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Os Inocentes Do Leblon - 3 Setembro 2021 - Roberto Motta
Os Inocentes Do Leblon - 3 Setembro 2021 - Roberto Motta
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OS INOCENTES DO LEBLON
UMA BIOGRAFIA DO IDEALISMO
A INSPIRADORA, POLÊMICA E INÉDITA
HISTÓRIA DA CRIAÇÃO E DOS PRIMEIROS DIAS
DO PARTIDO NOVO, CONTADA POR SEU OUTRO
CRIADOR
COM PREFÁCIO DE RODRIGO CONSTANTINO
1ª EDIÇÃO - 2021
Capa: Luciano Cunha
Revisão: Betty Vibranovsky
Diagramação: Leo Delfino
Entre em contato comigo. Eu adoraria saber o que você achou deste livro.
E-mail: osinocentesdoleblon@gmail.com
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Para
Alexandra, Maria Fernanda e João Felipe
minha mãe, Marly, e meu pai, Sertório
meus amigos Marcelo Ciuffo, Stuart Graham e Fábio Beato Costa, que
foram embora prematuramente
Fábio Lopes Sampaio, amigo de todas as horas há mais de quarenta anos
Agradecimentos
Este livro não teria sido possível sem Márcio Duarte, querido amigo
baiano, guerreiro incansável e apoiador de primeira hora. Foi Márcio quem
deu a ideia e me encorajou a seguir em frente.
Agradeço ao meu amigo Victor Bosch por sua amizade, patriotismo e
dedicação ao Brasil.
Agradeço a Roberto Ventriglia, que foi meu braço-direito nas batalhas
eleitorais de 2018 e 2020 e em todo o trabalho realizado pelo Rio de Janeiro
e pelo Brasil.
Agradeço a Rafael Hollanda, Robson Abreu, Rodrigo Sias, Marcelo
Rocha Monteiro, Heleno Palmieri, Renata Silbert, Guilherme Azevedo, Ana
Paula Oliveira, Ana Cláudia Moreira, Marcus Moraes, Dennys Andrade,
José Ernesto Marino Neto, Davi Oliveira, Marcelo Lessa e especialmente a
Fernando Mousinho pela leitura cuidadosa das primeiras versões deste
manuscrito e pelas preciosas sugestões.
Agradeço a M.G. pela ajuda com a redação, correção e edição de
passagens cruciais do texto.
A vida é mais, muito mais labiríntica do que é mostrado em nossa
memória – nossas mentes estão empenhadas em transformar a história em
algo suave e linear, o que nos faz subestimar o papel do acaso.
Nassim Taleb
Não basta fazer coisas boas – é preciso fazê-las bem.
Santo Agostinho
É mais difícil conviver com os colegas de partido do que lutar contra
seus adversários.
Jean-François Paul, Cardeal de Retz, 1702
AVISO IMPORTANTE
Este livro menciona o nome de muitas pessoas com as quais tive
contato – ou me associei de alguma forma – durante o período da
concepção e criação do Partido Novo. Essas menções têm como objetivo
documentar e contribuir para o entendimento da sequência de eventos
históricos. A menção de um nome não significa necessariamente que a
pessoa citada tenha aderido ao projeto do partido ou concordado com suas
ideias e premissas.
Da mesma forma, é possível que tenham sido omitidos nomes de
pessoas que tiveram participação relevante nos eventos descritos no livro.
Todo o esforço foi feito para apresentar os eventos como de fato
aconteceram, tendo como referências documentos em meu poder,
depoimentos pessoais e, inevitavelmente, minhas recordações. Erros podem
ter sido cometidos. Sugestões de correções ou inclusões assim como
contribuições de documentos e depoimentos para futuras edições podem ser
enviadas ao autor através do e-mail osinocentesdoleblon@gmail.com.
Prefácio
Eu Sou Testemunha
Rodrigo Constantino
A esperança de uma nova política, feita por gente que nunca foi
político de carreira, gente séria, preparada e com espírito público: o Novo
alimentou isso em mim e em milhares de pessoas. Roberto Motta estava lá
desde o começo, como peça-chave e amigo de longa data de João Dionísio
Amoêdo, o principal financiador do projeto, cujo nome passaria a ser
sinônimo do Partido Novo – um partido que ele, Motta e mais de uma
centena de idealistas criaram.
Neste livro, Motta faz um relato de como tudo começou, revela
detalhes de reuniões e também apresenta um perfil de João Amoêdo. A
trajetória de encontros e desencontros de Motta e Amoêdo termina em
ruptura, estampada num evento social em que ambos sequer se
cumprimentaram. Entender como isso aconteceu é essencial para
compreender o que parece ter dado errado no projeto. Algo se desviou da
meta – ou a meta sempre foi outra e muita gente foi enganada.
Sim, estou decepcionado com o Partido Novo e com João Amoêdo,
e tenho minhas razões. Afinal, participei de tudo – se não desde o primeiro
momento, como o Motta, pelo menos desde a fase inicial do partido.
Participei de inúmeras reuniões fechadas, em “petit comitê”, para ajudar a
criar um DNA doutrinário para o projeto, que era formado, basicamente,
por engenheiros que pensavam somente em um “choque de produtividade”
no poder Executivo. Fui um dos que emprestaram tempo, nome e empenho
para que o Novo fosse associado ao liberalismo, bandeira que defendo há
décadas.
Antes, porém, vale contar como cheguei ao João Amoêdo. Sua filha
foi minha estagiária ainda nos anos de mercado financeiro, na empresa de
gestão de recursos – Family Office – da qual eu era sócio. Era uma menina
muito inteligente e educada, que causou ótima impressão em todos nós. Ela
notou que eu passava um bom tempo falando de política, debatendo em
redes sociais e escrevendo textos sobre o assunto. Eu já era um militante da
causa liberal com certa exposição pública, e dividia meu tempo entre o
trabalho no setor financeiro e minha verdadeira vocação.
Certo dia ela mencionou o projeto que seu pai liderava, e perguntou
se eu tinha interesse em conhecê-lo. Marcamos o encontro. Ali começou
uma longa parceria. Fiz palestras para o Novo, divulguei o projeto, ajudei a
dar uma roupagem liberal ao partido. Por pressão do Amoêdo, aceitei
inclusive me filiar ao Novo quando ele efetivamente nasceu, o que nunca
tinha sido minha intenção: como comentarista e ativista liberal, não quero
estar preso a um partido, qualquer que seja ele. Mas confiei tanto no projeto
que abri essa exceção – da qual me arrependo. Também publiquei imagens
minhas com a camisa do Novo. Ou seja: eu literalmente vesti a camisa do
projeto de Amoêdo e seus colegas.
Onde foi que ocorreu o afastamento? O Novo é um partido que
abriga liberais mais “progressistas” e outros mais conservadores. Até aí,
tudo bem. Eu mesmo recomendava que o Novo deveria evitar cascas de
banana. O projeto era menos ideológico e mais prático: tornar o estado mais
enxuto e eficiente. Temas como aborto e legalização de drogas serviriam
apenas para causar fissuras internas e afastar gente competente. Eu nunca
achei que o Novo fosse um partido conservador, e eu mesmo não tinha me
tornado ainda um liberal mais conservador – o processo estava em curso,
como expliquei em meu livro Confissões de um ex-libertário.
A decepção não veio tanto pela postura “progressista” de muitos
filiados, e sim pela postura do próprio Amoêdo, principalmente durante o
governo Bolsonaro. Sua obsessão em atacar o presidente o tornou uma
espécie de sensacionalista demagogo, um típico esquerdista da velha
política que fica “lacrando” nas redes sociais. Amoêdo passou a culpar o
presidente por tudo de ruim que acontecia no mundo, terminando cada
mensagem com a bandeira do impeachment. Ali ficou claro que ele tinha
um projeto pessoal de poder, e não um projeto de país.
O controle do partido sempre foi exercido com mão de ferro.
Amoêdo foi quem colocou a grana, mas cheguei a acreditar que ele tinha
feito isso por total espírito público. Um homem muito rico, multimilionário,
com três filhas jovens, pode ser tocado por uma experiência pessoal e se
dedicar a um projeto altruísta. Foi nisso que confiei. Acredito que fui
ingênuo.
Muitas denúncias de “caciquismo” mostraram que Amoêdo não
pretendia renunciar ao comando total da sigla que financiara. Mas o Brasil
não precisa de mais um partido com dono. Isso é exatamente a velha
política que pretendemos denunciar e derrotar. Apesar de ótimos quadros no
Legislativo e também no Executivo – como o governador Romeu Zema em
Minas Gerais –, ficou claro que o Novo tinha uma pegada “tucana”, um
foco estritamente economicista voltado para os interesses da Faria Lima. O
laranja passou a ser o novo vermelho, ainda que desbotado. Mas política
não é como um negócio, a escolha de um candidato não é a de um CEO e o
“purismo” pode ser uma forma de ignorar que o ótimo é inimigo do bom e
de esquecer que política é a arte do possível. Passei a ver o Novo como um
PSDB melhorado, e isso está muito distante do partido liberal que imaginei.
Na vida quase nada é binário. Não guardo necessariamente mágoas,
apesar da decepção. Acho que o nascimento do Novo fez bem ao país, e
comparado ao que temos na vida política é, sem dúvida, muito melhor do
que a média. Tem, como já disse, muita gente boa. Mas o Brasil vive
tempos perigosos, com o establishment unido no esforço de derrubar o
presidente eleito para facilitar a volta dos corruptos socialistas. Críticas
pontuais e construtivas em relação ao governo ou ao presidente são
legítimas e necessárias. Mas não foi nada disso que Amoêdo passou a fazer
diariamente. Ele chegou a elogiar um ativismo judicial que claramente se
tornou uma das maiores ameaças à nossa democracia, com sua
partidarização e abuso de poder.
Essa obsessão estragou tudo, na minha opinião. Essa postura
lamentável do Amoêdo destruiu em mim a imagem que eu fizera dele ao
longo dos anos. Eu não me dediquei tanto para ajudar a construir um novo
PSDB, muito menos para contribuir com algum projeto pessoal de poder do
próprio Amoêdo. E é exatamente assim que vejo as coisas hoje. Uma pena.
O livro do Motta, através da simples exposição de fatos e
acontecimentos, ajuda a vislumbrar melhor esse personagem ambicioso,
oculto num homem gentil e com fala mansa. Quando terminei de ler, fiquei
mais convencido de que fui atraído para um projeto pessoal dele, e não era
isso que me interessava. Que o Novo, então, siga seu próprio rumo,
colaborando para bons projetos. Mas aquela fase de defesa quase
apaixonada e incondicional ficou para trás.
Eu me sinto traído.
Introdução
O Sonho Não Acabou
Uma das grandes aventuras da minha vida foi ter participado da criação de
um partido. O Partido Novo foi o primeiro da história brasileira a ser
concebido e criado sem a participação de políticos.
Boa parte da minha energia, dos meus sonhos, da minha capacidade de
trabalho e da minha esperança foram investidos nesse projeto, durante oito
anos. O envolvimento com uma atividade dessa natureza afetou decisões
profissionais, pessoais e familiares, com repercussões – positivas e
negativas – que ficarão comigo para o resto da vida.
Viajei por todo o país falando sobre uma nova forma de fazer política, em
nome do bem comum, com menor intervenção do Estado e mais liberdade,
segurança e prosperidade para todos.
Expliquei que política não pode ser negócio. Mostrei quanta riqueza o
Estado retira de nosso bolso – no Brasil, quase 50% do que ganhamos. Falei
da tragédia da segurança pública, um drama inaceitável que tira a vida de
milhares de brasileiros todos os anos e nos submete a um regime
permanente de medo.
Comovi, e fui comovido com o que disse e escutei nessa jornada.
Até que, em 2016, decidi deixar o partido que ajudei a conceber. O partido
seguiu sem mim, como fazem os filhos adultos, acertando talvez mais do
que errando, traçando na história política brasileira um caminho que,
embora muito diferente daquele que eu imaginava, dá sua contribuição para
a mudança de um cenário político corrupto, violento e obsoleto.
Se o Novo não fez e não representou ainda mais, a culpa não é da
multidão de brasileiros que acreditou, apoiou e continua apoiando o projeto,
nem dos candidatos eleitos – em sua maioria, muito acima da média
nacional –, mas de uma liderança partidária sem vocação política e
subordinada a uma centralização excessiva e do equivocado pensamento de
que um partido deve funcionar como uma empresa.
Na verdade, um partido é completamente diferente de uma empresa. Uma
empresa tem um dono, que contrata e demite funcionários. A razão de
existir da empresa é o lucro. O partido é uma organização voluntária,
movida por ideias e sonhos, e sua principal missão é servir como filtro de
acesso à política institucional.
O dono da empresa não representa seus funcionários. O líder político sem
representatividade tem carreira curta.
Não existe ambiente mais propício para desentendimento, traição e
conflito do que a política. Mas, como recomenda Nassim Taleb, devemos
resistir à tentação de impor uma narrativa emocionalmente satisfatória a
uma sequência de fatos passados que, provavelmente, obedeceram mais às
regras do acaso e a imperfeições individuais do que a qualquer plano
maléfico.
É nisso que escolhi acreditar – e por isso é importante registrar os fatos e
contar as histórias por trás desse ambicioso, idealista e muitas vezes
ingênuo projeto de construir um partido político sem as contaminações
usuais. São histórias de gente comum que deixou de lado suas vidas, correu
riscos e enfrentou obstáculos em nome do sonho de um país melhor.
Esse é um registro histórico justo e absolutamente necessário.
Meu projeto é um Brasil decente, seguro e estável, onde possamos criar
nossos filhos com a certeza de que o dia de amanhã será melhor que o dia
de hoje.
Há muito tempo eu tento ser digno dessa ideia, que exige desprendimento,
generosidade e abertura para o novo.
E é do Novo – e dos homens e das mulheres que o criaram – que trata este
livro.
Capítulo 1
O Começo
Meu pai trabalhou na Petrobras como engenheiro geofísico a vida inteira,
praticamente desde a criação da empresa, levado por meu tio Lindonor
Mota[1], um dos pioneiros da exploração de petróleo no país. Tio Lindonor
protagonizou uma famosa briga com o geólogo americano Walter Link, que
jurava que não existia petróleo no Brasil. Por causa do trabalho do meu pai,
moramos primeiro em Belém do Pará, onde nascemos eu e meu irmão
Danilo, e depois em Salvador, onde nasceram Paulo e Leila.
Em 1973, nos mudamos para o Rio. Meus pais nos colocaram, junto com
um monte de malas, no Opala azul de duas portas e pegamos a estrada. A
embreagem do Opala quebrou perto do Posto Rosa Cruz, na BR 116, alguns
quilômetros ao norte de Teófilo Otoni, em Minas Gerais. Ficamos quase
uma semana morando no carro enquanto um emissário enviado por meu pai
comprava uma peça para o conserto. Chegamos ao Rio em meio a uma forte
tempestade. Meu pai dirigia bem devagar, sem enxergar quase nada, em
uma época em que os carros da classe média não tinham ar-condicionado
nem desembaçador. Nos instalamos em Botafogo, primeiro em um
apartamento emprestado por um amigo, que ficava em uma cabeça de porco
[2]
na praia de Botafogo, e depois em um apartamento que meu pai
conseguiu comprar na rua Voluntários da Pátria.
Eu e meus três irmãos entramos no Colégio Santo Inácio – essa foi a razão
pela qual meus pais escolheram morar em Botafogo. Comecei no sétimo
ano do ensino fundamental, e fiquei conhecido como Bezerra. Eu e Danilo
íamos a pé, sozinhos, para a escola, e Paulinho e Leila iam no Opala com
minha mãe ou a pé com a babá.
Minhas memórias do Santo Inácio não são todas agradáveis. Naquela
época o termo “bullying” ainda não tinha sido popularizado no Brasil, mas
a prática já era bem conhecida. Como eu tinha sotaque nordestino, ganhei
logo o apelido de “paraíba” e virei alvo dos valentões. Minha vida se
transformou em um inferno, e durante muito tempo recriminei meu pai por
nos ter tirado de Salvador, onde morávamos em uma casa no conjunto
habitacional Paulo VI, na então deserta e quase rural Pituba, cercados de
natureza e de amigos.
Quando passei para o ensino médio, as coisas começaram a melhorar.
Ajudou muito a perda do sotaque baiano. Eu continuava tímido e tinha um
círculo de amizades bastante restrito. Passava o intervalo do recreio quase
sempre na biblioteca.
Os garotos populares da escola jogavam futebol. Eles sempre formavam
dois times: Cobras e Lagartos. Dois dos melhores jogadores tiravam par ou
ímpar e faziam a escalação dos seus times. Eu nunca era escolhido. Minha
falta de intimidade com a bola é total (até hoje).
No terceiro ano do ensino médio, minha vida melhorou mais ainda. A
direção da escola resolveu misturar todos os alunos e refazer as turmas. Eu
caí na 34, uma turma à qual devo minhas melhores memórias do colégio.
Na sala ampla, arejada e bem iluminada, como são todas as salas de aula do
casarão do Santo Inácio, eu me sentava no meio, um pouco para o lado
direito.
Ao meu redor, sentavam-se aqueles que se tornariam meus amigos mais
próximos, uma menina e dois rapazes. Éramos tão unidos que nos demos o
apelido de “Camarilha dos Quatro[3]”: eu, Verônica, Marcelo e João.
Nossas cadeiras ficavam em uma região intermediária entre a ordem e o
caos. Na nossa frente ficavam os nerds – naquela época chamados de CDFs
(se você não entendeu a sigla, pergunte pro seu pai). Era a turma que
prestava muita atenção e copiava tudo do quadro-negro. Atrás, ficava o
“fundão”, também conhecido como “cozinha” – os bagunceiros, que não
queriam nada com a hora do Brasil e passavam a aula jogando batalha naval
(era o equivalente da época ao joguinho de celular de hoje). Naquele meio
de campo, encontramos um ponto intermediário entre a seriedade e a zorra
total que nos permitia aproveitar o auge da adolescência ao mesmo tempo
que nos preparávamos para ser alguém, algum dia.
Verônica era um doce: bonita, meiga e sensível. Se me lembro bem, tinha
uma irmã mais nova chamada Vivian. Depois do Santo Inácio, perdemos
contato. (Verônica, se você estiver por aí, mande um sinal.)
Marcelo era expansivo, brincalhão, generoso, namorador e gostava das
coisas boas da vida, embora sua própria vida não fosse fácil. Ele estava
repetindo o terceiro ano do ensino médio e por isso tinha amigos mais
velhos (naquela idade, um ano de diferença já tornava alguém “mais
velho”). Ele perdera o pai ainda criança e morava com sua mãe, D.
América, em um apartamento na rua Senador Vergueiro, quase esquina com
Praia de Botafogo. João e eu zoávamos de sua preferência por hábitos
sofisticados, adquiridos na convivência com alguns de seus amigos – mais
velhos – cujas famílias eram ricas.
João era tranquilo, quieto, quase tímido, mas inteligente, determinado e
seguro de si. Eu frequentava a casa de sua família – primeiro um
apartamento na Av. Oswaldo Cruz, no Flamengo, e depois outro no Leblon
–, onde era sempre muito bem recebido. Acabamos descobrindo que nossas
mães se conheciam do tempo em que eram jovens e moravam em Natal, no
Rio Grande do Norte.
O pai de João tinha uma clínica radiológica em Botafogo, e João ajudava
na administração. De vez em quando, eu o acompanhava em alguma tarefa.
João dirigia um Fiat 147 da família. Um dia fomos entregar um documento
qualquer da clínica. João parou o carro na frente do Shopping da Gávea e
saiu. Eu fiquei. Dali a pouco um guarda batia no vidro do carro.
“Você sabe dirigir?”, ele me perguntou, com cara de poucos amigos.
“Sei”, respondi.
“Então, tira esse carro daqui antes que eu multe”.
Eu liguei o 147 e dei uma volta no quarteirão até o João voltar.
Nas férias de junho eu fui convidado por João a passar alguns dias em
uma casa que sua família tinha no centro de Petrópolis. João e as irmãs
tinham um grande círculo de amizades, e íamos a reuniões, festas, jogos e
sessões de cinema. Eu me sentia acolhido e bem-vindo.
Em março daquele ano – 1979 – tomara posse como presidente o
General João Baptista de Oliveira Figueiredo, sucedendo o presidente
General Ernesto Geisel. Era a etapa final do regime militar. Chame-o do
que você quiser: revolução, golpe, ditadura. Mas quem tem menos de 55
anos não pode me dar aula sobre isso. Eu vivi aquela época.
Ninguém tem a percepção correta da época que está vivendo. Só
retrospectivamente é possível colocar as coisas e as pessoas em seus
devidos lugares e proporções.
Em 1979, como diz meu amigo Marcelo Rocha Monteiro, as opções
ideológicas disponíveis e aceitáveis eram extrema-esquerda, esquerda
radical e esquerda.
Computadores pessoais ainda não haviam sido inventados, muito menos
a internet ou o telefone celular. As únicas fontes de informação eram os
jornais (os principais eram o Jornal do Brasil e O Globo) e a televisão, com
meia dúzia de canais (nada de TV a cabo). Minha diversão principal era ler,
mas livros eram caros, e a seleção disponível bastante limitada. Quando eu
comecei a ler em inglês, para melhorar minha fluência, tinha que pegar
livros emprestados na biblioteca do Consulado Americano, na Av.
Presidente Wilson.
Não me lembro de ter discutido política alguma vez com João ou com
Marcelo. Nossa amizade girava em torno de outras coisas. Política eu
conversava com outra turma, mais ligada nisso. Foi com um desses outros
amigos que fui, no auge dos meus 17 anos – e morrendo de medo – à sede
do Partido Comunista Brasileiro, na Cinelândia, pegar adesivos da
campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.
Quando soube disso, o então coordenador do meu ano do ensino médio,
Georges Frederic Mirault, me chamou na sala dele. Georges era um cara
especial. Filho de um famoso pianista, Aloysio de Alencar Pinto, e bacharel
em direito, Georges cuidava da nossa turma, pelo que lembro, desde que
entrei no Santo Inácio.
Quando me sentei na cadeira em frente à mesa dele, Georges me
perguntou, cheio de tato, se eu sabia quem eram as pessoas que seriam
beneficiadas com a anistia e o que elas tinham feito.
Eu não sabia.
Ele me explicou, e eu saí da sala dele um pouco menos ingênuo.
Subitamente, o ano de 1979 acabou e demos adeus ao Santo Inácio. Cada
um de nós seguiu seu caminho e seu destino.
Perdi totalmente o contato com Verônica.
Marcelo Ciuffo de Aguiar Silva se tornaria um médico psiquiatra
conhecido no Rio, e estaria sempre, de uma forma ou de outra, próximo de
mim.
E o destino decidiu que eu ainda ouviria falar muito do João.
João Dionísio Filgueira Barreto Amoêdo.
João Amoêdo.
Capítulo 2
Quando Éramos Jovens e Sabíamos Tudo
Como o próprio João já contou[4], o Partido Novo começou com uma
conversa que nós dois tivemos e, durante um bom tempo, foi um projeto
limitado a ele, eu e nossas famílias.
Mas é preciso voltar um pouco mais no tempo para conhecer a história por
inteiro – ou, pelo menos, as partes que eu conheço e posso contar.
Quando saímos do Santo Inácio, eu fui cursar Engenharia Civil na PUC,
Marcelo foi cursar Medicina na UFF e o João foi fazer Engenharia Civil na
UFRJ e, ao mesmo tempo, Administração da PUC. Mantínhamos um
contato infrequente, mas continuávamos amigos. Lembro de um dia, em
1982, quando saímos para comer uma pizza com um grupo de amigos do
João. O tópico de discussão era as próximas eleições para governador, e o
candidato favorito era Leonel Brizola. No grupo estava uma menina muito
bonita, que atraía todas as atenções. Pouco tempo depois eu a reconheceria
nas telas de tevê: era Malu Mader.
Em 1984, meu último ano de faculdade, fiz vários concursos públicos e,
antes de saber dos resultados, comecei a trabalhar na então Arthur
Andersen, uma empresa de consultoria americana que começava no país.
João foi trabalhar no Citibank e sugeriu que eu fizesse uma entrevista no
banco. Mas, a essa altura, eu já havia sido aprovado nos concursos para a
Vale do Rio Doce (na época uma estatal) e para a Petrobras, onde fui
trabalhar.
O tempo passou e fomos perdendo o contato. Um dia encontrei um amigo
em comum, Marcelo Lessa, colega da Petrobras, que me contou a novidade:
“João saiu do Citibank. Foi contratado para ser diretor de outro banco
ganhando mais que o chefe do seu chefe”.
Essa foi a última notícia que tive do João por um bom tempo. Marcelo
Ciuffo e eu nos reaproximamos – ele já médico formado. Era o final dos
anos 1980, e o Brasil era um lugar complicado para se viver. A inflação alta
tornava a vida difícil, e a criminalidade já projetava sua sombra escura
sobre o dia a dia do carioca. O trabalho na Petrobras – na área de suporte de
sistemas de mainframe – não me satisfazia, e eu não conseguia ver qualquer
perspectiva de melhora; nem para o trabalho, nem para o país.
Coloquei na cabeça que iria embora. Entrei para o curso de inglês Brasas e
comecei a estudar francês na Aliança Francesa. Junto com colegas de
trabalho, contratei um professor de inglês chamado Gary, que nos dava aula
nos canteiros na frente do edifício-sede da Petrobras, na hora do almoço.
Entre os alunos estava Pedro Cintra, que sairia da Petrobras para fazer
brilhante carreira no exterior trabalhando, entre a Europa e os EUA, nas
empresas Amadeus, Intel e agora na Google. Na minha ânsia de ir embora,
inscrevi-me em vários programas de bolsa de estudos no exterior.
Em 1989 meu esforço deu resultado: fui chamado para fazer entrevistas
para uma posição de consultor do Banco Mundial em Washington DC, com
especialização em sistemas DEC/VAX. Fui, fiz as entrevistas e voltei. Um
dia recebo uma ligação dizendo que aquela vaga havia sido cancelada, mas
que surgira outra em uma área que eu também dominava: mainframes IBM.
Será que eu tinha interesse? Lá fui eu outra vez para Washington DC para
mais uma série de entrevistas.
No final do ano, recebi a confirmação do Banco Mundial de que o
emprego era meu, ao mesmo tempo que fui aceito em um programa de
bolsa de estudos para MBA na Universidade de Louvain, na Bélgica.
Escolhi o Banco. Vendi meu Chevette 1984 e no dia 27 de dezembro de
1989, enquanto uma tempestade de verão caía sobre o Rio, peguei um voo para
Washington com conexão em Nova York.
Fui embora para não voltar.
Parênteses: comentei com colegas da Petrobras sobre o programa de
bolsas da Bélgica e, no ano seguinte, dois deles – Marcos Sobral e Marcelo
Lessa – se inscreveram e ganharam bolsas de MBA. Por sua vez, Marcos
Sobral comentou sobre o programa com um amigo dele, Eduardo
Bartolomeo, que também se inscreveu e foi estudar na Bélgica. Eduardo
hoje é CEO da Vale. Fecha parênteses.
Nos Estados Unidos, como disse Guimarães Rosa, eu fui “feliz e infeliz,
alternadamente”. O trabalho no Banco Mundial me realizava
profissionalmente e durante muito tempo vivi uma vida quase perfeita. Três
meses depois de chegar aos EUA, no dia do meu aniversário – 22 de março
de 1990 –, entrei em uma concessionária só para olhar os carros na vitrine,
e saí dirigindo um Honda Civic último modelo – talvez o carro mais
sofisticado que já tive. Até o cinto de segurança do motorista era
automático. Viajei bastante pelos EUA, especialmente pelo Colorado, onde
morava uma americana que namorei por quase um ano. Mas o estilo de vida
era muito solitário e a saudade da família era grande. Esses eram tempos
pré-internet e chamadas telefônicas internacionais eram caras. Eu mantinha
contato esporádico com os amigos do Brasil.
Em 1994 decidi voltar de vez ao Brasil. Fui trabalhar na Shell como
Gerente de Infraestrutura de Tecnologia. Retornei ao Brasil com olhos de
estrangeiro. Tudo parecia estranho e errado, dos apontadores do jogo do
bicho em cada esquina ao trânsito que parecia não obedecer a lei alguma.
Quando minha mudança chegou, fui fazer o desembaraço na alfândega.
Tudo o que eu trazia na mudança deveria ser, por lei, isento de qualquer
imposto, e para isso eu já tinha cumprido com todos os procedimentos
burocráticos no consulado brasileiro em Washington. Mas o fiscal
encarregado da liberação dos meus pertences resolveu mudar a regra e me
cobrar o imposto do qual eu era isento. Quando eu disse que a lei me
isentava de impostos, ele respondeu: “A lei aqui sou eu”. Era assim que o
país me recebia de volta.
Eu me indignava, acima de tudo, com o crime. Nos quatro anos e meio
em que morei nos EUA nunca conheci uma única pessoa que tivesse sido
vítima de um crime. Meu chefe no Banco Mundial, o sueco Anders
Bergvind, deixava a porta de casa destrancada para a faxineira entrar. Isso
em Washington DC, cidade que, na época, era considerada uma das mais
violentas dos EUA.
Retomei contato com Marcelo e João. Marcelo logo se tornou meu
amigo mais próximo e confidente. Casado com Ivna, uma linda morena de
olhos verdes e muitos centímetros a mais que ele, Marcelo já tinha dois
enteados (do primeiro casamento dela) e uma filha, Carolina.
Com João meus contatos eram menos frequentes. Falávamos de vez em
quando por telefone e nos encontrávamos quando eu ia a São Paulo. A
transformação dele tinha sido impressionante: o menino tímido e quieto que
conheci no Santo Inácio tinha se tornado uma das figuras mais conhecidas
do mercado financeiro. Descobri, surpreso, que todos os meus amigos e
conhecidos ligados a finanças falavam dele com respeito. À medida que
subia no mundo dos negócios, ele adotava o esporte como válvula de
escape. Além de já ter completado inúmeras maratonas, ele agora competia
em nível profissional em provas de Ironman, a modalidade mais dura de
triátlon.
Um triátlon é uma competição de natação de 3 mil metros no mar,
seguida por um trecho de bicicleta de 180 km (o equivalente a ir do Rio a
Búzios), seguida de uma maratona – 42 km de corrida. João também fazia
windsurfe, esporte que eu havia aprendido quando ainda morava nos EUA.
João parecia conhecer todo mundo que tinha alguma relevância no
Brasil. Um de seus companheiros de competições era o João Paulo Diniz,
herdeiro de Abílio Diniz, dono do grupo Pão de Açúcar. Ele era próximo de
Fernão Bracher, de quem foi sócio no BBA.
Uma vez fui com ele a uma reunião na Casa das Garças, um think tank
localizado em uma mansão no Jardim Pernambuco, no Leblon. Acabada a
reunião, um grupo se formou em volta do João. Um senhor alto me
estendeu a mão, apresentando-se: “Prazer, Pedro Malan”. Eu só consegui
sorrir e gaguejar: “Eu sei quem você é”.
Em 2001 aconteceu um incidente que me impressionou pela forma como
expôs a fragilidade da nossa segurança no Brasil. Um dos funcionários da
minha antiga equipe da Shell, Alexandre, se preparava para atravessar uma
rua de Niterói, de mãos dadas com seus dois filhos, quando um carro furou
o sinal em alta velocidade, quase atropelando os três. Ele reclamou em voz
alta – pode ter dito um palavrão – e continuou a andar. Um pouco à frente,
pressentindo algo, ele se virou e viu o carro parar e dele desembarcar um
homem, que assumiu posição de tiro e disparou três vezes uma pistola em
sua direção. Alexandre estava de mãos dadas com os filhos e parado em
frente a um ponto de ônibus lotado. Ele caiu ferido por um dos disparos,
que ricochetou em sua omoplata e perfurou seu pulmão. O atirador retornou
calmamente ao seu carro e saiu sem pressa pela manhã ensolarada de
Niterói.
Em 2002 me casei com a mulher da minha vida, Alexandra, na Igreja da
Glória. Marcelo e Ivna foram padrinhos. Nosso primeiro filho, João Felipe,
nasceu em outubro de 2003.
Em nossos encontros eu sempre dizia ao João: “Você já resolveu sua
vida. Tem que voltar para o Rio, comprar uma lancha e uma casa em Angra
e aproveitar”. Um dia descobri que ele tinha feito exatamente isso.
No verão de 2004 ele nos convidou para um final de semana na casa que
estava alugando em Angra dos Reis. Fomos eu, Alexandra, João Felipe (na
época com apenas um ano de idade), Marcelo Ciuffo e Ivna. Um episódio
desse final de semana foi muito curioso.
A casa era na beira do mar e, bem em frente, a mais ou menos um
quilômetro, ficava uma daquelas pequenas ilhas paradisíacas que existem
em Angra. Combinamos, Marcelo, João e eu, de ir nadando até lá. Por
segurança – como eu não era nenhum atleta de elite – resolvi colocar um pé
de pato. Quando João percebeu, disse: “Ah, então vou colocar uma roupa de
neoprene para melhorar a flutuação”, como se estivéssemos em uma
disputa. Eu e Marcelo rimos muito disso. Claro que João chegou à ilha
primeiro. A casa também tinha uma mesa de totó – futebol de mesa –, e as
partidas eram, previsivelmente, disputadíssimas. Foi um final de semana
maravilhoso.
Em maio de 2007, Alexandra, eu, Marcelo e Ivna decidimos tirar férias
juntos e viajar aos EUA. O roteiro incluía São Francisco e a região ao norte
da cidade, uma área de vinícolas chamada Sonoma Valley (que Alexandra
insistia em chamar de Napa Valley, que era a região ao lado). Foi uma
viagem mágica – Marcelo devia estar pressentido o golpe que o destino iria
lhe dar pouco depois. A primeira parada da viagem foi San Diego, para
visitar o João e a família, que estavam morando nos EUA por um tempo,
em uma casa alugada em La Jolla.
Marcelo e Ivna ficaram em um hotel, e Alexandra e eu ficamos
hospedados com João e Rosa. Era uma casa de design moderno, dividida
em vários níveis em declive. Ficamos no nível inferior, em um quarto de
hóspedes bonito, confortável e iluminado. A família Amoêdo havia se
adaptado ao american way of life. À noite, sentávamos juntos nos sofás da
sala de TV para assistir Borat, que acabara de ser lançado, e jogar conversa
fora.
Em novembro de 2010 nasceu nossa filha, Maria Fernanda. Uma das
poucas visitas que recebemos ainda na maternidade foi a de João e Rosa,
que deram de presente a Maria uma corrente de ouro que ela guarda com
carinho até hoje.
Capítulo 3
Enquanto Isso, O Brasil
Enquanto isso, o Brasil seguia seu caminho como sempre: aos trancos e
barrancos. Quando fui embora do país, em 1989, Collor tinha sido eleito.
Uma madrugada, já morando em Bethesda, subúrbio de Washington DC, fui
acordado pelo toque do telefone: do outro lado da linha, meu amigo Fábio
Sampaio me informava que Collor havia congelado a poupança.
Acompanhei de longe o drama do seu impeachment. Quando voltei ao
Brasil em 1994 o presidente já era Itamar, e o plano Real, de combate à
inflação, tinha sido recém-implantado e já dava resultados.
Quem tem menos de 50 anos não sabe o que é inflação. A febre de
desvalorização da moeda e aumento de preços foi contraída pelo Brasil no
início dos anos 1980, e atingira seu ápice em março de 1990, quando o
índice de inflação atingiu 80% ao mês. As coisas quase dobravam de preço
de um mês para o outro. O Brasil já tinha feito várias tentativas de debelar
esse monstro. Seis “planos econômicos” já haviam sido tentados: Plano
Cruzado e Plano Cruzado II (1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão
(1989), Plano Collor (1990) – foi esse que congelou a poupança – e Plano
Collor II (1991).
Quando ninguém tinha mais qualquer esperança, Fernando Henrique
Cardoso, então ministro da Fazenda de Itamar Franco, reúne um grupo de
economistas jovens e ousados e pimba: dá um tiro certeiro no dragão
inflacionário.
Agora o Brasil decola, eu pensei. E durante muito tempo mantive esse
pensamento, principalmente depois que, em 1995, FHC foi eleito
presidente. Meu entendimento de política e assuntos associados –
economia, ideologia, filosofia, história e tantas outras coisas – ainda era
incipiente. Tudo o que eu conseguia fazer na época era comparar o currículo
de FHC – intelectual, poliglota, professor de universidades estrangeiras,
comandante do Plano Real – com o de seus predecessores imediatos e de
outras personalidades poderosas do meio político. A diferença era
gigantesca, a favor de FHC. Votei nele em 1994 e 1998, com convicção.
Um grande marco da época foi a privatização das estatais de
telecomunicação, dinossauros pré-históricos que só serviam para enriquecer
políticos. Telefonia no Brasil era uma piada. Você comprava uma linha de
telefone fixo. A espera pela instalação levava até quatro anos. Uma linha
telefônica era considerada patrimônio – devia ser informada na sua
declaração de imposto de renda.
A privatização ocorreu em 1998, e incluiu todas as empresas estaduais
de telecomunicação – na época, cada estado tinha uma. A empresa do Rio
era a Telerj. Eu já havia saído da Shell e trabalhava na HP, uma
multinacional de informática. Meu nome foi recomendado por Silvio
Genesini, ex-sócio da Arthur Andersen (na época já rebatizada de Andersen
Consulting), para ser um dos gerentes da área de tecnologia da Telemar, a
recém-criada holding que passou a controlar 16 antigas empresas estaduais
de telecomunicação, do Rio de Janeiro ao Amazonas.
Comecei no meu novo emprego em janeiro de 1999 e entendi ainda
melhor o estrago que a política patrimonialista faz no Brasil. Uma de
minhas missões foi revisar todos os contratos existentes da área de
informática. Descobri que uma famosa multinacional tinha um contrato
milionário de aluguel de um computador mainframe para uma operadora
estadual, sem que ninguém soubesse dizer onde estava o computador.
Desperdício e ineficiência eram a regra.
Embora incomodado com isso – e com coisas que via nas ruas e na mídia
–, eu mantinha uma distância segura da política. O máximo que eu fazia era
escrever. Em outubro de 1999, a revista Você S.A. publicou meu artigo “Por
que os Estados Unidos são o que são – Quatro lições que aprendi na
América[5]”. Fora disso, meu foco era minha vida pessoal e minha carreira.
Confesso que não me lembro em quem votei na eleição presidencial de
2002. Acho que foi no Serra. Meu estado de indiferença em relação à
política permanecia o mesmo. Mas, quando o Jornal Nacional mostrou uma
matéria especial sobre Lula, com um trecho em que ele recebia a faixa
presidencial das mãos de FHC, eu me emocionei. O menino de Garanhuns –
um operário! – virando presidente.
Esse país está mesmo mudando, eu pensei.
Quanto tempo foi preciso até que percebêssemos o que estava
acontecendo de verdade? – que o Brasil estava sob o comando de uma
quadrilha? É difícil dizer com certeza. Mas os sinais não demoraram a
aparecer.
No período de 2003 a 2006 trabalhei na área comercial de algumas
empresas de tecnologia, e histórias sobre conversas esquisitas e pedidos
estranhos de funcionários de estatais ou de governos se multiplicavam. Mas
não era possível, eu pensava comigo mesmo. É o Partido dos Trabalhadores
que está no poder. Como é que alguém pode estar sugerindo práticas
ilícitas? Nesse período, profissionalmente turbulento, aprendi o que
significava fazer negócios com o governo e como a lei 8.666, que regulava
as licitações públicas, tinha gerado um ecossistema especializado em burlar
licitações. Era inacreditável.
Em 2005 estourou o Mensalão. Segundo uma denúncia, o Partido dos
Trabalhadores havia pago 30 mil reais por mês a vários deputados para que
aprovassem legislação de interesse do partido. O dinheiro vinha dos
orçamentos de publicidade das empresas estatais, canalizados através de
uma agência de publicidade.
Era o primeiro sinal. Mas Lula foi poupado e se reelegeria em 2006.
No final de 2006, em uma viagem de trabalho aos EUA, ouvi falar de
uma tecnologia da empresa ShotSpotter que detectava disparos de armas de
fogo e informava sua localização à polícia em menos de 15 segundos. Vou
ficar rico vendendo isso no Brasil, pensei. Eu sabia que a situação de
segurança era crítica. Se havia algum mercado para aquela tecnologia, era
no Brasil.
Em 2007 criei uma empresa – a American Security International do
Brasil – e negociei com a ShotSpotter a representação comercial exclusiva
para o país. Andei por todo o Brasil fazendo reuniões e apresentações sobre
a tecnologia, ao mesmo tempo que aprendia como funcionava nosso sistema
de segurança pública. Me espantavam o atraso, a improvisação e as práticas
estranhas que eu descobria. Segurança pública viria a se tornar um de meus
interesses principais. Acredito que posso dizer que eu, um engenheiro civil
com mestrado em gestão de empresas, sou hoje uma das pessoas que
melhor compreende – e explica – o processo de degradação de nosso
sistema de justiça criminal.
Como empreendedor, fui extremamente ingênuo. Achei que conseguiria
prosperar vendendo um produto cujo único cliente era o Estado, sem
precisar flexibilizar meus padrões éticos e morais. Foi uma experiência
duríssima. Conseguimos vender dois projetos piloto: um para o governo do
Rio de Janeiro em 2010, que foi instalado na Tijuca (e que ajudou na
proteção à Copa do Mundo de 2014), e outro para o município de Canoas,
no Rio Grande do Sul, em 2011. Embora os resultados dos projetos
tivessem sido excepcionais (Canoas registrou queda de 41% no número de
homicídios[6]), a burocracia excessiva, a lentidão interminável e os pedidos
impróprios – que aconteciam frequentemente – me levaram a uma decisão
amarga: fechar a empresa.
A essa altura o país começava a perceber o que eu já tinha descoberto:
que o Partido dos Trabalhadores tinha se tornado uma grande decepção.
Em 2007 me envolvi com uma iniciativa chamada Projeto de Segurança
de Ipanema, criada e conduzida por Inês Barreto, uma líder comunitária,
com o objetivo de cuidar da segurança do bairro. Foi minha primeira
experiência com ativismo. Foi nessa época que mandei uma carta aberta ao
então presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, pedindo a
ajuda da entidade no combate ao crime (eu continuava ingênuo).
Comecei a participar da Associação de Moradores de Ipanema. Era
preciso fazer alguma coisa. Comecei a levar sacos de lixo industrial para a
praia e fazer uma faxina geral em um raio de 20 metros ao meu redor. Até
hoje – para vergonha dos meus filhos – mantenho esse hábito.
O ano de 2007 era o primeiro ano do mandato de Sérgio Cabral como
governador do Rio de Janeiro. Entre as novidades, ele havia empossado um
delegado da Polícia Federal como secretário de Segurança, José Mariano
Beltrame. Tudo indicava uma grande diferença entre o novo secretário e
seus predecessores, que marcaram o Rio de Janeiro com desempenhos
medíocres e a utilização da Secretaria como trampolim para a política
eleitoral.
O Rio de Janeiro sentia renascer, mais uma vez, a esperança de que as
coisas pudessem mudar. Por razões profissionais – eu havia acabado de
fundar uma empresa de tecnologia de segurança –, eu acompanhava de
perto as notícias sobre criminalidade. Uma das minhas principais fontes de
informação era a coluna Repórter de Crime, do jornalista Jorge Antônio
Barros, com quem eu, às vezes, me correspondia por e-mail.
Em agosto de 2007, Jorge pediu a seus leitores sugestões de perguntas
para o novo secretário de Segurança. A melhor pergunta seria enviada ao
secretário e a resposta publicada na coluna. Minha pergunta foi baseada em
uma notícia veiculada nos jornais cariocas pouco tempo antes. Um dos
acusados pelo sequestro, tortura e morte do jornalista Tim Lopes em 2002 –
o criminoso Eliseu Felício de Souza, o Zeu –, que havia sido condenado a
23 anos e seis meses de prisão pelo crime, recebera o benefício da
progressão para o regime semiaberto depois de menos de cinco anos preso,
e imediatamente fugira. Minha sugestão de pergunta para o secretário foi:
“Prezado secretário, a fuga desse criminoso revela a existência de uma
lei absurda. Presos condenados por crimes como esse não podem receber
benefício algum. Por que o senhor e os outros secretários de Segurança do
Brasil não se mobilizam e vão à Brasília mudar essa legislação?”
A resposta do secretário não era a que eu esperava. Ele respondeu:
“Roberto, essa é uma tarefa da sociedade. É a sociedade que precisa se
mobilizar”.
Resolvi levar a recomendação do secretário a sério, e segurança pública
veio a se tornar minha pauta principal. Eu não imaginava as surpresas que o
destino me preparava: em 2018 eu dividiria um palco com o próprio
Beltrame, em uma apresentação sobre segurança pública para a equipe do
projeto Segurança Presente, no auditório do Maracanã. Mas as surpresas
maiores vieram no final daquele ano. Primeiro, fui nomeado um dos
coordenadores da equipe de transição do recém-eleito governo estadual,
com a missão de conduzir a transferência da gestão da segurança pública do
Rio da equipe do Gabinete de Intervenção Federal para as recém-criadas
Secretarias de Polícia Civil e Militar. Em seguida fui nomeado Secretário de
Segurança, exercendo o cargo por um curto período.[7].
Voltando a 2008: eu conversava com meu amigo David Zylbersztajn,
primeiro Diretor Geral da Agência Nacional de Petróleo, quando soube que
Fernando Gabeira seria candidato a prefeito do Rio. Considero Gabeira uma
figura singular de nossa cena política e intelectual. Li seu livro O Que É
Isso Companheiro? aos 18 anos e fiquei impressionado. Suas posições
políticas se originaram de convicções, nunca da busca por fama, poder ou
riqueza. Quando suas convicções mudaram, ele mudou de posição. Isso o
levou da extrema-esquerda – da guerrilha das décadas de 1960/70 – para
uma posição de não alinhamento com posições ideológicas puras. Gabeira
fez o mea-culpa a respeito do socialismo que a maioria dos intelectuais
jamais teve a coragem moral de fazer. Ele enfiou o dedo na cara do então
presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, acusado na época de receber
dinheiro em troca da concessão do restaurante da Câmara dos Deputados.
As palavras de Gabeira para Severino ainda ecoam no Congresso Nacional:
“A sua presença na presidência da Câmara é um desastre[8]”.
“Por que não conversamos com ele?”, perguntou David. “Quem sabe
podemos ajudar.” Topei na hora – e logo comentei a história com o João
Amoêdo e perguntei: “Você não quer conversar com o Gabeira também?”.
Ele queria, e a primeira reunião foi marcada no escritório do David, que
ficava no início da rua Visconde de Pirajá, próximo ao canal do Jardim de
Alah. Gabeira é uma figura impressionante: calmo, seguro, articulado e
extremamente culto. Ele se expressa com clareza e concisão, e ouve com
atenção. Sua esposa, Neila Tavares, sempre envolvida com suas campanhas,
é inteligente, gentil e observadora afiada da cena política.
João já tinha voltado de vez para o Rio e morava em um apartamento
moderno ao lado do Country Club. Nos encontrávamos de vez em quando,
no Rio ou em São Paulo, onde ele passava alguns dias por semana cuidando
de seus negócios.
O projeto do Gabeira nos entusiasmou. Era a chance de fazer alguma
coisa de concreto pelo Rio. Minha preocupação principal já era com
segurança pública. Participei de algumas reuniões no comitê eleitoral do
Gabeira, que ficava na esquina da Av. Rio Branco com a rua da Candelária.
Um dos coordenadores do programa de governo era o Eloy Fernandez y
Fernandez, e a comunicação ficou com o Moacyr Góes. Preparei um
material apresentando uma série de medidas para dar à Guarda Municipal
protagonismo no combate ao crime, usando inovações tecnológicas e
operacionais (isso em 2008!). Gabeira fazia campanha com o coração;
lembro de alguém dizendo que ele abandonava os scripts preparados e
gravava seus programas eleitorais falando o que lhe vinha à mente – e ele
fazia isso muito bem.
Tão bem que, na votação do primeiro turno, que aconteceu no dia 5 de
outubro de 2008, Gabeira ficou em segundo lugar, com 839.994 votos,
enquanto Eduardo Paes ficou em primeiro com 1.049.019 votos. Dobramos
a energia e o entusiasmo. Infelizmente, como tantas vezes acontece em
política, não era para ser: Gabeira perdeu a eleição no segundo turno por
uma diferença minúscula: de apenas 1,66% de votos válidos. O governador
Sérgio Cabral havia decretado feriado às vésperas da eleição, e muita gente
viajou. Gabeira perdeu a eleição por aproximadamente 45.000 votos. A
imprensa estimou que 90.000 cariocas viajaram no feriado.
Fico imaginando como a história do Rio – e nossas histórias pessoais –
teriam sido diferentes se Gabeira tivesse vencido aquela eleição. De
qualquer forma, aquela campanha teve um efeito importante, ainda que
indireto e não premeditado: foi aí que João e eu começamos a falar mais a
sério sobre política.
Ainda em 2008, em um dia quente no final de novembro, tocava meu
celular. Era João. “Motta, tem um minuto?” Eu saí da sala de reunião onde
estava e fui para o corredor. João queria minha opinião: Eduardo Paes o
havia convidado para ser secretário de Finanças. Aceito ou não? João queria
saber. “Claro”, eu respondi. “É uma oportunidade fantástica.” Conversamos
muito; João não tinha certeza se teria a independência necessária.
O prazo para dar a resposta era de poucos dias. Era realmente uma
responsabilidade grande. No final, João decidiu mandar um e-mail para
Eduardo Paes estabelecendo os termos nos quais ele aceitaria assumir o
cargo. Ele pediu que eu o ajudasse revisando o texto. Era um e-mail duro:
se me lembro bem, havia mais de dez itens com as condições exigidas por
João. A primeira dizia que o secretário deveria ter total autonomia para
tomar decisões técnicas, sem qualquer interferência política. O resto do
texto era no mesmo tom.
João enviou o e-mail, e ficamos – os dois – em uma grande expectativa.
Os dias se passavam, e não vinha nenhuma resposta.
Uma semana depois, Eduardo Paes anunciava a economista Eduarda La
Rocque como secretária de Fazenda.
Capítulo 4
E Se Fundássemos Um Partido?
No período que se seguiu à campanha do Gabeira, João e eu
continuávamos procurando uma forma de ajudar o país. Uma vez, fomos
almoçar no restaurante Gula Gula que ficava na rua Henrique Dumont, em
Ipanema, com uma conhecida dele, diretora de um projeto chamado Rio
Como Vamos, uma ONG que produzia indicadores sobre o Rio. Mas criar
uma ONG não parecia ser o caminho. Ouvimos falar de um milionário
africano que tinha criado uma espécie de “prêmio Nobel” anual para os
melhores gestores públicos da África, e durante um tempo debatemos essa
ideia e rascunhamos um projeto, mas isso também não nos entusiasmou.
Conversávamos com ativistas, empreendedores, políticos – chegamos até a
mandar um e-mail para o então senador Jarbas Vasconcelos em resposta a
uma declaração dele sobre renovação política. Nada ia para a frente.
Até que, no início de 2009, voltamos mais uma vez ao assunto, muito
provavelmente durante um jantar em um restaurante da rua Amauri, em São
Paulo. Falamos primeiro de esportes – de windsurfe e de natação, que eu,
na época, praticava com assiduidade. João comentou sobre um banqueiro,
conhecido seu, que deixara de frequentar a academia porque isso “lhe tirava
o foco”. (Não vou citar o nome do banqueiro.) Rimos daquela tolice.
Quando mudamos o assunto para a política, eu sugeri: “E se fundássemos
um partido?”.
A ideia ficou no ar. Nos inspirava, entre outras coisas, a história de
Sergio Fajardo Valderrama, ex-prefeito de Medellín, na Colômbia, entre
2004 e 2007. Doutor em matemática, Sergio, segundo o que escutávamos,
tinha feito uma gestão independente e técnica com grande aprovação
popular e, em seguida, lançara-se candidato à Presidência com uma
plataforma sem ideologia.
A ideia parecia perfeita: uma política sem ideologia, centrada na gestão,
executada por técnicos e tendo, como única finalidade, o bem comum.
Em março de 2009 já discutíamos qual seria a melhor estratégia. João
tinha dúvidas se seria melhor encontrar uma forma indireta de ajudar ou se
deveríamos entrar direto na política, com um partido diferente.
Em 9 de novembro daquele ano, João sugeriu que começássemos a
pensar os pontos básicos do partido: objetivo, princípios, ações e estrutura.
No dia 18 de novembro, eu enviava a ele um documento chamado “Partido
Novo”, com o seguinte texto:
Um Novo Partido Político Brasileiro
18 de Novembro de 2009
Objetivo
O Novo Partido será o canal de expressão de ideias e de uma visão política que não
encontram ressonância nos partidos e organizações políticas existentes. O debate e a ação
política no Brasil encontram-se dominados e prejudicados por uma divisão maniqueísta,
ultrapassada e estéril entre esquerda e direita, e por uma visão patrimonialista que tem
como principal objetivo o uso da máquina administrativa para objetivos pessoais e
políticos. O resultado é um Estado inchado, ineficiente e com índices de transparência
baixíssimos, incapaz de prover serviços e bens públicos compatíveis com a carga tributária
e com o tamanho da máquina estatal.
Os objetivos principais do Novo Partido são:
Unir todos os cidadãos brasileiros que não aceitam o estado atual de nossas
instituições políticas em torno de uma ação efetiva de mudança.
Trazer para o debate político e para a ação legislativa e executiva ideias modernas
e inovadoras, e uma ação efetiva na construção de um país moderno onde todos
desfrutem de liberdade, segurança, saúde e oportunidades de progresso social e
material.
Promover a inovação e modernização da administração pública, de acordo com as
melhores práticas de gestão.
Desenvolver novos talentos para a gestão e administração pública.
Reduzir a carga tributária.
Princípios
Representação política esclarecida e adequada. Voto distrital. Voto não
obrigatório.
Responsabilidade individual. Cada indivíduo é livre para fazer suas escolhas, e
deve arcar plenamente com os ônus e consequências dessas escolhas.
Redução da carga tributária. O Estado é péssimo administrador e investidor de
recursos; é melhor que o dinheiro fique com o cidadão, que pode utilizá-lo da
forma que mais lhe convier.
No dia 26 de junho de 2015, recebi um e-mail de Leopoldo Butkiewicz,
um amigo do Novo de São Paulo. No e-mail, Leopoldo e Clynton Cortez
manifestavam a intenção de fazer uma visita ao Rio de Janeiro e conhecer
nossa experiência. O encontro ficou marcado para 14 de julho. Nesse dia,
Maria Fernanda Gomes, Marcelo Rocha Monteiro e eu encontramos o
Leopoldo e o Clynton para almoçar.
Leopoldo é um cara sensacional: maduro, bem-humorado e motivado.
Clynton é igual. O almoço foi uma troca de ideias entre pessoas
apaixonadas pelo mesmo projeto. Nos despedimos fazendo planos para um
próximo encontro, dessa vez em São Paulo – possivelmente uma palestra
para atração de filiados.
No dia 29 de julho, Leopoldo mandou por e-mail uma proposta concreta:
faríamos uma palestra em Ribeirão Preto em setembro, junto com um
seminário para a troca de experiências entre a equipe do Rio de Janeiro e o
grupo de apoiadores de Campinas, Rio Claro, Piracicaba e Ribeirão Preto.
Em 10 de agosto, chegou outro e-mail do Leo:
Prezados,
Bom dia!
Tudo bem?
No sábado tivemos uma pequena reunião com o “Gonzaga”. Fomos alertados de que não
há interesse do NOVO em realizar integração entre grupos estaduais ou regionais[...]
Vocês já tinham comentado sobre isso, mas da maneira que agimos não esperava que tal
fato ocorresse da maneira que ocorreu [...]
Insistimos nessa reunião com o “Gonzaga” que toda a nossa ação foi comunicada ao
Diretório Estadual, prévia e posteriormente, inclusive, com a concordância do Diretório
Estadual com nosso encontro, desde que fosse realizado a portas fechadas.
Epílogo
Os Inocentes
É possível que, ao chegar a este ponto do livro, o leitor sinta falta de uma
explicação definitiva sobre por que algumas pessoas, próximas de mim e, na
minha percepção, até amigas, agiram da forma que o fizeram.
Até hoje me martela essa questão. Por que destruir a amizade de uma
vida inteira, usando subterfúgios e manobras, e contaminar a pureza de um
projeto idealista com práticas da política arcaica que nos propusemos a
combater?
Não tenho essa resposta.
Na política, como na vida, as ideias importam muito; porém as pessoas
importam mais. As pessoas comandam os processos de implantação das
ideias, e o poder, frequentemente, as leva a abandonar ou desvirtuar essas
ideias.
Pessoas originalmente bem-intencionadas, que acreditaram que seu
enorme sucesso profissional e financeiro as qualificava automaticamente
para posições de liderança política, caíram vítimas das armadilhas que
esperam os que se envolvem com essa atividade sem o preparo intelectual e
o comprometimento moral necessários.
Para essas pessoas o poder é um veneno terrível.
Assim aconteceu com os inocentes do Leblon.
Sobre a origem no Leblon, não resta dúvida.
Quanto à inocência, que o leitor seja o juiz.
Posfácio
Refugiados da Utopia ou Por que Me Tornei
Conservador
Minha experiência na política me convenceu da importância dos valores
morais. Política sem moral é uma das piores atividades nas quais o homem
pode se envolver. Mas, no Brasil de hoje, é preciso determinação e coragem
para defender essa posição.
Predomina na política o relativismo moral. Segundo esse pensamento, o
que define se uma ação é certa ou errada é seu objetivo.
Os fins justificam os meios.
Exemplos não faltam. Eu sofri isso na pele, dentro de um partido que
ajudei a criar e construir e, depois, em praticamente todos os passos
posteriores.
A política sem moral é, invariavelmente, voltada para o
engrandecimento pessoal do político ou para o seu enriquecimento.
A política sem moral flerta permanentemente com regimes totalitários,
com o populismo mais rasteiro, e subscreve, ou considera aceitável, a
pregação revolucionária de esquerda.
O exemplo mais ultrajante, violento e destrutivo desse tipo de política
foi a anulação das condenações de um certo criminoso, ex-presidente da
República, que havia sido condenado em todas as instâncias da Justiça
brasileira.
Para mim se tornou evidente que a moral deve preceder a política e a
economia. Mas eu tinha dificuldade – dentro do campo estrito do liberalismo
– de encontrar confirmação para esse posicionamento. Até que um dia,
lendo autores importantes como Edmund Burke, Russell Kirk e Roger
Scruton, descobri que outros pensavam da mesma forma.
Talvez o livro mais importante tenha sido O Imbecil Coletivo, de Olavo
de Carvalho, que li em algum momento em 1997 ou 1998.
Esse livro começou a mudança na minha cabeça.
Através dele descobri que era possível criticar as vacas sagradas da
“cultura” nacional.
Foi quando descobri que não era só eu que achava tantas coisas
absurdas no Brasil. O Imbecil Coletivo é, acima de tudo, um manual de
como raciocinar. É uma leitura obrigatória.
Eu, que comecei na política como liberal, me descobri conservador.
O conservadorismo é o aperfeiçoamento do liberalismo – é a defesa da
liberdade, não só nos planos econômico e político, mas também no aspecto
moral.
Conservadorismo sempre existiu como forma de pensamento desde a
Antiguidade Clássica, mas o marco do conservadorismo moderno foi o
trabalho do estadista irlandês Edmund Burke, por volta de 1790. Em sua
obra mais importante, Reflexões Sobre a Revolução na França, Burke
previu que a Revolução Francesa terminaria em um desastre, porque seus
fundamentos abstratos, supostamente racionais, ignoravam as
complexidades da natureza humana e da sociedade.
O conservadorismo ressurgiu em 1950 graças ao americano Russell
Kirk, que era lido por Ronald Reagan (dono de uma grande biblioteca), e
cujo pensamento orientou até a campanha de Donald Trump. O inglês Roger
Scruton é outro autor importante do conservadorismo atual: seu livro Como
Ser Um Conservador é leitura essencial.
O primeiro fundamento do conservadorismo é a crença em uma ordem
transcendente, uma lei natural que funciona como a consciência da
sociedade. Os problemas políticos são, no fundo, problemas morais.
O conservador acredita em preceitos morais e éticos que independem da
época em que ele vive.
Ele sabe que uma racionalidade estreita não pode, sozinha, satisfazer as
necessidades humanas. A realização plena da vida humana não depende da
construção de uma sociedade perfeita, utópica, nascida dos devaneios de
planejadores todo-poderosos e implantada a ferro e fogo através da
destruição de todo o legado da humanidade.
Os homens não são anjos; portanto, não é possível construir um paraíso
terrestre. O conservador reconhece nessa utopia política quase uma religião,
e se recusa a adotá-la.
A satisfação do ser humano depende, na verdade, do cumprimento de
um pacto transcendente, feito entre os que já morreram, os vivos e os que
ainda vão nascer. É em nome desse pacto que nos dedicamos a proteger e
cuidar de nossas famílias, de nossa cidade e do nosso país, e a trabalhar para
conservar a liberdade, a lei, a educação, os empregos, a saúde e o meio
ambiente. Conservar é o ato que dá nome ao pensamento: conservadorismo.
Em vez de se apegar a dogmas ferrenhos, o conservador guia sua
atividade política por princípios gerais. Esses princípios foram formulados
ao longo de anos, com equilíbrio, através do desenvolvimento dos costumes
e tradições. Mas até esses princípios precisam ser aplicados com prudência,
de forma adequada a cada nação e cada época.
Tanto o impulso de renovação quanto o desejo de conservar são
necessários ao perfeito funcionamento de uma sociedade. A hora de adotar
uma ou outra estratégia depende das circunstâncias.
É preciso reconhecer que nem toda mudança é positiva; inovações ou
reformas inadequadas ou mal planejadas, em vez de sinalizar progresso,
podem representar o início de graves conflagrações sociais.
O conservador desconfia, acima de tudo, de mudanças radicais.
A ordem social, considerada essencial pelo conservador, é reflexo e
fruto da ordem interna pessoal de cada indivíduo.
Essa ordem, completada por justiça e liberdade, dá a cada indivíduo a
oportunidade de construir seu próprio caminho, tendo como base os
costumes, tradições e instituições que herdamos dos nossos antepassados.
Essa herança cultural e social orienta nossa vida diária usando toda a
sabedoria e experiência acumulada pela humanidade durante centenas de
gerações.
Toda a civilização que vemos ao nosso redor levou séculos para ser
construída, mas pode ser destruída em pouco tempo. Esse é o objetivo dos
revolucionários. O conservador sabe disso.
Por isso não existe “conservador radical”.
No conservadorismo não existem radicalismo, extremismo ou
revolução.
A essência do conservadorismo é a busca da estabilidade, respeitando as
tradições, escolhendo o que funciona, separando o bom do ruim e
promovendo independência e o progresso pelo trabalho.
Os conservadores acreditam na igualdade diante de Deus e perante a lei,
mas reconhecem no conceito de igualdade material uma impossibilidade
lógica e moral – já que a condição de cada um depende sempre, em maior ou
menor grau, do resultado dos seus esforços – e um instrumento de criação de
regimes totalitários. Todos os homens têm os mesmos direitos, mas não têm
direitos às mesmas coisas.
Os direitos de propriedade e de liberdade estão intimamente conectados.
Quebrada essa conexão, o Estado se torna senhor de tudo e de todos.
A missão principal do político conservador em nosso tempo é combater
a ação nefasta dos radicais de esquerda, erradamente chamados de
“progressistas”.
Para esses radicais só existe uma única pauta: a destruição completa das
instituições e da ordem social para a construção de uma nova ordem, criada
a partir do nada, baseada na centralização totalitária do poder nas mãos de
um pequeno grupo de iluminados.
O século XX viu, inúmeras vezes, que esses experimentos acabam
sempre da mesma forma: em ditaduras sanguinárias, campos de
concentração, censura, miséria e fome.
A missão do conservadorismo é impedir isso, e conservar nossa
liberdade, segurança e direitos. Por isso, ser conservador nos dias de hoje é
combater a ideologia de gênero, o racismo “do bem”, a censura nas redes, o
“desarmamento” civil (que mantém o monopólio das armas nas mãos dos
criminosos), os ataques ao ocidente, o ativismo judicial e o terror sanitário.
O conservador não deve ser confundido com o reacionário, que deseja
um simples retorno a uma época imaginária no passado, na qual tudo era
perfeito. Nunca existiu época assim. Na verdade, o reacionário é a imagem
espelhada do revolucionário: os dois desejam uma mudança radical, o
reacionário para voltar ao passado, e o revolucionário para criar uma utopia.
O conservador sabe que o caminho para o progresso é uma evolução
cautelosa, com prudência, sem experimentos radicais, respeitando a tradição,
a liberdade e os direitos, e adaptando os conceitos teóricos às exigências
práticas da vida real.
Os políticos brasileiros, em sua maioria, não são conservadores. São
raros aqueles que conhecem e acreditam nas ideias do conservadorismo, e
pautam sua vida e atuação política por essas ideias.
Há alguns meses, escrevi um texto nas redes sociais mostrando como a
esquerda sempre gera ditaduras, o que nunca acontece com o
conservadorismo. Lendo as respostas, fiz uma terrível constatação: pensei
que iria argumentar com discípulos de Marx, mas acabei discutindo com
alunos de Paulo Freire.
O grau de desconhecimento e demonização das ideias conservadoras no
Brasil é total, e pode ser ilustrado por uma pequena história.
Aconteceu na campanha eleitoral de 2020.
Fui convidado a participar de um debate com três outros candidatos.
Um deles era um rapaz que, embora se classificasse como “liberal”,
limitava-se a repetir clichês progressistas. Quando o tema passou a ser
segurança pública, vi uma oportunidade de desmascarar a verdade sobre
suas ideias.
Usei um truque que nunca falha.
Falei do tráfico de drogas e – citando fatos e dados – expliquei o papel
central que ele desempenha na catástrofe do crime no Brasil.
O jovem “liberal” – na verdade, um esquerdista e, como todos,
profundamente despreparado – reagiu furiosamente aos meus comentários.
Depois de defender o "uso recreativo" da maconha e a estatização do
tráfico de drogas, passou a atacar meu conservadorismo.
E aí vem a parte mais irônica, engraçada ou – dependendo do ponto de
vista – trágica dessa história.
O jovem candidato narco-liberal, depois de dizer horrores do meu
conservadorismo, se despediu dizendo que só prometia a seus eleitores
"sangue, suor e lágrimas".
Essa frase é de Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido
durante a Segunda Guerra Mundial.
Churchill foi o homem que enfrentou a Alemanha nazista.
Churchill foi dos maiores estadistas conservadores da história.
A grande questão da política atual é a questão moral. Todo o resto é
secundário. A capacidade de distinguir o certo do errado, e optar pelo certo –
mesmo quando isso significa um alto custo político e pessoal – é
característica essencial em um político.
Não é possível entrar em qualquer acordo com corruptos, populistas,
socialistas ou comunistas. Não faz sentido trabalhar com aqueles cujo único
objetivo é te destruir. A aliança de crime, extremismo de esquerda e
populismo está destruindo o Brasil. Esses são nossos inimigos, não
importam as cores bonitinhas que eles vestem e os slogans fofos que eles
usam.
Nossa civilização foi construída em cima da filosofia grega, do direito
romano e da ética e moral judaico-cristã.
Tem muita gente tentando destruir isso:
Os terroristas que atacam Israel e a Europa Ocidental.
Os progressistas que defendem pautas como imigração sem controle,
tolerância com culturas intolerantes e liberação das drogas.
Os radicais de esquerda que buscam reescrever a história,
menosprezando e demonizando grandes conquistas e líderes do passado.
Os que sabotam o direito com teorias como o "garantismo penal" e o
"direito penal do inimigo".
Os que sabotam a filosofia, produzindo "doutores" tatibitates, porta-
vozes de um radicalismo de aluguel.
E aqueles que promovem ideologia como se fosse cultura e
"desconstroem" sistemas de ensino, trocando matemática, português e
ciência por promoção de conflito étnico, confusão de gêneros, luta de
classes, demonização da prosperidade e apologia das drogas.
É preciso resistir a esses ataques.
Por isso me tornei conservador.
Como conservador, não acredito em nenhuma ideologia. Minhas ações
são determinadas por meus valores e princípios.
Na minha opinião, ser conservador no Brasil de hoje é defender, no
mínimo, liberdade econômica, liberdade de expressão e de ir e vir, direito
inviolável à propriedade privada e à legítima defesa armada, igualdade
perante a lei, combate rigoroso ao crime, às drogas e à corrupção, soberania
nacional, educação sem ideologia, redução do Estado e de impostos, fim da
ideologia de gênero e do ativismo judicial, respeito pelas religiões e voto
auditável.
Não acredito em revoluções, apenas no progresso construído com
trabalho e sacrifício.
Não acredito em nenhum tipo de coletivismo ou socialismo e rejeito
todos os regimes totalitários.
E sou dedicadamente anticomunista.
Eu não choro pelo Brasil. Eu luto por ele. Quem tem que chorar são os
bandidos e os corruptos.
Cronologia
Linha do Tempo dos Principais Eventos do Livro
1979 – Os criadores do Partido Novo se conhecem no Colégio Santo Inácio.
2008 – João e Roberto colaboram com a campanha de Fernando Gabeira à prefeitura do
Rio.
2009 – Acontecem as primeiras conversas sobre a criação do partido.
2010 – São definidas as linhas gerais do partido e começa a coleta de assinaturas.
2011 – Realizada a reunião de fundação do partido.
2013 – São criados os diretórios estadual e municipal do Rio. Roberto assume a
presidência estadual.
2014 – O Partido Novo entra com o processo de registro no TSE, apresentando mais de
500.000 assinaturas.
2015 – Roberto deixa a presidência do diretório estadual em agosto. O registro no TSE é
aprovado em setembro.
2016 – Roberto se desliga do partido.
Apêndice
Projeto de Lei de Reforma da Legislação Penal
Brasileira
Este é o texto da proposta de alteração da legislação penal, de autoria de
Leonardo Fiad, Marcelo Rocha Monteiro e Roberto Motta, que foi entregue
ao então ministro da Justiça, Sergio Moro, em uma reunião no Ministério da
Justiça em 30 de janeiro de 2019[62].
O texto original é apresentado aqui, com notas explicativas.
Justificativa do Projeto
Este projeto de lei tem por objetivo principal extinguir o regime
semiaberto de execução de penas privativas de liberdade, além de
promover alterações nas regras atinentes ao regime aberto e ao
livramento condicional.
O regime semiaberto, que se pretende extinguir, consiste, tal como
concebido pelo Código Penal (art. 33, § 1º, “b”), na execução de
penas privativas de liberdade em “colônia agrícola, industrial ou
similar”.
O Brasil, todavia, possui pouquíssimas colônias penais com essas
características, o que, na prática, acaba por equiparar o regime
semiaberto ao aberto. Isto é, os presos em regime semiaberto
cumprem suas penas fora do estabelecimento prisional, sem qualquer
controle ou vigilância, tendo apenas o dever de pernoitar no presídio.
Esta situação, aliada ao atual sistema de progressão de regime
(que demanda, objetivamente, em geral, o cumprimento de 1/6 da
pena no regime inicial a que condenado o réu, e, no caso específico
dos crimes hediondos, 2/5 da pena para réus primários e 3/5 para
reincidentes; e sob o aspecto subjetivo, a mera lavratura de ‘atestado
de bom comportamento carcerário’ pelo diretor da unidade prisional),
vem contribuindo para o descrédito do sistema criminal brasileiro na
medida em que despe a pena das funções que lhe são inerentes: a
punição proporcional à gravidade do crime, o caráter pedagógico
(geral e especial) e a proteção da sociedade. Um réu primário
condenado a 6 anos por homicídio simples, por exemplo, em 1 ano
passará do regime fechado para o semiaberto nos moldes acima
descritos; um réu primário condenado a 5 anos e 4 meses por roubo à
mão armada estará de volta às ruas em 11 meses. Nenhum país que
se pretenda civilizado, que ponha em primeiro lugar a proteção da
vida, liberdade e propriedade dos seus cidadãos, pode conviver com
esse descompasso[63].
Para mitigar esse quadro, o projeto prevê que as penas de
reclusão, que sancionam os crimes mais graves, devem ser
cumpridas em regime fechado; as penas de detenção, a seu turno
(salvo necessidade de transferência para o regime fechado nas
hipóteses previstas), devem ser cumpridas em regime aberto, ora
definido como execução da pena em domicílio, com monitoração
eletrônica (artigos 1º e 2º)[64].
Além disso, o projeto altera alguns dos requisitos para a
concessão do livramento condicional (cumprimento de 2/3 da pena
se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons
antecedentes; e cumprimento de 4/5 da pena nos casos de
condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins e terrorismo ou se o condenado for
reincidente em crime doloso). Adiciona também, como requisito
para a concessão do livramento condicional, a aptidão do
condenado atestada em avaliação criminológica realizada por
equipe multidisciplinar (artigo 3º).
Em um cenário nacional de conflagração, insegurança e
descrédito das autoridades públicas, que gerou, inclusive, inédita
intervenção federal na área de segurança pública no Estado do Rio
de Janeiro, estamos certos de que este projeto constitui o primeiro
passo de uma grande virada para a devolução da tranquilidade e
paz aos brasileiros sitiados pela criminalidade. E de que a Casa do
Povo, com senso de prioridade e em perfeita sintonia e conexão
com os seus representados, não se furtará a liderar este processo.
Rio de Janeiro, março de 2018.
Projeto de Lei
O quadro comparativo a seguir apresenta as sugestões de modificação da
legislação propostas pelo projeto. Para cada alteração é descrito seu objetivo
e apresentada a legislação atual e como ela ficaria após a mudança.
Artigo 1º:
Objetivo: eliminar o regime semiaberto.
Mudança: altera a redação do artigo 33 do Decreto-lei
2.848/1940 (Código Penal) e suprime a alínea “c” do §
1º.
Redação Atual da Lei:
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida
em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção,
em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de
transferência a regime fechado.
§ 1º - Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em
estabelecimento de segurança máxima ou média;
b) regime semiaberto a execução da pena em
colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de
albergado ou estabelecimento adequado.
Nova Redação da Lei:
Art. 33 - A pena de reclusão deverá ser cumprida em
regime fechado. A de detenção, em regime aberto, salvo
necessidade de transferência para regime fechado.
§ 1º. Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em
estabelecimento de segurança máxima ou média;
b) regime aberto a execução da pena em domicílio,
com monitoração eletrônica. Redação:
Artigo 2º:
Objetivo: altera as regras do regime aberto
transformando-o em prisão domiciliar com
monitoramento eletrônico
Mudança: altera o §1º e o §2º do art. 36 do
Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal).
Redação Atual da Lei:
Art. 36 - O regime aberto baseia-se na
autodisciplina e senso de responsabilidade do
condenado.
§ 1º - O condenado deverá, fora do
estabelecimento e sem vigilância, trabalhar,
frequentar curso ou exercer outra atividade
autorizada, permanecendo recolhido durante o
período noturno e nos dias de folga.
§ 2º - O condenado será transferido do regime
aberto, se praticar fato definido como crime doloso,
se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não
pagar a multa cumulativamente aplicada.
Nova Redação da Lei:
Art. 36 - O regime aberto baseia-se na
autodisciplina e senso de responsabilidade do
condenado.
§ 1º - O condenado deverá permanecer em seu
domicílio com monitoração eletrônica, somente
podendo ausentar-se para tratamento de saúde,
com prévia autorização judicial.
§ 2º - O condenado será transferido para o
regime fechado se praticar fato definido como
crime doloso, se frustrar os fins da execução ou
se, podendo, não pagar a multa cumulativamente
aplicada.
Artigo 3º:
Objetivo: cria uma pena mínima de 40 anos
para o criminoso que comete crime doloso com
violência ou grave ameaça.
Mudança: o artigo 63 do Decreto-lei
2.848/1940 (Código Penal) passa a vigorar
acrescido de um parágrafo único.
Redação Atual da Lei:
Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o
agente comete novo crime, depois de transitar em
julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o
tenha condenado por crime anterior.
Nova Redação da Lei:
Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o
agente comete novo crime, depois de transitar em
julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o
tenha condenado por crime anterior.
P. único: Ao réu condenado pela terceira vez por
crime doloso cometido com violência ou grave
ameaça será aplicada pena de 40 (quarenta) a 50
(cinquenta) anos de reclusão.
Artigo 4º:
Objetivo: elimina-se o prazo de cinco anos a
partir do qual um crime anterior deixa de ser
considerado para efeito de reincidência.
Mudança: revoga os incisos I e II do art. 64 do
Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal).
Redação Atual da Lei:
Art. 64 - Para efeito de reincidência:
I - Não prevalece a condenação anterior, se
entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a
infração posterior tiver decorrido período de tempo
superior a 5 (cinco) anos, computado o período de
prova da suspensão ou do livramento condicional, se
não ocorrer revogação;
II - Não se consideram os crimes militares
próprios e políticos.
Nova Redação da Lei:
Art. 64 - Para efeito de reincidência não se
consideram os crimes militares próprios e os
crimes políticos.
Artigo 5º:
Objetivo: aumentar o tempo máximo de
cumprimento de pena para 50 anos,
Mudança: altera a redação do artigo 75 do
Decreto-lei 2.848/1940 (Código Penal),
Redação Atual da Lei:
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas
privativas de liberdade não pode ser superior a 40
(quarenta) anos.
§ 1º Quando o agente for condenado a
penas privativas de liberdade cuja soma seja
superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser
unificadas para atender ao limite máximo deste
artigo.
§ 2º - Sobrevindo condenação por fato
posterior ao início do cumprimento da pena, far-
se-á nova unificação, desprezando-se, para esse
fim, o período de pena já cumprido.
Nova Redação da Lei:
Art. 75 - O tempo de cumprimento das
penas privativas de liberdade não pode ser
superior a 50 (cinquenta) anos.
§ 1º - Quando o agente for condenado a
penas privativas de liberdade cuja soma seja
superior a 50 (cinquenta) anos, devem elas ser
unificadas para atender ao limite máximo deste
artigo.
§ 2º - Sobrevindo condenação por fato
posterior ao início do cumprimento da pena,
far-se-á nova unificação, desprezando-se, para
esse fim, o período de pena já cumprido.
§ 3º - O cálculo para concessão de
livramento condicional ou qualquer outro
benefício será feito com base na pena
efetivamente imposta na decisão condenatória.
Artigo 6º:
Objetivo: aumentar o tempo de cumprimento de
pena exigido para a concessão do livramento
condicional.
Mudança: altera a redação dos incisos I, e V, do
art. 83 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 (Código Penal) e acrescenta novo inciso
VI.
Redação Atual da Lei:
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento
condicional ao condenado a pena privativa de
liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde
que:
I - Cumprida mais de um terço da pena se
o condenado não for reincidente em crime doloso
e tiver bons antecedentes;
II - Cumprida mais da metade se o
condenado for reincidente em crime doloso;
III - comprovado:
a) bom comportamento durante a
execução da pena;
b) não cometimento de falta grave nos
últimos 12 (doze) meses;
c) bom desempenho no trabalho que lhe
foi atribuído; e
d) aptidão para prover a própria
subsistência mediante trabalho honesto.
IV - tenha reparado, salvo efetiva
impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela
infração;
V - cumpridos mais de dois terços da
pena, nos casos de condenação por crime
hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e
terrorismo, se o apenado não for reincidente
específico em crimes dessa natureza.
Parágrafo único - Para o condenado por
crime doloso, cometido com violência ou grave
ameaça à pessoa, a concessão do livramento
ficará também subordinada à constatação de
condições pessoais que façam presumir que o
liberado não voltará a delinquir.
Nova Redação da Lei:
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento
condicional ao condenado a pena privativa de
liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde
que:
I - I - Cumpridos mais de dois terços da
pena se o condenado não for reincidente em crime
doloso e tiver bons antecedentes;
II - Cumpridos mais de quatro quintos da
pena, se o condenado for reincidente em crime
doloso ou não tiver bons antecedentes;
III - comprovado:
a) bom comportamento durante a
execução da pena;
b) não cometimento de falta grave nos
últimos 12 (doze) meses;
c) bom desempenho no trabalho que lhe
foi atribuído; e
d) aptidão para prover a própria
subsistência mediante trabalho honesto.
IV - tenha reparado, salvo efetiva
impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela
infração;
V - Ter sido considerado apto em avaliação
criminológica realizada por equipe
multidisciplinar;
VI - Cumpridos mais de quatro quintos da
pena, nos casos de condenação por crime
hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o
apenado não for reincidente específico em
crimes dessa natureza.
Artigo 7º:
Objetivo: aumenta a pena mínima para
homicídio.
Mudança: altera a redação do artigo 121 do
Decreto-lei 2.848/1940 (Código Penal).
Redação Atual da Lei:
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido
por motivo de relevante valor social ou moral, ou
sob o domínio de violenta emoção, logo em
seguida a injusta provocação da vítima, o juiz
pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de
recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo,
explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso
ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante
dissimulação ou outro recurso que dificulte ou
torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a
ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Nova Redação da Lei:
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena - Pena – reclusão de 12 (doze) a 20
(vinte) anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido
por motivo de relevante valor social ou moral, ou
sob o domínio de violenta emoção, logo em
seguida a injusta provocação da vítima, o juiz
pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de
recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo,
explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso
ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante
dissimulação ou outro recurso que dificulte ou
torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a
ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime:
Pena - reclusão de 20 (vinte) a 40
(quarenta) anos.
Artigo 8º:
Objetivo: elimina o regime semiaberto e a
progressão de regime.
Mudança: revoga o art. 35 do Decreto-lei
2.848/1940 (Código Penal), e arts. 112, 113, 114,
115, 116, 117 e 118, da Lei 7.210 de 11 de julho
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