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/ O APRENDIZADO
DA LEITURA

r. barão de itapeuniflga, 99- f


r. o;,car. freire, 561- fooe 28 ~e 231-1344- sp
av. pauhsra. 2073 • ~- 152 _ ~ ~~ - sp
5
av. marquês de são ..,iceme, 1771. I -1658- sp
:~:deriCo ozana, 6000 . IJ. 28 . lo': 7~·-9~~~. sp
TEXTO E LINGUAGEM

Coleção dirigida por Alcir Pécora, Haquira Osakabe, Maria Laura O APRENDIZADO
Mayrink-Sabinson e Raquel Salek Fiad.

DA LEITURA
Problemas de Redação - Alcir Pécora
E as Crianças Eram Dij[ceis... A Redação na Escola - Eglê Franchi /
Lingü/stica e o Ensino da L/ngua Portuguesa - Rodolfo llari
Escrita, Linguagem e Poder - Maurizzio Gnerre MaryKal'o
O Aprendizado da Leitura - Mary Kato
A Produção Escrita e a Gramática - Lúcia Kopschitz Bastos e
Maria Augusta Bastos de Mattos

Próximos lançamentos
Diário de Narciso - Maria Irma Hadler Coudry
Discurso, Estilo e Subjetividade - Sírio Possenti
Elementos de Pedagogia da Leitura - Ezequiel Theodoro da Silva

Martins Fontes
© Copyright by Livraria Martins Fontes Editora Ltda .
São Paulo, 198 5

3 a edição brasileira: setembro de 1990

Revisão e preparação: Cristina Sarteschi

Produção gráfica: Geraldo Alves


Composição: Intertexto
Capa: Alexandre Martins Fontes

Índice

Apresentação

Capítulo Aquisição da escrita e "métodos" de alfabetização 3

Capítulo 2 - Fatores facilitadores e pré-requisitos na aqutstçao


de leitura em segunda língua . . . . . . . . . . . . . . . . 15

Capítulo 3 - Reconhecimento instantâneo e processamento ana-


lítico-sintético 25

Capítulo 4 - Processos de decodificação: a integração do velho


com o novo em leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

Capítulo 5 Leitor: de analisador a reconstrutor . . . . . . . . . . . 51

Capítulo 6 - Estratégias em inte.r pretação de sentenças e com-


Todos os direitos para a 1/ngua portuguesa reservados à preensão de textos 63
LIVRARIA MARTIN S FONTES EDITORA LTDA .
Rua Conselheiro Ramalho, 330/ 340- Te!. : 239-3677 I . Objetivo do trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
01325- São Paulo- SP- Brasil 2. Predição em leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
3. Estratégia e gramática . ....... .. . . ..... . 65
4. Teoria da complexidade derivacional versus
estratégias perceptuais .. . ..... . ........ . 66
5. Estratégia e ambigüidade .......... . ... . 67
6. Estratégias e princípios não-sintáticos ... . . 71
7. Estratégias de processamento e aquisição de Apresentação
linguagem 75
8. Estratégias e interpretação de relações ana-
fóricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
9. Estratégias e esquemas . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 ~pós um breve interesse demonstrado por Bloomfield e Fri es por
lO. Estratégias subconscientes e conscientes . . . 83 problemas relativos à alfabetização, a lingüística manteve-se , por mui-
11. Estratégias de natureza pragmática . . . . . . . 86 to tempo, alheia a problemas ligados à lêitur~, tendo esse interesse
12. Considerações finais 86 · ressurgido com os progressos dos estudos sociolingüísticos e pisco-
. lingüísticos.
Capítulo 7 - Estratégias gramaticais e lexicais na leitura em Na socíolingüística, autores como Labov e Shuy engajaram-se em
língua estrangeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 propor soluções para a alfabetização das minorias dialetais, e na psi~
colingüística autores como Goodman e Smith abrem espaço para es-
Capítulo 8 - Estratégias cognitivas e metacognitivas na aquisi- tudos dos processos interativos envolvidos na leitura. Nos últimos
ção de leitura . ............ . ............. . 101 anos, os progressos na área da lingüística textual, de um lado, e das
1. Estratégias cognitivas versus estratégias meta- ciências da cognição, de outro, têm contribuído para um melhor
cognitivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1O1 entendimento desse processo interativo.
2. Estratégias cognitivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 No Brasil, a preocupação educacional na área da linguag~ t!!E
3. Estratégias metacognitivas em leitura . . . . . 107 incidido muito mais sobre a escritura do que sobr~a leitura, moti~
4. Desenvolvimento de estratégias metacogni- por que os lingüistas têm-se voltado, em seus trabalhos aplicados, a
tivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 sedêC!icar mais~ aos problemas da escrita e da redação. O interesse
5. Considerações pedagógicas . . . . . . . . . . . . . . 112 pela leitura entre nós é bastante recente e, em algumas universidades
~orno a PUCSP, esse interesse desenvolveu-se.a partir da preocupação
Referências bibliográficas 117 'Com o ensino da leitura instrumental em língua estrangeira. A cons-
tatação dos pesquisadores nessa área, de que muito das dificuldades
dos aprendizes devia-se não ao desconhecimento da ,língua estrangeira,
mas principalmente à sua inabilidade de interagir com o texto escrito
na própria língua materna, leva-os a ter como parte de seus objetivos
o desenvolvimento das habilidades de leitura, independentemente da
língua do texto. A partir daí professores e pesquisadores de língua
materna e de língua estrangeira passam a ter um objetivo comum:

1
'''"'il' l'' tld ·r ntdh o r os processos subjacentes à leitura e à formação
tl 11 lto ttt l ·ilor . E ~ ta , po rém, não é uma tarefa a ser iniciada no âmbito
dn tttt iv Tsid adc . Se nosso aluno universitário não sabe ler os textos
IH ii tl (· tll i ·os nem em língua materna nem em língua estrangeira, é pre-
' ii•O dese ncadear um trabalho preventivo e formativo e não apenas
, o t'l' ·I i vo , i ~ t o é, \ tra balhar a leitura desde a sua aquisição.}
;\ ~ rd lcxõcs contidas no presente volu me revelam minhas preo-
l'ttp u<,: c~ centrai s sobre leitura : seus p rocessos e sua aquisição. A
11 1> 1dugcm 1 é, pois , essencialmen t;;- j)sicolingüística . Uma visão mais
l'Otnpl cta dos problemas envolvidos na leitura exige, contudo, um tra- CAPíTULO 1
111 111 ·nt o interdisciplinar: um tratamento sociolingüístico para detectar
os pro blemas gerados pelas diferenças dialetais, um tratamento antro-
po lóg ico pa ra verificar a relevância e o uso da escrita na comunidade
n q ue pe rtence o aprendiz, um tratamento fonoaudiológico para deli-
mit a r os problemas reais de distúrbios, etc. Aquisição da escrita e "métodos"
O volume reúne artigos escritos nos últimos anos e estes não de alfabetização*
forêl m , portanto , planejados como capítulos de um livro. Cada um
de les retoma pontos mencionados e analisados nos anteriores , e nessas
circun stâncias uma certa redundância é inevitável. Minha decisão de
ma nte r essa redundância deve-se ao fato de ter sentido que as reto-
mada s, de certa forma, assegurariam a coesão entre eles. A ordenação
obedeceu a uma seqüência lógica e não cronológica. _Os três primeiros A alfabetização tem sido a grande preocupação nos meio_s edu-
arti gos têm a ver com alfabetização_ e os demais com processos gerais.
cacionais e acadêmicos do país nos últimos anos, haja vista o número
hipo te tizados para a leitura . p ois a rtigos , o 2 e o 7, lidam com aqui-
de seminários a ela dedicados nos anos de 1983 e 1984. É comum
sição de leitura em segunda língua , !!las as reflexões são válidas para
sentir-se nessas ocasiões uma preocupação obsessiva por parte dos
a leitura em língua materna . • educadores por "métodos" de alfabetização, preocupação essa causada
Ao encerrar esta apresentação, não poderia deixar de registrar
pela busca ansiosa de um instrumento seguro para a consecução dos
aqui os meus agradecimentos a todos que, com seus comentários va-
objetivos mínimos da escola: ensinar a ler e a escrever.
li osos , e nriqueceram um ou mais dos trabalhos aqui incluídos. São
"Método", porém, para uma grande maioria dos professores é
eles: Ângela Kleiman, Eleonora M . Maia, Elza Miné, Leila Bárbara,
definido meramente como um conjunto de materiais, técnicas e pro-
MCl ra S. z. Pascoal, Mario A. Perini, Michael Scott e K. Rajan . As
p ssíveis falha s e incorreções que permanecem são, contudo, de minha
* Este trabalho é 0 resultado de reflexões feitas durante o Encontro de
inteira responsabilidade. Alfabetização promovido pela Faculdade de Educação da UFMG, em 11, 12
São Paulo, 13 de julho de 1984 e 13 de agos;o de 1983, e na mesa-redonda sobre Alfabetização, no Encontro
sobre Linguagem e Aprendizagem, promovido pelo Instituto de Estudos da
Mary A. Kato Linguagem da UNICAMP, em 25 de outubro de 1983.

2 3
L' ·dimcntos para se atingir um fim, isto é, um conjunto programado Ora, em uma aprendizagem natural da leitura - o caso da
de utividades para o professor e o aluno. criança mencionada por Ferreiro e tantas outras que se auto-alfabe-
Contudo, qualquer método, para ser eficaz, deve ter a ele subja- tizam - , o aprendiz recorre a estímulos visuais que abundam em
c ente~ hipóteses claras sobre a natureza do objeto a ser apreendido \ . seu meio, e, através da decomposição progressiva desses elementos,
e sobre a natureza da aprendizagem desse objeto. Além dissô, para vem a inferir as unidades que compõem a escrita de sua língua. Não
ser eficazmente usado exige que seu aplicador tenha plena consciên- se pode afirmar, pois, que um método que simula a atividade da
cia dessas hipóteses. Essa consciência dará ao professor uma seguran- escrita seja nécessariamente o indicado para a aquisição da leitura.
ça maior de sua prática e o levará a reformular sua metodologia a A prática de grande número de nossas escolas, de privilegiar as
partir da evidência que irá encontrar durante essa prática. atividades de escrita, parece fazer supor que à produção segue-se
Para uma boa parte dos alfabetizadores, o "método" parece àutomaticamente a recepção. Em outras palavras, se o professor ensi-
ainda estar simplesmente ligado à unidade lingüística com que se tra- nar o aluno a escrever, o aluno aprenderá automaticamente a ler.
balha: silábico versus fônico, por exemplo. Não lhes parece claro que Contudo, o exemplo dado por Ferreiro e outros tantos de que temos
as duas modalidades possam pressupor essencialmente um mesmo tipo conhecimento mostram que a leitura pode ser adquirida independen-
de operação mental por parte do aprendiz: a análise ou a síntese. temente da escrita. Temos ainda o caso de proficientes leitores de
Se lhes for perguntado se o método silábico é analítico ou si ntético, uma língua estrangeira que nada escrevem nessa língua, quando o
muitos não saberão responder. inverso parece impossível. Não quero dizer com isso que a prática
Outro aspecto que se observa em nossa escola é a excessiva de produção não possa intervir favoravelmente na capacidade de re-
preocupação com a escrita e a pouca atenção que se dá para o desen- cepção, principalmente levando-se em conta que o ato de escrever
volvimento da leitura. O insucesso escolar é avaliado principalmente exige menos automatização e mais reflexão metalingüística. Na verda-
em termos do desempenho da criança na produção da escrita. A pro- de, uma vez iniciado o processo da aquisição da leitura e da escrita,
pósito, E. Ferreiro (1983) expõe um caso que mostra não ser essa parece haver uma interferência recíproca, de forma que quanto mais
uma preocupação que se limita ao Brasil. Conta ela que uma pro- se lê melhor se escreve, e quanto mais se escreve melhor se lê.
fessora lamentava que seu filho tivesse aprendido a ler sozinho antes
Voltando ao problema das operações de análise e síntese, pode-
de ingressar na escola, atribuindo a esse fato o seu insucesso escolar
mos admitir que ambos os processos estejam complementarmente
por não escrever direito 1 •
subjacentes às atividades de leitura e escrita.
A disseminação maior dos métodos sintéticos, nas escolas brasi-
leiras - seja o b + a = ba, o ba + be + bi + bo + bu, ou ainda Em que medida, porém, a discriminação visual precisa e um
o fônico - , pode também ser motivada pela ênfase maior dada à processamento analítico no nível de unidades menores que a palavra
atividade de escrita, a qual envolve, no início da aprendizagem, uma são necessários para a leitura? Na medida em que o aprendiz desen-
operação basicamente de composição, embora mais tarde ela possa volve sua capacidade de se apoiar em estruturas cada vez maiores
ser acompanhada complementarmente por uma operação de decompo- - em seu conhecimento do mundo - . esse tipo de operação será
sição mental do léxico visual já adquirido. cada vez menos a nível de unidades grafêmicas e silábicas e cada
vez mais a nível de fatias informacionais significativas '2 .
1. Nota-se também, a nível de pré-escola, a mesma preocupação . Veja-se,
por exemplo, a ênfase que se costuma dar à coordenação motora nos testes 2. Para uma melhor compreensão da operação de fatiamento em leitura,
de prontidão . vide Perini et al (1983).

4 5
·-

sobre a natureza e a evolução do código escrito ~, que, por revelarem


O reconhecimento das formas será em grande parte determinado as concepções .do homem sobre ele, podem ser elucidativas a respeito
por processos inferenciais e de predições ditadas pelo conhecimento de sua concepção pela criança.
lin güístico e extralingüístico do leitor. O leitor proficiente é capaz de
Embora existam muitas lendas em torno da origem da escrita,
compreender um texto escrito em letra cursiva bem pouco legível,
os lingüistas, hoje, partilham de uma crença comum de que a escrita
ex atamente porque ele faz uso dessa sua habilidade para ler sem ten-
desenvolveu-se gradativamente do pictograma para o ideograma 6 e/ou
tar decodificar cada grafema. Aquele que escreve fluentemente, em
para o fonograma.
escrita cursiva, também não tem o cuidado de desenhar todos os tra-
O primeiro tem uma natureza estritamente icônica, isto é, há
ços distintivos de cada letra, contando com a capacidade do leitor de
uma relação não arbitrária entre o objeto e sua representação. Os
ler pelo significado .
sinais de tráfego utilizados hoje podem ser considerados como exem-
As metodologias comumente usadas pouco exploram a capaci- plos de uma linguagem pictográfica .
dade demonstrada pelos auto-alfabetizados de extrair significados dos
O ideograma se origina da estilização desses pictogramas, de
estímulos disponíveis. A aprendizagem é vista não como um processo
uma simplificação convencional que converte os desenhos originais
ativo, mas meramente receptivo. Todavia, se observarmos as crianças
em símbolos lingüísticos, cuja forma passa a ter uma relação arbi-
no início do aprendizado, verificaremos que elas já fazem uso bas-
trária com o objeto ou conceito representado. O ideograma passa
tante regular de estratégias de inferência e muitas já demonstram uma
assim a ter também o estatuto de um símbolo de segunda ordem.
boa consciência meta lingüística. Relativamente a esse último aspecto,
Além de representar um objeto ou conceito, passa a representar a
Ferreiro ( 1977) mostra que as crianças, por volta de seis anos, reve-
palavra que representa esse objeto ou conceito . Ora, esta, por defi-
lam essa capacidade ao operarem com segmentos de palavras conhe-
nição, tem também uma existência em termos de sons da língua.
cidas , inferindo a leitura de cadeias de letras resultantes de permutas
Donde o ideograma também ser pronunciável 7 •
de partes de palavras já conhecidas:< .
Houve também casos de fonetização direta dos pictogramas, Os
Os materiais de alfabetização, via de regra, introduzem grada-
hieróglifos, que eram originariamente pictográficos, desenvolveram-se
tivamente novas unidades, deixando muito pouco desafio para o
em um sistema silábico, o qual foi apropriado pelos fenícios e depois
aluno~.
pelos gregos . Mas, enquanto nas línguas semíticas as sílabas eram
Todas essas questões levam-nos a enfatizar que só tem sentido simples e regulares , o grego apresentava uma estrutura silábica mais
discutir métodos de alfabetização , mediante uma melhor compreensão complexa que exigiu a adaptação dos símbolos emprestados dos fení-
das hipóteses e comportamento sobre possíveis concepções da criança
diante da escrita.
5 . Para maiores detalhes sobre esse assunto, vide Fronkin e Rodman
Antes de passarmos a si ntetizar alguns estudos relevantes sobre ( 1974), e Gelb (1963).
as possíveis concepções da criança, teceremos algumas cons iderações 6. Gelb chama os dois sistemas de "semasiográficos ", em oposição aos
sistemas "fonográficos", que apresentam sons e sílabas.
7. Para uma língua cuja escrita é ideográfica, os empréstimos lingüísticos
3 . Em português, vide estudo de Ana Pa ul o Goyano (1984) . constituem um sério problema. As vezes utilizam-se os ideogramas da língua,
4. No material para o Mobral descrito em Kato (1978), procurou-se utili- em seu valor estritamente fonético , deixando nesse caso de ter valor ideográ-
zar como palavras-chaves aquelas que não só eram significativas para o mobra- fico para ter um valor meramente fonográfico, ou então transcreve-se na
lcnse, mas que se prestassem a permutas e supressões, de modo a trabalhar escrita da língua de origem ou ainda adota-se um sistema paralelo fonográfico
com essa capacidade de segmentação e inferência, que podemos pressupor no para representar apenas esses empréstimos.
adulto .

7
•\.

cios para representar sons individuais - consoantes e vogais 8 . Foi vermos casa e casinha, a criança achará que é a primeira que repre-
assim inventado o sistema alfabético 9 . Sven Ohman 10 diz que, na ver- senta o conceito da segunda. Não há ainda, nessa fase, a descoberta
dade, a invenção da escrita alfabética é uma "descoberta", pois, de que a escrita de sua língua tem uma relação arbitrária com os
quando o homem começou a usar um símbolo para cada som, ele objetos que ela representa. A criança não atingiu ainda, a nosso ver,
apenas operou conscientemente com o seu conhecimento da organi- a fase fonográfica, pois ela não tem consciência de que casinha é
zação fonológica de sua língua. mais longa porque a palavra tem mais sons do que casa. Ferreiro e
O caminho que o homem percorreu em sua história para desco- Teberosky chamam essa etapa de pré-silábica. Diríamos que a criança
brir a escrita reflete-se de forma impressionante nas concepções da está na fase intermediária entre a pictográfica e a ideográfica.
criança ao adquirir a escrita . Nesse sentido, a criança parece estar Quanto aos traços da escrita, Lavine mostra a importância da
"bioprogramada" para percorrer em sua vida o mesmo caminho per- estimulação ambiental no desenvolvimento da percepção da criança .
corrido pelos seus ancestrais através dos tempos, sendo a existência Utilizando crianças de 3, 4 e 5 anos, e jogando com estímulos de
das etapas desse percurso dependente também da existência de estí- quatro tipos - a) figuras, b) ideogramas e desenhos estilizados,
mulos ambientais 11 . c) palavras em escrita hebraica e d) palavras em inglês, em tipo tanto
Passaremos a examinar agora as pesquisas de Ferreiro e Teberosky de imprensa como o cursivo - , Lavine verificou que todas as faixas
(1979) e Lavine (1972), com crianças, cujos resultados foram confir- aceitaram os estímulos c e d como escrita e rejeitaram os de tipo a.
mados no contexto brasileiro por Rego (1982). As crianças menores aceitaram ainda os de tipo b. Podemos dizer
Ferreiro e Teberosky mostram que nos primeiros contatos da então que as crianças menores estariam na fase intermediária entre a
criança com textos ilustrados, a criança ainda não diferencia da fun- ideográfica e a fonográfica, e as maiores já estariam estritamente
ção do texto a da figura, achando que esta última também é lida. dentro da fase fonográfica.
A ilustração é vista com função pictográfica pela criança 12 • Lavine Após a fase pré-silábica, Ferreiro e Teberosky distinguem três
mostra que as crianças, aos três anos, já rejeitam figuras e desenhos fases: a silábica, a silábico-alfabética e a alfaqética, conforme a crian-
como escrita. Porém, mesmo depois de passada essa fase pictográfica, ça atribua a cada símbolo o valor de uma sílaba, de uma sílaba ou de
a criança atribui ainda, segundo Ferreiro, um certo valor icônico à um segmento fonético e, finalmente, apenas de um segmento fonético.
escrita. Os sujeitos mais novos dessa pesquisa acreditam que objetos Na verdade , como Ferreiro e Teberosky estão trabalhando com a
grandes são representados por palavras mais longas. Assim, se escre- concepção infantil do que o símbolo alfabético representa, em lugar
de "fase alfabética" teria sido mais adequado se elas tivessem utili-
8. Segundo a literatura, os próprios fenícios já usavam alguns de seus zado "fase fonética", como faz Lemle (1983) ao propor suas fases
símbolos com valor estritamente consonantal.
9. .~ possível que o sistema alfabético fosse, pelo menos de início, inten- hipotéticas da aquisição da escrita.
cionalmente, um sistema de transcrição fonética . Observa-se nesse material, como quisemos mostrar, um estreito
10. Sven Ohman, Professor de Fonética da Universidade de Upsala, Suécia;
trabalho apresentado no International Speech Symposium, Kioto, Japão, apud paralelismo entre as fases da história da escrita e as fases de desen-
Fronkin e Rodman (1974). volvimento da criança com relação a esse objeto. Para Fromkin e
11. Veja Bickerton (1981) para o conceito de "bioprograma". Rodman ( 197 4), uma criança só poderá aprender o sistema alfabético
J 2. Gelb distingue o desenho puro do pictograma por este último ter
quando cada segmento sonoro de sua língua tiver para ela uma rea-
nitidamente uma função de registro e comunicação de informação, ao contrário
do primeiro, que pode ser uma manifestação puramente estética. lidade psicológica. Em outras palavras, a alfabetização se tornará

8
,, 9
possível quando a criança tiver consciência da relação símbolo gráfico gráfico, c) hipótese de que há regularidades contextuais entre fala e
e som oral de sua língua. escrita e d) hipótese de que há regularidades oriundas da morfologia.
Na pesquisa de Lavine, as crianças já revelam essa consciência, Essas hipóteses são relativas ao caráter fonêmico e às conven-
no momento em que rejeitam seqüências com o mesmo sinal e tam- ções arbitrárias da escrita portuguesa, que não mantém uma biunivo-
bém estímulos com um único sinal como exemplos possíveis de es- cidade perfeita entre som e grafema. Como sabemos, um mesmo som
crita. Ora, a variedade e a multiplicidade não são características da pode ser representado por mais de um grafema e um mesmo grafema
escrita, mas dos signos da própria língua falada, e, possivelmente, pode representar mais de um som da língua. O domínio pleno do
quando a criança descobre que a escrita não representa os objetos sistema implica o domínio das regularidades e irregularidades não só
diretamente, mas as palavras de sua língua oral, passa a encará-las a nível grafofonológico, mas também a nível grafomorfológico.
como isomórficas a eles. As hipóteses de Lemle foram calcadas sobretudo na escrita pro-
É importante, neste momento, apontar para o fato de que embora duzida por recém-alfabetizados. Da mesma forma, observando esses
o alfabeto tenha correspondência simbólica mais a nível fonêmico, a mesmos alunos , poder-se-iam fazer reflexões e teorizações a respeito
hipótese inicial do aprendiz. nessa fase, é de que o símbolo gráfico da evolução do comportamento em termos da aquisição gradativa da
ou grafema representa o som físico assim como ele o ouve. fluência em leitura. Já pressupusemos, no início deste trabalho, que
Reflexões de ordem sociolingüística fazem-se necessárias nesse a criança faz largo uso de operações de análise e síntese. O cresci-
ponto. As diferenças dialetais passam a constituir um sério problema mento de seu léxico visual e sua familiaridade com os segmentos mais
enquanto a criança não descobrir que a relação entre fala e escrita freqüentes da língua, sejam eles morfemas ou não, liberam o aprendiz
não é direta w, isto é, que a escrita não é uma transcrição fonética dessas operações, podendo-se pressupor que o reconhecimento passe
dél fala e que o registro escrito exige um planejamento mais cuidadoso a se dar de forma instantânea, como se o estímulo presente fosse de
a nível de unidades maiores do discurso . Crianças que têm o privilé- natureza ideográfica 14 . Nesse processo, tem-se, a partir do estímulo
gio de ter contato com a língua escrita antes de irem para a escola, visual , uma decodificação direta, sem mediação fonética ou fonológi-
através da leitura que lhes é feita pelo adulto, já têm consciência pelo ca . A vocalização e a subvocalização deixam de ocorrer. O pequeno
menos dos aspectos discursivos que diferenciam a fala e a escrita. leitor começa a usar estratégias mais dedutivas li', fazendo previsões
Duas crianças podem estar na mesma fase cognitiva, mas uma poderá significativas , coerentes com seu conhecimento lingüístico e extralin-
enfrentar mais dificuldades que a outra se não tiver tido a estimula- güístico .
ção ambiental de que falamos ou se entre o seu dialeto e a forma
Vimos até aqui que as pesquisas e teorias especulativas sobre a
ortográfica e o dialeto prestigiado pela escola houver uma maior
aquisição da escrita supõem etapas seqüenciais caracterizadas por di-
distância.
ferentes concepções e por diferentes comportamentos. Mas há evidên-
Tendo em vista as características do sistema ortográfico do por- cias também que apontam para a possibilidade de haver: a) regressões
tuguês, Lemle postula , diante dos dados que os iníciantes produzem de comportamentos e b) superposições de concepções . Assim, uma
em português, quatro fases calcadas nas seguintes hipóteses: a) hipó- leitura mais linear e menos preditiva pode ocorrer mesmo em leitores
tese fonética, b) hipótese de que há arbitrariedades no sistema orto-
14 . Para maiores detalhes sobre o processo, vide Kato (1983, b).
13. Vide discussão mais detalhada desse aspecto em Abaurre (1983) e 15. Vide maiores detalhes sobre a natureza e tipos de estratégias em Kato
Lemle (1978). (1983 a e 1983 b/1984) .

10 11
..,

altamente proficientes, quando o grau de novidade do texto ou sua sentado grafemicamente pela letra e. Por extensão, ele poderá escrever
complexidade estrutural diminuem sua legibilidade e exigem, para sua ' 'previlégio com e, quando aqui a escrita respeita a correspondência
compreensão, operações de análise-síntese a nível de unidades meno- grafema-som. Vejamos como se deu tal extensão. Comparem-se a regra ·
res do que o leitor está acostumado a . utilizar. Há momentos em que do português (RP) e a regra que o aprendiz aplica (RA) .
até a vocalização ou a subvocalização se faz necessária. RP: se uma palavra tem um som [i], em posição átona, ele pode
Dissemos anteriormente que, à medida que aumenta o vocabulá- ser ortograficamente representado por e.
rio visual do aprendiz, este passa de uma leitura analítico-sintética, RA: se uma palavra tem um som [i] em posição átona, ele é
de natureza fonográfica, para uma leitura de caráter ideográfico. ortograficamente representado por e.
Aparentemente , esse retorno à .leitura ideográfica poderia ser encarado Note-se que RA é muito mais abrangente do que RP, donde po-
como regressão de comportamento. Contudo, ao contrário da criança dermos dizer que se trata de uma generalização excessiva.
na fase icônico-ideográfica, essa fase posterior mostra que, embora Pode-se dizer ainda que RA é uma hipótese do aprendiz a respeito
o leitor faça uma leitura ideográfica, esta não é acompanhada de uma da ortografia de sua língua, que antecede a fase em que ele aprende
concepção ideográfica da escrita. Em outras palavras, ele tem plena e usa RP.
consciência de que os estímulos são decomponíveis em unidades lin- Seria possível continuar fazendo mais reflexões sobre as pesquisas
güísticas m~nores . Devemos dizer então que a leitura ideográfica da e especulações da lingüística e da psicolingüística, acerca das concep-
fase posterior à fotográfica é um comportamento de nível lingüístico ções .e comportamentos de crianças em fase de alfabetização, mas as
(do sujeito como usuário da língua) e a capacidade de segmentar o que foram feitas aqui parecem ser suficientes para voltarmos à questão ·
estímulo em unidades constituintes é um comportamento de nível me- inicial dos métodos de alfabetização.
talingüístico (do sujeito como analista do objeto que ele usa). A re- Enfatizamos, no início deste trab alho, a importância de se com-
gressão parece se dar a nível estritamente de habilidade lingüística e preenderem as hipóteses sobre aprendizagem subjacentes a esses mé-
não de capacidade metalingüística. todos. Analisemos cada tipo e vejamos o que a ele subjaz:
As sobreposições de concepções têm uma evidência na escrita de
palavras pouco familiares, em situações de incerteza. Uma criança, ou 1. O método global puro supõe que a apreensão do estímulo vi-
até um adulto, ao ter que escrever uma palavra totalmente nova, po- sual se dê de forma ideográfica, sem análise das partes que o compõem.
derá tender a aproximar a escrita da representação fonética, mesmo
que tenha já consciência de que nossa escrita não tem essa natureza
2. O global analítico-silábico supõe que a concepção da criança
estrita, e em outras situações consegue escrever respeitando as regula-
sobre a palavra escrita é que os estímulos são decomponíveis em uni-
ridades contextuais. Em um certo sentido, embora haja aparentemente
dades menores, silábicas, ou que é possível introduzir a ela tal noção.
uma sobreposição de concepções, na verdade o que ocorre é uma re-
gressão ao comportamento da fase fonética.
3. O global-analítico-fonêmico pressupõe ser essa decomposição
Um fenômeno contrário se observa, entretanto, em outras situa-
ções de incerteza, O aprendiz pode generalizar excessivamente sua possível de ser feita a nível fonêmico-grafêmico.
nova hipótese, produzindo aquilo que chamaríamos tradicionalmente
de erros de hipercorreção. Tomemos, por exemplo, o caso de um apren- 4. O silábico-sintético supõe que a criança seja capaz de perceber
diz que observa o som [i] de seu dialeto, em situação átona, repre- uma entidade mais abstrata que a palavra, a sílaba, e a partir de sua

12 13
.....

representação grafêmica chegar a unidades significativas como a pa-


lavra e a frase.

5. O fônico-sintético supõe que a criança seja capaz de captar


unidades sonoras físicas, menores que a sílaba - o fone - para, a
partir de sua representação grafêmica, chegar às unidades significativas.
"É importante lembrar ainda que, ao ler, a criança tem como estí-
mulo palavras e frases significativas, pelo menos no contexto natural
de comunicação. Para escrever, porém, ela tem que combinar elementos
CAPITULO 2
como a letra ou a sílaba.
O global analítico, nesse sentido, simula melhor aquilo que ocorre
naturalmente quando a criança se defronta com o universo visual que
a cerca . A percepção da criança não parte de segmentos isolados. Ela
chega a eles através da discriminação dos traços distintivos dos estí- Fatores facilitadores e pré-requisitos
mulos que ela observa. Assim, ao observar o anúncio da Coca-Cola,
ela poderá vir a segmentar a sílaba co, dada a sua dupla ocorrência,
na aquisição da leitura em segunda língua*
e, na comparação do co com o ca, poderá vir a diferenciar o a do o e
a isolar o c, e assim por diante.
Uma vez percebidas essas unidades, que em si não têm signifi-
cado, elas poderão ser combinadas para se chegar a entidades signifi-
cativas. De qualquer forma, para uma alfabetização eficaz, a escola
deverá assegurar-se de que a criança esteja em condições de cognitiva-
mente apreender essas unidades . Há uma literatura abundante a respeito do ensino e aprendiza-
Não pretendo encerrar aqui com soluções, mas apenas expressar gem de leitura em segunda língua, mas são poucos os estudos de casos
minha convicção de que muito do insucesso escolar poderia ser evitado que podem constituir evidências[ empírica~para uma ou outra proposta
se, em lugar da obsessão pelo "método", a escola procurasse ser um teórica.
verdadeiro laboratório de observação do que ocorre no processo da Nesta comunicação, pretendo relatar minha experiência como su-
aprendizagem, abordando a criança como um sujeito ativo desse pro- jeito da aprendizagem de leitura em segunda língua, o portuguê.s, .em
cesso. O treinamento do professor não consistiria em meramente lhe um contexto de ensino de língua materna, isto é, a escola brastleua .
suprir conjuntos de técnicas e procedimentos, isto é, verdadeiras " re- Após 0 relato, farei algumas considerações teóricas e concluirei com
ceitas", mas sobretudo em torná-lo consciente da natureza do objeto reflexões a nível pedagógico e de política educacional.
que vai ensinar e capaz de observar o processo de sua aprendizagem,
nele intervindo de maneira a melhor ajudar os seus alunos . * Trabalho apresentado em sua versão preliminar no I ENPU~I, :ucsP,
1983, e em sua forma definitiva na mesa-redonda sobre Alfabettzaçao, En-
contro sobre Linguagem e Aprendizagem, UNICAMP, 1983.

15
14
··-

~ascida no. Brasil, de pais japoneses, falei apenas 0 japonês até Hoje, estudando meu caso à luz de teorias psicolingüísticas, tenho
os seis anos de Idade. Ao ingressar na escola, nessa ocasião meu do- condições de dar uma explicação mais objetiva, sem contudo desprezar
n:ínio do portug,uê~ limitava-se a algumas expressões de poli,dez (bom os aspectos emotivo-motivacionais, que certamente tiveram um papel
· d,1~, desculpe, da licença, etc.) e de alguns itens nominais do vocabu-
importante.
lano (banana, café, cadeira, etc.).
É preciso ressaltar, entretanto, que muito do que eu já sabia ao
, ~ e~c?la que. freqüentei ini ciava o processo da alfabetização no ingressar na escola pode ser classificado como pré-requisitos para a
p~e-pnma~o, ao fmal do qual o aluno ganhava seu primeiro livro de aquisição da escrita - os quais, portanto, eu partilhava com aqueles
leltu~a: Nao houv~ para mim , portant o, um período em q ue pudesse col egas que estavam aptos a iniciar o processo.
adqumr o portugues ora l. antes de começar a aprender a escrita. Pensando, pois, primeiramente no caso da criança que adquire a
Minha iniciação à leitu ra não começou, porém, na escola. Fui escrita em língua materna, podemos analisar melhor o que eu realmen-
daqueles ~asos. que chamaríamos de auto-alfabetizados, termo que não te partilhava e o que era decorrente de minha experiência individual.
cab~ aq~1 , ~OI S o , ~ue havia aprendido a ler fora o japonês, cuja O primeiro requisito para a alfabetização é que a criança tenha
escnta nao e alfabettca. Na língua japonesa, o processo da aquisição um desempenho oral normal para a sua idade. É o pré-requisito do
da. escrita leva longos anos, pelo menos até 0 fim do primeiro grau, desempenho lingüístico. Esse pré-requisito básico era justamente aquele
~01s além de dois silabários o aluno tem que aprender cerca de 1.200 a que eu não obedecia.
td~ogr~ma~ .. Minha auto-aprendizagem, na verdade, cobriu apenas os Há, porém, outros tipos de conhecimento e habilidades que a
dOis sllabanos. A aprendizagem que se seguiu, de cerca de 50 ideo- aquisição da leitura pressupoe no alfabetizando, e ~ava
gr~~as, foi at.ravés de um estudo dirigido por mirJha mãe. o processo ~om meus colegas.
foi mte~rompido .n o ano em que ingressei na escola, mas 0 que eu ~me.irõ!Tõ} ~ capaci.dade da cri~n?a de distinguir diferentes
conseg~Ia ler d~ Ideogramas me permitia ler com desenvoltura qual- sistemas de signos. Ãsstm, a cnança que dtstmgue o papel do desenho
quer hvro destmado a crianças dos primeiros anos do primário no ou da figura do papel do texto ou das letras atenderia ao pré-requisito
Japão.
da diferenciação de linguagem 1 •
Assim, ao ingressar na escola a situação era a seguinte : eu tinha Um~· e conhecimento, que não é essencialme~te di-
uma leitura proficiente em uma língua que não usava 0 mesmo sistema ferente do anterior, mas que, por apresentar concepções do que a
de escrita do português e não falava a língua em que iria ser alfa- escrita pode representar, seria a consciência da natureza simbólica da
betizada. escrita. Uma criança que relaciona , por exemplo, o tamanho da palavra
- - - . ,., . 2
ao tamanho do objeto, estaria ainda na fase da representaçao Icomca
. Ao ~inal do pré-primário, a situação era outra: eu era uma profi- e não da representação simbólica. A concepção simbólica, por sua vez,
ciente leitora do livro de leitura, que fui a primeira a ganhar, e já pressupõe a arbitrariedade do código escrito, mas parece que desde
era também uma das meninas mais tagarelas da classe. Estava total- cedo há certas restrições que a criança já impõe a essa arbitrariedade.
mente assimilada.

Até há alguns anos, nunca cheguei a refletir muito sobre essa 1. Vide experimentos em Emilia Ferreiro et al. (1979), e E. Gibson e H.
f~se da min~~ vida escolar, atribuindo meu sucesso à garra e ao espí- Levin (1975).
2. Vide evidência disso em Emília Ferreiro et al. (op. cit.) e em Lucia
nto competitivo, e até a uma inteligência privilegiada.
Browne Rego (1982).

16 17
Assim, a maioria das crianças só aceita algo como escrita se houver
As duas habilidades discriminatórias, a auditiva e a visual, ~ode~
variedade, linearidade e multiplicidade de signos-~. Um segmento cons-
ser consideradas apenas como subtipos da capacidade de categonzaçao
tituído de apenas um elemento é em geral rejeitado por crianças como
, · 1 , 1·sto e' , aquela que leva a criança a isolar perceptualmente
'pnmana
·
exemplo de escrita. É possível, porém, que essas características sejam
um objeto ou evento com certas características.
apenas uma conseqüência da concepção que a criança tem de que a
escrita, embora arbitrária com relação ao objeto que representa, é uma Voltando agora à minha experiência, podemos dizer. que, embora
representação isomórfica da fala ·'. Ora , se esta é linear, variada em 0 requisito mais importante estivesse ausente, ~u atend1a .a todas as
sons e com raras unidades de um só elemento sonoro, a escrita deverá outras condições, isto é, sabia difere~cia: a. fun?~o de u_ma. ~:u~gem d:
ter também essas características . I.unçao
- de um texto , sabia que a escnta e s1mbohca e nao 1comca, qu_
ela representa a fala, podendo ser segmentad~, ~u~ os segmentos sao
Se a criança concebe a escrita como uma representação da fala e
visualmente discrimináveis através de traços d1stmt1vos e que, embora
a escrita da língu a em questão é alfabética ou silábica, uma das pré-
represente a fala, o ato de ler pode ser silencioso .
condições para a criança adquiri r essa escrita é a capacidade para a
análise segmenta! da fala a nível silábico ou fonológico , isto é, a capa- Como todos esses requisitos eram satisfeitos por muitos ~~ me~s
cidade para aprender sons como unidades abstratas. colegas e eu estava em desvantagem por não atender ao :equ!Slt~ ba-
sico do desempenho lingüístico, a questão que se levanta e a segumt::
Essa associação que a criança faz entre a escrita e a fala parece
0 que compensou essa desvantagem e por que compensou de forma tao
levar a criança a não distinguir a leitura da fala, em termos de com-
mais vantajosa?
portamento, pois somente crianças mais maduras identificam a leitura
silenciosa como um ato de ler ". Poderíamos dizer que esta é a capaci- Em primeiro lugar, embora muitas das cri~~ças que. ini~ia.ram _a
dade para reconhecer a autonomia da escrita. aHabetizacão comigo já atendessem ao pré-reqmslto da dtscnml~~ç:o
visual, ac~edito que o treinamento que me proporcionou a a~ulSlçao
Ao lado da capacidade de discriminar segmentos sonoros da fala,
Ja escrita em japonês tenha desenvolvido em mim essa ~ap~ctdade a
um pré-requisito exigido é a capacidade de discriminação visual, que
leva a criança a distinguir não apenas as diferentes letras do sistema
· 1 bem mais apurado, dada a complexidade da escnta Japonesa.
mve d' · ·
Além disso, é possível que, embora fosse capaz de tscnmmar com
ortográfico, mas também a perceber que no interior do texto escrito
coexistem sistemas gráficos distintos, como letras, números e sinais de rigor 0 input visual, eu só fizesse, na verdade, uso de certos tr:ços
pontuação. Embora a criança não consiga dizer qual a diferença de criteriais, apoiando-me já em uma estratégia seletiva, que p~essupo~ o
função desses diferentes sistemas, aquela que está apta para iniciar o conhecimento da natureza redundante da ortografia e do s1stema lm-
processo da alfabetização já tem condições de perceber as diferenças güístico.
entre esses sistemas 11 • A essa capacidade de diferenciar visualmente le!ras de outros sím-
bolos gráficos, como números e sinais de pontuaçao, acrescent_ava-se
3. Vide citação do trab alho de Li nd a Lavine em Charles A. Temple et ai. ainda a capacidade de traduzir esses sinais pa~a aqueles do s1stema
(1982).
ortográfico japonês, cujas funções eu já conhecta.
4. Na verdade, segundo L. S. Vigotsky (1978), essa relação entre fala e
escrita é um simbolismo de segunda ordem, uma vez que a fala já é em si Quanto a consctencta de ser a leitura um ato autônomo diferente
, •A •
.
simbólica. da fala, a própria natureza da escrita ideográfica japonesa, que obnga
5. Vide experimento em Ferreiro et a/. (op. cit.) .
6. Vide relatos de experimentos em Charles A. Temple et a!. (op. cit.).
7. Vide a explicação desse termo em J. Bruner (1980).
18
19
uma leitura pelo significado e não pela decodificação sonora 8 , pode mais previsíveis contextualmente são exatament~ os sufixos . Possivel-
ter facilitado muito a minha passagem de decodificadora em sons para mente minha consciência da existência desse tlpo de elemento dev~
extraidora de significados sem mediação. O fato ainda de estar adqui- não só ter facilitado sua aquisição, mas também facilitado. ~in_ha let-
lura. Se eu sabia que esses elementos eram altamente prevtstveis, cer-
rindo uma nova língua evidentemente foi um dos motivos que me
tamente não lhes dava a mesma atenção que dava a outros segmentos,
levaram a não me limitar à decodificação sonora. Se para a criança
ou utilizava-os quando necessário para identificar o papel estrutural
que já fala a língua a decodificação em sons pode ter sido um jogo
inicial interessante, para mim, quase sempre a leitura de uma palavra de algum termo novo .
implicava também a sua aquisição e, portanto, de seu significado, mo- Já a nível textual, a estruturação em parágrafos _não_ constituía
tivo por que a leitura apenas a nível de decodificação fonética não mistério para mim. Como a convenção é usada nos dms ststemas, eu
tinha interesse algum. Nesse sentido, a desvantagem de não ter ainda provavelmente sabia que um parágrafo novo sinalizava mudança de
um domínio da língu a constituiu uma vantagem na medida em que ~~00- .
desenvolveu em mim uma estratégia procedimental mais eficiente para Outro tipo de estratégia procedimental que devo ter transfendo
a apreensão do significado. Em lugar deste ser extraído via decodifi- c usado intensamente é a operação de inferência . Sabemos que p~ucos
cação sonora, seu acesso fazia-se sem mediação. de nós, ao encontrarmos um termo desconhecido em um texto, t~te~­
Outras estratégias procedimentais devem ter sido transferidas da rompem a leitura para consultar um dicionário. Às vezes nem dtmt-
habilidade de ler em outra língua. Assim, em japonês, o meu desem- nuímos 0 ritmo de leitura, esperando que o contexto possa escla~~cer
penho já estava longe da etapa de leitura palavra por palavra, de forma seu sentido. Em tais ocasiões, esse termo fica visualmente ou audttlv_a-
que à medida que minha sintaxe do português foi emergindo é possível mente retido na memória temporária à espera de uma interpretaçao
que eu já procurasse segmentar o input visual em unidades significa- apropriada, que se dá por inferência. Ora, se meu repertório voc~­
tivas maiores que a palavra. Posso hipotetizar, pois, que a minha aqui- bu lar em português era limitado, esse tipo de comportamento d~vena
sição da sintaxe do português, que deve ter-se dado a nível bem mais ter sido utilizado com muito mais freqüência do que se esperana ,e~
consciente do que a de meus colegas, permitiu que eu construísse mi- um leitor nessa fase, pois os autores cuidam para que o vocabulano
nhas estratégias de parcelamento sintático na leitura muito antes de seja acessível à criança. Na verdade, o pequeno leitor, nesta fa~e, te~
meus colegas, para. quem a sintaxe do português estava a nível muito a expectativa de encontrar palavras de seu rep~rtório e sua_ leitura e
menos consciente. quase uma busca de confirmação dessa expectativa, o que d_~txa pouco
Quanto ao nível da morfologia, também a experiência com a para a criança inferir. A inferência nessa fase reduz-se freq~ente_ment_e
escrita japonesa deve ter sido útil na construção de minhas estratégias apenas a adivinhar 0 resto de uma palavra parcialmente l~da, tsto e,
de leitura. A escrita japonesa, que convenciona utilizar ideogramas mais uma operação de reconhecimento do que de construçao. .
apenas para radicais, deixando para o silabário "hiragana" a represen- A inferência construtiva é aquela que cria significados a ~artlr
tação dos sufixos, desperta através dessa convenção a consciência do de pistas contextuais, 0 que torna o leitor menos dependente da mfor-
leitor para a natureza desses dois tipos de morfemas, coisa que a mação linear e mais integrador de informações co-ocorrentes.
escrita romana não deixa transparente. Sabemos que um dos elementos As operações de inferência não devem ter-se l~mitad~ apenas a
nível de palavras . Se nesse nível, eu teria essa capact~ade mtegradora
8. Podemos dizer que leitura sem mediação àeixa de ver a escrita como de informações co-ocorrentes, possivelmente a falt_a vt.s ual de algu~a
um simbolismo de segunda ordem para considerá-la um simbolismo de primeira informação necessária para essa integração devena fazer-me supn-la
ordem: significado - escrita.
21
20
·-
r
mentalmente. A essa altura, minha expenencia anterio r deve ter-me
que nela utiliza podem compensar, com vantagem, o déficit no do-
ensinado que nem toda informação que extraímos do texto está nele
mínio lingüístico.
visualmente presente 9 . Ora, essa informação ausente seria aqu e la que
Quanto à educação da criança em comunidades etnicamente mi-
o escritor teria pressuposto como conhecida do peq ue no leito r c o mi-
noritárias, não me parece que um programa bilíngüe simultâneo seja
tido por constituir uma informação desnecessária. Tai s info rmüçõcs
a solução. Podemos pensar em duas alternativas: a primeira, que seria
pressupostas poderiam apresentar problemas se eu não 1 é.l r_liI h asse. do
o modelo que vivi, isto é, uma ed ucação na língua materna antes da
universo sócio-cultural das crianças para que o tex to havia s1do ·~T ito.
idade escolar, e a segunda , que colocaria a criança por mais tempo na
Mas , na verdade , embora não dominasse a língua ncs c co nl ·x lo. cu
pré-escola, período em que ela adquiriri a a segunda língua por imersão,
era um produto desse meio. Assim, partilhava desse co nh · ·im ·nto
após o qual ela seria alfabetizada, em igualdade de condições com
prévio pressuposto muito mais do que aquilo q ue os a1110r ·s d · livros
outras crianças. Na verdade, esta última solução seria também aquela
japoneses pressupunham de seus leitores. Eu não dev e ria I -r, p o rt<~nt o,
para crianças cujo dialeto não é o privilegiado pela escola. Seria
nenhuma dificuldade para suprir as lacunas intencionai s do nulor do
enfim função da pré-escola preparar crianças tanto de minorias étnicas
meu livro de leitura em português.
como de minorias dialetais para a ta refa da alfabetização.
A utilizacão razoavelmente consciente dessa cst ra l <p.in dl' in i' ·rC: n-
cia leva o leit~r a prever que poderá fazer inferência s mu i HU • ·did n~. o
que o faz desenvolver paralelamente procedimentos pnru II~II O~' O IT~'7I I O,
isto é uma monitoria de sua compreensão. f: pos ·ív ·1. po1s, 11 1111 )\ IIWr
que t~l tipo de comportamento, já em n íve l mctapro · ·di l ll~'llinl , ·sli -
vesse presente entre minhas estratégias de lei tu ra .
Resumindo essa análise, posso hoje ente nder r o r qu e 111 ·u d ~.:s~.: n ­
volvimento na aquisição da leitura em segunda lín gull l'ui lu u ~ urprc­
eodente. Na verdade, o meu handicap lingüísti co, ti · un1 lnd >. c a
minha experiência prévia como leitora, de outro, tllunrn11 1 ·111 ·on-
·u nto como fatores facilitadores para esse dcs •nv olvi 111 '111 0 . Di sse
~lguém que o conhecimento é o inimigo da va id ad ·. D · l~1do,P ·rccbo
após essa minha reflexão que nada tenho do qut.: 1111.: ·nvu1d · · '~'c que,
no frigir dos ovos , fui, na verdade , uma privil ·g ind11 . .
Este estudo de caso parece corrobo ra r as lcs ·s r ·· 'lll ·s so bre le i-
tura em língua estrangeira de q ue a língua o ra l 11110 0 11111 prt: n.:qui sito
para a aprendizagem da leitura em segunda lín p, u11 · qu· , s · o alun_o
já é um leitor proficiente em sua lín gua , as ·s t r ; ll ~g i ~1 s proccdllnentals

9. Frank Smith (1978) postula que o sig nifi cudo ·x1mído de um texto vem
apenas em parte do input visual , con cc pçiio <..:s l 11 ·o nlt ccida c~ mo top-do~n.
Para uma explicação dos processos t o p-d OIIIII c ho /1 0 111 -llfJ veJ?, meu art1go
"Processos de decodificação e a integraçiio do ve lh o co m o novo , (1983b).

22
23
CAPITULO 3

Reconhecimento instantâneo e
processamento em leitura*

As pesquisas em leitura, principalmente na área da psicologia 1 e


da psicolingüística 2 , são unânimes em afirmar que, na leitura profi-
ciente, as palavra~s~lid ~ão letra _po~ letra _9u_3ililba-por sílab ~
~alisado, isto é, por reconhe~imento instan-
tâneo e não por processamente--an~éftco.
Para Smith (1978), o reconhecimento de palavras se dá como o
reconhecimento de outro objeto qualquer (carro, árvore, criança) e, da

• O primeiro esboço deste trabalho foi apresentado numa mesa-redonda


sobre leitura no XXII Seminário do GEL em 1980, em Araraquara. A versão
definitiva foi discutida no I Grupo de Leitura, PUCSP, 1982.
1. CL Gibson e Levin (1975).
2. Cf. Goodman (1970), Smith (1971, 1973 e 1978).

25
··-

mesma forma que identificamos um objeto através de sua configuração Consideremos primeiramente a leitura de palavras isoladas, em-
geral, podemos reconhecer uma palavra através do todo (seu contorno, bora saibamos que normalmente as palavras vêm contextualizadas.
extensão, etc. ) sem uma análise de suas partes. Da mesma forma, po- Uma palavra pode ser reconhecida instantaneamente por um leitor
rém, que podemos identificar uma árvore enxergando apenas uma em virtude de fazer parte de seu léxico visual. Nenhuma análise é
parte de sua copa, a palavra pode ser reconhecida ou adivinhada sem necessária, sendo a apreensão feita através do seu contorno (o com-
que enxerguemos a sua totalidade. A leitura de uma palavra por um primento, por exemplo) e de algumas letras que atuam como pistas '3 .
leitor competente é feita, pois , de maneira ideográfica . O conhecimento de restrições fonotático/ortográficas levam-nos a dis-
Esta forma de leitura pode estender-se também a segmentos maio- pensar a identificação de outras letras. Essas restrições têm a ver com
res que a palavra, segmentos esses que designaremos por " blocos" as possíveis combinações de letras / sons em cada língua e as posições
(chunks). Através de uma análise de hipóteses sobre os ·processos en- possíveis para cada letra ou grupo de letras.
volvidos na leitura de pa lavras e blocos, procuraremos, neste trabalho, Uma palavra como um todo pode não pertencer ao léxico visual
emitir algumas reflexões sobre o papel da memória nesses processos. do leitor, mas após uma primeira decomposição suas partes podem
Ê fato reconhecido na literatura que , quanto mais eficiente um
ser imediatamente reconhecidas, seja por pertencerem a unidades que
compõem o seu léxico visual ou por constituírem partes recorrentes
leitor, maior seu vocabulário vi sual [cerca de 50.000 , segundo Smith
em itens desse universo. Ê o que pode ocorrer, por exemplo, com pa-
(19 78 :69)] e que o processo de análise e síntese da palavra em uni-
lavras derivadas , das quai s a base e o afixo podem fazer parte desse
dades menores será usado apenas para itens estranhos a esse universo.
léxico familiar.
Smith acredita ainda que raramente o leitor competente ch ega a ana·
lisar tais palavras, pois o contexto normalmente dá pistas suficientes Se a palavra for apenas parcialmente reconhecida, a leitura da
para seu entendimento. parte estranha exigirá decomposições sucessivas até a identificação
formal total da palavra . O conhecimento prévio do leitor quanto às
Para um leitor iniciante, porém, cujo vocabulário vi sual ainda é
restrições fonotático/ortográficas e seu vocabulário auditivo podem
muito limitado - mesmo para aqueles alfabetizad os pelo método
atuar para minimizar esse trabalho de análise e síntese.
global - , o processo de leitura envolve muito pouco reco nh ec im ento
visual instantâneo, consistindo a leitura, mais freqü entemente, em ope- No caso de palavras totalmente desconhecidas, mesmo do ponto
rações de análise e síntese, sendo a apreensão do signifi cad o mediad a de vista auditivo, apenas o uso do conhecimento de regras fonotático/
quase sempre pela decodificação em palavras auditivamente familiare s. ortográficas explica a facilidade com que um leitor proficiente consegue
lê-las .
As operações de análise e síntese, depois de certo tempo . podem
basear-se em segmentos maiores que a letra: sílabas , morfcma s c, acre- Como se pode perceber pelo que foi dito acima, a leitura de uma
palavra não pressupõe necessariamente sua compreensão, pois nos dois
dito, também em partes maiores da palavra que não constituem uni-
dades lingüísticas, mas que têm uma incidência muito grande na lín-
3. Gibson e Levin (1975) relatam que muitos experimentos atestam ser o
gua, como é o caso de segmentos como -ala que aparece em palavras
início e o fim de palavras especialmente salientes, sendo aquele mais do que
como bola, mola, cebola, etc. Trata-se, pois, de uma ope raçüo de de- es te. Erros de escrita compl ementam e reforçam essa hipótese, pois a maior
composição e composição, que envolve também um n::conhecimento parte deles ocorre em posição mediai. Eu acrescentaria que, à exceção da vogal
tônica, as consoantes são mais salientes do que as vogais, não apenas do ponto
visual instantâneo, porém parcial, da palavra. de vista gráfico. mas do ponto de vi sta informacional.

26 27
··-

últimos casos descritos, não há possibilidade de correlacionamento de Meu pai é um mu·si·co músico na nato . Ele toca pi piano, vi-o
palavra visual com seu significado. violão e vi-ola.
Podemos supor, seguindo a tese de Míller (1978), que os itens
A segmentação e a repetlçao mostram o processo de análise e
registrados no léxico, no caso o léxico· visual e não o auditivo, teriam
síntese (mu-si-co músico). A segmentação parcial seguida da leitura da
sua interpretação semântica acoplada à sua representação formal de
pal avra como um todo (na nato, pi piano) pode indicar dois processos:
modo que, no caso do reconhecimento instantâneo, a interpretação
a) no caso de nato e viola, como podemos supor que as palavras não
também independeria de uma análise semântica. Assim , para palavras
são do conhecimento da criança, a única explicação para a leitura da
derivadas ou compostas já registradas no léxico mental, o reconheci-
palavra como um todo, sem passar pela decomposição total em sílabas 4
mento seria acompanhado de uma interpretação instantânea. Ao con-
seria o reconhecimento instantâneo de -ato para nato, e de -ola para
trário, para palavras novas cujas partes são conhecidas, o processo de
viola, segmentos esses já familiares à criança em contextos como rato,
an álise/síntese ocorreria igualmente a nível de recon hecimento formal
e de interpretação . gato e pato de um lado e bola, cola e cebola de outro; b) já no caso
de piano e violão, seriam restrições sintáticas e semânticas de tocar
Consideremos agora a leitura de palavras contextualizadas. Além
que determinariam a leitura do final das palavras. As sílabas iniciais
da redundância interna da palavra (restrições fanáticas e ortográficas),
apenas atuariam como pistas confirmadoras das previsões do pequeno
teríamos a atuação de regras sintáticas, pressuposições semânticas, res-
leitor.
trições colocacionais e estilísticas, imposições pragmáticas e inferências.
Tanto no caso da palavra isolada como no caso da contextuali- Suponhamos agora que, na última frase, em lugar da ordem violão
zada, a leitura tem muitas vezes a característica de uma antecipação e viola tivéssemos o contrário: viola e violão . Haveria uma boa possi-
seguida de confirmação, uma vez que o conhecimento prévio das res- bilidade de a criança ler violão em lugar de viola, visto que esta última
trições acima mencionadas leva-nos a reduzir o conjunto de itens pos- palavra é de menor freqüência e provavelmente não pertence ainda ao
síveis de ocorrer em determinado contexto, sendo a percepção propria- repertório da criança. Ocorreria então uma substituição, que viria a
mente dita condicionada e governada por essas restri ções. Se o leitor ser revista no momento em que a criança se deparasse com outra pa-
fa z uso desse conhecimento, ma s não utili za . ou utili za insuficiente- lavra igual. A substituição aí envolveria um processo de inferência"
mente, as pistas confirm adoras de suas an tcc iJ ações, ou predições, em que o verbo tocar e as iniciais vi-o atuariam como premissas.
poderão ocorrer no texto lido om issões. sub titui çõcs c até acréscimos . Podemos dizer que houve aí uma dependência excessiva das pistas
Tal fenômeno, observado por Goodman ( J 969), fez c m que esse contextuais, sem uma averiguação prudente de outras pistas gráficas
autor considerasse o ato de ler como um " jogo psicolingi.ifstico de do estímulo. Kolers 6 (1975) atribui muitas das dificuldades de leitura
adivinhação".
ao uso excessivo de adivinhações, estratégia própria do processamento
Para dar uma visão mais concreta do processo hip t 1iza cl o, ima- top-down (da macro para a microestrutura). Se o uso adequado desse
gi nemos uma criança recém-alfabetizada lendo o seguinl c lcxlo : tipo de processamento leva à fluência na leitura, um processamento
Meu pai é um músico nato. Ele toca bem 1 iano, liiolão e viola.
O vocabulário visual dessa criança poderá incluir il ·ns fun cionais 4. Acredito que, na decomposição, embora teoricamente o leitor possa
como meu. é, um, ele e bem e itens lexi ca is como pai c loca. chegar até a letra, a sílaba, por ser uma unidade pronunciável, teria uma
Indicando com grifo o modo da criança escancl ir o tex to na lei- utilização psicologicamente mais viável.
5 . Cf. Smith e Havilland (1972), apud Gibson (1975:209) .
tura, podemos supor que ela lerá da seguinte forma:
6. Apud Ada ms (1980:17).

28 29
·'·

complementar, o bottom-up (da micro para a macroestrutura) é indis- ficial ou a curto prazo) . Muitas vezes a interpretação poderia, nesse
pensável para a acuidade na leitura. processo, derivar não da palavra realmente vista, mas hipotetizada no
Resumindo, podemos lizer que a velocidade e a precisão com que contexto, resultando daí uma interpretação inferida através do conhe-
uma palavra é percebida, ou lida, depende: a) de a palavra estar re- cimento de regras colocacionais e das pressuposições semânticas e
gistrada no léxico visual pela freqüência com que o leitor já foi ex- pragmáticas. Em geral, uma palavra desconhecida é interpretada se-
posto a ela e por ter a ela acoplado o seu sentido; b) do conhecimento gundo esse processo.
de regras e imposições fonotático-ortográficas, sintáticas, semântico- O segundo processo seria o entendimento por respostas instantâ-
pragmáticas, colocacionais e estilísticas a que a palavra está sujeita e nea do bloco (retrieval) por poder ele ser extraído, da mesma forma
do uso adequado e suficiente dessas restrições para predizer e con- que as palavras visualmente conhecidas, não de um léxico mental,
firmar sua forma e conteúdo e c) da capacidade de raciocínio inferen- mas, no caso, de um glossário mental.
cial do leitor, que lhe permite também antecipar itens ainda não vistos. Esses dois processos constituem um modelo que é uma extensão
Passemos agora à reflexão para a leitura de blocos. do modelo de léxico mental de Miller (1978), o qual o propõe apenas
Embora a palavra seja, para Vygotsky (1962) 7 , o microcosmo do para palavras, mas não para sintagmas ou sentenças. Segundo seu
estado de consciência (consciousness) humana, experimentos mostram modelo, as palavras derivadas já adquiridas constam do léxico e não
que a leitura proficiente não se processa palavra por palavra, mas por são geradas por regras lexicais e nem necessitam de regras composi-
blocos, que constituem unidades de informação, podendo um vocábulo, cionais semânticas para sua interpretação. Tais regras só operam quan-
às vezes, constituir sozinho tal tipo de unidade. do o falante encontra palavras desconhecidas ou cria novas palavras.
A capacidade de reconhecimento instantâneo de palavras não ex- Assim, uma pessoa pode ter incorporado ao seu léxico a palavra deri-
plica pois a leitura fluente com compreensão . vada pensamento, mas não lacunamento, que deveria ser criada através
Poder-se-ia perguntar se a leitura e compreensão de segmentos de regras lexicais (ou morfológicas) ou interpretada através de regras
maiores que a palavra envolve sempre um processamento na base de
composicionais.
análise e síntese com um bom componente de adivinhação e inferência.
Da mesma forma podemos ter incorporado ao nosso glossário o
Parece ser essa a posição corrente entre cognitivistas como Goodman
sintagma máquina de escrever como um composto que não exige ser
(1970) e Smith (1971, 1973 e 1978) .
computado em suas partes cada vez que é usado ou compreendido, ao
Apresentaremos a seguir um modelo não totalmente diferente , mas
passo que a expressão máquina de falar requereria análise e síntese
que considera esse tipo de leitura como apenas um dos processos pos-
síveis. Proporemos que a leitura eficiente é produto de três processos para sua interpretação. Tanto lacunamento como máquina de falar
distintos. poderiam vir a ser incorporadas ao léxico e glossário mental respecti-
Num primeiro processo, cada bloco seria analisado em categorias vamente se aparecessem consistentemente o número de vezes necessá-
correspondentes a palavras através do nosso conhecimento de regras rio para se convencionalizarem.
léxico-sintáticas, atuando estas como unidades mínima s. Os seus sen- O tipo de leitura que não envolve análise e síntese deve necessa-
tidos seriam sintetizados para a obtenção do si gnificado do bloco. riamente ocorrer com lexias e idiomatismos, que são por natureza
Haveria nesse processo um papel ativo da memória temporária (super- inanalisáveis, mas acredito que esse processo estende-se a conceitos
complexos altamente convencionalizados dentro de uma área. Tais ex-
7 . Apud Gibson (1975:189). pressões podem, da mesma forma que os termos especializados, figu-

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31
··-

r
rar no glossário visual do leitor, o qual possibilitaria o reconhecimento nossa proposta, deveriam constar do glossário mental e que, portanto,
instantâneo. tanto de sua forma como de seu conteúdo. não deveriam exigir trabalho da memória temporária para sua produção
ou processamento.
As seqüências (por exemplo: criminal lawyer, differential calcu-
Tomemos para ilustrar o seguinte texto: lus, In the beginning was the word, All's fair in lave and war) são
No final de 1980, quando a mudança da política econô- justamente as formas que Fillmore ~ chamaria de formulaic e que
mica levou os economistas de oposição e os empresários Bolinger (1976) propõe não serem geráveis por regras de estrutura
a alertar contra uma recessão econômica, os ministros frasal ·e nem interpretáveis por regras projetivas semânticas, consti-
econômicos garantiram que tal não aconteceria, nem era tuindo blocos monolíticos normalmente não analisados, constando pois,
o objetivo. Mas ao mesmo tempo continuaram a praticar nessa forma, da memória permanente.
uma política monetária deliberadamente recessionista . Simon não tece considerações sobre sintagmas que requerem aná-
Quando a recessão se tornou definida (mas não eviden- lise e síntese para sua interpretação e que exigem, nesse processo, um
te), a partir de abril, os ministros continuaram a negá-la . trabalho intenso da memória temporária.
Quando, por volta de agosto, a recessão tornou-se abso- Ao contrário, porém, dos blocos já registrados no glossário men-
lutamente evidente, com a produção industrial despen- tal, esses sintagmas não passam da memória temporária para a per-
cando, os índices de desemprego alcançando taxas so- manente, nela permanecendo o tempo suficiente para serem integrados
cialmente dramáticas, as vendas varejistas caindo siste- às unidades maiores a que pertencem.
maticamente ... (extraído de "Mentiras, medos e mila- Assim, no texto de Pereira lido acima, sintagmas como econo-
gres em 1981", de Luiz Carlos Bresser Pereira, Folha mistas de oposição, deliberadamente recessionistas, taxas socialmente
da Manhã, 12/01/82, p . 2). dramáticas, etc. requerem um processamento analítico-sintético, o que
já exige um trabalho da memória superficial, além de seu conteúdo
semântico (e talvez até sua forma) deve ser aí retido para poder ser
integrado ao conteúdo dos sintagmas subseqüentes .
.Temos no texto acima as lexias no final de, ao mesmo tempo, a Quanto às seqüências sem sentido de palavras, a leitura só pode
parttr de e por volta de que deverão fazer parte do glossário mental ser feita item por item, não havendo possibilidade de integração do
de qualquer falante . As outras expressões grifadas, que pertencem à sentido através da memória temporária, a qual pode atuar apenas para
área da economia, devem ter uma leitura instantânea para leitores que a retenção das formas.
acompanhan: notícias econômicas em jornais. Tanto essas expressões
como as lexias não exigiriam trabalho algum da memóri a temporária,
havendo nesses casos apenas uma operação de confronto com o léxico Podemos, pois, considerar três tipos de seqüências de
e o glossário da memória permanente do leitor. palavras:
Herfert S. Simon (1974), ao tentar definir a extensão permissível a) seqüência desordenada, sem sentido, lida palavra por
~e um bloco, separa as seqüências de mais de uma palavra em dois palavra (não constituindo blocos);
tipos: as que fazem sentido e as que não fazem sentido. Dentre as
primeiras, que chama de "familiares", inclui expressões que, segundo 8. Notas do curso "Formulaic Speech", LSA Institute, University of
Hawaii, 1977.
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b) sequencia ordenada de palavras, cujo sentido se Como o sintagma em questão recorre além da fronteira da sen-
obtém por uma operação de análise-síntese, que exi- tença (período) , seu reconhecimento dificilmente poderia ser atribuído
ge o trabalho da memória temporária; à retenção na memória temporária .
c) seqüência de palavras ordenadas altamente familiar Usarei aqui a noção de "estado de consciência" (consciousness)
e convencionalizada, que não implica processamento de Chafe (197 4) e direi que o reconhecimento instantâneo pode se dar
analítico-sintético, exigindo apenas o confronto do se tal sintagma e seu conteúdo do semântico estiverem presentes no
input com o sentido global registrado na memória estado de consciência do leitor.
permanente. A noção de estado de consciência vincula-se à de "informação
velha" , numa teoria funcionalista da linguagem. Para Chafe, o sentido
de "velho" , contudo, é vago, pois podemos ter um referente conhecido
do escritor e do leitor (ou do falante e do ouvinte), mas que não cons-
Consideraremos agora a leitura de um sintagma que recorre em titua informação velha no texto. Tal informação conhecida pode estar
um texto como tópico ou subtópico. O reconhecimento desses sintag- na memória permanente (profunda) do escritor e do leitor, mas não
mas constituirá o nosso terceiro processo. Leia-se o texto seguinte: estar presente na memória superficial ou mesmo "rasa". A informação
que está no "estado de consciência" é denominada por Chafe de
CONCEPT, embora ele admita que muitas vezes ela é veiculada pelas
próprias palavras da estrutura superficial.
Deixamos um carro vermelho e um caminhão de mu- Assim sendo, o reconhecimento instantâneo dos sintagmas recor-
danças para trás . rentes no texto dar-se-á ou porque o leitor encontra novamente um
Na primeira bifurcação, por causa de nossa indecisão, bloco anteriormente lido e interpretado ou porque o conteúdo semân-
o caminhão de mudanças emparelhou-se conosco e o tico (o CONCEPT) da expressão encontra-se no seu estado de cons-
carro vermelho nos ultrapassou. Reparamos que os mo- ciência e qualquer termo que possa veiculá-lo (termos anafóricos:
toristas dos dois veículos nos reconheceram. O do ca· pronomes, sinônimos, superônimos, descrições definidas, etc.) será for-
minhão de mudanças até acenou para nós. O do carro malmente identificado com rapidez .
vermelho apenas sorriu. Podemos concluir então que, ao lado da memória temporária
(curto prazo) e da memória permanente (longo prazo), teremos uma
memória rasa (médio prazo), que daria conta do fenômeno de reco-
nhecimento de algo já introduzido no texto e que mantém dentro dele
Não podemos dizer que o sintagma carro vermelho faça parte da o status de informação velha.
memória permanente, embora seja possível aceitar caminhão de mu- Uma diferença que podemos supor existir entre blocos que cons-
danças como um item constante do glossário mental , por constituir tituem expressões de um glossário mental e sintagmas reconhecíveis
um possível item lexical. Podemos dizer, contudo, que o reconheci- em virtude da memória a médio prazo seria o caráter genérico ou epi-
mento de carro vermelho na segunda e na terceira ocorrências seria sódico, particular da expressão. Da mesma forma que o que está dicio-
instantâneo, tendo havido já um processamento analítico-sintético na narizado é a palavra designadora de um conceito genérico e nunca um
primeira ocorrência. termo de referência dêitica, as expressões mais complexas que tenham

34 35
apenas essa função não poderiam nunca constar do glossário perma- posta imediata; a ocorrência 4, com status anafórico, sofreria apenas
nente. Assim, embora sintagmas como o ensino superior, o homem que identificação formal.
bebe possam figurar no glossário mental, sintagmas como esta comissão Concluindo, poderíamos dizer que a leitura de palavras e blocos
ou o homem que encontrei, pela referência dêitica que contêm, não pode se dar de três maneiras:
poderiam dele constar, devendo ser identificados através do armazém a) através da resposta instantânea diante do estímulo devido à
da memória a médio prazo, ou ser processados por análise e síntese. existência do item no acervo de palavras e blocos do armazém da
Quando se trata, porém, de um texto cujo tópico ou subtópico é memória permanente, em sua forma e conteúdo.
um conceito genérico e ele é reiterado no texto ainda com o sentido b) através da resposta instantânea ao estímulo devido à existência
genérico através de um sintagma convencional, glossarizado, as ocor- desse item no estado de consciência, ou memória a médio prazo, do
rências desse sintagma podem ser reconhecidas no confronto apenas leitor, em sua forma e/ou conteúdo.
com a forma, já que o CONCEPT estará no estado de consciência do c) através da análise e síntese dos componentes do bloco, reco-
leitor. Leia-se, por exemplo, o seguinte texto: nhecidos por um dos três processos aqui hipotetizados .

Unicidade do conjunto vazio: demonstrar que o con-


junto vazio é uníco 1
l.a demonstração2: se 0 não fosse único, então, haveria
um conjunto vazio3 tal que 0 = 6, e por conseguinte
6 conteria ao menos um elemento não pertencente a
0 . . . Mas isto é impossível, porque 6 não possui
elementos. Logo 6 == 0, e o conjunto vazio 4 é único.
2." demonstração: 1 ... . ...... . ... . .... . .... . ... .
(extraído de Teoria Elementar dos Con juntos, de Edgar
Alencar Filho, Livraria Nobel S/ A) .

No texto acima, conjunto vazio, que é um sintagma pertencente


ao glossário de qualquer pessoa familiarizada com conceitos de mate-
mática moderna, aparece também como o tópico do texto recorrendo
várias vezes. A ocorrência 1 seria reconhecida (forma e conteúdo) por
estímulo resposta; a ocorrência 2 (forma) seria confrontada com o
CONCEPT e identificada. A ocorrência 3, por ter status de informação
nova, seria novamente reconhecida em sua forma e conteúdo por res-

36 ,, 37

\
CAPíTULO 4

Processos de decodificação: a integração


do velho com o novo em leitura*

Meu propósito, neste trabalho, é examinar os processos de deco-


dificação propostos pelos teóricos das áreas de ciências da cognição 1
e da inteligência artificial 2 e o papel desses processos na integração
da informação nova ao conhecimento prévio do leitor e à informação
já dada no texto.
Os estudiosos dessas áreas referem-se a dois tipos básicos de pro-
cessamento de informação: o que chamam de top-down (literalmente

• Trabalho apresentado no I Congresso de Relê, PUCSP, agosto de 1982.


1. São lingüistas, psicolingüistas, psicólogos e teóricos na área da compu-
tação trabalhando com modelos de compreensão, produção e memória tais como
Fillmore (1981), Rumelhart (1980), Bobrow e Collins (eds.) (1975) .
2. São lingüistas, psicolingüistas e teóricos da área de computação traba-
lhando com modelos de parceladores (parsers) . Vide, por exemplo, Wanner e
Maratsos (1978) e, mais recentemente, Marcus (1980).

39
= descendente) e o que chamam de bottom-up (literalmente =
ascendente). tipo, não tira conclusões apressadas. É, porém, vagaroso e pouco
Iluentée tem dificuldade de sin~ as idéias do texto por não saber
, O processamento descendente (top-down) é uma abordagem náo-
distinguir o que é mais importante do que é meramente ilustrativo ou
hn_ear,. qu~ f a: uso intensivo e dedutivo de informações não-visuais e
redundante , O terceiro tipo de leitor, , leitor madur , é aquele que
CUJa d1reçao e da macro para a microestrutura e da função para a
forma . usa, de forma adequada e no momento apropria o, os dois processos
·complementarmente. É o leitor para quem a escolha desses processos
. O processamento ascendente (bottom-up) faz uso Jinear e indutivo é já uma estrategia metacognitiva, isto é, é o leitor que tem um con-
?as I~formaç~~s vi~ua_i~, lingüísticas, e sua abordagem é composicional, trole consciente e ativo de seu comportamento 5 .
Isto e, constrot ~· SJ-~~~~~cado através da análise e síntese do significado
Uma vez que é mais fácil imaginar como se dá o processamento
~as partes. A lm~ws_ti~a estruturalista tem privilegiado esse segundo ascendente, já que ele se apóia basicamente na informação visual, ve-
tipo, f~to que se JUstifica pela sua própria história, na qual se partiu
das umdades menores para as maiores. jamos como se dá o processamento descendente. Se a informação vem
apenas parcialmente do input visual, de onde viria o resto da informa-
A psicologia cognitivista, por outro lado, tem enfatizado a abor- ção? Falamos em conhecimento prévio, mas não pensamos em como
dagem descendente, em seus modelos de aprendizagem3 .
esse conhecimento atua ou como ele está organizado.
~a área específica da leitura, há teóricos que esposam modelos No processamento descendente, o estímulo visual apenas aciona-
essencwi~ente descendentes como Smith (1978) e Goodman (1967); ria o que Rumelhart e outros chamam de Esquemas. Estes são pacotes
outros sao advogados da abordagem ascendente: Gough (1972) e de conhecimentos estruturados, acompanhados de instruções para seu
Kolers (1975).
uso. Tais esquemas ligam-se a subesquemas e a outros esquemas for-
Ess~s dois tip~s de processamento podem servir de base para des- mando uma rede de inter-relações que podem ser sucessivamente ati-
crever tipos de leltor~s: Teríamos o tipo 9~12 · 'leg~ processa- vadas. Cada esquema ou subesquema representa objetos ou eventos
mento descende~te, utilizando muito p~ 0 ascendente. É leitor em sua forma normal, canônica, de tal forma que quaisquer objetos
0
que apreende facilmente as jdéias gera~incipais do tex to , é fluente ou eventos, ou até mesmo raciocínios, podem ser reconhecidos ou
e veloz m~s , or outro lado faz excessos de adivinhações> sem pro- compreendidos em sua variação, a partir de seu protótipo. Nesse sen-
curar conf1rma-las com os dados do texto , através de uma leitura tido, os esquemas assemelham-se a teorias por serem capazes de pre-
ascend~nte. É, portanto, o tipo de leitor que faz mais uso de seu dizer situações novas não experienciadas pelo compreendedor, da mes-
conhecimento prévio do que da informação efetivamente dada pelo ma forma que um falante ideal é capaz de entender e produzir frases
texto.
nunca antes ouvidas ou produzidas.
,._ O ..§egundo tipo de leitor é aquele que se utiliza basicamente do Fazendo uma analogia com modelos estritamente lingüísticos e
__Proces~o ascendente, que constrói o_ sig~ado com base nos dados psicolingüísticos, podemos dizer que o pacote de conhecimento está
~~exto, faze?do pouca leitura na§__entrelinhas\ que aprende detalh;; para a gramática da competência assim como as instruções para seu
det..:_ctando ~erros e ortografia, mas que, ao contrário do primeiro uso estão para as estratégias psicolingüísticas que determinam a com-
preensão e a produção de sentenças. Poder-se-ia supor ainda que tanto
3. Vide, por exemplo, Ausubel et. ai., (1968).
. 4. Consulte-se Scott (1983) para um tratamento detalhado desse ·
leitura . tipo de 5. Consultem-se Brown (1980) e Kato (1984) para um tratamento mais
detalhado sobre estratégias metacognitivas em leitura .
40
41
a gramática como as estratégias psicolingü 1'st1'cas sejam
· ·
um tlpo espe- Isto porque a segmentação (a) codifica uma situação mais plausível
cial desses esquemas.
remetendo a um esquema para a maioria dos leitores, enquanto a
Os esquemas es~a~i~m armazenados em nossa memória de longo- segmentação (b) pressupõe um processamento linear ascendente. que
termo, tendo a possibilidade de automodificar-se à medida que au- trabalha mais com a contigüidade do que com a plausibilidade.
menta ou se altera o nosso conhecimento do mundo. O processamento descendente, a nível textual, utiliza esquemas
. O acionamento de um esquema pode levar ao acionamento su- acionados por palavras ou expressões temáticas e também esquemas
cessivo de seus subesquemas ou de esquemas que lhe são superorde- que codificam estruturas retóricas. Leia-se, por exemplo, o texto
nados, fazendo o leitor predizer muito do que 0 texto va· d' seguinte:
d' · h 1 1zer ou
a JVm ar aquilo que não está explícito.
, . O proce,ssamento descendente (top-down) pode ocorrer em vários
~1~~1s. No mvel da palavra, o leitor usa apenas algumas pistas (letra O dia do casamento da filha do prefeito
I~Icwl, con.t~rno - extensão da palavra, fim da palavra) como input amanheceu lindo. A igreja foi toda engalanada
vts~a~ e utll:za. o seu léxico mental e as regras fonotáticas e de com- de cravos e rosas . O noivo chegou meia
~osJçao grafem1ca bem como as regras de formação de palavras como hora antes da cerimônia e já encontrou
mput não visual. a igreja cheia de convidados. Os
_Assim, ao lermos a palavra plantar ao lado de cizalhamento é padrinhos e as damas de honra também
possi.vel fazermos para a primeira uma leitura descendente (um reco- estavam lá. As damas de honra vestiam
nhecim.ento instantâneo 6 ) utilizando apenas as pistas apontadas e nosso túnicas de cetim cor-de-rosa.
c~nhec1mento prévio, ao passo que a leitura de cizalhamento é essen- A noiva chegou finalmente , com 20 minutos
cJalm~nte ascendente, isto é, letra por letra ou sílaba por sílaba, com de atraso. Estava vestida de preto e na
e.xce~ao de -menta, que lemos globalmente, sem necessidade de aná- mão carregava uma cruz .
hse-smt~se. A, poss.i~ili~ade de leitura descendente está pois direta-
mente hgada a fam1handade, isto é, à presença ou não da palavra em
nosso léxico mental. No texto acima, a palavra casamento constitui a palavra temática,
fazendo acionar o esquema relativo ao evento "casamento". Todas as
No nív~l do sintagma, a segmentação descendente (top-down)
frases do texto são mais ou menos previsíveis, exceto a última. Isto
obe~ece bast.camente a critérios semânticos vinculados a esquemas.
A.ss1m, um smtagma do tipo porque têm a elas subjacentes subesquemas de "casamento" . Quanto
à última frase, para quem tem um esquema para esse tipo de estru-
Bolsa de mulher de crocodilo
seria segmentado conforme (a), em uma abordagem descendente tura retórica, o inesperado é o que vai de encontro à sua predição
ou expectativa. Para o leitor que não possui esse tipo de esquema
(top-down), e conforme (a) ou (b), em uma abordagem ascendente
(bottom-up): ' retórico, a leitura pode passar a ser ascendente , desacelerando-se o
ritmo da leitura. Convém salientar que a compreensão do inesperado,
(a) bolsa de mulher/de crocodilo do novo, nem sempre · se dá pela ligação direta com os esquemas
(b) bolsa/ de mulher de crocodilo arquivados em nossa memória de longo-termo. No exemplo acima,
por exemplo, o esquema acionado funciona para se reconhecer ins-
6. Vide Kato (1981).
tantaneamente os eventos que dele decorrem, pois estes são preditos
42
43
pelos subesquemas desencadeados. Porém, os esquemas como tal são ções mentais, mas uma representação ampla que contenha todas as
constituídos de variáveis e não de constantes, como são os eventos informações apreendidas . Para isso, a fim de não congestionar o ce-
descritos no texto. Assim, o que sabemos através de esquemas tem nário da representação mental, o leitor interpreta muitos termos como
caráter genérico enquanto o texto nos dá o que Fillmore (1981) chama tendo um possível antecedente no texto , isto é, como sendo co-refe-
de envisionement, a que me referirei como representação mental cons- renciais a algum termo que já apareceu. A essa tentativa do leitor de
ciente. A diferença entre essa representação mental criada durante a diminuir participantes, ações e eventos em sua representação mental
leitura do texto e o esquema é que aquela é uma instanciação deste. Fillmore e Kay chamam "princípio da parcimônia". Veja, por exemplo,
O armazenamento da representação mental dar-se-ia em uma memória o texto seguinte:
mais rasa do que a de longo-termo, embora eu a acredite mais pro-
funda do que a de curto-termo, pois esta se define em termos de
Maria casou-se quase criança. Os pais da
número de unidades, enquanto a retenção dos episódios de uma estó-
ria ou dos argumentos que levam a uma conclusão parece ter um moça estão inconsoláveis.
caráter mais qualitativo do que quantitativo 7 • Chafe (197 4) chamou
essa memória rasa de "estado de consciência" e eu, em um trabalho
anterior (Kato, 1981), chamei-a de memória a médio prazo.
o termo maca no texto poderia ser interpretado como não co-refe-
rencial a M~ria, uma vez que esta é referida como quase criança.
À medida que os esquemas são acionados e as variáveis são
No entanto 0 leitor procura um antecedente para o termo e o encontra
preenchidas, constituindo-se em representação mental consciente, as
em Maria, pois isso lhe possibilita eliminar um personagem em sua
informações passam a ser dadas (velhas), e, estando no nível cons-
representação mental 8 • A procura do antecedente ~ão obedece apenas
ciente, possibilitam sua integração com novas informações que se
ao princípio da parcimônia . Ela é também determmada pela pr~senç~
obtêm no texto. B por isso que termos anafóricos possibilitam uma
do artigo definido, pois, se ao invés de definido o artigo fosse mdefi-
computação mais rápida do que termos que constituem informação
nova no texto, pois estes exigem o acionamento de outros esquemas nido, a procura não teria sentido.
ainda não utilizados (embora arquivados em nossa memória), ou a A procura do antecedente não será bem-sucedida se o leitor se
construção de novos esquemas . fiar apenas nas informações explícitas do texto e não usar sua capa-
A interpretação de termos anafóricos em um texto merece aqui cidade inferencial. Assim , no exemplo seguinte, o antecedente de elas2
algumas considerações. Ao começarmos a ler um texto, esperamos que não será identificado se o leitor usar apenas as pistas formais do texto.
um tema ou subtema se mantenha por algum tempo. Isto porque pro-
curamos com as frases do texto construir, não pequenas . representa-
Maria levou suas sobrinhas ao Shopping
7. Miller [apud Simon (1974)] propôs o número magtco 7 ( + ou - 1),
Center, onde comprou uma camiseta para
9
isto é, de 6 a 8 itens, como o limites quantitativo para a retenção na memória cada uma. Elas 1 lhe agradeceram por e1as2 ·
temporária , ou seja de curto-termo. Cada item, porém , pode constituir-se de
mais de uma unidade se o conjunto tiver um significado estruturado. Assim,
podemos reter o número 2854756, com sete unidades , ou a seqüência 285-47- 8 Embora eu tenha atribuído essa busca de antecedente ao princípio da
56-39-456-8-260, também com 7 unidades. No caso em questão, não me parece parci~ônia ,
de Fillmore e Kay , poderíamos atri?uí-1~ à máxima do antecedente
que a dificuldade ou facilidade possa ser atribuída à quantidade mas sim de Clark e Havilland , que será apresentada ma1s adtante. _
à relevância ou coerência. ' 9. Exemplo e explicação extraídos de Webber (1980). Traduçao da autora .

45
44
· que pode ser um
Note-se que o pronome elast pode ser identificado por ter um ante- " bo" visto no exemp1o an t en or,
O esquema rou d " . , é um esquema que revela um
cedente feminino plural em sobrinhas. O pronome elas 2 , por outro d perordena o cnme ' "· ·
subesquema o su . d d h nana bastante universal. Veja·
lado, não tem nenhum antecedente feminino plural. Para saber qual · · · 1 da socte a e UI '
aspecto mstitucwna . - depende de subesquemas
o antecedente, o leitor terá que inferir que, se Maria comprou uma xemplo cuJa compreensao
mos agora um e
camiseta para cada uma das sobrinhas, então ela comprou duas ca- culturais mais restritos:
misetas . O antecedente de elas2 para o leitor que faz esse raciocínio
não está no texto , mas em sua representação mental, após o raciocínio. , Helô e Ju saíram
Ho'e é aniversário d e Caca.
pa;a comprar um triciclo de p resente. Ac~b·atrJam .
Analisemos agora um caso diferente de interpretação anafórica .
Vejamos principalmente a frase (a) sem contexto e depois contextua- henào uma boneca que faz ptpt .
Jizada em (b): porém. escol

. , . defini ão estrita de dicionário nada


(a) João estava com Pedro quando ele foi preso. O termo antversano em sua 1 ç ue aniversário natalício
AI' , há cu turas em q
(b) Toda vez que João vai ao supermercado ele rouba diz sobre presentes. Ias, , aso do Japão. Portanto, a
· ntes como e o c
algo. não se festeja com prese ' d só se estabelece segundo
. · eira frase e a segun a
Hoje, ele está na cadeia e é bem feito para ele. coerência entre a pnm 1 1 - uni·versal Note-se ainda que
d 'ter cu tura , nao ·
um subesquema e cara - ue não estão explícitas no
João estava com Pedro quando ele foi preso 10 • t ' os informaçoes q .
do mesmo texto ex raim . r d de operações de inferência:
texto, através de esquemas mterna tza os e

Em (a) o pronome ele pode ser interpretado anaforicamente em re-


, . , . d Cacá Cacá ganhará presentes.(1)
lação a João ou a Pedro. No exemplo com contexto, ele é interpretado Se e amversano e ' . . 1 de
como sendo João. Ora, em nossa representação mental desse texto, te- a. S Helô e Ju saíram para comprar um tncic o
b. e C , (2)
mos fatos que são instanciações de partes do esquema geral " roubo": resente o triciclo é para aca. C , ,
P ' d · a <3 l Logo aca e
x roubar y ~ x ser preso por w ~ x permanecer na cadeia c. T riciclo é brinquedo e cnanç . '
• (4)
t t uma crzança. não um tri-
x ser ladrão w ser polícia d. Se Helô e Ju compraram umda bdonecae:ina (5) então
ciclo, e boneca é brinque o e m '
Logo, ao ouvirmos ou lermos que João está na cadeia, já sabemos . (6)
através do nosso conhecimento prévio que João foi preso. Portanto,
Cacá é uma menzna.
ao ouvir ou ler a última frase , a oração adverbial já constitui infor-
mação velha e o antecedente do pronome ele independe da presença . exto acima são informações que não estão
de João e Pedro no mesmo período, isto é, não buscamos o antece- As partes sublmhadas do t - d idas a instanciações de esquemas,
dente como nos casos anteriores, pois ele já está pressuposto .. explícitas no texto. Algumas sao ev

Exemplo e explicação extraídos de Kato (1983a) .


10. Exemplo e explicação extraídos de Kato (1980/1981) . 11.
47
46
como (1), (3) e (5), e outras a r 1 d
como (2), (4) e (6) C , esu ta os de operações de inferência
- · onvem ressaltar - ' possivelmente houve uma leitura regressiva com leitura mais pausada
nao-explícitas que emprest A • que sao essas informações para confirmar sua leitura.
am coerencta ao texto d
que nos exemplos anteriores d . , a mesma forma
b l as re es coestvas do f A
Imaginemos agora que em lugar de sobreviventes eu tivesse usado
e eceram-se com anteced t - . co-re erencia esta-
en es nao VIsualmente presentes a palavra doentes. Acredito que mesmo o primeiro tipo de leitor teria
Para tornar mais concreta a distin - . estranhado a presença dessa palavra por não lhe ser possível locali-
a pr.ojeção de um pequeno texto e edi~:o entre os processos, faremos zar-lhe um antecedente possível. Haveria aqui a violação da máxima
a leitura e em seguida procure p mos ,aos presentes que façam do antecedente, postulada por Clark e Havilland (1977) para a pro-
m responder a pergunta nele contida.
dução, mas que pode ser aplicada à compreensão:

Um avião americano que voava de Boston


couver caiu exata para Van- Máxima do antecedente: Procure construir seu enuncia-
Unidos e o Can md:nteE na fronteira entre os Estados do de forma que o seu ouvinte tenha apenas um ante-
a a. m que pa' b .
deveriam ser enterrados? 12 IS os so reviVentes cedente possível para uma dada informação e que este
seja o antecedente pretendido. (p. 4)

Tivemos aqui dois tipos de leito .


pergunta de alguma forma f' res. aqueles que responderam à O termo sobreviventes, ao contrário de doentes, tem seu antece-
ou Jcaram em dúvid I
ram graça e não responderam. . a, e aque es que acha- dente em "passageiros do avião", que já faz parte da representação
Podemos di'z er que o pnmeJro
. . mental. Coloca-se então a seguinte questão: o primeiro tipo de leitor
t' f leu ou não a palavra sobreviventes? Se a leu, como a leu? O con-
mente descendente (top-d ) - Ipo ez uma leitura excessiva-
own , nao tendo usad traste entre doentes e sobreviventes nos leva a crer que a palavra foi
ascendente para confirmar su I 't . o o processamento
" . a eJ ura. Assim tend 0 . d lida, mas não inteiramente processada. Parte da interpretação ficou
ma Acidente Aéreo" d' . h , ' acwna o o esque-
h · a Ivm a atraves de b por conta da adivinhação. Houve um processamento a nível estrutural
ouve mortos e que portanto seus su esquemas que
mortos. , , a pergunta é sobre onde enterrar esses e funcional que conferiu à palavra função de pró-forma de "passa-
geiros do avião". Na adivinhação essa pró-forma teria a referência
. O segundo leitor faz uma leitura "passageiros do avião, que morreram". Para o segundo tipo de leitor,
le1tur d descendente associada a uma
a ascen ente, na qual detecta o nom . . os sobreviventes têm como antecedente " passageiros do avião que so-
que leva a uma proposição . . e defmido os sobreviventes
existencial houve sob . • breviveram" em virtude da proposição existencial pressuposta.
d o a contradição da pergunt l . revtventes. Perceben-
a. esse eltor acha g _ . Para complementar a leitura que fizemos do texto sobre o aci-
a questão como uma pergunt I raça e nao Interpreta
a rea , mas como uma c'l d b dente aéreo, gostaria de submetê-los a um outro experimento. Leiam
d a, com segundas intenções .,... , I a a em arma-
I . . c possivel que esse I 't h o seguinte texto, procurando entendê-lo:
eJtura ascendente da f eJ or ten a feito a
mesma orma que o primeiro tipo de leitor, mas

12. Exemplo extraído e traduzido de Analisam-se dados micrometeorológicos relativos à ca-


Morton (1979).
mada limite superficial, a fim de determinar os fluxos
48

49
adimensionais de calor através das funções de cisalha-
mento propostas por Businger e colaboradores ... 13

Acredito que a leitura que todos fizeram (a menos que haja


algum físico presente) foi uma leitura linear, vagarosa, utilizando
todas as pistas visua is, isto é, uma leitura esse ncialmente ascendente
(bottom up) . Conclui-se, portanto, que o mesmo tipo de leitor pode
variar o tipo de processamento que usa, dependendo do texto conter CAPíTULO 5
ou não esquemas que lhe são familiare s 14 •
Este trabalho pretendeu mostrar que a compreensão em leitura é
uma atividade que envolve a integração do velho com o novo -
integração essa subjacente também à aprendizagem em geral - e que
os processos estudados são uma função direta do grau de novidade Leitor: de analisador a reconstrutor*
ou certeza da forma ou do significado. Assim, para formas ou funções
pouco familiares ou inteiramente desconhecidas, o processamento do
leitor é basicamente ascendente (bottom-up) ao passo que para deco-
dificar palavras , estruturas e conceitos familiares ou previsíveis no
texto o processo privilegiado é o descendente (top-down) .
O que se pode depreender dessa colocação, em termos pedagó-
' ·
crever as vanas hipóteses
gicos, é que uma abordagem metodológica que desenvolve no apren- b lho pretend o des ·
No presente t ra a . , leitura e apresentar mats
diz a capacidade de predizer e inferir só será plenamente satisfatória tais subJacentes a
sobre os processos men . um processo de recons·
se o levar também a conferir graus de certeza e de confiabilidade 1 e vê a leltura como
distintos a informações antecipadas ou inferidas e a informações efe- detalhadamente aque a qu . or parte do escritor.
trução do planejamento do dtscu~so p d' at's sobre leitura temos algo
tivamente extraídas do estímulo visual, mesmo que estas às vezes cepçoes ra tc d
Nas disputas entre con . . . C 1 Sagan diz acerca as
venham apenas homologar a interpretação dada pela interpretação opular ctenttsta ar
descendente. semelhante ao que o . p ~ . de vida em Marte:
conclusões sobre a extstencta
. diz a história, um editor de um
Há muitos anos, asstm I a um astrônomo
• 1 um te egrama
jornal_ famoso envtOL PELO TELÉGRAFO QUINHEN-
concettuado: ENVIE SE HÁ VIDA EM MARTE.
13. Texto extraído de Nogueira e Viswanadham. Fluxos adimensionais de TAS PALAVRAS SOBRE
calor e momentuns na camada limite superficial da atmosfera. Ciência e cul- 'blioteca Mário de Andrade,
tura, 33 (9), 1981 , pp . 1246-1250. · Bibliográfico da B\
* Escrito para o Bo1ettm
14 . Para maiores detalhes sobre fatores que levam à utilização de uma ou
outra estratégia, vide Kato (1983. al. vol. 44. n.o 1/2. 19. 1983.
51
50
O astrônomo respeitosamente replicou: NINGUEM
SABE, NINGUEM SABE, NINGUEM SABE .. . 250 . fazer predicões sobre o que o texto dirá, utilizando
inferencwl para ' eduzir incertezas .
vezes. A despeito dessa confissão de ignorância, susten- os dados visuais apenas para r d odeio pretendem descrever
tada por uma pertinência obstinada de um especialista, . . como o segun o m ·-
Tanto o pnmeiro . . 1 - calcados em observaçoes
ninguém a levou em consideração e, desde aquela
os comportament~s
do leitor Idea e sao b, .
.
, . s de SUJ.eitos leitores tanto p roficientes como tam em me-
época até hoje, ouvimos pronunciamentos autorizados empinca
de pessoas que pensam ter concluído haver vida em
Marte, e de outros que concluem o contrário. Muitas ficientes. . maus leitores são aque-
lo conclUi que os
pessoas gostariam que houvesse vida lá, outras não. Kohlers a, por exemp , I 'tura textual precisa, procuram,
Em ambos os lados têm havido excessos. Estas grandes les que, em lugar de f~zer umda ei do fazer adivinhações, quase
hec1mento o mun ' ·
paixões têm desgastado, de alguma forma, a tolerância com base emI seud'dcons Goodman 4 , por outro lado, verificou. ·que JUS-
h -
da ambigüidade que é essencial à ciência 1 . sempre ma -suce I a . , I e faz mais adivm açoes
. . mpetente e aque e qu 1'
tamente o leitor mais co , 1 e faz uma leitura mear
acertadas e que o leitor imaturo e aque .e qu
com pouca predição.
Na área de compreensão e leitura, onde temos processos inaces-
síveis à observação direta, tivemos também, até recentemente, duas
concepções radicalmente opostas, oposição essa que se manifesta na
denominação com que elas são conhecidas hoje: a hipótese ascendente O leitor construtor-analisador
(bottom-up) , ou de dependente do texto, e a hipótese descendente
(top-down), ou dependente do leitor 2 .

Esses resultados aparentemente co ntraditórios


. só al
se os
tornam coe-
processos
ão de leitura na qu
rentes se for aceita uma concepç mo duas possibilidades com-
d dentes aparecem co - t
Leitor analisador versus leitor construtor ascendentes e escen . f 'sta como uma interaçao en re
P . ' se a leitura OI' VI d d J' n
lementares, ISto e, . d precl·ar o valor dos a os I -
· 'leg1ar ou e 1 -
leitor e texto, sem pnvl função restritiva em re açao
·
güísticos, que tenam, entre
. - outras, uma ·
O leitor idealizado pelo modelo ascendente é aquele que analisa
cuidadosamente o input visual e que sintetiza o significado das partes ao uso excessivo de prediçoes. que o leitor proficiente é
• 5 proponho
menores para obter o significado do todo. Em trabalhos antenores que o torna um
. do desses processos, o .
O leitor idealizado pelo modelo descendente é aquele que se aquele que faz uso apropna . As estratégias são determl-
leitor ao mesmo tempo fluente e preciso.
apóia principalmente em seus conhecimentos prévios e sua capacidade

3. Vide Kohlers 0975). d


I . O autor é famoso por seus trabalhos de vulgarização científica.
2. Para um tratamento mais minucioso sobre esses processos vide meu 4 . Vide Goodman (1~67). 2 e também meus artigos "Estraté~ias. e
artigo "Processos de decodificação: a integração do velho com o novo". 5 . Vide
- meu artigo e citado
de frases em - de textos" e "Estratégias gramaticais e
compreensao
interpretaçao . l'ngua estrangeira".
52 lexicais em leitura em I

53
nadas por varws fatores: o grau de novidade do texto, o local do
curar a relevância dos . s~bJetlv
texto, o objetivo da leitura, a motivação para a leitura, etc. . . os ao objetivo central e esperar que os
, de recursos lingüísticos mais
objetivos venham codtftcados atraves

simples. . , . _0 é obedecido pelo escritor, o leitor,


Se algum dos prmctpws na t' . o deverá pensar que
O leitor cooperativo . , io do coopera 1v1sm ,
guiado ainda pelo
_ , . t pnnctp . d' t
· nal e que m 1re am ente o escritor está tentando
_
tal violaçao e m encw t pedindo informaçoes
dizer-lhe alguma cmsa. sst~
. A · se a uma car a
. d candidato a chefe de setor
sobre a competência de um etermma o
B interessante observar que até agora falamos em interação
chega uma resposta do seguinte teor:
leitor-texto, mas em nenhum momento falamos em interação leitor-
escritor. Contudo, em situações de comunicação oral, o que é rele-
vante é a interação falante-ouvinte. Na verdade, essa interação entre
Fulano é extremamente gentil, benquisto
produtor e compreendedor é o objetivo de qualquer comunicação, lnformdo' qui ee muito atento a detalhes como encapar os
mas, como tem sido freqüentemente observado, na comunicação es- e~roaw A z t ~
prontuários, colocar os objetos em angu o re o, e .
crita esse objetivo é muito mais dependente do código verbal e muito
menos apoiado nas pistas contextuais, na linguagem gestual, no uni-
verso semântico partilhado ou nas regras conversacionais.
b , ue a omtssao de informação, ou a
o recebedor da carta perce era-q . 'f a indiretamente que Fulano
Contudo, uma vez atingido o equilíbrio dialético do conflito . 1açao
vto - da máxima de informaçao, stgm tc
anterior, faz-se necessário um novo elemento desestabilizador, no caso,
é incompetente. · · pode ser
o autor do texto. No modelo descendente há lugar para o autor, mas Um outro exemplo que Pode ilustrar o cooperattvtsmo
apenas como parte dos esquemas do leitor e não como seu inter- visto no texto a seguir:
locutor.

A ênfase, na nova concepção, passa do conteúdo proposicional


do texto para as intenções do autor. Em sua versão ingênua, a leitura .
Um avtao amencano que vo ava de
. Boston para V an-
Estados
é definida como um ato de adivinhação das intenções do autor {!, e, couver caiu exatamente na fronteira entre_ os eve-
na versão mais elaborada, como um ato de comunicação regido por .
Umdos e o Cana d,a. Em que país os sobreviventes d
regras conversacionais, isto é, um contrato de cooperativismo 7 • riam ser enterrados? 8
Assim, o escritor é regulado para ser: a) informativo na medida
certa, b) sincero, c) relevante e d) claro. O leitor, por sua vez, deverá
compreender o objetivo do autor, acreditar em sua sinceridade, pro- . o sobreviventes passará desapercebid~.
Para muitos lettores, o term_ esso descendente, pots
---- - t
Esse fato corrobora a ese
da lettura como proc
. 1
..
te não ler e apenas adtvl-
6. Esta posição 'd d leitor stmp esmen .
nicações sobre leitura.é encontrada em materiais didáticos recentes e em comu- pode ter aconteci o e o . . - p outro lado, outros leitores
nhar o termo que ocorre nessa postçao. or
7. Vide um estudo dentro desse enfoque em Braga e Busnardo ( 1983) c
seu texto de referência Tierney e Lazansky (1980) .
8. Vide Morton e Marshall (1979).
54
55
terão percebido a palavra e reagirão achando a
o leitor entendeu a intencão . d' . d . "'raça. Isso mostra que ~ aq uela que considera o texto não apenas como unidade formal ,
, In neta o escntor de f b .
cadeira e que o uso do te - f . . . azer uma nn- mas sobretudo como uma unidade funcional , isto é, uma unidade de
rmo nao 01 acidental ·
violação aqui foi do postuJ r d d . . ' mas proposital. A comunicação. Consistente com essa visão de texto é o modelo de
, a o a smcertdade (regra b).
Ve-se portanto que, mesmo nessa aborda r
leitura que a define como um ato de reconstrução dos processos de
damental importância pois é na sua leitura lit;;a7' ~ texto. e de fun- sua produção.
trará os indícios para significados não J't . N q e o J~Itor encon- É fácil dizer que ler é captar os objetivos do autor ou suas in-
parcialmente sanar o impasse cri ado l era~s. esse senttdo ela vem lenções e idéias, sem se posicionar quanto ao modo como isso se dá.
descendente qu e desenfatiza l d pela abord~gem estritamente A concepção de Levy 9 , que vê a leitura como um ato de reconstrução
. 0 pape o texto na leitura .
Poder-se-Ja, neste momento, levantar a seguinte questão· dos processos de produção, parece-nos dar conta dessa interação
que tanto o escritor quanto o leitor são . . . supondo lei tor-autor, dado ela não se centrar no texto já estruturado, mas na
e que partilham essencialmente do mesm~omu~Jcadores c~~perativos simulação de sua construção.
mesmo sistema de valores, seria verdadeiro un~verso cognitivo ~ do A visão de Levy parece vir ao encontro das nossas intuições no
eficiente recuperará só dtzer que uma leitura
que diz respeito ao que ocorre na língua oral. Com efeito, freqüen-
didas pelo escritor? ' e somente, as intenções efetivamente preten-
temente observamo-nos fornecendo palavras ou expressões para quem
dem ~ exp:ri~ncia nos diz que há significados textuais que surpreen- está falando conosco, repetindo como um eco partes de seu discurso
- . s propnos autores por não terem sido pretendidos ou complementando-o a nível frasal ou textual 10 . Isso mostra que
;:~ r~~on~eci~os como autorizados pelo texto. Isso se e~pl::s p~~~ a recepção é um comportamento ativo de simulação da produção, o
função e ;:~o fa~:e~ uma ~orrespondência biunívoca entre forma e
que nos leva a supor que na leitura também façamos a mesma coisa.
da f d . . e nem sempre o autor ter ciência da ambigüidade Quando dizemos que, ao ler, acompanhamos o pensamento do autor,
orma pro uzida ou do . 'f d na verdade o que estamos dizendo é que entendemos o texto imagi-
d' ' s sJgm Ica os por ela acarretáveis Além
Isso, ~em toda ambigüidade pode ser desfeita contextualmen~e nando-nos como seus produtores. O texto-produto é visto como um
Ve-se portanto que , conquanto a leitura não possa ser vista ~orno conjunto de pegadas a serem utilizadas para recapitular as estraté-
um processo que extrai o sentido final do texto es te r I gias do autor e através delas chegar aos seus objetivos .
que delimita d • e o e emento
podem não te; sf~:~la~eji:::p~:tl:ç::~;~~s~v::~~. algumas das quais
Um modelo de tal natureza só pode ser concebido na medida
em que modelos de produção se desenvolvem. Por muito tempo a
psicolingüística ocupou-se principalmente da recepção - oral e escri-
ta - , mas mais recentemente tem havido uma ênfase paralela nos
processos de produção. É interessante observar que, enquanto os
O leitor reconstrutor
processos de compreensão são vistos como domínio da psicolingüís-
tica, muito do que se faz sobre produção parece estar na área que
hoje se denomina análise do discurso. Podemos atribuir essa dife-
As diversas concepções vistas f . rença ao fato de os estudos sobre compreensão terem sido feitos em
con erem um papel m
menor ao texto na extra - d . . . awr ou
'd d f çao e sJgmficados mas mantem-no
um a e ormal, com significado própri'o . V como 9. Vide Levy (1979).
ma visão diferente delas
10. Alguns desses processos acham-se descritos em Martins (1983) .
56
57
.....

tos era um campo assim ainda não desenvolvido e eu


condições experimentais altam~nte controladas e os estudos de pro-
estava a fim de ver como é que era, né? Eu não gostei ..
dução mais sobre a fala ou produção escrita espontâneas .
Descobri que não gostava de química. Aí, eu resolvl
Usando como corpus a produção lingüística espontânea, Levy
fazer computação porque computação é o que eu gosto
propõe um modelo em que a produção é vista como um processo de
planejamento, através do qual o autor da mensagem codifica seus
mesmo e tem ainda mais campo.
objetivos usando estratégias comunicativas. Planejamento, no sentido
usado pelo autor, é o processo por meio do qual o produtor arma um o texto escrito correspondente é o seguinte:
curso de ação para satisfazer a um ou mais objetivos. Por estratégia
comunicativa, o autor entende o modo como o produtor realiza seu
Pela primeira vez optei por Medicina por mera acom_o-
objetivo comunicativo. Os objetivos de um produtor são suas intenções
dação pois já estava no curso de Biologia no C~lég~o.
e podem ter subobjetivos que com aqueles formam uma rede de re-
Antes de optar pela segunda vez (já que na pnmetra
lações dentro da qual estes se definem. O planejamento, além disso,
eu não havia entrado) ouvi falar de um curso novo na
pode ser tanto a nível macroestrutural como microestrutural.
Unicamp, um curso interdisciplinar, que dari~ margem
Para tornar mais clara esta exposição, utilizarei, em lugar dos
à pesquisa e eu me interessei. Mas não goste~ do curso
exemplos de Levy, o material de um experimento que fiz com língua
e resolvi desistir. Na terceira vez, então, optei pelo cur-
falada e escrita , obtido durante conversa informal com um grupo de
so de Física que na Unicamp oferece mais opção para
familiares, prevenidos de que estaria gravando trechos da conversa-
se jazer ma;érias de outros cursos; não que F~:ica_ fosse
ção para uma pesquisa posterior. Transcrevi trechos da fala de quatro
uma opção definitiva. Decidi afinal cursar C1encras da
adolescentes, de diferentes idades, correspondentes a respostas a ques-
Computação a partir do ano que vem.
tões por mim formuladas, mas que deveriam ser dirigidas a outra
pessoa.
Horas mais tarde pedi-lhes que escrevessem as respostas a essas O objetivo do texto fica claro diante do contexto. em. que . ele
mesmas questões. Analisarei aqui apenas a fala e a escrita do sujeito foi produzido: descrever a trajetória das escolhas ,vocacwn_al~ feitaS.
mais velho, Mi, uma moça que na ocasião tinha 19 anos e estava Normalmente 0 título ou as palavras iniciais contem o objetiVO. Al-
no segundo ano da universidade. guns autores mais didáticos utilizam a estratégia de coloc~r. a per-
gunta como parte do texto para deixar transparece_r o ob]etlv~ ~a
· - ou do texto VeJ·a por exemplo , o segumte trecho mtto-
comumcaçao · '
- Mi, conta pra tia Y a trajetória das suas opções dutório de um texto de Sagan:
vocacionais.
- Bom, primeiro resolvi jazer medicina porque eu já Durante toda a minha vida tenho me perguntado sobre
estava na biologia, né? Eu acho que foi mais assim a possibilidade da vida em outros locais. Como será ela?
por acomodação. Daí a mamãe me falou da Unicamp 11

pra mim, né, e achei legal assim, né? A mamãe falou De que será formada ?.
que tinha bastante campo científico, e tal, pesquisa . ..
e aí eu fiquei interessada. E a Engenharia de Alimen- 11 . Vide Sagan (op. c it .) . p. 24.
59
58
- m arte do subobjetivo . No texto escrito,
A popularidade de Sagan está justamente nessa capacidade de do objetivo e aquel~s que_ era p. I . . as informações relativas ao
incitar o leitor a pensar junto com ele e, portanto, a planejar con- a estratégia escolhida fOI a de co ocat
. . -es subordinadas.
juntamente as estratégias para atingir os objetivos. subobjetJvo em oraç~ lado das regras que regem o com-
Voltando aos nossos textos, verificamos que as estratégias utili- Levy acha possJVel que ao. h . ma representação mental
"tor e do leltor aja u .
zadas são determinadas pelo próprio objetivo. Observe-se que tanto portamento o escn d f" •• ais a estruturas forma1s .
, . I ione estruturas unciOn
no texto oral como no escrito o produtor opta por alistar cronolo- rnais estatlca que re ac - , . portante para o autor , na me-
gicamente as escolhas feitas. O sujeito apresenta ainda justificativas Essa dualidade na concepçao e lm l - entre produção e com-
ermite clarear a re açao
para as escolhas, que não foram explicitamente solicitadas. Entretan- dida em que e I a p d i · ta nesta perspectiva , como a
reensão po e ser v ~ '
to , a decisão de expressar essas justificativas é determinada por um preensão . A comp . d odutor a partir da represen-
- d essos mentais o pr
subobjetivo de Escolha-Consecutiva-Múltipla. Esquematicamente pode- reconstruçao e proc . sos parte da qual se apre-
- I . estática desses proces '
mos representar esse planejamento da seguinte forma: taçao menta maiS
ereta no texto .
senta de .f orma con - . muito clara a relação entre repre-
Embora o autor nao deixe . I - ·magino que o texto fun-
OBJETIVO SUBOBJETIVO rocessos de slmu acao, 1
sentacão men t a1 e P . ,_ dos processos e que, uma
' t para a hipotet1zaçao . d
Escolha-Consecutiva-Múltipla Justificativa-de-cada-Escolha cione como supor e atuar como planeJa or
. . d preendedor passa a d
vez hlpotetlza os , o com . 'ficar se o resultado e
ESTRATÉGIAS simulador, voltando ao texto apenas para ven
. 'd om o produto do autor.
sua simulação comcl e c . t Levy levanta duas ques-
Listagem cronológica das opções Listagem cronológica par a par com Após a apresentação de sua Jespos a ,
as opções das justificativas
tões para a sua abordagem: d d r é dependente da com-
t' ·a do compreen e o
1) Se a compe encl , b que um compreendedor
d t . é posslvel conce er , . ?
Quanto à codificação desses processos a nível de microestru- petência do pro u o r, - . f nca dessa competencw.
. uma versao mais ra A •

tura, verificamos que é aí que se percebe a diferença entre o d is- possa se arranjar com - , ial para a competencta
curso oral e o escrito. Veja, por exemplo, que a justificativa para a Quanto da competência de produçao e essenc
- ? - ?
primeira escolha aparece, no texto oral, como uma reflexão a poste- de compreensao. 1, . desses processos e representaçoes.
riori; no texto escrito, porém, vem sintaticizado como parte do pe- 2) Qual a natureza onto ogtca ?
.. licativo eles podem ter .
ríodo que contém a expressão da escolha. A estratégia a nível de Que valor descntlvo e exp d t-o para pessoas mais capa-
. - d segun a ques a
escrita é, portanto, escolher um grau maior de compactação sintá- Deixarei a dtscussao a - d d' cutida apenas utilizando
da questao po e ser IS . •
tica, resultado característico de um discurso mais planejado. Uma citadas, mas a segun l t . Se concebemos nossa capacl-
, · usados pe o au ot. , ·
segunda diferença digna de nota é a maneira como o sujeito passa os propnos termos d d" rsos como competencta , no
. e compreen er tscu b "d
da primeira opção para a segunda opção. No tex to oral ela utiliza dade de pro d uzlr . d de deve ser conce ' a
d termo essa capacl a -
apenas um conectivo temporal "daí", enquanto no texto escrito essa sentido cboms k yano o . ., . d"t" a Assim o fato de nao
- , . s cnatlva e pre t tV • , • 1
ligação é estabelecida por uma oração adverbial que contém a justi- como nao estattca, ma . . - 0 possamos potenc1a-
- sigmf1ca que na
ficativa. Os dois exemplos mostram que a estratégia no texto oral roduzirmos certas f ormas na 0
' ,
foi de não diferenciar sintaticamente as informações que eram partes :ente produzi-las e, portanto, compreende-las .
61
60
Conclusão

, . Embora Levy tenha sido o un1co , . autor a le _

questão pode ser colocada


°
teonca sobre a natureza o t I, . d
n ogJca os processo
. b
vantar a questao
·
s mentais, a mesma
C t d . para as a ordagens anteriores.
on .u o, como d1z 0 próp .· L
pois têm lugar em nossa .f uo I e~y' as especulações são válidas
enomeno ogta na p · 1 · 1 .
fazemos uso para entend ' SICO ogta eiga de que
er o que ocorre na comunicação lingüística.
CAP1TULO 6

Estratégia em interpretação de sentenças


e compreensão de textos*

1. Objetivo do trabalho

O objetivo deste trabalho é analisar as noções teóricas subja-


centes ao termo estratégia, que parece codificar hoje um conceito
fundamental em teorias de compreensão de textos e de interpreta-
ção de sentenças.

2. Predição em leitura

Na área da leitura, principalmente entre os cognitivistas (ou


construtivistas) como Goodman (1967) e Smith (1978), esse termo

* Apresentado no I Grupo de Trabalho sobre Leitura, PUCSP, 1982.

63
62
vem sendo empregad 0
. · para caracterizar d'
hlpotetizados no leitor du t os !Versos comportamentos so; but to show that he does not, his trick will have
ran e o processo de ler
P ara o · · · to be expressed. (p. 354)
pnmeu-o, o processo rece f ,
constituído por processos ., I' p IVO nas lmguas naturais é
CIC ICOS de estraté . d
tragem, predicão testagem e . gias e colheita de amos-
f ornecem, através do
> ' conj1rmacão e t t, .
, . > ' s ra egias essas que lhe Kolers 2 , embora acredite que um leitor possa ser um adivinha-
. - uso mmm10 das inf - .
pre d JÇoes mais confiáveis (p 23) A I . ormaçoes disponíveis, as dor, mostra através de experimentos que essa estratégia não pode
. · · e1tura é d f 'd
como um Jogo psicolingüístico de ad ' . I - e In! a pelo autor ser correlacionada com leitura proficiente. Ao contrário, seus dados
p 1~nM~o
ara Smith, ler buscando diretamen .. . . mostram que os que mais fizeram adivinhações foram os maus lei-
cupação de decodificar palav te o sJgnJfJcado, sem a preo- tores.
, ra por palavra ou
e a melhor estratégia de le't 1 ura.
E ' mesmo 1etra por letra, Gibson e Levin (1975), embora utilizem a noção de estratégia
f ormufar perguntas apropriad sta envolve ·
maJs especificamente para caracterizar o leitor maduro, mostram-se cautelosos quanto às
as e encontrar
Para ambos a estrat, . d . respostas relevantes. estratégias propostas por Goodman, alegando ser o modelo excessiva-
' egJa e pred1cão d· ·
mental numa leitura significativ > 1 ' ou a Jvmhação, é funda- mente vago. Algumas das perguntas que os autores fazem: a) qual
a, Iei't ura nao ' seg un d o e Ies, porque
- a, e e a ocorre
envolve a . a natureza das predições? b) como o leitor sabe quando confirmar
- - . penas o input VIsual , .
çoes nao-vJsuais do . . . , mas tambem mforma- suas previsões? c) onde procurá-las? etc. Voltaremos a discutir a
. '
d as pistas visuais com o co h . universo cogmtJvo do 1 't .,-,
ei or. c esta interação posição desses autores mais tarde.
I . n ecJmento arma d
eJtor que lhe possibilita antever . zena o na memória do
trar no texto . , ou predizer, o que ele irá encon-

, . Nem todos os estudiosos da leitura ,


tegJa como sendo a f d . ' porem, aceitam esta estra- 3. Estratégia e gramática
.
1eJtor un amental ou como 1
competente. aque a que caracteriza 0
Gough J , por exemplo ,
apresent a um m d 1 d
to ao de Goodman: o e o ra ica lm ente opos- Como afirmamos inicialmente, o termo estratégia é também uti-
lizado por alguns teóricos da lingüística e da psicolingüística para
explicar problemas de processamento de sentenças. A importância
de se estudar a noção de estratégia nesses autores está, a meu ver,
In the model 1 have outlined, the Reader .
Guesser. From the outside he ls not a no fato de que eles a utilizam de modo bem mais explícito, formu-
to meaning as if b .' appears to go from print lando algumas hipóteses sobre sua forma e natureza, o que leva
Y magtc. But f h
this is an ilusion that h ll ave contended that a outros questionamentos, como os levantados por Slobin (1979):
tence, letter by Íetter, w:::ab Y plods through the sen- a) "Será que um conjunto inteiramente elaborado de estratégias de
Y word. He may not do processamento - em todos os níveis, da fonologia à pragmática -
I . P. B. Gough (1972) "O constituiria uma descrição completa do conhecimento da língua por
I C M tt" 1 · ne second of read· " ·
. . a mg y (orgs.), Language by ear and b mg ' m f. F. Kavanagh e
Press, apud Gibson e Levin (1975). Y eye, Cambri dge, Mass, The MIT
2. P. A. Kolers (1975). "Pattern analysing disability in poor readers",
64 Developmenta/ Psychology, 1975, 11, 282-290, apud Adams (1980).

65
parte do ser humano? Ou temos nós , guardada num canto da mente,
uma representação mais sistemática da nossa língua, abstraída das ma sequencta de palavras que corresponda
.. A •
f d . a sujei-
a) procure (u - b' t 0 ) da estrutura pro un a,
Lo-verbo-objeto t.e. : . ~
exigências do uso de toda hora?" b) "Uma vez que as gramáticas . ' ator açao-o Je - 'n
provavelmente existem para possibilitar a realização da frase, não üência desse tipo como a o raça o pn -
b) considere a pnmetra seq d'd de conjunção como embora,
pode acontecer que elas sejam universalmen te constrangidas a assu- 1 venha prece t a · ··A .
mir certas formas por causa dos meios pelos quais a língua deve cipal , a menos que Se a alguma d essas palavras precede a sequencw,
ser usada?" (grifo nosso) se, enquanto, etc. e . sentença subordinada;
.. A ta como uma · d a
considere essa sequenc , 1 trt'ço-es semânticas para aJU ar n
e posstve res _ An·
c) use sempre qu . 't' A . de informaçoes sema
·a-o de funções smta tcas. Na ausencta
atn'b mç

4. Teoria da complexidade derivacional ticas, use (a); . nte marque o início de um NP.
versus estratégias perceptuais d) se encontrar um determma 't (c) segundo Kaplan õ, pode
t t'gias exce o ' N
Esse conjunto de es ra e d, I de processamento do tipo AT
. do a mo e os .
ser facilmente mcorpora k) ue são parceladores que mcor-
(A T 't'on Networ • q · ra
ugmented ranst 1 I 'das de sub-rotmas pa.
Partindo do exame de sentenças de difícil decodificação sintá- t Frasa acresct
poram gramáticas de Estru ura , Em resumo, as estratégias pro-
tica, como as que contém encaixes centrais, Bever (1970) 3 propôs
dar conta de elementos descontmuos: ta'tica e sua função é efetuar
uma teoria psicolingüís tica que oferecia uma alternativa mais inte-
ressante do que a hipótese derivacionaJ, para dar conta da interpre- postas por Bever sao- de natureza
. . de smmodo a obter fatias (c 11Un_ks·) e
cortes na estrutura superfict~l t assinalar sua afirmaçao de
tação dessas sentenças. Até então, a complexidade sintática de uma f - f: 1mportan e
sentença era atribuída ao número de regras gramaticais empregadas suas respectivas unçoes. t I e não algorítmica, e as per·
em sua derivação. ue por terem natureza comporta~e_n a 1
q '
mitem . _ , não sendo infallvets.
vanaçoes
Bever propôs em sua teoria que o receptor estaria equipado com
urn conjunto de técnicas heurísticas ou estratégias perceptuais que
lhe permitem recuperar as relações de estrutura profunda, através
de pistas fornecidas pela estrutura superficial. Tais estratégias possi- 5. Estratégia e ambigüidade
bilitam ao sujeito representar e rotular com as devidas funções a
cadeia de superfície, usando pistas de vários tipos: ordem dos ele-
Se na psicolingüística a n~çaod
mentos, marcas morfológicas, o conteúdo lexical dos itens, etc. - de estratégia foi introduzida para
. t'tica na abordagem estrita-
Bever prefere o termo estratégia a algoritmo'\ porque sua apli- explicar problemas ed complextda e sm
- , ilizada para a ' resolver princtpa
. Imente
cação não é infalível e pode apresentar variações individuais . São mente lingüística essa noçao e ut l .
problemas de ambigüidade estr~tura ~stula uma estratégia que explt-
do seguinte tipo as estratégias por ele propostas:
Ruwet (1972), por exemp o, p
caria:
3. Bever
dos quais ele é(!970) sintetiza e complementa trabalhos anteriores, de alguns
co-autor.

4. O termo algoritmo é utilizado por Klima, segundo Ruwet, mas presta-se .. networks as psychological
mais para uso em inteligência artificial do que para comportamento humano. 5 . R.
models of M. Kap Ian compre
sentence
(1972) hension
. "Augmented transtttlonntelligence, 3, 77-100, apud
"' Artificial
66 .
Huggms and Adams (1980).

67
, . de filtro que liga a gramá-
ma especie ··
Parece haver, portanto, u ho de modo a não· permitir
a) por que um ouvinte interpreta à Pierre como objeto indireto
competência e a do desem~en . a' sej·am acionadas pela se-
e não sujeito de porter na sentença tica da . · da pnmetr f'l ?
"(28) Je dis à Jean que je ferai porte r ce message à Pierre". q ue certas formas, . potenciats .
repostas tenam
então essa função de I tro.
(p. 263) quando essa forma poderia potencialmente derivar de uma gunda. As estrategias p . ue processame nto através dessas estra-.
0
estrutura profunda em que Pierre é sujeito; Convém ressaltar aqut q . , . bora ele chegue a const-
, , el smtattco, em 1 ,
b) por que a sentença tégias para Ruwet e a mv f um processamento a níve seman-
"(19) a. *Pierre, à qui j'ai fait porter ce message à Jean" (p. 256) derar a possibilidade de se az:r . tática Mostra, porém, que em
não é aceitável como a relação exibida em (a), mas o é na relação (b): tico diretamente, sem a -~edi~ça~i:~~a não. é possível. Estuda~do a~
alguns casos essa decodthcaçao
, Ruwet mos ra
t que há uma inversao esti-
h' t
interrogativas em frances, - sujeito ao verbo quando a an e-
lística nessa língua que pospoe. o
"a. J'ai fait (Jean porter ce message à Pierre)
. - do elemento interrogatiVO:
b. J'ai fait (Pierre porter ce message à Jean). " postçao
Essa estratégia teria a seguinte forma: imbeciles?" (p. 278)
Estratégia I: Sob condições idênticas e na ausência de "(80) b. Qui critiqueront ces
suj.
marcas morfológicas especiais e/ou de diferenciações obj.
léxico-semânticas, se dois sintagmas preposicionados da
forma à NP estão presentes em uma sentença contendo não marcado morfologican:en-
uma construção factiva, a posição jaire V /(NP) - é Quando o verbo, porém, aparece interpretado como objeto
verbo só é
a do objeto indireto de V. (p. 262) te o elemento que segue o
e ,não como sujeito:

Essa estratégia é proposta como uma alternativa melhor do que . 't' uera cet imbecile?" (p. 278)
"(? 9) b. Qw cn tq .
a de impor condições sobre transformações ou a de bloquear uma b' obj.
das derivações , através de uma regra transderivacional. o j- para explicar essa interpretação
A estratégia proposta
Ruwet advoga a superioridade das estratégias perceptuais sobre
as restrições às regras com o seguinte argumento: as restrições às é a seguinte: . d forma X qui V NP Y,
regras, derivacionais ou transderivacionais, operam de forma absoluta "Estratégia li: numa sente~ça e tiv a na ausência de
. , palavra mterroga , .
- sim ou não - , isto é, ou se aplicam ou não se aplicam. A apli- onde qw e uma , . mântico que permt-
cação de estratégias, por outro lado, pelo fato de explicar compor- q ualquer critério · morfologic? ou se
't do objeto a pos
ição V - - - é do
tamentos, é sujeita a variações individuais e contextuais, o que ex- ta diferenciar sujei o '
plica as diferenças de interpretação obtidas em experimentos que objeto". (p. 27?)
testam ambigüidade de sentenças. Ruwet concede, pois, que essa
. , . mé riser e dégouter, que
Examinando os ;~rbos ps~.o~ot~~~ão i~versa
noção de estratégia tem mais a ver com uma teoria de desempenho
com relação aos
do que com uma teoria de competência e remete sua proposta aos superhcie uma ts ri
estudos de Bever ( 1970) e outros. apresentam na
69

68
papéis semâ ·
nucas, Ruwet verifica que
a eles: a mesma estratég··a a 1.
1 · PIca-se
Em outras palavras, no caso de mais de uma interpretação, o
lugar (V - -) é interpretado como o do objeto direto e o lugar
(V NP- -) é interpretado como o do objeto indireto pelo fato destes
" (98) (a) Pierre méprise Paul serem os lugares que lhe são designados na estrutura profunda.
lugar T ema Respondendo às perguntas de Gibson e Levin, podemos afirmar,
psicológico em vista da proposta de Ruwet, que há estratégias de natureza estri-
(b) Qui méprise Paul? tamente perceptual-sintática, baseada no nosso conhecimento de re-
. Tema, objeto gras de estrutura frasal, ou da ordem canônica natural dos elementos
(c) QUI méprise Pierre?" sintáticos. As confirmações se efetuam se não houver nenhuma mar-
''( lugar psic., sujeito ca morfológica que comprometa essa interpretação ou relações léxico-
99) (a) Pierre dégoute Paul semânticas que imponham outro tipo de interpretação.
Tema .
1ugar psJc. As regras de estrutura frasal, e, portanto, a noção de estrutura
. ,
(b) Qut degoute Paul? profunda, parecem ter motivação psicológica para uma teoria que
(c) Qui dégoute Pierre?" ( englobe estratégias desse tipo.
. p. 284)

. Note-se que o elemento que se u , , .


objeto gramatical independe t g e o \erbo e Interpretado como 6. Estratégias e princípios não-sintáticos
1, · ' n emente d b
co ogrco ou Tema como seu I A o . ver o requerer Lugar Psi-
em q pape semantico T
ue, para a obtenção da . t . emos, portanto casos
ve! u m erpretação sem t' A ,
ma etapa de processamento si'nt 't' an Ica, é imprescindí- Ainda dentro da teoria lingüística temos o trabalho de Mulford
R d' a 1co. (1975), que procura analisar a interpretação dada a estruturas coor-
. uwet Iscute ainda a natureza ad
tas, mas formula uma estratég' . hoc das estratégias propos- denadas lacunadas (com gapping), propondo o uso de estratégias
casos particulares E ,Ia. mais geral da qual elas são apenas perceptuais.
. ssa estrategia geral d'1 .
Z o segumte: Como se sabe, o processo de lacunamento em coordenadas é
usado como exemplo clássico de ambigüidade estrutural. A sentença
Estratégia IV· Sob co d' _ !.(a) abaixo, por exemplo, pode potencialmente ser derivada de duas
· n IÇoes id' ·
marcas morfológi . . enttcas, na ausência de fontes - l.(b) e l.(c).
. cas especiais ou de d'f .
XIco-semânticas cad I erenciações Ié-
' a vez que uma se t ,
estrutura superficial b I n ença e, na sua 1 . (a) Catarina pôs o filho numa escola técnica e Ro-
I ' a so utamente amb'
ra mente por causa da du Ia o A Igua, estrutu-

sinha numa escola de música.
ma categoria ela só , .P_ correncia de uma mes-
' e aceltavel na Ie. t (b) Catarina pôs o filho numa escola técnica e Ro-
ao menos das du , . ' ura em que uma sinha pôs o filho numa escola de música.
as ocorrenc 1as 0 •
ela ocupava na estrutu f cupe a posição que (c) Catarina pôs o filho numa escola técnica e Ca-
ra pro unda. (p. 280-81)
70 tarina pôs Rosinha numa escola de música.

71
Vários ling UJS
··· t as o b servaram t b,
estrutura profunda apresent am em que, embora uma dada B . O princípio da Perspectiva Funcional da Sentença: a) Os dois
m t asse condições est t .
~n o, a sua aplicação redundava , . ru ~rats para lacuna- constituintes remanescentes do lacunamento representam necessaria-
caso do exemplo anômalo abaixo: em ma-formaçao superficial. e o mente informação nova e, portanto, devem ser associados com os
constitui ntes do primeiro conjunto que veiculem informação nova.
b) Geralmente quanto mais próximo um constituinte está do final
2. (a) *João aconselhou Pedro da sentença , mais nova é a informação que ele veicula.
barbear-se . a lavar-se e Suzana a Examinando o mesmo caso visto anteriormente , verificamos que
(b) João aconselhou p d na primeira oração Pedro ocupa posição de informação mais nova
e ro a lavar do que João. Logo, o constituinte Suzana deve ser associado a Pedro
(aconselhou Pedro) b b -se e Suzana
a ar ear-se e não a João. Aplicando esta estratégia, o receptor recupera tam·
(c) *João aconselhou Pedro a 1 .
selhou) Suzana b b avar-se e (João acon- bém 2.(c), uma estrutura profunda semanticamente anômala.
a ar ear-se.
C. O princípio da Tendência de Interpretação Sujeito-Predicado
(de ordem semântica e perceptual):
l Para explicar problemas desse Se o lacunamento deixa um NP seguido de um VP inteiro ou
acunamento está SUJ'eito a , . tipo, Kuno (1976) propõe que parcial, os dois constituintes são mais prontamente interpretados
vartas restr' - _ . o
e Ie chama de prt'nct'p· tçoes nao-smtáticas , como se constituíssem um padrão sujeito-predicado.
, . tos, mas que d . ' as quais
tegtas, segundo Mulford. po enam ser entendidos com estra-
Ora, se os constituintes Suzana e barbear-se são interpretados
Assim, a explicação d como constituindo um padrão sentencia! sujeito-predicado, o recep-
dos seguintes . , . a interpretação de 2 poderia
pnnctptos por ele estabelecidos: ser qualquer tor estará novamente recuperando a estrutura profunda anômala 2.(c) .
A· 0 princípio de distância Voltemos agora ao exemplo l.(a), que, como vimos, pode ter
dois · mínima (de o d duas possíveis interpretações. Para explicar a interpretação (c), qual-
constttuintes remanescentes , r em perceptual): os
mente associados aos const't . apos o lacunamento são mais facil- quer dos princípios ( 1, 2 ou 3) poderia ter sido usado . Para explicar
conjunto I UJntes (de mesma cat . ) a interpretação (h), teríamos um princípio proposto por Thráinsson 6 :
que foram processados por últim egona do primeiro
Observe-se que na p . . o. D. O princípio do Paralelismo Semântico (de ordem semântica):
_ nmetra oração:
2
, . . (d). Joao aconselhou Pedr l Os dois constituintes remanescentes do lacunamento tendem a
os ulttmos elementos o a avar-se, ser associados com constituintes no primeiro conjunto, de modo a
. processados foram o b.
e o rnfinitivo. Portanto . o Jeto direto de aconselha maximizar o paralelismo entre os conjuntos.
a . d . , os temanescentes S r
ssocta os a esses dois constituintes uzana e barbear-se são Veja-se que na interpretação (h) Rosinha está sendo associada
2 - . a Catarina, ambos nomes próprios de mulher. Para associarmos Rosi-
. (c). Joao aconselhou Pedro a
Suzana a barbear-se. lavar-se e (João aconselhou) nha a o filho, do ponto de vista semântico, haveria a necessidade de
A aplicação dessa estraté . I
estrutura profunda . . gta eva o receptor a recuperar uma 6. H. Thráinsson (1975) . "Gapping in lcelandic: Functional Explanation
semanticamente anômala. and the No-ambiguity Condition" , Chicago LS Papers, 11th Annual Meeting,
72 apud Mulford (1975: 189).

73
os a concluir que o
b lacunaroento levam-n d'
Esses estudos so re , . para a compreensão das pre tca-
se fazer urna operação de inferência (Rosinha, filha de Catarina, ou
,arcelamento sintattco, necessano , . sintáticas como as propos-
alguém por quem Catarina é responsável). s de estrategtas ' . ~
Logo, essa interpretação é mais facilmente obtida através de 'ções, não depen d e apena . d
0
estratégias {uncionats , seman·
ode ser d1ta por · ' que
tas por Bever, mas P , .· operacional. Dmamos
outras estratégias. No caso, podemos ter, pois, variação na aplicação r . -o da memolla
da estratégia, o que redunda em interpretações diferentes. ticas ou ainda pela Jmtt~ça . da lista de Kuno), quando usado na
Respondendo novamente às perguntas de Gibson e Levin, pode- esse último recurso (o pr;~eJro assam atuar como elementos con-
mos dizer que as estratégias vistas procuram predizer, como nos ·tusência de outras estrategJas que pd' . hação mal-sucedida. O estudo
< d d r numa a wm
casos estudados por Ruwet, os rótulos funcionais dos elementos pre- firmadores, pode re un a 1' t'cas como as lacunadas leva-nos
sentes na estrutura superficial e valem-se de conhecimentos semân- da interpretação de estruturas e tp 1 t s de Gibson e Levin. Pode·
cia das pergun a .
a apontar para a re levan
A

ticos e funcionais de linguagem para perceber e confirmar as rela- . , . da distância mínima) atuana
d' ~ · (prmctpto · '
ções sintáticas obscuras da estrutura superficial. mos dizer que a tstancta t, . as apontadas nos outros prmcl·
A estratégia da interpretação sujeito-predicado e a da perspec- como pista superficial e as estora egt . o contrário? Isto é, predize-
. adoras? u sena 1' as
tiva funcional obedecem ambas, a nosso ver, a uma estratégia mais pios como as con f nm . A • funcionais e uti tzamos
geral, mais ampla ainda do que a proposta por Ruwet: a busca da mos a partir de estraté~ias semantt~~sm~~ão?
canonicidade, seja ela uma ordem canônica gramatical ou funcional. pistas puramente formats para con tr . .
O princípio de Thráinsson tem a ver com o conhecimento que
o receptor tem da natureza de coordenação. Esta tem como caracte-
rística fundamental ligar sentenças com a mesma função (duas decla- isição de linguagem
, . s de processamento e aqu
rativas, duas interrogativas, mas não uma interrogativa e uma decla- 7. Estrategta
rativa), sentenças com estruturas internas paralelas em termos de cons-
tituintes (NP V NP PP + NP V NP PP), sentenças com nódulos . ' quem mais
. . - de linguagem, S1ob m e
de mesma função preenchidas com categorias lexicais semelhantes Nos estudos sobre aqulSlçao , . não apenas como proce-
ropor estrateglaS, .
[ (+ animado) . . . ( + animado)] e, os casos mais freqüentes, sen- s
e tem preocupad o em p
, .
. t uir estruturas mternas,
cnanca cons r
tenças com constituintes idênticos , preenchidas com elementos idên- dimentos heunsttcos para a , ue ouve e para expressar suas
ticos, o que leva ao processo da elipse. , para ela processar o q
como tamb em
Essas características típicas da coordenação fazem dela uma das intenções. , . buscam os limi-
estruturas mais previsíveis e, portanto, mais fáceis de entender e • A das estrategtas que

Slobin mostra a tmportancta am associar estas a rela-


produzir. d elas que procur -
tes dos constituintes e aqu xemplo a relação ator-açao-
O princípio do paralelismo semântico é, portanto, decorrente do d tais como por e ' 1
ções semânticas fun amen ', , tras relações mais comp exas .
objeto, possuidor-objeto possutd~ •. e ~ua resentada por experimento.s
conhecimento da natureza sintática e semântica das sentenças coor-
denadas . Evidência deste tipo de . estrategta t pm crianças em fase de aqUI·
O princípio da distância mínima parece ter a ver unicamente . ··' ttca que mos ra - en
clássicos em psico \mguts , . ·a ordem é objeto-açao-ag -
com a retenção na memória e é possivelmente a estratégia preferida, . t do estruturas passiVaS, cu)
sicão mterpre an .
quando o tamanho de cada conjunto vem a causar sobrecarga na te. como agente-ação-abfelo.
memória operacional temporária . 75

74
, . antecedentes requer do leitor sofisti-
A formulação de estratégias de cunho semântico é tirada por ( 1980)' a escolha de possJvels A • r a máticas e inferenciais.
d h bTdades sintáticas, semantlcas , p. g -
Slobin, de Clark e Clark 7 : ca as a 1 1 d . - ue fizemos sobre interpretaçao ana-
A partir de uma escnçao q f mular algumas estratégias
A procuraremos or
l . Encontrando um verbo, procure o número e espécie de argu- fórica s em portugues, d em a uma correta interpre-
(ainda a nível programático) que con uz
mentos apropriados a esse verbo.
, - de formas pronominais no texto.
ta..,ao Eis al umas das propostas no referido trabalho: .
2. Procure constituintes que se ajustem às ex1gencias semânti-
1) "asg informações sintáticas (de superfície) determmam as po-
cas de função relativa à proposição, função essa subjacente a todo . endofórica de seus ocupantes.
verbo, adjetivo, advérbio, preposição e substantivo. sições que excluem a leitura d mandar um nome, ele será
. pronome prece er e co , .
SJobin, contudo, não se limita a mencionar as estratégias de Ass1m , se o . e nome· caso contrano,
- co-referencJa1 a ess '
ordem sintática e de ordem semântica. Considera, também, aspectos interpretado como nao esperando ser interpretado
permanecerá não marcado 0 , ou vago,
discursivos, inferenciais e intencionais da fala, mas de uma forma
por outros critérios.
muito rápida, sem nada dizer sobre a forma que teriam as estraté-
gias dessa natureza. Sua conclusão é que "os ouvintes, usam, assim,
evidentemente, todo tipo de informação disponível para descobrir é um bom presidente. (ele
3. (a) Ele sabe que João
os significados das frases". Isso significa que um modelo psicolin- ( - co-ref.) João) 1
güístico completo de compreensão deve incluir muito mais que uma , um bom presidente. (e e
(b) João sabe que ele e
gramática, embora deva certamente aproveitar regras e categorias gra- (0 co-ref.) João)
maticais". (p. 77) no discurso não mo-
O fato de existir um antece d ente
Nas seções seguintes procuraremos tecer considerações mais de- d ifica a interpretação de (a)· . ?
talhadas sobre as estratégias que vão além da gramática e do limiar 4. Por que o João age asslm.
da frase. - Ele sabe que João é um bom presidente.

- , 1 caso é de que 0 João da pergunta


A interpretaçao posslVe n 0 - da resposta é certa-
8. Estratégias e interpretação de relações anafóricas e ele da resposta são co-referenciais. Mas ]oao
mente distinto desse referente. . te estratégia ·
f ulada na segum ·
Tal regra pode ser re orm d m nome marque-o como
Entre as estratégias mais importantes para extrair o sentido de der e coman ar u · •
1) se o pronome prece S contrário ele seguir ou for
um texto, temos aquelas que conferem a correta interpretação refe- · 1 se nome e, ao ' ·
não co-referencla a es . d a interpretação e busque mats
renci al dos elementos pronominais nele existentes. Como diz Webber comandado por um nome, suspen a su
informações.
7. E. V. Clark, e H. H. Clark (1977). Psychology and Language: an ln-
troduction to Psycholinguistics, Nova Iorque, Harcourt, Brace and Jovanovich,
Inc .. apud Slobin (1979:64). 8 . Vide Kato (1980/81).
77
76
2) " . f
as m ormacões semânt' ,
dalídade contida na. :cas, atraves da rede de co-referen- "(25) Toda vez que João vai ao supermercado, ele
. . representaçao semânti d
adJetivos , permitem às vezes d t . ca os verbos, nomes ou consegue roubat algo. Hoje, ele está na cadeia e
e ermmar o ant d
marcando-o positivament - . ece ente do pronome é bem feito para ele . João estava com Pedro
e com relaçao ' 1 •
tros SNs da vizinhança" ( 2 aque e e negativamente a ou- quando ele foi preso." (p. 22)
. p. 1)
pista textual: se João está na cadeia é porque
ele foi preso . Logo ele ( + co-ref.) João e
"(23) João exigiu de p 1 (- co-ref.) Pedro
(p. 21) au o que ele não roubasse mais."

pista sintática: ele ( 0


co-ref.) Paulo e A última proposta envolve, na verdade, estratégias que não exi-
( 0 co-ref.) João gem apenas habilidades estritamente lingüísticas, dependendo, para
sua aplicação, do nosso conhecimento do mundo e da nossa capa-
A pista semântica seria obt' d , ci dade inferencial. Mas é importante lembrar que as condições sin-
que diria algo como: I a atraves da informação do léxico táticas e semânticas atuam como sinal verde para a possível infe-
Exigir Agentex Fontey (Fazer Algo A rência positiva. Se a última frase do texto fosse:
A _ gente_,.) (5) . . . Ele estava com Pedro quando João foi preso,
re 1açao de co-referencialidade ,
do próprio verbo a qual di' f e, por tanto, parte da leitura teríamos um texto malformado, pois as condições sintáticas não te-
' 2 ser a ante de · ·
o agente da ação da or - exigir co-referencial com riam sido respeitadas para deixar o pronome livre de ser interpre-
açao complemento. tado como co-referencial, através de regras de inferência.
A estratégia correspondente seria algo
2' como 2'): São poucos os estudos que trabalham concretamente com o uso
) -Procure o verbo e veja o seu sentido· . - de estratégias na área textual. O trabalho de Clark e Havilland (1977)
na oraçao complemento ( d h , VeJa se ele nao exige
· quan o ouver) alg ' é o que mais de perto atende aos propósitos deste estudo e em espe-
rencJal a um elemento . - ' um argumento co-refe-
na proposicao principal S h cial ao problema da anáfora textual. Os mesmos autores já haviam
na estrutura superficial o • . e ouver, assinale,
' pronome na oraçã apresentado em trabalhos anteriores o que chamaram de "estratégias
argumento na oração prin . I o comp1emento e esse
. . Clpa como co-referenciais; do dado-novo", que, eles propõem, o ouvinte usa para compreen-
3) as Informações textuais poderão der sentenças.
marcado por critérios sintático I A ~arcar um pronome não Essa estratégia é composta de três fases de procedimento, que
f d e ou semantico ve·
ora o texto e depois t . · · Ja o enunciado (24)
con extuahzado em (25 ): relacionam a sentença em processamento com um conhecimento de
base. Esse conhecimento consiste no conteúdo da conversação, repre-
sentado na memória relativamente permanente (o que chamei de
"(24) João estava com Pedro quando memória a médio-termo, 'em Kato - 1982). Na primeira fase, o
(p . 21 ) ele foi preso." ouvinte isola a informação dada da informação nova na sentença
p~sta sintática: ele ( 0 co-ref.) em processamento. Na segunda etapa, ele procura na memória um
pista semântica: ele ( 0 co-ref.) antecedente direto para a informação dada. Na terceira etapa, o ou-
vinte integra a informação nova na estrutura da memória, ligando-a
78
79
com o antecedente localizado na eta a d . , .
função da "ma' . d p Ois. Es ta estrategta opera em Esse exemplo mostra que a anáfora não liga simplesmente um
xtma o antecedente" os I'
uma regra adicional às p tu ada pelos autores , como pronome a um antecedente lingüístico, mas a um referente sugerido
M, . regras conversacionais Griceanas
axzma do antecedente: procure . por esse antecedente lingüístico . Portanto, no caso da entidade refe-
forma que o ouvinte tenha um e construir sua emissão de ta l rida ser um conjunto não-unitário, os elementos desse conjunto não
dada informação e que ele SeJ·a apenas um antecede~te para uma precisam necessariamente vir codificados em um único sintagma no-
Vo Itan d o ao nosso exempl (25 o antecedente pretendido (p 4) mi nal. f: o caso, por exemplo, ilustrado por (7), onde João forma um
.. . .
a sentença João estava com p ~ ), venficamos que, ao processar sintagma independente de Pedro e Carlos.
. . e ro quando ele foi pre
em SI não fornece pistas para conferir . . so, a sentença
Contudo, quando ele jo 1. . . ~ Identidade do pronome ele.
, preso const1tu 1 0 el d
nodo. Procurando-se o a t d ementa ado desse pe-
/ n ece ente desse element d d
e e está na cadeia, no qual ele 'á f . . o a o, encontra-se 9. Estratégias e Esquemas
ser ele o ún ico antecedente pos;, lotNmterpretado como João, por
. tve · ote-se que no ·
a ap1Icação recursiva da estrat , . d d caso tivemos
egta a o-novo
Um caso diferente de referência a na f, . . , Muito do sentido que apreendemos em um texto deve-se ao
pretação inferencial é a uele . onca, atraves de uma inter- nosso conhecimento e uso de regras anafóricas, mas estas não expli-
trad uzido abaixo: ' q descnto por Webber (1980:144) e cam por que e como o leitor é capaz de conferir coerência a um
texto , lendo nas entrelinhas (v. Scott, neste volume).
Os modelos lingüísticos que englobam um componente semân-
(6) Maria levou suas sobrinhas ao Dest'gn tico encaram-no, em geral, como um componente relativamente pas-
d Research.
on e ela comprou uma camiseta sivo, constituído de caracterizações taxonômicas dos itens lexicais e
El para cada uma.
asi lhe agradeceram por elas~ . de regras de composição (por exemplo, as regras de projeção na
gramática gerativa) e regras de relação (por exemplo, as regras ana-
fóricas) .
Os pronomes elasl e lhe têm um
marcas morfológicas e semânt' ant~cedente com as mesmas Há, porém, casos em que dificilmente um léxico semântico ex-
1cas suas sobnnhas e M . plicaria certos significados que extraímos do texto. Considere-se, por
mente. O antecedente de l
e feminino, não aparece :o ana , respectiva-
a~~ (u e p deveria _ser um sintagma plural
deve-se chegar inferencialment x o. ara ~e mterpretar elas2, então,
exemplo, o seguinte texto:

do sintagma uma camiseta e a udm conJ unto não unitário, a partir


para ca a uma .
Outro exemplo d . · Hoje é aniversário de Cacá. Helô e Juliana saíram para
o mesmo tipo, analisado por Webber (p. 144) , é: comprar um triciclo de presente. Acabaram, porém, es-
colhendo uma boneca que faz pipi.
(7) João foi se encontrar com Pedro e C I
d ar os no aero-
f~rto e Logan. Eles tomaram um táxi para voltar
e es = João + Pedro + Carlos) . Vários fatos podem ser extraídos desse texto, e que não estão
aí lingüisticamente explícitos.
80
81
tais como çrise do petróleo, homem de
A primeira inferência que fazemos é que o presente é para Cacá. sintagmas mais complexos,
O raciocínio dedutivo que ocorre em nossa leitura é o seguinte: se negócios, etc . h d m con
é aniversário da Cacá, ela provavelmente vai ganhar presentes. Logo , Cada Esquema é constituído de Subesquemas, aven ofu. ~
. .. O Esquemas podem re enr-se
o presente que Helô e Juliana saíram para comprar deve ser para . t de Subesquemas prtmtttvos. s b,
JUn o . .. , . ceituais e, nesse sentido, atuam tam em
Cacá. entidades hngmsttcas ou con d t't . tes e subconstituintes !in-
A segunda inferência: triciclo é algo usado por crianças. Logo, como parceladores, reconhecen o cons 1 um
üísticos ou não. Mas sua função não é apenas essa. . , .
se Cacá ia ganhar um triciclo, ela deve ser uma criança.
g 1 . ortante também em nosso racwcmto, uma
A terceira inferência: boneca é um brinquedo típico de menina. Eles têm um pape lmp habilidades de raciocinar prendem-se
Logo, se Cacá ganhou uma boneca, ela deve ser uma menina. vez que, segundo os autores, as .
sempre a áreas particulares do conhecimento. .
Note-se que, nos três raciocínios, a primeira asserção é fundada
Os Esquemas podem ser ativados de duas formas. t )
em nossa experiência, em nosso conhecimento do mundo, isto é, de · d (do todo para as par es ,
a) através do processamento top- own
suas situações ou eventos em sua forma mais usual, mais típica.
é de Esquemas em direção a seus Subesquemas, e d )
Para explicar, portanto, como extraímos do texto mais do que isto , b (das partes para o to o ,
b) através do processamento ottom-up
ele expressa lingüisticamente, é preciso que, em nossas estruturas
isto , dos Subesquemas para os Esquemas. .
A •

internas, tenhamos mais do que uma gramática e instruções para seu e, . dos Es uemas sustentam a exlstencta
uso (estratégias). Os proponentes da teona q - Esta é vista como
. d . essos na compreensao.
Uma noção hoje bastante atraente para o estudo do discurso é e a necesstdade dos ms pro.c diante dos dados dispo-
. . - de uma teona sua testagem
a de Esquemas (Schemata), proposta por estudiosos da Ciência da a constttmcao '
, . , finamento ou modificação.
Cognição, como Rumelhart e Ortony 9 e retomada por Rumelhart mvets, seu re . . - , arte da estratégia top-down,
(1980). O atrativo desta proposta está justamente no fato de pre- Podemos dizer que. ~ adlVlnhaça~ ~t:m-u seria responsável pela
or ser esta mais predlttva, mas a o . - p .
tender ser uma teoria do conhecimento que engloba uma teoria pro- p pelo refinamento e pela revtsao da teona.
totípica do significado e ser, ao mesmo tempo, uma teoria de pro- confirmação,
cedimento, cuja função é reconhecer a sua adequação aos dados que
estão sendo processados.
Um Esquema é uma teoria prototípica do significado, porque tO. Estratégias subconscientes e conscientes
corresponde ao significado de um conceito codificado em termos de
situações ou eventos típicos, ou normais, que instanciam esse con-
ceito. Nesse sentido, os esquemas representam mais um conhecimento de Rumelhart e Ortony é encontrada no ls!~-
do sujeito do que uma definição. Esse conhecimento não se limita a Posição similar à da autoria de Woods et a .
de compreensão da fala, ' 1
conceitos veiculados por palavras, mas também àqueles expressos por tema BBN à interpretação do esttmu o en-
Para eles, o processo para se chegar

9 . D. E. Rumelhart e A. Ortony (1977). "The representation of knowledge h understanding systems (BBN Final Report
10 Woods et ai. (1976). Speec k d Newman Inc. apud Woods
in memory", in R. C. Anderson, R. J. Spiro e W. E. Montague (orgs.) Schooling · B lt Barane an • '
n.o 3438) Cambridge, Mass, o
and the Acquisition of Knowledge, Hillsdale, NJ. Lawrence Erlbaum Associates,
apud Rumelhart ( 1980) . (1980).
83
82
volve a formulação e avaliação de muitas hipóteses alternativas par- bugging devices) e são resultado de um esforço maior de nossa capa-
ciais sobre esse input, em vários níveis. Este processo ocorre, em cidade de processamento .
grande parte, abaixo do nível da consciência introspectiva do recep- Estratégias metacognitivas também são empregadas quando se
tor. A percepção (entendida por Woods como compreensão) é vista lê com 0 propósito de memorização ou de aprendizagem. .
como um processo de formação de uma teoria coerente e verossímil, Quando Brown usa a expressão "estratégias em leitura", são
que dê conta de todos os dados presentes no estímulo. essas estratégias metacognitivas que estão sendo consideradas. A ~u­
Woods (1980) fala no uso de subconjuntos do estímulo de en- tora enumera uma lista dessas estratégias, que, segundo ela, sub]aZ
trada para formar a hipótese-semente e no uso de mecanismos para qualquer controle planejado e deliberado de atividades que levam
derivar hipóteses sobre constituintes outros, através de uma teoria à compreensão (p. 456):
parcial, preditiva.
Podemos dizer que esses dois usos correspondem aos conceitos
de uso de informação visual e não visual de Smith, referidos no 1 . Esclarecer os propósitos da leitura, isto é, compreen-
início deste trabalho. der as exigências da tarefa, tanto as explícitas quan-
Woods não nega a existência de estratégias conscientes, mas to as implícitas.
afirma que o processamento consciente é, em grande parte, seqüen- 2. Identifi car os aspectos da mensagem que são im-
cial e vagaroso, enquanto as estratégias de processamento subcons- portantes . . · .
ciente aplicam-se, de forma extremamente rápida, do meio para as 3 . Distribuir a atenção , de modo que haJa mms concen-
extremidades (esquerda e direita) , podendo várias estarem operando tração nos conteúdos principais, e não em det~l~es .
paralelamente. No processo de leitura, o leitor pode ter consciência 4. Monitorar as atividades em processo para venflcar
da interpretação final de um estímulo, mas não dos vários procedi- se ocorre compreensão.
mentos ocorridos durante o processo. Woods mostra que há também 5. Engajar-se em revisão e auto-indagação, para ver
processos inferenciais significativos, que ocorrem abaixo do nível de se os objetivos estão sendo atingidos.
introspecção. 6 . Adotar ações corretivas quando se detectam falhas
Brown (1980), citando Vigotsky u, afirma que há duas fases na compreensão.
7. Prevenir-se contra truncamentos e distrações, etc.
no desenvolvimento do conhecimento : a primeira , a aquisição auto~
mática e inconsciente desse conhecimento, seguida de um aumento
gradual no controle consciente e ativo sobre esse conhecimento.
Quando Gibson e Levin falam de estratégias autodirigidas qtie
Para a autora, "metacognição é, portanto, o controle deliberado e
consciente de nossas ações cognitivas". (p. 453) devem seguir 0 que chamam de percepção de invariantes e de rela-
ções ordenadas, estão provavelmente se referindo a essas estratégias
As estratégias metacognitivas ocorrem, por exemplo, quando o
leitor sente alguma falha em sua compreensão. Essas estratégias fun- metacognitivas.
Para Gibson e Levin, essas estratégias autodirigidas são estra-
cionariam nesses casos como mecanismos detectores de falhas (de-
tégias cognitivas mais gerais e a identidade se justifica para eles
porque compreender o que se 1 e ma1s o
~ · d qu·e se vê na estrutura
11. L. S. Vigotsky (1962), Thought and Language, Cambridge, Mass, MIT
Ptess, apud Brown (1980). superficial é como pensar, isto é, um complexo processo cognitivo .

85
84
um conjunto de habilidades
11. Estratégias de natureza pragmática A leitura pode ser entendida como
que envolve estratégias de vários tipos.
Essas habilidades seriam:
Os teóricos cognitivistas limitam-se, de modo geral, à natureza
cognitiva da leitura, nada especulando sobre as intenções de quem
a) a de encontrar parcelas (fatias) significativas do
escreveu o · texto.
Há, porém, alguns autores preocupados não com o que o texto texto; d f ~ .
b) a de estabelecer relações de sentido e e re erencta
diz, mas com o que o autor quis dizer com o texto .
entre certas parcelas do texto; . _
Morgan e Green ( 1980) tecem algumas considerações sobre a c) a de estabelecer coerência entre as propostçoes do
pragmática e a compreensão na leitura, mas não chegam a propor
texto; . ~ · d
nenhuma estratégia concreta de natureza pragmática. d) a de avaliar a verossimilhança e a conststencw as
Slobin (1979) , que lida com a aquisição da fala e não da es- informações extraídas;
crita , postula que o ouvinte está equipado para determinar o signi- e) a de inferir o significado e o efeito pretendido pelo
ficado pretendido pelo autor, e não só isso, mas o efeito que o falante autor do texto.
está querendo produzir. Significa, portanto, ir além da forma , isto é,
daquilo que o texto diz.
As estratégias propostas por Smith e a que nos referimos no Para atingir tais objetivos, o leitor utiliza seus Esquemas, d~s
início deste trabalho (formular perguntas apropriadas e encontrar res- quais faz parte a sua Gramática. Os Esquemas (e portanto a gram:-
postas relevantes) seriam, também, estratégias metacognitivas e de . b, ) contêm além de regras e taxonomias, um componen e
ttca tam em ' T partes
natureza pragmática, sendo que, no caso da leitura, o leitor atua de procedimentos (estratégias) , que dita como utt ~~~r su~s -
como os dois interlocutores. t 'mulos que recebe ou para codtftcar mtençoes.
Para processar os es t · em duas d're
1 -
Na verdade, quando o leitor busca o significado pretendido pelo A utilização desses Esquemas faz-se, com? vtmo.s,
autor, ele está simplesmente obedecendo ao princípio do cooperati- ções· de Esquemas para Subesquemas (de fattas matores para meno-
vismo, que rege a comunicação humana . res de conceitos mais abrangentes para menos abrangentes) ou o con-
,,. 1 . d a diferença entre top-down e bottom-up
trano Para a guns, am a, ,
. b, d' -o conteúd~forma forma~conteudo, respec-
está tam em na neça '
tivamente. b 1 1 -es
Para se efetuar o parcelamento sintático ou esta e e~~r re a:~
12. Considerações finais . · pode utthzar vanos
anafóricas (rede coesiva), o lettor, como vt~os, he-·
níveis de sua "competência" gramatical e nao apenas de seu con
O uso e a conceituação do termo estratégia por autores na área cimento de regras e padrões sintáticos. . . . .. -
Esse apelo à semântica e a Esquemas funcwnms JUStlftca:se t~n­
da lingüística, da psicolingüística e da inteligência artificial nos dão
do em vista que o leitor não está interessado apenas em fattas , st~
um quadro mais claro dos tipos e da natureza dos conceitos de estra-
. t bem formadas mas em parcelas sintaticamente posstVets
tégia hipotetizados pelos estudiosos na área de leitura. tatlcamen e - ,
87
86
com manchetes de jornais), podemos correr os olhos para v~r do
e também semântica e funcionalmente coerentes com seus outros
que o texto trata, podemos ler apenas o início de ca~a paragrafo
Esquemas. f de argumentacão do autor ou podemos amda ler, por
A variação na escolha do tipo de estratégia, um dos pontos que para ver o to · , · b" f d
inteiro, 0 primeiro e último parágrafos para saber os o Je lVO~ . e
viemos enfatizando em nosso trabalho, está sujeita, pelo que pude- um trabalho e suas conclusões. São apenas algumas das . estrategt~s
mos depreender de nossos estudos, a vários fatores: ,
conscientes de que um leitor se utiliza para apreender a mformaçao
a) à maturidade do leitor - enfatizada por autores como Good-
procurada no texto.
man e Smith; As questões que levantamos no final deste estudo são as se-
b) à natureza do texto, apontada por Gibson e Levin;
c) ao lugar onde o leitor se encontra na frase ou no texto, hipó- guintes: , . . _
_ Quando se fala em ensinar estrategtas de l~lt~ra: .;ue est~a
tese minha, desenvolvida em linhas gerais em Kato (1981);
tégias estão sendo consideradas? São todas elas ensmavets. ?~ tem
d) ao propósito da leitura. os pedagogos da área de leitura uma noção diversa de estrategta das
De modo geral, o leitor parece recorrer a mais de uma estraté-
que descrevemos neste trabalho?
gia quando a complexidade do estímulo assim o exige. Essa comple-
xidade pode ser devida a problemas estruturais que dificultam a per-
cepção do estímulo, como foram os casos analisados por Ruwet e
por Mulford.
A complexidade pode não ser inerente ao estímulo, mas ser
relativa ao nível de maturidade do leitor.
O mesmo leitor, enfrentando um texto único, pode também va-
riar suas estratégias. Assim , trechos que veiculam informação nova
ou imprevisível tend em a ser parcelados sintaticamente com mais
cuidado, enquanto trechos previsíveis e de alta redundância semân-
tica tendem a ser decodificados quase sem uma mediação sintática .
Podemos dizer então que, quando o leitor enfrenta uma tarefa
mais difícil, ele tende a regredir no uso de estratégias, isto é, tende
a imprimir a interpretação mais canônica ao estímulo, através de
uma ativação bottom-up de seus Esquemas.
O que lingüistas e psicolingüistas denominam "estratégias" se-
riam procedimentos inconscientes, distintos das estratégias metacog-
nitivas de Brown ou das estratégias autodirigidas de Gibson e Levin.
Estas me parecem atuar principalmente com relação ao fator d), isto
é, o propósito em leitura. Assim, o grau de atenção que damos ao
texto e os lugares que focalizamos têm muito a ver com o propósito
consciente de procurar uma determinada informação no texto. Pode-
mos, por exemplo, dar apenas uma olhada no título (o que fazemos
89
88
·'·

CAPITULO 7

Estratégias gramaticais e lexicais na leitura


em língua estrangeira*

Por muitos anos o ensino da leitura em língua estrangeira resu-


miu-se ao estudo da gramática e do vocabulário do texto, através dos
quais chegava-se à sua tradução, entendida então ambiguamente como
o resultado da compreensão ou um meio para atingi-la.
O estruturalismo, cuja ênfase era a linguagem oral, pressupôs
um modelo de leitura em que a compreensão não dependia da me-
diação da língua materna, mas exclusivamente da língua estrangeira
oral em estudo. A habilidade para compreensão oral era, nessa pers-
pectiva, um pré-requisito essencial para a compreensão da escrita,
associando-se, assim, aprendizagem da leitura em língua estrangeira

• Conferência proferida na UFRS, curso de Letras,. 1982.

91
às condições então preconizadas para a aprendizagem de leitura em competência em leitura técnica) mostra que o segundo modelo é mais
língua materna: para ambas, a compreensão se daria via decodificação adequado para explicar tipos de leitura em língua estrangeira.
sonora. A gramática é entendida, nessa fase, como algo que se adquire O esquema (1) b. (SMS) levanta, porém, outras indagações: (1)
automatica e inconscientemente na língua oral, não devendo ser, por- que tipo de operação mental está envolvido nessa conversão input
tanto, abordada no ensino de leitura. visual-sentido?; (2) o que se entende por sentido nessa visão?
Contrariamente a essa posição, Chomsky (1965), em um pronun- Novamente, aqui, a resposta não é única, pois dependerá da
ciamento público contra a reforma ortográfica do inglês segundo concepção de leitura que se tem.
uma aproximação fonética maior, mostra que a escrita possibilita uma Uma possibilidade é entender que as operações envolvidas nesse
interpretação semântica mais direta do que a forma oral. Por exemplo, mapeamento são de análise-síntese, calcadas em um modelo composi-
as palavras medicai e medicine têm na pronúncia de seu radical dois cional semântico, que implica antes de tudo um parcelamento sintá-
sons distintos, /k/ e /s/, que a escrita neutraliza na letra c, estabe- tico adequado. É o modelo que se convenciona chamar ascendente
lecendo uma correspondência biunívoca entre forma e significado 1 • (bottom-up)~. A leitura é linear, composicional e indutiva. Esta visão
Como no modelo lingüístico chomskyano a interpretação semântica é coerente com modelos lingüísticos que partem de unidades menores
e a interpretação fonética são independentes, podemos dizer que um para maiores.
modelo de leitura compatível com essa visão lingüística seria aquele Na própria literatura gerativista, porém, começa-se já a introduzir
que permite uma leitura diretamente pelo significado, sem a mediação a noção de estratégia ·3 para explicar por que, em certas situações
sonora, e uma decodificação sonora sem interpretação semântica. potencialmente ambíguas do ponto de vista sintático, a interpretação
Podemos representar esquematicamente o modelo com mediação semântica não é igualmente ambígua. Propõe-se então que o falante,
sonora (CMS) e o modelo sem mediação (SMS) da seguinte forma: na ausência de pistas contextuais, seja guiado por certos princípios
a parcelar a frase , em momento de incerteza, preferencialmente de
uma certa maneira e não de outra. Outros estudos 4 mostram que a
( 1) a. CMS input visual-+ cadeia sonora-+ signi- segmentação sintática na leitura pode ser muitas vezes definida pelo
ficado nosso conhecimento da realidade e que, portanto, a interpretação não
b. SMS input visual-+ cadeia sonora é determinada apenas pela forma sintática e os itens que compõem
a frase, mas também por fatores externos à gramática (plausibilidade,
significado
coerência, etc.).
Ao mesmo tempo em que esses problemas eram apontados na
lingüística, aparecem na psicolingüística modelos de leitura que enfa-
A existência de leitores que são capazes de ler vocalizando um
tizam a leitura descendente, dedutiva, na qual o conhecimento prévio
texto em língua estrangeira sem nada entender (é o meu caso com
do leitor passa a ter um papel igual ou até mesmo mais importante
alemão) e de outros que são capazes de entender um texto sem conse-
que os dados do texto. A leitura de uma frase passa a ser vista não
guir falar a língua do texto (é o caso da maioria dos cientistas com

2. A nível frasal temos o modelo de Katz e F odor (1963) e a nível de


I. Há, porém, outros casos como 'high' e 'height', cuja representação fo- texto o de Kintsch et ai (1975).
nética (hai) e (hait) apresentam maior semelhança do que sua representação 3 . Vide maiores detalhes em Kato (1983, a).
ortográfica . 4. Vide detalhes em Kato (1981) .

92 93
....

mais como uma operação precisa de análise e síntese, mas como um chegar à compreensão, mas simplesmente como um meio auxiliar
jogo ativo de adivinhações 5 • Os dados da frase passam a ser apenas para se fazer tentativas de segmentação sintática adequada.
parcialmente apreendidos para reduzir incertezas, postulando-se que Neste momento, outra questão se coloca: é possível dizer então
a compreensão se dá de forma gestáltica. que o conhecimento da gramática só seria ativado pelo leitor maduro
Os avanços na área da lingüística textual 6 estendem esses pro- nesses momentos de incerteza? Segundo minha intuição, o que parece
cessos para a integração das partes do texto utilizando marcas formais ocorrer é que a interpretação gramatical, necessária para a interpre-
de coesão e de estrutura retórica. tação semântica, é, na maior parte do tempo, um processo mecânico
Com a incorporação das noções da pragmática, outra guinada é de reconhecimento de padrões prontos e que a análise só se faz ne-
observada. O foco passa a ser não mais sobre o que o texto diz em cessária quando há um equívoco nesse reconhecimento ou quando
função da interação do leitor com os dados lingüísticos, mas sobre não ocorre o reconhecimento pelo fato de o padrão ser menos freqüente
o que o autor quis dizer, isto é, suas intenções. Nessa vis~o, o ato e menos familiar. É como se o leitor tivesse uma série de moldes
de ler passa a ser visto como um ato comunicativo em que princípios invisíveis, com funções marcadas para as formas a serem identifica-
de cooperatividade griceanos passam a reger o comportamento do das, moldes esses que ele iria sobrepondo à seqüência visual. A
leitor. escolha do molde seria feita conforme algumas pistas superficiais
Assim, o leitor, que era inicialmente visto como um analisador mais salientes tais como palavras gramaticais, palavras regentes, cons-
passa a ser visto como construtor e finalmente como um "vidente" tituinte inicial ou final, extensão, etc.
cooperativo, que capta a mensagem que estava na mente do autor. O leitor poderia, às vezes, equivocar-se e sobrepor um molde
que não se ajusta à seqüência do texto que ele está lendo. Haveria,
Se examinarmos a ênfase dada nos modelos propostos, iremos
então, a necessidade dele analisar o input mais cuidadosamente para
constatar que, de certa forma, todos eles têm ou tiveram algum papel
em seguida escolher o molde mais apropriado. A escolha imediata
no nosso ato de ler. Embora os leitores maduros sintam-se atraídos
bem-sucedida do molde seria a operação de reconhecimento .
pela visão cognotivista e pragmática, que parece retratar o comporta-
mento do leitor maduro, é necessário ter-se em mente que com textos Pode-se supor ainda que a escolha é determinada por dois fato-
complexos e altamente informativos recorremos muitas vezes a uma res: a) o padrão escolhido é aquele que o contexto prevê como mais
segmentação sintática consciente e cuidadosa, à leitura vocalizada e até provável e b) o padrão escolhido é o mais acessível pela simplicidade
mesmo à tradução. ou pela freqüência de uso , podendo esses dois aspectos estarem
relacionados.
Se como diz Bever (1975), em situações de conflito, regredimos
O equívoco pode resultar muitas vezes do fato do input apre-
em nossas estratégias, recorrendo àquelas já em desuso, podemos
sentar, à primeira vista, feições de um padrão preferencial. O que
hipotetizar que tais processos marcaram etapas produtivas em nossa
em literatura psicolingüística convencionou-se chamar a estratégia do
aprendizagem da leitura.
sentóide canônico seria um caso particular de aplicação de um molde
Porém, é evidente que , em se tratando de língua estrangeira, a
preferencial (SVO) a uma estrutura qualquer. O que regeria esse
leitura vocalizada quase nunca é usada automaticamente para se
tipo de escolha seria o princípio da canonicidade, que leva o leitor a
interpretar uma unidade sintática como simples e direta.
5. Autores mais representativos dessa linha de pensamento são Goodman
(1969) e Smith (1978). Ilustraremos essas suposições com a leitura de um texto em inglês
6. Para uma boa visão sobre lingüística textual vide Marcuschi (1983). feita por um sujeito P que foi instruído a ler silenciosamente e ir

94 95
traduzindo à medida q 1' -
ue ta, nao 1lavendo necessidade de trad - T he automobil e has given Americans an extraordinary
~~e~~s~,e literal. o_ su~eito p havia freqüentado cerca de 6 seme~t~:~ degree of personal mobil ity. Today there are about 100
g esf em_ _um mstJtuto de línguas e o assunto do texto lhe era million passenger cars and 20 million light trucks
bas tante amll~ar. ·
(mostl y privately owned pickup (V) trucks and vans)
Segue abaixo o texto usado com registered in the US , nearly one for every adult. In
d t.f.Icu Id ades su blinhadas e numeradas. as partes que apresentaram
1980 this vas t fleet of vehicles consumed about six
million barreis of petroleum products per day, the
approximate equivalent of ali US imports or about 60
THE FUEL ECONOMY OF LIGHT VEHICLES per cent of US domestic production .
(extraído de Charles Gray Jr . e Frank von Hippel,
As domestic oil production decreases, cars with better Scientific American, vol. 244, 5, p. 36, ano 1981)
fuel eco~omy b_ecorne more attractive. By 1995 it should
be pos~Ible Without major innovations to have fuel
economies of more than 60 miles per gallon. Desc reveremos a seguir o comportamento de P na leitura dos tex-
tos sublinhados :
THE US is coming out of an era in which economic
growth was sti~ulated. by an abundance of cheap pe- " Isso ... este será um período perigoso é . .. / espe ra um pou-
trol~um and. gomg a dtfficult period in which energy, co , com o é que é isso ? Ah! tava achando esse that this
partJcularly m the form of Jiquid . fuel w 'Il b h esq uisito / que este será um período perigoso já está claro ... "
I' , 1 e muc
cost ter and in Jimited supply. That this will be a
Note-se que P tentou inici almente aplicar uma interpretação de
dangerous period is (I) already clear from the anxiety frase simples à oração subj etiva sublinhada , revendo sua interpretação
ex~res~ed by US officials about the security of the quando encontrou o verbo 'is'.
natwn ~ continued access to the world's largest-know
res~rvotrs of underground oi!, those in the Persian Gulf II - " ... enqu anto o govern o e a indústria focalizam , fazem força
regwn . Co~sumers are therefore being urged to conserve em desenvolver. . . custo. . . com custo novos equipamentos
energ~ while government and industry focus on de- domés ticos".
velopmg costly (II) new domestic supplies. Useful as Observa-se que o sufixo ambíguo '-ly' que pode tanto ser afixo
thes~ measures may be, we believe the possibility of adverbial como adjetivai, mas é mais freqüentemente adverbial, levou
makmg a successful economic transmition to the post- P a interpretá-lo como advérbio e, portanto, como modificador do
p~troleum era depends (III) on a much more deter- verbo 'developing' ~não como modificador de 'new domestic supplies'.
mmed effort by both government and industry to in- l?. possível que tal segmentação tenha sido influenciada pelos múltiplos
crease the efficacy with which energy is utilized in modificadores que o nome supplies já tenha . Aqui , a re-análise não
those sect~rs of. the economy that depend on Iiquid correu, tendo havido intervenção do autor deste artigo .
fuel, sta.rgmg wtth the single Iargest consumer: the
automobtle. III - " . . . acreditamos na possibilidade de fazer uma transiçã o
econômica bem-sucedid a para a era do petróleo ... /não, não
96
97
, . olo ia lingüística que a ordem de constituiu-
é assim/ - we belive the possibility ta-ta-ta depends on - literatura referente a tlp g . . · · determinam mu-
d de constltumtes essencwts se
ah! - nós acreditamos que a possibilidade de fazer uma tes menores e a or em 1 ue o inglês é uma língua
ue saber por exemp o, q
transição econômica bem-sucedida para a era do petróleo tuamente d e f orma q ' . . -o o nome e que os com-
depende de um esforço . . . " SVO faz-nos prever que as rela~tvals s~gu:~stra ainda que há línguas
. - o verbo A ttpo ogw
zas Ass1m o mg1 es
plementos segmrao · . . ~ tem em seu sintoma no-
.
Neste trecho P foi levado a interpretar 'the possibility' que se se- que apresentam Jmpure , . . 'v ual permite vários modifica-
gue a 'we believe' como objeto do verbo e não como sujeito da oração minai características de hngua SO ' o ; turas certamente não serão
encaixada que lhe serve de complemento. Ocorreu, portanto, nova- dores pré-nominais. Padrões com essas
. . d
:s
m aprend1z ras1 euo.
bru '1 .
mente a estratégia do sentóide canônico, isto é, a interpretação SVO os moldes preferenciaiS e u tipo de com-
. 1 . lado faz-nos prever o
para essa cadeia. A ausência do complementador 'that' propiciou esse A regência lextca , por seu ' leva a interpretar
d ocorrer no contexto, o que nos .
equívoco. plementos que eve d stituintes As marcas formaJs
. t funções esses con · ..
automatlcamen e as . - os elementos auxtltares
IV - "-=20 milhões de caminhonetes leves (a maioria para uso par- mo sufixo, preposições e determmantes sao . .
co . d f . os limites de cada constltumte.
ticular /não/ a maioria caminhões pickups e caminhonetes que nos aJudam a e tmr estratégia
para uso particular). A estratégia lexical atua, portanto, junta~nte. co~ a
. t f camente a cadela VI SUa .
sintática para interpretar. sm a ti . ão se limita, contudo, à infor-
Novamente ocorre aqui uma re-análise para possibilitar a inclusão 0 conhecimento lextcal. d~ .etto.r tn o das entradas lexicais. Ao
de outros elementos que vão aparecendo, em uma mesma moldura. tamento smtatlco m ern d
mação d o compor d 'tens aparecem alistados e
. . , . o comum on e os t
Em todos os casos vistos, com exceção de II, verificou-se assim contrário d o d tcwnart ' l' . mental 0 item lexical não
, . edita se que no extco ' ,
uma tendência a um fechamento sintático precipitado que permitiu, forma al f ab ettca, acr - . , d de relações paradigma-
. . dentro de uma re e
contudo, extrair uma informação coerente e significativa até o ponto aparece tsolado, mas stm . t de um item no texto
, . Assim 0 aparectmen o
do fechamento. No momento em que o leitor percebe que sua decisão ticas e sintagmattcas. , , f do o leitor prever o desen-
foi ineficaz para integrar elementos posteriores, recorre ao seu conhe- deverá ativar outros da mesma area, azen 't
, . 'vel a partir desses I ens.
cimento gramatical para analisar com mais cuidado o input visual. cadeamento temattco possJ o título ocorrem vários
Podemos dizer então que o conhecimento da sintaxe atua de duas Voltando ao nosso texto, ob.serve-dse qtuet, numa r~de de relações.
outros ttens o ex 0 -
maneiras na leitura. Uma que é mecânica e inconsciente e que atua itens que formam com. , T 'petroleum', 'energy' em relaçao
na base de reconhecimento instantâneo de padrões e funções e a .
Assim , o ue
'f l' se relacwna , com .
or '
'V h' Ies' tem em 'vans' cars e
, ' '
segunda que é consciente e que atua em situações de equívoco e
. , · sintagmattca. e rc d
paradJgmatlca ou . 'E omy' coloca-se com 'pro uc-
, 1 de seus hipômmos. con .
incerteza. k
'truc s a guns . tabelece relações com outros
tion', cada um dos qums por sua vez es
O reconhecimento automático instantâneo dos padrões sintáticos
pode ser atribuído a duas competências: a) o conhecimento da tipo- itens do texto. . - d, portanto de forma isola-
logia sintática da língua e b) o conhecimento da regência das palavras. A compreensão de um _Item ;:oh:~er a;prendizag~m de um termo
Assim, saber que o inglês é uma língua SVO faz-nos procurar nessa da, da mesma forma que n_ao po com reensão e a aprendizagem de
ordem as cadeias de elementos com essas funções e a prever ainda a fora de sua rede de relaçoes. A p . o número de
. fetiva quanto mawr
um item lexical parece tanto mats e
ordem de aparecimento de constituintes não essenciais. Sabe-se pela
99
98
relações que esse item consegue estabelecer com itens íá compreen·
didos ou aprendidos.
Nesse sentido, a compreensão e a aprendizagem assemelham-se ao
processo lingüístico de mudança ou extensão de sentido, que , segundo
a literatura semântica, afetam não itens isolados mas conjuntos do
mesmo campo semântico.
Convém observar aqui que nem sempre fica clara a distinção
entre informação lexical e conhecimento do mundo. Sabemos, porém,
intuitivamente que nem tudo que envolve um conceito, em termos
CAPITULO 8
do nosso conhecimento do mundo, pode vir codificado no léxico,
entendido aqui como um dicionário lingüístico e não enciclopédico.
Com essa análise não tivemos a pretensão de atribuir apenas a
estratégias sintáticas e lexicais a possibilidade de extrair o sentido
de um texto. A compreensão exige, como vimos, a interação do leitor Estratégias cognitivas e metacognitivas
com dados do texto, dados de sua memória e de sua capacidade coope-
rativa-comunicativa com um autor que ele geralmente não conhece. na aquisição de leitura*
Pretendemos , antes, ilustrar a importância dos procedimentos
gramaticais e lexicais na leitura, procedimentos esses que parecem ter
sofrido, nas abordagens descendentes radiciais dos últimos anos, um a
desenfatização imerecida e pouco sensata . Da mesma forma que abor- O presente trabalho tem como objetivo aprofundar os conceitos
dar o texto apenas do ponto de vista formal abstrai-nos perigosamente de estratégia cognitiva e metacognitiva, conceitos esses já apresentados
de seu sentido global explícito e implícito, procurar depreender o em Kato (1983, a), e fazer algumas considerações sobre seu papel na
sentido do texto sem uma interpretação crite;iosa de sua forma pode aprendizagem 1
.
levar-nos a imprecisões, distorções e equívocos igualmente indesejáveis .

t. Estratégias cognitivas versus estratégias metacognitivas

A oposição entre cognição e metacognição é inspirada em Vigotsky


(1962) e sua lei do estado de consciência, segundo a qual podemos

• Aprese ntado no l Encontro de Leitura, U.E. Londrina, 1?~4 ~


1. Não estamos fazendo aqui a clássica distinção en tre aqUlsJçao e apren·
dizagem por acreditarmos que esta também é basicamente determinada pelos
fatores que regem aquela .

101
100 '
distinguir duas fases no desenvolvimento do conhecimento: uma fase Para ilustrar aqui como elas operam, relatarei fatos observados
de desenvolvimento automático e inconsciente e uma em que se ob- em trabalho anterior - Estratégias Gramaticais e Lexicais em Leitura
serva um aumento gradual do controle ativo desse conhecimento 2 • em Língua Estrangeira 4 - com sujeito em fase de aquisição de
Flavell (197 8)3 distingue ainda duas categorias, não necessaria- língua estrangeira. As observações são válidas, a meu ver, para o
mente exclusivas, do conhecimento metacognitivo: conhecimento de caso de língua materna.
aspectos da cognição e conhecimento que controla e seleciona aspectos Solicitado a ler silenciosamente um texto em inglês, de conteúdo
da atividade cognitiva. Em outras palavras, a primeira categoria refe- de interesse do sujeito, e a traduzir livremente em voz alta, esse sujeito
re-se a reflexões sobre o próprio saber, ao passo que a segunda cometeu vários equívocos, alguns dos quais foram seguidos de auto-
refere-se ao controle desse conhecimento. No presente estudo, estare- correção, mostrando claramente que houve da parte dele um controle
mos trabalhando com o segundo conceito de metacognição, que poderia ativo de sua atividade cognitiva.
ser definido como o domínio de estratégias que regem o comporta-
mento do leitor.
Estratégias cognitivas em leitura designarão, portanto, os princí- ( 1) .. . That this will be a dangerous period is already
pios que regem o comportamento automático e inconsciente do leitor, clear from the anxiety ...
enquanto estratégias metacognitivas em leitura designarão os princípios ". . . Isso. . . este será um período perigoso é .. .
que regulam a desautomatização consciente das estratégias cognitivas. (espera um pouco, como é que é isso? Ah! tava
Nas seções seguintes, examinaremos cada uma dessas noções achando esse that this meio esquisito) ... que este
através de uma análise de seus subtipos. será um período perigoso está claro pela ansie-
dade ... "

O equívoco aqui revela a tendência do sujeito a interpretar a pri-


2. Estratégias cognitivas
meira oração como principal e não subordinada (uma estratégia
cognitiva); as pausas revelam perplexidade ou planejamento. Após a
detecção da falha em sua interpretação, o leitor se autocorrige, em
Em meu artigo Estratégias em Interpretação de Sentenças e em
um comportamento que denuncia claramente uma estratégia meta-
Compreensão de Textos examinei fatos referentes à segmentação sin-
cognitiva.
tática e à interpretação de frases que eram explicáveis não por regras
gramaticais, mas por estratégias cognitivas que regem o desempenho (2) ... we believe the possibility of making successful
do compreendedor. economic transmission ·to the post petroleum era
depends on .. .
2. A obra de Vigotsky utilizada é uma coletânea de traduções para o ". . . acreditamos na possibilidade de fazer uma
inglês de originais que datam dos anos 30.
3. J. Flavell (1978) "Cognitive Monotoring". Draft prepared for the con- transição economicamente bem-sucedida para a era
ference on Children's Oral Communication Skills, U. of Wisconsin. Apud
Moore (1983) .
4. V. Kato (1984).

102 103
...

do petróleo. . . (não, não é assim - we believe the pelo leitor. O equívoco do leitor apenas acusa. de forma mais clara,
possibility ta-ta-ta depends on a h!) nós acreditamos a existência dessas estratégias.
que a possibilidade de fazer uma transição econo- As estratégias cognitivas não se limitam apenas a explicar com-
micamente bem-sucedida para a era do petróleo portamentos relativos à interpretação sintáti ca da frase. A nível inter-
depende ... " sentencia! elas se revelam na tend ênci a do leitor a fazer correspon-
dência entre a ordem linear do texto e a ordem temporal dos eventos,
ou a interpretar vários sintagmas do texto como sendo co-referentes.
Verifica-se aqui a tendência a um fechamento precipitado de uma Essa última tendência é ex plicada pelo Princípio da Parcimônia de
seqüência tão logo ela contenha os elementos necessários mínimos para Fillmore e Kay ( 1981), segundo o qual o leitor tende a reduzir os
constituir-se em uma unidade sintática mínima. Da mesma forma que personagens do cenário mental, que se forma a partir do texto .
no exemplo anterior, o sujeito se autocorrige. Note-se ainda que o Poderíamos dizer que existe um princípio mais geral que governa
leitor vocaliza sua leitura quando ele tenta reparar o erro. Essa voca- tanto as estratégias cognitivas de natureza sintática quanto as semân-
lização parece ter muito a ver com a fala egocêntrica da criança - ticas e este seria o Princípio de Canonicidade, ou da ordem natural.
a que se refere Vigotsky (1962) - quando esta enfrenta uma situação Assim , em sintaxe a ordem natural é SVO (sujeito-verbo-objeto) assim
de resolução de problema. como a oração principal antes da subordinada; a nível semântico,
Pedrosa (1984) observa esse fenômeno de fechamento precipitado teríamos o animado antes do inanimado, o agente antes do paciente,
em crianças desempenhando testes cloze. a causa antes do efeito, o positivo antes do negativo (assim como a
tese antes da antítese) , etc .
Podemos dizer ainda que um outro princípio geral que rege
(3) .. . gostávamos de - - - - o gado pastando. nosso comportamento diante do texto é o Princípio da Coerência.
(observar) Esse princípio, bem como os outros, não rege apenas o comporta-
" gostávamos de curral o gado pastando. mento do leitor, mas também o do produtor de textos. Agar e Hobbs
gostávamos de ração - gado pastando. ( 1982), que trabalham com esse conceito do ponto de vista do pro-
dutor de textos, utilizando estudos da antropologia e da inteligência
artificial , propõem para a análise do discurso uma noção central -
O item no texto original era observar, um verbo, mas as duas o da coerência - entendida por eles em três níveis. O primeiro nível ,
crianças preencheram a lacuna com um substantivo, efetuando assim a que eles chamam global, tem a ver com o objetivo do produtor de
um fechamento sintático precipitado. Kleinan (1983) observa o mes- efetuar com o texto alguma mudança no mundo. O segundo nível
mo fenômeno. - o local - tem a ver com o que o autor objetiva fazer em algum
O fato de termos ilustrado a existência de uma estratégia cogni- lugar do texto. Uma maneira de ser coerente é, por exemplo, dizer
tiva através de um equívoco ou erro, não significa, porém, que ela o que acontece em seguida; outra é elaborar sobre o que foi dito ;
leve necessariamente a isso. Na verdade, o que ocorre é que normal- outra ainda é estabelecer um paralelo, contraste, etc. O terceiro nível
mente as estratégias cognitivas possibilitam uma grande eficiência na - o temático - tem a ver com o uso recorrente de uma mesma
leitura e que elas só não funcionam (e nesse caso causam equívoco) fatia de informação no texto e se confunde com o Princípio da
quando há uma situação marcada, que foge aos padrões esperados Parcimônia.

104 105
Se entendermos leitura como um ato de simulação do planeja-
mento do escritor, ela deverá consistir na busca da coerência nesses tando-se no que o autor pode querer levar você a
três níveis. acreditar. Procure as pressuposições do autor.
Teste para verificar se não há falhas nas máximas
Scott (1983), embora não discrimine o princípio da coerência
de Grice.
em três níveis, propõe-nos já como um princípio regulador da recepção
e postula ainda submáximas que guiam o leitor nos casos em que
há insucesso nessa busca . São as seguintes as máximas propostas
(p. 10): A maxtma A e E parecem ter a ver com a busca da coerência F "
Ioca 1., as ma'xt' mas D e E com a busca de coerência
, . global e a . . Ja
sobrepõe a uma estratégia cognitiva, uma estrategt~ m~tac,o~mtlV~.
A. Pressuponha que o discurso é coerente (isto é, que
os itens se organizam como unidades em seqüência, Con cluindo , podemos dizer que pelo menos dots prmc1p10s
. ) ba-
a não ser que esteja explicitado o contrário). sicos regem nosso comportamento inconsciente n~ 1.ettura: , a . o
B. Onde parece faltar informação (falha no "fio"), Princípio da Canonicidade e b) o Princípio da Coerencta, este ulttmo
pressuponha que a informação que falta não é sur- englobando o Princípio da Parcimônia .
preendente, conflitante ou inconsistente.
C. Onde a informação parece sem sentido, irrelevante
conflitante ou surpreendente, 1) procure no co-texto
"dicas" para a seqüência da informação, e, se isto 3. Estratégias metacognitivas em leitura
não restaurar a coerência, 2) procure uma função
lingüística interpessoal para suplementar a função
do conteúdo ideacional. A autora que trabalha em maior detalhe a questão ~~s estratégias
D. Se a máxima falhar momentaneamente (isto é, em ..
metacogmttvas e, Bro wn (1980)~'> · No artigo Metacogmttve Develop-
.
apenas um ou dois itens), pressuponha que lhe falta ment and Reading, a autora alista as seguintes atividades em leitura.
informação prévia necessária . Decida sobre os cus- às quais ela confere natureza metacognitiva :
tos e benefícios de ignorá-la ou de procurar a in-
formação prévia necessária em outras fontes. a) explicitação dos objetivos da leitura ;
E. Se falhar permanentemente no discurso (isto é, os b) identificação de aspectos da mensagem que são im-
itens seguintes estão coerentes entre si mas não com oortantes ;
os itens que você está focalizando), pressuponha c) ~!ocamento de atenção em áreas que são importantes;
que você chegou ao fim daquela unidade do
d) monitoração do comportamento para ver se está
discurso .
ocorrendo compreensão;
F. Mesmo que o discurso pareça coerente, pressuponha
e) engajamento em revisão e auto-indagação para ver
que há em jogo funções interpessoais de linguagem
se o objetivo está sendo atingido;
inexplícitas, ou pelo menos um ponto de vista, as-
sim como a função ideacional. Procure-as pergun-
5 . Veja também Moore (1983).
106
107
f) tomada de ações corretivas quando são detectadas Procure o tema do texto.
falhas na compreensão; Analise a consistência interna do texto.
g) recobramento de atenção quando a mente se distraí Compare o que o texto diz com o que você sabe
ou faz digressões. sobre o assunto e veja se as duas informações
são coerentes, etc.
2. Monitore sua compreensão tendo em mente esses
A meu ver, temos aqui apenas duas estratégias básicas, sendo as objetivos.
demais apenas subtipos dessas estratégias:

A natureza inconsciente de nossas estratégias cognitivas fica clara


a') estabelecimento de um objetivo explícito para a nessa formalização, pois quase nunca temos consciência de nossas
leitura; pressuposições.
b') monitoração da compreensão tendo em vista esse As estratégias cognitivas têm merecido atenção constante por
objetivo. parte da literatura referente à aquisição da linguagem 6 , mas pare-
ce-nos que as metacognitivas é que têm um interesse especial para a
aprendizagem formal na escola em virtude de sua natureza consciente.
Assim, o item b) me parece ser apenas um subtipo de a'), e Em vista disso, discutirei, na seção seguinte, apenas o aspecto de
c), e) e f), subtipos de b'). O item g) parece ser algo que nada tem desenvolvimento referente a essas últimas.
a ver com o conceito de estratégia. Outros subtipos poderiam ser
acrescidos a a'), recorrendo-se às estratégias cognitivas mencionadas
anteriormente. Poderíamos ter, por exemplo, identificação do tema
do texto ou das premissas que levam à conclusão. Ao selecionarmos 4. Desenvolvimento de estratégias metacognitivas
um aspecto de nossa atividade cognitiva, no caso um tipo de coerên-
cia, estaríamos desautomatizando essa busca, tornando-a consciente.
Se formalizarmos as estratégias cognitivas e metacognitivas em Brown dedica uma boa porção de seu trabalho aos aspectos do
forma de máximas, como fez Scott, teríamos o seguinte contraste: desenvolvimento das estratégias metacognitivas e discute o desem-
penho da criança na escola com respeito ao uso das mesmas. Mas a
atitude da autora face a esse desempenho tem por base a tese do
I. Estratégias cognitivas: déficit, isto é, a de encarar o aprendiz como deficiente em relação
1. · Pressuponha que o texto apresente ordem canônica. a um saber e comportamentos ideais, o que parece contradizer seu
2. Pressuponha que ó texto seja coerente. objetivo de estudar o assunto em uma abordagem desenvolvimentista.
As seguintes afirmações de Brown atestam essa atitude:
11. Estratégias metacognitivas:
1. Explicite claramente seus objetivos para a leitura.
6. Karmillof-Smith (1979) apresenta dados de aquisição oral que mostram
Exemplos: uma clara atividade de natureza metacognitiva no ato da produção de. narrativas.

108 109
we identified many areas in which children's meta- "The good student may be one who often says he does
cognitive deficiencies caused se vere problems" (p. 456). not understand , simply because he keeps constant
check on his understanding" (p. 459).
"Metacognitive deficiencies are the problem of the no-
vice, regardless of age. Ignorance is not necessarily age-
related; rather it is more a function of inexperience in
O fato de a maioria das crianças de Pedrosa não apresentar moni-
a new problem situation" (p. 475).
toração a nível textual não significa , porém, que elas não tenham
"Apparently the monitoring necessary to detect a com- ainda estratégias cognitivas de natureza textual. Significa apenas que
prehension failure is not routinely undertaken by young o cloze, por não constituir um texto real, mas sim um problema de
children" (p. 459). reconstrução de um objeto (o texto), requer constantemente a apli-
"They are less conscious of the workings of their mind, cação de estratégias metacognitivas nesse nível.
less facile with the introspective modes necessary to A observação de Brown sobre a dificuldade da criança em apren-
reveal their mental states, and therefore, less able to der a idéia central ou principal parece também ter evidência apenas
exert conscious control of their own cognitive activity" no nível metacognitivo, pois segundo ela:
(p. 471).

"lt is important to note, however, that recall of the


passages at all ages was sensitive to the importance
O estudo de Pedrosa (op. cit.) mostra, contudo, que a criança,
levei of the units" (p. 464) .
desde muito cedo, começa a monitorar seu comportamento como
leitor. A diferença entre crianças menos experientes e mais experien-
tes reside no nível lingüístico em que tal monitoração se dá. Assim,
Essa afirmação revela que a criança tem estratégias cognitivas
Pedrosa mostra que as crianças menos experientes começam monito- textuais, mas grande parte das crianças não consegue ainda fazer
rando a nível da palavra, para progressivamente passarem a monitorar afirmações ou desempenhar atividades que exijam dela capacidade
a nível de sintagmas, orações e unidades maiores que o período. Pe- metacognitiva no nível textual. Um trabalho que as faça perceber os
drosa constata esses fatos tanto na leitura oral, através das pausas , motivos que a levaram a deixar certos trechos do texto em sua reme-
erros e reparos do pequeno leitor, como também na leitura silenciosa, moração poderão dar-lhe gradativamente a noção consciente de que
através de desvios cometidos em teste cloze. A nível textual, por algumas idéias são mais importantes do que outras.
exemplo, algumas crianças cometem erros tentando preencher lacunas A posição de Brown parece resultar de seu julgamento face ao
com itens que ocorreram em outro lugar do texto (antes ou depois desempenho da criança em tarefas escolares, como mostra a afirmação
da lacuna), o que já evidencia uma busca de coerência temática bas- abaixo:
tante consciente.
Nesse mesmo teSte, Pedrosa mostra que muitas crianças deixam
de preencher lacunas, o que mostra que a criança tem consciência "Planful strategic behavior in the face of school-type
de uma falha em sua compreensão. Como diz a própria Brown: tasks does appear to be relatively late in developing:

110 111
··-

witness the large amount of dat suggesting that efficiem A criança que está fazendo uma leitura sem um objetivo especí-
study skills are less than well developed in college po- fico pode ter falhas em sua compreensão, mas não detectá-las como
pulation' (p. 457) problemas, situação essa que não ativa suas estratégias metacogniti-
vas . A escola pode, então, oferecer atividades de leitura orientadas
com o fim específico de criar situações que exijam a aplicação dessas
Em nenhum momento, porém , a autora chega a questionar as tare- estratégias.
fas escolares , isto é, a indagar se o problema não estaria na própria
Penso especificamente em dois tipos de ação pedagógica: a) uma
escola e não no aprendiz. A falha no ensino da leitura pode estar na
falta de objetivos claros para a leitura. Se a criança enfrenta o texto ação sobre a leitura em curso e b) uma ação sobre o produto da
sem nenhum objetivo prévio, ela dificilmente poderá monitorar sua leitura que determine, todavia, um retorno ao texto . No primeiro
compreensão tendo em vista esse objetivo. Sua monitoração, quando caso, o próprio aprendiz guia sua leitura para atingir um determi-
muito, poderá se dar apenas a nível de uma compreensão vaga e nado fim e, no segundo, o professor age como um previsor de falhas
geral. Ou ainda, ela poderá ler o texto, tendo em mente apenas o de compreensão.
tipo de perguntas que a escola está acostumada a lhe fazer. Sua Vejamos alguns exempl os do primeiro tipo :
compreensão, nesse caso, será monitorada apenas para atender à ex-
pectativa da escola e não dela mesma .
1. Procure uma palavra única que possa preencher
todas as lacunas do texto. Depois de preenchido
leia para ver se ficou bom. Escreva agora todas as
5. Considerações pedagógicas palavras ou expressões que fizeram você adivinhar
a palavra que estava faltando.

Como vimos, as estratégias cognitivas munem o leitor de pro-


O estímulo aqui não é um texto na acepção normal do termo, mas
cedimentos altamente eficazes e econômicos, responsáveis pelo pro-
um exercício de reconstrução de um texto que, como o cloze, exige
cessamento automático e inconsciente, enquanto as metacognitivas
um constante controle da compreensão por parte da criança. A criança
orientam o uso dessas estratégias para desautomatizá-las em situações
é obrigada a usar pistas gramaticais, semânticas, seu conhecimento
de problema.
prévio e sua capacidade de raciocínio para desimcumbir-se da tarefa.
A escola pode oferecer condições prop1c1as para a criança Ao contrário do teste cloze, que pode levar a criança a perder as
desenvolver tanto as primeiras como as últimas, oferecendo para o pistas textuais, fazendo-a prender-se apenas a pistas locais, esse
primeiro caso um estímulo compreensivo, no sentido de Krashen tipo de exercício trabalha principalmente com uma busca consciente
(1981), e motivador , e para o segundo , situações problema. de coerência temática. Ao mesmo tempo em que desenvolve suas es-
Como acredito que as primeiras desenvolvem-se naturalmente em tratégias cognitivas, o leitor deverá eventualmente fazer retrocessos
função do input e da motivação , concentrar-me-ei em sugestões sobre até lacunas já preenchidas e substituir a palavra já escolhida, em uma
o desenvolvimento das estratégias metacognitivas. atividade nitidamente metacognitiva.

112 113
..
,

2. Ouça a história que vou contar. Agora leia a estó- O professor criativo e experiente poderá utilizar-se do conhecimento
ria da folha mimeografada. que tem a criança e da situação de aprendizagem para, a partir delas ,
a) assinale as passagens que são diferentes da estó- propor atividades significativas que levem a criança a utilizar e desen-
ria ouvida ou volver toda sua capacidade cognitiva e metacognitiva 7 .
b) acrescente o que falta no texto da folha, redi-
gindo novo texto ou
c) suprima o que não apareceu na estória da pro-
fesso ra.

Temos aqui atividades que contrastam dois esquemas de com-


preensão advindos de códigos diferentes, contraste esse que levará
a criança a refinar sua compreensão na busca consciente de uma coe-
rência intertextual (um tipo de coerência global). A atividade conjuga
ainda a leitura com a escrita - habilidade esta também em desen-
volvimento - e se apóia na linguagem oral, sobre a qual a criança
tem maior domínio .
Quanto ao segundo tipo de ação, não estamos pensando em ati-
vidades do tipo que a escola privilegia, de mera rememoração literal
do texto, caso em que a ação se limita a trabalhar com o produto
da leitura, mas em atividades que propiciem uma monitoração tardia
da compreensão por parte da criança. Assim, questões formuladas
a partir de uma predição do professor de que houve falhas na com-
preensão podem levar a criança a uma re-leitura do texto em um
nível em que ela provavelmente não operou .
Outra atividade que pode resultar em uma monitoração tardia
da compreensão seria a re-leitura do texto cloze já preenchido pelo
aprendiz. A leitura feita após algum tempo fará com que a criança
atue como um leitor frente a um texto não lacunado, mas sua lei-
tura, ao contrário do que ocorre em situação normal, será muito
mais crítica e com possibilidade de reparos de seu desempenho inicial
como co-produtora do texto.
'r
Isto é apenas uma ilustração do que se pode fazer a partir de
uma concepção teórica clara do que o leitor faz no ato da leitura . 7 . V. El ias (1 983) para uma noção clara de esquemas de compreensão.

114 115
•\.

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