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Por um caráter transgressor na Linguística Aplicada e seu alcance indisciplinar

PENNYCOOK, Alastair. Uma Linguística Aplicada Transgressiva. In: MOITA LOPES, L. P.


(Org.) Por uma Linguística Aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

Lara Cristina Batista Souza1

A obra Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar objetiva trazer à discussão novas
perspectivas para área de pesquisa da Linguística Aplicada (LA), em uma tentativa de
desconstruir a noção de um estudo centrado apenas nas práticas de ensino-aprendizagem e
dependente da Linguística. Nesse ínterim, o texto de autoria de Alastair Pennycook 2, Uma
Linguística Aplicada Transgressiva, traduzido originalmente do inglês por Luiz Paulo da
Moita Lopes, apresenta-se como o segundo capítulo do volume, para discutir novas
possibilidades de pesquisa e desenvolvimento da LA.
Em primeira instância, Pennycook se preocupa em situar o leitor acerca do seu
posicionamento em relação a chamada Linguística Aplicada Crítica (LAC). Para ele, a LAC é
um campo mutável, preocupado, principalmente, em pensar as questões do conhecimento e
problematizá-las; é baseada na unidade de pesquisa e práxis, além de viabilizar a abordagem
de um conjunto de interesses sociais em voga e imputar-lhes a devida relevância na ciência.
Assim sendo, mostra-se interessante ressaltar que Pennycook, constantemente, vale-se de
outros pontos de vista para discorrer sobre sua pauta, isto é, ao falar da relevância da LAC,
ele cita Foucault e a necessidade de trazer novas formas de politização para a ciência, em
busca de reafirmar a proposta trazida pela abordagem defendida. Ao mesmo tempo, Davies e
Widdowson são citados como críticos contra a LAC, para que possa haver, de certa forma,
uma discussão de ambos os lados acerca do assunto. Certamente, o diálogo criado a partir
dessas citações e pontos de vista torna o texto muito mais interessante e rico.
Ao dar continuidade a discussão, Pennycook destaca as chamadas “ quatro hipocrisias”
da LA contraposta a LAC. Assim, o autor delimita que a LAC estaria disposta a lidar com
âmbitos que a LA desconsidera, como a importância de questões políticas imbricadas nos
interesses acadêmicos, a abrangência de um cenário que vai além do “pós-colonialismo”, e o
seu caráter partidário, ou seja, que se filia a ideologias ao recusar a existência de uma
“neutralidade”. Embora todas essas questões sejam bem pontuadas e explanadas pelo autor, é

1 Graduanda em Letras: Língua Inglesa e Literaturas da Língua Inglesa pela Universidade Federal de
Uberlândia.
2 Alastair Pennycook, atualmente, compõe o corpo docente da Universidade de Tecnologia de Sydney como
professor de Língua, Sociedade e Educação. É conhecido pela sua contribuição no campo do multilinguismo e
do inglês global, sendo que seus trabalhos mais recentes são voltados ao pós-humanismo e a Linguística
Aplicada Crítica.
visível para o leitor que a questão central postulada vai muito além desse embate entre a LA e
a LAC. Mais do que apenas defender uma visão crítica, Pennycook está engajado em trazer
para debate a necessidade de um estudo que se preocupe em abranger as questões complexas
das relações de poder, de resistência e de embate.
Nesse prisma, o autor aborda o principal tema do texto: a noção de transgressão. A
necessidade de se repensar a LA pressupõe a indispensabilidade de um estudo que seja
transgressor, isto é, que esteja disposto a não se situar entre barreiras disciplinares. Pelo
contrário, o caráter fluido e mutável é necessário e desejado para a LA. Exatamente por isso é
que o autor defende a ideia de que a agenda de pesquisa da LA precisa ir muito além de uma
inter- ou transdisciplinaridade, pois deve não apenas romper com barreiras disciplinares para
valer seus estudos, mas também legitimar o uso de instrumentos tanto políticos como
epistemológicos para transgredir o pensamento tradicional e normativo na academia. É mister
destacar que, ao trazer, em todo momento, citações e pontos de vista de outros autores, como
Fanon, Foucault, bell hooks, Elder etc, o texto se assemelha mais a um debate para a
construção do conceito da LA transgressiva do que um simples monólogo por parte de
Pennycook, o que, indubitavelmente, implica em uma leitura muito mais fluida.
Na sequência, as viradas linguística, somática e performativa são abordadas pelo autor,
junto a suas implicações e pertinência para a LA. As formas de pensar oriundas dessas viradas
trouxeram para a LA a visão de que se precisa considerar o discurso na constituição do
sujeito, que é conflitante e múltiplo; entender que a ordem social é espacial e temporal,
institucional e também conflitante, pois carrega consigo problemáticas raciais, de gênero,
sexuais, etc; e assimilar que o uso da linguagem constitui um sujeito em sua performance.
Apesar de ser indiscutível as contribuições dessas perspectivas no estudo, a linguagem
utilizada pelo autor nessa parte adquiriu um tom tecnicista, isto é, foram utilizados tantos
termos específicos das áreas a qual ele se referia que a leitura tornou-se mais trabalhosa,
arrastada e um tanto quanto confusa.
Ademais, as discussões presentes no texto acerca da imprescindibilidade de uma LA
transgressiva estão em congruência com o termo LA indisciplinar, cunhado por Moita Lopes.
Ambos ou autores definiram como um obstáculo da LA tradicional o seu limite
“disciplinador”, isto é, a insuficiência da divisa entre cada disciplina e sua implicação para os
estudos da linguagem na LA. Dessa forma, está claro que o tópico evidenciado por
Pennycook, assim como sua escolha de não utilizar os termos inter- ou transdisciplinar, é
uma temática recente e extremamente relevante para esse campo, uma vez que:
[...] é essencial pensar outras formas de conhecimento e outras questões de pesquisa
que sejam responsivas às práticas sociais em que vivemos. É sobre essa LA que
desejo agora discutir. Ela é indisciplinar tanto no sentido de que reconhece a
necessidade de não se constituir como disciplina, mas como uma área mestiça e
nômade, e principalmente porque deseja ousar pensar de forma diferente, para além
de paradigmas consagrados, que se mostram inúteis e que precisam ser
desaprendidos (Fabrício, 2006) para compreender o mundo atual. (MOITA LOPES,
2011, p.19)
Não há como negar a indispensabilidade dessa “evolução” da LA frente às
problemáticas em voga e ao modo de se pensar a ciência na atualidade, todavia, Pennycook se
preocupa tanto em delinear as carências dos estudos da LA não-transgressiva que, ao traçar
um perfil ideal da LA transgressiva, pecou ao não formular um simples “como” desse
processo. Apesar de ter citado parte de sua própria pesquisa como exemplo de um estudo da
LA transgressiva, um campo de pesquisa tão inovador em relação a própria forma disciplinar
de se pensar, o texto de Pennycook se mostra vago na ideia do método e suas metodologias -
ou se é que existem - para essa abordagem.
Em suma, a riqueza de autores citados por Pennycook, de forma geral, acrescenta vários
pontos de vistas diferentes para o texto, o que enriquece muito mais a discussão e torna a
leitura muito mais interessante, além de que as diferentes opiniões servem tanto para
contrapor suas ideias quanto para reafirmá-las e validá-las. Destarte, o conteúdo do capítulo é
extremamente válido e pertinente para o campo de pesquisa hodierno, uma vez que ambiciona
dar visibilidade às questões de relação de poder, de resistência e de embate, ou seja, implica
no fomento de se (re)pensar as questões sociais e seus reflexos na área acadêmica.

REFERÊNCIA

MOITA LOPES, L. P. Da aplicação da Linguística à Linguística Aplicada indisciplinar. In:


PEREIRA, R. C. e ROCA, P. Linguística Aplicada: um caminho com diferentes acessos.
São Paulo: Contexto, 2011.

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