 195, 197,226,231,261,265,267,27 4,339,342,369,371,382,384,456,5tt,576,647,
654,699,815,826-827.}IF,7t,79,83,92,102,112, I 14, 139, 148, 151, 1,61-162,176,447,448,477-480,500,503-504, 509-512,
s14, 527, 581, 585, 622,687.}{5,1 10. HSr, 3s-37, 64,136,167,180, 183-185, 193.}152,238,277. HS3, 92, 96, 198. IDS, s5,
94, 107- 108, 134-135, ).42,161,178,213,216-220,222-228,230-23),,234.ÀIC,198-201,269-272,289. NC, 37, 65-66, 98. PP,
72, ).77,190,226,228. SP, 64, 66, 80, 85-87,90,192,200,213-214,220,239,267,270,279,283,286-287.
Foucault utiliza o termo "positividade" para referir-se à análise discursiva dos saberes
desde um ponto de vista arqueológico. Determinar a positividade de um saber não consiste
em referir os discursos à totalidade da signiflcação nem à interioridade de um sujeito, mas à
dispersão e à exterioridade. Tampouco consiste em determinar uma origem ou uma finalidade,
mas as formas específicas de acumulação discursiva. A positividade de um saber é o regime
discursivo ao qual pertencem as condições de exercício da função enunciativa (AS, 163-167).
'Assim, a positividade desempenha o papel do que se poderia chamar um a priori histórico"
(AS, 167). Ver: A priori histórico, Enunciado, Formaçao discursiva.
Positivité [205]: AS,148,164-167,169,172,177,201-202,U.0,212,219 221,223 224,230,232,234-236,240,242-
246,249,251,253 254. DEr, 136, 144,147 149,151, 153-154, 157-158, 161, 165, 200, 239 340,486,520-521,523.526,
537 ,539,6 1 5, 688, 692-693 ,7).9-723,725,783. DE2,34,38, 89, 282, 750. DE3, 44, 432, 479,638. D84,543,767 . HF,80,
ll2,158,202,208,239-240,243,310,319-320,327,466,538,552, 574,627. HSr, 16, 113. HS2, 15. MC, 13_14,37,89,
1.77,230,232,237,251,257,264,268-269,292,294,307,310,324-328,332,344,346,348,351,357,360-361,364_367,
376-378,383-386,389,391-393. NC, VXI.36, 125. RR, 160.
espaço, que definiram para uma época dada e para uma área social, econômica, geográfica ou
linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa" (AS, 153-154). Os disposi-
tivos, por sua vez, integram as práticas discursivas e as práticas não discursivas. O dispositivo
como objeto de análise aparece, precisamente, ante a necessidade de incluir as práticas não
discursivas (as relações de poder) entre as condições de possibilidade da formação dos saberes.
"Em lugar de ocupar-se de uma história econômica, social, política, envolvendo uma história
do pensamento (que seria como a expressão e como seu doblete), em lugar de ocupar-se de
uma história das ideias que faria referência (seja por um jogo de signos e expressões, seja pelas
relações de causalidade) às condições extrínsecas, haveria que ocupar-se de uma história das
práticas discursivas nas relações específicas que as articulam com outras práticas'(DEl,686).
O domínio das práticas se estende então da ordem do saber à ordem do poder. Finalmente
Foucault incluirá também o estudo das relaçoes consigo mesmo. Por isso, pode-se afirmar que
de fato, ainda que nem sempre o determinando conceitualmente, Foucault utiliza o conceito
de prática desde as suas primeiras obras. Assim, por exemplo, em Histoire de la folie, analisa
a clausura ou o asilo em termos de prática; I'laissance de la clinique é o estudo histórico da
e
*
prâticamédico-clínic a; Surveiller et punir analisa as práticas punitivas. Pois bem, apesar da
importância que esse conceito tem em suas obras, não encontramos nelas nenhuma exposição
detalhada do conceito de prática; é necessário reconstruí-lo com base em outras indicações.
* Para isso, o primeiro texto a levar em consideração é "Qu'est-ce que les Lumiêres?" (DE4,
562-578). Nesse texto, Foucault coloca a necessidade de considerar a Modernidade como um
éthos (ver: Ethos),isto é, como uma atitude. Tal atitude deve traduzir-se, segundo Foucault, em
práticas
uma série de investigações ao mesmo tempo arqueológicas e genealógicas acerca das
que nos constituem historicamente. Foucault atribui a essas investigações três características
prática. 1) Homogeneidade'
[u., .- definitivo, delimitam e definem o que ele entende por
Essas investigações não se ocupam das representações que os homens têm de si mesmos ou
das condiçoes que os determinam, mas, antes, de'b que fazem e a maneira em que o fazem';
mais precisamente ainda, de "as formas de racionalidade que organizam as maneiras de fa-
zer" (D84,576). Também poderíamos falar, em lugar de racionalidade, de regularidade. Em
À
r31, 145, 151-r52, 154, 158-1s9, 161, 165, 167 168, 171-174, t77.1.79 180,183-185, 192,208,210'211,215,217-2t8,220,
223 228,244, 245,258,261-263,277 ,280, 282-283, 285, 29 1, 3 I 7, 330 33 1, 333, 344, 348, 35 1, 354, 358, 363, 375, 386-387,
161,r75,214,2ru.MC,7,12,99,179,185,187,208,216,218-219.281.,308,356,387,389.MMPE,4,15,16,79-81,110 111.
MMPS,4.15-r6,105.NC,IX,2-5,1416,30,33,35,44,46-48,5051,54-55,57-58,62,68-71,75,78 79,81'82,84,90,92-93,
98, 105, 111, 113, 115, 127, 167, 184, 188,205,208,210 212. OD,35,55,62 63,66,71.PP.8'10, 12, 1',1-15, l7 18,21,27-30,
3233,35-36,52,54,66,68-69,71,75,88,100,102,105107,113,117,t23,125,127-128,131 134,137,148,156'158,164,168,
t7o-172,t75,177-178, 183, 189-190, 196 198, 199,205,209, 212-».4,21.7 218,221,225,233-236,238-239,241-242,244 245,
248-250, 255, 257.259,26r,265,267,269,272,278 280,285-287,289,29,297-299,307,314,319' 329. RR,203. SP,20, 22,
2425,27-28,36,43-46,53,55,59-60,65,71,76,79,84,91,99-102,104,121,128,159,161 162,165'r70,r79'185,200,210,
216, 251-2s6, 263, 282, 285, 290, 302.
do da medida na Grécia clássica. Como veremos, o interesse de Foucault pelo tema da prisão
se articula em torno da mesma questão, isto é, do funcionamento das formas de saber-poder.
A prisão foi o modelo institucional da sociedade de exame, e seu funcionamento, o da socie-
*
dade disciplinar. Pois bem, para situar o nascimento da prisão, Foucault parte da análise das
formas clássicas do castigo. Neste sentido, distingue quatro táticas punitivas e quatro formas
sociais correspondentes: 1) o exílio (expulsar para além das fronteiras, confiscação de bens),
2) a compensação (converter o delito em uma obrigação Íinanceira), 3) a exposiçáo (a marca,
o signo visível sobre o sujeito castigado) e 4) a clausura. Ainda que se possam encontrar todas
essasformas nas diferentes épocas e sociedades (de fato, as encontramos na Época clássica),
segundo a técnica punitiva que privilegiou, pode-se distinguir, respectivamente, quatro tipos
&
vantagem que creem obter. Se se vincula à ideia de crime uma desvantagem maior, ele deixa-
ria de ser desejável. Basta, então, uma quase equivalência para evitar o crime. 2) A regra da
ideaiidade suficiente: o que deve ser aumentado não é a realidade corporal da pena, mas a sua
representação. 3) A regra dos efeitos laterais: a pena deve surtir efeito naqueles que não co-
meteram crimes. 4) A regra da certezaperfeita: à ideia de cada crime e de suas vantagens, há
que vincular a ideia de seus inconvenientes precisos. 5) A regra da verdade comum: despojar
o aparato judicial de seus procedimentos inquisitoriais e abri-los àrazâo comum, a todas as
verdades, basta que sejam evidentes e sensíveis ao senso comum. 6) A regra da especiÍicação
ótima: é necessário classificar todas as infrações, reuni-las e classificá-las (SP, 96-101). "Sob
a humanizaçáo das penas, se encontram todas estas regras que autorizam, melhor, que exigem
a'moderação fdouceur),como economia calculada do poder de castigar. Mas elas reclamam
também um deslocamento no ponto de aplicação deste poder: que não seja mais o corpo, com
o jogo ritual dos sofrimentos excessivos, das marcas resplandecentes no ritual dos suplícios;
que seja o espírito ou, antes, um jogo de representações e de signos que circulam com discri-
ção, mas com necessidade e evidência no espírito de todos"
(SP, 103). O nascimento da
prisão. Segundo Foucault, a forma-prisão, como mecanismo essencial do panoptismo mo-
derno, preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais; ela foi elaborada no processo
geral de disciplinarização da sociedade no final do século XVIII (ver: Panóptico). Ela, em
poucas palavras, se formou com a sociedade moderna. Na passagem do século XVIII para o
século XIX, a forma-prisáo colonizou finalmente o aparato judicial, até converter-se na base
do edifício penal. Trata-se do momento em que a nova legislação define o poder de castigar
como um poder geral da sociedade e que se exerce sobre todos os seus membros (uma justiça
igual para todos e um aparato judicial autônomo) (5P,233-234). A partir de entã0, apesar dos
inconvenientes, a prisão se impôs com uma evidência tal que não se sabe pelo que ela poderia
ser substituída. Para Foucault, essa evidência se apoia sobre as suas duas funções. Em primei-
ro lugar, a privação da liberdade. Com efeito, em uma sociedade em que a liberdade é um bem
que pertence a todos, a privação da liberdade se apresenta como a mais igualitária das penas.
Além de medir o tempo de privação da liberdade, a prisão traduz em termos econômicos a
ideia de que a infração feriu a sociedade. A segunda função é a transformação dos indivíduos.
A prisão é como "um quartel mais restrito, uma escola sem indulgência, uma fábrica sombria;
mas, no limite, nada de qualitativamente diferente" (SP, 235). Desde seu início, no entanto,
ela foi objeto de teorias e de reformas. "Não há que se ver a prisào como uma instituição
inerte que os movimentos de reforma teriam sacudido a intervalos. A'teoria da prisão foi seu
modo de emprego constante, mais do que sua crítica incidental, uma de suas condições de
*
funcionamento" (SP, 237 -238). As prisões, segundo a expressão de Baltard que Foucault cita
(SP, 238), devem ser instituições completas e austeras, um reformatório integral onde é reco-
dificada toda a existência do indivíduo; muito mais, então, que a simples privação da liberda-
de e do que os mecanismos de representação dos reformadores (SP, 239). Foucault aponta
três princípios fundamentais da organização das prisões nos quais aparece esse excesso com
respeito à simples privação da liberdade. 1) O isolamerzfo. Isolamento com respeito ao mun-
do exterior e isolamento também entre os detentos. "O isolamento assegura o'cara a cara'
do detento com o poder que se exerce sobre ele" (SP, 240). Uma individualizaçao coerciti-
va mediante a interrupção de toda relação que não pode ser controlada pelo poder que vigia.
PRlsÃo (Prlson) 34 l
2) O trabalho. Não se trata, no entanto, do trabalho concebido como exemplo e reparação
social, como o entendiam os reformadores; mas dos efeitos que produz na mecânica humana:
uma máquina 'que transforma o detento violento, sem reflexão, em uma peça que desempenha
sua função com perfeita regularidade" (SP, 245). O trabalho deve assegurar a sujeição ao
'tJm
aparato de produção. 3) instrumento de modulaçao das penas. A prisão permite "mo-
dular a pena segundo as circunstâncias e dar ao castigo a forma mais ou menos explícita de
um salário" (SP, 247). Desta maneira, a duração da pena se ajusta à transÍbrmação útil do
detento. Esse "excesso" da prisão com respeito à privação da liberdade tem sua raiz "no fato
precisamente que se exige da prisão o ser'útill no fato de que a privação da liberdade (esta
apropriação jurídica de um bem ideal), desde o início, deveu exercer uma função técnica
positiva, realizar a transformação dos indivíduos. E, para esta operação, o aparato carcerário
recorreu a três grandes esquemas: o esquema político-moral do isolamento individual e da
hierarquia; o modelo econômico da força aplicada a um trabalho obrigatório; o modelo téc-
nico-médico da cura e da normalização. A cela, a fábrica, o hospital. A margem pela qual a
prisão excede a detenção está satisfeita, de fato, por técnicas de tipo disciplinar. E, este suple-
mento disciplinar, com respeito ao jurídico, é o que, em suma, se chama o 'penitenciário"' (SP,
25 1). * Este "excesso" não se instalou sem diÍrculdades, mas acabou por se impor. A razão, para
Foucault, há que buscá-la no fato de que através do penitenciário a justiça criminal entrou no
campo das reiações de saber. A prisão é, de fato, um lugar de observação dos indivíduos, um
sistema de documentação individualizanÍe e permanente. "Mas isso implica que o aparato
penitenciário, com todo o aparato tecnológico do qual se acompanha, leva a cabo uma curio-
sa substituição: das mãos da justiça, recebe um condenado; mas aquilo sobre o qual deve
aplicar-se não é, certamente, a infração nem tampouco exatamente o infrator, mas um objeto
diferente e definido por variáveis que, ao menos no início, não eram levadas em conta nâ
sentença, porque elas só eram pertinentes para uma tecnologia corretiva. Este outro persona-
gem, que o aparato penitenciário substitui ao infrator condenado é o delincluenfe" (SP, 255).
Enquanto o infrator se caracteriza por seus atos, o delinquente se caracteriza pela sua vida. *
Foucault considera o ano de 1840, mais exatamente, o 22 dejaneiro, como a data em que
culmina a formação do sistema carcerário. Trata-se do dia da inauguração oficiai da colônia
de Mettray: 'A forma disciplinar mais intensa, o modelo onde se concentram todas as tecno-
logias coercitivas do comportamento" (SP, 300). "É a emergência ou, melhor, a especificação
institucional e como que o batismo de um novo tipo de controle (ao mesmo tempo, conheci-
mento e poder) sobre os indivíduos que resistem à normalização discipiinar" (SP, 303).
Momento contemporâneo do nascimento da psicologia científica (Weber). Em suma, trata-se
do período de normalização do poder de normalizaçáo. Período em que o universo carcerário
se une a todos os mecanismos disciplinares que funcionam, de maneira disseminada, na so-
ciedade. "[..] o arquipélago carcerário transporta esta técnica da instituição penal para todo
o corpo social" (SP, 305). Essa transposição teve vários efeitos maiores: 1) O estabelecimento
de uma graduação lenta, contínua e imperceptível que permite passar da desordem da infra-
ção, como transgressão da lei, à distância com reiação a uma regra, de uma media, à exigência
da norma (SP, 306). 2) O carcerário permite recrutar os grandes delinquentes. "Não é nas
margens e por um efeito de exíiio sucessivo que nasce a criminalidade, mas graças à inserção
cada vez mais estreita, sob vigilâncias cada vez mais insistentes, pela acumulação das coerções
273).Masa resposta a essas críticas foi propor novamente a prisão. "Não é necessário, então,
conceber a prisão, seu 'fracasso' e sua reforma, mais ou menos bem aplicada, Como três tem-
pos sucessivos. É necessário, antes, pensar em um sistema simultâneo que historicamente se
superpôs à privação jurídica da liberdade; um sistema com quatro termos que compreende:
o 'suplemento' disciplinar da prisão (elemento de superpoder), a produção de uma objetivi-
dade, de uma técnica, de uma racionalidade'penitenciária" (sP,275-276). A prisão não
corrige; antes, constitui uma população marginalizada que serve para controlar as irregulari-
dades e as ilegalidades que não possam ser toleradas: conduzindo as ilegalidades à infração
da lei, integrando os delinquentes ao sistema geral de vigilância, canalizando os delinquentes
para as regioes da população que requerem maior vigilância (DE2, 269-270; sP, 282-283).
"Se, então, retomamos a questão do início: por que esta estranha instituição da prisão, por que
por uma penalidade cuja disfunção foi logo denunciada? Talvez seja necessário
esta escolha
buscar uma resposta deste lado: a prisão tem a vantagem de produzir delinquência, instru-
mento de controle e de pressão sobre a ilegalidade, peça não desprezível no exercício do poder
Yer: Pedagogia.
Os primeiros trabalhos de Foucault estão dominados por uma marcada presença e preo-
cupação por temas psicológicos: Maladie mentale et personnalité, Maladie mentale et
psychologie, evidentemente, e tarlrbém dois artigos de 1957, posteriores à primeira obrir: "La
psychologie de 1850 à 1950" (DEl, 120-137) e"La recherche scientifique et la psychologie"
(DEl, 137-158). Em todos esses textos, a psicologia é apresentada em termos problemáticos.
Neste sentido, as considerações de Foucault podem inscrever-se no amplo debate da época
sobre a metodologia das ciências humanas. Assim, Maladie mefitale et personnalité começa
com a oposição entre uma patologia orgânica e outra mental, com a existência de uma meta-
patologia que domina ambas e cujas dificuldades só podem ser superadas a partir de uma
reflexão sobre o concreto (a esse respeito.ver Loucura). Em "La psychologie de 1850 a 1950'l
Foucault aborda as dificuldades metodológicas da psicologia desde a sua herança filosófica. A
psicologia do século XIX herdou do Ilurninismo duas exigências: alinhar-se com as ciências
da natureza e encontrar no homem a prolongação das leis que regem os fenômenos naturais
ou, para expressá-lo de outro modo, trata-se das exigências de que o caminho do conhecimen-
to científico passe pela determinação de relações quantitativas, tbrmulação de hipóteses, ve-
rificação experimental, e que o ser do homem se esgote em seu ser natural (DE1, 120). Se-
gundo Foucault, a história da psicologia, até meados do século XX, é a história paradoxal das
contradições entre o projeto de ser uma ciência como as ciências naturais e o postulado se-
gundo o qual o ser do homem é apenas um ser natural. Com efeito, como consequência da
exigência científica de objetividade, a psicologia foi levada a abandonar a ideia de que o homem
seja apenas um setor de objetividade natural. Por isso, teve que reformular seus métodos e seu
projeto como ciência. "O problema da psicologia contemporânea - e que, para ela, é um pro-
blema de vida ou morte - é saber em que medida ela chegará efetivamente a dominar as
contradições que a fizeram nascer [...]" (DEI,122). Nessa breve história da psicologia que é
"La psychologie de 1850 a 1950'l a conclusão de Foucault é a mesma que em Maladie men-
tale et personnalité e a primeira parte de Maladie mentale et psychologie: nem o esforço de
construir uma psicologia que se apoie na causalidacle estatística (ou behaviorismo) nem o
esforço de uma reflexão antropológica sobre a existência podem liberar a psicologia de suas
humanas; deste rnodo, se pode dizer que, a partir de Freud, todas as ciências humanas se
*
converteram, de uma maneira ou outra, em ciência da psyche" (DE1, 441). "O que dissemos
[Foncault se refere ao capítulo Y de Nlaladie mentale et psychologie] não vale como uma
críttca q priori de toda tentativa de delimitar os tenômenos da loucura ou de definir uma
tática de cura. Tratava-se apenas de mostrar rrma relação entre a psicologia e a loucura e um
desequilíbrio tão fundamental que tornariam vão todo esforço para tratar a loucura como
totalidade, [para tratar] sua essência e sua natureza em termos de psicologia. A noção mesma
de 'doença mentai' é a expressão deste esforço condenado desde o início. O que se chama
doença mental'é apenas aloucura alienada, alienada nesta psicologia que eia mesma tornou
possível" (MMPS, 90). Por isso, posteriormente a esses textos (tal afirmação concerne somen-
te à primeira parte de Maladie mentale et psychologie, qlue retoma o texto da primeira
parte de Maladie mentale et persorutaliÍl), Foucault reorientou a problemática metodológi-
ca c1a psicologia em duas direções. Por um lado, em Les mots et les choses, as anfibologias
r-netodológicas da psicologia provêm cle sua situação epistêmica, mais precisamente, do fato
de que a psicologia é uma projeção da biologia para a analítica da Íinitude, isto é, da posição
do "homem' na episteme moderna (sujeito e, ao mesmo tempo, objeto do saber). Disso nos
ocupamos no verbete: Homem. "Porque o portal de nossa Modernidade não se situa no mo-
mento em que se quls aplicar ao estudo do homem os métodos objetivos, mas sim no dia em
que se constitui um duplo empírico-transcendental que se chamou homeni' (MC, 329-330).
Por outro lado, as dificuldades rnetodológicas da psicologia ou, mais precisamente, seu esta-
tuto científico é analisado por Foucault desde um ponto de vista histórico-político, isto é, a
partir das relações entre o saber e o poder, entre práticas discursivas e práticas não discursivas.
Nesta linha, situam-se a Histoire de la folie, Surveiller et punir, La volonté de savoir e Les
anorynaux. Em termos gerais, Foucault se ocupa do papel da psicologia na formação e no
funcionamento das formas modernas do poder. Enquanto em les mots et les càoses Foucault
analisa as condiçóes de possibilidade da psicologia cono prática disculsiva, nos outros textos
mencionados, as práticas em geral, discursivas e não discursivas, aparecem como condições
de possibilidacle do conhecimento psicológico. Como expusemos no verbete Poder, Foucault
enfoca sua análise no entrelaçamento mútuo entre formas de saber e formas de poder. Assim,
em Histoire de la folie,leva a cabo uma arqueologia da psicologia a partir da experiência da
loucura, em que aparece como a composição de um discurso liberador e uma prática de su-
jeiçâo (ver: Loucura). "Na reconstituição desta experiência da loucura, uma história das
condiçoes de possibilidade da psicologia foi escrita como que por si mesma'(DEl, 166). Em
Surveiller et punir,apsicoloeia Íbi possívela partir da formaçâo da disciplina moderna e, por
sua vez, o conhecimento psicológico tornou possível as disciplinas (ver: Disciplina). Em Les
do trabalho iniciado em Histoire de lafolie; como um "segundo volume" (PP, 14). Histoire
de lafolie tinha chegado até Pinel e o nascimento do asilo; Le Pouvoir Psychiatrique, come-
ça com Pinel e o asilo estende a análise ao longo de todo o século XIX até Charcot. Mas, como
observa o próprio Foucault (PP, 14-18), apesar da continuidade entre o "primeiro" e o "se-
gundo" volumes, há três grandes diferenças: a) Representaçao/Dispositivo de poder. Histoire
de la folie era uma análise de representações; concedia-se um privilégio à percepção da lou-
cura. Nesse sentido, Histoire de la folie forma parte do gênero "história das mentalidades'i
Le Pouvoir psychiatrique, no entanto, coloca como ponto de partida da análise os dispositi-
vos de poder, mais precisamente, trata-se de estudar os dispositivos de poder como produto-
res de enunciados, de analisar as relações entre dispositivo de poder e jogos de verdade. b)
Violência, instituiçao, família. Foucarlt não se propõe a abandonar, mas sim a deslocar, as
noções de violência, instituição e família. Violência. Essa noção parece sugerir que haveria
um poder "bom" na medida em que atuasse sem yiolência e, sobretudo, se fosse um poder não
físico. No entanto, para Foucault, o corpo é essencial ao poder. "Todo poder é físico e há uma
conexão direta entre o corpo e o poder políticd'(PP, l5). Além disso, a noção de vioiência
também sugere que o uso de uma força desequilibrad a nâo faz parte do jogo racional e calcu-
lado de poder. No entanto, um poder físico, uma força é sempre irregular e, ao mesmo tempo,
faz parte de um cálculo . Instituiçao. Tal noção, aos olhos de Foucault, apresenta duas dificul-
dades. Por um lado, no funcionamento do poder são mais importantes as diferenças poten-
ciais (redes, correntes, relé, pontos de apoio) do que os reguiamentos institucionais. Por outro
lado, partir das instituições implica supor a existência dos indivíduos e da coletividade, mas
eles, de fato, são efeitos das táticas de poder das quais fazem parte as instituições . c) Família.
No caso da noçáo de família, não apenas assistimos a um deslocamento, mas também a uma
correção. Com efeito, em Histoire de la folie, Foucault sustentava que a família havia sido o
modelo da instituição asilar. Agora, no entanto, Foucault retifica essa afirmação. A conexão
entre psiquiatria e família é mais tardia, data do final do século XIX, e não do XVIII. 2) Asilo
e disciplina. As cenas de cura. Foucault centra grande parte de suas análises no que ele
denomina cenas de cura. Elas desempenharam papel fundamental durante os primeiros
vinte e cinco ou trinta anos do século XIX, período fundamental da psiquiatria (pp, 30-32)
"Por cena não há que se entender um episódio teatral, mas um ritual, uma estratégia, uma
r oautorfazreferênciaàsobraspublicadasaté2004,anodaediçãocleE/4ocaóulcíriodeMichel
Foucault.(N.T.).
servir para impor aos "loucos" a autoridade anônima do regulamento e da vontade particular
do médico. Foucault insiste, sobretudo, nesse aspecto tático de ordem e de força que constitui
essencialmente o asilo. O louco, antes de ser um problema de conhecimento e de cura, coloca
"se crê acima
o problema de uma vitória. É necessário, efetivamente, dominar a força do que
dos demais'] Nesse sentido há que ressaltar que a "força" e não o "erro" (como ocorria nos
séculos precedentes da época clássica) é o critério pelo qual se percebe a loucura. Agora náo
se trata de reconhecer o erro, mas de situar o ponto onde a força da loucura emerge: a caÍac-
terística da força dos "furiosos'] a força dos instintos e das paixões, a mania concebida como uma
luta entre ideias, o melancólico dominado pela força de uma ideia particular, etc. Quanto ao
uma estreita aproximação entre família e asilo. Começa-se a formular a ideia segundo a qual
o louco é uma criança e deve ser situado em um meio análogo ao da família. Nessa mesma
de uma vez por todas, a verdade em função de um saber já constituído, bem, eu, por minha
vez, vou colocar em mim mesma a questão da mentira. E, por conseguinte, quando manipu-
lares meus sintomas, quando lidares com o que tu chamas de doença, cairás na armadilha,
porque haverá em meio aos meus sintomas este pequeno núcleo de obscuridade, de mentira,
pelo qual eu te colocarei a questão da verdade" (135). . Como veremos em seguida, nesse
enfrentamento entre verdade e mentira, saber e simulação, entre psiquiatria e loucura, a
é neste sentido que há uma tautologia - de que tudo isso (a dissimetria do poder, o uso impe-
rativo da linguagem, etc.) não é simplesmente um suplemento de poder acrescentado à reali-
dade, é a forma real da própria realidade. Estar adaptado ao real, [...] querer sair do estado de
loucura é, precisamente, aceitar um poder que se reconhece como imbatível e renunciar à
onipotência da loucura. Deixar de estar louco é aceitar ser obediente. É poder ganhar a vida,
3 60 PStQUtATRtA (Psychiarrie)
doente não pense nela, que se afaste dela mediante as atividades previstas no asilo (trabalho,
passeio, leituras, etc.). Em segundo lugar, a prática da anatomia patológica permitiu rechaçar
a existência de uma crise a propósito da loucura. A verdade da loucura, com efeito, não está
no que os loucos dizem ou fazem, mas nos nervos e nos seus cérebros. Em terceiro lugar, pela
relação estabelecida entre loucura e crime, especialmente mediante a noção de monomania.
A partir dessa noção, todo louco é um criminoso em potencial. Desse modo, o psiquiatra
fundava sua prática na defesa da sociedade, e não na verdade. No entanto, no campo da psi-
quiatria e do asilo, contemporaneamente a essa exclusão da noção de crise, encontramos com
um processo de reaparecimento ou de transformação da noção de crise. "Não mais esta crise
de verdade que jogava entre as forças da doença e as forças da natureza, e caracteriza a crise
médica, tal como funcionou no século XVIII, mas uma crise de realidade que se joga entre o
louco e o poder que o interna, o poder-saber do médico" (PP, 251). Desse modo, o poder
psiquiátirco será levado a colocar-se a questão da verdade da loucura. Foucault aponta duas
razões para essa transformação. Por um lado, nem o regime disciplinar nem a anatomia pa-
tológica haviam permitido à psiquiatria fundamentar sua prática na verdade. Por outro lado,
porque o saber psiquiátrico náo intervém essencialmente para especiflcar ou classificar a
doença, mas sim para decidir se a enfermidade existe ou não, se o indivíduo está ou não lou-
co. "Pois bem, para decidir em termos de realidade, para funcionar neste nível, de quais ins-
trumentos o psiquiatra dispõe? Precisamente neste ponto encontra-se o paradoxo do saber
psiquiátrico no século XIX. Por um lado, ele tratou de constituir-se segundo o modelo da
medicina-constatação, da investigação, da demonstração, buscou constituir um saber de tipo
sintomatológico, construiu uma descrição das diferentes enfermidades, etc. Porém, na verda-
de, isto era somente a cobertura e a justificativa de uma atividade que se situava em outro
lugar; e esta atividade era, precisamente, a decisão: realidade ou mentira, realidade ou simu-
iação. E o ponto de partida da simulaçã0, no ponto da ficção, e não no ponto da caracterizaçao,
onde se situa realmente sua atividade" (PP,251). Encontramos, pois, um duplo funcionamen-
to do poder psiquiátrico: rechaço e transformação da noção clássica de crise. Duas Íiguras
testemunham esse duplo movimento. Por um lado, o demente que responde exatamente ao
funcionamento da instituição asilar. Efetivamente, o demente é aquele em quem foram caladas
todas as especificidades dos sintomas; não há mais manifestaçã0, nem exteriorização, nem
crise. "O demente, com efeito, é aquele que foi fabricado pelo duplo jogo deste poder [o poder
psiquiátricol e desta disciplina' (PP, 253). Por outro lado, o histérico. "Um histérico é aquele
que está tão seduzido pela existência de sintomas mais específicos, mais precisos, aqueles que
se apresentam precisamente nas enfermidades orgânicas, que os retoma por conta própria'
(PP, 253).- Esquematicamente, resumindo a análise de Foucault, pode-se dizer que a prova
(épreuve) de verdade que estava em jogo na noção clássica de crise se dissocia: por um lado,
na medicina geral, através da anatomia patológica, ela desaparecerá com a incorporação dos
procedimentos da verdade-demonstração; por outro, no campo da psiquiatria, ela se conver-
terá em uma prova não da verdade, mas da realidade (PP, 269). (Traduzimos o termo épreu-
ye por prova, mas é preciso assinalar que não se trata necessariamente de uma prova no
sentido da constatação empírica ou da demonstração dedutiva."Epreuve", com efeito, tem o
sentido de confrontação, de enfrentamento, de competição. A esse respeiÍover: Investigação.).
No caso da medicina geral, o médico devia elaborar um diagnóstico diferencial, isto é, distinguir
a loucura passa a ser concebida como uma doença que em sua evolução afeta toda a vida do
indivíduo. Além do mais, a experimentação do haxixe permitiu estabelecer um fundo único
a partir do qual a loucura se desenvolve e evolui, o que Moreau denominou "a modiÍicação
*
intelectual primordial'l ou a "a modificação primordial'l a excitação primitiva. Mas a expe-
rimentação com haxixe teve outra importante consequência. Como assinalamos, Moreau
experimentou a droga em si mesmo, pôde vincular a própria experiência à experiência do
louco, repeti-la na pessoa do psiquiatra. "E é assim que se acha fundada esta famosa e abso-
lutamente nova tomada de possessão da psiquiatria sobre a loucura e que tem a forma da
compreensão. A relação de interioridade que o psiquiatra estabelece por meio do haxixe the
permitirá dizer: isto loucura porque eu mesmo, como indivíduo normal, posso compreen-
éa
*
der o movimento pelo qual se produz este fenômeno' (PP, 283). Finalmente, a experimen-
tação com o haxixe também permitiu reconstituir esse fundo primordial que é o modelo da
louCUra no indivídUo normal: o sonho. "O sonho, como mecanismo que pode ser encontrado
que é
no indivíduo normal e que vai servir de princípio de inteligibilidade da loucura e o
trazido à luz mediante a experimentação com o haxixe" (PP, 283). O sonho, então, aparece
como a lei comum da vida normal e da vida patológica, 'b ponto a partir do qual a compre-
ensão do psiquiatra poderá impor sua lei" (PP, 284). Certamente essa não é a primeira vez
que se vincula a loucura ao sonho; mas é a primeira vez que a comparação entre o sonho e a
loucura se converte em princípio de análise. e) O magnetismo, a hipnose. Ainda que nas
primeiras décadas do século XIX a hipnose tenha sido aplicada nos asilos psiquiátricos, apesar
disso, a verdadeira inserção da hipnose na prática psiquiátrica tem lugar mais tardiamente,
entre 1858 e 1859, quando Paul Brocca introduz na França as experiências de |ames Braid,
autor de Neuro-hypnotogy, or the Rationale of Nervous Sleep Considered in relation with
Animal Magnetism. Illustrated by Numerous Cases of its Successful Application in the
Relief and Cure of Diseases (Londres). A diferença do que acontecia com as experiências
anteriores, com Braid a hipnose aparece como uma abertura através da qual o saber médico
poderá se apropriar do enfermo. O médico, com efeito, poderá dispor do comportamento e
da conduta do enfermo hipnotizado. Isso lhe permitirá, entre ouras coisas, anular os sintomas
da enfermidade, provocar determinados sintomas (contraturas, paralisias) ou modificar as
uma nova maneira para o psiquiatra, mais aperfeiçoada, mais avançada que o interrogatório,
de apoderar-se efetivamente do corpo do enfermo; ou melhor, é a primeira vez que o corpo
do enfermo, em seus detalhes e de certo modo funcional, se encontrará finalmente ao alcance
do psiquiatra. O psiquiatra poderá, finalmente, pegar este corpo que se lhe escapava, uma vez
que a anatomia patológica não havia dado conta do funcionamento e dos mecanismos da
loucura' (PP, 289). f) O surgimento do corpo neurológico. Estes três elementos, "prova de
realidade" (o interrogatório, o uso de drogas e a hipnose), adquirirão uma nova dimensão e
maior importância com a descoberta, no âmbito da medicina orgânica, do corpo neurológico
*
com as experiências de Guillaume Duchenne de Boulogne ao redor dos anos 1850-1860.
Ainda que não se possa opor o corpo neurológico ao corpo da anatomia patológica, os proce-
dimentos para ajustar alocalizaçáo anatômica e a observação clínica não são os mesmos.
Enquanto a anatomia patológica buscava a descrição detalhada dos órgãos profundos que
havia sido lesado, a neurologia, por sua vez, procede por uma observação de superfície. Nessa
mudança, modifica-se também o valor dos signos analisados. A anatomia patológica, com
efeito, estimulava o paciente (por exemplo, se percute o abdômen) para obter um determina-
do efeito (o som produzidos por essa manobra); esse efeito é o signo que se deve decifrar, que
deveindicar as lesões profundas. No entanto, na neuropatologia, o signo que se busca estudar
não é simplesmente um efeito, mas, mais precisamente, uma resposta determinada (por
exemplo, a resposta de um músculo à estimulaçáo superficial da pele umedecida). Yalendo-se
das respostas aos diferentes estímulos, podem-se estudar as diferenças funcionais entre os
distintos tipos de comportamento: reflexo, automático, voluntário espontâneo, voluntário
ordenado a partir do exterior. "Toda essa hierarquia no funcionamento corporal do voluntário
e do involuntário, do automático e do espontâneo, do que é requerido mediante uma ordem
ou do que se encadeia espontaneamente dentro de um comportamento, tudo isso vai per-
mitir - e esse é o ponto essencial - a análise em termos clínicos, em termos de atribuição
corporal, da atitude intencional do indivíduo. Consequentemente, possibilidade de uma de-
terminada captura da atitude do sujeito, da consciência, da vontade do sujeito dentro do
mesmo corpo. [...] No poder disciplinar a vontade era precisamente aquilo sobre o que, aqui-
lo ao que devia aplicar-se o poder disciplinar, era precisamente o que se encontrava frontal-
mente com o poder disciplinar, mas, depois de tudo, só era acessível mediante o sistema de
recompensa e castigo. Eis aqui que agora a neuropatologia oferece o instrumento clínico o
qual se pensa que poderá permitir captar o indivíduo ao nível mesmo desta vontade" (PP,
303-304). Surge, desse modo, um novo dispositivo médico-clínico, diferente do dispositivo da
anatomia-patológica e também do dispositivo de poder psiquiátrico. Com efeito, o dispositivo
neurológico substitui o interrogatório do dispositivo psiquiátrico por ordens que buscam obter
uma resposta do sujeito; essas respostas, no entanto, não são verbais, e sim corporais. Por isso
o neurologista poderá estabelecer um diagnóstico diferencial em que já náo há espaço para a
simulação. 'A prova de realidade não é mais necessária: a clínica neurológica oferecerâ a
histéricos nas experiências de Charcot. Para sermos mais precisos, não se trata de uma histó-
ria da histeria nem dos conhecimentos psiquiátricos sobre a histeria, mas de abordar a histe-
ria como um episódio de luta, de confrontaçáo, de batalha entre o psiquiatra e o histérico.
"Não creio que tenha havido exatamente uma epidemia de histeria; creio que a histeria foi o
conjunto de fenômenos, e fenômenos de luta, que se desenvolveram no asilo e também fora
do asilo, em torno a este novo dispositivo médico que era a clínica neurológica [...]" (PP, 310).
A esse respeito, Foucault descreve três grandes manobras histéricas. Em primeiro lugar, a
organizaçao do cenário sintomatológico.Parapoder situar a histeria no mesmo plano que
as doenças orgânicas, é necessário poder referir-se a uma sintomatologia estável, codificada
eregular. Deste modo, surgiu, com Charcot e seus sucessores, a noção de "estigmas histéricos'l
ou seja, fenômenos encontrados em todos os casos de histeria: diminuição do campo visual,
semianestesia simples ou dupla, anestesia da faringe, contratura provocada por um grupo
muscular em torno da articulação (PP, 311). Além do mais, foi também necessário codificar
as crises histéricas, ou seja, ordenar em sua regularidade a evoluçáo desses sintomas. "Solici-
tando seus estigmas e a regularidade de suas crises, o médico solicita ao histérico que lhe dê
a possibilidade de levar a cabo um ato estritamente médico, isto é, um diagnóstico diferencial"
mais tarde, 17.083 em 14 dias. Era necessário poder controlar essa pletora de sintomas. Re-
correu-se então à hipnose e à sugestão para poder isolar perfeitamente um sintoma histérico.
Mas essa técnica tem um inconveniente e o perigo de que possa ser apenas o efeito de determina-
da solicitação, e não exatamente uma resposta no sentido neurológico do termo. Em outras
palavras, era necessário dispor de um sintoma histérico em estado natural, fora do âmbito
hospitalar e sem recorrer à hipnose. Aqui, desempenhou um papel de primeira ordem o sur-
gimento de uma nova categoria de pacientes, os pacientes assegurados, em geral vítimas de
acidentes de trabalho. "E, este duplo aparecimento, a partir de elementos completamente di-
ferentes, do paciente asssegurado e do corpo neurológico é, verossimilmente, um dos fenô-
menos mais importantes na história da histeria' (PP, 315). Esses pacientes assegurados, víti-
mas de acidentes, com efeito, apresentavam desordens pós-traumáticas (paralisia, anestesia)
sem suporte anatômico atribuível. Deste modo, podem autenticar-se como naturais os sinto-
mas que se reproduzem nos histéricos hipnotizados. Mas, ao mesmo tempo, o estudo dos
sintomas histéricos permitirá estabelecer que se trata verdadeiramente de doentes, e não de
simuladores. Neste sentido, o histérico autenticará a enfermidade do traumatizado. "Natura-
lizaçáo do histérico pelo traumatizado, denúncia da possível simulação no traumatizado, pelo
histérico'(PP,316). Em terceiro lugar, existe uma terceira manobra. É também necessário
estabelecer que os sintomas histéricos não eram uma consequência dos poderes médicos
exercidos sobre o histérico; era necessário poder inscrever os sintomas histéricos em um es-
quema patológico estrito. Para isso, Charcot elaborou a noção de traumatismo. Trata-se de um
acontecimento, de um golpe, de uma queda, de um medo, um espetáculo que pode provocar
uma espécie de hipnose discreta, localizada, mas de longa duração (PP, 319). O trauma apa-
rece então como a etiologia da histeria. Desse modo, surge a necessidade de que os histéricos,
sob hipnose ou não, contem sua vida e especialmente sua infância, para buscar e encontrar o
acontecimento fundamental e essencial que se prolonga em seus sintomas. Para Foucault, a
partir dessa exigência, se colocará em funcionamento o que se denomina a contramanobra
dos histéricos. Os histéricos começarão a relatar sua vida sexual. Mas, curiosamente, Charcot
não podia admitir esse aparecimento da sexualidade. De acordo com a análise de Foucault, a
razão dessa impossibilidade reside em que a presença da sexualidade havia sido a causa da
desqualificação da neurose como enfermidade em torno de 1840. A preocupação de Charcot,
com efeito, era qualificar a histeria como enfermidade (PP, 322).Por isso, era necessário
despojar a histeria de seu componente sexual. A esse respeito, Foucault narra a anedota das
declarações que Freud escutou na casa de Charcot, para onde havia sido convidado durante
Por um lado, a reativação das categorias elementares da moralidade (preguiça, orgulho, tei-
mosia, maldade). Por outro lado, tais discursos se assemelham, por seu vocabulário e em seus
argumentos, ao discurso pelo qual os pais tratam de infundir medo a seus filhos. São discur-
sos de caráter parento-infantil. Desde esse ponto de vista, a formação do discurso médico-
legal aparece vinculada a dois fenômenos históricos. Em primeiro lugar, uma regressào a
respeito dos informes de Esquirol, por exemplo. Aqui se tratava da irrupção no tribunal de um
discurso que se havia formado em outro lugar, no hospital. Agora, encontramos um discurso
res da organização humana: o instinto. Passamos, assim, do ato sem tazã'o ao ato instintivo.*
Foucault atribui uma importância capital ao surgimento do conceito de instinto nesses termos.
o instinto foi, segundo seu juízo, o grande vetor da anormalidade, porque permitiu, precisa-
mente, encontrar um princípio de coordenação entre monstruosidade e patologia. O surgi-
mento nesses termos do instinto, além disso, determinou: l) Colocar de um modo novo a
problemática patológica da loucura. Até o Íinal do século XIX, a loucura encontrava sua con-
dição de possibilidade no delírio. Agora, é possívei pensá-la a partir da instintividade patoló-
gica. Encontraremos então as pulsões, as obsessões e a emergência de loucura sem erro, a
histeria. 2) Inscrever psiquiatria no marco de uma patologia evolucionista. 3) O surgimento
a
3 70 PsteutATRlA (psychiatrie\
1) a norma como regra de conduta, como lei informal; seu oposto, então, seria, a desordem,
a excentricidade. 2) A norma como regularidade funcional, cujo oposto seria o patológico.
Agora, a psiquiatria se converte na ciência e na técnica do normal. Loucura e crime definem,
em suas relações, a regularidade de seu domínio de análise e aplicação. 4) Psiquiatria, in-
fância, racismo. Na última aula do curso les anormaux (AN, 275-301), Foucault reúne
uma série de considerações acerca do desenvolvimento da psiquiatria da segunda metade do
século XIX, especialmente sobre a psiquiatrização da infância e a relação entre psiquiatria e
racismo. 1) O novo funcionamento da psiquiatria. Foucault compara o funcionamento da
psiquiatria no caso de Henriette Cornier, que já vimos, com outro caso, o de Charles fouey
(1367). Charles fouey, tinha cerca de quarenta anos no momento dos fatos, filho natural, sua
mãe havia morrido quando ele era pequeno, pouco escolarizado, vivia à margem da cidade,
solitário, bêbado, mal pago. Os fatos: fez-se masturbar por uma menina, após ter'quase" a
violado. O primeiro que devemos ter em conta é que a psiquiatrização do caso Jouey não vem
de cima, mas de baixo: a família o denuncia, o prefeito se interessa, depois o governadoç etc.
Toda a população, em última instância, pede uma psiquiatrização profunda do caso (psiquia-
trizaçao reclamada, não imposta). Em segundo lugar, é necessário analisar o modo como
procede a psiquiatria nesse caso. No caso Henriette Cornier: o patológico se inscreve em um
processo cronológico, o instinto aparece em seu caráter de excesso, de exagero, a doença é
intrínseca ao instinto. No caso Charles |ouey: o patológico se inscreve em uma espécie de
constelação física permanente; o instinto aparece, em seu desequilíbrio funcional, como falta;
não há doença intrínseca ao instinto, mas desequilíbrio funcional. Em um e outro caso, e este
é um ponto fundamental, considera-se a biografia dos indivíduos, mas segundo registros
completamente diferentes. Os alienistas (a escola de Pinel e Esquirol que se haviam ocupado
do caso Cornier) separavam o patológico da infância. A nova psiquiatria vincula o patológico
à infância, posto que o patológico é pensado em termos de um desequilíbrio devido a um
atraso. Esse ponto é importante, porque a infância foi, na análise de Foucault, o princípio de
generalizaçâo da psiquiatria . 2) O funcionomento da infancia na psiquiatr r'a. Na nova
psiquiatria, basta notar a presença de um elemento de infantilidade para que determinado
possível in-
indivíduo ou conduta caiam dentro do campo da psiquiatria. A partir daqui, foi
alienistas funcio-
tegrar o prazer, o instinto e a imbecilidade. Recordemos que o instinto dos
nava na medida em que não implicava o pruzer.A nova psiquiatria leva a cabo, todavia, uma
patologização do prazer sexual a partir do infantil. A psicopatologia dos alienistas, para ser
clas-
ciência, era uma imitação da medicina; estabelecia sintomas como a medicina orgânica,
sificava as doenças, organizava-as. A nova psiquiatria se encontra, antes, numa relação de
Como Foucault mostra em "Il faut défendre a société'l o conceito de raça não é nent necessária
nem originariamente um conceito biológico. Ele designa determinado corte histórico-político.
Vai se falar de duas raças, por exemplo, quando há dois grupos que não têm a mesma origem
local, nem a mesma língua, nem a mesma religião. Também se fala de duas raças quando no
seio de uma sociedade coabitam dois grupos que não têm os mesmos costumes e os mesmos
direitos (IDS, 67). Assim funciona o conceito de raça no discurso histórico da guerra de
raças, a partir do século XVII (ver: Guerra). 'A ideia
de pureza da raça [no singular], com
tudo o que ela implica de monista, de estatal e de biológico, é o que substituirá a ideia de luta
de raças" (IDS, 71).
Race [113]: AN, I24. DEz,140,269,529. DE3,96, 127,t74,418,502. DE4, 29,1t1,321,548,679. HF,558. HS,
110,120,288.HS1,88,161,164,180,193195,197.H52,22,152,174,189.IDS,19,45,47,49,5153,57,60,67.7072,
75-76,87-88,105,110,117,122,126.170,188,191,205,2t2213,228-232.NC,36.OD,4s.RR,178. PP,144,296.SP,
262,266,280.
"Eu penso que o termo'racionalização é perigoso. O que há que fazer é analisar as racio-
nalidades específicas, mais que invocar sem cessar os progressos da racionalização em geral"
(D84, 225). Esse texto resulne a posição de Foucault acerca da racionalidade e da razáo: por
um lado, a crítica às posições filosóficas (fenomenologia, marxismo, Weber) que abordam a
história darazâo valendo-se do ato fundador do sujeito, da oposição racionalidade/irraciona-
lidade ou em termos de processo de racionalização; por outro, a afirmação da especificidade
das diferentes formas de racionalidade e, portanto, seu caráter histórico-fragmentário. Com
efeito, para Foucault, náo se trata de abordar a história darazâo como um processo que, ape-
sar de seus retrocessos, se reveste de um caráter global e unitário, mas como uma análise das
RACIONALIDADE (Rationalite) 37 3
diferentes formas de racionalidade que organizam a ordem das práticas (ver: Práticas).
Fenomenologia, marxismo. como explicamos no verbete Fenomenologia, a oposição
entre esta e a arqueologia não poderia ser maior. Les mots et les choses e lhrchéologie du
savoir podem ser iidos como uma anti-Krisís. Em Larchéologie du savoir, precisamente a
propósito da história da razâo, Foucault marca com clareza suas diferenças com a concepçào
fenomenológica. Para a fenomenologia, com efeito, o sujeito ou, mais exatamente, os atos
fundadores da consciência constituem um horizonte de racionalidade que, por seu caráter
originário, é também o télos, a finalidade, da humanidade (AS, 22, 73). Desde essa concepção,
então, a história da razâo só pode ser a história do progressivo desdobrar-se da razão e dos
obstáculos que impediram ou dificultaram esse desdobramento. Mas Foucault não só se opõe
à concepção fenomenológica da história darazâo, mas também a um certo modelo marxista.
De novo, eu tratei de desligar-me da fenomenologia que era meu horizonte de partida.
" [. . . ]
Eu não penso que haja uma espécie de ato fundador pelo qual a razão em sua essência teria
sido descoberta e instaurada e de que um determinado acontecimento tenha podido poste-
riormente desviá-la. Eu penso, de fato, que há uma autocriaçáo darazâo e, por isso, o que
tratei de analisar foram as formas de racionalidade: diferentes instaurações, diferentes criaçoes,
diferentes modificações pelas quais umas racionalidades engendram outras, umas se opõem
a outras, umas excluem outras. Sem que, por isso, se possa atribuir um momento em que a
razão tivesse perdido seu projeto fundamental; tampouco atribuir um momento em que se
passaria da racionalidade à irracionalidade. Inclusive, para falar muito, muito esquematica-
mente, o que eu quis fazer nos anos sessenta foi abandonar tanto o tema fenomenológico,
segundo o qual houve uma fundação e um projeto essencial da razão (do qual se haveria
desviado por um esquecimento, sobre o qual é necessário retornar agora), como do tema
marxista ou luckasiano: havia uma racionalidade que era a forma por excelência da própria
razâo, mas determinado número de condições sociais (o capitalismo ou, melhor, a passagem
de uma forma de capitalismo a outra forma de capitalismo) introduziram uma crise nesta
racionalidade, ou seja, um esquecimento da razão e uma queda no irracionalismo. Eles são os
dois grandes modelos, apresentados de maneira muito esquemática e muito injusta, a respei-
to dos quais tratei de diferenciar-me" (DE4, 441-442). Essa posição acerca da razão está es-
treitamente ligada à concepção foucaultiana do sujeito. Para Foucault, com efeito, uma das
dificuldades da fenomenologia consiste em que remete a fundação da racionalidade aos atos
fundadores de um sujeito, mas o sujeito mesmo tem uma história. "É aqui que a leitura de
Nietzsche foi, para mim, a fratura: há uma história do sujeito do mesmo modo que há uma
história darazâo, e acerca desta, a história darazão, não devemos perguntar pelo desdobra-
mento de um ato fundador e primeiro do sujeito racionalista" (DE4, 436).Práticas, técnicas.
"Se se chama'weberianos'aos que quiseram substituir a análise marxista das contradições do
capital pela análise da racionalidade irracional da sociedade capitalista, não creio que eu seja
weberiano. Eu não creio que se possa falar de'racionalização'em si, sem supor, por um lado,
um valor absoluto darazâo e sem se expor, por outro, a colocar qualquer coisa sob a rubrica
das racionalizações. Eu penso que há que limitar este termo a um sentido instrumental e re-
lativo. A cerimônia dos suplícios públicos não é mais irracional em si do que o aprisionamen-
to em uma cela; mas ela é irracional em relação a um tipo de prática penal que fez aparecer
uma nova maneira de alcançar, através da pena, determinados efeitos, de calcular sua utilidade
3 74 RActoNALtDADE (,qationallré)
[...] Digamos que não se trata de julgar as práticas com a régua de uma racionalidade que
permitiria apreciá-las como formas mais ou menos perfeitas de racionalidade; mas, antes, de
ver como as formas de racionaiização se inscrevem nas práticas ou r.ros sistemas de práticas,
e que papel desempenham nelas. Porque, certamente, não há'práticas'sem um determinado
regime de raci<lnalidade" (DE4, 26). Como vemos, a racionalidade, para Foucault, tem antes
de tudo urn sentido instrumental: modos de organizar os meios para alcançar um fim (DE4,
24I). A Foucault utiliza também os termos "técnica' e "tecnologid' (a regulari-
esse respeito,
dade qtre organiza um modo de lazer ou agir orientando-o a um fim) (ver: Técnica). Nesse
contexto, há que considerar ambos os termos em um sentido amp1o, isto é, sem restringi-lo à
nossa noção de tecnologia como aplicação das ciências chamadas exatas (D84, 285). * Por
isso, ainda que essa via de acesso ao problema da racionalidade ou, melhor, a história da ra-
cionalidade pudesse inscrever-se na linha dos trabalhos de !\reber ou, em geral, da Escola de
Frankfurt, apesar disso, o próprio Foucault aponta algumas diferenças notáveis. Em primeiro
iugar, a eclosão da raçionalidade técnica não é um acontecimento ligado ao advento do Ilumi-
nismo, e tampouco se trata, simplesmente, da bifurcação entre razão teórica e razáo prática.
"É certo que eu não falava de uma bifurcaç ao da razâo, mas antes, com efeito, de uma bifur-
cação múltipla, incessante, uma espécie de ramificação abundante. Eu não falo clo momento
em que a razâo se tornou técnica. Atualmente, para dar um exemplo, estou estudando o pro-
*
blema das técnicas de si na Antiguidade helenístico-romana [. . . ] " (D84, 440). Foucault se
propõe, de fato, levar a cabo uma história das diferentes formas de racionalidade estratégica
ou tecnológica, isto é, da racionalidade das práticas. * As "práticas" constituem o domínio de
trabalho de Foucault. Como expusemos no verbete correspondente, uma "prática" se define
pela racionalidade dos modos de fazer ou agir dos homens. Por outro lado, essas maneiras
racionais de agir têm sua sistematicidade e sua generalidade; elas abarcam o âmbito do saber
(as práticas discursir.as), do poder (as relaçoes entre os sujeitos) e da ética (as relações do
sujeito consigo mesmo), e, além do mais, têm caráter recorrente. Mas esse caráter sistentático
e recorrente não nega sua historicidade (ver: Prática). Os trabalhos de Foucault são, em defi-
nitivo, análises históricas da formação e transformirçáo da racionalidade das práticas. Verda-
de. Para Foucault, não se trata de levar a cabo uma história darazâo ou da racionaliclade, mas
unra história da verdade. "É aqui onde a leitura de Nietzsche foi para mim muito importante.
Não é suficiente fazer uma história da racionalidade, mas a própria história da verdade. Isto
é, em lugar de perguntar a uma ciência em que medida sua história se aproximou da verdade
(ou lhe impediu o acesso a ela), não haveria que dizer, antes, qlle a verdade çonsiste em deter-
minada relação que o discurso, o saber mantém consigo mesmo e perguntar-se se esta relação
não é ou não tem ela mesma uma história?" (DE4, 54). Genealogia. Essa história das lbrmas
cle racionalidade, inscrita na história da verdade, reveste-se, além do mais, de um caráter
genealógico ou político: "Mas a experiência me ensinou que a história das diversas formas de
racionalidade, às vezes, corlsegue sacudir nossas certezas e nosso dogmatismo nrelhor que
uma crítica abstrata" (DE4, 160).
Rationalité [391 /:AN, I 3, 83, 93, 106- 107, 235,210,250-251,257 . AS, 1 l, 20, 22,54,61,73-74,93, 56, 1 164, 206.
208,2r3,236-237, 250. DEt, 139,156,447,495, 598, 605-607, 722.723,784.D82, 173,183,242,282,122,584, 585, 620,
723. DE3, 68, 1 27- I 28, I 88, 206, 299, 301, 108, 391-397, .130-433, 435-438, 442, 449, 453, .180, 572, 584, 620, 625, 648,649,
717,720,803,818,823-824. DE4, t4-16, 18, 23,26-28,36,38-39, 53-55,57,73,75,84,106, 135-136, 149,152, r59-161,
221-225,241.272 273,275,279,285,349,35t, 368, 37U-379, 4t 0 -4t1,436-443,417 -450,572,576 577,582,630-61 l, 636-
RACIONALIDADE (Ratianalite) 37 5
637 ,639,641,655,657 ,677,686,690,7 49,764-768,770-772,776,8t5-818, 820, 826-828. HF,232,237 ,241,246,251,319,
445,534. HS, 11,76, 188,268, 270,309,424,455. HSl, 34,73-74,76,93,103,125. HS3, lt0, 179. IDS,34,,17,50, 146,
152. MC,47,55,137, t39, 142, 144, 170-171,232,25t,258,265,356,367. MMPE, 88. MMPS, 100. NC, VIII, Ix, XI, 6,
156. OD,48, 50, 79. pp, 261. Sp,94, 142,186,258,276,310.
RACISMO (Racrsme)
=*:.
"Eu creio que [o racismo] é muito mais profundo que uma velha tradição, muito
mais
profundo que uma velha ideologia, é outra coisa. A especificidade do racismo moderno, o que
faz sua especificidade não está ligado às mentalidades, às ideologias, às mentiras do poder.
Está ligado à técnica do poder, à tecnologia do poder" (IDs, 230). "o que inscreveu o racismo
nos mecanismos do Estado foi a emergência deste biopoder. Neste momento preciso, o racismo
se inscreve como mecanismo fundamental do poder tal como se exerce nos Estados modernos
e [como] o que faz com que náo haja funcionamento moderno do Estado que, em um determi-
nado momento, dentro de determinados limites e em determinadas condições, não passe pelo
racismo" (1D5,227).* Ademais de algumas referências dispersas em suas artigos e intervenções,
aproblemática do racismo emerge na obra de Foucault em La volonté de savoir e no curso do
Collêge de France do ano de 1976, "I1 faut défendre a société'l Foucault se ocupa do racismo
moderno, isto é, do racismo biológico e de Estado, por um lado, em relação à formação do bio-
poder (em ambos os textos), e em relação à evoluçâo do conceito de "luta de raças" (ver: Biopo-
der, Guerra, Luta),no segundo. Degeneração. Uma primeira forma de racismo biologicista é
a que aparece no século XIX, com a teoria da degeneração (ver: Degeneraçao). "O racismo não
foi, primeiramente, uma ideologia política. Foi uma ideologia científica que circulava por todas
as partes, em Morel como em outros [expoentes da teoria da degeneração]. E sua utilização
política foi levada a cabo pelos socialistas, por pessoas de esquerda, antes que por pessoas de
direita' (D84, 324) . sexualidade, sangue. Em La volonté de savoir, a propósito dos meca-
nismos de poder, Foucault distingue entre uma simbólica do sangue e uma analítica da sexuali-
dade. O sangue foi um dos elementos essenciais e característicos dos mecanismos do poder até
final do século XVIII: diferenças de castas, linhagens, suplícios, etc. O poder fala e se manifesta
através do sangue. Com a formação do dispositivo de sexualidade (ver: Sexualidade), os meca-
nismos do poder se dirigem para o corpo, para a vida, a progenitura, a população (HSl, 193- 194).
Pois bem, segundo a análise de Foucault, a analítica da sexualidade não sucedeu, simplesmente,
à simbólica do sangue; ambos os mecanismos tiveram pontos de interação e de interferências.
'Aconteceu que, a partir da segunda metade do século XIX, a temática do sangue foi convocada
para vivificar e sustentar com toda sua força histórica o tipo de poder político que se exerce
através dos dispositivos de sexualidade. O racismo se forma neste ponto (o racismo em sua
forma moderna, estatal, biologizante) [...] um ordenamento eugenésico da sociedade, com o
que isso podia comportar em relação à extensão e intensificação dos micropoderes, sob a cober-
tura de uma estatização ilimitada, se acompanhava da exaltação onírica do sangue superior; que
implicava, por sua vez, o genocídio sistemático dos outros e o risco de expor a si mesmo um
sacrifício total" (HS1, 196-197). Racismo biológico e de Estado. "II faut défendre a société"
éuma genealogia do conceito de "luta de raças'] de "guerra de raças'l Foucault faz remontar essa
RACISMO (Raclsme) 37 7
O nazismo é, para Foucauit, o desenvolvimento, até o seu paroxismo, dos mecanismos de poder
que se estabeleceram no século XVIII, a discipiina e o biopoder. Nenhum Estado foi mais disci-
plinar e, ao mesmo tempo, mais assassino que o Estado nazi. No limite, no nazismo, o direito
sobre a vida e sobre a morte não só era exercido pelo Estado, mas por qualquer indivíduo, ainda
que seja através da via da denúncia. Por isso, pode-se afirmar que, por um lado, no nazismo, o
poder de matar eo poder soberano se disseminam por todo o corpo social. A guerra, por outro,
não é simplesmente um objetivo político nem sequer um objetivo da política, mas, mais preci-
samente, a fase última e decisiva de todos os processos políticos; de tal maneira que não se
persegue só a eliminaçáo de outra raça, mas também a exposição da própria raça à morte. "É
necessário que se chegue a um ponto em que toda a população esteja exposta à morte. Somente
esta exposição universal de toda a população à morte poderá efetivamente constituí-la como a
raça superior e regenerá-la definitivamente frente às outras raças que teriam sido totalmente
exterminadas ou que serão definitivamente dominadas. A sociedade nazi tem, então, esta coisa
extraordinária: é uma sociedade que absolutamente generalizou o biopoder, mas que, ao mesmo
tempo, generalizou o direito soberano de matar" (IDS,23l-232). Socialismo. O racismo evo-
lucionista, de tipo biológico, também está presente nos movimentos socialistas do século XIX;
não só nos Estados socialistas do século XX, como a União Soviética. Quando o socialismo in-
sistiu na transformação das condições econômicas como condição para a passagem da socieda-
de capitalista à sociedade socialista não recorreu ao racismo; mas, quando insistiu no problema
da luta, o fez. "Em consequência, cada vez que yocês têm estes socialismos, momentos do socia-
lismo que acentuam este problema da luta, vocês têm o racismo" (IDS, 234).
Rscisme [129]: A,275,299-300. DE2, 198,353,511. DE3,96, 324,502.DE4,279. HSl, 157, 166, 197-198. IDS,
52, 53, 57 ,70-73,75-77 ,213,227 -230, 232-234.
razão de Estado tomou forma em dois grandes saberes ou tecnologias políticas: uma tecnologia
diplomático-militar (busca de alianças, fortalecimento do exército) e a "polícia" (os meios
necessários para fortalecer o Estado desde o interior) (D83,721). * Desde essa ótica, Foucault
leva em consideração um conjunto de autores, especialmente italianos e alemães, para abordar
o tema darazâo de Estado: G. Botero (Della ragione di Stato dieci libri, Roma,1590), G. A.
Palazzo (Discorso del governo e dellq ragione vera di Stato,Yenezia, 1606), B. P. von Che-
meitz (Dissertatio de Rqtione Status in Imperio nostro romarro-germanico,París, 1647).
Assim, por exemplo, Botero deflne arazâo de Estado como: "Um conhecimento perfeito dos
meios através dos quais os Estados se formam, se fortalecem, duram e crescem" (D84, 150).
Da análise dessas obras, Foucault extrai uma série de conclusões: l) Arazao de Estado é vista
como uma arte, uma técnica que procede segundo regras. Neste sentido, na época, a expressão
"razáo de Estado" não fazia referência ao arbitrário, mas à racionalidade própria da arte de
governar. 2) A racionalidade dessa técnica provém da natureza mesma do Estado. Ainda que
aparentemerlte simples, tal maneira de conceber a racionalidade do governo do Estado, como
exigência de ajustar-se à natureza própria do Estado, rompe com a longa tradição clássica e
cristã, segundo a qual o exercício do governo deve ajustar-se às leis divinas, naturais e huma-
nas. "[...] Arazáo de Estado não remete nem à sabedoria de Deus nem à razão ou às estraté-
gias do Príncipe. Ela se refere ao Estado, à sua natureza e à sua racionalidade próprias. [. . . ] O
Estado é, em si mesmo, uma ordem das coisas e o saber político o distingue das reflexÕes ju-
rídicas. O saber político náo trata das leis dos povos nem das leis divinas e humanas, mas da
natureza do Estado que deve ser governado" (DE4,818). 3)Mas essa literatura se opõe também
*
Foucault chama de "hipótese Reich'a concepção do poder em termos de repressão. "[...]
eu penso que o esquema de Reich deve ser completamente abandonado" (DE3, 397).Yer
*
Re pressão. Foucault se refere especialmente à obra de Reich Á irrupção da moral sexl4al
repressiva. Estudo das origens do caráter compulsivo da moral sexual (Berlim, 1932).
WilhelmReich I3Il: NA,309. DE2,314,656,779.809,816,826. DE3, t33, t62,17l-l'72,182,354,397,526,568.
DE4, 19n. HS1, 11, r7.r. IDS,7,t5,1,7,19-20,28,36.
Cristianismo. Apesar de que nenhuma das obras de Foucault esteja concentrada no tema
da religião, ela ocupa um lugar certamente importante nas análises históricas de Foucault. Na
realidade, Foucault não se ocupa da religião em geral, mas de suas formas históricas e parti-
cularmente da religião cristã. No marco da história da subjetividade ocidental, que é o marco
Como expusemos no verbete Poder, Foucault, em La yolonté de savoir, coloca três per-
guntas acerca da hipótese repressiva: a repressão é uma evidência histórica? A mecânica do
poder é da ordem da repressão? O discurso contra a repressão, libera ou, em realidade, forma
parte do mesmo poder que denúncia? (HSl, 18-19). Como também expusemos ali, não se
trata, em realidade, de formular uma contra-hipótese a propósito de cada uma das dúvidas
que essas perguntas colocam, mas de mostrar se são historicamente sustentáveis. Da segunda
questão, sobre a natureza repressiva do poder, ocupamo-nos no verbete: Poder; da terceira,
no verbete: Sexualidade. * Aqui nos ocuparemos da primeira questão; Foucault a aborda
extensamente, em relaçáo com a problemática da sexualidade, em La volonté de savolr (HS l,
23-67). Para além de suas razões teóricas, que retornaremos em seguida, a posição de Foucault
acerca da noção de "repressão" se constrói historicamente: a noção de repressão não dá conta
do funcionamento real, histórico, do poder. Desde o ponto de vista da "hipótese repressivdl o
século XVII teria sido o início de uma época de repressáo sexual, própria das sociedades
burguesas. Uma das finalidades de La volonté de savoir e mostrar, a respeito da sexualidade,
que a história dos últimos três séculos é completamente diferente. O poder, seu funcionamen-
to, suas formas de exercício, náo só não são interpretáveis em termos de repressào, mas, mais
ainda, esses mecanismos construíram o que Foucault denomina o 'dispositivo de sexualidade"
(ver: Sexualidade). Ao nível do discurso, mais que a uma repressão, assistimos a uma extra-
ordinária proliferação discursiva (HSl, 25). Houve certamente uma depuração do vocabulá-
rio e também formas de controle dos enunciados; mas o essencial foi a incitação contínua e
crescente a falar de sexo. A esse respeito, Foucault concede particular relevância à evolução
da pastoral da carne a partir da Reforma (ver: Carne). Por um lado, acelera-se a frequência
da confissão e sua extensão; por outro, tende-se a fazer da carne a raiz de todos os pecados, e
a deslocar o momento mais importante de ato para o desejo. "Um discurso obrigado e atento
deve seguir, segundo todas suas voltas, a linha de união do corpo e da alma; ele deve fazer
aparecer, debaixo das superfícies dos pecados, a inervação sem interrupções da carne. [...]
Esta é, talvez, a primeira vez que se impõe, sob a forma de uma obrigação geral, este manda-
to tão particular do Ocidente moderno. Não falo da obrigação de confessar as infrações às leis
do sexo, como o exigia a penitência tradicional; mas da tarefa, quase infinita, de dizer, de dizer-
se a si mesmo e de dizer ao outro, o mais frequentemente possível, tudo o que concerne ao
3 B4 REPRESSÃo (Âépresslon)
jogo dos prazeres, sensações e pensamentos inumeráveis que, através da alma e do corpo, têm
alguma afinidade com o sexo" (HSl,29). Trata-se, em definitivo, do projeto de converter todo
desejo em discurso. Segundo Foucault, seria possível estabelecer uma linha reta que iria da
pastoral da carne à literatura, em geral, e à literatura escandalosa, em particular (HSl, 30).
Para além da espiritualidade cristã, mas a partir dela, a técnica de converter o desejo em
discurso foi retomada por outros mecanismos do poder. Neste sentido, houve também uma
incitação política, econômica e técnica a falar do sexo. Porém, já não desde uma perspectiva
moral, mas racional; isto é, de uma maneira que não esteja ordenada pela separação entre o
lícito ilícito, como algo que se tolera ou se condena, mas como algo que há que administrar,
eo
que há que inserir nos sistema de utilidade. O sexo se converte em uma questão de adminis-
traçáo (HSl, 34-5). Foucault se refere ao surgimento, no século XVIII, de uma "polícia do
sexo'l de uma administração pública do sexo (HSl, 35). (Sobre a noção de "polícia" no sécu-
lo XVIII, ver: Razão de Estado). Assim, por exemplo, uma das novidades nas técnicas de
poder do século XVIII foi o surgimento do problema da população (ver: Populaçao). O sexo
se situa no centro do problema econômico e político da população; é necessário analisar a taxa
de natalidade, a precocidade sexual, os nascimentos legítimos e ilegítimos. "Porém, é a pri-
meira vez que, ao menos de maneira constante, uma sociedade afirma que seu futuro e sua
fortuna estão não somente ligados ao número e à virtude de seus cidadãos, não somente às
regras de seus casamentos à organização das famílias, mas à maneira como cada um faz uso
de seu sexo" (HSl, 37). Encontramos outro exemplo revelador da extensão que teve a proble-
mática do sexo no século XVIII nos estabelecimentos educativos, nos colégios. Em sua dispo-
SiçãO arqUitetônica, seuS regramentos de disciplina e sua organização
interna, o sexo está
presente por toda parte. Por outro lado, seria inexato, segundo Foucault, sustentar que as
antes, elas
instituiçOes pedagógicas em massa tenham imposto o silêncio acerca do sexo;
quali-
multiplicaram suas formas, seus pontos de implantação, codificando seus conteúdos e
ficando seus locutores. Outro espaço de proliferação do discurso sexual foi a medicina, em
pro-
torno à'doença dos nervos" (HSl, 39-41). "Desde o século XVIII, o sexo náo cessou de
sexo não
vocar uma espécie de eretismo discursivo generalizado. E esses discursos sobre o
se
monogâmica) (HSf , 57-66). "É necessário, então, abandonar a hipótese que as sociedades
industriais modernas inauguraram sobre o sexo uma época de repressão crescente. Não só se
está o ponto
assiste a uma explosão visível das sexualidades heréticas. Mas, sobretudo, e aqui
importante, um dispositivo muito diferente da lei, mesmo quando se apoia localmente nos
procedimentos de interdiçáo, assegura, mediante uma rede de mecanismos que se encadeiam,
à proliferação de prazeres específicos e a multiplicação das sexualidades
díspares" (HSl, 67)
Frequentemente reprovou-se Foucault quem, fazendo circular o poder por todas as partes,
tornava impossível toda possibilidade de resistência. "Eu quero dizer que as relações de poder
suscitam necessariamente, reclamam a cada instante, abrem a possibilidade de uma resistência;
porque há possibilidade de resistência e resistência real, o poder daquele que domina trata de
manter-se com tanto mais força, tanto mais astúcia quanto maior a resistência. Deste modo, é
mais a luta perpétua e multiforme o que eu trato de fazer aparecer do que a dominação obscura
e estável deum aparato uniformizante" (DE3,407). Em deflnitivo, se não houvesse resistência,
não haveria poder (DE4, 720).* Para Foucault, a resistência ao poder não pode vir de fora
do poder; e1a é contemporânea e integrável às estratégias de poder (D83,425). Desde essa
perspectiva, as possibilidades reais de resistência começam quando deixamos de nos perguntar
se o poder é bom ou mau, legítimo ou ilegítimo eo interrogamos ao nível de suas condições de
existência. O que implica, em primeiro lugar, despojar o poder de suas sobrecargas morais e
jurídicas (DE3, 540). * As formas múltiplas de resistência, por outro lado, podem ser tomadas
como ponto de partida para uma análise empírica e histórica das relaçÕes de poder (D84,225).
* A possibilidade de resistência, para Foucault, não é essencialmente da ordem da denúncia
moral ou da reivindicação de um direito determinado, mas da ordem estratégica e da luta.
Para uma caracterizaçâo da resistência desde essa perspectiva, ver'. Luta.
Résistance [206]: AN, 81, 1 I t, 190, 192, 198,201-202,205-206. AS, 185, 263. DEl,77,149,156,175,332,657.DF,z,
55,246,258-260,286,291,35 1, 3s3, 399, 42s-426, 467 , 496. s76, 646, 648-651. 6s7 . 679. DE3, 8, 1 38, 198, 204 206. 208.
D84,29,35,93-94,97,181,225 227,236,242,265-266,275,341-342,363,369,586,719-721,728,739,740-742.}{F'252,
257,365,37g,386,388,398,452,622,629.H5,49,r77,241,331,408. HSl,74, 81,125-127' 129, 133, 153, 208.H52'76'
).27,232,264-265,267,269.1D5,97.}lC,259,360,385. NC, 157, 182-183. OD ,45.PP,45,66,166,207,212,220-221,
98,
237 ,278,288. sP, 45, 66, ).66,207,212,220-221,257 ,278,288.
340, 3-50, 356-357 ,363,368,397 -398,410-41t,427 ,43t,433,473,476,480-48 1, 502, 530, 538, 546-548, 55 1, 60 1, 6 l -3, 615,
623,637,662,690,693,706,7 t6,737 ,7 43-745,7 47,7 49,751,7 55,759,761-7 62,780,783,785^786,789-792,802, 804, 8 1 1.
536, 538, 546, 554 555. 570,57 3,581-584, 586, 594,596,610, 61 8, 676, 68 1, 683, 686-688. }t5,200,270,272. HS l, 1 4, 36,
118, 127, 173, 187, 190. HS2, 64. IDS, 31, 42, 52,63,67, 69-70,73 74,76,91, 93, 106, r23, 126, t28, 169, 170, t72-173,
t76-177, t83-t90, t93,201,207-210.212-2t3. MC,163, 193, 356. MMPE, 80, 103. MMPS, 83, 88. NC, 19, 27 28, J0-32,
34,37,40,42-43,45,51,72,74,76,83-84,125,188,198,207,209. pp,3l, 59, 125,191,t97,226. RR, 185, 185. Sp,20,36,
58, 66, 7 5, 7 8, 87, 9 1, I I 1, 148, 212, 220, 27 8, 27 9, 285, 304, 3 10.
O único autor ao qual Foucault dedicou um livro, com título homônimo, é Raymond Roussel
(La pensée du dehors, dedicado a M. Blanchot, era originariamente um artigo). "Este livro
fRaymond Roussel] constitui uma pequena investigação, aparentemente marginal. Roussel, com
efeito, foi curado pelos psiquiatras, por Pierre Janet particularmente. Este último diagnosticou
nele um lindo caso de neurose obsessiva; coisa que, por outro lado, correspondia à realidade.
A linguagem de Roussel, no flnal do século passado [XIX] e inícios deste, não podia ser outra
coisa que uma linguagem louca e identificada como tal. E eis aqui que hoje esta linguagem
perdeu sua significação de loucura, de pura e simples neurose, para assimilar-se a um modo
de serliterário. Bruscamente, os textos de Roussel alcançaram um modo de existência dentro
do discurso literário. É precisamente esta modificação que me interessou e que me conduziu
a empreender uma análise de Roussel" (DEf , 605). Foucault se interessou, com efeito, pela
obra de Roussel a partir de sua relação com a loucura ou, melhor, com o reaparecimento da
linguagem da loucura (ver'. Loucura) e a partir da relação entre linguagem literária e morte
do homem (ver : Homem, Literatura).
Roussel [414]: DEr, 168, 204-212,214-215, 298, 339, 342, 344-345, 357, 368, 419'424, 5t2,60s. DE2, 20,23-24'
10s, 109, r32,44s,733. D84,599-608, 697.IJF,440-441. MC,9, 119,39s. MMPS,89, 104. RR,7-22,24-29,3s,37-4s,
52. 54-55. 57 -63, 68,70-79, 81-82,8s-90, 94, 96'10 1, 103, 105, 108- 1 10, 1t2-t15, 117 , 1t9, 121, 123-t30' 133' 137 ' 140'
1 55- r 60, 164- I 65, 167, t70, 17 4-176, t79, 18L,1 83- 185, 189- I 90, t93, r9s-203,205,207 -210.
A obra de 1969 leva como título Larchéologie du savoir. o termo "saber" define, precisa-
mente, o objeto da arqueologia. Se, então, levamos em conta as obras precedentes (das quais
"saber",
Ihrchéologie du savoir quer ser o ponto alto do método utilizado nelas), no gênero
devemos colocar: a história natural, a gramática geral, a medicina clínica, a economia política,
Foucault
etc. Para determinar em que sentido ele fala de saber a propósito desses domínios,
"disciplina' um
procede por sucessivas delimitações. Em primeiro lugar, se se entende por
conlunto de enunciados que se organizam a partir de modelos científicos (que tendem à
coerência, estão institucionalizados, são ensinados como ciências), mas que não alcançaram
ainda o estatuto de ciência, é necessário dizer que a arqueologia não descreve disciplinas. As
disciplinas podem servir como ponto de partida para a análise arqueológica, mas não fixam os
limites da descrição arqueológica. Foucault nos oferece como exemplo o caso do surgimento,
no início do século XIX, de uma disciplina psiquiátrica. Neste caso, o que tornou possível as
mudanças conceituais e os modos de demonstração é o jogo de relações entre a hospitaliza-
ção, a internação, os procedimentos de exclusão
social, a jurisprudência, a moral burguesa,
as normas do trabalho. O que caracterizaaprátícadiscursiva que chamamos'disciplina psi-
quiátrica" não só aparece nos textos que pretendem ter um estatuto científico, mas também
nos textos jurídicos, nas expressões literárias, nas reflexões filosóficas, nas decisões políticas,
nas opiniões, etc. Por outro lado, não encontramos nenhuma disciplina precedente a partir
da qual a disciplina psiquiátrica tenha-se desenvolvido. Na época clássica não há nenhuma
disciplina que se possa comparar com a psiquiatria. Por isso, o objeto da arqueologia, o saber,
não é simplesmente a contrapartida de uma disciplina institucionalizada. Em segundo lugar,
o saber tampouco é o esboço de uma ciência futura. A história natural não é o projeto futuro
de uma ciência da vida. Antes, o contrário, a disposição epistêmica da história natural exclui a
possibilidade de pensar o conceito novecentista de vida. Em terceiro lugar, o saber náo só náo
se encontra em uma relação cronológica de precedência a respeito da ciência, como tampouco
constitui uma alternativa. A medicina clínica, como saber, deu lugar a discursos que devem
ser considerados como ciência, por exemplo, a anatomia patológica (AS' 232-236). "Não se
438, 444-445,447 , 419, 453-454, 463,47 1,479-481, 484,486, 489-496,498-499, 501, 508-5 I 3, 5 1 5, 5 1 7-s 1 8, 52 1, 54 I -544,
s46 548,5-50,552,554-55s, 557.559, s61,563, 576,582,584-585,587,589,591, 594-596'602,605,607 608,610-611,
616, 622. 624,631,656 661,663-666, 668, 672, 68 1, 683-684, 689, 694, 696,699-700,7 l0-711,7 15 7 17 ,720'721,723-731,
733,736,741,750-751,753-754,760,768-771,774,776-779,784-788, 796, 801,807,815, 817,827,829,832' 834, 836,
838, 840, 842-846. D82,7 -9, 1.1-12,24,28-33,35-36, 38, 40, 44, 46, 57 -59, 62, 68-7 I ' 75,77, 83' 92' 95' 99' 1 00 102, 104,
10ó,109, 112,114, 1ló, 120-121, 1Z5-r28,t34-137,139-140,142,144-145,147-148,150-1-sl, 155-159, 163-165,167,169,
172-176, 178-180, 182- 18s, 1 87, rlt9- 191, 193-195, 206-208, 2 18, 220-222,221-226,228-229.233-234,236,238-243,217,
250,255,257 ,26t,267 -268,27 1,282-285,290,294-295,297 ,304,308-309, 3I 2-3 I 4, 3 I 8, 332-333, 338, 34 1, 349,367 -368,
37 ).,373 375,388 392,396 397 ,399-400, 405 407 , 409-41r, 414-418, 420-422, 424, 432-433, 445 446, 451, 454, 162, 470,
472-476, 478, 481, 484-185, 487 -491, 496-497,504, 506, 51 1, 52 t, 530, 535, 538-539, 54t-544, 546-549,552-555, 557-558,
562,566-57 1, 573,575,577 ,580-585, 587-588, 594-595, 60 1, 604, 607, 614. 61.9 620,622 624, 629-631,633,634,636-637,
639,642-645,647 649,660 661.,667-669,673,675,677,679-682,685-686,692-697,700-702,705,718,724,737-739,741,
750-752,7 57 ,77 1 -773,780-781,783-789,790-79t,795,798,800-80 1, 805, 808, 8 1 3, 8 1 5 8 1 7, 82 1, 827-828. DE3, 14, 23,
26 28,30 31,33,36-37,39-40, 44-45,48, 50-53, 57,59-60,63,75-76,79,82-83,85-88, 90, 94, 96, 103-107, I l0-1 I 2, I 14,
120,122,132,t36-137,141,143, t47,149-150,155 156,158,160 16t,163 1.67,169,177,179,18,1,188 191,1.91,206,
209-211,213-215,219,222,228,230 232,236,238,248,255 2s8,260,264,267-269,274,276 277,279,28t-282,296 298,
300, 3 1 2-3 14, 3 l8 ,327 ,330,343-344,347 ,349,351,357 ,366,369,373,37s, 380-382, 388-389, 39s, 399-400, 402,404-406,
409-410, 420, 426-427 , 430-432, 435-438, 440, 446, 448 449, 451 153, 457 -458, 462-463, 465-466, 468-469, 47 4-477 , 488,
496,500,504,511,514,517 518,521-523,525-531,533-534,543,546,551,554-555,557,563-567,57t-573,582-588,592,
594-595,598,600 60r,603 606,608-612,615,616,618-619,626,629,631,634,639,641,649,652-655,657,659,670,678,
687,704 705,710,719,721,724,726,729,735,739,746,748,754, t'68-772,781, 783, 785-786,80r, 804, 809-811, 818,
820,822. DE4, 10, t2,14,18-1.9,22-23,27,30,32,34,40-42,46,53-54,56 58, 62,65 69,7t 72,74,77,82-83,88 90, 101,
108-109,ll5,\17,120,t23-124,135,146,148 149,152-153,163-164,166,169-170,t74,179,184,189,t9t-193,196-197,
199,201,203,206,213 214,222,227,231-232,234,239,244,248,252,254 255,257,263,267 268,270,273,284-285,289,
292293,326327,330,342,344,348,361,364,367,373,375,377,378380,391,393,39s396,399,40r,403,,111,413414,
418,436-437 ,439-440,142-447 ,450,454. 456-458,462, 466, 472, 481-482,487 ,193,497 -498, 50 I, 5I 9-520, 523,525,529,
535-536, 540,541, 543-544, 565,567 -568,572, 57 4,576-577 ,579-583,594, 596 597 ,599,604,612, 6t5 6 16, 6 1 8-61 9, 62 l,
623 624,628,630,632-634,637 ,641-642,644-645,651-652,654 656,658-659, 66 1, 663, 668,67 r,675 676,682,684, 686687,
764766,769,771.,773,777,782,784-785,789,791,812-813,817-818.HF,27,29,34'35,37'39'4r's0,5254,58'70,76,
80,107,111,ll3,1r5,123,134,142,1,15-146,157,166,182,185,215'216,219224,227,234,238239,264-265,268,274,
285,298,31.4,317,319,327,330,33s,341,346,35,1,359,387,406,432,448,456,171,484-185,493 494,528,532 s33'555'
562,565,567,572,574,577,579,586,592, 596,621,624,626,628-629.663. HS,6,23 24,26-31,35 36,39'41, 43'45 46,
48,51-54,57,60,68-69,91, 100, 106, 113-114,117,119,124-127,1.29 130, 134, 139, 145, 150, 153, 165-166, 169-171, 171,
1 80, 1 87, 194, 203 ,2og-213,215,2\8,220-221,225-229,231 233,239,243,248 251,253-254,257 ,260,266-269,273,27 5,
277 -278,280,287 -288, 293 297, 30 l, 303,306, 308, 3 13, 3 1 5, 3 1 7 .323,334,339,348, 350, 352, 366, 3 68-369,373 37 4,376-
377,379-380,390, 399-400, 4l 2 ,41.7,424,426,429,431,433,435 436' 438-441' 449, 466-'168. HSl, 10, 12' 14, 19 21,28'
4t-42,44,55,73-74,7678,80,82,84,87,93-98,101-105,108,118,121,128,130-131,133,135,137,139141,146'148'
163,186-189,195,199,204,210.HS2,10,12,1415,44,49,60,68,73,84,87,99101,105-106,115,1'20-122,126't3t'
139,152,156,169,r77,179,182,\94,207,210,212,216,228,230,232,234,256,259-260,266'276. HS3,21,29'41,43'
53,58-59,62,68,80, 109, 111, 122-123,167,181, 198,206,208,213,234,240,243,249,251,258,270. IDS,3,5-6,8 13,
\6,20,23,25-26,30,34-35,41,49,54,63-64,68-69,84,95-96,101,111-120,130,136-137,r42' 145-146,149154'157'
159-167, r69 t70,t73,176,184-186, 189, 191, 194,201,203, 216-218,225,235. MC, 13'1,6'25' 32-33,35,37,4t,43 48,
51.54 56.58,60,62 66,68,70 71,73,77,79,82,85-91,99, 101-103, 108, 117, 125, 127,135,139' 143, 149, 151, 157'163'
169-17t,173-179,183 I85,193,198,203,208,214,217,220221.,223,229-234,246,251255,259-26t,263265,274,281'
282,284,287 288,292,297, 308-309, 3 1 1, 3 I 3-3 14, 3 16-3 I 9 ,321,323-330,335,337 -338,342,346,352,3s6 364, 366-369,
372, 37 4 378,380, 382 383, 385-387, 389-390, 392-398. MMPE, 22, 44, 56. MMPS, 22, 44, 56, 87 ,92, 103. NC, VII-XI,
xtv.3 4,7, |,22,27-31.35,38,42,45-49,51,53-56,60-63,66-68,70'73,75,78,80-82,84-85,88-89,95' 97, 101, 107, I 13,
115, 117, 121-122,1.25-127,138'139, 148, 149,167,170 171,174-t75,191,200-202. oD, 13-14, 16, l8-19,21,35,39-40,
64-67,74,80. PP,4- 6,10, \2,t4,16,20,29,51'51,75, 77,79'81,93,96,98,99, 103, 104, 107, 109, ll3,l24'r27'l'28'133,
134-135, 136-139, 144,147,150,158-159, 165, 17l-179,181.,182-183, 185 189, 194 195,211,214,230,233,235,238'241,
245-247 ,250-252, 255 258, 262,265, 268, 270, 275, 278,287-288, 301, 307 , 315,336. RR, I 8, 78, 83, 136' r42, 147 164'
'
179,t94,200,204. sP, l0 11,23,27-29,31-34,38 39,42,45,53,76,102,128'129'132-133' 141, 143, 145, 148, 150, 157-
monstro de Sade não é simplesmente uma natureza intensificada, mas o monstro em que o poder
coloca a natureza contra si mesma. 'A autodestruição da nalr$eza é um tema fundamental em
536, 657 - 660. HSt, 30-32, 1 95- 196, r 98. MC, 1 34, 222-255, 290, 3 39.
7 6, 201. PP, 11, 1,2, 45, 69, 260. RR, I 03, 1 6 1. SP, 45, \64' 209.
santé [712]: AN, 43, 72, 117 , 152, 1 70, I 80, 183, 221, 232, 235, 244-246, 27 1,295, 309-310. AS, 69, 72' 2l'3-214.
DEr, 141, 153, 183,270, 57g,5g0,604,688-690,757.D82,174,178, 194-195, 278,336,386,388,426,434,442'445'532'
754-755,760,803, 805, 817, 825-826. DE3, 13-25, 27,40-43,45,49,51 57, 88-89, 153,192-193,208, 210, 212,2t4,216'
2r8,220,222,223, 225, 227 , 250, 253. 259,27 4,284 285,288, 328, 346 347 , 358, 36t, 366, 37 3, 376, 411, 512' 55 1, 5tt6,
5g4,652,677 ,722,725 727 ,72g,731-739,7 41,802,807, 8I 8-8 19, 824-825. DE4, 38, 1 55- 1 58, 193, 203, 223' 226,230,343,
369-370,375-379,381,389 391,397,417,427,429,465,471,480,515,s21,548,554,577,614-616,62r,655,6s9,673'78t,
"Não há que imaginar uma instância autônoma do sexo que produziria secundariamente
os efeitosmúltiplos da sexualidade ao longo de sua superfície de contato com o poder. O sexo
é, pelo contrário, o elemento mais especulativo, o mais ideal, o mais interior em um disposi-
tivo de sexualidade que o poder organiza em suas capturas dos corpos, sua materialidade, suas
forças, suas energias, suas sensações, seus prazeres" (HS1, 205). O dispositivo de sexuali-
dade. A parte IV de La volonté de sayoir está dedicada ao que Foucault denomina o dispo-
sitivo de sexualidade (HSl, 99-173). Essa parte situa-se depois daquela dedicada àhipótese
repressiva e à scientia sexualis (ver os verbetes correspondentes). Nelas se mostra que a
história da sexualidade nas sociedades modernas ocidentais, a partir dos séculos XVII e XVIII,
não é a história de uma repressão contínua, mas, antes, da incitação constante e crescente a
falar do sexo, a verter nossa sexualidade no discurso. "Uma certa inclinação nos conduziu a
colocar para o sexo a questão do que nós somos. E não tanto ao sexo-natureza (elemento do
sistema vivente, objeto de uma biologia), mas ao sexo-história ou sexo-significação, ao sexo-
discurso. Situamo-nos a nós mesmos sob o signo do sexo, mas de uma Lógica do sexo, mais
que de wa Física" (HSl, 102). A pergunta que Foucault se coloca é: por que esta caça à
verdade do sexo, à verdade no sexo? Qual é a história desta vontade de verdade? (HSl, r04-
105). * A análise da hipótese repressiva implicava uma crítica geral à concepção do poder em
termos de repressão (ver: Poder, Repressao). Foucault deve fazer frerúe,agora, a uma objeção
fundamental. Ainda quando se deixe de lado o conceito de repressão, isso não implica neces-
sariamente o abandono da concepção jurídica do poder, isto é, a conceitualização do poder
em termos de lei. Mais ainda, pareceria que a consequência fundamental de um poder enten-
dido em termos jurídicos permanece: não se pode escapar do poder, como não se pode esca-
par da lei (HSl, 108). Por isso, para levar a cabo a história da vontade de verdade acerca do
sexo, é necessário precisar o que se entenderá por poder. Neste sentido, Foucault não se propõe
uma teoria do poder, mas uma analítica do poder que tem como finalidade desprender-se da
concepção jurídico-discursiva, suposta tanto naquelas análises que consideram que o poder
é repressão do desejo como naqueles para os quais a lei é constitutiva do desejo. Cinco ele-
mentos principais definem esse suposto comum: 1) A relaçao negativa. o poder não pode
fazer com o sexo nenhuma outra coisa a não ser lhe dizer "nãci'.2) A instância da regra. O
poder essencialmente dita ao sexo sua lei, segundo o regime binário do lícito e do ilícito, o
permitidoe o proibido. 3) O ciclo da proibição:não se aproximar, não tocar, não consumir, náo
experimentar prazer. O objetivo do poder é que o sexo renuncie a si mesmo; seu instrumento é
uma parte importante dele mesmo. O segredo é parte de seu funcionamento. "O poder, como
puro limite traçado à liberdade [como lei], pelo menos em nossa sociedade, é a forma geral
de sua aceitabilidade" (HSl, 114). É necessário deixar de lado esta concepção jurídica do
poder, que oculta seu verdadeiro funcionamento, para escrever a história da formação do
dispositivo de sexualidade. É necessário, em outros termos, "pensar, ao mesmo tempo, o sexo
*
sem a lei e o poder sem o rei" (HSl, 120). "Por podeç me parece que é necessário entender,
antes de tudo, a multiplicidade das relações de força que sáo imanentes ao domínio onde elas
se exercem e são constitutivas de sua organização; o jogo que através das lutas e dos enfren-
tamentos incessantes as transforma, as reforça, as inverte; os apoios que estas relações de
força encontram umas nas outras, de maneira que formam uma cadeia ou Sistema, ou, ao
contrário, os deslocamentos, as contradições que as isolam umas das outras; Íinalmente, as
estratégias nas quais elas entram em vigor, e cujo projeto geral ou cristalização institucional
toma corpo nos aparatos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais" (HSf , 121-
122). Como vemos, em La yolonté de savoir, Foucault se move no marco do que denomina
em outros textos a hipótese Nietzsche, isto é, o poder concebido como luta, enfrentamento,
relações de força. Também, como em "Il faut défendre la société ", pergunta-se se não haveria
que inverter a fórmula de Clausewitz e dizer que a política é a continuação da guerra por
outros meios. No verbete Poder,mostramos que Foucault, finalmente, acabará concebendo o
poder em termos primariamente de governo, e não de luta ou enfrentamento; sem que a ca-
tegoria de governo, por suposto, exclua o enfrentamento e as lutas. Mas, em La volonté de
savoir, em todo caso, Foucault situa-se ainda dentro da hipótese Nietzsche. Pois bem, para
estudar a relação entre o poder e a sexualidade ou, melhor, a sexualidade como problema
político, n6sso autor enumera um conjunto de regras metodológicas que valem para a análise
o poder não é uma
ào pod.. em geral e das que também já nos ocupamos no verbete Poder'.
mas algo que se exerce; as relaçÕes de poder não são transcendentes, mas imanentes
a
coisa,
as relações
outros tipos áe relaçao (econômicas, cognitivas, sexuais); o poder vem de baixo,
poder são intencionais e não
de poder se formam a partir da base da sociedade; as relações de
subjetivas (elas são inteligíveis e saturadas pelo cálculo, mas náo são o resultado da decisão
de um sujeito individual); onde há poder, há resistência (HSl, 123-129). A partir daqui,
Foucault explicita quatro regras metodológicas específicas para analisar a relação poder/se-
xualidade: l) Regra cle imanência. A sexualidade se constituiu como um domínio de conhe-
cimento com base nas relaçÕes de poder que a instituíram como um objeto possível de conhe-
cimento. 2) Regras das variações contínuas. Não se trata de buscar quem tem o poder e quem
está privado dele, ou quem tem o direito de conhecê-lo; mas as modificaçoes que as relações
de poder implicam em si mesmas. Por exemplo, em um primeiro momento, a sexualidade
infantil foi problematizadaapartir das relações entre o médico e os pais; posteriormente, a
partir da relação entre o psiquiatra e a criança foi problematizada a sexualidade dos adultos.
3) Regra do duplo condicionamenfo. Nenhum centro locai de relações de poder pode fun-
cionar sem inscrever-se em uma estratégia global, e nenhuma estratégia global, por sua vez,
SExUAtIDADE (sexualité\ 3 99
pode produzir seus efeitos sem o apoio de relações precisas. Entre os níveis microscópico e
macroscópico, não há nem descontinuidade nem homogeneidade, mas um duplo condicio-
namento. 4) Regra da polivalência tática dos discursos. Os discursos sobre o sexo não são
a mera projeção dos mecanismos de poder. Saber e poder se articulam mutuamente. Por isso,
a função tática do discurso não é nem uniforme nem estável. Entre ambos - o discurso e o
poder - se instaura um jogo complexo. Os discursos podem ser instrumentos do poder, efei-
tos do poder, obstáculos, pontos de resistência (HSf , 129-135). "Em suma, trata-se de
orientar-se para uma concepção do poder que substitua o privilégio da lei pelo ponto de vista
objetivo; o privilégio da proibição pelo ponto de vista da eficácia tática; o privilégio da sobe-
rania pela análise de um campo múltiplo e móvel das relações de força onde se produzem
efeitos globais de dominação, mas nunca totalmente estáveis. O modo estratégico, mais que
o modo do direito" (HSl, 135). * Por isso, não há que descrever a sexualidade como uma
força monstruosa e indócil; mas como um ponto de passagem particularmente denso para as
relações de poder, entre homens e mulheres, jovens e anciãos, pais e filhos, educadores e
alunos, os administradores e a população. Segundo Foucault, a partir do século XVIII, desen-
volveram-se quatro grandes dispositivos de saber e poder:l) A histerizaçao do corpo da
mulher: um triplo processo pelo qual o corpo da mulher foi analisado como integralmente
saturado de sexualidade foi integrado ao campo das práticas médicas e, finalmente, estabele-
ceu-se sua comunicação orgânica com o corpo social, o espaço familiar e a vida dos filhos. 2)
A pedagogizaçao do sexo das crianças: todas ou quase todas as crianças se abandonam a
práticas sexuais que implicam perigos morais e físicos para o indivíduo e a população. Os pais,
SEXUALIDADE (Sexualite) 40 I
de Foucault é que se pode mostrar como a ideia do sexo (de que exista algo mais do que os
corpos, os órgãos, as funções, os sistemas anátomo-fisiológicos, as sensações, os prazeres)
se formou através das estratégias de poder que constituem o dispositivo de sexualidade.
Assim, no processo de histerização da mulher, o sexo foi definido de três maneiras: como
algo comum ao homem e à mulher, como aquilo que pertence por excelência ao homem,
ou como aquilo que constitui o corpo da mulher. Na sexualização da infância, o sexo está
anatomicamente presente, mas fisiologicamente ausente; presente em sua atividade, mas
reprodutivamente ineficiente; presente em suas manifestações, mas ausente em seus efeitos.
Na psiquiatrizaçáo das perversões, o sexo foi referido às funções biológicas e a um aparato
anátomo-fisiológico que lhe confere sentido e finalidade, mas também é referido a um
instinto que torna possível o aparecimento das condutas perversas. Na socialização das
condutas procriadoras, o sexo é descrito como aprisionado entre a lei da realidade e a eco-
nomia do prazer (HSl, 201-203). "Vê-se claramente: é o dispositivo de sexualidade, em
* A ideia de sexo
suas diferentes estratégias, que instala esta ideia'do sexo"'(HS1,203).
desempenhou três funçÕes no dispositivo de sexualidade: permitiu agrupar em uma uni-
dade elementos anatômicos, funções biológicas, condutas, sensações, prazeres; essa unida-
de fictícia funcionou como princípio causal, sentido presente por todas as partes, segredo
que há que descobrir. Em segundo lugar, a ideia de sexo serviu para marcar a superfície de
contato entre o saber da sexualidade e as ciências biológicas; desse modo, o saber da sexu-
alidade recebeu, por vizinhança, a garantia de um saber biológico e fisiológico como prin-
cípio para estabelecer a sexualidade normal. Em terceiro lugar, a ideia de sexo permitiu
inverter a representação das relaçÕes do poder com a sexualidade. Com efeito, pensou-se
essa relação em termos de repressão, de lei, de proibição; deste modo, sua dinâmica produ-
tiva ficou mascarada. Acrescenta, finalmente, uma quarta função desempenhada pela ideia
do sexo; o sexo foi o ponto imaginário e fixo pelo qual há que se passar para alcançar a
própria inteligibilidade (HSf , 204-205). * Desde séculos, reina uma política do corpo. A
partir dos seculos XVII e XVIII, o corpo foi utilizado, quadriculado, encerrado, restringido
como força de trabalho. Essa apropriação política do corpo busca extrair dele o máximo das
forças utilizáveis para o trabalho, o maior tempo utilizável para a produção. Atualmente, a
questão consiste em saber se se pode recuperar o próprio corpo para outra cosa que não
seja o trabalho. "É esta luta pelo corpo a que faz com que a sexualidade seja um problema
político. É incompreensível, nestas condições, que a sexualidade chamada normal, quer
dizer, reprodutora da força de trabalho, com tudo o que ela supõe de rechaço das outras
sexualidades e também de sujeição da mulher, pretenda mostrar-se como normativa. E é
também normal que, no movimento po1ítico que tende à recuperação do corpo, se encontrem
os movimentos pela liberação da mulhet assim como pela homossexualidade masculina ou
feminina" (D82,537). * "Mas eu nunca afirmei que não tenha havido repressão da sexua-
lidade. Eu apenas me perguntei se, para decifrar as relações entre o poder, o saber e o sexo,
o conjunto da análise estava obrigado a orientar-se segundo o conceito de repressão, ou se
não se podia compreender melhor inserindo interdições, proibições, prescrições e dissimu-
lações em uma estratégia mais complexa e mais global que não estivesse ordenada à repres-
sâo lrefoulement) como objetivo principal e fundamental" (D83, 137). Histeria. Sobre a
apariçâo do corpo sexual com base nas experiências de Charcot, ver Psiquiatria.
1.29, t43.IJS,21,23,97,220,243.H.51, 9- 12, r s, 19, 2 1, 32-33, 38, 39-40,42-45, s0-59,6t 66,72 74, 88-89, 9I -92, 95, 98-99,
119,129-131,136-t37,139-152,154,158-162,164,166-173,185,192-201,203-211.HS2,9-11,38,43-41,47,50-52,56,98,
278. HS3, 49, 230. IDS, 5, 12, r8, 28 31, 36, 213, 224,225.MC,222,224.MMP8,25,37, 44, 48. MMPS, 25, 37,44,48. OD,
It,37,63,69. PP, 116, 124,231,323-336. RR,204. SP, 180,285.
A obra de Shakespeare como a de Cervantes são um testemunho, cem anos mais tarde, dos
prestígios da loucura anunciados por Brant e Hyeronimus Bosch (MMPS, 79). Em Shakespeare,
a loucura ocupa um lugar extremo, sem retorno; nada pode conduzi-la à verdade ou à razão
(HF, 59). "Mas, em todas estas peças de teatro, quer se trate de Shakespeare ou do teatro francês
do início do século XVII, este louco, que vê as coisas melhor do que os personagens mais sen-
satos, nunca é escutado; e só quando a peça termina se perceberá retrospectivamente que ele
*
dizia a verdade. O louco é a verdade irresponsável" (DE3, 489). As "tragédias históricas" de
Shakespeare são tragédias do direito e do rei, articuladas em torno ao problema da usurpação,
do assassinato do rei, da coroação de um novo rei. "Creio, então, que a tragédia shakespeariana
é, em um de seus eixos ao menos, uma espécie de cerimônia, de ritual de rememoração dos
problemas do direito público" (IDS, 155). O problema das "tragédias históricas" de Shakespeare
*
é,então, o problema da soberania. A teoria da soberania desempenhou, para Foucault, quatro
funções históricas: teve como referência os mecanismos de poder da monarquia feudal; serviu
como instrumento para aorganizaçâo das grandes monarquias administrativas; serviu como
instrumento de luta tanto para aqueles que pretendiam limitar o poder real como para os que
buscavam fortalecê-io; e como modelo para construir as democracias parlamentares como
alternativas às monarquias absolutas (a partir de Rousseau) (IDS' 31-33)'
Shakespearc 13U: AN, 13,26. DEl, 94-96,169,373,375,406,546'702'797. DE2, 133, 152. D83,354,489. HF,
Foucault opõe e deixa de lado dois sistemas de análise do poder: o poder como repressào
eo poder como soberania. Este último sistema, que encontramos nos filósofos do século XVIII,
observa que a relação de soberania é uma relaçõo assimétrica. Nela o soberano se apropria
dos frutos da terra, dos objetos fabricados, das armas, da coragem, do tempo de seus súditos.
Mas também gasta suas riquezas para celebrar, por exemplo, as festas ou os serviços religiosos.
Mas, entre o que é gasto e o que é arrecadado, existe uma dissimetria fundamental. Os gastos
do soberano com os seus súditos são inferiores à riqueza que é deles extraída. O dispositivo
disciplinar, no entanto, não é uma apropriação parcial dos produtos da terra, do tempo dos
súditos, de seus serviços; senão uma ap ropriaçao total e completa. Com relação ao indivíduo,
o dispositivo disciplinar é " [ ...] uma ocupação do seu corpo, da sua vida e do seu tempo (PP,49)'
2) Anterioridade fundadora. Arclaçáo de soberania se funda em algum acontecimento
anterior: o direito divino, a conquista, a vitória. Esse acontecimento fundador e pertencente
ao passado necessita ser reatualizado mediante o relato dessas conquistas ou vitórias, ou du-
rante a celebração das festas ou competições. Nesse sentido, a relação de soberania é intangí-
vel e frágil; pode romper-se, cair em desuso. O que requer do soberano um suplemento de
ameaça, de violência. O dispositivo disciplinar esta orientado para um estado ótimo, para
o resultado.Aqui, não encontramos a referência a um acontecimento passado, ou a um direi-
to originário, mas um dispositivo orientado para o futuro. 3) Nao-isotopia. As relações de
soberania dão lugar a diferenciações, mas não a uma classiÍicação exaustiva e planificada. Elas
se entrelaçam umas com as outras, sem que exista entre elas uma medida comum; nào
encon-
tramos aqui um sistema único. Alem do mais, os elementos de uma relação de soberania não
SOBERANIA lsouveraineté) 40 5
vez aÍe agorar em seus escritos (AN, 142), uma singularidade somática (singularité somati-
que).Nas relações de soberania, a função-sujeito se desloca por cima ou por baixo da singu-
laridade somática. No caso dos súditos, as relações de soberania concernem aos seus corpos
de maneira descontínua (nas cerimônias, por exemplo), através de marcas (por um signo, por
um gesto) do suplício. Mas o corpo marcado, o corpo supliciado é um corpo fragmentado. Não
há coincidência entre o "sujeito" de uma relação de soberania e a singularidade somática.
Nesse sentido, as relações de soberania não levam a cabo uma individualização da base, dos
sujeitos aos quais se aplica, marca os corpos, suplicia-os, mas não os converte em indivíduos.
Eles, com efeito, não têm uma identidade individual; a individualidade alcança o seu maior
grau em relação ao corpo do soberano que deve ser perfeitamente visívei e identificável.
Individualizaçao. Afinalidade dos dispositivos disciplinares é a individualização dos "sujei-
tos'l "[...] o indivíduo nãooutra coisa senão o corpo assujeitado" (PP,47). O mecanismo de
é
disciplina abrocha [épingle]a função-sujeito à singularidade somática (PP, 57). *Duas razões
explicam a vigência da teoria jurídica da soberania. Em primeiro lugar, desempenhou papel
crítico contra a monarquia e contra todos os obstáculos que podiam opor-se ao estabeleci-
mento da sociedade disciplinar. Em segundo lugar, permitiu a formação de um sistema jurí-
dico que oculta a implantação do poder disciplinar. Assistimos a uma democratização da
soberania (um direito público articulado na soberania coletiva), mas carregada de mecanismos
disciplinares. * Foucault atribui à teoria da soberania uma tripla primitividade ou três ciclos:
1) Primitividade ou ciclo do sujeito: propõe-se a mostrar como um sujeito (um indivíduo),
dotado de direitos e de capacidades, converte-se em sujeito de uma relação de poder (sujeito
no sentido político do termo). 2) Primitividade ou ciclo da unidade do poder: propõe-se a
mostrar como uma multiplicidade de poderes, enquanto capacidades, podem adquirir um
caráter político em relação à unidade fundamental do poder. 3) Primitividade ou ciclo da
legitimidade: propõe-se a mostrar como pode constituir-se um poder sobre a base de uma lei
fundamental, sobre uma legitimidade de base. Uma análise em termos de relações de domi-
nação, entretanto: 1) Considera o indivíduo não como algo dado, desde onde partir, mas se
interroga acerca de como as relações efetivas de poder fabricam os indivíduos. 2) Quer mostrar
a multiplicidade das relações de poder em suas diferenças e especificidades, como se apoiam
e remetem umas às outras. 3) Quer trazer à luz os instrumentos técnicos que permitem o
funcionamento das relações de dominação (IDS, 37-40). Em poucas palavras, em lugar de
estudar a gênese do soberano (que foi a finalidade perseguida pela teoria da soberania), a
genealogia se ocupa da fabricação dos sujeitos.
Souveraineté [674]: AN, 12 13,24,79,105, 1 13, 141, 260, 308. AS, 2t -22, 2 4,32,263,272.D81,193,227,237,240,
243,245,248,253,255-257 ,310,330, 333, 488, 5 19, 538 4,7 83.D82,90, 139,
,594,609,621,643,687,700,725,73]1,769,77
151,227,267,376,461,480,547,555,563,579,580-581,585,695,726,749,794,824.D83,10,1241,26,128,146,150 151,
169, 172, 177 -t80,184'189,231,244,247 ,406,423-424.431,433,586,637 ,643-646,649 65 l, 653-655, 695 ,720,7 56,7 58,
781-782.DF4,89, 187,206, 229,408,560,621, 628,667,705,767. HF, 10,39, 70,73,105,194,309,418,453,555,557,
560,607,617,618,658-660.HS,18,83,130,177,t93,198,327,356,358,361 362,368,449.HS1,1r7_119,121122,135,
149,180,182,189,19r,195-198,206,209.HS2,38,92,94,100,189,265.HS3,75,83,85,106,175,273.IDS,14,17,21,
23-26,30-40, s1,60,61,63 64,68-71,73,7s,80-86,88,90-92,95,96, 102, 106, 125, 128, 130, 132, 144,t50,157,174,t79,
207,213-214,220222,226,228.i[íC,40,56,58,62 63,134,242,248,261,276,286,3rt,320,322,347,351_352,388.NC,
O autor laz referência a 2004. data da edição em castelhano de El l.ocaóulcírio de Michel Foucaub. (N.T .),
Amorte do homem e o conceito de episteme foram, sem nenhuma dúvida, os dois temas
de Les mots et les choses que maior difusão e repercussão tiveram. Foucault via no apareci-
mento da psicanálise, da etnologia, da formalização da linguagem e da literatura, no sentido
moderno do termo, o Íim da episteme do século XIX, aquela que, despertando do sono dog-
mático, havia caído em outro, profundamente antropológico. Via, por isso, em cada uma
dessas manifestações culturais, o fim da época das ciências humanas. O subtítulo áe Les mots
et les choses é, nesse sentido, particularmente explícito: "Uma arqueologia das ciências hu-
manas'l O tema da morte do homem é uma expressão hiperbólica dessa mutação no campo
do saber (ver: Homem). A isso devemos agregar sua constante polêmica contra o humanismo
(ver o verbete correspondente) e a premissa metodológica de lhrchéologie du savoir, isto e,
desantropologtzar a história introduzindo nela a categoria de descontinuidade. 'A história
contínua é o correlato indispensável da função fundadora do sujeito t...1" (AS,21-22). Não
pode surpreender-nos, então, que seu pensamento tenha sido, frequentemente, qualificado de
antiantropológico. Isso é certo em relação ao homem do humanismo e das ciências humanas,
com a subjetividade cartesiana e da tradição fenomenológica; mas não o é a respeito do sujei-
mútuo. Se, como Foucault, chamamos "pensamento" ao ato que instaura, segundo diferentes
relações possíveis, um sujeito e um objeto, uma história do pensamento seria a análise das
condições em que se formaram e modificaram as relações entre o sujeito e o objeto para tornar
possível uma forma de saber. Essas condições, para Foucault, não são nem formais nem em-
píricas; elas devem estabelecer, por exemplo, a que deve submeter-se o sujeito, que estatuto
deve ter, que posição deve ocupar para poder ser sujeito legítimo de conhecimento, sob que
condições algo pode converter-se em objeto de conhecimento, como é problematizado, a que
delimitaçôes está submetido. Essas condiçoes estabelecem os jogos de verdade, as regras se-
gundo as quais o que um sujeito pode dizer inscreve-se no campo do verdadeiro e do falso
(D84,631-632). Nessa perspectiva, Foucault concebe retrospectivamente seu trabalho como
uma história dos modos de subjetivação/objetivação do ser humano em nossa cultura. Ex-
pressando-o de outro modo, trata-se de uma história dos jogos de verdade nos quais o sujeito,
enquanto sujeito, pode converter-se em objeto de conhecimento. Nessa história se podem
distinguir três modos de subjetivação/objetivação dos seres humanos. l) Modos de investiga-
ção que pretendem aceder ao estatuto de ciências, por exemplo, objetivação do sujeito falante
na gramática geral ou na linguística, do sujeito produtivo na economia política. Trata-se dos
modos de subjetivação/objetivação analisados por Foucault, especialmente, em les mots et
les choses.2) Modos de objetivação do sujeito que se levam a cabo no que Foucault denomina
práticas que dividem (praticlues divisantes), o sujeito é dividido em si mesmo ou dividido
a respeito dos outros. Por exemplo, a separaçáo entre o sujeito louco ou o enfermo e o sujeito
saudável, o criminoso e o indivíduo bom. Aqui há que situar Histoire de la folie, La nais-
sance de la clinique e Surveiller et punir.3) A maneira em que o ser humano se transforma
em sujeito. Por exemplo, a maneira em que o sujeito se reconhece como sujeito de uma sexua-
lidade. Nesta linha se sittaa Histoire de la sexualité (D84,222-223). * Como expusemos no
verbete Etica, a propósito desse conceito, Foucault distingue quatro elemen tos: a substância
ética, os modos de sujeiçao, as formas de elaboraçao do trabalho ético, a teleologia do
sujeito moral. Esses elementos definem a relação do sujeito consigo mesmo ou, para expres-
sá-lo de outro modo, a maneira como o sujeito se constitui como sujeito moral.'A ação moral
é indissociável destas formas de atividade sobre si mesmo, que não sào menos diferentes de
Yer: Subjetivação.
Subjectivité [176]: AS,7 4, 159-160, ].72,201,239,260, 262-264, 270. DEr, 90-9 1, 97-98, 100, 119' 143' 242-244'
262,264,283-284, 372, 375, 432, s21-522, 680, 684,7v.,78r. DE2, 125, 540-541, 669-671, 67 4. DE3, 61, 526' 549 ' 565-
566, 570, 590, 592-593,7 49,793,80 1 -802. DE4, 37 -38, 47 ,75, 10 l, I 69, 172, 17 6, 178, 2t3'214, 227 -228, 232, 437 ' 540,
633,6s8,667 ,706,708,7 U.,7 s0,800. HF, 70, t77 ,40s,6t8,638-640,648,652,658-659. HS, 3-4, 13,20'2t, t2s, 173 180, '
200,240,304-305,346,350,361-362,430,466.1152,10. HS3, 84. MC, 252,257,260-262,313, 365. MMPE,69. MMPS,
69.PP,274. SP,34.
,660 661,663-664, 671, 67 4, 678,680, 683-684, 687, 693,699 700,706,708-709,7 13 7 14,722,730 731,
638, 653-654, 658
735,75t,768 770,774-776,779,788 789,791,793,798,810-816, 818-820,825, 831, 836-838, 840'841, 846.DF,z, t2-13,
46,50,59, 71,74-75,84-86,88, 114, 116, 118, 154 156,161-162,164-166,170,173'l9l'210,212,214'216 217'226-227'
240 242,249-251,253-263,265 268,27r,285,287 -294,298, 304, 307-308, 313 ,326,369,372-374,376-377,396,424-425,
454,470,478,480-483,491,493-494,499,504,507,521 523,533,536,538,540,542,547,550,552-553,562,582,584 585,
587-588,595,598,601,615,629,631,633,637,639-640,650-652,661,666,674-675,681,684-686,694 697,725,743,756,
813.HF,33,36,55,68,69-70,76,87-88,100,130,r38,1.67169,172,174,1.77,182,185-186,192,236237,269,282,297,
304, 344, 35t, 394, 405, 4|,, 450, 454, 482, 490,50 l, 5I 5, 547 , 550,553, 563, 572, 57 4. 579, 602, 605, 607, 617 -618, 624.
63t, 633, 647 -651, 654,675. HS, 4-6, 1r, 16-20, 26 32, 39, 4\ -43, 46, 52, 54-60,72, 89, 100, 106, I 09, 122, 125-1.26, 130,
142,163,167,169,17t-t75,177-184,187,190,203-204,206-210,213-214,220-221,226,228,230-233,237-238,241 243,
246-248,250,257,263-264,268,27 t,277 280, 284-285, 288 -290,292-297 ,30 1, 303-305, 308-3 I 0, 3 12, 31.6 318,320-321.,
327 ,332,334, 338-341, 343-35 1, 353, 355-356 ,364,366-368,37 8-379, 382, 388-391, 393, 398, 405, 412, 424-425,435,437 ,
50-51,54, 56-57,73,76,81 82,89-90,96, 100, 102 i03, 105-107, trt.,l15,122-123,133, 135, 139-140,147, t54,156, 165,
186, 193, 2t4,224,242,248,251,259,263,266 267,269,274-275. HS3, 19, 22,24,26,29,39-40,43-46,49-50,55,74,
78,81,84-85,89,100,105-106,ll5-117,126,138,141,148,150,152,154,158,167,169,241,243,262,274.IDS,11,26,
37-39,44 46,50,67,101, 112, 116-118, 125 126,137,\64,174,178,186,194,214. MC,21,31, 55,70'104,108-109, 113,
115-116,121,t27,177,2r8,223,248,256,264,295,302,309,317,319,321,323,330-331,334,339,341,352,363,366,381,
383 384,389. MMPE,6, 15,t9,24-25,28,31,38, 40,43,46-47,50 s2,s6,57,60-6).'66'68 69'74'80-82,91, 100, 104,
109.MMPS,6,15,19,24-25,28,31,38,40,43,46,47,50-52,56-57,60-61,66,68-69,74.NC,X,11,35,45,51,54,59,81,
84,89,92-93,104, 111, 117, 131, 138-139, 171,173,1,94,201,207.oD,11, 18-19,39'43'44,49,51,60. PP,3'15,34'41'
44, 46-47 ,56-59, 1 18, 1.50, 17 4, 181, 190,233,237 -238,245,247 ,256,263,270,27 4-276' 279,286, 288, 292,302-304,306'
314-3Is,319. RR,29,4s, 71 72,80,86,145,171,198. SP, 19, 23-24,26,32,33,42,52,70,81,87'97'103'll7'124-125,
1 3 1 - 1 32, 1 34, 160, 1 8 1. 202, 22s. 228. 248. 2s9. 27 1. 282, 284, 3 10.
mente, por outro, porque é uma técnica e um saber que podem projetar-se sobre todo o corpo
social. "A estratégia é o que permite compreender a guerra como uma maneira de conduzir
a
política entre os Estados; a tática é o que permite compreender o exército como um princípio
para manter a ausência de guerra na sociedade civil" (SP, 170). As disciplinas definem uma
tática de poder que responde a três critérios: fazer com que o exercício do poder seja o menos
custoso possível, econômica e politicamente (fazer o poder menos exterior, menos visível),
conseguir os maiores efeitos sobre o corpo social, acrescentar a utilidade e a docilidade de
*
todos os elementos do sistema (5P,219-220). Foucault fala também de polivalência tática
dos discursos; nesse caso, trata-se de uma consideração metodológica que consiste em tomar
os discursos como segmentos descontínuos, cuja função náo é nem uniforme nem estável. A
multlplicl{ade dos elementos discursivos, com efeito, pode desempenhar diferentes papéis
em diferentes estratégias (HSf, 132-133). Não há que interrogar os discursos sobre o sexo,
antes de tudo, para saber de que teoria implícita derivam, ou a que pressupostos morais con-
duzem ou que ideologia representam; antes, há que interrogá-los a respeito dos dois níveis
662,733. HF, 96, 630. HS, 306,366-367,369,38s. HSr, 2 r, 32, s7,113, r32-r33,135, 143, 173, 180, 184, 208. IDS, I 1, 13,
18,27,40,69,154,169-170,173, 180-181, 185,204. MMPS,90. NC,76, 109. PP,8, 10, 18,32,74-75,99,143, 153-154,
174, 186. SP,28,141-142,145, 150-151, 157,1.64,166,1.69 17t-201,219,277,292-295,307.
tenha que ser uma obra de arte é um terna notávei" (DE4, 615). * A propósito da evolução da
cultura de si mesmo na Antiguidade, Foucault sustenta que o grande problema grego nào era
a técnica de si mesmo, rnas a técnica de vida. É muito claro em Sócrates, Sêneca ou Plínio,
por exemplo, que eles não se preocupavam com o que vem depois da vida, do que acontece
depois da rnorte ou se Deus existia. Para eles, isso não erâ um problema verdadeiramente
importante; o problema era: que téchne devo possuir a fim de viver tão bem como deveria.
E creio que uma das grandes evoluções da cultura antiga foi o fato de qLre esta téchne totr
bíou se converteu cadayez mais em wa téchne de si mesmo. Um cidadão grego do século
V ou IV teria pensado que sua téchne de vida consistia em ocupar-se da Cidade e de seus
companheiros. Mas para Sêneca, por exemplo, o problema essencial é ocupar-se de si mesmo
(DE4, 390). Acerca dessa evolução em termos de autofinalização do cuidado, ver Cuidado.
* A tecnologia de si implica a reflexão sobre os modos de vida, sobre a eleiçáo da existência,
sobre a maleira de regular a conduta, de fixar para si mesmo os fins e os meios (DE4, 2l-5).
*
Technique 1633l: AN, 17,21,30,45-16,57-58. 127, 130. 136,151, 156-1s7. 163, 165, l7l 173, 179, 187, 189' 198,
200,2r8,236, 239-24t,257,291,297. AS, 15, t7,4t,72 73,141. DE1, 131,141,147 151, 154-155, 157,220,231,30,375,
4\3,115,120,447,449.150,452,{60,517 518,562,565,585,588,603,707,723,726,729,734,768.785,794,805,821,840,
84'1. DE2,3-1,69, 183, 187, 19r, t95,225 226,288.299,322,335,38-3,403,4;2,476,510, 560,581-585,613,616,619.662
663,677 678,680,697,709-711,713,717,746,7s0751,770.DE3,1.5,21,23,27,44,47 18,65,70,73,75,78,94,126,149,
I 77, I8 l, I 83, 195, D3, D9,275, 285, 293, 297, 3I 6, .136-338, 395, 433, ,154, 458, 173, 500,514-5t6,522,526-527 ,532-533,
Tekhnê [1 17]: DE4, 390, 398, 402, 404, 441,464, 47 1,615,621,624 62s,791. HS, 37, 40, s 1, s7, 84, 121, 170 172,
197 ,239,248-249,315,323-324,335, 350, 356, 365,37 t,374,376,379, 405-406, 408, 428-430, 43s, 46s 467 .
A propósito das metáforas espaciais que utiliza em seus trabalhos, especialmente nas descriçÕes
arqueológicas, Foucault preci sa território é uma noção geográfica, mas, antes de tudo, uma noção
jurídico-política (designa o que é controlado por determinado tipo de pod er). Campo éuma noção
econômico-jurídica.Deslocamento:umexército, a tropa, apopulação se desloca. Domínio: noção
econômico-jurídica. So/o: noção histórico-geológica. HorizonÍc noção pictórica e também estratégica.
A única noção autenticamente geográfica é arquipélago, empregada a propósito de "arquipélago
822, 825. HS, 102. IDS, ss, 173, 234. NC, 25, 29. PP, 190. SP, 79, 147, 167, 2t4.
T,*. THERAPEUTIKÉ
Yer latriké.
Therapeutikê [IJ: HS 95.
busca a relação entre teoria e práxis em termos fragmentários e parciais (ver: Deleuze). *
Foucault precisa, respondendo a uma pergunta em que se supõe que é inevitável ser filósofo
desde o momento em que é inevitável pensar a totalidade: "Quero dizer que a filosofia que
busca pensar a totalidade poderia perfeitamente não ser senão uma das formas possíveis da
Íilosofia, uma das formas possíveis que foi efetivamente o caminho mestre do pensamento
filosóf,co do último século, depois de Hegel; mas, depois de tudo, nós poderíamos hoje pensar
perfeitamente que a fllosofia não consiste nisto. Eu assinalaria que antes de Hegel a filosofia não
dispunha necessariamente desta pretensão de totalidade [...] Consequentemente, creio que
a ideia de uma filosofia que abraça a totalidade é uma ideia relativamente recente; parece-me
que a filosofia do século XX está noyamente mudando de natureza, não só no sentido de que
ela se limita ou se circunscreve, mas também no sentido que ela se relativiza. No fundo, que
significa hoje fazer filosofia? Não mais constituir um discurso sobre a totalidade, um discurso
no qual esteja retomada a totalidade do mundo, mas, antes, exercer na realidade uma deter-
minada atividade, uma determinada forma de atividade" (DEl,6ll-612).
Totalité [261 ]: AN, 46, 80, 95, r29, t Bg-189, zg7, 290. AS, t0,20,27 ,82, 112, 142, 155-156, 164, 17 t,201,207,229.
DEr, 78, 98, t35,145,2t0,236,239,242-243,248,357,384,386,449,454,459,46t,508, 548, 536, 588, 591, 595, 600, 10_
6
612,675,689,708,7 48,839.D82,60,146,147 ,164-165, t93,246,253,263-265,272,283,285,287,300,305,30g,3gg,474,
481,528,559,581,615-617,702,782.DE3,38,79,163,185,469,522,562,609,621,789.D84,t5,20,t44,182,526,564,
683,712,759,826-827.HF,86,113,I79,I83,I88,209,220,246,248,zst,2s5-296,2s8,303,306,317,31s,5s8,570,636,
643-644,657,676. HS, 79, I I 8, 2ss, 272-273,282-28s,294-29s,361.H9r, 205. IDS, 8, 32, 4s,81, \99,20t,203, 208. MC,
52,67,69,80,96, 100, 118, 128, 154, t90,21t,261,293,327,345,384. MMPE,8_13, 15,30,33,83. MMPS,8_13, 15,30,
94. NC, XI, 37,58,91,93,96,102, 1 12, I 14_ I l5 , 132,141,162_163, 197. OD,77.pp,48, 5r. RR, 19. Sp, 121, 215,218.
A arqueologia deve levar a cabo, em primeiro lugar, um trabalho negativo, isto é, liberar-se
de todas aquelas categorias utilizadas na análise histórica para manter a ideia de continuidade.
Entre elas, a noção de tradiçao, mediante a qual se oferece um estatuto temporal singular a
um conjunto de fenômenos ao mesmo tempo sucessivos e idênticos, e se retoma a dispersão
da história na forma do mesmo (AS, 31).
Tradition [424]: AN, 58, 64, 84,1 75, 1 78. AS, 12,31,63,70,75,77
, r7 1,223,251. DEt,79_83, 87 , 95, i 89, 209, 300,
379,402,433,469,471,494,497,503, 510, 514, 520, 549, 552, 582, 588-58 9,592,632,638,677,684,701,7\0,751,755,757,
790,795 796,801, 804, 819, 826,843,845 846. DE2, 10,14,70,1 1 i, 140, 148, 153,245,267,282,295,304, 306, 384,39]
,
398,400,407-409,426,428,436,44t,480,483,492,522,525,539 540,546-547,557,630,633,635-636,648,659,689,697,
805, S0S-809, 8 14, 8 1 7, 824. HF, 34, 46, 150, 17 1,230,238-239,258,268-269,292,304-306, 334, 362,386,396, 4 18, 5 10'
53 1. HS, 14, 30-3 1, 33, 40, 62, 182,2ts,248,287 ,30s,3t3,3r7,347 -348,376' 395'
69,75,90,94, 102, 124, 143, 165- 168,
A ideia de uma experiência limite, que subtrai o sujeito a si mesmo, foi importante para mim
na leitura de Nietzsche, Blanchot e Bataille e, por mais aborrecidos e eruditos que sejam meus
livros, fez com que eu os concebesse como experiências diretas, que tendessem a arrancar-me de
mim mesmo, impedindo-me de ser o mesmo (DE4, 43). Foucault refere-se às experiências-limite
da morte de Deus em Nietzsche, a transgressão em Bataille e o fora em Blanchot, pelas quais
particularmente se interessou em seus trabalhos dos anos 60, quando a literatura desempenhou
para ele papel importante na hora de orientar-se filosoficamente. Essas experiências-limite
animam, segundo Foucault, todo o seu trabalho filosófico e pode-se ver nelas uma parte do
que desenvolverá mais tarde com as noções de éthos, atitude de Modernidade e de ontologia
histórica de nós mesmos. Esta última, com efeito, não é uma teoria, e sim uma atitude em que a
análise dos limites traz, emsi mesma, a prova da sua possível transgressão. Yer Éthos, Ontolo-
gia do presenfe. * A transgressão é um gesto que concerne ao limite, à transgressão e ao limite
e seimplicam mutuamente. Mas, em Bataille, transgredir não consiste em se oPor ao limite ou
negáJo, mas, antes no contrário, em afirmá-lo (D81,236-237). A transgressão não se opõe a
O termo ubuesco - como precisam as notas da publicação do curso de Foucault, Les anor-
maux - faz referência à obra de Alfred Jarry, Ubu roi. O adjetivo foi introduzido na língua
francesa, eml922,para referir-se a alguém de caráter absurdo e caricatural (AN,26, nota 20).
Foucault o utilizaparafalar do poder. Poder ubuesco: "Maximizaçâo dos efeitos de poder a partir
da desqualificação daquele que os produz" (AN, l2). Se a relação entre verdade e justiça foi uma
das preocupações maiores da frlosofia ocidental, se o pensamento ocidental sempre quis dotar
o poder de um discurso de verdade, na medida em que o poder pode funcionar desde o outro
extremo da racionalidade (e se mostra, por isso, como inevitável), o ubuesco aparece como "uma
categoria precisa da análise histórico-política' (AN, 12). "O grotesco é um dos procedimentos
essenciais da soberania arbitrária. O grotesco é também um procedimento inerente à burocra-
cia aplicada. Que a máquina administrativa, com seus efeitos de poder inevitáveis, passe pelo
funcionário medíocre, nulo, imbecil, fílmico, ridículo, arruinado, pobre, impotente, tudo isto foi
uma das características essenciais das grandes burocracias ocidentais" (AN, 13). * Ubu roi é,
para dizêJo brutalmente, uma paródia de Macbeth. O poder, que em Shakespeare aparece em
seu aspecto trágico, em Ubu roi, no entanto, mostra seu lado ridículo e grotesco.
Yer: Repressão.
Jos van Ussel [10/: AN, 39, 49,221 222,244,309.D82,826
perguntar se essa relação não é ou não tem ela mesma uma história?" (DE4, 54)' "Somente
liberando-nos desses grandes temas do sujeito de conhecimento, âo mesmo tempo originário
e absoluto, utilizando eventualmente o modelo nietzschiano, poderemos fazet uma história
*
da verdade" (DE2, 553). Uma história da verdade, da vontade de verdade ou das políticas
de verdade, para utilizar outras expressões de Foucault, é umahistória dos jogos de verdade.
"Entendo por verdade o conjunto dos procedimentos que permitem pronunciar, a cada ins-
tante e a cada um, enunciados que serão considerados como verdadeiros. Náo há, absoluta-
*
mente, uma instância suprema" (DE3, 407). Foucault distingue entre duas histórias da
verdade: por um lado, uma história interna da verdade, de uma verdade que se corrige a par-
tir dos seus próprios princípios de regulação; por outro, uma história externa da verdade' A
primeira é a que se leva a cabo na história das ciências; a segunda, a que parte das regras de
jogo que, em uma sociedade, fazem nascer determinadas formas de subjetividade, determi-
nados domínios de objetos, determinados tipos de saber (D82, 541). As práticas jurídicas, que
Foucault estuda amplamente em "La vérité et les formes juridiques" (D82,538-646), são
um exemplo destas regras de jogo. Vontade de verdade. Entre as formas de exclusão dis-
cursiva, procedimentos para conjurar os poderes e os perigos do discurso, Foucault enumera
a divisáo entre o verdadeiro e o falso (ver: Discurso)."Certamente, se alguém se situa no nível
de uma proposição dentro de um discurso, a separação entre o verdadeiro e o falso nâo é nem
VERDADE, JOGO DE VERDADE, VONTADE DE VERDADE (Vérite; .|eu de verité, volonté de verité) 421
arbitraria, nem modificável, nem institucional, nem violenta. Mas, se se situa em outra esca-
la, se se coloca a questão de saber qual foi, qual é constantemente, através de nossos discursos,
essa vontade de verdade que atravessou os séculos de nossa história ou, qual é, em sua forma
mais geral, o tipo de separação que rege nossa vontade de saber, então, talvez, se possa ver
esboçar-se algo assim como um sistema de exclusão (sistema histórico, modificável, institu-
cionalmente coercitivo)" (OD, 15). A propósito do caráter histórico e modificável da separa-
ção entre o verdadeiro e o falso, Foucault assinala como, na época dos poetas gregos do sécu-
lo VI a.C. o discurso verdadeiro era o discurso pronunciado por quem tinha o direito de
fazê-lo e segundo o ritual requerido. Um século mais tarde, contudo, a verdade do discurso
não residia no que esse era ou fazia, mas no que dizia. "Entre Hesíodo e Platão estabeleceu-se
uma determinada divisão que separou o discurso verdadeiro e o discurso falso; uma separaçào
nova, porque de agora em diante, o discurso verdadeiro não é mais o discurso precioso e de-
sejável, porque não é mais o discurso ligado ao exercício do poder" (oD, l7-18). Essa sepa-
ração deu sua forma geral à vontade de verdade: a verdade é da ordem daquilo que o discurso
diz. Mas essa forma geral também sofreu modificações. A vontade de verdade do século XIX
não coincide com a da época clássica (esta última consiste mais em ver, em verificar, do que
em comentar; trata-se da aplicação técnica dos conhecimentos) (OD, 18-19). A vontade de
verdade, além disso, apoia-se sobre os suportes institucionais: as práticas pedagógicas, os
sistemas de edição, as bibliotecas, os laboratórios. A vontade de verdade, por outro lado,
exerce uma espécie de pressão ou coerção sobre os outros discursos. A literatura ocidental,
por exemplo, teve que apoiar-se sobre o natural, sobre o verossímil, sobre a ciência, isto é,
sobre o discurso verdadeiro. Os outros sistemas de exclusão - a palavra proibida ea separação
entre razão e loucura - tornaram-se cadavez mais frágeis e derivaram para a vontade de
verdade (OD,20-21). Apesar disso, para Foucault, a yontade de verdade é, entre todos os
sistemas de exclusão, aquele do qual menos falamos. "Como se para nós a vontade de verdade
e suas peripécias estivessem mascaradas pela verdade mesma em seu desenvolvimento neces-
sário. E arazáo etalvez esta: se o discurso verdadeiro não é mais, desde os gregos, o que res-
ponde ao desejo ou o que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizê-la, o que
está em jogo, neste discurso verdadeiro, se não o desejo e o poder? O discurso verdadeiro, que
a necessidade de sua forma independentiza do desejo e libera do poder, não pode reconhecer
a vontade de verdade que o atravessa; e a vontade de verdade, que nos foi imposta há muito
tempo, é tal que a verdade que ela quer não pode não a mascarar" (oD,2r-2). * o discurso
filosófico, propondo uma verdade ideal como lei do discurso, fortaleceu essas formas de con-
trole discursivo que são as formas de exclusão que mencionamos (OD, 47-48). * Restituir ao
discurso seu caráter de acontecimento é uma maneira de questionar nossa vontade de verda-
de (OD, 53). |ogos de verdade. A introdução ao segundo volume da Histoire de la sexua-
lité, Lusage des plaisirs, reveste-se de um caráter metodológico e, ao mesmo tempo, retros-
pectivo. Por um lado, Foucault explica as modificações que teve de enfrentar para abordar a
questão do sujeito, os deslocamentos teóricos que teve de realizar. Por outro, à luz desses
deslocamentos, Foucault nos oferece uma visão de conjunto de todos os seus trabalhos. Nesse
contexto, entre os textos publicados até o momentor, aparece pela primeira vez a expressão
422 VERDADE,JOGODEVERDADE,VONTADEDEVERDADE(VEritE;JEUdEVETitE,VOIONIEdEVéritE)
"jogos de verdade'i Após haver estudado os jogos de verdade na ordem do saber e os jogos de
verdade na ordem do poder, Foucault se propoe, agola, a "estudar os jogos de verdade na re-
lação de si mesmo consigo mesmo e a constituição de si mesmo como sujeito, considerando
como domínio de referência e campo de investigação o que se poderia chamar de'história do
homem de desejo"' (HS2, 12). * "O termo 'jogo' pode induzir a erro; quando eu digo 'jogol
digo um conjunto de regras de produção da verdade. Não é um jogo no sentido de imitar ou
fazer acomédia de...; é um conjunto de procedimentos que conduzem a um determinado
resultado, que não pode ser considerado, em função de seus princípios e de suas regras de
procedimento, como válido ou não, vencedor ou perdedor" (DE4, 725).Política da verdade.
"Creio que o importante é que a verdade não está fora do poder nem carece de poder (ela não
é, apesar do mito cuja história e função seria necessário analisar, a recompensa dos espíritos
livres, ou a filha das longas solidões, ou o privilégio daqueles que souberam libertar-se). A
verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a coerções múltiplas. E ela possui nele
lmundo] efeitos regrados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua'política
geral'da verdade, isto é, os tipos de discurso que ela aceita e faz funcionar como verdadeiros;
os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros ou falsos,
a maneira como se sancionam uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valoriza-
dos para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm a função de dizer o que funciona
como verdadeiro' (DE3, 112). Foucault distingue cinco características historicamente impor-
tantes da 'economia política' da verdade em nossas sociedades: ela está centrada no discurso
científico e nas instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitaçáo polí-
tica e econômica; é objeto de difusão e consumo; é produzida e distribuída sob o controle
dominante de grandes aparatos políticos e econômicos; é a colocação em jogo do debate po-
lítico e das lutas sociais (DE3, ll2-Il3). A propósito da relação entre a política e a verdade
da
ou, de forma mais geral, entre o poder e a verdade, Foucault circunscreve sua concepção
verdade com cinco proposições: 1) "por'verdadel entender um conjunto de procedimentos
regrados para a produção, a lei, a repartição, a colocação em circulação e o funcionamento
dos enunciados"; 2) "a'verdade'está circularmente ligada aos sistemas de poder
que a produ-
'tste regime
zeÍ7 e asustentam e aos efeitos de poder que ela induz e que a acompanham'; 3)
teja acompanhada de uma ideologia justa, mas saber se é possível constituir uma nova políti-
ca da verdade"; 5) "não se trata de liberar a verdade de todo sistema de poder, o que seria uma
quimera, porque a verdade é em si mesma poder, mas de separar o poder da verdade das
formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais)" (DE3, 113- 114). Verdade-demons-
traçãoiVerdade-acontecimento. Em Le Pouvoir psychiatriqtze, Foucault esboça as gran-
des linhas de uma história da verdade, opondo a verdade como demonstração à verdade como
acontecimento. Por um lado, o saber científico supõe que existe a verdade por toda parte, a
todo instante, que qualquer pessoa, dotada dos instrumentos necessários, pode descobri-la,
e a ela aceder. "Digamos, para falar de modo mais esquemático, que nós encontramos aqui
uma determinada tecnologia da construção ou da verificação da verdade universal, com efei-
to, com uma tecnologia da demonstração. Digamos que temos aqui uma tecnologia da verdade
424 VERDADE,JOGODEVERDADE,VONTADEDEVERDADE(Vérité,'JEUdCVETitE,VAIONtEdEVéritE)
391,395-396,403,4t4,4rs, 420,429,434,479,480-482, 50 l, s08, 538-s39, 540-s4r, s43, 5 47 , s48,5s0,552-5s3, 555-56 I,
563, 567, 569, 570-571, 573-577, 581-585, 587, 588, 601, 626, 628-630, 632-635, 637 ,639, 644, 647, 650, 657, 675-684,
686,690, 693,697,752,78t,790,795,810-811,814,816. DE3,8,9, tl,29-31,73,75,77-78,90, l0l-105, 109, tll-114,
1.27 -128,133-137 , I 40, 148, I 54, 156, 1 58- I 60, 175-176,193,228,230,236,249,251 -252,256-258,26t,263,266,278,288,
312.,315-320,326,331 -332,361,404, 406-408, 4 t I, 4 14, 4t9,423-424,435-436,41t-442,459, 47 4, 488-489,499-500,537,
539-s40, 549, 556-ss7 ,564.565, s7 r-572,584,600,602,61s,633-634,658,661,67s,691,7 \2-7 1.3,7s2-7 53,788,791,795,
805,822. DE4, 19,27,29-30,40-4t,43-47,54-56.57,74,82,98, ilo,118-119,125-126,t29,t4r,117-148,152,157,163,
169, t7 r-172, 176-178,213,227 -229,236,254,256-257 ,307,327 ,361-362,364,367 ,392 393, 402-403,406-408, 4 10-4 12,
41t,413,4t5-42).,423,426-428,434-441,450,457,459-460,464-465,467,469,471-472,475-476,485,489 490,499,523,
532,538,542-546,548-552,555,560-562,565-567,57t-572,574-575,576,578,584-586,588,590-591,595 598,600,607,
610, 612, 6),4-615, 617 -619, 633-638, 640-614, 646, 648-649, 651-654, 656-657 ,66 I -663. HS, 3-5, 7-8, 1 5-2 1, 26-32, 41,
46-48,60-6r,7 5-7 6, 94, 1 00, 1I 4, I 20, I 35, t41,165, t7 1-17 3, \79-184,201.,209.2\6,223,D6 227 ,232 233,240,213,245,
250,256,264,278-279,283,295,298, 302-305, 3 I l, 3 i4, 3I 6-3 18, 32 1 -323, 128, 33 I -334, 338, 340, 342, 344-348, 350-353,
355,362-367,370-37t,373-374,377,383-384,387 393,398,425,432-433.435,437,441-412,411,454,459-460,46-1-464,
467-469.HS1,10,12,14-15,20,71,73-78,80-84,86-89,91-95,97,r01 105,128,155,t70,173,206-208,210.HS2,11-15,
17,26-27,30,39,.11, 44,91,99, i02-103, 106-107, t78,210,251-253,258-269,276-278.H53,2-5,85, 160, 166-168, 185-
t86,223,232,234,255-257,259.1DS, 21-23, 45-50, 63, 145- 146, 152,154, t59,164-165, 185, 204, 207,211-212. MC,49,
5 1,52, 51, 55,56.6t-62,70, 83-84, 88,94-95, 109, I I l, r33, 142, 150, 158, 204,217,221,223,230.252,272-273,275, 311,
322,324,328, 330-334, 338,342,344,347,352-353, 387. MMPE,29,36,54,58,79,87,1 10. MMPS, 29, 36,54,58,76,79,
82,8889,91,98,102 l03.NC,lX-X,XII,2,4,6,8,16,34,37-39,42,48-49,51,54-56,58-60,63-65,68,70,79,90-95,100,
104,108-112,1151t7,120-122,126,139,143,145-149,156,158,161-162,t64,t69-t70,176,178,193,200,203.OD,12-
22,29,33,47,48,50-51,53-54,64,79. PP, 8, 10, 12,15,2t,27 29,33 37,4\,42,87-88, 91, 95, 103, I 07, 121, 123, 130- 1 39,
143,150,156-161,170,174,183-185,188 189,196,202-203,233,243,245-251,255^258,262,265,267,269,275,287,293,
306-307,318,324-325. RR, 14,28 29,36,67,77,102, 112, I 18, 145, 197,205,208.5P,1r,24,27,39-50,59-60,69-70,99,
1 00, 104, I 83, 1 87, 196, l 98- I 99, 2 I 3, 226, 228, 240, 255, 260, 263 264.
Foucault inscreve seu trabalho na linha, entre outros, de Weber, da reflexão histórica acerca
de nós mesmos, da análise histórica das relações entre a reflexão e as práticas nas sociedades
ocidentais (DE4, 814). Mas marca, com relação a Weber, várias diferenças. Tipo ideal. A
categoria de "tipo ideal" é uma categoria de interpretação histórica com a qual o historiaclor
vincula determinados dados, capta uma essência (do calvinismo ou do capitalismo) a partir
de princípios gerais que, ainda que não estejam presentes em seu pensamento, permitem
compreender o comportamento dos indivíduos. Para Foucault, a análise do aprisionamento
penal, da psiquiatrização da loucura ou da organizaçáo de domínio da sexualidade não é uma
análise em termos de tipos ideais. Por várias razões. Os esquemas racionais da prisão ou do
hospital não são princípios gerais que só o trabalho interpretativo do historiador permitiria
descobrir; são programas explícitos. A disciplina, por exemplo, não é a expressão de um tipo
ideal, mas a generalização e a vinculação de diferentes técnicas ordenadas para objetivos
locais (o ensino, o adestramento militar). Esses programas não passam integralmente pelas
instituições. "Programas, tecnologias, dispositivos; nada de tudo isto é um'tipo ideal"'(DE4,
28). Ascetismo. \Veber colocou a questão de saber a que parte de si mesmo é necessário
renunciar, se se quer adotar um comportamento racional e regular a conduta em função de
principios verdadeiros. Foucault colocou a questão inversa: "Que se deve conhecer de si mesno
afim de aceitar a renúncia?" (DE4, 784). Foucault usa o termo "ascetismo" com um sentido
mais geral que Weber: não como moral da renúncia, mas como exercício do sujeito sobre si
mesmo (DE4, 709). Yer Ascetistto. Iluminismo. "Digamos, em todo caso> que a filosofia
alemã deu [à questão filosófica do Iluminismo] corpo, sobretudo em uma reflexão histórica e
política sobrea sociedade (com um problema central: a experiência religiosa em sua relação
com a economia e o Estado). Dos pós-hegelianos à Escola de Frankfurt e a Lukacs, passando
por Feuerbach, Marx, Nietzsche e Max Weber, todos dão testemunho disso. Na França, é a
história das ciências que serviu de suporte à questão filosófica do que foi o Iluminismo. De
certa maneira, as críticas de Saint-Simon, o positivismo de Comte e de seus sucessores foi uma
maneira de retomar a interrogação de Mendelssohn e a de Kant ao nível de uma história geral
42 8 xENoFoNTE
2§4. zEN
Yer: Religiao.
Zen [55] : DE3, 527, 592, 618'622, 624. HS, 219.
zEN 429
AS OBRAS E AS PAGINAS
a) Lrvnos
AS = tarchéologie du savoir (A arqueologia do saber). Edição utilizada: Paris, Gallimard,
1984.
431
177 | Archéologie et histoire des idées. ( l. Arqueologia e história das ideias)
184 II loriginal et le régulier. (2. O original e o regular)
257 Y (Conclusão)
HF = Histoire de la folie à lkge classique (História da loucura na época clássica). Edição utili-
zada: Paris, Gallimard, 1999.
175 Y, Droit de mort et pouvoir sur la vie (V. Direito de morte e poder sobre a vida)
IJS2 = Histoire de la sexualité 2. Ilusage des plaisirs (História da sexualidade 2. O uso dos prazeres).
Edição utilizada: Paris, Gallimard, 1984.
Pág. Título Português
7 Introduction (Intodução)
433
HS3 = Histoire de la sexualité 3. Le souci de soi (História da sexualidade 3. O cuidado de si).
Edição utilizada: Paris, Gallimard, 1984.
30 tanalyse
2. (A análise)
134 2. Sont-ils bons, sont-ils mauvais? (Eles são bons, eles são maus?)
MC = Ies mots et les choses, Une archéologie des sciences humanires (As palavras e as coisas.
Uma arqueologia das ciências humanas). Edição utilizada: Paris, Gallimard, 1986.
434
57 V. Lêtre du langage (O ser da linguagem)
64 IL lordre (A ordem)
43 s
233 ll. La mesure du travail (A medida do trabalho)
262 CHAPITRE VIII: Travail, vie, langage (Capítulo VIII: Trabalho, vida, linguagem)
262 l. Les nouvelles empiricités (As novas empiricidades)
265 ll.Ricardo
275 lll.Cuvier
292 lY.Bopp
307 Y. Le langage devenu objet (A linguagem convertida em objeto)
314 Chapitre IX: Ihomme et ses doubles (Capítulo IX: O homem e seus duplos)
360 II. La forme des sciences humaines (A forma das ciências humanas)
398 VL
3 mentale
Chapitre Premier. Médecine (Capítulo primeiro. Medicina mental e
organique
et médecine medicina orgânica)
436
36 Chapitre III. La maladie et (Capítulo IIL A doença e a história individual)
l'histoire individuelle
53 Chapitre IV. La maladie et l'eístence (Capítulo IV. A doença e a existência)
76 historique
Chapitre V. La sens (Capítulo V. O sentido histórico da alienação
de làliénation mentale. mental)
MMPS = Maladie mentale et psychologie (Doença mental e psicologia). F,diçío utilizada: Paris,
PUR 1997.
36 Chapitre IIL La maladie et l'histoire individuelle (capitulo III. A doença e a história individual)
7l Deuxiême partie. Folie et culture. Introduction (Segunda parte. Loucura e cultura. Introdução)
V Préface (Prefácio)
437
63 V. - La leçon des hôpitaux (A lição dos hospitais)
73 II Punition (Punição)
438
172 ll. dressement
Les moyens du bon (lI. os recursos para o bom adestramento)
173 La surveillance hierarchique (A vigilância hierárquica)
b) Drrs Er ÉcRrrs
DEI = Dits et écrits I (Ditos e escrlÍos, volume I). Edição utilizada: Paris, Gallimard, 1994. Os números
1954
Pág. Título Português
l'Existence
Le Rêve et existência)
1957
Pág. Título Português
120 Í21 La 1950
psychologie de 1850 à (A psicologia de 1850 a 1950)
l96l
Pág. Título Português
159 [4] Préface, in Foucault (M.), (Prefácio, em Foucault, M, Loucura
Folie et Déraison, Histoire de lafolie e sem-razão. História da loucura na
lkge classique época clássica)
167 [5) La folie n'existe que dans une société (A loucura só existe em uma sociedade)
1962
Pág. Título Português
172 Í71 Introduction, in Rousseau (J. J.), (lntrodução, ln Rousseau, J.-I.,Rousseau
Rousseau juge de Jean-Jacques. Dialogues juiz de lean-lacques. Diálogos)
439
205 [10] Dire et voir chez Raymond Roussel (Dizer e ver em Raymond Roussel)
1963
Pág. Título Português
229 ll2) W:áchter übe die Nacht der Menschen (Sereno da noite dos homens. Sobre Rolf
("Veilteur de la nuit des hommes. Italiaander)
Sur RolfItaliaander")
233 ll3) Préface à la transgression (Prefácio à transgressão. Em homenagem a
261 ll5l Guetter le jour qui vient (Esperar o dia que vem)
285 [lS] fJn "nouveau roman" de terreur (Um "novo romance" de terror)
t964
Pá9. Título Português
288 [19] Notice historique, im Kant (E.), (Notícia histórica, inKant,E., Antropologia
Anthropologie du point de tue pragmatique desde o ponto de ttista pragmático)
293 l20l Postface à Flaubert (G.), Die Versuchung (Posfácio a Flaubert, G, A tentaçao de
d.es Heiligen Antonius (La Tentation Santo Antônio)
de saint Antoine)
326 Í21)Laprosedâctéon (AprosadeActeón)
338 122) Débat sur le roman (Debate sobre o romance)
421 126l Pourquoi réédite-t-on lbeuvre (Por que se reedita a obra de Raymond
de Raymond Roussel? Un précurseur de Roussel? Um precursor da nossa literatura
moderne
notre littérature moderna)
424 Í27) Les mots qui saignent (As palavras que sangram. Sobre Á Eneida
(Sar tÉ,néide de P. Klossowski) de P. Kiossowski)
1965
Pág. Título Português
440
1966
Pág. Título Português
479 l33l La prose du monde (A prosa do mundo)
513 l3Tl Entretien avec Madeleine Chapsal (Conversa com Madeleine Chapsal)
545 l40l Une histoire restée muette (Uma história que frcou muda)
549 l4ll Michel Foucault et Gilles Deleuze (Michel Foucault e Gilles Deleuze querem
visage
veulent rendre à Nietzsche son vrai devolver a Nietzsche seu verdadeiro rosto)
554 Í43) Cétait un nageur entre deux mots (Era um nadador entre duas palavras)
1967
Pá9. Título Português
"aujourd'hui"
585 [48] Sur les façons décrire l'histoire (Sobre as maneiras de escrever a história)
601 [50] Che cosê Lei Professor Foucault? (Quem éo senhor, Professor Foucault?)
("Qui êtes-vous, professeur Foucault?")
620 [5]) Les mots et les images (As palavras e as imagens)
1968
Pág. Título Português
624 [52) Les déviations religieuses (Os desvios religiosos e o saber médico)
et le savoir médical
635 [53] Ceci n'est pas une pipe (Isto não é um cachimbo)
651 [54] En intervu med Michel Foucault (Entrevista com Michel Foucault)
("Interview avec Michel Foucault")
662 l55l Foucault répond à Sartre (Foucault responde a Sartre)
441
669 [56) Une mise au point de Michel Foucault (Uma regulagem de Michel Foucault)
670 Í57) Lettre de Michel Foucault (Carta de Michel Foucault a facques Proust)
à )acques Proust
673 question
158) Réponse à une (Resposta a uma pergunta)
696 [59) Sur làrchéologie des sciences. (Sobre a arqueologia das ciências. Resposta
1969
[60] Introduction, in Arnauld (4.) et Nicole (P.), (lntrodução, in Arnauld, A. e Nicole, P.,
752 Í6ll Conversazione con Michel Foucault (Conversa com Michel Foucault)
("Conversation avec M. Foucault")
753 162l Médecins, juges et sorciers (Médicos, juizes e bruxas no século XVII)
au XVIIe siêcle
766 Í631 Maxirne Defert
767 [64] Ariane s'est pendue (Ariane se enforcou)
771 166l Michel Foucault explique (Michel Foucault explica seu último livro)
son dernier livre
DE2 = Dits et étits II (Ditos e escritos,volume II). Edição utilizada: Paris, Gallimard, 1994. Os
números Ientre colchetes] correspondem à numeração dos textos.
1970
Pág. Titulo Português
7 [72] Foreword to the English Edition (Prefácio à edição inglesa, em Foucault, M.,
("Préface à lédition anglaise"), in As palavras e as coisas)
Foucault (M.), The Order of Things
l3 [73] Sept propos sur le septiême ange (Sete propostas sobre o sétimo anjo)
442
27 {76)lnRevue d'histoire des sciences Discussão sobre uma exposição de F.
r97r
Pág. Título Português
157 [85] Entrevista com Michel Foucault (Entrevista com Michel Foucault. Sobre Á
"Entretien avec Michel Foucault") arqueologia do saber)
(Sur l)Archéologie ilu savoir)
203 l'intolérable
194) |e perçois (Percebo o intoleráve1)
443
209 196) Foucault
Lettre de Michel (Carta de Michel Foucault)
223 Í98) Par-delà le bien et le mal (Para além do bem e o mal (Entrevista,
Actuel)
(Entretien, Actuel))
1972
Pág. Título Português
245 ll02l Mon corps, ce papier, ce feu (Meu corpo, este papel, este fogo)
380 [ la
I I 0] Les grandes fonctions de (As grandes funções da medicina na nossa
médecine dans notre société sociedade)
385 [l 13] Une giclée de sang ou un incendie (Um salpico de sangue ou um incêndio)
386 [l 14] Les deux morts de Pompidou (As duas morres de Pompidou)
1973
Pág. Título Português
394 1116) Préface, in Livrozer (S.), (Prefácio, inLivrozer,s.,Daprisao à
De la prison à la révolte revolta)
444
3gg uL7) Pour une chronique de (Para uma crônica da memória operária)
la mémoire ouvriêre
401 [ll8] La force de fuir (A força de fugir)
405 [ll9]Archeologiekaradynastiquehe (Daarqueologiaàdinástica)
("De l'archéologie à la dynastique")
416 [l2}l conclusion
En guise de (A guisa de conclusão)
423 ll24) Foucault, o filósofo, está falando. (Foucault, o filósofo, está falando. Pense)
Pense ("Foucault, le philosophe est
en train de parler. Pensez")
425 ll25) Gefàngnisse und Gefàngnisrevolten (Prisoes e revoltas nas prisões)
("Prisons et révoltes dans les prisons")
433 [126] O mundo é um grande hospício (O mundo é um grande hospício)
("Le monde est un grand asile")
435 Í1271À propos de lbnfermement (A propósito do internamento penitenciário)
pénitentiaire
M5 ll2Sl Convoqués à la P. f. (Convocados à P.|.)
1974
Pág. Título Português
471 ll32) Human Nature: |ustice versus Power (Da natureza humana: justiça contra poder)
("De la nature humaine: justice
contre pouvoir")
513 [133] surLaseconileRéyolutionchinoise (sobrea segundaRevoluçaochinesa)
518 [135] Paris, galerie Karl Flinker, (Paris, galeria Karl Flinker, 15 de fevereiro
445
521 1136) Carceri e manicomi nel congegno (Prisóes e asilos no mecanismo do poder)
del potere ("Prisons et asiles dans le
mécanisme du pouvoir")
525 ll37) Michel Foucault on Attica (A propósito da prisão de Attica)
('À propos de la prison dAttica")
536 [138] Sexualite et politique (Sexualidade e política)
538 [139] A verdade e as formas jurídicas (A verdade e as formas jurídicas)
("La vérité et les formes juridiques")
646 U4D)Anti-Rétro
660 Íl4l) Loucura, uma questão de poder (Loucura, uma questão de poder)
("Folie, une question de pouvoir")
664 Í142) Table ronde sur I'expertise (Mesa redonda sobre a perícia psiquiátrica)
psychiatrique
675 U43) Le pouvoir psychiatrique (O poder psiquiátrico)
1975
692 ll45) (Lettre) in Clavel (M.), Ce que je crois (Carta em Clavel, M., O que eu creio)
704 Í149) À quoi rêvent les philosophes? (Com que sonham os filósofos?)
740 Í1561 Entretien sur la prison: (Entrevista sobre a prisão: o livro e seu
le livre et sa méthode método)
446
771 Í160) Hospícios. Sexualidade. Prisões (Asilos, sexualidade, prisôes)
("Asiles, Sexualité, Prisons")
783 [16l] Radioscopie de Michel Foucault (Radioscopia de Michel Foucault)
8OZ [162] Faire les fous (Fazer-se de louco)
805 [163] Michel Foucault. El filósofo (Michel Foucault. As respostas clo filósofo)
responde ("Michel Foucault.
Les réponses du philosophe")
818 [164] Sade, sergent du sexe (Sade, sargento do sexo)
DE3 = DiÍs et éuits III (Ditos e escritos,volume III). Edição utilizada: Paris, Gallimard, 1994.
Os nÍrmeros [entre colchetes] correspondem à numeração dos textos.
1976
Pág. Título português
7 [166] une mort inacceptable (uma morte inaceitável. o assunto Mirvat)
(l'affaire Mirval)
9 politique
Í167) Les têtes de la (As cabeças da política)
13 [168] La politique de la sante (A política de saúde no século xvlll)
au XVIIIe siêcle
28 [169] Questions à Michel Foucault (Perguntas a Michel Foucault sobre a
sur la géographie geografia)
63 [172] Michel Foucault: crimes et châtiments (Michel Foucault: crimes e castigos na URRS
95 bio-politique
[f 79] Bio-histoire et (Bio-história e biopolítica)
97 [180] Entretien avec Michel Foucault: (Conversa com Michel Foucault: Eu, pierre
Moi, Pierre Riviàre Riyiàre)
447
l0l Il8l] sexe
üOccident et la vérité du (O Ocidente e a verdade do sexo)
106 [182j Pourquoi le crime de Pierre Riviêre? (Por que o crime de pierre Riviêre?)
123 [186] Le discours ne doit pas (O discurso não deve ser tomado como...)
être pris comme...
124 llSTlllfautdefendrelasociété (Emdefesada sociedade)
1977
Pág. Título Português
l3l [188] Préface Life
à My Secret (Prefácio a My Secret Life)
133 [189] Préface, in Deleuze (G.) (prefácio a Deleuze, G. e Guattari, F.,
237 ll98l La vie des hommes infâmes (A vida dos homens infames)
253 U99) Le poster de l'ennemi public n' I (O pôster do inimigo público n. 1)
277 Í2041 La grande colêre des faits (A grande cólera dos fatos, sobre A.
(sur A. Glucksmann) Glucksmann)
448
(A angústia de julgar)
2SZ l2}Slliangoisse de juger
(O jogo de Michel Foucault, entrevista sobre
2g8 1206) Le jeu de Michel Foucault
(entretien sroir l'Histoire d'e la sexualité a História da sexualidade)
(Uma mobilização cultural)
329 Í207) ll ne mobilisation culturelle
(O suplício da verdade)
33r [208] Le suPPlice de la vérité
prison (Clausura, Psiquiatria, Prisão)
332 [209] Enfermement, psychiatrie,
(\hi-se extraditar Klaus Croissant?)
361 [210] Va-t-on extrader Klaus Croissant?
la (Michel Foucault: doravante a segurança
366 [211] Michel Foucault: "Désormais
des lois" está acima das leis)
sécurité est au-dessus
(O poder, uma besta magnífica)
368 [212] El Poder, una bestia magnifica
("Le pouvoir, une bête magnifique")
(Michel Foucault: a segurança e o Estado)
383 [2f 3] Michel Foucault: la sécurité
et l'État
(Carta a alguns líderes da esquerda)
388 [214] Lettre à quelques leaders de la gauche
(A tortura éarazáo)
390 [215] Die Folter, das ist die Vernunft
("La torture, c'est la raisort'')
(Poder e saber)
3gg lzlílKenryoku to chi ("Pouvoir et savoir")
("Não nos sentimos como uma espécie
415 lzl7)Wir fühlten uns als schmutzige
imunda")
Spezies ("Nous nous sentions comme
une sale esPêce")
(Poderes e estratégias)
418 [218] Pouvoirs et stratégies
r978
Português
Pág. Título
(Introdução Por Michel Foucault)
429 ]2lg) Introduction by Michel Foucault
"Introduction par Michel Foucault")
(A evolução da noção de "indiüduo perigoso'
443 lz2}lAbout the ConcePt of the
Century na psiquiatria legal do século XIX)
"Dangerous tndividual" in l9'h
Psychiatry ("IJevolution de la notion
Legal
d'individu dangereux' dans la psychiatrie
legale du XIXe siêcle")
(Diálogo sobre o poder)
464 Í2zllDialogue on Power
("Dialogue sur le Pouvoir")
(A e a sociedade)
477 to shakai ("La folie et la société") loucuÍa
1222)Kuôki
Herculine Barbin' dita
4gg l2z3lQuatriême de couverture in
(Quarta capa it1
449
506 [227) La grille politique traditionnelle (A grade política tradicional)
662 [24]) Iiesercito, quando la terra trema (O exército, quando a terra treme)
"Ijarmée quand la terre tremble")
669 12421M. Foucault. Conversazione senza (M. Foucault. Conversa sem complexos com
complessi con il frlosofo che analizzale o fllósofo que analisa as "estruturas do poder")
"strutture del potere" ("M. Foucault.
Conversation sans complexes avec le
philosophe qui analyse les
'structures du pouvoir"')
679 12431 La scia ha cento anni di ritardo (O Xá tem cem anos de atraso)
("Le chah a cent ans de retard")
683 [244] Teheran: la fede contro la scia (Teerã: a fé contra o Xá)
"Téhéranr la foi contre le chah")
450
6S8 Í245) À quoi rêvent les Iraniens? (Com que sonham os iranianos?)
713 [253] Il mitico capo della rivolta dell'Iran (O chefe mítico da revolta iraniana)
("Le chef mythique de la révolte de l'Iran")
717 Í2541 Lettera di Foucault all'Unità (Carta de Foucault a LUnità)
("Lettre de Foucault à ljUnità")
719 12551 Sécurité, territoire et population (Segurança, território e população)
1979
759 126l) una polveriera chiamata islam ("une poudriàre appelée islam') (um barril
de pólvora chamado Isiã)
451
788 [268] Vivre autrement le temps (Viver o tempo de outra maneira)
790 1269) Inutile de se soulever? (lnútil sublevar-se?)
794 l2701la stratégie du pourtour (A estratégia do perímetro)
DE4 = Dits et écrits IV (Ditos e escritos,volume IV). Edição utilizada: Paris, Gallimard,
1994. Os números Ientre colchetes] correspondem à numeração dos textos.
1980
452
lO2 Í284) Les quatre cavaliers de I'Apocalypse (Os quatro cavaleiros do Apocalipse e os
quotidiens
et les vermisseaux vermes cotidianos)
104 [285] Le philosophe masqué (O f,lósofo mascarado)
l98l
Pá9. Titulo português
130 [290] édition,
Préface à la deuxiàme (prefácio à segunda edição, em vergàs, ].,
juiliciaire
in Vergês (1.), De la stratégie De la stratégie.iudiciaire)
134 [29]) " omnes et singulatim": Towards ("omnes et singulatirn': para uma crítica da
a Criticism of Polirical Reason ("'Omnes razão política)
et singulatim': vers une critique de
la raison politique")
162 [292] Lettre à Roger Caillois in (Carta a Roger Caillois in Hommoge à
Hommage à Roger Caillois Roger Caillois)
163 1293) De lhmitié comme mode vie de (Da amizade como modo de vida)
L68 1294) Le dossier "peine de mort'1 (O informe "pena de rr.rortCl Eles escreveram
contre
Ils ont écrit contra)
2l I [303] Notes sur ce qubn lit et entend (Notas sobre o que se lê e entende. Mesmo
(même sujet) tema)
213 [304) Subjectivité et vérité (Subjetividade e verdade)
453
1982
Pág. Título português
219 l3o5) Pierre Boulez, lécran traversé (Pierre Boulez, a tela atravessada)
251 [308] Conversation avec Werner Schroeter (Conversa com Werner Schroeter)
308 [313] The Social Triumph of the (O triunfo social do prazer sexual: uma
Sexual Will: A Conversation with conversa com Michel Foucault)
Michel Foucault ("Le triomphe social du
plaisir sexuel: une conversation avec
Michel Foucault")
315 l3l4l Des caresses d'hommes (As carícias de homens consideradas como
considérées comme un art uma arte)
317 [315) As malhas do poder (As malhas do poder. Segunda parte)
("Les mailles du pouvoir"),2" partie
318 [316] Le terrorisme ici et là (O terrorismo aqui e ali)
32O l3l7l Sexual Choice, Sexual Act (Escolha sexual, ato sexual)
("Choix sexuel, acte sexuel")
336 [318] Foucault: non aux compromis (Foucault: não aos compromissos)
338 [319] Michel Foucault: (Michel Foucault: nâo há neutralidade
"Il n'y a pas de neutralité possible" possível)
340 Í320) En abandonnant les Polonais, (Abandonando os poloneses, renunciamos
nous renonçons à une part de nous-mêmes a uma parte de nós mesmos)
343 Í321) Michel Foucault: "Ijexpérience morale (Michel Foucault: 'h experiência moral e
et sociale des Polonais ne peut social dos poloneses não pode ser apagada")
plus être effacéel'
351 [322) Ijâge dbr de la lettre de cachet (A época de ouro d,elalettre de cachet)
353 Í3231ljherméneutique du sujet (A hermenêutica do sujeito)
r983
Pá9.Título português
366 [324)Destravaux (Trabalhos)
454
367 13251Un systême fini face à (Um sistema Íinito diante de uma exigência
une demande infinie infinita)
383 1326) On the Genealogy of Eúics: (A propósito da genealogia da ética:
An Overview of Work in Progress ('À propos perspectira do trabalho em curso)
de la généalogie de léthique: un aperçu du
travail en cours")
412 [327) Ça ne m'intéresse pas (Isto náo me interessa)
539 [338] Usage des plaisirs et techniques de soi (Uso dos prazeres e tecnicas de si)
1984
Pá9. Título Português
562 [339] What is Enlightenment? (Que é o Iluminismo?)
("Qu'est-ce que les Lumiêres?")
578 [340] PréfacetotheHistory ofsexuality (Prefácio aLhistoiredelasexualité)
("Préface à l'Histoire de la sexualité")
584 l34ll Politics and Ethics: An Interview (Política e ética: uma entrevista)
("Politique et éthique: une interview")
591 [342] Polemics, Politics and (Polêmica, política e problematizações)
Problematizations ("Polémique, politique
et problématisations")
599 [343l Archaelogy of a passion ("Archéologie (Arqueologia de uma paixão. Sobre R.
Roussel)
d'une passion") (sur R. Roussel)
455
("À propos de la généalogie de léthique:
un aperçu du travail en cours")
631 [345] Foucault
636 [346) Qu'appelle-t-on punir? (Que se chama punir?)
656 [349] Interview met Michel Foucault (Entrevista com Michel Foucault)
("Interview de Michel Foucault")
668 [350] vérité
Le souci de la (O cuidado da verdade)
r985
Pág. Título português
763 Í361) La üe l'expérience et la science (A vida: a experiência e a ciência
r988
Pág.Título Português
777 l362lTruth,Power,Self (Verdade,poderesi)
"Vérité, pouvoir et soi"
783 l3íSlTechnologiesoftheSeH (Astécnicasdesi)
("Les techniques de soi")
456
c) Cunsos
AN = Ies a.normaux. Cours au Collàge de France. 1974-1975 (Os anormais. Curso no Colégio
de França. 1974-1975). Edição utilizada: Paris, Gallimard-Seuil, 1999.
3 Cours du 6 janvier 1982. Premiêre heure. (aula de 6 dejaneiro de 1982. Primeira hora)
27 Cours du 6 janvier 1982. Deuxiême heure' (aula de 6 janeiro de 1982. Segunda hora)
104 Cours du 20 janvier 1982. Deuxiême heure. (aula de 20 de janeiro de 1982. Segunda hora)
l2l Cours du 27 janüer 1982. Premiêre heure. (a'iade27 de janeiro de 1982. Primeira hora)
144 Cours d:u27 janviet 1982. Deuxiême heure. (aula de 27 de janeiro de 1982. Segunda hora)
163 Cours du 3 février 1982. Premiêre heure. (aula de 3 de fevereiro de 1982. Primeira hora)
180 Cours du 3 février 1982. Deuxiême heure. (aula de 3 de fevereiro de 1982. Segunda hora)
197 Cours du l0 féwier 1982. Premiêre heure. (aula de 10 de fevereiro de 1982. Primera hora)
220 Cours du 10 féwier 1982. Deuxiême heure. (aula de 10 de fevereiro de 1982. Segunda hora)
237 Cows du 17 février 1982. Premiêre heure' (aula de 17 de fevereiro de 1982. Primeira hora)
260 Cours du 17 féwier 1982. Deuxiême heure. (aula de 17 de fevereiro de 1982. Segunda hora)
277 Cotrs du 24 féwier 1982. Premiêre heure. (aula de 24 de fevereiro de 1982. Primeira hora)
301 Cours dr24féwier 1982. Deuxiême heure. (aula de 24 de fevereiro de 1982. Segunda hora)
457
315 Cours du 3 mars 1982. Premiêreheure. (aula de 3 de março de 1982. Prirneira hora)
338 Cours du 3 mars 1982. Deuxiême heure. (aula de 3 de março de 1982. Segunda hora)
355 Cours du l0 mars 1982. Premiêre heure. (aula de 10 de março de 1982. Primeira hora)
378 Cours du 10 mars 1982. Deuxiême heure. (aula de 10 de março de 1982. Segunda hora)
395 Cours du 17 mars 1982. Premiêre heure. (aula de I7 de março de I982. Primeira hora)
419 Cours du 17 mars 1982. Deuxiême heure. (aula de 17 de março de 1982. Segunda hora)
435 Cours du 24 mars 1982. Premiàreheure. (aula de 24 de março de 1982. Primeira hora)
457 Cours du 24 mars 1982. Deu-xiàrne heure. (aula de 24 de março de 1982. Segunda hora)
IDS="Ilfautdéfendrelasociété".CoursauCollàgedeFrance. 1976("Emdefesadasociedade."
458
171 Cours du 9 janvier 1974 (aula de 9 de janeiro de 197 4)
459
íITIoICT DE TERMOS ESTRANGEIROS
A
A priori historique A priorihistórico
Absence Ausência
Absolutisme Absolutismo
Abstinence Abstinência
Actualité Atualidade
Alcibiade Alcibíades
Alienation Alienação
Anachorêse Retiro
Anakhôrêsis Retiro
Analogie Analogia
Animalité Animalidade
Anomalie Anomalia
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Anthropologie Antropologia
AntipsYchiatrie Antipsiquiatria
Antisémitisme Antissemitismo
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Aristophane Aristófanes
Aristote Aristóteles
46t
Artémidore Artemidoro
Ascese Ascese
Asile Asilo
Auflârung (alemão) Iluminismo
Augustin, Saint Agostinho, Santo
Auteur Autor
Aveu Confissáo
B
Baroque Barroco
Béhaviorisme Behaviorismo
Bio-histoire Bio história
Biologie Biologia
Biopolitique Biopolítica
Bio-pouvoir Biopoder
Bisexualité Bissexualidade
Bourgeoise Burguesia
C
Cadavre Cadáver
Capitalisme Capitalismo
Chair Carne
Châtiment Castigo
Christianisme Cristianismo
Cicéron Cicero
Clément dAlexandrie Clemente de Alexandria
Clinique Clínica
Cogito (latim) Cogito
Commentaire Comentário
Communisme Comunismo
Confession Confissáo
Contrat Contrato
Contrôle Controle
Convenientia (latim) Conveniência
Conversion Conversão
Corps Corpo
D
Dégénérescence Degenerescência
Démocratie Democracia
Dépsychiatrisation Despsiquiatrização
Déraison Desrazáo
Désir Desejo
Diagnostiquer Diagnostícar
462
Dialectique Dialética
Diététique Dietética
Discipline Disciplina
Discontinuité Discontinuidade
Discours Discurso
Dispotif dãlliance Dispositivo de aliança
Dispositif de sexualité Dispositivo de sexualidade
Divinatio (latim) Adivinhação, Desciframento
Doctrine Doutrina
Document Documento
Dogrnatisme Dogmatismo
Domination Dominaçáo
Don Quichotte Dom Quixote
E
École Escola
Économique Econômica
Éducation Educação
Efféminé Efeminado
Encyclopedie Enciclopédia
Enkratéia (grego) Domínio de si, Moderação
Énoncé Enunciado
Enquête Investigaçào
Épictàte Epiteto
Épicure Epicuro
Epiméleia (grego) Cuidado
Épistàmé classique Episteme clássica
Épistàmé moderne Episteme moderna
Epistrophé (grego) Conversão
Epithymía (grego) Desejo
Époque classique Época clássica
Eros (grego) Eros
Érotique Erótica
Esthétique de 1'existence Estética da existência
Éthique Ética
Ethos Éthos, Uso, Modo de ser, Atitude
Événement Acontecimento
Exarren Exame
Existencialisme Existencialismo
Exomologàse Confissão
Exomologêsis (grego) ConÍissão
Expérience Experiência
F
Fable Fábuia
Famille Família
Fascisme Facismo
Faust Fausto
Féodalisme Feudalismo
Fiction Ficção
Folie Loucura
Formalisation Formalização
Formation discursive Formação discursiva
G
Galien Galeno
Généalogie Genealogia
Génie Gênio
Gnosticisme Gnosticismo
Goulag Gulag
Gouvernement Governo
Gouvernamentalité Governamentalidade Verbete: Governo
Gouverner Governar
Guerre Guerra
H
Hégélianisme Hegelianismo
Hermaphroditisme Hermafroditismo
Hermenéutique Hermenêutica
Histoire História
Historicisme Historicismo
Homme Homem
Homosexualité Homossexualidade
Humanisme Humanismo
Hlpomnémata Anotações
I
Iatrikê (grego) Medicina
Idéologie Ideologia
Illégalisme Ilegalidade
Imagination Imaginação
Inconscient Inconsciente
Individualisation Individualização
Inquisitio (latim) Investigaçáo
Intellectuel Intelectual
Intériorité Interioridade
Interpretation Interpretação
464
I
Jeux de vérité Jogos de verdade, verbete: Verdade
L
Langage Linguagem
Làpre Lepra
Libéralisme Liberalismo
Liberté Liberdade
Libertinaje Libertinagem
Libido Libido
Limite Limite
Linguistique Linguística
Littérature Literatura
Loi Lei
Lutte Luta
M
Machiavel, Nicolas Maquiavel, Nicolau
Marxisme Marxismo
Masturabación Masturbação
Matérialisme Materialismo
Médicalisation Medicalização
Modernité Modernidade
Monstre Monstro
N
Nazisme Nazismo
o
Obédience Obediência
G,dipe Édipo
Ontologie du présent Ontologia do presente
Ontologie historique Ontologia histórica, verbete: Ontologia do presente
P
Panoptique Panóptico
Panoptisme Panoptismo, verbete: Panóptico
Parrhesia (grego) "Fa1ar franca e livremente"
Parrhêsie Parresía
Pédagogie Pedagogia
465
Phénoménologie Fenomenologia
Philodàme de Gádara Filodemo de Gádara
Philosophie Filosofia
Platon Platão
Platonisme Platonismo
Plutarque Plutarco
Police Polícia
Polizeiwissenschaft (alemão) Ciência da polícia, verbete: Polícia
Population População
Positivité Positividade
Pouvoir Poder
Pouvoir pastoral Poder pastoral
Pratique Prática
Prison Prisão
Psychagogie Psicagogia
Psychanalyse Psicanálise
Psychiatrie Psiquiatria
Psychologie Psicologia
Punition Castigo
Pl,thagorisme Pitagorismo
R
Race Raça
Racisme Racismo
Raison d'État Razáo de Estado
Raréfaction Rarefação
Rationalité Racionalidade
Religion Religião
Renfermement Clausura
Répression Repressão
Résistance Resistência
Révolution Revoluçáo
S
Salut Saúde
Savoir Saber
Sciences Humaines Ciências Humanas
Sexualité Sexualidade
Souci Cuidado
Souverainité Soberania
Stratégie Estratégia
Structuralisme Estruturalismo
Subjectivacion Subjetivação
Subjectivité Subjetividade
Sujet Sujeito
466
T
Tactique Tática
Technique Técnica
Technologie Tecnologia, verbete: Técnica
Techné (grego) Arte/Técnica
Téléologie Teleologia
Territorie Território
Therapeutiké (grego) Terapêutica
Totalité Totalidade
Tradition Tradição
Transcendental Transcendental
Trangression Transgressão
U
Ubuesque Ubuesco
Utopie Utopia
v
Vérité Verdade
x
Xénophon Xenofonte
467
írrrorcr oNoMASTIco
469
Borges, f. L. : 13,14,62 Costa, J.: 328
Brocca, P.: 363 Derrida, J.: 80, 81, 102, 201, 268
Broussais, F.: 79 Descartes, R.: 34, 45, 49,75, 80, 95, 98, 102, 103, 147,
Brown, P: 63,64, 151 t57, 1s9, 2t2, 226, 23t, 238, 239, 244, 268, 27 3, 30t,
302, 303,355, 424
BuÍIon, G.-L.: 142
Destutt de Tracy: 224, 238
Burkhardt, J.: 151
Diderot: 278
C Domenach, f.:99
Cabanis, P.: 66, 7 6, 77, 78 Dostoievsky, F: 92
Canguilhem, G.: 49, 66, 67, 150, 170, 204, 310 Dubos, J.-8.: 389
Cassiano, I.: 7 l, 83, 16l, 329 Dumézil G.: 61, 129, 153,264, U.8
Castel, R.:66, 71, Duns Escoto: 99
Cavaillês, J.: 49, 67, 170 Dupaty, C.: 88
Cervantes, M. de: 7 2, 127, l2B, 403
Dupont, P:47
Chapsal, M.: 389
Dupré, E.: 259
Charcot, l.-M.: 106, 285, 345,350, 356, 365, 366,
Dupré, M.:356
367, 402
Durkheim, E.: 129, 130,319,412
Clrardin, T. de:.295
Duval, l.: 201,202
Chemnitz, B. Ph. von:73,329,379
Chomsky, N. A.: 53, 73,245
E
Cí.cero 28,73,7 4
Engels, F.:294
Cipriano: 329
Epicuro:94, 138
Ciro: 428
Epiteto: 38, 94,145,146,151, 159
Clastres, P.: 412
Erasmo: 268
Clausewitz, C. von 7 4, 193, 194,399
Esquirol, I.: 35, 353, 35 4, 359, 363, 367, 369, 37 1
470
Fichte, l: 199 Hohental, P. C. W: 381
Filodemo de Gadara: 94, 172, 317, 318 Hólderlin, J. C.: 199, 210, 213, 267, 279, 307
Fodéré, F. E.: 351, 353, 354 Husserl, E.: 67, 168, 169, 170, 181, 199, 201, 212,
Fourcoy, A.-F.: 76 220,23t,305
Fronton: 44
I
G Janet, P: 260,392
47t
Lessing, G.: 167 181, 182, 185, 186, 190, 193, t94,198-201,204-206,
Leuret, F.: 356,357 2t0, 2t3, 2t9, 23t, 232, 238, 239, 255, 264, 267, 268,
27 r, 27 9, 286, 287, 29r, 293, 294, 296, 305-309, 324-
Lévi-Strauss, C: 30, 5 1, 61, 108, 129, 153, 219, 241,
326, 348, 37 4, 37 5, 382, 399, 4t r, 4t7, 421, 426
4r2,4t8
Lilburne, I.: 194
o
Linneo,C.:273
Olimpodoro: 94
Linneu, C: 142
Oppenheimer, f. R.: 228
Locke, I.: 144
Lombroso, C.:258,370 P
Lucílio: 317, 318 Palazzo G.:378,379
N Roussel, R. : 16, 18, 19, 44, 60, I 53, l&l, 210, 227, 25 l,
257,264,268,307,392
Nietzsche, F. : 1 1, 25, 26, 36, 40, 51, 61, 67, 89, 92, 99,
101, 107, 108, 119, 160-t62, 168, 169, t70, r73, 174, Russell, B.: 108,219
472
S U
Sade, F. Marques de:58,61, 105, 106, 128,210'249, Ussel, Jos van: 298,419
Spurzheim, l.G.:244
Steiner, M.:42
Swift, l.:286
Szasz, T.: 35
T
Tasse, Le: 286
Tours, f: 363
Trotsky, L: 297
473
íruolcr DE OBRAS
Conferências. Cassiano, 83
A
Con stituti on émotiv e, La. Dupr é, 259
Abrégé de la police, accompagné de reJlexions sur
laccroissement des villes. Willebrand, 381 Crítica da razao dialética. Sartre, 108
Alcibíades L Platão, 29, 30, 86, 90, 93, 94, 96, Critique de la raison dialectique, La. Sartre,199'
187,32r 2t9
Annales d' hygiàne publique. Barbin, 50
D
Antígon a. Sófocles, I0 I Dégénérés, état mental et syndromes
Anti-Oedipe, L. Deleuze & Guattari, 100, 133, épisodiques,Ies. Legrain & Magnan, 98
157 , t66, r82,346 Della ragione dí Stato dieci libri. Botero, 378,
Apologia de Sócrates. Platão, 93 379
Ars combinatória. Leibniz, 122, 135, 143 Dementia praecox oder Gruppe der
S chizophrenie n Bleuler, 259
E
Econômica. Xenofonte, 131, 132, 428
t
Leçons cliniques sur les maladies mentales.
Ecriture et la dffirence,I'. Derrida, 80 Magnan,98
Einbruch der Sexualmoral, Der. Reich, W,65 Lehrbuch der Psychiatrie. Kraepelir.r, 259
Electra. Sófocles,101 Leis. PlaÍáo, 131,321
En c i cl op é d i a. Leibniz, I 22 Leviatã. Hobbes, 209, 325
Erotika - Diálogo sobre o Amor. Plutarco,322 Liber de politia. Hohental, 38l
Essai sur I'idiotie. Propositions sur léducation Locus solus. Roussel, 227
des idiots mis en rapport avec leur degré Logique de Port-Royal. Arnauld & Nicole, 143
d' int elligence. Belhomme, 3 59
Logique du sens. Deletze,26, 98
Exercises spirituels et philosophie antique.
Logique et existence. Hyppolite, 222
Hadot, i98
Lutas de classes na França, As. Marx,294
F
Fausto. Goethe, 167, 1BB
M
Méditations cartésiennes. Husserl, 67, 170
Fédon. Platáo,30
M e dit aço es metafí si cas. Descartes, 1 02
Fedro. Platão,321
Méthode axiomatique e Formation de la théorie
Fenomenologia do espírito. Hegel, 198,222 des ensenbles. Cavaillês, 1 70
Filebo. Platao,32l Michel Foucault: conceitos essenciais. Reve1, 16
Fortschritte der Metaphysik. Kant, 12 Miroir politique, contenant diverses maniàres
de gouverner et policer les republiques, Le. La
G Perriàre, 191, 292
Généalogie du capital, t. I: Lês équipements du
Monar chie ar ist o démo cratique, ou le
pouvoir.Foucault, Deleuze & Guattari, 100
gouvernement composé des trois formes de
G enera m orb or um. Linneo, 27 3 légitimes republiques, La. Mayerne, 380
G es amm elt e S chr ift e n. Grulier, 42
Gramática de Port-Royal. Arnauld, 12i
N
Neyeu de Rameau, Le.Dtderot,278
Grundsàtze der Policey-Wissenschaft. )usti, 3Bl
Nicocles. Isócrates, I 32
Guerra civil na França, A. Marx, 294
N o sologie métho dique. Sauvages, 273
H o
Histoire de la philosophie européenne. Weber, 53
Obras completas. Borges, 13, 62
Hôlderlin et la question du pàre. Laplanche, 210
Oeconomie du Prínce,I'. Vayer, 191
Hortensio. Cícero, 28
Oeuvres philosophiques complàtes. Nietzsche,
52,10t
I Ordre psychiatrique, L. Castel, 71
Idée universelle de la médecine. lonsÍon,273
Organum. Bacon,47
Impressi ons dAfri que. Roussel, 227
Origem das espécies, Á. Darwin, 355
Instituições cenobíticas. Cassiano, 7 1, 83, 160
Irrupçao da moral sexual repressiva, A. Estudo das P
origens do carater compulsiyo da moral sexual. Panóptico, O. Bentham, 42,54,85,115, 116,
Reich,W.,381 33t,34t,344
476
A\exandr ra, 23, 7 4
P e d ago go.
T
Pensamentos. Marco Aurélio, 30 Tableau de la philosophie contemporaine.
Phénoménologie de la perceptlor. Merleau- Huisman & Weber, 53
Ponty, 98 Tentatiorr de Saint Antoirte, La. Flaubert, 776
Philosophische Arzt, Der. Weickhard, 273 Timeu. Platáo,327
P olítico. Platao, 3 4, 321 Traité de police. N. de Lamare, 380
Pratiqu e psychi atri que, La. D elmas, 259 Tr ait é des dégén ére s cen ce s phy si ques,
P r axeo s Tr actatus. Plater, 27 3 intellectuelles et morales de lbspàce humaine, et
des causes qui produisent ces variétés rnaladiyes.
Préface à la transgression, O. Bataille, 52
Morel,98
Príncipe, O. Maquiavel, 194,292
Traité du délire appliqué à Ia médicine à la
Psychanalysnte, Ie. Castel, 7l
rnorale et à la législation. Foderé, 351
Psychopathia sexualis. Kaan, 33, 97
Traité médico -phil osophi r1ue. Pinel, 352
P sy cho s e p ério tli que, La. BaIIet, 259 Lctreq 356
Traitement moral de la J'olie.
S
Ser e tempo. Heidegger, 200
Sexualitàt und Klassenkazpl Reiche, R.,65
Sobre a parresía. Gádara, 317,318
Société contre l'Etat, La. Reclrcrches
d anthropologie politique. Clastres, 412
477
QunreuEa LtvRo Do Nosso cATÁLoGo NÃo ENcoNTRADo NAs
LtvRARrAs poDE sER pEDrDo poR cARTA, FAX, TELEFoNE ou PELA lrurrRrurt.
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