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Resumo: O presente artigo tem por objetivo refletir sobre os saberes formais e
experienciais que podem/devem ser mobilizados pelo professor de Geografia durante o
exercício da prática profissional docente. Em específico, a referida reflexão pretendeu
atribuir maior ênfase ao conjunto de saberes necessários ao ensino de uma determinada
disciplina, o que resultou na identificação e classificação dos saberes docentes
necessários/mobilizados no ensino da Geografia tomando por base referências teóricas
produzidas nas últimas décadas, tanto no âmbito da Geografia Escolar, quanto no
âmbito da formação e aprendizagem docente; na experiência como professora de
Metodologia e Prática de Ensino em Geografia numa Instituição de Ensino Superior da
Bahia; e nas reflexões oriundas de uma pesquisa de doutorado.
1. Introdução
Ser professor não é uma atividade que qualquer leigo pode realizar. A docência
requer estar pautado em princípios teórico-práticos e num instrumental conceitual que
guie o trabalho docente. Os saberes elaborados sobre a docência e na docência vêm
sendo objeto de estudo de vários pesquisadores (CAR e KEMMIS, 1988; PACHECO e
FLORES, 1999; SHULMAN, 1986, 1987; MARCELO GARCIA; TARDIF;
MIZUKAMI el al; SANTOS, 2007; BRAGA, 2006; entre outros). Esses saberes tanto
têm a sua origem na experiência prática dos professores, quanto nas discussões
realizadas na academia. Cada autor faz referência aos vários tipos de saberes
mobilizados pelos professores durante o ensino de uma determinada disciplina.
Esse conjunto de saberes dá configuração à identidade profissional docente,
entendida nesse trabalho como um processo de construção do sujeito historicamente
situado, a partir da significação que a sociedade atribui à essa profissão, da revisão
constante dos seus significados sociais, da revisão das tradições (SANTOS, 2007). Esse
processo de construção da identidade docente não pode ser atribuído apenas à formação
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Professora. Adjunta do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS). Pesquisadora do EDUGEO – Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação Geográfica.
celia_regina2006@hotmail.com crbss@oi.com.br
acadêmica, pois tem início na formação pré-profissional e prossegue durante a vida
profissional, após o término da licenciatura.
Assim, aprendemos a ser professor durante a nossa história de vida pré-
profissional: observando nossos professores, pelos dos meios de comunicação,
brincando com nossos colegas, pela da família, da sociedade etc.. Ou seja, através
dessas relações construímos idéias sobre o que é ser professor e como ensinar uma
determinada disciplina (PIMENTA, 1999 e 2004; TARDIF, 2002).
Por sua vez, a história de vida acadêmica contribui para a elaboração de saberes
teórico-práticos sobre a área específica onde pretendemos atuar, saberes didático-
pedagógicos (relacionados ao como ensinar), saberes de outras áreas e saberes da
prática profissional através dos quais construímos referenciais sobre o ser professor.
Esse processo formativo formal realizado nas Instituições de Ensino Superior contribui
para a construção da identidade através da reafirmação das práticas consagradas
culturalmente e que permanecem significativas, da análise sistemática das práticas à luz
das teorias existentes e da construção de novas teorias (PIMENTA, 1999 e 2004).
Ao nos inserirmos no mercado de trabalho, durante a história de vida
profissional são elaborados saberes da experiência através do confronto entre as teorias
estudadas e as especificidades de cada situação vivenciada pelo professor, no
enfrentamento dos desafios e dilemas da profissão. É na atividade escolar cotidiana que
nós, professores aprendemos, realmente, a profissão docente.
Em síntese, coaduno com as reflexões de que a identidade profissional do
professor é constituída por um conjunto de saberes gerais e específicos elaborados
no/para o exercício da prática docente nas mais variadas áreas do conhecimento.
Nessa perspectiva, o presente artigo tem por objetivo refletir sobre os saberes
formais e experienciais que podem/devem ser mobilizados pelo professor de Geografia
durante o exercício da prática profissional docente. Em específico, a referida reflexão
pretendeu atribuir maior ênfase ao conjunto de saberes necessários ao ensino de uma
determinada disciplina, o que resultou na identificação e classificação dos saberes
docentes necessários/mobilizados no ensino da Geografia tomando por base referências
teóricas produzidas nas últimas décadas, tanto no âmbito da Geografia Escolar, quanto
no âmbito da formação e aprendizagem docente; na experiência como professora de
Metodologia e Prática de Ensino em Geografia numa Instituição de Ensino Superior da
Bahia; e nas reflexões oriundas de uma pesquisa de doutorado (SANTOS, 2007).
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Grifos do autor.
Por outro lado, é igualmente importante salientar que saber o conteúdo por si só
não garante um bom ensino e uma aprendizagem significativa. É necessário que o
professor pense pedagogicamente o conteúdo para transformá-lo em algo compreensível
para os alunos, levando em consideração as especificidades do ensino de uma
determinada disciplina, o contexto sócio-ambiental onde a escola está situada, a cultura
da escola, as características dos alunos (idade, série, nível social, contexto cultural,
interesses etc.), os objetivos do ensino, o currículo, o projeto pedagógico da escola (se
existir). Além de dominar o conteúdo específico, é importante que o professor se
aproprie de um conjunto de saberes, de origem e natureza diversas, que possam nortear
o planejamento e a execução de suas aulas.
Esses saberes elaborados sobre a docência e na docência vêm sendo objeto de
estudo de vários pesquisadores (CAR E KEMMIS, 1988; PACHECO E FLORES, 1999;
SHULMAN, 1986, 1987; MARCELO GARCIA; TARDIF; MIZUKAMI et al;
SANTOS, 2007; BRAGA, 2006; entre outros). Para fins de reflexão sobre o conjunto de
saberes que norteiam a prática docente dos professores de Geografia, utilizarei as idéias
de Shulman (1986, 1987), Marcelo Garcia (1992) e Mizukami et al (2003), utilizando a
seguinte classificação: Saberes da Ciência Geográfica Acadêmica; Saberes Didático-
Pedagógicos; Saberes da Ciência Geográfica Escolar; Saberes da Geografia Escolar
Cotidiana.
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Tradução livre.
2.2 Saberes da Ciência Geográfica Escolar
Cada disciplina possui questões teórico-metodológicas e didático-pedagógicas
que atende às especificidades de seu objeto de estudo. As várias discussões voltadas
para o ensino da Geografia escolar, nas últimas décadas, sinalizam que o ensino dessa
disciplina requer muito mais que o simples domínio do conteúdo científico. É
necessário traduzi-lo pedagogicamente, recontextualizá-lo de acordo com as
necessidades e interesses da clientela para o qual se destina sem perder de vista os
objetivos maiores dessa disciplina que é o de proporcionar o desenvolvimento de
raciocínios mais amplos sobre a realidade espacial, uma compreensão crítica do mundo
e, conseqüentemente, uma inserção mais consciente do aluno na sua realidade.
Cavalcante (2005), por exemplo, sugere que os objetivos da geografia escolar
sejam voltados para proporcionar aos indivíduos a elaboração de uma consciência da
espacialidade das coisas, das pessoas, dos fenômenos que elas vivenciam diretamente
ou não. Segundo essa autora, essa educação geográfica tem por finalidade formar
cidadãos pensantes e críticos.
No meu ponto de vista, essa consciência espacial é importante de ser
“construída” no processo de ensino, pois como salienta Carlos (1996) os sujeitos se
apropriam do espaço desenvolvendo uma prática espacial - usando, transitando,
vivendo, produzindo, trabalhando, se divertindo - e construindo no lugar e com o lugar
suas relações. São esses atos corriqueiros que permitem a criação de sentidos e de
identidade entre as pessoas e os lugares de uma localidade específica. Essa autora
salienta ainda a natureza social da identidade e do sentimento de pertencer que liga as
pessoas aos lugares; e que estes lugares adquirem importância justamente pela história
ali vivida.
Além do mais, outra questão que deve ser superada através do ensino da
Geografia escolar diz respeito à forma alienada com a qual os indivíduos se relacionam
com o espaço de vivência. Essa falta de consciência sobre o espaço ao seu redor é
decorrente, segundo Lacoste (1983) de uma espécie de miopia espacial, um
sonambulismo que impede uma atitude mais reflexiva com relação a esse espaço.
Segundo esse autor, se os sonâmbulos se deslocam sem saber por que num lugar que
eles conhecem, nós não sabemos onde estamos nos diversos locais onde temos algo a
fazer (p. 49). Essa espécie de sonambulismo resulta, segundo esse autor, num
sentimento de incapacidade, pelos indivíduos, de avaliar as estratégias de produção e/ou
reorganização espacial impostas tanto pelo poder público, como pela iniciativa privada
(a exemplo de indústrias, shopping centers, imobiliárias, projetos agrícolas, etc.)4.
A finalidade do ensino de Geografia até agora apresentada orienta a estruturação
dos conteúdos e o modo de encaminhá-los nas atividades de sala de aula para propostas
pedagógicas de cunho construtivistas e sócio-interacionistas, que consideram o ensino
como processo de construção de conhecimentos e o aluno como sujeito ativo nesse
processo. Nessas propostas percebe-se uma ênfase nas atividades que procuram superar
uma visão de ensino reprodutor de conhecimento, ressaltando a preocupação na
condução das pessoas a pensarem por conta própria e permitir a construção de novas
compreensões sobre o mundo. Quanto aos alunos, são sujeitos do processo e, portanto,
procura-se trabalhar com a geografia do cotidiano, com os saberes, imagens e
representações sociais dos alunos, na perspectiva de contrapor o conhecimento
científico e o cotidiano.
Muito embora, no âmbito da teoria existam várias hipóteses sobre o que, como e
por que ensinar a Geografia, elas não dão respostas a todas as situações de ensino. Elas
são proposições e como tal não devem ser entendidas como “modelos fechados” ou
verdades absolutas, mas como norteadoras de novas possibilidades, portanto podem ser
reelaboradas conforme as especificidades, no que se refere aos limites, possibilidades,
necessidades e problemas de cada contexto escolar, grupo de alunos, série, professor
etc.
2.3 Saberes Didático-Pedagógicos Gerais e Específicos
Devido às especificidades de cada situação didática, o professor além de saber e
saber fazer deve entender o que faz e porque faz, e um dos pressupostos para tal
compreensão é a apreensão de teorias educacionais e pedagógicas que sirvam de
subsídios para tal reflexão: filosofia da educação, aprendizagem e desenvolvimento
humano, políticas e gestão educacional, princípios gerais do ensino, técnicas didáticas,
planejamento de ensino, políticas inclusivas, currículo, cultura social e influências do
contexto no ensino, história da educação, aspectos legais da educação etc.
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Considera o referido autor que esses conhecem muito bem os espaços e, conscientes dessa miopia que
acomete os cidadãos comuns, não hesitam em praticar “acordos” e de apresentar planos dos trabalhos,
pois as objeções são raras e fáceis de iludir. A maioria das pessoas não percebe até que ponto foram
enganadas, a não ser após o término dos trabalhos, quando as modificações se tornam irreversíveis.
No âmbito desses conhecimentos, os conhecimentos referentes à gestão de sala
aula são importantes para o desenvolvimento do trabalho do professor em sala de aula.
Além de saber o conteúdo e as diferentes formas (procedimentos, técnicas, recursos)
para ensinar determinada disciplina, é importante que os professores também
desenvolvam habilidades para conquistar o interesse das crianças, envolve-los nas
propostas didáticas, fazer com que sejam cooperativos e que façam as tarefas, além de
manter a disciplina na sala de aula.
Outro tipo de conhecimento também importante no processo de planejamento e
desenvolvimento das aulas é o curricular. O professor precisa ter clareza sobre o que é
o currículo escolar, sobre como ele se concretiza, qual é o currículo explícito, qual a
função da Geografia enquanto componente curricular, pois como salientam Pacheco e
Flores (1999, p.21):
4. Considerações Finais
O presente trabalho buscou contribuir para a discussão sobre os saberes
necessários ao exercício da docência e a relação entre os professores e o conteúdo que
ensinam, através de um estudo realizado com professores de Geografia na cidade de
Feira de Santana/BA. Apontou a importância do domínio teórico, pelo professor, para
que o mesmo sinta-se seguro para ensinar determinado conteúdo, mas que saber, por si
só é garantia de aprendizagem pelos alunos: é preciso saber ensinar. Saber ensinar é
pedagogizar o conteúdo, torná-lo compreensível para alunos de necessidades e
contextos diferenciados.
Muito embora entenda que a reflexão sobre a prática deva ter início nas
instituições formadoras, parto do entendimento de que a construção de uma identidade
docente ou mudança na prática docente é um dos objetivos da formação, mas não
sinônimo dela, pois como adverte Braga (2005), freqüentar cursos não significa,
necessariamente, transformação da prática. Toda prática é ancorada em crenças, valores,
concepções teórico-filosóficas que os limites de um curso talvez não sejam capazes de
ultrapassar no sentido de trazer mudanças efetivas para as práticas das professoras. Por
outro lado, também compreendo que a promoção de reflexões e ampliação dos
conhecimentos já são uma possibilidade dos professores desenvolverem uma prática
mais consciente que lhes possibilite responder com situações novas às situações de
incerteza. Ou pelo menos desenvolver reflexões mais amplas sobre as situações vividas
em sala de aula. Afinal, como salientam Pimenta e Lima (2004), a teoria, além de seu
poder formativo, dota os sujeitos de pontos de vista variados sobre a ação
contextualizada. Os saberes teóricos se articulam aos saberes da ação dos professores e
da prática institucional, ressignificando-os e sendo por eles ressignificados.
Para concluir (provisoriamente), aponto para a possibilidade do desenvolvimento
de novas pesquisas que tenham como foco a formação, aprendizagem docente e a
relação entre os professores de Geografia e os saberes que ensinam: como ocorre o
processo de raciocínio pedagógico do professor de Geografia durante as aulas? Quais
as maiores dificuldades dos professores de Geografia no ensino dessa disciplina? Há
diferenças ente professores recém formados e os experientes? Quais saberes são
mobilizados pelos professores no exercício da prática docente? É possível incluir nas
grades curriculares dos cursos de Geografia disciplinas voltadas para o estudo de
localidades específicas? Como contemplar os interesses dos licenciandos advindos das
mais variadas localidades? Como promover estudos que possam viabilizar a ampliação
dos conhecimentos dos professores do nível fundamental e médio sobre diferentes
localidades onde ensinam? A ampliação dos conhecimentos sobre os aspectos sócio-
ambientais do local pode facilitar a articulação entre os conteúdos e a realidade
concreta? O trabalho com o espaço de vivência dos alunos pode contribuir para um
despertar do interesse dos mesmos para essa disciplina? O estudo mais sistemático da
localidade de Feira de Santana e/ou sua inserção como disciplina no currículo escolar
pode contribuir para uma mudança na relação dos moradores com esse lugar?
5. Referências Bibliográficas
LACOSTE, Yves. A Geografia – Isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra, 3ª
ed. Campinas, SP: Papirus, 1993.
MARCELO GARCIA, Carlos. Como Conocen los Profesores la Matéria que Enseñan.
Algunas Contribuciones de la Investigacion sobre Conocimiento Didáctico del
Contenido. Palestra apresentada no Congresso Las didácticas específicas em la
formación del profesorado, Santiago, 6-10 de julho, 1992.
PIMENTA, Selma Garrido (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo:
Cortez, 1999.
SHÖN, Donald. Educating the reflective practitioner. New York: Jossey-Bass, 1987.
SHULMAN, L.S. Those who understands: knowledge growth in teaching. Educational
Researcher, v. 17, n. 1. Washington DC, AERA, 1986, p 4-14.