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21 PRELúDIO
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CAPíTULO 1 *
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I* CAPITULO 2 *1
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CAPíTULO 3 t
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187 Promessa. Ligar o futuro
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CAPíTULO 4 T
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% 301 Questionamento. Desligar o futuro. !
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399 INTERLúDIO 9 •4
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Uma estória que, na verdade, mal acabara de começar Kronos> (que nos .
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tempos mitológicos recuados escrevia-se com Kappa e ainda não era o Deus- .
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tempo: Chronos) fracassara em suprimir em, seu beneficio tanto o tempo
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r Na origem, de fato, eram Urano, o céu, e Geia , a terra, enlaçados em um abra-
ço sem fim, do qual nascem inumeráveis filhos, rapidamente lançados ao Tár-
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.e^.in ícirL.dfí..reiriad.o- de../<rrr7 nr?5. Mas a estória que de tal forma se
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4 lTi inaugura é marcada pela violência e negação do tempo: Kronos logo deqdiu
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enviar seus irmãos, os Ciclopes, ao Tá rtaro, ao mesmo tempo em que se insta -
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4 lava no trono em lugar de seu pai, inaugurando um reinado que desejava sem
A 4 V divisão. Alertado por uma profecia de que um de seus' filhos um dia haveria
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| de destroná-lo, ele cuidava na Verdade de devorar seus filhos tão logo sua mu-
lher, Réia, os dava à luz. Até o dia em que esta, aborrecida decidiu poupar o
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caçula, Zeus, vingando-se de Kronos: depois de tê-lo escondido em uma gru-
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' ta, ela deu, para que seu marido real engolisse, uma pedra enfaixada. Chega-
do à idade adulta, Zeus, como o oráculo previrá, assumiu a chefia de uma re-
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» J volta e pôs fim ao reinado de Kronos que, por sua vez, foi enviado ao Tártaro.
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Apresentação
\ Apresentação
longa noite que recobriu, duránte quarenta ant ís, os países:satélite da ex-
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.
da ao tempo? Pois enfim. que faz Kronos, que, ao separar o abraço da Terra e União Soviética ( Vaclav Havei espantava-se por nã o encontrar nenhum reló -
do Cé u, lança o próprio movimento da História? Ele se coloca em posição de *
gio de parede em seus escritórios presidenciais no Castelo de Praga, o qual ele ,
senhor do temprybloqueando sua passagem tanto em direção gq, passada foi levado a ocupar,depois da <cRévolução de Veludo”: como se, durante todos
quanto ao futuro. Cortar-OS-genitais-de» seu pai é negar o peso do passado, é esses anos, o tempo não existisse e a história tivesse parado)3 ou, ainda, futu- .
privá-lo de qualquer prolongamento possível: engolir seus próprios filhos é ro*paradoxalmente sufocado pela proliferação de medidas jurídicas urgentes e
fazé-los regressar a uma posição uterina, é privar o porvir, desta vez, de qual- proVisórias. traços frágeis de um diréito efémero, incapaz de orientar dura-
V A
,
douramente o futuro.
*
triJLs&iunmiáóJ
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« r E, contudo, os homens apenas acabaram.porinverter essas figuras mor-
Posição insustentável, contudo, como o demonstra a história: é que o tíferas para imprimir sentido e valor à sua vida coletiva, Ná África do Sul, a
reprimido ameaça na sombra e se prepara para retornar violentamente. Tran- comissão Verdade'e Reconciliação conseguiu produzir uma-anistía sem amné-
cafiados no Tártaro, os Ciclopes acabam por dali escapar, ao passo que, na ge- siá que, fazehdp funcionar perfeitamentet memória, abre caminho para um
ração seguinte, Zeus engana a vigilância de seu pai e o obriga á vomitar os fi - .
futuro reconciliado E, em AsEumênides, Ésquilo faz o relato de como a cida-
lhos por ele devorados, Este tempo estático ç fflmpplfiivn e de de Atenas soube inverter alógica vingadora das Er í neas, procedendo ao jul-
mos-ÇQmp amênfQâ-a l&ám^expQ^ gamento democrá tico de Orestes, baseando, a partir daí a vida social sobre a
^ ^
Urano, seguido de Kronos, tenta suprimir suas descendências e, nos dois casos, confiança e a justiça e não mais sobre o medo e o sangue. Foi igualmente em
.
é um de seus filhos que lhes paga na mesma moeda Assim estimula. ^ -se um ci- Atenas que se imaginou a figura das Horas ( .Horai) que poderíamos opor à de
clo de violê ncia, sinónimo de um tempo privado de perspectiva: esse detalhe <
/
.
Kronos, devorador de crianças Filhas de Zeus e de Têmis, as Horas andavam
se prova referindo-se à lenda; do ferimento de Urano, pingaram três gotas de em três, segundo Hesíodo.4 O que chama aatenção-éLa duplaJun ção-gne-se
^
.
sangue que, caídasna terra deram vorigem às Er
. í neast - as deusas com longa lhes atribuía:deusas personifícarn asestaçoes. e.simbolipamrigualmenfeasvir-
^
Eis, então, seguramente, uma face do tempo; ela nunca deixou de írios . Do lado bucólico, eram denominadas Thallô, Auxô, Carpo, três nomes
assombrar. Pensamoxs na célebre frase de Tocqueville: uo passado, quando não que evocam as idéias de empurrar, crescer e fortalecer. Do lado político, eram
mais ilumina o futuro, deixa o espírito andando -nas trevas”,1 que faz eco a esta ,
denominadas Eunomia, Diké e Eirénê, ou seja, a disciplina, a justiça e a_ paz
, .
reflexão de Chateaubriand; “o mundo atual/ o mundo sem autoridade consa- * Fecunda ambiguidade desta dupla atribuição: não é algo notável que uma or -
grada, está colocado diante de uma dupla impossibilidade: a impossibilidade denação regular das estações esteja associada à concórdia na cidade? Como se
do passado e a impossibilidade do futuro”.2 As manifestações deste nao-tem- o ritmo harmonioso das estações, penhor da fecundidade da natureza, deves-
po mortífero sobejam hoje tanto quanta ontem: passado oue não paSsa f em se simbolizar o equilíbrio, de uma vida social portadora de sentido. Longe de
^
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' 1991. p. 248; DESAULTES, J. Dieux et tnythes de la Grèce anáenne . Québec: Presses
2 CHATEAUBRIAND, François-René. M émoires d'oatre-tombe. Paris: Livre de Poche,
1974. t. 3, p. 664. de TUniversité de Lavai, 1988. pf 133.
10 11
Apresentação
Apresentação
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po monol ítico p violento de TCrpnns a pluralidade d s durações, a alterp â p -
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v dar instalar na fachada da sede dé sua empresa, em Bienne (Suíça),.uma mar-
v cia hem -vinda dos per íodos, a medida frem equilibrada dos diase das cidade#
^ ca simbolizando o “novòíneridiano” que servirá de “referência universal para
. a . mcitação da um lempo.dialetlcn> htej ji£gn£nt p tempo Internet”. Não contente em roubar a primazia do meridiano de *
voltar a fnlnr.
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Greenwich, b homem de negócios propõerse igualmentç a abandonar horas,
Eis, então, çólocada desde os gregos, a relação enigmática entre o tem - *
minutos e segundos para dividir a jornada em 1.000 beatsy 1 beat equivalendo
. a 86,4 segundos. Será comercializado Um relógio Swatch que adotará esse
4
obra. Sentadas lado a lado, Temperentíay a.temperança, munida démma am- novo sistema de medida de tempo, não sem mostrar igualmente - a prudên-
pulheta, e Ju$titiay a justiça, armada com um gládio, parecem ainda interrogar - I
í
.
cia obriga - a hora “antiga” 6 Exatamenté como aqueles relógios de parede,
nos. Personagens centrais de A Alegoria do bom e do mau governo, de A. Loren - I hoje tornados raríssimbs, que entre 1793 e 1806 mostravam simultaneamen -
te a hora “antiga” e a hora decimal, imposta pelos revolucionários franceses.
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zetti, adornando a Sala dei Nove do Palazzo Pubblico de Siena (1337-1340) ,
. elas não cessám de nos interpelar. Entre a Temperança. qué é a._gabedQria_dQ , Veia-se: o tempo se constVói literalrpente. ele se “ temporaliza” E por isso
,
tempo, e a Tustiça. que é a sabedoria do"direito, qual é de fato a rela ção? E qual que, se podemos “dar” o tempo, modalidade que privjlegiafnos. podemos igu l-
a contribuição para o “bom governo”? O objçfiyo ,4çst£ livro é responder _a tais menteltfím á r1o”. “passárlo” “perdêJo” “encontráJo!Ucmaíá lwganhárlQlll<i;er
^
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questões. Um livro que se articula ao redor de três teses centrais . »jnQntá-lQ” .. oxónceitQ de temporalizaçãorLosservirá para.pensarestamstitui -
t . , . .
^
Primeira tese: pJempoJjjmâinâlM ção sQcialdQjemmJImJempQ ue ãQ43mrianece.maisxxtçrior àscQÍsas
^ ,
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m^enoJísic^x uma-exp-eiiênçia pslquic .5 Sem dúvida, ele apresenta uma rea- t, como
^
* ,
^
lidade objetiva ilustrada pelo curso das estrelas, a sucessão do dia e da noite, ' A segunda tese subentendida nesta obra diz respeito ao direito. Ela afir-
òu o envelhecimento do ser vivo. Do mesmo modo, ele depende da experiên- .
ma que a função principal do jurídico é contribuir para a instituição do so -
cia mais íntima da consciência individual, que pode vivepciar um minuto do
relógio, ora como dura ção interminável, ora como instante fulgurante. Mas Io e gestão como se crê jnuitoireqúentementejiaxtualidade. o direito é ,um
vqner o apreendamos sob sua face objetiva on subjetiva, o tempo ê inicia)rpeO ~ ( J discurso perform ativo, nm tecido^de ficções operatórias <pifvrpr{ Í 7ernnr<;pntl-
le, .e antes dctudo, . umaxpnstruçãasQdaL=. e4ngQ>jum.<lesafio.. dg..pod . erauw .
do e o valor da vida em sociedade Instituir significa, aqui, atar o laço social e
.
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vendo no ciclo das estações as márcas dõ retorno das chuvas, ou da operação
*
*
e sua violência sempre ameaçadora, sob o ângulo de sua capacidade de insti-
dos astrónomos do papa Gregório XIII, suprimindo onze dias do calendário tuição, que o direito será, então, interrogado.
em 1582} em cada caso. decorrer do tempp tQma-se QbjçtPjdgilma insfitui-
° .
ção social, da qual trata-se de interrogar a natureza.
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Finalmente, a terceira tese resulta da intera ção dialética das duas pri
*
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-
meiras. Será sustentado que um laço potente se estabelece entre temporaliza -
E, do mesmo modo, como os faraós do Egito e os imperadores chine- *
* \
È5\ Esta é a tese central da obra de ELIAS, N. Du temps.Traduit par M. Hulin. Paris: Fa- .
6 Le monde, p 1, 31 oct 1998 . .
^^yard, 1996. . •»
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12
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Apresentação
Apresentação
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Trata se inicialmente da própria recusa Ho tempo entendido romn m u -
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• dança, evolução finitude e,,logQr tarpb ém mortklidade. Desta nostalgia da eter -
mdidaiaimaUk^aêi
^^ - nídade as formas são in úmeras, desde o refugio individuál em paraísos artifi
,
ciais até os fantasmas coletivos das idades de ouro míticas, que fazem preferir
--
A título de primeira aproximação, pode-se citar este exemplo tirado da a unanimidade na fusão comunitária (muitas vezes à sombra de um pai tute- *
.
Política de Aristóteles À questão dé saber se é oportuno mudar frequentemen - lar) aos confrontamentos da vida real e às divisões de uma condição plural.
te as leis, Aristóteles opõe esta resposta: “não é a mesma coisa mudar uma téc-
^
- Como, desde n jn íflp assiimirnossa finitnde de mortais sem nos abismarmos
^
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nica e uma lei; a lei, na verdade, para fazer-se obedecer só tem a força do hábi- no fantasma.dc.um.lempQ aiaUaada? Primeira questão, primeiro desafio.
to, a qual só se manifesta depois de muito tempo;de tal mòdo que passar facil- ^
SÊgundaioxnmifijl tÊín
mente das leis existentes para outras leis novas, é enfraquecer o poder da lei ”5
1
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f sico rijjq rqnvjmgntQJrreyersíveLconduz toda coisa à
,
ição. Airreme-
Dia kronou pléthos,‘‘depois de muito tempo”: ò tempo, vê-se, é a própria subs- diável fugacidade do instante cantado pelo poeta ( “Passam os dias e passam as ” r
tâ ncia da lei, a condição de seu “poderio” Ainda assim, este exemplo poderia semanas/ Nem tempo passado/ Nem nossos amores retornam / Sob a ponte
induzir em erro se dele deduzíssemos que o jurídico exige necessariamente a Mirabeau corre o rio Sena”),10 é Confirmada pela lei de entropia dè s í f sicos:
longa duração, o que não é o caso, O importante é, antes, que um tempo pró- quanto jnais .o tempíLpASsaarmis a ergia e..dissipa e aisLa desQrdeiruaAi7 '
carregado
prio, de um sentido instituinte, seja mobilizado _pelà op.eraçãojla
, ^
^ ^ ^ ^
menta, Será possível ao homem “fazer voltar a ampulheta” não para negar a
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iionna i undica._ 0_ tempo -do pjac!eis.Q.- Q£erece._ disso_uma-b.QA-aprQamaçãQ . irreversibilidade do tempo cronológico, o que seria loucura, mas para imprl-
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. . . . . .
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Tempo separado daquele da vida real, estritamente regulamentado pelas pres- mir-lhe um sentido propriamente humano ao articular passado e futUro Se
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j dçQcs.dojdtud, .da.pamit gunda questão, segundo desafio.
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eo er,sgps feitog,psK£Qj:ffla; -*
^ N Terceira forma de destemporalização: o pensamentodetprmiru.qt^qne
. .
zar em seu tempó próprio a cena do conflito, o processo mobiliza o tempo so- Se o tempo é apenas duração, qual o lugar efetivamente para a ruptura e a
cial fundador que se destacou da desordem inicial; ao representar o crime em álea, a descontinuidade e o instante? Entre acaso e necessidade, duração con-
formas e em uma linguagem socializada, o processo não se limite ã repetir o -
tínua e instante pontual, de que modo pensar/ uma terceira via para nelarns-
7 Neste sentido,’ BRETTONE, M. Diritto e tempo nélla tradizione europea . Roma: La- .
9 GARAPON, A. Le temps judiciaire. In: Bien jtiger; Essais sur le rituel judiciaire Pa-
terza , 1996. p, 37 et seq. * ris: Odile Jacob, 1997. p. 51 et seq.
^
8 ARISTÓTELES. Politique , Traduit pár J. Aubonnet et M.-L. Desclos. Paris: Belles 10 APOLLINAIRE, G. le pont Mirabea. In: GuillaUmeApollinaire. Paris: Pierre Seghers,
Lettres, 1998, livre II, p. 63. v 1956. p. 67.
14 15 .
Apresentd ção t Apresentação
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F.nfí m . apnnta lima quarta airipara dp destfimpora1Í7arã r>. F.lfl^sçJiga da iniciadva e daalternaÚ¥a^as^^eai^)jatrx).,das-t£mp£u:alidade&atoasJ£.
, ,
dariedade temporal, são a “discronia” e a desintegração social que ameaçam.* , ta medidar í eseLLdesenrQlar. ajnistura-haonQnioki.deseusj:.QmponmLes^áa
. .
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Estes riscos de destemporalização são bastante reais: a “nostalgia da mesmp- modQ-qu.e.ajalternâaciaJias.esfaç.QesIasiJPijfl$) QmaaQ dimâS«fsafa
»*
memória e projeto, em uma cultura demasiadas vezes marcada pelo instanta- .un íssono das oitavas mais fracas as mais fortes e as intermediárias sob a rela-
,
marca igualmente nossa época que é caracterizada pelo pensamento único e a sa parecida” 11
é sobre uma medida, em quatro tempos que se toca esta partitura., LadQ-d.Q
tre tempo dos ganhadores e tempo dos excluídos, tempo instantâneo das tro - passador a mè móriaAtoqaerdã o; lado do futuro: a prnmessa e a’ retomada da
,
cas financeiras e tempo lento da produção, ou tempo muito lento da regene - discussão. A memória que liga o pássado, garantindo lhe um registro, uma -
ração dos recíirsos naturais, tempo imediato da comunicação da m ídia, e tem - *
.
fundação e uma transmissão O perdão, que desliga o passado, imprimindo
tf
-
po mediato da reflexão.
lhe um sentido novo, portador de futuro, como quando ao término de uma
É nçste contexto de destemporalização, sempre ameaçador, que a ques - reviravolta de jurisprudência o juiz se libera de uma linhagem de precedentes
tão da instituição jurídica de um tempo social portador de sentido assume •
toda sua acuidade. Uma instituição que, a nosso ver, é tanto runtura quanto r .
tornados ultrapassados A promessa, queligá o futuro através dos comprome -
liga LoJipimsxLaçiffitHáJfijèkjmisatê timentos normativos, desde a convenção individual até a Constituição, que é
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a promessa que a nação fez a si própria. O queStionamento, qUe em tempo ú til
jnaaJrãa4ejKqmsiIaxuuai& c . ^o.iminaisJm:dí^ufi sfijaimd.esinsititui4asq ) cir
desliga o futuro, visando operar as revisões que se impõem, para que sobrevi -
»
.
vam as promessas na hora da mudança Este livro procede à exploração siste -
• esse ritmo feito
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.
de liga ção'e desligamento, de continuidade e de runtura Con- mátícà desses quatro tempos que são como os quatro pontos cardeais do qua
/*
-
drante temporal.
V
tra a tend ência regressiva da eternização,'é preciso fazer valer o tempo desli -
gado da mudança, mas, contra a irreversibilidade mortífera da mudança í f si-
ca, é preciso tentar a ligação cultural ente o passado e o futuro, a fecundação . . . . .
11 PLATÃO La République Traduit par R Baccoú Paris: Flammarion, 1966 p 184 .. .
16 17
^ í,fcr »
Apresentação í
Apresentação *
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cional Tnem çterno^ nem perecjvel) que oscanonistas da Idade Média soube
.
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. .
faceta da.in&titwçãoj. uu ^ ima
tmhjLaYaitaiJlS£adaáQx!lÍJoJikdtQv aapa
^ xgijG-pdQdpalnxgní&,a.
^^ .
^
^ Contudo, sob
três condições, pois todas insistem na necessária interação destas categorias
(ainda a “temperança” ). Acentuareníos, de início, que se cada uma destas di-,
,
f t
niensões é uma condição necessá ria da temporalização bem sucedida, nenhu - ’ ,• mais qug pn>a sucessão irregular, de atos jurídicos instantâ neos.
.
ma é uma condição suficiente Exatamente ao contrário: tomados isolada - -
Finalmente, resta nos tentar dissipar dois equívocos possíveis e expri -
mente e absòlutizados, memória, perdão, promessa, e questionamento engen - •
mir um desejo. O primeiro equívoco seria relativo à natureza da proposição;
dram destemporalizaçã o e violência. Notaremos, em seguida, que a dialética se bem que ela trate de inú meras questões de técnica jurídica e aborde diver - •
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Apresentação *
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Enfim, um desejo. O combate com o verdadeiro, assim como o comba-
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um livro, sabe-se bem, sempre á última coisa â ser escrita), temos perfeita
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consciência de ter atingido ápenas muito parcialniente ò objetivo entrevisto. \
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Sem d úvida, aí está igualmente a obra do tempo. Portalis escrevia: “os códigos PRELúDIO; -
* 9 *
dos povos fazem -se com o tempo; para falar convenientemente, não os faze- •
, mos” 13 Deveríamos dizer o mésmo dos livros: eles se’ fazem com o passar do f \ f
tempo; propriamente falando, não os escrevemos.
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N • UMA MEDIDA EM. QUATRO TEMRQS V
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Memória , perdã o, promessa, questionaménto: são essas ás quatrò partes
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ma parte) mas a ele não se limita de maneira nenhuma (é um campo virtual de
comunicação), do mesmo modo, o “tempo público”, ée é medido através de ho-
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valor ele é o fruto de uma .construção-deliberada, o que denominamos “tem?
.
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esta temporaliza ção deve ao tempo í
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mostrar como, graças precisamente a este destaque, permite-se fugir às nume- -
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rosas formas de “destemporalização” que sempre ameaçam .
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13 PORTALIS, Discours et rapports sur le Code civil Caen: Reproduits par la . í “Eu não sei o que é o tempo, desconheço qual seja sua verdadeira me-
Cefttre de philosophie polítique et juridique de Caen, 1992 p. 15, . I
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dida, se, contudo, eje possuir uma. A dos relógios, sei que é falsa. Ela divide o
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Preludio Prel údio
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tempo espacialmente, do exterior. A das emoções, sei que é falsa: ela divide ¥
não o tempo, mas a sensação do tempo.**1 Fernando Pessoa tem jrázão, a veri - f sico dado e homogéneo,
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£Ún?jato^.cQjaojmdaáa£iiglQban .
.da histó ria Um tal tempo sócio-histórico náò é uma
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^aiateáaxáo quai&erímuisjncEgulhfe
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—
curso de elaboração daí a utilização do verbo “ temporalizar” para dar conta
dele Sem d úvida, tendemos a objetiyar e exteriorizar a medida que assim
1
e^séculos.mais-tarde^KarLtfará isso com o espa ço, um quadro formal permi- construímos, (daí o sentimento de que a hora não é construída, mas dada) ,
tindo _a _< csíntese a prinri” ( a pstrntiirq çá o) mas isso não autoriza, em consequência, que se sustente, como o fazia Kant,
qualquer experi ê ncia possíyçl. '
ela
.que a síntese desse modo,operada seja inata ou a priori: muito antes disso
Sem d úvida , poder í amos igualmente apreender o tempo sob o ângulo longo e de elabora çõ es diferen -
*
• ‘ é o fruto de um aprendizado histórico muito
1
sois eterno. Mas, eu, estou disperso no tempo, cuja ordem ignoro” 3 “Disperso A historia dos calendários e dos instrumento? de foedida^dpJgmpp_é
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no tempo”, o homem renuncia a medir este dado que ele submete a seus pa -
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râ metros mais pessoais: “um tempo não é uma hora”, escreve M.^Proust, «eum
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, exgmpJar çmj;ekç .aissikj
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vaso repleto de perfumes, de sons,.de projetos e de climas”.4 Em sua Nova re *
- um -sisteir|á- sqdal ,de medida-dQ-tempn articulacío. tanto com base na recor-
.
^ ^ ^ ^ ,
. .
1 PESSOA, F Le Livre de Vintranquillité Paris: Christian Bourgois, 1988 p. 222 Para . . ?
a leitura deste capítulo, poderíamos recomendar a obra de CHESNEAUX, J. Habi-
.
ter le ternps Paris: Bayard Presse, 1996. logo, exatamente, como o sublinha P. Ricoeur, um tempo mediador: “se ele
.
2 ARISTÓTELES. Physique Paris:' Belles Lettrés, 1952.219b2, p. 150 cosmologiza o tempo devido ele humaniza também o tempo cósmico”,8
.
. .
3 AUGUSTIN, Saint Les Confessions Traduit par J. Trabucco. Paris: Garnier, 1964.
p. 280. .
6 Cf. ELIAS, N. Du temps. Traduit par M. Hulin Paris: Fayard, 1996. p 52 . .
.
4 PROUST, M. Le temps retrõuvé Paris: Gallimard, 1949. p. 224. .
7 NOWOTNY, H. Time: The modern and postmodern experience Cambridge: Polity .
5 BORGES, J. L. Une nouvelle réfutation du temps. In: Labyrinthes Paris: Gallimard,. Press, 1996. p. 4 . «
1953.
.. . .
is: Seuil, 1985 t III, p 197 (Coll. Points Essais)!
RICOÇUR, P. Temps et récit Paris -
Coa***
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4 \
vt 4
í 1 I
Esta última observação nos remete a nosso lance central: a justa medida
4 í]
de um século a alihharem-se - o que levou o astrónomo Kepler a afirmar que •
*
“os protestantes preferem estar em desacordo com o sol do que em acordo ' •
V
v
do tempo social, que procuramos pensar, nunca há de se impor por si própria;
• cò m o papa”
*
4
A
é contra diversas formas de destemporalização que ela terá que se fazer valer .
I *
Quanto aos instrumentos de medida do tempo, toda sua história (des-
K
4
4
i
de o quadrante solar até os relógios atómicos de hoje) revela sua estreita de- A
, v
' •r4
mento. Sabe-se, por exemplo, que durante muito tempo o relógio mecânico
mo - y
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A NOSTALGIA DA ETERNIDADE
"
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»
( clocky em inglês) foi desprovido de quadrante indicãndo o curso das horas: »
-
A
% I
durante a idade média cristã, bastava, na verdade, que os sinos que ela aciona-
, *
va chamassem os fiéis para a oração; foi apenas com a passagem para o “tem «
M
.apanágio dexriatataSjnQJlaii
^
ji
^ ^^
se em uma identjdade qualquer. As formas desta nostalgia de um tempo que
imageirLde^ua^ .
Qntinuidgd 10 .*
^
*
cas, tanto quantõ desafio de poder. Com B. StieglerT ppde-.se pensar, por v
eterno retorno que daria oportunidade ao tempo para que se reciclasse, em in
.ss.a assrita .pami tervalo regularam illuã tempus das origens. "
N.
partida a língua- *
.
10 ELIAS, N. Du temps Traduí t par M. Hulin. Paris: Fayard, 1996. p. 64.
-
14 PLATÃO. Timée, 37c 38d. Paris: Garnier: Flammarion, 1969. p. 417.
v «
i
v
24 i
t
f *
25
*. i
Prelúdio* * \ Prelúdio i
*
<
tempos” que se trata; saltar fora da história e de suas incertezas para mergu - ~
18
—
dãos ganhãm uma forma de imortalidade a cem léguas da eternidade í
^ f si-
ca do tempo, morte integrísta. Iremos encontrar muitas formas deste tempo
Ihnr, sem.maiVdelongas, na orderrl plena da comurpdade identitá ría. a que ali- í-se absolutamente preçá rio e finitp ^ contudo, tem pretensõ es a
11er sahendf
^
' .
tabelecera ordem nova baseada numa “anti-história”: apelar para a purez ra-
cial não era, a seus próprios olhos, um modo de “liberar o mundo de seu ^pas-
Resta que, renunciando às miragens da eternidade, o direito se escreve, /
sado histórico?”.16 Ao contrario dós'judeus, que tinham inventado o perdão
que liberta os homens dos pesos do passado, Hitler desejava encerrar a huma-
.
desde então, sob o risco da história IgUalmente, é preciso explicar agora como
ele poderia resistir à “vertigem da entropia”, segunda forma de destemporali- A
nidade num estrito determinismo biológico.17 Onde se vê que a recusa da mu- zação possível .
dan ça está estritamente ligada a uma concepção í f sica do tempo.
\
téria, assim como a vida, parece, de fato, levada em um fluxo incessante, que a
'
^
põe porque-se ^fazemrvakr ^ ^^
. . PiLelementPs_de ligação ) . É H. Arendt que , neste
. .
, ' sente.
como de proieto. R. Sue está certo ao escrever:“O presente, sempre fugiti-
.sia
ponto, seria preciso reler, ela que fazendo seu luto de uma impossível eterni- vo, constituf-se atualmenté como principal reptesentação do tempo, símbolo *
de uma sociedade que perdeu sua crença na história”.19 Como sç,o passado, de -
15 DRAl, R. La politique de Vinconscient.Paris: Payot, 1979. p. 80-82.
.
16 RAUSCtíNING, H Hitler mya dit. Paris: Pluriel, 1979. p. 311. *
. . .
18 ARENDT, H Condition de Vhotnme tnoderne Traduit par G, Fradier Paris: Cal - *
26 27
Prel údio Prelúdio
» »
aeja
4iasâadxuiãQjxigi «itmai ^^ acrescentava: “o passado só é definitivamente.fixado quando não tem mais fu-
í
^ ,
"
turo” 21 E poderíamos dizer, ém contra partida, que uma sociedade amputada
de suas raízes, órfã de sua história, encontra barrado seu acesso ao futuro .
dm^çãQ e cadasaiuicanímte^vírene i Qjn taot copdpnad
^^ ^
ritmo sôfrego da atualidade, “Só falamos tanto de
,
^
^ memória”, escr^SAViY ^ JPQ
çye P. Nora,
^ 1
nam “o
Apenas a fecundação recíproca, que P. Ricoeur e R. Koselleck defiomi-
“porque ela não existe mais”,20 Privadas de um elo vivp com o presente, as tra- *
experiência” •
pf >, iim ^.jCQQSÍstênda.jaegumtxópkaJluiiL5£iitkla huii)itno , A “
)”;
: * '
dições se ressecam e alimentam apenas na melhor das hipóteses um discurso
,
• '
passado capitalizável, que em certas condições (quando é réviVificado pela ext \
* '
%
« * • N
,
E contudo, o homem é o ú nico ser vivo a ppdgr Yoltfjl ampulhet v ’
^ ^ pertativa )^m ôstra-se portador de interesses: a expectativa _éJhturo.peQhora-
>
i
^
'
* \ °
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-
r
fisico, ligando o que, a cada instante, ameaça desligar se. Com o homem sur. •
*
Mas nad à de mais frá gil que esta aliança entre o_p^ssado^^
( não fazer com que elei tenha sido, mas imprimir-lhe um outro sentido, tirar
. “crise da cultura” -propicia o cisma entre tempos, que parecem nada mais ter a
-
f
*
partido dos seus ensinamentos, por exemplo, ou ainda, assumir lima respon . - se dizer: um passado repentinamenté.tornado estranho, uny futuro opaco ç ^
sabilidade por seus erros), e a faculdade de orientar o futuro (não fazèr com
jmprQvável e en.tre SLdQÍs:..umpresente eduzidQ àS-panc das_doinstantâ-
-
que ele chegue, mas imprimir um sentido significação e direção ào que - ^ ^
^
há de vir).
É nesta característica humana, certamente potável, de reflexão do tem- -
.
^ ^^ giaAiiiágj
^^
tratá se de um lance ético - e logo político e jurídicó - de manter as duas -ex- "
-
* •»
* «
po (e> melhor ainda, de reflexão do passado no futuro e deste naquele) que se * tremidades da corrente, garantir que se prossiga o dialogo entre a memória e
a expectativa, pois “uma sociedade deve ser capaz de história”, escrevia Hegel, -
25
* •
depreende a possibilidade de uma £imstaLçãcuiegU£nírftpicaj ÍQj;empo. Qeial1
'
/
Não que queiramos negar o caráter irreversível dr> tempn! pagado ^ ter- ao quàlDurkheim fazia eco: “Sem dura ção, não há sociedade que possa ser
?
°
minado e n fiitqro indeterminado. Logo, não se trata nem de “voltar atrás consistente”.24
”
hem de “parar o curso do tempo” trata-se antes, de regenerar o tempo que /
passa, conferindo-lhe a espessura de uma dura ção real, graças à fecundação 21 ARON, R. Dimensiom de Ia cptiscí ence histor í que. ParisfPlon, 1965. p. 18.
^ recíproca de um passado que, se bem que terminado, não esgotou suas__pr.o-
. . 22 , RICOEUR, P. Temps et récit. Paris: Seuil, 19.85, t. III, p. 374 et seq.; KOSELLECK; R.
Le' Futur Passé . Confributioti à la sé mantique des temps historiques , Traduit par J.
r
messas, e de um futuro que, se bem quejndeterminadcKhác átot mente-ak - Hook et M.-C. Hook. Paris: ÉditionS de PÉcole des hautes études en Sciences socia-
fório. É que se, como o escrevia Marx, “a história não repete ^ os pratos”, seu , ^ ^ les, 1995. p. 307 et seq . f
.
23 HEGEL, La Raison dans.PHistoire apud DRAl, R. La Poliiique de Vinconscient. Pa- '
'
4
28 29
t
Preludio * . Prelúdio
^
4
* , A hermenêutica dos textos - exercício quotidiano do iurista - conti;jbi L Ora. n ão nodá
^ sa cada vez mais inertè, consagrada à repetição do
eficazmente para esta ligação intertemporal: será que o jpj;z Qjjo.&X£quÍ&ÍtàdÓ
* . / r" ignorar qne se fnv valer també m uma concepção completamente diferente do
_
menl£ .Q..précedente
flue sua decisão poderia representar paya
,
Rein
terpretando doutrihas antigas à luz das questões da atualidade, ele dá vida a so
-
-
tranatoina.a.cQntmMÍdad imQl
— ^^
das suspensões e dos intervalos o /caírÓ5 dos gregos,ro instahte.propíciio .que
°
luções que não tinham esgotado todras suas promessas; traçando novos cami- ‘ '
^ ^
frentaram na encruzilhada destes dois tempos: um relacionava-se com o tem27-
po horizontal da duração, o outro, defendia o eixo vertical do instante criador.
nhos com a ajuda de textos que criam autoridade, ele restitui à tradição seu ver-
dadeiro alcance: o poder de transmitir mundos possíveis, qne rfitroativameníp. .
podem enriquecer os princípios herdados. O famoso “círculo hermenêutico
Mas este combate é in útil pois o tempo é uma coisa e outra: uma dura -
” ção, crivada de descontinuidades múltiplas. semprea s£rjreinventado;24 ÍAstan-
, ^ '
. .
tima” que atravanca à mudança intempestiva das leis. Resta, pois, que p tem
- fustigar os “retardados”, afetados pela “doença histórica” e que, “entretendo o *
7
A TENTAÇÃO DO DETERMINISMO
27 BERGSON, H. Durée et sinultané ité . Paris: PUF, 1992; BACHELARD, G.VIntuition
AjtfdoúzaçãajaecÊSsáriajda * de Hinstant. ParisuStock:Livre de poche, 1992,
gênea e lisa do tempo que, ho limite,^ ^
se cristalizaria rapidamente em uma mas -
28 BACHELLARD, G. l,aDialeçtique de la durée. Paris: PUF, 1963. > *
29 Cf. COULOUBARITSIS, L. Le temps hénologique. In; Les Figures du temps. Sous la
_
direction de L. Couloubaritsis et J.-J. Wunenburger à Strasbourg: Presses Universi- ,
“
25 GADAMER, H , G. V é rité et méthode. Traduit par E. Sacré. Paris: Seuil, 1976. p. 166 . taires de Strasbourg, 1997. p. 96-98. '
’
30 NIETZSCHE, F. Considé rations iwctuelles . Tradui par P. Rusch;Paris: Gallimard,
h
et seq.
26 FERRY, J.- M. LesFuissancesde Vexpé rience. Paris: Cerf, 1994.1. 1, p. 205. 1990. p. 109, 136 .
^ ' .
31' Ibid., p. í 67,
30 31
\* 4
Prelúdio Prel údio
S
r %
que ele seja percprrido por hesitações, cruzado por incertezas, transtornado
prcsentar projetos de futuro.Em todos os lugares, só se trata de ''administração
por acontecimçritos imprevistos - e isso principalmente porque ele reconhe- dp futuro” e de “gestão da mudança” mas desde que a questão seja mudar por
* ,
ce o conflito que não procura ocultar. A democracia, sabe-se bem desde Clau- *
“agir” (pol ítico ) pelo “fazer” (técnicob assimilar a história dos homens a um
lido, incapaz, certamente, de mobilizar as energias e suscitar o apetite pelo futu-
3r-tfifato, fi-rfidii7!r a nada _ o fispg ço Ho kairós: é o desejo secreto de tpdog QS vezes dogm á ticos, sem
ro. A desvaloriza çã o dos antigos modelos sociai^ muitas
- . - . . - . ’
lorizada por si mesma, que acarreta uma prodigios:a_aceleração dos ritmos njend&xtejim
^u^^
_
hretudQ
temporais e _$e traduz pela imposiçãoLda..urgência,como temporalidade ordi-
, , , . ,
fuição ^^ ^pei^
,
...
Press, 1996 p 8
' 32 LEFORT, C. Essais sur le politique. Paris: Payot, 1986. p. 21 et séq. 35 SANTISO .
, J Les Horloges et les nuages: temps et contretemps des démocratisa -
33 ARENDT, H. Condition de Vhomme moderne. Traduit par G. Fradier. Paris: Cal- .
tions HcrméSy Paris: CNRS, n. 9, p. 1176.
-
mann Lévy, 1988. p. 282-285. 36 MERCURE, D Les Temporalités soáales. Paris: LHarmattan, 1995 p. 41
. . .
32 33
> Prel údio
Prelúdio <r »
t
V <í
=v f
1 .
*
j
ciscLiiisp.oL.de. .ttmunfigamsinsugg
coerções administrativas de um executivo voltado aos “expedientes”, contra as
abreviações de uma justiça pela mídia cada vez mais “expedita” contra as ten-
,
1 &
^^ ^^
tações da “justiça espetáòulo” e da democracia plebiscitária, serià preciso lem- nma..taLar.ticukçãQ,(dizgnmAait
AU^oJ sloaunen
áa
^,^é forçoso constatar, a esse respeito
Ora
•
'
i
, das, em operação vinte e quatro horas por dia .
F, nm fato: p tempo contemporâ neo e cada vçz rq àis fragmentadQ. ç
,
> ,
_ _
tempo que, por um cuidado de simplicidade, consideramos como único.
-
Mas-OJ.empo .lplumLaód£ntgmente, e. seu damínicLÍ tanto 0-da simultar
- rpie..não..deixa.ie. cmpixun ct aJ çãa-t]MiáQnâl^á£ÍflIegtaáar .&saíiji
^ ^^^ -
neidade ( tudo o que se passa “áo mesmo tempo”! quanto o da sucessivida
Rfi Q tempo, . em
- :
•
no
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Àm-açõ£S...pâmfflikmsJ tjín os -grandes momentos de cqmiinh ão coletiva?-42 Nos países ditos da “perb
..
^
^MQ ingidiusâ &- laaia4fô *iifer£ndadas.-
^ ^^
In ú meras escalas tempor *r ?e superpõem, e nã. o têm necessariamente
,
os
,
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•
5
, » 'i
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.-
39 OST, F. Les multiples temps du droit In: ÁUSTRUY, J J. et al. Le Droit et le futúr
.
.
tória, quando afirmava o tempo policrônico e híbrido; Gurvitch fez dele a .
Paris: PUF, 1985. p 115 et seq.
demonstração ruidosa para os tempos sociais.38 Nós mesmos tentamos esta- . .
40 SUPIOT, A Introduction. In: Le Travail en perspective Sous la direction de d’A Su . -
L piot. Paris? LGDJ, 1998. p.1.
.
41 THÉRY, I Les constellatíons familiales recomposées et le rapport au temps. In:
37 ROUSSEAU, D. La Démocratie continue. Paris: LGDJ; BruxeÚes: Bruylant, 1995 . Quels repères pour tesfamilles recomposées? Sous la direction de M. T Meuldeurs et * -.
.
38 GURVITCH, G La multiplicité des temps sociaux. Ir . . .
I Théry Paris: LGDJ, 1995 p 29 .. .
. . í:
le de la sociòlogie 2. ed Paris: PUF, 1963. t. II, p. 325 et seq.
. LaVocation actuel - .
42 SUE, R Temps et ordre social Paris: PUF, 1994 p 297 * .. .
i
\
i
r *
35
* 34
( Prelúdio
JPrelúdia + %
\'
í
feriai qual a articulação entre o tempo habitual da tradição e o tempo impor- aerviços públicos, cuja característica é satisfazer nècessidades sociais a longo
tado das trocas internacionais? E nos países desenvolvidos, que domínio sobre prazo; serviços a respeito dos quais os recursos de uns e de outros são repar-
o tempo comum têm ainda os excluídos de todo ó tipo, aqueles mesmos dos tidos de modo desigual. Somente o estado $olidáí ro _d_edica^e^assegumLJi •
qvn ) Va çã p da ^ r_bances jQngd.pmzQ.pQj^ íticas4? eijtame3at^dermmi^
quais Minkowski dizia qiie ^desembreavam”?43 E para os que trabalham, qual ^pnflflfi ,
^
df <cdf <;envn1vimenío!L(£m mMériá:. jd £duca< ^ ^
e.saÚdewnOJl maLal
concordâ ncia entre o tempo-mercadoria, minutado e pago, das coerções pro-
^ ^ ^
> > *
^
^
temente o vazio do outro (“tempo livre” que na maioria das vezes se conten - cm úsm. . Em certos casos a atxi-
ta em reproduzir as coerções do primeiro ) ? btlição de “discriminações positivas” a determinados grupos desfavorecidos *
(os negros americanos, no que se refere ao acesso aos estudos superiores, por
Neste contexto, que forma poderia assumir uma tentativa de retempo - *
* ' çã - .
,raliza o? Tratar seda jembrar
dê inicialmente uma prerrogativa geralmente exemplo) permite “comer bocado duplb” e recuperar, num prazo encurtado,
tempo perdido no passado.
neglígenciada: ó direito ao tem o - *
^
' /
0 \
mwiiwl - ^ ^ ^ nio do trabalho, por exemplo, mal vemos como nos opõr eficazmente ao fla-
gelo do desemprego, que atinge diretamente à ciàadania social dos indiví -
|Jg jpodgr.te.çQas.ft»itTOj assadajàs..açQrd.p ÇQoi ua xTi£n.â3i.ciav£xoc5a.uk-urix
^
futuro., de-acorda com $uasjexp_ectativas.
^ ^ duos; tanto é verdade que o trabalho ainda continua sendo o principal vetor
'
Mas isso constitui apenas um preâmbulo, pois o laço social exige igual - tempo de trabalho” - uma alocação do tempo de integração social mais jus
mente mecanismos suscetíveis a garantir o mínimo de concordância dos tem - .
ta As proteções sopaLSfWf ignalmente ser repemadas. para Iie^LJlQVQ
-
^
pos de uns e de outros. Seria fazer o jogo das forças centrífugas edesinstituin- * * Imperativo de flexibiMade^qu£imiJiÍ jni^^ .
tes do mercado, insistir exclusivamente na livre escolha dos ritmos temporais. pei\sonaliza ção as ccmdiçÕ£s d£JxabalhaiJiãQ .se ,.traduza iiQS,
^ ^ ^
fatQ
-
.s^pmutraa>
precariedadeaumentada.
v
36 37
*»
Prel údio
Prelúdio >
sos que se tenta pôr em seu devido lugà r -r^os do homem, ps dahatureza, os ligados por promessas, seríamos incapazes de conservar nossas identidades,
.
das gerações presentes, os das gerações futuras Com toda evidência, a sincror RCWnnlos condenados a errar sem força e sem objetivo ”
46
nização dos ritmos sociais_ tornou-_ se um dos fatpres mqjs importantes da re^ Eis, certamente, dois polos essçnciais da regulaçã o jurídica do tempo
^
Jioclnl: o perdão, entendido no sentido amplo, como essa capacidade que tem
^
-
^ ^
gulaçã o:. queras tratasse deLdhddiiLoJ pcLd.eJxafo
ãa.dolcmíicdiyxe jdóJanptt.ptQfe5Íw»kde.rfip. sM a Qlldaà«ladfi ÊatX£ ^
^ -Í^Q crescimento-_entre
j<mêns.aíiyQ5 rp.çss<3asJdQsas deregularas elocidadesj
.
%
^ ^
^ ,
4a a]2&22jyLamdâii£p.fíL OUtro ladô, entendida em sentido amplo como capacidade que tem a socieda- ,
2£gi
^^ ^^
xadjaALLQ^fim-£a_da-ga_sfi_é.de sincronia _qviesejrata,
„ ,
•
t o
de pnra “crçditar o futuro”, comprometer-se com ele através de antecipaçõ es
normativas que irão balizar de um momento em diante seu desenvolvimento.
J
Eternidade, entropia, determinismo, “discronia”: quatro patologias tem }
A
-
.
| \
f
) porais, quatro desregramentos da medida, quatro quedas
pafa aquém de um Contra o encadeamento cego da fatalidade, a sociedade coloca o ato absolúta-,
<í ,
h mento normativo, nele inclúso o da lei, desde que a pensemos nos termos do
contrato social a sociedade apropria-se.de seu futuro, garantindo -o contra
V ,
'
/
MEMóRIA, PERDãO, PROMESSA, RETOMADA DA DISCUSSãO: i o imprevisível radical, conferindo-lhe de qualquer modo um passado: Q acon
'
-
tecimento da aliança que marca a época. Sem d úvida, reside ni$so a contribui-
'
QUATRO FIGURAS DA RETEMPORALIZAÇÃO ‘
)
i * ^ t
> i /
ção essencial do judaísmo, que pensa sua história e a nossa, sob a forma da
n
dança, quanto de um tempo exageradamente móvel, que não permite nem lu-
- ,V
mente associados por esses dois atos eminentemente performativos: o perdão
*
que relança o passado, referrndo-o a uma liberdade mais forte que o 'peso do
gar para a continuidade, esta ressalva de aparência anódina ^ encaminha-nos fato provado, e a promessa, que orienta o futuro, relacionando-o a umajei
•
.
para o centro de nosso tema Ela permite entrever, na verdade, o duplo temor
* * * ^
1
i *
mais forte qué a caótica incerteza do amanhã.
suscitado pela ação coletiva: de uma parte, do lado do, passado, o perigo de *
Mas, perdão e promessa não bastam ainda para criar uma instituição
permanecer fechado na irreversibilidade do já advindo, um destino de carênr " T
jurídica do tempo social. Pôr sua vez, cada um dos dois termos se desdobr ,
1
nhuma sociedade se acomoda com seus temores; tanto que todas elas elabo-
dão. Mais amplamente, deixa-se entrever uma divisão em quatro tempos: li-
i
.
dão e da promessa Se não fôssemos perdoados explica ela, liberados das con-
* \
if
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38 39
i i
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Prelúdio i Prelúdio * %
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\ v -« V
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* 5 ^
pois se nutre de expectativas e temores. Igualmente a sociedade lança pontes ‘A \ temporalidades sociais instituídas. Como o sublinhava C. Castoriadis, o tem-
sobre o desconhecido, sacralizando a promessa que compromete, O juramen- rt po instituinte só é inaugural se se estabelecer no centro dás figuras estáveis do
tenipo instituído;4rquanto a estas' últimas, elas mesmas devèriam surgir exa-
^
público, ele mesmo, se compromete a respeitar as leis colocadas por ele. Mas, '
4
. .
47 CASTORIADIS, C. VInstitution imaginaire de la société Paris: Seuil, 1975 p. 277 *
-
aqui, novamente ameaça o imobilismo ou o excesso de confiança: tal consti
'
- % et seq.
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X I • X . V , "/
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i Prelúdio
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^ Preludio » rf* i
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tória da liberdade; confrontada com* a incerteza do amanhã, ele
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nem ter pretensões a qualquer perenidade, maS, sern perdão, ela se exporá ao aliança, a promessa e a lei que são como o mapa de um país, entrètanto ainda ’
4 >
risco da repetição compulsiva de seus dogmas,e de seus fantasmas Em troca, . inexplorado; e contra a força de sua própria .letra, ele sabe ainda inventar os
.
4
• >
já o vimos, o perdão sem memória remete-nos aó caos inicial dos cálculos de processos da retomada da discussão para reencontrar o traço do espírito que
•
„
s
interesse ou nos leva à tendência confusa do esquecimento Sem promessa, a . / * aí se perdera . ' .
v
*
sociedade erra, de cá para lá, como $e dizia antigamente dos vagabundos, gen - Ligando aquilo que arrisca se separar, desligando o-que se tornou mex
*
' ^
\
^
-
” te sem reconhecimento , sem eira nem
“ ”' “ beira”; mas, sem retomada da discus- . 1 * tricável, ó tempo jurídico sabe então operar “em contratempo”; quer dizer: ao
X
são, mais cedò ou mais tarde, a lei oprimi e o contrato social explora Radical, . encontro do tempo natural, fiomogêneo, lineán irresistivelmente arrastado na
-
4
a retomada da discussão iria nos mergulhar, entretanto, em um tempo inde- tendência entrópica .
*
terminado que não é, definitivamente, senão a figura invertida e igualmente Liberar a história de suas nostalgias eternitárias, fazer voltar a aréia da
pouco portadora de sentido dò tempo canónico da memória obsessiva . ampulheta para produzir praias de tempo neguentrópico, apreender Q kairós
-
* Tudo se passa, então, como se o tempo social t o tempo da praxts hu
^
entre acaso e necessidade, atribuir ritmos sociais sempre ameaçados pela “dis -
mana - não se desenvolvesse, por um lado, senão ultrapassando o$ obstáculos xronia”: tais são as apostas da medida em/quatro tempos que nos aprestamos
1
de parelha com a indiferença amnésica e com a memória obsessiva, e, por ou- agora para tocar . /
marcam claramente com o simples tempo natural que se escoa Trata se bem,
, . - i
nos quatro casos, de uma reinterpretação voluntária do tempo que lhe impri-
me um sentido humano em função dos valores visados e que se traduzem, em
cada uma das hipóteses encaradas, por performativos jur ídicos específicos, es- V . /
i
tando entendido que diferentemente do cónstativo que.se contenta com .re-
, »
*
gistrar o que é, o performativo faz existir n que ele o enuncia. Há um , esforço' \
\
* »
*
forço ^de perdão face à reação “natural” e quase mecânica da violência em re- ;
/
flexo: trabalho deliberado de separação dos mil entraves da vindíta acumula- \
> *> '
.
da do ressentimento e do rancor Há igualmente um’esforço da promessa res-
peitado; diante da atração da mudança, diante das seduções do interesse, do «
t
- f
.
lavra “se mantém” e a aliança é reforçada Enfim, nêcessita-se de mais um es- i
forço, coragem sem dúvida, paf a aceitar a pròva da retomada da discussão as-
.
y que nos retenham os laços do hábito e o medo do desconhecido Em cada
sim . '
. \
*
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42 i
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Capítulo 1
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MEMóRIA.
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LIGAR O PASSADO.- 4
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corpo$ sem vida de Julie e Melissa, crianças mártires desaparecidas há mais de um•
ano, são encontrados enterrados no fundo do quintal de um casebre da periferia
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monas” (tão bem denominadas dos fatos quotidianos ). Como os pais e contra
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qualquer esperançà, foi preciso acreditar nisso, è todos os dias se lembrar.
*
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i * 4
Entã o, agora jurávamos que desta vez não nos esqueceríamos mais: os fa-
i *
tos, todos os fatos seriam estabelecidos, os culpados, todos os culpados seriam pu-
nidos, desta vez, era certo, iríamos até o fim e a própria repetição das marchas
4 *
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4
V. , ,
* brancas todos os domingos nos quatro
cantos do país, martelava esta resolução
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' para se garantir de que ela não se perderia, como todo o resto, na areia moveâi-
' \ 4
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4
*
sempre uma lembrança tão forte, tão fundadora, como para marcar o início de
0
45
Capítulo 1 V]
*
—
Memória. Ligar o passado
M
.
Enfini, ví yíamâs este luto que demorara tanto No luto, descobríamos uma s ,
O sobressalto político se colocou no lugar do 'abatimento emqcional O .
identidade, raízes, uma genealogia, i/mafrátria, uma descendência: até os filhos
/ /T
* caso Julie e Melissa deixara de ser um fato quòtidiano, ele se tornara uma “cau
,
-
,
de imigrantes foram de repente, integrados nesta família reencontrada. A evi - sa” no sentido em que nas vésperas da Revolução Francesa Voltaire soube trans
^ - , /
-
dência da iguald ãâe no sofrimento cerrava fileiras (em 5 de março de 1997, o cor formar peripécias judiciárias em escândalos nacionais, alavancas de mudança '
po mártir da pequena Loubna Benaissa era encontrado nos porões de uma gara- -
social A desgraça privada tornara se um desafio coletivo. O acontecimento •
.
gem de Bruxelas ) Por uma vez, fazia-se ouvir a Voz daqueles que jamais são ou - “marcaria época”: um' processo, irreversível de reformas estava posto em ação, e
-
, . ,
vidos os esquecidos da história de que nos fala W Bênjamih, os sem voz os ex- uma nova sulfura política era chamada para substituir a antiga, radicalmente ,
cluídos, todas estas vítimas cujo lamento, enfim, era levado em consideração desqualificada. Compreendia-se então que a multidão que marchava, domingo
Esse tempo de memória que se prolongou por longos meses era aquele fun
.
dador e sagrado da comunhão Na verdade havia algo sagrado durante todo esse
- '
após domingo, procurava tomar a ser um povo.•Num país ameaçado, mais que
Outros, pela decomposição da identidade e o afundamento simbólico, fazia se ou - -
^
—
período, um sagrado violento e às vezes mórbido algo assim como a “crise sa-
.
crificial” de què fala R* Girará, que não se conforma com hesitações e discussões
vir uma surda aspiração à Unidade reencontrada. O ato de memória era inicial
~r
f
,
mente uma demanda cidad ã uma maneira,' em resumo de remontar o declive
-
\
-
^
Quando o choque'é tão profundo, e taó vital o lance, é á comunhão qUe é exigi - entrópico do tempo que se usa em direção aos princípios fundadores do grupo.1
.
da Estqatitude culminará com o voto unânime pelo Parlamento, na terça feira,- Logo, fora necessário um terremoto social maior pdra que redescobríssé-
,
15 de abril de 1997 do relato da Comissão de inquérito parlamentar (comissão mos esta Verdade: uma coletividade só[ é construída com base numa memória
^que durante cinco meses trabalhara étn busca da verdade sob o olhar constante compartilhada, e é ao direito que cabe instituí la. Rwanda, que no decorrer do
-
das câmeras ). Como se os processos parlamentares normais tivessem sido coloca- mespio período foi teatro de um genocídio que deixou pelo menos 500.000 mor -
* dos fora do jogo, que as discussões e emendas fossem incongruentes e, para resu - tos, passou por essa experiência em uma escala ainda bem mais trágica: sem jul -
mir, inconvenientes, eque era necessário ainda uma vez, comungar na memória * gamento de pelo menos alguns milhares de genocidas, nenhuma reconciliação
do drama e jurar, todos juntos, que não veríamos niais tal coisa. 4
nacional será possível e o ciclo mortí fero das violências em reflexo não cessará de
Este trabalho de anamnésia era cada vez mais tão profundo, que mergu- se rearmar.
.
lhava longe, no passado - Tomávamos consciência de que os “assassinos estavam %
*
-
\ Sobre o fundo desse caos originário estado de natureza sempre ameaça -
entre nós” já havia muito'tempo; ( re)descobríamos o fenômeno da pedpfilia, de , dor cabe ao direito ditar o limite: dizer quem é quem, quem fez o que, quem é
-
que fingíramos crer que, desde há muito tempo, se tornara marginal , E eis que,, ' .
responsável Estabelecer os fatos, certificar os atos, colocar as- responsabilidades.
agora, os antigos medos reapareciam. Á tualmente ^a pedofiliq, e por que não,
amanhã, o incesto? A proibição arcaica associada às sociedades primitivas ou ao.
Lembrar a ordem genealógica, distribuir ospàpéis, separar os querelantes. Nar -
rar o enredo fundador, reavivar os valores coletivos, fortalecer a consistência da
passado obscuro e acabado da vida rural voltava à superfície de modo violento.
linguagem comum, “a instituição fias instituiçõe s a linguagem das promessas
Tudo aquilo estávamos de acordo, como a lei, não ter podiddignorar, e entretan-
^ que o corpo social se fez para si próprio, a linguagem das leis, graças à qual dis r -
to, nós o havíamos recalcado normais profundo de nosso inconsciente coletivo.
pomos de “palavras para dizê la”, para dizer o que nos religa e nos diferencia,
-
Este brutal retorno do reprimido poderia tèr conduzido a formas regressi- * \ .
vos de justiça. Da, vindita, falou-se muitõ daqui e dali; vozes reclamaram a apli-
m
para dizer onde passa o limite do aceitável e do inaceitâveh
cação da pena de morte, a adoção de sanções irreprimíveis, a supressão da liber -
dade condicional. Mas elas permaneceram, antes, isoladas; em sua grande maio- . 1 ROVIELLO, Á.-M. L’Extase du peuple de Belgigue. Esprit, p. 17,8, sept: 1997.
-ra, o povo belga soube ultrapassar a lógica da vingança e canalizar sua emoção
í
na exigência de uma justiça renovada. . . .
2 GARAPON, A. Leçons d’un automne belge. Le Jjourrtal des prock, n. 314, p. 2, 15
nov. 1996. * N
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46 47
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Capítulo 1 * £ Memória. Ligar o passado. \
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Ê que o passado possui seus direitas, que não poderíamos violar impune- mundo se desenha que não conheceria mais, nem crianças; nem adultos - ãistin - _
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.
mente, pois ele condiciona nossas identidades Ê muito revelador a esse f õo dam dos papéis onde cada um assunte sua parte de lèi , mas somente gran-
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.
respeito
que Big Brother, o ditador imaginado por Orwell, se dedique prioritariamente a des” e “pequenos” em um universo desinstituído onde reinam sedução, e violên- /
b
lei à qual caso ocorra, opor-se nada; se nao for toda a potência do desejo em bús-
to tantas vezes quanto fosse necessário* f e a substituir a língua comum, poten - ca de satisfação imediata.5
í tica, pela Novlangue, linguagem estereotipada do Partido. E com
> Muito mais que o' castigo dos culpados, foi a rejeição desta sociedade
clalmente cr - I
I
Compreende-se melhor, também, o juiz que, para decidir, refere-se a precedentes: Â primeira etapa deste capítulo é dedicada à exploração desse lado som- ^
, brio do direito. Precisaremos explorar os arcanos da memória, mergulhar nas
mesmo quedhe ocorra descartá-los leva-os seriamente em consideração, testemu - profundezas de sua fundação, percorrer as longas cadeias de suas genealogias,
nho do cuidado com uma necessária coerência diacrônica. V
-
nada menos que a indistinção das gerações e a indiferenciação das normas. De - - dição imemorial, p enigma luminoso de uma lei sempre renovada,
)
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N.
nis Salas tem razão ao assinalar: o incesto é um crime genealógico.4 Mais além da i
\
integridade física das vítimas, ê contra a identidade delas.que ele atenta. Èmbu-
PASSADOS COMPOSTOS
tindp-as gerações, ele proíbe a criança de ocupar hoje a posição de filho ou de fi -
lha è amanhã a de pai ou de mãe. Ê a capacidade de localizar-se na cadeia das .
A primeira forma do tempo jur ídico instituinte é a da memória A me-
gerações que ele compromete. Crime genealógico e crime genocida dividem este .
mória que lembra exjstir o dado e o instituído Acontecimentos que importar-
triste privilégio de tocar no essencial: a inscrição de nossas ideritidadçs na dura- %
iam e ainda importam e são suscet íyeis de conferir um sentido (uma direçã o
ção, a pertença delas à linhagem de uma filiação.
,
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e uma significação) à existência coletiva e aos destinos individuais Instituir o / .
Mas o abalo talvez tivesse razões mais fu.ndamentais ainda: para atém de •passado,
certificar os fatos acontecidos, garantir a origem dos títulos,, das re-
alguns indivíduôs monstruosos, cuja ameaça não ê difícil de se exorcizar, como f*
gras, das pessoas e.das coisas: eis a mais antiga e mais permanente das funções
bodes expiatórios, expulsando-os da cidade, está, sem dúvida, a totalidade de n
v do jurídico. Na falta de tàis funções, surgiria o risco de anómia, como se a So -
nossas socieâddes que são espreitadas pelq indiferenciação das gerações, a tenta- , ciedade construísse sobre a areia. *
i
ção fáustica, cuidadosam^ nte entretida pela publicidade de umajuvêntude eter- Pelo ato de memória, as sociedades buscam responder à questão da ori- .
*
, na. Frequentemente notámos essa juvenilização imaginária de sociedades, as gem que não cessa de interpelá los: undel , de onde veem?, de onde falam ?, a
-
-
nossas, nas quais oM âulto tende cada vez mais a identificar se com a criança. Um que título agem? Assim se amontoa, por essas confusões de respostas formu- -
* í
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. . .
3 ORWELL, G 1984 Paris: Gallimard,1977. p 48, 54. *
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48 49
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Capítulo i
Memória.Ligar o passado .
” dificuldade ifiaior com a qual somos confrontados neste capítulo: falar de me-
'
* v -
- digno de memória onde^se enraíza a identidade coletiva. Sobre esta base
de lembranças decretadas, comuns e fundadoras, erige-se a consciência cole
1 •
,
* mória, de tradições e de passado, num xontexto social que pretende poder
- passar sem eles: evocar o papel de “testemunha” e de “guardião” que o direito ^
tiva, na falta da qual não haveria, pura e simplesmente, qualquer ação social
desempenha em relação a eles, justamente quando este papel esta desvaloriza-
possível, nem no presente, nem, afortíori, nò futuro. Sem alimentar, por essè "
do e que o que se tratariaTle guardar, ou o que, em nome de que, $eria preci
'
-
trabalho obscuro de carvoeiro, as lareiras da memória, a sociedade continua- dissipado.
' so testemunhar, parece ter-se
ria em pane, sempre em busca de sua identidade. .
Entretanto, não se termina tão facilmente com o passado Inicialmem
Esta missão de guardião da memória social foi, todos os tempos, con
fiada aos júristas. Não tanto, ou não somente, a título de arquivistas ou notá
- te, porque não chegaremos jantais a traçar umadinha de separação clara entre
A
- *
passado terminado e presente inventivo. Em seguida, esobretudo, porque este
rios, conservadores dos atos passados; não tanto, oú não somente, como cére
• - ' passado, que acreditávamos conservar-sedntegralmente nas sociedades tradi-
bros ciumentos das.portas da legalidade; não tanto, ou não somente, como %
opera alguma coisa comò uma lei comum e indisponível que foi utilizada dade dos fenônienos naturais, destinado ao eterno retorno do mesmo, ou me -
' num dado momento do passado. Não uma injunção inicial e' sagrada se bem
que, na história do direito “a lei comum e indisponível” tenha muito frequen —-
. lhor ainda, à calma persistência em seu ser, será preciso desenganar-se rapida -
mente: este passado simples nos escapa, se é que algum dia.existlu. Em termos '
*
temente jassumido essa forma religiosa -, mas antes a consciência muito clara . de passado, é um passado composto qjíe se apresenta à análise.
* ' ,
-
de que só se institui o novo com base no instituído dito de outro modo: que “Composto”, o passado é inicialmente tanto quanto muito;amplamen - '
que conservadores de súas formas herdadas. Mas, reconheçamos, a consciên- la objetiva e social; nós a pensávamos passiva, inata, recebida e espontânea,
>• / >
cia desta função se obscureceu singularmente numa época que acredita poder nós a descobrimos ativa, construída e normativa; poderíamos acreditar que
se expressar exclusivamenfe sobre um modo de mudança, que se imagina ser ela proviesse dò passado, como a inércia natural de um peso que se açumu-
radicalmente auto-instituinte, e que tenta definir sua identidade no processo ’ la, e eis que a,apreendemos posta em movimento a partir dõ presente e de
*
«
ininterrupto de sua invenção’quotidiana. “As sociedades anteriores às socieda- suas questõ es; esperava-se, ènfim, poder opô-la absolutamente ao esqúeci -
des democráticas 'são naturalmente ligadas pela tradição, pela sequência das . mento, como uma coisasaò seu contrá rio, veremos antes que ela engloba o es -
gerações, escreve Fran çois Furet, pois que está na natureza das sociedades de- quecimento, do qual não poderia totalmente se diferenciar destas diversas in-
mocráticas esquecer seu passado para renegá-lo a cada geração.”6 Tal é, pois, a versões de per pectiva. *
,
^
Este capítulo carrega a marca: ele não será uma instituição estudada,
6 FURET, F. 1789-1917: Aller et retour. LeDébafi n. 57, p. 4-16, 1989. mesmo os mais explícitamente indexados sobre a dura ção e o passado, çpmo
o hábito, o precedente judiciário ou ós direitos ancestràis, que não sejam, em
50
51
/
Capítulo l .
Memória. Ligar o passado
s y* . *
•
grande pàrte, objeto de seleção e de manipulação a partir do presente. Obser - } (fundamentais, ancestrais, adquiridos), quanto as
# da na qual tarrto os direitos
"
-
va ção crítica que, entretanto - notemos de início , não altera em nada a acui- ' ;
I
sentido ético e político a perseguir um enraizamento como esse . tendendo simplificar se, chegaria a se absolutizar e, então, assumiria as formas
-
* “Composto”, o passado o é também devido à sua hejerogeneidade. .
,
‘ estéreis e violentas da reação e da restauração: um laço será .assim estabeleci-
Ainda aqui a análise contribuirá para abrir os olhos. No lugar de um passa-. w
ítulo seguinte que, sob a égide do perdão, estudará a maneira
» é
j do com o cap
do monolítico, feito de coisas antigas que se adicionam, comò os livros sobre ' .v i
v ,
pela qual cabe ao direito ultrapassar o passado, sem por isso, recusá-lo
i
.
prateleiras de umabiblioteca, ou as camadas geológicas aparecendo no flan-
Uma questão atravessa todo este capítulo: que sentido existe, para o di
'
-
co• da montanha
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, é um passado compósito que se revela, do qual extrairemos
nada menos que quatro dimensões Há, de in ício, o tempo .das funda
. . [
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reito, em réferir-se à tradição, em fazer,
ato
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de memória? Em que medida o
" \
. v ' » « *
* tempo inaugural que escapa amplamente à datação e
remete ao que nós já
\ »
de um tempo social? E, enfim, qual é o valor, do ponto de vista ético desta vez,
deixamos perceber da dimensão dè indisponível na base de qualquer institui- de uma certa fohna de fidelidade aos compromissos subscritos in illo tempo-
ção política. Em seguida.vem o.tempo do longo prazo, que reclama a conser-
réi Três interrogações que o direito, discurso tradicional por excelência, sem
-
vação e a repetição e encontra em sua própria permanência um titulo de le-
dúvida, jamais deixou de dirigir a si próprio, mas que assume, na atualidade, ,
gem esquecer sua origem e que, pluralistas, elas se enraízam não numa, ma§
—
*
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sado histórica,^poderíamos dizer , tecido da soma dos atos e acontecimen-
'em m últiplas tradições.
>
vimentos que se seguem buscarão os sinais, ora complementares, ora opostos . o relógio tiyesse se iniciado, em.vista de reencontrar nossas raízes, antes que
Assim, interrogaremos sucessivamente memória, tradição, funda ção e genea- r í tenhamos perdido até mesmo a recordação de que elas éxistiram .Mas esta es- .
logia; evocaremos as diversas maneiras pelas quais o direito desempenha opa - pécie de paixão histórica e a injurição de ter de se lembrar, que a acompanha ,
pcl de guardião da mem ória social; buscaremos a dimensão de mémória e dê ’
tradição atuantes no raciocínio jurídico, assim como nas diversas fontes do di-
não deixa de seremr paradoxais: para dizê-lo cruamente com Pierre Nora
*
'
«*
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reito, incluindo a lei ela mesma, a qual parece, entretanto, ser antes um instru- _J
. . ^
*
-
CommunicationSy n. 49, p, 5 7, 1989 .
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52 53
>
/ Capitulo l .
Memória Ligar o passado. *
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I I
> grande analista dos “lúgares de memória” “só falamos tanta em memória
tecimentos no registro da memória. Sem dúvida, esta massa de informações é
. porque ela não existe mais”; e ademais; “existem lugares de memória porque ^ ; suscetível de ser integralmente memorizada pelos meios de gravação do som
não há mais esferas de mémóri .”8 Não será significativo a esse respeito que é
^ i e da imagem de que dispomos; mas uma memória desse tipo'“grayadora” (es-
pécie de “caixa preta” oni-memorizante) nada 'tem, evidentemente, em co-
no momento em que, no final do século 19, vacilam os grandes equilíbrios
^
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tradicionâis e principalmente que desaba o mundo rural;que o tema da me- '
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nem cada uma das afiliações parciais e superficiais, logo, pouco capazes de
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>
dades ditas “primitivas”, onde, poderíamos pensar, a vida socialdevia estar to-
contemporâ nea assume formas de museu, parciais e documentárias, como se talmente de acordo com as injunções da memória? Esta intuição, contudo, só
o laço que. a unisse com uma tradição portadora de sentido e de futuro, tives - é parcialmente exata, pois das sociedades pjámitivas;seria melhor dizer que vi-
i
.
se se distendido a ponto de se romper Na década de 1930, Halbwachs já no- ' vem no “presente eterno”; a tradição é, aí, de fato, a tàl ponto natural e englo-
tara este fenômeno que ele relacionava com a difusão universal do capitalis- bante, que não é sequer ff agilizada pela consciência de um desnível histórico
mo e da racionalidade tecnicista, acarretando o alinhamento progressivo de*
-i entre ontem e ágora. Tudo se passa num instantâneo saturado de presença e
todas as esferas da vida social na esfera produtiva e suscitando apenas memó- destinado a se perpetuar sempre. “As sociedades com as quais ò etnólogo tra -
rias técnicas, funcionalizadas e neutras: memórias “planas” desprovidas de ca-
*
balha”, explica Març Augé, “inscrevem-se totalmente no presente”; elas igno
13
-
pacidades norn ativas e criativas.11 Atualmente, o declínio da memória é ain- \
ram a memória do que está terminado, uma vez que? precisamente, nada está
^
da mais acentuado por dois fenômenos. O primeiro deles reside na supera- terminado. A consciência da duração, no sentido não da repetição do mesmo,
*
bundância de informações e imagens geradas pelas medias; da qual resulta mas do passar do tempo e, em consequência, a própria história da memória
uma comunicação jmediata e “pontualizada” em detrimento da coerência social parecem ,ent
*
ão, como nisso.sempre insistiu Elias, p produto de uma abs
^
-
temporal e da hierarquia de sentidos, que é buscada pela narração dos acon- traçã o mental progressiva e, pois, ao fim das contas,.uma. conquista recente da
*
'
t civilização.
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des arcaicas, como o.da Grécia Antiga, que é analisada por Louis Gernet, O au -
9 Ibid., p. 33 . tor é formal: às formas arcaicas do direito, na Grécia Antiga ou no direito ro -
10 Nesse sentiáo, cf. HERVIEU LÉGER, D. La Religion pour mémoire. Paris: Cerf,
-
1993. p. 183 etseq. /•
»
11 HALBWACHS, M. Les Cadres sociaux de la mémoire Paris: Félix AlcanJ 1935. p. 265
i
- . .
12 Nesse sentido, cf. HERVIEU LÉGER, D La Réligion pour mémoire Paris: Cerf,
*
. f
.. .
1993 p 185
* .
et seq . * * v * «
. .
13 AUGÉ, M La force du présent La Mémoire et Voubli. Communications,n 49, p 43,
. .
\
-V *
1989 . /
54 55
»
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" " Capítulo 1 . .
Memória Ligar o passado
*
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«
mano primitivo, inscrevem -se no imediato e no concreto, melhor que na du-
'
ração e na abstração que, por sua vez, marcarão a passagem muito progressi-
QUATRO PARADOXOS *
.
va do pré-direito ao direito. Em matéria de reivindica çã o mobiliária, por
Primeiro paradoxo: a memória é social e não individual. “ Ninguém àe
*
to correspondente; é, antes, caso de exercer um poder imediato, simbolizado mais pessoais e mais íntimas, só conseguem se .exprimir em termos tomados
de empréstimo à tradição; eles só fazem, sentido, por outro lado, sendo toma-
-
por uma penhora concretalobre o objeto reivindicado: “penhora” exercida no
dos por uma comunidade afetiva e social que não^ demora, aliás* em retraba -
“agora” do processo. Assim, se passava principalmente no mancipium roma- '
memória jurídica parece dissolver-se entre as duas extremidades da história: partir do presente Dito de outro modo: não se retém, senão, o que se recons-
*
aparecer e quais são as condições de possibilidade de seu exercício. Será preci- " mas estas somente subsistem sozinhas entre si, quanto a sociedade, a todo
so deduzir disso, consequentemente, que a memória seidentifica. com o reino témpo trabalhando em seus quadros atuais, pode reconstruir” Assim, então,
17
J
da história e que implica a tranquila presença do passado em sociedades, da- não somente a recordação é social, mas ainda resulta, em anipla medida, de .
qui para frente, conscientes de sua inscrição no tempo? Será que é preciso con- unia reelaboração com a ajuda dos dados tomados de empréstimo ao presen-
^
cluir, do ponto de vista jurídico, que a faculdade de memória traduz a simples te, tanto quanto ao passado próximo, ou seja, às reconstruções intermediárias
remanescência, em sociedades razoavelmente evolutivas, fontes do direito, de que já reinterpretaram consideravelmente, por sedimenta ções sucessivas, o
regras, de processos e de prerrogativas, cuja antiguidade seria o título de legi- • material originário. Logo, nada de memória sem .(re)interpretação coletiva.
timidade? Será preciso, então, acreditar nuiqa espécie de força de inércia na- Contudo, neste estágio, uma distinção essencial deve ser feita entfe
turaltio passado, que sedmporia de alguma forma ao presente, pela ú nica vir- “memória coletiva” e “memória histórica!A primeira, que se poderia chamar
5
tude do peso dos anos? Isso seria, seguramente, desprezar o caráter “compos-
to” do passado (dos passados) e da natureza paradoxal da memória por intç r-
N “quente”, elabora-se nó seio dos grupos sociais e produz tradições^ vivas; a se , --
gunda, que qualificaremos' de ‘%ia” aprésentâ-se como “quadro dç. aconteci
médio da qual ele se exprime. Nada menos que quatro paradoxos tornam mentos” e “compilação de fatos* : ela engendra um saber histórico. No primei
5
- *
\
.
\
*
-
14 GERNET, L. Le temps dans les formes archaiques du droit. In:
. . .
logie de la Grèce ancienne Paris: Maspero, 1968 p. 263 etjseq
. -
. Anthropo . .
16 Ibid , p 50-57 .
^.
*9
..
v * .
1? HALBWACHS, M Ies Cadres sociaux de la tnémórie Paris: Eélix Alcan, Í935 p 4Q1.
.
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. >*
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56 57
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Capítulo 1 .
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Màmôí a ligar o passado
*
*
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\*
*
* - . *
dos, os fiéis revivem a memória dos acontecimentos fiindadores da linhagem
mento objetivo.18- Cinquenta anos deppis de+ Halbwachs, Pierre Nora n ão diz
t
outra coisa, já que ele diagnostica “a ruptura de um laço de, identidade muito crente, à qual pretendem se rèlígar, realizando assim uma comunidade^ que
• transcende a história.22
*
A
H
O teíceiro paradoxo da memória situa-se no prolongamento direto do A laicização do mundo 'e a secularização do direito, iniciadas desde a
modernidade, não enfraqueceram verdadeifamente este laço estrutural d
precedente: se a memória opera a partir do presente e não do passado, é que •
ela é uma disppsição ativa, voluntária mesmo, antes que uma faculdade passi memória com o sagrado fundador, Não há, de fato, nenhum Estado moderno ^
va e espontânea."Podéríamos evocar aqui a distinção que já era feità por Aris
'
- que possa ficar sem um romance institucional das origens, dos quais as come -
- morações dos acontecimentos fundadores fornecem, em intervalos regulares,
tóteles entre “mnémé” (simples poder de conservação do passado ) e anam-
“
nésis” (evocação voluntária deste).20 A tomada em consideração desta última não a simples lembrança no modo da “rememoração” mas uma autêiitica
, a anamnésia oil a reminiscência provar-se-á da mais alta'
- revitalização no modo da “regeneração”: como se a virulência mesmo do pas - r
Mona Ozouf, mais complexa que possa parecer; ao lado , de objetivos pedagó-
va mobilização de uma memória coletiva e se definia ppla inserção em uma gicos - explícitos (reter tudo das “grandes jornadas” libertadoras), tais festas Vi -
\
*
> *
1 ravam igualmente conjurar a angústia do choque revolucionário, inscreven
/ -
18 HALBWACHS, M , La Mémoire collectiye. Paris: PUF, 1968. p. 67-78
* do-se num tempo maravilhoso; regenerado e novo, sem dúvida, más situado
. i ‘também à margem da história real e de suas áleas.24 Aqui, ainda uma vez, a me -
19 NORA, P. Entre Mémoire et históire/ In: Les Lieux de mémoire. Sous la direçtion de ’ ‘
. .
P, Nora Paris: Gaílimard, 1997. p 24-25.
- •
.
' * *> *
*
20 ARISTÓTELES. De la mémoire et de la réminiscense.Paris: Belles Lettres, 1952.449 * .
22 * HERVIEU LÉGER, D. La Religionvour mémoire Paris: Cerf, 1993 p. 178 18Q.
/
- . -
* b 6, 451 a 20.
.- .
21 VERNANT, J P Aspects mythiques de la mémoire: In:YERNANT, . P.; VIDAL
\ -
23 Nesse sentido, cf. ATLAN, H.; MORIN,~E. Sélection, ré jection.la M émoire. et Vou
blirCommunicationSy n. 49, p.126, 1989.
-
. .
NAQUET, P La Grèce atictenne. Paris:Seuil, Í991 t. II: Uespace et le temps, p. 15
.
et seq. 24 Cf. OZOUF, M. La fête sous la Révolution française. In: Faire de VhUtoire Sous ia ^
.
direçtion. de J. Le Goff et P Nora. Paris: Gallimard, 1974. t, II, p. 257-259.
*
58 t \
59 .
*
Capítulo 1 '
.
Memória. Ligar o passado
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*4
*
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.
ração sem invenção retróspectiva Logo, a memória pode tanto Ser fundado- neira genealógica de argumentos e de razões autorizadas em um momento ou
ra e instituintê como acabamos de sublinhar, como podè mostrar-se mani- .
outro do passado Por outro lado, se, com ÉricWeil,concordamos em dizer
que
^
puladora e mistjfkadora: estas duas funções são necessariamente solidárias.
•
o Estado organizà uma “comunidade histórica” será preciso
26 notar o papel es -
* s )
Sem uma reflexão crítica sobre ele mesmo, o tempo da memória poderia, sencial do direito do Estado nalnstitucionalizaçao da tf adição nacional esta
,
*
O tempo, mesmo passado, nunca é adquirido: sempre requer ser insti - Dois traços caracterizam de chofre a tradição: a continuidade e a con
tuído e reinstituído. O estudo do tema datradição, produto da memória ins
*
tituinte, confirma este ensinamento.
- 1
/
formidade: há, por um lado, reatamento com uma fonte dada de anteriorida -
\ k *
de; de outro,’ há alinhamento a um foco provido de autoridade. A tradição é
V
60 61
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Capítulo 1 4
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Memória. Ligar o passado
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uma anterioridade que cria .autoridade; ela é um código de sentido e de valo- *
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,
mais ou menos cômodo, mais ou menos coerente, aos problemas que nos mo-
\
a referência- ao passado. Em direito, esta “manutenção” é particularmerite ins- -k bilizam na atualidade. Paradoxalmente, a tradição fornece também um mate-
titucionalizada: regras, princípios, processos são consagrados como criadores' 1 '
. * vi
rial para crítica: como o lembrava Karl Popper aos racionalistas que ele tenta-
. permanentes de autoridade, algumas vezes até pretenderemos colocar a '
\ va reconciliar com a tradição bem compreendida; a critica é sempre cr ítica de
' autoridade ao abrigo da mudança. É propriamente o conjunto da argumenta
- alguma coisa. A tradição apresenta, também, uma grande utilidade plano
31 no
ção sustentada pelos participantes na tradição jurídica que parece devedora > 4 L*
normativo, desde quando transmite ô relato das origens, nutrindo, assim, a
do passado: justificar uma solução consiste, de fato, no seio desta tradição, em
demonstrar sua compatibilidade com a matéria que faz autoridade. A motiva- -\ 1
*
i
identidade normativa, sem a qual povos e indivíduos nem teriam consciência
de si mesmqs. Mergulhando-nos nisso, pelo viés da instituição linguageira, no
ção daydecisão judiciária é exemplar quanto a isso: por mais inovadores que oceafib das coisas já ditas, a tradição lembra-nos de que nossa posição não é
v
os juízes sejam, sempre será preciso que a interpretação preconizada apresen- 2
v 1 aquela absoluta, de inovadores radicais, mas antes, aquela relativa, de herdei-
te um reatamento plausível com a tradição institucionalizada, com “lugares . J ros.32 Assim, traz ela um duplo sentido: preservando -nos do fantasma da auto -
^ L
comuns” da argumentação jurídica. criação, ela nos gratifica, ao mesmo tempo, com uma herança mínima, susce-
Segundo elemento: a autoridade no .presente. Não é, bem entendido, \
tlvel de nos permitir falar por nossa vez. * 4
todo o passado qué cria a tradição. Apenas uma ínfima parte deste é seleciona- v
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jnória genealógica distinguia
i
^
-se da
*
memória histórica. As montagens “tradicio-
V,
1 TRAPACEAR COM O MOVIMENTO , *
* nais” serão, assim, muitas vezes, fruto de interpretações contestáveis que, sem . *
sentido aos seus olhos e determinam as soluções que se impõem ainda hoje, 4 cm que medida a tradição sucumbe a estas censuras. A resposta é simples: sem
Um terceiro elemento completa a definição da tradição: a^ transmissão ‘
'
J adaptação, nenhuma tradição sobreviveria. Seu interésse não se liga, portan-
ininterrupta desde a origem. Aqui, ainda-, pouco importa que esta continuida-
s
a
< .• to, na sempiterna reiteração das mesmas receitas, mas antes - o que é infini-
/
de seja real ou pretendida; o que conta é a afirmação de uma linhagem inin- .
*
K-
tf ^
et réfutations. Traduit par M. Irène et M. de Launoy. Paris: Payot, 1985. p. 200.
29 KRYGIER, M. Law as tradition. Law and Philo$ ophyy 5, p. 240-251, 1986.
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62
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Capítulo 1 . .
Memória Ligar o passado
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tamente mais fascinante - na aptidão de produzir incessantemente o inédito J e interpretativo de qualquer tradição, é de natureza a neutralizar muitas ctíti - ^ )
em qpadros antigos, assim como o vinho, novo que colocamos em velhos 3 cas.’3r Mas, rião poderemos nos contèntar com isso. É que existem tradições in -
odres, sem por isso fazê-los explodii;. O enigma e a força dá tradição é reatar ] corrigíveis, radicalmente más, como a do escravagismo, por exemplo. A isso se
sempre o fio da Continuidade, no mesmo instante em que ela incorpora ino * - 4
“A tradição”, escreve Balandier, “trapaceia com o movimento”: texto Este debate, que reata com “a crítica das ideologias” (Habermas), confrontada
constifutivo de uma sociedade, ela lhe fornece uma grade dê leitura que. lhe * • com “a hermenêutica das tradiçõ es” ( Gadamer ), será relatado no capítulo se-
“dinamismo” que lhe permite a adaptação e lhe confere uma capacidade de li- *
dar com o acontecimento e explorár determinadas possibilidades alternativas.34 *
A FUNDAÇÃO , FUTURO ANTERIOR DA V
-
Será que respondemos de maneira satisfatória às objeções dirigidas à
certezas fortes sobre es$e instante inaugural que dá bases à instituição. Ora; em *
tradição? Sem dúvida, o argumento antecipado aqui, sobre o caráter evolutivo ar >
37 Quanto aos debates inerentes à interpretação das traduçõ es, cf. MACINTYRE, A.
Àfter Virtue. A Study on Moral Theory 2. ed. London: Duckworth, 1985. p. 222. Cf.
. ,, . ^
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+ Capítulo 1
V
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Memória Ligar o passado .
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caso de certezas, é novamente com um feixe de paradoxos de aporias que a rt Irndiçflo ocidental consagra soíene e explicitamente, pela primeira vez, um
análise é confrontada, Observaremos, bem de iníçio, que, se ele inaugura uma ^ J .
ult á logo de liberdades fundamentais Pela primeira vez? Por que então os re-
duração, esse momento fundador não pertence, verdadeiramente, ele mesmor ,
J datores deste texto sentem a necessidade de afirmar que os direitos que con -
J #
Artgram , eles os “declaram como seus ancestrais sempre o^fizeram em caso se- - t
ao tempo que passa; mítico e solene, ele reclama somente repetir-se em sua ju - *
|
í ndhante para assegurar seus antigos direitos e liberdades”?
« +
ventude eterna. Notaremos em seguida que, se ele produz uma cascata infini
ta de efeitos materiais bastante reais, sua própria realidade lhe é mais simbó-
^ - -
J Este problema da anterioridade dos títulos jurídicos é bastante coíihe-
t \
lica que funcional: à maneira das “pedras fundamentais” “colocadas por esta ^
*
J ddo dos juristas civilistas confrontados com a questão‘da atribuição das pro -
ou aquela autoridade” e que não têm muita coisa a ver com a construção edi
ficada pelos operários, a instâ ncia fundadora diz o sentido da construção,
- i priedades: “sem duvida é seu, porque você o retém de um proprietá rio prece-
dente em virtude de um título jurídico regtdár”, mas este proprietário prece-
mais, do que o peso que ela suporta realmente 38 . dente, de quem*o retinha? Deveríamos, então, remontar ao infinito toda a ca-
Mas, a aporia que nos deterá é mais enigmática ainda, e inscreve-se na .
deia dos proprietários Impossível, claro: sempre uma dúvida se insinuaria na
ordem temporal: é precisqjver, cie fato, que o momento fundador é, literal - legitimidade do que precedeu; os glosadores, desde o século 13, falam nesse
mente* iílassinável, radicalmente indisponível; cada vez quç acreditamos po - ponto de “ probatio diabólica”: uma prova tão necessária quanto impossível .
-
der apreendê loTele desaparece em uni abismo, remètendo a um passado mais
^ * Igualmente, precisamos resolver de imediato: o escoamento de um lapso de
longínquo que o passado; entretanto, cremos poder identificá-lo, ao termo
'
tempo suficiente suprirá a falta de título verdadeiramente originário; iremos
desta regressão rumo ao antigo eis que ele se projeta para frente, Só oferecen
do realidade na antecipação de^sua futura realização; e, quando esta enfim se ,
- 3
contentar-nos com a posse imemorial ( de fato, três gerações), e, logo em se-
'
guida, com a posse trintenária. Faremos “como se” uma ficção mascarasse a
-
produz, percebe se agora, poderíamos dizer retrospectivamente, que ele sem- abertura do fundamento ausente.39
r pre estivera lá e não cessara de operar nos bastidores da história. Eis porque Mas, não há origem dos direitos subjetivos que não desaparece em
nós falamos sobre o modo do “futuro anterior”: anterioridade em relação, a abismo Do lado dos direitos objetivos (fortfes do direito), impõe-se uma mes-
.
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como um ponto zero no direito, “Há sempre direito, antes do direito”, pode- '• n *
.
J. ríamos dizer Os índices, aqui, pUlu|am. Tomemos, por exemplo, Um texto
I
fundador entre todos, o BUI ofRights de 13 de fevereiro de 1689, que em toda 39 Cf .ELLUL, J. Aliénation et temporaíité dans le droit. In: Tetnporalité et alié nation .
Paris: Aubier: Montaigne, 1975. p. 191. V
\ "» . r
( 40 BOHANNAN, P. The Differing Realms of the Law. In: Law and the Behavioral
, 38 Sobre a metáfora da “primeira pedra , cf. BACHEIARD, G. Dialectique de la durée.
" Sciences. Edited by L. Friedman, S. Macaulay. New York: Bobbs-Merril , 1980? p. 47
Paris: PUF, 1963. p. 41 , , i et seq.
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Capítulo 1
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• se ó contrato foi passado com o povo (povó instituído e não massa in-
V não apresentam o primeiro como um estado desprovido de direito: ao contrá- ^ * *
*1
rio, já ali prevalece a lei natural , cujo único erro é ser incerta e não sanciona- »
forme ), de que modo este teria se instituído antes do ato que designan-
r
'** da. O direito positivo do estado civil Vem, então, explicitar e garantir uma ju- '$
do-o/acredita-o? r
ridicidade já fyastante presente no. corpo social.41 v g • se o contrato é assinado pelos cidadãos (cidadãos instituídos membros
' da nação e não indivíduos isolados), como é que ele seria antes obra
Mas se existe direito antes do direito, podemos dizer, com a mesma segu- da
é
rança, que existe poder antes do poder. A dominação ou a interação política não do pacto que, precisamente, o faz aceder a ess&xlignidade? ’
t 1
escapa, nem ela, à regra do antecedente paradoxal. Derrida nota-o com humor,
colocando a-questão (im)pertinente de saber quem, em definitivo; assina a De-:
v
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, .
’ A
claração de Independência dos Estados Unidos de 1776. Será Thomas Jefferson? que um povo nascente pudesse saborear as máximas sadias da polí tica e seguir
* #
Não, é claro, ele é apenas o redator. Serão os “ representativos” da nação américa- flSuj;egfas fundamentais da razão de Estado, seria preciso qiie o efeito pudesse
,
1
na, reunidos em Congresso? jNão, já que são apenas os representantes de um
\ lornar-se a causa, que o espírito social, que deve ser a obra da instituição pre-
sidisse a instituição mesma, em que os homens fossem antes- das leis e o que ~
l
v povó de resto ainda não autorizados, já que a Declaração ainda não foi assina-
da. Será, então, “We the People”, <çnós, o povo”, em nome do qual a independên- ; devem tornar-se através delas”,43 como estar de fato/à altura da lei,,que se con-
A
cia é proclamada mas, sem nenhuma dúvida, ó povo não assina e, além disso, ií
vencionou, entretanto, ter engendrado? Como fazer que se queira o que des-
sem já estar em vigor, a Declaração ainda não o instituiu1 na qiialidade.de povo \ de sempre devia ter-se qtierido? Uma libérdade se afirma, um povo se institui
soberano? Seria então, a Providência em nome da qual o textò é redigido e os
>
que, contudo, convenciònou-se considerá-los còmo tendo desde sempre sido
direitos proclamados? A Providência que retroativamente habilitaria Jefferson a ã chamados à existência. Umafigura retroativa se desenha aqui que indica, em
’
redigir, os “ rep esentatiVos” a pôr seu nome embaixo do texto, o povo a preten- ídica, rumo a uma potência instituinte
^
der falar em uníssono... Quem, então, assiná a Declaração de Independência?42
*
contra corrente da constituição jur
mais antiga e que, apesar - dela instituição, faz chegar à existência: sem a for- '
,
Este problemade antecedência política, tão velho quánto aprópria so- ma prévia da legalidade, o contrato nada seria e, contudo, é o contrato que re-
, - ciedadè, surgiu sob uma forma aguda desde o momento em que, desde a mo- vela a lei.
t
V
dernidade, o fundamento dó poder convencionou-se residir no contrato so- , Todos esses índices conduzem a uma conclusão formal: do mesmo
ciai que os homens livres e iguais passam entre eles. Quando ela é radicaliza- modo que ninguém começa a linguagem a partir do zero, ninguém começa
da ( ou seja, quando a pretensão à autonomia se pensa como autó-fundação), absolutamente a instituição. “Nunca se assiste ao começo da regra, escreve
esta idéia desemboca em inextricávèis aporias; citémo algumas delas: »44
Paul Ricoeur, só podemos remontar de instituição em instituição.' Nossa
<4
^
% \
ação, nosso discurso, até nossa liberdade, só são possíveis sobre o fundo de in-
• se o contrato é a norma fundadorai, em que repousa a óbriga o de ter *
. . , f
41 Cf principalmente LOCKE, J Deuxième Traité du gouvernement civil Traduit par l
i
.
B. Gilson Paris: Vrin, 1979. p 146 et seq ; KANT, E. Métaphysique des ttfoeurs. Pre
. . - 43 ROUSSEAU, J J Du contrat social Des prí ncipes du droit politique. Paris: Bordas,
i
. .
mière partie, Doctrine du ãroit Traduit par A Philonenko. Paris: Vrin,T971 p. 194 . . . .- . *
1 r
.
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.
1972 p. 109 .
' 42 DERRIDA, J Déclaratiqn (findépendance Jn:
..
lée, 1984 p 25. v
. .
Otobiographies Paris: Gali- . 44 RICOEUR, P Avant la loi morale: Péthique, loc cit., p. 64
. . .
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Memória ligar o passado.
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“é semprè no atraso, escreve ainda Ricoeur, que tomo consciência da anterio- rtlestam, por outro lado, a -impossibilidade de remofitar ao fundamento (sem
pre á probatio ãiabolica ) > a necessidade de “resolver rapidamente”, irppondo fic- ’
, írãaâe da regra em relação a qualquer escolha nova” 45 . i
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çflc$ políticas com tanta força quanto fragilidade de verossimilhança. % »
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4 é Esta primeira interpretação derridiana, da retração do fundamento,
G.OLPE DE DIREITO DOS leva, então, a pensar a fundação da lei como um momento suspenso no
vazio, em ruptura com todo opassadó, e, na melhor das hipóteses, projetado
K
*
4»
tura em relação ao antigo, um ato de rejeição de qualquer anterioridade e de luas, pelo contrário; um elo que não deixa de estender-se e enriquecer-se em
*
\
.
pura afirmação de si Uma nova distinção entre o legal e o ilegal, então, “se im- direção de um passado que nunca deixou de irrádiar em direção do presente.
ter notado, como já vi-
*
poria, que hão se sustentaria senã o pela violência nua de sua pró pria afirma- Esta segunda leitura é de Pau!Ricoeur, que , depois de *
golpe de direito. Tal é a análise proposta por Derrida dos momentos instituin-
4
»
- r so, que ele pertence ao contemporâneo - nem mesmo ao juiz constitucional,
'tes de novas ordens jurídicas. No instante revolucionário iria afirmar-se um * tão elogiado, nem às regras da discussão processual nas condições dalegitimi-
dade, de que esperamos tanto na atualidade - que “faça sair o simbólico (fun-
{>
direito novo que por si só se autorizaria; armadò unicamente com sua violén-
cia fundadora, produto de úm ato performativo puro (que realiza o que ele '
s
dador) a partir do vazio”.48 Uma tal pretensão não estaria, a bem dizer, muito
afirma através unicamente daquilo que afirma ); suspensa no vazio do não - distanciada dos fantasmas de todos os totalitarismos que sempre pretendéram
partir do zero para criar um tipo de homem absolutamente novo. O que leva
- 49
^ direito, esta pretensão não teria contas a prestar a ninguém O sujeito do per . -
formativo seria liberado de toda lei na medida em que “é ele qué deve fundá Ricoeur a propor uma saída para ó paradoxo, não na tarefa digna de Sísifo de »
la, como vindo na violência”.46 Seu gesto, escreve ainda Derrida, “é uma deci-
- recriar permanentemente, a partir de nada, uma instância simbólica, mas an -
são què não pertence a nenhum continuum temporal”.47 tes, é a hibridação e revivifica ção das m últiplas heranças*fragmentadas que
NNóS não podemos aderir a esta análise do fundamento da lei, tertamen- coabitam nas nossas sociedades pluralistas. Neste ponto remetemos ao “con-
r te demasiado redutora; de fato, o que poderia ser um “performativo” puro, de '
- 1
» senso por recorte” de que fala John Rawls, assim como a sinergização das he -
preendido de qualquer conhecimento prévio, ser
>
ranças imensas e ainda não esgotadas, porque não interpretadas quanto às
íão a afirmação da mais bru
tal violência; que quereria dizer “fundar uma lei” se não se pudesse tomar 5
- suas promessas, não cumpridas, nas quais Charles Taylor, que visa, principal-
apoio, n ão seria isto senão marginalmente, nas formas prévias de legalidade? ’ mente em The S çurces ofthe Self o judaico-cristianismo, o racionalismo das
}
De resto,’ como se verá, o próprio Derrida não irá ater-se a estas primeiras ano- Luzes e o grande romantismo alemão e anglo saxao do século 19.50 A
-
>
tações. Estas têm, contudo, o mérito de lembrar que se infiltra frequentemen \ Levando um pouco mais adiante o nível do estudo do enigma dq fun- *
te, na génese da lei, uma dose não desprezível de violência e de impostura. Elas
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timidade e todas asdnstituições constitucionais, como a do contrato, que ten
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45 RICOEUR, P. Avant la loi morale: Péthiq e, loc; cit , p. 64 ú . . i 4
. .
48 RICOEUR, P. Préface In: A. GARAPON, Á Le Garâien des promesses Paris: Odile .
46 'DERRIDA, J, Forte de JoL Lefondcment mpstique de Vautorité Paris: Galilée, 1994. . Jacob, 1996 p 16 .. .
p. 88.
V 4
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. . .
/ 47 RICOEUR, P Préface In: A. GARAPON, A Le Gardiett des promesses Paris: Odile . V'
49 Ibid . %
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Capítulo í t
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Memória Ligar o passado.
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Será preciso, pois, após haver seguido um certo tempo Derrida e Ri - *
opera unicamentè no vazio e na violência, ou que ele não tem contas a pres-
coeur opor irremediavelmente, as beiras do abismo do fundamento ausente, .
tar; senão a si pró prio De resto, o próprio Derrida é logo conduzido a reabi-
de um lado a violência de um ato fundador que se projeta no futuro, e de ou-
*
litar algo como um continuum na vida dás instituições, como se a força ( ele *
tro lado o trabalho paciente do diálogo das culturas, ele mesmo inspirado pela
,
diz: a violência) da fundação não se deixasse distinguir claramente da força
confiança em um socíalidade primeira, esquecida e recalcada no inconscien- * .
que levam as mesmas instituições a. se conservarem “ Uma fundação”, escreve
^
te coletivo? A legitimidade estaria condenada a este choque violento da ante -
, *
(1 ele mesmo, numa fórmula que subscrevemos desta vez totalmente, “é uma
t
cipação e.da anamnésia? Nós não acreditamos nisso, pnis é no vazio de seu
promessa” 55 Mesmo se esta promessa não for mantida de fato (qual o seria in-
próprio andamento que a legitimação opera o vai-e-vém dò passado ao futu-
^
tegralmente), “a iteratividade inscreve a promessa de guarda no instante mais
7 ro e do futuro ao passado. Basta retomar a leitura do texto de Derrida para se
irruptivo da fundação. Ela inscreve assim a possibilidade da repetição no cen-
«
.
convencer distQ Imediatamente depois de ter sustentado que a fundação de • tro do originário”.. “de repente”, acrescenta ele ainda, “não há mais fundação
um direito novo só se sustentava por si mesma e projetava no futuro sua pró
* - pura ou posiçã o pura do direito, logo, pura violência fundadora já que não
^
pria legitimidade, o autor nota que esse direito por vir legitimava em troca,- re
tròspectivamente, a violêAcia da qual nasceu “seufuturo anterior”, já a justifica, ,
- * .
existe violência .puramente conservadora*’5* Com isso, parece-nos, falou-se ,
.
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.
51 RICOEUR, R Soi nteme comtí ie uti autç f Paris: Seuil 1990. p* 278 279. *
^ - 54 DERRIDA, J. Force dedoi Lefondement mystique de Vautorité. Paris: Galilée, 1994
.
p 98. ‘
-52 DERRIDA, J: Force de lou té fondement mystique de Vmtorité Paris: Galilée, 1994.
p. 87 88. - '
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.
55 Ibid., p 94.
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Memória Xigar o passado.
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* , como a isso convida Çastoriadis/7 ou ainda uma lamentável tendência à alie- í \\ fuga de Enéas seria apenas um fato quotidiano doméstico, uma cena dramá . - *
llca de família, inscrita nas peripécias dó tempo que passa. Mas Enéas não é um
« *
nação do direito que, atingida a maioridade, tende a intemporalízar-se, petri- 7
j
ficando seu Conte údo ou sua origem, como o acredita Ellul.58 Essas tendências fugitivo qualquer, é um fundador de império: seu tempo não é o da anedota,
,
são reais e alimentam desvios que justificarão, no devido momentp, que se en- ,
VJ mns da genéalogià instituída: fiel á seu pai e confiante no filho, nem por isso
.riqueça amem ória através do perdão (ou, se preferirmos, que se recorde à. ins- i permanece indissoluvelmente ligado a este casulo doméstico. Recomendando "
*
.
tituição sua origem instituinte) Mas, por enquanto,‘lembremos que não há ,
UO pai que levasse - nesse momento de urgência em que muitos outros recur-
força instituinte que não se apóie em formas instituídas . 1 sos seriam, sem dúvida, mais “ úteis” - os “objetos sagrados e os penates dos
_- pais”, é num outro tempo que ele inscreve daí para frente seu empreendimen-
A
t
I to, Não se trata mais de garantir sembem estar privado ou uma reprodução ex-
, ’ A GENEALOGIA: ENÉAS, ASCÂNIO, ANQUISES clusivamente biológica; é, antes, o caso, agora, de perseguir uma grande obra,
cuja origem sagrada se perde na noite dos tempos e cujos efeitos futuros são,
E
.
i
OS PENATES /
pela mesma razão, incomensuráveis. Assim, o tocante (oú dramático) quadro
de família esboçado por Virgílio condensa, em miniatura, a produção do tem-
r
A ordem jurídica não sé erige unicamente sojbre uma base fundadora
'
* po fundador inaugural, cuja eficácia passa, contudo, pelo intérprete da cadeia
de caráter público; nãa são unicamente as mitologias coletivas què ela mobi.- - historicamente situada das gerações.Duas lições essenciais se depreendem des-
*
da lei.
-
termina, o indivíduo erige se como sujeito d£ direito e torna-se, por sua vez, o tempo histórico concreto, inscrito na duração (uma duração que, como sa-
Substituto bemos, pode se usar) e implicando um princípio cronológico.
\
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»
I *
Uma representação mitológica tomada de empréstimo à Eneida de Vir- :
gílio, e comentada por Pierre Legendre, ilustra maravilhosamente este aspecto 1
v
genealógico. Quando Tróia, tomada pelos gregos, está em chamas, Enéas, futu- -il
K
>
ro fundador de Roma, abandona a cidade apressadamente; Pela mão, segura NASCIMENTO DO DIREITO
4
seu jovem filho Ascâ nio; em suas costas,.carrega seu pai Anquises; sua esposa, ' á
Creusa, segue-ó à distância. Antes de pôr o pé na estrada, Èqéas dírige-se nes-
„
Matéria de direito positivo na França, desde a Ordenança de Blois de
tes termos a seu pai: “você, o genitor, leve nas mãos os objetos sagrados e os pe- *
1579, o regime do estado civil, que oficializa a atribuição a cada sujeito de seus .
. nates dbs pais”.59 Esta última precisão, parai dizer a verdade, é essencial; sem ela,’
i autores legais, não se liga nem a um caso puramente cronológico, nem a dados
S .
puramente biológicos No plano cronológico, sabemos bém a dificuldade que
J*
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Object de la transmission Étude sur Je príncipe généalogique'en Occidetit Paris: Fa . *
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60 LEGENDRE, P LTnestimable Object dela transmission Étude sur le pr
. .
í ncipe généa -
yardi 1985. p. 148 et seq. »
*
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logique cn Occident Paris: Fayard, 1985 p 147 .. .
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Capítulo 1
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Memória. Ligar o passado . *
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•piox e a um ‘‘pai” com maiúscula (o ancestral mítico cujos penates são conser-
bolicà ) que não se restringe a isto: os penates e os objetos sagrados tomam o lu - *
vados ), ela lhe confere ao mesmo tempo um lugar na;linhagem, que lhe per -
gar do ancestral incerto; a nomeação legal - o pai designada pela lei -livrará o "
\ fí
C í
\ .
sujeito da angústia de ter que se fundar ele mesmo. Quanto ao plano biológi -
i
.
mite à sua vez, assumir seu papel de sujeito De fato, não acabou ele de apren-
<
co, sabe-se qqe no ocidente, çoirio alhures, o& sistemas 'de parentesco instituí- %
v
^
der- que nem seu pai, nem nenhum de seus avós estava em posição de sobera -
dos não têm necessariamente um elo coit í a comunidade de sangue, O laço de ‘
nia: somente, como ele, sujeitos à lei? Erigido como alternativo da lei e como ,
sangue não basta para produzir o sujeito. <cEle deve ser juridicamente trabalha
V
- agente da transmissão, o sujeito é, assim, preservado dadarefa impossível de
N do”:61 não é senão uma vez nomeado, classificado e instituído, no lugar que lhe
cabe na contagem genealógica, que o indivíduo torna-se sujeito de direito, re-
(
_ - .
ter que fundar se a si próprio Dotado pela instituição de lim pai e uma mãe
designados pela lei, o indivíduo é liberado da fantasia de ter que inventar au.-
. conhecido simultaneamente em sua especificidade e integrado na comunida- -
tores e de se'ácreditar soberano! Este dado indisponível, do qual ei lo instituí-
.
de Assim, pois, não basta para o indivíduo nascer- eni in útero, obra da repro T3
- •
do herdeiro, irá permitir-lhe d í para frente expressar-se em primeira pessoa
duçã o biológica; é igualmente necessá rio a ele, para acessar a postura de sujei- ^
no jogo indiferenciada da interlocução.
to, nascer da nomeação jurídica conferida pela instituiçã o.62 Insistamos neste ponto: a transmissão da lei que, assim, se opera, com *
a solda dos novos elos da corrente* só tem virtudes retrospectivas: nao tra-
lógica, é que sua verdade situa-se em outro lugar: ela é instituinte e política,
ta unicamente de assumir uma continuidade em relação ao antigo. Do lado do
produzindo um sujeito, articulando-o como uma nova malha" na cadeia das - J futuro, igualmente, o princípio genealógico revela sua utilidade, como vere-
/
víduo que ele não poderia tornar-se ele mesmo senão assumindo seu lugar na
râ neos, numa situação de dependência radical, de total assimetria. Logo que a
linhagem e aceitando o princípio de cifesimetriaque a caracteriza- . r
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1
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, «*
inetria -, o modelo da transmissão, em contrapartida, por seu princípio de
transitividade diferida no tempo e operando em cadeia aberta (A transmite a
-
. O imperativo genealógico inscreve cada pessoa hum eixo vertical que w
l
B que por sua véz transmite a C), está apto a aplicar-se às interações dissimé- *
-
e, assim, edificar se como sujeito na perspectiva de uma história longa què de tricas e não simultâneas. O princípio de transitividade, Hgadò" à jransmissao,
senvolve a duração tanto em direção aos ancestrais já mortos, quanto aos des-
- surge assim como mais englobante e mais fundamental que o princípio de jus-
,
cendentes ainda por vir. Compreende-se, então, que a dissimetria inerente à ' tiça comutativa ligado à igualdade “dá-sê a quem se dá”: não somente se apli-
cascata genealógica é constitutiva do humano: sê ela o ordena a uma lei ante - ca a situações bem mais numerosas, mas é condição de possibilidade de froca
V
*
comercial. De fato, como tratar, na igualdade entre parceiros contratuais, de
1 »
respeitar a palavra dada,’ se não tivéssemos acedido anteriormente à posição
t
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- 61LEGENDRE, P. Ulnestimable Object de la transtnission. Éiuáesur ie prí ncipe gé néq- 1
lôgique en Otcident. Paris: Fayard, 1985. p. 154* v \ de sujeito de direito erigido como substitutè' da legalidade ela mesma, fora da
62 Ibid., p. 227. qual nenhuma convenção se manteria? V
1
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Capítulo 1
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Memória* Ligar o passado *> *
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IC8CS de Sàvigny foram, transmitidas com muita eficácia por vá rios de seus dis-
VI *
.
e inalterável Não ignoramos, bem entendido, que o imperativo genealógico • " la do direito natural do século 18, e contra o legalismo positivista do movi-
de que acabamos de faíar é atualmente seduzido por certas prá ticas da medi - mento da codificação que, conforme o exemplo francês, pretende reduzir o di-
cina, da fecundação artificial. Não é impossível que amanhã, novas formas de reito à lei. Ao contrário dessas teses, Savigny e seus discípulos querem afirmar .
^
* ’
"A ESCOLA DO DIREITCrHISTÓRICO: V cio nem o fim desta'ação”.64 Do imperfeito, a Escola' do direito histórico, assu-
A APOLOGIA DO IMPERFEITO me igualmente o caráter progressivo, inacabado e, logo, nesse sentido, “não
perfeito*; isso se marca principalmente nas reprovações veementes dirigidas
s
A
por Savigny às ilusões dos codificadores: “nessa época”, escreve ele, a propósi-
%
. .
*
”11 64 GREVISSE, M. Précis de grammaire française. 28, ed. ParkJ Duculot, 1969. p 183
. .
63 Cf DUFOUR,A Droit historique (Écolé àu ) .í n: Encyclopédie de théorie etdesocio-
\
> . .
65 SAVIGNY, F de De la vocation de notre temps potí r la législation et la Science du
. .
logie du droit , Sous la direction de A: J Arnaud et a.utres 2. ed Parisr LGDJ, 1993 . . ] . . ..
droit Heidelberg: [s.n ], 1814 p 4-5; Apiid DUÇOUR, A. Rationnel et irrationnel
.
. .
p 192 et seq ea bibliografia citada.
,
- .
dans 1 Éçole du droit historique Archives dephilosophie du droit, p. 149, 1978 ,
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Capítulo 1 r .
Memória Ligar o passado . *
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Ao contrário dos codificadores que pretendem derivar o direito dos A TOTALIDADE DO PASSADO
princípios a priori da razão, a Escola do direito histórico indica seu fundar
* ^
mento nas necessidades internas, histórica e organicamente desenvolvidas, de ' Uma vez expcísta esta evocação das grandes orientações da Escola do
cada nação. Em 1847, Pushta escreve: “o direito repousa, quanto a seu último direito histórico, podemos retornar à concepção do tempo jurídiço que a ins-
^ ^ .
fundamento histórico, na convicção comum do povo Beseler lhe faz eco,
afirmando: “o direito não é o produto do acaso ou do arbitrário dos homens,
'
; . -
pira Savigny explicou se com toda clareza no artigo programático de 1815
Para ele, o conjunto do pensamento jurídico se deixa dividir em duas corren-
nenl da legislação ou, das abstrações dos filósofos, ele se desenvolveu direta-
mênte na vida dos povos como o costume e a língua”,66
-
tes: a Escola histórica, è a Escola ahístóriça dois campos que são opostos pela,
i
resposta à questão de saber qual tipo de relação se trata de estabelecer entre o
Do fundamento assim definido decorre uma teoria das fontes do di- 7
%
\ passado e o- presente, A Escola ahistórica ensina que cada século é o senhor de
reito que, sem d úvida, valoriza o direito popular, mas a tradução desta logo
' >•> I
seu destino, criado por ele em toda libèrdade; o passado só teria utilidade a tí-
iria assumir duas formas distintas nos escritos dos teóricos da Escola do di-. tulo de reservatório de exemplos políticos* e morais. Para a Escola histórica,
* .
reíto histórico Ora será privilegiada sua ^expressão direta e imediata sob a í\
\
<
em contrapartida, “não há nenhuma existênçia humana que seja plenamente
*
^ formaMo direito consuetudinárío, tradução da consciência popular da na - > singular e perfeitamente isolada”: cada indivíduo é simultaneamente membro
, çãb. Tal será a ppção da Corrente “germanistq”, guiada por Grimm e Beseler; de uma família, de um povo, de um Estado; e “cada época de um povo é a con-
aqui, a orientação é empírica e indutiva: trata-se de traduzir diretamente as ' vf
tinuação e o desenvolvimento da épocas passadas” Se for assim, “cada época
« instituições populares, evitando desnaturá-las através de construções im- não cria para ela e em total liberdade, seu universo próprio, mas só o fa? em
*
ções não agem como uma outra forma de arbitrário^ já que, precisa Savigny, *
1 *
mas da Escola, continua entendido como “o nascimento das regras escondi- elas procedem “da natureza mais alta do povo .que é uma totalidade sempre
*
das no espiritando direito nacional que não tinham aparecido, até então, c
em transformação e que não cessa de se desenvolver Deste povo no sentido .
nem na consciê ncia ou nas ações dos membros do povo, nem. nàs fórmulas , I
mais alto, a época atual é igualmerite uma parte integrante . a história não é ..
. do legislador”.67 *
%
mais, desde então, uma seleção de exemplos, mas a ú nica via que conduz aò
.
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verdadeiro conhecimento de ndssa própria situação” 60
Èsta análise de Savigny é essencial e escapa inteiramente, parece-nos, à
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66 Apud DÚFOUR, A. Droit historíque.í?cole 4u) In: Encyèiopédie de théorie et de so - * justiça às tesest da Escola do direito histórico Nesta passagem, Savigny formu
ciologiedil droit. Sous la direction de*A. J, Amaud et autres. 2. ed. Paris; LGDJ, 1993, A >
la uma das justificações éticas jnais convincentes que se pode enunciar em «
\. p. 193 194. * - .A *
4 >
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» : 67 G. Puchta apud DUFOUR,“A. Droit historique (École du). In: Encycíopédie de théo - 'f 1
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X„ rié et de sociologt ç du droit. Sous la direction de A. J. Arnaud et ãutreí. 2. ed. Paris:
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Capitulo
Memória. Ligar o passado.
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apoio ao teiripo da memória e do recurso aos ensinamentos do passado: um
rdtcr do povo verificam-se no decorrer da marcha do tempo: ainda aqui, é à
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tal ato de anamnésia não tem tanto por função xeferir-se a qualquer exemplo ?
ilustre “estrangeiro* (aqui: “passado”) que poderia ser, aiuda hoje, de alguma
*
l íllgua que é preciso compará-Ib. Assim como para a língua, não há para o di- „
rdlo nenhum mómentó deparada total, [..J. Esta evolução é regida pela mes-
s
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profunda analogia. Sua essência comum reside, a meu ver, em.sua igual antí-
DIREITO, LíNGUA E POVO , i j
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.
gllidade e em suá igual juventude Tanto um quanto o outro repousam;de
i
. - ção da Escola .
*
1
Estas são, pois, muito sucintamente evocadas, as grandes linhas da filo-
^ * "
do direito histórico. Notaremos,
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pingados na abundante produ «
<
sofia temporal da Escola do direito histórico: comove, trata-se essencialmen-
^
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de início, que tanto a lei quanto o Estado pressupõem um direito preexisten -r,
)
te. Assim se exprime Pushta: “a legislação só é possível no interior do Estado,- te da apologia do tempo do imperfeito, entendido como um passado em an-
i
K
mas o próprio Estado é baseado no direito; então, ele não pode tê lo criado ele
mesmo, dejòrma original”.69 De onde deriva, então, este direito preexistente?
- * ' damento, cuja origem se perde na noite- dos tempos e cujo fim ainda não foi
j anunciado. Um tempo do longo prazo supondo a retomada incessante dele
Grimm arrisca uma resposta qUepponta em direção do que denominamos o mesmo, na consciência muito clara da imperfeição das coisas.
i
*
tempo inaugural; “que direito e poesia saem do mesmo leito, não é dif ícil acre- Contudo, ha uma razão dècisivapara i ão se acqitar eril bloco as teses
'
i
.
ditar Em cada um deles, tão logo iremos anàlisá-los, dobramo nos a alguma . - *!
^
desta Escola: falta todo aparelho crítico que lhe permitiria exercer uma- auto
coisa de dado, de preexistente, que poderíamos chamar transhistórico, se não
reflexão de molde a relativizar seus postulados. Carente, então, de um certo
4
" sidade dogmátícá. Como, por outro lado, ela poderia sobrevjver em uma^so:-
* Sem apontar o mesmo fundamento mitológico, Savigny desenvolve 1 '
ciedade em vias de complexificação, cujas pertenças e especializações de seus
*
,
também o paralelo entre o direito e a língua, já que ambõs evoluem no ritmo
da consciência popular; “as relações'orgânicas do direito com a essência e oca- membros se diversificariam? Será preciso lembrar, quanto a fsso, os sarcasmos
%
* %
v que Marx dirigia a esta Escola, que “declara rebelde qualquer. grito do.servo ** »
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• 69 p. Puchta apud DUFOUR, À. La Théorie des sources du droit dans TÉcole du droit i
* V
70 .
J Grimm apud DUFOUR, A. La Théorie des sources du droit’idarisTÉcole du droit
droit historique. Archives dt thilosophie du droit, p 98, 1982. ^ * .
historique. Archives de philosophie du droit, p. 100, 1982.
i
.
72 J Grimm apud DUFOUK * * a^Théorie des sources du droit dans TEcoIe du droit *
/ i
82 '
83
**
Capítulo 1
\ * . Memória, Ligar o passado.
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>
contra o chicote, sobretudo o chicote carregado de anos, um chicote de velha* M
•
aun elo pri-
mostrar que, por um lado, éla quase não permite que se estabeleç >
\ 4
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A
tias pela coerção (normas gerais ou regulamentares ou normas individuais
*
editadas pelo juiz no quadro do litígio), quase não permite que se faça distin-
;
. O DIREITO, ESCRIVÃO DA MEMÓRIA SOCIAL '
J ou ad-
r
*
ção entre a ordem jurídica propriamente è a ordem de caráter gerencial
Estudamos o funcionamento da memória colétiva e a maneira como se ministrativo, como aquele da estratégia num campo de batalha ou do finan-
,
cista no jogo do merfcado das bolsas, Ao nos atermos a essa primeira resposta
*
I
sociedade. A esta questão responde-se < je um modo geral evocando os papéis
de “direção das condutas” e de “regulamento dos conflitos”, exercidos pelo di
- O que é preciso acentuar, portanto, é que o direito só secundariamen -
reito nas nossas sociedades desenvolvidas; duas funções associadas à idéía de
comando e implicando uma temporalidade curta, aquela da colocação em
.
te évíomando, e quç suas funções de direção das condutas e de resolução de *
conflitos são, elas mesmas, apenas funções derivadas em^relação a um, papel
.
execução imediata No primeiro caso, trata-se* de prover às exigências do bem
' '
muito mais essencial, ,assumido pelo jurídico Este papel furidamental consis-
. *
ção sem tardança. Esta resposta não é falsa sem dúvida. Mas quereríamos
mitido e proibido, é preciso criar o quadro geral de intera ção no seio do qual
.
estas distinçõés ganham sentido É preciso construir o edif ício antes de regu -
.
/73 K. Marx apud DUFOUR, À Droit historique (École du) In: Encyclopédre de. théòrie
.
lamentar seus acessos e a utilização de seus compartimentos Sem dúvida, esta
a/t
..
et de sociologie du droit. Soustia direction de A J Arnaud et autres. ed
2 Paris: . . função instituinte apresenta uma outra relação com o tempo, além do exerd -
LGDJ, 1993. p. 195.
74 ORIANNE, R Introductiott au systèmejuridique. Bruxelles: Bruylant, 1982. p. 270
.
cio do comando de que falamos Ainda que este se acomode com á imediati -
/
dade (e até a reclame, desde que se trate de ser eficaz naquele instante), em
84 85 r
*
Capí fulo 1 fi Memória. Ligar o passado.
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i V.
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contrapartida a função instituinte siipõe, por hipótese, tenipo para manifestar
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seus efeitos. Nada de Uma mobilidade estática (a parada dp jogo social), mas
*
A
í qimis importa que o traço seja oficialmente conservado para criar publica-
mente autoridade amanhã ainda. As leis, decisões e regulamentos são publica-
v
Aqui, a analogia com o jogo não é fortuita: comò mostrou Searle, as re- <1
( nascimento, morte, casamento, escolha do domicílio) são consignados nas
gras mais essenciais do jogo não são aquelas que definem os “golpes” autori- 3| atas de estado civil; os dados que permitem a identificação e a localização geo- '
’
(
zados e os “erros” proibidos, mas aquelas que determinam as convenções fun- $ gráfica dos bens de raiz, tornam-se objeto de menções no cadastro; enquanto
dadoras do jogor aquelas que habilitam os jogadores e definem seus poderes
^ as hipotecas constituídas sobre tais bens são transcritas nos registros da con-
. respectivos, determinam os lances, fixam os objetivos do jogo.75 Tais regras; . j servação das hipotecas; as principais indicações relativas aos comerciantes e às
Sociedades comerciais podem ser consultadas nos regístros«lo comércio; o jre-
denominadas “constitutivas”, criam, por assim dizer, a possibilidade mesma de
gistro dos protestos informa aos credores quanto à solvabilidade dos tomado-
jogar este ou aquele jogo; sabemos que Hart construirá sua célebre tepria das *
normas secundárias e, de modo mais geral, sua concepção da semântica jurí- . res de empréstimo; as propriedades intelectuais tornam-se objeto de preciosas
dica, a partir da analogia extraída das regras constitutivas dos jogos.76 v ^" Inscrições em documentos que lhes.garantem a publiciclade desejada (registro
• nacional da$ patentes, registro nacional das marcas, . ); a lembrança das in- '
Iríamos, agora, nos dedicar a identificar algumas das técnicas utilizadas
\< M
frações, penais é conservada no prontuá rio- judicial dos indivíduos, ... a lista
p r nossàs ordens jurídicas, parà assim instituir a sociedade e preservar os tra
ò
- j
ços de sua memória. Notaremos, de início, a esse respeito, a ação do direito so- destas formas de memorização das informações socialmente úteis é virtual-
\
Nbre a linguagem: a sua própria, bem entendido, mas também a língua social
que constitui um dos laços nacionais mais sólidos, ao mesmo tempo que um
J mente infinita.77 Oficializando estas informações, o direito lhes confere simul -
1
< taneamente uma credibilidade superior à da informa ção ordiná ria (em certos
critério de pertença política essencial. .Jámeste nível, as intervenções do direi v -
to nã o são desprezíveis, quer se tratasse de determinar a ou as línguas que se
rão reconhecidas como oficiais, quer se tratasse de modular-lhe a evolução fi
xando, por exemplo, regras de ortografia, proscrevendo d uso de dialetos ou
-
- ^ »
casos, como para as menções dos atos do estado civil, somente,a autoridade
judiciária é habilitada a constatar sua falsidade), do mesmo modo qUe uma.
'
. .
.
Pauchard Paris: Hermann, 1972 p 72.
.
. .
76 HART, H L. A. Defínition and Theory in Jurisprudence Law Quarterly Review, 70,
^ \
.i
• . . . . -
77 ' Cf principalmente PETIT, F La mémoire en droít privé Revue dela recherche juri
.
p.137 et seq , 1954 .
\ - . . .
dique Droitprospectifi p 1 et seq ,1997 1 -.
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86
87 .
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< Capítulo 1 .
Memória, Ligar o passado
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nais e às instituições classificadas . I
afirmação, mais ou menos solenizada e reiterada, dos vàlores fundamentais da
coletividade. É na Constituição que,' de modo positivo, e no Código penal, de
'
*
: »
» \ um modo negativo, esses valores são afirmados com a maior clareza. Mas eles
PAPéIS, ESTATUTOS, VALORES 8C irradiam, em princípio, no conjunto do sistema jurídico. Afirmando
, em
*
, ,
seu artigo 2 , que “a França é uma república indivisível laica democr
o á tica e
-
4
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-
Da identificação das pessoas e das coisas passa se naturalmente - no .
í
,
social. Ela garante a igualdade diante da lei de todos os cidadãos sem distin-
ção de origem, de raçâ ou de religião. Ela respeita todas as crenças”. A Cpnsti-
4
identifica átores e atribui .os papéis correspõhdentes. Fazendo isso, ele contri- clarações dos direitos fundamentais representam, como um dos últimos ref ú-
bui eficazmente para estabilizar as expectativãs sociais e garantir a segurança gios do sagrado u ã base de um consenus rninimum, fora do qual a vida social
* >
seria impossíyel.
V
jur -
ídica: convencionbu se que cada um conhece o lugar que ocupa na socie- *
dade, assim como o papel que nela desempenham os outros atores portanto. Notaremos, quanto a isso, dois tipos .de legislações recentes, cujo obje-
to é proteger valores ligados à integridade do próprio pasSado. Trata-se, de um
*
Antes de exercer seu livre arbítrio, em fun ção do princípio de autonomia da
vontade que ele introduz, sem d úvida um fator importante de mobilidade e lado, de textos que, a exemplo da lei de 13 de julho de 1980 , profligam a cón-
i -
testação da existência dos
* *
crimes contra a humanidade, cqmetidos ^ no decor-
» *
deNmudança na vida social, os indivíduos são integrados pela lei numa .multi- » 1
giado político, >..) que, ao contrário, atuam como poderosos fatores de estabi- pretendem com isso preservar n próprio valor que se liga à verdade histórica.
De outro lado, trata-se de leis que, como o artigo 213-5 do Código penal, de-
*
*
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Memória Ligar p passado. \ ' V
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clinação humana para .o perdão, estas leis consideram, em tais casos, que a me
0 estudo da argumentação, jurídica faz-nos, então, penetrar no domí
I * ( #
nio
móriá do crime e o respeito à integridade do passado (e, sem dútfida, de todas
- ?
'
'
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sentido de ver-
,
to para‘a constituição de uma memória social autorizada, não quisemos com
* tf clr ^ilC discurso é, a seu ver, a pretensão de retidão (no duplo
isso dizer que nada esCapasse à memória jurídica. Uma instituição que colo pro-
- dflilti lormal e de validade normativa), que caracteriza cada uma de, suas
casse tudo na memória seria simultaneamente insuportável e inoperante; e
sistimos mais acima no caráter seletivo de toda anamnésia. Nada de organiza
in- .
l ít il çftes Convenceivnos-emos dissoé uma
^
demonstrando, por absurdo a incon
república soberana, federal e injus-
-
*
- [jrufncla de proposições do tipo: “X
ção da memória que não seja ao mesmo tempo orgànizaçãq do esquecimen
\ llMi OU “X está condenado à prisã
o perpétua injustamente, porque a lei foi in - >
%
»
*
Se o direitp contribui com eficácia para a constituição de uma memó COERêNCIA NARRATIVA: O DIREITO DOMO INTEGRIDADE , *
‘ * .
se adapta
ferramenta que
i
Mais precisamente; qual é, no universo do discurso formado pela tra -
a esta ou àquela utilização que lhe impomos, mas, sobretudo, em
dição jurídica, a justificação privilegiada, a razão mais suscetível de confortar *
v .
virtude da natureza mesma de seu discurso, devido à estrutura inerente a seu
i
tipo “dura lex, sed lex- encontram seu elemento neste eterno presente da evi-
y t
r
belecida entre todas as normas jurídicas, sucessivamente editadas no decorrer
dência: a lei é (foi, continua sendo ) a lei. *Como se a usura mesma do
passado i
82 *
,
do tempo (perspectiva diacrônica) * Ek-nos então no centro dè nosso tema:
i
ou a fragilidade' do não ainda advindo não devesse afetar em nada a força ló
* ^ - /
- - .
by J Bjarup and M. Blegvard. Stuttgart: Steiner, 1995.p 119 et seq
. .
* \
90 91
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Capí fuIOf X .
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.
Memóírà, ligar o passado
/
*
*
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%
*
terpretação presente na continuidade de um discurso jurídico ininterrupto
No pensamento jurídico contemporâneo é, certamente, Ronald Dwor-
;
V . _
ponto onde a simples coerência teria, pelo contrário, exigido a recondução dos
« »
precedentés.85 Para ilustrar essa dialética transtemporal, Dworkin desenvolve a
kih quem desenvolveu b tema com mais eficácia: sua concepção do “direito
como integridade” não é mais que, de fato, um discurso de defesa para a fide-
mais célebre metáfora do “romance escrito em cadeia”*. Interpretar um texto
4 lidade de uma comunidade política aos princípios da morálidade política, que jurídico, explica ele, é uma atividade que se deixa.comparar a essa forma’de^ es- r
crita muito particular, que consiste em compor umaintriga a várias mãos, cada
9
*
«
inspiram, através do tempo, o desenvolvimento d suas normas jurídicas Este
^ . autor passando a cópia ao seguinte, depois de ter redigido um episódio.' Cada *
^
justificações jurídicas, opõe-se, como sabemos, tanto ao convencionalismo , um terá por tarefa trazer sua pedra para o edifício e prosseguir a intriga como -
.
quanto ao pragmatismo Aos defensores do primeiro (que.poderíamos qualifi- se ela procedesse de um autor ú nico. Para isso, cada co-autor irá aplicar-se era
car de “positivistas”), Dworkin censura o desinteresse pelo passado e o conten- destacar um ponto de vista crivei na progressão da história, a fim de dar-lhe '
uma sequência verossimilhante. Privilegiará aquela que otimizar o sentido e a
%
4
, tamento em basear suas decisões em convençõ es presentes, num consenso atiial
qualidade geral do relato. Uma tal atividade não é nem totalmerite livre, como
/
- arriscando-se a remeterem-sé, assim, às variações atuais da opinião pública .
poderia ser a escrita de um romance novo, nem totalmente coercitivo, como se-
' E se, algumas vezes uma compatibilidade de fachada é procurada em relação às
normas anteriores, corri o objetivo .de evitar as transições demasiado brutais, ria a tradução de um autor estrangeiro; ela se mostra simultaneamente livre e
em nenhum caso é produzida uma “compatibilidade de princípio” que faria coagida, como a obra do próprio juiz. Um juiz que sabe, ele também, que vol -
emergir os princípios suscetíveis de dar conta da evolução do conjunto das de- ta a retomar alonga tradição da jurisprudêncià, aplicando-se, aqui também, a
.
cisões jurídicas pa&adas e presentes da comunidade 83 Aos defensores da cor- * \ extrair disso a melhor história - a melhor versão do ponto de vista da moral ,
*
rente pragmática, Dworkin censura, desta veZ, a preocupação exclusiva com a ,
política da coletividade.86
eficácia da decisão, compreendida como capacidade de agir com sucesso no fa - *
\
4
1
e o “fetiche” da coerência que são rejeitados.84 Em oposição a estas duas corren- LEI E TRADIçãO "
t t
como mais exigente qúe a simples coerência diacrônica: se, de fato, a “integri- Talvez, podemos pensar que essas considerações relativas à continuida-
dade” não exige necessariamente reproduzir mecanicamente as decisões do de diacrônica da argumentação jurídica só valem em definitivo para a Com-
passado, ela requer do juiz, em contrapartida, conformar-se com os princípios f
mon Law anglo-americana, da qual ninguém contesta a natureza consuetudí-
.
suscetíveis de dar razão à tradição em seu conjunto Trata-se, de fato, de procu- •
*
'
150. i
malho’ Ortigão, em capítulos, em 1870 e publicado pelo jornal Diário de Notícias,
84 Ihid., p. 164-180.„ * \ de Lisboa. (N.R.T.) 4
*
V *9 86 lbid. , p. 251-261.
* %
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Capfttrio 1 / V
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Memória, ligar o passado.
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instrumento voluntarist de mudança social, decididamente voltada parji o ,
escrever com total liberdade, um laço poderoso o religa ao passado das tradi- ‘
^
futuro; e, poderia se acrescentar, no próprio seio da tradição anglo-saxã, á ar- ções recebidas. i
A
gumentação continuísta perderia sua influência, sendo que os estatutos (leis Segundo contexto: ó sistema jurídico preexistente à lei nova. Sem negar
escritas e votadas pelo Parlamento) não cessam de ampliar seu império em de- F i\ possibilidade de modificar marginalmente o sistema, é preciso, entretanto,
trimento das soluções tradicionais da Çommon Law Resumindo,.em todos os . ( omar a exata medida das coerções ge/adas. por um espaço literalmente satu-
lugares ganharia o modo positivista e instrumental de produção do direito, e rado de noções, de princípios e de processos prévios, k luz dos quais qualquer
*
• \
sua concepção prospectiva do tempo social, de modo que o estilo genealógico
'
elemento novo será lido e entendido, ao passo que, diferentemente das outras
v
-
• .ou trânstemporal de interpretação não teria, dentro em póuco, mais que,um
> Iradições, a tradição jurídica é institucionalizada e explicitamente normativa.
valor de recordação. /
Terceiro contexto, as comunidades interpretativas especializadas que são
* <
OS destinatários privilegiados da lei e cuja leitura orienta seu curso de maneira
*
Esta tese, muito difundida, certamente merece ser combatida'de frente.
*
Dedicamo-iíos a isso, seguindo Martin Krygier, levando o argumento no pró- decisiva: administrações, jurisdições, doutrina., Bem organizadas, hierarquica-
prio coração da tese adversa: é possível, de fato, mostrar o quanto alei ela mes-
'
4
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i
-
mente estruturadas, beneficiqm se de uma formação e de umacultura comuns;'
' ma, arquétipo de instrumento da mudança jurídica, continua profundamen-
<
* estas comunidades garantem uma forma de domínio sobre a tradição, elas de-
> N
finem seus cânones, excluindo os dissidentes, integrando nela os novos preten-
te imersa nas tradições de que não consegue, senão de modo muito parcial, li- é
^
da sintaxe, nem do léxico da língua. É conveniente perceber-se que, para além
i
. *•
das convenções'linguísticas explícitas, opera algo como um “discurso invisí- . Este ponto merece ser sublinhado.£ preciso notar que atualmente o le-
vel”: uma cultura jurídica de plano de fundo, que determina como manipular
1
gislador perdeu uma parte de sua soberania desde o instante em quê sé reco -
' as convenções do djscurso jurídico.88 Compartilhado pelos profissionais do di- nheceu o poder a numerosas jurisdições constitucionais (e, às vezes, suprana-
-
•t
}
cionais) para invalidar a lei eín relação às normas superiores tf eqúentemen * *
reito, este “discurso invisível” determina um amplo acordo implícitoxsobre as
“expectativas de sentido”, que criarão á boa escrita e a boa leitura do texto. ’ j í -
te princípios não escritos dos,qUais esías jurisdiçÕe$ são as guardiãs Por ou-
> . ^
tro lado, não podeitios subestimar a capacidade dos intérpretes de direito e,
Mas esta conivência na comunicação tem um preço certo: ò autor não pode ~ t
principalmente, das administrações para"frear as paixões transformadoras do
* t voluntarismo político. “A.mudança jurídicà”, escreve Jacques Cheyallier, “ir á
87 Cf. KRYGIER, M. The Traditionality os Statutes. Ratio Iuris, v. 1, p. 27 etseq., 1988. -
dobrar se, desde que for transcrito em termos jurídicos, à lógica que présjde a
*
88 Ibiri. . T
construção do direito; os profissionais de direito' vão mobilizar os recursos ju-
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Capítulo 1 /
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Memória Ligar o passado.
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rídicos que disp õem , para evitar os transtornos mais brutais - e assegurar a |1.
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po próprio à argumentação jurídica:, trata-se, em cada caso, de sugerir a ver-
1
dade permanente dos princípios evocados, colocando-os ao. abrigo das mu- '
i
>1
continuidade das significações jurídicas As categorias existentes servirão „
como filtro , atrayé do
s qual a mudan ç a será peneirada, as reformas decanta « - danças de contexto histórico. Objeto de uma ruminação argumentativa per-
das, as inovações efdulcoradas; trata-se de reduzir as distâncias, de tapar as bre- manente, o texto jurídico é incessantemente revisado, apropriado, reapropria-
X
Das considerações precedentes não seria preciso concluir que o discur- . J grau”: aquela que re úne as “obras derivadas de outras anteriores por transfor- ~
1
so jurídico, no qual está imersa a nova lei, seja necessariamente um discurso H ma ção ou imitação” 93 Ora iserá o casa da presença de um texto “em” Um ou- '
conservador no sentido de se contentar ém repetir, incansavelmente, a mesma tro, através de citação; de referência ou de compilação (citações doutrinais, re-
^^
4
antífona. O que sustentamos é que, nutrida de tradiçã o, a interpretação jurí- ferências aos precedentes...); em outros casos, um texto remeterá a seu para-
dica lança uma ponte sntre a atualidade do litígio è a anterioridade da tradi- * texto (rascunhos, esboços, preâmbulos... de direito, pensaremos nos trabalhos
çã o. É preciso rememorar aqui as páginas que Gadamer consagra à fecundida- & preparatórios da legislação que, por sua vez, remetem a uma quantidade de
de das pré-interpretações, que reatam os juristas a tradição è são como uma * autoridades); ora tratar-se-á de uma remissão de um texto a um outro (meta-
adesão ( 'Vorverstãndnis ist Einverstandnis) aos princípios fundadores da tota- texto que propõe seu estudo crítico) (em direito, a doutrina é um gigantesçò '
f
lidade da ordem jurídica (coérência, estabilidade, racionalidade).90
IV
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*
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metatexto enxertado na jurisprudência e na legislaçã o ),cenfim, e em quase to ~
dos os casos, o texto jurídico derivará de um texto precedente, pela via de
transformação, de imitação ou de individualização.94
-
PALIMPSESTOS *
ll No domínio jurídico, a hipertextualidade é um modo normal de gera-
ção dos textos, quer se tratasse da concretização progressiva da norma (desde
Tudo isso, evidentemente, conduz a argumenta ção jurídica a uma eli-
y
~ a regra constitucional até o ato administrativo de alcance individual), do em-
são muito característica da temporalidade corrente: mesmo formada por ma- préstimo de uma disposição estrangeira, da transposição em direito interno, ,
* .
gistrados mortos há muito
t
tempo, “o Tribunal é sempre o Tribunal”, nota
»
" /A dc diretivas européias, óu ainda da formação dajurisprudência por um pro-
>
ICrygien “E o que disse o juiz Marshal em 18D3 é considerado como tão im- cesso de aplicação-transformação dos recursos do sistema jurídico. De fató,
» t
> «1
pertinente e importante quanto as proposições sustentadas por seus colegas tudo se passa como se a geração espontânea não existisse em direito; nada de
*
* .
contempor âneos” 91 O “presente Anitemporal” é, assim, perfeitamente, o tem - pá gina em branco, somente o palimpsesto; nada de ab-rogação radical, so-
t
*
*
*
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\
92 GENETTE, GrPalimpsestes. La litté rature au second degré . Paris: Senil, 1982.4a capa.
1
89 CHEVALLIER, J. Les interprètes du droit» In: La doctrine juridique . Paris: PUF,
. .
#
199,3. p. 277 .
s
* 93 Ibid
90 GADAMER, H. G . Vé rí té et mé thode , Traduit par E Sacré Paris: Seuil, 1976.
*
. . 94 Sobre estas diferentes figuras, cf. 'GENETTE, G. Palimpsestes. La litté rature au sé - *
. .
91 KRYGIER, M The Traditionality ós Statuíes Ratio Luris, v 1, p.34, 1988 • . . cond degré . Paris: Seuil, 1982. p* 7*-19í #
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Capítub 1 * i
Memória, Ligar o passado.
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mente o apagamento progressivo; nada de transformação brutal, somente p ^ mente o desvio dogmático ao qual ela frequentemènte sucumbe.97 Do mesmo
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enxerto, ahibridação, a sedimentação . i
modo, será preciso, nos capítulos seguintes, escrever e justificar as contribui -'
V Este efeito compilatório é, em alto grau, a obra do comentador; pode- * ções dos tempos do perdão, da promessa e do questionamento para a consti- .
ríamos sustentar que a arte jurídica é, inicíalmente,.e antes de tudo, a arte do tuição de um pensamento jurídico inspirado, mas não alienado por seu pró -
.
* comentá rio oil da glosa O comentarista é inicialfneiite um compilador; ele prio passado .
reú ne uma massa enorme de textos, de origem e idade muito diferentes, que ’ »#
* â
clc suas questões. Dito de outro modo, estará novamente em causa a memória
/
faz reatar passado longínquo e atualidade, e a .comungar o tempo fabuloso das nobreza; a Corte de Cassação da Bélgica, por exemplo, não hesita em xeconhe-
,
I
fundações e o tempo intemporal dà doutrina
^ '
.* •\
Não ignoramos sem d úvida, que a aceleração do direito contemporà- ^ 1^
, ^
4* a
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- .
cer lhe o caráter de uma fonte de direito na totalidade Em um decreto de 25
clc abril de 1985, ela rescindiu uma decisão da Corte de Apelação de Bruxelas
V
, neo, a diversificação de sú as fontes e a heterogeneidade crescente dos valores 1
1
por ter ignorado a "regra de direito tradicional” da solidariedade em matéria * •
*
v
\ •
V
j 95 LEGENDRE, P. VAmour du censeur Essai sur Vordre dogmatíque. Paris; Senil, 1974,
; 97 Sobre isto, cf. LENOBLE, J.; OST, F. Droit, tnythe et raisoti . La derive mythologique , í
p. 81. ' “
» • f
de la rationalité juridique . Bruxelles: Publications des FUSL, 1980. ' J
96 LEGENDRE, P. Jouir du pouvoir. Paris; Fayard, 1976;p, 162- 164. 98 Resc » , 25 de abril de 1985, Rev. Dr. Com. Belgé, 1985, p. 628.
98 99
I
> Capítulo 1
*
V
, . . Ligãr o passado.
, Memória
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*
! convenção-lei, o poder de reduzir os honorários do mandatário se constatas- $r)> llcrs, que é, ao contrário, quando ele “inova òu é chamado a resolver rapida-
se que estava “fora de proporção .com os serviços prestados”. Motivo: “os au- mente Uma questão delicada”, que o juiz é tentado a se religar às autoridades
tores do Código civil não pretenderam, pelas disposições relativas ao manda- >1 Mitigas?102 No caso, a própria transformação de que a régr tradicional é obje- v
/
to,/derrogar a regra tradicional
•
do antigo direito, segundo a qual os juízes po- ;*
' {v
10, surge, ao contrário, como uma maneira elegante de adaptar-se às necessi- ^
diam controlar ós honorários dos mandatários” 99
^ v. -- /
*
Ainda é preciso recpnhecer que o conteúdo da tradição é, pelo menos; '
*
cionaís sejam amplamente reconstruídas (como se “restaura”, com mais ou RKGRA CONSUETUDINáRIA E PROCESSO CONSUETUDINáRIO
menos fidelidade e felicidade, um edif ício antigo) não deixa; entretanto, ne } -
nhuma dúvida: os juristas que as invocam não» são verdadeiramente providos ‘ \ Se a tradição continua sendo, apesar de suas reafirmações periódicas,
I
de ferramentas para proceder a pesquisas rigorosas sobre sua génese e conteú- lima fonte de direito marginal, deyemos dizer a mesma coisa do cobtume? Cos „ -
do exatos; ao hipostasiar “uma” solução nacional que derivaria do passado, *
IlIlUC que se pode definir como “regra de direito, em geral não escrita, que em -
eles ocultanras inúmeras controvérsias que, muito certamerite, afetaram a for .r - preita a uma prática constante e repetida um caráter jurídico coercitivo, reco -
mulação desta regrá e, enfim, eles aplainam séculos de história e de evolução, nhecido pelos próprios interessados”.104 A bem da verdade, a relação do pensa -
alinhando todos os juristas do passado na via de uma tradição única edninter- '
mento jurídico com o costume é, pelo menos, ambígua; ora seu espaço é redu-
rupta. O propósito, como sabemos, é muito mais genealógico que cronológi- ; lldo a ponto que ele pareça inincontrável, ora; ao contrário, cremos^vê-lo em,
í
- 4
,
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i -
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102 FORIERS, R A. Variations.sur le thème de la tradition. In: Justice et argumentation:
Essais à la mémoire de Chaim Perelman.^ Bruxelles: Editions de TUniversité de
Bruxelles, 1986. p. 55.
>
v
.
99 Resc , 6 de março de 1980 Pas., 1980, 1, 832 . * 4
V
^
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N
- p .
104 Vo Coutume In: Ettcyclopédie de théorie et de sociologie du àroit Sous la direction
..
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x
101 Ibid. p. 50.
, v ' X
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f .
dc A J Arnaud et autres, 2 ed. Paris: LGE>J, 1993. p. 118 . \
4
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100
1
101
4*
deixaria nenhuma dúvida, enquanto se èncáminha rumo a uma retirada pací- cola do direito histó rico; mais recentemente, no final do século 19, é preciso
fica, seu estudo parece destinádo a uma letargia muito próxima. E absoluta- : evocar o “movimento do direito livre” e os nomes de Eugen Ehrlich e de~ Fran i
-
mente justq, a título de curiosidade, que lhe concedamos ainda algumas rea- çois Gény que convidavam, ambos, a que •se observasse, sob a esfera das regras
parições esporádicas no domínio do direito social ou das relações económicas
,
f sancionadas pelo Estado, o formigamento dos fatos costumeiros. Atualmente,
i >
-
' internacionais { lex mercatoriã)y por exemplo, Mas, definitivamente, tais ma-
105 renovado o favpr atribuído à sociedade civil, assim como o súcesso da tese do
'-- nifestações do costume seriam apenas o índice do estado de subdesenvolvi-
mento do domínio jiíí rdico considerado, que deveria rapidamente juridicizar-
•
T
• pluralismo-jurídico, conduzem a superestimar uma concepção mais difusa e
mais espontâ nea da criação da otdeiji jurídica, da qual o pensamento neoíibe-
se, a exemplo dos setores vizinhos. ral de Fr. Ha ek é um dos exemplos mais conhecidos.
^ _
)
\ V
A bem da verdade, esta concepção não é nova, desde que se decidiu, a j Seria preciso, pois, optar entre estas *duas teses? Será preciso deixar-se
partir do século 15, colocar os costumes por escrito,vos juristas não deixqram í
fechar numa dicotomia tão redutora? Ou seja, não haveria senão o direito ofi-
A
de nutrir ^esta atitude de domesticação em relação a uma fonte de direito su- j cial, estático, concentrado em suas manifestaçõ es pontuais, ou seja, ao contrá- ^
,
balterna que n ã o poderia levar uma vida própria. As codificações napoleôni: rio, não encontraria o direito vivo, existência senão nas opiniões difusas e nas *
T * cas e as teses da Escola da exegese deviam conduzir, pensava-sé no século Í9, -- ^^ práticas coletivas dos sujeitos de direito Entretanto, é possível, nos parece, 'es-
^
v
,
c
à erradicação próxima do costume: recalcado num passado acabado, e tolera
do pelo futuro somente sob a formalresidual de usos locais e profissionais, ele
V^ ^ *
lei, De resto, nos casos em que oé juristas não nutriam desconfiança particu >
lar énl relação ao costume, o interesse mesmo queveles lhe atribuíam, tinha j
- *
pela articulação das normas primárias e secundárias, a “regra consuetudiná-
ria” poderia ser, o mais das vezes, deixada para o direito oficial, que consagra
t
logo, por resultado, eliminar sua especificidade:' reconhecido oficialmente por . sua existência sob as formas mais diversas: tratado, lei, decisão judiciária, cláu-
um juiz, pelo legislador, pelos negociantes de um .tratado internacional ou de ’
}
^ .
sula contratual.. Em contrapartida, o “processo consuetudinário”, sendo usa-
^ do em todo lugar, não se deixa absorver por nenhuma norma positiva. Deste
r
uma convenção coletiva de trabalho, um costume deixa de ser um costume?
X-, Chamado à vida jur ídica do direito oficial por uma autoridade corísagrada, o i processo consuetudinário, poderíamos dizer que é como a matriz das outras ^
costume nã o é, desde então, posto sob tutela? Assim se eliminaria o enigma Í! normas; canteiro de obras permanente, ele ê,apreendido como um direito X t
suscitado pelo costume que t m como efeito transformar o fato errl direito e - 1 imanente, condição do direito aparente ou transcendente. Se as normas ofi-
^
a prática reiterada tm título jurídico (dé onde deriva, de fato, este“ fiatius”? A <
LI
\
ciais identificam-se por sua “fonte” que marca o tempo e o lugâf de*seu apa-
. doutrina'positivista, monista, instantaneísta /é incapaz de dar a resposta), dà ' pj » recimento pontual, o processo consuetudinário opera antes como um “fluxo”: *
mesma maneira que se eliminaria o escândalo causado pelo costume contra le- .
corrente ininterrupta e subterrânea pontuada aqui e ali por fontes aparentes
gem que, diretamente, ou mais discretamente sob a forma do desuso, preten-
deria se opor à força obrigatória das leis ' .
,
**
-
•
Assim encarado como processo consuetudinário permanente, o costu -
' .
,
-
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* ,
. . .
105 Cf. Principalmèrite OPPETIT, B Sur la coutume em droit? prive Droits. ReVuefran
çaise de theorie juridique n. 3, “La coutume” Paris, p. 42, 49, 1986 .
- i :
106 SUR, S. La coutume internationale, sa vie, son oeuvre. Tbid., p. 114 et seq. x
/
.
*
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102 103
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* Memória. Ligar o poisado.
Capitulo 1
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/
^
*
um tratado seja implicitamente modificado pela prá tica posterior das Altas •
í exemplo da problemática da “antecedência” ,( “existe direito antes do direito”)!
Partes Contratantes: do ponto de vista mesmo do Tribunal Internacional de j não seria ela, de fato, a antecipação, pelos sujeitos de direito, da própria juridi-
Justiça, o processo de votação no seio do Conselho de Segurança da ÒNU, tor- .j cidade da regra, antes que esta seja consagrada por uma autoridade oficial?
#
4 *
-
• nou sè objeto de uma tal modificação consuetudinária, de modo que a Carta
se viu emendada.107
-A Longe de ser prometido a uma pacífica retração, o costume, processo
cm trabalho constante, parece, assim, antes beneficiar-se de uma juventude
, . j
eterna: ele ocupa um “presente indefinido”.105 Seu domínio não é tanto aquele
k
,
Entendido como procesiso, mais que como norma o costume ocupa -j
, um lugar importante no sistem a jurídico -;e, com-de, o tempo continuísta do
T, de um passado retrospectivo, atestado por uma acumulação de precedentes,
.
longo prazo Esta concepção dinâ mica dò processo consuetudiíiário permite, k mas aquele de uma prática viva de atualização da tradição. De modo que po-
por outro lado, fazer a economia destas discussões, sempre um pouco in úteis, deríamos concluir dizendo que o tempo do cotume é, para o tempo da lei, o \
< * >
sobfe o maior ou menor lugar cdo costume nas ordens jurídicas modernas, as -
< ii
que o tempo da história da “longa duração” (Braudel) é para aquele da histó-
sim como cálculos, também itruito discutíveis, do n ú méío de precedentes ne-
cessários, òu da duraçãó exigLda, pára. constituir um costume Do mesmo
, . ,V|
^ ria dos fatos. Na sequência de Fernand Braudel, sabemoS o quanto a Escola
dos Anais contribuiu' para a focalização desta “longa duração”, em obra sob o
modo, eá ta distinção processos/regra poupa a teoria do direito às querelas bi - M
tumulto dos acontecimentos da história política clássica. Enquanto a história
, * zantinas sobre a questão de sáí> er se o costume tira sua força obrigatória de si d ássica.opera com as categorias de indivíduos (atores da história) e de acon-
mesmo ou da regra formal que o consagra. Sabemos atualmente que o costu- , tecimentos (saltos temporais, peripécias pontuais), a história da longa dura -
me não é, senão, Q fluxo periíiamerite dê transformação do direito; quándo ele \í ção trabalha com a ajuda de Categorias coletivas ( mentalidade, inconsciente
é encarado em seu próprio, aparecimento - quando o fluxo surge na superfi- i coletivo...), e com noçoes de longo alcance temporal, tais como os ciclos, as
cie'da vida jurídica *- poderíamos qualificá lo como “costume”. Mas, muito ra-
- tendências e as estruturas.109 Assim fazendo, fraz^ à luz as “correntes de história
i i
*
’
1 •
-
pidamente, ele dará um jeito de incorporar se nesta ou naquela norma, que o % [ lenta” moveridó-se na “semi-imobilidade de um tempo retardado” - que não
designará daí para frente (tratando, lei, decisão jurisprudencial), Mas o fato de j | 4, entretanto, a “quase intemporalidade dos mitos ou dos dados elementares
•ser assim oficializado e consagr ado não esgota, daí em diante, o fluxo do pro - 1 | do comportamento humano”,110 Entre o instantaneísmo da história dos trata-
cesso consuetudinàrio que pronto terá recomeçado seu. curso subterrâneo,
'
í 1. dos c das batalhas, e a intemporalidade do mito, se desenvolve, então, este
4
para reaparecer logo mais adiante sob uma forjmadiferente. j
A temporalidade que çaxacteriza este fluxo é simultaneamente muito ] .
108 Ibid., p. 124 \
%
%
.
antiga (sempre mais antiga que a fonte “positiva” que o consagra e o sanciona),
J . .
109 RICOEUR, P Temps et récit Paris: PUF, 1983.1.1, p, 146-148.
s
.
/
. 110 VOVELLE , M. Uhistoire et la longue durée. In: La Nouyelle Histoire Sous la direc-
*
104 105 .
*
Capitulo 1 i
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Mefnória.Ligar o passãdo . i
)
* > *
4
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«*
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tempo da história social,111 tanto quanto o tempo do costume nã o se deixa re- ns decisões dos tribunais de justiça são a prova do que é a Comnian Law” -
'
duzir, nem à avaliação factual das fontes formais, nem à eterna repetição do princípio exato, como se deve, pela’ inevitável referência ao direito romano '
dogma fundador, . fundador: “do mesmo" modo que,- no direito romano, o que havia sido decidi-
do uma vez pelo imperador, deveria ser seguido no futuro”
4 112
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< V »
%
/
PRECEDENTE: ESCOHER UM PASSADO 9
*
to quanto no direito continental não é conveniente hipostasiar a força da lei ,
X
* *
das pelas necessidades sociais contempor â neas.116
E o caso notadamente dos
não está no poder de nenhum juiz alterar ou modificar de acordo com os seus
* C.
sentimentos, já que ele está comprometido por juramento a julgar não de
f
.1 ¥
(
acordo com seu julgamento pessoal, mas de acordo com as leis e os costumes 112 BLACKSTONE, W. Commetitariesy 1765, reproduzido em The Sovereignity ofLaw.
i London: Macmillan, 1973. p. 128 . 4
do paí$, qUe sã o conhecidos; ele não tem como missão criar o direito novo/ < 113 Sobre esta técnica de distinguishing, cf. MÀCCORMICK, N. Legal Reasorting and
mas conservar e expor.o velho direito.” Blackstone indica, contudo, a possibi- Legal Theory: Oxfprd: Oxford University Pçess, 1978. p. 127, 176.
lidade de uma exceção: pode acontecer que a regra antiga seja “contrária à ra - 114' DWORKIN, G. Un adoucissement de la théorie du stare decisis à la Chapbre des
Lords. Revue internationale de droit comparé , p. 185 et seq., 1967.
;
zão”; neste caso, permite-se não partir de lim precedente “claramente absurdo : íJ
«
. oii injusto*. Contudo, é preciso, diz ele, “considerar como. uma regra geral que 115 TUNC, À. Coutume et common law. In: Droits. RevUe française de thé orie juridique , . .«
t
, . n. 3, “La coutume**, Paris, p. 57, 1986,
*
^ « *
\
V
*
* *
^
I » t
» 116 Cf. BELL, J. Rolicy Arguments in Judicial Decisions. Oxford: Oxford University Press,
1983.
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* *
r 4
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*
106 107
Memória. Ligar o passado.
Capítulo 1 ^
V
\
Estados Unidos, onde a doutriria do precedente sempre foi aplicada com mais »1110, logo veremos, desliga o passado “Superar” não significa, contudo, liqui-
.
v
brandura do que o que previa a exposição clássica de Blackstone. ihUj mas antes integrar em uma forma superior. De repente, continua coloca-
Não será preciso, por outro lado, reconhecer que em um direito tão an- ‘ / fl ila ft questão do sentido ético de uma referência persistente ao precedente.
tigo e desenvolvido, quanto é o direito angloramericano, o juiz quase não tem * % V
dificuldade para escolher o precedente que lhe convém e rejeitar estes ou aque- ‘3
les que" o desagradam? O passado é evidentemente m últiplo e contrastado l IMA DOUTRINA
• #
DE CARNEIROS
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(não falávamos de “passados compostos”?), de modo que é dado sempre aos
^ L
juristas de hoje escolher entre tais tradições. Exercendo sua “memória eleti » ; Esta questão .deve ser tratada em si mesma, corno a questão do valor
*• 4
-
, va”, eles precisarão reconstruir o passado mais desejável com a ajuda $os pre- rv4 ^ moral do passado, independentemente, portanto, do m érito intrínseco do
.
cedentes pertinentes O combate pela igualdade dos direitos representa uma
% precedente invocado Vá rios argumentos são antecipados em.apoio do respei-
.
bela ilustração deste lancei ele só se désenvolve, de fato, apoiando-se numa tra * ) ; como a idéia, que ^
- 10 ao precedente, alguns perderam muito de seu crédito
*
, - dição liberal, à qual se opôs, no decorrer de toda a história, uma não, menos
.
forte tradição conservadora ‘A tradição igualitária, proclamada desde os pri -
a
« urge em Blackstone, de que o precedente deve ser seguido porque o juiz que
* *
t - t
Staiiley Fish pode, então, tirar a conclusão que se depreende destas aná -
] Sem dúvida, como; acontece frequentemente na deliberação moral, ne-
s
lises e que se relacionam numa inversão da relação do passado com o presen
te: o precedente é um processo de produção do pãssado pelo presente, objeti
- $ nhuma destas justificatiyas è absofutamente peremptória, de modo que pode
se admitir que, em determinadas hipóteses, considerações mais fortes condu-
*
,
vandapoder se referir a ele como.ao que determina o presente.118 Por mais jus-
- ,3
tificada que seja, essa conclusão crítica nãó esgota, contudo, tudo o que pode zem à rejeição do precedente Contudo, é preciso levar,mais adiante a pesqui-
.
/ 3 sa da justificativa da doutrina do precedente: estes primeiros argumentos e
ser dito sobre o precedente, como a referênt .
ía à tradição em geral É, eviden- y primeiras concessões não são, sem dúvida, bastante fortes para resistir ao peso
,
-
temente, muito mais simples sustentar que o presente constrói para si um pas ’
- das críticas dirigidas à doutrina do síare dectsis; Na esteira deBentham, que via
sado absolutamente novo e puramente imaginário, como se não fosse igual
mente determinado por ele. Por outro lado, sempre se explicaria a raz
- 5 *
no recurso ao precedente uma “doutrina de carneiros”, uma prática pela qual
ão pela ’ . \ tinidos,
qual ele continua a fazer sentido, paraireferir-se ao passado, para justificar o
(<
os mortos enterram os vivos”,119 o juiz da Corte Suprema dos Estados
Holipes, escrevia de fato: “é revoltante não ter outra razão em apoio de uma
’
' \
* »
117 RIGAUX, F. Une machine à remonterie temps: la doctrine da précédent. In: Temps
etdroib Sous la direction de F. Ost et M. Van Hoecke. Bruxelles: Bruylant, 1998. p. 87.. _
119 BENTHAM, J. The Works of Jeretny Bentham. Edited by J.
Bowring. New York: .
118 FISH, S. Doing what comes naturally: Change, Rhetoriç, ánd the Practise [Russell 8c RusSéll], 1962. v. X, p. 51; v. IX, p. 322 .
of Theory
120 HOLMES, O. The Path of the Law. Harvard Law Revieyv, 10, p. 457 1897
in Literary and Legal Studies. Durham: Clarendon Press 1989. p. 513-314. ‘ , .
^ *
108 109
IV
*
*
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Capítulo l >
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T . Ligar o passado.
, Meinôria
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melhor que o juiz tem a fazer é passar, impassível, pêlo meio”.121 assumir estas exigências que não cessaram de <lefinír o pr ó prio ser da co -
\ *
sentido ou dos valores que ele tenta se atribuir. O indivíduo, de fato, não as zonas de sombra desse passado, sabendo, no Vaso concreto, rejeitar dele
pode tomar con çciênciâ de si mesmo e se colocar ha existência como capai os elementos que não são compatí com suas aspirações mais essenciais.
veis
de ações e de projetos, sem estar garantido, principalmente pela memória, Tratar-se-á, nesse caso, de uma forma de responsabilidade quanto aos er-
da integridade emporal de sua pessoa, da continuidade em devir do ser ros e pecados do passado, que ir á supor algo como o exercício de uma “me-
^
que ele é. Esta integridade temporal implica, do plano éticç, que a inteire -
4
za do passado seja ,assumida, simultaneamente, em seus aspectos negativos, ria,- por exemplo) em nonie de uma ou outra tradição mais antiga ou mais
que podem nutrir o lamento e justificar o endosso de uma responsabilida- autêntica, Sabe-se, quanto a isso, o quão eficaz pôde ser a reivindicaçã o de
£
de específica, e em seus aspectos positivos, que requerem ser reapropriados > igualdade, expressa pelç movimento dos “direitos civis” dos negros ameri-
.
e perseguidos Entre estes últimos figuram principalmente todos ,os nossos canos, uma vez que podia se apoiar em yalores inscritos na própria Cons-
comprometimentos passados, que continuam a representar para nós razões J
tituição e esquecidos durante décadas de tradição escravagista, de início,
* .
presentes pará agir Umas são voluntárias, tais como as promessas e as as- discriminatória depíhs,123 /
sociações que definem objetivos deliberados, dando forma e sentido à no$- 4 Assumir o passado, para o melhor e para o pior, para atribuir-lhe um
sa existência; outras são difusas e involuntárias, como nossa inserção nas V futuro, tal seria então, em definitlyo, o sentido da referência ao precedente
*•
-
> comunidades e tecidos de relações que õs exigem, desta vez as formas de e, mais amplamenfe, o papel do juiz que Antoine Garapon denomhía, com
* lealdade e de fidelidade visando a manutenção da confiança recíproca. O muita oportunidade, o “guardião das promessas”. “A justiça”, escreve, “é guar-
e conjunto desses comprometimentos forma como que um molde que orien- diã do direito, ou seja, dos pactos anteriores que nos ligam ” 7Ela garante a
ta nossa ação; privado destas aspirações e desse íknpeto /cujo foco situarse identidade da democracia, entendida como uma forma que não permanece a
no passado * mas o objetivo no futuro, nosso presente seria singularmente <1 mesma através do tempo, mas que se mantém à maneira de uma promessa
despròvido de sentido, como se existíssemos apenas na modalidade da cumprida. “Em se tratando de crime contra a humanidade, o juiz exerce sUa
transformação. i * «
i
autoridade de-sujeito de direito ou da Constituição, protegendo a memória
Estas observações, tomadas de empréstimo a Postema,122 podem ser desta promessa inicial para e contra tudo, inclusive contra a vontade do‘títú-
v
transpostas para a existência coletiva dos grupos, A existência das coletivi- lar, no exercício da soberania nacional [...] ”124 *
dades, como a dos indivíduos, não se concebe senão nà perspectíva de um >
•
•
•
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desenvolvimento histórico, no decorrer do qual as,comunidades forjam * >
.
V. 36, ri. 4, p 1157,'nota 14, 1991. , « > « l
.
124 GARAPON, A Le gardien des promesses. Justice et àêmocratie Paris: Odile Jadob, .
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122 Ibid ,'p U71-1.176 . r
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-1996 p 182 .. .
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Capitulo 1
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' Memória.Ligar o passado.
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sagrados’’ Antígona, na peça de Sófocles, não sustentava uma outra linguagem N <
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mos bem depressa que* é preciso fazer Compromissos para administrar tanto a .
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O PASSADO INCONDICIONAL? •u.
teger a própria'substâ ncia dos direitos consagrados pela Conven ção' de 1950,
resseS. Daí, de fato, quando se encara o fenômeno jurídico a partir, do ponto de íi
vista do indivíduo é não mais do Estado ou da coletividade (direito objetivo),
-
mesmo se for preciso, algumas vezes, conformar se aos atentados feitos âs mo-
dalidades dç seu exercício. Por outro lado,, a própria Convenção dedica-se a .
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-
aborda se o continente dos direitos subjetivos dos quais se' pode presumir o*
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j
à proibição da tortura e dos tratamentos cruéis, inumanos e degradantes (art
te o significado da segurança jurídica, da continuidade das instituições e da paz ’ 3), da escravatura e da servidão (art. 4, al. 1), assim como do princípio dede-
social. Garantir seus direitos fundamentais, sancionar seus direitos adquiridos," ’
galidade das incriminações e das penas (art. 7 - píincípio que tem ele mesmo,
consagrar suas expectativas legítimas, eis o que se volta, o mais freqúentenien- Ú
por corolário, a proibição da retroatividade da lei,penal). No que lhes diz res-
te, para o jurisdicionado individual a função da mem ória jurídica Tais fun
^ . - V,
J
peito, a proteção buscada assume exatamente a forma de um imperativo cate-
*
*
ções, de resto, são respeitáveis e de seu respeito depende amplamente, de fato, ^ J gó rico ou de um passado incondicional..Contudo, a vigilâ ncia se impõe: a ra , -
.
a ordem social Daí haver nisso tuma forma de imperativo categórico, de “pas-
sado incondicional”, que tornaria impossível qualquer modificação deste dado
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zão de Estado nunca se desarma e poderia perfeitamente acontecer que, arras -
tada pelo pragmatismo de sua jurisprudência, relativa ao “peso dos interesses”,
/
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de partida; o que seria, contudo, dar um passo que não autoriza certamente a
ao “princípio de proporcionalidade” e à “margem nacional de apreciação”, o
- observação atenta da situação do díreito.contemporâneo •. í
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Tribunal se conforme igualmente com atentados feitos a esses direitos,- ditos,
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contudo, “intangíveis”. 4
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DIREITO'S INALIENáVEIS E SAGRADOS . Jf
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tratados internacionais, cada vez majs numerosos. Já mostramos como, tanfo/ i A problemática dos “direitos ancestrais” dos povos autóctones estabe -
no Bill of Ríghp de 1689, quanto ria Dpdaration des drpits de Vhotntne et du d - t,
lecidos rios territórios, que se tornaram objeto; de tenípos em tempos, de co-
toyen de 1789, estes direitos foram apresentados como “imemoriais”, sendo o lónias de povoamento ocidentais, con$tituem uma outra pedra de toque da
)
^
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*
maior ou menor solidariedade da mem <Sria jurídica. Até há pouco, é verdá de,
objetivo destes textos o de relembrá-los- âs vezes depois de um período de ès - esta questão carecia totalmènte de pertinência: quando rião aniquilados; os
-
quecimento ligado a um regime despótico - mais do.que editá los de umá só - '«1
* *
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*
125 DELMAS-MARTY, M. Raisotiner lã raisott cT État . Paris: PUF, 1989.
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Í Capitulo 2
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abor ígenes eram confinados em reservas e, em relação ao direito, eles só des-
* 4 g '
por isso eía resolve o choque entre dois passados e duas legititnidades; os di -
.
4
*
frutavam de subestatufos administrativos, que lhes reservavam os colonizado- s *
res soberanos. Em todo lugar prevalecia a ficção segundo a- qual 'o homem
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* 1 * *
».
*
No Canadá, os direitos ancestrais dos índios, Esquimós e Mestiços,apre-
branco tomara pé em férrae nullius, em relação às quais era então legítimo que n* sentam a particularidade de serem consagrados na própria Constituição: o ar-
exercesse pretensões de soberania. No que concerne ao imenso continente tigo 35 da Lei Constitucional de 1982 dispõe, de fato, que “os direitos existèn-
. #
- australiano, por exemplo, o Privy Council afirmava, em 1889, que ele consis-
tíá, eni 1788, em “um território praticamente desocupado, sem habitantes se-
—
tes - ancestrais òu originários dos tratados dos povos autóctones do Canadá,
.
são reconhecidos e confirmados” 129 Por “direitos ancestrais”, é preciso entender
dentários”.126 Durante muito tempo este decreto foi considerado como uni y < os usos e costumes sempre observados e existentes, antes do estabelecimento
precedente, ligando os tribunais australianos: foi dàí para frente entendido A .
da soberania francesa, depois britânica 130 Contudo, nem todos os direitos ime-
X *
que os Indígenas não possuíam suas terras; cada vez que concessões mínéiràs y *
moriais têm por.vocação um reconhecimento atual: destes últimos é conve-
#
eram atribuídas a empresas, não lhes restaria mais que se mudarem, na falta
^
J u
niente, de fato, rejeitar os qtie não são compatíveis Com as leis de uma “socie-
de poderem exibir um título de propriedade conforme 'a Common Law. Em
*
A
* dade livre e democrática” (assim o. costume denominado “spirit dance” sbsce-
1992, contudo, o Tribunal Superior Australiano iria inverter esta jurisprudên-
cia, pela célebre decisão mabo> rejeitando formalmente a doutrina da terrae
nullius, e que a 'declarava não apta a constituir o fundamento da ordem jurí-
^ tível de atentar contra a integridade í f sica e psíquica dos índios), assim como
aqueles que impediram a aplicação das leis federais, desde que essas últimas se -
3
jam razoáveis - reservada para o menos importante, há de se convir.
dica australiana.127 Para dar sequência a esta questão, uma nova legislação fe- . 1 Por outro lado, é preciso notar que a/essa primeira lógica de reconhe -
deral foi adotada, em 1993, o Native Title Á ct: devido a esta lei, os autóctones ? 1
cimento retroativo dos direitos esquecidos dós autóctones, yem opor-se uma .
podem forrqular reivindicações territoriais, cóm a,condição de poderem de- .
outra, sém dúvida mais importante, que conduz as autoridades canadenses a
monstrar que mantiveram uma relação contínua com aterra, fundada no di- reivindicar um conjunto de territórios (territórios do Noroeste e do Yukon,
'a
reito consuétudinário e,,por consequência, que estas terras nãò tenham sido - | ,1
Colômbiabritânica), a respeito dos quais os habitantes indígenas jamais cede- ,
objeto de concessões pela Coroa a interesses privados. Vemos, então, a contra- -
ram oficialmente seus direitos ou porque eles, os detinham devido à Procla-
dição na qual se encerra este texto: ele reconhece a legitimidade dos direitos mãção real de 1763, ou porque sua ocupação fosse ancestral. Convenções são
*
/ .
ancestrais dos primeiros ocupantes da Austrália, ao mesmo tempo consoli- h í
negociadas com os autóctones nesse sentido, tal como o acordo.concluído em
dando os direitos concedidos aos colonos, em violação'a esta Ocupação ime, - '
1975 com os Cris e os Esquimós da baía James, ao norte de Quebec Em vir - . J
* morial.128 Se esta lei apresenta o mérito de não mais ocultar este conflito, nem ' tude desses acordos, os direitos sobre as terras são geralmente cedidos às au -
4
t toridades, mediante 0 reconhecimento aos índios dos direitos ,económicos, so-
126 Cooper V. Stuart (1889) 14 App. Cas. 186; cf. H. REYNOLDS. TJte Law ofthe Land . r 1
r
\
Essays on the Mabo Decision. Sydney l 993; cf. igualmente WEBBER, J. The Juris -
fere igualmente à “Proclamação rpal de 7 de outubro de 1763 assipi como aos di -
^
prudence of Regret: the Search for Standards Qf Justice in Mabo. Syãney Law Re-
reitos ou liberdades existentès derivados de acordos quanto às reivindicações ter
ritoriais ou aqueles suscetíveis de serem adquiridosJdestemodo” (esta última pre
--
view, 17, p. 5 28, 1995. - t
.
cisão contém, percebe-se, uma interessante’ referencia prospectivà .. aos direitos
128 Cf. SCHULTE TENCKHOFF, I. La Question des peuples autochtones Bruxelles:
- . ancestrais). •
. .
Bruylant; Paris: LGDJ, 1997 p. 75. Cf. igualmente LAJOIE, Á et al. Le Statut juridi - . .
130 Neste sentido, cf MORIN, R Le Droit des Autochtones du Canadá et áu Qu ébec
qua des peuples autochtones au Québec et le pluralisme, Cowansville: Éditions Y. dans le contexto du droitprivé, communicatiòn au colloque “L’autochtonie:áppro -
Blais, 1996. -
çhes interdisciplinares”, 19 20 de maio de 1995, p 11 < . . *
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114 . 115
I
Capítulo 1 r
MemôírH. Ligar o passado
4 V 1 ^
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ciais e culturais, reputados a garantir a manutenção de seu modo de vida tra - J .
lógica do parque, o Tribunal acabou por dar razão aos autóctones. Vitória,
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.
tos ao meio ambiente pelos projetos de administração destas regiões, tais
1
j
dos se entrechocam, o dos vencedores e o dos vencidos , entre os quais apenas
, como o complexo, hidroelétrico da ba í James A
a . coabita çã o de duas têmpora - . * . « *
administrações detalhistas ainda ,são concebíveis. Contudo, o reconhecimen-
~ lidades diferentes (uma lógica moderna de crescimento e expansão, e uma ló-, - to parcial e tardio dos direitos ancestrais dos aborígenes, na Austrália e no Ca-
*
gica ancestral dé Osmose com a natureza), prova-se, então, muito difícil de se r nadá, príncipalmente, mostra que um “retorno do recalque* histórico não está
realizar sem ambiguidade persistente. excluído, tendo sido a ífrstória jamais definitivamente escrita.
*
-
Destes difíceis éompromissos, um decreto do Supremo Tribunal do Ca
nadá La Reine Sioui, constitui um belo exemplo.131 Os Índios Hurons. eram '
,
- < v
• acusados de ter cortado á rvores, acampado e ateado fogo no parque Jacques-
2?
DIREITOS ADQUIRIDO? E DIREITO TRANSITóRIO
Cartier, em violação a uma regra provincial consagrando o caráter de “sítio y
natural de caráter excepcional”, deste parque. Será que este regulamento se li A terceira pedra de toque da extensão da memória jurídica, em maté-
aplicava aos Hurons, que praticam seus costumes e ritos religiosos? Para sua ria de direito subjetivo, é a questão sempie atual e sempre controversa dos “di-
defesa, os autóctones invocavam um “Tratado” assinado pélo General Murray J reitos adquiridos”- questão que nos remete-à problemática familiar dos con-
em 1760, garantindo-lhes a livre passagem e o livre exercício de seus costumes J .
flitos de leis no tempo Em princípio, a “perpetuidade está, na intenção das
e religiões ancestrais, num vasto território, compreendendo principalmente o J leis”, como é dito no Livro preliminar do Código civil. Quando, contudo, uma
parque Jacqúes-Carfier. O Tribunal declarou que este tratado se aplica sobre 3 "
lei é revogada e em princípio substituída por uma outra, apresentám se situa- -
todo o território frequentado pelos Hurons na época “desde que o exerdcio | j ções transitórias de “conflito de leis no tempo”. DeTato, seria demasiadamen * -
te simples pensar que a lei antiga interrompe seus efeitos quando entra em vi-
dos costumes dos ritos não fosse incomp
ç à tível com . a utiliza çã o particular J > * »
. » *
gor a. nova lei E que sob o regirtie anterior, fatos jurídicos (como um delito
*
que a Coroa faria desse território”.132 A seqiiència merece ser citada integral- |
.mente: “Esta interpretação concilia a necessidade do? Hurons de proteger o Vj propiciando'a indenização) se assentaram; atos jurídicos (uma adoção, um-
exerc ício de seus costiimes e o desejo de expans ã o dos conquistadores britâ ni -\ contrato) foram realizados; direitos subjetivos foram adquiridos, interesses se
'
cos. Ela garante aos ingleses a flexibilidade necessária para responder às neces- **
consolidaram: resumindo, situações jurídicas de todos os tipos se estabelece-
ram, que se prolongam sob o império da nova lei. Esta lei nóva podedgual-
de utiliza çã o dos recursos do Canad á, e pe rmite aos Hurons
^
*
sidades crescentes ,
continuar a exercer seus ritos e costumes nas terras frequentadas, desde que \ * mente afetar expectativas, esperanças, situações em vias de forma ção, como,
• »
estes ritos e costumes não atentem contra o desfrute das terras por seus õcu-
A
] por exemplo, uma renda cuja formação pressupõe um per íodo prolongado de
pantes. Os Hurons não podiam racionalmente esperar que a ocupação fosse -
filiação' e cotização. Em todos estes casos coloca se a questão de saber sem que
medida a lei antiga, mais ou, menos duradouramente incorporada a estas si-
fixada para sempre na situação de 1760” 133 Avaljando que os acampamentos
tuações jurídicas, sobreviverá em relação a elas, apesar da entrada em vigor da
dos Hurons não eram de natureza a comprometer seriamente a vocação eco-
. -
nova lei Em prol do princípio de sobrevida da lei antiga ( a ú nica que nos in-
teressa neste capítulo) clamam os valoresde estabilidade social, de confian ça,
131 La Reine c. Sioui ( 1990 ) , 1 R.C.S., 1025. A
«
de continuidade e de segurança jurídica* , que deveriam, segundo pensamos,
4* *
132 Ibíd., p. ,1.027.
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Capítulo 1 " \ * . .
Memória Eigar o passado
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adquiridos” contra o Estado, para adotar o ponto de vista mais neutro, basea-
Impregnados de uma filosofia liberal e individualista, os primeiros co- 1'
do no conceito de “situação jurídica”,,do qual distinguia a criação, os efeitos
mentadores do Código civil elaboraram uma teoria dos conflitos de leis no ’ j em curso e a extinção, Roubier preferia a séguinte soluçã o: a cria ção de uma
tempo; articulada em torno do princípio dos “direitos adquiridos”, que eles dis- ' { situação jurídica (inclusive a aquisição de um,direito), assim como os efeitos
tinguiram das simples expectativas, Apenas estas últimas caíam com a vigência já prodúzidos, são e continuam sendo regidos pela aplicação da lei em vigor,
da nova lei; definitivamente integrados ao património de seus titulares, os di- no momento da criação ou da aquisição; em troca, os efeitos sucessivos dessa
reitos adquiridos, em troca, deviam aí ficar. Esta tese, substituída pela Cbrte de relação de direito previamerite formados, assim como suas causas de extinção,
Cassação podia, por outro lado, invocar o artigo 2o do Códigò civil,- que proíbe; procedem, com “efeito imediato”, da nova lei. Falando de outro modo: a nova
expressamente a retroatividade da lei.134 Se bem que, solidamente apoiada na t lei apreende imediatámente a situação jurídica em curso, mas não pode mo-
defesa dos .direitos e liberdades individuais, esta doutrina iria, mò entanto, dificar, sob pena de agir retroativamente, as consequências què tais situa ções
atrair um monte de críticas. Advertia-se que, mesmo no concernente ao.seu ] já produziram. A solução se inverte, contudo, em matéria contratual: os efei-
campo de aplicação . privilegiado - o 'dos direitos de caráter patrimonial a
teoria conduziria a resultados excessivos e perigosos, tornando virtualmente
«
•
tos dos contratos continuam sendo, com efeito, submetidos às leis que esta
vam em vigor quando da conclusão do acordo. Esta solução, que se justifica
-
inoperantes determinadas /eformas socialmente úteis. Seria preciso, por exem-
1
benefício às esposas cujo casameiito é anterior à nova lei, sob o pretexto de que ' t 1960.138 Não é, de se dizer, em consequên&a, que a noção de direitos adquiri-
•* a .aplicarão desta.atingiria os direitos adquiridos pelos maridos.136 Y' , dos tenha desaparecido desde -então. Corretamente interpretada, ela contém
Sabemos o quanto, em seguida, a célebre teoria do direito transitório ] i
um fundqde verdade que reforçará sempre sua grande carga ideológica: àssim
* ^ * >
de Paul Rouhier iria renovar esta problemática.137 Abandonando o ponto de ; como suas ressurgências são frequentes , em direito social139 e em.direito admi-
nistrativo,140 principalmente.^ '
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Cop /íw /a I * Memória, ligar o passado *
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seio de uma nebulosa de princípios, girando todos em torno daidéia de segu- :j concebe ele mesmo como o primeiro; ele já se deseja vingança de um crime .
rança jurídica: regra de não retroatividade dos atos, princípio da proteção dai mais ^original”.143 Assim, pois, os homens terão sido já sempre confrontados
confiança legítima, princípio “ patere legem quatn ipse fecisti”, respeito aos di-
%
e
primeiros casos que ele teve de conhecer (o xaso Algera), o Tribunal julgou A esta anterioridade do crime respondfe a perenidade memória pu-
que os atos legais^conferindo direitos subjetivos iião podem, em princípio, ser ( nitiva; senão a sua perenidade, pois no universo moderno irá intervir a pres-
« retirados, porque “tendo sido o direito subjetivo adquirido, a necessidade de 2
crição, pelo menos sua longa duração, Punir é então, de início, se recorday.
^ t
salvaguardar a confiança na estabilidade da situação assim criada tem mais va- Contra o personagem de Kqndera que sustenta que “tudo será esquecido e „
lor do que o interesse da administração que desejasse voltar atrás em sua de-
*
nada será reparado” é preciso invocar a recordação de Hamlet que jura ao es-
cisão”.141 Confirmada em Seguida, epta jurisprudência não é, Contudo, despida
<
de equívoco; mais funcional que conceituai, a referência aos direitos adquiri- v
pectro do pai que irá vingá-lo Menquanto a memória estiver neste globo insa -
no” 144 Até o dia em que este dever de honra e de justiça for satisfeito, ele grita v
dos funciona, sobretudo sob a penada do Tribunal, como uma justificação cô-
m
1
“o mundo estará fora dos eixos?,145 somente a vingança terá Q poder de reco-
*
\
Serã que o direito penal modernô ainda tem relação com este obscuro
*
passado da pena vingadora? Não terá ainda se livrado de todaddéia de repre -
PAGAR Ô CRIME: A LONGA MEMÓRIA DA PENA A. i
% i
•
1 sálias? Não abandonou a lei de Talião a uma distante pré história jurídica,
hoje ultrapassada? Podemos, nos parece, reunir em trêsas numerosas funções
-
*
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esperadas da pena nos sistemas, penais contemporâ neos, relacionando fcada
>
O universo jurídico só é composto por íeis e direitos Por defrás dessa { . uma a uma dimensão temporal distinta: uma função preventiva voltada para
face diurna, oficial e edificante, propaga-se a face noturnà do direito; a do cri
.
me, da ofensa e do prejuízo “No começp, era o crime”: o adágio se verifica
- o futuro, uma função de reparação com eixo no presente e uma fruição de re-
;• tribuição ancorada no passado;146 como se percebe, é esta última que se insere-
>
. ’
V / »
tanto quanto o adágio “no começo, era a lei” E do mesmo modo que dizemos
ve no prolongamento do antigo talião, A
“há direitò antes do direito”, poderíamos sustentar “há crime antes do crime”: V
V
Através da prevenção, a pena visa impedir, no futuro, a realização de
o crime que é punido pèla vingança, explica Renée Giratd, “quasè nunca se
•> v >
comportamentos considerados indesejáveis; seja visando todos os contraven- í
142 BOULOIS, J,; CHEVALLIER, R.-M. Grands arrêts de la Cour de justice des cotnmu-
*
J
.
*
t
nautés eufopéennes.5. ed. Paris: Dalloz, 1991.1. 1, p. 82: “a segurança jurídica não é í 143 GIRARD, R* la Vtolence et le sacré Paris: Grassei, 1972 p 28 ..
v A
mais do que o nome atribuído pelo juiz às manifestações de sua equidade ou de sua , . 144 SHAKESÇEARE , W. Hamlet,áto I, cena 5. Paris: Le Livre de poche, 1953, p; 40 ^ . I
-
discricíonaridade”; PAPADOPOULOU, R* É? Prí ncipes généraux du droit et droit \ . . .
145 Ibid > p 45
communautaire, Bruxelles: Bruylant; Athènes: Sakkoulas, 1996. p. 226-227; “as so- .
a
\ 146 TULKENS, F.; KERCHOVE, M, vande íntroductiondu droitpénal 2. ed. Bruxelles;
. luções concretas são adaptadas em fimção dos interesses que ganham importância”. .
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Story SçÍentia,.1993. p. 320
- . / .
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1
4
Capítulo 1
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. .
Memória Ligar o passado
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reincidentes ( prevenção particular ). De todas as finalidades da pena, esta últi-
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*
pelo menos uma proporção é estabelecida, que satisfaz um sentimento espon-
f J
ma, sem dúvida, é amais racional; elogiada por Becaria eBentham, ela tem os
\
. esta função da pena opera atualmente um retorno forçàdQ, com a reá tribui- ,
*
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c sobretudo, o alcance da questão temporal qúe está em jogo do talião, do -
ção de um lugar central para a vítima no processo TperiaL147 sacrifício e da vingança. Será que se trata, pela recordação do crime, de se;en -
' *
»
Quanto à função retributivá, a que nos interessa aqui é garantidamente
V
,
cerrar num Çassado traumático e repetitivo, de alimentar o ciclo infinito da
a mais antiga das finalidades reconhecidas a pena; após ter tafiibém ela conhe- ' violência em reflexo, ou bem esta memória do crime é portadora de liberação
eido irni eclipse, faz um retorno atualmentej ao mesmo tempo em que nos aler- ^ c reconciliação? \
ao qual nos dedicamos a fazer corresponder o mal equivalente (a pena), Por hi~ d
. Falar da vingança e da lei de Talião não é uma coisa f>á cil, tanto se acu-
i
V.
pótèse, esta concepção da pena pressupõe um trabalho de anamnésia: é preci- | . *
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*
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a gravidade do prejuízo causado, ou antes, da falta cometida. Mais que ser útil por lembrar que se o talião encontra na Bíbha determinadas formulações
^
(ém termos de dissuasão, por exemplo), importa antes de tudo, deste ponto de
\ suas, as mais conhecidas ( ‘olho por olho,.dente por dente”, Êxodo, XXI, 24) , à
'
do próprio legislador, qúe consagrou uma escala de gravidade paralela da$ in • J ta: “Aos fiéis, o talião vos é prescrito: homem livre pof homem livre, escravo
frações e das penas. Sem dúvida, uma equivalência deste tipo é mais simbóli- •
-
^ .
por escravo* mulher por mulher”) As ocorrências são tão mjmerosas que pó-
ca que material: não se paga nunca exatamentfc o equivalente ao mal causado;
f
í deríamos ver nisso, como em relação à proibição do incesto, a expressão de
uma lei universal. O conceito ^moderno de “destruição m útua garantida”/ ,,
151
ta *
147 TULKENS, F.; KERCHOVE, M. van de. Introduction au droitpé nal . 2. ed. Bçiixelles: pivô da estratégia geopolítica durante as dé cadas da Guerra Fria, nãò éra um
Story-Scientia, 1993. p. 314- 319, Ver igualmente OST, F.; KERCHOVE, M. van de. reaparecimento tão maciço quanto ambíguo (como produtora de um certo
'
V
148 RICÓEUR , P, Éclipses et réapparition de la rétribution en droit pénal . In: Ré tribu- í z'
" *
tion et justice pénale . Paris: PUF, 1983. p; í 1 et seq.
150 • VIRALLY, M. La Pensée juridique. Paris: LGDJ, 1950. p. 109-11Ó.
v %
^
^ av
149 PONCELA, P. Droit de la peine. Paris: PUF, 1995. p. 59.
151 Cf. DRAÍ, R. LeMythe de la loi du talion. Paris Alíné , 1991. p. 26 et seq.
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122
123
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, Capítulo 1
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Memória. Ligar a passado. V
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Lei universal, o talião se presta a leituras contrastantes, corresponden- Um exemplo bíblico ilustra esta irreversibilidade da vindita. Caim, o
* '
do, sem dúvida, às práticas opostas à$ quais pode dar lugar. Ora veremos nis- i primeiro assassino da história, recusa a iníerlocução e o processo que lhe é
» %
-
*
so uma forma regressiva de violência, quando pensamos na violência privada, proposto por Javéí ele não sabe onde está o irmão,, nãó é seu guardiã o. Ei lô
cega, desmedida e virtualmente interminável; ora, ao contrário, analisaremos
»
_ 'como uma figura, rudimentar sem d úvida, mas sólidas legitima de institui-
.
para nela se ocultar Mas a tradição do Midrash (baseando-se no Génese, W3
*
ção justiceira que se traduz, seja por um sistema “vindicativo” civilizado e re- N
' 4á
23) relata,qué Caim foi morto pêlo filho, o qual será morto pelo dele:155 como
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. ;•
conciliador, ou por um princípio racional de compensação aplicado por tri- ** na* fábula de Urano, Kronos
x
e Zeus, os inícios do tempo histórico saò^assim, *
*
bunafs embrionários. São essas duas pistas que desejaríamos seguir sucessiva- marcados pelo ciclo irrepressível de uma violência mimética.
»*
*
*
V tuição judiciária -, a vingança é analisada como umapaixão funesta, o apeti- capacidade de chegar à terceira instância social que permitiria triangular o
/
te furioso', desejo de violência contagioso que se nutre, çomo uma chama, de \1 í conflito, e, desse modo, pacificá lo duradouramente. A vingança é simulta
- -
tudo o que acredita se lhe opor. Sustentada por um impulso de morte, esta
- )
• neamente obsessiva ,e privada: encerrada no face a face estéril do delinquente
»
vingança que se veste, talvez, de uma aparênçia de justiça, extraída da recipro- e de sua vítima, esta forma de sanção permanece também prisioneira dè um
cidade de que faz alarde, na realidade, ela continua sendo uma via de fato e de- s tempo entrópieo e mortífero: literalmente, “não dá para sair” x
ge de um impulso não refreado, ela exige uma represália imediata. Sem dúvi- 1 I
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-
,
4
• *
9
“como se a ofçnsa inicial tivesse feito nascer um crédito, que se tratasse de re- ^ J
4
^
duz necessariamente a este desvio1 caricatural: muito cedo, os povqs .aprende-
ram a transformar o desejo de vindita em uma instituição social suscetível de
cobrar com ágio”.153 Tudo isso passa, então, como se os relógios tivessem para - 1
purgar a mácula da ofensa, compensar o prejuízo sofrido e, com isso, restau-
do na hora da ofensa e que o futuro não apresentasse outra' perspectiva além. - .
rar a concórdia no seioMo grupo De fato, é preciso aprendera distinguir o
da ruminação neurótica do crime e a esperança de sua anulação simbólica. Na" í vindicativo ( desejo cego de vingança de que falamos) do vindicatórip, que é
.' resolução vingativa, o tempo se petrifica no espaço fechado do momento pas- J uma instituição destinada a contçr a violência em limites,aceitáveis.156 O siste- 1
sado da ofensa, do qual o presente e o futuro permitem apenas a repetição ob- ; ma vindicatôrio parte do principio de que a ofensa exige Um dever de repara-
sessiva. Hegel havia notado muito bem o paràdoxo do talião, esta forma de ,
ção: é preciso^ imperativamente, entre iguaij ou grupos iguais, reparar a ofen-'
vingança cujo instante se eterniza: “ela cai”, escreve ele, “num processo infini-
*
_ to e se transmite de gerâção em gerâção” 154
x
,
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sa; aequilíbrio exige restituição ou compensação, tanto em questão de ofensa
quanto em questão matrimonial: se uma vida ou uma mulher for retirada do
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outro grupo, esta perda deve ser compensada
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Isto pbsto, numerosas regras irão ser empregadas para civilizar este de (
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falta e a sanção; uma equivalência grosseira é aplicada como num jogo empa-
tado entre o ofendido e o ofensòr; na realidade, o jogo é de resultado negatir
-
.
ditos à vingança, pode-se pedir asilo neles) 157 Mais interessante: freqííente-
k
menté são obtidas “composições” que resgatam o direito da vingança; o paga- r do terceiro árbitro permite o acionamento de um jogo mais produtivo, graças
de ,
mento sangue “prémio do perdão apaga a dívida de morte” e se inscreve
158
a um prindpio.de substituição ou cje compensação menos grosseiro que o da
no quadro de um ritual de reconciliação entre as partes Em certos casos, . represália “traço por traço”: algo como um salário será pago,161 a contra parti -
»
-
como entre os Bêduínos, é uma filha ou uma mulher que é èntregue ao gru- f.
# /• da de um progresso, que pague a dívida, e se possível, restaure a solidez do te-
ção pasfca-se, então, à aliança, e do apagamento da dí-
i
po adverso: da cido sodal. Mais tarde, na evolução das mentalidades surgirá também a idéia .
reconcilia
.
vida de morte, à promessa de vida Como simbolizar melhor a passagem do \7,
/ tempo da memória ( o crime rf ão é esquecídoxmas compensado), para o tem- í
* ^ de que a falta não ofende apenas a vítima,mias também a sociedade como um
todo; o processo penal se ídçsenvolverá entre três partes ç a pena deixará de ser
^
-
po do perdão (aceita se uma compensação qué estanca o ciclo da violência), / h
è dò tempo do perdão para o tempo de promessa (a mulher trocada, futura
^, 1í
pensada unicamente como a reação a uma falta cometida em relação à vítima.
\ Uma tal prática institucionalizada da retribuição não inscreve mais a
,
mãe simboliza a reaproximação entre os grupos)? 1 *
pena exclusivamente no tempo da memória.vSem dúvida, o crime é devida-
-
<
Deveríainos lembrar, também aqui, ,a célebre análise de Renée í tirard, \ mente rememorado há o dever de vingança (QU dever de reçlamar o seu de-
para o qual o sacrifício do bode expiatório (uma vítima inocente que fosse to- ’ j
*
sa? É precisamente porqu£ a vítima oferecida à vindita não é a culpada que a J cie transformação progressiva do conflito: desvio sacrificial da violência, ofer-
violência desviádà como por um pára-raios extinguír-se-á por ela mesma.159 j ta de uma compensação resultante dos ritos de. reconciliação> até mesmo de ^ -
O passo seguinte, a institucionalização ,da vingança e sua passagem • *
progressiva da selvageria para cultura (ou do estado de natureza ao Estado de l
aliança, colocação em discurso do processo seguido da fixação de uma com
pensação financeira. Ao invés 'de se petrificar ha írreversibilidade do instante
-
v
direito),160 é o acionamento do seu princípio lógico inicial o princípio de ré- - do crime, procura-se inscrevê lo numa temporalidade aberta e confiante. Dá-
-
tribuição “medida por medida” - por um tribunal, a terceira instância susce- 1 8C crédito ao tempo, antes^que se dê ao desejo impulsivo de desforra.
tível de objetivar o regramento da desavença. Enquanto a retaliação continua } Uma outra história judaica nos persuadirá disso, desta vez ao contrário
i das interpretações regressivas do talião. Quando Salomão, renunciando a de- ' 4
.
157 VERDIER, R. Postface. Be la vengeance à la réconciliation InvLa Vengeance.Êtude \ «empatar de outra forma as. duas mães pretendentes da criança em disputa,
“N
.
* dyethnologie, d hístoire et de philosophie Saus la direction’ de R Verdier Paris: Cu-
}
. . j ordena finalmente que esta seja cortada em duas partes (em virtude do direi-
.
*
V
10 hebraico que quer que os objetos disputados sejam divididos entre os que t
-
1'dantes), a verdadeira m ãe faz a escolha da vida e do tempo neguentrópico:
.
159 GIRARD, R. La Violencc et le sacrê Paris; Grasset, 1972. p. 18, 26, 38, 44.
“que a criança viva”, diz ela, “entregue-a à' outra”. Submetendo os querelantes
160 Este tema é umaconstante nos textos da Escola de direito natural moderno de Gro - rt esta prova, o juiz Salomão pôde ultrapassar a igualdade extremamente ma-
%
tiuâ a Kant, passando pofc Puf íendorf e Locke: cf. BRISSET, J Quelques perspecti . -
-
yes historiques sur la règle “ Nul ne se fait justice à soi même” Archives dephiloto- v
126 127 .
s
Capítulo 1 . .
frf èinôria JLigaf o passado
1
'
temática de uma justiça formal, que é também a do talião. Tal como a verda- S obrigações. Do mesmolnodo, a Revolu ção e o Império terão sido apenas um 4
99
deirá ;mãe da criança, ele dava assim oportunidade à única memória autênti- parê ntese infeliz: o Rei esteve “ausente” e ei-lo que volta na^ restauração; vinte
f
,«
' ca, aquela que, por estar ha origem da yida faz também a aposta da sobrevi- *
ra c cinco anos de história são negados e sua memória condenada por uma Car- ^
da.162 Uma mem ória que, antes de se anular no ressentimento, supera-se na
*
ta datada do décimo nono ano do reinado de Luiz XVIII. Sem dúvida, a mo-
% i
confiança do. futuro. narquia sempre soube limitar-se a si própria; os precedentes históricos ates-
tam isso. Do mesmo modo, to rei declara/^a exemplo de seus predecessores,
* t
OS DESVIOS DO PASSADO SIMPLES '
)
Esfor çamo-nos para demonstrar a importância do passado e da memó
- .
: -
apreciar os progressos sempre crescentes das luzes”, mas não nos enganemos
^
.
de sentido na condição de ser “composto”: plural, construído, religadç ao pre-
sente, desde o momento, ao contrário, em que pretende simplificar-se, ele se '
absolutiza e se torna regressivo: apresenta-se como monolítico e canónico, ;
mais que diverso e compósito; ele passa por dadp, evidente, natural, pois que ]
J ^
r
ma é revestida; jque assim, quando a sabedoria dos reis concorda livremente
com o yoto dos povos, uma Carta constituciopal pode ser delonga' duração”.
Para encontrar este ponto de equilíbrio, declara ainda ter procurado
ções, o íempo da longa dhração da tradição, o tempo cronológico da história * parêntese da história, a fim de reata* com uma legitimidade monárquica mi -
dos acontecimentos*, e, enfim, o tempo intemporal dos invariantès. O tempo * .
lenar Mas, no intervalo, uma outra legitimidade sopbe dar crédito a seu futu -
das fundações estabelece a legitimidade política e garante, na linguagem ge- ro anterior, de sorte quç, daí para .frente, são a. República e os direitos do ho-
.
, ’ nealógica; a constituição do sujeito Mas se o pai ou ó* príncipe pretende en - ‘ > mem que já ter ão sido sempre legitimados: apesar de vários retornos para trás,
carnar ek mesmo alei, ao invés de ser apenas o substituto óu o porta-voz, o i esta idéia acabará se impondo. *
autoritarismo ameaça, e com ele a negação da história. Desse peso histórico li- ,ij , O longo tempo da tradição - aquele que valorizava a título do “imper ‘ -
gado à reconstituição artificial dç uma cadeia de acontecimentos, e visando ;í feito” a Escola do direito histórico - mostrou igualmente sua fecundidade,
reatar o nó rompido da legitimidade, o Preâ mbulo da Carta constitucional de '
condicionado, contudo, a submeter esta* herança a uma constante adaptação,
COmo era o caso do costume e do precedente. Apesar deste trabalho perma-
.4 de julho de 1&14, assinada pòr Luiz XVIII, oferece um exemplo que ficou cé- ;
lebre. O texto abre-se^com esta considera ção: “A Divina Providência,'chaman- J
nente de atualização, a tradição torna-se inércia, e sua operação um instru-
do-nos a nossos Estados, depois de uma longa ausência, impôs-nos grandes mento de rea ção social. O apego excessivo aos direitos adquiridos é um exem -
l plo disso, uma vez que busca se*opor às necessárias modificações das leis. Ma-
quiavel, o conselheiro dos príncipes, conhecia a força desta afeição preguiço-
V
.
DRAl, R. te Mythe de la loi du talion Paris: Alinéa, 1991. p. 167 et seq.
*
4
162
* “Historire evénementíelle”. (N.R.T.) \ sa ao passado e não hesitava em fazer da temporização um instrumento de go -
128 129
, Capítulo X y
r *
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* x J
i ;
\ •*
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r
\
* I ’e
* * Capítulo 2
verno: “imagine”, dizia elé, “que não existe questão mais difí cil, mais perigosa ‘ *
de manejar, mais jncerta de seu sucessó, que empreender a introdução de no- r •»
i
vas instituições; pois o inovador tem como inimigos todos aqueles que a an- * V
-
f
tiga ordeni beneficiava, e. não encontra senão mornos defensores entre estes %
V ^ * «
DESLIGAR -O PASSADO.
Quanto ao tempo cronológico do passado histórico, falamos de sua im-
portância em relaçãa à memória social. O direito contribui para isso, de res-
to, com eficácia, desempenhando frequentemente o papel de notário ou de es-
i ^
crivão dos fatos passados. Mas ainda aqui, os desvios ameaçam: através de
boas, e às vezes menos boas razões, os, fatos é as datas são algumas vezes ma- 1
f
H
* \
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. , nipulados, a memória traficada. Sem dúvida, toda memória é seletiva e toda
tradição reconstruída, mas há uma margem , que alguns atravessam, às vezes, ~ ^í ANDANTE <
4
I
denominamos o tempo intemporal do estilo jurídico: uma certa relação com - ' •
justi ça não pode processar todo mundo, isto não teria fim”, assim se exprimia, em
os textos, uma certa exigência de justificação que implicava, principalmente, a outubro de 1996, Desmond Tutu, Pré mio Nobel da Paz, presidente da Comissão \ *
lização do pensamento* O direito, recusando-sè a deixar-se interpelar pelas 3 seria possível olhar a'verdade de frente, e exorcizar o passado; sim, poderí amos
N
*
exigências do presente, torna-se, então, dogmático e sua prática tòrna-se for- A j
*
perdoar, sem por isso esquecer. V
malista e legalista. Esta anistia sem amnésia tinha sido prometida pela Constituição de 1993
\
Em todos esses casos, importa que o tempo da memória se ultrapasse ou | t uma lei de 26 de julho de 1995, instituindo a comissã o “Verdade e reconcilia-
1
se suplante nas formas enriquecidas de temporalidade: a do perdão que desliga - ção” a tornou possível 1 Toda a verdade será feita, as vítimas serão ouvidas, suas
<
o passado, a da promessa e do questiònamento qpç instituem um novo futqro. $
ofensas estabelecidas; os autores de seus sofrimentos serão identificados, humi -
. O tema da vingança é sem d,úvida a melhor ilustração. Enquanto ela se encerra H *
» t \
. latias recomendações para o futuro. Tais são os termos do difícil compromisso ela-
*
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* * *
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* •
> 1 PARKER, P. The polities of indemnities, truth telling and recortciliation in South
163 MACHIAVEL, N. Le Prí nte: Paris: Le Livre de poche, 1983. p. 29-30, África. Human Rights Law Journal, v. 17 , n. 1 / 2, p. 1 et seq., 30 Apr. 1996.
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130 131
.. i .
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1
A própria França tenta, naquela ocasião, amtesma aposta sobre um futu % - Humanos diz a mesma coisa quando se conforma com as leis da anistia, com a ,
„ vando sua demanda até Estrasburgo, Mas a Comissã o Européia dos Direitos Hu A - repressão sistemática programada, claramente desmontado, mas, sem poder im -
manos declarou o recurso inaceitável: “esta lei de anistia, que apresenta um ca í - putrir responsabilidades individuais, seu trabalho não apazigua os rancores O
%
.
ráter absolutamente excepcionàl, foi adotada no qúadro de um processo dç regu - medo continua apesar sobre o povo chileno e, com ele,' um sentimento de aban-
lamento global do contencioso entre as diversas comunidades do arquipélago”2
Ê todo um continente, a América Latina, que se interroga a propósito des
M
V -
^ dono e de covardia:' “vocês fizeram de muitos
.
dentre nós covardes e traidores de
nossos próprios princípios”, escreve Marco Antonio de la Perra, numa carta aber-
*
V ta difícil anistia sem amnésia. Depois de terem sido mergulhados durante mais I -
.
ta ao General Pinochet 6
E, contudo, o incrível aconteceu: no dia 16 de outubro de 1998, às 23 ho-
+r
, , ,
de dua? décadas na noite :das ditaduras Argentina Chile Peru Guatemala , ,
,-
Honduras El Salvador, Uruguai e ainda outros países levantam lentamente a ca - ras e 15 minutos, Pinochet foi preso em seu quarto de hospital londrino: um po-
licial entrega na residência uma citação para comparecer em juízo, seguida de
j
-
beça. Fala se puãicamente de “transição democrática\ Com frequentes anistias
}
A
um mandato de prisão internacional e um pedido de extradição, expedidos pelas
no final da operação, Auto anistias, é preciso, reconhecê lo muito bem: textos im
- - : - *
-
cessária da reconciliação. Mas a mensagenvê incómoda quando a
estabelecida. E são sobretudo as mães e as avós da Praça de Maio que ouvimos:
as avós da Praça deMaio que circulam há vinte anos sob asjanelàs dofalácio do
não é V
1
verdade
do de pesar sobre as cabeças das vítimas e que, para os tirançs carrascos do inun-
do inteiro, a impunidade fosse substituída pela ilegalidade. v
Ainda era preciso que a Câmara dos Lordes, a mais alta jurisdição inglesa,
permitisse retirar a imunidade do antigo ditador, sempre hóspede do governo bri -
K ,
-
governo, reclamando a verdade sobre o destino dos milhares. de desaparecidos;
t'
.... -. . . - X * *
^ t 1 4 La Libre Belgique, p. 7, 17 jan. 1998.
2 Comissão européia dps direitos humanos, Décisions et rapports, 72, Strasbourg,
•
*
aVril 19§2, p. 238. ^ 5 LUTZ, E. Responses to amnesties by the Inter-American System for thç protection
.
N ' of human rights, In: HARRIS, D.; LIVINGSTONE, S. (Ed.). The Inter-american
3 LUTZ, E. Respofises to amnesties by the Inter-American System for the protect íon
System of Human Rights. Oxford: Clarendon Press, 1998. p. 368.
of human rights. In: HARRIS, D.; LIVINGSTONE, S. (Ed.) The Inter-american
f
System of Human Rights. Oxford: Clarendon Press,'1998. p. 365. 6 LeMonderp . 3, 19 nov. 1998. '
132 133
•/
4
tânico, Na expectativa da sua prisão, contudo, as coisas se precipitaram: da Bé lgi - de $cr adotados em Roma, em julho de 1998: um Tribunal permanente habilitado
ca,, da Suíça, da Itália, da Suécia, outros pedidos de extradição eram formulados, d julgar, por iniciativa pró pria, os autores de crimes contra afrumaniãaãe.
r
No dia 12 de novembro, a França por sua vez lançava o mandado^ de prisão inter- i “ Uma espiral, uni turbilhão de tempo e de espaço como uma vertigem”,9
.
julgamento do ex -ditador estava afastado, Uma outra forma de perdão jurídico \ Olltro passado, penhor de um futuro diferente. . ‘ J
>N
tinente definia a violação como fato de “ter relaçpes ilegí timas com uma mulher
, atos de assassinato e de tortura, dos quais o senador Pinochet é acusado, são atos *
governamentais por natureza” ( e entram, assim, se ousamos dizer, no exercício ' •O
J que não consente”, o que parecia excluir* a hipótese da violação entre esposos, in-
“normal” de suas funções, coberto pela imunidade ), este será o ponto de vista do terpretação confirmada por uma linha de precedentes remontando a 1736. Com
juiz Nicholls que irá prevalecer: o direito internacional colocou fora da lei as vjo - toda a força dessa pretensa “imunidade conjugal”, o marido indelicado apresen-
loções mais graves dos direitos humanos, e não se podia mais considerar, desde se- tou um recurso em Estrasburgo: invertendo esta interpretação tradicional, apli -
tembro de 1973 ( data do golpe de Estado militar ), que .estas ainda entrassem no
'
cava -se- Ihe,' dizia ele, retrospectivamente, a lei penal, prática proscrita pelo arti-
go 7o da Convenção Europé ia dos Direitos Humanos.
campo das funções* oficiais de um chefe de Estado. ,
£>
* ' *3 Recurso recusado pelo Tribunal europeu: ele não ignora, sem d úvida> a
Desta vez, a hora da verdade se aproximava: contra a “máquina do esque- vi
importância do princí pio da não retroatividade da lei penal, mas escreve: “por
, cimento da ditadura que apaga a existênçia dos assassinados”,0 a justiça marcava , J mais claro que seja o libelo de uma disposição legal, sempre será preciso elucidar
-
um ponto. A igualdade diante da lei triunfava contra o privilégio da imunidade; a
ç
. ompetência universal das jurisdições para os crimes internacionais mais graves
J os pontos duvidosos e- adaptar-se às mudanças de situação” de sorte que “ajuris-
,
%
V
ainda aguardava uma resolução da Justiça quanto ao seu julgamento, do qual ficou
.
7 House of Lords, Regina v Barde and the Comissionner pf Police for the Metropolis
-
isento por tempo indeterminado devido à suposta precariedade em.que se encon -
and others ex parte Pinochet, 25 Nov. 1998, Fublications ón the Internet Judgments.
. . .
tava spa saúde (N E.) .
*
.
8 CASTILLO, Carmen. La mémoire ne se rend pas Le monde, 27 nov. 1998. \
. . -
• 1Ò Decreto S W c. Royaume Uni de 22 de novembro de 1995, § 36 . *
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relações conjugais não era mais, em 1989, o que era em 1736? A 'condenação era J , solução operass'e conl o efeito retroativo de 30 anos.' 2 Todos os processos em cur-
então, Mrazoavelmente previsível” e o juiz inglês permanècerâ fiel à sua missão ao \ SO foram brutalmente interrompidos e desvanéceram-se as esperanças de indeni-
iV Çélo a cargo do Estado. Os querelantes, frustrados tão perto do objetivo, não se
- interpretar um texto intocado, com a ajuda das concepções de hoje
Isso não quer dizer, longe disso, que qualquer retroatividade seja legítima í
,J . <
- ,
cer nos disso: se a lei dispõe sobre o futuro ém contra partida, apenas excepció , 1 - çil jurídica e uma discriminação itijastificada”?l O Tribunal de arbitragem, sem
nalmente pode dispor sobre o passado. O legislador belga irá aprendê lo a suas - - dú vida, sensível às ãificuldadés orçamentárias do Estado, não irá julgar, entre-
,
próprias custas num caso que dizia respeito à responsabilidade dos pilotos im l , - tanto,'‘desproporcional” o atentado feito à segurança jur í dica, tanto que os casos
rpostos pelo Estado aos navios que se preparam para subir o Escaut em direção ao .
lernúmios não são revisados Finalm nte
1*
è , a última palavra ficará com o Tri- , •
.
portó de Anvers Se apesar da presença deste piloto algum dano sobrevem ao na
vio guiado deste modo, ou é causado por eley a quem cabe a responsabilidade? )
- bunal Europeu dos Direitos Humanos: por um decreto de 20 de.novembro de -
„ 1995 ele concluirá pela violação da.Convenção, devido à retroatividade inerente
-
Tradicionalmente o Estado Belga eximia se de qualquer responsabilidade: o pi }
loto, dizia se sempre, era apenas “conselheiro” ou o “preposto” do capitão, que *
-
- íl lei interpretativa de 1998 que tinha "como objetivo e como efeito privar os re-
querentes de seus créditos em indenização”.' 5 -
• continua sendo em quaisquer circunstâncias o único senhor a bordo. Assim, de -
3 A reescrita do passado jurídico permanece, então, um exercício' delicado.
i
cidirá um antigo acórdão de cassação de 19 de março de 1896 solução, de res s V
to, confirmada por uma lei de 3 de novembro de 1967.
t - - Se num sentido ela é inevitável e até necessária ( o decreto de rescisão de 1983
reescreveria igualmente o direito, e conrefeito retroativo), contudo, nem toda re-
Mas, eis qúe, por unia decisão de 15 de novembro deJ 983,u o Tribunal de '
Cassação põe fim a este regime: se um -piloto é imposto pelo Estado aos navios r
troatividade é legítima. Entre atualização e manipulação do passado a margem
é estreita, sem nenhuma dúvida. No capítulo sobre o perd ão, tempo do passado
r
mercantés; não será lógico que ele assuma seus erros eventuais? De resto, é a par ç -
tir de uma decisão de 5 de noyètnbro de 1920 que oprí ncí pio de uma possível re- : ‘ desligado que se aborda agora, são os ajustes delicados dessa balança temporal
visão da responsabilidade dós poderes públicos, em cdso, de ertos de sua respon • < què precisaremos descobrir: entre dever de memória e direito ao esquecimento;
- >
nistros muito antigos tornava se viável. Em alguns meses, a Estado belga viu se
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citado para comparecer em juí zo não menos que cinquenta e três vezes, elevan-
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do se os créditos em jogo a mais de três milhões e meio de francos belgas. 1
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Como desligar o passado sem aboli-lo? Como superar ç. ofensa sem es-
•*
Podemos advinhar a perturbação tios meios governamentais, cujas previ quecê-la? Como ultrapassar a vingança sem afundar na injustiça e na deson-
J, - ra? l íngué m melhor que Ésquilo, na Trilogia da Oréstia, relatou as condições
soes orçamentarias eram Colocadas em mau estado Inquieto, o governo acabou • .
por obter a votação de uma lei que^iria eliminar tio nascedouro à novajurisprú
dêtt çia: sob pretexto de interpretação dalei de 1967, reafirmo,u se o princípio da
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13 Doc Pari , Sénat, 1985-1986 n 369/1 p. 15
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do geral Liekendael. *
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15 ArrêtPressos Çompania naviera S A. et autres. c. Belgique, 20 novembre 1995, § 43.
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Perdão Desligar o passado. .í
/ Capítulo 2 / *
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lembrança que não lhes deixa mais’ daí para frente um instapte de serenidade, é-
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teçnnestra Mas na verdade o crime mesmo deve ser posto em perspectiva, pois / tiça: deixar o crime sem reação séria, ao contrário, uma verdadeira injustiça que
•não é mais que o ponto de chegada de uma sucessão de perversidades de que se
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“gritaria por vingança ao céu” Não há nénhum desses vingadores que não cla-
*
me de fato pelajustiça, que não pretenda fazer uma obra justiceira. Mesmo Cli-
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torhou culpadas Casa de'Argos;Atreu*matara os filhos de Tiestes, seu filho Aga-
*
,
mênon sâcrificara sua pobre filha Ifígênia, na esperança de beneficiar-se com os temnestra* que assassinou covardementè seu esposo no' banho, acredita-se
ventos favoráveis para sua expedição contra Tróia; Clitemnestra vinga-se deste
4
“obreira de uma justa vingança”:20 ela não terá feito justiça ao sacrifício de Ifígê-
crime (é a história narrada pela primeira peça da Trilogia: Agaménon ); e, enfim, - fyj llia e, remontando mais longe, no tempo, nãô é um instrumento do castigo de
*
Orestes vinga, por sua vez, a honra do pai, matando Clitemnestra e seu amante, Atreu?21 - Semeando mesmo a dúvida no espírito do Goro, que parecè hesitar:'
>
Egisto (tal é o tema da segunda peça da Oréstia: as Coéforas )> Assim, o crime é f s 1
i “pode ser que o gêriio que vinga os crimes dos pais seja teu cúmplice”. 22
transmitido de geração lem geração, e os deuses (no caso Hades, deus dõs infer- fi Finalmente, toda esta violência é apenas a execução, ao pé da letra, da v >
nos e as Erínias, suas acólitas, as “deusas de longa memória”, as “implacáveis vin- \ J antiga lei de Talião, lei divina, que é regularmente lembrada no decofrer da
gadoras”) fazem os filhos pagarem pelos erros dos pais . í . ação. Assim, lembra o Coro em Agaménon: “A uma reprovação, corresponde
Ondas de sangue espalharam-se nestas histórias* mas longe de escorrer, uma reprovação, questão difícil de-destrinchar. Quem pega é pego, quem mata
paga a sua- dívida. Á leí continuará çnquanto Zeus permanecer no trono: cao
o sangue se cristaliza,10 aguardando a hora da vingança. Esta constitui'o mo % - culpado, o castigo’. Está na ordem divina” 23
*
* x
ção de cada um dos personagens que parecem permanentemente ou temer ou A Se é incontestável que a vingança e á lei de Talião traduzem uma pre -
. tensão mínima à justiça, o problema é que essa justiça muito rápida e de al-
-- -
esperar a intervenção das Erínias Igualmente, o passado tem pelo menos tan
ta presença quanto o presente: é para ele que o coro voíta se permanentemen-
te para entrever as causas distantes das desgraças atuais xe nele ocultar o ineví j
j -
-
^ *
gum modo demasiadamente imediata 'não dispõe de umetaprincípio” que lhe
pernjitiriã' elevar-se acima do cara a cara das reivindicações opostas: se cada
um pode, cpm todo direito, invocar a justiça de seu lado sem ‘elevar-se à ter-
tável futuro transformado.17 Tudp se passa como se o tempo aqui marchasse * *
ceira instância, quem poderia separá-los, ônde está a diferença entre esta jus-
t
ao contrá rio: longe dé experimentar o novo, não faz mais que completar o an , - tiça e a violência nua? Os personagens de Ésquilo, como todas as sociedades
tigo, confirmar o que estava escrito na memória do crime Por ser transferido { . antigas, são prisioneiros deste dilema: literalmente, não podem “sair dele”. As-
*
de uma geração para outra,'o castigo não é mais que inevitável, como se de- , *
sim acontece com Orestes, dividido entre dois deveres opostos: vingar a hon-
Vesse pagar daí em diante com os interesses . ra do pai e respeitar a sua mãe, mesmo assassina; Clitemnestra o sabe bem, e,- .
Instrumentos desta vingança divina, os heróis fiéis ao seu código de hon- •V >
antes que o punhal a fira, diz-lhe ainda: “reflita, tome cuidado com as cadelas
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ra quase não têm escolha. O primeiro dever deles é uma obrigação de memória. ‘
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16 ÉSQUILO. Les' Choéphores, in Thédtte complêt Traduit par E. Chambry Paris: Gar- - . 20 Ésquilo, Agamemnon, Ibid., p. 165 .
nier: Flammarion, 1964 p 180 .. . i '
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21 Ibid ; p 167
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17 ROMILLY, J de Xe Tetnpsdans la t; ragédie gtecque Paris:Vrin, 1971. p. 28.
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22 Ibid . i
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18 ÉSQUILO. Les Choçphores, in Théatre còmpíet Traduit par E Chambry. Paris: Gar- x . . .
23 Ibid , p, 168
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»' mier; Flammarion, 1964. p. 182
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vingadoras de tua mãe”; e Orestes responde: “mas as de meu pai, onde- fugir
delas se eu renunciasse a vingá lo?”24 r
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Quem não partilharia logo do desespero do Corifeu, quando se fecha
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^ substituir a força pelo diálogo. Assim, assistimos ao vivo ao nascimento de um *
direito e de um Tribunal cuja “boa fundação” é performat ívamente atestada «.
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este segundo drama: “então, onde se irá parar, enfim adormecido o ardor da V
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pelo próprio sucesso no “caso Orestes” Ao negociar legalmente o direito, Até-
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desgraça?”25 e, contudo, na terceira parte da Oréstia, as Eutpênides> Ésquilo a na prova e aprova a possibilidade de instituições justas*indexadas à autorida- ' ,
exemplo da Atenas democrática de seu século irá propor uma. saída comple- $
*
de das leis e da lealdade dos protagonistas.
tamente diferente para o conflito* de uma novidade radical: a justiça, enfim, - :
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Abrindo a cortina, estamos em Delfos: Apoio assume o parricídio de
*
substitui a vingança, a deliberação ultrapassa a violência, enquanto o .tempo / <
Orestes, enquanto as Erínias cobrem-ho de imprecações: “Jovem deus, você A
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da memória é Substituído pelo perdão ' .
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esmagou com os pés antigás divindades”.26 Eis-nos alertados: o processo hu- «
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mano tem exatamenfe por quadro (e também parcialmente por lance) uma
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I querela teológica que recai na precedência das divindades: ou bem o triunfo
PROCESSO JURíDICO E QUERELA TEOLóGICA
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dos deuses modernos* próximos dos homens e parecendo encorajá-los em
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t suas empresas de autonomização, Apoio e Atena (esta, Veremos, sabe organi-
As Eumènides representam uma obra completa e muito coerente, onde
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t zar os direitos e prerrogativas das divindades antigas); ou bem as Erínias e Ha
diferentes temas se entrecruzam e se reforçam. Duas questões são colòcadas de
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des aos quais “os mortais devem responder por seus atos na terra”.27
modo explícito e fazem a trama da história: que destino é^preciso reservai para
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tua de Atena, pede que a justiça seja feita e invoca o tempo do esquecimento, o
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Erínias? De um lado, o processo jurídico, do outro, a querela teológicá, mas da tempo que “ao envelhecer aniquila com ele todas as coisas”.28 Sem dúvida, as
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filigrana destes tèmas explícitos perpassam questões mais importantes ainda, \ »
\ Erínias nada entendem desta linguagem: “pedido inaceitável”, gritam elas, e cer-
que dizem respeito ao próprio direito. E logo de início esta: a quê lei será pre- J tas de serem “perfeitas justiceiras”, ei-las que retornam à sua ronda vingadora.29
ciso se referir para decidir estas disputas? Ao direito antigo (baseado nas tradi
ções aristocráticas de força, de laço de sangue, de bravura e de vingança) ou ao
- Atena, contudo, ouviu o apelo que lhe foi endereçado; de chofre, sua in-
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27 Ibid., p. 217i
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28 Ibid., p. 218.
* 24 ÉSQUILO. Les Choéphores, ín Théatre complet. Traduit par E. Chambry. Paris: Gar- f
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funda o areópago institu ído por ela: uma lei que dirige a abstenção dos cri '
processo; cada um será levado a verbalizar suas pretensões e com beneficio í •i
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mes. Ou, melhor ainda - uma vez que o conteú do das leis nunca é muito ori
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desta distância mínima poderá surgir a questão do "mçtacritério” do justo
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Contudo, de imediato, é a questão do "metacritério” do procedimento • í ginal, o < jue réalmente vale, de modo definitivo, é a pedra que as funda o. *
que se coloca a Atena: quem será competente para decidir um litígio que com- que Atena institui, neste momento inaugural, e "o respeito e o temor”: o res-
preciso pesar bem todos os termos: Atena irá instituir un\ tribunal humano, *£ corruptível, venerável, impiedoso” Assim, a cidade sè preservará tanto da
/mas longe de ser uma jurisdição de exceção, sempre suspeita de aplicar umà
lei • "anarquia”, quanto do "despotismo”*34 Paradoxo assustador: encontramos nes-
de circunstância, ela cuidará de "ligar os juízes por juramento” e “formar um
,
tribunal destinado a durar para senipre” Precisões decisivas na verdade : ao
\ ^ . te discurso fundador um eco dos propósitos sustentados alguns instantes an-
tes pelas Erínias, mas livres de seus tons securitários e vingativos; assim, pois,
»
prestar juramento, os juízes se referem, senão a leis, pelo menos a valores pree- no momento em que retira claramente das imprecações suas prerrogativas,
-
xistentes; instituindo se na duração, a jurisdição se volta a uma obra de justiça , jj Atena integra, na ordem política que funda, a parte assimilável e necessária da
durável, cuja coerência ê estabilidade sao o voto. Duas maneiras bastante efica .3 - mensagem das Erínias: nènhuma cidade pode sobreviver sem o respeito de leis
V zes de casar autonomia e heteronomia na fundação da instituiçã o judicial. '
J das quais não étinteirámente a autora. i
»
As Erínias compreenderam perfeitamente o perigo: nada menos que a 3 Enquanto ressoam as últimas ameaças e imprecações lançadas departe a
, ,
ruína dacidade, daqui para frente ímpia, q que segundo elas aipeaç : a "novas parte, os juízes se retiraram, paça lançar seu sufrágio; nq momento da decisão,
leis irão agora inverter as antigas'se a causa e b crime deste parricídio devam . j dividiram-se exatamente em duas metades. Mas, acrescentado seu voto aos que
triunfar. O resultado vai predispor todos os mortais a cometer, facilmente, o cri- ^ J opinaram a favor da absolidção, Aténa sela a sorte de 'Orestes. Admiremos na
* ' me!”31 Mas Atena não se deixadesarmar: ela acaba de"estabelecer leis para sem f1 - passagem o gênio de Êsquilo que conseguiu sugerir tantas coisas em unja ope- >
«<
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pre” e espera daqui para frente que os juízes pronunciem um justo decreto ” 32
9 ração tão simples: ao dividirem-se em dois campos iguais, os homens se mar-
' Abre-se, então, o processo conduzido pela própria Atena: Apoio e ó Corifeu ad- . cam pela prudência e deixam abertas, para o futuro, todas as soluções; toman-
-• r %
vogam, cada um contestando o justo direito do outro (até o fato de que o assas-^
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do parte na votação, Atena decide, a questão comó se deve, mas vai se dèdicar, "
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sinato de Clitemnestra foi determinando por Zeus, em pessoa, é submetido a dis- .< i como iremos ver, a evitar que a parte derrotada se descaracterize; ao instituir o
cussão: como acreditar nos atos de um deus que "acorrenta ele mesmo seu ve- , ' *
Areópago, a deusa confia aos homens o encargo da justiça, pias votando por sua **
lho pai” ?).33 Onde encontramos a oposição develhos e novos deuses, a ambigui - J —
vez ela relança o enigma do fundamento humano ou divino - da justiça.
‘ dade assustadora e a real finitude das divindades que os Gregos criam para si* 4 *
1
Resta a Atena retirar a tíltima solicitação insistente, a bem da verdade a
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i 1 . » maiS decisiva para o futuro: convencer as Erínias a renunciar à sua cólera, que
*
desta vez seria dirigida contra toda Atenas. Assim se compromete a última nego-
O RESPEITO E O TEMOR r
l ^ dação que,à primeira vista poderia evocar um negocio - as Erínias iriam abster-
* .
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f] i 8c da vingança se'um culto permanente lhes fosse prestado np próprio seip da cir
Atena convida agora os juízes a decidir com consciência e sob a fé do
.
juramento ,que eles prestaram Mas antes disso, ela lembrará, ainda, a lei que
-
dade e que, portanto, ao que pensamos, procede de uma coisa completamente -
> •u i diferente. Pois, para atingir seus fins, Atena não usa de força nem de trapaça. De l
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» r * * cara, situou o debate no plano da deliberação e do direito; jamais fez mistério de *
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31 Esquilo, Les Euménides. Ibid., p. 222. . .
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32 Ibid., p. 223.
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:? 34 Êsquilo, Les Euménides. Ibid., p. 227.
33 Ibid., p. 225. *
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** Capítulo 2 r .
Perdão Desligar o passado .
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Como é possível sair da tradição sem por isso recusá la Em outros termos,
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sua simpatia pela causa de Orestes (ela anunciou sua inten ção de votar em seu f
favor antes da resoluçã o final das vozes, o que exclui qualquer cálculo polí tico de çomo fazer uma crítica da tradição na ausência de um ponto de apoio extra
sua parte); entretanto, ela integrou as leis pelas quais clamam as Erínias no pac- > -
tradicional, fara ajudar nos a não “fazer tábula rasa do passado”, no pró prio
tò* fundador da cidade. Também em sua intervenção.quanto às Imprecações ela ,1, momento em que se inventa um futuro, seguiremos principalmente Popper e
se situa no terreno da promessa (“eu vos prometo que sereis honradas pelos ci- sua “crítica racionalista da tradição”, e Jean-Marc Ferry, que propõe pensar os
..
dadãos” . “por que eu faria promessas que não cumpriria?”) 35 o da persuasão )
< * 1
termos de uma “identidade recçnstrutiva”, que articula os recursos da narra-
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(“se respeitardès a venerável persuasão, se minhas palavras podem adoçai e en- ‘/ : *
ção identitária e da argumentação universalista.
cantar vossos-corações, permanecereis aqui” ).36
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mento jurídico Bem que queríamos, ao conceber o projeto desta obra, fazer
*
vra - uma atitude que exige, da parte do interlocutor, “acreditar” em um tal X a ecoríomia do esquecimento, mostrando que o perdão que nos interessa, em
comprometimento. A'peísuasáo é a arte de fazer valer razões que fazem sen-. V *
primeiro lugar, Seria maior e melhor que o esquecimento: uma separação *
tido para á outra parte - e ainda uma atitude que pressupõe a capacidade de ' ‘ consiste do passado (“com conhecimento de causa” ); e não uma deambula-
adotar o ponto de vista do outro: nos dois casos, avinteração se desenrola do ^ .
ção sonambúlica nos labirintos do sistema jurídico Mas, veio-nos bem rápi-
meio da confiança ou fé compartilhada, na qual se pode ver o verdadeiro fun ' . ; - do que o esquecimento era “ incontornável”, como se diz atualmente: tão ine-
' . * '
reconhecê-lo) quanto a noite o é para o dia37 - a noite
damento,antropológico, tanto da lei quanto do. contrato. Atena é de boa-féna vitável (e útil, vamos
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promessa que formula e isso basta para convencer as Erínias: daí para diante, X
/ .: *
que suspende as atividades jurídicas e coloca os sujeitos de direito em \dgíjia .
seguras de serem honradas em Atenas como divindades antigas, dedicar-se-ã o u De resto, já o sabíamos: a memória ê seletiva, a tradição reconstruída; nelas
a afastar os flagelos da cidade; ^Eumênides” (as benevolentes) será doravante 'o i o esquecimento tem sua parte. Desta face obscura do direito, as manifesta-
^
nome delas. Uma ordem nova emerge - marcada por um nome novo - que ções são in ú meras: do lado do direito objetivo, o desuso e a prescrição extin -
repousa nas potências da palavra; um direito movo se impõe, que faz recuar | tiva, por exemplo; do lado do direito subjetivo, diversas formas de “direito ao
discórdias e represálias. \ esquecimento”; entretánto, cuidado: ao lado destas figuras do esquecimento -
apaziguamento, operam também formas do esquecimento-engano e do es-
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queciipento-recalque
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. ENTRE ESQUECIMENTO- E PERDÃO, X
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A Grécia do século 5o antes de nossa era, àô inventar, entre outras coi
sas, a democracia e a tragédia permitiu pensar como desligar o tempo, liberar
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no limiàr do perdão, um perdão"que é simultaneamente anamnésia e remissão;
ato de memória eliposta no futuro. Sem dúvida; um perdão desse tipo é um
*
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a mem ória e, assim, dar uma segunda chance ao passado É ainda do passado . J h tanto sublime demais para ser jurídico integralmente; admitamos que ele esta- l
. que se tratara neste capítulo, mas de um passado revisitado, remanejado, rea- í va ligeiramente para além do direito, assim como iodo- esquecimento estaria ffe - ' «
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37 Às vezes, na verdade, o “Fardo da memória” mostra-se demasiadamente pesado ;
• »
para carregár: cf. GAUDARD, P.-Y. Le Fardeau.de la mémoire. Paris; Plon, 199,7. Às
35 Ésqullo, Les Euménides. Ibid., p. 229, 231. ^
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’
*
Vezes a memória é inútil, como o sustenta FINKIELKRAUT, A . La M é moire vaine..
36 Ibid p. 231. ; Du crime contre Vhumanité, Paris: Gallimard: Folio, 1989.
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V . Capítulo 2
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* Perdão, Desligar o passado: '
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qiientemente ,aquém <le suas virtualidades. Contudo, nada impede pensar que o
Até aqui relativizamos o .recurso à tradição, insistindo no fato qué era
ideal de reabilitação pór ele implicado, que o processo coloca em ação, não se- *
- necessariamente a partir do presente e de suas questões que o passado era in-
ria aquilo que, na prática de reconhecimento recíproco dos querelantes, inspira .
1 « terpretado e mesmo reconstruído Será preciso agora dar um passo a mais, e
muitas insiituiçpes penais, mesmo que estas continuem amplamente matizadas
de cálculo de interesses, de relações de força è de comproíhissos políticos, É no
deste passado fazer tábula rasa?” Estaremos nós seguros de poder criar ex ni -
* ' htlo, criar o homem novo e a nova sociedade, chegados, enfim , à altura dos
J
levantamento dessas manifestações do perdão, mais ou menos mescladas de es- * * tempos racionais que não deveriam mais nada ao obscurantismo dos tempos
quecimento e de cálculo, que nos dedicamos, então, entre a anistia, que tende a s '
passados? Sabemós que a modernidade, algumas vezes, nutriu esta ilusão e sa- ‘
'esquecer tudo, e o imprescritível, que tende a conservar tudo:
bemos também aonde isso a conduziu.
*
« *•
*
, . Mas o tempo do perdão que dá suas oportunidades ao passado mani-
v *
*
festa-se unicamente no campo penal: é no sistema judiciário completo que se 4 A questão não é mais, desde então, de liquidar à tf âdição, mas de sub-
/
torna possível consertar seus traços O of .
ício do juiz irá nos servir, aqui, como metê-la ao processo permanente, crítico e reflexivo de revisão, que ao mesmo
tempo lhe garanta uma consciência mais exata de sua singularidade e lhe or-
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A
•
.
iremos separar-nos das tradições alienantes cujas idéias se cristalizam em es
tereótipos e os Valores em tabusvautoritários; o tradicionalismò, de fatOr é re
--
v intervenções e a preocupação legítima de seguran ça jurídica? Como, em ou*
*
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tros termos .conciliar fidelidade vao
*,
texto preestabelecido e necessidade da tnú- : i
ganho, em contrapartida, o processo de revisão das tradições pode trazer
* * '
, dança quando o juiz aceita seu “pêndulo” para a situação que ele decide? Esta "
.'questão, desafio central do ato de julgar, iremos estudá-la em dois casos nos uma resposta às questões não resolvidas, nas quais Veio agarrar-se ô antigo
quais ela se impõe de particularmente aguda: na hipótese de uma re- . modo de pensamento; a invenção'da justiça em As Eumênides é exemplar
,
maneira
viravolta de jurisprudência e quando o juiz, como acontece cada vez com quanto a isso, pois .permite a superação^ das aporias da vingan ça encerrada
maior frequência, é levado constatar a juivalidade da lei Ao final destá anâ- ' . em umjáce a face repetitivd.
^
lise, irá surgir a emergência de um direito transitório da modificação da regra v i
Mas o que é mostrado também por esse ilustre exemplo é que uma saí-
\
. » V
neèessário equilíbrio^ dafialança jurídica . devohado à quetão é,a obra do passado da qual tanto ás aquisições quanto as
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*
imperfeições são - fontes constantes de inspiração parado presente. A crítica ^
/
opera não se sabe de qual ponto de vista extra-tradicional de;Sirius: mesmo
CRÍTICA DA TRADIÇÃO: “FAZER TÁBULA RASA que ela âeserúboque em progressQsfinéditos e às vezes em reais invenções, a
DO PASSADO”? •. ' 1
, v
'I temporalidade crítica do perdão se desenvolve, de iúício, como uma exigência ^
t s interna que se cava no próprio seio áa memória. Á crítica é como. a “anterio-
. • » f
ridade interior da tradição”, explica Anne-Marie Uoviello,38 sêní dúvida, por-
t \
Por que será preciso revisitar as tradições? t)e que maneira se opera este
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processo? Eis as questões, que agora ábordambs, e de início esta: que significa t v .
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^revisitar” ? Por detrás deste termo um tanto neutro, queremos liquidar a tra- <
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38 ROVlELLO, A. M La communication et la question de l universel Critique tradi . ,
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dição ou regenerá-là?
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tioti, passê, revue Hermés, Paris, n 10, p. 176, 1991,
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» que a tradição e menos um dado que um procèsso permanente de identifica- a discussão pública e permanente dos mitos portadores de nossas dominantes
ção, cuja distância em relação a si própria é pelo nenos rima virtualidade.
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visõesdo mundo? Uma dimensão reflexiva e crítica assim, escrita no centro
ftiesmo de nossos modos depensamento, submetendo ^ os a um trabalho per
*
-
*
manente de ajuste, bem como da linguagem através da qual se expressam , A,
OS OMBROS DE NOSSOS PREDECESSORES 4
verdade não é, por isso, o termo final garantido desta busca, mas pelo menos *
*
as aquisições da tradição são inscritas numa visão de universalidade ( a pesqui-
A
Em um importante capítulo de suas Conjecturas e refutações, Karl Pop- ; i sa do melhor argumento, a produção da explicação mais esclarecedora) que
per introduz uma contribuição decisiva a este trabalho de crítica interna das i incessantemente rejança o processo de seu aprofundamento.
tradições /9 Preocupado em contribuir para uma “ teoria racionalista dá tradi-
^
ção”, Popper não da razão nem aos anti-racionalistas, que se conformam em
.
recolher em bloco a tradição, como um dado, sem pretender submetê-la av
^ Considerada sob este ângulo-a tradição não mais surge como uma co-
leira alienante, mas çomo Jjma ordenação (provisória) do caos circundante,
uma perspectiya suscetível de definir pontos de referência e finalidades, de
uma análise crítica, e nem aos racionalistas, que pretendem julgar exclusiva- 9 constituir um saber e garantir um mínimo de previsibilidade, de conformar
* mente por eles mesmos rejeitam esta tradição, considerada aqui também A
, ' nossas identidades, de promover, enfim, solidariedade.42 Melhor ainda: ela é
como um todo indissolúveL A estes, ele irá opor o fato de que, mesmo eles, $ aquilo que a partir do qual algo como uma crítica torna-se possível; ela é o
os ra çíonalistas, estão engajados numa tradição - mais recente, sem dúvida, ií trampolim no qual apoiar-se para conceber e experimentar o novo/1 '
x do que aquela que eles criticam, mas uma tradiçã o, contudo, com seus mitos . M Platão, em A República, falara destes reformadores que se imaginavam
fundadores, seus ritos e suas passagens inevitáveis. De fato, como acentua i “limpar a tela* para apagar qualquer marca da antiga sociedade: “esta idéia é
também Rochlitz, nunca nos encontramos radicalmente no exterior de qual- > 3 absurda”; nao hesita em escrever Popper, isso significaria necessariamente
quer tradição.40 Isso*se comprova até no domínio da pesquisa científica, onde J “apagar sua própria pessoa, tod£s as suas idéias e todos os seus planos de fu-
nos apoiamos tanto nas descobertas, quanto nos erros dos nossos predeces- | turo. Estes planos não têm nenhum sentido no áeio de umá sociedade vazia,
sores. “ Não nos resta outra escolha”, explica Popper, que “a de nos manter- 9 .
\
mos sobre os ombros de nossos predecessores”: far
,
íamos nós tábula rasa de ^ num deserto social Eles só adquirem sentido num conjunto de tradições e de
Institúições”.44 *
séus trabalhos, “não teríamos à nossa mórte, avançados mais que Adão e Eva Resta, pois, que este passado, do qual não nos desembara çamos com ,
t
tradição européia, inaugurada pelos gregos no 4o é 5o séculos, é precisamente ) i, tico “corcundinha” de que falava W, Benjamin: este, estranho e insistente pas-
v
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. . . .
39 POPPER, K Conjectures et réfutations Traduit par M Iréne et M de Launay Paris: . t ^
42 ROCHLITZ, R. Critique de la traditionrpõurquoi, áu n õm de quoi, comment? Cri-
* k
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Payot, 1985 p 183 et seq. t
i tique, tradit/ oti passé, revue Hermés, Paris, n. 10, p. 171, 1991.
)
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40 ROCHLITZ, R. Critique de la tradition: pourquoi, au nom de quoi, comment? Cri- j 43 POPPER, K. Cortjectures et réfutations.Traduit par M. Iréne ét IvL de Launay. Paris:
V . .
tique> tradition, passé, revue Hermés, Paris, n 10, p 165, 1991 . ^
.
Payot, 1985 p. 199 . i
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. . .
41 J OPPER, ÍC Cònjectures et réfutations Traduit par M. Iréne et M de Launay Paris:. -
44 Ibíd., p. 199 200. A citação de Platão é extraída cie A República,T50'0b 501a,
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‘ Payot, 1985. p 196.
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45 GAUCHET, M Uécole à Tecole d lle même LeDébat, n. 37, p. 84, noy. 1985.
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148 149
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sado que nã o cesSa de nos interpelar. “Menos nós vemos o corcundinha, escre-
mite, a exacerbação da singularidade identitária conduz à negação dò outro e
. . -
via ele, mais ele nos observa ”46 E este olhar, nós o pressentimos, é às vezes
à violência. Mas, ao inverso, de que ,nos serviria o acesso argumentado pela
.
aquele da censura Pelo menos uma parte do passado nos acusa, ou pelo ihe- '
razão e pelo universal se não chega a se encarnar em nenhuma identidade sin- r
nos lembra a .dívida contraída em relação aos abandonados, ou mesmo às ví-
timas de nossa história. Eis, então, que a relação com a tradição- se complica:
.
gular? J -M.jFerry, que na esteira de Habermas apresenta este dilema, sugere a *
localização dialética de uma “identidade reconstrutiva”, sob a forma de uma
não se trata mais unicamente de recolher os dividendos do passado, mas tam-
rcapropriação crítica de cada tradição por si mesma, no meio reflexiyo que
.
bém de pagar as dívidas qúe aí foram contraídas Assumir a herança será, pois,
constitui a própria linguagem.48 É no próprió seío do discurso retrospectivo,
-
reativar simultaneamente o que, do passado, ainda è poçtador de sentido, mas
também assumir as responsabilidades ém relação aos erros dé ontem, no du-
»
no próprio interior dã niemória, que uma tomada de 'recuo se escava, permi-
tindo a experiência singular de cada identidadè tematizar-Se e justíficar-se em
-
plo sentido da reparação do mal feito às vítimas e da recilsa dé tudo o que . i'
uma linguagem^ razoável, com visão potencialmente universal, que seja igual-
pôde conduzir a tais erros.
*
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mente audível pelo outro.
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flitos, mas pela prática do logoti diâonai fornecer razões em apoio do que é
IDENTIDADE NARRATIVA E IDENTIDADE .áRGUMENTATIVA.
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1
e do. que se faz -> um espaçÕ público de discussão se abre, o que desenha pelo
menos no vazio o que poderia ser uma figurado universal.49 Logo, não é o caso
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Hermés, Paris, nf 10, p 132 136, 1991.
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49 ROVIELLÔ,A. M. La communication et la question de lluniversel. Critiquey tradi-
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47 Cf. J.-M. FERRY. Sur la responsabilité à Fégard du passé. Critique, tradition, pàssé,
tion, pàssé, reyue tfermés, Paris, n. 10, p. 174 et seq., 1991 . t
*
1
reyue Hermés, Paris, n. 10, p. 132, 1991. v 50 J. M. PÊRRY. Sur la responsabilité à Fégard du pàssé?Critique,tradition, pàssé, re-
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yue Hermés, Paris, n. 10, p. 134, 1991. . ^
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mas, pelo menos, é concedidoaim eco àquilo que, então poderia ser dito e que‘ *
t Vemos beçn > então,’ que o tempo do perdão não é o inversa da^memória e da CONTUDO NECESSÁRIO X *
tradição; operando ele também uma anamnésia, é antes o tempo de uma “ou- t
•] I f *
“Só há memória sobre um fundo de esquecimento”, escreve Pierre Vi-
a
tra” memória, de 'uma memória segunda, de uma memória crítica que; dó >
próprio interior da instituição comemorativa, que é toda sociedade organiza- £ dal-Naquet, “este esquecimento ameaçador e, contudo, necessário.”54 Se o .es-
:
da, traça as primeiras linhas de uina outra interpretação do passado, ou seja, :
f quecimento, ao contrário da memória, apresenta esta natureza ambígua, è que
de um outro programa para nossos dias. a memória, também ela, é necessária ( já dissemos a que ponto ela era consti-
Esse distanciamento da tradição, para ela mesma, só pode evidente- tutiva do social) e perigosa. No capítulo VII de O Processo, Kafka tem esta fra-
se terrível: “o Tribunal nunca esquéce nada”;55 que sinal mais revelador de uma
% mente ser compreendido se" aceitarmos dissociar conceitualmente passado e v'
J sociedade virtualmente totalitária que um tribunal.que nunca esquece nada?
tradiçã o/1 Desde.que ,o primeiro surja como um dado exógeno, a massa iner-
Mas uma memória infalível não.é apenas ameaçadora, é também ineficaz: um
/ »
interpretação; ela requer, ainda hoje, ser significada e mesmo escolhida: “ela personagem de. Borges, denominado Funes Ivíemoríoso, é dotado de uma tal
revela / explica Hunyadi,*“o que nós escolhemos ter sido, em relação ao que
* memória universal ( “Eu sozinho tenho mais recordações do que podem ter
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1
Esquilo dizia a mesma cqisa no motnento em que desbatizava as Erínias em $ Portanto, o esquecimento é necessário como o repouso do corpo e a
Bumênidesy integrando-as à cidade, fazendo, assim, a aposta inédita em uma ,
respiração do espírito; ele responde à natureza descontínua do tempo, cujo
* *
/ justiça não vingá&ora que, ao contrário, ainda faz justiça às vítimas. Para tan- „ prosseguimento, como vimos, é entrecortado de pausas e intervalçs, através-
sado de rupturas e surpresas. Nietzche, cantor do esquecimento, dá um passo
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to não foi preciso fazer tábula rasa do passado da cidade, somente aceitar que L%
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se suspendessem algumas de suas certezas, o tempo de uma deliberação p úbli- à frente: o esquecimento não seria tanto uma vis inertiae\> uma maneira de
ca ao risco de uma nova promessa. abandono ou de relaxamento do pensamento, quanto um “poder ativo, uma
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ria Esta faculdade ativa de esquecimento, ele explica, é prepostó para a manu - *T
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54 VIDAL NAQUET, P Sur une commémoration In: Politiques deVoubli Le genre hu-
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. .
de 1’éthique: J. Habermas et P Ricoeur Critique, tradition, passé, revue Hermés, Pa- .
tnain Paris:Seuil, 1938 p. 134. .
.
ris, n 10, p. 142, 160, Í991 v . 55 KAFKA . .
, F Le Procès )?axis\ Pocket, 1996. p. 187, "
52 Ibid., p. 142.
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53 Ibid., p. 150.
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4
56 BORGES, J L Fictions Traduit par P. Verdovoye, Ibarra et R. Caillois Paris:' Galli- . .
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mard: Folio, 1988 p 115, 118 .' ’
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Perdão. Desligar 6 passado
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XII Tábuas.62 l è
regra (“um sol que nunca se põe” escreve Jean Carbonier),5’ é preciso admitir, [ l
defato, eçlipses da juridicidade, das baixas jda pressão jurídica - administran- j -
ta da personalidade jurídica è de todos os títulos que a acompanham - en-
'
do pausas de não-direito ou de meno§ direito. Entre os esquimós estas' varia- » quanto dura a noite? O homem que dorme terá direitos, estará obrigado? Al -
guns, radicais, vêm nisso umà analogia com a morte; adormecer seria “depor
*
v çõ es do direito adotavam um ritmo sazonal, a se acredita;' em Mareei Mauss:
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cente "como um bem-aventurado” ao passo que o culpado, insone, continua
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. . .
57 \NIETZSCHE, F La Généalogie de la morale Traduif par H Albert Paris:Gallimard:. , ! mesmo no túmulo sob o olho sempre aberto do remorso? 64 Concluímos’ que
.
Idées, 1964. p. 75, 76; cf. igualmente Considérations inactuelles Paris: Gallimard, j o bom direito, como a boa consciência, passa pelo sono e pelo esquecimento.
..
1990 p 130: *Quem não sabe repousar no limiar do momento, esquecendo todo o N
passado, nunca conhecerá o que é felicidade” . As alternâncias jurídicas podem, também, apresentar uma amplitude ,
58 Ibid., p. 76 77 - .
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bem maior, para além das variações'do dia e da noite ou do ciclo das estações;
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Flexible Droit 8 ed. Paris: LGDJ, 1995 p 49, v
.. . .. .
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xible Droit 8 çd Paris: LGDJ, 1995 p 55-61
61 CARBONNIER, J, Nocturne In: . .. . •*
. Flexible Droit 8 ed Paris: LGDJ, 1995 . - . .
64 *NAHOUM GRAPPE,V Dormir In: La mémoire et Voubtu Commmication, Paris?
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p 50. . 1
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Seuil, n 49, p 90, 1989 . I
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Capítulo 2 <
Perdão. Desligar o passado.
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em certos casos, os fluxos e os refluxos do direito estendem-se por anbs, até • í
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se se pode dizer, sob sua face negativa: com o tempo, a força obrigatória das . A do esquecimento, como ameaçador e, contudo, necessá rio: “Se não autoriza -
leis.se enfraquece, ao invés de se reforçar; os títulos jurídicos perecem, ao in- , ' * mos formalmente o modo de ab -rogação pelo desuso ou o ã o uso, é que
^
1 *
vés de se consolidar; as provas, antes de se acumularem, se dispersam e se con- , A talvez tivesse sido perigoso fazê-lo”, escrevia ele em seu famoso Discours pré- ^
fundem. Veremos aí, seja a ação destrutiva do tempo, seja o traço de sua obra - liminaire> acrescentando imediatamente: “Mas pode-se dissimular a influên-
i tradicional de apaziguamento, em qualquer hipótese, o movimento .contínuo, \ cia e a utilidade deste concerto não deliberado, desta potência invisível, pela
*
mesmo subterrâneo, de uma vida jurídica que nada detém e que, qual Janus, i *
qual, sem choque e sem comoção, os povos fazem justiça das más leis, e que *
\
v
dade, ffeqiientemente, de fato, ainda hoje, a passagem de um regime totali-
0 -
4 * , V
tário para um retorno progressivo do Estado do direito ( a “transição demo- *
prescrição extintíva, faces negativas do costume e da prescrição aquisitiva. O ^*1 ção e o alcance económico, social e político das principais leis e instituições
desuso não deixa de ser paradoxal: eis uma lei, em princípio formalmente do Antigo Regime.68 i
dades jurídicas,, mesmo quando se apresentem ocasiões de aplicá-la (neste J define como “um nieio de se liberar por um determinado lapso de tempo”. Nâ
caso, a hipótese do desuso distingue-se da de caducidade que se entende ’ * realidade, seu campo de aplicação é duplo; e]a permite a liberação do devedor,
*
' pelo não uso por falta de oportunidades de aplicar a lei). Compreende-se S| ao qual o credor negligencia em reclamar seu devido ( direitos pessoais), mas '
que este fenômeno constitui um escândalo para uma doutrina positivista, „ acarreta também a. extinção, pelo não uso, dos direitos reais (quanto a isso ela
s
pois poderíamos perfeitamente dizer que a ab-rogação total ou parcial da se apresenta como a outra face dò usucapião, ou aquisição por posse çontínua,
lei, por desuso, consagra um costiime contra legem, como no' caso do uso que .
pacífica, pública e a título de proprietário) Como para o desuso, a prescrição * *
V
valida as dádivas diretas, apesar do artigo 931 do Código civil, que exige a V íva surge, assim, como mm mecanismo de adaptação do direito ao fatò:
extint *
redação de uma ata notarial para qualquer doação.65 Ao mesmo tempo, dou- -
\ *
[>
na falta 3e ter podido se realizar conforme à sua prescrição, o direito (aqui en
trina e jurisprudência mostram-se pelo menos circUnspectas, não admit ín- tendido como direito subjetivo) alinha-se na situação de fato contrária qiie se
u *
do o desuso a não ser como a confissão vergonhosa de uma doença inevitá-
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vel: “o desuso mata as leis, mas é preferível não dizê-lo”, escreve J. Cruet 66 . .
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65 Para outros exemplos, cf. PETLÇ, F La mémoire en droit prive* Revue de la recher -
* . . - .
bourg: Treuttel etWurtz, 1827.1 1, p '269 270 ’ ** /
. ,
' che juridique Droit prospectif nota 35, 1997-1. .
68 No que se refere à situação da Polónia, cf ZIEMBINSKT, Z Problèmes métbodolo . - *
. .. .
66 CRUET, J. La vie du droit et Vimpuissatí ce des lois Paris: Flammarion, 1918 p 258
. .
giques de la désuétude In: Le ternps et le droit Sous la dírection de P A. Côté et J .- .
:
.
Frémont Cowansville (Québec): Yvon Blais, 1996 p 54 .. . /
/ *
156 Ií
157
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Capítulo 2 *
1
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Perdão Desligar o passado, V 1
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por preocupação com efetividade e realismo, acaba por consagrar uma injus- 4
belecimento de compromissos variáveis entre ,memória e esquecimento,pon - /
que7quer que se esqueça o que durou demais sem chegar a se realizar.69 Sem ,
*
DIREITO AO ESQUECIMENTO OU DEVER DE MEMóRIA?
dúvida, preocupado com aplicar o direito às particularidades das diversas si- J } ^
- tuaçoes, e com isso arbitrar, da melhor maneira,"eiitre essas leituras antagôni-
cas da instituição, o legislador procurou diversificar tanto as durações das V
*
/
Fora da prescrição, outras f ôrmas dp direito ao esquecimento se fazem
valer ainda em direito privado. Uma das formas mais conhecidas é o direito
prescrições extintivas quanto suas modalidades e principalmente as causas de - ao anonimato, quer se trate de sua aplicação mais antiga, “o parto incógnito”
f
suspensão que podem lhes retardar a execução. V -
(artigo 341 L do CóHigo civil: a mãe pode exigir dar à luz sem indicar seu
Na França, Bélgica, Alemanha -e no Luxemburgo, o prazo de direito co- nome, o que tem principalmente por efeito sustar as ações de investigação de
mum da prescrição extintiva, principalmente em direitcf da responsabilidade i maternidade), ou de seus aspectos mais modernos na procriação medicinal-
*
‘contratual, permanece fixada em trinta anos, assim como a prescrição aquisiti- r. mente assistida (artigo L 152 5 al. 3, do Código da Saúde P ública, que prevê,
- -
va; em outros países, em contrapartida, este prazo é mais curto: vinte anos
^
na / 1 o anonimato do casal doador e do casal receptor, em caso de doação de em
*
-
brião). Além da protéção da vida privada, tais disposições, que derivam da or-
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Dinamarca e na Holanda, quinze anos na/Espanha, dez anos na Itália. Mas, à {\
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margem desses prazos de direito comum múltiplicam-se os prazos extintivos dem pública, entendem perseguir um interesse geral: a luta contra o iníanticí - *
especiais, cada vez mais curtos, parecendo^ melhor adaptados à duração de vida " dio e facilitaçãò dá adoção, notadamente.71 s.
-
de determinados direitos: surgiram, assim, prescrições próprias aos comercian- J
, Instaurando um esquecimento dèfinitivo, o à nonímato do parto não
tes, aos construtores, aos médicos, ou prazos específicos para a responsabilida- poderá ser revelado através do simples consentimentoxda mãe. Sem dúvida,
de extra-contratual, ou ainda, à natureza desta ou daquela obrigação, como a $ ela poderá exprimir a vontade de reconhecer seu filho em seguida, mas este
obrigação de segurança, ou obrigação de conformidade na venda . v
pedido só será acolhido se a criança ainda não se tornou objeto de uma ado-
Notaremos, por outro lado, que se estes prazos de prescrição se confor- •
ção plena ou ainda não foi destinada a esta adoção.72 Reconheçamos, contu-
mam com diversas causas *de suspensão (por exemplo, o reconhecimento da . j \
do, que, nesta matéria, a arbitragem entre direito ao esquecimento e direito à i
^ va aos direitos da criança é, ademais, discutível: este artigo reza, de fato, que
-r )
V
então que nas mãos do legislador a fixação desses diversos prazos constitui um 70 Sobre os diferentes fatores de alongamento ou de encurtamento dos prazos, cf. HE -
dnstrumento eficaz de regular a duração jurídica, entendida aqui como o esta- ^ .
BRAUD, P. Observations sur la notion de temps dans lé droit civil In: Êtudes offer- : *
tes àPierre Kayser. Aix-Marseille: Presses de f univers(té dAix-Marseillé, 1979. £ II,
V
i p. 13-14. * *
. / x
J59 Sobre este discurso, conf. principalmente BRUSCHI, M , Essai d’une typologie de$
prescriptions en droit privé. In: Le tê mps et le droit Sous la direction de P.-A. Côté
71 Cf. LETTERON, R. Le droit à FoublLRevue de droitpublic> p. 4Ó2, 1996-2. . - * — *
D 72 DUCLOS, P. Les Enfants de Voublu Du temps des orphelins à celtii des DDAS. Paris: *
et J. Frémont. Cowansville (Québec): Yvon Blais, 1996. p. 293-294. ' Seuil, 1989.
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Capítuío.2 Perdão. Desligar o passado.
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, a criança terfi o direito de conhecer Seus pais e ser educada por eles, na me-
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rêito a respeito da vida privada. Úma.vez que, personagem públicá ou não, fo-
dida do possível73
Pode ocorrer também .que, dizia-se ontem, em vista de preservar a paz
mos lançados diante da cena e colocados sob os projetores da atualidade
muitas vezes é preciso dizer, uma atualidade penal temos o direito, depois
,
—
s e a honra das famílias, ou ainda, diríamos hoje, de preservar as ficções impos- j de determinado tempo, a sermos •deixados em paz e a recair no esquecimento
tas pqlo direito , o legislador interdite o estabelecimento ou a contestação da fi- e no anonimato, do qual jamais queríamos ter saído. Em uma decisão de 20
lia ção a qualquer momento ou no fim de um prazo de prescrição mais curto .
de abril de 1983, Mme. M Filipachi Cogedipresse, o Tribunal de última instâ n-
.
que'o prazo de direito comtim de trihta anos 74 Mas, aqui também são difíceis cia de Paris consagrou este direito em termos muito clarosr“[,..] qualquer pes-
as arbitragens entre memória e esquecimento, ordem p ública e interesses in- » . soa que se tenha envolvido em acontecimentòvs públicos pode, com o passar
<
dividuais. Notaremos a esse respeito a" solução particularmente imaginativa \ do tempo, reivindicar o direito ao'esquecimento; a lembrança destes aconte-
j .
prevista pelo artigo 34.0-4, al 3, do Código civil: se a ação de investigação de cimentos e do papel -que ela possa ter desempenhado é ilegítima se nã o for 4
v paternidade naturál não foi intentada quando da menoridade da criança, no .J fundada nas necessidades da história ou sefor de natureza a ferir sua sensibi-
decorrer de um primeiro prazo de dois anos, que corre a contar do seu nasci- ’]
*
* >
lidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todòs, inclusive
mento, um novo prazo de dois anos se abre, a contar de sua maioridade Cio- - x . aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados
so de fançaro véu do esquècimento sobre algumas verdades, o. direito oferece, que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela”*75
aqui, através deste prazo de prescrição em dupla abertura, uma Segunda chan- j Tudo isso nos convence, sem dúvida, da utilidade do* esquecimento;
ce à memória dds fatos. Marca, entre muitas outras, que em direito, como no ? mas, quando úecessário, o esquecimentové também perigpso: como a noite, à
inconsciente, nàda nqnca é totalmente esquecido; ainda é preciso que o retor , - qual nós o comparávamos há pouco, ele é simultaneamente calmante e amea-
no do recalcado se opere em condições aceitáveis, a que se dedica ó legislador, çador; Carbonnier lembra, a esse respeito, que se a noite acarreta a paúsa do
harmonizando condições e prazos '
. direito e o sono do justo, abriga ígualmente as manobras dos ladrões e dos
Em oútras hipóteses, ainda, o direito ao esquecimento, consagrado pela conspiradores, todos aqueles para quem o não-direito poderia perfeitamente
jurisprudência, surge mais claramente como uma das m últiplas facetas do di- .A
'
significar o contradireito.76 Lembraremos também que os primeiros magistra-
* dos eram vigilantes, como se fosse preciso que alguns, pelo menos, mantives-
sem acesa a chama da lei no decurso das horas escuras da noite.
,
73 LETTEÇON, R. Le droit à Foublí. Revue de droit public p. 403, 1996 2 Àtualmen ' -. - K
Ao lado das diversas formas de esquecimento-pacificação; aprendere-
te “o parto incógnito” é apresentadp como um dom feito por íima mulher anôni- H
‘ ma a um casal que deseje adotar uma criança; o direito aó esquecimento fundar- mos, então, a discernir as figuras do esquecimento-falsário e do esquecimen-
-
se ia, então, num princípio oppsto: “mater sempter certa est” (“a criança tem por -
to recalque. Esquecimentos-falsá rios: mil e uma formas de mentiras piedosas
mãe a pessoa que assim é designada no ato do nascimento”) . da história oficial para legitimar um regime ou reforçar umaideologia, traba-
. -
* -
74 Pode-se citar principalmenfe: art 311 319 e 311 320 do Código civil (impossibilida-
de de estabelecer ou de contéstar a filiação em caso de procriação assistida medica
.
mente); art. 352, al 1 do Código civil (a colocação em vista cia adoção põe emxeque j
-
tória do Japão, baseada no.dogma fundador segundo o qual o imperador não
—
lhando à vontade com a simples verdade dos fatos basta evocar o caso da his-
. .
• qualquer tipo de reconhecimento); art 340-344, al 1 do Código civil (a ação em bus -. conheceu nem a abdicação forçada, nem a substituição desde a criação do país
ca da paternidade natural prescreve em 2 anos a contar do fiascimento da criança) \ f *
‘
- .
75 TGI Paris, 20 de abril de 1983, em /CP, 1983, II 20434, obs , Lindon; cf igualmente .
‘ cimento de filho natural); art 334 10 do Código civil (se èxístir um impedimento
para o casamento em caso de incesto absoluto ao passo que a filiação já está estabe -. Bruxelas, 21 de dezembro de 1995, /T, 1996, p. 48;“les impératifs de Tactualité ne
paraissent plus justifier aujourd’hui la reproduction des tçaits de mêmes personnes” .
lecida em relação a um dos dois pais); sobre èsta questão, cf. PETIT, R La mémoire
. . . -
en droit prívé Revue de la recherche juridique Droit prospectifi p 15 16; 1997 1 -. .
76 CARBONNIER, J Nocturne In: . . .
.. Flexible Droit 8. ed. Paris: LGDJ, 1995 p. 53. \
v.1 l
^ *
160 161
sCapit\ito 2 > I
y
p
quecimentos e “contraverdades” Esquecimentos-recalqué: através dos quais „ ' i dão, ao contrário, há abastança, sublirtf ídadee mesmo gra ça. Um" está abaixo
^
se visam esses fenómenos de amnésia coletiva, que dizem respeito aos vence .
dòres em fela ção à sorte que suas conquistas, guerras, cruzadas e outros dji
-
-
das virtualidades do direito, o outro acima. Um opera na face tenebrosa dp di-
reito, lá onde atuam o cálculo político e o interesse individual; o outro irradia
k
haãs impuseram aos vencidos, vítimas anôniirias enviadas,para asmasmorras « sobre sua face luminosa, assim qúe o ilumina a inspiração ética. Gratuito, ofe-
da história;.esquecimento dos massacres, genocídios, crimes contra a huma- . recido sem contrapartida, o perdão remete ao heroísmo da consciência moral,
^ ••
t
nidade, que acarreta hoje o. sobressalto da imprescritibilidade ; esquecimento '7 até mesmo no ^registro. religioso^ à abastança de uma graça que opõe o amor
ao ódio.81 A esse respeito, pode-se dizer que “o perdão derivou do domínio ex-
* »
dos direitos do hòmem, de que já falava o Preâmbulo da Declaração de 1789, ;j
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*
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óu Vichy,79 por exemplo de” do perd ão.83
t > 1
mòs iíão mais ver surgir: Munique 78
* *
* h
Contra todas estas formas de esquecimento fazem-se valer os direitos
*
«
da memória e, por vezes, a necessidade da instituição da recordação..Face às xal do ato de perdoar - um gesto que, frustrando a lei estabelecida ( que equi-
* •
*
\
regressões da noite e aos desvios do nao-direito, saudaremos, então, como
. Carbonnier, o retorno do dia: “cada manhã, o dia-sai da noite, sugerindo aos *
homens, pelo seu próprio retorno, as primeiras idéias jurídicas, a ordem uni- i
^ libra o dano e. seu preço, a falta e a pena), torna visível uma outra lei, restitui
sem motivo e dá sem calcular: pensemos em Antígona, “santamente crimino-
sa”84 pois ela perdoa Polinice, ò traidor, ou ainda em Jesus, que os fariseus que- *
. . .
f m I
. . .
•*
*p .
61, 1989.
.
,
.
-
78 TERRAY, E Munich Un anniversaire otiblié. In: Politiques de Voubli Legenrè hu
•
-
. - 1
83 A colocação é de JANKÉLÉVITCHX V Le Pardon Paris: Aubier Montaigne,"1967
. . .
84 Ibid , p 88
-
i
.
main Paris: Complexe, 1988 p 65 et seq " .. . - 1 * 85 Evangelho segundo São João, cap 8
.
.. \
.
79 LORAUX , N Pour quel consensus? In: Politiques de Voubli Legenre humain Paris: . . .
86 ABEL, O, Tables de Pardon In: JANKÉLÉVITCH, V Le Pardon Paris: Àubier Mon . - -
' Complexe, 1988. p. 15
r
. * / taigne, 1967. p. 229: O autor evoca as reformas de Clístenes em Atenas e o ano,do
jubileu entre os Hebreus.
v
.
/
s
80 CARBONNIER, J Noctume. In: . .< Ftexible Droif 8. ed Paris: LGDJ, 1995 p 54 . . . . 1
/
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162 163
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Capítulo 2
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* Perdã o. Desligar o passado
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* doar), nem à escusa intelectual (explicada por esta ou aquela circunstância, o futuro à memória” 91 A natureza dialética do perdão surge, assim> em plena luz,
erro não precisa ser perdoado), nem ao recalque (que é a cruz apressadamen t - já que no cômputo total remete à memória (a falta não é esquecida, mas reco -
te traçada sobre um passado doloroso, cujas angústias. queremos conjurar), r *
nhecida e assumida), e, como aval, desemboca na promessa (a aposta confiam-
nem, sobretudo, ao esquecimento que, acarreta a simples usura do tempo.07 Ao
>
* te num oútro cenário de futuro). 4
*
to de memória quanto de remissão: ,o apagamento deliberado de uma ofensa ' . *
bastante real. O ofendido deixa o ófensor quite 'de uma falta;,cuja realidade é 0 PERDÃO, CATEGORIA JURÍDICA?
.
reconhecida pelos dois protagonistas A falta tolerada traduz a complacência
Tudo isso, pensaremos, distancia direito. Ê
da indulgência, a falta esquecida revela a atonia da consciência moral e a de *1 - . -nos consideravelmente do *
verdade que, por muitos traços, o perdão se afasta da lógica jurídica: ato pes-
*
missão do direito, ao passo que a falta perdoada inaugura uma nova historia .
^
/
- uma história que rompe o eterno' retorno da pulsão dê morte que está nav soal ( concedido pelo ofendido ao ofensor que o solicita), o perdão não é uma
X
base do ciclo crime-vingança*88 medida coletiva e pública; não sendo jamais devido, não pode ser imposto por
»
Respondendo ao contra-senso do mal por um acréscimo de sentido, o ,,
,
-
*
lei alguma; gratuito e gracioso, ele excede à lei da equivalência, mais ffeqtien -
t
perdão aposta na liberdade dos interlocutores: o ofendido, que através de seu • temente associada ao reino da justiça:Mas, se ele não pertence à ordem jurí-
gesto imprevisto89 e gratuito renuncia a reclamar o que lhe é devido, e o ofen- dica, não é proibido pensar que o perdão possa constituir-se em um horizon-
te regulador: uma idéia limite que inspira algumas de suas instituições, uma
-
sor, que afàstando se da lógica do pior, solicita o perdão90 e se comprojnete a ,
-
s.
obsessivo e se tòrnàm disponíveis para um futuro novamente promissor: “O
perdão é uma espécie de cura da memória”, escreve Rícoeur: “liberado do peso 1
da dívida, a memória é libertada para grándes projetos. O perdão oferece um "*
^ à
mento, guiados por cálculospolíticos e cuidados de intendência ( não seria se-
não a consciência da erosão das provas devido ao tempo que passa); ele seria
*
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* > \
*
redutor por isso, de não creditar o direito de aspirar a uma concepção mais
exigente da justiça, cuja idéia de perdão é, sem dúvida,- um dos modelos.
O
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87 Eyoçando estes diferentes substitutos do perdão, resumimos toda substância da Que seja, concederemos talvez; mas, pretisamente, á interven ção da
.
obra já citada de V Jankéléyitch . *
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n
dos efeitos, dos castigos e dos crimes, ele suspende p tempo dos atòs. Um espaço l
que as duas figuras não são contraditórias, longe disso. Pois desde que o cas-
--
*
4
-
estranho,abre se nesta intémporalidade que não é aquele do inconsciente selva tigo é justo, nele sedntegrã necessariamente uma dose.de perdão. Se partir -
gem, desejante e assassino, mas sua contrapartida: sua sublimação com conheci 1
mento de causa, tuna harmonia amorosa que não ignòra suas violências mas na
,
mos, de fato, da idéia de que, de uma certa forma, o dano é sempre irrepará -
\
* verdade
*
as âcolhe.”
*
1.
vel e a dívida inextinguível, concordaremos que o castigo judicial é principal- r -
*
89 H. ARENDT mostra bem que <fnunça se pode prever o ato de perdoar. É a única
* 4
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reação que não se limita a reagir”, Conâition de Vhomme moderne* Traduit par G!
^ Pradier. Paris:Calmann-Lévy, 1988. p. 307 . * . ,
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.
91 RICOEU.R, P Sanction, réhabilitâtion, pardon. In: Le Juste Paris: Éditions Esprit,
.
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\ 1995 p 207
90 * Não pode haver perdão a não ser que, inicialmente, o ofensor solicite o perdoo. “Al-
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Capitulo 2
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Perdão Desligar o passado.
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Da justiça penal ao perdão há, entretanto, uma distâ ncia que seria inú- para que se engate a lógica do perdão, que p réu se reconheça ele mesmo cul -
til minimizar; só ao preço de vá rias mediações é que sua relação pode ser pen- \
sada. No caso em que ela tem sucesso, é a instituição do processo que garante
^ pado: ao assumir sua falta è pedindo perdão, ele se coloca em situação de obtê-
lo. Em seguida, é preciso que a sociedade (e, por detrás desta ção, a opi- abstra
:
a articulação; por seu intermédio são introduzidas sucessivamente as idéias de ‘ nião pública que lhe intenta este processo, reconheça-o como um ser racio-
),
o de terceiro no litígio, de reconhecimento recíproco do queixoso e 'y nal e morài; e não como um monstro inffa-humano Paradoxalmente, como .
^ intervençã
'
-
já’o notara Hegel, a sanção honra o culpado: inflingindo a, a sociedade decla-
4 *
É de íé lembrar que, ao contr ário da vingançâ privada, que opõe sém $ ra que ele é responsável por seus atos, e, portanto, capaz de outra coisa Qual- . - »
distância a vítima é o culpado, o processo tenta estabelecer ú justa dis.tâ ncia , s quer que seja a gravidade de seu delito, ele não se reduz a isso," e deste pònto
entre delito e sanção. O processo é, antes de tudo um recuo, uma separação, -V de vista a sanção surge cómo o primeiro passo em direção de um outro futu-
, - . . . . .
uma mediatidade. Por essa tomada de distância, socialmente instituída, o pro- v , ro, além da simples repetição de um passado culpável.
cesso realiza a intervenção do terceiro árbitro numa querela quq será, daqui . Dadd éia de reconhecimento, passa-se, assim, à terceira mediação que
para frente, triangulada, e então, assim verbalizada, referente a uma lei afetan- ^ nos aproxima, desta vez de maneira dècisiva, do perdão: a reabilitação do con-
do as partes. O juiz é separado das partes, assim covmo o poder judiciário está ,
4 '
,
*
.
denado O final do percurso penal (instrução dos autos, processos, pronuncia-
'
destaca da sociedade civil. E o direito qúe o juiz di não é seu verto próprio, quer dizer apágar as incapacidades, restaurar a capacidade humana funda-
mas a palavra da lei que, no Estado de direito, fixa simultaneamente o mapa e
^ a escala dos delitos e das penas: cadaum, em princípio, pode conhecer de an-
^ ,
\
^
1
mental dó cidadão portador de dirçitos e obrigações. Reabilitar quer dizer re-
duzir progressivamente a exclusão social do condenado, a distância à qual era >
temão a lista das infrações e das san ções, assim "como sua gravidade relativa. < mantido, e da qual a detenção carcerária continua sendo o arquétipo, facilitar,
Enfim, a sentençasó é pronunciada no final de um debate público e contradi- J .
enfim, sua reinsêrção no seio da sociedade Esta reabilitação que intervém de- x*
, Está característica do processo é essencial, pois ela introduz a segunda N reabilitação opera ao revés, em todos os estágios do proceséo e da execução da
mediação entre justiça e perdão: o fato de que a instância opera um trabalho '
j .
pena Longe de, constituir sua etapa final, ele informa virtualmente todos os
- progressivo de reconhecimento recípropo dos protagonistas A vítima, logo de
início, é reconhecida em seu estatuto dç vítima, o que constitui, frequente
.
-
1 seus desenvolvimentos, mesmo se a maneira fenomenòlógica do processo, que
estamos vendo, represente a descrição abstrata de um “ideal tipo” de justiça,
mente, mais ainda que sua reparação, sua reivindicação principal; apenas este , cuja realidade, repetimos, é sempre mesclada de considerações menos nobres . \
*
reconhecimento público da injustiça que a atinge irá lhe permitir recuperar \
5
4
« 4* *
A PRESCRIÇÃO , ou o ESQUECIMENTO"PROGRAMADO
.
4 f
4
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93 ARENDT, Hf Cotidition de Vhomtne modeme Traduit par G Fradier. Paris: Cal - » *
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Capítulo 2
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Perdã o Desligar o poisado
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4 V
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de fato, o direito penal oferece uma gama muito .diversificada de exemplos; i Reconheçamos,.entretanto, que nas mãos do legislador as leis de pres-
“entre a referência ao imprescritível que se recusa à nada esquecer e o uso da
* crição penal representam um instrumento particularmente flexível de dosa-
anistia que tende a tudo esquecer”, multiplicam-se, de fato, as formas do per-
^ gem entre memóriá e esquecimento, sanção e perdão, já que é permitido pro-
,
dão, Algumas intervêm antes quq os fatos sejam cometidos e outras depois; al- •
gumas são individuais, outras coletivas; algumas procedem da lei, outras re- ^
- longar ou reduzir o prazo de prescrição, modificar seu ponto de partida ou,
ainda, administrar um domínio para o imprescritível. Logo, de fato, o legisla-
sqltam de uma medida administrativa ou de uma decisão judicial. dor não hesitará em prolongar o prazo m áximo dos processos, correndo, pois,
Antes mesmo que esta ou aquela inffaçao seja cometida, podem ser em socorro do direito, à memória: assim, esta lei de 4 de novembro de 1991,
adotadas leis instaurando uma prescrição. Fica, então, entendido que, devido . votada na Hungria depois da queda dò regime comunista visava prolongar o
, ao decursb de um certo tempo, a sociedade não tem mais interesse em perse- • prazo de prescrição de trinta anos para determinadas infrações copietidas en -
*
guir a infração (fala-sé de extinção da ação pública) ou em exigir a execução y tre 1944 e 1990. Essa lei, controvertida devido ao £eu caráter retroativo, que-
ria, de fato,permitir o processo dos responsáveis, ainda vivos, da sangrenta re-
< 4
da pena que teria sido pronunciada, mas ainda não executada. É que o tempo A
ter á cófroído as provas e embotado as lembranças e que, de qualquer modo, 4 v pressão de 1956.96 Em outras circunstâncias, o legislador se dedicará a retardar
o escândalo social causado pela infração terá se extinguido nesse intervalo de .3 -
o ponto cie p rtida da prescrição da ação pública: é o caso notadamente de vá-
^
V
tempo. Não é porque o silêncio se impôs sobre o fato, que a falta tenha ocor / 3 - rios países em que, sob á pressão da opinião pública, a lei só permite a pres-
rido (como em certos casos de anistia); pura e simplesmente, como em maté- * crição para os fatos dç mau prato ou de abuso sexual cometidos contra as
ria de prescrição civil, o díreito toma nota do escoamentp do tempo e da usu- ' A crianças, a partir do dia em que a vítima tiver atingido a maioridade Ressal- .
^
ra da memória, tanto das testemunhas quanto da indignação pública: depois . ta-se, também, a imoralidade da prescrição clássica que se escoou há muito
r «
'
de um certo prazo, a pessoa visada poderá invocar em seu benefício o direito , ' í * tempo, depois que a vítima tiver encontrado, por fim, os recursos morais e a
*
ao esquecimento. Notemos, entretanto, que este tempo varia segundo se trate vj força necessária para prestar queixa contra um sedutor, sob cuja dependência
-
da prescrição da pena ou dosprocessos. Segundo o artigo 133 2 do novo Gó- 1 poderá ter vivido longos anos 97 .
digo penal, a perseguição de um crime prescreve em 10 anos, e a pena pronun- J Enfim, nos casos de crimes mais graves, em relação aos quais não se ad-
ciada, em vinte anos: o prazo mais.curto da prescrição dos processos s$ expli- mite mais que o tempo lhe apague a lembrança,,impõe-se a instituição da im -
ca porque, nesta hipótese, as provas não foram djscutidas diante do juiz, e, en-
k
prescritibilidadé. Forjando O conceito “crime contra a humanidade”, os juris-
tão, correm o risco de se enfraquecerem. r tas ligados ao processo de Nuremberg obtiveram o efeito de recuar virtual-
" *
*
As leis penais, instaurando mecanismos'de prescrição, não suscitam as » mente ao infinito os limites do esquecimento (prescrição) e do perdão (anis-
mesmas controvérsias que. aquelas relativas à anistia; e isto em razão de sua ]
-
tia), O mecanismo inscrito, desde então, no direito consuetudiná rio interna -
automaticidade (elas legislam de maneira geral e abstrata em relação a* qual I cional foi retomado na lei francesa de 26 de novembro de 1964 ( que “consta -
quer pessoa e qualquer tipo de infração), ê do momento em que elas intervêm ' ta” a imprescritibílidade desses crimes) e, em seguida, traduzido numa Con-
(elas são editadas antes que a infração seja cometida e permanecem em vigor . venção da ONU em 1968, e do Conselho Europeu de 1974, que o estendem
de modo permanente? escritas in tempore non suspecto, elas escapam à acusa- v
n ção de parcialidade dirigida às leis de ocasião)
' . - 96 Cf. HUYSE, L. Justice after transitión: on the choices successor elites make in deà
.
ling with the past. Laty and Social Inquiry, v. 20, n. í, p 69, 1995.
-
,
. . .
95 BOURGET, C Entre amnisti&et imprescriptible In: LeParãon, p. 49; cf igualmen
. .
-
-
te GROSSER, A Du bon usage de la mémoire Juger soas Vichy, reyue í e Genre hu
97 Para uma discussão crítica desta solução conf. XX: Time out of mínd: memory, se -.
xual ahuse and the statute of limitations. In: Time; Law, and , Society. Edited by J
v
. -
main,p 1.11 et secj , éte autorrçne 1994
. . Bjarup et M. Blegvad. Stuttgart: Steiner, 1995 .
*
/
168 169 .
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Capítula 2
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Perdão Desligar o passado.
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cessos” ele poderá considerar que, de fato, pelo menos do ponto de vista da u neradora* ao “remontar o tempo” aquém da infração, o desempenho jurídico
faz “como Se” o delinquente fosse capaz de um outro futuro, além daquele de
s sociedade, haveria mais mal do què bem em iniciar os processos. Aqui, esta ,1 - .
reincidente A contrario; mede-se quanto as penas ditas “irredutíveis”, e prin-
-
s
*
mos aquém mesmo do esquecimento, como se preferíssemos não saber óu
.
, não saber demais A vítima pode, contudo, obrigar o ministério p úblico a agir,
apresentando queixa com assistência de parte civil: nesse caso, o ofendido que
*
*
aquele tribunal inglês que, para poupar a um culpado os rigores da lei .(a peria j
de morte para “grand larceny” ou rouber de um valor de pelo menos duas 11- A ANISTIA, OU O PERDÃO CONTROVERTIDO '
' bras)* considerou que um roubo de dez libras resume-se, de fato, a um roubo - i
.
X
Mas as figuras do perdão social não param por aqui Ainda não encon -
- < « r
<*
98 DELMAS-MARTY, M. Pour un âtoit cotnmun. Paris: Seuil, 1994. p. 79 et seq.
»
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tramos a mais importante e a mais controvertida entre elas: o mecanismo das
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* Perd ão. Desligar o passado . s V
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leis de anistia. Considerada como uma medida de éxceçãoque inspira o silên- ) ção, sustentar, por exemplo/ que tal pessoa, que agora pretende exercer um
í
mandato político, foi um torturador em outros tempos. O direito à memória
*
cio à lei penal, a anistia é uma práticá freqiiente de m últiplas faces^ Encontr
mos, de fato, formas de anistia menores (anistia das penas) e formas maiores
$
^- não é diretamente atingido neste caso? E a verdade histórica? Se daqui para
frente o antigo criminoso, reabilitado em todos os seus direitos e*títulos, des-
*
(anistia dos, fatos); ora ela intervém nas circunstâncias políticas específicas %
como uma medida puramente circunstancial, ora, ao contrário, será o caso de A fila com suas condecorações, não se pode pensar que o passado foi manipula-
• anistias periódicas e tradicionais pronunciadas por ocasião de aniversários, * do e/que a injustiça, aò invés de se atenuar, se agrava?
fptas nacionais ou eleiçõ es presidenciais. f .
B afirmar que a instituição é controversa Enquanto concordamos, em
Contrariamente à prescrição, que procede de uma lei geral e perma . ] -. geral, em sustentar que “a anistia tende a se identificar ao perdão e a prescri-
ção ao èsquecimento”, alguns, ao contrário, vêem nisso a “antítese” do. per-
102
. / nente, ádotada antes que os delitos sejam cometidos, o mecahismo/ da anistia
4 " procede de leis ou de decisões casuais que intervêm após a infração. Estas di 4
,
á j
- - .
dão, uma forma de “amnésia institucional” 103 De resto, da amnésia à anistia, o
^
ferenças fazem com que, de um lado, a idéia. de perdão seja mais clargmente j parentesco etimológico se impõe, remeténdo a uma falta de memória 104 Nes- .
associada à anistia, pois agora há algo a ser perdoado, ma$, por outro.lado, o ta prática, Ricoeur vê a tentativa “mágica e desesperada” de apagar o inapagá-
caráter circunstancial e a posteriori da medida (que intervem / poderiamos, di- i") vel (a mancha de sangue na mao de Lady Macbeth ) que no Estado republi- ...
zer, em tempore suspectu ) acarreta-lhe frequentemente a suspeita de parciali - cano responde hoje à va tentativa de conjurar o fraco de toda divisã o social -
dade: o que se escondei sob repentina vontade de “passar a borracha”? \ como se o Estado racional devesse necessariamente se produzir como univer-
Das anistias periódicas diremos que se trata, principalmente, de/um l .
sal e se preservar de qualquer discórdia O preço a pagar para garantir esta “in-
•
-
/
medida de clemência, o governo assinala as prioridades da política penal que para .melhor anistiar os antigos opressores.*06 \ V
J-
pretende seguir dali pà ra frente,10* ”
memória. Daí em diante não se pode, mais, sqm se tornar acusado de difama ' i - i
104 LETTERON, R. Le droit à 1’oubli. Revue de droitpublic, p. 394, 1996-2. »
* X
105 RICOEUR, op. cit., p. 205-206.’ 'X
.
Revue d è droitpublic, p. 398,f 1996-2. t
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Perdã o Desligar o passado
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ram todas as grandes leis de anistia votadas pela República, desde a dos parti- £ certo que a questão do retorno à democracia e da punição dos culpados não
N 4
cipantes da Comuna de Paris até a das rebeliões insurrecionais da Nova Cale- ^ f se apresentou nos mesmos termos jia Europa Ocidental depois da Segunda
1
dônia. Em 1876, Victor Hugo justifica para o Senado seu projeto de anistia / Guerra Mundial, e na Europa Oriental, depois da queda da cortina de ferro.111
pelo perdão: “Senhores, a guerra civil é uma espécie de delito universal. Quem l De fato, múltiplos caminhos se abrem visando tentar o; reatamento do liame .
r começou? Todo mundo e ninguém. Daí, essa necessidade: a anistia. Palavra - * ^ sotial: ou^os processos criminais em massa (como foi a opção feita na Euro -
*
profunda, que constata simultaneamente o fracasso de todos, a magnanimida- , * pa em 1944- 1945) , òu a anistia mais óu menòs geral (solução privilegiada na
J
de de todos [..*]. A anistia é a suprema extinção das cóleras; ela é o fim das À Europa Leste^e no final das ditaduras militares da América Latina), ou, ain -
guerras civis. Por quê? Porque ela contém uma espécie de perdão recíproco ’.108 5 da, as soluções bastante originais da anistia sem amnésia de que falaremos em
A
/ •*
memória de todas as coisas passadas desde marçotde 1585, assim como todas / "
nada sobre a história? Não recomecem as velhas receitas. Senão, nunca serão
processos diante de qualquer Tribunal ou jurisdição. Do mesmo modo, proi- 3 capazes de começar algo de novo”.112 J. Semprun sustentou propostas similares
bimos a nossos súditos lhe renovar a memória, atacar, injuriar e provocar um à _ na Espanha pós-ff anquista, assim como, o presidente argentino Alfonsin de-
, ao outro, a propósito do que passou, mas que se contenham e vivam juntos v |j
I %,
pois da queda do regime militar.
como irmãos, amigos e concidadãos55,110 /
Atua, igualmente, a favor da anistia, o risco frequentemente evocado de '
Portanto, esquecimento forçado ou perdão deliberado, conspiração do 5 uma justiça rápida: na emoção que acompanha os grandes traumatismos po-
silêncio ou gesto de reconciliação nacional, que será, então, ã anistia? Tudo, * lí ticos, será que a independência dos magistrados está’garantida? E as condi-
x parece , é questão de circunstâncias: ligada~a conjunturas .políticas sempre í ções habituais de exercício da repressão (com seus prazos, sua publicidade, seu
s X
particulares, cada lei.de anistia é um texto excepcional (ao qual, de resto, os ! respeito ao contraditório) estarão reunidas? Acentuamos igualmente as mani - ;
jurístàs reservaip uma interpretação restritiva) e efémero, que só se pode ava- pulações temporais que se seguem, quase que necessariamente, aos processos/
1
108 HUGO, V. JO, T)é bats, Sénat, p. 3.533 3.534, 23 maio 1876. '
- 1ll Cf. HUYSE, L. Justice.after transition: on the choices successor elites make in dea-
«
- - , 109 Discurso proferido em Lille em 4 de novembro de 1988. .
ling with the past. Law and Sôtial Inquíry, v. 20, n 1* p. 66 et seq., 1995.
110 Cf. GROSSER, A. Le Crime et la mé tnoire. Paris: Flammarion, 1989. p. 137. .
112 Ibid , p. 57. í
* H r \
\
174 175
í t . \ •
*> *
.
mos Dito de outro modo: tanto os fatos quanfo os textos recebem uma inter-
que nos preservaremos, exatamente, de confundir com um. compromisso fá - pretação evolutiva, enquanto, por natureza, a decisão de justiça que os fixa
#
-
cil que foi aberto pelos países que souberam praticar “a anistia sem amné - .
sia”. Pensamos principalmente na instauração da Truth Commi&ion, no Chile- '1
* possui um efeito retroativo Dizendo no presente o direito do passado", o juiz
-
0 reorganiza necessariamente. O - problema da retroatividade do julgamento é
em 1990, e em EI Salvador em 1991, assim como a Comissão Verdade e Recon ) - então apresentado .
cíliaçãó instaíirada na África do Sul, quando da abolição do regime de apar r -
theid: nesSes ca$os, procura-se estabelecer òs fatos e os atos que ocorreram no 1 Fala-se muito da retroatividade da lei, que se tem, com toda razão, sob
suspeita. Vigiamos igualmente a administração, da qual, em princípio, não se
curso do período precedente, não para punir os culpados, mas para dar à ver j - loléra que faça retroagir seus regulamentos. Mas a retroatividade da decisão
dade seus direitos.113 Assim, ninguém ignora o que aconteceu e quem aí tomou
"
1 •
dadeiramente resolvidas na lei, são deixadas, em definitivo, para sua aprecia -
J
ção; suas competências não cessaram de se ampliar, ao mesmo tempo em que
é porque um gesto fort de memória foi colocado pelo perdão, e então, a libe ] -
^
ra ção dos espíritos pode intervir sem medo de retorno permanente do que foi
se multiplicavam os recursos àe toda ordem, e, enfim, é claro', as jurisdições
estão daqui para frente habilitadas a anular ou passar certificado de invalida-
recalcado. Longe de fugir aprova do espetáculb da divisão sçcial, a sociedade, . \
de não somente a normas administrativas, mas igualmente a textos promul-
colocando-a em cena sob a forma de uma exposição p ública, pode, enfim,. ' gados por assembléias parlamentares .
/ operar -lhé a catarse.. Impossível ainda calar a retroatividàde das decisões de justiça. Mas o tema
%
•*
é mal conhecido:em que a decisão judicial é retroativa? Esta retroatividade é uma
113 HUYSE, L. Justice after transition; on the choices successor. elites make ín dealing
‘
{* . anomalia, seja das leis e dos regulamentos? Seria um mal qué é preciso remediar?
with the p st. Law and Social Inquiry / v. 20, n. 1, p. 52- 53, 1995. Cf. ígualménte
•
^ Será que ela se agravou com a ampliação do contencioso objetivo que pode levar
i
n
1997\ -4. f
^
BULLIER, A.-J. La Commíssion “Vérite et r çonciliation” dAfrique du Sud> am-
ésie ou amnistie? Revue de droit international et le droit comparé , p. 454 et seq.,
a dispensar a aplicação de uma norma em vigor, até mesmo, anulá-la? São estas
- ^
diversas questões que nos propomos a tratar, fixando-nos ém mostrar este erá
.
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176 177
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Capítulo 2
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Perdão. Desligar o passado . «
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nosso fio condutor neste labirinto como o direito se esforça com sucessos va - [ l í tica jurídica obrigam às vezes .a optar pela retroatividade; compreende-se 115
riáveis para conciliar os dois imperativos opostos à segurança jurídica, que tende A I que esta solução deve permanecer excepcionaL
• a estabilizar o passado e o ^respeito da legalidade, até mesmo do progresso neces - I
I
O qde acontece, em contrapartida, com a decisão jurisdicional? En- *
sário do direito, em nome dos quais ele se dedica frequentemente, a reorganizar v [ quanto a lei só dispõe para o futuro, o julgamento, por sua vez, só preceitua em
relação ao passado.116 Ao juiz se requer que pronuncie sobre se tal fato, tal ato, que
»
este passado que, contudo, se acreditava estabelecido. [
I desenrolaram num determinado momento dp passado, estavam ou não cõnfor-
%
n < ,' [ que fez aquilo, é agora obrigadera”.117 Neste sentido todo julgamento é declarati-
, *
Comecemos, pois, por distinguir lei e julgamento. Percebe-se bem, * I vo; mesmo as decisões qualificadas como “constitutivas” (como uma decisão de
• numa primeira aproximação, que estas duas fontes do direito não se insere * à - | divórcio, por exemplo, que modifica para o futuro a situaçãoJurídica das partes),
h
vem da mesma maneira no tempo; sua eventual retroatividade não saberia, ' I são declarativas na medida èm que estabelecem a realidade de fatos passados
em conseqúêcia, apresentar os mesmos caracteres. “A lei dispõe apenas para o I ( uma separação de mais de cinco anos, por exemplo, ou um adultério, que cons-
futuro, afirma o àrtigo 2o do Código civil, não tendo, de nenhum modo, efei í - I lituem motivos para pronunciar o divórcio). Pelos fatos que visa, o julgamento é
„ to retroativo”. Mesmo que o princípio de não retroatividade da lei não seja um > I necessariamente voltado para o pasmado e> então, nesse sentido, declarativo. É
princípio constitucional (salvo em matéria penal), e que -o legislador lhe atri ' - I apenas no plano de seus efeitos qiíe os julgamentos podem divergir. Ora ( mais
bua, então, desmentidos, não há dúvijia de que esta solução responde não so , - i fréqtientemente) o julgamento declara que tal efeito de direito deveria produzir . -
- mente a utfia exigência legítima de segurança jurídica, mas também à estrutu
ra lógica da regra legislativa.
t - [ sc, e apesar de uma taf conformidade, èle repõe as coisas no estado jurídico dese- *
/
/
r .
comportamento passado Um julgamento deste tipo é chamado “declarativo”;
* , de visar), religada por uma relàção de imputação a hm dispõsitivo ( o‘ efeito de , r seus efeitos são claramente retroativos. Ora a decisão se limita, como uma con-
h I v
‘ v
direito que çla liga à hipótese); sua estrutura corresponde ao modelo “se... en- . I denàção penal, por exemplo, a extrair para o futuro novas consequências de um
tão* ( “então, tal efeito de direito deve se produzir ”). Dito de outro modo, a re - /
t comportamento passado. Um julgamento destes é denominado “constitutivo”;
(
gra é abstrata e hipotética; ela visa um n ú mero indeterminado de fatos e de I seus efeitos nãosão retroativos, mas retrospectivos 118 Por onde se vê que. a retroa- . *
atos aos quais tem vocação para se aplicar um nú mero indefinido de vezes. A ‘V n lividade do julgamento, longe de ser uma anomalia, como no caso da lei, é, ao
lógica quer, por isso, para respeitar o caráter hipotético da. regra, que só a ãpli , 3 - .
/
quemos aíatos, ou atos que irão ocorrer depois de sua edição. Ao inverso, apli I
Car a lei a situações anteriores à sua entrada em vigor representa em si uma ’ j
- * i
« . *
anomalia que tem como efeito, como assinala Jácques Héron, transformar a * \
115 Não desenvolveremos, aqui, a-distinção muito útil que é necessáriò fazer entre “re -
troatividade e rêtrospectividade “ da lei (cf, HÉRON,‘ I. Prí ncipes du droit. trcinsitoí -
regra (norma hipotética oti abstrata) em uma série de decisões (concretas e 1 re. Paris: Dalloz Sirey, 1996. p.96 et seq )
- . (
cátegó ricas): aos fetos e atos já ocorridos, que somos capazes de conhecer, tal * 116 RÍVERO, J. Sur la rétroactivitê de la règle jurisprudentielle. Actuaí ité juridique du
droit administratif, p. 15, 1968.
V
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' efeito de direito deve aplicar-se daqui para frente.114 Se bem que, razões de po
» * *
- 117 HÉRON, J. Uapplication des jugements dans le temps. In: Le temps et le droit Sous la.•
*
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)
.
direction de P.-A. Côté et J Frémont. Cowansville (Québee); Yvon Bláls,1996. p. 243.
*
.
114 HÉRON, J. Pr íncipes du droit transitoire. Paris: DalloZ-Sirey, 1996 p. 43. í 118 Ibid., p. 7.
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Capítulo 2 * i
Petdão. Desligar o passado. I
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nenhum problema, lhe é dado reescrever o passado; o juiz, aó contrário, declara Do mesmo modo, os juízes se fizeram mestres na arte de camuflar a novidade
.o direito para o passado (desligándo assim o que fora desajeitado ou injustamen-
das construções que eles propõem: a se acreditar neles, não fariam mais que
te ligado), e sem qualquer problema ele se pronuncia, em regra geral, valendo *
criar soluções que nunca cessaram de inspirai os legisladores ou seus predeces-'
•
4
para o futuro. Mas de onde vem, então, o embaraço que suscita, apesar de tudo, i ícios retóricos não enganam; em certo número de cásos -
sores* Mas estes artif
pelo menos em certos casos, a retroatividade da decisão? quando se ultrapassa um patamar, por uma interpretação “evolutiva” e, com
Q problema reside na regra de direito aplicada pelo juiz. Em princípio, >
certeza, em caso de “viravolta da jurisprudência” ~, vemo-nos confrontados
segundo a representação canónica, o juiz “diz o direito4 - oVireito de'então, que •
.
*
com umà regra nova e não mais com uma modulação da regra antiga.
'
as$im que o juiz pronuncie em t2 a solução jurídica de um litígio, que se ligou t tus quo o respeito certamente advoga pela segurança jurídica . Por detrás des-
\
em tl , esta soluçãb não é senão a aplicação de uma norma fixada em tO, em um J • te termo, “abrange tudo”, com características ideológicas pronunciadas ( como
- momento, portanto, anterior aos acontecimentos em quentão. *
***** «
normativo da produção jurisprudencial. Se se tornou claro, portanto,' que o uma gestão sadia dos negócios públicos e privados; a irreversibilidade dos fa- i
juiz não se limita a repetir uma norma preexistente, mas contribui para con-
“
tos materiais e do tempo decorrido, que não se pode impedir de haver sido.
figurá-la (adaptando -a às vezes, às vezes criando-a) , então se recoloca o pro- ; /
rar a retroatividade das regras enunciadas pelos outros poderes, o juiz é perfei- •
quer que possam ter sidò as motivações ou os conhecimentos das partes, elas
tamente forçado a se conformar àquela vinculada à ua própria intervenção.119
< ^ \\
deveriam saber 6 que era exigido pelo direito ( “a ninguém é pressuposto.. ”).
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, Capítulo 2 Perdão. Desligar o passado.
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Restabelecer ex post facto à legalidade é uma operação' que não poderíamos • O problema se torna mais complexo quando um aniquilamento de ,
qualificar de intempestiva ou surpreendente uma vez que o direito tinha vo
'
- ,• uma norma geral, por decisão da justiça, intervém ao termo de uma reviravol -
•capo de àplicá-lo a esta situação desde o início. Ora, entretanto, aceitaremos \ ta de jurisprudência De fato, se é o caso de anular uma regra, cuja ilegalidade
.
que o direito evoluiu, que a solução de hoje não era a de ontem; mas invoca - *
era flagrante desde a origem, a retificação retroativa não é verdadeiramente
remos o “melhor fundamento” da decisão nova; e contra çste “progresso” dor uma surpresa; ela só faz,.em suma, restabelecer uma legalidade que nunca de-
direito, nenhuma razão, acreditaínos, é capaz de resistir. Como, sem obscu- )
.
veria ter sido perturbada Mas, quando a invalidação retroativa é apenas o.re-
rantismo ou má-fé, opor o que asduzes da justiçà de hoje não iluminam, atra- * 1
sultado de uma longa hesitação jurídica, bruscamente concluída por^ uma “re-
vés, de um dia novo, às trevas de outrora?
viravolta de jurisprudência”, compreende-se que o atentadq à segurança jurí-
>
* V
Èste é p dilema. }
\ '4 .
dica se agrava e que as reticências se acumulam “Impiedosa e intemporal [...]
Sem d úvida, ele não se coloca sempre com a mesma acuidade. Quando '1
tal como a estátua do Comendador da legalidadç”,121 a exceção de ilegalidade ,
o juiz se limita a aplicar mecanicamente alei preestabelecida,’ ou quando a .
esmaga tudo em sua passagemipereat mundas, fiat iustit
*
<
ía > *
cmudança” intervém antes que uma prática contrária tenhapodido se conso-
lidar, a retroatividade da decisão passará geralmente desapercebida. Mas, do ,! /
mento passado, mas, sobretudo, de dizer se esta ou aquela regra em vigor é sjim q
ou não, conforme a légalidade entendida em sentido amplo (será o caso de 1 Ora, é o próprio juiz que terá medó das consequências sociais que abre
sua decisão; pàra evitar què o solcrlfuja aos pés dos litigantes, oii pelo menos dt
-
apreciar a constit úcionalidade de uma lei, ora é um regulamento administra ' 1
um entre eles, ele visará diferentes cenários destinados a amortecer o choque:
tívoque será entregue à censura do juiz...). Quando ele passa um atestado de {
,
i
.
-
invalidade da lei discutida, o juiz exerce, com efeito retroativo, vamos repeti ij 1
.
1
S
lo, um papel de “legislador negativo”, e não deixa de perturbar seriamente a , j 121 MARTENS, P. Lfexception cfillégalité: entre1’injustice et le dêsorâre jLMB,p. 1.535, *
ordem jurídica: não somente a regra invalidada desaparece para o futuro, mas ] ,
pressupoe-se jamais ter existido nopassado, tornando, assim, pelo menos pre- J 122 KELSEN, H. La garantie juridictionnelle de la eonstitutiòn (la justice constitution -
nelle). Revue du âroit public et de la kience politique> Paris, p. 2.42-243, 249-250,
cárias todas as normas que no período foram adotadas com base nesta regra, t .
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‘ 1928
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182 v 183
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r Capítulo 2 4
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em todos os casos, tratar-se-á de uma variante do “decreto de regulamentação”
1
*
jurisprudência do Tribunal de Cassação, julgada, desta vez, não como nova
/ ' v
de administração do. Conselho 'de Estado da Bélgica anulou ( com efeito re-
1
'
1 ele sabe perfeitamente, por outro lado, que não incide no caso que lhe é sub- troativo, certamente) um ou outro regulamento administrativo, o que acarre-
metido atualmente: assim, ele chega a fazer o direito progredir,sem por isso en- . \
— ^- ta a adoção, em seguida, pela autoridade administrativa visada, de uma nova
•
ganar a confiança dos jurisdicionados. Em outro caso o juiz deixa entender '
regulamentação, por sua vez retroativa (a fim de evitar ò “vazio jurídico” )...
“a bom entendedor, salve!”- que ele poderia perfeitamente rever proximamen- assim como a seção de legislação do mesmo Conselho de Estado se cpnfor-
tê sua posição; inspirando-se no modelo americano já antigo do prospective
v
overruling a jurisdição pode também decidir que a partir da data da decisão irá
)
viçó, ou de algum princípio equivalente;
*
.
adotar tal solução nova para o futuro (Variante: a solução noya será aplicada *
Assim, busca-se por vias mais oq menos harmoniosas o difícil equilí- *
. ao ,caso em curso e às outras instâncias pendentes, mas de nenhum modo o ) < brio entre manutenção do passado'e abertura do presente, que é também,
—
J
.
passado será questionado) Em outros casos ainda eles são cada vez mais fre- V 1
como se percebe, uma divisão delicada de atribuições entre juiz, legislador e
s quentes
- a lei orgânica das jurisdições, encarregadas de um tal controle de le- "V administração.123
galidade, toma o cuidado de incluir uma cláusula permitindo ao juiz equilibrar I
li
* • V *
-
*
os efeitos retroativos ligados à sua decisão: prevê-se, neste caso, que apesar da ^
1
I 4
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*
anulação (retroativa) da regra questionada, todo ou parte de seus efeitos (prin- ’?
)
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çipalmente as regrás derivadas, adotadas com base nela, neste intervalo), sobre-
viverão, Seja definitivamente, seja por um tempo determinado. Sem dúvida, ^ *
f r
*
comprometendo-se nesta via, a jurisdição faz, cada vez mais abertamente, obra
I
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política (aqui, no sentido de “organização legislativa” dá regra); pelo mejnos o ' i
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>
/ problema não se oculta mais atrás da mentira piedosa da ficção declarativa, e *
damente mais caótico: encontramos caso? nos quais, para se opor a uma revi-
^
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ravolta de jurisprudênciá, que ele aceita mal, o legislador adota uma lei que j A *
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* *
não hesita em fazer retroagír, não sem se expor, por sua vez, à censura desta l *
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*
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.
jurisdição ou de uma outra De vez em quando, como no caso da “pilotagem j
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marítima” já por nós evocada, o conflito volta à confusão geral: quando a lei «
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retroativa, tomada pelo legislador belga para se opor à uma interpretação .
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mais tarde ela súcumbe diante do Tribunal Europeu do.s Direitos Humanos, j
*
123 Encontraremos 'amplos desenvolvimentos das questões evocadas nesta seção em %
-
que denuncia uma retroatividade mótivada -unicamente pelo desejo de evitar ;
ao Governo belga a/ revisão de sua responsabilidade, no final, de resto, de uma
i
nosso estudo: Eheure du jugement. Sur la rétroactivité des décísions de justice. In;
. -
Temps etdroit Ze droit a t-il pour voçation de durer? Sous la direction de P Ost et '
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M Van Hoecke Bruxelles; Bruylant, 1998 p 91 et seq, .. 4
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» V / / Capítuló 3
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PROMESSA.
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Na Cúpula ãas Nações Unidas, referente ao meio ambienté e ao desenvol -
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/
vimento Jevaão a efeito no Rio de Janeiro, em junho de 1992, um lobby se distin-
guiu particularmente por sua atividade: o grupo dos pequenos países insulares di -
t
> retamente ameaçados por uma elevação, mesmo reduziãa,4o nível dos mares, con-
-
T
.
sequência previsível do feaquecimento-climático-provòcado pela emissão cada vez
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r/ mais concentrada de CO2 na atmosfera. No ritmo atual de consumadas energias i
\ ! to mais radical de npssas responsabilidades? Eis, então, que está moderna histó -
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\
ria de dilúvio provocava novamente 0 direito, desta vez erft sua vertente prospec -
-
* tiva . Era preciso intentar uma nova responsabilidade, forjar' novos princí pios,
J formular novas promessas. Ê necessário comprometer o futuro através de regras
V
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V » 4 se não quisersemos hipotecá-Jo nas demissões do presente. r t *
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dita a circulação rápida das riquezas, ê da ecologia, que lembra a produção len? i
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I V ta dos recursos naturais. Redescobria-se -o imperativo âe prudência, rébatizado .
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- como ‘ princí pio de precaução”, afim de dar sua chance à dúvida é seus direitos *
*
à natureza. Pela primeira vez, deixar í amos de colocar uma fé cega no progresso
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p
187
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i < Capitulo 3 ' .
Promessa Ligar o futuro
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» • I
técnico e a d úvida beneficiaria a natureza, Assim, seriam preservados os interes > ? -
X
>
ses das gerações futuras,“às quais tomamos de empréstimo a terra”, e diante das-
pública e privada estão difundidos, novas restrições se intfan, das quais OSJUU \ Aí - ~
zes tornam-se, na oportunidade, os intérpretes.
^
' \
*
quais não nos sentimos tnaU autorizados a exercer um direito de primogenitura. - A promessa jurídica de um mundo durável pod kvante, servir cortvmto
Nao era o^ “contrato natural” assinado com a natureza,1 mas um novo ' ^
princípio regulador dos litígios internacionais. Esta decisMiestada pela decisà ão
contrato social, ampliado às dimensões de todo o planeta, integrando as gerações . ^ dç Tribunal Internacional fie Justiça de Haia, realizada etit 2í le setembro de 1999<g97,
^ ^
futuras na comunidade política, e visando controlar, enfim, nosso domí nio da em um litígio que opunha a Hungria à Eslováquia. Vinté m antes, os dois Estatela-
0
> natureza. Elaborava-se um noVo conceito de responsabilidade, decididamente
‘ '
-
-
dos haviam concluído um tratado visando realizar\ em coimi, trabalhos faraônn^ li
,
cos de racionalização do Danúbio: uma imensa central hítíttrica estava preVfih is '
ta, assim como barragens, lagos artificiais, uma rede de çaiie de eclusas. Entnr^rre-
tanto, muito rapidamente as dificuldades se acumulawfblemas financárcrc^rvs,
mas também ecológicos. Os trabalhos diminuíram e em J%k Hungria suspên&m&ãe
— -
-
nos graves ou irreversívèisy à ausência de certeza cientifica não deve servir como 1 aos cientistas e aos defensores do meio ambiente exprimhn temores em rélaçtç ão
pretextç parapostergar a adoção de medidas efetivas, visando prevenir ú degra- aos* danos causados aos ambientes naturais. Entretanto, aEjváqtiia persiste: e è*&la
^
.' constrói em seu território uma central de dimensão maisrèzida e, para alime& n-
i
.
N
* dação do meio anibiente”
» „
\
Na sequência, todos os tipos de textos são adotados, uns simbólicos, como A tá-la, desvia nada menos que nove décimos do volume ã í f a s do Danúbio.
^ »
^
a Declaração da Unescofde 12 de novembro de 1997, sobre “as responsabilidades O Tribunal pronunciará, por direito, a ilicitúde í fy ç fesvio que acarr&e ta
gravp prejuízo ao meio ambiente na Hungria, mas não entretanto, ao sts &eu
^
das gerações presentes para com as gerações futuras”; outros, dotados de efeitos j
* %
,
jurídicos, como múltiplas disposições do Tratado deAmsterdã, constitutivo da V
* >
pedido de constatar .a ruptura do tratado. Ê que, diz cVunal, o acordo, qgi ue
Comunidade Europeia. Assim, daqui em diante, fazem parte das ?missões” da j continua a ligar as partes, contém disposições evolutiva rectiveis de integnir^ ar ^
Comunidade a promoçqo “de um nível elevado de proteção e melhoramento da j as normas ambientais mais recentes, longe de estar congèdo, o Tratado pree vê
^
,
qualidade fio meio ambiente” do mesmo modo a integração desta proteção no ! . uma obrigação contínua, eportanto evolutivas de yelarQualidade das águn^uas
conjunto das outras políticas encetadas pela Comunidade, afim de garantir um do Danúbio e pela proteção dos ambientes naturais? Ásprtes têm o dever - de
considerar os riscos irreversíveis que suas intervenções metam à naturezan f o
“desenvolvimento durável.” Vêmo lo: é de “melhoria” e não somente de “prote
- - ^
ção” da qualidade dos meios naturais de que se trata. Ê. uma ação transformado
ra, mais que conservadora, que se espera do direito. '
- ^ cuidado com as “gerações futuras” e tõm fdesenvolvinm duradouro” obrrusaga
doravante a “conciliar os objetivos económicos com a protão do meio ambide&n-
te . Os dois Estados são, assim, enviados à mesa de negcáyo, com a obrigaçf çzzpãQ
Sem dúvida, um texto, por mais solene que seja, jamais modificou a rea - i
de cooperar de.boa-fé; trata-se de fazer prevalecer o esplàlo Tratado ao pê z . da
lidade apenas por sua virtude. Entre a intenção e a prática, a distância continua ( - j
,
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imensa. Décadas serão neçessárias, sem dúvida, para que a efetividade destes . ,j -
letra.“Oprincí pio de boa fé, conclui o Tribunal, obriga a es reaplicar o àcccczor
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do de maneira razoável, de tal sorte que seu objetjvo, contendendo o resp&ez^ ito
princí pios seja garantida, e que realmente se melhore a situação na prática. Não j -
ao meio ambiente, possa ser atingido
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importa : um movimento está lançado, novos 'critérios de legitimidade da ação i
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1 SERRES, M. H Contrai naturel Paris: Bourin, 1990 . r 3 Tribunal internacional de justiça, decreto de 25 de setenfc de 1977 no caso rer
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:Traduit par J. Greisch Paris: Cerf, 1990,
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tivo ao projeto Gabcokovo Najymarus (Hungria/ Eslováçí), § 112 e § 140.
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•s / • 4 lbid., § 141-142.
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* 1 -Capitulo 3 Promessa. Ltgaf o futuro. *
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Decisão significativa por mais de urna razão: ela integra as novas normas : . ,
do direito sobre o meio ambiente na caderneta de encargos dos grandes trabalhos
numa massa que nãapára de crescer Atualmente, é o direito,em sua totalidade
v que se recompõe a partir da exigência do respeito aos direitos fundamentais
*
5
.
públicos intetestatais; faz do desenvolvimento durável o princí pio regulador ães J - Eis, então, que abordamos a face diurna do direito, aquela que olha para,
tas empresas e insiste eni que se leve em consideração riscos irreversíveis que com v
prometeriam a herança transmitida às geraç pes futuras:, Mas também, apela-
'
,
- o lado do futuro. Face que, mesmo sendo mais iluminada que a noturna, lado do
para uma cooperação evolutiva das partes, fundada na boa fé: esfa confiatiçp. re ' passado, nem por isso é menos misteriosa. Enfim, pois, a este futuro, como lhe dar *
lavras, sem dúvida, mas de que se autoriza uma obrigação que se atribui a si
I •4
mesmo? De onde vem esta mais-valia que faz com que se dê crédito à palavra qUe
Mas se devesse um dia honrar a promessa do desenvolvimento duradouro, o di . - se obriga? E qual é o tempo, suficientemente consistente paraser avalizado; com-
reito não serviria para sua tentativa de ensaio. No passado, princípios também
foram afirmados que pareciam utópicos e dos quais atualmente avaliamos o ít prometido duradouramente na lei que liga os poderes públicos aos particulares, e
,
ma o artigo Io Ja Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão de 1789.Lin- ^ l ta fé? Da confiança, sem duvida, desta vezpartijhaãa, da qual falava o Tribunal
f
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...
do e perfeitamente contrário à reàlidaãe daquele momentor Seria preciso espe \ Internacional de Justi ça: a boa-fé, na base dos compromissos jurídicos; a lealda- *
- de (ou ainda fidelidade- fé ) na base da tempo das instituições.
,
rar 1848 para que a escravidão fosse abôlidamo território das colónias francesa , :
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e só no decorrer da segunda metade do século 20 o princípio de igualdade sera . Instituir; é exatamente disso que se trata: pôr de pé, construir, pôr sobre
.
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cravatura “pelo menos até o ano de 1808” Será preciso aguardar 1865 e o final J ^
^ PROMETEU,l O REBELDE E O INSTITUIDOR
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da Guerra de Secessão para que, ènfim, o princípio fosse posto de acordo com os
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.
fatos Não importa: uma vez mais um movimento foi lançado, uma promessa ; *
Então* eis-nos no limiar do tempo futuro. Desviando o olhar do passa- *
formulada, que Martin Luther King levará ao pé da letra para conduzir com su - .
do, lançamos os olhos para õ futuro Este gesto é aquele de Prometeu: promes -
cesso, no século 20, seu combate pelos direitos civis . sa, projeto, progresso - “pro”, atenção para adiante, o élan que se arrasta ao
presente. Prometeu: o'previdente, o prudente, o amigo dos homens, o contrá-
»
,
promessa jurídica produz é sobretudó, ,uma liberação e uma equalização gra -J - rio de seu irmão Epimeteií, o esquecediço, o irrefletido, que não nós havia dei- \ *
V
' duais. Aqui, a verdade do direito situa se no futuro e não no passado e, se é ain
-
da questão de tradição, é uma tradição nova que se cria em benefício de um mé
-
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nada
,
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— é
ba Q fogo celeste para dá-lo aos homens. Homens ads quais ensina a ficar de
*
todo resolutamente prospectivo; o método dos rumos constitucionais e do Tribunal |
Europeu dos Direitos Humanos, que pretendem não somente“proteger” mas tam- j pé, como os deuses, e eis o modo como à história se põe em marcha; por ato
bém “desenvolver” as liberdades e a igualdade. Ampliando dia-a dia sua jurisdi - - \ inaugural, como uma transgressão. Toda ciência çomeçá com uma recusa, dis-
\
Ção, e não cessando de aprofundar as proteções garantidas, estas jurisdições iritro - \
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* duziram ho sistema jurídico o princípio de igual liberdade, tal como o fermento '
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< tem uni nome: chama-se utopià (ou u-cronia), ou seja, a impaciência de uma y
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esperança que negligencia as transições. Será este o erro dos revolucionários
' tado de natureza, cujas desconfianças m útuas levam a se lançarem nos braços
do Leviatã todo-podeipso.
r
que acreditaram poder editar em um dia um calendário, uma Constituição e
um código. Na falta de raízes, foram logo levados pela corrente de uma histó- - Este testemunho, contudo, é eloquente; ele mostra como o fracasso
do calendário republicano, codificações radicáis deBentham ou de Cambacé-
—
ria menos dócil do que acreditáramos. Mas Prometeu se sai bem; Esquilo mes - f rès, das, constituições-revolucionárias -
que a projeção para o futuro pode re-
mo lhe dá o papel principaLdiante dò Zeus tirânico é inconstante* Prometeu .
duzir. Então como inovar sem perder o fio do tempo, como romper e durar
,
résiste à vingan ça olímpica e seu í f gado, devorado durante o dia, refaz-se. à d "
noite. Pelo sofrimento, a humanidade aprende a constância e seus reveses, en-J
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i
simultaneamente? Precisamente, trapaceando com o tempó. Esta trapaça os '
saia a ser vitoriosa. Ei-la agora que inscreve seu projeto no tempo, mais do que canonistas da Idade Média reinventaram-iia consertando um tempo híbrido
precipitá-lo na temporalidade da utopia. Submetendo-se à prova do fempo, os. que tomava de empréstimo simultaneamente à Bíblia è a Aristóteles: o aevutn;
" Homens conseguem um aliado.
Portanto, será preciso trapacear com o tempo, espécie de eternidade criada, tempo infinito porém móvel, que era divino por .
já que somos mortais. sua infinitude, mas humano por sua mobilidade, Este tempo seria precisa-
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—
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tado de suas~correntes pensa-se,' espera-se, mas a lenda é muda neste ponto, * forma sem desaparecer jamais - tempo dialético que progride sem se renegar
e que por esta razão encontra o justo equilíbrio entrè estabilidade e mudança.
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A esperan ça e o próprio otimismo são, désde aí, ligados ao tempo prometéico 4 ^
em suas duas vertentes: o tempo da rebelião e o da instituição. Como se o fu - t\
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turo * estivesse necessariamente associado ao porvir que deveriam cantar É . . .
6 HOBBES, T Léviathan Traduit par F. Tricaud, Paris: Sirey, 1971. p. 105. /
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Capítulo 3
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Promessa.Ligar o futuro .
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De um lado, o descontínuo ou o instahtâneoT Uma vontáde qué se jul- * ça jurídica e dç confiança legítima, sem os quais não há laço sqcial duradou-
/
ga soberana, um ato jurídico que pretende provótar instantaneamente efeitos . ro.irias‘uma Véz que um juiz se agarra, ao pé da letra, â uma convenção sacra -
' obrigató rios, uma norma que quer se impor indefinidamente. Espécie defiat lizada, ele lembra, ao revés, que é preciso saber revisar para durar e que a boa-
iu& instantâneo, esta ordem pretende durar enquanto uma outra ordem não a . fé, que deve presidir aos acordos, implica que se os adapte, de vez que se tor-
.
substitua De fato, ela se coloca fora do tempo, fota da duração real, ao abrigo nam injustos. *
de seus avatares e de suas áleas. Nesta forma de ucroftiá, teremos reconhecido Este tempo instituído é um tempo desdobrado: atrás da instância do 1 ' *
o ponto de vista positivista que isola o direito do social e proíbe de se pensar , imediato, que desfila a grande velocidade em primeiro plano, ele organiza o
as transições. Aqui, o direito nunca é mais que sincronia, coleção de instantâ - \
i
durâdouro .no plano de fundo; atrás do “povo atual” ele, lembra as promessas *
-
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1 perde o fio do tempo, esta posição positivista é ao mesmo tempo demasiada ij - 6 mais someiitè no eixo sincrônico do instante que ela sè inscreve, o eixo dia -
.
mente estática e demasiadamente dinâmica Demasiadamente estática, já que <
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crónico também é seu domínio; não é maís somente pó futuro que ela se pro -
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quando presa, por exemplo, à “comum intenção das partes”, pressupondo es t jeta, é também na experiência do passado que ela se apoia. *
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Entre Prometeu rebelde e Prometeu instituidor, então, não é preciso e$ ; 1
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to, condição de “desfrutetio instante presente”.8 Contra a tendência natural do
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* *
colher: é porque foi rebelde .que ele institui, é porque ele institui que poderá, esquecimento, o homem tornou-se capaz de promessa, pu seja, de “continui
*
* ainda amanhã, rebelar-se. Nada de mais prospeçtivo que o tempo de Prome- : dade no querer”5'-;a promessa é “memória da vontade”*10
teu acorrentado, pelos pés e punhos a seu rochedo; aquele tempo é neguen- ‘ í Resta que esta faculdade de prometer é eminentemente paradoxal:
trópico - ainda esta noite o f ígado do Titã renascerá. k
como de fato, criar algo normativo por seu próprio feito? Como submeter-se
,
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\ válida e duradouramente a u m a lei da qual parecemos nós mesmos o autor?
Como acreditar que se possa, assim, extrair o mais doi àienos? È, no plano
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V A PROMESSA: INVESTIR NO FUTURO 1
r temporal, como cofaipréender, para retomar ainda uma vez uma fórmula de *
prios ombros e ligar-me ao futuro, tíume, a bem dizer, não entendia grande
pela aposta especulativa; para o crente, o futuro é questão de fé e de esperan- *
coisa disso, pois tomava a promessa por < cuma
das mais misteriosas .e mais in-
- H ça, ao passo que para o homem político é objeto de cálculos estratégicos e op- compreensíveis. operações que se possa imaginar, comparando-a até com a
v'
*
ções táticas. A promessa é de uma outra ordem:ela investe no futuro, compro- ' transubstanciação oii a ordenação” 12 . r
metendo aquele que promete: literalmente, ela o põe “como avalista.”, algo dele r 1
. .
9 Ibid , p 77,
os que conhecem a força e a utilidade dá potência contrária, a do esquecimen-
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10 Ibid . 4
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Capítulo 3 <
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Promessa. Ligar o futuro . Í * I ¥
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o mesmo desejo de dominar a incerteza do futuro combina se com a confian , - - Observemos bem, nestas condi ,
ções, o tipo de temporalidade que se
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* ça no outro e com a vontade de agir de comum acordo; num clima geral de li- * institui em prol deste contràto social securitário: trata-se de um tempo simul
s
berdade, a promessa surge como um instrumento de cooperação, engendran - taneamente instantâneo e pressuposto perpétuo - maneira dupla, resumindo,
do uma temporalidade simultaneamente aberta,e dominada, i
*
de pretender fugir ao tempo histórico real, com seus riscos e suas potenciali -
. • Enquanto o animal, sègundo Hobbes, liga-se às sensações imediatas e dades, para se abrigar no tempo fantasma de um algures tranquilizante. No-
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passa os dias feliz na ignorância do futuro, o homem, pelo contrário, é capaz 1 taremos, logo de início, que à operação de devolução do poder procede de um
*
-
de prazeres e penas por antecipação. Arrancando se do presente, ele se proje ,
ta no futuro; para ele,.a vida é um curso perpétuo guiado pelo desejo insaciá
-
-
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ato instantâneo, não precedido por nenhuma negociação, e cujas modalidades
de execução são resolvidas em silêncio:17 corno rio registro mágico, é “instan- t
vel que não pára de se aprofundar; ela é também objeto de “temor perpétuo”: taneamente” que o efeito prodigioso se realiza: um compromisso é assumido
este curso social é uma competição na qual todos ,os golpes são permitidos 15 \
O outro é um rival, uma ameaça, mesmo para meus beps e minha segurança, jj
. t e no mesmo segundo torna-se impossível, à sombra do soberano tódo-pode
roso, voltar às suas condições iniciais. Acentuaremos, em seguida, que o poder
-
7 V
Animal racional x
dotado de uma razão calculadora, o homem com "
- íA assim constituído é perpétuo, desde que o compromisso que o produz é ele i
*
preenfie que sua segurança passa, pêlo contrato que garantiria a abstenção ) mesmo absolutamente irrevogável: Somos, doravante, mantidos sem a menor
m útua dá violência; mas na selva que o estado de natureza representa, onde o N possibilidade de revisão dos termos da promessa. Quem reclamaria disso, no *
* homem é o
lobo do homem, o contrato não tem seu lugar: “o tempo”, precisa *1 UniversoThobbesiafto, uma vez que os homens “desejam ver durar esta segu-
,
Hobbes “aí não é mais que uma sucessão de instantes identicamente ameaça | * - rança durante toda sua Vida”; não saberíamos, então, nos conformar Còm um
dores, a confiança não é possível, tanto quanto as convenções” 14 . poder que só seria exercido “por um tempo limitado”.18 Seria o caso, portanto, *
Cétiico quanto à capacidade dos contratantes de sustentar seus compro ' '! - de organizar os mecanismos do governo e principalmente as regras de suces-
missos, se uma força exterior e o medo de uma sanção não os reprimissem são no poder de tal modo que ele possa se beneficiar com uma “eternidade de
*
(“as convenções sem o gládio são'apenas palavras destituídas da força de ga \ - vida artificiaram vista de uma “segurança perpétua”.19
rantir às pessoas a menor segurança”),15 Hobbes imagina, então, um mecanis- * Aranálise de Hobbes é exemplar, simultaneamente pelo lugar central que
i
mo pelo qualyo povo, livre e soberano durante o tempo, infínitamente breve 3 atribui, desde a aurora da modernidade, ao mecanismo da promessa como.ins-
de um instante racional, confia' todo o poder á uma autoridade suprema, ou trumento de domínio normativo e racional do tempo futuro e pela eliminação
Leviatã, que doravante “imporá respeito a tódós” 16 * \\
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significativa que imprime às suas virtualidades. Como no relato da horda primi -
Esta operação pode ser analisada como uma espécie de “curto circuito tiva, narrada por Freud, parece que num uniyerso de iguais (a frátria dos conju-
político” pelo qual o povo, tão logo constituído, em ator soberano, auto anula- 1
* .
*
^ rados que assassinaram o pai) a violência seja recorrente e o tempo instantâneo,
•* * 2
se, enfeudando-se totalfnente num poder absoluto do grande autómato políti- tanto que os atores não se submetem voluntariamente ao império de uma lei co-
"
.
co De.instrumento de emancipação e de afirmação de si, a promessa se trans \ - ’ mum e inflexível (no caso a interdição do incesto),20 Neste modelo, a promessa
forma em instrumento de dominação: é que a relação com o futuro não deixou não cumpre suas promessas:se elafunda perfeitamente a vida coletiva num com -
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de ser marcada pelo medo do risco e da necessidade dominante de segurança w
. - * t
/ . .
17 Nesse sentido, cf GOYARD-FABRE, S Le droit et la loi dans la philosophie de Jho -
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.
mas Hobbes Paris: Klincksieck, 1975. p. 116 v . v
; lá . .
Ibid., p 136 »
LV
. . .
18 HOBBES, T. Léviqthan Traduit par P Tricaud Paris: Sirey,1971 p. 175 . .
*
, 15 . .
Ibid., p 173, 221
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19 Ibid., p. 202.
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Ibid , p 177, 4
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Capítulo 3 *
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P.romessa Ligar o futuro .
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prometimento pessoal, ela se prova incapaz de dar corpo à liberdade que, contu 4 - '
lidade das interações) que se destaca a promessa como uma modalidade vo- i
I do, pressupõe, do mesmo modo que ela encerra um futuro que, contudo, ínau- ‘ ? luntá ria de colaboração. Através dela, a incerteza do futuro é, pelo menos em *
guraya. Retenhamos, entretanto,- voltaremos a isto a necessidade de “que seja ' ' ^*
‘ *
* '
- -
par.tex conjurada: um desígnio, impõe se, que é analisado como “a ampliação I
preciso ajgo diferente, acima da convenção, para tornar o acordo constante e du- $ formidável, realmente milagrosa, da mesma*dimensão em que pode haverjpo-
radouro”; atrás desta'imagem terrificante do Leviatã, QU da figura castradora do tência eficaz”.23
?
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pai totenizado; deixa se ouvir a intuição deformada de unia verdade que será ‘ I
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I Esta promessa à diferen
*» j)
ça de Hobbes nãó se refere, por isso, a um ins- * »
I*
preciso aprofundar: para engajar o futuro, a promessa deve, ela mesma, basear „ - trumentò de dominação, tendo em vista prodúzif não se sabe qual segurança
•
se em alguma.outra coisa pressuposta por elé, sem contudo esgotá-la. duradouta: pelo contrário, insiste Arendt, “ela corresppnde exatameiite à exis^
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fechar todas as portas do futuro e impor uma vontade idêntica, que sempre
.
tência .de uma liberdade dada na condição'dç não-soberania” 24 ÍSfão se trata de
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mas desde que se enfraqueça este “desígnio comum”, seu poderio desaparecerá,
V trumentò da ação por excelência: ela permite “começar de novo”, arrancar-se - J v
o tempo entrópico retomará o lugar dè destaque, e os mecanismos de coerção 3»
ao “automatismo inexorável da vida quotidiana* que nos faz “girar em círcu- ; ' ; 1 1* que se lhe poderiam opor* só poderiam acrescentar opressã o à incerteza. .
v
los”; a promessa nos subtrai á “lei da mortalidade”21 lei de entropia, diríamos ^ ) - '
4
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' - que conduz qualquer coisa à sua ruína. Como" em Hobbes, a promessa tem * '
V
algo a ver com a conjuração da morte: mas aqui não é o caso de procurar a . j UMA MAIS-VALIA ENIGMáTICA
proteção de um poder absoluto, trata-se antes de sé inscrever pela palavra que 4 *
compromete e o empreendimento quevdura, no dom ínio da açã o política, do Em Arendt, vemos,' a promessa “mantém suas promessas”: se ela reduz
*
I
qual sabemos que unicamente ela engendra um tempo neguentrópico. A •« a incerteza do futuro, não é ao preço da liberdade; e se o futuro é, assim, em
Sem dúvida, como em Hobbes, ainda, a promessa tem como primeiro r parte dominado, não resta nenhuma dúvida que é criador e aberto. Contudo,
objetivo reduzir aí imprevisibilidade do futuro Mas enquanto que no autor do . seria falso dizer que o enigma da promessa seja com isso elucidado. Se o asso -
Leviatã esta inçerteza.adquiria a forma patológica de uma desconfiança de to , - * ciamos doravante à liberdade e à confian ça, não percebemos ainda como da. '
-
dos para cada um, para Arendt esta imprevisibilidade é positiva: desde que, de vontade que promete pode surgir um laço que mantém . Tanto que apromes-
fato, os homens são livres, é preciso admitir que elesrtenham dificuldade em i sa não tem outra garantia da decisão voluntária do prometedAr, o que me ga-
gá rantir o que serão amanhã; desde que dividam o mundo em comum, é pre - rante que quem a disse não se desdiga? De que modo um comprometimento
-
ciso aceítã r que esta pluralidade torna as consequências da ação individual di - desse tipo conteria, nele mesmo, as condições de sua própria estabilidade
^
ficilmente previsíveis.22 É neste pano de fundo (liberdade do homem e plura ’ '
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23 ARENDT, H. Cor í fytion de Vhòmtne moderne* Traduit par G Fradier Paris: Cal-
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como uma intenção, por mais firme que seja, de quç se transformaria em de - * -
“ bcm sucèdida” esta pressupõe simultaneamente o respeito de suas regras
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ver? Tudo se passa, aqui, como se a vontade que compromete se superasse para , <
Constitutivas como ato de discurso (“prometo fazer X, nas condições apro-
priadas, desde que certas circunstâncias que me excusariam não se produ-
criâr um laço que, de alguma forma, se soltaria dela para.religá-la daí em -dian ;
te à posição do terceiro que cria lei. Algo como uma auto-transcendência se <
- zam”) - a não observação destas regras constitutivas faria com que não hou- '
-
-
observa aqui, que faz a “mais valia” jnerente ao próprio ato de prometer ** .
mais valia cuja natureza é profundamente temporal; é um futuro engajado
- respeito de uma regra mais fundamental, de natureza ética, que dirige o res-
que aí se produz, um futuro apropriado à ação de se projetar sob a forma da peito das promessas. Uma coisa é, de fato, formular uma promessa, umá ou-
*
tra é respeitá-la. Entra em jogo, aqui, uma norma superior què podemos chá-
i
gaja em favor do benêficiário ( “eu te prometq que.,.”) Como o explicam bem ,1 . Vemos o erro que haveria ao relacionar a promessa unicamente à von-
Paul Ricoeur e Francis Jacques, a promessa só funciona sobre o fundo da ins
tituição: “eií te prometo no quadro da linguagem como instituição” O ato sub
J -
- *
tade “autónoma” do sujeito que prometei uma tal intensão autárquica não po-
deria engendrar, por si mesma, um compromisso socialmente crível; ao inver-
jetivo de palavra (eu prometo, eu te prometo) pressupõe á instituição da lin
.
-
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' voluntárias sob princípios éticos prévios,28 mobilizando e regenerando estru-
» / »• r V
26 RICQEOR, P. Soi toème cotr -í rne uti autre. Paris: Seuil, 1990. p. 309-312; RICOEUR
I
-^
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*
»
° P. Approches de
-
la personne. Esprii, p. 121 124, mars 1990; RICOEUR, P. Les im
plicatíons de la théorie des actes de langage‘pour la théorie générale de 1’éthiqiíe. ’
. . .
27, RAWLS, J Théorie de.Ja justice Traduit par C. Audard Paris: Seuil, 1987. p. 387
/
.
28 RICOEUR, P Les implications de la théorie des actes de langage pour la théorie gé-
.
I
In: Théorie des actes de langage, éthique et droit Sous la direction de P. Amselek. Pa .
. ris: PUF,1986. p. 103 104; JACQUES, E. Ia promesse et le pardon Eí/nca epragtna-
J - .
nérale de Téthique. In: Théorie des actes .de langage, éthique et droit Sous la direc -
* , -
t cax Archivo de filosofia, n. 1/3, p. 328-329, 1987,
\
. .
tion de P.Amselek. Paris: PUF, 1986 p. 103 . V
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) A Promessa. Ligar 0 futuro.
Capitulo 3 V 4
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delegação do poder, baseiam-se numa fé compartilhada, uma confiança gera-
J 1
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turas preexistentes de cooperação. Cada promessa, poderíamos (fizer, dá vida
/ dora de segurança durável no futuro) .
a uma confiança preexistente, sem a qual ela nadai seria. ,
t , A figura moderna do Estado de direito não pressupõe outra coisa, pres-
¥
'• ft supõe apenas, mas essencialmente, o respeito desta confiança mútua. O autor
* V A contemporâneo Lon Fuller,' ele próprio inspirado pelos trabalhos de G. Sim-
PROMESSA, CONFIANçA E LEALDADE 4 t
* i .
mel, explica igualmente que a própria essência do modelo da Rule ofLaw> te'
«i .V í
’ side na certeza de que os governantes aplicarão de boa-fé ( “ faith-fully”) às re- >
ra da lei t lealdade, do latim \egàles )> cujo sentido é o de fidelidade aos com- - i mesmas, as regras que adotaram (princípio patere legem quam ipsefecisti ”) .
pròmíssos e à$ instituições. Desta exigência fundadora de lealdade o direito v« Este contrato gera de uma parte e de outra “expectativas legítimas” expectati- w
positivo esconde inúmeras pistas, quer se tratasse de lealdade constitucional* 1 vas normativas: estamos, doravante, no direito de esperar das autoridades que
de lealdade federal* ou ainda de usos leais (ou desleais) do comércio.29 respeitem sua palavra, do mesmo modo que elas mesmas podem contar com
4 Pode-se dizer, sem medo de errar, que o pensamento moderno’sõbre o \
'
•
.
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a nossa colaboração cívica. Uma ordem jurídica não é analisada, então, como
a projêçãq da, vontade unilateral e instantânea do soberano; deve ser com-
í
contrato social , assim como eie é expresso .sob a pena' de J. Locke, principal- S
mente, pressupõe um tal alicerce de confiança mútua;o povo confia ao gover- } preendida, antes; como um sistema durável de interações e de compromissos
no - pelo mecanismo bem nomeado como “truste” - a tarefa de estabelecer recíprocos baseados na confiança. *
29 Cf. RIGAUX, M.-R La loyauté fédérale ou la poiysémie d’une nomíe. In: La Loyau- (
- V
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32 Ibid., p. 210 s.
1977. p. 161. .
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Capítulo 3
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Fromcssa Ligar ó futuro
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* alicerce de uma relação confiante no futuro. Os juristas por sua vçz redesco-
nia: a irreversibilidade das palavras do passado, que em certos casos criam
^
obstáculo a seu total domínio sobre a sociedade. Mudar as regras do jogo no ^
decorrer da partida, a fim de sempre ter razão, esta é a última afronta do di-
-
rigente sem escr úpulos3* basta -observar õ príqcipe, a quem Maquiavel
'
^
*
que se desdiga ( “a historia.de nosso tempo ensina que os ú nicos que realiza-
. -
T que, entretanto, esta' noção cardeal figura em lugar de dçstaque nas disposi
-
ram grándes coisas foram os Príncipes que fizeram pouco caso de sua pala * ções absolutamente fundadoras: é o que ocorre no artigo 1134, dó qual cita -
vra” ) 34 Ao inverso, a primeira reivindicação dos povos oprimidos será sem-
.
pre, na falta de obter leis justas, poder no mínimo contar com leis não re-' j
troatíyas, leis das quais eles podem*estar seguros de que serão aplicadas pe-
^ mos sempre a alínea Ia (“as convenções iegalmente formadas, atuam como lei
pára os que a criaram”), esquecendo a alínea 3a: “elas devem ser executadas de
*
los juízes, e rião textos suscetívei$_ de manipular o passado e privá-las, assim, J ^jj bre o direitó dos tratados, que dispõe; “qualquer tratado em vigor liga ás par-
tes e deve ser executado por elas de boa-fé”
podem baseai seu comportamento
* . % Atualmente, este princípio de boa-fé é compreendido, côm justiça,
Big Brother, o ditador orwelliano em 1984 , compreendera bem que seu -
poder só seria -total no dia em que pudesse, deste modo, reescrever o passado a -3
"
^ como princípio geral de direito, regulador tanto das relações verticais entre
governantes e governados quanto relações horizontais entre pessoas privadas
.
,seu favor Igualmente, ele estabelecera no seio do Ministério da verdade, (de
^ ou entre Estados. Quanto às primeiras, poderíamos evocar, por exemplo, a
fato, o Ministério da Propaganda, pois, da Mentira) um comissariado de arqui- Convenção Européia dos Direitos Humanos, sobre a qual M. Pettit escreveu
vos cuja tarefa consistia em atualizar minuto a minuto o passado, e em apagar- í que a “confiança legítima” é sua “regra de ouro”36 - lima regra de que o Tribu -
lhe cuidãdosamente todos os„traços que pudessem dificultar o poder hoje, re- nal de Estrasburgo faz efetivamente uma frequente aplicação: a seu ver, im-
velando, principalmente, suas prevaricações e suas in úmeras trocas de aliança 35 . porta de fato que, num Estado democrático, as diferentes autoridades públi-
l
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cas inspirem a confian ça dos jurisdicionados e dos administrados. Assim , ex
plica-se principalmente sua abundante jurisprudência relativa à independ ên-
-
' A BOA-FÉ REGULADORA DOS COMPROMISSOS i cia e à imparcialidade dos tribunais,37 ou ainda sua reprovação de reviravolta
* •S
de jurisprudê ncia que destruiriam “uma jurisprudência e uma prática cons-
x
Assim, a ficção literária.reúne-se ao ensinamento da. análise filosófica: tante> tendo criado, no decorrer dos anos, uma seguran ça jurídica na qual os
o princípio pacta sunt servanda,ligado ele mesmo à irreversibilidade do pas- v requerentes podiam legitimamente confiar”.38
sado - qm passado que cria alicerce e com o < jual se pode contar constitui o - %
.
Nas relações entre pessoas privadas, igualmente, o princípio de con-
fiança legítima opera uma volta forçada, a ponto de ser compreendido, agora, \
. •
* «
.
33 Nesse sentido, cf. HAARASCHER, G Philosophie des droits de Vhattime Bruxelfes: .
i Editions* de 1’Uníversité de Bruxelles, 1987 p 25 et seq .. . .
t *
. . .
34 MÀCHIAVEL, N te Prihce .Traduít par J Anglade. Paris: Le Livre de poche (Librai - .
36 PETTITI, L E. La Convention européenne 'des droits de Vhemnte Paris: Economica,
riogénérale française), 1983 p 91 .. . 1995. p. 33 v .
.
35 ORWELL, G 1984. Paris: Gallimard, 1950. p..62 63: “A história todà inteira seria
- . . . .
37 Tribunal europeu D H Decisão Duinhof et Dtiijf, série A, v 79, n 34, p 15, 22 . .
um palimpsesto raspado e reescrito tantas vezes quantas fossem necessárias Não
, teria sido possível provar "que a mudança efetuada, em nenhum caso, tenha sido
uma falsificação”.
"
. ^
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maio 1984
dez. 1997 .
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Capítulo 3 i ,
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como ò verdadeiro fundamento da força obrigatória dos compromissos con- ).
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* tuição: como uma brilhante auròra e o pren úncio de um belo dia*, estes tex
tos “são detentores das promessas da liberdade e do bem estar para o povo”'*2
’
- * '
tratuais: “mais que atribuir à vontade abstrata das partes o poder de criar uma
*
lei”, escreve Phílipe Malaurie, “alguns propõem que se funde a força obrigató 1 j - O propósito é exemplar da dupla natureza do tempo futuro que se quer ins-
- .
ria na confiança a relí ance> dizem os ingleses A confiança é inseparável da J taurar: nesse ponto encontramos, simultaneamente, a rjíptura com relação a
segurança jurídica. O preito francês evolui lentamente para esta concepção um passado , desqualificado (a aurora, como as Luzes, rompe definitivamente
-
.
*
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cóm a obscuridade o obscurantismo - dos tempos antigos) e a vontade de
inscrever-se na duração de um tempo regenerado (aurora é “o pren úncio de
Uma tese recente generaliza este propósito: o princípio de “respeito de - um belo dia”). De um lado, trata-se de “destruir leis e costumes existentes”:
\
*
vido às expectativas legítimas do outro” pròva-se simultaneamente fundador .% - “mudar tudo de uma vez nas escolás, nos comportamentos, nos costumes, nos
e regulador do regime contratual.*0 Mais que remeter, o contrato à expressão espíritos, nas leis de um grande povo”;43 de outro, ambicionamos construir
1
'
lação; o código,' diz ele, prolonga a obra redentora de qualquer nova Consti-
*
43 Ibid., p* 11. i
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44 Ibid., p. 2.
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' 45 Ibid., p. 1.
’ 39 MALAURIE, O. Droit civil Les obligations. Paris: Cujas, 1993. n. 610.
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_ Ibid., p. ÍO.
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40 DIEUX, X ± ê Respect d ú aux anticipations l égitimes dyautrui Paris: LGDJ; Bruxe- y
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208 / 209
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Capítulo 3 •V .1 \
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história a ser escrita, uma feliz coincidência prometia ao calendá rio em proje-
O uso sednstalara, nos panfletos e nos jornais, de denominar o ano de *
*
!
to, um belo futuro: de fato, estávamos avisados'que o 22 de setembro (de
r 1789 o áno I da liberdade; mas, é com a proclámação da República, no dia 22
1792 ), data da abolição da realeza e de proclamação da Rep ública, correspon-
de setembro de 1792, que foi dado o passo decisivo: um decreto da Conyen V - dia exatamente ão equinócio de outono. Não se deixou de ver nisso o símbo-
çao estatui que, dali,em diante, todos os atos públicos serão datados do “ano I
da República francesa”, O comité de instrução pública encarrega uma comis- / j
,
àvo
tempps mais negros do Terrof, e sobreviverá por 12 anos: Bonapartè irá supri- >
mi-lo no dia Io de janeiro de 1806.
francês como o fundamento sagrado do novo governo ”48 * .
Mas, não se ia parar em tão bom caminho: erá na contagem de cada
i
*
de ter entrado numa era nova da historia, depois de ter consumado uma rup- |
.
neutrissimo “décadi” Mas, como denominar os outros dias e os meses do ca-
*
lendário republicano? Os projetos se acotovelavam - num momento mais
*
tura sem volta com um passado obscuro e alienante. Ao investir no calendá já - c
rio o gesto revolucionário toma reflexivamente consciência dele mesmo e. de 3 I
4
Sua inscriçã o no tempo, um tempo que se quer colocar a serviço dá grande \ •48 G. Romme,. Rapport sur Fére de la République fait à la Convention Nationale dans
la séance du 20 septembre de Fan Ií de la République, apud BACZKO, B. Le calen-
empresa regeneradora e pedagógica da revolqção. *
drier républicain. Décréter Fétemité. ín: Les Lieux de tnémoire. Sous la direction de
V
•
Tecnicamente, esta revolução do tempo implicava em que se fixasse um i
R Nora. Paris: Gallimard, 1997. p. 72. i
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210
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/ 211
, . Promessa. Ligar o fiituro. v
Capítulo 3
I <
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forte, notemos bem, da tormenta' revolucionária. Romme tendia para um 0 FUTURO COMO PROGRESSO
modelo de inspiração histórica, modo de inculcar no povo ú m catecismo re -
volucionário .simples e cômodo: os meses seriam denominados regeneração,
reuniãOijogo âapéla, bastilha, povo, montanha, república, unidade, fraternida- ,i
^^ O tempo da promessa que estamos estudando abre-se, então, com uma
recusa: a recusa da história' morta que esmaga os
i
homens
sob seu próprio
*
.
de, liberdade, justiça, igualdade Entretanto, fez-se sentir ,que tudo isso era, peso, aquela que gera a “doença histórica”, da qual Nietzsche dizia que acarre - *
talvez, demasiadamfcnte francês para ser verdadeiràmente universal, como se tava a impotência para construir o presente e desejar o futuro.50 Contra a du -
desejava. Do mesmo modo é o projeto pastoral de Fabre d’Églantine que ga - n; ração contínuistavtocada pela entropia, fazem-se ouvir a dçscontinuidade do
nhou finajmente: pluvioso e temidor, ventoso e frutidor, e conseguiria, então, \ imprevisto, a ruptura do instante, a fissura do acidente, a álea da contingên-
a unanimidade. v* cia, a sobrevinda do acontecimento. Contra Cronos, sempre çm vias de des-
A unanimidade? Não mais que a Constituição montanhesa ou os códi
verdadeiramente
-
.
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u truir suas obras, está Kairós, a ocasião propícia que impõe seus direitos, libe-
rando, às ^vezes, uma energia histórica verdadeiramente inaugural: o tempo
>
sem dúvida , para significar que a funda çã o da Rep ú blica marcava ú m tempo j
de não retorno, um momento irreversível, mas quando Bonaparte o aboliu,
sentido desse movimento é uma superação progressiva das servidões do pas
sado e a conquista de um bem estar crescente: Kant identifica o Aufklàrung
-
em Io de janeiro.1806, quase não eram mais encontrados, defensores do gran- .
de projeto de “decretar a eternidade”. "
, '
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com a saída do homem de sua menoridade, ao mesmo tempo em que Con -
dorcet redige Esquisse dyun tableau historique des progrés de esprit humain
'
Este fracasso,'como o dos códigos e das Constituições da mesma épo- j
(1795), Três característicàs ligam-se a esta concepção do futuro: ela valoriza o
- ca, é revelador: sem efeito desinstituinte, era inegável sua força de ruptura
futuro, considerado como superior ao passado; ela se refere a um futuro trans-
* / emi relação ao passado incontestável e, sem dúvida, irreversível. Em contra-
)
parente, cujo sfentido é possível num discurso racional e mobilizador ( uma es-
-
partida, faltàva lhes, ainda, a capacidade instituinte que lhes teria permitido
v alicer çar-$e duradouramente
no corpo social: *caT brilhante aurora” não sus- catologia); ela se produz como/tempo histórico e humanista, considerando-se
tentará a promessa dos bélos dias anunciados. Logo, não basta o tempo fu - “
;
* o futuro como a atualiza ção progressiva da essência humana, o cumprimento
das promessas da humanidade,51
turo ser produzido como ruptura radical ç m rela çã o ao passado , para or íen-
, tar duradouramente o futuro; Compreendia-se, então., que para ser produ- ;s
, tor de futuro e n ã o se consurqir nas brasas do momento, o tempo social de- ;
"
50 NIETZSCHE, R Consid é rations inactuelles. De VutUité et des inconvéhients de Vhis-v
veria simultaneamente se inclinar pelo modo do inédito e se inscrever ,numa \ toire pour la vie. Traduit par P. Rush. Paris: Gallimard, 1990. p. 144, 121,
» pêrspectiva finalizada: romper com o adquirido e, entretanto, mobilizar a
51 Cf. HOTTOIS, G. La dimension du fiitur à travers la temporalité mythique, histori-
que et techno-scientifique. Cahiers internationaux de symbolisme, n. 42/43/44, p. 75.
duração.
212 213
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Capitulo 3
I
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Promessa. Ligar o futuro . *
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FORçAS INSTITUINTES E FORMAS INSTITUíDAS ~
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Ora> parece, à reflexão, que esta projeção num futuro finalizado nunca
pode operar-se tofolmente tábula rasa: Saint Just tentara inutilmente susten- ' ’ , i f
tar que a “ história estava vazia desde -os Romanos”, ele não foi menos levado a . Onde reencontraremos a dialética do instituinte e do instituído, deci-
*
^^
apoiar-se numa Roma ou numa Esparta míticas, Notou se frequentementç: o -
4 *
*
'
didamente central para qualquer pensamento sobre o futuro? O tempo “só-
próprio conceito de revolução, na política como ha astrofísica, pressupõe sem - 1
cio-histórico”, o da ação política, é instituinte, mas tudo se passa como se ele
f pre, neste ou naquele momento, o retorno às origens Se ela se nutre do “mito . não o soubesse melhor: como se não .devesse sabê-lo. É que ele só pode se
-
r do reino”, expressa pela escatologia anunciadora de tempos novos, ela reata,
. tornar visível nas “figuras estáveis da instituição”, e é da natureza das institui-
também, mais ou menos secretamente, a nostalgia das origens e o ‘‘mito do re- - *
ções colocarem -se fora do tempo, como "preservadas de sua alteração perma
torno”.52 O que tenta exprimir se ali, sobretudo e desajeitadamente, aliás; é vque
- \ nente.54 Mas esta denegação não deve criar ilusões: como a língua, a institui -
* nenhuma ruptuta é verdadeiramente radical
-
e que o sentida que ligaremos . j
- _ ção social nãa cessa de se transformar, com aajuda de seus próprios recursos:
a isto/ por mais futurista ou escatológica que seja a ruptura, sempre toma em
^ é, então, paradoxalmente, à vitalidade de suas aquisições, a riqueza de suas tra-
"
-
po, seus ritmos e suas cadências» aos outros grupos sociais; mas o domínio do »
O UTILITARISMO:
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tempo social realizado pelo Estado pressupõe, precisa ele, que o “tempo avan-
ce sobre si mesmo”, compõe com p “tempo da alternância em atraso e avan- “UM RRQGRESSO CONTÍNUO NA FELICIDADE ”
ço” (que é precisamehte ò tempo das regras dospstatutos), do mesmo modo •*
ocorre com o “tempo em atraso sob si mesmo”, que é a temporalidade própria i O utilitarismo é, por hipótese, projeção ao futuro: o bem-estar - que /
, das tradições.53 Dito de outra forma: o futuro não pode, duradoura e eficaz- i
ele erige como .finalidade da ação pública é concebido, de foto, como, pro-
-
* j
mente, sei; tornado presente no atual, a não s r mediante o concurso da insti- .
gresso,.progressiva realização de si, no futuro A legitimidade das ações e .das .
^
tuiçã o de suas regras e até de suas tradições; como 'se o trabalho da mudança 1
regras é, desde então, avaliada em função de antecipações He cálculos de pro-
devesse dispor de uma matéria bêm estabelecida, para operar sobre outra coi- ,• 4 i
-
babilidade.55 Esta busca do bvem estar “ uma idéia nova na Europa”, dizia Saint
* sa além do vazio. i i
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4 . Just - é “um direito inalterável do indivíduo”, proclama a Declaração de Inde- . -
pendência dos Estados Unidas, e a Declaração dos direitos hunfonos e do ci-
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52 BORDEAUX, G. La Vólitique aupays des mervilles Paris: PUF, 1979. p. 144-154.
. i' / .
54 CÀSTORIADIS, C Iflnstituúon imaginaire de la société. Paris:"Semi, 1975. p. 283. t
.
53 GURVITCH, G. La multiplicité des temps sociaux In: La Vocation actuelle de la so -
í
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*
* . .
ciologie Paris: PUF, 1963 t. II, p 366 371 . - .
et le futur Paris: PlÍF, 1985 p 55 56 .. - .
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214 215 \
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Promessa Ligar o futuro .
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paixões que se afrontam acarreta uma precipitação' desconsiderada na confec gativa) o verdadeiro mal a ser combatido: o caso- passado não passa um de
çáo das leis; o resultado: “na França escrevem-se as Constituições como canções,
- ponto; o futuro é infinito, escreverá èle.
63:
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.
57 BENTHAM, / Traité des sophismes politiques. In: Oeuvres de . Bentham, juriscon
J - ‘
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. t
) juriscon-
sulte anglajs. Édité par E; Dumont. Bruxelles: Coster, 1829.1 1, p 490.
.
. .
58 BENTHAM, J Príncipes de législation. In: Oeuvres de J. Bentham, jurisconsulte
.
sulte anglais Édité par B Dumont .
Bruxelles: .
Coster 1829.1 1, p.
,
,
492 493.. -
an- 62 BENTHAM, J Príncipes du Code civil. In: Oeuvres de J Bentham jurisconsulte -’
. an
glais, Édité par E. Dumont. Bruxelles: Òoster, 1829. t í, p 40.
. . *
. .
glais.Édité parE Dumont Bruxelles: Coster* 1829 , 1.1, p. 57 .
. .
, ' 59 BENTHAM, J Sophismes anarchiques. In: Oeuvres de / Bentham, jurisconsulte an
- . , jurisconsulte an -
.
glais Éditépar E. Dumont. Bruxelles:Coster, 1829.1.1, p 555. . 63 BENTHAM. J Príncipes du Code pénal In: Oeuvres de /. Bentham
.
v
. . . , , p 3 . ,.
.
wring, 1838-1843. t III, p. 220.
.
60 BENTHAM, J. Pannomial fragments. In: The Works of J Bentham Edinburgh: Bo . -
glais Édité par E Dumont Bruxelles: Costef 1829 t T
.
64 BENTHAM, j Príncipes du Code civil In: Oeuvres de } Bentham
'
,
.
1
, . ^
jurisconsulte an- -
.
•glais Édité par E. Dumont. Bruxelles: Coster 1829 1.1
, , , p 8 L
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Capítulo 3
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Promessa. Ligar o.futuro. *
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mos seu .benefício para as gerações futuras:65 é preciso, escreve ele, “preparar
m *
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inspiração A instituição será o objeta de uma seção posterior, mas “a idéia de
.
gradualmente as boas instituições” 66 O pènsamento sobre o tempq torna-se '
i
direito” que é seu motor e que tomamos emprestado à G. Burdeau deve ser
aqui, muito forte: “o legislador que deseja operar grandes mudanças, escreve ' apresentada aqui.
*
ele, deve aliar-sé, por assim dizer, ao tempo, este verdadeiro auxiliar de todas t
* .'as mudanças ú teis, o químico que amalgama os contrários dissolve os obstá- . \
V t
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*
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- culos e cola as partes desunidas” 67 Mas, se o gfadualismòjsigníí
f ca lentidão no . “A IDÉIA DE DIREITO : *
progresso, conçta igualínente a idéia de uma progressão indefinida, sem ver-
* *
DM DETERMINADO PROJETO• DE FUTURO
dadeiro ponto final. Certamente, Bentham revela-se um partidário convenci- * í -
U h
V* '
f
- .
ro 71 A? República, os direitos humanos, o federalismo, a igualdade, constituíram
carrega sua marca: continuidade do.trabalho legislativo, continuidade da obe- I , .
diência (entendida como "hábito”), continuidade também do' controle •social t
e constituem aindahoje as alavancas históricas desse género Imaginemos por
exemplo, o formidável poderio dé transformação social que recepciona a exi-
^
(o famoso princípio panóptico não foi concebido para ser exercídd “a cada .
gência da igualdade: uma boa parte da jurisprudência constitucional, américa-
instante da vida do prisioneiro?” ).70 J
10
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/
Futurista gradualista, continuísta, parecem ser estes os traços do tem * ^ j
^ - ^ de equalização das condições; e para além da prática jur ídica, é toda a dinâmi -
po prometeico, próprio ao legislador-reformador moderno mas nos engana
^ í - ‘
i
ca política que se esclarece a partir desta referência a um ideal inscrito num tex -
ramos ao identificar esta concepção do tempo somente com os pensadores
í
i
*
»
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dançáy cujas virtualidades são propriamente incalculáveis. “O amanhã é uma
. .
65 BENTHAM, J Príncipes du Code civil In: Oeuvres de J. Bentham, jurisconsulte an- b .
potência escondida”, escrevia P Valéry:72 desta potência ‘prospectiva algumasN
\
.
glais. Édité par E Dumont. Bruxellès: Coster, 1829.1 1, p 81; cf igualmente Lettres . . . idéias de direito parecem çstar aptas a captar algumas radiações .
X
.
au comte de Toreno. In: Oeuvres. de } Bentham, jurisconsulte ànglais. Édité par E . A idéia de direito, explica Burdeau, é simultaneamente representação,
.
Dumont Bruxelles: Coster, 1829 t. III, p 171 . . . 4
. .
66 BENTHAM, J Sophismes'anarchiques In: Oeuvres de J Bentham, jurisconsulte an . antecipação e efetivação do futuro: mostrà ndo-ó, ele o torna já presente, pma
.
glais. Édité par E Dumont Bruxelles: Coster, 1829.1 1, p. 575 '
. . .
- ‘
.
idéia de direito, como a.de nação, “o sonho de porvir compartilhado”,75 possui
.
67 BENTHAM, ) De finfluence des temps et des lieux en matière‘ de législation In: .
•
“toda a fecundidade da imaginação, todas aspotências do desejo, todos os presr
•
Oeuvres de l Bentham, jurisconsulte anglais Édité par E. Dumont Bruxelles: Cos. . - tígios dos começos” 74 Sem dúvida, tais antecipações não são desprovidas de
.
ter, 1829. t I, p. 194. \
*
.
68 BENTHAM, J Traité des sophismes.politiques In: Oeuvres de } Bentham, juríscon- . . l 4
*
. . .
sulte anglais Édité par E Dumont Bruxelles: Coster, 1829 t I, p 491 .. . . .
>
.. .
71 BURDEAU, G Traité ãe Science politiqne 3 ed Paris; IGDJ, 1980.11, v 1, p. 306 . >
\ 69 . .
BENTHAM, J Of laws in general In: HART, H (Ed ) The Collected Works ofjeremy . .. et seq.
.
Bentham London: Athlone Press, 1970 . r
t
. .
72 VALÉRY, P Oeuvres Paris: Gallimard:La Plêiade, I, p,' lÒ25 .
( .
70 BENTHAM, J. Panoptique In: Oeuvres de } Bentham, jurisconsulte anglais Édité. . . < '
..
73 BURDEAU, G Traité de Science politique 3 ed.Páris: LGDJ, 1980* t III p 123 et seq
. - . ,. .
. .
*
. .
par E Dumont Bruxelles; Coster, 1829.1 1, p 251 . \
‘ . .
74 Ibid., 1.1, p 309
I I
I
218
: 219
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* Capítula 3 «?
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PronteÇa Ligar o juttí rq *
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uma parte de ilusão, do mesmo modo que nãd estão imunes a manipulações y ' dicais com o passado. Ele deve ser antes compreendido com base num modo *
políticas, sempre possíveis; mas pelo menos*ecepciona qm projeto, sem o qual
o grupo não chegaria mesmo a identificar-se como tal. A título derepresenta-
-da metamorfose: ao me$ttio tempo instituído e instituinte, torna-se objeto de
if mutações contínuas, de adaptações permanentes, de remodelagens constan-
Ção de uma ordem social desejável, a idéia de direito está assim, simultanea-
tes. Ele deriva da experiência e da história, procede por meio de tentativas e
mente, na fonte do Estado que realiza um início de execução e, ao mesmo tem- ‘
; ' erros, tateamentos e aproximações; éle avança por deslizamentos sucessivos;
po, para além deste: sempre excessivo em relação a ele, trabalhando sem cessar
ele substitui insensivelmente umas formas por outras, sem que jamais o fio
desde o do interior, a idéia de direito o obriga a se transformar, e amanhã, tal- i .
que as religa se rompa totalmente Sem dúvida, esse tempo da metamorfose,
vez, ela o condenará se achar dificuldade- em traduzir suas exigências. u que combina antecipação e tradição, é paradoxal; menos mobilizador que a
Ao contrário dos filósofos Nacionalistas, que privilegiam as idéias dq or- j
ruptura* radical do revolucionário, menos consolador que a longa duração do
dem e de Èarmonia, esta idéia de direito promete uma concepção dinâmica do / conservador, ele não é menos, ao que pensamos, a aproximação mais exata da
jurí dico: antes de tudo, o direito é uma òbra de imaginação, solução para um ' v
problema inédito, idéia diretiva ( àirectum, direito) antecipando um estado de i'
coisas possível e desejável.75 É afirmar que a ordem jurídica vale mais pelas vir- i
A
I
natureza sempre enigmática do,tempo social pelo menos quando este chega
a instituir, só seria por um tempo, a duraçãoxpie sempre escapa.
8
— ’
, Resta, contudo, que a instituição geralmente nega o tributo que paga ao
tualidades que torna possíveis, que pelos conteúdos dos quais já dispõe: “qual- . , , tempo; é-de sua natureza afirma-se “fora .do tempo”: certamente a instituição
quer ordem estabelecida traz em si seu princípio de deSestabilização, pois seu ' jurídica não se apresenta voluntariamente como produto de um ato fundador
objetivo, sdu termo, seu fim, estão localizados no infinito”?6 - caso contrário, \ instantâneo, e como uma entidade pressuposta a perpetuar-se e durar, seme-
encerrado e estéril, estaria condenado ao desaparecimento:JEntão, julgaremos 1
uma ordem jurídica tanto com base em suas regras estabelecidas, que confi- {
lhante a si própria, até que um outro ato, fgualmenteinstàntâneõ, a tenha re -
V .
duzido a nada Isso nos leva a refletir sobre o instantâneo jurídico .
guram sua forma instituída, indispensável à segurança, quanto baseados em \ >
positivo, nestas condições “só tem valor se permanecer em contato com a idéia INSTANTÂNEOi.: O FUTURO SINCOPADO .
/
de direito”.77 *
V
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*
*
í
.
* #
f
V
* um direito instantaneamente válido não será, de fato, um direito livre dos en- ,
0 TEMPO METAFÓRICO /
1
é traves da tradição, liberado dos laços do precedente, separado dos arcaísmos do
r *
1
r
%
costume e da obscuridade dos princípios - uni direito arrancado às moratórias
.
\
ídi- '
O que concluir destas diferentes tentativas de pensar um tenipo jur * da prudência? Este direito instantâneo, teremos compreendido,;tem os favores
co e social que saiba inovar e durar simultaneamente? O fracasso do calendá- . do positivismo que, de Hobbes até hoje, concentra-se nos aios jurídicos, empi-
rio e dos códigos revolucionários nõS terá ensinado: o tempo jurídico arran- V
cado ao efémero não é o das improvisações passionais, nem o das rupturas ra- /
Lí
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220 1
221
I
V
*
\ Capítulo 3 .
Promessa,ligar o futuro
v *
* :
4 V K
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* » «
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4
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/
oficial ) , que são a expressão das vontades de seus autores: contratantes autôno 3 '
tivo ao qual o jurista deveria fazer justiça. Resistindo às alterações temporais,
mos, governantes soberanqs. Tudo aqui se refere manifestações, pontuais e j a norma se inscreveria num tempo simultaneamente descontínuo e indivisí-
*,
^
.imediatas de vontade: o poder político é conseguido em termos de soberania, ' 1 vel - em nossa linguagem: um tempo instantâneo e virtualmênte perpétuo.
-
o direito subjetivo é apresentado em termos de domínio privado, “Wtllehs- J Este tempo imóvel da norma pide, êntão, pretender conter simultaneamente
macht” diziam, os autores alemães do século 19: poder de vontade;79 nos dois M todo o passado (do qual recapitula as normas anterioras) e todo o futuro, por-
. casos, o ato criador do direito é pensado como sem entrave, ou quase, reduzi- r ! que tlm comó vocação reger (em princípio, indefinidamente); e Camy con-
V
do a um decisionismo que se livra quase totalmente dos laços Com o tempo or- " J clui: “eis porque o tempo do direito positivo é um presente eterno”.
82
din ário e principalmente o passado.60 Então, não estamos muito distanciados • ' In ú tiL insistir, no momento, sõbre o irrealismo. desta análise, muito
. de .uma concepção mágica do ato jurídico: surgido de lugar nenhum, pressu- j ilustrativa, da propensão das instituições a negarem sua relação com o tem-
poè-se que ele. produza instantaneamente efeitos duráveis. Nãò saberemos ‘3 po. Notemos antes isto: mesmo se dividirmos com Camy a preocupação de
nada de sua génese, nem dos avatares de sua execução. Não há- nenhuma neces- . J preservar a norma de incessantes transformações, que, além do fato de mina-
sidade de se perguntar por que e como a norma se impôs, nem em quais con- .'.‘1 rem sua força obrigatória, podem, às vezes, conduzir a interpretações de má-
dições poderá se manter, importa apenas que um ato de vontade lhe tenha con-
ferido a validade - uma validade que continuará plena e completa até omo-
J fé, é preciso reconhecer que a inscrição da regra num tempo “descontínuo-
i
indivisível” nãò oferece nenhuma garantia a esse respeito, ao coptrário: essa
mento em que um outro ato jurídico, igualmente mágico, a invalidará. concepção “descontinuísU” não impede de nenhum modo que o procesfco de
V
produção normativa se embale e o ritmo de edição/ab-rogação dos ^textos se 7
.
fi
presente eterno visado por Camy, do que de- um frenesi de mudança. Sim -
(perpetuidade relativa, sem dúvida, na expectativa de uma. eventual futura ab- 4
.
rogação) Olivier Camy é muito claro a este respeito: a norma jurídica se be-
t
.1 plesmente, neste último caso as frações temporais dominadas pela norma se-
neficiaria de uma presença irreal, de um estatuto “atemporal9’; à margem do V rão breve e mais numerosas. Que se tratasse de valorizar a perenidade ou a
tempo í f sico e das m últiplas coerções que ele acarreta, a norma imporia um * ^
mudança, a ausência total de consideração das transições normativas reduz a.
dever-ser cujo sentido e validade são extra temporais e fixos 81 Longe àe pres- . análise a -registrar o aparecimento e o desaparecimento das normas, sem po-
tar-se complacentemente a quaisquer espécies dê interpretações ( manipula- der, nem explicá-las, nem pensar em sua regulamentação. Separado de qual-
t,
' * ' ções j atualizantes, a norma apresentaria desde então um sentido fixo e itera- quer perspectiva diacrônica, o direito pressupõe-se renascer de suas cinzas, *
r
íntegro e soberano, a cada nova edição - com a pretensão^cada vez, de valer
eternamente.
\
. - .
79 OST, F Entre droit et non droity Vintérêt Bruxelles: Publications des FUSL, 1990 p. 29 . . * *
* . .
„ 80 SCHMITT, C Les Trois Types de penséejuridique Paris: PUF, 1995. p. 83-84 :“a de -
cisão soberana é começo absoluto” . r i /
(
.
vue interdisciplinaire d’études juridiques, p 1 24,^1998 41 - . <
. -
vue interdisciplinaire d*étudçs juridiques> p 16/1998 41,
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222 * 223
%
Capítulo 3
4
V
.
Promessa. Ligarv futuro
.
V /
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FIAT IUS! . . i
sobre o casamento; çontrariâmente ao direito çanôhico, ciosó da duração e da
,
- .*
liberdade real na formação do liame (escalonando promessas de futuro e de -
-
Esta concepção instantaneísta, com o positivismp, infundiu-se no con- •ij praésetiti), o Código cria impasse sobre noivados e quase não se detém sobre os
junto do campo jurídico. Em direito público, evocaremos Carré dé Malberg, Sj *
• vícios de consentimento (“no casajnento engana quem pode”); por outro lado,
para quem ,a Constituição, ato fundador e totalizador, tem a virtude de criar si- 1 uma vez pronunciados os^sim” os efeitos matrimoniais do casamento estão do-
multaneamènte o Estado .e o direito. Fora da Constituição, não existiria/ nem A ravante condensados num regime matrimonial imutável e não administrável.
84
direito nem Estado; somente fatos brutos, relações de força, aspirações mo- Esta concépção elitista da liberdade, destinada a desmontar asarmadi-
rais.55 Promulgada uma Constituição, eis que ela faz surgir do caos umav ordem JA '
Ihas do tempo e a insegurança da duração existénciaí, manifesta-se, também,
jurídica çompletamerite pronta; sendo ela invertida, eis que esta ordém desapa- - 3 nos contratos menos solenes, como a venda. As vendas a dinheiro servem
rece, por sua vez, no nada. O ato unilateral de promulgação da Constituição aqui, segundo Carbonnieiy como paradigma; elas não ocupam, explica, ne-
opera assim como um instantâneo jurídico - um fiat ius! - pelo qual a unida . . jj - nhuma textura de duração; concluídas em um instante pela entrega da Coisa e
de e a personalidade são“conferidas ao Estado; à montante, são escamoteadas . 51
pagamento efetivo do preço, elas não deixam atrás de si “nenhuma esteira de
ídicas sob forma, principal- -m
as forças históricas instituintes e suas tradições jur
obrigação” nem mesmo uma obngação de garantia.85 Na concepção clássica
mente, de idéias e direito (idéia de nação, idéia dé liberdade e igualdade), ao
'
^
passo que, como aval, a duração criadora pressupõe-se contida nas formas fi-
*
do contrato, tudo se passa como se a -qualidade do consentimento não fosse
apreciada, senão num;único instante pontual de sua formulação, de sorte que
-M
'
4
*
xas das prescrições constitucionais. Ao absorver a nação na forma estatal ^ (Es-
-
tado nação) e submetendo o Estado aq direito (Estado de direito), a Constitui- 1 -
quase não é levada em consideração a boa ou a md fé que acompanha tanto o
período de negociação pré-contratual, quanto a fase posterior da execução da
'
i
l
proposto no contrato social em Hobbes, Jatques Hauser pode, então, concluir
a propósito do contrato civil; “ há nisso, sacrifício da liberdade real. A justifh
-
esta visão é obrigada a registrar uma história constitucional, caótica e sincopa- M
cação geralmeníe apresentada reside no sofisma desesperador de que a liber-
da, feita de uma sucessão de revoluções acarretando, cada vez, o desapareci- ' M
dade só j)ode ter um porvir jurídico aceitando destruir-se a si mesma, nascen-
mento momentâneo do direito, do Estado é de todas às suas instituições. 1 t
3
v '
do e morrendo no próprio instante do consentimento”,86
* No direitq privado, também se marca esta vontade de frear a duração real ‘1
,
‘
nas formas í rgidas de uma criação jurídica, ao mesmo tempo instantânea e vir- M9
v «
tualmente perpé tua. Que baste, para nos convencerníos disto, referir-nò^à con- -S \
cépção clássica do tempo contratual, que se concentra inteiramente no instante M
UMA MUTABILIDADE DESEíIFREADA >
nas. Assim era, por exemplo, a concepção que é apresentada pelo Código civil si / » r
, J.Temps et liberf é dans la théorie générale de Pacte juridique. In:Religíon
i . . ..
83 Cf BASTID, R VIdée de Constitution Paris: Económica, 1985 p 29; BEAUD, O La
souveraineté dãhs la ‘Cor
.
ítribution à la théorie générale de FÉtaif de Carré de Mal-
84 HAUSER
86‘ HAUSER, J.-Temps etliberté dans la théorie générale defacte juridique. In: Religíon,
'
.
berg. Revue âe droit public, 5, p. 1.275 et seq , 1994. société etpolitique. Mélanges en hommage à Jacqnes Ettul.Faiis: PUF, 1983. p. 507.
\
^x
224
225
f *
V
Capítulo 3 <
.
ProtUessa. Ligar o faturo
- v
\
V
* í
*
m ínimo de duração, e a seus destinatários, um mínimo de segurança. Mas, a
por contrátos privados, ólegislador manifesta o desejo de uma prorifa entra-
. . .
técnica utilizada torna este objetivo amplamente ilusório É que, inscrevendo y
da em vigor da novâ regulamentação, sempre pressupósta melhor que a pre-
a. regra “forá do tempo” - fora do tempo social efetivo -, privamo-hos de qual ]
quer possibilidade de pensar e dè regular a mudança. Ou, mais exatamente, '
- . -
cedente; a unidade da legislação e a igualdade diante da lei não advogam no
mesmo sentidofpor que, perguntamos, seria preciso reservar somente aos be -
somos conduzidos a avalizar qualquer mudança regular na forma, iridepen ' - neficiários das situações jurídicas posteriores à entrada em vigor da lei, o be-
dentemente de qualquer aváliação de sua legitimidade e de seus efeitos sociais . nef ício de suas disposições?90
Na aplicação do adágio lex posterior derogatprioriy.admite se, de fato, que se 6 ^
- A uestão delicada, e muito complexa, da mutabilidade, dos atos admi-
mesmo órgão adota duas normas contraditórias, em momentos suçessivos, a t ^
nistrativos constitui uma ^segunda ilustração da valorização da mudança por
*
-
segunda impõe se nècessariamente" à primeira 87 *
. •
mudança por ela mesma; esta valorização ê tanto mais forte quanto se conju- ' } ça”: ninguém tem direito adquirido, ensina-se, à manutenção de uma regula -
guem aqui duas filosofias convergentes do tempo: uma concepção utilitarista, \ i
que atribui a prevalência do futuro sobre o presente e o passado (a nova nor , -
1 mentação; a mutabilidade é de princípio, desde que incessántemente se modi-
ficam ás exigências do interesse geral. De resto, a administração não poderia
-
ma sendo, por princípio, pressuposta melhor que a antiga), e um modelo po I - renunciar, a não ser por um tempo determinado, a exercer as competências re- >
sitivista descontínuo, da produção jurídica (a competência normativa sendo ; gimentais das quais foi investida.51 Mesmo os atos regulamentares de alcance
figurada.sob a forma de uma sucessão descontínua de instantes criadores) O ’ . individual, criadores de direito, podem ser revogados por um “ato contrário”,
que assim se acredita é num processo permanente e aotolegitimado de criação } desde que esta hipótese seja prevista pela leie que seja respeitado o “paralelis-
- ab-rogação das normas jurídicas, uma mutabilidade desenfreada da regula Í - mo das formas ’.92
/
Y
V
mentação, um princípio absoluto de reversibilidade dos textos 88 Como se a j
cada mudança legislativa pudéssemos voltar a algum “ponto zero” da juridici- ú
dadé: “apaga-se tudo e se recomeça”
. \
*
Da vida do direito, esta teoria
*
instantaneí
*
sta deixa
,
—
, então, uma visão sin
copada, feita de uma sucessão de imagens sem elo aparente e inteligível. Do sis ^
»*
92 Ibid .
.
çais. Paris: LGDJ, 1997. p 153. ,
89 DEKEUWpR -
DEFOSSEZ, E~Le$ Dispositions transitoires dans la législation civile . .
93 Cf igualmente'BULYGIN, E Time and validity: M: MARTINO, A. A (Ed ) peon- . ..
,
l
I
Y
I
v
' 226
227
\
\ J
que Proust terminava lima frase era o estado da língua francesa ,em sua totali ^ j - V
i
dade que se modificava. É, contudo, não entender nada da vida real das línguas, \ *
Para Hart, esta coíitinuidáde na produção do direito é garantida por um
explica Castoriadis; de fato, antes de separar radicalmente sincronia e diacro- i tipo particular de regras, denominadas “secundárias” (meta-regras, em suma),
nia, o que se precisa explicar é como, tránsformando-se constantemente, a lín- . \ I fixando, de maneira geral, abstrata, e atemporal, as qualidades requeridas e o
gua continua simultaneamente a mesma e outra: Proust, como Valéry ou Apol- . ‘ I -
procedimento a seguir para criar, mo<Aificat e ab fogar as regras jurídicas que
“
linaire Saint-John Perse, inovam sem.nenhunía dúvida... e, nò entanto, nós os Q I criam autoridade.95 Apenas essas normas secundá rias garantem uma tempora-
compreendemos.94 Não é a sucessão de estados diferentes da língua ou do di- « I lidade dominada e contínua, suscetível de assegurar ao soberano a permanên-
' .
reito que merece prender a atenção .É mais, sobretudo, seu engendramento a , J I
^
cia do poder de legislar, mesmo antes de sua “feliz entrada” e depois de sua
partir de uma matriz comum que lhes confere um ar familiar incontestável. A I .
morte Apesar de tais regras, o tempo do direito surge descontínuo e incerto,
. língua,,como o direito, oferece-nos um acesso tanto ao nosso passado como ao - 4 factual, deixado às áleas das relações de força e às contingências políticas.
*
I
/
quais, modificandò-os incessantemente, nenvpor isso os desnaturam. ^ I
I
- ticularidade de regrar ele mesmo sua própria criação e ‘garantir, assim, o cará-
ter jurídico das transições de cada um de seus éstados aos seguínjtes. Resta que,
>
?
1 \
V I se uma Certa segurança, pelo menos formal, for assim garantida, esta meta re- -
]
t
/
A
/; I mica” da ordem jurídica, que se toma pensável pela concepção formal da vali-
dade e da positividade das normas.Daí, de fato, que,a posítividade da regra re-
Nem a teoria nem a pirática jurídicas podem, então, satisfazer-se com ;;; % *
uma tal mutabilidade nem com . um instantaneísmo tão radical. Do mesmo ' sulte do simples fato de que ela procede de um ato criador regular na forma, e
/
cesso pelo soberano que se beneficia dp hábito de “obediência do povo”. Mas, à criação do" direito que se ache acreditada - uma concepção totalmente livre da
Pomo Hart demonstrou muito bem, este modelo, por demasiadamente redu-
referência, a princípio substanciais, de justiça e^ de segurança, por exemplo. '
Sofisticando, assim, suas análises, o positivismo jurídico permite, sem
«
V . tor, deixa sem explicar porque às ordens do soberano serão, em princípio, já
seguidas de efeitos, antes que seja instaurado um hábito de obediência, e por- - * dúvida, ultrapassar as aporias do instantaneísmo puro e simples: os atos jurí r -
que continuarão ainda em tvigor depois de sua morte. Salvo dissolver o direi- dicos sucessiyos são doravante relacionados a um principio formal de criação
^j
*
to em uma coleção de ordens pontuais convém, então, qu.e se assegure simul- (ou seja, meta-regras de competência e de procedimento), .que introduz a >
»
^
taneamente sua continuidade (explicando o título sobre o qual a nova autori- . X*
t
t
( Trad. da Ia ed. por H. Thévenaz).- 4
fl
228 I
229
0 4
V
Capítulo 3 Promessa, Ligar o futuro,
/
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-
\
idéia dõ cóntinuidadç .e de diacroçia. Mas, é preciso que o subliqhemos, trá preciso aprender a discernir as continuidades e as transições profundas atrás
ta-se,; ainda, apenas de uma continuidade processual, garantia somente dç » da aparente criação constitucional ex nihiló’* e além dos pretensos desaba-
l
uma segurança formal: é somente do ponto de vista interno do sistema que a
- i
A diacronia buscada não pode, então, reduzir-se a esta perspectiva ex - j magógicas de circunstância, visa-se atualmente proteger a soberani do “povo
clusivamente formal; a institucionalização jurídica buscada parapensar a con - perpétuo”.100 Contra o voto de disposições constitucionais celeradas, frutos da ^
"tinuidade não se deixa enclausurar nestes mecanismos exclusivamente proces - ] cegueira de um instante, introduzimos normas constitucionais intangíveis e
.
suais É que, se na perspectiva “dinâmica” de Kelsen e de Hart, as “imagens” ju- 1 direitos individuais inderrogáveis. Assim, mesmo à revisão da Constituição
rídicas áe encadeiam doravante numa perspectiva continuísta, é preciso ainda
que ã “montagem”- para prolongar a metáfora cinematográfica - opere-se se-
^ pelo poder instituído com este objetivo torna-se aíualmente objeto de um
-
de valores e princípios valores e princípios simultaneamente enraizados 1
verdade que estas são analisadas como acordos sobre os valores fundadores do
numa .memória e portadores de um projeto de futuro / . grupo, como promessas que engajaín um futuro comum, e não como ordens
Tanto a prática quanto a teoria do direito contemporâneo gúardam ín- v
V
nasce simultaneamente tanto o Estado quanto o direito, é preciso lembrar, *
* r »
v *
como Paul Bastid, qu.e “o Estado não surge subitamente pelo efeito de um gol- 99 BASTID, P. llldêe dt Constitution . Paris: Économica, 1985. p. i 76.
~ i ^
.
pe dê varinha mágica Sua formação histórica é lenta e contínua”.98 Então, é 100 GÀUCHET, M. La Ré vòlution* des pouvoirs , Paris: Galíimard, 1995., p. 45; BEAUD,
O. La Puí ssance de VÉtat. Paris: PUF, 1994. p. 445. *
101 KLEIN, C, Théorie etpratique du pouvoir constituant Paris:PUF, 1996. p. 159 et seq.
q
97 YANNAKOPOULOS, C, La Notioti de droits acquis en droit administratif français. ‘
102 GIANFORMAGGIO, L. Temps de la Constitution, temps de la consolidation. In:
s >1 Paris: LGDJ, 1997. p. 154. Tetnps et droit. Le droit a-t- il pour vocat íon de durer? Sous la directíon de F. Ost et
98 BASTID, P. Vld ée de Cç nstitution. Paris: Économica, 1985. p. 30. M. Van Hóecke. Bruxelles: Bruylant, 1998, p. 339.et seq. " ,
I
i
1 I
<
230 t
231
N
Capítulo 3 s . ' .
Promessa' Ligar o futuro .
Semelhantes mutações são observadas também no direito privado; tia da manuten ção do nível de proteção anterior dos direitos, em questão que
Pode-se dizer, a este respeito, que todo o trabalho da doutrina e da jurispru •
dência contemporâ neas consistiu em reinfroduzir um pouco de duração - e 1
- garante o mecanismo de standstill: como uma trata, que impede um mecanis-
mo de girar no sentido opostp, visa garantir uma espécie de direito adquirido
com ela um pouco de liberdade real- numa mecâ nica contratual que era sin- » '
legislativo. Um limite material é assim posto em poder do legislador de ab-ro-
gUlarmente desprovida disso. A.crescente atração pelo tema da boa-fé, que gar ou modificar, num sentido regressivo, uma regulamentação protetora de
desde entã o autoriza o juiz a operar um certo policiamento, tanto da negocia- uma liberdade ou penhor de um direito.105
ção, quanto da execução do contrato, é um signo entre outros.103 Negociar e j Assim, o artiga 13 do Pàcto Internacional da ONU, relativo aos direitos
. executar uma convetição .de boa-fé é, de fato, permitir ap tempo que realize , * económicos, sociais e culturais, atribui ao Estado a obrigação de garantir pro-
r ' sua obra: no cômputo final, ele permite ao consentimento que amadureça ná
^ gressivamente a gratuidade do ensino secundário e superior. Se os detalhes não
serenidade (assim como agora os prazos de reflexão que precedem, obrigato- 1 podem, serii dúvida, coagir de imediato o Estado a realizar as condições desta
riamente, a conclusão das vendas a prestações), e, como aval, elé autoriza a to- :r'> gratuidade, pelo menos podem, devido ao mecanismo de standstill, oporem-se
- mada em cònsideração de uma mudança importante de circunstâncias, em .
vista de um ajuste eventual das obrigações subscritas.
a que os poderes públicos, modificando a legislação anterior, tomem medidas
regressivas que se traduzam em um encarecimento do custo dos estudos. Na
Até a mutabilidade das leis e do regulamento, que evocávamos mais ,
falta, em nossos Estados-providência em crise, de poder ainda .esperar um
acima, não ficou de vez em quando sem passar por.temperamentos e limita-
aprofundamento das proteções sociais, este tipoide limite garante pelo menos
ções. Se ele estiver preocupado com uma aplicação imediata das novas lfeis, o j uma consolidação das aquisições sociais em seu nível de proteçã o atual.106
,
-
encontrada da segurança jurídica uma segurança jurídica que o Conselho de
Estado francês colocava no centro de seu Rapportpublic, de 1991 e que abran-
lheres casadas, por vezes, acarretou a sobrevida provisória da lei antiga, em seu \ ge atualmente o conjunto do direito público, por instigação,' notadamente, dos
benefício.104 *
dois Tribtinais europeus,107 Assim', o princípio dito da “confiança legítima”
-
Um novo mecanismo dito iCstandstilF ou “efeito de trava” - opera no 4 vem limitar o poder de ab-rogação e de modificação dos regulamentos, tanto
mesmo sentido: muito típico de uma época devotada à desregulamentação, 1
é verdade que as mudan ças mais frequentes são de natureza a minar a confian-
J
esta técnica tem como efeito extrair de uma norma superior (constitucional'
ou internacional), não necessariamente por si mesma aplicável ‘diretamente, 1
^
um princípio de interpretação que aplicado a normas inferiores, diretamente A . ^ ça dos cidadãos; quanto aos atos administrativos individuais criadores de'di-
, rçito, o respeito aos direitos adquiridos, em princípio, coloca barreira à sua re-
tirada. E mesmo os atos administrativos individuais e regulares, cuja precarie-
%
aplicáveis por sua vez ( uma lei nacional, por exemplo), opõe-se a' qualquer i
modificação destas, em forma dé regressão. Dito de outro modo, é uma garan- A
.
105 YANNAKOPOULOS, C La Notion de âroits acquis en droit administratif français .
..
Paris: LGDJ, 1997 p 40 etseq., assim como a doutfina da jurisprudência citada .
103 HAUSER, J. Temps et liberté dans la théorie générále de Tacte juridique. In: Reli- . ,
106 ERGEC, R. Introduction générále In: Les Droits économiques sociaux et culturels
.
gion, sociêté et politique Mélanges en homnmge à Jacques Lllul Paris: PUF, 1983 . . .
dans la Constitution Sousla direction de R Ergec. Bruxelles; Bruylant, 1995. p. 15,
- .
p. 507 510 \ assim como a jurisprudência citada. „
104 DEKEUWER DEFÓSSEZ, F. Les Dispositions transitoires dans la législation civile
- 107 PACTEAU , B .Là sécurité juridique, un principe qui nous manque? AJDA, p. 151 y
J
contemporaine. Paris: LGDJ, 1977 p. 234. 20 juin 1995 .
s
^
232 233
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4 i V
4
« X Capitulo 3
V * .
Promessa Ligar o futuro . <
4 *
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«
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dade déyeria ser radical, acabam por se beneficiar com a consolidação tempo-
>
- %
1
ção.completa do direito a partir desta categoria Ora e eis que nos interessa
diretaménte - Hauriou é, sem dúvida, igualmente, o jurista francófono do sé-
f
1
„
ral: uma vez esgotado o prazo de recurso que permite atacá-los diante das ju-
risdições administrativas, não podem mais, em princípio, ser retirados; o tem -
po desempenha, aqui, unvpapel de estabilização ou cristalização da situação
^\ culo 2Q que mais esteve díretamente preocupado com a temporalidade: “se o
direito não utilizasse o tempo, escrevia, se se reduzisse a atos instantâneos,
irregular 08
'
.
nada seria” 110 Precisamente, a instituição é a seu ver o mecanismo que permi-
^
i
i
>
\ aleatória de instantâneos jurídicos,.ou à sua ‘articulação puramente formal e De fato, será sempre o càso, para Hauriou de equilibrar duas idéias vir-
^
tualmente antagôniçasr a estabilidade e a mudança, ambas nécessárias à har-
processual, eles pretendem substituir a formulação e o início refletido de um yj
processo da sociedade, inscrito na duração.109 Isto abre caminho para uma re-/ J
^
r
( .
monia social XJm ambiente exageradamente instável desencoraja os çmpreen -
flexão mais aprofundada sobre a relação entre instituição e tempo futuro da «
dimentos e paràlisa as liberdades: as previsões são incessantemente frustradas,
1
promessa.
’
.
os impulsos paralizados Certamente, “o Estado não é somente a ordem no es-
paço, é igualmente a ordem na tempo”;112 quanto ao direito, se for verdade ,que
á
t <
tlJ
r , como “ars stabilis et securi” 113 Mas estabilidade não significa estatismo; deve-
I
"
BERGSON, HAURíOU E A DURAçãO CRIATIVA "
4
«
4 %
> <! pensamento jurídico deve, então, dar lugar à mudança: com a duração orga-
E um paradoxo, se bem que central na vida júrídica: á noção de insli -^ nizadora ela deve combinar o instante detentor de iniciativa e gerador de mo-
tuição raramerite foiestudada por ela mesma. Nçstaconstatação', uma exceção vimento. A liberdade desta vez tem o seguinte preço: se a instituição é neces -
notável,, entretanto: a obra de Maurice Hauriou, que propõe uma reconstru , ) - sária, ela não pode cristalizar-se sem frear a autonomia: “é preciso sair, escre-
i
ve ele, da maquinaria das instituições sociais que, ao longo do tempo, sufocam
108 LEWÁLLE, P. Légalité, sécurité, stabilité en droit administratif. Un équllibre introu-
4-
*
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V
* >
.
Vable? In: Líber amicorum Yvoti Hannequart et Rdger Rasir. Bruxelles: Kluwer,- 1997. < 110 HAURIOU, M. Aux spurces dti droit. Touloúse: Cehtre de philosophie politique et
|
109 Comò o deixaVa entender C. PÉRELMAISf (Ce quuneréflexion surle droitpeutap- 111 HAURIOU, M. Précis de droit constitutionnel 1. ed. Paris: Sirey 1910. p. 14. V
113 HAURIOU, M. Précis de droit constitutionnel . 1 . ed. Paris: Sirey, 1910. p. 61; cf.
to á deduções perfeitamente previsíveis, crê poder encadear o tempo, e o “político”
igualmente HEBRAUD, P. La notion de temps dans Toeuvre du doyen Maurice
«
que, dissolvendo o direito em uma sucessão de decisões imprevisíveis, retira do tem
po qualquer consistência. Entre estes modelos rícionalista e resolucionista, é de uma Jt
- Hauriou. In: La Pensée du doyen Maurice Hauriou et son influence. Paris: Pedone,
1969, p. 179 et seq.
racionalidade prudencial e de uma temporalidade dialética que o direito.realça. /
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Capítulo 3
* Promessa. Ligar o futuro. *
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direito privado, quanto no direito público. O próprio Hauriou resumia sua
t
...
[ ], Onde iria sê refugiar a autonomia do indivíduo ,e, principalmente, por
^
qual abertura poderia atuar sobre o, mundo ?”114 *•
teoria da instituição nestes termos: “as grandes linhas desta nova teoria são as
Observado deste â ngulo, o tempo jurídico é “virtualidade”; isto é, um seguintes: uma instituição é uma idéia de obra ou eihpresa que se realiza e
poder ainda não atualizado e, contudo,\)í possível que opere pela representa- dura juridicamente num ambiente social; para a realização desta idéia, um po-
^ der se organiza à procura de órgãos, e de outro lado,.entre os membros do J
. 1
ção que nós fazemos dele e a projeção^ que nelé fazemos; cpmouma alavanca t
— -
9 W
. grupo social, interessados ria realização desta idéia, nele sé produzem manifes
transformadora do presente Como $e o porvir um pçrvir desejável e mobi ! - tações de comunhão dirigidas pêlos órgãos do poder e regrados através de
- -
*
* *
possíveis ações* Mesmo que Hauriou não utilize esse vocabulário, fica claro processos**116 • % 1
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-
unicamente interessar se pelos estados de equilíbrio do sistema é também le f
^ - concursb. das forças sociais retentoras do projeto, uma virtualidade, uma for-
var em consideração as turbulências, as descontinuidades, os estados de tran - 4 *i
ma de potência toma corpo progressivamente em um ambiente determinado.
.
sição O tempo que se faz valer nessa perspectiva.é aquele que denominamos
Uma vez precisada a idéia e realizada^ a previsão, surgem ótgãos destinados ao
' “tempo da metamorfose”, ou rnudança gradual de um organismo cuja identir 1
governo da organização; uma Constituição rege sua marcha assim como os
dade permanece, contudo, inalterada. E próprio do organi$mo^vivo, explica
Hauriou, manter-se em seu ser, mesmo quando sua substância se renove in- s
- equilíbrios a se instaurarem entre eles. Enfim, a instituição tende a implantar- -
se em profundidade no corpo social: beneficiando-se da adesão renovada de
' .
céssantemênte Do m esmo-modo os sistemas sociais: na condição de.serem or 1 - seus membros fundadores e do agrupamento de novos aderentes ela se esta-
gatiizados, poderão atravessar os séculos apesar da mudança contínua de seus J /
este virtual - como se fosse o caso, para a forma “sociedade anónima” no direi-
*
% \
to com ércial ou “Estado” em direito público, é este ao final de um processo ha-
/
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\ * » V
Vejamos: é o conceito de instituição que realiza a tradição jurídica des- '
v bitual, geralmente bastante longo, instaura-se uma continuidade jurídica que
ta filosofia do tempo social. A instituição que enriquece o modelo jurídico ' ] '
t passa pelo momento objetivo da “incorporação” (quando um poder suscetível
moderno articulado em torno dos pólos, da vontade, do indivíduo e do ins t
tante, pela consideração dos pólos complementares do estatuto, do coletivo e ,
- de produzir as regras de organização posterior do grupo se institui), e o momen-
to subjetivo da “personificação” (quando “o cidadão” ou “o acionário” dá teste-
/
da duração. Mesmo qub as formulações de Maurice Hauriou sejam irequen j - munho de sua confiança renovada na instituição à qual adere):A continuidade
temente leves e, ás vezes, tintadas pór Um vitalisnio e um idealismo atualmen- . subjetiva da adesão vem assim reforçar a continuidade objetiva da idéia instituí-
te ultrapassados, é preciso reconhecer que lançou, assim, as bases da rigorosa v
.
da hfião é preciso, portanto, enganar-se com isso: por si só, as manifestações de 1
/
teoria da instituição cujas aplicações são inú meras, como veremos, tanto no t
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116 HAURIOU, M. La théorie de finstitution et de la fondation LU cité moderne et les
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vontades individuais não bastam' para garahtír a. “solda dura” entre o passado, ' ' * presa” enquadra a expressão das Vontades individuais. E Hauritfu se utiliza da
*
presente e futuro; encarados sob sua face voluntária - unicamente como “poder * metáfora bqtânica, os fundadorés poderiam ser comparados aos plantadores: ,
*
, 'de vontade” (a
Willensmacht da doutrina alemã) -, elas se refeririam a veleida- “eles confiam ao ambiente social uma idéia viva que, uma vez enraizada, aí se
des esporádicas e descontínuas: consultas eleitorais, reuniões públicas, votações t .
desenvolve por si mesma” 120 Na sequência, o efeito unificador da idéia irá vçr-se
i \ i desta ou daquela lei. Para produzir a duração procurada, elas devem inscrever- J mais reforçado pela ação própria dos poderes estabelecidos (a assembléia geral '
Se no que Hauriou denomina uma “ trajetória”: a trajetória dá idéia diretiva que de uma associação, por exemplo, cujas resoluçõesse impõem ao término das vo-
reata entre elas as diferentes fases do desenvolvimento considerado. Sem dúvi - • tações majoritárias e não necessariamente unânimes), assim como pelos proces-
,
sos em vigor, cujo efeito é encadear no tempo as fases descontínuas da ação.
> »
da, esta »idéia diretiva deixa-se raramente apreendçr positivamente e em toda sua *
*
Assim, pois, para a instituição o homem foi dotado dè um instrumento
NU
1 .
res Melhor áinda que o contrato, a Instituição garante a empresa do homem
OS FUNDADORES E OS PLANTADORES
i
sobre o tempo, ampliando seu horizonte e Inscrevendo nele uma trajetória que
outros doravante poderão tomar de empréstimo. Mas se ela sabe utilizar o flu-
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* *
A operação de fundação, que dá nascimento à instituição, não deixa, . xo do devir, a instituição nem por isso não o cristaliza; sabemos bem que, se
contudo, de ser paradòxal: como explicar, de fato, que vontades individuais nãcrfor ihcessantemente revivificada ela seria tomada pela usura e pela inércia.
mesmo convergentes, possam engendrar um cqrpo social? Como explicar, ain- ' Igualmente, a revisã o periódica de suas regras e processos, longe de ser analisa-
da comO um fracasso de suas previsões, é a^garantia de sua continuidade.
i
dá, que os efeitos de direito assim produzidos sobrevivam de muito aos funda- *
V
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*
dores? Não haverá, aqui, “desproporção entre a causa e o efeito”? Tudo se passa, *
-
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de fato, como se “os fundadores primitivos tivessem feito mais do que po /
V
.
diam” 119 Hauriou, ao colocar tais questões, aborda de frente o enigma que per - UMA IDéIA QUE TEM FUTURO *
*
- '
corre todo este capítulo: como engajar o futuro? Como conceber que se possa V
atá-lo através de normas? Exomo nós já o fizemos muitas vezes, ei-lo conduzi- /
/
1
.
' empenhará amanhã os novbs aderentes O estatutário” vem, assim, estabilizar i
“ ‘ -
direito só existe sob a forma da instituição instituição de formas m últiplas, de
resto, e não somente estatal: deste ponto de vi$ta, Santi Romano surge também
.oImpulso •contratual inicial, do mesmo modo que “a idéia de obra ou de em * - i t
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> . .
118 HAURIOU, M La théorie de Pinstitution et de la fondation La cité moderne et les *
\
I
.
transfomations du droit Les Cahiers de ía tiouvelle journée, Paris, n 4, p 37, 1925 . . .
. . -
transfomations du droit Les Cahiers de la nouveltejournée, Paris, n 4, p 30 33,1925 . t
. . . .. .
p
. .
119 Ibid ; p 37, 1925, 121 ROMANO, S VOrdfe juridique Traduit par L François et P. Gothot 2 ed Paris:
*
*
*
Dalloz, 1975. V
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238 239
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como um dos primeiros teóricos do pluralismo jurídico A regrai a sanção não titucionalj surge como um centro autónomo de decisão, capaz de organizar
* » "**
são, assim, nem específicas do direito, nem sua manifestação originária: existem, - •seu meio ambiente pela produção de regras c[ue lhe sã o próprias Perseguindo
finalidades específicas e surgindo, nos melhores dos casos, como uma comu-
.
de fato, ordens jurídicas desprovidas de normas escritas e nas quais prevalecem \
formas indiretas e difusas de sanção.122 Antes, de ser norma e sanção, o direito é ‘ nidade no seio da qual coabitam capital e trabalho, a empresa apreseilta per-
*
organização, estrutura: instituição. Através do que ele visa uma “consciência so - feitamente a existência autônçma de uma instituição.127 Importada da Alema- .
cial objetiva”, um conjunto de relações de força e de autoridade que criam, apli - .
nha para a França por P Durand, esta concepção institucional da empresa
cam, modificam, fafcem respeitar as formas em vigor.1*3 u
i
segundo benefício desta teoria institucional, ela permite que se fuja de uma pers í - nem. como monolítica - ela é o objeto de uma discussão permanente* “O que
*
pectiva estritamente contratualista, ,que só engendra “relações jurídicas” subjeti )* - i
dá a unidade’*, escreve, não sem paradoxo, Charles TaylorJ “é sobre isso que dis-
vás e passageiras entre duas ouyárias pessoas, mas sem chegara elevar-se à.per- , t .
vcordamos, é o centro da controvérsia
*
** 131
manência e à consistênda do direito objetivo. A família poderia, aqui, ser citada •£ . \
*^ .
"
.
Dalloz, 1975 p. 14-15. ' ' .. .
127 ROBÉ, J -P Lordre juridique de Tentreprise Droits, p 163 et seq , 1997 . .
•
i23 Ibid., p. 19, 15. 128 SUPIOT;A. Critique ãu dròlt du travail. Paris: PUF, 1994 p 178 .. .
/
124 Ibíd., p. 31. • v
.
129 Ibid , p. 33, 179 et seq. •
*
<
125 Ibid., p. 28 . . .
130 TAYLOR, C Les iristitutions dans la vie nationale Esprit n. 3/4, p. 99, 1994.
^
126 Ibid., p. 48-51.
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° 131 Ibid . y
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Capítuló 3
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Promessa, Ligara futuro . I
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ção, contudo, de pensá lo como poder contínuo, e não somente como poder *
agostiniana, que se contentava em opor a eternidade do Criador ao tempoiiu-
soberano. A soberania serposiciona do lado da vontade e, assim, da capacidade ’ '
*
das relações de força. Muito cedo, parece, cavou se esta distinção entre o titu
- »
1
*
lar de poder, agindo híc et nunc no plano sincrònico, eia própria dignidadeque de Divina: enquanto esta última é atemporal, desprovida de passado, de pre-
representa este poder - um poder que'se desdobra tal como nele mesmo a sente e de futurò, o aevutn caracteriza Uma duração sem dúvida infinita, mas
eternidade O muda” sobre o eixo diacrônico. fista distinção, de uma excepcio feita de movimento e mudança, e, logo, dotada de um passado é de um futuro.
>
- • Bem depressa este aevtim , categoria intermediária entre eternidade Di-
*
nal fecundidade, mergulha suas raízes nos trabalhos dos canonistas e dos civi- w
listas da Idade' Média, eles meá mos inspirados pelas fontes romanas; ainda . vina e tempo humano, foi associado ao tempo dos anjos: criados como os ho-
1.
' mens, não são, entretanto, eternos como o próprio Deus? Logo, o aevutn seria
*
metamórfico que não paramos de cruzar, que será consagrado esta seção. •7
se povoar de Corpos angélicos, pequenos e grandes, dotados de um “corpo
O estudo de Ernst Kantorowicz, consagrado aos Dois Corpos do Rei, é, místico” destinado a transcender o caráter necessariamente transitório das
neste ponto;central? o mergulho què ele realiza na Idade Média ocidental mo-
<
i
vòrítades e das ações humanas. Precatemo-nos de ver nisso apenas delírio mís -
nárquica e cristã, enunciando de iodas as formas anualidade do Corpo Natu , .| J - tico e fábula irracional: com o aevutn e o corpo abstrato dos coletivos huma -
ral do Rei e de seu. corpo místico, que nele se encarna, sem reduzir-se a isso, £ nos, o pensamento jurídico acabava de. dotar-se de um instrumento suscetível
»
esclarece de forma decisiva a origem dó conceito moderno de Estado. No de de unir duradouramente o laço social.
.
4
- ~
Mas a origem da idéia é explicada, também, e de início, por necessida-
• 3
. oh!; tão eficaz, de um corpo político invisível, formado pela reunião do povo des práticas: a ficção de uma continuidade quase infinita das instituições, a do
e do Reir cuja realidade e legitimidade logo prevalecem sobre as que se ligam reinado principalmente, era exigida pelas necessidades de sobrevivência da
ao corpo í f sico do monarca.1?2 *
)
.
própria instituição Como, por exemplo, garantir ao reino entradas financei-
ras regulares? Chegado um tempo em que não se conformariam mais com as
*
\
-
í
imposições ligadas a um acontecimento cada vez singular, como a guerra ou a «
*
dotação da filha do Rçi, impõe-se, então, a ficção de uma perpetua necessitas: ,
*
com o fisco, nascia a idéia da continuidade do Estado e dos serviços públicos
--
4
A origem da idéia parece ser simultaneamente teórica e prática. No pia ' como , por outf o lado, opor-se às tramoias do próprio Rei, que poderia ser ten-
' . no teórico o elementodecisivo é a redestoberta por yolta do século 12 e por in A tado a alienar porções do domínio público, assim como Ricardo II, acusado
’ * term édio dos filósofos á rabes, entre os quais Averrpis, da teoria aristotélica da j de “crimes contra a Coroa”, de deserdar o próprio reino? Para responder a esta
amea ça, ò conceito de “Coroa’’ era elaborado progressivamente distinto da
n ã o-criação do Universo? não criado, o mundo desfrutaria, então, de uma per
* >
- /
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*
133 KANTOROWICZ, E. Les Deux Corps ãu fiou Traduit par J P Genet et N Genet. Pa . -
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„ .
ris: Gallimard, 1989. (Pédition anglaíse date de 1957). *
-
132• KANTOROWICZ, E Les Deux Corps dwRoL Traduit par J. P. Genet et ISf. Genet. Pa
- n
<
é, ris: Gállimard, 1989 p 209
i
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242 243
Capítulo 3
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ProtnàssíL Ligar o futuro .
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*
pessoa do Rçi que a usava. Principalmente, como regrar ò delicado proble v auto-regeneração pfef ínanente e renovação sucessiva de seus membros, a ins-
\
134 “
- *
sagra çaó. Seria por direito de nascimento inerente, por transmissão de linha Conhece-se o ponto de chegada mais célebre desta doutrina: a imagem 1
,
- \ dos “dois corpos do Rei” elaborada pelos: juristas ingleses na épocados Tudor,
gein do sangue real, e sem que nenhujna cerimonia fosse necessária, que a dig-* 1
4
.
nidade real seria transmitida 135^ Importava, de fato, acima de tudo, que a inter - e o adágio célebre na Erança do século 16 segundo o qual “o Rei nunca mor-
re” Em uma só pessoa o Rei concentrava duas qualidades: o ser carnal, pode- ,
rupção da continuidade do poder, fosse a mais breve possível, que não depen- *
' desse absolutamente de um ato jurídico, de uma voqtade política, ou de uma roso hoje mas destinado à morte próxima, e o titular abstrato de uma digni-
cerimonia litúrgiça, todas estas coisas submissas às áleas dá conjuntura. \ dade, que lhe sobreviveria. O modelo mitológico da Fénix foi, aqui, natural-
r
X Â conjunção destas construções'práticas ( a continuidade dinástica, av. # mente imposto aos comentàristas, para dar conta de uma qualidade igual-
l
» (
Coroa, a perpetua necessitas do fisco ) e da elaboração filosófica do aevum } eter- ' 3
# LM
mente assombrosa: como o Rei, a Fénix é simultaneamente mortal e imortal;
nidade movediça dos corpos místicos, permite lógo, que se chegue a uma idéia % como o Rei, ela concentra em sua pessoa o Indivíduo e a espééie. Único indi-
víduo de sua espécie, a ave fabulosa tinha, de fato, esta particularidade de auto
de síntese: a de “coletivos que não mordem”. A Igreja, de resto, precedera o di
reito neste terreno: uEclesiae numquam moritur” pregava se. E o modelo era i -
- I
geração: chegada ao fim de seus dias, punha fogo em seu ninho, atiçando a fo-
gueira com suas asas abertas e depois logo renascia, das cinzas do braseiro.
romano: não se dizia igualmente do povo romano, que ele nunca morria?'Bal- -^ Baldo e seus sucessores não deixarão de explorar esta imagem:137 assim era o
*<
do, o glosador do século 14, não encontrou dificuldade em transpor este en
sinamento do Império ao reino: “A totalidade ou a comunidade política do ' ~ j
j - significado simultâneo, tanto à vitória da morte quantç a vitória sobre a mor-
reino não morre, porque uma comunidade política continua a existir, mesmo te. Justamente a mensagem necessária' para o estabelecimento de instituições ^
quando os reis forem levados”.136 ^ jurídicas suscetíveis de ligar o futuro, tomando a exata medida do tributo a
V
pagar, ao tempo que passa e que muda.
* »
«
\
3
Nossa teSe é que os teóricos modernos da instituiçã o e do Estado só fi-
I
OS DOIS CORPOS DO REI zeram reformular, e frequentemente num desconhecimento profundo destas
c
s n construçõès medievais, o que já estava expresso com uma perfeita clareza na
doutrina dos “coletivos que nunca morrem”. Em seu monumental Traité de v
'
Opénsà mento teológico político da Idade Média chegara, assim, à ela-
boração das idéias de universitas, oq coletividade política fictícia, distinta de Science politique,Burdeau pareceTpor exemplo, redescobrír com a institucio-
, J nalização do poder no’Estado o fato de < ue “o poder está dissociado dos indi-
•
seus membros empíricos, e dedignitas ou prerrogativa abstrata do poder se-
parado de sçus titulares concretos,, cujo tempo não era mais aquele, transitó
rio, da vida e da vontade' humanas, mas aquele virtualmente perpétuo da ins-
*
-
^ ’
^
víduos que assupiem transitoriamente a tarefa, para ser atribuído a uma enti-
dade permanente, o Estado”.138 Desde que os homens perceberam que o poder v
.
tituição Perpetuidade mutante cujo princípio, contudo, era o da sucessão: por não era explicado, pelas qualidades naturais do chefe que o eXercia, e nem se
*
*
reduzia a isso, eles procuraram, explica Burdeau, uma explica çã o, de início dõ
r t
r
*
134 KANTOROWIOZ', E. Les Deux Corps du Ra /. Traduit parJ.-Pt Genet et N. Genet. Pa- n
244 245
Capítulo 3 r; t
Promessa;ligar o futuro. V
* *
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* J*
/N »
como sínibolo de uma função. Cabe aos teóricos modernos da política pros-»
1
. .
seguir o mesmo trabalho no plano, desta vez, do corpo do poder, pois opovo,
no regime constitucional, é ele também, por sua vez, dissòciado. De fato, se,
O Estado moderno sériá, sempre de acordo,com Burdeau, a racionalização
como o Rei, a República ou o Estado ou o povo não morrem, é justamente
v
desta crença.139 Ao final desta evolução, o poder (aqui estatal) é progressiva - .
' , mente libertado de sua ligação subjetiva dos governantes, ao passo que seu \ . porque nele se deixam distinguir duas instâncias: a maioria que hoje quer, fala
e vòta, e o povo transtemporal que constitui sua ideia reguladora. Esta idéia,
princípio parecia, agora, derivar de uma esfera ao mesmo tempo mais perma -
nente e menos empírica . 4
i
que pode parecer perfeitamente especulativa, poderia, ao contrário, estar na
origem de um real aprofundamento do projeto democrático. Sãcf as teses de
t Esta inscrição numa “outra cena” é preciso sublinhá4o claramente, não l * • » «• **
põe ser o direito de palavra delegado pelo povo aos representantes, salvo nó
X
víduos] somente como um processo, mas signifique a seus olhos um compro < - decorrer do breve instante das Consultas eleitorais. Sieyès não proclamara que
metimçnto tomado em nome deles; é preciso que eles associem as manifesta-
ções exteriores do poder à idéia de- uni projeto"coléth)o que o grupo formula . *
,
“o povo só pode falar, agir, através de seus representantes”?141 E a lei Le Cha -
pelier, de 4 de junho de 1791, que suprimia as corporações, não proibira aos
para dominar seu destino”.140 , \ associados “tomarrespluções ou deliberações sobre seus pretensos interesses
Eis-nos conduzidos a partir da fábula da “Fénix que não morre”, a uma :
,
-
I
comuns”? Sabe-se que a distância assim cavada, entre vontade dos representa
,
concepção muito mais rica dâ instituição estatal: sua inscrição ha duração
^
transformadora do aevtftn não sem mais, apenas, como há pouco, para resol-
-i dos e palavra dos representantes (liberados de qualquer mandado interativo )
acaba por engendrar a crise atual da representação e a peida de confiança nas
ver problemas práticos de sucessão ou de imposição; ela abre o caminho para a l instituições. É que uma outra concepção da democracia nãò pá ra de insistir,
v
compreensão da parte decisiva assumida pelo Estado na constituição do làço so- j aquela que Alain definia nestes termps: “o que define a democracia não está na
ciai. Mas, para compreendê-lo, é preciso mostrar çomo a dissociação operada
i
—
•
caracteriza agora o próprio povo no. quadro de Estados tornados democráticos. ‘ sobre os governantes**142 Durkheím, por sua vez, evocava “uma comunicação
4
b
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4
*
*
ininterrupta entre os representantes e os cidadãos” 143 .
Inúmeros mecanismos vêm atualmente dar corpo a estas idéias de
DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E DEMOCRACIA CONTíNUA
»
* v V
*
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*
;
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“controle continuo” e de “comunicação ininterrupta”. Avalizando estalei, cita
remos as sondagens de opinião, o papel das mídias e a censura dos cursos ^
-
*
Os teóricos medievais do poder obraram, vimos, em pensar a dissocia-
<
[5 4
4 . .
la direction de D ’Rousseau Paris: LGDJ; Bruxelles: Bruylant, 1995 p 8
1
...
139 BURDEAU, G. Traité ãe'Sciencepolitique . 3. ed. Paris:1GDJ, 1980.1.1, p. 228-229. r . . -
142 Ibid , p 15 16. *
«
V
246
\
I
247 .
—
*
\ Capitulo 3
*
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Promessa* Ligar p futuro,
* i '
I ' * \ i
* »
(
*
constitucionais. Realizadas um n ú mero indefinido de vezes entre as consultas i ' a anulação de lei, motivados por'interesses egoístas, mais que por preocupa-
* * *
eleitorais, as pesquisas oferecem à opinião uma representação permanente de <
p *
-
j
ção com princípios, são alguns índices entre outros da realidade deste risco .^
V
-
si mesma uma representação direta e mutante, adaptada às mudanças cons •
tantes de circunstâ ncia.144 Quanto às mídias, elas podem pretender rivalizar
- !]
Sepi dúvida, e ao contrá rio* poderíamos entender, com justiça, que es-
tes mecanismos representam também uma oportunidade de aprofundar o
-'
i
-
com os representantes eleitos no papel da expressão das necessidades e dos 1
i
projeto democrá tico: ampliando o acesso à produção legislativa generaliza-se
1
sentimentos do po o/ no quotidiano. Os cursos constitucipnais, enfim, erigi- ! um princípio deliberativo e torna-se menos fictícia a imagem da “vontade ge-
>
^
dos como intérpretes autorizados da Constituição e em censores do» legislador, *j • ral”; ao permitir a uma minoria, até mesmo a um só indivíduo, solicitar a cen-
•
-
surgem doravante* a título de co constituinte, como o porta voz mais.emi- - *
sura da lei, damos uma oportunidade suplementar para melhorar seu texto e
nenfe dos direitos fundamentais e da vontade transitória do povo. Nos três ca «
sos, como se vê, a representaçã o parlamentar perdeu seu monopólio de orái
*
- ^ torná-la mais conforme aos princípios de base (o que denominamos “promes-
sas” ) pelas quais clamamos. Poderemos dizer, então, que além dos sobressal-
-
culos da vontade popular; exprimindo se por via de sondagens, de m ídias e de
*
recursos diante dos Tribunais constitucionais, o povo saiu de seu mutismo e dos instantâneos mais ou menos aleatórios que formam as votações parla-
%
*
dividir com os ihúiheros “empresários legislativos” que puderam fazer reco | * democracia torna-se, assim, permanente, e seu princípio de legitimidade em
njiecer seu direito de participar da elaboração da norma geral.145 Associações, , 3 consequência se encerra.
-
#
djreito que se escreve doravante em rede. Rido se passa, desde então, como se POVO ATUAL E POVO PERPÉTUO (
a vontade geral deixasse de ser o produto de uma decisão única e instantâ nea ,
Existe, contudo, uma condição, parece-nos, para a realização deste ce-
« j
• #
,
risco de produzir-se de novo sem distância, sem mediação e sem pkrspectiva? JH * va da democracia de opinião e o crescimento de poder do juiz constitucional
v
fjste risco não é nulo, certamente, pois ao se generalizar, a democracia de opi- ' j o projeto democrático se aprofunda e a idéia de representação se afina, em be-
nião poderia perfeftamente dar o éspetáculo de uma divisão sem princípio de f
^
nef ício, explica Çauchet, dos mecanismos reguladores que a revolução entre -
.
recomposiçã o e de uma instantaneidade sem constância A tirania das sopda- í .
vira sem chegar consequentemente a estabelecer Mas não precisaria por isso
v gens, reveladoras de um eleitorado emotivo e versátil, a ação de determinadas 1
que a opinião assumisse o lugar da representação nem que o juiz constitucio-
1
;« ‘mídias, geradoras de reflexos plebiscitários, e a multiplicação de recursos para
\
.
nal substituísse sua vontade pela dos eleitos É justamente uma meÚiora e um
redobro da representação que deve estar em causa e não sua liquidação Este .
-
)
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desafio, ainda uma vez, é radicalmente temporal: à distinção governántes/go-
* *
-
; 144 ROUSSEÁU, D. De la démocratie continue. In: Za Démocratie continue SQUS la
* . vernados vem, de fato, acrescentar-se a distinção povo atual/povo perpétiíõ -
t
* direction de D. Rousseau. Paris:
LGDJ; Bruxelles: Bruylant, 1995 p 9 ...
. . -.
145 Ibid jp 17 19 certamente a democracia contínua distingue-se tanto da democracia direta
^ *
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248 249
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* ( 4
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quanto da democracia representativa clássica.146 Esta continuidade, de fato, te” 148Assim, ele testemunha para o povo “automaticamente constituinte” con-V
.
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não se produz no mesmo plqno temporal que o da periodicidade eleitoral; é
*
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tra o “povo do momènto que usurpa indevidamènte seus atributos”, não per-
-
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preciso, para compreenãê-Ia, pular, por assim dizer, um nível e inscrever-se re- . - dendo de vista que “o soberano Verdadeiro situa-se para além do presenje” 14’ .
solutamente numa temporalidade transcendente . *< Sem dúvida, será preciso, ainda uma vez, precaver-se de confundir esta
*
*
/ *
O que marca esta temporalidade transcendente é que o “povo atual” -
-
o corpo eleitoral .do momento nunca é mais que o representante momentâ-
*
K
.
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1
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fidelidade às promessas fundadoras com o imobilismo de uma censura conser
.
vadora, até mesmo reacioná ria De fato, percebe-se, mais uma vez, que o tem-
- \
.
*
neo e transitório do povo “perpétuo”, verdadeiro titular da soberania Dá-se, /2 po jurídico da operação dos textos é simultaneamente mais contínuo que o
assim, um sinal em direção a um poder sempre mais ou merios latente que Ç'£í tempo factual das revoluções políticas, e mais descontínuo, em todo caso mais
' não se esgota em nenhuma de suas realizações concretas e que permanece evolutivo, do que a aparente perenidade da letra dasdeis O tempo jurídico e .
sempre em instância de atualização, para além de suas manifestações Reen . -. institucional é “metamórfico”. Igualmente, será preciso distinguir curiosajn?n-
contrando uma linguagem quç não teria desautorizado Baldo, nem os cano - te as revoluções políticas das revoluções jurídicas, e admitir qué muitas normas
jurídicas continuam em vigor, apesar das perturbações revolucionais; mas, ao
'
nistas da Idade Média, Gauchet evoca esse povo jurídico que perdura identi- “
co a si mesmo através da sucessão das'gera ções”, “fantasmaçverbal”, como pu- inverso, será preciso reconhecer também, que determinadas revoluções jurídi-
^3
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deram crer os espíritos pragmáticos^ ela é “a alma do regime*’147 É que um efeí . - *1 cas se operam fora de qualquer terremoto político, e, às vezes, mesmo sem mu-
r
cionado com a vontade de um povo “ jurídico”; a vontade do povo “empírico” j cionalidade com base -no Preâmbulo da Constituição de 1958 pelo Conselho
é, por sua VeZ, limitada; é-lhe preciso, doravante, assim como a vontade deri- à Institucional Prancês constitui, sem dúvida, um exemplo de uma revolu çã o si-
\
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lenciosa deste tipo. Só poderemos, contudo, subscrever esta conclusão admitin-
do um postulado de importância maior:o de que o direito, decididamente, nãõ
se refere a uma soma de normas escritas, ilem a um conjunto -de vontades ex -
ria num tempo sem passado e sem futuro . >
V
Ê também nesta perspectiva' ja de um tempo transcendente à altura da Á plícitas, nem a um agenciamento de processos formais. É mais sob a forma de
- uma Constituição material, soma dos valores, de representações e das práticas *
1
í
promessa fundadora que é preciso situar a intervenção do juiz constitucio-
normativas em vigor na comunidade que ele se deixa apreender.-150
* » 4
i
.
nal Uma intervenção que, longe de'se prestar a todos ó$ ventos de uma opi- f * * v
nião versátil, deveria poder assumir, mais cedo ou mais tarde, a responsábili- <
dade de um decreto anti-majoritá río, se precisasse provar que a maioria aten- *
V
tava contra os princípios constitucionais, Assim, o^ juiz diria claramente que . ] O CONSTITUINTE E AS. SEREIAS . 4
r
uma maioria mesmo esmagadora pode não valer para um povo soberano . , *
sua capacidade política Por outro lado, ele impede que o “povo atual usurpe - N
í I
* no presente, por sua vontade, um poder que só pertence ao povo transcenden- 148 GAUCHET, M / l à Révolution dés pouvoirs Paris: Gallimard, 1995 p. 46. . .
•/
. 149 Ibid , p 47 . . . /
V
146 GAUCHET, M. La Révolution des pouvoirs. Paris: Gallimard, 1995. p. 44, nota 1.
. .
150 Sur tout ceci, cf BELL, J Legal revolutions and the continiíity o£ public laW. In:
.
ATTWOOL, E Shaping revolutions. Aberdeen: Aberdeen Unjversity Press, 1994.
d 47 Ibid., p 45. . ' p, 119 etseq .
* *
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250 251
Gap( tulo $ Promessa. Ligar o futuro. f
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damental, a Constituição, que lhe promulgaria o espírito (uma “idéia de direi - Maá, advertirão os adversários deste sistema, as cadeias de Ulisses não
to” báseada nos direitos fundamentais do indivíduo), e garantiria a projeçã o são o próprio símbolo da alienação, a marca de um ser subjulgado e infantil,
duradoura no futuro. Receptáculo de todas as promessas que o corpo social .
pode fazer a si próprio, a Constituição é, por excelência, o instrumento jurídi- j
.
co de ligação com o futuro Este instrumento é, contudo, destinado à pereni I -
^ incapaz de dirigir suas ações? Ademais, ocorre ainda que Ulisses queira pren-
der-se a si mesmo, más de que direito poderia çle impor tais cadeias a seus fi-
lhos e sucessores? Não cabe a cada geração assumir seudestino e reescrever o
dade? Pelo fato de que ele regenera a nação e refunda seu direito devemos con- • a direito, à sua vontade?
^
cluir que está destinado a um modo de vida eterno? Esta questão, que, já agi- J Traduzidaem termos constitucionais, a questão é colocada como se se-
tava os Pais fundadores, tanto na Fran ça, quanto nos Estados.Unidos, não dei - gue: uma Constituição poderia ser revisada a tal ponto radicalmente que seus
• mais, orientar nossa re exão.151
-
xou de se apresentar, desde então, O reêurso à mitologia poderia, uma vez * princípios mais fundamentais fossem desnaturados? Podemos, ou não, na so ~
- -
^
Homero narra, no canto XII da Odisséia, que os ventos carregaram o vl
navio de Ulisses para perto da ilha das Sereias. Ò cantõ delas era tão melodio -
'1
beraniá última do povo, limitar o poder de revisão constitucional exercida pe-
los seus representantes? E, finalmente, a qúestão mais delicada: pode-se, em
\ nome de uma concepção transtemporal da soberania popular, frear as inicia-
so, dizia-se, que, enfeitiçados, os marinheiros se jogavam à água para juntar- - tivas constitucionais do pçvo atual?
- .
se a elas.. e nunca mais voltar. Curioso, Ulisses está bem decidido i ouvir este j
canto, mas, prudente, toma as medidas necessárias para resistir ao encanto j
maléfico: d,epois de ter tapado os ouvidos de seus marinheiros comtera, fez- í PARADOXOS CONSTITUCIONAIS
se amarrar ao mastro do barçò. Aparelhado, desse modo, ele poderia ouvir
*
1
.
4
sem se ehffregàr.
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*
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* J
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tituição, aquela que precisamente triunfa pela revolução: trata-$e, desta vez, de
unt texto fundador, inspirado no ideal progressista das luzes e na confian ça
v . .
151 ELSTER, J Ulyssès and the Sirens:Studíes in rationality and irrationality Cambrid - 152 1789 etVinvention dela Constitutioni Sous ladirection deMicKel TrOper et Lucien
.
> ge: Cambridge University Press, 1993. p 93 et seq. .
41
> N .
Jaume Paris:1GDJ; Bruxelles: Bruylant, 1994,
252 253
Capítulo 3
*
Promessa. Ligar o futuro.
«t
*
Ninguém duvida que os revolucionários não tenham privilegiado estç | tuição como ordem, ato jurídico unilateral, norma imperativa. Mas esta nor ^
segundo sentido: fruto de umá insurreição, a Constituição' é, de início, e antes
ma procede ela mesma do pacto social: longe de' cair do céu, ela resulta do
1
de tudo, como o dizia Sieyés, um ato “desconstituinte”: uma r úptura irrever - acordo.que se estabeleceu inicialmente entre otpovo, o povo'eos dirigentes em
sível com a ordem constitucional anterior, uma inversão definitiva das insti
tuições herdadas do passado.154 Lembramo-nós, a este respeito, dos apelos’dos
- 4
ú
1 sequência, do que resulta a confiança,,será a qual nenhum texto pode preten -
robespierristas ao “homem” novo e à “regeneração do povo” 155 As- coisas, coh - -
der impor se duradouramente* Privadas desta referência á promessa social ,
-
fundadora, as constituições não surgem senão como a expressão de um direi-
d
tudo, não são tão simples: é qúe, se ela é, dè iníciò, um ato.“desconstituinte”, é i to descontínuo, aleatório e, resumindo, tão inexplicável quanto insensato.
preciso que a Constituição seja também “reconstituinte”: dito de outro modo, 1
,
Ora, nossas análises precedentes da promessa mostraram-nos que nã o há ne-
^ —
é preciso que invista na duração, engaje o futuro resumindo: instituir Da de
sordem insurrecional, a Constituição tem por vocação, dar naséimeiito. a- uma
. - J nhuma promessa qUe se mantenha fora de um quadro constitucional e de um
.
/ campo devalòres (fidelidade* lealdade, boa-fé.. ) previaménte estabelecidos.
j
nova ordem jurídica . o
.Estas primeiras observações deveriam colocar-nos em alerta: não nos li-
Pode-se daí perguntar-se se esta ordem se conforma com ujna mu-
, , JJ
dança permanente, e se se deixa traduzir somente pela expressão esporádica vramos tão facilmente da dialética' constitucional; atrás da ordem imperativa
de.yoritade e. de atos^ jurídicos. Estamos tão seguros, então, que se possa desli- não deixam de se fazer valer o pacto e os valores que o cimentam; para além da
inversão revolucionária perfíla-se a vontade de estabelecer uma ordem dura-
gar totalmente do sentido primeiro da Constituição, comb expressão dos cos ; - doura,., de sorte que temos baSe para pensar que através da
Y __ 9
ção-ato
tumes, das práticas e doS valores prevalecentes na comunidade? Acredita-se - Constitui
de vontade, nunca se deixou de fazer ouvir a Constituição-produto da história.
-
-
verdadeiramente - já nos deparamos com esta questão que entre duas cons-
tituições reine o vazio jurídico,“ que nenhum processo, nenhuma norma, ne- Este desvio, entre algumas das controvérsias constitucionais mais fun-
,
J ,
nhum grupo social garante a transição - por. mais movimentada que seja - de '. damentais, era necessário para voltarmos agora a Ulisses e à.questão da revi-
i uma figura constitucional a outra? são. É que não se pode abordar esta problemática sem fazer justiça à sua pro-,
Cl. Klein tem razão no sublinhar: é preciso “desdramatizar” b poder
„ »
fundidade dialética; quer dizer; a dualidade dos planos, que a cada passo nela
f *
\ mo radical, da Constituição.
^ .
' norme? Quelques jdées de Constitution au XYIÍIe siéclé In: 1789 et Vinvention de
’
Mas, se procuramos “ver mais longe”, será preciso ter em mente as rea -
* . .
Constitution Sous h direction dè Michel Troper et Lucien Jaume Paris: LGDJ; }
lidades de plano de fundo que menos visíveis, sem dúvida, não são menos im-
. .
Bruxèlles: Bruylant, 1994. p 29 et seq 11 , ’ \\
. .
154 Cl BEÃUD O La Puissance de V Êtat ParisT PUF, 1994 p 224 ,
*
, .. . portantes: as exigências delongo prazo, o fato de que num Estado de direito,
- .
. .
155 JAUME, L Constitution, intérêts et vertu civique In: 1789 ét Vinvention dê la Cons-
.
titution Sous la direction de Michel Troper etXucien Jaume Paris: LGDJ; Bruxelles:
« os governantes são eles mesmas obrigados a obedecer, à lei e á séus princípios
fundamentais, a idéía de que Q verdadeiro titular da soberania é ó “povo jurí-
" Bruylant, 1994 p 185 .. . dico” óu “perpétuo”» de que falava Gauchet. 'Neste segundo plano, a questão
„ . .
156 KLEIN, C Théorie et .pratique úu pouvoir constituant Paris: PUF, 1996 p 188.
.. *
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254 255
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1 Capítulo 3 .
Promessa Ligar o futuro . \
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*
. J
• Resumindo, é questão de ajuste do olhar. Não é porque fixara o olhar
/
^
(poder fundador originário) e o ppderde revisão (poder de administração de
rivado ), a Constituição e os princípios supra constitucionais, a Constituição ]
- 1
i ^
contestavelmente consagra uma limitação material do poder de revisão e re-
- .
no s.entido material e a Constituição no sèntido formal Assim, a questão dos - mete aos princípios fundadores da República, Carré deMalberg via nisSo uma
,.
limites da revisão constitucional é simultaneamente um desafio central para a • ;
filosofia do direito e para a filosofia do tempo, no que elá opõe de modo fron
tal os positivistas jurídicos, sustentadores de uma soberania sempre atual, aos v
- J
, ^ exceção limitada e ,sem interesse; outros autores negavam-lhe qualquer força
jurídica obrigatória em relação aos sucessores dos constituintes e às gerações
futuras.1 De resto, bastaria, dizia se no campo positivista, proceder, nas for
^ - -
,
/ *
partidários da instituição mais ciosos de constância na sua duração.< mas constitucionais,.à revisão deste artigo para superar o obstáculo: sem irn^
i f
j
- portar que a mudança poderia assim ser legalizada, desde qú e as regras pro-
cessuais fossem respeitadas .
i
.UM PODER DE REVíSãO LIMITADO?
" Este argumento da “revisão da revisão” destrói, como se constata, qual-
quer distinção entre o ato fundador e o ato de revisão transformador: qual-
\
. li
V
quer fiindação seriadritrinsecamente revisável e qualquer revisão, virtualmen-
te fundadora. Ulisses não poderia amarraras próprias mãos, e se ele acreditas-
-
Pode se limitar o poder de rèvisar a Constituição? Para um positivista, • j
*a questão só tem sentido num plano se tê-lo feito, sempre lhe seria possível libertar-se. A lei constitucional de 10 de
exclusivamente formal: só regras de com- j
petência e de procedimento podem limitar (enquadrar) o poder de revisão. S julho de 1940, pela qual “a assembléia nacional dava todo poder ao Governo
da República, sob a autoridade do marechal Pétain, com o fim de promulgar
Desde que estas regras sejam respeitadas, uma assembléia constituinte pode-
ria proceder a uma revisão total, materialmente ilimitada da carta fundamen- •
J • por um ou vários atos uma nova Constituição do Estado francês”, foi geral-
tal; era principalmente a tese de George Vedei que escrevia: “uma revisão cons- * mente justificada por esta teoria da revisão^ da revisão: “ houve perfeitamente”,
explica Veder, “modificação do processo de revisão da Constituição, politica-
*
doutrina majoritária). Distinguir entre princípios essenciais não modificáveis, maior força; do rrfesmo modo que nenhum texto jurídico, por mais sagrado
j
- .
praconstitucionalidade de inspiração jusnaturalista.158 i possível, pergunta-se, que uma empresa visando inverter a ordem constitucio-
4 » •A
nal possa encontrar nessa mesma ordem uma caução formal que a legalize? Os
B
' » > i \ '
*
v
. p. 345, 348.
x 160 VEDEL, G. Manuel é lé mentaire de droit constitutionnel . Paris: Dalloz, 1949 . p. 272..
v
/
256
257
\
Capítulo 3 -
*
Pròmessg, Ligar o futuro.
i
—
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/ • \
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adversários dps positivistas entre os quais, não nos espantemos com isso, . que Gauchet falava; e uma soberania ilimitada, que se1 traduz no exercício dos
V
. *
—
Hauriou e Burdeaxí recusam-se a isto, porque não se conformam com uma ,
concepção a tal ponto formal de seu objeto. Uma vez adotada a Cofistituição,
*
!
JI
poderes derivados e instituídos, como o poder de revisão Logo, há sentido, se-
gundo esta tese, em distinguir e hierarquizar a vontade de Ulisses que no, tem-
. 7
, V explicam eles, sua revisão deriva de um poder instituído, logo, limitado. Pro
ceder à “revisão da revisão” e, emseguida modificar o texto em seus princípiçs
- -
D 1 decide amarrar se ao mastro de seu navio, e a vontade de Ulisses que no
' po
j tempo 2, enfeitiçado pelo canto das sereias, suplica a seus marinheiros que o
fundamentáis, é tornar-se culpado de desvio de poder, é praticar uma fraude ,
contra a Constituição (senão em sua letra, pelo menos em seu espírito). Uma
í
.
desamarrem A questão poderia contudo, se tornar novamente complexa; li-
prática destas desnatura a própria noção de revisão. Uma revisão que deve ser
'
-
berdade para Ulisses determinar se como ele. o entende, mas com que direito
» 4 poderia engajar a sorte das futuras gerações? '
compreendida como podèr de transformar a Constituição, ao mesmo tempo l\
salvaguardando-a, isto. é, administrando suas bases mais essenciais, que por \
* f
*i i
sua vez derivam do poder constituinte, o único autenticamente soberano, r
SERá. QUE UM POVO PODè ACORRENTAR-SE PARA O. FUTURO? '
Sem dúvida, uma' modificação radical da ordem constitucional conti-
SERá. QUE OS-MORTOS TêM DIREITO?
*
\
be uma amplitude particular, como se ele estivesse ligado desde a origem à pró-
\ pria idéia de Constituição, Será que um povo pode.acorrèntar-se para o futuro?
dica operada em violação das formas processuais, mas é lícita uma transfor - '*« v Qs Pais fundadores, em sua grande maioria, não 'aceitaram- esta ideia. Eles mes-
mação radical do regime que respeite os caminhos de direito, para os ínstitu- \ . *
.. •i
Longe de derivar de uma “supra legalidade misteriosa* jusnaturalista,
este argumento pode hoje apoiar- e em inú meras disposições constitucionais
*k
.
pbrigação política Alista dos testemunhos é impressionante. Teórico do contra -
^
(como o artigo 89. al, 5, da Constituição francesa), que são, elas mesmas, o
fruto da experiência histórica. Os próprios positivistas não sucumbem, de res-
to social, Locke,. pòr exemplo, sustentará que “os homens podem estabelecer .
• v aquela forma de governo que bem lhes pareça”, tese que se apoia no fato de" que
'i ninguém poderia obrigar por contrato seus filhos ou sua posteridade 162 .
. to, através do que censuram a seus adversários, quando se permitem fazer a . .
triagem e considerar estes textos como desprovidos de força obrigatória?' "
. '
*
/
ros: “é absurdo/ escreverá ele, que a vontade se acorrente para o futuro”, de
A tese institucionalista, que retomamos aqui por nossa conta, acarreta
modo que “ um povo é sempre senhor de mudar suas leis, mesmo as melho- *
*
-
mais esta consequência, a de que a soberania popular se prova relativa, ou
*
.
,
, res” E mais: “não existe no Estado nenhuma lei fundamental que rião se pos- ,
*
V
'161 Apud BEÀUD, O. La Puissance de V Êtat. Paris: PUF, 1994. p. 375. t
* *
LOCKE, L. Secottd Traité du goií vernement civil-, ojp. cit, n. 106, p. 136.
V
‘ 162
258
259
t 1
Capítula 3
/ .
Promessa,tigúr o futuro
l
pido”.163 Essas tomadas de posição, sem clúvida, repousam em Rousseau, numa \
•
M
\
A argumentação, convenhamos, é impressionante Des4e logo, quatro
í
.
concdpção claramente instanjaneísta do tempo social: “cada ato de soberania, ( •
assim como cada instante de sua duração, é absoluto, independente daquele
*
-.
notas se impõem antes de tentar refutá la Obsefvamos d& início que as teses
t
•
, *
de que acabamos de fazer o resumo são as dos revolucionários que trabalham
'
to, em contra partida, que tivessem consentido em ver abolir o Estado de di-
humana e de sua necessária e constante perfectibilidade que eles extraiam ás *
i reito ou o regime republicano que eles chamavam por seus desejos. Segunda
razões para instaurar ujn mecanismo de revisão regular da Constituição.
*
.
-
ções contêm disposições subttaídas à revisão Terceiro reparo, em forma de
169
j * ,
reitos humanos e da cidadão be 1793 o artigo 28, assim enunciado: “um povo
lembrete:'a tese aqui defendida não pretende umà imutabilidade de fato dos
tem sempre o direito de rever, de reformar, e mudar a Constituição, Uma gera- í di -
*
*
princípios fundamentais do regime; trata-se, muito antes, de jima tese jur
ção não tem o direito de sujeitar às suas leis as gerações futuras”. De acordo j ca que insiste na normatividade reforçada do ideal regulador da Constitui -
-
r
H
com ele, convinha submeter leis e constituições à revisão iperiódica - a cada 20 .
, observa çã o: ao combater a tese positivista instanta
* *
( ção Enfim esta ltima
ú
anos exatamente - desde que o consentimento,^de que as leis se beneficiavam ; neísta.da mutabilidade absoluta das Constituições, não se pretende, com isso, «
subscrever a idéia de uma imutabilidade radical destes textos* uma ideia tão
1
cimento dos mais antigos e a entrada em cena dos mais jovens: “alem deste * • absurda, que se opõe à inspiração dialética que atravessa toda está obra O .
tempo, seria tirânico estender a irrevogabilidade das leis constitucionais”.165 h /
t
• Por sua vez, estas teses receberam um eco entusiasta junto aos américa-
*
*
nos mais ligados à Revolução Francesa: Thomas Paine e Thomas Jefferson. J
J (
-
168 Aqui,.falta nos espaço para propor imi histórico das claúsulas constitucionais rela -
tivas à revisão do modo como são escalonadas de 1789 a 1958.0 exercício mostra -
-
*
Paine: “querer governar do além túmulo é a mais ridícula e a mais insolente * ria Uma curiosa progressã o em dentes de serra, reveladora da
qxitação dos constí
das tiranias [ u.]. À democracia é legítima somente graças ao consentimento » ^ tilintes e do caráter muito
*
político desta questãó Grosso.modo , pode-se acentuar
dos ivo .166 Jefferson, que foi o terceiro presidente dos Estados Unidos, de . que a Constituição de 1791 tornava à revisão muito.dif ícil (o processo praticamen -
^ ^ -
1801 a 1809, faz lhe eco: “os mortos não possuem direito Nada são”; é que,
'
;
. » , , \
t
e se desenrolaria em 10 anos), a de 1793, por Sua vez, facilitada ponto de parecer
deséjá-la. Em contrapartida, a Constituição de 1795.multiplica novamente os obs -
“devidó ao direito natural, uma géração é para uma outra, o que uma nação j f
.
táculos (desta vèz, o processo revisional levaria 9 anos) A exitação irá seguir-se ao
independente é para outra nação independente”/67 longo do século 19: enquanto a Constituição de 1848 facilita novamente a, revisão
-
(três, deliberações com 1 mês de intervalo bastarão), a de 14 de janeiro de 1852 pe -
.j
*
naliza “qualqt íèr discussão que tenha como objeto a Crítica ou a modificação da
Constituição*5 (senatus consulto de 18 de julho de 1866). Enfim', a Constituição de
-
-
163 ROUSSEAU, J. J. Da contrat social Des pr í ncipes du droit politique. Paris: Bordas, i 1875 quase não coloca obstáculo à sua revisão, mas uma lei de 14 de agosto de 1844
.
1972. II, 1, p. 386; II, 12, p 394 e IV, 18, p 430. ' . . ! wa
declara intangível forma republicana do governo”
164 , Apud BEAUD, O. La Puissance de V Êtat. Paris: PUF, 1994 p. 406. .
, ) .-
169 RIGAUX, M E La Théorie des limites matérielles à Vexercice de la fonction consti
'
. ..
, 165 CONDORCET, peuvrcs complè tes Paris: [s n ], 1847 t X, p 193 194; pour un .. . - tuante Brqxelles: Lacíejr, 1985, arrolou nada menos que 33 Cònstitulçpes (em iím
.
*
4» . .
cómmentaire, cf KLEIN, op cit., p. 136 et seq ' . .
total de 142/textos estudados) contendo disposições deste tipo A tipología propos --
.
166 Apud MANENT, P Les Libé raux. Paris: PUF, 1986..t 2, p. 46, 49 . . * * ta por ela, como síntese, contém 5 rubricas ;‘a proibição de revisar a natureza polí
.
167 JEFFERSON, Th. The Papers of Thomas Jefferson Prínceton: Princetõn University tica do regime, a estrutura política do Estado, os fundamentósideológicos (políti -
.
Press, 1958. t XV, p. 959, apud KLEIN, op cít., p 138. . . cos ou religiosos do Estado, os direitos do homem e do cidadão, a proibição desse
em atentar contra a integridade do território do Estado) .
\
260
/ 261
-
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* Capínrfo 3 /
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.
Promessa Ligar pfuttjró<
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que visamos, aqui como alhures, é preparár o lugar para uma mudançà “me- não & exigência de uma maioria mais importante 'Como o notayá G. Ans- . s
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* tam ó rfica” que, na linha da exigência fundadora que o leva (“a promessa” ),
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N 1
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James Madison, Pai fundador da democracia americana, exprimira-se A normas constitucionais visadas fossem, ehtretanto, invalidadas, ou mesmo
nesse sentido. Em O Feâeralista reconhece, com Jefferson, que o povo,"única  suspensas. Adotada por maioria absoluta, necessária para emendar a Consti-
fonte legítima de poder, deve poder, nas ocasiões excepcionais, dar a conhecer J • tuição, a lei derrogatória poderia ser ela mesma ab-rogada por maioria sim-
sua decisão por via constitucional. Mas esta possibilidade deve continuar con- j ples. Assim, a confusão chegava ao seu limite. A lei de 24 de março de 1933, v
tida precisamente pela Constituição. Contra os inimigos da Constituiçãç, que > que permitia a Hitler legislar sem levar' em conta o Parlamento, foi precisa-
poderiam desviar o recurso ao povo, é preciso que o povo constituinte possa mente uma lei derrogatória deste tipo.
»
> *
conter a ação dé futuras maiorias eleitorais Tal é próprio de uma democracia . A k Doutrina e jurisprudência por outro lado precisavam: “para que uma
1
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v
•U modificação constitucional seja efetiva, não é necessário que ela tenha sido ex
povo se preserva dos perigos políticos da instabilidade e do transbordamento,
*
•
de 1919, incessantemente revisada e manipulada, nunca chegou a estabilizar o
* *
#
^ * .
* 79, al 3, da Lei Fundamental da Repú blica federal de 1949, surge desde então, #
feria plenos poderes legislativos a Hitler, Chanceler. O artigo 76 desta Consti- „ pação dos Lânder na legislação ou nos princípios enunciados rios artjgos 1 e
tuição dizia, de fato, que “a Constituição pode ser emendada por via legislati
va”; dito de outro modo, .nada diferenciava lei constitucional e lei ordinária se-
- h 20 [as liberdades públicas].”
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170 Le Fédéraliste. Paris: LGDJ, p 417, 651; cf igualmente p, 416 : “frequentes apelos v
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tendenciam, em grande parte, a privar o governo deste respeito que o tempo im- t
. .
171 Apud KLEIN, op çit , p. 96 . y *
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prime a todos e sem o qual o mais sábio e o mais liberal dos governos não possui- . . .
*
172 Ibid , p 98 b V
. .
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A . 173 Ibíd , p, 96 4.
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y Capítulo 3 * A *
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Promessa Ligar o futuro. >
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missos: todo governo é obrigado a honrar as dívidas contratadas por seus pre- sucumbir ao encanto das Sereias? Porque, poderíamos responder, em tl Ulis- '
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.
decessores O' princípio conduz a combater a idéia hiper individualista e - \/ ses se referia a uma imagem de si mesmo, ideal e transtemporal, à altura da
instantaneísta que Jefferson se fazia; lembramos bem da situação de cada ge- qual se comprometia a/ agir Conformar-se em t2 a esta imagem é menos ali-,
.
ração quê éra, dizia ele, c*tão independente das precedentes e das seguintes
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( -
íihar se de modo “cons'ervador” numa vontade antiga, que dar efeito a um
quanto uma.nação o é de uma outra” Como se o contrato social, e com ele \ ideal por vir, à realização do qual a própria existência de Ulisses, amanhã e de-
todo o edifício político constitucional, se identificasse a estes contratos con
cluídos “intuitu personae\ em consideração à personalidade singular dos con-
- ,.] <
*
.
pois de amanhã está subordinada Compreende-se, então, que a referência é
feita menos a um comprometimento passado e datado que a Uma promessa ,
tratantes, e que se extinguem necessariamente com sua morte. sempre por vir e que ainda não deu todos os seus frutos. Paradoxalmente, a fi-
O direito positivo, duvidamos disso; jamais se conformou com uma
concepção tão sincopada e sincrônica da soberania, nem com uma semelhan-
I
-
delidade a esta promessa analisar se-ia nestas condições, menos como respei -
to em relação ás gerações passadas, quanto como consideraçã o em relaçã o às
' te precariedade dos comprpmissos jurídicos. Inspirados pelo prindpio civilis- ‘ geraçõe futuras. N,
ta, segundo o qual o hercleiro que assume uma suc.essão aceita igualmente os ^
A mesma análise pode ser conduzida no plano coletivo: o >ovo empí-
-
encargos e as dívidas ( dizia se outrora: “o morto pega o vivo-”), os pensadores i rico atual, ao respeitar os princípios mais fundamentais da Constituição (E$; ^...
/ do contrato social eles mesmos foram justamente forçados a reintroduzir no.
centro do instituciònalismo uma dose de continuidade em Seu contratualis-
- tado de direito, liberdades públicas, forma republicana de Estado ), não é sa- t
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*
derar como constitutivos, em sua própria exigência, de sua soberania política. ' "
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Como Ulisses, o.Constituinte sabia que teria que afrontar mil perigos 'políti-
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. *
. .
174 LOCKE, J Sccond Traité du gouvernetrient civil> op cit , II, 6, p 114-115 . . .
cos Ele não ignorava que o mal, o conflito e a violência estão inscrifos no co .
*
-
ração da sociedade humana. Como Ulisses,- teve o mérito de não se desviar „
i’
.
philosophie politique et juridique de Caen, 1984 livro II, cap 14, sect. 10. \ . disto, seja fingindo ignorá-lo (angelismo político), ou pretendendo, através de '
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264 265
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í Capítulo 3
v *1 I PromcsscL Ligar o fiituro . *
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mèdidas sec,untarias, erradicar qualquer ameaça de perigo (Ulisses não toma *
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prerrogativas; não se imagina que ele desvie uma tal prerrogativa para fazer
medidas para combater e suprimir as Sereias) * Ainda como Ulisses, o Consti - ^ *
dela uma utilização oposta à"$ua finalidade.
tuinte teve a sabedoria de' autodimitar-se, inscrevendo a ação do povo intem- *
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poral (a sucessão das gerações) nas vias que lhe pareciam de natureza a supe- 1
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gerações seguintes, por sua vez, contribuam para aprofundar o sentido dos FUNDAçãO CONSTITUCIONAL E INTERPRETAçãO EVOLUTIVA
-
ideais políticos atribuídos ao povo inté mporal: não há razã o para se pensar
• J, que a primeira geração tenha o monopólio desta intuição. Basta desenrolar a
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Como conceber que se faça justiça simultaneamente à soberania do
4
V
ca e das jurisprudências constitucionais-principalmente? Como evitar fazer da
Constituição um “arquivo”,177 letra morta, logo esquecida, sem por isso trans-
*
mas e emendas,- a beneficiários cada vez mais diversificados.
*
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, ,»
abolição estava contida na exigência igualitária inscrita na Constituição origi- do poder de revisão e assim a interpretar as cláusulas constitucionais ditas in-
.
nária A revisão sucedida (de resto antecipada pela espécie de moratória reve- tangíveis, que encontraremos os alinhamentos do equilíbrio procurado.
\
lada na expressão “pelo menos até o ano de 1808”) inscrevia-se, então, mais Quanto à teoria*da fundação;17* nos contentaremos em lembrar qúe ela permi-
em continuidade que,em ruptura com as “promessas” dos Pais fundadores. te que se pense, ao mesmo tempo, na ruptura decisiva representada pela emer-
Certamente nossa tese Visa apenas legitimar determinados limites fun- gência e incorporação de uma idéia nova de direito ( por exemplo, a soberania t
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damentais para o poder de revisão; aqueles que precisamente figuram hoje, • popular e os direitos fundamentais do indivíduo), e no movimento de criação
.
i
principalmente,176 em in úmeras constituições modernas e que visam garantir contínua que no futuro manterá e desenvolverá a existência da Constituição
-
os próprios fundamentos da ordem .jurídica no qual opera o poder de revisão . .
assim fundada O reconhecimento pelo juiz francês dos princípios fundamen - »
'n Poder “constituído” ( poder concreto, Ulisses atual), este poder de revisã p é tais da “tradição republicana”, ou, no caso do Tribunal europeu dos direitos
>
chamado para melhorar e atualizar o texto que ô institui em suas próprias > /
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V 177 À expressão pertence a RIGAUX, op. cit.', p. 250. » *
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176 Nós dizemos “principalmente”, para preservar a questão dos limites materiais “im- « * i
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178 Op. cit. p. 447'et seq. ^
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Capítulo 3 i
Promessa. Ligar o futuro.
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humanos, a referência ao "património comum de liberdades” dos povos que . “ATODOS, PRESENTES E POR VIR , SALVE!” '
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má n ),l é0 què confiaria uma soberania política ilimitada às maiorias eleitorais »
atuais, é atualmente confiado‘aos tribunais constitucionais cuja tarefa não se .
limita mais a proteger a Constituição contra b legislador, mas amplia-se ao
*
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turo”; podemqs acreditar também - acreditou-se na época das Luzes que ela .
dispõe do "futuro”, Daí esta proclamação solene endereçada às gerações presen-
.
tes e futuras A lei, sob estas condições, não é a injunção endereçada, no fogo
— *
controle do próprio constituinte (entendido como constituinte "derivado”, 4 >& .da açãò, aos executantes e subordinados; elá não é a ordem mais oumenos im-
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ria Chocando-se com os preconceitos e os abusos efetuados pelo antigo direi- r
. *
180 ACKERMANN, B La démocratie dualiste. In: 1789 etVinventwn c{ e la Constitution . f
to, cujos costumes e precedentes ainda trazem sua iíiarca, tem se a ambição de - i»
.
Sous la directiort de Michel Troper et Lucien Jaume Paris: LGDJ; Bruxelies: Bruy- 1
instituir um direito regenerado, fundador do projeto Ássim, localizado no .
lant, 1994. p. 192 et'seq. *
»
.
Então, estava aberta a porta para Uní controle do poder de revisão (contudo, com 182 J. Carbonnier, Essais sur les lois, Repert*ório do notariado de Defrénois, 1979, p. 9.
a’única exceção dàs revisões referendárias) . I
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268 * 269
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Capitulo 3 , ,
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Prómcssa Ligar o futuro . t
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dela declinam-se as ordens intemporais da razão, com ela b povo garante sua Desejosos de ação, nossos nomógrafossabíam bem, por outro lado, que
auto -instituição. Daí, o legicentrismo tão característico da concepção france a pedagogia era a chave do sucesso: não somente a lei devia ser simples e cla-
;
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sa das fontes do direito:183 colocado como o astro solar no centro da nebulosa
- ra e, se possível, seguida de um preâ mbulo explicativo, para ser compreendi-
\
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péla confiança dada aos recursos do jurídico; a ação dos costumes, da moral e r sèáu.185 “Instituidor”: aquele que instituí e que instrui; já que a idéia de direi-
da pedagogia é igualmente mobilizado em apoio deste projeto. Ou, mais exa
/
- to está por vir, é preciso começar bemí por ensiná-la. b
tamenté, poder-se-ia dizer que o jurídico parece ter investido completamente Daí a urgência educativa, verdadeirò jifgar comum dos debates revolu-
nestes domínios, em benef ício do que não é muito forte denominai; de “pai- - í cionários. Que a educação cidadã fosse a prioridade absoluta do novo regime,
xão legislativa”. Entre o direito e os costumes, sob a inspiração da virtude e
V
era um ponto de acordo unânime, pois todos compreendiam que somente
pela interpretação da pedagogia, as Luze e a revolução estabeleceram os laços esfe tipo de pedagogia poderia resolver o espinhoso problema de antecedên-
r ^ ^
mais estreitos. Entre estes quatro termos: direito (íei), costumes, virtude e pe "jj - cia política, tão bem expresso por Rousseau: como fazer com que os membros -
-
dagogia, visa se estabelecer uma identificação cada vez mais estreita na pers -
l
- do corpo social fossem, antes das leis, o que se tornariam graças a elas: cida-
pectiva de um futuro necessariamente votado à perfectibilidade da nação. dãos responsáveis? Como fazer chegar este povo ideal, tão distante do povo
-
V
*
k real e, contudo, necessário à fabricação das leis? Só a educação poderia contri
* *
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buir eficazmenfe para este efeito Condorcet não havia decretado que “não é
NOMóFUOS E PEDAGOGOS : quimérico acreditar que a cultura pode melhorar a$ gerações, elas mesmas, e
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qUe o aperfeiçoamento das faculdades dos indivíduos é transmissível”? Cer
186
-
* Já em sua origem, a lei não é o produto de trabalhos especializados e 1 tamenfe, o direito à instrução irá figurar em lugar de destaque, num título pri-
técnicbs, mas o fruto de uma fervorosa elaboração coletiva queparece ter atra- Á meiro da Constituição de setembro de 1791 . t
vessado todo o século18; fazia-se alei nos salões era escrita nesses inúmera- /1
\ ,
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veis círculos que, de Fénelon a Rousseau, passando pòr Mably e Òiderot, for-. '*1 \
*
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I
mavam uma verdadeira corrente literária: o “gênero nomográfico” 184 Era a - Ò CÓDIGO CIVIL , VERDADEIRA CONSTITUIÇÃO DA NAÇÃO *
* época epi que as leis - estas leis em projeto, detentoras de todas a$ esperanças c t
\
~ tornam -se objeto de amor: Gilbert Romníe, o Convencional inventor do ca- J A paixão pelas leis só chegaria, contudo, ao sublime, se estas pr óprias
.
lendário revolucionário, não fundara.em Paris o Clube dos Nomófilosl a i - leis pudessem ordenar-se sob a forma do.Código Esta reivindicação já figura-
.
Amicale* da lei, em suma Longe de comprazer-se em uma ren úncia impoten- * * va nos cadernos de queixas endereçadas aos Estados gerais de 1789; a revolu-
te à ação, como o fizeram os autores do género utópico, nossos nomógrafos de 4 ção eo império farão delas sua primeira prioridade Reunir em um ú nico livro
»
.
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salão ardiam, ao contrário, parapassar ao ato: Diderot acossava Catharina II o direito, de uma nação, enunciar em algumas centenas de artigos, redigidos
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.
* da Rússia com grandiosos projetos de legislação, entretanto, Rousseau legisla
*
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- numa linguagem clara e acessível, as soluções jurídicas outrora dispersas num •
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4 *
184 J. CARBONNIER, Essaís sur les lais, Repertório do notariado de Defrénois, 1979, p. 186 Àpud LÁFORE R. Le droit
, à Pinstructkih dans les Déclaratí ons de Tan I . In: Les Dé -
208 et seq. , r V clarations de Van L Paris: PUF, 1995. p. 167.
*
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270 I 271
í *1
* / Capítulo 3 .
Promessa Ligar o futuro .
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emaranhado de costumes e decretos, era chegar átraVés de um mesmo movi- / substituí -los pelos modelos simples da propriedade e da convenção-rlei. Assim,
mento aos votos de unificação, de simplificação e de estabilização do direito.
' o Código penal imporiauma classificação tripartite das infrações e uma escala '
. . .
187 CARBONNIER, J Le Code civil In: Les Lteux de tnémoire Sous la direction de P . 190 Quanto às perfeições atribuídas ao Código no pensamento clássico conf , VÁN-
^ .
v . .
Nora Paris: Gallimard, 1997. t. II: La riation, p. 309 . . *
DERLINDEN, J. Le concept de còde en Europa occidentale du XIII aoXDCsièâle Es- .
' - *
- 188 Ibi&rp. 308 . -
sai de définitiotu Bruxelles: Éditions de 1 Institut de sociologie de TUniversité libre
de Bruxelles, 1967. p. 163 et seq.
<
' , 189 OPPETIT, B. Essai sur la codificaiion. Paris: PUF, 1998. p. 8 et seq.
* • ^ '
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272 273
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Capítulo 3
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Promessa Ligaf o futuró . /
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zida de princípios gerais e racionais ela é, por acréscimo, abastecida com regras ’ 1
~ rista . O instrumento da grande reforma utilitarista, que ele denominava de
, * , , í»
de.aplicação, de interpretação e dè transformação, suscet íveis a resolver as am * - ^ seus desejos, conira à lentidão do. costume e do conservadorismo dos Parla-
.
I
bigílidades, antinomias e lacunas que pudessem surgir no futuro Compreende - mentos, era precisàmente o Código que teria transtornado radicalmente a
-
I
, se que, assim equipado para garantir sua própria programação, o có digo tenha ' jj
^ matéria jurídica:193 De início*questão de conteúdo, desde que o Código, apli-
i sido Concebido como um instrumento destinado a atravessar os séculos,191 .j cando os princípios de’uma legislação experimental, votada à busca do maior
^
Resta que um tal modelo jurídico deriva, no essencial, do ideal. Não há, * bem estar para o maior- nú mero, pelo viés de uma aritmética moral ç de um
certamente, nenhum código histórico que corresponda exatamente a esta ima , - equilíbrio dos prazeres e dasq>enas, apenas conteria princípios conformes à
gem , mesmo que alguns tenham tendido para isto. Por outro lado , este modelo , j . reforma"utilitarista. Questão de forma;em seguida, à medida que o código se -
‘ racionalizado de um código prometêico não deixou de tomar-se objeto de uma • ria a expressão de uma ciência do pifeito inteiramente renovada. A ambição
*
i
de Bentham não tinha limites a.< esse respeito: “tudo aqui deve ser refeito”, es- ,
*
mo na charneira dos séculos 18 e 19, no momento em que a idéia de código afír- crevia ele, “uma língua pretensamente culta a desaprender, uma língua sim-
/
mou-se com mais força, seu conceito, e principalmente sua relação com o tem- $ 3 ^ ples e familiar a se ensinar”.194 Tudo seria reposto em obf as: ó léxico jurídico,
po, era objeto de controvérsias importantes Pode-se, a este respeito, opor as fi- _
. que seria preciso enriquecer com neologismos e tirar o lastro das ficções e dos
"
guras emblemáticas de três juristas que foram contemporâneos e que todos os arcaísmos que o abarrotam] as classificações a serem acertadas, em vista de um
três desenvolveram uma idéia de codificação que iria marcar duradouramente ' i quadro exaustivo que seria para o direito o que as nomenclaturas de Lavoisier
sua tradição jurídica respectiva o inglês Bentham, o alemão Savigny e o francês j eram para a química, e as de Lineu para a botâ nica; uma lógica normativa (es-
^
Portalis; Bentham, detentor de uma filosofia Utilitarista, que advogara por um
código,racional em transformação permanente, Savigny, que irá se Opor, com J
boço da futura lógica deôntica) que seria para as proposições normativas o
que a lógica aristotélica era para as proposições constativas, Levado por sua
todas as suas forças, à codificação em nome de uma concepção romântica e his-' : '
paixão reformadora, Bentham comprometeu-se mesmo à redação dos princí-
v , toricista do direito, concebido como Volksg éist Portalis, enfim , principal redator 1. pios de uma gramática universal, que proveria com bases puramente racionais
\
do Código civil e partidário He uma síntese tão espantosa quanto eficaz, entre “o j *
vigny e.Portalis veremos, não demorarão em enunciar estes três termos numa
reito,.das quais apenas a última - sem dúvida porque é “metamórfiça”- concre- i
>
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tízará o sonho prometêico de domínio do futuro através do código. 1
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ordem diferente).
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Compreende se que, fundando-se em bases tão radicais, Bentham nã o
-
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tenhá palavras muito severas para vilipendiar a Common Law e ps Statutes da
Inglaterra de seu tempo, incapazes de produzir ã menor segurança jurídica.
*
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* v / \
í Lembramo-nos 3à concepção que Bentham fazia’ do tempo jurídico: 193 OST, F. Codif íçation et temporalité dans la pejisée de J. Bentham. In: Actuaiité de la
>•] pensée juridique, de Jererny Bentham. Sous la direction de P. Gérard, F, Ost etM , Van
- um tempo futurista, gradualista e continuísta, atribuído à sua filosofia utilita- »
de Kerchove. Bruxelles: Publicatiòns desFUSL, 1987. p.J 63 etseq.
/
n
k 194 BENTHAM, J. Vue généraled*un corps compiet de législation. In: Oeuvres de J. Ben- “
t
« j t
tham, jurisconsulte anglais, Édité par E. Dumont Bruxelles:,Coster, 1829.1. 1, p. 347C,
191 OST. F. La codification, une technique juridique pour aujour-d hui? In: U Étatpro - >
X
ptãslf Sous la direction de C.-A . Morand, Par ísr Publisud, 1991. p. 237 et seq. ^ 195 BENTHAM , J. Fragments on Universal Gramniar, The Works ofj: Bentham . Edin-
,
274 275 .
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*•
Capítulo 3
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Prptnèssa.Ligar o futuro
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. oposto à fcodificação, era resposta^a um opúsculo de outro jurista alemão,
* Tudo issopara ele deve ser descartado em prol do Código perfeito, do qual de- r
igualnrente de origem francesa, Antpn Thibaut: Da necessidade de um direito '
senha o quadro Pannomion : Complete Bo'dy oflaw - um código completo e •u
^ i
. v
civil geral para a Alemanha 19* ,Neste texto, Thibaut pretendia se aproveitar do
*
racional feito para “comandar e instruir” ÍJm código do qual cada artigo será '
explicitainente justificado num comentário específico, o rationale pela contri- \ ^ • i *
• fato de que o imperialismo napoleônico acabava de transtornar as instituiçõ es
germânicas imemoraisvdo Santo Império romano germâ nico e da ordem po- - *
„
buição que traz para o ideal utilitarista.196 Monumento de razão utilitarista, o ’ V
lítica herdada* da sociedade feudal para propor à Alemanha uma codificação
-
Pannomion, contudo, não está destinado a tornar se uma relíquia histórica: ele '
.
deverá evoluir à vontade das necessidades e dos progressos, devidamente me-
' moderna, que traduziria as aspiraçõ es da burguesia esclarecida, em prol da
didos pelo cálculo sempre atualizado dos prazeres e das penas. Igualmente, o '
*
; »
exercerá sem descanso, com 9 concurso de administradores e de estatísticos mão - o que ele denominava “mistura confusa do antigo caos” Nosso direito
Acontece que nenhuma das ofertas de serviço de Bentham foi coroada. civil, escrevia ele, “necessita de uma transformação rápida e total” Daí a ne-
de êxito: de Catarina da Rússia ao Presidente Madison, dos Estados Unidos, , .
^
1
cessidade de um “código simples que fortaleça o estado de nossas instituições #
civis” e cujos benefícios se façam sentir por todo o império “para a eternida-
todos recusaram tão ambiciosos projetos. Bentham estava condenado a traba - de dos tempos”.199 » •
conservado no University College de Londres: “aqui começa o pannomiot } da ' Cabeça da Escola do direito histórito, Savigny opõe-se frontalmente a
,
*
•
r
.
nação francesa Eoi estabelecido por Nós, Louis, rei da nação, décimo sexto do este programa, ao qual repreende por ser inadaptado «ao gênio germ ânico de
nufrir-se de uma filosofia racionalista, em desnível total com a marcha pro-
nome, com o consentimento dos estados gerais reunidos em Versalhes? em l
|
SAVIGNY, A HSITóRIâ SALUTAR E FECUNDA . sideração da “fecundidade” da experiência ( da qual a tradição jurídica é o re -
-
V
.
*
í
jeito dos costumes, dos precedentes e da tradição em geral), resulta simulta
É precisamente em nome da história que Eriedrich Cari von Savigny neamente um fixismo e uma mutabilidade criticáveis (isso só é paradoxal na
v
(1779-1861) publicarem 1814 um mahifesto, sob o título: Sobre ayocação do aparência: já notamos que o positivismo implicava umà temporalidade “fora
nossô tempo para af legislação é a ciência do direito; este texto, violentamenté do tempo”,.cada norma sendo, por convenção, instantânea e eternamente vá-
4 *
&
*
*
.
196 BENTHAM, Promulgation des raisons 'des lois In: Oeuvres de / Bentham, juris-
*
. ' .
198 KRYSTUFEK, V 2. La querelle entre Savgny et Thibaut et son influence.sur la pen-
.
consulte angí ais. Édité pai: E. Dumont BruXelles: Coster, 1829.11, p 269; Codifica . - .
sée juridique européenne Revue historique du droitfrançais et é tranger, p. 59 et seq*
1
»
. .
tion proposal WThe Works of Jeremy Bentham Edjted by J. Bpwring, New York: 1966; DUFOUR, Á. Lidée de codification etsa critique dans lá pensée juridique al -
. . .
jRussell 8c Russell], 1962».t IV, p 538
*
- . .
lemande des XVIIIe XIXe siècles Droits, n 24, p 45 et seq , 1996. . .
*
.
, 197 Manuscrit conservé à FUC, no 100, apud HÀLÉVY, E La Formation du radicalism ] 199 Apud DUFOUR, Ai Lidée de codification et $a critique dahs la pensée juridique al -
>
.
philòsophique. Paris: PUF, 1995.1 1: La jeneusse de Bentham, p 367 . . 1
-
lemande des XVIIIe XIXe siècles. Droits, n. 24, p. 53-54, 1996 . t 1
* s
I
p
277
276 I’
X 4
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Capftulo 3
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*
*í .
Promessa, Ligar o futuro \ i
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lida, mas nada se opondo à sua mudança frequente), Fixismo: “er ágem-se no- , * Para ser estudado mais de perto, e principalmente o Discours préliminaire de
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*
vos códigos que, por sua perfeição, devem garantir a administração da justiça, ,
Portalis, pode-se perguntar se uma boa parte de seu bom sucesso não é devida,
i
uma segurança mecânica; códigos que devem ser igualmente utilizáveis por \
»» V
ao contrário, à maneira de compromisso representada pela concepçã o do tem-
r
pura abstra ção por todos os povos e todos os tempos ” Mutabilidade;segundo 4
4
.
po que compartilhava seu principal autor Advogado sob o antigo regime, exi-
esta concepção, “todo direito positivo procede das leis, ou seja, das prescrições lado na Alemanha na época do Terror (lazer forçado que resolveu aproveitar
-
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>
*
Como para a língua,' não há para o direito nenhum momento de partada to v
4
tal”.201 Bentham lembramo.-nos disso, pretendia escrever com ares novos uma •
)
- V
dã revolução, à direita contra os conservadores que apenas sonhavam com a
restauração - Portalis levará a empresa ao seu termo, não deixando em seus
*
"
* f *
gramática universal que seria a condição prévia para a reforma utilitarista.' " discursos e intervenções203 de desenvolver um pensamento revelador de um do-
- mimo profundíssimo das relações que o direito mantém com o tempo.
*
Sayigny e seus discípulos, ap contrário, jnspiravam se no desenvolyimento ,}
* espontâneo da língua, regida por ninguém, para pensar a transformação di- \ Trata-se, de início, de explicar o fracasso de dez anos de tentativas pre- -
í- V
fusa e coletiva do direito, assim como o desenvolvimento orgâ nico das inst cedentes de,codificação. Por que conseguiríamos hoje, no ponto em que Canr-*
tuições. “É tão igualmente impossível para o homem inventar unicamente ^ bacères e tantos outros fracassaram? É que, diz Portalis, "hoje a França respi-
ra”. No tempo da revolução, todò direito é político, e "a cada instante as mu-
*)>
pela razão Um direito que se desenvolva espontaneamente, quanto é ábsurdo
- ' querer jnventar uma língua ò u uma literatura própria”\, escrevia J, Grimm,
discípulo de Savigny.202 *
r
danças nascem das mudanças e as circunstâ ncias das circunstâncias. As insti-
tuições se sucedem com rapidez, sem que possamos fixar-yos em nenhuma” 204 .
'4
*
/
Hoje atualmente, tendo voltado a calma, é possível contentar-se com a.“sabe-
>
^ .
doria que preside aos estabelecimentos duradouros”205 Tranquilizador, Porta-
PORTALIS, -
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*
V -
apronta para fazê lo aceitar reformas tão profundas, como o cará ter civil do
.
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casamento)! não será mais o caso, uma vez mais, de repor tudo em pbras
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1
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Nestas querelas sobre a oportunidàde da codificação, o Códigò civil de
« , 1
$5 Pensaríamos estar lendo Monteçquieu: “Interroguemos a história ’, es
1804, que permanecerá o arqu étipo de Uma codificação de sucesso, passava , ‘
creve ele, “ela ê a í
v
\
4
-
f sica experimental da legislação”,206 será o caso de se aprovei-
modelo racionalistae~a-histórico de direito.
V
T
pela figura mais realizada de .um
I ^ r 4
4
* 4
i <» 203 PORTALIS, J. E,-M . Discours et rapports sur le Code civil Caen: Reproduits par la
. li Centre de philosophie politique et juridique de Caen, 1992.
200 DUFOUR, A. tidée de codification et sa critique dans la pensee juridique alleman- t
204 Discours préliminaire sur le pròjet de Çode civil (présenté le ler pluviose, an IX -
dè des XVI ÍIe -XIXe siècles. Drõits,n. 24, p. 54-55, 1996.
«
- ,
janvier 1801), op. cit„ p. 4. .
,
t
*
* 4
2ít 5 fbid., p. 3, 4.
•v ' 202 Apud DUFOUR, A. Droit et langage dans 1’École hisloriqtíe allemande. Archives de
philosophie du drçit, 1.13, p. 163, 1974. *
206 *
Discours de présentatiori du' Code
•
»
Civil (3 írimaire, an X) , op. cit., p. 96.
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278 279
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Promessa Ligar o futuro . *
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Capitulo'3 i
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tar do exercício do passado, desta tradição de bom senso, de regtas e de m áxi
4
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.
equidade natural Confiado ao tenjpo, como p é uma mensagem lançada ao
213
l
mas que chegaram até nós e que folmam o espírito dos séculos” É que as leis J . mar e carregada por suas correntes, o'código se dá um futuro; a própria inde-
são atos de sabedoria e não de poder, “elas devem ser adaptadas ao caráter, aos ji terminação de seu projeto é o avalista mais seguro de *seu resultado, ou antes,
hábitos, à situação do povo para o qual são feitas” 207 Montesquieu escrevia: “é J . de sua progressão ininterrupta
^
. * •
as máximas do Governo, os exemplos das coisas passadas, os costumes ”208 J ... o que n ão poderfa deixar de se prpduzir mais ffequèntemente que o legislador
v Em seguida, esta afirmação assombrosa sob á pena daquele que a histó - imagina habitualmente, o juiz estará certo ao referir-se à “uma utilização
ria conhece como um de seus mais profundos reformadores: “é preciso ser só - constante, uma sequênciá ininterrupta de decisões semelhantes, a uma opi-
brio de novidades em matéria de legislação”; é que seria absurdo <centregar-se i * as - nião, ou a uma máxima recebida.” Na falta, ainda, os princípios de direito na-
4 »
*
idéias absolutas de perfeição em coisas que só são suscetíveis de uma bondade J tural farão o trabalho: “pois se a previdência do legislador é limitada, a natu-
relativa! Daí, mais do que “mudar as leis”, quase sempre é mais útil apresentar" reza é infinita!214 Precavenhamo-‘nos de acreditar, contudo, qpe tudo isso con-
5
i
.
aos cidadãos novos motivos para amá-las” 209 Montesquieu escrevia: “ o mal de vl %
duza à repetição cega dos precedentes: a mudança irá impor-se por si própria
mudar é sempre menor que o mal de sofrerí”210 Estas constatações, fortemente' b quando for levada “pelo progresso das luzes e pela força das circunstâncias”.
215
pinceladas de ceticismo, revelam uma consciência aguda da ação do tempo so -\ ; Homenagem discreta, notaremos, no campo progressista, que teria podido
-
bre as instituições humanas: “como acorrentar a ação do tempo? Comç o p o r-s e ‘ ^
acreditar-se perdedor; eis, então, Montesquieu e as Luzes, cada um à sua vez,
ao curso doá acontecimentos ou à fiiga inselisíyeLdos costumes? Como conhe
"cer e calcular de antemão aquilo que só a experiência nos pode revelar?”211 Esta-
- *
mobilizados peía formidável retórica do hábil Portalis. *
Sem dúvida, Portalis admitirá sobriamente què a comissão que ele
mos longe da ambiciosa “aritmética moral” de Bentham e de seus exércitos es- . . C '
I preside mudou ejnodificou as regras “que não eram mais adequadas à or-
*
.
H
cômputo final, recolha aquilo que, do passado, passou pela “prova do tempo”, - dissimular a influência e a utilidade deste conceito não deliberado, desta po -
4
e como aval, dá confian ça aos intérpretes parã atualizá la, inspirando-se na
"
4
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tência invisível, pela qual, sem agitação e sem comoÇãó, os povos fazem jus
tiça às leis ruins?”217
^ *
*
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* *
. -.
_ ^
207 Díscours préliminaire, p 4 5
.
XX, cap 4, g 461 .
. .
N
208 MONTESQUIEU De F ésprit des Jois Paris: Garnier: plammarion, 1979.1 1, livro .
9
213 Sobre a utilização do tempo pará consolidar a aquisição, conf. CABANIS, A. Uuti
lisation du temps par le rédacteurs du Code civil. In: Mélanges Pierre Hébraud.
-- 1
i
^ ^
„ Toulouse:Université deToulouse, 1981:I> p 171 etseq. .
, 209 Díscours préliminaire, p 5 .. 214 Díscours préliminaire, p. 9.
.
.
210 MONTESQUIEU DeFésprit desloiiParis: Garnier: Flammarion, 1979. livroXXIV,
. 215 Ibid., p. 10.
• , . .
cap 18, t. 2,' p 307 .
216 Ibid., p. 48.
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*
211 Díscours préliminaire, p. 7-8
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280 281
\ t. , í!
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Promessa Ligar o futuro. f
-f Capítulo 3 .
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sas requisitava ou que reformava antigos abusos”. transações não repou-
221 Tais
antigos e de novas leis? ” Resposta: “tanto melhor”; seria ter negligenciado '
%
/
*
tudo aquilo que seria criticável. Não é questão de “repudiar a rica herança ,que 4 terpreta), tanto o passado quanto o futuro: um passado que é preciso nem
a naçã o recebeu de seus antepassados” 218 Nem é o'çaso, entretanto, de um xtre- mumificar (ele é sempre “presente”), nem sacralizar (ele nã o deixou, igual -
torno absoluto aos costumes antigos”' como parecem desejá-lo um certo nu- '
& mente, de ser um tempo móvel), um futuro quèé preciso fevãr em considera -
mero de tribunais, aos quais o código em projeto é mandado para um pare- ção ( já é presente), sem erigi-lo, por isso, em norma absoluta da mudança por
cer. Portalis sabe perfeitamente que esta regressão é insustentável, pois a his ti mesma. Contra os tradicionalistas, que invocam o caráter imemorial de de-
tória íião deixou de avançar: “à que época de nossa história seria preciso re-
- '
3 terminadas instituições (a nobreza, o pátrio poder...), Portalis faz observar *
hoje a data exata de seu aparecimento; o importante é que estas instituições, '
J»
.
gramáticas Eles reformam expressões abusivas, retiram determinadas pala- 3 Esta concepção explicitamente metamórfica do tempo repousa, por sua
vras; propõem outras. Eles modificam, corrigem. A língua de Bossuet e de Fé- vez, sob uma idéia dó político que distingue entre governos, instituiçqes posi-
f
nelon não é a mesma de Montaigne e de Amyot ”220
Esclarecendo: os redatores do códigopraticaram explicitamente um tra-
..
^ *
•
tivas, e os povos “que não são instituídos por ninguém”:223 ainda aqui, um
equilíbrio dinâmico deverá ser instaurado entre projeto regulador deliberado
balho de “transação”: compromisso aceitável entre direito escrito e costumes, e tendências históricas que se exercem a longo prazo. Por sua vez, essa distin -
ção se repercute na diferença a ser estabelecida entre leis e regulamentos. As
entre direito antigo e “leis feitas desde a revolução que a nova ordem das coi
*
A'
^
- \
leis que, em cada matéria, “colocam as regras 'fundamentais e determinam as
* 4
218 Examen des divejses proposées contre la Projet de Code civil In: PORTALIS, J E " ' i . .- .-
- formas essenciais”, os regulamentos que determinam, por sua vez, “os detalhes
. .
M Discours et rapports sur le Code civil:Caen: Reproduíts par Ia Centre dê philosò de execução, as precau ções provisórias ou acidentais, os objetos instantâ neos .
- • • _»
. Por um lado, “a vigilância da autoridade que administra”, por
phie politique et juridique de Caen, 19921 p 68 *. . v > ou variaveis
/
. .
220 Tbid , p 75-76. E Portalis acrescenta: “as mesmas transformações operam-se com í \
K
.
(
< lois . . .
(Code civif 1804) Langa&e$> n 53, p 103 et seq , 1979; Id., Quand le temps dé s v - 222 Ibid., p. 73, 75* *
, vole 1’espace: temps- et espace, factéurs de normalisation dans le Code civil (1804) . 223 Ibid., p. 65.
x
.
*
i
.
In:'Relígion, société et politique M élangés en hommage à Jacques Ellul Paris: PUF, *
224 Ibid , p 17 . . .
\
*
X
.
1 83 p.185 et seq.). •
1 ^ \ 0
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282 283
. Promessa. Ligar o futuro.
*
Capítulo 3 ¥ c
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lamento “do direito contemporâneo’1.227 Padronizando o estado presente do di-
V \
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A CODIFICAÇÃO EM DIREITO CONSTANTE , OU O TONEL 'A
reito, numa espécie de instantâ neo codificado, espera-se limitar-lhe o curso *
DAS DANAIDES VI
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« >
* descontrolado. , ~
\ ,
*
\
* V Contudo, nada é menqs seguro. E que um bô mn ú mero de tè xtos esca -
Administrar ou instituir, tudo está contido nesta alternativa: Portalis, >
pam, por natureza, à codificação, ou devido à sua natureza de disposições 1
porque'tinha ô
olhar voltado para as coisas antigas que desfilam lentamente, i
r
r transitórias ou de leis temporárias ou pelo fato da natureza de )Séus autores: i
foi autor de um código que “institui”, sem por is$o deixar, durante dois sécu - autoridades europ éias, autoridades locais, autoridades ádministrativas inde-
los, de sé transformar. ‘Mas nós que temos atualmente os olhos fixados em
’
.
»
mental sobre a reforma do Estado fixou como objetivo a codificaçã o global do 1 numa doutrina que faltaria totalmente aos projetos em, obra.239 *
direito francês até o ano 2000 7 vontade concretizada numa circular do pfi- ' *
*
,
Por outço lado faremos notar a objeçãò é decisiva - que a codifica -
meiro-ministro datada de 30 de maio de 1996.225 ‘ tf -
ção contemporâ nea poderia provar se uma operação tão in útil quanto'o en -
A ambição é, simultaneamente, transbordante e limitada: transbprdan- »! chimento do Tonel das Danaides, já que a própria matéria codificada nãolpá ra
'
^
te, já que são nada menos que 8000 textos legislativos e 80000 decretos e cir- de escorrer, e de se transformar. Não é, então, falar por antífrase, evocar uma
culares que o Governo se propõe a codificar; limitada, pois não se trata, insis - *
codificação de “direito constante11? O que existe, de “constante”, de fato, num
íios, senão de codificação “de direito constante”: reagrupamento, classifica-
tit 1
C ção e higienização das regras (inclusive eliminação daquelas que não são mais i mesma apresentada como “permanente”?230 Uma codificação incessantemen -
.
conformes à Constituição ou aos comprometimentos internaciçnais), sem re- A,
foriha de fundo. Mas, acrescentamos, uma tal ordenação è a preliminar neces- vr
\
N >
^ - \
codificação tal de direito constante; que “èe inscreve no^ presente” e é “despro
227 Circular de 3Ó de maio de 1996, loc. cit, p. 71.
vida de qualquer messianismo não pretende, assim, “instituir uma socieda-
^
1 26 4
228 »BRAIBANT, G : JJtilité ét difficultés de la codificatioil. Droits, n, 24, p", 69, 1996 .
* *
de”; mais modestamente, ela visa apenas a represar a “proliferáçao” ex> acava
i
*
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- *
A I
1996.
é
V * V
4 .
225 Cf. BRAIBANT, G Utilité et difficultés de Ia codification. Droits, n. 24, p. 61 et seq., 230 SUEL, M. ESsai sur la codification à droit constant . 2. ed. Paris: Impressian des jour-
1996; na çircúlar de 30 de- níaio de 1996 é reproduzida integralmente em OPPBTIT, . . nauxofficieís, 1995. p. 256. *K
\
*
1 %
B. Essai sur la codification. Paris: PUF, 199 8 . p. 71 et seq.
‘
231 Somente para o setor da cultura , 5 códigos çst ão em prepara o referindo-se, rés-
çã
226 OPPETJT, B. L’ayenir de la codification. Droits, n. 24, p. 75, 1996. pectivamente, à comunicação, à educação, ao património, à pesquisa e ao esporte.
*
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( 4
284 % tf
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285 -
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„ »’
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Capítulo 3
* 1
-
mesmo do mal ou da do.ença diagrlosticadaí Não seria preciso, antes, se ver- Onde reencontramos a verdadeira inspiração de Portalis: confiança co- v
dàdelf amente buscamos limitar o fluxo dos textos, voltar à distinção que Por - . Tocáda pelo legislador nos outros poderes encarregados de fazer viver os.tex -
talis fazia entre a “lei que institui” e o “regulamento que administra”? E esta lei
i
tos, confiança dada ato futuro para desenvolver as promessas do presente. Tal -
não deveria ser buscada, atualmente, antes do lado dos “princípios gerais”, *
vez esteja nisto, definitivamente, a lição do Tonel das Panaides - cbmo a do
' transitoríais e tránstemporais, tal como o da boa-fé, qué doutrina e jurispru- rochedo de Sísifo, de resto: à pretensão semprç frustrada de parar o tempo, de
dência redescobrem atualmente?232 Um tal direito de princípios, não constitui- -
v prendê lo completamente no
momepto, e a certeza garantida, ao inverso, de
ria igualmente o início dé um futuro ius cómmune europeu, suscetível' de in - i
seu concurso efíóaz para aqueles que terão sabido integrá-lo em sua empresa .. .
»
j ^ se fazem com o tempo”,
“os códigos dos povos A
r troduzír, por sua vez, um pouço de otdpm no émaranhado do direito europeu \ t*\ *
*
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*
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4
CONTRAIO,.CONFIANÇA, CRÉDITO; ' I
.
janeiro de1994> volumoso corpus de 3 168 artigos, que inovam em in úmeros 0 FUTURO . VALORIZADO i
*
ciedade”, e, mais ainda, como “um novo contrato social” 234 Seria porque, mais 1 O que a lei, o Código e a Constituição realizam ampliadamente, na es-
j
)
que outras, a sociedade quebequense é sensível à sua soberania, de.que provou J calá do Estado, o contrato o realiza reduzidamente na escala das interações in -
ser capaz de “criar nação” em torno de um código que traduz sua escolha de r
,
v
dividuais, das associações, das empresas: nos dois casos, decorre de uma ten-
tativa de domínio do futuro pela promessa Dé resto, sabe-se bem, na base da .
-
- . "
valores essenciais, como se pode pensar Mas que não nós enganemos quanto
—
i,
lei há o contrato social assim como o contrato privado, que recebe sua força
a isso: as opções assim tomadas não saò analisadas como. uma adesão ao arre -
* . , f
obrigatória da lei “Contratar é prever” escrevia Georges Ripert. “O contrato é
pio de. opções intangíveis. Ao contrário, é uma interpretação ousada e evolu-
uma empresa sobre o futuro;”236 '
tiva a que apelam os redatores do Código: “nem o texto, nem lei nenhuma, de V
novas avenidas”235 . 0 k
*
1
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fé
S.
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. .Antes mesmo de implicar a confiança no co-cpntratante, o contrato
«
232 OPPETIT, B, Uavenir de la codification. Droits, n. 24, p. 80, 1996.
-
pressupõe confiança no futuro, uma espécie de “crédito de tempo” que leva.a
* * •
* " 1
233 Cf. o acordo institucional *de 20 dé dezembro 1994, instituindo um método de tra- *
.
4 I
u'
balho acelerado em vista de uma codificação oficial/dos textos legislativos ( JOCE, desmentir o adágio popular e preferir “dois tu o terás” áo ú nico “tens”, atual
no C43/41, 20 de fevereiro de 1995). Quanto aç papel dos princípios na elaboração
4
y
de um iuS commune europeu, cf. QST, F.; HOECKE, M. van. Legal doctrine in cri- ^ Esta projeção confiante no ‘faturo é, sem d úvida, na escala da história huma -
sis. Towardsa Europeari legal çtiençe. Legal Studies, v. 18, n. 2, p. 19? et seq„ jun. na, apenas uma conquista recente: é preciso, de fato, estar já desligado da evi- *
1998. V
-s . dência do presente imediato, e fazer-se uma representação da extensão e do
v
;234 NIORT, J.-E Le notiveau Code ciyil du Québec. Droitsy n. 24, p. 137, 1996. tempo no faturo (a “faturização” ), para renunciar a uma contrapartida .ime-
235 Le Code civil du Québec. Commentaires du ministre dela. Justice, Les Publications ( *
du Québec, 1993, t. I, p. VII. Esta tradição de uma Interpretação aberta dos códigos f, 1 ( • •
i
A
é igualmente a que era desenvolvida pêlos realistas americanos, e, principalmente, * 236 RIPERT, G, La Règle moràle dans les ohligations civiles. Paris:LGDJ, 1948. p. 144. Vér
K.Tlewdlyn, autor do Urtiform comrherdal Çode (cf. F. Michaut, Zes Réalistes cuné - ! * .
' também OST, F Temps et contrat. Critique du pacte
faustien. Anna í es du drolt de
l
.* *
ricains et la codification, no prelo) .
A
4
sr
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* Louvain, p. 17 et seq., 1999/1. - »
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Promessa. Ligar o futuro.
X
Capítulo 3
*
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.
^-
«íiaía Louis Gernet relata, a este respeito, que o direito grego antigo havia ape- '
do devedor. Onde encontramos a carga ética do compromisso linguístico, p r ^
nas imperfeitamente chegado a esta idéia, e que, quando das garantias, como , . ticularmente quando ele assume a forma da instituição da promessa .
as cauções, estavam previstas em apoio no contrato, estas tornavam-se objeto Crédito de tempo e crédito intersubjetivo, ajmtecipa ção contratual re-
de execução imediata.237 Foi apenas por um trabalho lento de abstraçã o que o presenta um desafio económico e jurídiço considerável. No planò económico,
t pensamento pôde representar a figura de um direito sóbre uma prestação'di- , a simples previsão das vantagens que o futuro trará, a perspectiva dos frutos e *
, ,
outorga de Um crédito sobre um outro é como se parte do futiiro tivesse se \
lhe emprestamos,238 e graças ao crédito do qual se beneficiou, o comerciante
/
.
tornado imediatamente apropriável Extraído das áleas dos acontecimentos, ' jj
OU empresário deveria poder, pelo menos em princípio, desenvolver seus ne-
.1 subtraído às flutuações da duração, a confiança podia representar a certeza de / ‘j
* 4 t * *
gócios e gerar um benefício, logo, um aumento global de riquezas,,
qu ê tal coisa convencionada aconteceria necessariamente. É como se, de xe-
A
maior aos bens imateriais, cujo valor consiste nas perspectivas de pxodutivj -
dar à luz . /
*
-
tempo prenhe de possíveis - possíveis que, çom sua ajuda, as promessas irão
Uj
V
-
< *
dade e lucros futuros que eles representam. Imaginemos, pór exemplo, os fun -
dos' de comércio (cujo valor liga-se m ^nos ao estoque imobilizado qUe à clien-
Ainda, é preciso que à confiança nas virtualidades do futuro (o crédito J
V
tela), as explorações agrícolas, as empresas* as clientelas das profissões liberais,
de tempo) se junte a confiança no parceiro contratual, A etimologia dos ter- j ...
as licenças^ marca de direitos autorais , mesmo número de virtualidades de-
mos “confiança” e “crédito”, ámbas remetendo à creãere , prova-se aqui revela-
.
dora Confiança e crédito apóiam-se na confiança no outro: Uma confiança vidamente valorizadas e desde hoje comprometidas.
)
1
necessariamente intersubjetiva e recíproca, a partir do momento que os dtfe- '
'
Pela força aperfeiçoadora do contrato jurídicó, estas prestações, que só
existem ainda “em potência”, incorporam£se ao património do credor. Bem
• rentes sentidos da palavra “crédito” tanto revelam a confian ça que inspira'al-
"
4 • * ^
entendido, nelas .
reside uma parte de risco Puturô valorizado não é necessa-
guém, quanto a confian ça que lhe-atribuímos em troca: é porque o banquei- i
' ro tem confiança na solvabilidade do empresário, que ele lhe dá crédito. $ .
riamente um futuro jjarantido O risco até contribui para a valorizaçã o do de-
J
Quanto ao título jurídico representado pela “confiança”, repousa no fato de safio. A regra do jogo é, aqui, que os contratantes, PU um dos dois, assumam
v
238 HÉBRAUD, P. Obseryations sur la notion detemps dans le Code civil In: Êtuães of . -
. -
fertes à Pierre Kayser Aix-Marseillé: Presses de Puniversité d^Aix Marseilfe, 1979 .
- r
\
237s GERNET, L. Le temps dans les formes archaíques du droit. In: Anthropologie de Ja ’ .
JvII, p. 53 *
. .
Grècè ancienne Paris: Maspero, 1968 p. 278 et seq.; quanto ao direito judaico, cf.
.
239 SÉRIAUX, A Le futur contractuel In: AUSTRUY, J. .-f. et al. LcDroit et lefuhtr.Pa~-
f
.
DRAÍ, R. Le Mythe de la loi du talion Paris: Alinéa, 199 l. p. 154-155. /
*
. .-
ris: PUF, 1985 p 83 .
,
i.
288 289
I
/ I * t
Capítulo 3
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. .
PromesSa Ligar ó fiifitro,
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esta parte inevitável de risco que o futuro comporta. Assim, o credor de uma
1
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obrigação estipulada em divisas, deverá em princípio suportar os efeitos da
familiar, desde a análise da promessa: o que é que fundamenta o caráter obri -
gatório do contrato, como explicar que uma manifestaçã o concordante de t
depreciação monetária; o aumento dos custos de produção continuará a car-
vontades ligue duradouramente os parceiros? Antes de medir efetivamente a
\
V
go do empresário.* Às vezes, mesmo a aceitação de um risco 'confina com a * ação das circunstâncias externas sobre o contrato (sua mudança acarretaria
i
4
POR OUTRO LADO, TODAS COISAS IGUAIS?
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A
1
A propósito 4o contrato, pode-se acentuar aqui, de uma parte, o papel
desempenhado pela lei (ontem os princípios do Código civil, hoje as inú me-
à de direção,que enquadram às
O problema dá atribuiçã o da carga dos riscos levanta a.questão, a bem j
ras normas constitutivas de uma ordem públic *
vezes de maneira muito detalhada as convenções, como em matéria de contra-
*
i
dizer central, em matéria contratual: devemos considerar, não se parou de j
perguntar, que os contratantes tenham se engajado somente rèbus sic stantibus ctos de aluguel de casas ou de contratos de trabalho/ por exemplo) e, por oixfro
/- (“todas as coisas iguais,.por outro lado”, preferem dizer os economistas), ou,
, lado, um conjunto de regras essencialmente jurisprudenciais que dão çorpo à
bem ao contrário, que su à convenção não é emendável aconteça o que for, ex- | exigência dehoa-fé, já encontrada, e apesar da qual (à falta de confiança) não
cetuada á forçâ maior, que torna a execução das obrigações ipipossível? Para l ' .
' haveria nem crédito, nem credibilidade Neste caso, aidéia de colaboração das
/ urts, o contrato n ão tem precisamente utilidade, a não ser como instrumento 3 partes sobressai sobre a busca da maximização do benefício pessoal. O êontra -
de ligação do futuro, instrumento de dominação do futuro, dos riscos inclusi- | to de associação ou de emprega poderia servir aqui como modelo, sendo que
ve. E invocar, além disso, o respeito que se deve ter à vontade dos contratan- 1
, a busca de um interesse comum constitui sua finalidade principal; cooperação
tes, segundo o princípio da Convenção-lei inscrito na alínea 1 do art. 1134 do e participação são suas regras, maia do que a estrita comutação de dívidas re -
Código civil,“Pacta suntserVanda” ( “acordos, devem ser cumpridos”) » dirão os j *
-
ção ao próprio acordo, que é analisado como uma obra de colaboração, não
como uma loteria ou uma exploração. E estes juristas, a invocar a alínea3 do
i - * * *
\ *
de boa-fé”. n
*'
^ \
* *
Para deslindar este emaranhado e decidir esta controvérsia, é preciso, \
i
»
w
»
contudo, colocar uma quesfão ainda mais fundamental que já nos é, de resto, i . .
241 ROUHETTE, G Yo Contrat In: Encydop. Universalis 472 Com toda razão, o au- . *
w
V
* tor ressalta que, a esta relativa moralização do contrato corresponde uma relativa *
i
m \ economia do cònípromisso, apresentado hoje, principalmeiítepelos antrop ólogos
240 SÉRI UX, A. Le futur contractuel. In: AUSTRUY, J. J. et al. Le Droit et lefutur. Pa
- - . .
(cf .M Mauss e suas análises do pptlatch), como tuna liberalidade sempre mais ou \
f
^
ris: PUF, 1985. p. 89-91.
/'
t
-
1 -
dade vivida ( p 470)
.
menos feita “a título de resposta”, desde que saibamos inseri-la em tuna continui
. .
-
% *
*
»
290
291
V ) \
Cap ítulo 3
Promessa. Ligar o futuro.
K
t
\
-
trar no par “iustantaneidade-perenidáde” (instantaneid.ade da génese da nor
'
que o contrato vai buscar sua força obrigatória, nós podemos reformular nos- ma, perenidade de seus efeitos até a nova manifestação instantânea de vonta- /
sa questão inicial: será que a instituição social entende que o contrato somen- ‘ , ~ de) uma maneira eficaz de subtrair as figuras jurídicas.às áleas das conjuntu-
,
te seja concluído por “todas as coisas iguais”, ou lhe impõe uma inflexível imu- ’• ‘ f ãs económicas ou das turbulências psicológicas. Esta tese se verifica no triplo
* 1
Assim como Rousseau não considerava negocia ção ,ou deliberação pré-
e
«
\
' .
ram muito ) sem d úvida, desde o Código civil Pode-se opor a este respeito a o
<ç
vias na formação da vontade geral e do contrato social (é no instante”'gue o
teòria clássica que pretendendo dar pleno efeito à vontade subjetiva dos con- r contrato se fornia), do mesmo mòdo a teoria clássica dos contratos não lhé$
tratantes recusa-se a cumprir o acordo, tal como expresso no preciso momen- • I conhece a génese, tudo se passando como se caisseúi do céu. Daí, de. fato, que
to do compromisso, e, por outro lado, a teoria contemporânea que n ãò mais
,
/ uma oferta completa (incidindo sobre os elementos essenciais da convenção), *
quaisquer que sejam as flutuações de.valor real da moeda ), as novas leis, em mesmo transtornem toda a economia. O, juiz poderá, neste caso* vir em soçor-
*
•
ró do devedor ameaçado, colaborando com a administração da convenção mi-
\
^ f
ramehte abstrato e fictício, um tempo jur ídico e formal, subtraído à vida eco - .
/
t
242 Cf. FRYDMAN, B. Le Droit des contraís à la lutniere de la philosophie de Vaction: in-
nômica concreta. Redescobrimos aqui o tempo positivista que acredita encon - décidabilité, coopération et révision, A publicar, p. 4 et seq.
V.
/
\
v
*
J
292 293
X
*
Capítulo 3 i
í Promessa,Ligar o futuro .
f * \
v » 1*
dos termos do contrato, quando uma circunstância imprevista torna a execu - '
cê ntimos pot mais ou menos 190 ares) j?or ocasião de cada irrigação. Sur-
i
çao não impossível, mas muito mais difícil ou onerosa para uma das partes »
preendidos por uma demanda de revisão destes preços pelos descendentes do
( por exemplo, quando uma alta das matérias primas, ou um nbvo imposto,
acua um devedor a vender ou perder, ou que uma desvalorização obrigue o
y .
• Sr Crappone, cujos lucros não pã raram de aumentar no decorrer dos anos, as
' jurisdições de Aix acederam a esta pretensão, sob argumento tirado do artigo
credor a contentar-se com o reembolso derrisóriõ).243 Se pm certo nú mero de 1
leis de exceção no pós-guerra, e hoje em matéria de arrendamentos, prevêem
- 1134, al. 1 è 2, que foi descartada devido ao caráter “sucessivo” do contrato e
>
i *
nhecer ao devedor que não se protegeu por uma fcláusula específica (por
exemplo, um mecanismo de indexação dos. preços), um "privilégio de segu-
/
que “em nenhum caso cabe aos tribunais, por mais' justa que lhes possa pare - I
rança*!em vista de uma neutralização indeVida dos efeitos do acaso.245 cer sua decisão, levar em consideração o tempo e as circunstâ ncias para mo -
Q Tribunal de Cassação francês sustentara esta tese no - célebre caso do -
' dificar as convenções das partes e substituir, por novas, cláusulas que foram li -
Gaçal ãe Crappone em que não pretendia consentir na revisão de uma obriga- ^£
1
vremente aceitas pelos contratantes”.246
Ção de soma resultante de uma convenção* concluída contudo... 316 anos an- V
*
f
tesl^ Na época (bu seja, em 1560), um, certo Adam de Crappone compromete- * r
rinhos se comprometiam a pagar um aluguel de 3 xsols* por "carteirade” (15 Ao longo dç todo o século 20, e até numa data ainda recente, decisões
tanto francesas quanto belgas confirmaram esta "negação do tempo”, como se
í
.
v
- .
243 Sobre a teoria da imprevisão, cf igualmente PHILIPPE, Dl M Changement de cir
' .
constances et bouleversement de Veconomie contráctuelle Bruxelles: Bruylant, 1986;
-
I,
J
3
não houvesse segurança jurídica,senão na duração abstrata a eternidade vir-
-
tual, j/oder-se-iadizer de uma não encontrável “comum intenção” das par-
—
WÈR.Y, P. Lajustemer tes.247 E, contudo, o equilíbrio dos termos deste debate, que opõe segurança ju-'
/
.
ít des normes contracfuelles à de nouvelles circonstancés en
.
droit belge In: Let temps et le droit Sous ia direction de P. A. Côté et J Frémont Co
wansville (Québec): Yvori Blais, 1996. p. 261 et seq.
-
244' Pudemos falar de “desconfiança ancestral” da jurisprudência; PERRILEUX, J. Rap
. •»
. -
-
^
' {
‘
rídica e equidade^ estabilidade e utilidade económica poderia bem modificar-
se hoje sob o peso das críticas eum deslize significativo da prática. No^plano
1
^
.
pqrt belge. In: La Bonne poí PaHs: Trabalhos da Associação Capitant, 1992. t. 43,
p. 248; GHESTIN, J. Traité de droit civil Les obligations. Paris: LGDJ, 1992. p. 337. •
246 Çass. fr., 6 de março de 1876, DP, 1876,1; p. 193 .et s.
' ‘ -
245 SÊRIAUX, A. Le íutuí contractuel. In: AUSTRUY, J. J. et aL Le Droit et kfutur, Pa
.
ris: PUF, 1985. p. 86-87 ( doutrina inspirada nas teses de F. A Hayek).
- 1 • '
^
, .
247 Cass.fr., 3l de maio dp 1988, RTD Çiv., 1989, p;71 et s( et obs 'Mestre; a Bélgica, cf.
% í
' * Antiga medidaagraria correspondente, como se deprêende do texto, acerca de 2000 yelles circonstapces en droit belge In: Le temps et Je droit. Sous.lç direction de P.-A.
nr. (N.R.T.) x
*»
.
Côté et T Frémont. Cowansville (Québec):Yvon Blàis* 1996. p 265, nota 14. .
* * 4
V
I
294 » *
4
295
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*
Capítula 3
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Pratncssa. Ligar o futuro. i
«>
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íiscos ligados às mudanças de circunstâncias, não é aceitável que estes sejam
de tal maneira que não ofereçam mais que a certeza da ruína a um dos dois
* ‘
...
gócios, relações comerciais ) nao englobará aquele, írnsta, de convenção?
Sem duvida, temos razão de nos opor a uma renegociação permanente do *
.
parceiros O direito não poderia prestar o concurso de sua coerção para uma
^
contrato, que tiraria qualquer nprmatividade da obrigação combinada;, sem
r
operarão leonina. Âs vezes, é com referência à “comum intenção real das par- » »
dúvida, o direito não devo buscar, numa ótica finalista securitária, compensar t
tes” que se concentra os ataques: as ciênfcias cognitivas não ensinam, atual-
V < .
o desequilíbrio e evitar menos 'risco De resto, engajar-se apenas “tpdas as coi-
mente, que as intenções réais de cada um são decididamente pouco “decidi-
-
t j
sas iguais, de outro lado”, aliás, seria não se engajar de forma absoluta, pois,
, veis”? Que dizer, então, das pretendidas intenções “comuns”? Que dizer, so- ' ' ,
248
.
bretudo, das içtenções comuns convencionadas estarem fixadas definitiva- 'S ’
,,
dem contar, nem medir, em que e até onde elas continuam “igiiais” . /
»
tro lado, e isso. nos parece essencial, a intervenção ora considerada, longe de
s
fictício e ficcionista para reintegrar-se àquele da duração vivida, sem por isso
.
se entregar a um mobilismo estranho à idéia de contrato Assim, acontece cada
> <
>
i
ser estranha à lógica contratual, remete-a, ao revés, a seu princípio Pois, en
*
fim, trata-se apenas de negociar uma cláusula no espírito de bo.â fé que .deve- -
. -
vez mais frequentemente que o legislador intervenha para autorizar o juiz a
ria ter encorajado as partes desde a origem. Sem dúvida, as intenções das par-
\
ções estrangeiras uma cláusula atribui este poder ao juiz, de maneira geral, tes são amplamente não decidiveis, sua vontade comum e a continuidade
desde que a execução do contrato acarrete um encargo insensato para o deve- ' ' indefinida de suas intenções iniciais; mas precisamente mais que cristalizar
uma improvável vontade congelada no instante mágico do acordo inicial, tra-
-
dor (“ eccesiva onerosità” diz o artigo 1467 do Códigç civilitaliano ) Mas são . \
^
ta-se de desenvolver um espaço de delibera ção e um campo de práticas que,
príncipalmente os próprios contratantes que assumem atualmente a diantei- kV
ra, cóncebendo disposições suscetíveis de construir um contrato sem perde- ' 1:
*
tanto a montante quanto a jusante do acordo, contribuem f >ara precisar-lhe o
sentido - um sentido finalizado pelo espírito de .colaboração, que é a regrav
\
.
dor Será o caso, ou dê cláusulas de adaptação automática, permitindoI o rea-
fundamental da instituição contratual . \
<
juste periódico das obriga ções, sobretudo nos contratos com prestações suces- ‘
'
sivas ou diferidas, ou de disposições impondo às partes renegociar o acordo É neste espírito que é desenvplvido atualmente, um direito “pré-contra -
»
no caso em que se tenham produzido acontecimentos imprevistos, que trans- . tual”, que enquadra as negociações prévias .ao acordo: obrigações de informa-
tornam a economia. * /
ção e de diligência são postas a cargo das partes; para elas, trata-se de colabo -
. . rar com vistas a chegar à conclusão do contrato válido num prazo razoável.
24?
• * '
Instruída por estas exigências, a prática advoga hoje por uma flexibili-
É o mesmo espírito que deveria, segundo a doufrina e uma jurisprudênçia em
zação da rejeição tra;dicional, pela jurisprudência, da teoria da imprevisão
Coagir as partes a retomar o caminho da mesa de negociação, será, verdadei-
. vias de formação, presidir igualmente a resolução das dificuldades posteriores
' .
ramente, yiolar a lei do contrato? Mais que um arquivo imutável, o - contrato -
da execução.do contráfo: ora a referência à boa fé permitirá preepcher as la-
*r V
v. v
1 V,
249 Cf. FRYDMAN, B. Négociation ou marchandage? De Féthiquç de lá discussion au
*
,
248 Cf. LIVET, E la Communautè virtiíelle, Ãetion et coopération. Paris: Éditions de FÉ-
• (
• 296
297
V
X N I
*
t Capítulo 3 / \
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Promessa Ligar o futuro. *
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s * -*
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dão ao contrato suas bases: uma vontade de colaboração, um conjunto de ges - tende subtrair a carta fundamental a qualquer espécie de discussão popular i .
tos e de práticas que fizeram nascer èxpectativas legítimas, uma exigência de
, 1 * Assim aquele senatus-cónsulto de Luis Napoleão Bonaparte, datado de 18 de
* V
que a fixação exclusiva no passado da memória é portadora de desvio (cf. su - tituições de Justiniano^que reservavani “apenas ao imperador a interpretação
\
' pra: “Os desvios do passado simples” ), do mesmo modo o ir simplesmente j das dúvidas que.ocorressem sobre 0 sentido das leis”. Mesma técnica da orde ’ "
nação francesa de abrilde 1667 (artigo 7o, tit. I), aS disposiçõés de Frederico 1
-
rumo ao futuro é suspeito. EstaTuga para diante, esta fixação crispada em um
*
futuro intangível, e.ste futuro “simples” que desejaríamos livrar dos sedimen- *
'
II e Àllgemeines Landrecht> adotadas na Alemanha, Mas, de vez em quando,
tos do pasmado, subtrair as rupturas dó presente e preservar dos queStiona - também, os particulares são tentados pelo sonho fá ustico de eternidade: ren-
mentos posteriores é firialmente um futuro sem futuro , um tempo estéril e v das perpétuas, compromissos para a vida inteira, cláusulas de n ão concorrên -
sem amanhã.
* c*
cia ou de exclusividade ilimitádas no tempo,.o que não faríamos para garan- \
. <
*
tir essas conquistas? Até a morte não desencoraja esta ambição, desde que, por
\
4*
4 4 i
-
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I
V
i
testamento ,.alguns só legavam com a condição expressa de qué o bem recebes
250 Cass. ff.> 3 de novembro de 1992, JCP, 1993, II, 22164 et obs. Virassamy;
. se esta ou aquela destinação exclusiva, ou não saísse da família. Mas, aqui, a
4 X
4
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*
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298 299
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Capitulo 3 «
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\ A
reação fica mais à vontade: o Código civil empresta da filosofia temporal evo-
\ X /
r
4
Capítulo 4
lutiva, como se disse, e penetrado de liberalismo económico, e' desconfiado )
*
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X -
com a circulação* das riquezas, se esforça para impedir todas estas formas de • 1 )
\
proibidos (artigo 1709), do mesmo modo que os contratos de trabalho fecha - 4
\
A
*
%
*
T
.dos para a vida toda (artigo 1780), as doações e o testamento só são tolerados
quando limitados no tempo, enquanto que a mutabilidade é desde então re-
li
QUESTIONAMENTO.
conhecida às convenções matrimoniais. Pacificadora e onipresente, a prescri-
,. ção extintiva ‘libera* hoje o devedor ao fim de tempos cada vez mais curtos.251 ’;•]
(
*
\
DESLIGAR O FUTURO.
Assim, o direito, çomo o desejava Portalis,joga com o tempo e não contra ele. * 'v
Isto abre caminho para juma reflexão sobre a quarta temporalidade que ] * . *
X
*
aguardamos: o tempo do queètionamentó. '
J -
* »
f \ \
I
Cl
AGITATO
\ *
“Nossas folhas são tão móveis quanto^ a lei” aparecida na primeira pági-
I
V r
»
4
na do Le Monde, no dia 17 de novembro de 1998, esta publicidade de um editor
í dico fez-se acompanhar de um desenho ( um indivíduo agarrando em voo do
/
I
s xl ‘ jur
S «
4
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ri cumentos carregados por um grande vendaval ), e de um comentário assim pan-
4
\
V
flefado: “os regulamentos e a legislação deslocam-se. Apresentados sob um modo
r
4
*W
\
4
\
dinâmico da folha móvel, nossos dicionários e códigos permanentes são atualiza-
dos desde que a atualidade o exijai Vocês estão seguros de estar naponta da in-
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* V formação” 3
I
Sem dúvida, o mundo emais complexo que no século 1J e não mais con -
^
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í amos que o legislador se embalasse com o sonho da perenidade 'das leis. .
ceber *
> "
Adaptar o texto às circunstâncias cambiantes, submetê-lo regularmente à avalia- . r
251 CABANIS, A Uutilisatión du temps' par les rédacteurs du Code Civil. In: Mélariges
Pierre Hébraud. Toulouse; Université de Toulouse, 1981. p. 174, 181, 182; P. HÉ -
* * ^
ção, enriquecê-lo com precisões jiitispruâenciais e doutrinais todas estás formas ,
BRAUD, P. Observations sur la notion de temps dans le Code rivil. In; Etudes offer - do “questionamento” sãoperfeítamente legítimas* Não estamos seguros, contudo, 4
\
. *
1
^
tes à Pierre Kayser Aix-Marseille: Pressés de 1’université dAix Marseille, 1979. p. 21
/
- ' de que a mutabilidade contemporânea da lei derive sempre desse cuidado deitar-
t V
l
et seq.
monizar as promessas; em casos demasiadamente numerosos, ela é, antes, expli
<
*» »
-
<
300 '
301
/
Capítulo 4 . .
í onanientò Desligar o futuro
Quest
.
•s
cada pela ação desinstituinte dos interesses particulares e a dificuldade de decidir nacional”7 Ê tomada como pretexto a adoção; em nível europeu, de uma pro-
*
~ pensão de
uma lei por um juiz, lembra oportunamente o Tribunal de Apelação
1
1°’ de janeiro de 1999; parlamentares vàlões e flamengos mesclaram seus votos ' J
deLiège, “Nenhuniaregra dá direito a que uma legislação não evolua”, acrescen-
*
para fazefque fosse adotada. Não se contou, entretanto, com a reação dos meios /1 , fa o trií unal: só ao poder legislativo ê que cabe apreciar a oportunidade, ligada
do esporte automobilístico internacionais, organizadores da célebre competição
de fórmula 1 de Spa-Francorchamps, em território valão - competição ampla 3 -
a imperativos, de ordem pública, de promulgar eyentualmente apròibição de Uma
.
publicidade para os derivados do tabáco Quanto ao prejuí zo eventualmente su-
-
menté patrocinada por fabricantes de cigarros. No dia 5 de dezembro de 1997, M '1 . portado pelos organizadores do Grande\ Prémio e as infra-estruturas hoteleiros
Bemie Ecclestone, presidente da “Formula One Administration”, dirigia ao secre- 1
vizinhas, do mesmo modo que a urgência por eles invocada, resultam das “exi-
tário geral do circuito de Francorchamps .um telefax comunicando-lhe que o Kij
gências imperativas” das autoridades mundiais do esporte automobilístico, já que
Grande Prémio da Bélgica seria suprimido do calendário do Campeonato do |
mundo de 1998 em prol de um outro país se a Bélgica adotasse a legislação pro-
'
a lei só entrará em vigor um ano mais tarde? -
" jetada, sem prever alguma exceção para a Fórmula 1. . .
Restp uma segunda frente, o legislativo. Sem d úvida, consciente das pou -
« f
*
cas chances de sair-se bem de su'a proposição de lei alternativa de 12 de dezem-
Sete dias mais tarde, no dia: 12 de dezembro, o Conselho mundial do es-‘
bro ( ela será efetivamente rejejtada no início de dezembro de 1998 ), o mesmo \
porte automobilístico, da“Federação internacional do automóvel” ( FIA ), confir-
mava esta posição, concedendo, contudo, aos organizadores dõ grande prémio de ' '
4
‘ - grupo de parlamentares valões decide afravessar o Rubicão, apresentando na /
dia 16 de fevereiro de 1998, destcrvezr diante do Parlamento valão, um projeto
" s
-
1
302
»
*
Capitulo 4
. /
\
Quest .
íonamento Desligar D fiituro.
i \
k
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1
é * * c v
i
* /
lamentam que a “urgência” tenha sido invocada para não solicitar a opinião do fj
*
laçào em rede. O conceito de regulação, importado" da ciência política, invade
*
Conselho de Estado, e qUe denunciam o excesso manifesto de competência da re- J todo o campo jurídico e caracteriza perfeitamente, no direito em rede, a gestão '
gião dos ValÕes, queusurpq aqui o domí nio da saúde, reservado ao poder federal, * suave e evolutiva de um conjunto indefinido de dados, em busca de um equilíbrio
o ministro-presidente da Região Valã responde invocando as competências econô- \ pelo menos provisório.8 \
*
micas da região e “o direito, para esta, de não ser penalizada por leis federais- que , .
f
\
Esta normatividude suavizada, a de um direito “mole, fluido, em estado
' ‘
não levam em consideração especificidades regionais”. O qué leva o ministro a «j gasoso”, de que fala o Conselho, de Estado da Franca,9 transforma a temporalida -
acrescentar: “certas legislqções, adotadas em nível federal, chocam-se com o senti- i - *
-
de das leis. È que no país das nuvens alei não ê mais um acontecimento, mas um- ^
mento compartilhado pela população de toda uma região”A Para um outro mem- J processo, não é mais uni ato, mas um programa, não trabalha màis através de ãis - «
bro da oposição que vê no decreto um.“perigoso precedente qúe pode dar lugar a I - ,
posições, mas através de previsão não estabelece mais instituições, elabora cená -
um desgaste das relações com o Estado federal”, responderemos que “o Parlamento • ,
- rios não impõe mais normas, abre opções. O que ela perde em segurança e nor-
*. / flamengo modifica ele mesmo regularmente leis federaise lembraremos - que f 1 , mativiâaãe, busca compensarem adaptabilidade e flexibilidade. Seu tempo tor -
confissão! - que“a Federação Internacional de Automobilismo representa cem paí- nou se reversível, desde quando não estabelece senão o rebus sic stantibus. Pro
- -
ses e que quarenta e quatro deles sê lançaram candidatos a um Grande Prémio de j meteu, doravante, navega à vista,•seu tempo tornou-se aleatório e contingente.
/ «.
V
' Não importa, é urpa mudança de paradigma a que assistimos, nada menos que
uma transformação dos modos de produção do direito . • ' « UM FUTURO, DE FATO CONTINGENTE?
Retomando a metáfora de Karl Popper, poderemos dizer que passamos dos ,
“relógios” para as “nuvens”: do tempo que é ao tempo' que ,ele faz, de algum , 1
modo? Os “relógios” ou o modelo mecânico, linear e previsível de uma legislação radícalidade do gesto emancipatório da crítica; é, diz Bourdieu, “ o momentó
piramidal;“as nuvens”, ou o modelo interativo, recursivo e incerto de uma regu- } \
J
V
\ 1
.
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u s
j
v v 8 Quanto ao conceito de regulação, cf Les Transformatioris de, la régulation juridique.
. -
4 Doc. Pari , Parlentent wallon, 346 (1997 1998), n 3> . . . .
Sons la direction de J Ciam e G Martin Paris: LGDJ/1998, e a “Conclusion Géné-
/
5 Ibid. p. 5.
, * rale” por E OST, p. 423 et seq/ t
Ibid. a
9 “Rapport public” de 1991 reproduzido em La Sécurité juridique atas do colóquio
—
6 t
. organizado pela Confeçência livre do jovem foro de Liège, Liège, 1993, p 179 ^ . .
7 POPPER, K. La CoHnaissance objective. Paris: Aubier, [19 ?]* p. 319 et seq
I
\
V
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*
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304 I
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*
1
305
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’ Capí futo 4 \
. .
Questionamento Desligar o futuro
t 1 J
\
i
tarefa prioritária, tanto da ciência (livre dos dogmas), quanto do mercado (li-
crí tico em rupturá çom a experiência ordinária do tempo, como simples re- berado das coerções institucionais) , e da democracia ( privada das “grandes
condução do passado, ou de Um futuro inscrito no passado; tudo se torna poa- * < \
^ sig-
narrativas”, enfim adulta). No plano individual, a contingência do futuro
sívèl (pelo menos em aparência) , em que os futuros parecem, de fato, contin- ? )
í*
gentes, os futuros realmente indeterminados, o instante verdadeiramente ins — , nificaria a libertação do tempo vivido; recuo do tempo, pressão e revolução do
“tempo livre”.11 A nova flexibilidade-do trabalho permitiria o florescimento
tantâneo, suspenso, sem sequência previsível ou prescrita”. 10
>
E entretanto, por mais radical que seja o questionamento, não foi pre- /
- das iniciativas pessoais, enquanto que o ofuscámento daá socializações tradi-
ciso esperar a última parte desta 'obra, nem as últimas décadas do século 20, ; cionais fàvoreceria a emergência de sub culturas mais autênticas e conviviais. ' *
de nova, teve primeiro que transtorhar a'ordem antiga. O questionamento,- canismos tradicionais de integração e de solidariedade, a começar pelo pró-
; digamos a suspensão do instante que autoriza aslniciativas - nutre a trama do s prio Estado. -
* f
tempo; ela não é nem seu apêndice, nem seu epílogo. É, desde tempos imemo- -
"
Entretanto, a tese geral destá obra é que toda temporalidade que se ab-
riais, a força do logos que suspende a evidência do mundo e, portanto, a sua ' ^ * solutiza é virtualmènte dêsinstituinte; isso é válido também para o tempo do
'
v »
“pós” (pós-indusfrial, pós-metafísico, pós-convencional), que,' através deste
mais nosso futuro, desta vez, seria ‘Verdadeiramente contingente”, nosso fu-
^
turo “verdadeirqmênte indeterminado”. Nosso amanhã -seria de tal , maneira L
*
novo, que nossa bagagem, desta vez, não teriamais nenhuma utilidade, e que j
^
t
*
agarxantento paradoxal a um passadp que se pretende, contudo, recusar, tra -
duzem a dificuldade de imaginar um futuro crível. Como o angelus )novus, de
t
até nossos projetos e promessas (o impulso prometêico) perderiam qualquer * que fala W1 Benjamin, arrastado para diante, sempre voltando seus olhares de-
sesperados para o passado, parecemos entrar de fasto no futuro.12 ,
pertinência. Comò se' o questionamento, doravante reflexivo, incidisse sobre si LJ
mesmo; desligamento de desafâmento, ao quadrado, indecidibilida- . 1
.
Percebe-se, então, que a mutação darelaçãoxom a norma que vivemos— *
incerteza
de radical. Esta abertura radical do futuro, sua própria indeterminarão, cons- j ’
*
é portadora tanto de emancipação e de responsabilização quanto de desordem
,
tituiria um novo progresso qiie^marcaria, enfim, o acesso de todos ao merca- e angústia* Se o questionamento e a abertura do futuro, libertam das antigas
•
do livre, em uma sociedade aberta, livre da£ ideologias funestas, e das previ- >
Soes sempre enganosas que lhe entravam o curso. *
^ coerções, eles podem também significar desagregação de nossa capacidade co -
4
letiva de articular valores comuns, construir montagens simbólicas que distri-
* t
A incerteza do futuro seria, então, uma oportunidade a ser valorizada -e buam os papéis e os lugares, imaginar instituições portadoras de integração. ,
, .
hão o perigo contra o qual se precaver: garantir a abertura do futuro seria a
* *
*>
A * •> í1 SUE, R. Temps et ordre social Paris: PUF, 1994, p. 104 ét seq.
\
10 BOURDIEÚ, F. Homo academicus. Paris: Minuit, 1984. p. 236-237. .
12 ANDRINI, S Le Miroir âju réel Paris; LGDJ, 1994.
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306 307
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* Capitulo 4
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Questionatifento Desligar ó filiuro,'
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E, com isso, o indivíduo se encontra só e desamparado num mundo que o CIêNCIAS: UMA EPISTEMOLOGIA DA INCERTEZA f
^
*4
manda que se institua a si mesmo, enquanto se sombreiam as marcas norma * ' - /
tivas que poderiam reatar p laço social. A interrogação fustiga o. direito com; Qualquer ciência começa éom uma recusa. Recusa da evidê ncia, recu -
*
todo o chicote: é sua capacidade de instituir o laço que é questionada mais sa do testemunho frequentemente enganador dos"sentidos, recusadas ideolo-
ainda que sua aptidão para gàrantir a segurança jurídica. * gias circundantes. O espírito científico mede-se por sua capacidade de ques- *
. t *
da ciência moderna,” garantido pela infalibilidade de seu métòdo, e conforta-
4
QUANDO O INDECIDÍVEL FAZ SENTIDO •••
< v
/
E eis que agora esta segurança é, por sua vez, colocada env dúvida. Não
bocanécessariamente neste cenário destrutivo. Podemos igualmente concebê-
que os resultados práticos da ciência denunciem suas premissas; justamente
lo cómo uma radicalização da modernidade, que continua sendo, como o es-
V
ao contrário, nunca foram tão edificantes. E do interior que vem o ataque,
crevia Habermas, um “projeto inacabado”.13 Longe de esterilizar a racíonalida-
como se, tornando-se reflexivo, o projeto científico aprendesse a duvidar de si
\ de, o indecidível, que se impõe em todos os domínios, poderia, ao contrário,
prová-lá como um recurso renovado de produção de sentido. Referindo-se às *
’mesmo. Estudando a <clógica da descoberta científica”, Popper demonstra que1
uma teoria nunca pode ser provada positivamente, nem definitivamente: do
promessas ainda não cumpridas do projeto moderno, o tempo do indecidível í
poderia contribuir para relanÇar o projeto de libertação dós homens., e das •
nosso recenseamento dos milhares de cisnes brancos, como poderíamos sus -
tentar com certeza que não existisse pelo menos um deles que fosse negro?
„ - idéias. Este é ò desafio da ‘'epistemologia da incerteza”, que caracteriza as ciên
, cias contemporâneas, e da “política da indeterminação”, que è doravante a
- ,1 ^
Certamente, a validade das leis científicas é somente provisória: estas leis e
teorias valerão enquaqto não tiverem sido falseadas por uma experiê ncia
f
*
marca de nossas demôcracias. *
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4
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lá BACHELARD, G. La Formation âe Vespnt scientifique . Paris: Vrin, 1977.
13 HABERMAS, J. La modemité: un projet inachevé. Ctytique, n. 413, p. 228, out.
- A
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1981 / r
15 LATOUR, B. Nous í avons jamais é té tnoãernes* Paris: La DécouVerte, 1991.
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308 t / 309
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Capítulo 4
Questionawehto Desligar o futuro
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te A V
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oposta, que vem ilustrar uma teoria rival “O ideal de um conhecimento abso f
*
teza e faz ver, pelo contrário, a historicidade da matéria: a segunda lei dà ter-
longe de se garantir em fundamentos absolutos, a ciência parece cada vez mais modinâmicajevela a imagem dé um universo em expansão, ameaçado pela en-
em suspense: suspensa, mais que fundada; longe de se ampliar por um proces- •' j tropia crescente, ao mesmo tempò que, por reação neguentrópica, se reforça a
so cumulativo c(e ção de conhecimentos, elaxlá o espetáculo de uma XV
acumula “pirâmide da complexidade” que, das part|culas elementares, conduz aos orga-
paisagem em recomposição permànente/“Á episterqologia ,da incerteza”, que ; nismos vivos. Resumindo, o
universo tem uma história e o tempo uma flecha:
te
se instala, revelaíque havíamos extrapolado a racionalidade do universo, a par Y
tir de raras ilhotas de certezas; trabalhando a partir de sistemas Simples e or* -
- ele é irreversível como nosso saber e é vulnerável còmo nossos destinos .
<
á. Privado da segurança irrefutável, do lado do real experimental, a prô-
*
.
ganizados, a ciência clássica generalizou exceções As “leis universais da natu- , ; dução de conhecimentos não pode mais se apoiar senão no acordo provisório r i
'
reza” podem, sem dúvida, explicar o movimento dos pêndulos e prever a tra-
*
jetória das balas de canhão, mas elas continuam falhas quàndo se trata de * /
\ -
dos pares acordo obtido em termos de- processos, cujo caráter quase jurídi-
co e,polítieo desmente a “grande divisão” dos modernos. Thomas Kuhn mos-
aprender sistemas abertos, que se conduzem de modo complexo é dão prova V tram, a este respeito, que os paradigmas científicos tornam-se objeto de sus-
'
de auto organização,17 Só excepcionalmente o real sè revela racional 18 J . '
- peiçoes periódicas: aos per íodos de “ciência normal”, caracterizados péla una-
À ordem é, pois, excepcional: o caos é a regra*e quando surgem localmen- ^
nimidade propósito de um quadro .teórico dado, sucedem-se, de fato, os pe-
a
te ilhotas de informação e de ordè m no fundo de desordem e de <entropia, é o ríodos de crise, quando o paradigma dominante torna-se objeto de invalida-
*
\
acaso, mais que a causalidàde, é que é o princípio de emergência destas formas V;
.
de organização superior Comprèende-se, daí, que a ciência contemporânea de - —
ções cada vez maismumerosas até o momento em que se impõe um novo pa-
radigma, ao final de uma “revolução científica” bem sucedida. Quanto ao pró-
-
clma se doravante num modo aleatório, da indeterminaçãp e da incerteza Eins . - prio paradigma, elecombinahipóteses cientificas, valores comuns, revisões do X
tein pqe em dúvida o caráter absoluto do tempo efdo espaço do universo dese- i .
. mundo compartilhadas 21 É dizer se estamos longe doravante da pureza pre-
%
„ .
16 POPPER, K La Logique de la découvcrte scientifique Paris: Payot, 1982 p 286 *
.. . /
v
‘ são produzidas pelas redes encavaladas de pesquisadores, industriais, milita
-
' *
.
17 GUTWIRTH, S Autour du cpntrathaturel. In: íhiages et usages de la natiire en res, políticos e usu á rios, e que elas n ã o se impõem com a naturalidade dos fa- te
i
.
droit,Sous lá direction de P. Géràrd; R Ost ét M Van de Kerchove Bruxelles: Publí
. .
. - tos cient íficos que, no final dos debates onde se confrontam, .confundem ar -
* * é
. .
18 SERRES, M Hertnhy Lepassage du Nord ~Quest. Paris: Minuit, 1980 p. 157-160 . . I
.
19 HEISENBERG, W. La Nature datis ta physique contempóraine Paris: Albin Michel, et seq.
.
1962 p. 19 . *
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.
20 PRIGOGINE, L La Fin des certitudes Paris: Odile Jacob, 1996 . •
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* ‘ Capítulo 4
I
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Questionamento Deáligar õ fuiytp j .
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gumentos científicos, interesses político -económicos, valores éticos e ontolo- ros”.25 Longe de desenvolver o programa a priori de uma Verdade ou de um va-
gias rivais* De resto, esses fatos què são “fatos” ( produtos), não sao mais, senão lor já dados, uma tal prática da revisão não cessa de construí-los no movimen-
muito parcíalmente, naturais: híbridos antes, artefatos dos quais nã o se sabe • 1 * to de sua própria efetivação. 4
mais verdadeiramente se são humanos ou não humanos, assim como esses ro - Evitaremos, contudo, radicalizar este propósito, sob pena de conferir
-
r
uma forma de absolutismo ao tempo do questionamento. Privada de qualquer :
bôs inteligentes e outros emhriões geneticamente modificados Não nos es- , \ .
pantaremos, nestas condições, que a pretendida objetividade do científico seja Antecipação de alguma coisa como uma verdade ( mesmo
* s
provisória), livre de
< *
4
* substituída pelo pluralismo das verdades,23 e quê a necessidade de “regras do V \ qualquer referência a valores ( mesmo interpretáveis), a racionalidade falível s i
no projeto de liberação que os modernos tinham entrevisto* O desafio é de ' j necessá rias para relançar incessantemente comunicações e convenções. “As
grande dimensão, para a ciência, sem dúvidav, mas para o direito também, o j exigências éticas”, escreve P. Livet, assim como uma satisfação indemonstrável,
I
qual veremos quanto, na sociedade de risco em que se transformou a nossa, K
“não são menos formas coletivas eficazès”.26 Isto nos leva a abordar o tema do
dá lugar crescenfe aos fatos e aos dados científicos, O fim da “grande divisão5* . À ^ indecidíyel ná política. /
A
O desafio que estas novás mediações político-científica devem afron- 1 Com o advento da democracia, o indecidível investiu o campo do po-
tar é que, longe de se apoiar em previsões garantidas, conhecimentos garanti-
*
j
^ lítico, do mesmo modo que o tempo do questionamento se instala no centro
, dos, valores estáveis, elas devem decidir em situação de indecisão, orientar-se i - .
de todos os dispositivos do poder Pode-se dizer, comuClaude Lefort, que a de -
num contexto de incerteza, preparar o futuro sobre o fundo de falibilidade, ^ <• mocracia é o regime que “se institui e se mantém na dissolução das marcas da
x
.
dorayante reconhecida Tudo se passa, então, como se em substituição às pre - .
cefteza” Com ela “se inaugura uma história na qual os homens fazem a prova
*f
ou ajustes
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permanentes dàs soluções à vontade de um interminável processo
*
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« ; 20 tentou se lhe opor, se vê cre$ter um partido que nutre a pretensã o de en -
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-
Pierre Livet demonstra t) bem: a ú nica racionalidade ainda praticável é -
Ninguém tem título natural para detê lo, ninguém podé pretender exercê lo -
v
uma racionalidade falível que se define como “capacidade de corrigir seus er- duradouramente: règularmente reposto em jogo, o poder democrático é um
^ *
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' 25
f 23 GUTWIRTH, S. Waarheidsannspraken in recht eti wetenschnp.,Bruxelles: Maklu,
5
“ clat, 1994. p. 16.
‘ 1993. %
26 Ibid., p. 279.
24 LATOUR, B. Nous riavons jamais été modernes. Paris: La Découverter1991. p. 194
et seq. ^ , / 27 LEFORT, C. Essais sur le politique . Paris: Seuil, 1986. p. 29.
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313 *
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s. < Capítuh é
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Questionatilento Desligar o futuro,
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* ,
lugar vazio que nenhuma força, nenhum partido, poderia se apropriar sem i
por exemplo, o eu é sempre anterior aos fins qúe ele afirma, elogo sempre sus -
1 cetível.de e superar. Daí, Wellmer nãò errou ao concluir que, “numa socieda-
.
abuso Em oposição, ainda, ao totalitarismo, que condensa as esferas do poder,
*
^
de liberal e democrática, nenhuma idéia relativa à boa vida, nenhuma orien-
V
do saber e da lei (se auto-proclamando acima do direito, e anunciador das fi - ;
taçao de valor, substancial ou nenhuma identidade cultural está garantida
nalidades últimas da sociedade, o partido-Estado não reconhece de fato, ne- \
v nhuma exterioridade que pudesse limitar sua empresà ), a democracia, ao con- ' .] J ..
contra a crítica e a revisão [ *,] Nesse sentido a democracia moderna é essen - *
* K
trárío, vê superarem-se estas três esferas que, por acréscimo, sê tornam objeto
"V
*
,
cialmente transgrèssiva e desprovida de base estável” 31 .
^
^
de remanejamentos constantes de seus acervos e de um incessantê questiona- • Contudo, o questionamento não poderia constituir-se na última pala- t
^t
'T í . 1
vra; a indeterniina ção não poderia , sem contradição, conduzir à subversão ra- '
mento de seus fundamentos» }
.
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Finalmente - é um terceiro traço diferencial enquanto p totalitarismo dical das promessas contidas no projeto de liberação e de equalização, que se
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.
esvazia o conflito e reduz qualquer tipo de oposição, a democracia, pelo contrá
rio, só se sustenta pelo pluralismo das opiniões e de sua oposição conflitual *8 .
- *
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V*
.
anunciavam com a democracia Como escreve Ricoeur, “os homens têm razões
.
para preferir ao totálitarismourh regime tão ihcerto de sua legitimidade”.32 Os
Dorayante, a sociedade não é totalizável, nem representável de forma orgânica; paísés membros da Comissão européia compreenderam -no tão bem qué, ins-
seu bem comum não é mais suscetível de ser definido apriori, nem sem dissen-
.
(
nhuma conclusão, sem dúvida, mas nenhuma decisão pois é necessário deci - - > dois perigos opostos: ou a exacerbação do conflito, ou sua ocultação No pri- .
dir, mesmo em situação de indecidibilidade/ O px incípio de maioria revela este ' meiro caso, sem acordo sobre uma regra vde jogo comum, sem referencia ao
paradoxo que testemunha de que nos conformamos com um acordo somente v mínimo de valores compartilhado, a parte degenera e leva à exclusão ou à des-
/
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truição do adversá rio, tratado então como “inimigo”: privado do mínimo de
* J
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parcial - e de resto muitas-vezes revisável - sobre Uma verdade aproximada.
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Em regime democrático, portanto, o conflito é interminável, tanto na * confiança, pressuposto pela promessa quê ata o futuro, o jogo político se es- s '
hierarquia a se instaurar entre os bens primeiros, quanto sobre, os próprios
\ «
.
treita Áo inverso, quando, as divergências de interesse são ocultadas, e as opo- *
.
fundamentos do regime Melhor ainda: neste regime, é até o sujeito de mes- : . sições minimizadas, atrás cfe consensos de fachada, é grande o risco de que se
/
*
%
.
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*
mo quê se encontra constantementé em situação depoder modificar sua pró-
pria ordem de prioridades; o sujeito democrático, como notaram bem os pen- ;'
4'
•
veja desenvolver futuros focos de violência. É, sem dúvida, um do$ riscos liga
dos atualmente à instauração, em todo o plane,ta, da “democracia de merca-
. -
sadores do liberalismo, sempre parece virtualmente “descomprometido”, sem- do” e do pensamento único que a acompanha. No plano propriamente teóri-
pre em vias de questionar “sua participa ção na§. pr áticas sodais existentes”, “li- co, os modelos racionalistas de Rawls e de Habermas, imaginando se encon - (
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* '
.
vr£ para rejeitar uma relação qualquerique seja” 30 Para um liberal como Rawft,
•
trar no exercício da “razão pública livre” ou numa “situação ideal de palavra” >
/
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'• 28 Sobre tudo isto, cf. LEFORT, C. Essais sur le politique. Paris: Seuil, 1986, p. 21- 19. 31 WELLMWER, A. Conditions d’une culture démocratique. In: Libé raux et commu-
29 RICOEUR, P. Soi - même comme uti autre. Paris: Seuil, 1990. p. 300. nautariens. Textes réunis et présentés par A. Berten, P. da Silveira et H, tourtois,
Paris: PUF, 1997. p. 382. \
30 KYMILCKA, W. Le sujet désengagé. In; Libé raux et communautariensv Textes réunis \
32 RICOEUR, P. Soi- même comme un autre. Paris: Seuil, 1990* p. 303.
*
et présentés par A. Berten, P, da Silveira, H. Pourtois. Paris: PUF,- 1997. p. 275.
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Quest
í onawentOr Desligar o futuror
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parece, ela mesma, bastante improvável. Precisamos, então, prosseguir nossa
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de "viver junto”;"políticá\remfete também à pólemos: a guerra de modcTque o .
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DÒ ESTADO-PROVIDÊ NCIA À SOCIEDADE
RISCO .
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minar esta violência sem por isso negá-la; transformar o antagonismo poten (> - O futuro, por ser desconhecido, assusta. É, pois', uma necessidade im-
cialmente destrutivo em agonismo democrático criar uma ordem política so- 4 periosa para qualquer sociedade, pelo menoS quando ela forja alguma idéia de
bre um fundo de desordem sempre ameaçador. Aceitar a idéia de que não há: i ^ futuro, dar estatuto e tratamento a este medo coletivo. Lembramo-nos de que
-
1
mais, nas democracias pluralistas, concepção unitá ria do bem comum de re- Hobbes fazia dele a instância principal da vida social e a explicação da passa-
/
S
em comum a deliberação sobre estas questões, todas as razõés que temos
como escrevia Ricoeur para preferir este regime a todos os outros. Porque
f\
,\ — so. Com Locke, Kant, Rousseau, o modelo assumirá uma conotação mais po-
sitiva, o medo da insegurança desdobrando-se na confiança ( truste ) dos par -
promete a liberdade e a igualdade para todos, a democracia continua a pare- .
V
é
*
ceiros do contrato social e as autoridades por ele consagrada: sob as duas for -
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cer nos o melhor projeto político; um consenso mínimo pode ser estabeleci- ié 4
mas contrastadas da desconfiança òu da cpnfiança, o risco está no princípio
do sobre estes valores reguladores comuns. Mas, porque ela se guarda de im- da sociedade moderna. * St
v
. por a priori uma interpretação definitiva destes princípios e privilegiar uma * A
tradução ú nica destes, nas escolhas socioeconòmicas concretas, a democracia >i
^ 4
S
so - sobre os princípios - e dissenso - sobre sua interpretação que se insere - ' as missões do Estado ampliam-se, assim que assume o encargo para alémMa
simples sobrevivência, a garantia de uma determinada qualidade de vida: fa-
ve a dinâmica agonística da democracia pluralista”*35 «
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neralizada Nunca a solidariedade voluntarista terá sido levada tão longe, nun-
4 +
u ca a confiança no futuro, um futuro balizado pela ciência, ligado pela lei e ga-
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\ 33 Nesse sentido, MOUFFE, C. Le Politique et ses erijeux. Pôtir. une dé mocratié pluriel-
rantido pelo contrato de segurança m útua, terá sido tão forte .
Mas este modelo afualmente entrou em crise: a sociedade assegurado-
, )
v i
* *
t le . Paris: La Découverte, 1994. p. 24.
.
4
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* Vv
34 Ibid., p, 10-11. *
*
/
ra se decompõe, a ciência e a lei são tocadas -pela d úvida, o mercado e a priva- \*
/
35 Ibid., p. 2Q. 1 tização triunfam, ao mesmo tempo em que o medo retorna ^A "sociedade de
* , i / r ^
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Questiónamento. Desligar o futura .
i Cdpítula 4' *
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. ** * 2
os famosos “direitos de crédito” destinados a garantir a “dignidade” da existên-
-
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prego e não somente repartir lucros, estimular a economia e não somente ar-
* I
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*
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* *
O célebre relatório Beveridge de 1942, Social Insurance andAllied Ser * - 4 s
mão visível da Providência estatal. O Estado se torna, então, “propulsivo”.38 /
V ^
(Diz-se‘ também intervencionista, estratégico, dirigente, desenvolvimentista,
T
vices, que está na base dos sistemas de seguridade social ná maioria dòs países V
europeus, tinha como fio condutor a ambição de “liberar o homem da neces - de gestão...;) Edesenvolve, em todos os setores das políticas públicas, 4 progra-
*
* sídade” Adotando este programa, a sociál democracia se dava um objetivo por » 1 mas finalizados”, visando atingir os objetivos que lhe pareçam conforme à sua
I 1
assim dizer ilimitado, nada menos que a garantia da promessa inscrita na ,
visão construtivista do interesse geral.
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Constituição dó 1793: “o objetivo da sociedade é o bem estar comum” Já an- ^ Das ambiciosas planificações dos anos de 1950 aos modestos “planos”
, de hoje ( “planos dé luta contra o desemprego e a pobreza”, “plano de.reforma
’ tecipado pelas primeiras garantias soçiais bismarqqianas dos anos de 1881- s
, 1883, o princípio de uma segurança generalizada e obrigatória, contra o con- d da seguridade social” “plano de resolução da poluição das águas subterrâ-
neas...”), o mecanismo é o mesmo que engaja os meios financeiros, jurídicos
junto dos riscos sociais, ligados a uma perda de rendas profissionais e co-fi M -
hanciada pelo Estado, o empregador e o trabalhador, iá se impor rapidamen- y e simbólicos dos poderes públicos na produção de um ftituro desejável. A -
-
te nos anos do pós guerra. O Estado refletia se, assim, na forma de um Esta J - - “construção” européia (o próprio termo é revelador) inscreve-se perfeitamen
te nesta lógica: que são os tratados europeus ‘senão ambiciosos programas de
-
do de prestações, gigantesca máquina de redistribuir as rendas em vista de i
*
0
uma progressiva equalização das condições; quanto à sociedade civil, ela assu 3
M
- J
ação a serem realizados num futuro próximo, segundo um calend ário cuída
• ^
-
-
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mia a forma de uma “sociedade” secundária, exprimindo o laço social e en • J dosameiite fixado? \
contrando sua harmonia na mutualização generalizada dos, riscos, em vista da ' ' Jl * Certamente, este ativismo jurídico dos poderes públicos, e'principal-
* ^
realização de uma autêntica “seguridade social”.37 mente o fato de que a regra de direito seja sobredeterminada por políticas se-
* li
No plano jurídico, este programa social democrático se traduz pela / • toriais, evolutivas por natureza, acarreta uma insegurança jurídica, sobre a
ncia do Estado social, cujo princ qual voltaremos. Tudo se passa, de fato, como' se os programas sociais, redu-
' emergê
'
ípio está inscrito ao lado do Estado de‘
*
J j
zindo a incerteza das condições de existência, transferisse a indetermina çã o
direito, em algumas Constituições do pós-guèrrà, como a Lei Fundamental
.
* *
* 'para o coração do pr óprio direito Mas as demandas sempre crescentes de in -
4*
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V 1 *
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c
4
.
36 BECK, U. Rislc Socíety Towards a new modernity. London: Sage, 1997,
( 4
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.
38 MORÁND, C. A. EÉtatpropulsif Paris: Publisud, 1991.
*
s
’37 .
EWALD, F. L?Êtat~ provh}ence Paris: GrasSçt, 1986. p. 10. -t ]
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318 i .
* * 319
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' Capítulo 4
f 4
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Questionamento Desligar o futuro. d
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teryenção dirigidas ao Estado pelos beneficiários destas políticas mostram vamente o medo retorna, e do Estado social solidário passa se à sociedade do
risco securitário.
* *
- 1 1
1942, Beveridge tinha consciência de que a nova política .de. seguridade social vi
, tiplas formas de .desregulamentação que, à insegurança económica, acrescen-
*
sociedade ássistencial está mál, uma vez que, pelo. fato do desemprego estru- A; novo isolamento dos indivíduos que encontram, menos que ontem, na media-
*
*
tural, os contribuintes se jeduzem em proporção inversa dos interessados; ção de atores- coletivos, como os sindicatos, os prazos naturais capazes de re-
nestas condições o risco muda de natureza e de escala e perguntamo-nos se presentá-los. Os excluídos não formam mais uma classe homogénea que po-
ainda é ciírável . *
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*
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t,
deria ser representada e pesar por suas reivindicações sobre as escolhas políti -
Mas a crise não é somente financeira, ela é também, e mais profunda -
) i
r .
cas Em substituição a atores políticos coletivos, a exclusão deixa apenas indi -
mente sem dúvida, ideológica: trata-se da dúvida quanto às próprias finajida - * víduos atomizados, expostos, sem defesa ao risco social. Não há mais, entãó, ,
des do Estado social. Pierre Zavalon, que desde 198restúdava a crise do Esta
do-providência, vê nele algo como uma.crise de representação do futuro: “o
- ;
J .
senão trajetórias individuais específicas,-remetendo a histórias singulares: ruí
nas de economias superendividadas, isolamento dos desempregados a lohgo
.
• prazo, ruptura familiar das mães solteiras Impossível, sob estas condições,
-
futuro”, escreve ele, “hão pode mais ser pensado como a busca de uma tendên- i»
cia liga-se a uma espécie de pane da imaginação social. Ela recai atualmente ) <*
* ,
* V
Eica apenas a figura da vítima, isolada pelos golpes da sorte que a -to-
-
i
standstill ( “efeito de pausa”) que, na falta de coriságrar direitos novos, impede . cam, e reclamando justiça, apesar de poder ainda pretender um direito: quan
que 'se retomem as antigas proteções, ilustra pèrfeitamente esta situação de
v
do a justiça distributivaxieclina, permanece apenas a justiça comutativa Seni .
“tempo de pausa”. Mas, quando não se luta mais para que o futuro seja me- poder pretender a um título geral, um “direito social”, resta para a vítima gri -
lhor, somente para que ele não seja pior, é porque mudamos de sociedade. No- ti
.
tar contra a injustiça e requerer ao juiz xeparáção Donde o -crescimento em
5
•r *
*
39 MORAND, C. A. Le droit de rÊtat-providente. Revue de droltsulsse, p. 545, 1988. 41 ROSANYALLON, hLa Nouvélle Questiott socialè. Repenser V Êtat- providence. Paris:
Seuil, 1995. p. 197 et seq..
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320 f
321
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Capitulo 4 /
4 Questionamento.Desligar o futuro . H
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poder co-relativo, na sociedade do risco, da vítima, em substituição ao ator so- mesma observação á propósito do trabalho dos juízes tanto no direito pe -
cial, e do juiz como substituto do político. A queixa (na justiça) é substituída, ': nal, quanto no direito familiar -r levados a exercer uma verdadeira ‘ magistra-
'
.
diciária em recurso ilusório contra todos os males sociais É nos Estados Uni- k
A
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sobre os indivíduos. ,
"
*
dos que evoluiu mais longe esta alternativa individualista para o Estado social. i
Conhecemos o lugar que tem ali o direito da responsabilidade civil, pressu ' ^ - I
/ .
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aposto de garantir a ind nização das vítimas* “É”, nota P. Rosanvallon, "‘diante
^ , A heurística do medo
do SupVemo Tribunal, e não no terreno da luta de classes, que se desenvolve \ ,
í
doravante a questão da justiça social nos Estados Unidos.” 42 Mas, longe de ga- • \A
^ Vimos que: a discussão do Estado social leva a colocar o medo e o ris-
„ rantir, para o futuro, o reconhecimento dos direitos abstratos e virtualmente - ' ,1
> co no centro das preocupações coletivas* Logo, é conveniente repensar a ques-
universais, esta yitimízação compensatória tem com efeito, ao contrário ligar
*
as transferências sociais para situações cada vez maisindividualizadas eneces- *
sariamente ligadas a situações passadas, das quais é necessá rio indenizar os .'•«
^ ^ j
tão do risço e correlativamente redefinir uma noVa figura da pr údênçia. Esta
reflexão se impõe porque tomamos consciênciá, atualmente, na “ sociedade do
%
danos. Longe de construir um futuro solidário,* esta mudança de paradigma - riscó\ de que èste mudou de natureza e de escala, como se, demasiadamente
própria à “sociedades de insegurança”, de que fala M. Gauchet43 - conserta, generalizado ( risco social), setõrnasse inassegurável, ou que, demasiado enor -
golpe a gõlpe/aS disfunções do passado . me (riseo tecnológico'maior), se tornaáse incalculável; como se, sobretudo ir -
reversível, ele constituísse uma ameaça absoluta, da qual importa se precaver
N f
mente observável em nossos países, consiste num tratamento cada vez mais .
• individualizado da exclusão, da marginalidade e do desvio, hla falta de ainda capacidades de medida, ou, demasiado pesada, desencoraja nossas capacida -
des é tico-políticas de assumir responsabilidades?
poder abranger categorias coletivas, o trabalho social apreende comporta
mentos individuais, ao riscp de um acréscimo do controle social e de uma mo-
- Hans Jonas traça âqui o caminho, advogando por uma “ heurística do
f
ralização de vida das pessoas assistidas. Sem se apoiar sobre um título abstra- medo”: nã o p medo “patológico” e interessado de Hobbes, o medo por sua
j
to, a assistência não se arriscaria a recomeçar com a classificação dos pobres própria sobrevivência, que leva os povos á se lançarem nos bra ços do Leviatã,
em funçãq de seu mérito? “.Quem quer que tenha participado de uma comis- < ^ . mas antes o medo desinteressado pelo porvir das gerações futuras, que pode -
. -
1
são local de inclusão, que decide da prorrogação'ou da cessação da RMI àos ríamos comprometer de modo radical 45 Tamanho medo, que conduz a for
*
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beneficiá rios, escreve È Rosanvallon, não pode deixar de ficar chocado: pare- *
* mular, em determinados casos, o cenário do pior (ó avião que se esmaga no
cemos, às vezes, transportádos para o século' 19, no recinto de uma seção de ] ceritrò do reator nuclear ), é bom conselheiro: impõe, “para que o futuro seja”, X*
.
42 ROSANVALLON, R La Nouvelle Question sociale Repetiser V État-providence. Paris:
4
*
) *
ou de redobrar de prudência (princípio de precaução ) O princípio de precau
'
. -
..
Seuil, 1995 p 66. *
ção, que recebe atualiiiente suas primeiras traduções jurídicas, surge
. »
diante de 1
. .
43 GAUCHET, M La société cTinsécunté Les. effets sociaiix de Tindividualisme de um risco transformado - a maneira contemporânea de assumir as promessas ,
.
masse In: Face à Vexclusioti. Le tnodèle fratiçais. Sons la direction de J Donzelot,
.
.
Paris: Esprit, 1991. p 169 etseq . »
v
322 323
Capitulo 4 * < i-
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Questionamento Desligar 6 futuro . N
4
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do futuro, de manter a aposta do futtiro numa sociedade confrõntada com ris- ’ ,
da responsabilidade dos d,anos. Quanto ao dano causado a outrem, o direito
i cos maiores e irreversíveis. . i
( V V
• fmitivo o erro, o importante é que a vítima seja indenizada por um .prejuízo,
*4 M
tomemos a exata medida destas transformações: três etapas marcam seu cur-
f
< so. Num primeiro tempo, o da sociedade liberal do século 19, o risco assume-
> ,
^ J
^ calculado.
Atualmeíite, contudo, este sonho parece se distanciar e entramos numa
4
i
outro lado, quando o acidente é causado a outro, pelo erro, de um terceiro, este K
-
será obrigado a rêparáxloy em virtude do mecanismo compensadpr e indivi-
dual, também ele, da responsabilidade civil. Diante deste rísco-acidente, a no-
L ^ I
de modo reflexivo nossa própria ação, que caracteriza a nova idade do risco,
*
quando' o “perigo” vem de algum modo do exterior, o “risco” por sua vez, é
prudentemente prospectiva (segurança individual e previdência). r
tim produto derivado, um, efeito perverso ou secundário (como se fala dos
O segundo tempo da, historiando risco assiste à emergência da noção de ;
*
4
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1
. da natureza do que de nossa própria ação reforça, não'se tenha d úvida, a ne-
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.
46 .EWÁLD, E Philosophíe de la précaution U Ànnée sociologique, v, 46, n 2, p 384, . . . > 4
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x . 1996. \
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U Risk Society Towards a new moâernity. London:Sage, 1997. p. 20.
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324 325
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Capítulo 4
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QUestionamento Desligar o future
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* 4 A « A
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zar os riscos? *
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suspeita”:48 é maispelas jdúyidas que pode suscitar, que pelas certezas que pro -
ta assim que o medo do risco irreversível se propaga, lylas como, cçrtamente,
duz, que ela daqui em diante nos interessa, A atenção será então dirigida para * á imobilidade é inconcebível e não pode deixar de agir, nossas sociedades, co-
além dos paradigmas dominantes, às hipóteses minoritárias e marginais, nin-
locadas sob ameaça cònstante dos riscos suscitados por suas próprias escolhas,
guém.mais tendo o direito de descartar a hipótese do gênio maligno mais en- • : são nbrigadas a revisar incessantemente suas opções * e preparar-se com a
ganador. Dispondo de poderes que ultrapassem doravante os nossos poderes,
maior pressa. “Is[a sociedade do risco escréve U. Beck, “ò Estado de urgência
V
^
os cientistas devem redescobrir a modéstia e o diálogo: cultivar a falibilidade
e aprender a partir de seus erros, visando evitar as irreversibilidades catastró-
^
ficas; aceitar, como o Tribunal de cassação transformou em dever, em séu ares-
,
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tende a tornar-sé o estado normal”,51
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*
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1
to de 8 de setembro de 1992, relativo ao . sangue contaminado, a responsabili-
dade ligada ao “risco de desenvolvimento”, aquele mesmo que, inevitável hoje,
só irá se manifestar mais tarde, num outro estágio da ciência.49 Contra a espe- '
^ • O TEMPO FORA. DE SEUS EIXOS
\
cada vez mais ps efeitos danosos futuros das causas presentes presumidas, este
prazo e, deste, ao imediato. Ele se enuncia, daí em diante, em “tempo real” ou *
I risco incerto produz uma dilatação do tempo que engana nossas faculdades de
\ - *
*
\. seja, sobre o ?eíxo da simultaneidade absoluta, sem distância e sem exteriorida-
-
h
.
48 EWALD, F Philosophie de la précaution. LAnnée sociolàgiquey v 46, n.‘2, p 402, . . < confundem e as continuidades tornam-se aleatórias: entramos na.,era do efê-
1996.
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*
*
.
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49 Cf LASCOUMES, P. La précaution comme anticipation des risques résiduels et
^ , mero eterno. i
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\
hybridatiõn de laresponsabilité. LAnnée sociologique,v. 46, n 2, p. 367, 1996, . * ‘
*
*
50 Ibid., p. 371 et seq; BECK, U. Risk Society. ToWards a new modernity London:Sage, . o
*
*
K
. .
51 BECK, U. Risk Society Towards a tiew modernity London: Sage, 1997 .p. 79 . .
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Capítulo 4 i Questionamento. Desligar o futuro .
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)
< TEMPO REAL, VERDADEIRAMENTE.? chegamos antes de ter partido? Um mundo deste tipo não está mais “no mun-
do” mas “*fora do my ndo”; não há mais tempo, mas. “além-cronologia”.
• t 56
.
P Virilio, teórico da velocidade, explica que nosso mundo tornou-se o A -circula ção dás imagens e das informações nas redes multi-mídias,
da presença virtual, da telepresença: não apenas telecomunicação mas tam-
-
J
- ilustra bem esta nova relação com ,o mundo e com o tempo. Por um lado, a
bém tele ação ( trabalho e compra a distâ ncia, por exemplo) e logo, tele-sen
- i
contração dos espaços e dos intervalos temporais permite que se recebam as *
*•
mensagens “diretamente”, que se sigam os acontecimentos minuto a minuto,
*
sação (graças a dataiuit; combinação interativa de dados que permite sentir e •
tocar a distância).52 Fazendo isto, atingimos e,ultrapassamos a “velocidade de » em tempo real, onde quer que eles se desenvolvam no planeta. A atualidade
liberaçao” (28.000 km /h, velocidade necessá ria para nos tirar da gravidade ter- ' i tomada soberàna - só interessa o que se passá no momento desrealiza, as - -
restre)4 o mundo deixa de nos opor qualquer resistência; os. intervalos de tem- J
*
. sim, tanto o passado, mêsmo'próximo, quanto o futuro, sempre incerto .
po e de espaço remetem -se a zero ou quase;°o tempo ultracurto, o instante de J *
Pòr outro lado, de modo ainda mais significativo, as possibilidades infh
.
razão da conexão eletrónica Um “muro do tempo” é assim ultrapassado, | .
* A
-
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A sucessão do dia e da noite (tempo cronológico) e a articulação vivi-
'
fascinada da telepresença
4
\
absoluta, cidadãos de um mundo oíide nada acontece, já que, de certo modo, : 1
53 Ibid., p. 81.
% / 56 VIRILIO, P. La Vitèssé de libé ration. Paris: Galil ée, 1995. p. 27, 28, 56, 159.
54 Ibid., p. 162. '
* / 57 CASTELLS, M. La Socié té en réseaux. Paris: Fayard, 1998. p. 516.
55 Ibid., p. 27, 33. ’
58 Ibid., p, 516, 521. *
. 328 329
Capítúlo 4
- .
Questiomtnento Desligar o futuro .
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* , ' *
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tempo e à variabilidade dós modos 59 Nossas sociedades, explica ele, torna
»
• *
-
ram se sociedades mpda,indexadas a uma nova orientação da temporalidade,, i
principalmente na urgência da emoção da m ídia para as grandes causas hU- #
aquela qlie, desde sempre, caracteriza a moda: o preàente. No mundo inteiro
manitá rias que ocupam a boca de cena. Mas, ainda aqui, o comprometimen -
se desenvolvem os “fenômenos de interesse e a lógica da inconstância” pelo
-
mundo inteiro manifestam se o gosto e o valor pelo novo:, “são normas flu
tuantes, incessantemente - reatualizadas, que nòs socializam e guiam nossos
- —
to tm ínimo engajamo-nos somente por um tempo, se possível, num modo
„ lúdico e principalmente sem filiação considerada
4
alienante. Assim, multipli-
comportamentos”.60 Vivemos, entã o, uma formidável inversão temporal que cãm-se as pequenas associações efémeras próximas das preocupações de base
,
* dos indivíduos, compondo um “tecido social em forma de mosaico . Defini n r
** 64
- í-
-
5o é aquele dos programas curtos, das mudan ças perpétuas de normas e estí
tel e, atualmente pela Internet* , que traduz da melhor maneiraste “império
- do efêriíero”: trocas rápidas, anónimas, infinitamente frágeis.
i
65
i
O político e o económico privilegiam, desde então, a flexibilidade sobre * j
‘
o longo prazo, a pilotagem
* berg duvida disso e vê em todo mundo o “indivíduo incerto”, enchendo o va ~ , -
à vista sobre a ptospectiva * desde que estamos .
“em Estado de urgência permanente”. Emancipando-se de qualquerherança,
'
- „ zio cio sentido coletivo, pelo consumo de drogas e de imagem -
dupla depen-
dência em forma de substitutos ,à ausência de saídas políticas suscet íveis de re-
'
-
nossas sociedades “constituem se em sistemàs quase experimentais**, exerci-
"
A * . . ESTADO DE URGêNGIA
'
" .
apagar as asperezas e a ocultar as dimensões sócio-políticas. No regime da *
V
moda, os litígios se individualizam, referem-se finalmeníe a variações margi- x ,
Os dicionários atestam: “urgência** - o que pressiona, o que não pode-
* *
nais e escolhas subjetivas. As grandes mobilizações políticas e sindicais substi- 18 e que só se disse-
, ria esperar - um termo que só aparecè a partir do século
tuem as reiviqdícáções individualistas, e os pesados confrontos ideológicos a
uma infiuidade de lapidações superficiais.63 Assim, a própria política tornou
*
Q
~ ^
60 Ibid., p. 137. x
r*
61 Ibid., p. 319f
62 Ibid,, p. 321-322.
V .
*
í .
64 LIPOVETSKY, G VEmpire de V éphémère, La mode et son destin dans les sociétés mo
-
dernesf Paris: Gallimard Folio, 1987 p 335. ..
(
-
.
63 Ibid , p. 328.
. -
65 Ibid., p 336 337 * ,.
66 EHRENBERG, A. Llndividu incertain. Paris: Calmann-Lévy, 1995.
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330 I
HéíéIÍJI
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* ' Capítulo 4 * x
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Qucstionamento Desligar o futuro
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çãp dos processos çrdináiios. Há perigo na demora, ecomo se diz nestes ca- ' lamentações nacionais, tem como efeito multiplicar, em proporções vertigino- ••
sos, necessidade (urgência, dita a lei). Então, a urgência cónota simultanea- sas, a massa e a velocidade de circulação dos capitais especulativos, desconeC -
^
mente uma idéia -dç inquietação face ao risco grave e iminente e uma idéia de 1
tados das operaçõ es de produção e de Consumo reais, das economiqs materiais
tfftnsgressão a respeito das instituições e das maneiras de fazer habituais. Lo j - e dosativos bancários concretos. Uma economia virtual, especulativa; trans-
gicamente, um registro como este deveria, pois, permanecer tão excepcional í nacional e imprevisível se desenvolve, ali, livre do presente e do concreto e,
i como as neçessidadés às quais pretende fazer face. E, contudo, podemos arris
'
- contudo, gerador de lucros fabulosos. i
car a hipótese, com Zaki Láidi, de que, doravante, a urgência não se constitui Desta especulação resultam.vários efeitos nefastos para reprodução do
mais numa categoria extraordiná ria, mas, antes, “ uma mòdalidade temporal ' Ú
elo social: a dificuldade acrescida por estes que investem na etonomia real
\
-
Quanto à ação humanitá ria internacional, que muito freqiientemente assume
67 LAlDI, Z. Uurgence ou la dévalorisation de 1’avenir. Esprit, p. 12, fev. 1998. X
papel de substituto de uma política estrangeira e uma ajuda ao desenvolvinien-
68 Ibid., p. 9. . to carente, é marcado por sua vez - contra sua vontade pêlo signo da urgên,- . -
•
.
69 BÇvfDE, J Uéthique du futur, Pourquoi faut-il retrouver le temps perdu? Futuriblçs, ' cia e pelo curto prazo: como se, incapazes de erigir uma solidariedade interna-
p. 21, dez. 1997.
* ( cional duradoura, que nós nos condenamos a reagir ao ritmo de nossas emo -
s
332 333
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Capítulo 4 t
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Questionatpento Desligar o fiituró
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ções, quando as imagens de fome òu de genocídio, qúe nos inundam na hora
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> r disso pròfundamente alterado, longe de ser, como “o horizonte de expectativa”
de que falavam Koselleck e Ricoéur, um tempo de preparação e umá fonte de
* t
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’• V * esperança, ela é, doravante, entendida como fonte de retardamento e de frus-
Os efeitos da urgência
^
• 7< *’
*
tração. É a idéiade percurso que não é mais integrada: o caminho que se faz e
o tempo que se leva para atingir um objetivo determinado, a maturação das
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' • Vários efeitos essenciais se destacam desta oscilação do tempo na ur- { . i
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coisas e dasidéias que resulta nàs realizações bem sucedidas.
gência do presente. Inicialmente, uma formá de desvalorização, tanto do pas-
sado ( decididamente beni acabado), quanto do futuro (demasiado incertcPe k
1 Muito característica desta cultura da impaciência ( de resto compreensí -
distante para ser coerente ): para que serve, de fato, dedicar-se à prevenção, elà-t s
borar planos, fazer previsão, já que há urgência em decidir, de imediato, sef ô
horizonte temporal a levar em consideração se recompõe a cada instante?
^
*
^ *
'
vel, vistp as circunstâncias históricas), foi a atitude recente dosjpaíses do ex-im-
'pério soviético cpie mal liberados dos ideais promissores da “Grande Noite
acreditaram poder entrar instantaneamente e dé corpo inteiro na democracia
”
s
intima os políticos a agir imediatamente, com o risco, certamente, de priviler
giar o efeito de anúncio em detrimento da açãoeiii profundidade. São assim, * .5
* ver imediata e definitivamente uma situação problemática, ela parece engajar-
»
sp no caminho de um provisório permanente, como se nutrindo de alguma'
desqualificadas tanto a prospectiva voluntqrista (que não consiste.tanto em - -* a eguinte.
\
forma de si mesma, cada uma de suas intervenções determinasse _ ^
advinhar o futuro, Seiião em escolhê-lo), quanto a significação simbólica do ^a
»
^
*
lência. “Ao impor que todos atuem em tempo real”, escreve Garapon, “as mí- . N
. política de resplvêJos duradouramente, as intervenções de urgência parecem J
dias [mas poderíamos escrever igualmente: a urgência] acabam por se tornar v ? • ' ' sempre chegar simultaneamente demasiado cedo e demasiado tarde: demasia- . '
*
'
do cedo, porque o tratamento aplicado continua sempre superficial, demasia- x
Um segundo efeito da generalização do Estado de urgência é a desquà- do tarde porque, sem uma inversão da lógica, o mal não deixou de se dissemi-
, lificação que ele acarreta da expectativa, da ^duração e das transições. Ao pro- J V nar. As inumeráveis medidas, incessantemente readministradas, de luta contra \
meter o “imediato, imediatamente”, a urgência nutre uma cultura da impaciên- 1 *
o desemprego, ilustram maravilhosamente esta aporia dos planos de urgência:
cia que transforma qualquer prazo em prorrogação insuportável e qualquer , um investimento maciço .
i
*• f
V .
*
sem uma real alternativa social (como, por exemplo,
no setor educativo, uma redução generalizada do tempo do trabalho ou, uma
- i
reconvers
1
.
71 GARAPON, A. Le Gardien des promesses Justice et démocratie Paris: Odile Jacob, . . .
* .
«
1996 p 80 . . . \ -
72 ' BINDE, J L’éthique du futur Pourquoi faut il retrouver le temps perdu? piituribles,
v
p. 21 22, dez. 1997:
- *
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* Capitulo 4
V.
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Questionatnento Desligar o futuro
* X
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*
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os dispositivos transitórios. Robert Castel mostra-o bem: dispositivos como o der tornar críveis expectativas detentoras de sentido, a urgência deixa, então,
renda mínima áe inclusão, concebidos originalmente como paliativos tempo- " uma legitimaçã o de s.ubstituição com a qual nossas sociedades processuais
são
rários, instalaram-se progressivamente num “provisório-permanente”, contri - coagidas a se conformar.76 Como pensar uma processualização do direito que
buindo assim, se bem que involuntariamente, para a precariedade generaliza- se precavenha das irregularidades da urgência, e uma questão que ábordare-
da da condição salarial.73
j mos mais adiante. Mas antes precisamos, de início estudar a
, maneira pela
Assim, e não sem paradoxo, é, portanto da natureza da urgência gerar
*
- \
questões judiciais ás quais decidem atribuir importância. Por oposição aos
,
• t
processos judiciais oficiais, *que são simultaneamente lentos (na medida da Insistir no caráter instável, efémero, aleatório da produ ção jurídica
«
min úcia da investigação) e irreversíveis (chega sempre o momento em que o contemporânea, tornqu-se uma banalidade.’ Quem ainda se assustaria com
julgamento se investe da autoridade da coisa julgada, ou uma decisã o irrevo - ‘
isso, já que estamos acostumados com a inflação legislativâ, Cuja obsolescên-
gável é tomada e uma página é virada), os processos dá m ídia são selvagens e , cia programada dos textos é, afinal de contas, apenas uma consequência pre-
' . imediatos (é preciso sabér tudo, imediatamente, qualquer protelação, qual- 1
/ visível? Sublinhar o ritmo cada yez mais acelerado da mudança jurídica, gera-
quer mistério, qualquer prazo é confissão de fraqueza ou duplicidade), e ao
dora de uma forma de “ansiedade”, como o escrevia Carbonnier, naa é smais,
y 77
mesmo tempo 'sempre suscetíveis a conhecer novos desafios, como se não co- então, verdadeiramente, uma novidade. Já em 1951, não era Savatier que con-
nhecessem virtuaímente nem começo, nem fim? Logo, é grande o risco de se > sagrava um estudo à aceleração do direito, notando, não sem um pouco de
meter no inferno Lafkiano do processo simultaneamente expedito e perpétuo; melancolia, que “os juristas de hoje traçam 4> uas linhas sobre a areia de ínsti-
Garapan vê nesta impossibilidade de conduzir um processo a seu fim, indo si
multaneamente bastante rápido,e bastante lentamente, um sinal da “dificulda-
- V
I
. *
i
tuições movediças?”78
Logo, não é argumentá ndo nâ via do “chega de mudança” que percebe-
i
'f
neo da racionalidade. Umâ vez que não parecemos mais aptos a formular pro-
- ! to da política dos estrangeiros tornou-se objeto de nove leis diferentes na
x < França, entre 1980 e 1993,79 enquanto que a mesma í jrança acreditou dever le-
* jetos, a traçar perspectivas ou rearticular promessas, resta-nos ajustar, quoti- J gislar por dezesseis vezes, no Setor do áudio visual, entre 1982 e 1991, de fato,
80
73 CASTEL, R. Les LÍé tamorphoses de la question sociale. Paris: Fayard, 1995. p, 422, 431. >
,
^
78, SAVATIER, R. Le drpit et faccélération de Uhistoire. Dalloz,> 1951, Chron., p. 30.
^
74 OST, F. Justice aveugle, médias vpyeurs. Juger. Justice et médias, n. 8/9/10, p. 107, 1995. t 79 DELMAS-MARTY, M. Pour un droit cotnmun. Paris: Seuil, 1994. p. 69.
* 75 GARAPQN, A. Le Garâien des promesses. Justice et dé mocratie . Paris: Odile Jacob,
N ’ 80 CHEVALLIER, J; Les lois expérimentales.Le cas françaís. In: Évfl í uatian íégislqtive et
V
V
. .
1996. p 81 lois expérimentales. Sous-la direction de C.-A. Morand.. Aix-en-Provence: Presses
universitaires d>Aix- Marseille, 1993. p. 123.
*
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336 337
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Capítulo 4
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produziu em dois milénios 82 . ( *
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Estes n ú meros e muitos outros que poderíamos alinhar aqui, mas que, *
* AS TOLERÂNCIAS DA URGÊNCIA *
de qualquer modo, supera por sua .pró pria virtude qualquer capacidade de íraj /
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domínio, deveriam pelo menos nds persuadir de que é exatamente com uma ’ 28 Urgência: há pouco tempo a noç o só êra aceita no.direito apenas
*
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tempò o direito transitório era entendido como a regulação fina, que era con- ‘r ? . j
.conduzir a soluções derrogatórias de caráter 'provisório, que era preciso
veniente administrar entre duas longas praias de direito fixo, entre dois am- J
pios períodos de estabilidade' normativa. Mestre no assunto, Paul Roubier po- X
- anular *a partir do momento que findasse o estado de necessidade que lhe
*
.
moderna 83 O transitório era, afinal de contas, apenas a dobradiça chamada ' de evitar um dano inaceitável. Atualmente, a urgência parece subverter, e de
para articular dua$ sequências históricas caracterizadas por uma duraçã o sig- modo permanente, a produção dp direito por inteiro. Introduzindo sua tese
nificativa. Ora,, tudo se passa atualmente; como se as coisas se tivessem inver-
tido: a duração dissipou-se, tornando in úteis as administrações sutis do direi- 'Ç
^ sobre A Urgência ~em direito público> P. L. Frier escreve: “a urgência^está em
todo lugar, ela pode existir fora çie qualquer crise.” É que, de acojdo com o
*
* to transitório; é todo o direito que se colocou em movimento - o transitório autor, qualquer norma, mesmo constitucional, conteria uma cláusula der-
é, doravante, seu estado normal Nosso direito “está em trânsito” . \ rogatória para os casos em que, devido à urgência, seu prescrito entravaria?
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-
Deste modo, cónfirma-se, no campo jurídico, ahipótese formulada nas v 4
páginas precedentes: a urgência, temporalidade do exCepcional, tende a im-
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as;autoridades públicas no necessário exercício de suas competências, de
modo que “direito normal e direito de exceção” se misturam, “a derroga ção
. tornando-se parte integranfe da regra” (o ú nico limite do respeito ao prin-
4
por-se como tempo normal - a exceção que anula a~regra, de algum modo.
Provocando Curto-circuito nas formas, nos prazos, e nos processos, a urgên- ' v dpio de proporcionalidade).*84 *
#
O direito civil n ão está imóvel. Sem chegar a se perguntar, como o fa-
t
* . zia Michel Vasseur, se a urgência não permitiria que se fizesse exceção a todas *
V * •' 81 la Sécurité juridique. Rapport public 1991 du ConseH d’État de Fr*ance, reprodu- as regras, quaisquer que fossem,85 Philippe Jestaz, qúe dedicava sua tese à ur- *
do Jovem Foro de Lt ége, Edições do Jovem Foro de Liège, 1993, p 163. . gê ncia no direito civil, notava, contudo, seu efeito derrogatório sobre muitos
.
82 MOCKLE, D. Crise et transfõrmation du modèle légicentrique In:VAmour des lots . t
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.
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4 . . -
Sous la direction de J Boulad-Ayoub et al Montrea Paris: L’Harmattan, 1996. p.*33, /
. .
84 FRIER, P L.VUrgence paiis: LGDJ, 1987 p 2, 517, 531, 533/ .. *
nota 66 . .
.
83 ROUBIER, P. Le Droit transitoirey 2. ed Paris: Dalloz et Sirey, 1960 . c
.
. .
85 VASSEUR, M Úrgence et droit civil Revue trimestrielle de droit civil, n* 1?, p 405,
*
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Capítulo 4 QuestiúÁatmnto. Desligar o futuro
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princípios clássicos dê direito civil.86 Esta tendê ncia, amplámente confirmada ,
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tenso) dos textos”, ela marca o “triunfo do fato”, e instala se, assim, “no centro
1
-
das relações mantidas pelo direito com a realidade social” Fazendo isso, é
t « 89
gistro temporal corrente da produção jurídica contemporâ nea. Não somente *
todo direito se pôs em movimento ( o transitório-permanente), mas ele o faz | uma forma de argumentação pragmática e utilitarista que predomina sobre o
respeito das normas e a ligação às formas, como se o fim, presumido bom, jus-
t
num ritmolncèssantemente acelerado. O adjetivo “corrênte” pode aqui ser eh ' qjj -
tendido ém seu sentido primário. *
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J\ > « - tificasse necessariamente os meios! Generalizando a exceção de urgência em
*
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ora por razões noyas ^Em apoio a medidas1 excepcionais impostas pela urgéfir *
cia, desde sempre fizemos prevalecer - diversas formas da razão de estado: a
proteção da ordem publica, a continuidade dos serviçps públicos,, a legítima M
_ ral, o efeito produzido não é somente de aceleração, mas também de inversão:
em muitos casos, a urgência permitirá ao imper
, í um (à força) que preçeda a ju-
risflictio (o enunciado da regra), imunizando o fato cumprido em relação a
defesa do Estado. Em todos estes casos, uma situação de crise, um perigo imi ~ v
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Uma noção invasora •••
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extraídos pura e, .
simplesmente da prioridade que têm, aos olhos de seus promotores, esta po
* -i - - . são, evocaremos inicialmente o artigo 16 da Constituição Francesa, que habi -
lítica pública ou aquele projeto de lei. Um texto que seja considerado urgente , <; lita o Presidente dá República a tomar medidas excepcionais “quando as íns- * #
e ú til irá revestir-se de formas da urgência para ser imposto “imediatamente”. , ; 1 tituições da República, a independência da nação, a integridade de seu terri-
Assim, por exemplo, nota-se a lei belga de 12 de janeiro de 1993 “contendo um .
tóriaf .. ] estão ameaçados de uma maneira grave e imediata” Faz eco a esta
- .
^
*
programa de urgência para uma sociedade mais solidária”. Que uma socieda- 1
de mais solidária seja uma prioridade, quem duvidaria disso? Nem por isso é
« -\ polícia consideravelmente extensos à administração civil, em casos de “perigo
iminente resultante de atentados graves quanto à ordem pública”, ou em caso
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Capitulo 4
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Questionamento Dcslígaro futurú /
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prefeito a “prover com urgência a todas as„ medidas de assistência e de socor lador e do juiz ao executivo. O executivo, principalmente devido à serenidade
* ro” e a tomar “as medidas de- segurança exigidas pelas circunstâncias” Nos ca
j
* presumida de sua áção, é o grande beneficiá rio destas transferências. No seio
do executivo, delegações de competência para as autoridades subalter -
.
sos de “urgência imperiosa”, o Código dos leilões públicos permite recorrer à . «
mesmo
— 4
-
técnica do leilão negociado, mais que proceder a adjudicações de hábito pre
.
, vistas pela lei No processo legislativo, jpor uígência se entende as eircunstâ
nr
- .
das A urgência leva igualmente a simplificar de maneira consider ável os pro -
cessos, diminuir os prazos e contornar as formas: aqs exemplos já evocados,
1
cias prementes que o governo pode invocar para acelerar o' curso das delibe
rações parlamentares e a discussão entre as assembléias, ou abreviaryo prazo *
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• tamente geral, a ^ *
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jurisprudência invoca a urgência sob o título de “çircunstân •
\ cias prementes*’, para validar atos jurídicos que em tempo ordinário teriam' , v competências clássicas, validando, comd na jurisprudência das “circunstâ ncias
sido ilegais . V i'
excepcibnais”, atos jurídicos cuja ilegalidade seriarem outros tempos, consta-
tada; Os textos relativos ao Estado de urgência e ao estado de sítio, conferin-
S ‘
vigor do texto: o privilégio da execução provis ria permite, neste caso, à admi- , em período normal."
ó
nistração, que tome decisões “executorjas” desde sua publicação, às vezes até Mas, novamente, o efeito desborda estas circunstâncias dramá ticas ú ni -
.
desde sua assinatura Segundo grau, em caso de resistência do administrado: o cas* Normalmente, a urgência (remédio em período de crise) só deveria apoiar
privilégio da execução forçada, que permite aos poderes públicos impor sua > medidas conservadoras de caráter provisório: seria o caso de somente preser -
i . * vontade, sem ter obtido previamente do juiz permissão para utilizar nleilOS x >] *
var um direito, de administrar um interesse, o tempo nçcessário para o retor -
no ao normal, e a adoção de uma decisão “baseada na verdade” e nas formas.
*
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Na realidade, aconteõe de modo bem diferente: das medidas conservadoras
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ção de função que permite à administra ção, em casos de, extrema urgênçia, re
^ * «
-
/ correr diretamente à força, sem qualquer mediação jurídica: faltarido-lhe tem- passa-se às medidas de execução (sobre o património do devedor, por exem-
pló), e estas apresentam naturalmente a tendência a se tornarem definitivas.
t # r 91
po para tomar uma decisão prévia, ela age por obrigação.90 Neste ponto, deci-
0
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-
*
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são e execução se confundem, e a relação do direita com o fato se inverte. A evolução do contencioso às ações cautelares é muito reveladora a esse res-
peito: outrora encurralado às medidas provisórias, presumindo-se de nãò afe-'
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tar ao “mérito do litígio”, o juiz da urgência não mais hesita atualmente em en-
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...de efeitos. contestáveis
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JESTAZ, P.VUrgcnce et les prí ncipes classiques ãu droit civil Paris: LGDJ, 1968. p. 314.
90 Sobre tudp isto, cf. FRIER, p. L.VUrgehce Paris: . LGDJ, 1987. p. 351-381. 91
*
342 i
*
343
*
Capítillo 4
I
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Questionamento Desligar o futuro
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de 1991 habilita, desde então, o Conselhode Estado não apenas a suspender a « táveis, justificadas pela extrema urgência, de expulsão coletiva de estrangeiros*
execução de atos e regulamentos administrativos litigiosos, como também a o recurso excessivo ao processo dps leilões negociados, para contornar a regu - *
tomar medidas provisórias, eventualmente derivadas do dever, nos casos em lamentação relativa às adjudicações, ou ainda a utilização muito frequente do
que a execução imediata da decisão administrativa causasse um “risco de pre- processo parlamentar de urgência, permitindo a adoção de textos sem exame
juízo grave cjificilmente reparável ’ Como já vimos, a intervenção de urgência
5 .
real, e reduzindo a nada o poder de revisão da ’oposição Nestas hipóteses, a .
opera no coração mesmo da ação. 4 eficácia invocada poderia conduzir à erosão da ordem constitucional, ao es
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-
Finalmente, a urgência acarreta um quartó efeito que poderíamos qua-
'
• queçimento completo de què o objetivo profundo de muitas regras jurídicas é
lificar como efeito geral de relaxamento da norma: autorizando todas as espé- o de retardar a tomada de decisão, ora para permitir a todos õs pontos de vis-
cies de acomodações com a legalidade, tantò processual quanto substancial, os ta que se exprimam e às paixões que se esfriem, ora para proteger os terceiros
textos que prevêem medidas de urgência tomam -se, por acréscimo, o objeto -
(cios quais, por exemplo, o património não poderá tornar se objeto de apreen -
de aplicaçõ es práticas, por suã vez relaxadas: interpretações judiciárias flexí ( sões imediatas), ora o interessado ele mesmo (diversas regras instaurando
, veis, modificaçõ es incessantes, prá ticas administrativas extensivas.92 Tudo se
- prazos de reflexão).
'
passa como se, uma vez aberta a dobradiça da juridicidade ejconsagrados di- De modo mqis hipócrita, parece freqiientemente que as reformas ado -
versos tipos de “poderes especiais”, o não-direito se afogaria, quase sem possi- tadas com urgência - muitas vezes em reação às hesitações precedentes - evi -
bilidade de parar, nas instruções e nos comportamentos. tando qyalquer forma de reflexão em profundidade, que permitiria a formu --
Que ilos compreendam bem: não pretendemos sugerir a idéia de que lação de verdadeiras alternativas, exçõem-se. a serem rapidamente modifica
,, toda legislação de urgência seja necessariamente criticável. Do
mesmo modo ^ das. O atentado à ordem jurídica é duplo neste caso: não contente em aparar
que em certos casos se.impõe uma intervenção cirúrgica (sempre a metáfora '
as arestas da juridicidade, a urgência atravanca, por acréscimo, qualquer refor -
ma séria; não contente com destruir a ordem jurídica, a urgência impede que
medicinal), aé situações de crises não deixam outros recursos senão a injer
venção ao mesmo tempo intrusiva e urgente..Por outro lado, é preciso reco-
- .
se a reconstrua Um termo surge, então, no espírito, para qualificar este abuso
nhecer que, em muitas hipóteses, é a lentidão sucessiva a fonte dè desperdício, 'da urgência: expediente. “Expediente”: meio de escapar
» de embaraço, escapa -
-
signo de impotê ncia e, às vezes, de má fé, njío deixando, então, outra escolha, tória para se safar de um mau passo; “utilizar expedientes hábeis”: sair-se db
senão a reação de urgência. Não, o que é preocupanté é a generalização da téc- negócio momentaneamente, sém resolver suas dificuldades. Sem mesmà in -
' nica derrogatória que provca a urgência,'como se qualquer questão de saúde ' sistir no aspecto financeiro do termo ( “ viver de expedientes” ), pode-se per-
*
devesse ser apreendida em termos de patologia, e toda patologia tratada por guntar se, ao abusar do recurso à urgência nossas ordens jurídicas não abqsem '
via cir ú rgica. dos “expedientes hábeis”, expondo, com isso, nossas democracias a um noyo
* ^
tipo de risco.
Acarretando uma retração do direito, a urgência pode significar um re -
*
-
cuo da liberdade Montesquieu não se enganava a propósito deste direito' de. *
*
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Nos enganar íamos pensando que osvefeitos da urgência só se fazem
92 No que dizjespeito à prática do estado de sítio quando dos acontecimentos da Ar-
sentir nos casos em que ela é explicitamente visà da num texto; de fato, é na to-
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; 345
344
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Capítulo 4 i .
Questíonamento Desligar o futuro /
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nhos, por pequenos toques, sob a pressão da urgência ou das mídias [..*]. Le- que são portadoras impõem retificações”.96 Mas, como estas, por sua vez, são
improvisadas, novas irregularidadés surgem.
gislamos sem visão de conjunto, sem filòsofia, sem perspetiva”.94 É que, espre
mido entre os interesses opostos de grupos de pressão conflitantes, o Estado
- , Dois exemplos, entre outros, escolhidos no domínio da aplicação da lei
se esforça para satisfazer uns e outros, engajando-se assim.; num incessante no tempo; a utilização de leis retroativas destinadas a cobrir erros anteriojes
»v
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. e, áo inverso, a adoção de “derrogatórios antecipativos”, destinados à pre -
r
trabalho de reparação dos textos, sempre repostos em obra: uma reforma em
prol dos culpados suscita automaticamente uma reação em prol das vítimas;
" •
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^ caução de uma possível coerção futura. No primeiro caso, a garantia de poder
»«
uma vantágem para ofr consumidores logo acarreta uma retribuição em favor' *
'
dos produtores aqui o interesse dos credores, acolá o dos falidos; “imprevisí- •i
-
' tir arrisca se a incitar o legisladora relaxar sua atenção - mais prosaicamen
té, o Conselho de Estado nota quanto a ele: “pode-se escrever qualquer coisa,
vel e precária, a norma deixa de ser uma fonte de coesão social, desde o mo-' * j
uma vez que compensaremos sempre seus erros”.97 No segundo caso, tal admi -
mento em que está em discussão permanente 95 nota um magistrado .
t
^
O.utras razões explicam ainda, sem por isso justificar essá volatilidade V?
dos textos* Inicialmente, a instabilidade ministerial, que obriga cada ministro
nistração ou tal ministro instituem uma exceção a um texto mais geral que
f
ainda não foi votado98 - caso, em suma, de estar sempre garantido de manter
*
%
as mãos livres,
. a dobrar sem atender à política jie seu departamento pela adoção de textos A leitura ào Diário Oficial resérva ainda muitas outras surpresas; lcisa
não chegados à maturidade, quando não são. leis de cartaz, proclamando in
tenções sem, de outro modo, preocupar-se com os meios necessários para sua
V - '
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sucesso ) em dom ínios já amplamente regulamentados Parece, então, que, Será preciso, a partir disso, tomar partido e não falar mais da |
M UHLn
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muito frequentemente, a principal
.razãó **
* . ça. jurídica, senão como a “virtude esquecida das leis, o sonho noilálflGQ (Ul
da modificação de um texto é pura e
simplesmente a má qualidade Ho sua redação,anterior.Aqui ainda, o Conselho sociedades envelhecidas”.100 Ou bem, ao contrário, será preciso lcmbrilM# df
. * s
de Estado faz.um julgamento lúcido: “a duração de vida das leis está em enco- N
u
y lhimento constante; e que, debatidas com uma pressa excessiva, os defeitos de Y
96 . .
Rapport public, op, cit., p 169 »
l
x \ N 97 . . .
Ibid , p 176
l
I
. ..
94 RapporfpUblic di Conseil d’État de France, op. clt ,x p l£5 Ver igualmente Élaborer
98 . . .
Ibid , p 186
.
la loi aujouãliuL Mission impossible? B Jadotet E Ost (Ed*) Bruxellest .Pubiicalioris 99 .
BOURS, J. P Sécurité juridique et droit fiscal. In: La Séamté juridlqtWt op, clU|p» i
t
des FUSL, 1999 . . , V
. .
100 MARTENS, P La sécurité juridique; rapport de synthèse In: La S écurit é JuifaltyÊh
* *
.
. '
95 MATRAY, C* Le CHagrin desjuges Bruxeiles: Complexe, 1997* p. 35 36 - .- . .
op cit , p. 258
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346 i 347’
N Capítulo 4 - Niá
v .
Questionamento Desligar o futuro,
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que, no Estado de direito, a adoção da le j çombina-se com uma pròrríessa, que ;
*
—
Estado de direito; e que desta seguran ça depende fiabilidade
a
do direito que efetuar qualquer atentado contra ela equivale a minar a ade |
são à regta?102 Preocupados em equilibrar tempo da promessa e tempo do Cjj
- viços p úblicos e- acreditar que estès observam regras que seguirão uma- políti
ca bem estabelecida, quenão.saberia conceber de outra forma”.106
-
questfonamento, nós tomaremos partido da segurança jurídica, sempre tendo J * Não se deduz, em decorrência disto, o direito, para o cidadão, ao res-
em mente que se trata de um, valor e de um princípio suscetíveis de graus, em | j peito absoluto dos direitos adquiridos ou à manuten ção de umà regulamen-
nenhum caso absolutos, e que precisamente as trãnsformações da sociedade í
'
/
-
tação qualquer isso seria conferir ao princípio de seguran ça jur ídica uma
contemporâ nea podem, às vezes, conduzir à preferência de princípios e valo- 1 amplitude excessiva, incompatível com a necessária variabilidade do interes-
se geral. Do duplo princípio de segurança jurídica e de confiança legítima, o
j »
res concorrentes - voltaremos a isso. '<
*
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divíduos uma mudança normativa demasiado brutal:107 por esta razão, a nova
geno produzido pelo próprio sistema, efeito perverso de um processo legisla- í regra deve, pelo menos, comportar medidas transitórias em proveito dos des-
tivo mal dirigido. Útil em pequenas doses para permitir a adaptação do jogo
, à
'
*
tinatários, podendo eximir-se de uma expectativa legítima.108 Mas este “direi v -
e estimular a criatividade dos jogadores, a imprevisibilidade torna-se con - to a medidas transitórias” está longe, contudo, de já ser aceito com unanimi -
- traprodutiva quando afeta as próprias regras do jogo.108 sob estas condições,
“o direitó não aparece mais como uma proteção, mas como uma ameaça” lb4
- ' d à de no direito interno.109 Pelo menos, temos o direito de exigir da adminis x
• tração e do legisladorque forneçam uma justificação razoável da mudança de
-
Mas se esta insegurança é um efeito da técnica jurídica, quer dizer tam
bém que o remédio que se pode tentar lhe opof é igualmente jurídico. Daí, |
- atitude que operam, o juiz, ao não hesitar mais, atualmente, em sancionar as
reviravoltas de atitudçs não motivadas. O Tribunal de arbitragem da Bélgica
não ser espantoso ver se desenvolver no decorrer dos últimos anos, diversos | - /
-
pronunciou se muito claramente neste sentido: “de acordo com o princípio
é
temperamentos para a precarização do direito, príncipalmente sob a forma de fundamental da segurança jurídica, o legislador não pode atentar, sem justi-
princípios gerais, consagrados pelos principais tribunais de justiça: princípio
de confiança legí tima, epi direito europeu;105 princípio de, respeito devido às
^ ’
«
.
106 Çass., 27 de março de 1992, em RCJB, 1995, p 53 et seq. e nota N, Geelhand, “Le
' antecipaçõ es legítimas de outrem, em direito civil; princípio de segurança ju
vr
ídica, em direito administrativo e em direito fiscal* Freios e contrapesos são
-
*
principe de la croyance legitime en droitadministratif et en droit fiscal”; cf igual
. --
mente Cass , 13 2 1997, in Tijdschrift voor bestuurswtenschappenen publiekrecht,
. -
. .
1998, 5, p 370 Mesmo ensinamento na jurisprudência do Conselho de Estado (CE,
.
23 de maio de 1985, n 25.355) e do Tribunal de arbitragem (CA, 5 de julho' de
101 DELNOY, P. Sécurité juridique et rédaction des testes, Ibid., p. 142. .
1990, n 25/90) .
‘
" 102 FRANÇÕIS, L. La fíábilité du droit, dite sécurité juridique. Ibid., p. 10-11. .
107 FROMONT, M Le principe de sécurité juridique. A/DA, p 181, 20 jun. 1996 ' . .
*
.
103 Ibid., p 14-15 . . . .
108 CNTA cf Commission, aff n 74/74, Rec., 1975, p 533; Georg von Dectzen c/
.
104 Rapport public du Conseit d*État de France, op cit*, p 166. . Hauptzollamí Hamburg-Jonas, aff. n. 170/86, Rec ,1988, p 2355 . . .
109 Um decreto do Tribunal de arbitragem da Bélgica opõe-se expressamente a isso:
.
105 O Tribunàl de justiça europeu afirma que a segurança jurídica “faz parte dos prin- '
J
.
decreto n. 26/ 93, de 25 de março de 1993, p 275; para a França, cf FROMONT, M . .
cípios gerais dè direito comunitá rio dos quais o Tribunal garante o respeito” (16 de
junho de 1993, aff. C 325/90; Frarice cf Commission, R c., 1993,1/330) . . .
Le principe 4e sécurité juridique A/DA, p 181, 20 jun 1996 . .
^ r ' ^
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\ Capítulo 4 *
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QuestionatucHto Desligar o faturo . \
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ficaçao objetiva e razoável, contra o .interesse possuído pelos sujeitos do di - doravante, que apresente todas as características do “questionam ento” e do ,
reito, de se acharem em condições de prever as consequências jur ídicas de ' j tempo aleatório que estudamos. Longe de se apoiar nas certezas da perícia
' seus atos” 110 científica infalível e nas ambiciosas planificações da década de 60, a gestão nova
\
Uma motivação razoável da mudança de atitude dos poderesp úblicos é marcada com o selo de uma racionalidade limitada: ela representa “o fim da
poderia seç a preocupação, legítima, de aniquilar» uma disposição irregular: -1 ' ilusão de
um mundo simples e ordenado onde se conjugassem hierarquia e
xcompetência”.112 Integrando o que dominamos incerteza do saber e indetermi-
N
t neste caso o interesse que este ou aquele particular pudesse ter na manuten - l
ção desta regulamentação se dobra ao princípio,lido como supremo, do res
peito à legalidade. Assim, um funcioná rio tendo se beneficiado com o aumen-
- ^ nação dos valores, ela trata a direção das condutas
como um problema a ser
construído è não um programa a ser executado. Ela assume o dará ter definiti-
to astronómico, em fun ção de uma circular ministerial, considerada mais tar- vamente problemático dos fins a serem buscados, os meiòs a serem mobiliza-
de como ilegal, seria obrigado a reembolsar o recebido a mais 111 '
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. /
^ dos, assim como resultadost a* serem avaliados. Fazendo das técnicas de planifi
»
Direito e gestão pública Inspirado no modelo das “anarquias organizadas”, a gestão pública privi-
i
.
Hlegia, doravante, a operacionalização em relação à decisão inicial:113 é apenas .
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s
monopólio da regulamentação; preocupado em guiar o comportamento dos. quanto os problemas a tratar se tenham tornado transversais (política da cida-
indivíduos e dos grqpos, os poderes públicos utilizam igualmente planos/ pro- de, proteção do meio ambiente...), quaáe não existem atores pré-constitu ídos,
'
** gramas, destinações orçamentá rias e campanhas de inforpação . hem desafios predeterminados com os quais bastaria se cófiformar: tudo está
i
Até melhor: imerso nas novas coerções da eficácia de gestão, o próprio para ser construído numa prática interativa de negociação e operacionalizaçã o
direito foi obrigado a operacionalizar suas,- disposições. Sob pena de ser senti- , de objetivos públicos, eles mesmos ffacamente determinados na origem.116
,
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t A Gapitulo 4
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Qúestionamento Desligar ô futuro
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» Esta concepção dà ação pública não faz, contudo, a unanimidade: vê-se TRÊS FIGURAS DA DESINSTITUIÇÃO
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bem o preço que ela concede à insegurança jurídica e o risco que a ameaça de
ser privatizadapêlos interesses dos atores maíspoderosos Avaliámos, sobre . - À. insegurança jurídica, ligada à regulação, é um risco endógeno, inter -
tudo, o quanto ela renuncia a instituir o social, contentando-se em pilotar à no de algum modo à maquinaria do direito. Mas o risco de precarização do
*
.
vista, sem perspectiva real Em sua obra O Senhor dos Relógios,117 Philippe Del - tempo e, pois, do desatamento das relações sociais, só se confirmará verdadei-
• *
-
4
*
maz lembra que o Estado, ao contrário do mercado, tem o privilégio do lon ramente se a própria substâ ncia das'regras de direito - as soluções por elas
\
go prazo, e que, proyedor da lentidão necessária, ele “pode impedir que se es-
garce o tecido social no decorrer das mutações que o esquartejam” *18 Encon-
<
. 4
—
consagradas conhecerem, por seu tuhjo, e desta vez sob a influencia de fa-
.
tores externos,' uma precarização igual Esta hipótese da “desinstituição”, pro-
*
tramos amesma mensagem no Relatório da Comissão do XI Plano (1993) que pomo-nos a testá-la em três setores sensíveis do sistema jurídico: o familiar,
/ *
t
-
•
se pronuncia por um “Estado estratégia” utilizando a duração para praticar as teatro de uma privatização do elo, inicialmente conjugal, filial hoje em dia; o
v arbitragens e as antecipações necessárias à restauração dà coesão social 119 Na . social, em seguida, que com o retorno forçado do mercado revela uma preca- 4
mesma linha, alguns pedem a colocação de células prospectivas junto a cada rização da condição salarial, expondo os trabalhadores ao risco da “desfilia-
'
ministério: contra a “lógica dominante de curto prazo”, a “ditadura do instán- ção”; o penal, enfim, onde assiátimos ao declínio .dos ideais de reabilitação e à
- -
• » <
r te” e a “cultura da urgência”, tratar se ia de restaurar uma capacidade prospec- tentação do recuo securitário - desenhando em negativo a figura de uma ins-
tiva, apoiada numa memória retrospectiva e suscetível de operar as arbitra '
- tituição por ausência da qual.só restariam as formas repressivas.
gens necessárias entre gerações 120 7
v
. O direito moderno', como nos lembramos, é baseado no relato funda-
“Transformamos o temporá rio num valor seguro*’: este slogan publi « - dor da passagem do estado de natureza ao estado civil “Deixemos o estado .
citário de uma firma iniciante é revelador do estado de espírito dé uma so* de natureza, fonte de insegurança permanente, se dizia. Confiemos uns nos
* ciedade que acredita poder se instalar, sem dano, no provisório Por sua ve?, . outros, multipliquemos nossos laços, cambiemos nossas promessas. Dote -
o direito é vencido por esta precarização das perspectiyas »Será que é por . mo-nos de instituições e façamos um pacto com aqueles que serão seus res-
isso um “vaíor seguro”? É esta questã o que precisamos aprofundar mais ponsáveis: nossa obediência contra sua conformidade aos princípios funda-
adiante.121
A
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*
dores” Assim, nascem coletivos que não eram por isso opressivos; assim atri-
buíam-se a liberdade e a lei, a autonomia e a responsabilidade, o privado e o
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.
público É bem exatamente este relato que atualmente é colocado sob suspei -
r •«
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ta, como se.demasiado e frequentemente repetido,1seu sentido se tivesse pro -
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1 X7 DELMAS, P. Le Maitre des horloger. Paris: Odile Jacob, 1991. s gressivamente gasto . *
t
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-
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i
118 Ibid.» p. 27. Primeiro indício: a individualização cada vezmais pressionada pela re
v. .
119 Commlssion‘ du Xle Plan. Pour uri Êtat stratège, gararí t de Vintérêt géné rál . Paris: .
lações sociais A face sorjridente deste fenômeno significa autenticidade, áuto
’ . -
< 1993.
4
. ‘ 4
nomia, libera ção das coerções, realização de si, criatividade Sua face triste su -
-
1 V A
0
i /
cònsagramos à regulação, novo modo de produção de direito: OST, E. Le temps vir-
tuel des lois postmodernes . In: Les Transfortnations de la ré gulation juridique . Sous/
la -direction de J. Ciam e G. Martin. Paris: LGDJ, 1998. p. 423 et seq.
no mesmo instante em que êScondem as referências, suscetíveis de lhes indi
car um lugar na sociedade ( um “lugar”: um emprego, uma utilidade social,
-
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« 352 353
Capítulo 4
*
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Questicmánientor Desligar o futuro
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bilidade das ofertas, mas também a uma nova precariedade dos’ empregos A
V
dificuldade de inclusão, if á restar-lhes a prisão nos centros urbanos potencial- duração prometêifca dos códigos e da promessa das instituições dão, .então, lu
. . gar a um tempo em migalhas que se trata de reconquistar a cada instante. Di -
mente explosivos ,' ,
- Jjjj
. Segundo indício: o declínio das instituições e ò retorno do estado de na - jJj
^
I tureza. Sob a forma do mercado, por exemplo, do qual Alain Mine dizia que é al
.‘o estado de natureza da sbeiedade”, e que “sem normas jurídicas ele recai na *
selva, assimila-sç à lei do mais forte, e fàbric? n segregação e a violência”,122 Ape- :
sar de regras e inslituições estáveis, a sociedade do risco torna-s.e efetivamente. 5
JJ
»
emprego temporário, tudo se passa como se vqltasse à tona o antigo impera-
tivo imposto aos povos: “viver cadá jornada”.
Certamente, não se trata de nos encerrarmos nestas perspectivas sem
futuro. As experiências em curso, que traduzem também os transtornos ine-
rentes a toda mudança social,, qualquer que seja, não conduzem necessaria-
uma “sociedade de insegurança” (Gauchet), e o individualismo torna se “nega- - I
«
tão, em saber como interpretar 'os signos de evoluções presentes, para neles
segurança, falta de bens garantidos e laços estáveis”.123 Quanto à vida privada, 3j
encontrar as condições de uma reinven ção da instituição àtribuída aos novos
que então triunfa, ela poderia bem marcar o apagamento do “mundo comum”, 4 [i
que religám o aqui e agora dás. existências concretas ao longo tempo da memó-
questionamento cai no vazio, ou antes, volta-se contra ele mesmo e se prova,
ria e das promessas transmitidas e a serem transformadas.124
''•portanto, (auto) destrutivo.
Trabalhado por estas evoluções sociais, o jurídico contribui, pôr sua S
vez, para este trabalho desinstituinte, Todos os traços formais do direito regu- $ \
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*
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v -
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.
. Í 22 MINC, à. LeNouveau Moyen Âge Paris: G àllimard, 1993. p. 220. 125 GARAPON, A.; SALAS, D. La ré publique pehalisé. Paris: Hachette, 1996.
123 CASTEL, R. LeàMétamorphoses de Iqtpiesúon sociale Paris: Fayard, 1995. p. 465, . t' 126 WACQUANT, L. De PÉtat charitable à Uétat pénal. Note sur le traitement çolitique
de la misère en Amérique. Regards?sociologiques, II, p. 30 et séq., mai 1996.
/
124 ARENDT, H. Condition deVhommemoderne Vms: Calmann-Lévy, 1983. . V
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* 4 4
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1
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354 . 355
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Capítulo 4
. .
Queslionamento Desligar o faturo
* 1
-O fejiômeno tem motivo para surpreender, uma vez que em todo lugar é o %
/
4
relaxamento das coerções e o apagamento da norma que se discute. E, com cípio encontrava uma abertura no vazio e'no negativo, significando a necessi- .
tudo . Ã formidável onda de emoção que arrebentou durante dois anos na dade de instituição, mesmo que fosse por falta.
»
^
Bélgica, depois da descoberta dos corpos das crian ça assassinadas, após te
^ - ^ i
De repente, o direito penal surge como a última expressão da moral co
mum, a última fonte de sentido num mundo em que as referências móveis e os
-
rem sido vítimas de abuso sexual, e a reivindicação de um reforçada repres - >
são que a acompanhou, servem aqui como reveladores 127 Â sociedade testava
seus limites, num mundo que se acreditara ilimitadoj e que tropeçavâ Tia
. '*2 quadros flutuantes aprofundam a inquietação e suscitam o mal estar na mes
.
ma quantidade que os liberam Aos olhos de indivíduos que se tornaram teme
--
7
proibição quando se pensava ter se livrado dela, ela redescobria o indisponí- " rosos, a poibição reafirmada e sancionada parece poder reforçar os laços sociais
.
vel, enquanto se acreditava tudo poder negociar Com as figuras do perverso ã
\
.
e garantir um pouco da segurança perdida De repente, também, os tribunais
-
sexual e do pai incestuoso, cujos crimes Criavam filhos mártires e transtorna-
v vam a ordem dos lugares na gertealogiara sociedade se confrontara com umá.
1
i
correcionais são erigidos em último lugar da palavra p ública ágora substitu —
tiva - onde a queixa social pode, enfim, Se exprimir, onde os “pequenos”, pos-
-
manifestação do mal radical, de que nos havíamos esquecido: sofrimento ab- j tos em pé de igualdade cóm os “grandes”, podem, enfim, reclamar justiça.
soluto e negação completa da ordem social, que fazia , de’ um filho (às vezes Esta super-sçdicitação da justiça penal, transformada em instância de
/ *
V .
“seu” filho) um parceiro sexual Amor, morte, e às vezes dinheiro, misturados . reconhecimento das vítimas, e este apelo redobrado à sansção, signo invertido
* «
Não mais adultos, nem crianças, mas somente grandes e pequenos, fortes e r4 da norma comum, dão assim uma resposta oca à questão de saber se, para
.
fracos, cara a cara numa relação mortífera Não mais sujeitos, nem objetos, 4
existir e se identificar, uma sociedade não tem necessidade de se apoiar em re-
mas seres coisificados, portanto, dejetos jogados após o consumo. Confron- ferências fundadoras e fazer a esperiência de seus limites. Eis, então, que se po -
tada com esta confusão inominável a sociedade se chocava com o centro deria explicar o movimento de repenalização da vida social, cujos signos sã o
* Av í
cie sombra mais sombria, ela descobria sua face mais oculta: a violência .ab- vos, alongamento da duração média das penas, restrição de regimes de liber
* -
soluta, ainda prestes a.se desencadear - aquela que os atenienses souberam ? dade condicional, yigilância eletrónica a domicílio: o controle penal se expan -
* rememorar constantemente, levantando um templo, no centro da cidade, às * de e a repressão endurece .
Eumênides, ex-Erínias* que vingariam os parricidas e outros perturbadores Esta resposta, entretanto, é perigosa. Ao definir a instituição pela san -
. da genealogia. x ção, a superpenalização expõe-se ao risco da restauração da ordem moral e
\ Assim, se não se soubesse mais, no relativismo generalizado, onde pas- poderia sucumbir às tentações das nostalgias da idade de ouro fantasiada. Ao
*
sava a linha do permitido e dó interdito, se éramos incapazes de dizer positi- ç sustentar uma mentalidade vingativa, ela poderia, também, colher a violência
-
vamente o que estava bem, pelo menos agora sabia se o que era^absolutamen- ' que pretende exatamente combater. Enganamo-nos de projeto ao ligar o futu -
tè mau, A partir das figuras contrastadas do filho mártir iílocente e do viola- ro sob a forma de.ameaça, se ela fosse instituída, pois é somente sob a forma
-
dor monstruoso, tornava se novamente possível òrdenar o caos dos signos e a -
da promessa que o futuro é fecundo este era, como nos lembramos o “ tour
.
desordem simbólica Um mundo em preto e branco ( conhecemos a impor- de force” de Atena que libertava Atenas do ciclo sem fim da violência, apos -
tâ ncia do “branco” no movimento social de que se fala), opondo o puro ao
*
'
sando na confiança que transformava as Eú rias em Eumênides, Por outro
impuro, a inocência ao Crime, se redesenhava, traduzindo o retorno violento
r*s ' •
«
CARTUYVELS, Y. Délinquance sexuélle, question identitaire et réponse pénale, In:
\
/
128
Actes du colloque Biett deVenfant, Abus de Venfánt. UCL: Academia-Bruylant, 1999
,
127 OST, R Julie et Mélissa; la mémoire, et après? Juger n. 14/ 15; p: 12. et seq., hivet
t
. (a publicar).
1997-1998. >*
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Qucstionametito Desligar o fiituro
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lado, há um segundo perigo, fica claro que hão se;edifica uma ordem social ex- é eficaz se temos um futuro e um objetivo. Ora, a doutrina de defesa social for-
i clusivamente baseada em interditos ê processos repressivos. Já havíamos subli - »
* nece aos nossos esforços um objetivo dignq, de ser perseguido”*
30
nhado: focalizando a violência real de. que as pessoas são vítimas, baseadas so- Na ótica da defesa social, a preocupação moral com a recuperação do
mente na queixa à justiça, contribuímos à despolitização da vidâ social; des-
viando a atenção para bodes expiatórios, criamos um impassevnas reformas
^^ condenado se duplica com preocupações médicas e psiquiátricas, bem na li
nha da confiança fundada na época, na capacidade dás ciências (criminologia,
-
em profundidade - longe de preparar o futuro mantemos, entãp, na urgência"
vR
.
estatísticas, psiquiatria criminal ..) paça identificar os indivíduos perigosos e
do presente, as desilusões do amanhã. - *
/
&
submetê los a um tratamento eficaz, através de medidas de custódia, de edu-
-
cação e de tratamento, simultaneamente individualizados e com duração in-
determinada Por outro lado, e sobretudo ho pós-guerra (falaremos, entãó, de
.
«
l '
“nova defesa social” ) /estas intervenções ambíguas a meio caminho entre in-
7
í tervenção filantrópica é controle social intensivo se.desdobrarão elas mesmas
*
na, de tipo securitário, que atualmente afeta a lógica daantervenção penal 129 *a
. contribuir para- o aumento da delinquência. Na linha de um Estado social pre-
Permitam-nos um breve lembrete: no quadro do Estado social, a repressão
perseguia essencialmentè finalidades preventivas, segundo os desejos dos pre
cursores utilitaristas, tais como Bentham e Bétcaria.. Tratava-se, em um mo- * -vví
,
mento em que ainda sç tinha confiança no futuro, de operar com penas que
simultaneapiente dissuadam os delinquentes potenciais e garantam a correção
a
i
j
— '
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. •
.
ventivo, multiplicam-se as políticas sociais suscet íveis de circunscrever a cri-
minalidade crescente: as questões da moradia, dos bairros difíceis, da-droga,
de evasão escolar, tornam-se objeto de uma atenção sustentada. A vagabunda-
gem é despenalizada, a política da juventude torna se objeto de um tratamen-
to mais social do que repressivo, a internação dos delinquentes anormais, dá
-
\
dos desviados, com culpa formada. Tratava-se, portanto, menos de punir a fal-
ta passada (lógica retributiva), dó que prevenir o mal futuro. A Uniã o interna -
«
•
,
geral, a preocupação com a socialização com a participação e a reabilitação >
*
cional de direito penal, fundada( em Berlinr eih ,1889, iria contribuir eficaz- acerta o passo', pelo menos nas intenções, sobre o controle ^ocial e a repressã o .
mente à difusão desta lógica finalista e utilitarista, que encontra sua expressão , ^ O sufoco do Estado social e a emergência da sociedade do risco logo
privilegiada hum movimento dito de “defesa social”.Um de seus principais re-, darão razão a estes ideais, de modo que, novamente, são préoçupações secun-
presentantes na Bélgica, Prins, estabeleceu de modo muito claro o laço entre dá rias que ocupam hoje em dia o primeiro plano da cena: é uma segurança *
i
imediata que é reclamada e não a redução da criminaliâade a longo prazo O .
,
interven çã o em vista da reabilitação do culpado e inscrição, num futuro vo
^
V.*
- V
4
luntarista: “sem a esperança e a possibilidade do melhor, o direito não tem ne~
.
nhuma razão de ser; a força basta. . Em direito penal, çspecialmente, imagine
J. *
—
vocabulá rio da desconfiança, que se exprime agora nos termos da ccgestão do
risco penal”, substitui as esperanças colocadas, ainda ontem, no tratamento e
t
das, os julgamentos decididos, as penas a serem cumpridas? A justiça penal só capacitação à -reabilitação, experimentanfcse sistemas cte vigilância eletrónica
4
4 ncr domicílio, cohstituem-se bancos de dados genéticos dos contraventores,
\
* K
i 4 alongam-se aspenas e reduzem-se as liberdades condicionais, multiplicam se - *
129 Retoma-se, aqui, as linhas gerais de uma síntese realizada por CARTUYYELS, Y r
. . V
.
OST, F Crise du liett social et crise du temps jnridique L’exemple da droitpéyuã Re . - * t
»
•
.
te dedicada ao direito penal foi escrito por Y Gartuyvels
\
.
.
lato realizado á pedido da Fundação Rol Baudoin, Bruxelas, 1998 p. 70- J 17, A par
t
-
I
4 *
I
%
130 PRINS, A La Défensejociale et les transformatioús du droit pértal Genève: Classi
que, Déviance et Société, 1986 p 43-44
r
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7
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Capítulo 4
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Questiottamertto Desligar o faturo .
V
desenhada uma via no próprio seio do penal que, dando um lugar mais am
, -
pio à vítima, que fora a grande ausente do processo clássico, poderia conduzir
1
' > ,
ga de 11 de julho de 1994, relativa precisamente à “aceleração da justiça pe- *
gação de justiça, seria precis.o não esquecer, ao Contrário, que o “prazò razoá-
^
vel” no qual a justiça deve ser feita entende-se também pela recusa de um pro-
Durante muito tempo;a família foi a instituição que, por excelência, re -
cesso demasiado expedito. Esquecediças de qUe o processo tem também por -
)
' sistia ao tempo:132 o alicerce estável.da dependência, baseado na natureza quê
j garantia a ipdissojubilidade da aliança e aperenidade do parentesco. Articulan-
•
do a diferença dos sexos e das gerações, ela distribuía os lugares e os papçis, ofe-
,
\ recendo a cada um,.tempo estabilizado que poderià^significar sègurança e sa- \
#
para baixo (do juiz ao assoalho e deste último ao agente policial) a iniciativa
tisfação. D.e 1804 a 1960, ò Código civil c&nsagrou este modelo; um casamen-
j
da investigação e condução o processo. Mas estas considerações têm pouco
^
peso - do mesmo modo qu ç a colocação sob suspeita de uma justiça a várias
velocidades (ultra-rápida para os pequenos delinquentes, demorada, até mes-
9
«
}
to indissolúvel/ a que se ligava a presunção de paternidade do marido em rela-
ção aos filhos da mulher. Mas, se era instituinte e estabilizador, este modelo po-
dia, també m, provar-se desigualqdor e opressivo: os filhos naturais, nascidos
mo parada, para os mais poderosos, que podem aguardar a prescrição) des
de que o discurso securitáriò invadiu o imaginá rio social.
i
— -
* ‘
fora do casamento eram excluídos e seu estatuto continuava discriminatório;
^
a esposa era sujeita ao .marido e os filhos colocados sob o poder exclusivo do
r pai. Igualmente, uma cascata de reformas ocorridas a partir da década de 60
131 Cf. KERCHOVE, M. Van der. Accélération de la justice pênale et traitement en r
“temps réeh Journal de$ procés> n. 311, p. 10-13, 4 aoút. 1996; RUELLAN, F. Le juge * iria garantir progressivametlte a igualdade dos filhos nascidos dentro e fora do
+ j
,
.
et Turgence. Les M étiers de Vurgence, in Les Cahiers de lajsécurité intérieure, n 22,
p. 485, 1995; BRUNET, B., Le traitement en temps réel: la justice confrontée à Tur-
132 THÉRY, I. Familíe: une crise de Linstitutíoii» Nofa da Fundação Saint-Simor í, p. 40,
gence commev moyen habituei de résolution de la crise sociale. Droitet $ociété, n. 38,
<! set. 1996; cf. igualmente THÉRY, I. Différence de sexes et différence de générations. «
p. 91 etsèq., 1998.
s
# Uinstitution familiale en déshérence^ Esjprit, p. 65 et seq., déc, 1996.
/
't
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I
/
360 361
i *
K ' Capítulo 4‘
*
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s * *
. .
Questionamcnto Desligar o futuw
/
\
\ /
/
de
riam o novo cônjuge de seus pais, adotariam seus novos irmãos e irmãs,
- • • • ficções fundadoras qúe, dizendo “quem é quem em
relação a quem”, poupam
aos indivíduos a tarefa delicada de ter que se fundar a si mesmos. Articulando
iriam
se constituir famílias substitutivas, escolheriam Suas famílias de *
-
*
- .
134 Chalvon Demersay apud THÉRY, I Famille: une crise de L’
institution. Nota da - .
135- LABRUSSE RIOU, C La filiation en mal .
dinsfitutiori Fsprit, Malaise dans la. filia
- .
Fundação Saint Simon, p 31, set 1996.. .
tion, p. 94, déc 1996, • [
*•
362 363
Capitulo 4 ‘ 1* •*
"V * l \ Quesiioniwietito, Desligar o Juturp.
v ' i
t
s
* ' ^ :
.
.
nas da manutenção do afeto Tal é o sentido' antropológico da fic
ção da “indis- ^ ’ De um lado a aliança, a relação amorosa inscrita resolut mente
i
no tem -
^
*
,
ponibilidade de estado das pessoas”; ela lembra què os çomponentes
p
*
cultura, este parentesco genealógico, o direito átribui à$ existências
um alcance que transcende suas detèrminações biológicas e domé
liga.com a comunidade social das gerações que se sucedem Como se,
individuais, 4o
sticas e as re- . è
. >
^ 4
> riência do que permanece do dado e do indisponível. Num contexto
tudo parece negociável, em que toda dependência é sentida como
em que
uma còetx
ão são nem cam-
referin- ção, é preciso render-se à evidência: os elos de intergerações n
do*o indivíduo a um corpo coletivo socialmente instituído, ela lhe.
biáveis, nem disponíveis. A este propósito se faz ainda
conferisse prevalecer uma grande
uma identidade mais forte e mais estável, fonte de reconhecimento e de
estatu- demanda 'de ificondicionalidade e de estabilidade. A esta primeira tens
ão en- -
to: diferente da cambiaiite dependência das trajetórias de vida
--
*
missas à sedução, mas também, á ameaça do olhar do outro.
f
. *
individuais sub- .
£
^ tre tempo conjugal horizontal e tempo intergeracional vertical
nado, junta-se frequentemente a tensão entre a história da primeira
e íncondicio
*
família-
à criança
' " i- descomposta e a da segunda, em vias de recompòsiçao:será possível
o das
virat a página, perguntamos, e senão é o caso, como gerir a superposiçã
/
toes inéditas, n ão há mais resposta a pfiori, uma vez que a léi moderna
pá re -
A força do rqodelo matrimonial residia em ligar as três faces da paren
talidade: o mesmo homem e a mesma mulher eram simultaneamente os
- V.
V
. ce ter se freado• -
noriimiar da vida privada
i —
, atribuindo desde ent ã o a òs indiv í
yida ,
-
,140
dú
biológicos, domésticos e genéalógicos. Não sublinhara Jean Carbonnier que
pais ‘4
- a
•
*
, os direitos
Ção anômica: o interesse da criança; às vezes, mesmo atualmente
i
<
3
136 THÉRY, I. Les constellations familiales recomposées et le rapport da criança. Mais precisàmente, quem poderia dizer onde se situa o interesse
da '
au temps: une
question de culture et de socié té. In: Quel repères pour Jesfamiles recomposées? Sous
la direction de M.-T. Meulde Klein et I. Théry. Paris:
4
i criança, a fortiori seus direitos, desde que se esçamoteou previamente qual - \
^
137 J. Carbonnier, Conférènce sur le mariage, École nationale de
LGDJ, 1995, p. 29-30.
lamagistrature, 1 avril
\
la direction de M.-T. Meulders’Klein et I. Théry. Paris: i recherche de références. In: Les Nutations du rapport lá nome. . Sous la direction i }
364
/ t
) .
*
< A’
36
^
I
Çapltula 4
i ,
* * .
Questionamento Desligar o fitturo,
* J
.
*
/
—
t
quer montagem simbólica, qualquer quadro estatutário que. permitisse avaliá - Podemos, entretanto, repreender as‘ vontades, sem dúvida bem intencionadas,
\
S
los? Arrisquemos esta hipótese: o interesse, e mesmo o direito subjetivo, são o «
?
que permanece, o último decantado, quando o estatuto está ausente e que se ! '
- sentido destas relações? E o que pensar das demandas, muito numerosas, des-
encobriram a ordem cultural e as ficções jurídicas que teriam permitido ado- * ta vez dos padrastos que desejam proceder à adoção plena do filho
de seu côn-
tar a pessoa em sua totalidade . i
\ i v 4
- juge/ que.têm como conseq úência cortar qualquer laço jurídico com o outro
Apesar desta inscrição da criança na ordem plena de unia transmissão , ' pai do filho, assim como de sua linhagem: teríamos o direito, assim, de pôr ifm
^
*
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assumida, restam-lhe apenas direitos esparsos e um interesse evanescente a que V fim .a todo um quadro da história pessoal da criança?
145
*
a lei renuncia ao dizer o conteúdo. Incapaz de.enunciar o sentido da instituição '. '
J Mas, precisamente onde se situa o direito, e a qual história, a qual tem
*
-
familiar, a norma se limita a remeter a outras instâ ncias a adoção, parcial e pro- po se ligar, desde que, como na peça de Pirandello, os indivíduos parecem ago-• /
visória, dos riscos sociais, médicos, psicológicos, económicos, aos.quais estão ex- *
* *
ra “personagens em.busca deautor”? Como repensar.a família ( desde que não
postos os indivíduos, pai, mãe, filhos, avós, padrastos, elétrons livres desta célir- x nós resolvemos a fazer dela uma simples comunidade de fato) como \ima ins-
la que se torna improváveL142 Encurralaclo por diversos lobbies, tais como as as-
J
tituição que constrói o tempo - um tempo que tenha sentido para cada um de
sociações de pais divorciados, cada um exigindo sua parte de compensação no seus parceiros? Observadora atenta das experiências de campo, Irèiie Théry ,
naufrágio coletivo, os legisladores remetem aos juízes, aos especialistas, aos po- • nota a esse respeito a emergência de duas figuras de compromissos originais:
líticos locais, o cuidado de gerir caso a caso a sequênciaxlas famílias em crise Á < . . a invenção de um tempo mais permanente, apesar e além da separa-
conjugal
^
'
*
lei de 10 de julho de 1983, relativa à infância mal tratada, é aqui exemplar, pois, ção, e a colocação de um tempo parental mais aberto, flex, ível e plural, devido
à recomposição familiar que muitas vezes irá acontecer.
*
focada sobre o maltrato (de resto não definido ) da infância, delega a uma rede <.r ,- i*
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146
de atores a responsabilidade do problema, numa indiferença total com respeito Ufti tempo conjugal mais permanente: trata-se, neste casc* de “, refundir
• à família, e na esperança de que apenas a prática permitirá, no dia-a-dia, buscar
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* *
soluções consensuais suscetíveis de restabelecer a paz social 143 . jív rentesco simbólico em relação à$ crianças, mesmo quando o laço conjugal foi
V 1
. rompido. Claramente, seria o caso de dizer à criança que a Responsabilidade *
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• educativa dos dois cônjuges, (casados ou não, separados ou não) é incondicio -
•
4
Personagens em busca de autor . V nal e permanente. Dar testemunho de que o casal parental pode sobreviver ao. -
V V
•
„ casal conjugal, e que, se pode divorciar do cônjuge, não se divorcia de
seu$ fi-
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Eis, então, a definição do elo familiar remetido à vontade dos indiví- . lhos. Concretamente, esta obrigação deveria principalmente levar a tomar /
mais efetiva a autoridade conjugal da qual o pai divorciado só se beneficia teo-
duos; tudo, então, seria permitido? Poderíamos às vezes acreditar nisso anali-
sando certas.demandas dirigidas aos tribunais: por exemplo, a dos avós desejQ-
- .1
/ ricamente, depois do. divórcio.147 De modo concreto, mais uma vez, isso impli - *
-
sos de adotar seu neto, expondo o assim a ttansformá-lo em irmão da mãe.144 t
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145 LABRUSSE-RIOU, C. La filíation en mal dlnstitution. Espritj Malaise dans la filia- ,
\
142 COMMAILLE, J. EEsprit sociologique des tois. Paris: PUF, 1994. p. 93 et seq. tion> p.1Ó7, déc. 1996 * .
-
*
143 SAÍAS, D. Lé droit familial ,à la recherche de références. In: Les Nutations du rap- 146 THÉRY, I. Les constellations familiàles recomposées et le rapport au temps: une ques
. , • tion de culturé et de société. In: Quel repèrês pour les fatttiles recompores? Sous la ]
.
>
144 ApudLABRUSSE-RIOU, G. La filiation en mal d’institution. Esprit Malaise dans la . 147’ GEORGE, M C 5 PERDRIOLLE, S. Le juge, le droit et la famille. Esprit, p. 114 et
-.
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filiatiom p 95, déc. 1996.
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Questionamento. Desligara futuro
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ca que os códigos educativos ensinados à criança por seus dóis pais (e e, para
vezes duas famílias recompostas) sejam tornados, pelo menos, compatíveis; !
niuitas “acarreta para alguns a falta de trabalho e a inutilidade para o mundo %
-
nos geracional “nem parente, nem amigo”, o padrasto ou a madrasta'tê
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tituição que ilustram, uma vez mais a vontade de atração ao estado de nature
* - V. * da:é a mediaçã o, jurídica que arrasta o trabalho para o reino exclusivo do mer-
za, ao medo e à solidão, que é p quinhão dós indivíduos desfiliados.148 *
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dem do mercado e remunera outra coisa algo , i
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Sinal dos tempos: às margens do lago Léman, em Genebra, a OMC (Or .
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ganização MundiaLdo Com ércio ) Instalou-se nos antigos locais da OIT (Orga co social que ultrapassa a relação de contrato, para falar propriamente, já que
nização Internacional do Trabalho): a lei de bronze do capital
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148 TH ÉRY, I. Vie prívéejet monde commun. Réflexion sur fenlisement gestionnaire
4
150 CASTEL, R. Travail et utilité au monde. In: Le Trayail en perspectives Saús
la direc -
du droit. Le Débat, n. 85, p. 137 et seq., mai/aôút 1995 tion de A Supiot . .
Paris: LGDJ , 1998 p 15'
et seq. .. i
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. 151 Ibid., p, 17 . l
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Capítulo 4
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e deveres independentemente da vontade da pessoa: pela lei ou pelas conven-
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Do estatuto ao contrato .\ v
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ções coletivas, por exemplo Como o estado das pessoas, ele é uma construção
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social “indisponível* remetendo ao Estado ou ao coletivo, que é seu arquiteto . %2
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garantidas pela lei: ou antes, esta melhoria das condições de vida do tràbalha-
dor, essas garantias novas, devem ser entendidas como a consequê ncia de uma
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dò em posição de se manter de pé” 15? O estatuto é o estado do homem ereto,
- 4 »
incidência m is fundamental da consagração jurídica. O que junta o estatuto
*
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libertado da precariedade do imediato Ao garahtir este estatuto a um núme-
^
jurídico à rélação bruta de trabalho é, de fato, algo como o acesso ao espaço ro cada vez maior de beneficiários, o Estado social edificou progressivamente
público que, 'precisamente, confere dignidade e utilidade social o trabalha- uma “sociedade salarial”,154 feita de homens e mulheres em pé, em estado de ,
. ^ dirigir razoavelmente *seu futuro .
dor Como se este^trabalho adquirisse, daí em diante, uma utilidade geral e um
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cadó de trabalho, que acarreta novas coerções pela competiçã o mur ídializada.
-. . *
Progressivamente deciiplicam-se os laços pacientemente tecidos entre traba-
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.
outro lado Assim “reconhecido”, o trabalhador tòrna-se sujeito de direito,
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social está consagrado, ób a égide da lei e de sua ordem p ública protetora, p > '
trabalhador pode doravante circular num território abstrato e jurídico, que o
4
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* cujos signos abundam. O desemprego maciço e duradouro, sem dúvida, cujos
' numeros são bastante conhecidos. Mas além deste sintoma ( do qual a exclu-
,
-
livfa das coerções pessoais e das sujeições locais . . ' são é a forma mais críticaj, é sobre a precarização generalizada do trabalho
• ' *
O paralelo com a relaçã o faniiliar se impõe. Nos dois casos relação de V ojd
^ - * que RoberkCastèl chama a aten ção, pois é ela que alimenta a vulnerabilidade
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-
tlabalho, reláção familiar existe uma relação ,empírica que se faz valer em sua í- S
'
opressivas, ora se fundindo, mas sempre precárias e, nos dois casos, é a inseri-
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-
balho de duração indeterminada: dizendo respeito - a 80% da população atiya
. em 1975, caíram para 65% hoje. Este fenômeno acentua-se mais, se conside -
ção num estatuto jurídico qúe lhes confere proteção, mas principalmente uma
significação social ou cultural geral - um lugar na constelação social, um pa rarmos'os contratos novos ao invés do n úmero total de contratos: neste caso, ^
^
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*
. í percebe-se que mais de 2/3 dos contratos anuais são feitos de âcordo com for-
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" pel que transcende o simples cara a cara interindividual. Ao se juridicizar, are - mas ditas “atípicas”: contratos com duração indeterminada, mterinos, traba-
/
- 1
lação se inscreve, daí em diante, éob o regime de um terceiro, o terceiro que
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154 PASTEL, R. Les. Métamorphoses de la question sociale Paris: Fayard, 1995. p. 323
r ’
152 SUPÍof, Á. Critique du droit du travail Paris; PUF, 1994. p. 33, 139 et seq. v
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Capitulo 4 V
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Questiotiamento Desligar o futuro .
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sustentados pelos poderes públicos no quadro de sua luta contta o desempre- zação dos empregos e, assim, uma fonte de realização para os trabalhadores
.
go ( Bicos, estágios, atividades de integração.. ).155
Este ponto é incontestável, mas fará apenas cavar as desigualdades entre os
Correspondendo aòs imperativos económicos de “gestão de fluxo tenso”
privilegiados, que já são capazes de se assumir como indivíduos e de construir
e de adaptação imediata às áleas do mercado, uma “flexibilidade” nova do em -
para si um futuro, e de todos os outros cuja perda destas ultimas ligações irá
prego traduz o ajuste exigido do trabalhador às coerções de slia tarefa, como nas
antigas formas de contrato. Menos suscetível a exercer, ainda,' uma função inte-
fragilizar ainda mais. Mas, talvez, dirão que os contratos de integração pro
’
-
» postos só têm de contrato o nome, e que basta, definitivamente, manifestar
grat íva, a empresa não parece mais capaz’de instituir a durabilidade dq empre-
um pouco de boa vontade para se ver reconhecer o estágio ou o trabalhb de-
go. A onda de choque parte do centro (o quadro superior, que do dia para a noi-
te pode perder seu emprego) e se difunde, por círculos sucessivos, até à perife- -
sejado. Sem dúvida; mas, então, perfila se o risco, já evocado, de moralização
do acesso ao trabalho ou à assistência social, apenas aos desfiliàdos meritórios,
ria (os que denominamos doravante os “excluídos” ) - de um pólo a outro da ca- •assim como aos bons pobres de outrora”, se forem levados emi conta.
155 E é as-
deia ameaça, daqui para frente, a “desfiliação” ou desligamento progressivo .dos *
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1
sim que se reconstitui o clássiéo par eficácia /caridàde, que o acesso ao" direito
estatutos. Entre os dois extremos (o quadro ameaçado e o excluído duradouro),
*
. multiplicam-se as situações de “tràbalho aleatório” - as da maioria dos desem abstrato, em geral, tinha precisamente, como mérito, recusá-lo.
•
estatuto social.159 Ainda aqui, a solução passa por uma articuláçãò dialética de *
em posição de excedentes numa espécie de no man's land social 154 . N
* duas temporalidades opostas: aquela fleixível*que demanda a permanente^adap -
Sem d úvida, o Estado multiplica os esforços de inclusão; mas, vimos
que tais dispositivos, como o RMI, originariamente concebidos como sólu-, tação económica, e a outra mais estável, implicada pela necessidade de proteção
ções de urgência e na expectativa da retomada económica, tornaram-se pro- / social. Para uns, que se beneficianfde umá seguridade de fato óu de qualquer
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gressivamente mecanismos duradouros, condenando seus beneficiários a um outra renda de situação, é preciso fornecer estímulos à adaptação; para os ou-
estado de “inseridos na vida”, entre exclusão é inclusão real.157 . / tros, que arriscam e se estabelecem, é preciso garantir segurança e apoio da so-
„ ciedade.160 A proposta de “contrato de atividade” apresentada num relatório re- .
*
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Sem d úvida;é preciso aihda reconhecer que a flexibilidade pode signi- * y
, ficar tamb ém uma flexibilizaçãó das coerções ^do trabalho, uma modificação çente pelo Comissariado geral junto ao Plçno inscreve-se nesta perspectiva: se-
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cultural qqe pode ser sinónimo de mobilidade, de criatividade, de personali
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.
-
158 CASTEL, R les M étamorphoses de la,question sociále. Paris: Fayard, 1995 p 471
159 Quanto à. questão do valor "relativo” do traljãlho, tf MEDA, Une mise en perspecti
.. .
-
.
155 CASTEL, R. Les Métamorphoses de la question sociále Paris: Fayard, 1995 p. 400.
. ,. . .
ve de la valéur travail Revue Internationale du trdvail v 135, n 6, p 693 et seq., 1996.
.
. .
156 Ibid , p 411-412. 1
'
- . .
160 EOUCAULD, J -B. de Société post-industrielle et sécurité économique, In: le Tra -.
157 Ibid., p. 432-433. . . . .
vatl en perspectives Sous la direction de A Supiot Paris: LGDJ, 1998 p 583 et seq ..
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Capítulo 4 t
* Questionamento.Desligar o faturo .
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ria o caso de ligar a toda forma de atividade útil à sociedade; um conjunto de di-* I*
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tido em que Max Weber os utilizava: como reconstruções conceituais de uma
realidade múltipla e evolutiva, que podemos esacelerar à vontade c que se
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dades de carreiras que se multiplicam átualmente seria atenuada, até mesmo va-
lorizada
na' medida em ,que oferecesse oportunidade para cada um segtiir uma
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.
emaranham no seu campo O modelo do mercado traduz, por excelência, o
„ tempo subdetermin àdo do questionamento. Valorizando a incerteza por ela
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forma ção ou entregar-se a esta ou aquela atividade útil, ainda que não assalaria-
* •p
riando ainda de modo dominante o acesso à cidadania resta dividi-lo com mais
• r
lo salarial clássico nos leva a pensar as condições da pluriatividade e a colocar V po de origem, que confere aos indivíduos simultaneamente uma identidade e
• um destina Fora desta comunidade as obrigações políticas se relaxam e os va-
k
'sociedade. Mas, precisamente aquele compromisso “criar sociedade”-, será ^ - Entre estes dois modelos, o processo (formação processual da vontade
pública, ética, comunicacional) pretende traçar uma terceira via, atribuída às
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que temos a desejo de assumi-lo? Eis que nossa enquete ressalta ainda uma vez f
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; ^
*
, são a outra do modelo, e às vezes sob á pena dè um mesmo autor (assim Ha- -
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a ambição de fornecer uma grade de leitura global da situação atual: o rherca- '
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• O TEMPO SUBDETERMINÀDO DO MERCADO
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161 Le Travail dans vingt ans, Rapport du ,Commi$sariat général au Plan. Paris: O. Ja-
*
cob, 1995; cf. igualmente GAUDU, F. Travail et activité. In: Le Travail en perspecti - Com o mercado, a desinstituição é explicitaniente erigida como proje-
*
*
>
. 162 Para uma bibliografia relativa a esta questão, cf. CÁSTEL, R. Les Métamorphóses de v A
*
163 SUPIOT, Á. Temps de travail: pour une concordarice des temps. Droit social n. 12,
mada pelo investidor, pechincha de que se aproveita Q consumidor ou o pro -
p. 947 et seq. , déc. 1995. dutor racional, a conjuntura favorável esperada pelo observador atento das
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transaçõ es O mercado é a indeterminação do.futuro Valorizado por ela mes-
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Cqpltuló 4 Quest
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íonattjento Desligar o futuro.'
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v pelo FMIV„ o Banco Mundial, que assumem Hoje o lugar de instâ ncias de go- -
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ma, a-abertura necessária para o jogo económico, o espaço de desenvolvimen -
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pois, aqui apresentadas como as regras naturais da vida social, sendo qualquer ^ '
.
•
outra regulação considerada potencialmente parasitária 164 .
Este paradigma neoliberal acarreta a redefinição, para baixo, das fun-
•
^
*»
briedade” (GreatSociety), que transforma potencialmente qualquer inimigo em
.
amigo 165 A Grande Sociedade, ou sociedade aberta, opõe se à sociedade tribal
apresentada como um grupo fechado (à qual regressa o socialismo) governa
-
-
ções do Estado ( que idealmente nã o deveria buscar outro objetivo político
^
*
^ ndo pelas emoções, grupo em cujo seio a solidariedade é posta e onde prevale-
além da proteção do livre jogo do mercado) e o desmantelamento progrès
sivo das proteções do social, ao mesmo tempo que se faz acompanhar
- .
ce uma forte hierarquia de valores comuils 166 A sociedade de mercado, ao con -
Estaco trário, não busca nenhum fim determinado; pluralista, abstrata, ela permite a
^
*
ciso adaptar-se a toda hota, e que seria tão inú til quanto nefasto querer orien
*
-
as políticas ultraliberais inspiradas aos países em via de desenvolvimento 'i
)
* 165
1976. t. II, p. 108.
X *
-
HAYEK, F. vón. La\v, Législation and Liberty. London: Routledge and Kegan Paul,
164 - FRYDMÀN, B. Les transformat í ons ãu droit tnodeme, Rapport établi à la demande 166 Ibid., p. 133.
de la Fondation Roí Baudouin. Bruxelles, 1998. p. 41 et seq. 167 Ibid., p. 108, 128.
4
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Capítulo 4 *
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Qucstionauiento Desligar o futuro*
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não têm, de fato, nenhuma utilidade 0‘ela nada nos ensina sobre o que é apro
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priado fazer hoje”), do mesmo modo que as programações a longo prazo, que grupa os ‘29 países mais ricos do planeta e que se'apresenta como para “pegar
y »* só teriam como resultado paralisar a ação.168 ou largar” pelos outrós, deveria representar “a Constituição de uma economia
*
O passado, contudo, não deixa de incidir sobre o jogo económico, des - mundial unificada” nas palavras de Renato Ruggiero, diretor geral da QMC
de que tem permitido aos mais previdentes capitalizar uma poupança que lhes (Organização Mundial do Comércio).172 Curiosa Constituição, na verdade, cu-
i
.
garanta hoje uma posição de força Hayek concordai “é verdade que um síste - jas cláusulas são > negociadas de maneira unilateral e secreta (foi um movimen- -
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ma deste'tipo dá aos que já têm* “é mais seu mérito que sua fraqueza”, acres- i
centa,169 En\ contrapartida, as discriminações .pqsitivas, que visam, como se
'
^ , to de consumidores americanos que
- , alertado por uma indiscrição, difundiu o
texto de 190 páginas pela Internet), e cujo objeto é concentrar todos os direi-
sabe, atribuir um "hattd capv aos membros de um grupo, vítimas" de uma disr tos no chefe dos investidores, todos os deveres sobre a cabeça dos Estados.
4
eliminação histórica, não são, de acordo com ele, incompatíveis com a neu
tralidade do mercado;!<sera preferível aceitar a situação atual como o fruto de /'j
- Prosseguindo o movimento geral de liberalização dps mercados, trata-se desv-
ta vez de atacar o último* setor onde áinda são exercidas as soberanias estatais:
um acidente”, escreve nosso autor, tce abster-se de qualquer medida visando
% **• aregulamentação dos investimentos. Não contente em prever a igualdade ab-
beneficiarindivíduos ou grupos particulares”»170 ‘
^& soluta fie tratamento entre investidores nacionais e estrangeiros (o que signi-
^
Quanto ao futuro, seU m érito principal é sua própria indeterminação.
fica, porexemplo, nivelar camponeses latino-americanos aos quais seriam re-
-
Querer prevê-lo, a fortiori orientá lo é o cúmulo da ubris : um progresso
“ ” distribuídas terras* euma multí-nacional de agro-alimentação), o Tratado em
'
guiado não é um progresso, apenas a evolução espontânea do mercado livre
pode dar à luz o melhor 171 .
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à hora, e de instituir ,o tempo social através de intervenções voluntaristas.
Cabe apenas à “mão invisível”,, de que falava A. Smith, dar corda nos relógios /
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radores privados veriam reconhecer a si o direito absoluto de se levar adqui
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sociais e regular o tempo coletivo Não nos separamos, contudo) da id rentes de qualquer coisa - terrenos, recursos naturais* serviços culturaisvsiste
éia de
que “há um 'truque”, e que à espontaneidade propalada do mecanismo oculta -
nias de telecomunicação e divisas sem que os^Estados respectivos pudessem
^
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sequer subordinar tais investimentos a esta ou àquela obrigação de resultado
bastante mal uma normatividade bem real, e um tempo muito mais.determi
nado do que parece. A leitura do projeto de tratado multilateral sobre o inves
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t* com seu ilívestimento; Assimilando a expropriações qualquer medida com -
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.168 HAYEK, F. von. Law, Législation ahd Liberty London: Routledge and Kegan Paul,
#
1976. p. 121.
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prometedora da rentabilidade do investimento, a AMI deveria permitir que se
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169 Ibid., p, 123 . 4
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Capítulo 4 i
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Questionamento Desligar o futuro.
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de, é nela que ele extrai suas faculdades de ação. Por sua vêz, esta comunida -
4
cial Sinal dos tempos: as empresas poderão representar os Estados diante das
jurisdições arbitrais transnacionais... Uma vez privados do direito de impor de não é a construção abstrata resultante das cláusulas racionais de um con-
sua regulamentação nacional, os Estados iriam se ver também despojados, trato'social deliberado; ela é, ela mesma, o, produto da história, ,o reflexo dos
\
ademais, do seu tradicional privilégio de júrisdição : . %
costumes e dòs valores dó povo. Cada uma de suas instituições (direito,'lín •
'
-
Enfim, esta questão:, o tempo da AMI seria aquele, espontâ neo e neu- gua, cultura...) é simultaneamente o fruto dessa tradição e o meib necessá rio
para sua constante revitalização.
V
tro, que Hayek associava aos relógios do mjícado? Julguemos: de um lado, a
rentabilidade do capital, esta deve sena mais rápida possível, comprometen- É fácil, no contexto de liberalismo ambiente, caricaturar esta posição
t
, do-se os Estados a que "todos os pagamentos relatívqs ao investimento rea-
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còmunitarista; a história recente, é .verdade, oferece alguns sinistros exem -
k lizado em seu território sejáni livremente transferidos sem demora para seu , \ plos de desvio aos quais ela se expõe. Lembramo-nos de que Hayek escarne -
-
*
território oji fora deste”; de outro lado, o comprometimento dos Estados, \ cia dela ao falar de “sociedade tribal”; fechada, gúiada pela emoção, ela con
este, ao contrário, deve ser garantido alonguíssimo prazo; é previsto de fato, taria a si todo acesso ao universal modçrno. Em sua forma regressiva, a co-
'
se por uma saída do tempo histórico: ora mergulha-se num passado fanta-
sista, (fundamentalismoS religiosos), ora projetamo-nos num futuro imagi-
comportar "dois pesos e duas medidas”. Não é verdadeiramente para todo .
nário ( o“Reich de mil anos”, a Grandé Noite ..), tantas recusas do tempo real
.
mundo querele é incerto e subdeterminado Duvida-se, sob estas condições, *
feito de cohtinuidades e de ruptUras. Particularidade sem exterior, a comu-
f
que este’ primeiro cenário de futuro possa permitir qué se construa, dura- , nidade regressiva torna-se, então, holista: pensando-se de chofre como a ú ni -
1
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%
: Mas o modelo comunitário não é, longe disso, necessariamente predes -
O TEMPO SOBREDETERMINADO DA COMUNIDADE -
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tinado a estes desvios regressivos. É perfeitamente compatível com uma con-
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X cepção pluralista das comiinidades e uma tensão para o universal; ele pode
' o tempo comunitário, em contrapartida,.é sobredeterminado. Enraiza- provar ser a melhor garantia dos direitos ( principalmente culturais) das mi
¥
do no passadç, pensado , Como tradição, projetado no futuro, pensado cómo norias; o “patriotismo republicano” ou “constitucional” pode achar fálta dis -
-
i
missão histórica, ele assume a forma de um destino, isso significa que ele dr- so. De resto, os autores que nos Estados.Unidos se ligam, com variações im
. . senvolve
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os indivíduos, conferindo lhes uma identidade e uma história.'O
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tempo da comunidade é constitutivo: ele não é o quadro externo das frajetó- r ral ou libertária tem menos por vocação valorizar uma “comunidade em esta
„ * rias individuais, mas antes, sua força interna. Isso significa que, na perspecti- do puro”, inexistente no mundo contemporâneo pluricultural e dedicada ao
tempo da mudança, do que submeter a concepção liberal à crítica e acentuar
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o que permanece nela de implícito comunitário.173 Se excetuarmos determina - abstratas, é ígualmente uma construção do espírito, uma ‘‘sociedade associai”
‘
-
•
.
das posições, tais como as de À Maclntyre que sustenta que hão sè ppde ser
>
>
criada ex nihilp ou saída de uma montagem a histórica, como a “posição ori
mofai senão dentro de uma comunidade dada (“a ligação com minha comu - ginal sob ô véu da ignorância”, de Rawls, Apoiando-se apenasoia “coopera çã o
... -
nidade [ ] è um pré requisito para qualquer moral” ),174 o essencial da argu-
;
-
voluntária de seus membros” (e não na instituição inerente a uma história
mentação reside na iluminação das aporias e contradições das teses liberais. )
i
i
rante a cada um uma soma igual de liberdades. É por isso que ela consagra a
^ americana, caracterizada por pelo menos quatro formas de precariedade: mo -
. prioridade dò justo sobre o bem: dito de outra forma, os princípios proces-
"
bilidade geográfica, social, matrimonial e política nela conjugam seus efeitos
suais de justiça qUe ela adota se querem livres de qualquer concepção substan -
s
.
/
para tornar “volátil” a vida das pessoas, e pouco compatíveis os relatos que pu -
.
cial.( “particular”) do bem comum 175 De resto, o indivíduo liberal é pensado dessem dela fazer .
sobre o mesma modelo: também ele é radicalmente autônomò, também ele f
Nada impede. Para além desses fatores centrífugos operam as lógicas
nunca se reduz aos fins particulares por ele buscados; ao contrário, ejle lhes de integração, mais fortes do .que parece: os desacordos exprimem -se de
preexiste e, pode, portanto, a qualquer momentp, livrar:se deles Ainda unia .
,
forma mutuamente compreensível em discussões que testemunha a exis -
vez, tanto,o indivíduo quanto a sociedade não são constituídos por nada de
11
-
prévio; nada os predetermina; são apenas, a cada instante, o produto de seu li- cerbados que pudessem impedir a prá tica da negociação e a elabora ção de
\
vre comprometimento . V compromissos.177 Por outro lado, as teorias liberais são, sem dúvida, mais
' Mas, sublinham comf azão pS Comunitaristás, um modeló còmo este e
/ comunitaristas que suas premissas: o “princípio de diferença” de Rawls, por
exemplo, é intèfpretado como um princípio de partilha que pressupõe um
!
tão insustentável quanto são inexistentes osindivíduos e as sociedades por ele
i visados. Este homem sem qualidade particular, sempre pronto a revisar suas laço moral pf évio à negocia ção contratual.^ Em suas obras posteriores
8 ,
r) ^
escolhas (de resto, porque teria já escolhido?), este sujeito “descompromissa-
i
Rawls assumirá, aliás, tudo oque o modelo abstrato de sua Teoria da Justi -
ça deve às instituições do Estado de direito moderno e à social democracia
i
do” é uma visão do espírito, um .cidadão de lugar nenhupu puro agente racio- '
*
nal de um modelo económico abstrato, autor imparcial de uma teòria moral r *
v
contemporânea 179
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0
desencarnada. Quanto â sociedade, que resulta da justaposição destas figuras <
P
*
176 WALZER, M. ta critique cojnmunautarienne du libéralisme. In: Libé raux ct com
r
-
*
173 WALZER, M. ta Critique communautarienne du libéralisme. In: Libéraux et com munautariens. Texteç réunis et présentés par A. Berten, P. da Silveira, H. Pourtois.
- H
Paris: PUF, 1997«. p. 319 et seq.
% *
munautariens.‘Textes réunis et présentés par A. Berten, P. da Silveira, H. Pourtois. c
r
Paris: PUF, 1997. p. 325.
174 MACINTYRE, À*. te patriotismè esf - il une vertu? In: Libé raux et communautariens.
A
'
177 Ibid., p. 322 1 seq.
^
178 SANDEL, M. La République procédurale et lé moi déseqgagé. In: Libé raux
sent par A Berten, P. da Silveira , H .
ct com
Pourtois.
-
Textes réunis et présentés par A. Berten, P. da Silveira, H. Pourtois. Paris: PUF, 1997. 7
munautariens . Textes réunis et pré és .
. p. 298. 4
Paris: PUF, 1997. p. 267.
V
175 SANDEL, M. La République procédurale et le moi désengagé. In: Libé raux et com- .
179 Cf. RAWLS, J Justice et dé mocratie. Paris: Seuil, 1993; para um comentário
desta
*
atenuação da doutrina de Rawls, cf. RICOEUR, P. Segundo Théorie de la justice
‘
munautariens. Textes réunis et présehtés par A. Berten, Ç, da Silveira, H. Pourtois.
* < K
Paris: PUF, 1997. p. 256 et seq. de John Rawls. In: . Le Juste. Paris: Éditions Esprit , 1995 . p. 99 et seq.
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382
*
383
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V
Capítulo 4 i
. .
Questionamento Desliga?o futuro
*
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71
Um cómunitarismo moderno
s
permite o exercício dà autoiíomia individual. Ê tomar cuidado (em termos estas afirmações são triviais; é, de fato, da natureza do direito, ser processual
normativos, “cuidar” ) das instituições políticas e das convenções sociais que Desde sempre, a essência do jurídico (se ainda se permite falar assim) é o pro
*
-
enquadram e nutrem as trajetórias particulares: um conjunto de normas que cesso, ou a troca regrada dos argumentos em vistá da produção do justo. Sem
dúvida, e esta é a parte de coerência da tese da processualização do direito, esta
~
formam a Constituição efetiva.do gnipo, recursos desentido que inspiram sua
concepção da liberdade.
- v
.
natureza delibératiVa ou comunicacional do direito é verificada hoje melhor
. -
v
Privada deste alicerce ( éthos, Sittíichkeit, dizia Hegel), a pretensão mo- do que no passado, quà ndo o jurídico pôde assumir formas autoritárias No .
derna à universalidade"recai no vazio e a Moràliiàt (exigência de uma moral l' extremo; o direito podia se anular no comando unilateral que extrema com a
„ - racional, objetiva, universal, tensão para um socius abstrato) é pura e simples: 4 violência pura ^ Mas, e no outro lado do espectro? Não se pressente que o di -
r
, mente.impensável. Se~.se tráta, segundo ò voto moderno, de reporem questão reito poderia, também, desaparecer ha dissolução de qualquer marco norma -
-<
v
>
tivo, no jogo puramente imanente da negociaçã o privada de início, no presen -
*
te intempestivo de uma comunicação sem outro horizonte senão ela mesma?
180 FERRY, J.-M. Une idée moderne de la “Communauté” Linéaments d’un “commu-
.
. .
Jiautarisme méthodoltígique” In::La ^ Démocratie continue Sous la direction de D \ A “processualização” do regime internacional dos investimentos não nos ofe -
Roússeau. Paris: IGDJ, 1995. p 112 et seq-
. . receria um exemplo bastante real desta passagem, no limite? #
m
384 385
V * .
Quçstiottamento Desligar o futuro,
Capitulo 4
v
* K Paradigma dominante da filosofia política e jurídica contemporânea, a »« rio da razão que é posta sob suspeita. A “virada linguística” apoia doravante
processualizaçãó deverá explicai'sua relação com os dois riscos entre os quais esta conclusão que forinaliza a “pragmática universal”:o sentido dos enuncia -
.
se desenvolve Quanto à sua atitude em relação às posições de autoridade, das dos não parece mais tão obvio, nos quais não se $abe qual verdade a priori em
formas adquiridas de legitimidade ou de qualquer outro resíduo de tradição, um modelo ilusório a ser construído; elè resultaJtic et nunc de nossas conven -
ções linguageirasrDito de outro modo, será apénas do exercício em comum da
^
seq objetivo é claro: é de oposição frontal; é contra este ^í ,
f xismo que ela se
constrói* Em contrapartida, sua relação.com o risco de anomia parece muito . razão deliberativa que poderão se derivar princípios cuja validade, sempre
mais ambíguo, de modo que muitas de suas formulações não escapam ao pe- provisória, repousam na qualidade dó acordo do qual surgiram. As condições
rigo de subdeterminação do tempo, típica do modelo do mercado abrindo
— processuais da formação dà vontade pública pesam, assim, mais que a verda -
* assrim, o caminho para o risco de diluição do liame social, de desinstituição do ~ * de intrínseca das conclusões nas quais ela se detém. Em Moral' e Comutiicação,
! r sujeito e de domínio dos m àis poderosos. \ Habermas precisou as condições da “situação ideal dê palavra” da qual pode
Sem dúvid , nenhum desses autores que se ligam à coiTente da proceà- Vi * derivar uma norma válida: uma'proposiçao normativa será tida como verda -
^
sualizaçãó se conformaria com o cinismo ou a covardia de uma tal negociação-
demissão; mas nosso objetivo consistirá em mostrar que, sem explicação clara
ifi
deira quando reunir o acordo de todos os participantes em uma discussão
prática, ao final de um debate livre e transparente, conduzido segundo a lei do
dos pressupostos normativos em ação na comunicação cooperativa (pois é sem-
pre a ela que eles se referem e não a alguma Munich), às vezes eles se expõe ao
V'
^ r
melhor argumento.181
Sem dúvida, as condições desta deliberação ideal são contrafactuaís -
risco. de nada ter a opor à lógica dominante do mercado. Uma vez rompidos os trata-se de “requisitos ideais” para uma discussão justa; contudo, elas se pro -
elos que mantém, contudo, em relação à tradição, como em relação aos ideais vam coercitivas desde que, para convencer, os participantes da discussão pú -
> de emancipação dõ futuro, o pensamento processual não escapa mais ao ^perigo blica devam entrar no jogo deliberativo que elas regulam. Além disso, estas
de ser utilizado como uma racionalização bastante oportuna, de um modelo coerções receberam, nas Constituições dos Estados de direito democrático>
neoliberal em busca de legitimidade. JÉ, ao contrário, fazenda aparecer à plena
. V "
^
Esta revítalização da particip ão cidadã nas instituições públicas é tanto mais
necessária hoje, em que o Estado, que deixou de ser social, assume a figura de
cia, irá servir-nos como pedra de toque para a elucidação desta alternativa. '\
181 HABERMAS, J, De V é thique de la discussion. Traduit par M. Hunyadi . Paris: Cerf,
'
1992. p:17.
\ idade pósmetaf ísica: não somente lhe escapa a Verdade de princípios jurídicos 182 HABERMAS, J. Dróit et d é mocratie . Traduit par R.. Rochlitz et C. Bouchindhomme,
i
ou morais fundamentais, mas, além dissó, é a legitimidade do exercício solitá-^ • Paris: Galjimard, 1997. pr 484 et seq.
/»
386 387
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*
* Capítulo 4
/
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*
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•
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Questíonamcnto Desligar o futuro
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de se realizar as condições de uma ação da sociedade civil sobre ela mesma, se- baseia na consciência morai individual”, ao passo. que “num contexto pós-me -
H
gundo o desejo da Constituição, entendida como “projeto”.184 tafisico, a única fonte de legitimidade é o processo democrático pelo qual o di-
*
' reitò é gerado” 187 E mais isto: “as ordens jurídicas modernas só podem extrair
r suas. legitimaçõès da idéia de autodeterminação”.18* Estas teses são bastante co -
«
* 189
mais nenhum ideal determinado da sociedade, nem uma visão determinada
da vida boa, Hem mesmo uma opção política determinada. Ele é formal” con-
'
mos em dúvida: o processo se dirige a indivíduos de boa vontade, desejosos de
tinua Habermas, “no sentido que se contenta em designar as condições neces-
sárias, nas quais é possível aos sujeitos dè direito se entenderem, em .seupapel
^ '
estabelecer o laço social, numa base cooperativa. São, de fato, as pessoas de
“boa vontade”, somente que se deixarão convencer pela verdade do melhor ar -
gumento,190 elas apenas irão aceitar jogar o jogo da justificação, que pressupõe
i
de cidadãos, quanto aos problemas que são os seus e sobre as soluções qué
convém oforecer”.185 Eis, seguramente, uma afirmação que vai decididamente, a.qualidade rara de julgar sua própria situação e a de outrem, com o olho do
v no sentido do questionamento. Mas, em algumas linhas adiante surgem nuan- 4 terceiro, imparcial e desinteressado.
vças e uma espécie de hesitação; “certamente, o paradigma processual do direi-’
to liga-se a uma expetativa*: a que leva a considerar a visão de todos os inte- . - 186 HABERMAS, J. Droit et d é mocratie . Traduitpar R. Rochlitz et C. Bouchindhomme.
4 \ Paris: Gallimard ,’ 1997. p. 474- 475.
187 Ibid., p. 478.
\
* •
183 HABERMAS, J. Droit et dé mocratie. TVadukpar R. Ròchlitz et C. Bouchindhomme. *
188 Ibid.; p. 479.
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185 Ibid., p. 474. * 9
190 Ibid., p. 489. -
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Capitulo 4 Questionantento. Desligar o futuro.
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Ora, esta boa *
vontade, se o podemos dizer, n ão cai do céu, salvo para opor dialética histórica da promessa e do questionamento que liga, mas também li-
um detis eXmachina ao ‘ povo dos demónios”; é da história, muito evidentemen -. berta, o futuro. Mas, se isto for verdade,, nã o podemos mais, parece nos, falar -
te, que ela procede, uma' Mstória institucional que nos “ habituou à liberdade” como a pouco, de uma. autodeterminação radical, nem de um paradigma “que
Habermas precisa: “não se pode obrigar uma população à espontaneidade, mes- não antecipe nenhum ideal determinado da sociedade”. Nã o se pode sustentar
mo que fosse através do direito” (ora, está nisto, contudo, a pretensão paradoxal A
simultaneamente um e outro; será preciso escolher: ou o processualismo puro
de todos os contratualismos) - “é pelas tradições dá liberdade que ela se regene- ou a reabilitação dos paradigmas de pano de fundo.
ra e nas relações associativas de uma cultura política liberal que ela se conser- É uma conclusão em todos os pontos semelhantes a que Ricoeur che-
.
va” m Acreditaríamos ler, desta vez, linhas extraídas7da hermenêutica crítica de gara, a propósito da Teoria da Justiça do outro grande autor processualista de
•
- .
Gadamer, Na verdade, tudo se encontra/aí: a insistência na fecundidade dos
r
nòssa época: John Rawls. A seu respeito, Ricoeur colocava a questão: “seria
«
pressupostos da comunicação e o caráter radicalmente evolutivo (autotfansfor- possível uma teoria puramente processual da Justiça?” Pode se substituir uma-
.
mador) desta tradição Não é de uma reabilitação dos preconceitos fundadores justiça processual pura (e uma perspectiva exclusivamente deontológica), por
que se trata? Quando Habermas reconhece apoiar-se nos “duzentos anos de his- > qualquerforma de convicção prévia concernente ao bem público (concepção
tória constitucionaTna Europa”, que servem como modelos suscetíveis a “nutrir 'substancial e teleológica) ?
196
-
Não temos d úvida quanto àr resposta: um sentido
-
uma reconstrução desta compreensão que serve como guia à prática intersubjé-
tiva de uma autolégislação, empreendida com os meios do direito positivo”?192
_
moral da justiça baseada na Regra dê Ouro ( “não faça a outrem o que não qui
seres que te façam”), já está pressuposto na engenhosa construção, aparente-
mente formal, da posição original. A demonstração é circular e se contenta em
«
De modo que, no processo coletivo de determinação dos direitos, “ninguém pre- '
tende ter acesso a um -sistema dos direitos no singular mdepêndentemente das
* «
.
esclarecer o que ocorreu desde a origem 197 Em estudo mais antigo, confron-
interpretações que já lhes são oferecidas historicamente” 193 , . tando a hermenêutica de Gadamer com a crítica das ideologias de Habermas,
Iremos nos precaver, contudo, de pensarjque esta tradição teria como . Ricoeur já formulara observações do mesmo tipo: nenhuma crítica detém o
efeito paralisado processo de criatividade histórica; é Justamente do contrário privilégio da primeira palavra; na ocorrência, é do interior da tradição do Auf -
que se trata, desde que “qualquer Constituição é um projeto que só consegue klãrung que se fazem valer os argumentos críticos. Sem este apoio nas remi-
persistênciaao modo de uma interpretação permanente, operada em todos os, -
niscências de experiências anteriores de emancipação como se fosse, é sem-
níveis de instauração do direito”.194 Enfim esta última anotação: “o sistema dos pre o caso, das experiências embrionárias - a crítica seria incapaz de antecipar
i
*
‘direitos contenta-se em explicitar
uma comunidade »de comunicação sem obstáculo.
Í 9S
o que desde sempre pressupõem implicita-
mente todos os que participam da prática de auto-organização de uma comu- Acrescentemos ainda isto, que nos parece essencial: ao reatar com estes
/
nidade de sócios livres e iguais. À idéia^ de uma sociedade justa associa-se uma “paradigmas de plano de fundo” a deliberação processual não se contenta com
.
promessa de emancipação e de dignidade do homem” 195 Nenhuma palavra que lastrear-se num passado que lhe oferece, como acabamos de lembrar, uma rica
não pudéssemos subscrever; Habermas, percebe-se, formula com eficácia a ^ herança de significações e de promessas, de resto de nenhum mo o esgotadas;
•
1
•
*
ela é dotada, igualmente, de uma capacidade de futuriçãbrde uma faculdade de
/
^
' *» .
191 HABERMAS, J Droit etdêmocratic.Traduitpar R. Rochlitz et C Bouchindhomme
. .
.
Paris: Gallimard, 1997. p 149, 492 . 196 RICOEUR, P. Une théorie purement prqcéduralê de là justice est-elle possible? In:
, 192 Ibid., p. 147 . „ . le Juste, paris: Éditions Esprit, 1995. p. 72.
193 Ibid.
194 ' Ibid.
V
197 Ibid., p. 73, 88. -
198 RICOEUR, P. Herméneutique et critique des idéologies. In: DKémythisation et
*
idéo -
' 390
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—
195 Ibid , p. 446 .
\
logte. Paris: Aubier -Montaigne , 1973 . p. 58.
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391
Capítulo 4
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Questbnamento. Desligar o futuro
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semos suficientemente, É isso também, lembra Guillaume de Stexhe, colocar- t dedutivo, como se fosse o caso de aplicar uma norma predeterminada a uma si -
tuação igualmente conhecida previamente. Ora, a experiênciamostra, ao con-
/
um horizonte de sentido, que transcendendo o estado presente dos disputan- grarão resultam de critérios a priori , do exercício de uma racionalidade prévia,
mas derivam, ao contrário, de umá “processualização contextuai” 201
.tes, apela para uma auto-superação de si mesmos.199 Referida a estas promessas * ,
Que se tratasse, para o juiz, de decidir à" vista de direitos fundamentais
fundadoras, a processualização está apta a desenvolver a visadade uma expe- ^
. equilibrados de acordo com o teste de proporcionalidade, ou que se tratasse,
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mas antes, de construção da regra (provisória e local, é preciso dizê-lo? ) por
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baixo, à medida que os autores em questão seidentifiquem e suas preferências
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DISCUSSãO t
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r se manifestem, que equilíbrios se definam. Nesta “remontada”, do ponto de
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( *
vista dos autores para a instância de formulação da regra, não deveríamos
A ambiguidade atravessa, portanto, a razão processual apresentada por mesmo falar mais de “revisão” de uma norma voluntariamente flexível, como
9
ainda o faz Niklas Luhmann, pois seria, pressupor, ainda, a capacidade da re-
traídas dos pressupostos normativos que acabamos de evocar, só terão inces-'
-
santemente que lançar um véu pudico sobre estes, tentando salvar a teoria,
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í
A
—
gra de antecipar o futuro é no presente imediato que a norma é formulada:
esta é a garantia de súa eficiência e de sua racionalidade.202
* * . '
do, remetido à pura forma de sua permanente contratualizaçao. Contratos in- for desformalizada, melhores serão suas chances de se aproximar do equilíbrio
\
definidamente reduzidos, em Verdade, e tão efémeros quanto os instantes #
; procurado; ela cruzará, portanto, todos os êódigos e os saberes, como o vimos >
i
*
fragmentados aos quais se adequam. quanto ao tratamento das famílias em dificuldade, Ela evitará igualmente privi-
V
*
^
* Para Jacques Lenoble, por exemplo o modelo habermasiano continuaria
, 1 legiar os modos de representação formais (a dosvadvogados, dos juí zes), ficando
idealista à medida que Habermas fivésse parado no caminho: se se admite a in- 4 entendido que nenhum domínio de coerência normativa está definido a priori.203
' , decidibilidaae semântica (a verdade está sempre em suspenso, o sentido está
‘v
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1*
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sempre para ser definido), ele continuaria, em contrapartida, a se agarrar à de- , *
7 200' LENOBLE, J: Droit et Cbmtnunication. Paris: Cerf, L994 p. 33 et seq.
* ,
\ cidibilidade pragmática (uma comunicação ideal fornece QS critérios de elabo- .
201 LENOBLE, J Lá procéduralisation contextueile du droit. Les Carnets du Centre de
ração de uma norma válida) . Ora, nada garante, nesse nível também, o “bom su-J phiíosophie dtl droit, Louvain-la-Neuve, n. 46, 1997.
202 Ibid., p 14 . . v
.
203 MUNCK, J. de Normes et procéduresi les coordonées d’un débat In: La Mutatioil .
199 STEXHE, G. de. Négociation: le degré zéro et Tévénement. In: Droit négocié> droit
imposé, Sous la direction de P. Gérard, E Ost. et M. Van der ÍCerchove. Bruxelles: Pu-
V
V
r
.
du rapport à la norme Sous la direction de J. de Munck etM Verhoeven Bruxelles: . .
blications’des FUSL, 1996. p. 224 et seq. *
De Boeck, 1997 p 61 " .. . t
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* 392 I
393
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Capítulo 4 .
Quéstiomtnento. Desligar o futuro
determinado da -
investido da responsabilidade de garantir lhe o respeito, a processualização ar -
sociedade” (ou, mais exatamente, seu retrocesso torna-se mais agudo ainda)
Assim redefinido, parece-nos que se expõe a três objeções maiores. „
. risca-se muito a só engendrar direito de aparência enganadora. Tentamos mos-
trá lò a propósito da contratualização do direito do meio ambiente; Christiari
207
’
- -
Maroy chamou a atenção a propósito de certas negociações na empresa (nego
TRêS OBJEçõES
203
ciasse as modalidades do licenciamento coletivo, nUncâ seu princípio) Quan y . -
--
-
to aos “djreitos subjetivos”, tão facilmente reconhecidos hoje em dia a uns e ou
tros, e que freqiientemente dão acesso ao jogo processual, talvez não sejam
,
Inicialmente, ele subestima amplamente o conflito na vida social - isto t
j como já o fizemos observar, senão o .ersatz de um estatuto que se desfiou tra , -
é, o verdadeiro conflito violento que pode levar à destruição psíquica ou mo
ral do outro.. Do mesmo modo, calou-se o fato que o hómem é feito tanto de’ - \
< * pos jurídicos cada vez mais inconsistentes, que evitamos afirmar
positivamente
“o ideal determinado da sociedade”, que poderia lhes dar um conteúdo.
paixão quanto de razão. Eis, então, um universo político jurídico quase ange
- '
{v *A segunda objeção que desejaríamos dirigir a um módelo da “proces -
lical, procurando permanentemente àjustar as condições de uma cooperação *
sualização contextualizada” liga-se ao fato que ele desloca quase completa -
eficiente. Como se não fosse de vida e niorte, de dinheiro, de poder, de sexo, *
mente o debate do plano normativp para ò plano cognitivo. Tudo se passa > ^
m
-
expor se ao risco de vê-la reaparecer sob formas travestidas, inclusive na coer
- truído, por genèralização,a partir do exemplo da discussão científica, tal como
. Peirce a formalizou nos termos ideais de uma “República de sábios”. Irène
j 210
ção, às vezes perversa, das soluções “negociadas”
Acreditar que a “boa vontade” (à disposição para se negociar equitativa .
mente) é generalizada, que os recursos cognitivos e sociais que permitem deba
- ^] »
tèr em pé de igualdade são igualmente compartilhados,203 que as situações de
- ' 207 OST, F. La Nature hors Ia loirParis: La Découverte, 1995. p. 115 et seq.
ne - 208 MAROY, C. Rapport à la norme et transformation des. modes dbrganisation de la
*
J ^ * #
-
gociação são ecessariamente simétricas,206 é expor se ao retorno brutal do esta
- ®
j production et du travail dans 1’entreprise. In: La Mutation du rapport à Ia norme.
Sous la direction de J. de Munck et M. Verhoeven. Bruxelles; De Boeck, 1997. p. 120.
,
204 MOUFFE, C. Le Politique et ses enjeuz. Faris: Découverte, 1994. p. 11 et seq.
205 MUNCK, J. de; VERHOEVEN, M. Gonclusion, Les métamorphoses de la
’ ^
209 Estas duas xpressoes foram tomadas de empréstimo ao economista O. Favereau
citado favoravelmente por J. De Munck (Nornles et . procédures: les coordonées
%
394 r- 395
Capítíilo 4 .
Que$tiommento< Desligar o futuro |
<
Nossa insistência em discutir o paradigma da•
“processualização con-
.
textualizada” explica-se pelo fato de que ele é muito amplamente ateito, atual
\ t
\
^
v nós compartilhamos as premissas desta abordágem: ja o dissemos, o direito é
-
'
processual por natureza verdade quê se confirma ainda mais num contexto
ta sobre á “contextualização” da regra, maneira de relembrar que é exclusiva
- ,
j político em quê o “índecidíveltem sentido* (incerteza científica e indetermi
5
-
mente no hic et nunc de sua situação de aplicação que a norma toma consis-
' i nação política). Daí, a questão coerente não é saber se ô direito é processual
tência. Desta vez, é o tempo instituinte da regra que é desqualificado, a apti
- ‘ ou não; é, sobretudo, “saber qual versão no modelo processual nos parece mais
dão de seu texto, geral e abstrato, para transcender as situações particulares. A i fiel aos ideais de emancipação, que continuam a encorajar o projeto democrá -
bem dizer, não se sabe mais muito bem Q que resta da regra e do texto, desde
*
396
397
*•1 I
Capitula 4 i
%
>* «
/
.
5
*
*
tes e das técnicas, os homens levavam uma vida precária e perigosa: “despro- Jfi• i
\ INTERLúDIO
-
vidos da ciê ncia política, faziam se mal uns aos outros” 214 Zeus fica inquieto
com isso e decide enviar 'Hermes para levar aos homens’ “o respeito e a justi
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ça, para servir como regras para as cidades e unir os homens pêlos laço‘s da N »
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amizade” Mas Hermes se pergunta: será preciso çonfiar respeito e justiça à al-
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, gunS peritos e especialistas, como foi o caso
das artes e das técnicas, ou será S/
porque é preciso que todo mundo párticipe da virtude civil; de outro modo, ^ V , um balanço provisório, como um refrão para melhor delimitar o jogo do tem -
mão há cidade”.215 v po e do direito, pois esta dialética não tem síntese: nada de saber absoluto que
Eis, então, a grande regra das cidades democr áticas: todo o mundo está
*
enunciasse a palavra final. /
convidado a participar da deliberação pública. Mas esta deliberação, teremos / Somente três palavras de parada para balizar o caminho percorrido:
0 medida, presente e responsabilidade. Este livro dedicou-se a tomar a medida
\
notado, incide sobre o justo e o bem e não sobre os interesses particulares, pois
todos os tecebèram em partilha. Assim, o tempo do questionamento, próprio do direito: ele disse o direito como medida, ele avaliou sua força mensurante
'
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O tempo de que fala, ao mesmo tempo em que tratatodas suas outras dimen -
da instituição da leu “Tudo repousa, de fato”, coma na alegoria do bom e do sões > é o presente, pois é no presente que .se desenvolve a medida em quatro
tempos do direito.> Mas este presente é um desafio que nada tem de garantido:
V *
* mau governo, “na justiçai na
temperança”.
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MEDIDA v
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O direito é medida pelo menos em quatro sentidos, que vão da norma
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ao tempo Em direito, tomam -^se “medidas”: decisões, regras de conduta; fala -
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medida, como o é a régua que* mede e a balança que pondera os interesses em
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215 Ibid., O grifo é nosso.
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conflito. Do direito e pera-se que avalie a justa proporção das relações, a im
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portância das prestações e dos prejuízos, a igualdade dos direitos e dos deve
res, como Aristóteles já sublinhava. Expressão dó justo meio termo, o diíeito
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que significa misturar, se entende também conlo “governar” e ^regrar”: Horá -
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cio evoca até a idéia de “governar, terras e mares pela ordem variada das esta-
.
*
faz medição num terceiro sentido, que é o do equilíbrio, da moderação, da
ções” (“ quktnaria ac terras temperat horis”). E assim retorna o sentido norma-
V.’, * 2
.
prudência ( jurisprudentia) Expressão do limite, ele diz a “ justa proporção”
das coisas; assim fazendo, ele opõe a desmedida da ubrisyk qual ele prefere os
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‘ tivo ( “regrari ), associado com a proporção de
* uma justa divisão temporal -
retomo operado, teremoá notado, sobre os auspícios das Horas, deusas gregas
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aquele atendido pelo observador atento do céu: o marinheiro que embarca
ritmo - o ritmo conveniente, a harmonia de durações diversificadas, a escolha *
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masia, esta medida provoca frustrações e nutre -as violências do futuro: rápida • ;-nn
/
medida'
do direito: n órma , propor
. ção, limite e ritmo. *
^‘U ' 1 ,
Nela o reversível e o irreversível combinam suas forças respectivas *
•
ritmo eis-nos remetidos ao tempo: o ritmo é a escansão
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jSera que o tempo corre, verdadeiramente, como õ Sena, sob a Ponte Mirar
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Com a idéia *
de * i ji «•
ritmam os fluxos e os refluxos das marés, enquanto que o sol faz evaporar. se • -
-
o é para o direito? Potde se pensá-lo, de fato, se, pelo menos, lhe atribuirmos, uma parte da água que as chuvas rapidamente lhe irão restituir. E a m úsica,
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um breve desvio pela etimologia anamnésia sempre útil como se a história
* J£ . que seria se escorresse simplesmente? Para existir, diz’ainda M. Serres, ela “rê-
)
das palavras, sabedoria acumulada da língua.viésse em socorro do pensamen- * % i. • " ' ..
. „ quer o reversível que a retém; [ .] a medida incessantemente voltaponto -se sobre si
9
-
*
po; de resto, o plural têmpora tinha um uso muito mais frequente que o singu .
- nes, fugas, e refrões, escandem seu tempo misturado. 4 í
11.
lar. Mas em que.sentido entender esta divisão de tempos plurais? Os compos- Mas voltemos ao rio ^
, s ímbolo do tempo entr ó pico que conduziria
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v não é apenas a sangria bem dosada e o clima “temperado”, é também a medi-
.
da, a moderação, a retenção E a temperatio é a justa distribuição, a proporção 2 FREUND, G» Grand Dictionmite de la langue latine. Paris : Librairie Firmin Didot, -
*
regular, a constituição conveniente, a organiza ção apropriada. E temperare, •
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1865. t. 3, p. 419. / t
da UCL, n. 77 p. 2Í
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, , avril
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1997.
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i 4 . Ibid.,p. 20. ,
1 SERRES, M. Couler, Louvam, revista mesal da UCL, n. 77, p. 25, avril 1997. f
5 Ibid„ p. 21. *
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Temperança sentada ao. lado de Justiça, na Alegoria do bom e âo mau go- v cia; e sem iim mínimo de durabilidade, a norma jurídica mina a confiança que
verno , do Palazzo Pubblico de Siénà, representa, assim, a exata oposição da me- •
determina sua legitimidade* É, então, a figura da desfiliação que ameaça o elo
diocridade das posições médias: a medida que ela encarna é a 'expressão do social: regressão securitária de um direito penal derivado.de seus ideais de rea-
^
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ritmo do direito, é ele mesmo uma figura híbrida Nós dissemos que o passa- y *
PRESENTE
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• são
reelaborados em função das necessidades do presente. Quanto à furídação,
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o p a s s a d o a segurança jurídica, salvando os efeitos de uma norma entretan- ou, ao contrário, a reunião de todos os tempos em um só .(“omniutn tempo
to inválida . >1 '
rum in unum collatio” ) , cara aos Estoicos? O buraco negro em que mergulha
\
Quanto à promessa, se ela rompe com o passado por um ato voluntá- um passado cada vez mais distante e se aspira um futuro cada vez mais pr óxi -
rio de comprometimento, ela não institui menos uma relação que se quer du - mo, ou ao contrário, o campo em que o passado e o futuro se desenrolam,6 a ^
* rável; de resto, a própria ruptura não é total, pois é, como vimos, com base atualidade em cujo.seio se realizairi todas as suas virtualidades? *
numa confiança prévia que o comprometimento toma cor Um tempo meta- . x * Uma certeza, entretanto: este presente não é nada sem a consciência
mórfico, que sabe se transformar sem' por isso se renegar, faz-se assim valer, e, que o sujeito toma"dele, que á partir dele - “tempo axial e gerador”, escreve
do qual nós marcamos a eficácia, tanto na economia das convenções, ‘quanto Benvéniste -,.organiza todos os acontecimentos em passados, contemporâ -
.
na fonte das instituições do direito público E, finalmente, o tempo do ques-
tionamento, sé afeta o próprio futuro com um coeficiente redobrado de incer-
-
neos e futuros/ Esta mediação 'reflexiva permanece, contudo, perfeitamente
imprevisível: òra, simples continuação do mesmò, ela pode apresentar a for -
teza, n ão poderia, contudo, conduzir este movimento- a seu termo extremo: ma da ruptura, da suspensão, da-volta atrás ou do turbilhão. Este momento
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W Benjamin, “mantém-se imóvel no limiar do tempo” 8 . V
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interpretar o passado”11 e inventar o futuro, acrescentaremos,
De um tal presente, paradoxal, pode-se dizer, então, que elevé jogo - o - Mas, cuidado, esta energia neguentrópica do presente, a mobilidáde
que notava precisamente Heráclito, ao evocar o lance dos dados* que a criança da casa branca , que ele pode representar esta faculdade de mesclar todos os
* joga. Não apenas, a tal ponto, o acaso (este é apenas, como a necessidade, . ' tempos que lhe reconhecemos nada têm de garantido, elas continuam sen
^ -
metade do problema), senão este outro traço dó jogo, mais essencial: p movi-
*
do somente da ordem do possível. De fato, não se pode excluir que um ou -
•
^ . mento dentro de um quadro dado (a álea do lance ie dados no sistema con-
*
tro presente, totalmente diferente, se imponha àb final: urna atualidade sa -
vencional dos pontos).9 O jogo é inicialmente, *e sobretudo, isto: a casa vazia turante e imóvel que absorveria, em sua ^presença” maciça, tanto o passado
*
jjuê permite o movimento de todas as peças, a casa brancà que suscita o jogo
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qual se dizia que era apenas uma maneira de pensar a relação entre o passa
tempo”: ovterceiro;excluído de todas as lógicas bináriasTedqtoras, porém mo
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- l do e o futuro, que se constitui conio o símbolo de ,uma sociedade que per -
tor de todas as dialéticas; o terceiro, propriedade emergente das interações que
deu sua crença na história” 12 »
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suas forças, a tração dé umas pelas outras Graças ao presente, as ,enprgias em *
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germe no futuro rentabilizam as forças do passado; graças a ele, ainda, os re- \
Como, entretanto, ser responsável pelo tempo? Jk tarefa não sobre hu
cursos do acontecimento imprimem um curso novo às longas durações que mana, titâ nica? Cpmo Atlas carregando o mundo (o espaço) sobre seus lar -
pouco a pouco se acalmariam. -
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’ - qualquer maneira? Temporàlizã-lo, em todo caso, r construí-lo à nossa me
^ -
7 NIETZÇHE, F. Considèrations inactuelles . Traduit par R Rusch. Paris: Gallimard,
1990. p. 98 . ' •>
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10 R1COEUR, P. Temps et récit. Paris: Seull, 1985. t. 3, p/ 341 (Points Essais) .
8 BENJAMIN, W. Poésie et ré volutiò n. Traduit par M. deUardillac. Paris: Denoêl, . * » 11 NIETZÇHE, F. Considèrations inactuelles. Traduit par P. Rusch. Paris: Gallimard,
1966. p. 286*
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1990. p. 134. * .
9 Quanto a este sentido da palavra “jogo”, çf. KERCHOVE, M. van de; OST, F. Le droit t
’ 12 SUE, R. Temps et ordresoda /. Paris: PUF, 1994. p. 209; cf. igualmente CHESNEAUX,
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\
ou Jes paradoxes du ]eu. Paris: PUF, 1992. p. 10 et seq. A
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/
J. Pour une culturepolitique du temps, Fufuribles, p 57 et seq., sept. 199.
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dida, a de nossa cultura. Hoje, por qxemplo; e$ta responsabilidade assume / a, e ser fiador de? Atender a um dado prévio: j5rómessa ou crime, herança ou
uma forma muito explícita: a preocupação com um futuro duradouro. Ins-
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truídos pela experiência, não queremos mais engajar o futuro >em escolhas ir -
-
falta, dívida ou crédito qUalquer òoisa ou algu é m que já está comprometi-
do è espera uma resposta. A situação que assim se desenhá não é, eptão, a
1
•
*
mobilizar a duração que a transitividadé^equilibra as prestações.15 Vê-se tam -
fazer justiça à perspectiva diacrônica na qual se coloca inicialmente a questão
ética do tempos do direito. Do ponto de vista é tico, que.é aqui o nosso, é pre- *
. bém que, ao evocara categoria de transmissão, não se opõe a lógica do con
trato à do dom; amplia-se muitõ mais um modelo contratual ao inscrevê lo -
-
ciso lembrar, de fato, que sempre houve o dado, um dadovsomente a partir do
qual se pensa a autonòmia do sujeito. Deste dado extraímos as diversas for-
numa perspectiva temporal, ú nica suscetível a colocar em termos éticos as re -
mas: herança, lei, promessa, crime, dívida - a partir das quais se edificam as
lações assimétricas entre parceiros distantes e diferentes .
*
.
* M. Mauss dizia, sem d úvida, a mesma coisa em seu Essai sur le donJ 6
identidades e se exercem as liberdades, sem que se possa fazer tábula rasa. Para
dizê-lo ainda de outro modo: é do seio de uma Humanidade diacrônica que - Longe de ser heróico e unilateral, o dom requer o contradom, a prestação sus -
cita a contraprestação. Mas, diferente da trocqrcomercial, no dom o equilíbrio
se destaca nossa humanidade singular; é no coração de uma comunidade
„ transtempojral que são vivenciados nossos direitos e nossos deveres; é a partir
não se quer instantâneo, ele á’ssume o risco do tempo - õ tempo para o par
ceiro “responder” pelo dom recebido. Como o diz de maneira excelente J Der . -
-
V
de uma perspectiva intergeracional que é colocada a questão do justo e dodi?
reito - tal ê, pelo menos, a convicção subentendida nesta obra.
- .
rida: “o dom não dá senão na inedida em que ele dá o tempo” 17 Se é verdade,
16 MAUSS, M. Essai sur le don In: Sociologie et anthropologie.Paris; PUF, 1968. p. 198:
K
. .
13 LIVET, P Hypothéquer Tavenir ou déployer le présent? Esprit, p. 60, mars 1980
'
“Em toda sociedade possível, é da natureza do compromisso obrigar a termo” .
.
"14 SERRES, M. Le Contrat naturel Paris: Bourin, 1990 . .
' ' 17 DERRIDA, J. Donner le temps Paris: Gálilée, 1991. p. 59.
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* como o pensamos, que sempre há o dado (herança ou falta, divida ou crédi- necessário, em contrapartida, que aquele que o herda reinvente sua utilização
to), este dado abre o tempo, dá ou empresta o tempo - o tempo necessário v a cada instante.
para o donatá rio decidir o que fará do dado, o modo que irá lhe responder. No ;
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Uma “ herança Sem testamento”, eis aí todo o tempo, e a responsabilida -
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centro desta situação prevalece, mais estreito que nuncà, o elo entre tempo e de igualmente. A herança, ou a necessá ria liga ção do passado com o futuro; a
direito: “dar o tempo” é a condição para “dizer o direito”. E não será porquê o ausência.de testamento, ou a força de reinventar-lhe o sentido.
tempo é dado que se faz a justiça? Assim, uma duração é medida para permitir fazer justiça; é um tempo
Dá-se o mesmo com a responsabilidade. Mas responsável em que sen ' - » .
dado, para que o direito se enuncie.
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tido? Responsável por um dom mais que por uma falta, já o vimos. Este pon - * * 4
V
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va e voltada para o futuro, o que se espera da lição aceita, da tarefa assumi- <
da.18 Uma vez que .herdamos do passado instituições justas mas perfectíveis, \
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. resta nos transmitir este dado para reconstruí-lo sem cessar - esta ê a nossa
responsabilidade.
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Múltiplos campos se abrem nesta perspectiva. Do lado da democracia,
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do dado não sufoca a autonomia do benèficiá rio, Ele é livre para dilapidá-lo, K
Se o quiser - o tempo comporta este risco. Este risco e este potencial criador.
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Pois o patrimó nio herdado não é mais que isso: um reservatório de possíveis.
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Pai, é in ú til que aquele que o transmite predetermine sua destinação; mas é > *
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RICOEUR, P Postfacé au temps de la responsabilité In: Lectures I. Á utour du poli - * *
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tiqiie. Paris: Seuil, 1991 p. 282 . 4
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