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MEDITAÇÕES

NO EVANGELHO
DE MATEUS

J.C. RYLE

EDITORA FIEL da
MISSÃO EVANGÉLICA LITERÁRIA
MEDITAÇÕES NO EVANGELHO DE
MATEUS

Traduzido do Original em Inglês: Expository


Thoughts on the Gospels
MATTHEW

Copyright © (Typesetting) Editora Fiel 1991

Segunda edição em português - 2002

Todos os direitos reservados. E proibida a


reprodução deste livro, no todo ou em parte, sem
a permissão escritas dos Editores.

Editora Fiel da
Missão Evangélica Literária Caixa Postal
81
12201-970 São José dos Campos - SP
Prefácio

As Meditações no Evangelho de Mateus, de J.C.Ryle, têm sido amadas


e compartilhadas por várias gerações de crentes, desde sua primeira edição
em 1879, Elas contêm uma simplicidade e uma espiritualidade que têm
feito delas o comentário devocional clássico sobre os evangelhos, na
opinião de grande número de leitores.
Procurando pôr à disposição do leitor moderno uma forma mais
popular dessa obra, foram removidos os textos bíblicos (antes impressos na
íntegra), embora o leitor seja encorajado a ler cada passagem selecionada
do começo ao fim, antes de iniciar a leitura das próprias meditações de
Ryle. Também omitimos as notas de rodapé, nas quais Ryle tratara a
respeito de questões textuais de uma maneira mais crítica, embora sem
qualquer conexão direta com a exposição propriamente dita. O texto usado
é o da Edição Revista e Atualizada no Brasil, da Sociedade Bíblica do
Brasil.
Os publicadores confiam que esta nova edição das meditações
devocionais de Ryle alcançará os mesmos alvos e propósitos aos quais o
autor se aplicou pessoalmente, a fim de que, “com uma oração fervorosa,
possa promover a religião pura e sem mácula, ampliar o conhecimento de
muitos sobre a pessoa de Jesus Cristo, e ser um humilde instrumento na
gloriosa tarefa de converter e de edificar almas imortais”.

Os Publicadores
À Genealogia de Cristo
Leia Mateus L1-17

É cora estes versículos que tem início o Novo Testamento.


Cumpre-nos lê-los sempre com sérios e solenes sentimentos. O livro à
nossa frente não contém a palavra de homens, e, sim, a própria Palavra de
Deus. Cada versículo foi escrito sob a inspiração do Espírito Santo.
Agradeçamos diariamente a Deus por haver-nos presenteado as
Sagradas Escrituras. O mais pobre brasileiro, que compreenda a sua Bíblia,
sabe mais sobre assuntos religiosos do que os mais sábios filósofos da
Grécia ou de Roma.
Não nos esqueçamos da nossa grande responsabilidade. Seremos
todos julgados, no último dia, de acordo com a luz que tivermos recebido.
Daquele a quem muito foi dado, também muito será requerido. Leiamos
nossas Bíblias com reverência e diligência, com a honesta resolução de dar
crédito e de pôr em prática tudo aquilo que delas aprendermos. Não é coisa
de somenos importância a maneira como estivermos usando esse livro. A
vida ou a morte eterna dependem da atitude com que nos utilizarmos dele.
Acima de tudo oremos, com toda a humildade, rogando pela iluminação
que nos é dada pelo Espírito Santo. Somente Ele é capaz de aplicar a
verdade aos nossos corações, permitindo-nos tirar proveito daquilo que ali
tivermos lido.
O Novo Testamento começa narrando a vida, a morte e a res-
surreição de nosso Senhor Jesus Cristo. Nenhuma outra porção da Bíblia é
tão importante quanto essa, e nenhuma outra parte dela é tão plena e
completa. Quatro evangelhos distintos contam a história dos feitos de Jesus
Cristo e da sua morte. Por quatro vezes em seguida lemos as preciosas
narrativas de suas realizações e de suas palavras. Quão agradecidos nos
deveríamos mostrar por causa disso! Conhecer a Cristo é ter a vida eterna.
Confiar em Cristo é desfrutar de paz com Deus. Seguir os passos de Cristo é
ser um crente verdadeiro. Estar com Cristo será o próprio céu. Ninguém
pode ouvir falar demais sobre Jesus Cristo.
O evangelho de Mateus principia com uma longa lista de nomes.
6 Mateus 1.1-17

Dezesseis versículos ocupam-se com a genealogia desde Abraão até Davi, e


desde Davi até à família na qual nasceu o Senhor Jesus. Que ninguém
imagine que estes versículos são inúteis. Em toda a criação de Deus, coisa
alguma é inútil. Tanto o musgo mais insignificante quanto os menores
insetos servem a alguma boa finalidade. Por igual modo, coisa alguma é
inútil na Bíblia Sagrada. Cada palavra dela foi outorgada por inspiração
divina. Os capítulos e versículos que, à primeira vista, parecem destituídos
de proveito, foram todos dados com algum bom propósito. Examine
novamente aqueles dezesseis versículos e encontrará neles muitas lições
úteis e instrutivas.
Com base nesta lista de nomes, aprenda o fato que Deus sempre
cumpre a sua Palavra. Deus havia prometido que na descendência de Abraão
todas as famílias da terra seriam abençoadas. Deus havia prometido
levantar um Salvador, dentre os descendentes de Davi (Gn 12.3; Is 11.1).
Estes dezesseis versículos, por conseguinte, provam que Jesus era o filho de
Davi e o filho de Abraão, e que aquela promessa de Deus teve o seu devido
cumprimento. Pessoas ímpias, que não meditam nas coisas, deveriam
relembrar essa lição, e temer. Sem importar o que elas pensem, Deus haverá
de cumprir a sua Palavra. Se não se arrependerem , certamente perecerão.
Aqueles que são crentes autênticos deveriam relembrar essa lição,
consolando-se nela. Seu Pai celestial mostrar-se-á fiel a todos os seus
compromissos. Ele asseverou que salvará a todos os que confiarem em
Cristo. Ora, se Ele afirmou isso, então certamente cumprirá a sua Palavra.
“Deus não é homem, para que minta“ (Nm 23.19). “Ele permanece fiel, pois
de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo“ (2 Tm 2.13).
Em seguida, com base nesta mesma lista de nomes, podemos
aprender muito sobre a pecaminosidade e a corrupção da natureza humana.
Observemos quantos pais piedosos, nesta lista de nomes, tiveram filhos
ímpios e iníquos. Os nomes de Roboão e Jorão, de Amom e Je- conias,
deveriam ensinar-nos lições humilhantes. Esses quatro tiveram pais
piedosos. No entanto, eles mesmos foram homens malignos. A graça de
Deus não é hereditária. É preciso algo mais do que apenas bom exemplo e
bons conselhos, para que alguém se tome filho de Deus. Aqueles que
nascem do alto não nascem nem * *do sangue, nem da vontade da carne,
nem da vontade do homem, mas de Deus“ (Jo 1.13). Os pais dedicados à
oração deveriam orar, dia e noite, para que os seus filhos nasçam do
Espírito.
Aprenda, fmalmente, com base nesta lista de nomes, quão grande é a
misericórdia e a compaixão de nosso Senhor Jesus Cristo. Medite sobre quão
contaminada e impura é a nossa natureza; e então pense sobre a
condescendência de Cristo, por haver nascido de mulher e ter-
Mateus 1.1-17 7

-se feito “em semelhança de homens‟* (Fp 2.7). Alguns dos nomes sobre os
quais lemos nesta lista fazem-nos lembrar histórias tristes e vergonhosas.
Alguns são de pessoas nunca mencionadas em qualquer outra porção das
Escrituras. Porém, no fim da lista toda figura o nome do Senhor Jesus
Cristo. Embora Ele seja o Deus eterno, humilhou-se ao tomar-se um ser
humano, com a finalidade de prover a salvação aos pecadores. Jesus Cristo
“sendo rico, se fez pobre por amor de vós” (2 Co 8.9).
Deveríamos ler esta relação de nomes com um sentimento de gra-
tidão. Vemos ali que nenhum daqueles que compartilham da natureza
humana pode estar fora do alcance da simpatia e da compaixão de Cristo.
Os nossos pecados talvez tenham sido tão negros e graves como os pecados
de algumas pessoas mencionadas pelo apóstolo Mateus. Entretanto, tais
pecados não podem fechar o céu para nós, se nos arrependermos e
confiarmos no evangelho. Se Jesus não se envergonhou por nascer de uma
mulher cuja árvore genealógica continha nomes como de alguns daqueles
sobre quem pudemos ler hoje, então certamente não devemos pensar que
Ele haveria de envergonhar-se por chamar-nos irmãos e conferir-nos a vida
eterna.

A Encarnação e o No e de Cristo
Leia Mateus 1.18-25

Estes versículos começam revelando-nos duas grandes verdades.


Eles nos informam como o Senhor Jesus Cristo assumiu a nossa natureza
ao tomar-se homem. Também nos informam que o nascimento dEle foi
miraculoso. Sua mãe, Maria, era virgem.
Esses são assuntos extremamente misteriosos. São profundezas
para as quais não há sondagem que as possam medir. São verdades que
nenhuma mente humana é abrangente o bastante para as entender. Não
procuremos explicar coisas que estão acima da nossa débil razão.
Contentemo-nos em crer com reverência, sem especular sobre questões
que não somos capazes de entender. Para nós, crentes, é suficiente saber
que para Aquele que criou o mundo nada é impossível. Antes, devemo-nos
satisfazer com a declaração constante no credo dos apóstolos: “Jesus Cristo
foi concebido pelo Espírito Santo e nasceu da virgem Maria‟ ‟.
Observemos a conduta de José, descrita nestes versículos. Trata- -se
de um belo exemplo de piedosa sabedoria e de tema consideração pelo
próximo. Ele viu “a aparência de mal” naquela que estava com
8 Mateus 1,18-25

prometida a casar-se com ele. Entretanto, José nada fez de precipitado.


Esperou pacientemente até perceber como lhe convinha agir, de acordo
com seu dever. Com toda a probabilidade, ele deixou a questão aos
cuidados de Deus, em oração. “Aquele que crer, não foge” (Is 28.16).
A paciência de José foi graciosamente recompensada. Ele recebeu
uma mensagem direta, da parte de Deus, sobre a razão da sua ansiedade e,
de uma vez para sempre, foi aliviado de todos os seus temores. Quão bom é
esperar em Deus! Quem, de todo o coração, deixou os seus temores aos
cuidados do Senhor em oração, para então vê-lo falhar? “Reconhece-o em
todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas” (Pv 3.6).
Notemos os dois nomes conferidos a nosso Senhor, nestes versículos.
Um deles é Jesus, o outro é Emanuel. O primeiro desses nomes descreve o
seu ofício, o segundo, a sua natureza. Ambos são profiin- damente
interessantes.
O nome Jesus significa “Salvador”. Trata-se do mesmo nome Josué,
que aparece no Antigo Testamento. Foi dado a nosso Senhor porque “ele
salvará o seu povo dos pecados deles”. Esse é o ofício especial do Senhor
Jesus. Ele nos salva da nossa culpa do pecado, lavando-nos a alma em Seu
próprio sangue expiatório. Ele nos salva do domínio do pecado ao
conferir-nos, no próprio coração, o Espírito santificador. Ele nos salva da
presença do pecado quando nos tira deste mundo, para irmos descansar com
Ele. E, finalmente, Ele nos salva das consequências do pecado ao nos
proporcionar um glorioso corpo ressurreto, no último dia. O povo de Cristo
é bendito e santo! Eles não são salvos das tristezas, da cruz e dos conflitos.
Porém, são salvos do pecado, para todo o sempre. São purificados da culpa,
mediante o sangue de Cristo. São habilitados para o céu mediante o Espírito
de Cristo. Nisso consiste a salvação. Mas, aquele que se apega ao pecado,
ainda não é salvo.
Jesus é um nome que infunde muita coragem aos que vivem so-
brecarregados de pecados. Aquele que é o Rei dos reis e o Senhor dos
senhores, poderia ter-se feito conhecido, com toda a legitimidade, por
algum título mais pomposo. Contudo, não quis fazê-lo. Os dirigentes deste
mundo com freqüência se têm chamado por títulos como “grande‟ ‟, *
„conquistador‟ ‟, „ „herói ”, “ magnífico‟ ‟ e outros semelhantes. Mas o
Filho de Deus contentou-se em chamar-se de “Salvador". As almas que
desejarem a salvação podem achegar-se ao Pai, com ousadia, tendo acesso
por meio de Jesus Cristo, com toda a confiança. Esse é o seu ofício, e nisso
Ele se deleita — mostrar-se misericordioso. “Porquanto Deus enviou o seu
Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo
fosse salvo por ele” (Jo 3.17).
Mateus 1.18-25 9

Jesus é um nome peculiarmente doce e precioso para aqueles que são


crentes. Com freqüência, esse nome os tem beneficiado, quando o favor de
reis e de príncipes teria sido ouvido por eles com pouco interesse. Esse
nome tem-lhes dado a paz interior que o dinheiro não pode comprar. Esse
nome lhes tem aliviado as consciências pesadas, conferindo descanso a
seus corações entristecidos. O livro de Cantares de Salomão refere-se à
experiência de muitos crentes, ao asseverar: “como unguento derramado é
o teu nome” (Ct 1.3). Feliz é a pessoa que confia não meramente em vagas
noções a respeito da misericórdia e da bondade de Deus, mas no próprio
“Jesus”.
O outro nome, que aparece nestes versículos, de maneira alguma é
menos interessante do que aquele que já destacamos. Esse é o nome
conferido a nosso Senhor em vista da sua natureza, como “Deus que se
manifestou em carne”. Ele é chamado de Emanuel, ou seja, “Deus
conosco”. Devemos cuidar para que sejam bem claras as noções que
formamos sobre a natureza e a pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. Esse é
um ponto que se reveste da mais capital importância. Deveríamos ter bem
claro, em nossas mentes, que nosso Senhor é perfeito Deus tanto quanto
perfeito homem. Se chegamos a perder de vista esse fundamento da
verdade, poderemos cair vítimas de temíveis heresias. O nome “Emanuel”,
pois, é que se reveste de todo o mistério que o circunda. Jesus é o “Deus
conosco”. Ele assumiu a natureza humana igual à nossa, em todas as
coisas, excetuando somente a tendência para o pecado. Mas, embora Jesus
estivesse “conosco” em carne e sangue humanos, ao mesmo tempo Ele
nunca deixou de ser o verdadeiro Deus.
Quando lemos os evangelhos, por muitas vezes descobrimos que
nosso Senhor era capaz de ficar cansado, de padecer fome e sede, como
também podia chorar, gemer e sentir dor como qualquer um de nós. Em
tudo isso podemos ver “o homem” Jesus Cristo. Percebemos a natureza
humana que Ele tomou para Si mesmo ao nascer da virgem Maria.
Entretanto, nesses mesmos quatro evangelhos, descobriremos que
nosso Salvador conhecia os corações e os pensamentos dos homens,
exercia autoridade sobre os demônios, podia fazer os mais espantosos
milagres apenas com uma palavra, era servido pelos anjos, permitiu que
um dos seus discípulos O chamasse de “Deus meu” e, igualmente, disse:
“Antes que Abraão existisse, eu sou" (Jo 8.58). E também: “Eu e o Pai
somos um” (Jo 10.30). Em tudo isso, vemos “o Deus eterno”. Vemos aquele
que “é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém” (Rm 9.5).
Você deseja dispor de um seguro fundamento para a sua fé e es-
perança? Nesse caso, jamais perca de vista a divindade do seu Salvador.
10 Mateus 1.18-25

Aquele em cujo sangue você foi ensinado a confiar é o Deus todo-


-poderoso. Toda a autoridade foi dada a Jesus Cristo, no céu e na terra.
Ninguém poderá arrancar você da mão dEle. Se você é um verdadeiro
crente em Jesus, não permita que o seu coração se perturbe e atemorize.
Você deseja contar com um doce consolo nas ocasiões de sofrimento
e tribulação? Nesse caso, nunca perca de vista a humanidade do seu
Salvador. Ele é o ser humano Jesus Cristo, que se deitou nos braços da
virgem Maria quando era um pequenino infante, e que conhece os corações
humanos. Ele deixa-se sensibilizar pelo senso das nossas fraquezas. Ele
experimentou, pessoalmente, as tentações lançadas por Satanás. Ele
precisou enfrentar a fome. Ele derramou lágrimas. Ele sentiu dor. Confie
nEle o tempo todo, em todas as suas aflições. Ele nunca haverá de
desprezá-lo. Derrame diante dEle, em oração, tudo quanto estiver em seu
ser, e nada Lhe oculte. Ele é capaz de simpatizar profimdamente com o seu
povo.
Que estes pensamentos se aprofundem em nossas mentes. Ben-
digamos a Deus pelas encorajadoras verdades contidas no primeiro capítulo
do Novo Testamento. Esse capítulo nos fala de Alguém que salva “o seu
povo dos pecados deles”. Porém, isso ainda não é tudo. Esse capítulo
revela-nos que o Salvador é o “Emanuel”, o próprio Deus conosco; Deus
manifesto em carne humana, idêntica à nossa. Essas são boas novas, São
autênticas boas novas. Alimentemos os nossos corações com essas
verdades, por meio da fé, juntamente com ações de graças.

Os Sábios do Oriente
Leia Mateus 2.1-12

Ninguém sabe dizer quem foram esses “magos”. Os seus nomes e o


seu país de origem nos foram ocultados. Somos informados somente que
eles vieram “do oriente”.
Não sabemos dizer se eles eram caldeus ou árabes. Também não
sabemos dizer se eles aprenderam a esperar o Cristo, informados por
pessoas das dez tribos de Israel que foram para o cativeiro assírio, ou por
causa das profecias de Daniel. Todavia, pouco importa saber quem foram
eles. A questão que nos interessa mais são as riquíssimas instruções que
recebemos através do relato bíblico sobre eles.
Estes versículos demonstram que pode haver verdadeiros servos de
Deus nos lugares onde menos esperamos encontrá-los. O Senhor Jesus conta
com muitos servos “secretos”, como aqueles sábios antigos. A história
deles sobre a terra talvez seja tão pouco conhecida como
Mateus 2.1-12 11

a história de Melquisedeque, de Jetro ou de Jó. Não obstante, os seus nomes


estão inscritos no livro da vida, e eles serão encontrados na companhia de
Jesus Cristo, por ocasião de seu glorioso retorno. Faríamos bem em não
esquecer isso. Não devemos olhar ao redor da terra, para então dizermos,
precipitadamente: “Tudo é esterilidade”. A graça divina não se limita a
lugares e a famílias. O Espírito Santo pode conduzir almas aos pés de
Cristo, sem a ajuda de muitos meios externos. Os homens podem nascer em
lugares distantes, como sucedeu àqueles sábios; e, no entanto, eles podem
tomar-se “sábios para a salvação”. Neste exato instante, há alguns que estão
na jornada para o céu, e a respeito dos quais a igreja e o mundo nada sabem.
Eles vicejam em lugares secretos, como os lírios que crescem entre os
espinhos e “desperdiçam a sua fragrância no ar do deserto”. Porém, Cristo
ama-os, e eles amam a Cristo.
Estes versículos também nos ensinam que nem sempre são aqueles
que desfrutem elos maiores privilégios religiosos que mais honram a Cristo.
Poderíamos mesmo pensar que os escribas e os fariseus estariam entre os
primeiros que se apressariam a ir a Belém, assim que se espalhou o rumor
do nascimento do Salvador. Porém, não foi isso que sucedeu. Alguns
poucos estrangeiros, vindos de alguma terra longínqua, foram os primeiros,
se não quisermos mencionar os pastores referidos por Lucas, a se
regozijarem ante o nascimento do menino Jesus. “Veio para o que era seu, e
os seus não o receberam” (Jo 1.11). Quão lamentável retrato da natureza
humana temos aí! Com quanta fre- qüência essa mesma atitude pode ser
vista entre nós mesmos! Com quanta freqüência as próprias pessoas que
vivem mais perto dos meios da graça divina são justamente aquelas que
mais os negligenciam! Há uma profunda verdade, contida naquele antigo
provérbio, que afirma: “Quanto mais perto da igreja, tanto mais longe de
Deus!” A familiaridade com as realidades sagradas reveste-se de uma
horrível tendência que leva os homens a desprezarem-nas. Existem muitas
pessoas que, por razões de residência e de conveniência, deveriam ser as
primeiras e as mais empenhadas na adoração ao Senhor Deus. E, no
entanto, são sempre os últimos a fazê-lo. Por outro lado, há aqueles que
esperaríamos que fossem os últimos, mas que são sempre os primeiros.
Estes versículos ensinam-nos que pode haver um conhecimento
meramente intelectual das Escrituras, sem o acompanhamento da graça divina
no coração. Observe como o rei Herodes indagou dos sacerdotes e dos
anciãos dos judeus acerca de “onde o Cristo deveria nascer”. Note também
com que prontidão eles lhe deram a resposta, mostrando que estavam
perfeitamente familiarizados com o teor das Sagradas Escrituras.
Entretanto, eles mesmos nunca foram a Belém, em busca do
12 Mateus 2.1-12

Salvador que estava para nascer. Também não quiseram acreditar nEle,
quando Ele começou a ministrar entre o povo. Portanto, seus corações não
estavam tão despertos quanto a sua inteligência. Cuidemos para nunca nos
satisfazermos somente com um conhecimento mental. Esse conhecimento
é excelente, quando usado de forma correta. Não obstante, uma pessoa
pode ser possuidora de um profundo conhecimento intelectual e, no
entanto, perecer para sempre. Qual é o estado dos nossos corações? Essa é a
questão que realmente importa. Um pouco de graça é melhor do que muitos
dotes, que por si só não salvam a ninguém. Mas, a graça divina nos conduz
à glória.
A conduta dos magos, descrita neste capítulo, serve-nos de es-
plêndido exemplo de diligência espiritual. Quantas inconveniências e
canseiras devem ter-lhes custado a viagem, desde a sua pátria distante até a
casa onde o menino Jesus foi encontrado por eles! Quantos quilômetros
cansativos devem ter percorrido! As fadigas das viagens, no antigo Oriente,
eram muito maiores do que nós, da moderna civilização, podemos
compreender. O tempo que se perdia em uma viagem sem dúvida era muito
mais dilatado do que acontece em nossos dias. Os perigos encontrados não
eram poucos e nem pequenos. Nenhuma dessas coisas, entretanto, fez os
magos desistirem. Eles resolveram, em seus corações, que veriam aquele
que nascera para ser o 4„Rei dos judeus‟4. E não descansaram senão quando
O acharam. Assim, demonstraram que aquele adágio popular encerra uma
grande verdade: “Sempre que houver boa vontade, será descoberto o
caminho”.
Quem dera que todos os crentes professos estivessem mais dis-
postos a seguir o bom exemplo dos magos. Onde está a nossa abnegação?
De que maneira nos temos preocupado com as nossas próprias almas?
Quanta diligência temos mostrado em seguirmos a Cristo? O que nos tem
custado a nossa religião? Essas são indagações seríssimas que merecem a
nossa mais séria consideração.
Em último lugar, embora não menos importante, a conduta dos
magos serviu de um notável exemplo de fé. Eles confiaram em Cristo, ainda
que nunca O tivessem visto. Mas, isso não foi tudo. Creram nEle mesmo
depois que os escribas e os fariseus demonstraram a sua incredulidade.
Porém, nem mesmo isso foi tudo. Confiaram nEle quando O viram como
um pequeno menino, nos joelhos de Maria; e adoraram- -No como a um rei.
Esse foi o ponto culminante da sua fé. Não contemplaram a qualquer
milagre que pudesse convencê-los. Não ouviram a qualquer ensino que
tentasse persuadi-los. Não foram testemunhas de algum sinal de divindade
ou de grandiosidade que os deixasse atônitos. A ninguém mais viram senão
a um menino ainda pequeno, fraco e impotente, necessitado dos cuidados
maternos como
Mateus 2.1-12 13

qualquer um de nós. A despeito disso, quando viram aquele Menino, creram


estar diante do divino Salvador do mundo. E, “prostrando-se, o adoraram”.
Em todas as Escrituras, não encontramos fé mais robusta do que a
dos magos. A sua fé merece ser considerada no mesmo nível de fé do ladrão
penitente. Este viu a morte de alguém que fora crucificado como se fosse
um malfeitor; mas, a despeito disso, dirigiu-lhe o seu apelo, chamando-O de
“Senhor”. Os magos viram um menino ainda pequeno, no colo de uma
mulher pobre; mas, não obstante, O adoraram, confessando ser Ele o Cristo.
Verdadeiramente bem-aventurados são aqueles que podem confiar dessa
maneira!
Lembremo-nos de que essa é a espécie de fé que Deus deleita-se em
honrar. Podemos encontrar provas disso todos os dias. Onde quer que a
Bíblia Sagrada seja lida, a conduta daqueles magos toma-se conhecida,
sendo relatada em memória deles. Sigamos as suas pegadas de fé. Não nos
envergonhemos de confiar em Jesus e de confessar-nos seus seguidores,
mesmo que todas as pessoas ao nosso redor permaneçam na indiferença e na
incredulidade. Não dispomos nós de mil evidências mais do que os magos
dispuseram, para que creiamos que Jesus é o Cristo? Não há dúvida que
temos. No entanto, onde está a nossa fé?

A Fuga Para o Egito


e a Residência em Nazaré
Leia Mateus 2.13-23

Observe, nesta passagem da Bíblia, quão verdadeiro é o fato que os


governantes deste mundo raramente mostram-se amigáveis para com a causa de
Deus. O Senhor Jesus desceu do céu a fim de salvar os pecadores e, logo em
seguida, conforme somos informados, o rei Herodes pôs-se a “procurar o
menino para o matar”.
A grandeza pessoal e as riquezas materiais servem de perigosa
possessão para a alma. Aqueles que as buscam não sabem o que estão
procurando. Essas coisas precipitam os homens em muitas tentações. Elas
são favoráveis para encher o coração humano de orgulho, agrilhoando as
afeições dos homens às coisas terrenas. “Não foram chamados muitos
sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre
nascimento” (1 Co 1.26). “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os
que têm riquezas” (Lc 18.24).
Você tem invejado aos ricos e aos importantes? Você tem dito
14 Mateus 2.13-23

em seu coração; “Oxalá eu estivesse no lugar deles, com a posição e as


riquezas que eles possuem? ‟" Cuidado para não ceder diante desse tipo de
sentimento. As próprias riquezas materiais que você tanto admira podem
estar fazendo afundar no inferno, gradualmente, aos seus possuidores. Um
pouco mais de dinheiro poderia decretar a sua ruína. Você poderia acabar
caindo em todo excesso de crueldade e de iniqüi- dades, à semelhança de
Herodes. Por isso, “tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer
avareza” (Lc 12.15). “Contentai-vos com as cousas que tendes” (Hb 13.5).
Pensa você, por acaso, que a causa de Cristo depende do poder e do
patrocínio dos príncipes? Você está enganado. Eles raramente têm feito
qualquer coisa que realmente contribua para o avanço do cristianismo. Com
muito maior freqüência, eles têm-se mostrado inimigos da verdade. “Não
confieis em príncipes, nem nos filhos dos homens, em quem não há
salvação” (SI 146.3). Muitas pessoas existem cujas atitudes parecem-se
com as de Herodes. São poucos como o rei Josias, ou como Eduardo VI da
Inglaterra, os quais procuraram fomentar a causa da religião.
Observemos como o Senhor Jesus foi um ' *homem de dores ’ \ desde a
mais tenra infância. As tribulações vinham ao seu encontro, desde que Ele
entrou neste mundo. Sua vida correu perigo, devido ao medo e à ira de
Herodes. José e a mãe de Jesus tiveram de levá-Lo para bem longe, à noite.
Foi assim que eles fugiram “para o Egito”. Porém, isso serviu somente de
tipo e figura simbólica de toda a experiência de Jesus neste mundo. As
ondas da humilhação começaram a bater contra Ele, desde que ainda era um
nenê que se amamentava.
O Senhor Jesus é precisamente o Salvador de que necessitam aque-
les que padecem e vivem na tristeza. Ele sabe muito bem o que queremos
dizer, quando Lhe contamos, em oração, as nossas tribulações. Ele é
perfeitamente capaz de simpatizar conosco quando, sofrendo debaixo de
alguma cruel perseguição, clamamos a Ele. Não devemos esconder dBle
coisa alguma. Devemos fazer dEle um amigo íntimo. Derramemos diante
de Jesus os gemidos de nossos corações. Ele tem grande experiência pessoal
com as aflições.
Observemos como a morte pode remover deste mundo os reis, como a
quaisquer outros homens. Quando soa a hora de sua partida, os dirigentes de
milhões de criaturas humanas não são capazes de permanecer em vida. O
assassino de crianças impotentes precisa enfrentar a morte. Portanto, José e
Maria acabaram recebendo a notícia de que Herodes já havia falecido.
Imediatamente regressaram com toda a segurança para a sua terra natal.
Os crentes verdadeiros nunca deveriam deixar-se perturbar em
Mateus 2.13-23 15

demasia, diante das perseguições que lhes movem os homens. Os crentes


podem ser fracos, e seus inimigos poderosos; mas, apesar disso, não
deveriam mostrar-se medrosos. Antes, deveriam relembrar o fato que “o
júbilo dos perversos é breve, e a alegria dos ímpios momentânea” (Jó 20.5).
Que sucedeu aos Faraós, aos Neros e aos Dioclecianos que em sua época
perseguiram ferozmente aos servos de Deus? Onde estão alguns
perseguidores mais recentes, como a sanguinária Maria da Inglaterra ou
como Carlos IX da França? Esses fizeram o máximo ao seu alcance para
lançar a divina verdade por terra. Mas a verdade tomou a brotar, e continua
vivendo; enquanto que os perseguidores estão mortos e os seus corpos já se
dissolveram no solo. Por conseguinte, que não desmaie nenhum coração
crente. A morte é uma poderosa niveladora de todos os homens, podendo
retirar qualquer montanha do caminho da igreja de Cristo. “O Senhor vive
para sempre.” Os seus inimigos são meros homens. A verdade sempre
haverá de prevalecer.
Notemos, em último lugar, quão grande lição de humildade nos é
ensinada por meio do lugar onde residiu o Filho de Deus, quando Ele esteve
neste mundo. Ele vivia com sua mãe e com José, em uma cidade chamada „
„Nazaré‟ ‟. Nazaré era uma pequena aldeia da Galiléia. Uma localidade
obscura e remota, que não é mencionada no Antigo Testamento nem por
uma única vez. Hebrom, Silo, Gibeom e Betei eram cidades muito mais
importantes. Não obstante, o Senhor Jesus preteriu a todas elas, preferindo
viver em Nazaré. Ele fez isso por humildade.
Em Nazaré, o Senhor Jesus habitou pelo espaço de trinta anos. Foi
ali que passou da infância para a meninice, da meninice para a adoles-
cência, até atingir a idade adulta. Pouco sabemos acerca de como Jesus
passou aqueles trinta anos. Somos expressamente informados, entretanto,
de que Jesus, ao descer para Nazaré em companhia de Maria e de José,
“era-lhes submisso”. Que Ele trabalhava em companhia de José, na
carpintaria, também é algo altamente provável. Tão somente podemos
adiantar que cerca de cinco-sextos dos anos que nosso Salvador esteve na
terra foram passados entre os pobres deste mundo, em um retiro quase
absoluto. Na verdade, isso Ele fez por pura humildade.
Aprendamos a ser sábios, por intermédio do exemplo deixado por
nosso Salvador. Sempre nos mostramos por demais inclinados a buscar
coisas grandiosas neste mundo. Descontinuemos essa prática. Obter uma
boa posição profissional, um título e uma elevada posição social não são
coisas tão importantes como pensa a maioria das pessoas. De fato, constitui
um grave pecado ser cobiçoso, mundano, orgulhoso e dotado de
mentalidade carnal. Todavia, não é pecado ser pobre. Não importa tanto
onde residimos, e, sim, o que somos aos olhos do Se-
16 Mateus 2.13-23

nhor. Para onde estaremos indo, quando morrermos? Viveremos para


sempre nos céus? Essas são as coisas dotadas de peso real, às quais
deveríamos dar atenção.
Acima de tudo, porém, esforcemo-nos por imitar a humildade
demonstrada por nosso Salvador. O orgulho é o mais antigo e o mais
disseminado dos pecados. A humildade é a mais rara e bela de todas as
virtudes. Esforcemo-nos por ser humildes. O nosso conhecimento pode ser
insuficiente. A nossa fé pode ser fraca. As nossas forças podem ser
pequenas. Entretanto, se formos bons discípulos d Aquele que veio residir
em Nazaré, então, seja como for, seremos humildes.

O Ministério de João Batista


Leia Mateus 3.1-12

Estes doze versículos descrevem o ministério de João Batista, o


precursor de nosso Senhor Jesus Cristo. Este é um ministério que merece a
nossa cuidadosa atenção. Poucos pregadores têm obtido tão notáveis
resultados quanto ele. “Saíam a ter com ele Jerusalém, toda a Judéia e toda a
circunvizinhança do Jordão‟ ‟, conforme lemos em Mateus 3.5. Nenhum
outro pregador jamais recebeu tão grandes elogios da parte do Cabeça da
igreja. Jesus chamou João Batista de “a lâmpada que ardia e alumiava” (Jo
5.35). O grande Supervisor das nossas almas declarou pessoalmente: “Entre
os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista” (Mt
11.11). Por conseguinte, estudemos as principais características do
ministério dele.
João Batista falava com clareza a respeito do pecado. Ensinava a
absoluta necessidade de “arrependimento”, antes que alguém possa ser
salvo. Ele anunciava que o arrependimento precisa ser comprovado através
dos seus “frutos”. Advertia aos homens que nunca dependessem de meros
privilégios externos ou da união externa com alguma igreja ou religião.
E precisamente esse o ensinamento de que todos carecemos. Es-
tamos naturalmente mortos, somos cegos e dormimos no tocante às
realidades espirituais. Contentamo-nos com uma religião meramente
formal, lisonjeando-nos a nós mesmos com a idéia de que, se freqüen-
tarmos alguma igreja seremos salvos. E mister que alguém nos diga que, a
menos que nos arrependamos e nos convertamos, todos pereceremos.
João Batista também falou com clareza a respeito de nosso Senhor
Jesus Cristo. Ele ensinou ao povo que Alguém “mais poderoso”
Mateus 3.1-12 17

do que ele apareceria em breve, entre eles. João Batista não passava de um
servo; mas Aquele que viria era o próprio Rei. João Batista só podia batizar
“em água”; porém, Aquele que viria após João batizaria “no Espírito Santo
e no fogo”, além disso tiraria pecados e, algum dia, haveria de voltar para
julgar ao mundo.
Novamente, esse é um ensinamento do qual a natureza humana tanto
precisa. Precisamos ser enviados diretamente a Jesus Cristo. No entanto,
estamos sempre inclinados a parar muito aquém desse alvo. Queremos
descansar nos vínculos com as nossas igrejas locais, gozando regularmente
os benefícios do ministério oficial. No entanto, deveríamos entender a
absoluta necessidade de estarmos unidos ao próprio Cristo, mediante a fé.
Ele é a fonte designada por Deus, onde encontramos a misericórdia, a graça,
a vida e a paz. Cada um de nós precisa estabelecer um relacionamento
pessoal com Ele a respeito de nossa alma. O que sabemos acerca do Senhor
Jesus? O que j á obtivemos da parte dEle? É de questões dessa ordem que
depende a nossa salvação eterna.
João Batista manifestou-se claramente a respeito do Espírito Santo.
Ele pregou, asseverando que existe tal coisa como o batismo no Espírito
Santo. E ensinou que o ofício especial do Senhor Jesus é conferir o Espírito
aos homens.
Uma vez mais, esse é um ensinamento de que muito precisamos.
Devemos compreender que o perdão dos pecados não é a única coisa
necessária à salvação da alma. Ainda há uma outra coisa, a saber, o batismo
de nossos corações por parte do Espírito Santo. Não somente precisa haver
a operação de Cristo em nosso favor, mas também deve haver a atuação do
Espírito Santo em nós. Não somente devemos ter o direito de entrar no céu,
mediante o sangue vertido por Cristo, mas também devemos ser preparados
para o céu, por intermédio da atuação do Espírito de Cristo. Jamais
devemos descansar, enquanto não tivermos experimentado algo da
experiência do batismo no Espírito Santo. O batismo em água é um grande
privilégio nosso. Contudo, também devemos procurar desfrutar do batismo
no Espírito Santo.
João Batista falou claramente sobre o tremendo perigo que correm os
impenitentes e os Incrédulos. Advertiu aos que o ouviam que todos deveriam
aguardar a “ira vindoura”. Pregou sobre um “fogo inextinguível”, onde a
palha, algum dia, ficará queimando eternamente.
Novamente, esse é um ensino bíblico tremendamente importante.
Todos precisamos ser claramente advertidos de que essa não é uma questão
destituída de importância, como se nos pudéssemos arrepender ou não. Pelo
contrário, precisamos relembrar que existem tanto o inferno quanto o céu, e
que a punição eterna espera pelos ímpios, da mesma maneira que a vida
eterna destina-se aos piedosos. Somos incrivelmente
18 Mateus 3.1-12

inclinados a nos esquecer disso. Falamos sobre o amor e sobre a mi-


sericórdia de Deus, mas não destacamos de maneira suficiente a sua justiça
e a sua santidade. Devemos usar de grande cautela quanto a esse particular.
Não constitui gentileza autêntica disfarçar, diante das outras pessoas, os
terrores do Senhor. É bom que todos nós saibamos que é possível às
pessoas perderem-se eternamente, e que todos os que não querem
converter-se estão à beira do abismo.
Em último lugar, João Batista referiu-se claramente à segurança de
que desfrutam os crentes autênticos. Ele ensinou que existe um celeiro onde
serão recolhidos todos aqueles que pertencem a Jesus Cristo, como o seu
trigo, e que esses serão reunidos ali, quando o Senhor Jesus vier pela
segunda vez.
De novo, esse é um ensino de que a natureza humana precisa
desesperadamente. Os melhores crentes carecem de muito encorajamento.
Eles continuam vivendo em seu corpo. Vivem em um mundo caracterizado
pela impiedade. Com frequência, são tentados pelo diabo. De vez em
quando, é mister que a memória deles seja despertada para o fato que Jesus
nunca os deixará e nem os abandonará. Ele haverá de conduzi-los, com toda
a segurança, nesta vida, e, finalmente, haverá de encaminhá-los à glória
eterna. Eles serão protegidos no dia da ira do Senhor. Estarão tão seguros
quanto Noé esteve na arca.
Que todas essas verdades lancem profundas raízes em nossos
corações. Vivemos em uma época em que os falsos ensinos vêm à tona por
todos os lados. Nunca nos deveríamos esquecer das principais ca-
racterísticas de um ministério evangélico fiel. Quão grande seria a
felicidade da igreja de Cristo se todos os seus ministros se parecessem mais
com João Batista!

O Batismo de Cristo
Leia Mateus 3.13-17

Temos aqui a narrativa do batismo de nosso Senhor Jesus Cristo.


Esse foi o primeiro passo, dado por Jesus, quando deu início ao seu
ministério terreno. Quando um sacerdote judeu começava a oficiar nessa
capacidade, com a idade de trinta anos, lavava-se com água. Quando o
nosso grande Sumo Sacerdote iniciou a grandiosa obra que veio realizar
neste mundo, foi publicamente batizado.
Nestes versículos, aprendamos a considerar com reverência a
ordenança cristã do batismo. Uma ordenança da qual o próprio Senhor Jesus
participou não pode ser tida como algo de somenos importância.
Mateus 3.13-17 19

Uma ordenança à qual o grande Cabeça da igreja se submeteu, sempre


deveria ser honorável aos olhos dos verdadeiros crentes.
Poucos pormenores da religião cristã têm sido alvo de tantas in-
terpretações distorcidas quanto o batismo. Poucos desses detalhes têm
requerido tanta defesa e esclarecimento. Armemo-nos, portanto, com duas
precauções de natureza geral.
Por uma parte, tenhamos o cuidado de não atribuir à água do batismo
qualquer valor supersticioso. Não podemos supor que a água do batismo
opere como se fora um encantamento. Não podemos esperar que todas as
pessoas que são batizadas recebam automaticamente a graça de Deus, no
momento do seu batismo. Afirmar que todos quantos recebem o batismo
obtêm um benefício idêntico e do mesmo nível, não importando nem um
pouco se recebem a cerimônia com fé e oração, ou no mais completo
desinteresse — sim, afirmar tais coisas é contradizer as mais evidentes
lições das Escrituras.
Por outra parte, devemos ter o cuidado de não desonrar a ordenança
do batismo. O batismo cristão é desonrado quando o tiramos de cena, não
permitindo que se evidencie na congregação local. Uma ordenança que foi
determinada pelo próprio Cristo não pode ser tratada dessa maneira. A
admissão de todos os novos membros à igreja visível, quer jovens quer
adultos, é um acontecimento que deveria suscitar um vívido interesse em
qualquer assembléia evangélica. Esse é um evento que deveria invocar as
mais fervorosas orações da parte de todos os crentes dedicados à oração.
Quanto mais profundamente convictos ficarmos de que o batismo e a graça
divina não estão sempre ligados um ao outro, tanto mais nos sentiremos
impulsionados a orar coletivamente em favor de todos aqueles que forem
batizados.
O ato do batismo de nosso Senhor Jesus Cristo foi acompanhado
por circunstâncias que se revestiram de uma solenidade toda peculiar. Um
batismo como o dEle jamais ocorrerá novamente, por mais que dure este
mundo.
Lemos nas Escrituras acerca da presença de todas as três Pessoas da
bendita Trindade. Deus Filho, tendo-se manifestado em carne humana, foi
batizado. Deus Espírito Santo desceu sobre a cena sob a forma corpórea de
uma pomba, adejando sobre Jesus. E Deus Pai falou do céu, com voz
audível. Em suma, encontramos aíi a manifestação ou presença do Pai, do
Filho e do Espírito Santo. Sem dúvida, deveríamos considerar esse fato
como um anúncio público de que a obra de Jesus Cristo era o resultado do
conselho eterno de todas as três Pessoas divinas. Foram essas três Pessoas
que, no começo da criação, disseram: “Façamos o homem à nossa imagem,
conforme a nossa semelhança‟‟ (Gn 1.26). Novamente, foi a Trindade
inteira que, quando
20 Mateus 3:13-17

do início do evangelho, pareceu dizer: „„Salvemos ao homem”.


Lemos que se fez ouvir "uma voz dos céus”, por ocasião do batismo
de nosso Senhor. Essa foi uma circunstância que se revestiu de singular
solenidade. Nenhuma outra voz do céu jamais se fizera ouvir antes disso,
exceto por ocasião da transmissão da lei mosaica, no monte Sinai. Ambas
essas ocasiões foram marcadas por uma importância ímpar. Por
conseguinte, pareceu conveniente, para o nosso Pai celestial, assinalar
ambas essas oportunidades com uma honra toda peculiar. Tanto na
introdução da lei quanto do evangelho o próprio Deus Pai falou.
Quão notáveis e profundamente instrutivas são as palavras de Deus
Pai! “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”. Por meio dessas
palavras, Ele declarou que Jesus é o divino Salvador, selado e nomeado
para isso desde toda a eternidade, a fim de realizar a obra da redenção. Ele
proclamou que aceitava a Jesus como o único Mediador entre Deus e os
homens. O Pai parecia estar publicando ao mundo que estava satisfeito
com Cristo como a propiciação pelos nossos pecados, como o nosso
Substituto, como Aquele que pagaria o preço do resgate pela família
condenada de Adão, e como o Cabeça de um povo remido. Em Cristo,
Deus Pai via a sua santa lei magnificada e honrada. Através dEle Deus
pode ser “justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26).
Convém que ponderemos cuidadosamente essas palavras! Elas nos
podem enriquecer extraordinariamente os pensamentos. São palavras que
transbordam de paz, de alegria, de consolo e de encorajamento para todos
aqueles que se refugiam no Senhor Jesus Cristo, entregando- -Lhe as suas
almas para serem salvos. Esses podem regozijar-se no pensamento que,
embora continuem pecadores em si mesmos, contudo, aos olhos de Deus,
são considerados justos. Deus Pai considera todos eles membros de seu
Filho amado. Não percebe neles qualquer mácula, e, por causa de seu
Filho, fica satisfeito (2 Pe 1.17).

A Tentação
Leia Mateus 4.1-11

Após o batismo de Jesus, o primeiro acontecimento a ser registrado


pelo apóstolo Mateus, na vida do Senhor, foi a tentação. Trata-se de um
assunto profundo e circundado de mistérios. Há muita coisa, no relato
bíblico a esse respeito, que não sabemos esclarecer. No entanto, â
superfície da narrativa há lições práticas perfeitamente claras, que faríamos
bem em dar atenção.
Mateus 4.1-1] 21

Em primeiro lugar aprendamos que temos, no diabo, um inimigo real e


poderoso. Ele não temeu desfechar os seus ataques nem mesmo contra o
próprio Senhor Jesus. Por três vezes em seguida, ele tentou
ao próprio Filho de Deus. Nosso Salvador foi conduzido ao deserto com o
propósito de ser “tentado pelo diabo”.
Foi por intermédio do diabo que o pecado entrou no mundo, no
começo da história da humanidade. Foi o diabo que oprimiu Jó, enganou
Davi e fez Pedro cair em perigoso pecado. A Bíblia intitula o diabo de
“homicida”, “mentiroso” e “leão que ruge”. Aquele que é o adversário das
nossas almas, nunca dorme e nem cochila. É ele que, por cerca de seis mil
anos, vem realizando uma única obra nefanda — arruinar a homens e
mulheres, atirando-os no inferno. Ele é um ser cuja sutileza e astúcia
ultrapassam a toda a compreensão humana, de ta] maneira que, com
freqüência, ele parece ser um * 'anjo de luz” (2 Co 11.14).
Cumpre-nos vigiar e orar diariamente, acerca dos perversos es-
tratagemas do diabo. Não existe inimigo pior do que aquele que nunca pode
ser visto e que nunca morre; que está sempre perto de nós, onde quer que
nos encontremos, e que vai conosco onde quer que formos. Também não é
coisa de somenos a maneira leviana e até humorística com que os homens se
referem ao diabo, de uma maneira tão generalizada. Lembremo-nos a cada
dia que, se quisermos ser salvos, nan somente teremos de crucificar a carne
e vencer o mundo, mas também
teremos de fazer conforme as Escrituras nos recomendam: “resisti ao diabo”
(Tg 4.7).
Em seguida, devemos aprender que todos nós não devemos enfrentar
a tentação como se fosse uma coisa estranha. “Não é o servo maior do que seu
senhor” (Jo 15.20). Se Satanás atacou ao próprio Jesus Cristo, então, sem
dúvida alguma, também atacará aos crentes.
Como seria bom, para todos os crentes, se eles se lembrassem dessa
realidade. No entanto, tendemos muito por esquecer tal coisa. Com
freqüência, os crentes detectam maus pensamentos em suas mentes que eles
poderiam afirmar que odeiam. Dúvidas, indagações e uma pecaminosa
imaginação são coisas que lhes são sugeridas, contra o que se revolta todo o
seu homem interior. Não devem permitir, no entanto, <|ue essas coisas
destruam a sua paz e os furtem de suas consolações. E necessário lembrar
que o diabo existe, e não deveriam surpreender-se ao descobrir que ele está
sempre bem perto deles. Ser vítima das tentações ainda não é incorrer em
pecado. Pecamos somente quando cedemos diante das tentações, dando
lugar ao pecado em nossos corações, algo que muito deveríamos temer.
Convém que aprendamos, em seguida, que a principal arma que
devemos usar para resistir a Satanás é a Bíblia. Por nada menos de
22 Mateus 4.1-11

três vezes o grande adversário das nossas almas apresentou tentações


diante de nosso Senhor. Por três vezes o oferecimento diabólico foi re-
pelido, sempre mediante o emprego de algum texto bíblico como
motivação: “Está escrito”.
Essa é apenas uma, dentre muitas razões, pelas quais devemos ser
leitores diligentes das Sagradas Escrituras. A Palavra de Deus é a espada
do Espírito (Ef 6.17). Jamais estaremos combatendo, como convém ao
crente, enquanto não estivermos usando a Bíblia como a nossa principal
arma de ataque e defesa. A Palavra de Deus também é lâmpada para os
nossos pés. Jamais nos conservaremos no elevado caminho do Rei, que
leva ao céu, se não estivermos jornadeando iluminados por essa luz. Com
toda a razão podemos temer que, entre os crentes, a Bíblia não é lida de
maneira suficiente. Não basta possuirmos a$ Escrituras. É necessário lê-las
e orar a respeito de nós mesmos. A Bíblia não nos fará nenhum bem se,
tão-somente, ficar guardada em nossos lares. Antes, precisamos estar
familiarizados com o conteúdo das Escrituras, com o seu texto armazenado
em nossa mente e em nossa memória. O conhecimento bíblico nunca pode
ser adquirido por mera intuição. Tal conhecimento só pode ser adquirido
mediante a leitura regular, trabalhosa, diária, atenta e desperta.
Queixamo-nos do tempo e do trabalho que isso nos custa? Se assim
estivermos fazendo, então isso será sinal de que ainda não estamos aptos
para o reino de Deus.
Em último lugar, devemos aprender o quanto nosso Senhor Jesus
Cristo é um Salvador que simpatiza conosco. “Pois naquilo que ele mesmo
sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados”
(Hb 2.18).
A simpatia de Jesus por nós é uma verdade que deveria ser par-
ticularmente valorizada por todos os crentes. Eles poderão descobrir que
essa é uma verdade que serve de mina de poderosas consolações. Nunca
deveriam esquecer-se de que eles contam com um poderoso Amigo nos
céus, o qual simpatiza com eles em todas as tentações e provações por que
tiverem de passar. Ele sente, juntamente com eles, as suas ansiedades
espirituais. São os crentes tentados, por Satanás, a desconfiarem da
bondade e dos cuidados de Deus por eles? Jesus também foi tentado desse
modo. São eles tentados à presunção, em relação à misericórdia divina,
arriscando-se desnecessariamente e sem garantias? Assim também Jesus
foi tentado. Eles são tentados a cometer algum grande pecado particular,
como se isso lhes oferecesse alguma vantagem? Essa também foi uma das
tentações que assaltou a Jesus Cristo. São eles tentados a fazer alguma
errônea aplicação das Escrituras, como justificativa para a prática do mal?
Outro tanto sucedeu a Jesus. Ele é exatamente o Salvador de que precisam
aqueles que são tentados. Por conseguinte, que
Mateus 4,1-11 23

os crentes se refugiem no Senhor, pedindo-Lhe ajuda e expondo diante


dEle todas as suas dificuldades. E então haverão de descobrir que Ele
está sempre preparado a simpatizar com eles. Jesus pode entender todas as
suas tristezas.
Oxalá todos nós reconhecêssemos, em nossa própria experiência
diária, o quanto vale um Salvador cheio de simpatia! Nio há nada que se
lhe possa comparar, neste nosso mundo frio e enganador. Aqueles que
buscam encontrar a felicidade neste mundo e desprezam a religião
revelada nas Escrituras, não fazem a mínima idéia do verdadeiro consolo
que estão perdendo.

Começo do Ministério de Cristo


e a Chamada dos Primeiros Discípulos
Leia Mateus 4,12-25

Nestes versículos encontramos o começo do ministério de nosso


Senhor entre os homens. Ele dá início aos seus labores entre uma po-
pulação ignorante e obscurecida. Ele escolhe os homens que serão seus
companheiros e discípulos e confirma o seu ministério através de mi-
lagres, os quais chamam a atenção de “toda a Síria” e atraem grandes
multidões para ouvi-lo.
Observemos a maneira peia qual nosso Senhor deu início à sua
poderosa realização: “passou Jesus a pregar”. Não existe outra atividade tão
honrada como a de um pregador. Não há trabalho humano tão importante
para as almas dos homens. Esse é um ofício do qual o próprio Filho de
Deus não se envergonhou. Através desse ofício Ele selecionou os seus
doze apóstolos. Foi um ofício que o apóstolo Paulo, já idoso, recomendou
de maneira especial a Timóteo, quase que em seu último alento: “prega a
palavra, insta, quer seja oportuno, quer não (2 Tm 4.2). Acima de qualquer
outro, esse é o instrumento que Deus se agrada em usar na conversão e
edificação das almas humanas. Os dias mais resplandecentes da igreja de
Cristo sempre foram aqueles em que a pregação do evangelho foi mais
honrada. Enquanto que os dias mais negros da igreja sempre têm sido
aqueles em que a prédica foi desvalorizada. Honremos as ordenanças e as
orações públicas, nas igrejas locais, e utilizemo-nos reverentemente desses
meios da graça divina. Porém, cuidemos em nunca permitir que essas
práticas venham a tomar o lugar que pertence à pregação do evangelho.
Prestemos atenção à primeira doutrina que o Senhor Jesus proclamou ao
mundo. Ele começou, afirmando: “Arrependei-vos”. A
24 Mateus 4.12-25

necessidade de arrependimento é um dos grandes fundamentos que estão à


base do cristianismo. É mister pregarmos que toda a humanidade, sem
exceção, se arrependa. Importantes ou não, ricos ou pobres, todos os
homens têm caído no pecado e são culpados diante de Deus. Todos
precisam arrepender-se e converter-se, se porventura quiserem ser salvos.
O verdadeiro arrependimento não é alguma questão superficial. Antes,
envolve uma completa mudança do coração no que concerne ao pecado,
uma transformação que se demonstra mediante uma santa contrição e
humilhação, com uma sincera confissão dos pecados, diante do trono da
graça, e uma quebra total de hábitos pecaminosos, bem como um ódio
permanente a todo pecado. Tal arrependimento é o acompanhante
inseparável da fé salvadora em Jesus Cristo. Devemos valorizar
grandemente essa doutrina. Gla se reveste da maior importância. Nenhum
ensino cristão pode ser considerado sadio se não puser sempre em
evidência “o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus
Cristo” (At 20.21).
Observemos também a classe de homens a quem o Senhor Jesus
escolheu para serem seus discípulos. Eles pertenciam às camadas mais pobres
e humildes da sociedade. Pedro, André, Tiago e João eram todos
“pescadores”. A religião de nosso Senhor Jesus Cristo não visava somente
aos ricos e cultos; destinava-se ao mundo todo, e a maior parte da
humanidade sempre será pobre. A pobreza e a ignorância literária
excluíam milhares de pessoas da atenção dos orgulhosos filósofos do
mundo pagão. Mas isso não impede a ninguém de ocupar mesmo os mais
altos escalões do ministério cristão. Um certo homem é humilde? Ele sente
o peso dos seus pecados? Ele está disposto a ouvir a voz de Cristo e a
segui-Lo? Nesse caso, ele pode ser o mais pobre dos pobres, mas, no reino
dos céus haverá de ocupar uma posição tão importante quanto qualquer
outra pessoa. O intelecto e o dinheiro de nada valem, sem a graça de Deus.
A religião de Cristo deve ter tido a sua origem no céu. Do contrário,
nunca teria prosperado e se propagado por toda a terra, conforme tem
sucedido. É inútil aos incrédulos tentarem dar resposta a esse argumento.
Ele não pode ser retorquido. Uma religião que não lisonjeia aos ricos, aos
grandes e aos bem instruídos, uma religião que não dá margem às
inclinações carnais do coração humano, uma religião cujos primeiros
mestres foram pobres pescadores, destituídos de riquezas materiais,
posição social ou poder, uma religião como essa jamais teria transtornado
o mundo, se não procedesse de Deus. Por um lado, contemplamos os
imperadores romanos e os sacerdotes do paganismo, com os seus
esplêndidos santuários! Por outro lado, vemos alguns poucos trabalhadores
braçais, cristãos, sem grande instrução formal, mas anun
Mateus 4.12-25 25

ciando o evangelho! Acaso, já houve outros dois grupos tão diferentes um


do outro? Os que eram fracos mostraram-se fortes; e os que eram fortes
mostraram-se fracos. O paganismo ruiu, e o cristianismo tomou o seu
lugar. Portanto, o cristianismo deve proceder de Deus.
Em último lugar, observemos o caráter geral dos milagres por meio
dos quais nosso Senhor confirmou a sua missão. Nesta passagem bíblica, esses
milagres são vistos em geral. Porém, um pouco mais adiante, haveremos de
vê-los descritos em particular. Mas, qual é o caráter desses milagres? Eles
foram alicerçados sobre a misericórdia e a bondade. Nosso Senhor
“percorria... toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o
evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o
povo”.
Esses milagres tiveram por propósito ensinar-nos quão poderoso é
nosso Senhor. Aquele que era capaz de curar enfermos com um simples
toque de mão e expelir demônios com uma palavra, também é poderoso
para “salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus“ (Hb 7.25). Sim,
Ele é o Todo-poderoso.
Esses milagres têm, igualmente, a finalidade de servir de símbolos
ou emblemas da habilidade de nosso Senhor como médico espiritual.
Aquele, diante de quem nenhuma enfermidade física mostrou ser incurável,
é poderoso para curar cada um dos males que afligem as nossas almas. Não
há coração partido que Ele não saiba sarar. Não há ferida de consciência que
Ele não possa fazer cicatrizar. Todos nós somos indivíduos caídos,
esmagados, despedaçados e atingidos por alguma praga, por causa do
pecado. Mas Jesus, por meio de seu sangue e Espírito, pode curar-nos
inteiramente. Tão-somente devemos ir até Ele.
Esses milagres têm também o propósito de mostrar-nos o coração de
Jesus — o Salvador extremamente compassivo. Ele não rejeitava a ninguém
que viesse até Ele. Ele nunca rejeitou a quem quer que fosse, por mais
enfermo ou repugnante que estivesse. Os seus ouvidos estavam dispostos a
dar atenção a todos, e Ele estava sempre pronto a ajudar a todos com um
coração terno para com todos. Não existe bondade que se possa comparar à
sua. A compaixão de Jesus jamais falhará.
Nunca nos deveríamos esquecer de que Jesus Cristo * „ontem e hoje
é o mesmo, e o será para sempre” (Hb 13.8)! Exaltado nos céus, à mão
direita de Deus Pai, em coisa alguma Ele se modificou. Ele continua
perfeitamente capaz de salvar, igualmente disposto a acolher-nos, e da
mesma maneira preparado para ajudar-nos, tal e qual fazia há quase vinte
séculos passados. Teríamos nós colocado diante dEle as nossas petições
naqueles dias? Façamos a mesma coisa hoje. Ele pode curar “toda sorte de
doenças e enfermidades”.
26 Mateus 5.1-12

As Be -aventuranças
Leia Mateus 5.1-12

Os três capítulos que têm início com estes versículos merecem


atenção especial da parte de todos os estudiosos da Bíblia. Esses capítulos
contêm o que usualmente se chama de “Sermão da Montanha”.
Cada palavra do Senhor Jesus deveria ser reputada como preciosa
pelos que se dizem crentes. É a voz do nosso supremo Pastor, a palavra do
grande Superintendente e Cabeça da igreja. É o Senhor quem está falando. É
a palavra dAquele que falava como ninguém jamais falou, a voz dAquele
por meio de quem seremos julgados no último dia.
Gostaríamos de saber que tipo de pessoa deveria ser o crente?
Gostaríamos de saber que caráter cristão deveria ser o nosso alvo? Gos-
taríamos de saber qual a conduta e os hábitos mentais que deveríamos
cultivar como seguidores de Jesus? Nesse caso, estudemos com freqüência
o Sermão da Montanha. Meditemos constantemente sobre as sentenças de
Cristo, e submetamo-nos à prova de acordo com elas. Não devemos deixar
de considerar a quem o Senhor Jesus chamou de “bem-aventurados” no
começo do sermão. Aqueles que são abençoados pelo nosso Sumo
Sacerdote são verdadeiramente benditos.
Jesus chamou de bem-aventurados aos humildes de espírito.
Referia-se aos humildes, modestos quanto a seu auto-conceito, auto-
-rebaixados. Apontava para os que estão profundamente convictos de sua
própria pecaminosidade diante de Deus. Aqueles que não “são sábios aos
seus próprios olhos, e prudentes em seu próprio conceito” (Is 5.21). Esses
não se consideram “ricos e abastados” (Ap 3.17); não ficam fantasiando de
que nada precisam. Antes, consideram-se infelizes, miseráveis, pobres,
cegos e nus. Todos esses são bem-aventurados! No alfabeto do cristianismo,
a humildade é a primeira letra. Devemos começar bem por baixo, se
quisermos atingir grandes alturas espirituais.
O Senhor Jesus também chamou de bem-aventurados àqueles que
choram. Com isso Ele quis dar a entender aqueles que se entristecem por
causa do pecado, e que também se lamentam diariamente por causa das suas
próprias falhas. São esses os que se preocupam mais por causa do pecado do
que por qualquer outra coisa na face da terra. A memória dessas coisas
deixa-os profundamente tristes. Tal carga lhes parece intolerável,
Bem-aventurados são todos os tais. “Sacrifícios agradáveis a Deus são o
espírito quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó
Deus” (SI 51.17). Algum dia, eles não mais derramarão lágrimas, “porque
serão consolados”.
Mateus 5.1-12 27

O Senhor Jesus também chama de bem-aventurados aos mansos. Ele


tinha em mente aqueles cujo espírito é paciente e satisfeito. Os que se
dispõem a serem com pouca honra neste mundo, capazes de sofrer
injustiças sem guardar ressentimentos. Os que dificilmente se deixam
irritar. Como Lázaro na parábola, eles estão contentes em esperar pelas
boas coisas que Deus tem para dar. Bem-aventurados são todos esses! A
longo prazo, eles nunca são os perdedores. Chegará o dia quando eles
“reinarão sobre a terra“ (Ap 5.10).
O Senhor Jesus chama de bem-aventurados os que têm fome e sede de
justiça, os que desejam acima de tudo ajustar-se à mente do Senhor. Eles
anelam não tanto por se tomarem ricos ou poderosos ou eruditos, mas por
serem santos. Bem-aventurados são todos os tais! Um dia terão o suficiente
do que desejam. Um dia acordarão revestidos à semelhança de Deus e serão
satisfeitos (SI 17.15).
Jesus chama de bem-aventurados aos misericordiosos, os que se
mostram compassivos para com os seus semelhantes. Eles têm compaixão
de todos quantos sofrem, seja por causa do pecado ou de adversidades, e
desejam ternamente suavizar tais sofrimentos. Praticam boas obras e
esforçam-se por fazer o bem. Bem-aventurados são todos os tais! Tanto
nesta vida quanto na vindoura, terão uma rica colheita.
O Senhor Jesus também considerou bem-aventurados os que são
limpos de coração. Ao assim dizer, Ele pensava naqueles que não almejam
apenas uma conduta externa correta, e, sim, a santidade interior. Esses tais
não se satisfazem com uma mera exibição externa de religiosidade. Antes,
esforçam-se por manter o coração e a consciência isentos de ofensa,
desejando servir a Deus com o espírito e com o homem interior.
Bem-aventurados são todos esses! O coração é o próprio homem. “O
homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração” (1 Sm 16.7). Quanto
mais a mente estiver voltada para as coisas espirituais, maior comunhão
terá o homem com Deus.
O Senhor Jesus chama de bem-aventurados aos pacificadores, isto é,
os que exercem a sua influência pessoal a fim de promoverem a paz e o
amor; tanto em particular como em público, em casa ou no estrangeiro. São
os que se esforçam para que todos os homens se amem mutuamente,
ensinando aquele evangelho que diz: “o cumprimento da lei é o amor” (Rm
13.10). Bem-aventurados são todos esses, pois, estão realizando a mesma
obra que o Filho de Deus iniciou, quando veio à terra pela primeira vez, e
que Ele terminará ém sua segunda vinda.
Por fim, o Senhor Jesus chama de bem-aventurados os perseguidos
por causa da justiça, os que são alvos de zombarias e risos, os desprezados e
que sofrem abusos somente porque se esforçam por viver como
verdadeiros crentes. Bem-aventurados são todos os tais! Esses
28 Mateus 5.1-12

bebem do mesmo cálice de que o Mestre bebeu. Eles O estão confessando


perante os homens, e Ele, por sua vez, haverá de confessá-los perante Deus
Pai e os anjos no último dia. “É grande o vosso galardão nos céus.”
Estas são as oito pedras fundamentais que o Senhor Jesus lançou,
logo no começo do seu Sermão da Montanha. Oito grandes verdades, oito
grandes testes foram colocados diante de nós. Marquemos bem cada uma
delas, e assim aprenderemos a sabedoria!
Aprendamos quão inteiramente contrários aos princípios deste mundo
são os princípios ensinados por Cristo. É inútil tentar negar esse fato. São
princípios diametralmente opostos entre si. O mundo menospreza as
próprias virtudes que nosso Senhor Jesus exaltou. Orgulho, falta de
consideração, espírito de exaltação, mundanismo, formalismo, egoísmo e
falta de amor, que proliferam neste mundo por toda a parte, são coisas que
o Senhor Jesus condenou.
Aprendamos, da mesma forma, quão tristemente diferentes da vida
prática de muitos professos ’ ‘cristãos' ‟ são os ensinos de Jesus Cristo. Onde
encontraremos, entre os que frequentam os cultos nas igrejas locais,
homens e mulheres que se esforçam por viver segundo os padrões acerca
dos quais acabamos de ler? Infelizmente, há muitas razões para temer que
um grande número de pessoas batizadas são totalmente ignorantes acerca
do que o Novo Testamento contém!
Acima de tudo, aprendamos quão santos e espirituais todos os
crentes deveriam ser. Jamais deveriam ter como alvo qualquer padrão
inferior ao do Sermão da Montanha. O cristianismo é eminentemente uma
religião prática. A sã doutrina é a sua raiz e fundamento, mas o seu fluxo
deveria sempre ser uma vida santa. E, se quisermos saber o que é uma vida
santa, consideremos então, com freqüência, quem são aqueles a quem Jesus
chamou de “bem-aventurados”.

O Caráter dos Verdadeiros Crentes


O Ensino de Cristo e o Antigo Testamento
Leia Mateus 5.13-20

Nestes versículos, o Senhor Jesus trata de dois assuntos. Um deles é


o caráter que os verdadeiros crentes precisam defender e manter neste
mundo. O outro é a relação entre as doutrinas que Ele ensinava e os ensinos
do Antigo Testamento. É muito importante termos uma visão bem clara
sobre ambos os assuntos.
Os verdadeiros cristãos devem ser neste mundo como o sal. Ora,
Mateus 5.13-20 29

o sal tem um sabor todo peculiar, diferente de qualquer outra coisa. Quando
misturado com outras substâncias, preserva da corrupção. O sal transmite
um pouco do seu sabor a tudo com o que é misturado. Só é útil enquanto
preserva o sabor, do contrário para nada mais presta. Somos crentes
verdadeiros? Atentemos para a nossa posição e nossos deveres neste
mundo!
Os verdadeiros crentes devem viver como luzes neste mundo. A
propriedade da luz é ser totalmente diferente das trevas. A menor centelha
em uma sala escura pode ser vista prontamente. Dentre todas as coisas
criadas, a luz é a mais útil. A luz fertiliza o solo. A luz guia. A luz reanima.
A luz foi a primeira coisa que Deus trouxe à existência. Sem a luz, este
mundo seria um vazio obscuro. Somos crentes verdadeiros? Nesse caso,
consideremos novamente a nossa posição e as nossas responsab ilidades!
Se estas palavras têm algum significado, então, certamente, Jesus
intenciona nos ensinar, com estas duas figuras, sal e luz, que precisa haver
algo notório, distintivo e peculiar a respeito do nosso caráter, se somos
verdadeiros cristãos. Se desejamos ser reconhecidos como pertencentes a
Cristo, como o povo de Deus, jamais poderemos passar a vida desocupados,
pensando e vivendo como fazem as demais pessoas neste mundo. Temos a
graça divina? Então ela precisa ser vista. Temos o Espírito Santo? Então
deve haver o fruto. Temos uma religião salvadora? Então deve haver uma
diferença de hábitos e preferências e também uma mentalidade diferente
entre nós e aqueles que pensam segundo o mundo. É perfeitamente claro
que o cristianismo verdadeiro envolve algo mais do que ser batizado e ir à
igreja. “Sal“ e “luz”, evidentemente, implicam numa peculiaridade, tanto no
coração quanto na vida diária, tanto na fé quanto na prática. Se nos
consideramos salvos, devemos ousar ser singulares e diferentes da
humanidade em geral.
A relação entre o ensino de nosso Senhor e o ensino do Velho
Testamento foi esclarecida por Jesus mediante uma sentença incisiva: “Não
penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim para revogar, vim para
cumprir“. Estas são palavras dignas de nota. Elas foram profíindamente
importantes quando proferidas, porquanto davam resposta à ansiedade
natural dos judeus quanto a este assunto. São palavras que continuarão
sendo tremendamente importantes, enquanto este mundo continuar, como
um testemunho de que a religião do Antigo e Novo Testamento forma um
todo harmônico.
O Senhor Jesus veio a este mundo a fim de cumprir as predições dos
profetas, os quais desde os tempos antigos haviam profetizado que, um dia,
viría ao mundo um Salvador. E Ele veio para cumprir a lei cerimonial,
tomando-se o grande sacrifício pelo pecado, para o qual
30 Mateus 5.13-20

todas as oferendas da lei mosaica tinham sempre apontado. Ele veio para
cumprir a lei moral, prestando-lhe obediência perfeita, o que nós mesmos
jamais poderíamos ter feito. Ele também cumpriu a lei pagando com o seu
sangue reconciliador a penalidade pela nossa quebra da lei, uma penalidade
que nós jamais poderíamos ter pago. De todas essas maneiras, Ele exaltou a
lei de Deus, e fez a sua importância ainda mais evidente. Em suma, Ele
engrandeceu a lei e a fez gloriosa (Is 42.21).
Há profundas lições de sabedoria a serem aprendidas por meio
destas palavras de nosso Senhor. Portanto, meditemos cuidadosamente
sobre elas, entesourando-as em nosso coração.
Tomemos cuidado para não desprezar o Antigo Testamento, sob
nenhum pretexto. Nunca demos ouvidos àqueles que recomendam pôr de
lado o Antigo Testamento, como se fosse um livro antiquado, obsoleto e
inútil. A religião do Antigo Testamento é embrião do cristianismo. O
Antigo Testamento é o evangelho em botão; o Novo Testamento é
evangelho aberto em flor. O Antigo Testamento é o evangelho brotando; o
Novo Testamento é o evangelho já em espiga formada. Os santos do Antigo
Testamento enxergaram muitas coisas como que por um espelho,
obscuramente. Porém, todos contemplavam pela fé o mesmo Salvador, e
foram guiados pelo mesmo Espírito Santo que hoje nos guia. Estas não são
questões de pouca importância. O ignorante desprezo pelo Antigo
Testamento dá origem a muita infidelidade.
Também devemos acautelar-nos em não desprezar a lei dos dez
mandamentos. Nem por um momento suponhamos que essa lei tenha sido
posta de lado pelo evangelho, ou que os crentes não têm nada a ver com ela.
A vinda de Cristo em nada alterou a posição dos dez mandamentos, nem
mesmo a largura de um fio de cabelo. O que ela fez foi exaltar e destacar a
sua autoridade (Rm 3.31). A lei dos dez mandamentos é a medida eterna de
Deus para o que é certo e o que é errado. Através da lei é que vem o pleno
conhecimento do pecado. Pela lei é que o Espírito mostra aos homens a sua
necessidade de Cristo e os leva a Ele. Cristo deixou ao seu povo a lei dos dez
mandamentos como norma e guia para uma vida santa. Em seu devido
lugar, a lei dos dez mandamentos é tão importante quanto o “glorioso
evangelho“. A lei não pode nos salvar. Não podemos ser justificados por
ela. Porém, nunca jamais a desprezemos. O menosprezo pela lei dos dez
mandamentos é um sintoma de ignorância e insanidade em nossa religião. O
verdadeiro crente autêntico tem “prazer na lei de Deus” (Rm 7.22).
Em último lugar, cuidemos em não supor que o evangelho tenha
rebaixado o padrão de santidade pessoal, ou que o cristão não deva ser tão
estrito e cuidadoso em sua conduta diária quanto o eram os judeus. Este é
um terrível engano, mas que, infelizmente, é muito comum.
Mateus 5.13-20 31

Bem ao contrário, os santos do Novo Testamento deveriam exceder em


santidade aos santos dos tempos antigos, pois estes só tinham o Velho
Testamento para lhes servir de orientação. Quanto mais luz temos, maior o
nosso amor a Deus. Quanto mais claramente enxergamos nosso pleno
perdão em Cristo, tanto mais devemos trabalhar de coração para a sua
glória. Sabemos o quanto custou a nossa redenção, melhor do que os santos
do Antigo Testamento souberam. Já lemos o que aconteceu no Getsêmani e
no Calvário, mas eles só viram estas coisas indistinta e obscuramente,
como algo que ainda estava por acontecer. Que jamais nos esqueçamos das
nossas obrigações! O crente que se satisfaz com um baixo padrão de
santidade pessoal ainda tem muito a aprender.

A Espiritualidade da Lei
Comprovada por Três Exemplos
Leia Mateus 5.21-37

Estes versículos merecem a mais cuidadosa atenção por parte de


todos os leitores da Bíblia. Um correto entendimento das doutrinas que eles
contêm é fundamental ao cristianismo. O Senhor Jesus aqui explica mais
completamente o significado das suas palavras, “não vim para revogar a
lei, vim para cumprir”. Ele nos ensina que o evangelho magnifica a lei e
exalta a sua autoridade. Ele nos mostra que a lei, conforme Ele a tinha
apresentado, era uma regra muito mais espiritual e capaz de perscrutar o
coração do que a maioria dos judeus imaginava. E isto Ele comprovava
selecionando três dos dez mandamentos, como exemplos para o que queria
dizer.
Jesus expôs o sexto mandamento. Muitos israelitas pensavam estar
cumprindo esta parte da lei de Deus, simplesmente por não cometerem
homicídio na prática. O Senhor Jesus, entretanto, mostra que as exigências
desse mandamento vão muito além. Tal mandamento condena até mesmo a
linguagem iracunda e repleta de rancor, especialmente quando utilizada
sem motivo justificado. Salientemos bem esse ponto. Podemos ser
perfeitamente inocentes no que tange a tirar a vida de outrem e, no entanto,
podemos tornar-nos culpados de transgredir o sexto mandamento.
Jesus apresenta o sétimo mandamento. Muitos supunham estar
cumprindo esta parte da lei de Deus, apenas por não praticarem adultério.
Mas, o Senhor Jesus nos ensina que podemos quebrar esse mandamento
em nossos pensamentos, em nosso coração e em nossa imaginação,
32 Mateus 5.21-37

mesmo quando a nossa conduta exterior é moral e correta. O Deus com


quem tratamos vê muito além de nossas ações. Para ele, até mesmo um
rápido lançar de olhos pode ser pecado.
Jesus, apresenta o terceiro mandamento. Muitos se iludiam pensando
estar cumprindo esta parte da lei de Deus, contanto que não jurassem
falsamente e cumprissem os seus votos. Mas o Senhor Jesus proibe toda e
qualquer espécie de juramento vão. Todo o juramento em nome de coisas
criadas, mesmo quando o nome de Deus não está envolvido — todo
juramento que tome a Deus como testemunha, exceto nas ocasiões mais
solenes, é um grande pecado.
Tudo isso é muito instrutivo. Este ensinamento deveria fazer-nos
refletir com grande seriedade. Ele nos diz em alta voz, que sondemos
cuidadosamente os nossos corações. Mas, o que nos ensina?
Ele nos ensina a tremenda santidade de Deus. Deus é um Ser
puríssimo e perfeitíssimo, que percebe falhas e imperfeições onde os
homens não vêem coisa alguma. Deus lê os motivos dos nossos corações.
Ele observa não somente os nossos atos, mas também as nossas palavras e
os nossos pensamentos. “Eis que te comprazes na verdade no íntimo” (SI
51.6). Oxalá os homens considerassem esse aspecto do caráter de Deus
muito mais do que costumam fazer! Então não haveria lugar para o
orgulho, para a justiça-própria e para a indiferença, se ao menos os homens
vissem a Deus “conforme Ele é”.
Ele nos ensina a excessiva ignorância dos homens quanto às realidades
espirituais. Existem milhares e milhares de professos cristãos, como é de
temer, que não sabem mais a respeito dos requisitos da lei de Deus do que
os mais ignorantes judeus. Conhecem a letra dos dez mandamentos
suficientemente bem. Mas, à semelhança do jovem rico, julgam-se
guardadores da lei: “tudo isso tenho observado, desde a minha juventude”
(Mc 10.20). Para eles é inconcebível que se possa quebrar o sexto e sétimo
mandamentos mesmo sem praticar qualquer ato exterior ou pecado
explícito. E assim vão vivendo, satisfeitos consigo mesmos e plenamente
contentes com a sua mini religião. Felizes mesmo são os que real mente
compreendem a lei de Deus.
O sexto mandamento nos ensina a enorme necessidade do sangue
expiatório de Jesus Cristo para nos salvar. Qual o homem ou mulher neste
mundo que poderia apresentar-se diante de Deus e declarar-se1 „ inocente”?
Há alguém que tenha atingido a idade da razão sem haver quebrado os
mandamentos milhares de vezes? “Não há justo, nem sequer um” (Rm
3.10). Sem um Mediador poderoso, todos nós seríamos condenados no dia
do juízo. A ignorância do real significado da lei é uma razão evidente por
que tantas pessoas não dão valor ao evangelho, contentando-se em viver
um cristianismo mesquinho e formal. Eles não
Mateus 5.21-37 33

percebem o rigor e a santidade dos dez mandamentos da lei de Deus. Se


percebessem esse fato, não descansariam enquanto não estivessem seguras
em Jesus Cristo.
Em último lugar, esta passagem nos ensina a enorme importância de
se evitar tudo que possa dar ocasião ao pecado. Se nós realmente desejamos ser
santos, diremos como o salmista: “Guardarei os meus caminhos, para não
pecar com a língua“ (SI 39.1). Precisamos estar prontos a resolver querelas
e desacordos, para que tais coisas não nos conduzam a pecados ainda mais
graves: “Como o abrir-se da represa assim é o começo da contenda; desiste,
pois, antes que haja rixas” (Pv 17.14). Precisamos nos empenhar em
crucificar a nossa carne e mortificar os nossos membros. Devemos estar
dispostos a fazer qualquer sacrifício, e até mesmo trazer sobre o corpo a
incomodidade física, antes do que dar lugar ao pecado. Devemos guardar os
nossos lábios, como que por um freio, e exercitar uma constante vigilância
sobre nossas palavras. Que os homens nos chamem de “muito restritos ”, se
assim desejarem. Que eles digam que somos “por demais meticulosos”, se
isso lhes agrada. Não nos deixemos abalar com isso. Estamos apenas
fazendo aquilo que nosso Senhor Jesus Cristo nos manda, e, sendo assim,
não temos de que nos envergonhar.

A Lei Cristã do Amor


Leia Mateus 5.38-48

Encontramos neste trecho as normas de nosso Senhor Jesus Cristo


quanto à nossa conduta de uns para com outros. Os que desejarem saber
como deveriam agir e sentir, no tocante ao próximo, devem estudar com
freqüência estes versículos. Eles merecem ser escritos em letras de ouro.
Estes versículos têm sido elogiados até mesmo pelos adversários do
cristianismo. Observemos atentamente o que eles contêm.
O Senhor Jesus proíbe qualquer coisa parecida com um espírito
vingativo, que não esteja disposto a perdoar. A inclinação por ressentir- -se
diante das ofensas, a prontidão em ficar ofendido, uma disposição
contenciosa e briguenta, a insistência em reinvidicar nossos direitos — tudo
isto é contrário à mente de Cristo. O mundo pode não perceber nada de
errado nestes hábitos da mente. Tais coisas, porém, não fazem parte do
caráter do verdadeiro cristão. Nosso Mestre disse: “Não resistais ao
perverso”.
O Senhor Jesus nos manda cultivar um espírito de amor e benevolência
para com todos os homens. Devemos pôr de lado toda malícia.
34 Mateus 5.38-48

Devemos pagar o mal com o bem e a maldição com bênçãos. Jesus nos
disse: “amai os vossos inimigos”. Outrossim, não devemos amar somente
de palavra, mas em verdade e de fato. Devemos negar a nós mesmos e nos
esforçar por sermos gentis e corteses, “Se alguém te obrigar a andar uma
milha, vai com ele duas.” Compete-nos tolerar muita coisa, suportar muita
coisa, ao invés de ofendermos ou prejudicarmos a outras pessoas. Em todas
as coisas, devemos nos mostrar altruístas. Nosso pensamento nunca deveria
ser: “Como é que as outras pessoas se comportam para comigo?“ Pelo
contrário, deveria ser: “O que Cristo gostaria que eu fizesse?”.
Um padrão de conduta como esse poderia à primeira vista parecer
demasiadamente alto. Porém, nunca nos deveríamos contentar com um
padrão inferior. Precisamos observar os dois fortes argumentos com que
nosso Senhor reforça esta parte de seu ensino. Estes argumentos merecem
séria atenção.
Primeiramente porque, se não tivermos por alvo o espírito e a
atitude aqui recomendados, então não somos ainda filhos de Deus. O nosso
“Pai que está nos céus” é bom para com todos. Ele envia chuvas sobre bons
e maus, igualmente. Ele faz o sol brilhar sobre todos os homens, sem
distinção. Ora, um filho deve ser como seu pai. Porém, em que somos
semelhantes a nosso Pai celeste, se não somos capazes de demonstrar
misericórdia e bondade para com todos? Onde estão as evidências de que
somos novas criaturas, se não temos amor? Estão todas em falta. Isto é um
sinal de que ainda precisamos „ „nascer de novo” (Jo 3.7).
Se não almejamos ter o espírito e a atitude aqui recomendados,
então, manifestamente ainda somos do mundo. Até mesmo os que não têm
nenhuma religião podem “amar aos que os amam”. Eles podem fazer o bem
e mostrar gentileza, quando seus afetos e interesses os movem a tanto.
Porém, o crente deveria ser dirigido por princípios mais altos do que o
interesse próprio. Estamos procurando evitar esse teste? Achamos
impossível praticar o bem em favor dos nossos inimigos? Se esse é o caso,
então podemos ter a certeza de que ainda não nos convertemos. Enquanto
isso prevalecer, ainda não teremos recebido “o Espírito que vem de Deus”
(1 Co 2.12).
Em tudo o que já vimos, há muitas coisas que clamam em alta voz
pela nossa solene reflexão. Há poucas passagens nas Escrituras que tão bem
se prestam para despertar em nossas mentes tais pensamentos de contrição.
Temos aqui um amorável quadro do cristão, tal como ele deveria ser.
Observando-o, não podemos deixar de sentir alguma dor. Todos devemos
admitir que esse quadro difere largamente daquilo que o crente geralmente
é. Podemos depreender daí duas lições gerais.
Mateus 5.38-48 35

Em primeiro lugar, se o espírito destes onze versículos fosse mais


continuamente relembrado pelos verdadeiros crentes, eles recomendariam o
cristianismo ao mundo de maneira muito mais eficiente. Não podemos nos
permitir supor que as palavras desta passagem sejam superficiais e de
pouca importância, nem mesmo as mínimas coisas afirmadas. A realidade
é outra. A devida atenção ao espírito deste texto bíblico é que faz tão
atrativa a nossa religião cristã. A negligência quanto às verdades aii
contidas leva à deformação do cristianismo. Cortesia, gentileza, ternura e
consideração pelas outras pessoas são alguns dos melhores ornamentos do
caráter dos filhos de Deus. O mundo pode compreender estas coisas,
mesmo quando não são capazes de compreender as doutrinas do
cristianismo. Não existe religião cristã na grosseria, na aspereza, na
indelicadeza ou na falta de civilidade. A perfeição do cristianismo prático
consiste na atenção que damos tanto aos pequenos quanto aos grandes
deveres da santidade.
Em segundo lugar, se o espírito destes onze versículos tivesse maior
domínio e poder sobre o mundo, quão mais feliz o mundo seria do que
realmente é\ Quem não sabe que as discussões, as desavenças, o egoísmo e a
indelicadeza causam metade das misérias que afligem a humanidade?
Quem não percebe que coisa alguma tenderia mais por aumentar a
felicidade entre os homens do que a propagação do amor cristão, tal como é
aqui recomendado por nosso Senhor? Que todos nos lembremos disto. Os
que se iludem pensando que a verdadeira religião tem alguma tendência em
fazer os homens infelizes, estão grandemente enganados. A ausência da
verdadeira religião é a causa de tal infelicidade, e não a sua prevalência. A
verdadeira religião exerce o efeito diametralmente contrário. Ela tende por
promover a paz e o amor ao próximo, a gentileza e a boa vontade entre as
pessoas. Quanto mais os homens seguirem os ensinos do Espírito Santo,
tanto mais eles se amarão mutuamente, e mais felizes serão.

Ostentação nas Esi olas e na Oração


Leia Mateus 6.1-8

Neste segmento do Sermão da Montanha, o Senhor Jesus nos


instruiu sobre duas questões. A primeira delas quanto a dar esmolas, a outra
quanto à oração. Ambas eram questões às quais os judeus atribuíam grande
importância, Ambas, por si mesmas, merecem séria atenção de todos os
que professam o cristianismo.
Observe que nosso Senhor toma como um ponto pacífico que
36 Mateus 6.1-8

todos os que se intitulam seus discípulos darão esmolas. Ele assume como
natural que eles pensarão ser um dever solene dar esmolas de acordo com as
suas possibilidades, a fim de aliviarem as necessidades dos outros. O único
ponto de que Cristo aqui trata é a maneira como deveria ser cumprido esse
dever. Esta é uma importante lição. Ele condena a atitude de egoísmo
mesquinho de tantas pessoas, quanto à questão de dar dinheiro. Quantos são
"ricos para consigo mesmos‟*, mas são pobres para com Deus! Muitos
jamais dão um centavo para fazer o bem ao corpo e a alma de outrem! Será
que os tais, com esta mentalidade, têm algum direito de serem chamados
cristãos? Bem poderíamos duvidar desse direito. Um Salvador sempre
disposto a dar, deveria ter discípulos igualmente dispostos a contribuir.
Observe, uma vez mais, que nosso Senhor toma por certo que todos
quantos se intitulam seus discípulos serão pessoas de oração. Ele assume que
isto também é um ponto pacífico. Tão somente Ele nos dá orientações
quanto à melhor maneira de orar. Esta é outra lição que merece ser
continuamente lembrada. Está claramente ensinado que pessoas que não
oram não são cristãos genuínos. Não basta apenas participar nas orações da
igreja, aos domingos, ou freqüéntar os cultos de oração durante a semana, na
igreja ou em família, É preciso haver também a oração particular, a sós com
Deus. Sem isso, podemos até estar arrolados como membros de alguma
igreja cristã, mas não somos membros vivos de Cristo.
Entretanto, quais são as normas deixadas para nossa orientação a
respeito de esmolas e oração? As regras são poucas e simples, mas contêm
muito material para a nossa meditação.
Ao dar esmolas, tudo quanto seja ostentação deveria ser abominado e
evitado. Não devemos dar como se desejássemos que todos vissem quão
caridosos e liberais nós somos, como se quiséssemos receber os elogios de
nossos semelhantes. Tudo quanto pareça exibicionismo deve ser evitado.
Devemos dar quietamente, fazendo tanto menos ruído quanto possível a
respeito de nossa caridade. O nosso propósito deveria acompanhar o espírito
daquele versículo: “Ignore a tua mão esquerda o que faz a tua direita".
Ao orar, o nosso objetivo principal deveria ser o de estarmos a sós com
Deus. Deveríamos procurar algum lugar onde nenhum olho mortal nos
pudesse ver, para que então pudéssemos derramar o coração diante de Deus,
com o sentimento de que ninguém nos está vendo, senão Deus. Entretanto,
esta é uma regra que muitas pessoas acham difícil seguir. Para os irmãos de
condição mais humilde, e para os que trabalham para outrem, é quase
impossível estar realmente sozinhos. Porém, esta é norma que todos nós
precisamos fazer um grande esforço para
Mateus 6.1-8 37

obedecer. A necessidade, em tais casos, com freqüência é a mãe da


invenção. Quando uma pessoa tem o real desejo de encontrar um lugar
onde possa estar em secreto com Deus, geral mente acabará por encontrar
tal lugar.
Em todos os nossos deveres, seja dar ou orar, a questão fundamental
que nunca deveríamos esquecer, é que estamos tratando com um Deus que
perscruta o coração e sabe todas as coisas. Tudo quanto seja mera
formalidade, afetação ou que não provenha do coração, é abominável e sem
valor aos olhos de Deus. Ele não leva em conta a quantidade de dinheiro
com que contribuímos, ou o número de palavras que usamos. O que
realmente é importante aos olhos de Deus é a natureza dos motivos e o
estado do coração. Nosso Pai celeste “vê em secreto”.
Que todos nós lembremos destas coisas. Eis aqui uma pedra que é a
causa de naufrágio espiritual de muitas pessoas. Eles bajulam a si mesmos
com o pensamento de que tudo deve estar certo com as suas almas, se ao
menos desempenharem uma certa quantidade de deveres religiosos.
Esquecem-se de que Deus não presta atenção na quantidade, e, sim, na
qualidade do nosso serviço. O favor divino não pode ser comprado,
conforme alguns parecem supor, pela repetição formal de um certo número
de palavras, ou por justiça própria, pagando alguma quantia em dinheiro
para uma instituição de caridade. Em que temos posto o coração? Estamos
fazendo tudo, seja dar ou orar, “como ao Senhor, e não como a homens” (Ef
6.7)? Será que compreendemos o que realmente importa aos olhos do
Senhor? Será que apenas e simplesmente desejamos agradar Àquele que
“vê em secreto”, Àquele que “pesa todos os feitos na balança” (1 Sm 2.3)?
Estaremos agindo com sinceridade? Com perguntas deste tipo é que
deveríamos sondar diariamente as nossas almas.

A Oração do Pai Nosso


e o Perdão Mútuo
Leia Mateus 6.9-15

Estes versículos são poucos era número e podem ser lidos com
facilidade; no entanto, são de imensa importância. Eles contêm o ma-
ravilhoso modelo de oração com o qual o Senhor Jesus supriu o seu povo, e
que comumente é chamado de “oração do Pai Nosso”.
Talvez nenhuma outra porção das Escrituras seja tão bem conhecida
quanto esta. As suas palavras são conhecidas onde quer que exista
38 Mateus 6.9-15

o cristianismo. Milhares e milhares de pessoas, que nunca viram uma Bíblia


ou que nunca tiveram oportunidade de ouvir o evangelho puro estão
familiarizadas com o “Pai Nosso”. Quão mais feliz seria o mundo se o
espírito e o intuito desta oração fossem tão bem conhecidos quanto o são as
suas palavras!
Talvez nenhuma outra porção das Escrituras seja ao mesmo tempo
tão simples e tão completa como esta. Ela é a primeira oração que apren-
demos, quando crianças. Nisto consiste a sua simplicidade: ela contém o
princípio de tudo quanto o mais desenvolvido filho de Deus possa desejar.
Nisto consiste a sua plenitude: quanto mais ponderamos as suas palavras,
tanto mais sentimos que esta oração procede de Deus.
A oração do Pai Nosso consiste em dez partes ou sentenças. Há uma
declaração que diz respeito ao Ser a quem oramos. Há três petições
referentes ao nome de Deus, ao seu reino e à sua vontade. Há quatro
petições a respeito de nossas necessidades diárias, nossos pecados, nossas
debilidades e perigos. Há uma declaração dos nossos sentimentos a respeito
do próximo. Há uma atribuição final de louvor. Em todas estas partes da
oração somos ensinados a dizer * „nós” ou „ „nosso‟ ‟. Devemos nos
lembrar das outras pessoas, tanto quanto de nós mesmos. Um livro poderia
ser escrito a respeito de cada uma das partes dessa oração, mas, no
momento, precisamos nos contentar em observar sentença após sentença,
assinalando em que direção aponta cada uma delas.
A primeira sentença declara a quem devemos orar: “Pai nosso que
estás nos céus”. Não devemos clamar a santos ou a anjos, mas
exclusivamente ao Pai, o Pai eterno, o Pai dos espíritos, o Senhor dos céus e
da terra. Podemos chamá-Lo de Pai no sentido de que Ele é o nosso criador,
conforme fez o apóstolo Paulo, perante os atenienses: “Pois nele vivemos, e
nos movemos, e existimos... dele também somos geração” (At 17.28). Nós
também O chamamos de Pai no sentido mais elevado da Palavra, como o
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, porquanto Deus nos reconciliou consigo
mesmo por meio da morte de seu Filho, Jesus Cristo (Cl 1.20-22).
Nós professamos aquilo que os santos do Antigo Testamento, se
viam, viam-no como que por um espelho, isto é, professamos ser filhos de
Deus, mediante a fé em Cristo, e professamos ter o “espírito de adoção,
baseados no qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15). Isto é algo que jamais
devemos esquecer; se desejamos ser salvos, devemos almejar esta filiação
com Deus. Sem a fé no sangue de Jesus Cristo, e sem a nossa união com
Ele, é inútil falarmos em confiança na paternidade de Deus.
A segunda sentença consiste em uma petição concernente ao nome de
Deus: “santificado seja o teu nome”. Quando falamos no “nome”
Mateus 6.9-15 39

de Deus, entendemos todos aqueles atributos divinos através dos quais Ele
se tem revelado a nós — o seu poder, sabedoria, santidade, justiça,
misericórdia e verdade. Quando rogamos que esses atributos sejam “san-
tificados”, pedimos que eles sejam feitos conhecidos e glorificados. A
glória de Deus é a primeira coisa que os filhos de Deus deveriam almejar.
Esse foi o assunto de uma das orações do próprio Senhor Jesus: “Pai,
glorifica o teu nome” (Jo 12.28). Este é o propósito para o qual o mundo
foi criado. Esta é a finalidade pela qual os santos são chamados e
convertidos. A principal coisa que deveríamos buscar nesta vida é que “em
todas as cousas seja Deus glorificado” (1 Pe 4.11).
A terceira sentença envolve uma petição acerca do reino de Deus:
“venha o teu reino”. Por “teu reino” entendemos, primeiramente, o reino
da graça que Deus estabelece e mantém no coração de todos os membros
vivos do corpo de Cristo, por meio de seu Espírito e de sua Palavra. Mas,
principalmente, entendemos tratar-se daquele reino de glória que um dia
será estabelecido, quando o Senhor Jesus vier pela segunda vez. Então
todos conhecerão ao Senhor, “desde o menor deles até ao maior” (Hb
8.11). Nessa ocasião o pecado, a tristeza e Satanás serão expulsos do
mundo. O judeus serão convertidos e virá a plenitude dos gentios (Rm
11.25), e será o tempo mais desejável que jamais existiu. Esta petição,
portanto, tem um lugar de proeminência dentro da oração do Pai Nosso.
A quarta sentença é uma petição concernente à vontade de Deus:
faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu‟ ‟. Neste ponto, oramos
no sentido de que as leis de Deus possam ser obedecidas pelos homens tão
perfeita, pronta e incessantemente como o são pelos anjos, no céu.
Rogamos que aqueles que agora não obedecem às leis de Deus, sejam
ensinados a obedecê-las, e que aqueles que obedecem o façam ainda com
maior empenho. A nossa mais autêntica felicidade consiste em perfeita
submissão à vontade de Deus; é demonstração do mais alto amor cristão
orar no sentido de que toda a humanidade possa conhecer a vontade de
Deus, obedecê-la e submeter-se a ela.
A quinta sentença é uma petição referente às nossas próprias
necessidades diárias: “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. Somos aqui
ensinados a reconhecer a nossa inteira dependência de Deus para o
suprimento das nossas necessidades diárias. Tal como Israel precisava do
maná diariamente, assim também precisamos diariamente do nosso pão.
Nós confessamos que somos pobres, fracos, criaturas necessitadas, e
suplicamos a Deus, nosso Criador, que tome conta de nós. Pedimos pão
como a mais simples das nossas necessidades materiais; mas, nessa
palavra, incluímos todas as necessidades do nosso corpo.
A sexta sentença é uma petição a respeito dos nossos pecados:
40 Mateus 6.9-15

“perdoa-nos as nossas dívidas“. Confessamos que somos pecadores e que


precisamos receber diariamente o perdão de nossas transgressões. Esta é
uma parte da oração do Pai Nosso que merece ser especialmente
relembrada. Ela condena toda justiça-própria e auto-justificação. Somos
aqui instruídos a manter um hábito contínuo de confissão junto ao trono da
graça; e um hábito contínuo de buscar misericórdia e remissão. Que isto
jamais seja esquecido. Precisamos “lavar os pés” diariamente (Jo 13.10).
A sétima sentença é uma declaração atinente aos nossos sentimentos
para com o próximo: rogamos ao Pai que nos perdoe “as nossas dívidas
assim como nós temos perdoado aos nossos devedores”. Esta é a única
declaração de um compromisso nosso para com Deus que aparece em toda
a oração, e a única parte da oração na qual Jesus se detém para fazer um
comentário posterior. Jesus nos relembra que não devemos esperar receber
o perdão, quando oramos, se o fizermos com malícia ou rancor no coração,
para com os outros. Orar com tal atitude mental é mero formalismo e
hipocrisia. É ainda pior do que hipocrisia. E como dizer: “Não me perdoe”.
Nossa oração nada vale sem amor. Não devemos esperar ser perdoados, se
nós não conseguimos perdoar.
A oitava sentença é uma petição a respeito de nossas fraquezas: “não
nos deixes cair em tentação”. Ela nos ensina que a todo momento podemos
ser enganados e cair em transgressão. Ela nos instrui a confessar nossas
debilidades, e a buscar a Deus para nos sustentar e não nos deixar andar em
pecado. Rogamos que ele, que ordena todas as coisas no céu e na terra, não
nos deixe incorrer naquilo que é prejudicial às nossas almas, e que jamais
permita que sejamos tentados acima do que somos capazes de suportar (1
Co 10.13).
A nona sentença é uma petição acerca dos perigos que nos ameaçam:
“livra-nos do mal”. Somos aqui ensinados a pedir que Deus nos livre do
mal existente neste mundo, do mal que está dentro dos nossos próprios
corações, e, não menos importante, do maligno, que é o diabo.
Confessamos que, enquanto estamos no corpo, estamos constantemente
vendo, ouvindo e sentindo a presença do mal. Ele está do nosso lado,
dentro de nós e ao nosso redor, por todos os lados. Assim rogamos a Deus,
que é o único que pode nos preservar, para que sejamos continuamente
libertos do poder do mal (Jo 17.15).
A última sentença é uma atribuição de louvor: “teu é o reino, o poder
e a glória”. Com tais palavras, declaramos a nossa crença de que os reinos
deste mundo são legítima propriedade de nosso Pai celestial, que a Ele
pertence todo o poder, e que só Ele merece receber toda glória.
Concluímos a grande oração oferecendo ao Senhor a profissão dos nossos
corações, de que Lhe conferimos toda honra e louvor,
Mateus 6.9-15 41

e nos regozijamos no fato de que Ele é o Rei dos reis e o Senhor dos
senhores.
Agora, examinemos a nós mesmos, para saber se realmente de-
sejamos ter as coisas que somos ensinados a pedir, nesta oração. É de temer
que milhares de pessoas repitam formalmente estas palavras, dia após dia,
sem jamais considerarem o que estão dizendo. Eles não têm a menor
preocupação com a glória, o reino ou a vontade do Senhor. Não têm nenhum
senso de dependência, de pecaminosidade, de fraqueza pessoal ou de
perigo. Não têm amor nem compaixão para com os seus inimigos. E, ainda
assim, repetem a oração do Pai Nosso! As coisas não deveriam ser assim.
Que nós possamos tomar uma decisão e, com a ajuda de Deus, fazer com
que nossos lábios e nossos corações caminhem juntos! Bem-aventurado é
quem verdadeiramente pode chamar Deus de Pai celestial, por intermédio
de Jesus Cristo, seu Salvador, e que, portanto, pode sinceramente dizer
“Amém”, de todo o coração, a tudo quanto a oração do Pai Nosso contém.

A Maneira Correta de Jejuar; O Tesouro


no Céu, e Exortações
Leia Mateus 6.16-24

Nesta parte do Sermão da Montanha, nosso Senhor nos fala de três


assuntos. Estes são o jejum, o mundanismo e a importância de se ter um
propósito bem definido em se tratando de religião.
O jejum, ou a abstinência ocasional de alimentos, a fim de trazer o
corpo em sujeição ao espirito, é uma prática frequentemente mencionada na
Bíblia, e geralmente vinculada à oração. Davi jejuou quando seu filho
recém-nascido adoeceu gravemente. Daniel jejuava quando buscava uma
orientação especial da parte de Deus. Paulo e Barnabé jejuavam quando
apontavam os anciãos para as igrejas locais. Ester jejuou antes de
apresentar-se ao rei Assuero. O jejum é um assunto sobre o qual não
encontramos nenhum mandamento direto no Novo Testamento. Parece ser
deixado a critério de cada um, se vai jejuar ou não. Nisto há grande
sabedoria. Muitos homens pobres nunca têm o suficiente para comer, e seria
um insulto ordenar-lhes o jejum. Muitos enfermos têm dificuldade em se
alimentar bem, mesmo dando toda atenção à dieta, e o jejum contribuiria
para agravar ainda mais a doença. Esta é uma questão em que cada um
precisa estar persuadido em sua própria mente, e não ser precipitado em
condenar os que não concordem com ele. Somente um ponto jamais deve
ser esquecido. Quem
42 Mateus 6 16-24
.

jejua, deve fazê-lo quietamente, em segredo e sem ostentação. Deve fazê-lo


de maneira a não parecer aos homens que jejua. Que não jejue para os
homens, mas para Deus.
O mundanismo é um dos maiores perigos que ameaça a alma do ser
humano. Não é para admirar, portanto, encontrarmos nosso Senhor falando
decididamente contra isso. Trata-se de um inimigo insidioso, astuto e muito
enganador. Parece tão inocente dar atenção especial aos nossos negócios!
Parece tão inofensivo procurar a felicidade neste mundo, desde que
estejamos limpos de pecados mais visíveis! No entanto, esta é uma pedra
contra a qual muitos podem naufragar para toda a eternidade. Eles
acumulam “tesouros sobre a terra” e esquecem de ajuntar “tesouros nos
céus”. Que todos nos lembremos disto! Onde está posto o meu coração? O
que amo acima de tudo o mais? Os meus maiores afetos estão ligados às
coisas deste mundo, ou às realidades celestiais? A morte e a vida dependem
da resposta que formos capazes de dar a estas indagações. Se o nosso
tesouro está sobre a terra, nossos corações serão terrenos — “porque onde
está o teu tesouro, aí estará também o teu coração”.
Ter um propósito bem definido é um dos maiores segredos da
prosperidade espiritual. Se os nossos olhos não vêem distintamente, não
podemos caminhar sem tropeçar e cair. Se tentarmos trabalhar para dois
mestres diferentes, poderemos ter a certeza de não satisfazer nem a um nem
a outro. Acontece o mesmo a respeito de nossas almas. Não podemos servir
a Cristo e ao mundo ao mesmo tempo. Isto simplesmente não pode ser feito.
A arca da aliança e a estátua de Dagom jamais permanecerão juntas. Deus
deve ser Rei sobre os nossos corações. A Lei de Deus, a sua vontade e os
seus preceitos devem receber a nossa primeira atenção. Então, e somente
então, todas as coisas se ajustarão em seus devidos lugares em nosso
homem interior. A menos que os nossos corações estejam assim, tão bem
ordenados, tudo mais estará em confusão: “Todo o teu corpo estará em
trevas”.
Com a instrução do Senhor acerca do jejum, aprendamos a grande
importância do contentamento, em nossa religião. As palavras, “unge a
cabeça e lava o rosto”, são repletas de profundo significado. Elas deveriam
nos ensinar a ter por alvo permitir que os homens vejam que o cristianismo
nos faz estar contentes. Jamais nos esqueçamos de que não existe religião
alguma em parecermos melancólicos e tristes. Estamos insatisfeitos com
Cristo e o serviço do seu reino? Certamente que não! Então não tenhamos a
aparência de quem está insatisfeito.
Aprendamos, com base na advertência do Senhor acerca do mun-
danismo, como é grande a necessidade que todos nós temos de vigiar e orar
contra um espírito mundano, O que está fazendo a vasta maioria
Mateus 6.16-24 43

de professos “cristãos” ao nosso redor? Estão acumulando “tesouros na


terra”. Quanto a isso não há dúvida. Os seus gostos, hábitos e pro-
cedimentos nos contam uma temível história: eles não estão ajuntando
“tesouros no céu”. Oh, cuidemos, todos, de não cairmos no inferno,
somente porque damos atenção excessiva a coisas que são perfeitamente
legítimas! A transgressão notória da lei de Deus mata os seus milhares, e o
mundanismo os seus dez milhares!
Aprendamos, com base no que nosso Senhor disse acerca dos
“olhos bons”, o verdadeiro segredo das falhas que tantos cristãos parecem
cometer, em sua religião. Há fracassos por toda parte. Existem milhares de
pessoas, em nossas igrejas, que se sentem desconfortáveis, irrequietas e
insatisfeitas consigo mesmas, sem mesmo saber por quê. A razão disso está
aqui revelada: eles querem estar de bem com Deus e com o mundo. Estão
tentando agradar a Deus e aos homens, servir a Cristo e ao mundo, ao
mesmo tempo. Não incorramos nesse erro. Que nós sejamos decididos e
radicais, inflexíveis seguidores de Cristo. Que o nosso lema seja o mesmo
do apóstolo Paulo: “Uma cousa faço” (Fp 3.13). Então seremos cristãos
felizes. Sentiremos o sol brilhando sobre as nossas faces! Coração, mente e
consciência, estarão todos cheios de luz. Determinação é o segredo da
felicidade na religião cristã. Seja crente decidido, e então, “todo o teu corpo
será luminoso”.

A Proibida Preocupação Com Este Mundo


Leia Mateus 6.25-34

Estes versículos revelam o misto da sabedoria e compaixão do


Senhor Jesus Cristo em seus ensinos. Ele conhece o coração humano. Ele
sabe que todos nós estamos prontos a desconsiderar as suas advertências
contra o mundanismo, com o argumento de não poder evitar estarmos
ansiosos acerca das coisas desta vida. * „Acaso não precisamos suprir o
necessário para nossas famílias? Será que não precisamos atender às nossas
necessidades materiais? Como poderemos vencer na vida, se dermos
atenção principal às nossas almas?” O Senhor Jesus previu tais
pensamentos e nos forneceu uma resposta.
Ele nos proíbe de manter um espírito de ansiedade e solicitude quanto
às coisas deste mundo. Por quatro vezes Ele nos diz: “Não andeis
ansiosos...” com a vida, com a alimentação, com o vestuário e com o
amanha. “Não andeis ansiosos.” Não se preocupe demais; não esteja
demasiadamente aflito. É correto fazer uma provisão cautelosa para o
futuro; mas a fadiga excessiva, a preocupação desgastante, a ansiedade que
atormenta — tudo isso está errado.
44 Mateus 6.25-34

Jesus nos lembra do cuidado providencial que Deus continuamente tem


para com tudo quanto Ele criou. Ele nos deu “vida”? Então, certamente não
permitirá que coisa alguma nos falte para a manutenção dessa vida. Ele nos
deu um corpo? Então, certamente não nos deixará morrer por falta de
agasalho. Ele que nos deu o ser, sem dúvida encontrará alimentos para nos
sustentar.
Jesus mostra a inutilidade da ansiedade excessiva. A nossa vida está
inteiramente nas mãos de Deus. Nem mesmo toda a ansiedade do mundo
nos fará viver um minuto além do tempo que Deus determinou para nós.
Não morreremos enquanto a nossa obra não estiver terminada.
Ele nos manda observar as “aves do céu”, para recebermos ins-
trução. Elas não fazem qualquer provisão para o futuro: * „não semeiam,
nem colhem ...” Elas não “ajuntam em celeiros” para prevenir o futuro.
Literalmente, as aves vivem, dia após dia, daquilo que conseguem
encontrar usando o instinto que Deus lhes deu. Devemos aprender, com as
aves, que Deus jamais permitirá cair em miséria quem estiver cumprindo
seu dever, no lugar em que Deus o colocou.
Jesus também nos manda observar “os lírios do campo”. Ano após
ano, eles se adornam com as mais alegres cores, sem o menor trabalho ou
esforço. “Eles não trabalham nem fiam.” Deus, pelo seu infinito poder, os
veste de beleza sem par, a cada estação. Este mesmo Deus é o Pai de todos
os crentes. Por que deveriam duvidar de que Ele é capaz de lhes prover as
vestes necessárias, tal como o faz para os lírios do campo? Ele que toma
cuidado das flores do campo, que são passageiras, certamente não
negligenciará os corpos nos quais habitam almas imortais.
Jesus nos dá a entender que a excessiva preocupação com as coisas
deste mundo é algo extremamente indigno de um cristão. Uma grande
característica do paganismo é viver para o presente. Deixe que os pagãos
estejam ansiosos, se assim desejarem. Eles nada sabem a respeito de um Pai
celestial. Mas os cristãos, que têm um maior conhecimento e uma visão
clara da realidade, devem dar prova disso, pela sua fé e contentamento.
Quando perdemos alguém que amamos, não devemos nos entristecer
“como os demais, que não têm esperança” (1 Ts 4.13). Quando tentados
pelas ansiedades desta vida, não devemos estar por demais preocupados,
como se não tivéssemos nem Deus e nem Cristo.
Cristo nos ofereceu uma graciosa promessa, como um remédio contra
a ansiedade de espírito. Ele nos garante que, se buscarmos primeiro, e
acima de tudo, um lugar no reino de graça e glória, então todas as coisas de
que realmente precisamos nos serão dadas. Todas estas coisas vos serão
“acrescentadas”, acima e além da herança celestial. “Todas as cousas
cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”
Mateus 6.25-34 45

(Rm 8,28). “O Senhor dá graça e glória; nenhum bem sonega aos que
andam retamente” (Sí 84.11).
Por fim, Jesus sela a sua instrução sobre este assunto com uma das
mais sábias afirmações: "o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu
próprio mal”. Não devemos carregar preocupações antes do tempo próprio.
Devemos atender às ocupações do dia de hoje e deixar as preocupações do
amanhã para quando raiar o novo dia. Podemos morrer antes do amanhecer!
A única coisa de que podemos ter certeza é que, se o dia de amanhã nos
trouxer uma cruz, Aquele que a envia pode, e irá, nos enviar a graça
necessária para carregá-la.
Em toda essa passagem existe um tesouro de lições de ouro. Pro-
curemos usá-las na nossa vida diária. Que não apenas leiamos essas lições,
mas que as ponhamos em prática. Vigiemos e oremos contra um espírito
ansioso e excessivamente preocupado. Isto afeta profundamente a nossa
felicidade. Metade das nossas misérias são causadas pela ilusão de coisas
que nós pensamos estarem vindo sobre nós. Metade das coisas que
imaginamos estarem vindo sobre nós, na verdade jamais acontecem. Onde
está a nossa fé? Onde está a confiança que temos nas palavras de nosso
Salvador? Lendo estes versículos bem podemos nos envergonhar de nós
mesmos, para então examinarmos os nossos corações. Contudo, podemos
ter certeza de que as palavras de Davi expressam uma grande verdade: „„Fui
moço, e já, agora, sou velho, porém jamais vi o justo desamparado, nem a
sua descendência a mendigar o pão” (SI 37.25).

A Censura é Proibida;
À Oração é Encorajada
Leia Mateus 7.1-12

A primeira parte destes versículos é uma das passagens bíblicas que


precisamos ter o cuidado de não forçar para além do seu devido significado.
Esta parte é freqüentemente corrompida e aplicada de modo errôneo pelos
inimigos da verdadeira religião. É possível pressionar de tal maneira as
palavras da Bíblia que elas acabam produzindo não o remédio espiritual, e,
sim, veneno.
Nosso Senhor não intencionava de modo algum dizer que é errado
proferir um juízo desfavorável sobre a conduta e a opinião de outras
pessoas. Precisamos ter opiniões bem formadas e decididas. Devemos
julgar todas as cousas” (1 Ts 5.21), Devemos provar „„os espíritos” (1 Jo
4.1). Nem, tampouco, Cristo quis dizer que seja errado reprovar
46 Mateus 7.1-12

os pecados e as faltas de outras pessoas, enquanto nós mesmos não te-


nhamos atingido a perfeição e não estejamos destituídos de falta. Tal
interpretação seria uma contradição a outras passagens da Escritura. Isso
tomaria impossível condenar o erro e as falsas doutrinas. Seria um
impedimento para qualquer um que desejasse ser ministro do evangelho ou
juiz. A terra estaria nas mãos dos perversos (Jó 9.24). As heresias se
espalhariam. Os malfeitores se multiplicariam por toda a parte.
O que nosso Senhor condena é um espírito crítico que em tudo
encontra alguma falta. A prontidão em condenar as pessoas por causa de
pequenas coisas ou questões de pouca importância, o hábito de fazer
julgamentos duros e precipitados, a disposição em exagerar os erros e
fraquezas do próximo, e de sempre pensar o pior — isso tudo nosso Senhor
nos proíbe. Essas coisas eram comuns entre os fariseus, e continuam sendo
comuns desde aquela época, até hoje. Todos precisamos vigiar para não
cairmos em tal erro. O amor “tudo crê, tudo espera” das outras pessoas, e
nós deveríamos ser muito vagarosos em procurar defeitos no nosso
próximo. Esse é o verdadeiro amor cristão (1 Co 13).
A segunda lição contida nesta passagem é a importância de se ter
discrição quanto à pessoa com quem falamos sobre os assuntos de religião.
Tudo é maravilhoso no seu devido tempo e lugar. Nosso zelo deve ser
temperado por uma prudente consideração acerca da ocasião, do lugar e
das pessoas a quem nos dirigimos. Salomão disse: “Não repreendas o
escarnecedor, para que te não aborreça” (Pv 9.8). Não é sábio abrir o
coração com todo mundo, a respeito das coisas espirituais. Há muitos que
por causa de um temperamento violento, ou de hábitos abertamente
pervertidos, são totalmente incapazes de dar valor às verdades do
evangelho. Podem mesmo explodir de ira e cair em maiores pecados, se
você tentar fazer bem às suas almas. Mencionar o nome de Cristo a tais
pessoas é como lançar pérolas aos porcos. Isso não lhes faz bem, e, sim,
mal. A tentativa só fará despertar nessas pessoas toda a sua corrupção, e as
deixa furiosas. Em suma, eles são como os judeus de Corinto (At 18.6), ou
como Nabal, acerca de quem ficou registrado: “ele é filho de Belial, e não
há quem lhe possa talar” (1 Sm 25.17).
Esta é uma lição particularmente difícil de se usar de maneira
adequada. É preciso muita sabedoria para aplicá-la corretamente. A ma-
ioria de nós inclina-se muito mais a errar por excesso de cautela do que por
excesso de entusiasmo. Geralmente tendemos muito mais por lembrar “o
tempo de estar calado” do que “o tempo de falar”. Não obstante, esta é uma
lição que deveria despertar em nós um espírito de auto-inquirição. Acaso,
nós mesmos, às vezes, não desencorajamos os nossos amigos quando eles
tentam nos dar bons conselhos, pela nossa
Mateus 7.1-12 47

morosidade ou irritabilidade de temperamento? Nunca obrigamos outras


pessoas a se manterem em silêncio e a nada dizerem, por causa do nosso
orgulho ou impaciente desprezo pelos conselhos que recebemos? Será que
nunca nos voltamos contra os nossos gentis conselheiros, e os silenciamos
pela nossa violência e ira? Infelizmente, com razão podemos temer que
nós também temos errado quanto a essa questão!
A última lição contida nesta passagem é o dever de orar, e os ricos
encorajamentos à oração. Existe uma maravilhosa conexão entre esta lição
e aquela que lhe antecede. Queremos saber quando estar em silêncio‟ ‟ e
quando “falar”? quando devemos apresentar as coisas “santas” e quando
expor as nossas “pérolas”? Então devemos orar. Este é um assunto ao qual
o Senhor Jesus evidentemente atribui grande importância. A linguagem
que Ele usa é uma prova clara. Ele emprega três vocábulos diferentes para
exprimir a idéia de oração: “Pedi... buscai... batei... ‟ Jesus reserva as
maiores e mais ricas promessas para os que oram. “Pois todo o que pede,
recebe.” Ele ilustra a disposição de Deus em ouvir as nossas orações,
mediante um argumento extraído da prática corriqueira dos pais para com
seus filhos. Ainda que os pais sejam maus e egoístas por natureza, não
negligenciam as necessidades de seus filhos segundo a carne. Muito mais
um Deus de amor e misericórdia atenderá aos clamores daqueles que são
seus filhos, mediante a graça.
Devemos dar atenção especial a estas palavras de nosso Senhor a
respeito da oração. Bem poucos dos seus ensinamentos, talvez, sejam tão
bem conhecidos e tão frequentemente repetidos quanto estes. Mesmo os
mais pobres e ignorantes sao capazes de dizer que “quem procura, acha .
Mas, de que adianta saber estas cousas, se não fazemos uso delas? O
conhecimento não aprimorado e não bem empregado, servirá apenas para
agravar a nossa condenação no dia do juízo.
Será que sabemos como pedir, buscar e bater? Por que razão não
saberíamos? Nada existe tão simples e claro quanto a oração, se o homem
realmente tem o desejo de orar. Mas, infelizmente, não existe nada que os
homens menos se disponham a fazer. Eles fazem uso de muitas formas de
religiosidade, cumprem muitas ordenanças e fazem muitas coisas que
estão certas, mas não estão dispostos a orar. Todavia, sem oração,
nenhuma alma jamais se salvará.
Será que realmente oramos? Em caso contrário, quando chegarmos
na presença de Deus, ficaremos sem desculpa, a menos que nos
arrependamos em tempo. Não seremos condenados por não fazer aquilo
que não poderíamos ter feito, ou por não saber aquilo que não poderíamos
ter conhecido. Entretanto, descobriremos que uma das principais razões
porque estamos perdidos é porque nunca pedimos para ser salvos.
48 Mateus 7.1-12

Será que de fato oramos? Então oremos ainda mais, sem nunca
desanimar. Orar nunca é trabalho perdido, nem em vão. Haverá um dia de
produzir fruto, mesmo que se passe muito tempo. Esta palavra de Jesus
nunca falhou: “Pois todo o que pede, recebe”.

A Regra de Dever Para Com o Próximo;


As Duas Portas;
Advertências Contra os Falsos Profetas
Leia Mateus 7.13-20

Neste segmento do Sermão da Montanha, nosso Senhor direciona o


seu discurso para uma conclusão. As lições que Ele aqui enfatiza são
gerais, amplas e repletas da mais profunda sabedoria. Observemos tais
lições, uma por uma.
Jesus lançou um princípio geral para nossa orientação, para todas as
questões duvidosas que surgem entre uma pessoa e outra. Devemos fazer
aos outros conforme desejamos que eles nos façam. Não devemos tratar as
outras pessoas à maneira como elas nos tratam. Isto é mero egoísmo e
paganismo. Devemos tratar com as outras pessoas conforme gostaríamos
que elas tratassem conosco. O verdadeiro cristianismo é isso.
Esta de fato é uma regra de ouro! Ela não somente nos proíbe toda
malícia e vingança, todo exagero e falsidade; ela vai muito além, e resolve
uma centena de pontos difíceis que surgem continuamente entre um
homem e seu próximo, num mundo como este. Ela toma desnecessário
estabelecer uma série interminável de pequenas regras para nossa conduta
quanto a casos específicos. Ela abrange todos os possíveis argumentos com
um único e poderoso princípio. Mostra-nos um padrão bem equilibrado e
uma medida pela qual todos podemos perceber, de imediato, o nosso dever.
Existe algo que não gostaríamos que alguém fizesse contra nós? Então,
jamais nos esqueçamos de que é exatamente isso que não devemos fazer às
outras pessoas. Haverá alguma coisa que gostaríamos que outras pessoas
fizessem por nós? Então é precisamente isso que devemos fazer em favor
de outras pessoas. Quantas questões intrincadas seriam decididas
prontamente, se esta regra fosse honestamente praticada!
Em segundo lugar, nosso Senhor nos dá uma advertência geral contra
a maneira como muitos agem quanto à religião. Não podemos ficar satisfeitos
em seguir a moda e nadar na corrente daqueles entre os quais vivemos.
Jesus nos diz que o caminho que conduz à vida eterna é apertado, e poucos
são os que por ele caminham. Ele nos diz que
Mateus 7.13-20 49

o caminho que conduz à perdição é espaçoso e está repleto de viajantes. São


muitos os que entram peio caminho largo.
Estas são verdades terríveis! Elas deveriam suscitar, em todos os
que as ouvem, um profundo auto-exame no coração. "Em que caminho
estou seguindo? Em qual estrada estou viajando?" Todos nós seguimos por
um ou outro desses dois caminhos. Que Deus nos dê um espírito honesto e
inquisitivo, e nos mostre o que realmente somos!
Deveríamos estar preocupados e temerosos se a nossa religião é a
mesma das multidões. Se o que de melhor poderíamos afirmar é que nós
„„vamos onde outros estão indo, freqüentamos a mesma igreja e esperamos
que, no final, seremos tão bem sucedidos quanto os outros", estaremos
literalmente pronunciando a nossa própria condenação. O que isto significa
senão que estamos seguindo pelo caminho largo? O que significa isso,
senão que estamos seguindo no' 'caminho que conduz para a perdição"?
Nessa altura, a nossa religião não é a religião que salva.
Não temos motivo algum para nos sentirmos desencorajados e
abatidos, se a religião que professamos não é popular, e se poucos con-
cordam conosco. Devemos lembrar as palavras de nosso Senhor Jesus
Cristo, nesta passagem: "estreita é a porta". O arrependimento, a fé em
Cristo e a santidade na vida nunca estiveram na moda. O verdadeiro rebanho
de Cristo sempre tem sido pequeno. Não devemos estranhar se descobrimos
que somos reputados como pessoas estranhas, esquisitas, fanáticas e de
mente estreita. Este é o "caminho apertado". Certamente é melhor alguém
entrar na vida eterna na companhia de uns poucos do que ir para a perdição
em companhia de muitos.
Em último lugar, o Senhor Jesus nos dá uma advertência geral contra
os falsos mestres na igreja. Devemos nos acautelar dos falsos profetas. A
conexão entre esta passagem e a anterior é impressionante. Queremos ficar
bem longe do "caminho largo”? Então, devemos estar precavidos contra
falsos profetas, pois haverão de surgir. Eles começaram a aparecer já nos
dias dos apóstolos. Desde aquele tempo as sementes do erro têm sido
lançadas. Desde então, eles tem aparecido continuamente. Precisamos estar
preparados contra eles, mantendo-nos sempre em guarda.
Esta é uma advertência de que muito precisamos. Há milhares de
pessoas que parecem estar sempre prontas a crer em qualquer coisa que
ouvirem, desde que venha dos lábios de alguém que tenha o título de
ministro religioso. Esquecem-se que um clérigo pode errar, tanto quanto ura
leigo. Eles não são infalíveis. O que eles ensinam precisa ser confrontado
com os ensinamentos das Sagradas Escrituras. Só devemos seguir tais
ministros, e crer no que ensinam enquanto as doutrinas
50 Mateus 7.13-20

por eles ensinadas concordarem com a Bíblia, e nem um minuto a mais.


Devemos fazer prova deles, pelos “seus frutos”. Sã doutrina e vida santa
são sinais característicos dos verdadeiros profetas. Lembremo- -nos disto.
Os erros dos nossos ministros não justificam os nossos próprios erros. “Se
um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco” (Mt 15.14).
Qual a melhor salvaguarda contra falsos ensinamentos? Sem sombra
de dúvida, a resposta é o estudo regular da Palavra de Deus, sempre
acompanhado de uma oração que rogue a iluminação do Espírito Santo. A
Bíblia foi-nos outorgada para ser uma lâmpada para os nossos pés e luz para
os nossos caminhos (SI 119.105). Deus não permitirá que quem a ler
corretamente caia em algum erro irremediável. A negligência para com a
Bíblia é que faz tantas pessoas se tornarem presas fáceis do primeiro falso
mestre que aparecer. Tais pessoas querem nos fazer acreditar que não são
“estudados”, e nem têm a “pretensão” de terem opiniões bem formadas. A
verdade é que são preguiçosos, negligenciam a leitura da Bíblia, e não
querem ter o trabalho de pensar por si mesmos. Não existe nada que forneça
tantos seguidores para os falsos profetas do que a preguiça espiritual,
disfarçada sob uma capa de humildade.
Que todos nós possamos sempre ter em mente a advertência do
Senhor! O mundo, o diabo e a carne não são os únicos perigos no caminho
do cristão. Há ainda um outro: o “falso profeta”, o lobo disfarçado em pele
de ovelha. Feliz é quem estuda a Bíblia e ora, e sabe a diferença entre a
verdade e o engodo, na religião! Existe uma diferença, e nós deveríamos
reconhecê-la muito bem, fazendo uso do conhecimento que nos foi
outorgado.

Á Inutilidade da Profissão Religiosa Sem a


Prática; Os Dois Construtores
Leia Mateus 7.21-29

O Senhor Jesus encerra o Sermão da Montanha com uma aplicação


penetrante. A sua admoestação abrange desde os falsos profetas até os
“professos” cristãos, desde falsos mestres até ouvintes negligentes. Eis aqui
uma palavra para todos. Que nós possamos aplicá-la aos nossos próprios
corações!
A primeira lição aqui, é a inutilidade de uma profissão meramente
externa do cristianismo. Nem todos os que dizem “Senhor, Senhor” entrarão
no reino dos céus. Nem todos os que professam o cristinianismo, ou se
dizem cristãos, serão salvos.
Mateus 7.21-29 51

Prestemos atenção a este fato: para salvar uma alma é preciso muito
mais do que a maioria das pessoas parece julgar necessário. Podemos até
ter sido batizados em nome de Cristo, e nos orgulbar presunçosamente em
nossos privilégios eclesiásticos. Podemos ser donos de grande
conhecimento intelectual, e estar bem satisfeitos com a nossa condição.
Podemos até mesmo ser pregadores e mestres sobre outrem, e fazer 'muitas
obras maravilhosas” em conexão com a igreja a que pertencemos. Mas,
durante todo esse tempo, temos praticado a vontade do Pai celeste? Temos
verdadeiramente nos arrependido? Temos realmente confiado em Cristo e
vivido vidas santas e humildes? Se assim não for, a despeito de todos os
nossos privilégios, e do nosso professo cristianismo, perderemos o céu
afinal, e seremos rejeitados para todo o sempre. Ouviremos aquelas
terríveis palavras: “Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que
praticais a iniqüidade”.
O dia do juízo final haverá de revelar coisas muito estranhas. As
esperanças de muitos dos que foram considerados grandes cristãos, quando
em vida, serão totalmente vãs. A corrupção de sua religião será
desmascarada e lançada ao opróbrio, perante os olhos do mundo inteiro. E
então ficará provado que, para ser salvo, é necessário muito mais do que
apenas “uma profissão de fé”. Devemos praticar o nosso cristianismo,
tanto quanto professá-lo. Que nós com frequência nos lembremos desse
grande dia do juízo, e nos julguemos a nós mesmos, para não sermos
julgados e condenados (1 Co 11.31) pelo Senhor. Sem importar o que mais
sejamos, que o nosso alvo consista em sermos reais, verdadeiros e
sinceros.
A segunda lição, nesta passagem, é um impressionante quadro das
duas classes de ouvintes — os que ouvem, mas não praticam; e os que não
apenas ouvem, mas põem em prática o que ouvem, com os seus respectivos
destinos traçados até o fim.
Quem ouve o ensino cristão e põe em prática o que ouve, é como o
“homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha”. Ele não se
contenta em apenas ouvir exortações ao arrependimento, exortações a
confiar em Cristo e a viver uma vida santa. Ele de fato se arrepende. Ele
realmente crê. Ele realmente abandona a prática do mal, aprende a fazer o
bem, abomina tudo que é pecaminoso e apega-se ao que é bom. Ele não só
é um ouvinte, mas também é um praticante (Tg 1.22).
E qual é o resultado de tudo isso? Em tempos de provação, a sua
religião não o desampara. Os dilúvios de enfermidade, tristeza, pobreza,
desapontamento e desolações desabam sobre ele, mas em vão. A sua alma
permanece inabalável. A sua fé não cede terreno. Nunca é destituída de
conforto. A sua religião talvez lhe tenha custado tribulações, em tempos
passados. Os seus alicerces podem ter sido obtidos
52 Mateus 7.21-29

com muito esforço e lágrimas. Para descobrir o seu interesse pessoal na


pessoa de Cristo, talvez ele tenha passado muitos dias de buscas in-
cessantes, muitas horas de luta em oração. Porém, os seus labores não
foram em vão. Agora ele colhe uma rica recompensa. A religião verdadeira
é aquela que é capaz de resistir à provação.
O homem que ouve o ensino cristão, mas nunca passa da mera fase
do ouvir, assemelha-se a “um homem insensato, que edificou a sua casa
sobre a areia”. Contenta-se unicamente em ouvir e aprovar; porém, não vai
além disso. Por ter alguns sentimentos, convicções e desejos^ de natureza
espiritual ele imagina que vai tudo bem com sua alma. E nessas coisas que
ele confia. Ele nunca rompe, de fato, com o pecado ou põe de lado o
espírito mundano. Ele, na verdade, nunca se apropria de Cristo. Nunca
toma realmente a sua cruz. É ouvinte da verdade, mas nada mais.
E qual é o fim da religiosidade desse homem? Ela é demolida
inteiramente, sob a primeira torrente de tribulações. Na hora de maior
necessidade, a sua religião o desampara completamente, como uma fonte
que seca durante o verão. Ela o deixa em seco, como um barco naufragado
sobre um banco de areia — um escândalo para a igreja, uma zombaria na
boca do incrédulo e uma miséria para si mesmo. A grande verdade é que, o
que custa pouco, vale pouco! Uma religião que nada nos custa, e que não
consista em outra coisa, senão em ouvir sermões, sempre provará ser uma
atividade inútil, por fim.
E assim que termina o Sermão do Monte. Jamais se tinha pregado
um sermão como este anteriormente. Talvez jamais se pregou outro igual
desde então. Cuidemos para que ele tenha uma influência duradoura e
permanente sobre nossa alma. Ele foi dirigido tanto a nós como àqueles
que primeiro o ouviram. Nós somos os que terão de prestar contas pelas
lições deste sermão, lições que nos sondam o coração. O que pensamos a
respeito destas lições não é questão de pouca importância. A palavra que
Jesus tem proferido, essa mesma palavra nos julgará no último dia (Jo
12.48).

Curas de Lepra, de Paralisia e de Febre


Leia Mateus 8.1-15

No oitavo capítulo do evangelho de Mateus são descritos nada


menos do que cinco milagres efetuados por nosso Senhor. Nisto há uma
maravilhosa concordância. Convinha que o maior sermão jamais pregado,
fosse imediatamente seguido por uma forte prova de que o pregador
Mateus 8.1-15 53

era o Filho de Deus. Aqueles que ouviram o Sermão do Monte foram


forçados a confessar que, assim como „ „jamais alguém falou como este
homem , assim, também, ninguém jamais fez tais prodígios.
Nos versículos que acabamos de ler encontramos três grandes
milagres. Um leproso é curado com um toque da mão de Jesus. Um
paralítico é curado por uma palavra. E uma mulher, doente com febre,
recebe de volta, em um instante, a saúde e o vigor. Em face destes três
milagres, podemos perceber três notáveis lições. Examinemos estas lições,
guardando-as no coração.
Antes de tudo, aprendamos quão grande é o poder de nosso Senhor
Jesus Cristo. A lepra é uma das mais temíveis entre as enfermidades que
podem afetar o corpo de uma pessoa. O portador dessa doença
assemelhava-se a um morto-vivo. Era uma doença que os médicos con-
sideravam incurável (2 Rs 5.7). Mesmo assim, Jesus disse: “Fica limpo! E
imediatamente ele ficou limpo da sua lepra“. Curar uma pessoa da paralisia,
sem ao menos tê-la visto, apenas dizendo uma palavra, é fazer algo que as
nossas mentes nem mesmo podem conceber. Ainda assim, Jesus ordenou, e
a cura se deu imediatamente. Dar a uma mulher acamada pela febre, não
apenas o alívio da febre, mas, também, o imediato restabelecimento de suas
forças para trabalhar, é algo que ultrapassa as habilidades de qualquer
médico. No entanto, Jesus “tomou pela mão“ a sogra de Pedro e a febre a
deixou“. “Ela se levantou e passou a servi-lo.“ Estas são obras de quem é
todo-poderoso. Não há como escapar à conclusão lógica: “Isto é o dedo de
Deus“ (Êx 8.19).
Encontramos aqui uma base bem ampla para a fé cristã! No evan-
gelho somos instruídos a vir a Jesus, a confiar nBIe, a viver a vida de fé em
Jesus. Somos encorajados a depender de Jesus, a lançar sobre Ele todos os
nossos cuidados, a apoiar nEle todo o peso de nossas almas. Podemos
fazê-lo sem qualquer dúvida ou temor. Jesus pode suportar tudo. Ele é uma
rocha inabalável. Ele é o Todo-poderoso. Um antigo santo do Senhor
declarou: “A minha fé pode repousar com segurança sobre nenhum outro
apoio, senão a onipotência de Cristo“. Ele pode dar vida aos mortos, poder
aos fracos e multiplicar “as forças ao que não tem nenhum vigor“ (Is 40.29).
Confiemos nEle e não toleremos qualquer receio. O mundo está repleto de
armadilhas. Nossos corações são fracos, mas com Jesus nada é impossível.
Ademais, aprendamos quão misericordioso e compassivo é nosso
Senhor Jesus Cristo. As circunstâncias dos três casos que ora consideramos
eram todas diferentes. Ele ouviu a triste petição do leproso: “Senhor, se
quiseres, podes purificar-me”. Falaram-Lhe do servo do centurião, mas
Jesus nunca o viu pessoalmente. Ele viu a sogra de Pedro acamada e
ardendo em febre“, porém, não lemos que ela tenha
54 Mateus 8J-J5

dito uma única palavra. Não obstante, em cada caso o coração de nosso
Senhor Jesus Cristo mostra-se o mesmo. Ele prontamente demonstrou
misericórdia e a disposição de curar. Cada uma dessas pessoas recebeu a
sua tema compaixão, e cada uma recebeu a cura efetiva.
Eis aqui um outro fortíssimo fundamento para a nossa fé! O nosso
grande Sumo Sacerdote é extremamente gracioso. Ele pode
“compadecer-se das nossas fraquezas” (Hb 4.15). Ele jamais se cansa de
nos fazer o bem. Ele sabe que nós somos um povo fraco e débil, em meio a
um mundo atribulado e cansado. Ele está tão pronto a ser
paciente conosco e a nos ajudar, como estava a 2000 anos atrás. Hoje
continua sendo uma verdade, tanto quanto nos tempos antigos, que Ele “a
ninguém despreza” (Jó 36.5). Nenhum coração pode sensibilizar-se
tanto por nós quanto o coração de Cristo.
Em último lugar, aprendamos quão preciosa é a graça divina da fé.
Pouco sabemos a respeito do centurião descrito nestes versículos. O nome
dele, sua nacionalidade, sua história passada, nada disso nos é informado.
Entretanto, sabemos de uma coisa — que ele creu era Jesus. Declarou ele:
“Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas apenas manda
com uma palavra, e o meu rapaz será curado”. Lembremo-nos de que ele
creu, enquanto os escribas e os fariseus eram incrédulos. Embora nascido
gentio, ele creu, enquanto o povo de Israel estava espiritualmente cego. A
respeito dele, nosso Senhor proferiu uma palavra de elogio que tem sido
lida por todo o mundo, desde aqueles dias até hoje: “Nem mesmo em Israel
achei fé como esta”.
Apeguemo-nos com firmeza a esta lição. Eia merece ser relem-
brada. Crer no poder de Cristo e na sua boa vontade em ajudar, e fazer uso
prático dessa nossa crença, é um dom raro e precioso. Devemos sempre
estar agradecidos por termos este dom. Estarmos dispostos a vir a Jesus não
tendo outra esperança, e reconhecendo a nossa condição de pecadores
perdidos, e entregar as nossas almas às mãos dEle, é um grande privilégio.
Que nós sempre demos graças ao Senhor se temos essa disposição, pois é
um dom de Deus. Essa fé é melhor do que todos os demais dons ou
conhecimentos neste mundo. Muitos humildes pagãos
agora convertidos, que de nada sabem senão da doença do pecado na alma,
mas que confiam em Jesus, haverão de assentar-se no céu, enquanto que
muitos doutores em teologia serão rejeitados para sempre.
Verdadeiramente abençoados são os que creemI
O que cada um de nós sabe a respeito dessa fé? Esta é uma grande
questão. O nosso conhecimento pode ser pequeno; mas, será que realmente
cremos? Nossas oportunidades para contribuir e trabalhar pela causa de
Cristo podem ser poucas; mas, cremos? Talvez não possamos pregar, nem
escrever um livro, e nem mesmo argumentar em favor do
Mateus 8.1-15 55

evangelho; mas, cremos? Que jamais descansemos enquanto não pu-


dermos responder afirmativamente a essa pergunta! A fé em Jesus Cristo,
para os filhos deste mundo, parece ser algo tão simples e insignificante.
Eles não vêem na fé nada de grande ou importante. Entretanto, a fé em
Cristo é preciosíssima aos olhos de Deus, e tal como tudo que é precioso, é
rara. É pela fé que vive o cristão verdadeiro. Ele permanece na fé. É pela fé
que o cristão vence o mundo. Sem essa fé, ninguém pode ser salvo.

Cristo e os Professos Cristãos;


À Tempestade Acalmada
Leia Mateus 8.16-27

Na primeira parte destes versículos, encontramos um notável


exemplo da sabedoria de nosso Senhor ao tratar com os que manifestam a
disposição de se tomarem seus discípulos. Este trecho lança tanta luz sobre
um assunto freqüentemente mal compreendido em nossos dias, que
merece consideração especial.
Um certo escriba ofereceu-se para seguir nosso Senhor por onde
quer que Ele fosse. E uma proposta admirável, quando consideramos a
classe social que aquele homem pertencia e a ocasião em que foi proferida.
Mas, a proposição recebe uma resposta igualmente admirável, que não foi
diretamente aceita, embora também não fosse manifestamente rejeitada.
Nosso Senhor tao somente faz uma réplica solene: “as raposas têm seus
covis e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde
reclinar a cabeça”.
Um outro discípulo de nosso Senhor se apresenta em seguida,
pedindo que lhe fosse permitido sepultar o pai, antes de assumir total-
mente os deveres de discípulo. A primeira vista, tal pedido parece natural e
legítimo. Entretanto, a resposta dos lábios de nosso Senhor não foi menos
solene do que a primeira: „„Segue-me, e deixa aos mortos o sepultar os
seus próprios mortos”.
Há algo de profundamente impressionante em ambas as respostas,
Elas deveriam ser devidamente consideradas por todos os que se
professam cristãos. O ensinamento é bem claro: as pessoas que mani-
festam o desejo de vir a frente, e se professam verdadeiros discípulos de
Cristo, deveriam ser claramente advertidas a “calcular o custo” antes de
começarem. Será que estão preparados para suportar as dificuldades?
Estão prontos a carregar a cruz? Se assim não é , tais pessoas ainda não
estão aptas para começar. As respostas de Jesus nos ensinam
56 Mateus 8.16-27

claramente que há ocasiões em que o cristão precisa Hteralmente desistir


de tudo por amor a Cristo e, se necessário, mesmo deveres tão importantes,
como o sepultamento de pai ou mãe, devem ser deixados ao encargo de
outras pessoas. Sempre haverá quem esteja pronto a comparecer em nosso
lugar; mas tais deveres em tempo nenhum podem ser comparados ao dever
maior, que é o de pregar o evangelho e trabalhar pela causa de Cristo no
mundo.
Seria bom se estas palavras fossem mais constantemente relem-
bradas nas igrejas. Bem podemos temer que esta lição esteja sendo por
demais negligenciada pelos ministros do evangelho, e que muitas pessoas
estejam sendo admitidas à plena comunhão na igreja, sem jamais serem
advertidas a “calcular o custo”. De fato, nada tem feito maior dano ao
cristianismo do que a prática de encher as fileiras do exército de Cristo
com qualquer voluntário que esteja disposto a fazer uma pequena
profissão de fé, e que possa falar fiuentemente de sua experiência
religiosa. Infelizmente se tem esquecido que os números apenas não
significam poder. Pode haver uma grande quantidade de mera religio-
sidade externa, enquanto há muito pouco da verdadeira graça. Nunca nos
esqueçamos disto. Cuidemos para nada esconder aos recém- -convertidos
e às pessoas que agora estão começando a buscar a Deus. Não deixemos
que se enganem com falsas expectativas. Podemos dizer- -lhe que
receberão uma coroa de glória no fim, mas que nós também digamos, não
menos claramente, que existe uma cruz para ser carregada dia após dia.
Na última parte destes versículos, aprendemos que a fé salvadora
com freqtiência está permeada de multa fraqueza e instabilidade. Esta é uma
lição que nos deixa humilhados, mas que é deveras salutar.
O texto nos apresenta Jesus e os discípulos atravessando o mar da
Galiléia em uma embarcação. Surge uma tempestade, e o barco está em
perigo de se encher de água pela violência das ondas. Enquanto isso, nosso
Senhor está dormindo. Os discípulos atemorizados acordam Jesus e
clamam por socorro. Ele atende ao pedido e faz acalmar as águas com uma
palavra, de modo que "fez-se grande bonança”. Ao mesmo tempo, Ele
gentilmente censura a ansiedade de seus discípulos: “Por que sois tímidos,
homens de pequena fé?”
Temos aqui um retrato muito nítido do coração de milhares de
crentes! Há tantos que, mesmo possuindo suficiente fé e amor para aban-
donar tudo por causa de Cristo, e segui-Lo para onde quer que vá, ainda
assim, estão cheios de temores na hora da provação! Quantos têm graça
suficiente para se voltarem a Jesus em cada dificuldade, clamando:4 „Se-
nhor, salva-nos”, e ainda não têm graça suficiente para ficarem quietos na
hora difícil e confiarem que tudo está bem? Verdadeiramente, o crente
Mateus 8.16-27 57

tem razão de estar sempre cingido de humildade (1 Pe 5.5).


Que a oração: “Senhor, aumenta-nos a fé”, sempre faça parte das
nossas petições diárias. Talvez nunca conheceremos a fraqueza da nossa fé,
enquanto não formos postos na fornalha da tribulação e da ansiedade.
Felizes os que descobrem, por experiência, que a sua fé é capaz de resistir ao
fogo, e que podem, como Jó, dizer:“Ainda que ele me mate, nele esperarei”
(Jó 13.15).
Temos grandes razões para agradecer a Deus por Jesus, o nosso
grande Sumo Sacerdote, pois Ele é muito compassivo e temo de coração.
Ele conhece a nossa estrutura. Ele leva em conta as nossas enfermidades.
Ele não lança fora o seu povo por causa de defeitos. Ele se compadece
mesmo dos que repreende. A oração, mesmo de “pequena fé”, é ouvida e
obtém resposta.

Expulsão de Demônios na Terra dos Gadarenos


Leia Mateus 8.28-34

O assunto destes sete versículos é profundo e misterioso. A expulsão


do demônio é aqui descrita com especial abundância de detalhes. Esta é uma
das passagens que lançam uma forte luz sobre um assunto difícil e obscuro.
Vamos deixar bem estabelecido em nossa mente que o diabo existe.
Esta é uma terrível verdade, mas que é muito desconsiderada. Existe um
espírito invisível sempre próximo a nós, poderoso e cheio de malícia
interminável contra as nossas almas. Desde o princípio da criação ele tem-se
esforçado por prejudicar o homem. Até que o Senhor Jesus venha pela
segunda vez e o prenda, o diabo jamais cessará de tentar e fazer dano. Nos
dias em que nosso Senhor estava sobre a terra, é evidente que o diabo tinha
um poder peculiar sobre os corpos de certos homens e mulheres, como
também sobre suas almas. Mesmo em nossos dias existe mais dessa
possessão demoníaca corporal do que alguns

supõem existir, embora em um grau evidentemente menor do que quando


Cristo veio na carne. Porém, nunca nos deveríamos esquecer que o diabo
está sempre bem perto de nós em espírito, e sempre pronto a nos assaltar o
coração com tentações.
Em seguida, que nós nos conscientizemos de que o poder do diabo é
limitado. Embora ele seja tão poderoso, existe Alguém ainda mais poderoso.
Embora seja tão perspicaz e tão determinado em seu intuito de prejudicar a
humanidade, ele só pode agir com permissão. Estes mesmos versículos nos
mostram que os espíritos malignos só podem ir de
58 Mateus 8.28-34

um lugar para outro e causar destruição até ao tempo que lhes foi permitido
pelo Senhor dos Senhores: “Viestes aqui atormentar-nos antes do tempo?”,
eles disseram. Mesmo a petição que fizeram a Jesus nos mostra que eles não
podiam causar dano nem mesmo aos porcos, a menos que Jesus, o Filho de
Deus, lhes desse permissão. * „Manda-nos para a manada dos porcos”, eles
disseram.
Assim, deixemos firmemente estabelecido em nossas mentes que
nosso Senhor Jesus Cristo é o grande Libertador do homem do poder do diabo.
Ele não somente pode “remir-nos de toda iniqüidade”, mas também deste
“presente mundo mau” e do diabo. Desde a muito foi profetizado que Ele
haveria de esmagar a cabeça da serpente. Jesus começou a esmagar a cabeça
da serpente quando nasceu da virgem Maria. Ele triunfou sobre a cabeça da
serpente quando morreu na cruz. Ele mostrou o seu total domínio sobre
Satanás “curando a todos os oprimidos do diabo”, quando estava sobre a
terra (At 10.38). O nosso grande recurso, em todos os ataques do diabo, é
clamarmos ao Senhor Jesus e buscarmos a sua ajuda. Ele pode romper as
cadeias que Satanás lança à nossa volta, e nos libertar. Ele pode expulsar
qualquer demônio que nos atormente o coração, tão certo como nos dias da
antigüidade. Seria realmente uma lástima saber que o diabo existe e está
sempre perto de nós, se não soubéssemos que Cristo “pode salvar
totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder
por eles” (Hb 7.25).
Que nós não deixemos esta passagem sem observar o doloroso
mundanismo dos gadarenos, entre os quais foi operado o milagre da expulsão
de demônios. Os gadarenos rogaram ao Senhor Jesus “que se retirasse da
terra deles”. Eles não se sensibilizavam com nada, a não ser com a perda de
seus porcos. Pouco importava que duas pobres criaturas, com duas almas
imortais, tivessem sido libertadas da escravidão de Satanás. Para eles
também não importava que estivesse ali entre eles Alguém muito superior
ao diabo, a saber, Jesus Cristo, o Filho de Deus. Não se importaram com
nada, senão que a manada de porcos tinha se afogado, e “que se lhes
desfizera a esperança do lucro”. Na ignorância, os gadarenos consideraram
a Jesus como alguém
que se colocava entre eles e os seus lucros, e só desejavam ficar livres dEle.
Existe um número demasiadamente grande de pessoas como os
gadarenos. Há milhares de pessoas que não dão a mínima importância a
Cristo ou a Satanás, desde que possam ganhar mais dinheiro, e desfrutar um
pouco mais das coisas deste mundo. Que nós possamos estar livres desse
espírito! Contra ele, que nós possamos sempre vigiar e orar! Ele é muito
comum e terrivelmente contagioso. A cada nova manhã
Mateus 8.28-34 59

relembremo-nos de que temos almas a serem salvas, e que um dia mor-


reremos e teremos de enfrentar o julgamento divino. Cuidemos em não
amar o mundo mais do que a Cristo. Que nós tomemos cuidado de não
estorvar a salvação de outras pessoas, por temor de que o processo da
religião verdadeira possa diminuir nossos ganhos ou nos trazer problemas.

A Cura do Paralítico;
A Chamada de Mateus, o Publicano
Leia Mateus 9.1-13

Observemos, na primeira parte desta passagem, o conhecimento que


nosso Senhor tem dos pensamentos dos homem. Alguns dos escribas acharam
defeito nas palavras de Jesus ao paralítico. Diziam secretamente, consigo:
“Este blasfema“. Provavelmente imaginavam que ninguém soubesse o que
se passava em suas mentes. Ainda precisavam aprender o fato que o Filho
de Deus pode ler os corações e discernir os espíritos. O seu pensamento
malicioso foi publicamente desmascarado. Eles foram abertamente
expostos à vergonha.
Nisto há uma importante lição para nós: “Todas as cousas estão
descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas“
(Hb 4.13). Nada pode ser ocultado de Jesus Cristo. O que pensamos às
ocultas, quando ninguém nos vê? O que pensamos quando estamos na
igreja, parecendo tão sérios e respeitosos? Sobre o que estamos pensando
neste exato momento, enquanto estas palavras passam diante de nossos
olhos? Jesus sabe. Jesus vê. Jesus registra tudo. Jesus um dia nos chamará
para a prestação de contas. Está escrito que Deus, por meio de Cristo Jesus,
julgará os segredos dos homens, de acordo com o evangelho (Rm 2.16).
Sem ddvida alguma, devemos ser muito humildes quando consideramos
estas coisas. Deveríamos cada dia agradecer a Deus que o sangue de Cristo
pode purificar de todo pecado. Deveríamos sempre clamar: „ „As palavras
dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua
presença, Senhor, rocha minha e redentor meu!” (SI 19.14).
Em segundo lugar, observemos a maravilhosa chamada do apóstolo
Mateus para ser um discípulo de Cristo. Encontramos sentado na coletoria de
impostos o homem que mais tarde escreveria o primeiro evangelho.
Vemo-lo absorvido em sua ocupação secular, talvez não pensando em outra
coisa senão em dinheiro e lucro. Subitamente, entretanto, recebe o chamado
para seguir a Jesus e tornar-se seu discípulo. Mateus
60 Mateus 9.1-13

obedece imediatamente; apressa-se, não se detém (SI 119.60) e obedece a


ordem de Cristo. Ele se levanta e segue a Jesus.
Que seja um princípio bem estabelecido em nossa religião que para
Cristo nada é impossível. Ele pode tomar um coletor de impostos e
transformá-lo em apóstolo. Ele pode mudar qualquer coração humano e
fazer novas todas as coisas, Que nós nunca desesperemos da salvação de
quem quer que seja. Continuemos orando, testemunhando e trabalhando
para o bem das almas dos piores homens. “A voz do Senhor é poderosa‟ *
(S129.4). Quando Ele diz, pelo poder do Espírito, “segue-
-me”, Ele pode fazer os mais endurecidos e os mais pecaminosos
obedecerem.
Observemos a decisão de Mateus. Ele não esperou por uma ocasião
mais oportuna (At 24.25). Em conseqüência obteve uma grande
recompensa. Ele escreveu um livro que se tornou conhecido em todo o
mundo. Tomou-se uma bênção para outras pessoas, além de ser abençoado
na sua própria alma. Ele deixou atrás de si um nome que é mais conhecido
do que o nome de príncipes e reis. O homem mais rico do mundo ao morrer
é logo esquecido. Porém, enquanto durar o mundo, milhões de pessoas
conhecerão o nome de Mateus, o publicano.
Em último lugar, notemos a preciosa declaração de nosso Senhor a
respeito de sua própria missão. Os fariseus acharam falta nEle, porquanto
permitia que publicanos e pecadores estivessem em sua companhia. Em
sua cegueira orgulhosa, eles imaginavam que um mestre enviado do céu
jamais deveria entrar em contato com tais pessoas. Eles ignoravam
totalmente o grandioso desígnio pelo qual o Messias viera a este mundo —
para ser Salvador, médico; para curar as almas enfermas pelo pecado. Eles
receberam dos lábios de nosso Senhor uma reprimenda, seguida de
palavras abençoadas: “não vim chamar justos, e, sim, pecadores ao
arrependimento”.
Certifiquemo-nos de que compreendemos perfeitamente a doutrina
contida nestas palavras. O que é primariamente necessário para se ter
interesse em Cristo é sentirmos profundamente a nossa própria corrupção,
e estarmos dispostos a ir a Jesus para sermos libertos. Não devemos ficar
longe de Cristo, como muitos ignorantemente o fazem, somente porque nos
sentimos maus, ímpios e indignos. Devemos lembrar que Ele veio ao
mundo para salvar pecadores; e, se nos reconhecemos como tais, isto é
bom. Feliz é quem realmente entende que a principal qualificação para ir a
Cristo é um profundo senso de pecado!
Finalmente, se, pela graça de Deus, realmente entendemos a glo-
riosa verdade de que Jesus Cristo veio para chamar pecadores, então, qut
jamais nos esqueçamos disso. Não cultivemos a ilusão de que crentes
verdadeiros possam atingir um tal estado de perfeição neste mundo,
Mateus 9.I-J3 61

ao ponto de não mais precisarem da mediação e intercessão de Cristo.


Éramos pecadores quando viemos a Cristo; e pobres e necessitados pe-
cadores continuaremos sendo, enquanto vivermos, recebendo toda a graça
de que dispomos, a cada momento, da plenitude de Cristo. Mesmo na hora
da nossa morte, veremos que ainda somos pecadores, e estaremos tão
dependentes do sangue de Cristo, quanto no primeiro dia em que cremos.

Vinho Novo e Odres Novos;


A Ressurreição da Filha de Jairo
Leia Mateus 9.14-26

Observemos, nesta passagem, o gracioso nome pelo qual o Senhor


Jesus fala de si mesmo. Ele chama a si mesmo de “o noivo”.
O que o noivo representa para a sua noiva, o Senhor Jesus representa
para as almas de todos os que nEle crêem. Ele os ama com amor profundo e
eterno. Ele os toma para que vivam em união consigo mesmo. Eles são um
em Cristo, e Cristo une-se a eles. Ele paga todos os débitos deíes para com
Deus. Ele lhes supre todas as necessidades diárias. Ele simpatiza com eles
em todas as dificuldades. Ele suporta com paciência todas as infirmezas
deles, e não os rejeita por causa de algumas poucas fraquezas, Ele os
considera parte de si mesmo. Os que perseguem e prejudicam os discípulos
de Cristo, estão perseguindo a Ele mesmo. A glória que recebeu da parte do
Pai, um dia Ele haverá de compartilhar com seus remidos e, onde Ele
estiver, ali estarão também eles. Tais são os privilégios de todos os
verdadeiros cristãos. Eles são a noiva do Cordeiro (Ap 19.7). Essa é a
porção à qual a fé dá acesso. Por meio desta fé, Deus une as nossas pobres
almas pecaminosas a um precioso Noivo e, aqueles a quem Deus assim une,
jamais serão separados. Verdadeiramente abençoados são os que crêem!
Em segundo lugar, observemos como é sábio o princípio que o Senhor
estabelece para o tratamento de seus novos discípulos. Houve alguns que
acharam errado o fato de os seguidores de Nosso Senhor não jejuarem,
como faziam os discípulos de João Batista. Nosso Senhor defende seus
discípulos com um argumento cheio de profunda sabedoria. Ele mostra que
o jejum não seria apropriado, enquanto Ele, que era o Noivo, estivesse em
companhia deles. Mas isso não é tudo. Jesus vai mais além, a fim de
mostrar, mediante duas parábolas, que os jovens principiantes na escola do
cristianismo, devem ser tratados com gentileza. Eles precisam ser ensinados
gradativamente, conforme o pos
62 Mateus 9.14-26

sam suportar. Não podemos esperar que possam receber tudo de uma vez.
Negligenciar esta regra seria uma tolice tão grande quanto guardar “vinho
novo em odres velhos”, ou pôr “remendo de pano novo em vestido velho”.
Nisto há uma fonte de profunda sabedoria, que todos faríamos bem
em relembrar, para o ensino espiritual dos que têm pouca experiência.
Devemos ter o cuidado de não pôr excessiva importância às questões
secundárias da religião. Não devemos nos apressar em exigir imediata
conformidade a uma norma rígida quanto a coisas indiferentes, enquanto os
princípios elementares do arrependimento e da fé não tiverem sido
devidamente apreendidos. Devemos orar por graça e bom senso cristão
para nos guiarem neste assunto. O tato no relacionamento com os novos
discípulos de Cristo é um dom raro, mas muito proveitoso. Saber sobre o
que devemos insistir desde o princípio, como absolutamente necessário, e o
que reservar para o futuro, qúando o discípulo tiver alcançado um
conhecimento mais perfeito, é uma das maiores qualificações de um
instrutor de almas.
Em seguida, observemos quanto encorajamento nosso Senhor dá,
mesmo à fé mais humilde. Nesta passagem, lemos que certa mulher, afligida
por uma grave enfermidade, veio por detrás do Senhor Jesus, em meio à
multidão, e Lhe tocou “na orla da veste”, na esperança de que, se assim o
fizesse, seria curada do seu flagelo. A mulher não proferiu uma palavra,
pedindo auxílio. Ela não fez qualquer pública confissão de fé. E, no entanto,
confiava que, se ao menos tocasse nas vestes de Jesus, ficaria curada. Foi o
que sucedeu. Oculta naquele seu ato havia uma preciosa semente de fé em
Jesus, elogiada por nosso Senhor. A mulher foi curada instantaneamente, e
voltou para casa em paz. Nas palavras de um antigo escritor: “Veio em
tremores, mas saiu em triunfo”.
Guardemos na mente esta história. Ela pode nos ajudar podero-
samente em alguma hora de necessidade. Nossa fé talvez seja fraca. Nossa
coragem pode ser pequena. A nossa apreensão do evangelho e de suas
promessas talvez seja frágil e estremecida. Porém, a grande pergunta,
afinal, é esta: “Na realidade confiamos somente em Cristo? Olhamos para
Jesus, e somente para Jesus para receber perdão e paz?” Se assim acontece
conosco, isso é bom sinal. Embora não possamos tocar nas suas vestes,
podemos tocar no coração de Jesus. Uma fé assim salva a alma. A fé fraca é
menos consoladora do que a fé vigorosa. A fé fraca irá nos levar para o céu
com muito menos regozijo do que teríamos se tivéssemos a total confiança.
Mas a fé, embora fraca, dá- -nos os benefícios de Cristo, tanto quanto a fé
mais vigorosa. Quem ao menos tocar nas vestes de Jesus, sob hipótese
nenhuma perecerá.
Mateus 9 J 4-26 63

Em último lugar, observemos nesta passagem o poder infinito de


nosso Senhor. Ele devolve a vida a uma pessoa morta. Quão admirável deve
ter sido aquela cena! Quem, ao ter visto uma pessoa morrer, poderá
esquecer-se da imobilidade, do silêncio e da frieza, quando o fôlego da vida
abandona o corpo? Quem pode esquecer o horrível sentimento de que uma
coisa terrível aconteceu e que um enorme abismo foi aberto entre nós e a
pessoa falecida? Eis, porém, que nosso Senhor entra no quarto onde jaz o
corpo da menina, e chama de volta o espírito ao seu tabernáculo terrestre. O
pulso começa a bater novamente. Os olhos vêem outra vez. A respiração
novamente vem e vai. A filha do chefe da sinagoga está viva novamente,
restituída a seu pai e mãe. Manifestara-se ali a verdadeira onipotência!
Ninguém poderia ter realizado tal feito, senão Aquele que no princípio
criou o homem, e que tem todo o poder no céu e na terra.
Este é um aspecto da verdade que nunca poderemos conhecer bem
demais. Quanto mais claramente vemos o poder de Cristo, tanto mais aptos
estamos para experimentar a paz do evangelho. Nossa condição poderá ser
penosa. Nosso coração pode ser fraco. Talvez sintamos grande dificuldade
em prosseguir a jornada, neste mundo. Nossa fé pode parecer-nos
demasiado fraca para nos conduzir até o céu. Porém, meditando a respeito
de Jesus tomemos coragem, e não nos deixemos arrastar pelo desânimo.
Maior é Aquele que é por nós do que todos quantos são contra nós. Nosso
Salvador pode ressuscitar os mortos. Nosso Salvador é Todo-poderoso.

A Cura de Dois Cegos; Jesus Se Compadece


da Multidão; O Dever dos Discípulos
Leia Mateus 9.27-38
Neste texto há quatro lições que merecem atenção especial. Vamos
examiná-las sucessivamente.
Antes de tudo, marquemos bem que, algumas vezes, uma fé poderosa
em Cristo pode ser encontrada onde menos se suspeitaria. Quem poderia
imaginar que dois cegos pudessem chamar nosso Senhor de “Filho de
Davi”? Naturalmente, eles não podem ter visto os milagres realizados por
Jesus. Só podem ter tomado conhecimento dEle mediante o que outras
pessoas lhes diziam. Porém, os olhos de seu entendimento foram
iluminados, embora seus olhos físicos continuassem em trevas. E assim
perceberam a verdade que os escribas e os fariseus não foram capazes de
perceber. Compreenderam que Jesus de Nazaré era o Messias. Creram que
Ele podia curá-los.
64 Mateus 9.27-38

Um exemplo assim mostra-nos que jamais deveríamos desesperar


da salvação eterna de qualquer pessoa, somente porque tal pessoa vive em
circunstâncias que são desfavoráveis à sua conversão. A graça divina é
mais forte do que as circunstâncias. A vida piedosa não depende
meramente de condições vantajosas aparentes. O Espírito Santo pode
proporcionar fé e mantê-la em ativo exercício, sem dinheiro ou educação
formal, mas apenas utilizando-se de escassos meios de graça. Sem o
Espírito Santo, um homem pode conhecer todos os mistérios, e viver sob a
plena influência do evangelho, e, ainda assim, estar perdido. Veremos
cenas muito estranhas no último dia. Pessoas de condição humilde
mostrarão terem crido no Filho de Davi, ao passo que homens ricos, cheios
de erudição universitária, mostrarão ter vivido e morrido como os fariseus,
na mais dura incredulidade. Muitos dos que agora são últimos, serão
primeiros, e muitos dos que agora são primeiros, serão últimos (Mt 20.16).
A seguir destaquemos o fato que nosso Senhor Jesus Cristo tinha uma
grande experiência com enfermidades e doenças. * „Percorria Jesus todas as
cidades e povoados”, fazendo o bem. Ele foi testemunha ocular de todos
os males herdados pela carne. Ele viu doenças de todo tipo, variedade e
descrição. Entrou em contato com toda sorte de doenças e sofrimentos
físicos. E, por mais repugnantes que fossem, não se sentiu repelido por ter
que tratar com qualquer das pobres vítimas desses sofrimentos. Nenhuma
doença era por demais repelente para Ele a curar. Ele curava “toda sorte de
doenças e enfermidades”.
Podemos obter grande consolo desse fato. Cada um de nós habita
em um corpo débil e frágil. Nunca sabemos quanto sofrimento ainda
precisaremos contemplar, enquanto nos assentamos à beira do leito de
enfermidades de amigos e parentes queridos. Nunca sabemos quantos
sofrimentos teremos nós mesmos de passar, antes de morrermos. No
entanto, armemo-nos, a todo instante, com o precioso pensamento que
Jesus é especial mente apto para ser o Amigo dos doentes. Este nosso
grande Sumo Sacerdote, a quem devemos recorrer para termos perdão e
paz com Deus, está tão eminentemente qualificado para se compadecer de
um corpo dolorido, como também para sarar uma consciência culpada. Os
olhos d Aquele que é o Rei dos reis muitas vezes se compadeceram dos
enfermos. Este mundo pouco ou nada se importa com os doentes, e
geralmente procura manter-se afastado. Mas o Senhor Jesus tem cuidado
especial pelos enfermos. Ele é o primeiro a visitá-los e a dizer-lhes: “Eis
que estou à porta e bato”. Felizes são aqueles que Lhe ouvem a voz e
deixam-No entrar!
Assinalamos, em seguida, a tema preocupação de nosso Senhor pelas
almas negligenciadas. Quando estava neste mundo, Jesus viu “mui-
Mateus 9.27-38 65

tidões1 que vagavam, como “ovelhas que não têm pastor“, e o seu coração
moveu-se de compaixão. Ele as via negligenciadas por aqueles que, na
época, deveriam ter sido seus mestres. Ele via a uma multidão de pessoas
ignorantes, sem esperança, desamparadas, morrendo sem estarem
preparadas para morrer. Esta visão levou Jesus à profunda compaixão.
Aquele coração amoroso não podia ver essas coisas sem comover-se.
Quais são os nossos sentimentos, quando vemos pessoas nessa
mesma condição? Esta é a pergunta que deveria surgir em nossa mente. Há
um grande número de pessoas nessas condições, que podemos ver por toda
a parte. Há milhões de idólatras e pagãos na terra, milhões de iludidos
islamitas, milhões de católicos supersticiosos romanos. Há também
milhares de protestantes ignorantes, vivendo bem junto a nós. Sentimo-nos
grandemente preocupados com tais almas? Sentimos profundamente a
carência espiritual dessas pessoas? Ansiamos por vê-las aliviadas dessas
carências? Estas são perguntas sérias e que exigem resposta. E fácil
desprezar as missões aos pagãos, bem como aqueles que trabalham em
favor dos incrédulos. Porém, quem não sente profunda- mente pela alma
dos não convertidos, certamente não pode ter a mente de Cristo (1 Co 2.16).
Destaquemos, em último lugar, que há um solene dever para todos os
crentes, que desejam fazer o bem à porção ainda não-convertida da
humanidade. Eles são incumbidos de sempre orar para que o Senhor levante
mais homens para o trabalho da conversão das almas. Parece mesmo que
essa petição deve fazer parte das nossas orações diárias:
“Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara”.

Se sabemos orar, tomemos como uma questão da consciência jamais


nos esquecermos dessa solene incumbência que nos foi dada por nosso
Senhor. Fixemos bem em nossa mente que esta é uma das mais seguras
maneiras de se praticar o bem e refrear o mal. O trabalho pessoal, em favor
de almas, é bom. Contribuir com a obra missionária é bom. Mas o melhor de
tudo é orar. Pela oração alcançamos Aquele, sem o qual todo o trabalho e o
dinheiro disponível são em vão. Mediante a oração obtemos a ajuda do
Espírito Santo. O dinheiro pode financiar. As universidades podem conferir
erudição. As congregações podem eleger obreiros, e as autoridades
eclesiásticas ordená-los. Porém, somente o Espírito Santo pode fazer os
verdadeiros ministros do evangelho ou levantar obreiros leigos para a seara
espiritual, obreiros que não têm de que se envergonhar. Nunca, jamais nos
esqueçamos
de que, se desejamos fazer o bem à humanidade, nosso primeiro dever é
orar!
66 Mateus 10.1-15

O Envio dos Primeiros Pregadores Cristãos


Leia Mateus 10,1-15

Este capítulo é particularmente solene. Temos aqui a primeira


ordenação que teve lugar na igreja de Cristo. O Senhor Jesus escolhe e
envia os seus doze apóstolos. Temos aqui a primeira incumbência
conferida a ministros cristãos recém-consagrados. O Senhor Jesus mesmo
foi quem os ordenou. Nunca houve uma ordenação tão importante!
Há três lições que se salientam com proeminência nos primeiros
quinze versículos deste capítulo. Vamos examiná-las pela ordem.
Em primeiro lugar, somos ensinados que nem todos os ministros do
evangelho são, necessariamente, homens bons. Vemos nosso Senhor
escolhendo a Judas Iscariotes para ser um dos seus apóstolos. Não podemos
duvidar de que Aquele que conhecia tão bem o$ corações, conhecia
também o caráter de cada um dos homens a quem escolheu. No entanto, Ele
incluiu na lista dos apóstolos um homem que era um traidor!
Faremos bem em sempre lembrar este fato. A ordenação para o
ministério não confere a graça salvadora do Espírito Santo. Homens
ordenados não são necessariamente convertidos. Não devemos considerá-
-los infalíveis, seja na doutrina ou na prática. Não podemos fazer deles
papas ou ídolos, e, insensatamente, fazê-los ocupar o lugar de Jesus Cristo.
Antes, devemos considerá-los como homens “sujeitos às mesmas paixões
que nós”, sujeitos às mesmas fraquezas, e que diariamente necessitam da
mesma graça divina. Não devemos pensar que é impossível que eles
pratiquem coisas muito ruins, e nem devemos esperar que estejam acima
dos danos causados pela bajulação, cobiça e atrativos deste mundo.
Devemos testar os ensinamentos desses homens por meio da Palavra de
Deus, e imitá-los à medida em que eles seguem a Cristo, nunca mais do que
isto. Acima de tudo, porém, devemos orar por eles, para que sejam
sucessores, não de Judas Iscariotes, e, sim, de Tiago e de João. É coisa
seríssima ser um ministro do evangelho! Os ministros precisam de muita
oração a seu favor.
Em seguida, somos ensinados que a grande obra de um ministro de
Jesus Cristo é fazer o bem. Ele é enviado para buscar as “ovelhas perdidas“,
para proclamar as boas novas, para aliviar os que estão em sofrimento, para
diminuir a tristeza e aumentar o regozijo. A vida de um ministro deve
caracterizar-se pelo dar, mais do que pelo receber.
Este é um padrão de vida elevado, e muito peculiar ao ministério
cristão. Portanto, que seja bem sopesado e cuidadosamente examinado.
Antes de tudo, é evidente que a vida de um fiel ministro de Cristo não
Mateus 10.1-15 67

pode ser uma vida fácil. Todo ministro de Cristo deve dispor-se a gastar seu
corpo e mente, seu tempo e energias na tarefa para a qual foi chamado. A
preguiça e a frivolidade são intoleráveis em qualquer profissão; mas são
piores ainda, no ofício da sentinela de almas. É também claro que a posição
dos ministros de Cristo não coincide com aquilo que, muitas vezes, pessoas
ignorantes lhes atribuem e que, infelizmente, certos ministros reivindicam
para si. Eles não são ordenados para dominar, mas para servir. Não lhes
compete tanto exercer domínio sobre a igreja, quanto suprir as
necessidades dos seus membros e servi-los (2 Co 1.24). Bom seria para a
causa da verdadeira religião, se tais coisas fossem melhor compreendidas!
Metade dos males do cristianismo têm surgido de noções equivocadas a
respeito do ofício do ministro.
Em último lugar, somos ensinados que é muito perigoso negligenciar
os oferecimentos do evangelho. "Menos rigor haverá para Sodoma e
Gomorra, no dia do juízo", do que para aqueles que já ouviram a verdade
acerca de Cristo, mas não a receberam.
Esta é uma doutrina que tem sido temivelmente negligenciada,
embora mereça a mais séria consideração de nossa parte. Os homens
inclinam-se, mui lamentavelmente, por esquecer-se de que não é necessário
cometer pecados gravíssimos para que uma alma fique arruinada para todo
o sempre. Basta que a pessoa continue ouvindo o evangelho mas não
crendo, escutando mas não arrependendo-se, vindo à igreja mas não vindo
a Cristo; assim, pouco a pouco acabará no inferno! Todos seremos julgados
de acordo com a luz que recebemos. Ouvir as boas novas da "grande
salvação" e, no entanto, negligenciá-las, é um dos piores pecados que se
pode cometer (Jo 16.9).
O que estamos fazendo com o evangelho? Esta é a indagação que
cada um que lê esta passagem bíblica deve pôr, diante de sua própria
consciência. Suponhamos que nós mesmos sejamos pessoas decentes e
respeitáveis, corretas e morais em todas as relações da vida, e constantes na
nossa aproximação formal aos meios de graça. Quanto a essas coisas, tudo
está muito bem. Entretanto, seria isso tudo quanto pode ser dito a nosso
respeito? Estamos, realmente acolhendo o amor à verdade? Está Cristo
habitando em nossos corações, pela fé? Em caso contrário, estamos
correndo um terrível perigo. Estamos sendo muito mais culpados do que os
homens de Sodoma, os quais jamais ouviram o evangelho. Podemos um dia
descobrir que, a despeito de toda a nossa regularidade, moralidade e
correção, estamos perdidos para sempre. O fato de termos vivido sob a
plena luz dos privilégios cristãos, e termos ouvido a pregação fiel do
evangelho, semana após semana, só isto, apenas, não nos livrará da
condenação. Tem que haver a experiência pessoal com Cristo. Precisamos
receber pessoalmente a verdade de
68 Mateus 10.1-15

Cristo. É preciso existir uma união vital com Ele. Devemos nos tomar seus
servos e discípulos. Sem isto, a pregação do evangelho só faz aumentar a
nossa responsabilidade, toma-nos ainda mais culpados, e por fim nos fará
afundar ainda mais profundamente no inferno. Estas são declarações
difíceis de se ouvir. Porém, as palavras das Escrituras que temos acabado
de ler são claras e inequívocas. Elas são todas verdadeiras.

Instruções aos Primeiros Pregadores Cristãos


Leia Matem 10.16-23

As verdades contidas nestes versículos deveriam ser ponderadas por


todos os que procuram fazer o que é direito neste mundo. Para o egoísta,
que com nada mais se importa senão com o seu próprio bem- -estar e
conforto, talvez pareça haver bem pouca coisa nestes versículos. Para o
ministro do evangelho, bem como para todos quantos buscam salvar
almas, estes versículos deveríam estar repletos de interesse. Não há dúvida
que neles há muita coisa que se aplicava de modo especial aos dias dos
apóstolos. Mas há também muita coisa que tem aplicação para todas as
épocas.
Antes de mais nada, aprendemos que os que quiserem trabalhar na
obra do Senhor devem ser moderados quanto às suas expectativas. Não devem
pensar que um sucesso universal acompanhará os seus esforços. Pelo
contrário, devem esperar encontrar muita oposição. Devem ter em mente o
fato que serão odiados, perseguidos e maltratados, e isso até mesmo da
parte de seus parentes mais chegados. Freqüente- mente, sentir-se-ão como
ovelhas entre os lobos.
Tenhamos isto sempre em mente. Sem importar se estivermos
pregando, ensinando ou visitando de casa em casa, sem importar se
estivermos escrevendo ou dando conselhos, ou qualquer outra coisa que
estejamos fazendo, que seja um pensamento constante não esperarmos
mais do que as Escrituras e a experiência garantem. A natureza humana é
muito mais iníqua e corrupta do que pensamos. O poder do mal é maior do
que supomos. É inútil imaginar que todos perceberão o que é melhor para
eles, e que acreditarão no que lhes dissermos. Isto seria uma expectativa
muito alta, e ficaríamos desapontados. Feliz é o obreiro de Cristo que
compreende essas coisas desde o início, e que não tem necessidade de
aprendê-las mediante amarga experiência. Aqui está a razão secreta porque
muitos têm dado as costas para a boa causa, depois de terem parecido tão
cheios de zelo no princípio. Começaram com
Matem 10.16-23 69

expectativas muito altas. Não calcularam o preço. Caíram no mesmo


equívoco do grande reformador alemão, que confessou ter-se esquecido do
fato que “o velho Adão era forte demais para o jovem Melancthon‟ ‟.
Por outra parte, compreendemos que os que desejam fazer o bem têm
necessidade de orar por sabedoria, bom senso e uma mente sadia. Nosso Senhor
diz aos seus discípulos: para serem “prudentes como as serpentes e
símplices como as pombas”. Também disse que, se fossem perseguidos em
alguma cidade, era legítimo “fugir para outra”.
Poucas foram as instruções dadas por nosso Senhor tão difíceis de
praticar corretamente como esta. Jesus demarcou uma linha entre dois
extremos, mas é necessário grande discernimento para que a possamos
definir. Um desses extremos é evitar a perseguição, mantendo-nos calados e
conservando a nossa religião inteiramente para nós mesmos. Não devemos
errar nessa direção. O outro extremo é cortejar a perseguição, forçar a nossa
religião sobre todas as pessoas que encontramos, sem levar em conta o
lugar, a hora ou as circunstâncias. Também somos advertidos a não errar
nessa direção. Bem podemos questionar: “Quem, porém, é suficiente para
estas cousas?” Temos a necessidade de clamar ao único e sábio Deus,
rogando-lhe sabedoria.
O extremo para o qual a maioria dos homens se inclina nos dias
atuais é o silêncio, a covardia, deixando os demais imperturbados. Essa
suposta prudência tende por degenerar em uma conduta caracterizada pela
negligência, ou mesmo pela mais franca infidelidade. Com demasiada
ffeqüência estamos dispostos a assumir que, para determinadas pessoas, é
inútil tentar fazer o bem. Justificamo-nos em não envidar esforços para o
bem das almas dessas pessoas, dizendo que seria indiscrição,
inconveniência, ou que seria uma ofensa desnecessária, ou que isso seria
uma agressão contra as pessoas. Vigiemos e ponhamo- -nos em guarda
contra essa atitude. A preguiça e o diabo são geralmente a verdadeira
explicação para tal atitude. Sem dúvida é agradável para a carne e o sangue
ceder a essa atitude, pois ela nos poupa de muitas dificuldades. Entretanto,
aqueles que cedem diante dela geralmente desperdiçam grandes
oportunidades de serviço.
Por outro lado, é impossível negarmos que existe um zelo santo e
justo, porém não com entendimento” (Rm 10.2). É perfeitamente possível
ofender desnecessariamente as pessoas, cometer grandes equívocos e
despertar intensa oposição, que podería ter sido evitada com um pouco de
prudência, um procedimento sábio e o exercício de bom senso. Tenhamos
cuidado para não nos tornarmos culpados a esse respeito. Podemos ter
certeza de que a sabedoria cristã existe e que é inteiramente distinta das
sutilezas jesuíticas e do procedimento carnal. Que todos nós procuremos
obter essa sabedoria. Nosso Senhor Jesus Cristo
70 Mateus 10.16-23

não requer de nós que nos desfaçamos do nosso bom senso quando pro-
curamos trabalhar para Ele. Sempre haverá bastante ofensa na nossa reli-
gião cristã, não importa o que façamos; porém, não devemos aumentar as
possibilidades disso desnecessariamente. “Portanto, vede prudentemente
como andais, não como néscios, e, sim, como sábios*‟ (Ef 5.15).
É de temer que os crentes no Senhor Jesus não oram o suficiente por
um espírito de sabedoria, juízo e bom senso. Eles tendem a pensar que, se
já receberam a graça divina, então já têm tudo quanto precisam.
Esquecem-se de que um coração agraciado deveria orar para ser pleno de
sabedoria, assim como do Espírito Santo (At 6.3). Lembremos que muita
graça e bom senso talvez seja uma das mais raras combinações que existe.
A vida de Davi e o ministério do apóstolo Paulo, contudo, são provas
notáveis de que essa combinação é possível. Nisto, como em todas as
demais coisas, nosso Senhor Jesus Cristo, pessoalmente, é o nosso mais
perfeito exemplo. Ninguém jamais se mostrou tão fiel quanto Ele. E, no
entanto, ninguém jamais foi tão verdadeiramente sábio. Façamos de Cristo
o nosso modelo, e andemos nos passos dEle.

Advertências aos Primeiros Pregadores Cristãos


Leia Mateus 10.24-33

Fazer a obra de Deus neste mundo é uma tarefa muito difícil! Todos
quantos a empreendem descobrem isto por experiência. É preciso muita
coragem, fé, paciência e perseverança. Satanás lutará vigorosamente para
manter o seu reino. A natureza humana é desesperadamente corrupta.
Praticar o mal é fácil. O difícil é fazer o bem.
O Senhor Jesus sabia disso muito bem quando enviou os seus
discípulos para pregarem o evangelho pela primeira vez. Mesmo que eles
não soubessem o que os esperava, Ele o sabia. Ele teve o cuidado de lhes
dar uma lista de palavras de encorajamento, para animá-los quando se
sentissem abatidos. Missionários exaustos no país distante, ou ministros
que se sentem esgotados, mesmo trabalhando no seu próprio país,
professores desalentados e evangelistas desanimados, todos fariam bem
em estudar com freqüência os nove versículos desta passagem.
Observemos o que eles contêm.
Os que trabalham na obra de Deus não devem esperar ser melhor
sucedidos. “O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo acima do
seu senhor”. O Senhor Jesus foi caluniado e rejeitado por aqueles a quem
viera beneficiar. Não havia erros em sua doutrina. Não havia defeitos em
seu método de transmitir a instrução. Mesmo assim
Mateus 10.24-33 11

Ele foi odiado e chamado de Belzebu. Poucos creram nEle e se importaram


com o que Ele dizia. Nao temos o direito de ficar surpresos se nós, cujos
melhores esforços são permeados de tantas imperfeições, somos tratados
da mesma maneira que Jesus Cristo o foi. Se não nos importarmos com o
mundo, eles também não se importarão conosco. Mas, se intentarmos o
bem-estar espiritual dos homens, então nos odiarão, como fizeram ao
nosso grande Mestre.
Os que procuram fazer o bem, devem esperar com paciência pelo dia
do juízo. Nada há encoberto, que não venha a ser revelado; nem oculto, que
não venha a ser conhecido”. Precisam contentar-se em serem mal
compreendidos, difamados, vilipendiados, caluniados e maltratados neste
mundo. Não devem deixar de trabalhar, somente porque os seus motivos
são mal interpretados e o caráter deles é ferozmente atacado. Devem
lembrar-se continuamente de que todas essas injustiças serão devidamente
corrigidas, no ultimo dia. Os segredos do coração de todos os homens
serão então desvendados. Ele „„fará sobressair a tua justiça como a luz, e o
teu direito como o sol ao meio-dia” (SI 37.6). A pureza das intenções dos
crentes, a sabedoria dos labores deles e a retidão da causa que defendem
serão, finalmente, manisfestos diante do mundo inteiro. Por conseguinte,
continuemos trabalhando constante e tranqüilamente. Talvez os homens
não nos compreendam, opondo-se com veemencia a nós. Porém, o dia do
juízo já se aproxima velozmente. Afinal, a justiça nos será feita. O Senhor,
quando voltar ao mundo, “não somente trará à plena luz as cousas ocultas
das trevas, mas também manifestará os desígnos dos corações; e então
cada um receberá o seu louvor da parte de Deus” (1 Co 4.5).
Os que procuram fazer o bem devem temer mais a Deus do que aos
homens. Os homens podem ferir-nos o corpo, mas isso é o máximo que
podem fazer. Não podem ir mais longe. Mas Deus “pode fazer perecer no
inferno tanto a alma como o corpo”. Se andamos pelo caminho do nosso
dever religioso, podemos ser ameaçados com a perda de nossa reputação,
propriedades e tudo o que torna a vida agradável. Se andamos
corretamente, nao devemos temer tais ameaças. Assim como Daniel e seus
três amigos, devemos nos submeter a qualquer coisa necessária para não
desagradar a Deus e ferir a consciência. Talvez seja difícil suportar a ira
dos homens, mas a ira de Deus é muitíssimo pior. O temor ao homem pode
fazer-nos cair em alguma armadilha. Mas, precisamos repelir esse temor
com um princípio muito poderoso, a saber, o temor a Deus. O bondoso
Coronel Gardiner disse: “Temo a Deus, portanto, não preciso temer a mais
ninguém”.
Os que procuram fazer o bem devem trazer na mente o cuidado providencial que
Deus tem por seus filhos. Coisa alguma pode aconte-
72 Mateus 10.24-33

cer neste mundo sem a permissão de Deus. Na verdade, nada acontece


por acaso, acidente ou sorte. “Quanto a vós outros, até os cabelos to-
dos da cabeça estão contados”. O caminho do dever pode às vezes nos
conduzir a grandes perigos. Nossa saúde e a própria vida podem ser
ameaçadas, se avançamos no cumprimento do dever. Portanto, que nos
consolemos mediante o pensamento de que tudo quanto nos circunda
está nas mãos de Deus. Corpo, alma e caráter, tudo está entregue aos
cuidados do Senhor. Nenhuma enfermidade nos poderá atingir, ninguém
nos II*H ierá ferir, a menos que Ele o permita. Podemos dizer confia-
damente a tudo quanto nos ameace: “Nenhuma autoridade terias sobre
mim, se de cima não te fosse dada” (Jo 19.11).
Finalmente, os que procurara fazer o bem devem relembrar con-
tinuamente o dia em que se encontrarão com o Senhor para receberem a parte
que lhes cabe. Se desejara que Cristo os reconheça e os confesse diante do
trono de seu Pai, precisam confessar diante dos homens o seu nome, e não
estar envergonhados dEle. Fazer isso poderá nos custar muita coisa. Pode
trazer contra nós riso, escárnio, perseguição e zombarias. Porém, mesmo
que zombem de nós, lembremo-nos de que temos um galardão no céu. Não
nos esqueçamos do grande e temível dia da prestação de contas, e não
tenhamos receio de mostrar aos homens que amamos a Cristo e que
desejamos que eles também O amem.
Que estes encorajamentos fiquem entesourados nos corações de
todos os que trabalham na causa de Cristo, qualquer que seja o ofício. O
Senhor conhece as dificuldades de seus servos, e disse estas palavras a fim
de consolá-los. Ele cuida de todos os que nEIe crêem, mais especialmente
daqueles que trabalham na sua causa e se esforçam por fazer o bem. Que
nós todos possamos ser contados entre os obreiros de Cristo. Todo crente
pode fazer alguma coisa, se tentar fazê-lo. Sempre há algo que cada um
pode fazer. Que cada um de nós tenha a visão e a vontade de fazer a obra do
Senhor.

Palavras de Encorajamento aos Primeiros


Pregadores Cristãos
Leia Mateus 10.34-42

Nestes versículos, o grande Cabeça da igreja conclui a primeira


incumbência que determinou àqueles que estava enviando para divulgar o
seu evangelho. Jesus declarou três grandiosas verdades, que formam uma
apropriada conclusão para o seu discurso.
Em primeiro lugar, Cristo ordena lembrarmos que o evangelho
Mateus 10.34-42 73

nem sempre instaurará paz e concórdia onde for anunciado. “Não vim trazer
paz, mas espada. O objetivo da primeira vinda de Cristo à terra não foi o de
inaugurar um reino milenar, dentro do qual todos teriam uma única atitude
mental; antes, Ele veio trazer o evangelho que haveria de provocar divisões
e contendas. Não temos o direito de nos sentir surpreendidos se essa
predição vai sendo incessantemente cumprida. Não devemos estranhar se o
evangelho chegar a dividir famílias inteiras, separando até mesmo os
parentes mais chegados. Com certeza esse será o resultado do evangelho
em muitos casos, por causa da arraigada corrupção do coração humano.
Enquanto um homem crê e outro permanece na incredulidade, enquanto um
homem resolve desistir de seus pecados, mas outro está resolvido a
continuar no pecado, o resultado da pregação do evangelho será divisão.
Não devemos culpar o evangelho, mas, sim, o coração do homem.
Nestes ensinamentos há uma profunda verdade, embora seja cons-
tantemente esquecida e negligenciada. Muitos falam em termos vagos
acerca de unidade, harmonia e paz na igreja de Cristo, como se devêssemos
esperar por essas coisas, e pelas quais tudo o mais devesse ser sacrificado.
Tais pessoas fariam bem em relembrar as palavras de nosso Senhor. Não há
dúvida, a unidade e a paz são bênçãos poderosas. Deveríamos buscar
alcançá-las, orando por elas e até desistindo de tudo o mais para as
obtermos, excetuando a bondade e uma boa consciência. Porém, é um
sonho vão supormos que as igrejas de Cristo desfrutarão de grande unidade
e paz, antes que venha o milênio.
Em segundo lugar, nosso Senhor nos diz que os verdadeiros cristãos
devem estar preparados para sofrerem tribulações neste mundo. Se somos
ministros ou ouvintes, se ensinamos ou somos ensinados, não faz muita
diferença. Temos que levar a nossa “cruz”. Devemos estar dispostos a
perder até a própria vida por amor a Cristo. Devemos nos submeter à perda
do favor dos homens, suportar as dificuldades e negar a nós mesmos muitas
vezes ou, então, jamais chegaremos ao céu. Enquanto o mundo, o diabo e os
nossos próprios corações forem como são, as coisas têm de ser assim.
Descobriremos quão útil é relembrar-nos dessa lição, para então
transmiti-la aos nossos semelhantes. Poucas coisas são mais prejudiciais à
religião do que as expectativas exageradas e fora de proporção. Cer

tas pessoas esperam encontrar uma medida de conforto mundano no serviço


de Cristo, embora não tenham o direito de esperar. E, não encontrando o
que esperavam, sentem-se tentadas a desistir, desgostosas,da religião. Feliz
é quem compreende que, embora o cristianismo traga uma coroa no final da
carreira, traz também uma cruz para o caminho.
Por fim, nosso Senhor nos alegra com a declaração de que mesmo
74 Mateus 10.34-42

o menor serviço prestado àqueles que trabalham em sua causa será observado e
recompensado por Deus. „ „E quem der a beber ainda que seja um copo de
água fria, a um destes pequeninos, por ser este meu discípulo, em verdade
vos digo que de modo algum perderá o seu galardão.”
Nesta promessa há algo maravilhoso. Ela nos ensina que os olhos do
nosso grande Mestre estão perenemente fixos sobre aqueles que trabalham
para Ele e procuram fazer o bem. Parece que essas pessoas trabalham sem
serem notadas, sem serem consideradas. O trabalho dos pregadores e
missionários, dos professores e dos que visitam os pobres, pode parecer de
pouco valor e insignificante, em comparação com os ofícios de reis e
parlamentares, de generais e estadistas. Mas não é insignificante aos olhos
de Deus. Ele observa os que se opõem aos seus servos e aqueles que os
ajudam. Ele observa quem é dócil para seus ministros, como Lídia agiu com
Paulo, e quem põe obstáculos no caminho, como Diótrefes fez contra o
apóstolo João. Toda a experiência diária dos discípulos de Cristo fica
registrada, enquanto trabalham na seara do Mestre. Tudo fica registrado no
grande livro das obras e tudo será revelado no dia do juízo. O copeiro-mór
esqueceu-se de José depois de ter sido restaurado a seu cargo. Mas o Senhor
Jesus jamais se esquece de qualquer do seu povo. Ele dirá a muitos, que
menos esperam por isso, no dia da ressureiçao: „„Tive fome e me destes de
comer; tive sede e me destes de beber” (Mt 25.35).
Ao encerrarmos o estudo deste capítulo, perguntamos a nós mesmos
como consideramos a obra e a causa de Cristo neste mundo. Estamos
ajudando ou dificultando essa obra? Estamos ajudando de alguma maneira,
aos profetas e aos „„justos”do Senhor? Estamos auxiliando estes
pequeninos? Estamos pondo obstáculos no caminho, ou estamos enco-
rajando os obreiros do Senhor, procurando animá-los? Estas são perguntas
muito sérias. Os que oferecem o “copo de água fria” sempre que tenham
oportunidade, agem bem e com sabedoria. Porém, agem ainda melhor
aqueles que trabalham ativamente na obra do Senhor. Que todos nós nos
esforcemos por deixar este mundo melhor do que aquele em que nascemos.
Isso é ter a mente de Cristo. Isso é descobrir pessoalmente o valor das
maravilhas contidas neste capítulo.

João Envia Mensageiros a Jesus


Leia Mateus 11.1-15

A primeira coisa que nos chama atenção nesta passagem é a men-


sagem que João Batista envia a nosso Senhor Jesus Cristo. Ele mandou
Mateus 11.1-15 75

dois dos seus discípulos perguntarem a Jesus: “És tu aquele que estava para
vir, ou havemos de esperar outro?“
Essa indagação não foi gerada por dúvida ou incredulidade de João
Batista. Faríamos uma grave injustiça àquele grande santo do Senhor se
interpretássemos a pergunta dessa maneira. Ela foi formulada visando ao
benefício dos discípulos de João. Teve a finalidade de oferecer-lhes a
oportunidade de ouvirem dos próprios lábios de Cristo a evidência de sua
missão divina. Sem dúvida, João Batista sentiu que o seu próprio ministério
estava terminado. Alguma coisa, no seu íntimo, lhe segredava que ele
jamais sairia do cárcere de Herodes mas, pelo contrário, ali morreria. João
lembrou-se dos ciúmes e invejas, motivados pela ignorância, que haviam
surgido entre os seus discípulos e os de Cristo. Logo, escolheu o curso mais
provável para esses ciúmes serem dissipados para sempre. Enviou alguns
de seus seguidores para que estivessem “ouvindo e vendo” por si mesmos o
que Jesus fazia.
A conduta de João Batista nos oferece um extraordinário exem
plo para ministros, professores e aos pais, quando estão chegando ao final
de sua carreira. A principal preocupação desses deveria dizer respeito às
almas que eles deixarão atrás de si, neste mundo. E o grande desejo deles
deveria ser persuadir tais almas a apegarem-se a Cristo. A morte daqueles
que nos têm guiado e instruído neste mundo sempre deveria produzir tal
efeito. Deveria fazer com que nos apegássemos ainda mais firmemente
Àquele que nunca mais morrerá, que continuará para sempre e tem um
“sacerdócio imutável” (Hb 7.24).
Outra coisa que requer a nossa atenção, neste texto, é o elevado
testemunho dado por nosso Senhor no tocame ao caráter de João Ba
tista. Nenhum homem jamais recebeu tamanha aprovação como essa que
Jesus dá a seu amigo que fora aprisionado. “Entre os nascidos de mulher,
ninguém apareceu maior do que João Batista.” Nos dias de seu ministério
público, João havia confessado ousadamente a Jesus, perante os homens,
mostrando ser Ele o Cordeiro de Deus. Agora, Jesus declarava abertamente
que João Batista era mais do que um mero profeta.
Sem dúvida, havia alguns que estavam inclinados a fazer pouco caso
de João Batista, em parte, por ignorância da natureza do ministério de João,
e, em parte, por não terem compreendido a finalidade da pergunta que ele
mandara fazer a Jesus. Nosso Senhor faz silenciar esses astuciosos com a
declaração que faz a respeito de João Batista. Jesus lhes disse que não
deveriam pensar que João fosse um homem tímido, vacilante e instável,
“um caniço agitado pelo vento”. Se assim pensassem, estariam totalmente
enganados. João Batista foi uma testemunha poderosa e inflexível da
verdade. Jesus diz que não deveriam
76 Matem 11.1-15

supor que João fosse mundano de coração, apreciador dos palácios reais e
da vida fácil. Se assim estivessem pensando, estariam cometendo um
grande erro. João era um abnegado pregador do arrependimento, que
preferiria ser vítima da ira de um rei a deixar de reprovar os pecados deste.
Em suma, Jesus queria que todos soubessem que João Batista era “muito
mais do que profeta”. João era alguém a quem Deus tinha dado maior
honra do que a todos os profetas do Antigo Testamento. Na verdade,
aqueles profetas haviam profetizado a respeito de Cristo, mas morreram
sem tê-Lo visto. João não somente profetizou a respeito dEle, como
também O viu face a face. Os profetas haviam predito que os dias do Filho
do homem certamente chegariam, e o Messias apareceria neste mundo.
João foi testemunha ocular desses dias e, também, um honroso instrumento
de preparação dos homens para esses dias. Aos profetas foi ordenado
predizer que o Messias “como cordeiro seria levado ao matadouro”, e seria
“cortado da terra dos viventes”. Mas a João Batista fora outorgado apontar
pessoalmente para Ele, e dizer: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado
do mundo!”
Há algo de belíssimo e consolador para os verdadeiros crentes, neste
testemunho de nosso Senhor sobre João Batista. Vemos o interesse que o
nosso grande Cabeça sente, quanto à vida e o caráter de todos os seus
membros. Vemos quanta honra Ele está pronto a conceder a todo trabalho e
labor que os crentes desempenham, em favor de sua causa. É uma doce
antecipação da confissão que Ele fará dos seus discípulos perante o mundo
inteiro reunido, quando Ele os apresentará inculpáveis diante do trono do
seu Pai, no dia final.
Sabemos, realmente, o que significa trabalhar para Cristo? Já nos
sentimos desanimados e derrotados, como se não estivéssemos fazendo
nenhum bem, e ninguém se importasse conosco? Já nos sentimos tentados
a dizer, quando postos de lado por alguma enfermidade, ou quando
retirados de cena pela providência divina: “Tenho eu trabalhado em vão e
gasto minhas forças inutilmente?” Enfrentemos tais pensamentos,
relembrando o que Jesus disse acerca de João Batista. Recordemo-nos de
que há Alguém que registra diariamente tudo quanto fazemos em favor
dEle, e que se agrada mais do trabalho de seus servos do que eles próprios
imaginam. A mesma língua que prestou testemunho a respeito de João
Batista, quando este estava na prisão, também dará testemunho de todo o
seu povo, no último dia. Ele dirá: “Vinde, benditos de meu Pai! entrai na
posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo”. Então
as testemunhas fiéis descobrirão, para sua admiração e grande surpresa,
que jamais proferiram uma única
palavra em favor de seu Mestre, pela qual não venham a receber uma
recompensa.
Mateus 11.16-24 77

A Insensatez dos Incrédulos;


O Perigo de Não se Usar a Luz
Leia Mateus 11.16-24

Estas declarações do Senhor Jesus foram provocadas pelo estado em


que se encontrava a nação judaica naquela época. Elas também falam
conosco, em alto e bom som, tanto quanto para os judeus. As palavras de
Jesus projetam uma grande luz sobre determinados aspectos do caráter do
homem natural, Elas nos ensinam sobre o perigoso estado em que se
encontram muitas almas imortais hoje em dia.
A primeira parte destes versículos mostra-nos a insensatez de muitas
pessoas não-convertidas, quanto às questões religiosas. Os judeus, na época de
Jesus Cristo, encontravam falta em qualquer mestre que Deus lhes enviasse.
Primeiro apareceu João Batista, pregando o arrependimento — um homem
austero que se mantinha afastado da sociedade e vivia como um asceta. Mas
isso satisfez aos judeus? Não! Antes, acharam falta nele e disseram: “Tem
demônio”. Então veio Jesus, o próprio Filho de Deus, pregando o
evangelho, vivendo como o faziam outros homens quaisquer sem praticar
nenhuma das austeridades peculiares a João Batista. E isso satisfez aos
judeus? Não! Novamente acharam falta, e disseram: “Eis aí um glutão e
bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!” Em suma, eles eram
perversos e difíceis de contentar tanto quanto a crianças teimosas.
É um fato lamentável que sempre existam milhares de professos
cristãos tão insensatos quanto aqueles judeus. Eles são tão perversos quanto
difíceis de contentar. Em tudo o que ensinamos ou pregamos eles
encontram alguma falha. Sem importar qual seja a nossa maneira de viver,
eles estão insatisfeitos. Se falamos da salvação mediante a graça e da
justificação pela fé, imediatamente eles clamam contra a nossa doutrina,
como se fosse licenciosa e antinomiana. Falamos da santidade que o
evangelho requer? Prontamente eles dizem que somos por demais estritos e
exigentes, como se quiséssemos ser justos demais. Estamos alegres? Eles
nos acusam de leviandade. Mostramo-nos graves e sérios? Então eles nos
taxam de melancólicos e azedos. Mantemo-nos afastados de bailes, de
corridas e de eventos esportivos? Então eles nos denunciam como
puritanos, exclusivistas e bitolados. Comemos, bebemos e nos vestimos,
como as demais pessoas, e frequentamos eventos sociais e outras atividades
seculares? Então eles insinuam, zombeteiramente, que não vêem qualquer
diferença entre nós e aqueles que não
78 Mateus 11.16-24

seguem qualquer religião, dizendo que não somos melhores do que os


demais homens. Ora, o que é tudo isso, senão a reiteração da conduta
daqueles judeus incrédulos? “Nós vos tocamos flauta, e não dançastes;
entoamos lamentações, e não pranteastes/‟ Aquele que disse estas palavras,
conhecia perfeitamente bem o coração do homem.
À verdade incontestável é que os verdadeiros cristãos não devem
esperar que homens não-convertidos estejam satisfeitos, seja com a fé ou
com a conduta dos crentes. Se assim o fizerem, estarão esperando o que não
podem mesmo receber da parte dos perdidos. Os crentes precisam
preparar-se mentalmente para ouvir objeções, argumentos ardilosos e
desculpas tolas, não importa quão santamente estejam vivendo. Com toda a
razão, afirmou Quesnel: “Não importa que medidas tomem os homens
bons, jamais conseguirão escapar das censuras do mundo. A melhor coisa a
fazer é não se deixar atingir por essas censuras”. Aü- nal, o que dizem as
Escrituras? “O pendor da carne é inimizade contra Deus” (Rm 8.7). “Ora, o
homem natural não aceita as cousas do Espírito de D e u s . . ( 1 Co 2.14).
Esta é a explicação de todo este assunto.
A segunda parte destes versfculos mostra-nos a enorme iniquidade da
impenitência proposital. Nosso Senhor declarou que “haverá menor rigor”
para Tiro, Sidom e Sodoma, no dia do juízo, do que para aquelas cidades
que tinham ouvido os sermões e contemplado os milagres de Jesus, mas não
se arrependeram.
Esta declaração se reveste de uma solenidade toda especial.
Examinemo-la, pois, detidamente. Pensemos, por momentos, em quanta
imoralidade, devassidão, idolatria e escuridão espiritual deve ter havido em
Tiro e Sidom. Relembremos a indizível iniqüidade de Sodoma.
Recordemo-nos de que as cidades designadas por nosso Senhor —* Co-
razim, Betsaida e Cafamaum — provavelmente não eram piores do que
quaisquer outras cidades da Judéia, e que, seja como for, eram muito
melhores, moralmente falando, do que Tiro, Sidom ou Sodoma. Então,
observemos que os habitantes de Corazim, Betsaida e Cafamaum achar-
-se-ão no mais profundo inferno, porquanto, embora tenham ouvido o
evangelho, não se arrependeram, e mesmo dispondo de grandes vantagens
religiosas, não tiraram proveito delas. Quão terrível soa tudo isso!
Por certo, estas palavras deveriam fazer tinir os ouvidos de todos os
que ouvem regularmente a pregação do evangelho, mas não querem
converter-se. Quão grande é a culpa de tais homens, diante de Deus! Quão
tremendo é o perigo espiritual em que se acham, dia após dia! Por mais
decentes, morais e respeitáveis que possam ser suas vidas, na verdade eles
são mais culpados aos oíhos de Deus do que os moradores de Tiro e Sidom,
ou do que algum miserável habitante de Sodoma. Aquela gente não
dispunha de qualquer luz espiritual, mas
Mateus 11.16-24 79

estes últimos negligenciam a luz espiritual que lhes é proporcionada.


Aqueles nunca tiveram oportunidade de ouvir o evangelho, mas estes não
querem obedecer-lhe. O coração daquela gente da antigüidade talvez
chegasse a sensibilizar-se, se tivessem desfrutado dos mesmos privilégios
destes últimos. Tiro e Sídom “se teriam arrependido com pano de saco e
cinza‟‟, e Sodoma teria „ „permanecido até ao dia de hoje‟ ‟. O coração
dessas pessoas, mesmo sob a luz intensa do evangelho, permanece frio e
inabalável. Só podemos tirar de tudo isso uma única e dolorosa conclusão:
a culpa de tais pessoas será muito maior do que a daqueles antigos, no
último dia. Com profimda verdade observou um pastor inglês: “Entre
todos os agravantes dos nossos pecados, não há nada mais hediondo do
que ouvirmos, com freqüência, qual é o nosso dever”.
Que todos meditemos freqüenteraente a respeito de Corazim, Bet-
saida e Cafamaum! Que fique bem estabelecido em nossas mentes que o
fato de ouvirmos e gostarmos do evangelho, apenas, não é suficiente.
Precisamos ir mais além. Devemos fazer o que Jesus disse: “arrependei-
-vos e convertei-vos”. Precisamos, realmente, valer-nos de Cristo,
unindo-nos espiritualmente a Ele. Enquanto não fizermos assim, esta-
remos em grave perigo. No fim, haverá menos rigor para os moradores de
Tiro, Sidom e Gomorra, que não ouviram o evangelho, do que para
os que agora vivem no Brasil e ouvem o evangelho, mas morrem na
incredulidade.

A Grandeza de Cristo;
O Amplo Convite do Evangelho
Leia Mateus 11.25-30

Poucas passagens existem, nos quatro evangelhos, que sejam mais


importantes do que esta. Há poucos trechos bíblicos que contenham, em
tão poucos versículos, tantas e tão preciosas verdades. Que Deus
nos dê olhos para ver e coração para apreciar o grande valor destas
verdades!
Em primeiro lugar, aprendemos quão excelente é a atitude mental de ser simples
e despretencioso como uma criança, e estar pronto a recebera instrução. Em
oração, nosso Senhor disse a Deus Pai: “Ocultaste estas cousas aos sábios e
entendidos, e as revelaste aos pequeninos”.
Não nos compete tentar explicar por que razão alguns recebem e
crêem no evangelho, enquanto outros não o fazem. A soberania de Deus
quanto a isso é um profundo mistério, de maneira que não somos
80 Mateus J 1.25-30

capazes de sondá-la. Mas, seja como for, bá algo na Bíblia que se destaca
como uma grande verdade prática, e da qual jamais nos deveríamos
esquecer. O evangelho geralmente está oculto daqueles que são “sábios a
seus próprios olhos, e prudentes em seu próprio conceito” (Is 5.21). O
evangelho geralmente é revelado aos humildes e despretenciosos, que
estão dispostos a aprender. As palavras da virgem Maria estão se cum-
prindo constantemente: „ „Encheu de bens os famintos, e despediu vazios
os ricos” (Lc 1.53).
Vigiemos nosso coração quanto ao orgulho, em todas as suas ma-
nifestações — o orgulho intelectual, o orgulho das riquezas, o orgulho em
face de nossa própria bondade, o orgulho de nossos próprios méritos.
Coisa alguma tende por manter um homem fora do céu, impedindo-o de
ver a Cristo, mais do que o orgulho. Enquanto imaginarmos que somos
alguma coisa, jamais seremos salvos. Oremos pedindo humildade, e então
a cultivemos. Procuremos conhecer a nós mesmos de maneira correta,
descobrindo a nossa verdadeira condição diante de um Deus santo. O
início do caminho para o céu é quando sentimos que estamos no caminho
do inferno, e então nos dispomos a ser ensinados pelo Espírito Santo. Um
dos primeiros passos no caminho da salvação éperguntar, como fez Saulo
de Tarso: “Que farei, Senhor?” (At 22.10). Dificilmente há outra
afirmação de nosso Senhor que seja tão frequentemente repetida quanto
esta: “...o que se exalta, será humilhado; mas o que se humilha, será
exaltado” (Lc 18.14).
Em segundo lugar, aprendamos, com base nestes versículos, a
grandiosidade e a majestade de nosso Senhor Jesus Cristo. A linguagem de
nosso Senhor quanto a este assunto é profunda e maravilhosa. Disse Ele:
“Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai;
e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser
revelar”. Ao ler estes versículos, bem podemos dizer: “Tal conhecimento é
maravilhoso demais para mim: é sobremodo elevado, não o posso atingir‟
‟, Podemos vislumbrar um pouco da perfeita união existente entre a
primeira e a segunda pessoa da Trindade. Vemos algo da incomensurável
superioridade do Senhor Jesus, sobre todos os que não passam de meros
homens. Não obstante, depois de havermos dito tudo isso, devemos
confessar que existem alturas e profundidades neste versículo, que estão
muito além da nossa débil compreensão. Podemos apenas admirá-las no
espírito de crianças pequenas. Contudo, ainda assim, sentimos que metade
dessas coisas jamais se contou ao mortal.
Entretanto, que nós vejamos nestas palavras de Jesus a grande
verdade prática de que todo poder e autoridade, em tudo quanto diz
respeito à salvação de nossas almas, está nas mãos de nosso Senhor
Mateus 11,25-30 81

Jesus Cristo. “Tudo me foi eotregue por meu Pai.” Ele tem a chave. Para ir
ao céu, precisamos ir até Ele. Ele é a porta: precisamos entrar por
intermédio dEle. Ele é o pastor das ovelhas: precisamos ouvir a Sua voz e
segui-Lo, se não quisermos perecer no deserto. Ele é o médico das almas:
precisamos consultá-Lo, se quisermos ser curados da praga do pecado. Ele
é o pão da vida: precisamos nos alimentar dEle, se quisermos que as nossas
almas sejam satisfeitas. Ele é a luz: devemos andar após Ele, se não nos
quisermos desviar para as trevas. Ele é a fonte da vida: precisamos
lavar-nos no seu sangue, se quisermos ser purificados e preparados para o
grande dia da prestação de contas. Benditas
e gloriosas são estas verdades! Se temos a Cristo, temos todas as coisas (1
Co 3.22).
Por fim, com base nesta passagem, aprendemos como é amplo e pleno
o convite do evangelho de Cristo. Os últimos três versículos do capítulo, que
encerram essa lição, são realmente preciosos. Eles vêm ao encontro do
trêmulo pecador, que indaga: “Cristo revela o amor do Pai para alguém
como eu?” Estes versos são um precioso encorajamento, e merecem ser
lidos com especial atenção. Por quase dois mil anos eles têm sido uma
bênção para o mundo, e têm beneficiado a milhões de pessoas. Não há uma
única sentença, nestes versículos, que não contenha preciosos
pensamentos.
Observe quem são aqueles a quem Jesus convida. Ele não se dirige
àqueles que se sentem justos e dignos em si mesmos. Ao contrário,
dirige-se a “todos os que estais cansados e sobrecan-egados”. Essa é uma
descrição bastante ampla. Abrange multidões neste mundo cansativo.
Todos os que sentem um peso no coração, todos quantos desejam tornar-se
livres de alguma carga do pecado, de alguma carga de tristeza, de alguma
carga de ansiedade ou de remorso — todos estão convidados a virem a
Cristo, não importa quem sejam ou o que já tenham sido na vida.
Note, em seguida, a graciosa oferta que Jesus faz. “Eu vos aliviarei... e
achareis descanso para as vossas almas.*‟ Quão animadoras e confortantes
são tais palavras! A falta de tranqüilidade é uma das grandes características
do mundo. A pressa, o vexame, o fracasso e os desapontamentos nos
confrontam por todos os lados. Mas há esperança. Existe uma arca de
refugio para o cansado, tal como houve para a pomba solta por Noé. Em
Cristo encontramos descanso — descanso para a consciência e para o
coração, descanso fundamentado no perdão de todo pecado, descanso que é
resultado da paz com Deus.
Veja quão simples é o pedido que Jesus faz aos que estão cansados e
sobrecarregados. “Vinde a mim... tomai sobre vós o meu jugo... aprendei de
mim...” Jesus não interpôs nenhuma condição difícil de
82 Mateus 11.25-30

ser atendida. Ele nada fala sobre obras a serem realizadas, ou de me-
recimentos, para que alguém possa receber os seus dons. Ele somente nos
pede para irmos até Ele como estamos, com todos os nossos pecados,
entregando-nos aos seus cuidados, como criancinhas dispostas a receber o
seu ensino. É como se Jesus dissesse: “Não busqueis alívio nos homens.
Não espereis que vos apareça alguma ajuda, vinda de outra direção. Tais e
quais sois, neste mesmo dia, vinde a mim”.
Observe, iguaímente, quão eneorajadora descrição Jesus faz de si
mesmo. Ele diz: “Sou manso e humilde de coração”. Quão verazes são essas
palavras é algo que todos os santos de Deus têm freqüente- mente
experimentado. Maria e Marta, em Betânia, Pedro após a sua queda, os
discípulos após a ressurreição, Tomé depois de sua fria incredulidade —■
todos eles provaram da “humildade e gentileza de Cristo”. Este é o único
lugar em toda a Escritura, onde se faz menção ao “coração” de Jesus. Esta é
uma declaração que nunca deveríamos esquecer.
Em último lugar, observe a eneorajadora consideração que Jesus dá
ao serviço prestado a Ele. Ele diz: “O meu jugo é suave e o meu fardo é
leve”. Sem dúvida que existe uma cruz para ser carregada se seguimos a
Cristo. Indubitavelmente existem provações e testes a serem enfrentados, e
batalhas a serem travadas. Mas, os consolos do evangelho ultrapassam em
muito o peso da cruz. Comparado com o serviço ao mundo e ao pecado,
comparado com o jugo das cerimônias judaicas e com a escravidão às
superstições humanas, o serviço prestado a Cristo é muitas vezes mais leve
e fácil. O jugo de Cristo não é carga maior do que as penas o são para a ave
que as possui. Os mandamentos de Cristo “não são penosos” (1 Jo 5.3). “Os
seus caminhos são caminhos deliciosos,e todas as suas veredas paz” (Pv
3.17).
Agora vem a solene pergunta: Já aceitamos, pessoalmente, esse
convite? Acaso, não temos pecados a serem perdoados e nem tristezas a
serem removidas? nem feridas de consciência a serem saradas? Se temos,
ouçamos atentamente a voz de Jesus Cristo. Ele fala conosco como falou
aos judeus. “Vinde a mim...” Esta é a chave para a verdadeira felicidade.
Eis o segredo de ter um coração leve. Tudo depende e gira em torno da
aceitação desta oferta que Cristo faz.
Que jamais estejamos satisfeitos, enquanto não soubermos e sen-
tirmos que já fomos a Cristo pela fé, buscando nEle o descanso, e que cada
dia estamos indo até Ele em busca de novos suprimentos da graça divina!
Se fomos até Ele, aprendamos a nos apegar a Ele ainda mais intimamente.
Mas, se ainda não fomos até Ele, então que o façamos agora mesmo. A
palavra de Cristo jamais falhará: “O que vem a mim, de modo nenhum o
lançarei fora” (Jo 6.37).
Mateus 12.1-13 83

A Verdadeira Doutrina do Sábado


Sem os Erros Judaicos
Leia Mateus 12.1-13

O grande assunto que aparece com proeminência nesta passagem é


o dia de sábado. Esse era um assunto sobre o qual prevaleciam estranhas
opiniões entre os judeus, na época de nosso Senhor. Os fariseus haviam
feito muitos acréscimos ao que as Escrituras ensinavam a respeito do
assunto e sobrecarregaram o verdadeiro caráter desse dia com as tradições
humanas. Este também é um assunto acerca do qual diversas opiniões têm
sido defendidas nas igrejas de Cristo, e a respeito do qual existem
atualmente entre os homens grandes diferenças. Vejamos o que podemos
aprender a respeito, com base nos ensinos de nosso Senhor, nestes
versículos.
Em primeiro lugar, fixemos na mente, como um princípio soli-
damente estabelecido, que nosso Senhor Jesus Cristo não anula a observância
de um dia semanal de descanso sabático. Nem aqui nem em qualquer outro
trecho dos quatro evangelhos isso acontece. Freqüen- temente
encontramos ensinos de Cristo acerca das distorções judaicas atinentes ao
sábado, mas jamais uma palavra ensinando que os discípulos de Cristo não
devem observar o dia do descanso.
E importantíssimo notar esse fato. Os equívocos que se têm ori-
ginado de uma consideração superficial das declarações de nosso Senhor
acerca do sábado, não são nem pequenos e nem poucos. Milhares de
pessoas têm chegado à conclusão precipitada de que os cristãos nada têm a
ver com o quarto mandamento da lei, e que ele não é obrigatório, dá mesma
forma que não é obrigatória a lei mosaica dos sacrifícios de animais.
Todavia, nada existe nas páginas do Novo Testamento que justifique tal
conclusão.
A verdade patente é que nosso Senhor não aboliu a lei do sábado.
Tão-somente Ele a liberou das interpretações incorretas, purificando-a de
adições inventadas pelos homens. Jesus não arrancou do decálogo o quarto
mandamento. Apenas o desnudou das miseráveis tradições pelas quais os
fariseus haviam incrustado o dia, transformando-o em uma carga
insuportável, ao invés de ser uma bênção. Jesus deixou o quarto
mandamento exatamente onde o encontrou, isto é, como parte integrante da
eterna lei de Deus, da qual não se pode retirar nem sequer um til, e a qual
jamais passará. Que nunca nos esqueçamos disso!
Em segundo lugar, fixemos bem em nossas mentes que nosso Senhor
Jesus Cristo permite que todas as obras de real necessidade,
84 Mateus 12.1-13

e obras de misericórdia, sejam feitas no dia do sábado. Este é um princípio


abundantemente firmado na passagem bíblica que ora consideramos.
Encontramos nosso Senhor justificando aos seus discípulos por colherem
espigas em dia de sábado. Era um ato permitido nas Escrituras (Dt 23.25).
Eles estavam famintos e necessitados de comida. Portanto, não se poderia
culpá-los. Vemos o Senhor Jesus frisando a legitimidade da cura de um
homem enfermo, em dia de sábado. O homem estava padecendo de uma
dolorosa enfermidade. Nesse caso, não era desobediência ao quarto
mandamento prestar alívio. Jamais deveríamos descansar de fazer o bem.
São salientes e irretorquíveis os argumentos por intermédio dos
quais nosso Senhor dá apoio à legitimidade de toda e qualquer obra
necessária ou de misericórdia, em dia de sábado. Quando acusado pelos
fariseus de ter quebrado a lei junto com os seus discípulos, Jesus
reíembra-os como Davi e seus homens, quando necessitados de alimentos,
haviam comido dos pães da proposição que estavam no tabernáculo. Ele os
faz relembrar de como os sacerdotes são obrigados a trabalhar aos sábados,
no templo, abatendo animais e oferecendo sacrifícios. Também fê-los
lembrar de que até mesmo uma ovelha deveria ser ajudada a sair de algum
buraco, em dia de sábado, ao invés de permitir-se que ali ficasse e
morresse. Acima de tudo, porém, Jesus estabelece o grande princípio de
que nenhuma ordenança de Deus deve ser pressionada sobre nós de modo
que nos obrigue a negligenciar os claros deveres da caridade para com o
próximo. “Misericórdia quero, e não holocaustos.” A primeira tábua da lei
não deve ser interpretada de tal maneira que nos force a desobedecer à
segunda. O quarto mandamento não deve ser explicado de maneira a nos
tornar insensíveis e destituídos de misericórdia para com o próximo. Há
uma profunda sabedoria em tudo isso. Lembremo-nos de que “jamais
alguém falou como este homem” (Jo 7.46).
Ao deixarmos este assunto cuidemos para que jamais sejamos
tentados a menosprezar a santidade do sábado cristão. Tenhamos cuidado
para não fazer das instruções de nosso gracioso Senhor uma desculpa para
a profanação do dia de descanso. Não abusemos da liberdade que Ele
assinalou tão claramente para nós, fingindo que fazemos obras necessárias
e de misericórdia, no dia do Senhor, que, na verdade, fazemos para
satisfazer ao nosso próprio egoísmo.
Há um grande motivo para advertirmos as pessoas quanto a isso. Os
erros dos fariseus, no tocante ao dia do Senhor, tendiam para um extremo.
Os erros dos cristãos tendem para o outro extremo. Os fariseus fingiam
querer aumentar a santidade do dia. Os cristãos, com grande freqiiência,
dispõem-se a subtrair a santidade do dia, agindo de maneira
Mateus 12.1-13 85

irreverente, profana e ociosa. Que cada um de nós vigie a sua própria


conduta quanto a essa questão. O cristianismo verdadeiro está intimamente
ligado à observância autêntica do dia do Senhor. Que jamais nos
esqueçamos de que o nosso grande alvo deveria ser obediência ao man-
damento que diz: “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar”. As obras
de necessidade e misericórdia podem ser feitas. Jesus disse: “É lícito fazer
bem”. Porém, dedicar o dia do Senhor ao mero lazer, ao ócio ou ao mundo
é contra a lei de Deus. Tal atitude é contrária ao exemplo de Cristo, e um
pecado contra um mandamento claro de Deus.

A Iniqüidade dos Fariseus;


Descrição Encorajadora do Caráter de Cristo
Leia Mateus 12.14-21

A primeira coisa que nos chama a atenção nesta passagem é a


desesperada iniqüidade do coração humano. Silenciados e derrotados pelos
argumentos de nosso Senhor, os fariseus foram afundando cada vez mais
no pecado. Eles, retirando-se “conspiravam contra ele, em como lhe
tirariam a vida”.
Que maldade havia praticado nosso Senhor para ser tratado daquela
maneira? Nenhuma, de modo algum. Eles não podiam fazer qualquer
acusação legítima contra Ele. Jesus era santo, inocente, sem mácula e
separado dos pecadores. Os seus dias eram passados inteiramente na
prática do bem. Nenhuma acusação podia ser levantada contra os seus
ensinamentos. Ele havia provado que sua doutrina concordava com as
Escrituras e com a razão, e nenhuma resposta havia sido dada aos seus
argumentos. Não obstante, pouco importava quão perfeitamente Ele vi-
vesse ou ensinasse. Ele era odiado.
Assim é a natureza humana, manifestando-se em suas verdadeiras
cores. O coração não convertido odeia a Deus e mostrará este ódio sempre
que ousar ou tiver uma oportunidade favorável. Sempre perseguirá as
testemunhas de Deus. Desagrada-lhe todos os que manifestam algo da
mente de Deus ou que tenham sido renovados segundo a sua imagem. Por
que tantos dentre os profetas do Senhor foram mortos? por que os nomes
dos apóstolos foram rejeitados pelos judeus como malignos? por que os
primeiros mártires cristãos foram executados? por que João Huss, Jerônimo
de Praga, Ridley e Latimer foram queimados na fogueira? Não por causa de
algum pecado que houvessem cometido; e nem por causa de qualquer
iniqüidade que tivessem praticado. Todos sofreram porque eram homens
piedosos. A natureza hu
86 Mateus 12.14-21

mana não-convertida odeia os homens de Deus, porque odeia o próprio


Deus.
Os crentes verdadeiros nunca devem ficar surpresos, recebem o
mesmo tratamento que Jesus recebeu. “Irmãos, não vos maravilheis, se o
mundo vos odeia” (1 Jo 3.13). Nem a coerência mais perfeita ou o
caminhar mais chegado com Deus, haverá de isentar o crente da inimizade
do homem natural. O crente não precisa torturar a sua mente com a fantasia
de que, se tivesse menos faltas e mais coerência, todos os homens
certamente o amariam. Tal pensamento envolve um tremendo equívoco.
Devemos nos lembrar de que nunca houve um homem perfeito na terra,
senão um só, e que Ele não foi amado, e sim, odiado. Não é das fraquezas
do crente que o mundo desgosta, mas da sua bondade. Não são os
remanescentes da antiga natureza humana que provocam a inimizade dos
homens deste mundo, mas antes, é a exibição da nova natureza.
Lembremo-nos destas verdades e sejamos pacientes. O mundo odiou a
Cristo e continuará odiando os crentes.
A outra coisa que nos chama a atenção nesta passagem é a en-
corajadora descrição do caráter de nosso Senhor Jesus Cristo, que o apóstolo
Mateus extraiu da profecia de Isaías. “Não esmagará a cana quebrada, nem
apagará a torcida que fumega.”
O que devemos entender com as expressões “cana quebrada” e
“torcida que fumega”? Sem dúvida alguma, a linguagem do profeta é
figurada. O que significam essas duas expressões? A explicação mais
simples parece ser que o Espírito Santo estava aqui descrevendo pessoas
cuja graça no momento é fraca, cujo arrependimento é débil, e cuja fé é
pequena. Para com tais pessoas, o Senhor Jesus Cristo mostrar- -se-á muito
temo e compassivo. Embora a cana quebrada seja frágil, não será
esmagada. Por menor que seja a torcida que fumega, não será apagada.
Esta é verdade permanente no reino da graça divina, que uma graça fraca,
uma fé fraca e um arrependimento fraco são todos preciosos aos olhos de
nosso Senhor. “Deus é mui grande, contudo a ninguém despreza” (Jó 36.5).
A doutrina aqui salientada é plena de consolo e conforto. Para os
milhares de crentes em todas as igrejas de Cristo, essa doutrina deveria
representar grande paz e esperança. Em cada congregação, há alguns que
ouvem o evangelho, mas estão à beira de desistir da própria salvação,
porquanto as suas forças lhes parecem tão poucas. Estão cheios de temores
e desalentos, porquanto o seu conhecimento, fé, esperança e amor parecem
tão pequenos e insignificantes. Que esses crentes sejam consolados por
este texto bíblico. Que eles saibam que a fé, embora fraca, confere ao seu
possuidor um interesse real e verdadeiro em Cristo, tanto quanto a fé mais
robusta, embora não forneça o mesmo gozo.
Mateus 12.14-21 87

Há vida biológica em um recém-nascido, tanto quanto em um homem


plenamente adulto. Há fogo em uma fagulha, tanto quanto nas chamas mais
ardentes. Mesmo o menor grau de graça divina é uma possessão que dura
para sempre. A graça divina nos vem do céu, é preciosa aos olhos de nosso
SenhoT. Jamais será rejeitada.
Acaso Satanás faz pouco caso dos primeiros passos do arrepen-
dimento para com Deus e da fé em nosso Senhor Jesus Cristo? Não! Pelo
contrário, ele é tomado de grande ira, porque percebe que o seu tempo está
se tornando cada vez mais curto. Acaso os anjos de Deus consideram com
desdém os primeiros sinais de penitência para com Deus, em Cristo? Não,
de maneira alguma! Há júbilo entre os anjos, quando os pecadores se
arrependem. Acaso o Senhor Jesus mostra desinteresse quando a fé é
pequena e o arrependimento fraco? Não, certo que não! No momento em
que uma “cana quebrada” como Saulo de Tarso começa a clamar a Deus,
eis que o Senhor lhe envia Ananias, porque “ele está orando” (At 9.11).
Erramos gravemente se não encorajamos os primeiros passos de uma alma
em direção a Cristo. Que os ignorantes deste mundo escarneçam e zombem,
se assim o quiserem fazer. Podemos estar certos de que as “canas
quebradas” e as “torcidas que fumegam” são muito preciosas aos olhos de
nosso Senhor.
Que todos nós entesouremos estas verdades no coração, utilizando-
-as nos momentos de necessidade, tanto para o nosso proveito como para o
de outras pessoas. Deveria ser um conceito bem firme em nossa religião
cristã que uma fagulha é melhor do que a escuridão, e que uma pequena fé é
melhor do que nenhuma fé. Há quem despreze “o dia dos humildes
começos”? (Zc 4.10), mas esses humildes começos não são desprezados
por Cristo; e também não deveriam ser desprezados pelos crentes.

A Blasfêmia dos Adversários de Cristo; O


Pecado Contra o Conhecimento; As Palavras Vãs
Leia Mateus 12.22-37

Esta passagem das Escrituras contém „ „cousas difíceis de enten-


der”^ Pe 3.16). O pecado contra o Espírito Santo, em particular, nunca foi
devidamente explicado, nem mesmo pelos teólogos mais eruditos. Não é
difícil demonstrar, a partir das Escrituras, no que esse pecado não consiste.
Difícil é demonstrar claramente o que é esse pecado. Contudo, não
precisamos ficar surpresos. A Bíblia não seria o Livro de Deus, se não
contivesse trechos mais profundos, aqui e ali, que nenhum
88 Mateus 12.22-37

ser humano é capaz de perscrutar. Cumpre-nos agradecer a Deus pelas


lições de sabedoria a serem extraídas, até mesmo de versículos como estes,
acima; lições que mesmo os iletrados podem compreender facilmente .
Aprendamos destes versículos, antes de mais nada, que não existe
coisa alguma por demais blasfema para os homens endurecidos e pre-
conceituosos dizerem contra o cristianismo. Nosso Senhor expele um
demônio, e imediatamente os fariseus declaram que Ele faz isso “pelo
poder de Belzebu, maioral dos demônios”, A acusação foi simplesmente
absurda. Nosso Senhor, pois, mostra ser uma falta de bom senso supor que
o diabo ajudaria a derrubar o seu próprio reino, dizendo: “Se Satanás expele
a Satanás, dividido está contra si mesmo”. Todavia, para os incrédulos, não
parece ser um exagero quando dizem as coisas mais absurdas e ilógicas
contra a religião cristã. Os fariseus não eram os únicos que perderam de
vista a lógica, o bom senso e o equilíbrio, quando se trata de atacar o
evangelho de Cristo.
Por mais estranha que pareça aquela acusação, com freqüência ela
tem sido feita contra os servos do Senhor. Os inimigos dos crentes têm sido
forçados a confessar que os servos de Deus estão realizando uma obra no
mundo, e que está produzindo efeito. Os resultados do labor cristão deixam
perplexos os incrédulos. Eles não podem negar o fato. Assim sendo, o que
poderiam eles dizer? Dizem exatamente aquilo que os fariseus disseram a
respeito de nosso Senhor: “Tem demônio”. Os mais antigos hereges
disseram coisas desse tipo contra Atanásio. Os católicos-romanos
espalharam rumores dessa espécie a respeito de Martinho Lutero. E coisas
assim continuarão sendo ditas, enquanto o mundo existir.
Nunca deveríamos nos surpreender se horrendas acusações são
feitas contra os melhores homens, sem causa. “Se chamaram Belzebu
*

ao dono da casa, quanto mais aos seus domésticos?” E um velho estra-


tagema. Quando os argumentos de um crente não podem ser respondidos, e
as suas boas obras não podem ser negadas, então o último recurso dos
ímpios é tentar denegrir o caráter do crente. Se isso é o que está nos
acontecendo, suportemos tudo com paciência. Se temos a Cristo e uma boa
consciência, podemos estar contentes. Falsas acusações não impedirão a
nossa entrada no céu. O nosso caráter será mostrado em suas verdadeiras
luzes, no último dia.
Em segundo lugar, reconhecemos por estes versículos que ê im-
possível a neutralidade em religião. Disse Jesus: “Quem não é por mim, é
contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha”. Muitos, em toda a
história da igreja de Cristo, tem tido a necessidade de serem confrontados
com estas palavras de nosso Senhor, Eles se esforçam por manter
Mateus J2.22-37 89

meio termo em sua religião. Não são tão maus quanto muitos pecadores;
porém, também não são santos. Eles sentem a veracidade do evangelho de
Cristo, quando este lhes é apresentado, mas têm receio de confessar o que
sentem. Visto que têm tais sentimentos, bajulam-se a si mesmos, pensando
que não são tão ruins quanto os outros. Não obstante, estão aquém do
padrão de fé e conduta que Jesus estabeleceu. Eles não estão posicionados
decididamente do lado de Cristo, mas também não se declaram
abertamente contra Ele. Nosso Senhor adverte a todos estes, que eles se
encontram em uma posição extremamente perigosa. Em termos de religião
existem somente dois lados, somente dois partidos. Estamos do lado de
Cristo, trabalhando na sua causa? Se assim não é, estamos contra Ele.
Estamos fazendo o bem neste mundo? Se não fazemos o bem, fazemos o
mal.
O princípio aqui lançado é de natureza tal que deveria interessar a
todos nós. Estabeleçamos com firmeza em nossas mentes, que jamais
teremos paz e faremos o bem a outras pessoas, a menos que sejamos
francos e resolutos em nosso cristianismo. O ensino de Gamaliel e de
Erasmo jamais, até agora, trouxe felicidade e serventia a quem quer que
seja, nem jamais o fará.
Em terceiro lugar, notemos a excessiva iniqüidade dos pecados
cometidos contra o conhecimento. Esta é uma conclusão prática, que parece
fluir naturalmente das palavras de nosso Senhor acerca da blasfêmia contra
o Espírito Santo. Por mais difíceis que nos pareçam estas palavras, parece
justo pensarmos que elas provam a existência de níveis variados de
pecaminosidade. As ofensas que se derivam da ignorância a respeito da
verdadeira missão do Filho do Homem não serão punidas com tanta
severidade quanto as ofensas cometidas contra a luz maior que possuímos,
nesta nossa dispensação do Espírito Santo. Quanto maior a luz espiritual,
maior a culpa de quem a rejeita. Quanto mais claro for o conhecimento que
um homem tiver, da natureza do evangelho, tanto maior será o seu pecado,
se ele se recusa a arrepender-se e a crer.
A doutrina aqui ensinada também aparece em outras partes das
Sagradas Escrituras. Disse o escritor da epístola aos Hebreus: “É im-
possível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados... sim, é
impossível outra vez renová-los para arrependimento... porque, se vi-
vermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno
conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo
contrário, certa expectação horrível de juízo...” (Hb 6.4-7 e 10.26,27), Esta
é uma doutrina a respeito da qual encontramos provas lamentáveis por toda
a parte. Os filhos não-convertidos de pais crentes, os empregados
não-convertidos que trabalham para famílias piedosas, os membros
não-convertidos de congregações evangélicas são as pessoas mais di
90 Mateus 12.22-37

fíceis de impressionar em toda a terra. Parece que já ficaram insensíveis. A


mesma chama que amolece a cera, endurece o barro. Esta é uma doutrina
que recebe uma terrível confirmação nas histórias de pessoas que
terminaram os seus dias de maneira realmente desesperada. Faraó, Saul,
Acabe, Judas Iscariotes, Juliano e Francisco Spira são ilustrações temíveis
daquilo que nosso Senhor quis dizer. Em todos esses casos houve uma
combinação de claro conhecimento da verdade e deliberada rejeição de
Cristo. Em cada um havia iluminação na mente, ódio à verdade, no coração.
O fim de cada uma dessas pessoas parece ter sido a escuridão das trevas para
sempre.
Que Deus nos dê o desejo de usar o conhecimento de que já dis-
pomos, seja ele grande ou pequeno! Que tomemos cuidado de não negli-
genciarmos as oportunidades para desenvolver o conhecimento que já
temos! Temos luz? Então vivamos de acordo com essa luz. Conhecemos a
verdade? Então andemos na verdade. Esta é a melhor salvaguarda contra o
pecado imperdoável.
Em último lugar, aproveitemos destes versículos o ensino sobre a
imensa importância do cuidado que devemos ter com as palavras que falamos
diariamente. Nosso Senhor nos informa que, “de toda palavra frívola que
proferirem os homens, dela darão conta no dia de juízo“. E, acrescenta:
“Pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás
condenado”.
Poucas declarações de Cristo são capazes de sondar tão profun-
damente os nossos corações quanto estas. Talvez nenhuma outra coisa
exista a que os homens dêem tão pouca atenção, quanto às suas próprias
palavras. Eles passam suas atividades diárias falando e conversando sem
pensar e sem refletir, e parecem imaginar que, se fizerem o que é direito,
pouco importa o que dizem.
Porém, é assim mesmo? São nossas palavras tão completamente
insignificantes e sem importância? Em vista de uma passagem bíblica como
esta, não ousaríamos afirmar tal coisa. Nossas palavras evidenciam o estado
do nosso coração, tão certo quanto o gosto da água evidencia o estado do
seu manancial, “A boca fala do que está cheio o coração”. Os lábios só
proferem aquilo que a mente concebe. As nossas palavras formarão um
assunto para inquisição contra nós, no dia do julgamento final. Teremos de
prestar contas das nossas declarações, tanto quanto de nossos atos. De fato,
estas são considerações muito solenes. Se não existisse qualquer outro texto
na Bíblia, este, por si só, deveria convencer-nos do fato que todos somos
culpados diante do Senhor e de que precisamos de uma justiça muito
superior à nossa — a justiça de Cristo (Fp 3.9).
Que nos mostremos humildes, enquanto lemos esta passagem, ao
Mateus 12.22-37 91

relembrarmos os tempos passados. Quantas palavras ociosas, tolas, vãs,


levianas, frívolas, pecaminosas e sem proveito todos nós temos dito!
Quantas e quantas palavras temos usado, as quais, como ervas daninhas,
têm-se espalhado por uma grande área, semeando duradouro mal no
coração de outras pessoas! Conforme disse um homem de Deus no passado,
quando nos encontramos com os nossos amigos, com quanta freqüência “as
nossas palavras servem somente para, mais tarde, nos arrependermos delas!
‟ ‟ Há uma profunda verdade no que disse Burkitt: “Uma zombaria profana,
ou um escárnio ateu, podem grudar à mente daqueles que os ouvirem, muito
depois que já morreu a língua que os proferiu. Uma palavra dita é
fisicamente transitória, mas é moralmente permanente”. Escreveu Salomão:
“A morte e a vida estão no poder da língua” (Pv 18.21).
Mostremo-nos vigilantes, no tocante aos nossos dias vindouros,
depois de havermos lido este trecho bíblico acerca das nossas palavras.
Resolvamos, com a ajuda da graça divina, ser mais cautelosos e equi-
librados quanto ao uso que fizermos da língua, sobre como haveremos de
usar as palavras. Oremos diariamente para que a nossa palavra “seja sempre
agradável, temperada com sal” (Cl 4.6). A cada manhã, digamos juntamente
com o santificado Davi: “Disse comigo mesmo: Guardarei os meus
caminhos, para não pecar com a língua” (SI 39.1). Clamemos, como Davi,
ao forte por força: “Põe guarda, Senhor, à minha boca; vigia a porta dos
meus lábios” (SI 141.3). Foi com grande razão que Tiago escreveu: “Se
alguém não tropeça no falar é perfeito varão” (Tg 3.2).

O Poder da Incredulidade;
Reformas Imperfeitas e Incompletas;
O Amor de Cristo Pelos Seus Discípulos
Leia Mateus 12.38-50

O começo desta passagem é um daqueles trechos que ilustram


admiravelmente a veracidade da história do Antigo Testamento. Nosso
Senhor menciona a rainha do Sul, como uma pessoa real, alguém que tinha
vivido e morrido. Ele se refere à história de Jonas e sua miraculosa
preservação no ventre do grande peixe como fatos inegáveis. Não nos
esqueçamos disso, pois há pessoas que dizem crer nos escritos do Novo
Testamento, mas ao mesmo tempo zombam dos acontecimentos registrados
no Antigo Testamento, como se fossem meras fábulas. Tais indivíduos
esquecem-se de que, assim fazendo, lançam desdém sobre o
92 Mateus 12 38-50
*

próprio Cristo. Quanto à sua autoridade, o Antigo e o Novo Testamento


permanecem de pé ou caem juntamente. O mesmo Espírito Santo que
inspirou homens para escrever sobre Salomão e sobre Jonas, também
inspirou os evangelistas a escreverem a história de Jesus Cristo. Estas não
são questões sem importância nestes nossos dias. Que tais coisas fiquem
bem afixadas em nossa mente.
A primeira lição prática que requer nossa atenção, nestes versículos,
é o espantoso poder da incredulidade. Observemos como os escribas e fariseus
solicitaram de nosso Senhor que lhes mostrasse um maior número de
milagres: “Mestre, queremos ver de tua parte algum sinal“. Eles fingiam
que só desejavam receber maiores e mais convincentes evidências, a fim de
se deixarem convencer e tomarem-se discípulos. Eles fecharam os olhos
para os inúmeros milagres que Jesus já havia realizado. Não era suficiente
para eles que Jesus tivesse curado os enfermos e purificado os leprosos,
ressuscitado mortos e expulsado demônios. Eles ainda não estavam
persuadidos. Ainda exigiam mais provas. Não queriam enxergar aquilo que
nosso Senhor mostrou claramente em sua resposta, isto é, que eles não
tinham disposição real para crer. Já havia evidência suficiente para
convencê-los, mas eles não queriam ser convencidos.
Na igreja de Cristo, há muitos que se encontram exatamente nas
mesmas condições espirituais desses escribas e fariseus. Eles bajulam a si
mesmos, dizendo que só precisam de um pouco mais de provas para se
tornarem cristãos decididos. Imaginam que, se a sua razão e intelecto ao
menos fossem alimentados por mais alguns argumentos, imediatamente
desistiriam de tudo para seguir a causa de Cristo, tomando a cruz e
seguindo-O. Mas enquanto isso, ficam apenas esperando. Infeliz cegueira a
deles! Não querem mesmo ver a grande quantidade de evidências ao seu
redor. A verdade insofismável é que eles não querem se deixar convencer.
Que todos nos ponhamos em guarda contra essa atitude de in-
credulidade. Esse é um mal crescente nos dias que correm. A ausência de
uma fé simples, como a de uma criança, é uma das características marcantes
em nossos tempos, em todos os níveis da sociedade. A verdadeira
explicação para muitas coisas estranhas, que nos espantam, na conduta de
homens de influência nas igrejas e no governo das nações, é a evidente falta
de fé. Homens que não acreditam naquilo que Deus diz na Bíblia, têm que,
necessariamente, assumir uma conduta vacilante e indecisa, nas questões
morais e religiosas: “Se não crerdes, certamente não permanecereis“ (Is
7.9).
A segunda lição prática que encontramos nestes versículos é o
imenso perigo de uma reforma religiosa imperfeita e parcial. Notemos
Mateus 12.38-50 93

quão horrível quadro nosso Senhor pintou sobre o homem para quem
retorna o espírito imundo, depois de já o ter deixado. Quão assustadoras são
as palavras: “Voltarei para minha casa, donde saf*. Quão vívida a
descrição: “E, tendo voltado, a encontra vazia, varrida e ornamentada”.
Quão tremenda é a conclusão: “E leva consigo outros sete espíritos, piores
do que ele... e o último estado daquele homem torna-se pior do que o
primeiro”. É um quadro repleto de dolorosa significação. Que nós o
examinemos cuidadosamente, e assim aprendamos sabedoria.
s

E indiscutível que neste quadro temos uma figura da história da


igreja e da nação judaica, no tempo da primeira vinda de Cristo à terra.
Chamados como foram, no início, para saírem do Egito e serem o povo
todo peculiar de Deus, parece que os judeus jamais perderam inteiramente a
tendência de adorar ídolos. Sendo posteriormente remidos do cativeiro da
Babilônia, parece que nunca corresponderam à bondade de Deus.
Despertados como haviam sido, pela pregação de João Batista, o
arrependimento parece ter sido superficial. Nos dias em que o Senhor Jesus
lhes falava, eles se haviam tomado, como nação, mais duros e perversos do
que nunca. A vulgaridade da adoração aos ídolos cedera lugar a um mero
formalismo morto. Sete outros espíritos, piores do que o primeiro, tinham
vindo apossar-se deles. O seu último estado foi rapidamente se tomando
pior do que o primeiro. Loucamente, atiraram- -se a uma guerra rebelde
contra Roma. A Judéia transformou-se em uma autêntica Babel de
confusão. Jerusalém foi tomada. O templo destruído. Os judeus foram
dispersos por todo o mundo.
É também muito provável que este seja um quadro da história da
igreja cristã, como um todo. Libertados como foram das trevas do paganismo
mediante a pregação do evangelho, os crentes jamais chegaram a viver à
altura da luz que receberam. Revificadas como muitas foram, por ocasião
da Reforma Protestante, nenhuma das igrejas de Cristo tem chegado a fazer
uso correto de todos os seus privilégios, e nem têm avançado “até a
perfeição”. Todas ficaram mais ou menos aquém do padrão, acomodadas à
própria escória. Todas se têm mostrado mui prontas a estarem satisfeitas
com reformas meramente externas. E agora há dolorosos sintomas, em
quase todo lugar, de que o espírito maligno tem retornado à sua antiga casa,
e está preparando uma insurreição de infidelidade e doutrinas falsas, ta!
qual nunca se viu até hoje. Entre a incredulidade em certos segmentos da
igreja, e a superstição formal em outros, tudo parece estar pronto para
alguma terrível manifestação do anticristo. É de temer-se muito que o
último estado das professas igrejas cristãs venha a mostrar-se muito pior do
que o primeiro.
O mais triste, e o pior de tudo, é que temos aqui, neste quadro,
94 Mateus 12.38-50

a história de muitos homens e mulheres. Houve pessoas que, durante um certo


tempo, pareciam estar sob a influência de fortes sentimentos religiosos.
Elas mudaram de vida. Puseram de lado muitas coisas ruins. Adotaram
muitas coisas boas. No entanto, estacaram nesse ponto e não mais
avançaram, e pouco a pouco foram perdendo completamente o seu
cristianismo. Assim, o espírito maligno voltou e encontrou a casa vazia,
varrida e adornada, e essas pessoas são agora piores do que jamais foram
antes. Parecem ter a consciência cauterizada. O sentimento religioso parece
inteiramente destruído. Parecem ser homens entregues a uma mente
corrompida. Poderíamos mesmo afirmar que, agora, “é impossível outra
vez renová-los para arrependimento” (Hb 6.6). Ninguém mostra ser tão
desesperadamente ímpio como aqueles que, após terem experimentado
fortes convicções religiosas, voltaram de novo ao pecado e ao mundo.
Se amamos a vida, oremos para que estas lições fiquem profun-
damente gravadas em nossas mentes. Que jamais nos contentemos com
uma reforma parcial de vida, sem uma inteira conversão a Deus, e sem a
mortificação do corpo inteiro do pecado. É coisa excelente esforçarmo-
-nos por expulsar o pecado para fora do nosso coração. Todavia, sejamos
cuidadosos, para que, em lugar do pecado, demos acolhida à graça de Deus.
Certifiquemo-nos de que não somente nos temos libertado do antigo
inquilino, o diabo, mas, também, certifiquemo-nos de já temos em nós o
Espírito Santo.
A última lição prática que vem ao nosso encontro, nestes versículos,
é o temo afeto com que o Senhor Jesus considera os seus verdadeiros discípulos.
Observe como Ele se refere a todos os que cumprem a vontade de Deus Pai,
que está nos céus. Jesus diz: “Qualquer que fizer a vontade de meu Pai
celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe”. Quão graciosas são essas palavras!
Quem pode conceber a profundeza do amor de nosso querido Senhor para
com os seus parentes segundo a carne? Era um amor puro e altruísta. Deve
ter sido um amor poderoso, um amor que ultrapassa os limites da
compreensão humana. Não obstante, aprendemos aqui que todos os crentes
verdadeiros são considerados seus parentes. Ele os ama, sente
profundamente acerca deles, cuida deles, como membros de sua família,
ossos de seus ossos e carne de sua carne.
Há aqui uma solene advertência contra todos os que zombam e
perseguem os verdadeiros cristãos por causa da religião deles. Tais pessoas
não pensam no que estão fazendo. Estão perseguindo os parentes próximos
do Rei dos reis. Descobrirão, no último dia, que escarneceram daqueles a
quem o Juiz de toda a terra considera como “meu irmão, irmã e mãe”.
Nisto há um rico encorajamento para todos os crentes. Eles são
Mateus 12.38-50 95
muito mais preciosos aos olhos do Senhor do que aos seus próprios olhos.
A fé pode ser débil, o arrependimento pode não ser muito profundo, e a
força pode ser pequena. Eles podem ser pobres e necessitados neste mundo.
Entretanto, no último versículo deste capítulo há um „ „qualquer que” que
deveria alegrá-los: “Qualquer que” crê é um parente próximo de Jesus
Cristo. O nosso Irmão mais velho haverá de providenciar para o tempo e a
eternidade, sem jamais rejeitar a quem crê. Não há nenhum membro da
família dos remidos de quem o Senhor não se lembre. No Egito, José
proveu ricamente para todos os seus parentes; Jesus proverá para os seus.

A Parábola do Semeador
Leia Mateus 13.1-23

Este capítulo é marcado pelo número de parábolas que contém. Sete


notáveis ilustrações da verdade espiritual são aqui apresentadas pelo grande
Cabeça da igreja, com base na natureza. Ao assim fazer, Jesus nos mostra
que o ensino religioso pode obter preciosos subsídios de tudo quanto existe
na criação. Aqueles que quiserem “achar palavras agradáveis” (Ec 12.10)
não devem esquecer este fato.
A parábola do semeador, que inicia este capítulo, é uma daquelas
parábolas que admitem uma aplicação muito abrangente. Esta parábola está
se cumprindo continuamente diante dos nossos próprios olhos. Onde quer
que a Palavra de Deus esteja sendo anunciada ou exposta, e as pessoas
estejam reunidas para ouvi-la, as declarações de nosso Senhor nesta
parábola provam ser verdadeiras. Elas descrevem o que acontece, via de
regra, em todas as congregações onde a palavra de Deus é pregada.
Antes de qualquer outra coisa, aprendamos, com esta parábola, que o
trabalho do pregador assemelha-se muito ao trabalho de um se
meador. Tal como o semeador, o pregador precisa semear boa semente,
se deseja ver frutos. Ele precisa semear a pura Palavra de Deus, e não
as tradições da igreja ou as doutrinas humanas. Sem isso, o esforço
do pregador será em vão. Ele pode ir de um lado para outro, parecendo
dizer muito e trabalhar muito em seus deveres ministeriais, a cada se-
mana. Porém, não haverá colheita de almas para o céu, nenhum resultado
vivo, nenhuma conversão.
Assim como o semeador, o pregador precisa ser diligente. Não
tilli de poupar esforços. Precisa lançar mão de todos os meios possíveis
para fazer o seu trabalho prosperar. Ele deve, com paciência, “semear
junto a todas as águas” (Is 32.20), e semear na esperança de uma boa
96 Mateus 13.1-23

colheita. Deve pregar a Palavra “quer seja oportuno, quer não” (2 Tm 4.2).
Ele não pode se deixar deter por dificuldades e desencorajamen- tos.
“Quem somente observa o vento, nunca semeará” (Ec 11.4). Não há
dúvida, o sucesso de um pregador não depende exclusivamente de seus
esforços e de sua diligência; mas, sem labor e diligência, o sucesso
dificilmente será alcançado.
Tal como o semeador, o pregador também não pode transmitir vida.
Ele pode espalhar a semente que lhe foi confiada; mas não pode ordenar
que ela cresça. Ele pode oferecer a palavra da verdade a um povo, mas não
pode fazer as pessoas receberem a palavra e produzir fruto espiritual.
Produzir vida é uma prerrogativa soberana de Deus: “O espírito é o que
vivifica” (Jo 6.63). Somente Deus pode “dar o crescimento” (1 Co 3.7).
Que estas coisas estejam abrigadas no fundo do nosso coração.
Ser um verdadeiro ministro da Palavra de Deus não é algo de somenos
*

importância. E fácil ser um obreiro formal e preguiçoso na igreja. Mas, ser


um semeador fiel é muito difícil. Os pregadores devem ser especialmente
lembrados em nossas orações.
Em seguida, aprendamos que há várias maneiras de se ouvir a Palavra
de Deus inutibnente. Podemos escutar um sermão com corações
endurecidos, como o chão "à beira do caminho”, sem preocupação, sem
cuidado, sem refletir sobre o estado de nossa própria alma. Cristo
crucificado pode ser afetuosamente exposto diante de nós, e podemos ouvir
dos seus sofrimentos com total indiferença, como um assunto em que não
temos nenhum interesse. Tão rápido as palavras chegam aos nossos
ouvidos, o diabo pode arrancá-las de nós, e então, regressamos aos nossos
lares como se nem tivéssemos ouvido algum sermão. ínfe- lizmente,
existem muitos ouvintes desse tipo! Deles pode-se dizer, tal como foi dito
acerca dos ídolos da antiguidade: “Têm olhos e não vêem; têm ouvidos e
não ouvem” (SI 135.16,17). A verdade parece não exercer efeito sobre o
coração deles.
Podemos ouvir um sermão com prazer, enquanto que a impressão
produzida em nós é apenas temporária e de pouca duração. Nosso coração,
como o “solo rochoso”, pode produzir um mundo de sentimentos e boas
resoluções. Porém, durante todo o tempo, pode não haver raízes profundas
em nossa alma, de maneira que o primeiro vento frio de oposição ou
tentação pode fazer secar a nossa aparente religião. In~ felizmente, há
fnuitos ouvintes dessa classe! A mera apreciação a sermões não é sinal da
presença da graça divina. Milhares de pessoas batizadas são como os
judeus dos dias de Ezequiel: “Eis que tu és para eles como quem canta
canções de amor, que tem voz suave e tange bem; porque ouvem as tuas
palavras, mas não as põem por obra” (Ez 33.32).
Mateus 13,1-23 97

Podemos ouvir um sermão aprovando cada palavra, e, no entanto,


não tirar dele qualquer benefício real, em consequência da absorvente
influência exercida pelo mundo sobre nós. Nosso coração, tal como o solo
recoberto de espinhos, pode se deixar afogar pelos cuidados, prazeres e
propósitos mundanos. Podemos realmente apreciar o evangelho e desejar
obedecê-lo, no entanto, podemos, insensivelmente, não dar qualquer
oportunidade ao evangelho de produzir fruto, permitindo que outras coisas
venham ocupar lugar em nossos afetos, e assim, sem o percebermos, tomar
conta de todo nosso coração. Infelizmente, também existem muitos
ouvintes dessa natureza! Eles conhecem bem a verdade. Esperam que um
dia serão cristãos decididos. Porém, jamais chegam ao ponto de desistir de
tudo por amor a Cristo. Eles nunca tomam a decisão de “buscar em
primeiro lugar o reino de Deus"; e, por isso mesmo, acabam morrendo em
seus pecados.
Estes são pontos que deveríamos pesar cuidadosamente. Nunca
deveríamos esquecer de que há várias maneiras de se ouvir a Palavra, sem
proveito. Não basta vir à igreja para ouvir a pregação: podemos ouvir e
estar desatentos. Não basta apenas prestar atenção: as impressões podem
ser apenas temporárias, tão superficiais que logo se dissipem. Também não
basta que as nossas impressões não sejam meramente passageiras. Elas
poderão continuar não produzindo quaisquer resultados, em consequência
de nosso obstinado apego a este mundo. Verdadeiramente, “enganoso é o
coração, mais do que todas as cousas, e desesperadamente corrupto, quem
o conhecerá?”(Jr 17.9).
Em último lugar, deixemo-nos ensinar, alicerçados sobre esta
parábola, que só há uma evidência de que estamos ouvindo corretamente a
Palavra de Deus. A evidência é produzir fruto. O fruto aqui referido é o
fruto do Espírito. Arrependimento para com Deus, fé no Senhor Jesus
Cristo, santidade de vida e de caráter, dedicação à oração, humildade, amor
cristão, mente espiritual — estas são as únicas provas satisfatórias de que a
semente da Palavra de Deus está realizando o trabalho que lhe é próprio em
nossas almas. Sem tais provas, a nossa religião é vã, por melhor que seja a
nossa profissão de fé, e não será melhor do que o bronze que soa ou o
címbalo que retine. Cristo disse: “Eu vos designei para que vades e deis
frutos, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15.16).
Não há outra porção nesta parábola que seja tão importante quanto
esta. Jamais nos deveríamos contentar com uma ortodoxia infrutífera, ou a
simples e fria manutenção de corretos pontos de vista teológicos. Não
podemos satisfazer-nos somente com um conhecimento claro, com
sentimentos calorosos e uma decente profissão cristã. Devemos cuidar para
que o evangelho que professamos amar esteja realmente produzindo
98 Mateus 1 3.1-23

“fruto*‟ em nossos corações e em nossas vidas. Nisto é que consiste o


verdadeiro cristianismo. As palavras do apóstolo Tiago deveriam soar
freqüentemente em nossos ouvidos: “Tomai-vos, pois, praticantes da pa-
lavra, e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1.22).
Que nós não passemos além, sem fazermos a nós mesmos uma
importante indagação: “Como é que estamos ouvindo a Palavra de Deus?”
Vivemos em um país que se declara cristão. Vamos à igreja domingo após
domingo, e ouvimos sermões. Com que atitude ouvimos? Que efeito a
pregação está exercendo sobre o nosso caráter? Podemos apontar para
qualquer coisa que mereça o nome de “fruto”?
Podemos estar seguros de que, para chegar ao céu, por fim, é preciso
algo mais do que ir à igreja regularmente aos domingos e escutar os
pregadores. A Palavra de Deus precisa ser acolhida em nosso coração e
tornar-se a regra de nossa conduta. Ela deve produzir uma influência
prática sobre o nosso caráter, que se tome aparente no nosso
comportamento exterior. Se não estiver sucedendo assim, a pregação da
palavra servirá tão-somente para aumentar ainda mais a nossa condenação
no dia do juízo.

A Parábola do Trigo e do Joio


Leia Mateus 13.24-43

A parábola do trigo e do joio, que ocupa a parte principal destes


versículos, reveste-se de particular importância para os nossos dias. Ela tem
o propósito eminente de corrigir as expectativas muito altas que têm muitos
cristãos quanto ao efeito das missões cristãs no estrangeiro e à pregação do
evangelho em sua pátria. Que demos a essa parábola, portanto, a atenção
que ela merece.
Em primeiro lugar, esta parábola nos ensina que o bem e o mal
sempre serão achados Juntos na igreja, até ao fim do mundo. A igreja visível
nos é apresentada como um corpo misto. Ela é um vasto “campo”, onde
crescem, lado a lado, o trigo e o joio. Devemos estar preparados para
encontrar crentes e incrédulos, convertidos e não- -convertidos, os “filhos
do reino” e os “filhos do maligno”, todos
misturados uns com os outros, em todas as congregações de pessoas
batizadas.
Nem mesmo a mais pura e fiel pregação do evangelho conseguirá
impedir esse estado de coisas. Ele tem existido em todos os séculos da
igreja. Tal foi a experiência dos primeiros pais da igreja; tal foi a
experiência dos reformadores; e continua sendo a experiência dos me

ii
Mateus 13.24-43 99

lhores ministros do evangelho, até hoje. Nunca houve uma igreja local ou
assembléia cristã cujos membros fossem todos “trigo”. O diabo, o grande
inimigo de nossas almas, sempre teve o cuidado de semear o “joio”.
A disciplina eclesiástica mais prudente e estrita não impedirá essa
situação. Qualquer que seja a denominação, todas, igualmente, descobrem
que assim acontece. Sem importar o que façamos para purificar uma igreja,
jamais conseguiremos obter uma comunhão perfeitamente pura. O joio
sempre será encontrado no meio do trigo. Hipócritas e enganadores se
infiltrarão sorrateiramente. E, o pior de tudo, é que, se nos mostramos
exageradamente zelosos em nosso esforço de obter a pureza, fazemos mais
mal do que bem. Corremos o risco de encorajar a muitos Judas Iscariotes, e
o risco de esmagar muitas “canas quebradas”. Em nosso afã de “arrancar o
joio”, corremos o risco de arrancar “também com ele o trigo”. Tal zelo não
está de acordo com o entendimento, e tem, com freqüência, causado muito
dano. Quem não se importa com o que acontece ao trigo, contanto que possa
desarraigar o joio, demonstra possuir bem pouco da mente de Cristo. E,
afinal de contas, há uma profunda verdade na caridosa declaração de
Agostinho: “Os que hoje são joio, amanhã poderão ser trigo”.
Sentimo-nos inclinados a esperar pela conversão do mundo inteiro
através do trabalho dos missionários e ministros do evangelho? Que nós
tenhamos esta parábola sempre diante de nós, e nos acautelemos contra tal
idéia. Dentro da presente ordem de coisas, jamais veremos transformados
em trigo todos os habitantes da terra. O trigo e o joio continuarão a “crescer
juntos até à colheita”. Os reinos deste mundo jamais se tornarão o reino de
Cristo, nera o milênio começará, até que retorne o próprio Rei.
Sentimo-nos perturbados pelo argumento zombeteiro dos incré-
dulos, de que o cristianismo não pode ser uma religião verdadeira, visto que
existem tantos crentes falsos? Que nós tenhamos em mente esta parábola e
permaneçamos inabaláveis. Digamos ao incrédulo que a sua zombaria desse
estado de coisas não nos surpreende, de maneira alguma. Nosso Senhor nos
preparou para isso há quase dois mil anos atrás. Ele previu e predisse que a
sua igreja seria um campo contendo, não somente trigo, mas, também o joio.
Sentimo-nos tentados a abandonar uma igreja evangélica por outra,
porque vemos que muitos dos seus membros não são convertidos? Se for
este o caso, lembremo-nos desta parábola e tenhamos muito cuidado com
nossas atitudes. De modo nenhum encontraremos uma igreja perfeita.
Poderíamos passar a vida inteira migrando de uma igreja para outra,
sofrendo perene desapontamento. Não importa aonde formos,
100 Mateus 13.24-43

ou a igreja que freqüentemos, sempre encontraremos o joio.


Em segundo lugar, a parábola nos ensina que haverá um dia da
separação entre os membros piedosos e os membros ímpios da igreja visível, no
fim do mundo. O presente estado de coisas não continuará para sempre. O
trigo e o joio serão separados afinal. O Senhor Jesus “enviará os seus
anjos”, no dia de seu segundo advento, os quais recolherão os que se
professam cristãos, formando dois grupos distintos. Esses poderosos
ceifeiros celestiais não se enganarão no que estiverem fazendo. Haverão de
discernir, com juízo infalível, entre o justo e o ímpio, colocando cada um
no seu próprio grupo. Os santos e fiéis servos de Cristo receberão glória,
honra e vida eterna. Os mundanos, os ímpios, os descuidados e os
não-convertidos serão lançados dentro da “fornalha acesa”, onde receberão
opróbrio e eterna tribulação.
Há algo de peculiarmente solene nesta parte da parábola. O sig-
nificado de tais palavras não admite qualquer equívoco. Nosso Senhor fala
com palavras de singular clareza, como se quisesse nos impressionar
profundamente com a seriedade da questão. Ele conclui a parábola com um
“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.
Que o ímpio estremeça ao ler esta parábola. Que ele veja, através
dessa linguagem assustadora, a sua própria condenação certa, a menos que
se arrependa e se converta. Compreenda que está semeando a desgraça
eterna para si próprio, se prosseguir em sua negligência quanto às coisas de
Deus. Que ele reflita que o seu destino final consistirá em ser recolhido
entre os feixes de joio, a fim de ser queimado. Sem dúvida alguma, uma
perspectiva horrenda como essa deveria fazer qualquer pessoa meditar.
Conforme disse Baxter: “Não devemos interpretar erroneamente a
paciência de Deus para com os ímpios”.
Que o crente em Cristo console-se com a leitura desta parábola. Que
entenda que há felicidade e segurança, preparadas para ele, no grande e
temível dia do Senhor. A voz do arcanjo e a trombeta de Deus não haverão
de aterrorizá-lo. Pelo contrário, serão uma convocação para a cena que,
desde há muito, o crente deseja contemplar: uma igreja perfeita e uma
perfeita comunhão dos santos. Quão lindo será o aspecto do corpo de
Cristo, a igreja, quando, afinal, tiver sido separada dos ímpios! Que bonito
parecerá então o trigo, recolhido no “celeiro” de Deus, quando, finalmente,
todo o joio tiver sido retirado do meio deles! Quão brilhantemente
resplandecerá a graça divina, quando não mais estiver sendo obscurecida
pelo incessante contato com os mundanos e os não-converti dos! Os justos
são pouco conhecidos no dia de hoje, O mundo não vê neles qualquer
beleza, como também não viu beleza alguma no Mestre e Senhor deles:
“Por essa razão o mundo não nos conhece, porquanto não o conheceu a ele
mesmo” (1 Jo 3.1). Porém,

li
Mateus 13.24-43 101

um dia, “os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai”. Nas
palavras de Matthew Henry: “A santificação deles será perfeita e a sua
justificação se tomará pública”. E também lemos, em Colos- senses 3.4:
“Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então vós também sereis
manifestados com ele, em glória”.

As Parábolas do Tesouro, da Pérola


e da Rede
Leia Mateus 13.44-50

As parábolas do “tesouro oculto no campo” e do homem que


“negocia e procura boas pérolas” parecem ter por alvo transmitir uma
mesma mensagem. Contudo, diferenciam-se quanto a uma notável par-
ticularidade. O “tesouro” foi encontrado ao acaso, por quem não procurava
por ele. A “pérola” foi encontrada somente após uma busca muito
diligente, por quem buscava boas pérolas. Entretanto, a conduta de ambos
os descobridores foi precisamente a mesma. Ambos “venderam tudo”, com
o propósito de fazer sua propriedade o objeto achado. É precisamente
quanto a esse particular que a instrução, em ambas as parábolas, é a mesma.
As duas parábolas têm por intuito ensinar que, se um homem está
realmente convencido da importância da salvação, haverá de desistir de tudo o
mais, para ganhar a Cristo e a vida eterna. Qual foi a conduta daqueles dois
homens que nosso Senhor descreve? O primeiro estava persuadido da
existência de um tesouro “oculto no campo”, o qual haveria de
recompensá-lo ricamente se ele comprasse o tal campo, sem importar o
quanto tivesse de pagar. O outro ficou persuadido de que a “pérola” que
havia achado era tão imensamente valiosa, que lhe conviria vender tudo o
quanto tinha a fim de adquiri-la. Ambos estavam convencidos de haverem
encontrado algo de imenso valor. Ambos se dispuseram a fazer um
tremendo sacrifício para que pudessem tornar-se possuidores daquelas
riquezas. Talvez outras pessoas estranhassem essa atitude. Outros
poderiam julgar aqueles dois homens uns tolos por haverem pago tão
elevada soma em dinheiro pelo campo e a pérola. Porém, eles sabiam o que
estavam comprando. Tinham a certeza de que estavam fazendo um
excelente negócio.
Você pode ver, nesta simples ilustração, a conduta de um ver-
dadeiro cristão. Ele é o que é, e faz o que faz, em sua religião, por estar
totalmente persuadido de que vale a pena. Ele abandona o mundo. Despe-se
do velho homem. Esquece-se das vãs companhias de sua vida
102 Mateus 13.44-50

passada. Como Mateus, ele desiste de tudo, e, como Paulo, ele a “tudo
considera como perda”, por causa de Cristo. E por quê? Porque está
convencido de que Cristo irá recompensá-lo por tudo quanto ele estiver
deixando para trás. Ele vê em Jesus Cristo um tesouro de valor inestimável.
Cristo é a pérola preciosa. Ele fará qualquer coisa para ganhar a Cristo.
Nisto consiste a verdadeira fé. Este é o sinal da genuína operação do
Espírito Santo.
Observe, nestas duas parábolas, a verdadeira razão para a conduta
de muitas pessoas não-convertidas! Em se tratando de religião, elas são o
que são porque não estão plenamente persuadidas de que vale a pena ser
diferente. Evitam a decisão. Retraem-se de tomar a sua cruz. Vacilam entre
duas opiniões. Não desejam se comprometer. Não vêm ousadamente para o
lado de Cristo. Mas, por quê? Por não estarem convencidos de que isso é a
solução. Eles não estão seguros de que “o tesouro” está bem em frente
deles. Não estão convencidos de que a “pérola” vale tanto. Eles ainda não
conseguem tomar a resolução de “vender tudo” para que possam ter Cristo.
E assim, com freqüência acabam perecendo etemamente! Quando alguém
não se dispõe a abrir mão de tudo por causa de Cristo, temos de tirar a triste
conclusão de que tal pessoa não recebeu a graça divina.
A parábola da rede que é lançada ao mar tem alguns pontos em
comum com a parábola do trigo e do joio. A sua finalidade é instruir- -nos
no tocante a uma importantíssima questão: a verdadeira natureza da igreja
visível de Cristo.
A pregação do evangelho era como uma grande rede lançada em
meio ao mar deste mundo. A igreja professa, que haveria de ser colhida pela
rede, seria um corpo misto. A rede haveria de apanhar peixes de todo tipo,
bons e ruins. No seio da igreja haveria cristãos de diversas categorias,
convertidos e não-convertidos, tanto falsos quanto autênticos. A separação
entre bons e maus viria com certeza, mas não antes do fim do mundo. Esse
foi o relato que o grande Mestre deu a seus discípulos a respeito das igrejas
que eles haveriam de fundar.
É de suma importância que as lições contidas nesta parábola es-
tejam profundamente gravadas em nossa mente. Dificilmente haveria outro
assunto no cristianismo, acerca do qual sejam cometidos erros tão grandes
quanto este a respeito da natureza da igreja visível. Talvez não exista
nenhum outro assunto em que os erros sejam tão perigosos para a alma.
Aprendamos, com esta parábola, que todas as assembléias de cristãos
professos devem ser consideradas corpos mistos. Todas contêm peixes bons e
ruins, convertidos e não-convertidos, filhos de Deus e filhos deste mundo,
que devem ser descritos e tratados distintamente uns

k
Mateus 13.44-50 103

dos outros. Dizer-se a todas as pessoas batizadas, que elas nasceram de


novo, que possuem o Espírito de Deus, que são santas e são membros do
corpo de Cristo, na luz de uma parábola como esta, é inconcebível. Este
pode ser um modo lisonjeiro e bajulador de tratar com as pessoas, mas é
difícil que venba a fazer o bem ou salvar uma alma. E uma maneira
calculada de promover a justiça-própria, e ninar os pecadores dormentes.
Tal tratamento subverte o pleno ensinamento de Cristo e é nocivo para as
almas. Já tivemos ocasião de ouvir tal doutrina? Nesse caso, lembremo-nos
da “rede”.
Finalmente, que tenhamos como princípio nunca estar satisfeitos com
uma ligação meramente externa com a igreja. Podemos estar dentro da rede,
mas não pertencer a Jesus Cristo. Milhares de pessoas recebem a água do
batismo sem jamais serem lavadas na água da vida. Muitos participam da
comunhão do pão e do vinho à mesa do Senhor, mas nunca se alimentam de
Cristo, pela fé. Somos convertidos? Somos peixes bons ? Esta é a grande
pergunta, e terá de ser, finalmente, respondida. Dentro em pouco, a rede
será arrastada para a praia. E então, o caráter da religião de cada homem
será finalmente exposto. Haverá uma eterna separação entre os peixes bons
e os ruins. Haverá uma “fornalha de fogo para os ímpios. Certamente,
conforme asseverou Baxter: Estas palavras tão claras precisam mais ser
recebidas e cridas, do que explicadas”.

Cristo é Desprezado em sua Própria


Terra; O Perigo da Incredulidade
Leia Mateus 13.51-58

A primeira coisa que deveríamos observar, nestes versículos, é a


penetrante pergunta com a qual nosso Senhor conclui as sete admiráveis
parábolas deste capítulo. Ele pergunta: “Entendestes todas estas cousas?” A
aplicação pessoal tem sido chamada de “alma” da pregação. Um sermão
sem aplicação é como uma carta enviada sem o endereço do destinatário.
Ela pode ter sido muito bem escrita, corretamente datada e assinada. Porém,
não tem valor algum, porquanto nunca chega ao seu destino. A pergunta de
nosso Senhor é um admirável exemplo de uma aplicação que realmente
perscruta o coração dos ouvintes: “Entendestes?”
A mera formalidade do ato de ouvir um sermão de nada aproveita ao
homem, a menos que ele entenda o seu significado. Em nada seria melhor
do que ouvir o sopro de uma trombeta ou o ritmo de um
104 Mateus 13.51-58

tambor. Poderia cora igual proveito participar de uma missa católica em


latim! É preciso que o intelecto da pessoa seja posto a funcionar e o seu
coração tocado. As idéias precisam ser absorvidas pela mente. O ouvinte
deve levar consigo as sementes de novos pensamentos. Sem isso, ele
ouvirá em vão.
É muito importante deixar bem claro este ponto. Existe muita
ignorância sobre toda essa questão. Milhares de pessoas há que frequen-
tam regularmente a igreja, pensando que com isso já cumpriram os seus
deveres religiosos sem nunca saírem com uma idéia ou uma impressão
gravada em suas mentes e em seus corações. Se lhes perguntássemos, após
terem voltado para casa, no domingo, o que foi que aprenderam na igreja,
não poderiam dizer nenhuma palavra a respeito. E, se as examinássemos,
no final de um ano, quanto ao conhecimento religioso que adquiriram no
decurso desse prazo, descobriríamos que continuam tão ignorantes quanto
os pagãos.
Vigiemos as nossas almas quanto a essa questão. Levemos co-
nosco, para as reuniões nas igrejas, não somente os nossos corpos, mas
também a nossas mentes, nossos corações e nossas consciências. E sempre
perguntemos a nós mesmos: „ „O que foi que aproveitei deste sermão? O
que aprendi de novo? Quais verdades ficaram gravadas em minha mente?”
Sem dúvida, o intelecto não é tudo em matéria de religião. Mas isso não
significa que não tenha importância. O coração é, inquestionavelmente, o
ponto principal. Todavia, nunca nos deveríamos esquecer do fato que o
Espírito Santo geralmente chega ao coração através da mente. Ouvintes
sonolentos, preguiçosos e desatentos, dificilmente se convertem.
A segunda coisa que deveríamos notar, nestes versículos, é o
estranho tratamento que nosso Senhor recebeu em sua própria terra. Chegando
à cidade de Nazaré, onde fora criado, “ensinava-os na sinagoga”. Os seus
ensinamentos, não há dúvida, continuaram sendo o que sempre foram:
“Jamais alguém falou como este homem” (Jo 7.46). Porém, não teve efeito
sobre os habitantes de Nazaré. Eles se “maravilhavam” mas os corações
permaneciam intocados. Diziam: “Não é este o filho do carpinteiro? Não
se chama sua mãe Maria?” Assim, pois, desprezaram a Jesus por estarem
tão bem familiarizados com Ele. “Escandalizavam-se nele”, e essa atitude
arrancou de nosso Senhor a notável observação: “Não há profeta sem
honra senão na sua terra e na sua casa”.
Vamos ver, neste relato, uma triste visão, da natureza humana,
aberta diante de nossos olhos. Todos nos inclinamos por desprezar as
misericórdias das quais somos alvo, se estamos acostumados com elas e as
consideramos sem importância. A Bíblia e outros livros de cunho
Mateus 13.51-58 105

religioso vão se tomando cada vez mais comuns em nosso país; temos os
meios da graça e a pregação do evangelho, que ouvimos a cada semana;
tudo isso, porém, está sujeito a ser subestimado. É lamentavelmente
verdadeiro que, no terreno religioso, mais do que em qualquer outro
aspecto das atividades humanas, “a familiaridade gera o desrespeito , como
diz o ditado. Os homens esquecem-se de que a verdade é verdade, não
importa quão antiga e comum ela possa parecer, e a desprezam por causa de
sua antiguidade. Que pena! Assim fazendo, provocam a Deus, para que não
nos mostre a verdade.
Acaso nos admiramos que os parentes, servos e vizinhos de pessoas
piedosas nem sempre se convertem? Ficamos perplexos por que as
congregações de eminentes pregadores do evangelho geralmente são os
seus ouvintes mais duros e impenitentes? Não nos admiremos mais de
coisas assim. Observemos a experiência de nosso Senhor em Nazaré e
tomemo-nos mais sábios.
Acaso nos iludimos, pensando que, se apenas tivéssemos visto e
ouvido Jesus Cristo pessoalmente, teríamos sido seus fiéis discípulos?
Pensamos que, se nós tivéssemos vivido perto dEle, e sido testemunhas
oculares de seu ministério, não teríamos ficado indecisos, oscilantes e
indiferentes para com a religião? Não pensemos mais dessa maneira.
Observemos os habitantes de Nazaré e tornemo-nos sábios.
A última coisa que deveríamos notar nestes versículos é a natureza
destrutiva da incredulidade. Este capítulo termina com estas espantosas
palavras: *„E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade
deles”.
Observe que nesta palavra — incredulidade — está o segredo da
ruína eterna de multidões de almas! Perecem para todo o sempre, porque
não querem crer. Nada mais existe, no céu ou na terra, que impeça a sua
salvação. Os pecados, não importa quantos sejam, podem todos ser
perdoados. O amor do Pai está pronto para receber essas pessoas. O sangue
de Cristo está pronto para purificá-las. O poder do Espírito está sempre à
disposição para renová-las. Porém, uma grande barreira se interpõem —
eles não querem crer: “Não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.40).
Que todos nós estejamos em guarda contra esse maldito pecado. Ele
é a antiga raiz de pecado, que provocou a queda do homem. Embora
cortado da vida de todo verdadeiro filho de Deus, pelo poder do Espírito,
ele está sempre pronto a brotar e florescer novamente. Há três grandes
inimigos contra os quais os filhos de Deus deveriam lutar diariamente em
oração: orgulho, mundanismo e incredulidade. Mas, destes três, nenhum é
pior do que a incredulidade.
106 Mateus 14.1-12

O Martírio de João Batista


Leia Mateus 14.1-12

Nesta passagem encontramos uma página extraída do livro dos


mártires de Deus: a história da morte de João Batista. A iniqüidade do rei
Herodes, a corajosa repreensão que João lhe deu, o conseqüente
encarceramento do fiel reprovador, e as lamentáveis circunstâncias em que
o santo de Deus foi executado — tudo ficou registrado para o nosso
aprendizado. “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos“ (SI
116.15).
A narrativa da execução de João Batista foi contada com maiores
detalhes por Marcos do que por Mateus. Para o momento, parece suficiente
extrair duas lições gerais da narrativa de Mateus, e fixar nossa atenção
exclusivamente sobre as mesmas.
Em primeiro lugar, aprendamos, por estes versículos, o grande poder
da consciência. O rei Herodes ouviu da „ „fama de Jesus”, e então disse aos
que o serviam: “Este é João Batista; ele ressuscitou dos mortos e, por isso,
nele operam forças miraculosas”. Herodes, pois, lembrou-se das maldades
que tinha cometido contra aquele homem santo, e o seu coração
angustiou-se profundamente. O coração do monarca dizia-lhe que ele havia
repelido o santo conselho do profeta e cometido um homicídio pérfido e
abominável. O coração lhe dizia que, embora já tivesse matado João Batista,
o dia do acerto de contas ainda estava para vir. Ele e João Batista ainda
tornariam a encontrar-se. Com toda a razão, afirmou o bispo Hall: “Um
homem ímpio não precisa de outro atormentador, sobretudo no caso de
crimes de sangue, mais do que o seu próprio coração”.
Em todos os seres humanos há uma consciência natural. Que isto
jamais seja esquecido. Embora nasçamos neste mundo como criaturas
decaídas, perdidas e desesperadamente iníquas, Deus cuidou para que
houvesse sempre uma testemunha contra nós, dentro do nosso próprio peito.
Ela é um pobre guia cego, sem a ajuda do Espírito Santo. Não pode salvar a
ninguém. Não pode conduzir alguém a Cristo. Ela pode ser cauterizada e
pisada aos pés. Porém, em todos os homens existe uma consciência que os
acusa ou os justifica; e a Bíblia e a experiência humana são testemunhos
disso (Rm 2.15).
A consciência pode fazer mesmo os reis sentirem-se miseráveis
quando repelem obstinadamente os seus avisos. A consciência pode encher
os príncipes deste mundo de temor e pavor, conforme sucedeu a Félix
quando Paulo estava pregando. É mais fácil encarcerar e decapitar
Mateus 14.1-12 107

o pregador, do que abafar o sermão e a repreensão que clamam dentro do


próprio coração. As testemunhas de Deus podem ser postas de lado, mas o
testemunho prestado por elas com freqüência sobrevive, e continua agindo
ainda por muito tempo. Os profetas de Deus não vivem para sempre, mas as
suas palavras lhes sobrevivem (2 Tm 2.9; Zc 1.5,6),
Que os insensatos e os ímpios não se esqueçam disso, a fim de não
transgredirem contra as suas próprias consciências. Saibam que “o pecado
vos há de achar (Nm 32.23). Podem rir, zombar, escarnecer da religião por
algum tempo. Podem até dizer: * „Quem tem medo? Onde está a grande
iniqüidade das nossas ações?” Não perdem por esperar! Estão semeando a
miséria para si mesmos, e cedo ou tarde terão uma amarga colheita. A sua
própria maldade haverá de alcançá-los um dia.
Assim como Herodes, descobrirão que é muito mau e amargo pecar contra
Deus (Jr 2.19).
Que ministros e professores se lembrem que há nos homens uma
consciência, e assim, trabalhem com ainda maior ousadia. A instrução dada
nem sempre é perdida, simplesmente porque parece não produzir fruto
imediatamente. O ensinamento nunca é perdido, embora às vezes pareça ter
sido em vão, embora nos pareça que ninguém deu ouvidos e o ensinamento
foi logo esquecido. Existe uma consciência dentro das
pessoas que ouvem os nossos sermões. Existe uma consciência nas crian-
ças que freqüentam as nossas escolas. Muitos sermões e ensinos serão
ainda recordados mesmo depois da morte de quem os predicou, como
na história de João Batista. Milhares de pessoas sabem que estamos com
a razão, mas, tal como Herodes, não ousam admiti-lo.
Em segundo lugar, aprendamos que os filhos de Deus não devem
esperar que a sua recompensa seja dada neste mundo. Se já houve um
caso de piedade autêntica que não foi galardoada neste mundo, isso se
deu com João Batista. Pense por um momento no homem que ele foi
durante a sua breve carreira e, então, pense no trágico fim que lhe so-
breveio. Ele era profeta do Altíssimo e maior do que qualquer um dentre
os nascidos de mulher; e, no entanto, foi aprisionado como um mal-
feitor! A vida dele foi cortada por uma morte violenta, antes dos trinta e
quatro anos: a luz que brilhava foi apagada, e o pregador fiel foi assassinado
por estar cumprindo o seu dever — e tudo isso para satisfazer o ódio de uma
mulher adúltera, e por ordem de um tirano caprichoso! Se já houve no
mundo um acontecimento que desse motivo para o ignorante dizer “De que
aproveita servir a Deus?*‟, foi este.
Mas são coisas assim que nos mostram que haverá um julgamento
um dia. O Deus dos espíritos de toda carne haverá de instaurar um tribunal,
finalmente, e retribuirá a cada um de acordo com as suas obras. O sangue de
João Batista e do apóstolo Tiago, o sangue de Estevão,
108 Mateus 14.1-12

de Policarpo, de João Huss, de Ridley e de Latimer, será ainda requerido da


parte de seus algozes. Está tudo devidamente registrado no livro de Deus.
“A terra descobrirá o sangue que embebeu e já não encobrirá aqueles que
foram mortos” (Is 26.21). O mundo ainda saberá que existe um Deus que é
o Juiz de toda a terra.
Que todos os verdadeiros cristãos se lembrem que o melhor ainda
está para vir. Não consideremos coisa estranha se a parte que nos cabe, no
presente, forem os sofrimentos. Este é um período de provação. Ainda
estamos na escola preparatória. Estamos aprendendo paciência, longa-
nimidade, gentileza e mansidão; coisas que dificilmente poderíamos
aprender se já tivéssemos recebido a melhor parte. Mas existe um descanso
eterno que ainda está para começar. Esperemos tranqüilos até que ele
chegue. Ele dará a compensação de tudo. “Porque a nossa leve e
momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de
toda comparação” (2 Co 4.17).

O Milagre dos Pães e Peixes


Leia Mateus 14.13-21

Estes nove versículos contêm um dos maiores milagres de nosso


Senhor Jesus Cristo, a multiplicação de cinco pães e dois peixes para ”cinco
mil homens, além de mulheres e crianças”. Dentre todos os milagres
realizados por nosso Senhor, nenhum outro é tão repetidamente
mencionado no Novo Testamento. Mateus, Marcos, Lucas e João
referem-se todos a esse prodígio. É evidente que esse acontecimento tem
por intuito receber a nossa mais especial atenção. Observemo-lo, pois, com
atenção e vejamos o que podemos aprender.
Em primeiro lugar, esse milagre é uma prova incontestável do poder
divino de nosso Senhor. Satisfazer a fome de mais de cinco mil pessoas,
contando apenas com cinco pães e dois peixes, é algo manifestamente
impossível sem uma multiplicação sobrenatural. Era algo que nenhum
mágico, impostor ou falso profeta teria jamais intentado fazer. Um
impostor poderia simular a cura de um doente ou a ressus- citação de um
morto, e, com truques e enganos, talvez conseguisse iludir as pessoas mais
simples. Mas nenhum impostor tentaria realizar uma obra tão grande
quanto esta que está aqui registrada. Saberia perfeita- mente bem que não
poderia persuadir dez mil pessoas de que elas estavam satisfeitas, quando,
na realidade, continuavam famintas. Ele seria desmascarado no mesmo
instante.
Não obstante, essa foi a poderosa obra que nosso Senhor realmente
Mateus 14.13-21 109

concretizou, através da qual deu provas conclusivas de que era Deus. Ele
fez existir, do nada, pães e peixes já preparados; comida verdadeira, que se
podia ver e tocar, o bastante para satisfazer dez mil pessoas, a partir de uraa
quantidade que mal seria suficiente para cinco pessoas. Sem dúvida,
estaríamos cegos se não percebêssemos nesse acontecimento a mão
dAquele que “dá alimento a toda carne“ e que fez o mundo e tudo quanto
nele existe. O poder de criar é uma prerrogativa exclusiva de Deus.
Precisamos nos apegar firmemente a passagens como esta. Temos a
obrigação de entesourar na mente cada evidência do poder divino de nosso
Senhor. O homem não convertido, frio e ortodoxo, talvez veja bem pouco
neste relato. Mas, o verdadeiro crente deveria guardá-lo em sua memória.
Que o crente medite sobre este mundo, o diabo e o seu próprio coração, e
aprenda a agradecer a Deus pelo fato do Salvador, o Senhor Jesus Cristo,
ser todo-poderoso.
Em segundo lugar, este milagre é um notável exemplo da compaixão
de nosso Senhor para com os homens. Ele viu uma multidão em um lugar
deserto, quase a desmaiar de fome. Ele sabia que muitos dentre eles não
tinham verdadeira fé e nem amor para com Ele. Seguiam- -No meramente
por curiosidade ou por costume, ou, então, por algum outro motivo
igualmente inferior (Jo 6.26). Mas nosso Senhor teve compaixão de toda
aquela gente. Todos foram saciados. Todos participaram do alimento
miraculosamente providenciado. Todos “comeram e se fartaram”, e
ninguém foi embora faminto.
Notemos o bondoso coração de nosso Senhor Jesus Cristo,
volvendo-se para os pecadores. Desde os dias da antiguidade Ele continua
sempre o mesmo: “Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e
longânimo, e grande em misericórdia e fidelidade” (Êx 34.6). Ele não trata
com os homens de acordo com os pecados deles, e nem retribui à medida
das iniquidades de cada um. Mesmo aos seus próprios inimigos Ele cumula
de benefícios. Por isso, ninguém será tão indesculpável no dia do juízo
quanto aqueles que forem achados impenitentes. A bondade do Senhor
conduz ao arrependimento (Rm 2.4). Em todo o seu relacionamento com os
homens no mundo, Jesus mostrou “ter prazer na misericórdia” (Mq 7,18).
Que nos esforcemos por ser semelhantes a Ele. Escreveu Quesnel:
“Deveríamos ter abundância de piedade e compaixão para com as almas
enfermas”.
Em último lugar, este milagre é uma vivida ilustração da suficiência do
evangelho para satisfazer as necessidades da alma de toda humanidade. Todos
os milagres de nosso Senhor, sem dúvida, têm algum significado figurativo
profundo e ensinam grandes verdades espirituais. No entanto, devemos
tratá-los com reverência e discrição. E preciso
110 Mateus 14.] 3-21

tomar cuidado para não fazer como muitos dos antigos mestres, que viam
alegorias até mesmo onde não fora esse o intuito do Espírito Santo.
Contudo, se existe um milagre que, além do seu sentido literal, também tem
um sentido figurado bem manifesto, é justamente desse milagre que
estamos tratando — o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.
O que a multidão faminta em um lugar deserto representa para nós?
Ela simboliza a humanidade Inteira. Os filhos dos homens formam uma
gigantesca companhia de pecadores que estão perecendo, famintos em meio
a um mundo hostil, desamparados, caminhando sem qualquer esperança
rumo à destruição. Todos nós nos desgarramos, como ovelhas perdidas (Is
53.6). Por natureza, estamos longe, muito longe de Deus. Nossos olhos não
podem perceber toda a extensão do perigo que corremos. A realidade de
cada ser humano é como diz a Bíblia: “Tu és infeliz, sim, miserável, pobre,
cego e nu“ (Ap 3.17). Entre nós e a perdição eterna só existe um passo.
O que representam os pães e peixes? Pareciam tão inadequados para
satisfazer à necessidade do momento; mas, por meio de um milagre,
tornaram-se suficientes para alimentar cerca de dez mil pessoas! Eles são
como que figuras da doutrina de Cristo crucificado em favor de pecadores,
como Substituto vicário, que pela sua morte fez expiação pelos pecados.
Para o homem natural, essa doutrina parece ser a debilidade em pessoa.
Cristo crucificado era para os judeus uma pedra de tropeço, e para os gregos
loucura (1 Co 1.23). No entanto, Cristo crucificado tem demonstrado ser o
pão de Deus, que desceu do céu para dar vida ao mundo (Jo 6.33). A história
da cruz tem satisfeito amplamente as necessidades espirituais do homem,
em todo lugar onde tem sido pregada. Milhares de pessoas, de todas as
classes sociais, idade ou nacionalidade são testemunhas de que o evangelho
é o “poder de Deus e sabedoria de Deus” (1 Co 1.24). Todos esses têm
provado do pão da vida e têm sido saciados. Eles têm descoberto que Jesus é
“verdadeira comida“ e “verdadeira bebida“ (Jo 6.55).
Meditemos demoradamente sobre estas verdades. Há grande pro-
fundidade em todos os atos de nosso Senhor Jesus Cristo que ficaram
registrados, e que ninguém, até hoje, conseguiu sondar devidamente. Há
tesouros de rica instrução em todas as suas palavras e procedimentos que
ninguém ainda explorou completamente. Muitas passagens dos evangelhos
são como a nuvem que o servo de Elias viu (1 Rs 18.44). Quanto mais as
examinamos, tanto maiores e importantes elas nos parecem. Nas Escrituras
Sagradas há uma plenitude inexaurível. Outros escritos parece que se
tomam triviais quando nos familiarizamos com
eles. Mas, em relação à Bíblia, quanto mais a lemos, mais rica ela se torna
para nós.
Mateus 14.22-36 111

Cristo Anda Sobre o Mar


Leia Mateus 14.22-36

O relato contido nestes versículos reveste-se de singular interesse. O


milagre aqui registrado demonstra o caráter de Jesus Cristo quanto ao seu
povo. O poder e misericórdia do Senhor Jesus e a mistura de fé e
incredulidade, que caracteriza até os seus melhores discípulos, são
maravilhosamente ilustrados.
Em primeiro lugar, com este milagre aprendemos sobre o absoluto
domínio que nosso Salvador tem sobre todas as coisas criadas. Vemos Jesus
“andando por sobre o mar” como se estivesse caminhando em terra seca. As
ondas agitadas, que jogavam o barquinho dos discípulos de lá para cá,
obedeceram ao Filho de Deus e tornaram-se sólidas debaixo de seus pés.
Aquela superfície líquida, que se agitava ao menor sopro de vento,
sustentava os pés de nosso Redentor como se fosse uma rocha. Para as
nossas pobres e débeis mentes, o acontecimento todo é incompreensível. A
cena de dois pés andando sobre a superfície do mar, segundo nos informa
Doddridge, era o símbolo de algo impossível para os egípcios. O cientista
nos dirá que é uma impossibilidade física um corpo material de carne e osso
andar sobre a água. Para nós, entretanto, basta-nos saber que assim sucedeu.
Basta-nos lembrar que, para Ele que criou os mares no princípio, deve ter
sido perfeitamente fácil caminhar sobre as ondas, quando Ele assim o quis.
Há aqui encorajamento para todos os verdadeiros cristãos. Que os
crentes saibam que não existe nenhuma coisa criada que não esteja sujeita ao
controle de Cristo. Todas as coisas servem juntamente ao Senhor. Ele pode
permitir que o seu povo seja submetido a teste por algum tempo, atirado
para um lado e para outro pelo temporal das tribulações. E possível que Ele
venha em socorro deles mais tarde do que gostariam, já “na quarta vigília da
noite”. Entretanto, que os crentes jamais se esqueçam que os ventos, as
ondas e os temporais são todos servos de Cristo. Nada acontece sem a
permissão de Cristo. “O Senhor nas alturas é mais poderoso do que o
bramido das grandes águas, do que os poderosos vagalhões do mar” (SI
93.4). Porventura, sentimo- -nos alguma vez tentados a clamar, como fez
Jonas: “A corrente das águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas
passaram por cima de mim” (Jn 2.3). Lembremo-nos de que as ondas
pertencem a Ele. Esperemos com paciência. Talvez ainda possamos
contemplar Jesus vindo em nossa direção e “andando por sobre o mar”.
Em segundo lugar, aprendemos com esse milagre o poder que
112 Mateus 14.22-36

Jesus pode conferir aos que nEle confiam. Vemos Simão Pedro saindo do
barco e andando sobre as águas, à semelhança de seu Senhor. Que prova
maravilhosa da divindade de nosso Senhor! Caminhar sobre as águas, Gle
mesmo, já fora um tremendo milagre. Mas, capacitar um pobre e fraco
discípulo a fazer o mesmo foi milagre maior ainda.
Existe um profundo significado nesta parte da narrativa. Ela nos
mostra quão grandes coisas nosso Senhor pode fazer pelos que ouvem a sua
voz e O seguem. Ele pode capacitá-los a realizarem coisas que antes
pensariam ser impossíveis. Ele pode conduzi-los através de dificuldades e
tribulações que, sem Ele, jamais ousariam enfrentar. Ele pode
outorgar-lhes forças para caminhar por meio do fogo e da água sem
qualquer dano, triunfando em meio à adversidade. Moisés no Egito, Daniel
na Babilônia, os santos da casa de Nero, todos são exemplos do seu imenso
poder. Se estamos servindo a Cristo, não tenhamos te-
r r

mor de nada! As águas podem parecer profundas. Mas, se Jesus nos diz:
“Vinde! “, não temos razão para temer.4 4Aquele que crê em mim, fará
também as obras que eu faço, e outras maiores fará” (Jo 14,12).
Em terceiro lugar, aprendemos quantas tribulações os discípulos de
Cristo atraem contra si mesmos por falta de fé. Por algum tempo vemos Pedro
andando corajosamente por sobre as águas. Todavia, ao prestar atenção “na
força do vento“, deixa-se invadir pelo medo e começa a afundar. A
fraqueza da carne prevalece sobre o desejo do espírito. Pedro esquece das
maravilhosas provas que há pouco presenciara da bondade e do poder de
seu Senhor. Ele não considerou que o mesmo Salvador, que o capacitara a
dar o primeiro passo, era poderoso para sustentá-lo para sempre. Não
refletiu que agora estava mais perto de Cristo do que quando dera o
primeiro passo. O medo ofuscou-lhe a memória. O temor confundiu-lhe o
raciocínio. Ele não pensava em mais
nada, senão no vento, nas ondas e em seu perigo imediato; e a sua fé

retrocedeu: “Salva-me, Senhor!”


Quão vívido é o quadro que encontramos aqui sobre a experiência
de tantos crentes! Quantas pessoas têm fé suficiente para dar o primeiro
passo em direção à Cristo, mas não têm fé suficiente para seguir em frente!
Assustam-se diante das provações e dos perigos que parecem postar-se no
caminho. Eles olham para os inimigos que os circundam, bem como para as
dificuldades que parecem cercá-los na caminhada. Prestam mais atenção às
circunstâncias do que a Jesus e, imediatamente, começam a afundar. O seu
coração desmaia. As suas esperanças dissipam-se. O seu ânimo
desaparece. E por que tudo isso? Cristo ainda é o mesmo! Os inimigos dos
cristãos não são maiores agora do que o foram no passado. Isto acontece
por que, como Pedro, os crentes deixam de olhar para Jesus e, assim, dão
lugar à incredulidade.
Mateus 14.22-36 113

Deixam-se dominar pelo pensamento acerca de seus adversários, ao invés


de pensarem a respeito de Cristo. Que nós guardemos no coração este
ensinamento e assim aprendamos a sabedoria.
Em último lugar, aprendamos quão misericordioso é o Senhor Jesus
Cristo para com os crentes fracos. Vemo-lo prontamente a estender a mão
para salvar Pedro, tão logo este lhe pediu socorro. Jesus não deixa que
Pedro colha o fruto da sua própria incredulidade e afunde nas águas
profundas. Parece que todo o empenho de Jesus é considerar as dificuldades
de Pedro e salvá-lo imediatamente. A reprovação é moderada e gentil:
“Homem de pequena fé, por que duvidaste?”
Observe na conclusão deste milagre, a enorme mansidão e be-
nignidade de Cristo. Ele pode tolerar muito e perdoar muito, quando vê a
verdadeira graça divina operando no coração de um homem. Assim como a
mãe trata gentilmente seu filho, e não o rejeita por causa de seus pequenos
caprichos e petulâncias, assim também o Senhor Jesus trata com ternura o
seu povo. Ele já amava e se compadecia de seu povo antes mesmo da
conversão; e depois da conversão Ele ama e se compadece ainda mais.
Jesus reconhece as debilidades daqueles que lhe pertencem, demonstrando
grande paciência para com eles. Ele quer que saibamos que a dúvida não
prova que uma pessoa não tem fé, mas somente que essa fé é pequena. Mas,
mesmo quando a nossa fé é pequena, o Senhor está sempre pronto para
ajudar-nos. “Quando eu digo: Resvala-me o pé, a tua benignidade, Senhor,
me sustém” (SI 94.18).
Em tudo isso há muitas razões que encorajara a servir a Cristo!
Quem pode ter receio de iniciar a carreira cristã, tendo um Salvador como o
Senhor Jesus? Se cairmos, Ele nos reerguerá. Se errarmos, Ele nos trará de
volta ao reto caminho. A misericórdia de Jesus jamais se apartará
completamente de nós. Ele tem dito: “De maneira alguma te deixarei, nunca
jamais te abandonarei” (Hb 13.5). Ele cumprirá a sua palavra. Que
tão-somente nos lembremos de que, embora não desprezemos a pequena fé,
não devemos cruzar os braços e estar contentes
com ela. A nossa oração sempre deveria ser: “Senhor, aumenta-nos a fé”
(Lc 17.5).

A Hipocrisia dos Escribas e Fariseus;


O Perigo das Tradições
Leia Mateus 15.1-9

Temos nestes versículos um diálogo entre nosso Senhor Jesus Cristo


e certos escribas e fariseus. À primeira vista, o assunto pode
114 Mateus 15.1-9

parecer de pouco interesse para os dias de hoje. Mas muito pelo contrário, os
princípios dos fariseus são princípios que não morrem. Nesta conversa há
verdades de profunda importância.
Antes de tudo, aprendemos que os hipócritas geralmente dão grande
importância a coisas meramente exteriores. A denúncia desses escribas e
fariseus é uma notável ilustração desse pormenor. Eles trouxeram uma
acusação contra os discípulos. Porém, qual era a natureza dessa acusação?
Não era um problema de cobiça ou justiça-própria, nem acusação de
falsidade ou falta de caridade da parte dos discípulos. Nem tampouco era
que eles tivessem desobedecido a qualquer princípio da lei de Deus. A
acusação era: “Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos
anciãos? pois não lavam as mãos quando comem‟*. Os discípulos não
estavam observando uma regra de alguma mera autoridade humana, que
algum judeu antigo havia inventado! Nisso consistia toda a gravidade da
ofensa!
Acaso vemos algo do espírito dos fariseus nos dias de hoje? In-
felizmente, vemos demais dessa atitude. Existem milhares de assim
chamados * „cristãos” que parecem não se importar com a religião do seu
próximo, desde que possam concordar quanto às questões externas. O
vizinho adota uma forma de culto igual à deles? Pode esse vizinho imitar o
seu falar e comentar um pouco acerca de suas doutrinas favoritas? Se ele
pode, estão satisfeitos, mesmo que não haja evidência de ele ser convertido.
Se ele não pode, estão sempre achando defeitos e não podem falar dele
amistosamente, muito embora ele possa estar servindo a Cristo melhor do
que eles mesmos. Tenhamos muito cuidado com tal atitude. Ela é a essência
da hipocrisia. Que o nosso princípio seja o seguinte: “O reino de Deus não é
comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm
14.17).
Em seguida, aprendemos, com base nestes versículos, que é grande o
perigo para quem tenta acrescentar qualquer coisa d Palavra de Deus. Sempre
que alguém decide fazer qualquer adição à Bíblia, provavelmente acabará
valorizando mais as suas próprias adições do que as Escrituras.
Vemos este ponto grandemente destacado na resposta de nosso
Senhor à acusação dos fariseus contra os discípulos. Ele diz: “Por que
transgredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa
tradição?” Jesus combate ousadamente todo o sistema de se fazer acrés-
cimos à perfeita Palavra de Deus, como se algo mais fosse necessário para a
salvação. Ele desmascara a tendência malévola desse sistema, citando um
exemplo. Ele mostra como as vangloriosas tradições dos fariseus na
realidade estavam destruindo a autoridade do quinto mandamento. Em
suma, Jesus declara a grande verdade que jamais deveria
Mateus 15.1-9 115

scr esquecida, dc que há uma tendencia inerente em todas as tradições de


invalidar a Palavra de Deus (v. 6). É possível que os autores de tais tradições
não tivessem por escopo tal resultado. Talvez as suas intenções tivessem
sido puras, Mas a doutrina de Cristo, evidentemente, é que em todas as
normas religiosas de autoridade meramente humana existe uma tendência
em usurpar a autoridade da Palavra de Deus. Bu- cer fez uma observação
solene: * „Raramente se encontrará um homem que, prestando atenção
excessiva às invenções humanas no campo da religião, não acabe
depositando maior confiança nelas do que na graça de Deus”.
Não temos nós visto provas melancólicas desta verdade, no decurso
da história da igreja de Cristo? Infelizmente, já vimos provas em demasia.
Conforme diz Baxter: “Os homens pensam que as leis de Deus são por
demais numerosas e estritas; e, no entanto, ainda fazem outras leis, sendo
meticulosos em cumpri-las”. Já não tivemos ocasião de ler como alguns
têm exaltado cânones, dogmas e leis eclesiásticas muito acima da Palavra
de Deus, punindo a desobediência a essas regras com maior severidade do
que a pecados notórios como o alcoolismo e o jurar em vão? Já não
ouvimos falar da extravagante importância com que a igreja de Roma
considera os votos monásticos e de celibato, a observância de festas e
jejuns? Parece que tais coisas recebem muito maior importância do que os
deveres para com a família e o cumprimento dos dez mandamentos? Já não
ouvimos falar de pessoas que se preocupam mais em não comer carne na
quaresma do que com a vida imoral ou 0 assassinato? Em nosso próprio
país, acaso não observamos como tantos parecera fazer o
denominacionalismo o assunto mais importante do cristianismo e
consideram a assim chamada “membresia” na igreja como uma matéria de
muito maior peso do que o arrependimento, a fé, a santidade e as graças do
Espírito Santo?
Estas são perguntas que só podem receber uma única e triste res-
posta. O espírito dos fariseus ainda está vivo, mesmo depois de quase vinte
séculos se terem passado. A disposição de invalidar a Palavra de Deus, por
meio de tradições humanas, encontra-se não somente entre judeus, mas
igualmente entre cristãos evangélicos. A tendência de, na prática, exaltar
invenções humanas acima da Palavra de Deus, continua prevalecendo de
uma maneira temerária. Que nós possamos vigiar e estar precavidos contra
tal tendência. Lembremo-nos de que nenhuma tradição ou instituição
religiosa de feitura humana poderá jamais desculpar-nos pela negligência
de determinados deveres, e nem justificar a desobediência a qualquer
mandamento explícito da Palavra de Deus.
Alicerçados nestes versículos podemos aprender, em último lugar,
116 Mateus 15.1-9

que a adoração religiosa que Deus deseja é a adoração no íntimo, que parte do
coração. Podemos perceber isso através da citação que nosso Senhor faz do
livro de Isaías: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está
longe de mim“ (ís 29.13).
O coração é a questão central no relacionamento entre marido e
mulher, entre amigo e amigo, entre pai e filho. O coração deve ser o ponto
principal em todas as relações entre Deus e a alma. Qual a primeira coisa de
que precisamos para sermos crentes? Um novo coração. Qual o sacrifício
que Deus nos pede para trazer-nos a Ele? Um coração quebrantado e
contrito. O que é a verdadeira circuncisão? A circuncisão do coração. O
que é obediência genuína? É obediência de coração. O que é fé salvadora?
É crer de todo o coração. Onde Cristo deveria habitar? Em nossos corações,
pela fé. Qual a principal petição que a Sabedoria faz a cada pessoa?
“Dá-me, filho meu, o teu coração” (Pv 23.26).
Ao concluirmos o estudo desta passagem, façamos uma auto-
-averiguação honesta do estado de nosso próprio coração. Deixemos
perfeitamente estabelecido, em nossa mente, que toda e qualquer adoração
formal a Deus, seja em público ou em particular, será totalmente inútil se o
coração estiver longe de Deus. Os joelhos dobrados, a cabeça abaixada, os
améns em voz alta, o capítulo lido diariamente, a freqüência regular à Ceia
do Senhor — tudo isso é em vão e sem proveito se nossos afetos estiverem
presos ao pecado, aos prazeres, ao dinheiro ou ao mundo. A pergunta de
nosso Senhor Jesus Cristo precisa ser respondida de maneira satisfatória,
antes que possamos ser salvos. Ele indaga a cada um de nós: “Tu me
amas?” (Jo 21.17),

Os Falsos Mestres;
O Coração é a Fonte do Pecado
Leia Mateus 15.10-20

Há duas notáveis declarações do Senhor Jesus nesta passagem. Uma


diz respeito às falsas doutrinas. A outra refere-se ao coração humano.
Ambas merecem a nossa mais plena atenção.
No que concerne às falsas doutrinas, nosso Senhor declarou que é
nosso dever nos opormos a elas, que a sua destruição final está assegurada, e que
os seus mestres deveriam ser abandonados. Ele diz:
“Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada. Deixai-
os...”
Examinando esta passagem, torna-se evidente que os discípulos
ficaram surpresos com a linguagem forte usada por nosso Senhor, contra
Mateus 15.10-20 117

os fariseus e suas tradições. Mui provavelmente os discípulos estavam


acostumados, desde a meninice, a pensar nos fariseus como os mais sábios
e mais excelentes dentre os homens. Portanto, ficaram atônitos ao ouvirem
o Mestre denunciá-los como hipócritas e transgressores dos mandamentos
de Deus. “Sabes que os fariseus se escandalizaram?“, disseram os
discípulos a Jesus. Em resposta a essa indagação, temos uma declaração
explanatória de nosso Senhor; uma declaração que talvez nunca tenha
recebido a atenção que merece.
O sentido claro das palavras de Jesus foi que as falsas doutrinas,
como as que eram ensinadas pelos fariseus, são como uma planta para a
qual não se deve demonstrar nenhuma misericórdia. Elas são uma planta
que o „ Pai celestial não plantou“, e que deve ser arrancada, não importa a
ofensa que isso venha a causar. Não seria caridade poupá- -la, pois é
prejudicial à alma humana. O fato de ter sido plantada por homens
importantes ou instruídos de nada importava. Se tais ensinamentos
contradizem a Palavra de Deus, deveriam sofrer oposição, ser refutados e
rejeitados. Os discípulos de Cristo, portanto, precisam entender que é justo
resistir a todo e qualquer ensinamento que não provenha das Escrituras,
isolando e abandonando os instrutores que persistem no erro. Cedo ou
tarde, haveriam de descobrir que toda doutrina falsa será totalmente
desarraigada e lançada ao opróbrio; e não ficará de pé senão aquilo que
tiver sido fundamentado sobre a Palavra de Deus.
Nesta afirmação de nosso Senhor, há lições de profunda sabedoria,
que servem para projetar luz sobre o dever dos que se professam cristãos.
Examinemos de perto essas lições, para ver o que temos a aprender. Foi a
obediência prática a essa declaração que produziu a bendita Reforma
Protestante, As suas lições merecem cuidadosa atenção.
Não enxergamos aqui o dever de resistir corajosamente a todo en-
sinamento falso? Sem dúvida que sim. Nenhum receio de escandalizar,
nenhum temor de censura eclesiástica deveria fazer-nos manter a paz en-
quanto a verdade de Deus estiver sendo ameaçada. Se somos verdadeiros
seguidores de nosso Senhor, deveríamos ser corajosos na denúncia, como
testemunhas inflexíveis contra o erro. Alguém disse que “a verdade não
deve ser suprimida por serem os homens ímpios e cegos”.
Vemos, novamente, o dever de abandonar os falsos mestres, se não
desistem de suas doutrinas distorcidas? Sem sombra de dúvida! Nenhuma
falsa cortesia, nenhuma humildade hipócrita deveria impedir- -nos de nos
retirarmos para longe dos ensinamentos de qualquer pregador que
contradiga a Palavra de Deus. Corremos perigo se nos submetemos a
ensinamentos não biblicos. O nosso sangue será sobre as nossas próprias
cabeças. Nas palavras de Whitby: “Nunca será certo seguir um cego e cair
com ele no barranco”.
118 Mateus 15.10-20

Em último lugar, não vemos o dever de exercermos paciência quando


da multiplicação dos ensinamentos falsos? Podemos consolarmos diante do
fato que esses ensinos falsos não durarão muito. O próprio Deus defenderá
a causa da verdade. Mais cedo ou mais tarde toda e qualquer heresia será
arrancada pela raiz. Não devemos lutar com armas carnais; pelo contrário,
devemos esperar e pregar, protestar e orar. Mais cedo ou mais tarde, como
disse Wycliffe, “a verdade haverá de prevalecer‟ ‟.
Com respeito ao coração do homem, nosso Senhor declara, nestes
versos, que o coração é a verdadeira fonte de todo pecado e contaminação. Os
fariseus ensinavam que a santidade dependia de comidas e bebidas, da
lavagem do corpo e purificações. Eles afirmavam que todos quantos
obedeciam a essas tradições eram puros e limpos aos olhos de Deus, e que
todos quantos as negligenciavam eram impuros e pecaminosos. Nosso
Senhor derrubou por terra essa miserável doutrina, ao mostrar que a
verdadeira fonte de toda contaminação não estava fora, mas, sim, dentro do
homem. “Do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios,
prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias. São estas as cousas
que contaminam o homem". Quem quer servir a Deus corretamente,
precisa de algo muito mais importante do que a simples lavagem do corpo.
É preciso buscar um coração puro.
Que pavoroso quadro da natureza humana encontramos aqui, e
exposto por Aquele que real mente sabe o que existe no homem! Que
horrível catálogo daquilo que se oculta em nosso interior! Que melancólica
lista de sementes do mal nosso Senhor desmascarou, sementes
profundamente arraigadas em cada um de nós e sempre prontas a se
manifestarem vivas, a todo instante! O que podem dizer os orgulhosos e os
justos a seus próprios olhos, quando lêem uma passagem como esta? Este
não é o retrato do coração de algum ladrão ou assassino. E uma descrição
fiel e verdadeira do coração de toda humanidade. Que Deus nos permita
ponderar bem esta lição e aprender a sabedoria.
Que para nós seja uma resolução bem firmada, que o estado do
nosso coração será o ponto principal em toda a nossa religião. Que jamais
nos contentemos em apenas freqüentar uma igreja e cumprir com as
formalidades externas. Que procuremos por algo muito mais profundo,
com o desejo de possuir um coração “reto diante de Deus" (At 8.21). Um
coração reto é aquele que foi aspergido com o sangue de Cristo, renovado
pelo Espírito Santo, e purificado por meio da fé. Que não descansemos,
enquanto não encontrarmos dentro de nós o testemunho do Espírito, de que
Deus tem criado em nós um coração limpo e de que todas as coisas se
fizeram novas (SI 51.10; 2 Co 5.17).
Finalmente, que tomemos a inflexível resolução de guardar o co
Mateus 15.10-20 119

ração com toda a diligência, todos os dias de nossa vida (Pv 4.23). Mesmo
depois de ter sido renovado, nosso coração é fraco. Ele é enganoso, mesmo
depois que nos revestimos do novo homem. Nunca nos esqueçamos de que o
perigo principal vem de dentro. O mundo e o diabo, juntos, não podem nos
causar tanto dano quanto o nosso próprio coração, se não vigiarmos e
orarmos. Bem-aventurado é quem se lembra diariamente das palavras de
Salomão: “O que confia no seu próprio coração é insensato” (Pv 28.26).

A Mãe Cananéia
Leia Mateus 15.21-28

Outro milagre de nosso Senhor está registrado nestes versículos. As


circunstâncias que o cercam são peculiarmente interessantes, e vamos
examiná-las em ordem. Cada palavra, nesta narrativa, reveste-se de ricas
instruções.
Primeiramente, vemos que a verdadeira fé pode às vezes ser en-
contrada onde menos poderia ser esperada. Uma mulher cananéia clama a
nosso Senhor, pedindo ajuda em favor de sua filha. “Senhor, Filho de Davi,
tem compaixão de mim!” Se essa mulher vivesse em Betânia ou Jerusalém,
uma tal petição já teria demonstrado grande fé. Mas, quando descobrimos
que ela vinha dos “lados de Tiro e Sidom”, uma oração assim bem pode
encher-nos de surpresa. Isso nos deveria ensinar que é a graça de Deus e
não o local que faz uma pessoa tomar-se crente. Podemos viver na família
de um profeta, como sucedeu com Geazi, servo de Eliseu, e ainda continuar
incrédulos e enamorados do mundo. Podemos residir em meio à
superstição e obscura idolatria, como a menina escrava na casa de Naamã, e
ainda sermos testemunhas fiéis de Deus e de seu Cristo. Não nos
desesperemos em relação à alma de alguém, somente porque se encontra
em uma situação desfavorável. É possível viver na costa de Tiro e Sidom e,
ainda assim, ter um lugar no reino de Deus.
Em segundo lugar, vemos que a aflição às vezes demonstra ser uma
bênção para a alma de uma pessoa. Aquela mãe cananéia sem dúvida tinha
sido severamente provada. Ela via sua filha querida ser afligida por um
demônio, sem poder ajudá-la. Mas essa tribulação serviu para conduzi-la a
Jesus Cristo e ensiná-la a orar. Não fosse por essa aflição, ela poderia ter
vivido e morrido em ignorância despreocupada,
sem jamais ter visto a Jesus. Certamente, foi bom para ela o ter sido afligida
(SI 119.71).
120 Mateus 15.21-28

Sublinhemos cuidadosamente esta verdade. Nada existe que de-


monstre tanto a nossa ignorância quanto a nossa impaciência na tribulação.
Esquecemo-nos de que cada cruz no caminho é uma mensagem de Deus,
designada para que, no fim, sejamos beneficiados. As provações são
destinadas a nos fazer meditar, a desligar-nos deste mundo, a conduzir-nos
à Bíblia, a colocar-nos de joelhos diante de Deus. A saúde é algo bom, mas
a enfermidade é muito melhor, se nos aproxima de Deus. A prosperidade é
uma grande misericórdia divina; mas a adversidade manifesta maior
misericórdia, se nos leva até Cristo. Qualquer coisa é melhor do que viver
despreocupadamente e morrer em pecado. Mil vezes melhor é sermos
afligidos e fugirmos para Cristo, tal como aquela mãe cananéia, do que
viver tranquilamente e por fim morrer sem Cristo e sem esperança, como o
“louco” homem rico (Lc 12.20).
Em terceiro lugar, notamos que o povo de Cristo com frequência
mostra-se menos misericordioso e compassivo do que Cristo. A mulher acerca
de quem estamos lendo não foi bem recebida pelos discípulos. Talvez eles
considerassem que uma habitante da costa de Tiro e Sidom fosse indigna
de receber ajuda da parte do Mestre. Seja como for, o que disseram foi:
“Despede-a”.
Existe demais dessa atitude entre os que se professam crentes.
Muitos tendem por desencorajar os que estão buscando a Cristo, ao invés
de os ajudarem a prosseguir. Estão dispostos a duvidar da realidade da
graça na vida de um principiante, por ser essa graça ainda pequena, e
prontos a tratá-lo como Saulo de Tarso foi tratado, quando chegou a
Jerusalém pela primeira vez, após sua conversão, “não acreditando que ele
fosse discípulo” (At 9.26). Cuidemos para nunca darmos lugar a essa
atitude. Procuremos ter mais daquele mesmo sentimento que houve
também em Cristo Jesus (Fp 2.5). Assim como Ele, que nós sejamos
gentis, bondosos e encorajadores no modo de agir com aqueles que estão
buscando a salvação. Mas, acima de tudo, digamos continuamente aos
homens que eles não deveriam julgar a Cristo com base nos cristãos.
Deixemos bem claro que existe muito mais no gracioso Mestre do que nos
melhores dentre os seus servos. Pedro, Tiago e João podem dizer a alguma
alma aflita: “Despede-a”, mas tal palavra jamais saiu dos lábios de Cristo.
Ele pode, às vezes, deixar-nos esperando por um longo tempo, conforme
fez com aquela mulher. Porém, jamais nos despedirá vazios.
Em último lugar, vemos quanto encorajamento existe para per-
severarmos em oração, por nós mesmos e por outras pessoas. É difícil
conceber uma ilustração mais apropriada dessa verdade do que esta que se
nos depara nesta passagem. A princípio, a oração dessa mãe aflita parecia
inteiramente despercebida. Jesus “não lhe respondeu palavra”,
Mateus 15.21-28 121

mas ela continuou rogando. A declaração que finalmente saiu dos lábios de
Jesus tinha um tom desencorajador: ‟„Não fui enviado senão às ovelhas
perdidas da casa de Israel”. Mesmo assim ela insistiu na oração: "Senhor,
socorre-me!” A segunda declaração foi ainda menos encorajadora do que a
primeira: "Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”.
Mesmo apesar de ver adiada a sua esperança (Pv 13.12), ela não permitiu
adoecer o seu coração. Nem mesmo depois disso a mulher silenciou.
Mesmo assim, ela faz um apelo para que algumas migalhas de misericórdia
lhe sejam concedidas. A sua importunação finalmente obtém uma
recompensa graciosa: "Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como
queres”. A promessa nunca falhou: “Buscai, e achareis” (Mt 7.7).
Recordemo-nos dessa narrativa quando estivermos orando por nós
mesmos. Algumas vezes somos tentados a pensar que não obtemos qualquer
proveito de nossas orações, e que seria melhor desistir totalmente.
Resistamos à tentação; ela vem do diabo. Que nós confiemos e conti-
nuemos orando! Contra os nossos pecados repetitivos, contra o espírito
mundano e contra as ciladas do diabo, que nós continuemos orando, sem
desanimar. Prossigamos em oração, pedindo forças para cumprir nossos
deveres, a graça para enfrentar as provações, e o consolo em cada situação
difícil. Estejamos bem certos de que nenhum outro tempo é melhor em-
pregado diariamente do que o tempo que passamos em oração. Jesus nos
ouve e, no tempo determinado por Ele, haverá de dar-nos a resposta.
Lembremo-nos deste relato, quando estivermos intercedendo por
outras pessoas. Temos filhos que desejamos ver convertidos? Temos
parentes e amigos que ansiamos ver salvos? Sigamos, então, o exemplo
desta mulher cananéia e apresentemos essas pessoas diante dEle noite e dia,
e não descansemos enquanto não obtivermos uma resposta. Pode ser que
tenhamos de esperar por longos anos. Pode parecer que estamos orando em
vão, e intercedendo sem qualquer proveito. Todavia, jamais devemos
desistir. Confiemos que Jesus não muda. Ele, que atendeu àquela mãe
cananéia e lhe concedeu o que pedia, também nos ouvirá, e um dia nos dará
uma resposta satisfatória e de paz.

Curas Miraculosas Feitas por Cristo


Leia Mateus 15.29-39

O início desta passagem contém três pontos que merecem a nossa


atenção especial. No momento, portanto, concentraremos a nossa atenção
sobre esses pontos.
122 Mateus 15.29-39

Em primeiro lugar, observemos como as pessoas fazem maiores


esforços para curar doenças físicas, do que para obter a cura de suas almas.
Lemos que as multidões vinham a Jesus * „trazendo consigo coxos,
aleijados, cegos, mudos...” Muitos, sem dúvida, tinham viajado muitos
quilômetros e sofrido inúmeras fadigas. Poucas coisas são tão difíceis e
trabalhosas quanto movimentar pessoas enfermas. Porém, a esperança da
cura estava em vista e, para um homem doente, essa esperança é tudo.
Se nos admiramos pela conduta daquela gente, conhecemos bem
pouco da natureza humana. Não há razão alguma para admiração. Aquelas
pessoas sentiam que a saúde é a maior de todas as bênçãos terrenas. Elas
sentiam a dor, que para elas era a mais difícil de todas as provações a
suportar. Contra os sentimentos não há argumento. Uma pessoa sente as
suas forças irem-se esvaindo. Ela vê o seu corpo ir emagrecendo e o seu
rosto empalidecer. Percebe que o seu apetite está se acabando. Resumindo,
ela sabe que está doente e que precisa de um médico. Mostre- -lhe um
médico que possa consultar e que tenha a fama de jamais ter falhado, e tal
pessoa irá a ele sem demora.
Entretanto, não nos esqueçamos de que as nossas almas estão muito
mais enfermas do que nossos corpos, e aprendamos uma lição com base na
conduta dessas pessoas. As nossas almas são afligidas por uma enfermidade
com raízes muito mais fundas, muito mais complicadas, muito mais difíceis
do que qualquer mal herdado pela carne. Na verdade, nossas almas foram
atacadas pela praga do pecado. É preciso obter a cura, e cura eficaz e
definitiva, do contrário, pereceremos para sempre. Reconhecemos a
veracidade desse fato? Sentimos essa realidade? Estamos conscientes de
nossa enfermidade espiritual? Infelizmente, só há uma resposta possível
para estas perguntas! A grande maioria da humanidade não sente isso, de
maneira nenhuma. Os seus olhos estão cegos. Mostram-se totalmente
insensíveis diante de seu grave perigo. Para obter a saúde física, os homens
lotam a sala de espera dos médicos. Em prol da saúde eles empreendem
longas viagens para achar um ar mais puro. Mas, quanto à saúde da alma,
eles nem se preocupam. Verdadeiramente feliz é o homem ou a mulher que
já descobriu a enfermidade de sua alma! Essa pessoa não descansará
enquanto não tiver encontrado o Senhor Jesus. As dificuldades lhe
parecerão insignificantes, pois a vida, a própria vida eterna está em jogo.
Considerará todas as coisas como uma perda, contanto que possa ganhar a
Cristo e ser curada.
Em segundo lugar, notemos a maravilhosa facilidade e poder com que
nosso Senhor curava a todos os que lhe eram trazidos. Lemos que o povo se
maravilhou ao ver que os mudos falavam, os aleijados
Mateus 15.29-39 123

recobravam saúde, os coxos andavam e os cegos viam. Então glorificavam


ao Deus de Israel”.
Observe, nestas palavras, um símbolo vivo do poder de nosso
Senhor Jesus Cristo para curar almas enfermas pelo pecado! Não existe mal
do coração que Cristo não possa curar. Não existe problema espiritual que
Ele não possa vencer. A febre da concupiscência, a paralisia do amor a este
mundo, o vagaroso câncer da indolência e preguiça, e a incredulidade, que é
a doença do coração — todas, todas cedem caminho quando Ele envia o seu
Santo Espírito sobre uma pessoa, qualquer pessoa. Ele pode pôr nos lábios
do pecador um novo cântico e levá-lo a falar com amor daquele mesmo
evangelho que antes ele ridicularizava e contra o qual blasfemava. Ele pode
abrir os olhos do entendimento de um homem, para ver o reino de Deus.
Cristo pode abrir os ouvidos de um homem para torná-lo desejoso de ouvir a
voz de Cristo e segui-Lo por onde quer que Ele vá. Ele pode outorgar poder
espiritual ao homem, que antes prosseguia pelo caminho largo que conduz à
perdição, para andar no caminho da vida. Ele pode fazer com que as mãos
que antes foram instrumentos do pecado, agora o sirvam e façam a vontade
dEle. O tempo dos milagres ainda continua. Cada conversão é um milagre.
Já testemunhamos um caso real de conversão? Tenhamos a certeza de que
nessa conversão vimos a mão de Cristo operando. Devemos entender que tal
milagre não é menor do que se tivéssemos visto nosso Senhor fazendo os
mudos falarem ou os paralíticos andarem, quando andava na terra.
Gostaríamos de saber o que fazer, se desejássemos ser salvos?
Sentimo-nos adoentados na alma e queremos ser curados? Só temos que ir
até Cristo pela fé, rogando o alívio de que precisamos. Ele não muda. Vinte
séculos não fazem diferença para Ele. Nas alturas, à direita de Deus Pai, Ele
continua sendo o grande Médico. Ele ainda „„recebe pecadores” (Lc 15.2).
Ele continua sendo poderoso para curar!
Em terceiro lugar, observemos a transbordante compaixão de nosso
Senhor Jesus Cristo. Lemos que, “chamando Jesus os seus discípulos, disse:
Tenho compaixão desta gente”. Um grande ajuntamento de homens e
mulheres é sempre uma visão solene, O fato de que cada um é um pecador
que está morrendo, e de que cada um tem uma alma que precisa ser salva,
deveria mover nosso coração. Parece que ninguém jamais se sensibilizou
tanto, diante de uma multidão reunida, quanto o Senhor Jesus Cristo.
É um fato curioso e impressionante que, dentre todos os sentimentos
experimentados por nosso Senhor quando Ele estava sobre a terra, nenhum
outro é tão freqüentemente mencionado quanto a sua compaixão. Sua
alegria, tristeza, gratidão, ira, admiração e zelo — todos
124 Mateus 15.29-39

esses sentimentos ficaram registrados ocasionalmente. Entretanto, nenhum


deles é tão reiteradamente mencionado como a sua “compaixão”. Parece
que o Espírito Santo desejava destacar para nós a característica mais
distintiva no caráter e o sentimento predominante na mente de Jesus,
enquanto Ele esteve entre os homens. Nove vezes, sem contar outras
expressões nas parábolas — sim, nove vezes o Espírito Santo fez com que a
palavra “compaixão” fosse escrita nos evangelhos.
Destaca-se algo de muito tocante e instrutivo nessa circunstância.
Nada ficou registrado por acaso na Palavra de Deus. Há uma razão especial
para o uso de cada expressão em particular. A palavra „ „compaixão”, sem
dúvida, foi especialmente selecionada para nosso proveito. Ela deveria
encorajar todos quantos hesitam em dar os primeiros passos nos caminhos
de Deus. O Salvador é cheio de “compaixão” e os receberá graciosamente.
Ele perdoará gratuitamente. Nunca mais se lembrará das iniqüidades
passadas. Ele suprirá abundantemente todas as necessidades. Não há
motivo para temer; a misericórdia de Cristo é como um poço
profundíssimo, do qual ninguém jamais achou o fundo.
Isto deveria ser um consolo para os santos e servos do Senhor,
quando se sentem cansados. Que eles se recordem de que Jesus é cheio de
“compaixão”. Ele sabe como é este mundo em que vivemos. Ele conhece o
corpo humano com todas as suas fragilidades. Ele conhece os artifícios do
inimigo, Satanás. O Senhor se compadece do seu povo. Portanto, que nunca
se sintam desanimados. Podem sentir que a debilidade, o fracasso e a
imperfeição estão estampados em tudo que fazem; não obstante, nunca
deveriam esquecer-se da palavra que diz: “as suas misericórdias não têm
fim” (Lm 3.22).

A Inimizade dos Escribas e Fariseus;


E a Advertência Contra Eles
Leia Mateus 16.1-12

Nestes versículos encontramos nosso Senhor assediado pela in-


cansável inimizade dos fariseus e dos saduceus. Via de regra, essas duas
seitas tinham inimizade entre si. Mas quando resolveram perseguir a Cristo,
aliaram-se uma à outra. Essa foi, com certeza, uma aliança iníqua! No
entanto, quão freqüentemente vemos a mesma coisa acontecendo nos
nossos dias. Pessoas de hábitos e opiniões diametral mente opostas
concordam em detestar o evangelho e trabalham juntas para se opor ao seu
progresso. “Nada há, pois, novo debaixo do sol” (Ec 1.9).
Nesta passagem bíblica, o primeiro assunto que merece a nossa
Mateus 16.1-12 125

atenção especial é a repetição que nosso Senhor faz de palavras por Ele
empregadas em uma ocasião anterior. Ele disse: “Uma geração má e adúltera
pede um sinal; e nenhum sinal lhe será dado, senão o
de Jonas‟*. Se voltarmos para Mateus 12.39, veremos que Jesus já havia
dito isso antes.
Essa repetição pode parecer, para alguns, algo superficial e sem
importância. Na verdade não é assim. A repetição ilumina um assunto
importante que tem deixado perplexos muitos sinceros estudiosos da
Bíblia, razão pela qual deve ser observada atentamente.
Essa reiteração nos mostra que nosso Senhor tinha o hábito de dizer a
mesma coisa mais de uma vez. Ele não se satisfazia em dizer alguma coisa
uma vez e nunca mais repeti-la. Está evidente que o seu costume era
mencionar certas verdades repetidamente, a fim de inculcá- -las mais fundo
na mente dos discípulos. Jesus sabia quão débil é nossa memória para as
coisas espirituais; Ele sabia que aquilo que ouvimos duas vezes, lembramos
melhor do que aquilo que ouvimos somente uma vez. Ele trazia do seu
depósito coisas novas e coisas velhas (Mt 13.52).
Ora, o que tudo isso nos ensina? Ensina-nos que não precisamos nos
esforçar tanto por harmonizar entre si as narrativas que lemos nos quatro
evangelhos, conforme muitos se dispõem a fazer. As declarações de nosso
Senhor que aparecem repetidas em Mateus e Lucas não tinham
necessariamente de terem sido proferidas numa mesma ocasião e os even-
tos a que essas declarações estão vinculadas não tinham de ser necessaria-
mente os mesmos. Mateus pode estar descrevendo um evento, ao passo que
Lucas pode estar descrevendo outro. Mesmo assim, as palavras de nosso
Senhor em ambas as ocasiões podem ter sido precisamente as mesmas. A
tentativa de fazer coincidir dois eventos em um só, por causa da semelhança
das palavras, com freqüência tem levado os estudiosos da Bíblia a caírem
em grandes dificuldades. É muito mais seguro defender o ponto de vista
aqui exposto, de que em diferentes ocasiões nosso Senhor muitas vezes
empregou as mesmas palavras.
O segundo ponto que merece atenção é a solene advertência que nosso
Senhor oferece aos seus discípulos. Evidentemente ficou dorida sua mente,
por causa das falsas doutrinas que via entre os judeus e a influência
perniciosa que elas causavam. E aproveita a oportunidade para exprimir
uma palavra de admoestação: “Vede, e acautelai-vos do fermento dos
fariseus e saduceus”. Observemos bem o conteúdo destas palavras. A quem
foi endereçado este aviso? Aos doze apóstolos, os primeiros ministros da
igreja de Cristo, homens que haviam abandonado tudo por amor ao
evangelho! Até mesmo eles foram advertidos! Os melhores dentre os
homens não passam de homens, e a qualquer momento podem cair em
tentação. “Aquele, pois, que pensa estar em
126 Mateus 16.1-12 i

pé, veja que não caia” (1 Co 10.12). Se amamos a vida e desejamos ver dias
felizes, jamais imaginemos que não precisamos desta advertência: „„Vede, e
acautelai-vos!”
E contra o quê nosso Senhor adverte os seus apóstolos? Contra a
“doutrina dos fariseus e saduceus”. Os fariseus, os evangelhos nos dizem,
eram formalistas e justos aos seus próprios olhos. Os saduceus eram céticos,
livres-pensadores ou com tendências pagãs. Até mesmo Pedro, Tiago e João
devem precaver-se contra tais doutrinas! Na realidade, mesmo o melhor e
mais santo de todos os crentes deve ficar em guarda contra as falsas
doutrinas!
Qual é o simbolismo usado por nosso Senhor para descrever as falsas
doutrinas, acerca das quais adverte os seus discípulos? Ele em-‟ prega a
figura do “fermento”. Tal como o fermento, essas doutrinas podem parecer
coisa pequena, em comparação com a totalidade das verdades reveladas na
Bíblia. Mas, tal como o fermento, uma vez admitidas, elas ficariam
operando em segredo e em silêncio, e modificariam gradualmente todo o
caráter da religião com a qual se misturassem. Quanta significação está
contida com freqüência em uma única palavra! Não era apenas contra a
heresia patente, mas contra o “fermento” da heresia que os apóstolos
deviam acautelar-se.
Existe muito em tudo isso que clama em alta voz pela atenção
cuidadosa de todo crente professo. A advertência de nosso Senhor, nesta
passagem, tem sido vergonhosamente negligenciada. Teria sido bom para a
igreja de Cristo se as advertências do evangelho tivessem sido tão estudadas
quanto as suas promessas.
Lembremo-nos de que essa afirmação de nosso Senhor, sobre o
“fermento dos fariseus e saduceus”, visava a todos os séculos. Ela não se
destinava somente à geração que a ouviu pela primeira vez. Foi designada
para o perpétuo benefício da igreja de Cristo. Aquele que a proferiu
contemplava com visão profética a história futura do cristianismo. O grande
Médico sabia bem que as doutrinas dos fariseus e saduceus seriam duas
grandes enfermidades debilitadoras da igreja, até ao fim do mundo. Ele
queria que soubéssemos que sempre haverá fariseus e saduceus nas fileiras
do cristianismo. Nunca deixarão de ter sucessores, e a sua descendência
jamais se extinguirá. Eles podem tomar outros nomes, mas a atitude deles
permanecerá. Por isso Cristo nos diz: “Vede, e acautelai-vos.”
Finalmente, que nós façamos uso pessoal dessa advertência, man-
tendo um santo ciúme de nossas próprias almas. Lembremos de que
vivemos em um mundo onde o farisaísmo e o saduceísmo estão con-
tinuamente esforçando-se por obter a primazia na igreja de Cristo. Alguns
desejam acrescentar algo, outros querem subtrair alguma coisa do evan
Mateus 16.1-12 127

gelho. Alguns desejam sepultá-lo, enquanto outros tentam reduzi-lo a nada.


Alguns gostariam de sufocar o evangelho através de muitas adições,
enquanto outros querem sangrá-lo até a morte, ao subtrair-lhe as suas
verdades. Esses grupos concordam apenas quanto a uma questão: ambos
desejam matar e destruir a vida do cristianismo, o que fatalmente
aconteceria se conseguissem prevalecer. Contra tais erros que nós vi-
giemos, oremos e estejamos em guarda permanente. Nada acrescentemos
nem retiremos ao evangelho, querendo agradar a falsos mestres modernos.
Que o nosso lema seja “a verdade, toda a verdade, e nada mais que a
verdade” — nada acrescentando e nada subtraindo à verdade.

A Nobre Confissão de Pedro


Leia Mateus 16.13-20

Nesta passagem da Bíblia há palavras que têm produzido dolorosas


diferenças e divisões entre os cristãos. Homens têm lutado e contendido em
torno da sua significação, ao ponto de perderem de vista todo o amor
cristão, não sem conseguir convencer uns aos outros. Faremos um rápido
exame dessas palavras controvertidas, passando então para mais lições
práticas.
O que devemos entender quando lemos essa admirável afirmativa de
Jesus: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja‟ ‟? Será que
Pedro em pessoa seria o fundamento da igreja que Cristo estava por
edificar? Tal interpretação, para dizermos o mínimo, parece extremamente
improvável. Dizer que um falível e inseguro filho de Adão se tomaria o
alicerce do templo espiritual, não confere com a linguagem geral das
Sagradas Escrituras. Acima de tudo, não existe razão por que o Senhor não
poderia ter dito „ „sobre ti edificarei a minha igreja”,
se isso fora o que ele queria dizer, ao invés de ter dito: “sobre esta pedra...”
O verdadeiro sentido da palavra “pedra”, nesta passagem, parece ser
a verdade do messiado e da divindade de nosso Senhor que Pedro acabara
de reconhecer. É como se Jesus houvera dito: “Com toda a razão foste
alcunhado de Pedro, ou pedra, porquanto confessaste aquela verdade
poderosa, sobre a qual, como sobre uma rocha, edificarei a minha igreja”.
Porém, o que devemos compreender quando lemos a promessa que
nosso Senhor faz a Pedro: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus”? Teriam
conferido a Pedro o direito de admitir almas ao céu? Tal idéia é ilógica,
porque esse ofício é uma prerrogativa especial do próprio
128 Mateus 16.13-20

Jesus Cristo (Ap 1.18). Será, então, que Pedro deveria ter a primazia ou
superioridade sobre os demais apóstolos? Não há a menor prova de que tal
significado tivesse sido atribuído a essas palavras de Jesus, na época
neo-testamentária; nem há prova de que Pedro tivesse qualquer autoridade
ou dignidade superior aos demais apóstolos.
Parece-nos que o verdadeiro sentido dessa promessa feita por Cristo
é que Pedro teria o privilégio especial de abrir, pela primeira vez, a porta da
salvação tanto aos judeus como aos gentios. E isso cumpriu-se à risca
quando ele anunciou o evangelho aos judeus, no dia de Pentecoste, e
quando visitou o gentio Comélio em sua casa.
Em cada ocasião Pedro utilizou as “chaves" e abriu completamente
a porta da fé. E, ao que tudo indica, Pedro tinha plena consciência disso,
pois afirmou: “Deus me escolheu dentre vós para que, por meu intermédio,
ouvissem os gentios a palavra do evangelho e cressem" (At 15.7).
Finalmente, o que devemos entender quando lemos: “O que ligares
na terra, terá sido ligado no céu; e o que desligares na terra, terá sido
desligado nos céus"? Teria o apóstolo recebido algum poder de perdoar
pecados e absolver os pecadores? Tal noção tão-somente deprecia o ofício
especial de Jesus Cristo como nosso grande Sumo Sacerdote. Jamais
encontramos Pedro, ou qualquer outro apóstolo, exercendo algum poder de
perdoar pecados. Eles sempre encaminhavam as pessoas a Cristo, para o
perdão.
O verdadeiro significado dessa promessa parece ser que Pedro e os
demais apóstolos seriam especialmente comissionados para ensinar o ca-
minho da salvação, com autoridade. Assim como os sacerdotes do Velho
Testamento declaravam autoritativamente quem havia sido curado da le-
pra, também os apóstolos foram nomeados para declarar e pronunciar com
autoridade, quem havia sido perdoado de seus pecados. Além disso, eles
seriam especialmente inspirados para estabelecer regras e regulamentos
para orientação da igreja. Algumas coisas deviam ser “ligadas", ou
proibidas, e outras deviam ser „ „desligadas", ou permitidas. A decisão do
concílio de Jerusalém, de que os gentios não precisavam ser circuncidados,
foi um exemplo do exercício desse poder (At 15.19). Mas, essa foi uma
comissão especialmente restrita aos apóstolos. Eles não tiveram
sucessores, essa tarefa começou e terminou com eles.
A respeito destas palavras controvertidas já dissemos o suficiente
para nossa edificação pessoal. Vamos agora deixá-las para trás, apenas
lembrando-nos de que, em qualquer sentido em que essas palavras sejam
compreendidas, elas nada têm a ver com a igreja de Roma. A partir de
agora, voltaremos a nossa atenção para aqueles pontos que dizem respeito
mais diretamente às nossas almas.
Mateus 16.13-20 129

Em primeiro lugar, admiremos a nobre confissão do apóstolo Pedro,


Em resposta à pergunta de Jesus Cristo “Quem dizeis que eu sou?”, Pedro
afirma: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.
A primeira vista, um leitor descuidado nada poderá notar de re-
levante nestas palavras do apóstolo. Parece extraordinário que Pedro
recebesse tamanho elogio por sua resposta. Mas esse pensamento surge da
ignorância e falta de melhor ponderação. Os homens se esquecem de que é
imensamente diferente crer na missão divina de Cristo quando estamos em
meio aos crentes do que quando em meio a judeus empedernidos e
incrédulos. A glória da confissão de Pedro está no fato de que ele a
apresentou quando poucos estavam a favor de Cristo, e muitos estavam
contra Ele. Pedro fez a sua confissão quando os líderes religiosos de sua
própria nação, os escribas, os sacerdotes e os fariseus, todos declaravam-se
contrários ao Senhor Jesus. Ele fez a sua confissão quando Jesus Cristo
estava em “forma de servo” (Fp 2.7), sem riquezas materiais, sem a
dignidade real e sem nenhuma comprovação visível de sua realeza. Fazer
uma tal confissão, naquela altura dos acontecimentos, requeria grande fé e
grande firmeza de caráter. A própria confissão, no dizer de Brentius, foi
“um resumo de todo o cristianismo, e um compêndio da verdadeira
doutrina religiosa”. Por isso nosso Senhor disse: “Bem-aventurado és,
Simão Barjonas...”
Faríamos bem em imitar o zelo e afeição sinceros que Pedro exibiu,
de todo o coração, nesse incidente. Talvez nos inclinemos por demais em
menosprezar este santo homem de Deus, por causa de sua ocasional
instabilidade e a tríplice negação ao Senhor Jesus. Mas isso é um grande
erro. Apesar de todas as suas faltas, Pedro era um servo fervoroso, resoluto
e sincero de Cristo. Apesar de todas as suas imperfeições, Pedro nos deu
um padrão que muitos crentes fariam bem em imitar. Um zelo como o de
Pedro talvez passe por momentos de hesitação, faltando- -lhe o impulso de
uma decisão mais firme. Um zelo como o de Pedro pode ser mal orientado,
e, algumas vezes, incorrer em equívocos. Todavia, um zelo como o
demonstrado por Pedro nunca deveria ser desprezado. Um zelo assim
desperta os sonolentos, anima aos vagarosos e leva outras pessoas à ação.
Qualquer coisa é melhor do que a indolência, a momidão e o torpor, na
igreja de Cristo. Quão mais feliz seria o mundo cristão se contássemos com
mais crentes parecidos com Pedro e Martinho Lutero, e menos como
Erasmo de Roterdã.
Em seguida, tenhamos certeza de haver compreendido o que nosso
Senhor quer dizer, quando fala sobre a sua igreja. A igreja que Jesus prometeu
edificar sobre a rocha é “a bem-aventurada companhia de todos os fiéis”.
Não se trata da igreja organizada e visível em qualquer nação, estado ou
localidade. Pelo contrário, a igreja é um corpo, formado
130 Mateus 16.13-20

por crentes de todas as épocas, povos e línguas. Ela é composta por todos
quantos foram lavados no sangue de Cristo, que foram revestidos da justiça
de Cristo, renovados pelo Espírito de Cristo, unidos a Cristo pela fé, sendo
epístolas vivas de Cristo. É uma igreja onde todos os membros são
batizados no Espírito Santo, sendo real e verdadeiramente santos. Essa
igreja forma um corpo. Os que a ela pertencem estão unidos em atitudes e
pensamentos, defendem as mesmas verdades e creêm nas mesmas doutrinas
básicas da salvação. A igreja tem apenas uma Cabeça que é o próprio
Senhor Jesus Cristo. „„Ele é a cabeça do corpo, da igreja...” (Cl 1.18).
Tenhamos muito cuidado para não errar quanto a este assunto.
Poucas palavras são tão mal compreendidas quanto o vocábulo1 „igreja”.
Poucos equívocos têm prejudicado tanto a causa da religião pura. A
ignorância quanto a isso tem servido de solo fértil para preconceitos,
sectarismo e perseguição. Os homens têm brigado e contendido acerca de
denominações, como se para ser salvo fosse necessário pertencer a algum
partido eclesiástico em particular, e como se pertencer a algum desses
partidos fosse sinônimo de pertencer a Cristo. Em todo esse tempo eles têm
perdido de vista a igreja única verdadeira, fora da qual não existe salvação.
A denominação a que pertencemos nada significará no dia final, se não
estivermos relacionados como membros da verdadeira igreja dos eleitos de
Deus.
Em último lugar, salientamos as gloriosas promessas feitas por nosso
Senhor à sua igreja. Ele diz: „„As portas do inferno não prevalecerão contra
ela”. O significado dessa promessa é que o poder de Satanás jamais
destruirá o povo de Cristo. Aquele que introduziu o pecado e a morte na
primeira criação, ao tentar Eva, jamais introduzirá ruína na nova criação,
pela derrota dos crentes. O corpo místico de Cristo jamais perecerá, nem
decairá. Embora muitas vezes perseguida, afligida, assediada e humilhada,
a igreja jamais desaparecerá. Ela há de sobreviver à ira de faraós e
imperadores romanos. Uma igreja visível, como a de Efeso, pode vir a
desaparecer, mas, a igreja verdadeira nunca morre. Tal como a sarça que
Moisés viu, ela pode queimar, mas nunca será consumida. Cada um dos seus
membros será levado com segurança à glória eterna. A despeito de quedas,
fracassos e falhas, a despeito do mundo, da carne e do diabo, nenhum
membro da verdadeira igreja perecerá (Jo 10.28).
Mateus 16.21-23 131

Pedro é Repreendido
Leia Mateus 16.21-23

No começo destes versículos, encontramos nosso Senhor revelando


a seus discípulos uma grande e espantosa verdade. A verdade de sua morte
na cruz, que se aproximava. Pela primeira vez, Ele apresenta o chocante
anuncio de que deveria „ „seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas.., ser
morto”. Ele não viera a este mundo a fim de tomar posse de um reino, e,
sim, para morrer. Ele não tinha vindo para reinar e ser servido, mas, sim,
para derramar seu sangue como sacrifício e dar a sua vida como resgate em
favor de muitos.
Para nós, é quase impossível conceber quão estranha e incom-
preensível essa revelação deve ter parecido para os discípulos de Cristo.
Como a maioria dos judeus, eles não podiam conceber a idéia de um
Messias sofredor. Não compreendiam que o capítulo cinqüenta e três de
Isaías precisava ser cumprido literalmente. Não percebiam que todos os
sacrifícios da lei mosaica tinham por finalidade apontar para a morte do
verdadeiro Cordeiro de Deus. Em nada mais pensavam, senão na vinda
gloriosa do Messias, a qual ainda terá lugar, no fim do mundo. Eles
pensavam tanto na coroa do Messias que perderam de vista a sua cruz.
Fazemos bem em lembrar disto. Uma compreensão correta deste fato
derrama grande luz sobre as lições que esta passagem contém.
Em primeiro lugar aprendemos que pode haver muita ignorância
espiritual, mesmo em um verdadeiro discípulo de Cristo. Não poderíamos obter
prova mais clara disso do que na conduta do apóstolo Pedro nessa ocasião.
Ele tenta dissuadir nosso Senhor: „„Tem compaixão de ti, Senhor; isso de
modo algum te acontecerá”. Pedro não era capaz de perceber todo o
propósito da primeira vinda do Senhor Jesus a este mundo. Os olhos dele
estavam cegos para a necessidade da morte de nosso Senhor. Ele fez tudo
quanto estava ao seu alcance para tentar impedir a morte de Jesus! Não
obstante, sabemos que Pedro era um homem convertido. Ele cria
verdadeiramente que Jesus era o Messias, e seu coração era reto aos olhos
de Deus.
Estas coisas têm por intuito nos ensinar que tanto não devemos
considerar bons homens como infalíveis, somente porque são bons, como
também não devemos supor que lhes falte a graça divina, somente porque
essa graça é pequena e fraca. Um irmão pode possuir dons singulares e ser
uma luz brilhante e resplandecente na igreja de Cristo. Mas, não nos
esqueçamos de que ele é apenas um homem, e, como tal, está su-
*g

jeito a cometer grandes erros. Já um outro irmão pode ter um conheci


132 Mateus 16.21-23

mento limitado. Talvez não consiga ajuizar corretamente acerca de muitos


pontos doutrinários. Talvez ele erre tanto em atos quanto em palavras.
Tem ele fé em Cristo e O ama? Reconhece Cristo como sua Cabeça? Se a
resposta é positiva, devemos tratá-lo com paciência. Aquilo que ele agora
não percebe, poderá enxergar mais tarde. Como Pedro, talvez agora ele
esteja obscurecido mas, à semelhança de Pedro, pode algum dia desfrutar
da plena luz do evangelho.
Em segundo lugar, aprendamos que não existe outra doutrina das
Escrituras tão profundamente importante quanto a doutrina da morte expiatória
de Cristo. A prova mais clara, quanto a isso, é a linguagem empregada por
nosso Senhor ao repreender Pedro. Jesus o chama pelo horrível nome de
“Satanás”, como se aquele apóstolo fosse um adversário, ocupado na causa
do diabo e procurando impedir a sua morte. Àquele que há pouco chamara
de “bem-aventurado”, Jesus diz: “Arreda! Satanás; tu és para mim pedra de
tropeço”. Ao homem cuja nobre confissão de fé Jesus tinha recentemente
elogiado, Ele diz: “Não cogitas das cousas de Deus, e, sim, das dos
homens”. Palavras mais fortes do que estas nunca saíram dos lábios de
nosso Senhor. O erro que provocou uma repreensão tão enérgica de nosso
amoroso Salvador, a um discípulo tão autêntico, deve ter sido realmente um
tremendo erro.
O fato é que nosso Senhor deseja que consideremos a crucificação
como a verdade central do cristianismo. Uma visão correta de sua morte
vicária, e dos benefícios daí resultantes, é fundamental para a religião
bíblica. Que nunca nos esqueçamos disso. Em questões de governo da
igreja e formas de culto, alguns podem diferir de nós, e, mesmo assim,
chegar ao céu em segurança. Quanto à questão da morte expiatória de
Cristo como o caminho da paz com Deus, a verdade é uma só. Se nos
enganamos nesse particular, estamos arruinados para sempre. 0 erro acerca
de muitos pontos de doutrina é apenas uma doença superficial. Mas o erro
acerca da morte de Cristo é uma doença fatal. Portanto, firmemo-nos nesse
ponto. Que coisa alguma nos desloque dessa base firme. A soma de todas
as nossas esperanças deve ser que Cristo morreu por nós (1 Ts 5.10). Se
desistimos dessa doutrina, não dispomos mais de qualquer esperança
sólida.

A Necessidade de Abnegação; O Valor da Alma


Leia Mateus 16.24-28

A fim de percebermos a conexão destes versículos, devemos re-


lembrar as impressões equivocadas dos discípulos de nosso Senhor,
Mateus 16.24-28 133

quanto aos propósitos de sua vinda ao mundo. Tal como Pedro, eles não
suportavam a idéia da crucificação. Pensavam que Jesus viera ao mundo a
fim de estabelecer um reino terrestre. Não percebiam que lhe ©ra
necessário sofrer e morrer. Sonhavam com honrarias seculares e
recompensas temporais no serviço do Mestre. Não entendiam que os
verdadeiros cristãos, a exemplo de Jesus Cristo, precisam ser experi-
mentados nos sofrimentos. Nosso Senhor corrige estes mal entendidos,
usando palavras peculiarmente solenes, que faremos bem em guardar no
coração.
Em primeiro lugar, devemos aprender que os homens precisam estar
decididos a enfrentar tribulação e negar a si mesmos, se desejam seguir a Cristo.
Nosso Senhor dissipa os caros sonhos de seus discípulos, dizendo-lhes que
os seus seguidores devem “tomar a cruz”. O glorioso reino pelo qual
estavam esperando, de modo nenhum haveria de ser estabelecido
prontamente. Seus seguidores precisam aceitar previamente a perseguição e
aflição, se desejam servir ao Senhor. Se desejam “salvar a sua vida”,
precisam estar dispostos a “perder a vida”.
E bom que compreendamos com clareza essa questão. Não devemos
ocultar de nós mesmos o fato de que o verdadeiro cristianismo traz consigo
uma cruz diária nesta vida, enquanto oferece uma coroa de glória na vida
futura. A carne precisa ser crucificada diariamente. Precisamos resistir ao
diabo dia após dia. O mundo precisa ser vencido. Há uma guerra declarada
e muitas batalhas a vencer. Tudo isso é o acompanhamento inseparável da
verdadeira religião. O céu nunca será conquistado sem tais batalhas. Nunca
houve declaração mais veraz do que o velho ditado: “Nenhuma cruz,
nenhuma coroa!” Se nunca descobrimos isso por experiência, nossa alma
está em uma pobre condição.
Em segundo lugar, aprendamos nestes versículos que nada existe de
tão precioso quanto uma alma humana, Nosso Senhor nos ensina esta lição,
fazendo uma das mais solenes indagações contidas no Novo Testamento. É
uma pergunta tão bem conhecida e tão freqüentemente repetida, que as
pessoas geralmente perdem de vista o seu caráter perscrutador. Mas é uma
pergunta que deveria soar em nossos ouvidos como uma trombeta, sempre
que somos tentados a negligenciar nossos interesses eternos: „ Que
aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e peTder a sua alma?”
Só pode haver uma resposta para esta pergunta. Nada existe sobre a
terra ou debaixo da terra que possa compensar pela perda de nossa própria
alma. Nada existe que o dinheiro seja capaz de comprar, ou que o homem
possa oferecer, que possa ser mencionado em comparação às nossas almas,
O mundo, e tudo quanto nele está contido, é apenas temporal. Ele está
gradual mente desaparecendo, perecendo e dissipando-
134 Mateus 16.24-28

-se. A alma é eterna. Essa palavra é a chave de toda a questão. Guardemo-


-la no profundo de nossos corações. Estamos titubeantes em nossa religião?
Acaso tememos a cruz? O caminho nos parece muito estreito? Que as
palavras de nosso Senhor ressoem em nossos ouvidos: “Que aproveitará o
homem?”, e não mais duvidemos.
Em último lugar, aprendamos que será na segunda vinda de Cristo que
receberemos a recompensa. * „Porque o Filho do homem há de vir na glória de
seu Pai... e então retribuirá a cada um conforme as suas obras”. Nestas
palavras de Jesus há profunda sabedoria, quando são vistas em conexão com
os versículos precedentes. Jesus conhece o coração do homem. Ele sabe o
quão prontamente nos deixamos desanimar, e como, a exemplo do antigo
povo de Israel, ficamos impacientes no caminho (Nm 21.4). Por isso Ele nos
deixa uma preciosa promessa. Ele nos lembra de que virá a este mundo uma
segunda vez, tão certo quanto veio pela primeira vez. Ele nos diz que esse
será o tempo quando os seus discípulos receberão as recompensas. Haverá
glória, honra e galardões em abundância, algum dia, para todos quantos têm
servido e amado ao Senhor Jesus. Mas isso será na dispensação do segundo
advento, e não na dispensação do primeiro. O que é amargo virá antes do
que é doce, e a cruz ames da coroa. O primeiro advento foi a dispensação da
crucificação. O segundo é a dispensação do reino. Precisamos nos submeter
a tomar parte com nosso Senhor em sua humilhação, se queremos um dia
compartilhar de sua glória.
Não deixemos para trás estes versículos, sem primeiro fazermos uma
auto-inquirição séria quanto aos assuntos que eles contêm. Temos ouvido
sobre a necessidade de tomar a cruz e de negarmos a nós mesmos. Já
tomamos a nossa própria cruz? Estamos carregando-a diariamente? Temos
ouvido sobre o grande valor da alma humana. Acaso vivemos como quem
acredita nisso? Temos ouvido sobre a segunda vinda de Cristo. Estamos
aguardando esse segundo advento com esperança e júbilo? Feliz o homem
que pode dar respostas satisfatórias a estas perguntas.

A Transfiguração
Leia Mateus 17.1-13

Estes versículos historiam um dos mais notáveis acontecimentos


ocorridos durante o ministério terreno de nosso Senhor — aquele evento
comumente chamado de “a transfiguração”. A ordem em que esse incidente
ficou registrado é bela e instrutiva. A última porção do capítulo anterior
mostra-nos a cruz, que já surge no horizonte. Aqui, porém,
Mateus 17.1-13 135

somos graciosamente brindados com a visão de algo sobre a nossa re-


compensa vindoura. Os corações dos discípulos, que há tão pouco tempo
haviam sido profundamente entristecidos diante da clara afirmação feita
por Cristo, acerca dos seus sofrimentos, logo em seguida foram alegrados
pela visão da glória de Jesus Cristo. Devemos salientar esse ponto.
Nós perdemos muito, quando ignoramos a conexão existente entre um
capítulo e outro da Palavra de Deus,
Sem dúvida alguma, existem mistérios dentro da visão aqui descrita.
Porém, é forçoso que assim aconteça. Afinal, ainda estamos no corpo
físico. Os nossos sentidos estão voltados para as coisas materiais e
11
grosseiras deste planeta. As nossas idéias e a nossa percepção sobre corpos
[
glorificados e sobre santos mortos são, necessariamente, vagas e
ii imprecisas. Por conseguinte, contentemo-nos em assimilar as lições
práticas que a transfiguração de Jesus tenciona ensinar-nos.
Antes de qualquer outra coisa, nestes versículos encontramos uma
notável demonstração da glória com que Cristo e o seu povo aparecerão, quando
U
Ele vier pela segunda vez. Não se pode tolerar qualquer dúvida de que esse
foi um dos principais objetivos dessa admirável visão. O propósito da
mesma era encorajar aos discípulos, conferindo-lhes um vislumbre das
coisas boas que ainda teriam lugar. Aquele rosto que “resplandecia como o
sol‟ ‟, e aquelas vestes que se tomaram „ „brancas como a luz tiveram a
finalidade de proporcionar aos discípulos alguma idéia da majestade com
que o Senhor Jesus aparecerá neste mundo quando vier, pela segunda vez,
juntamente com todos os seus santos. Por assim dizer, uma beira do véu foi
erguida, a fim de mostrar aos discípulos a verdadeira dignidade do seu
Senhor e Mestre. Foi dessa maneira que eles puderam entender que se Jesus
não havia aparecido neste mundo com a figura majestosa de um monarca,
isso era devido tão-somente ao fato que o tempo dEIe vestir os seus trajes
reais ainda não havia chegado. E impossível a gente extrair qualquer outra
conclusão, se levarmos em conta a linguagem empregada pelo apóstolo
Pedro, quando ele escreveu sobre o assunto. Referindo-se claramente à
transfiguração,
escreveu esse apóstolo; “...nós mesmos fomos testemunhas oculares da sua
majestade“ (2 Pe 1.16).
Para nós convém que a vindoura glória de Cristo e do seu povo seja
profundamente impressa sobre as nossas mentes. Inclinamo-nos, mui
tristemente, por esquecer-nos disso. Há poucas indicações visíveis dessa
glória, no mundo presente. Porquanto ainda não vemos que todas as coisas
estão postas sob os pés de nosso Senhor. Por toda a parte abundam o
pecado, a incredulidade e a superstição. Na prática, milhares estão dizendo;
i
“Não queremos que este [Jesus] reine sobre nós” (Lc 19.14). E também
ainda não se manifestou como se tomarão as pessoas
136 Mateus 17.1-13

que fazem parte do povo de Cristo. Suas cruzes, suas tribulações, suas
debilidades e seus conflitos, tudo isso nos é perfeitamente evidente. En-
tretanto, há mui escassos sinais da futura recompensa deles. Cuidemos,
portanto, em não permitir que nos surjam dúvidas quanto a essa par-
ticularidade. Silenciemos essas dúvidas, em nossos corações, lendo outra
vez o relato da transfiguração de Jesus Cristo. Para Jesus e para todos
quantos nEle confiam está reservada uma glória tão intensa como o co-
ração humano não é agora capaz de conceber. E não somente essa glória
nos foi prometida, como também conta com o testemunho de três com-
petentes testemunhas. Uma dessas testemunhas deixou registrado por
escrito: .e vimos a sua glória, glória como do unigénito do Pai”
(Jo 1.14). Por certo, bem podemos acreditar naquilo que foi visto por elas.
Em segundo lugar, nestes versículos encontramos uma prova in-
sofismável do fato da ressurreição do corpo e de que há vida depois da morte
física. Somos informados ali que Moisés e Elias apareceram juntamente
com Jesus, de forma visível e gloriosa. Eles foram vistos como corpos
físicos. Foram ouvidos a dialogar com o Senhor Jesus. Mil quatrocentos e
oitenta anos já se haviam passado, desde que Moisés morrera e fora
sepultado. E mais de novecentos anos se passaram, desde que Elias fora
arrebatado para o céu em um redemoinho. No entanto, eles foram vistos
vivos, por parte de Pedro, de Tiago e de João!
Devemos dar o máximo de atenção a essa visão. Ela merece nossa
cuidadosa atenção. Todos deveríamos sentir, quando meditamos a respeito
dessa visão, que o estado dos mortos é um assunto deveras misterioso e
profundo. Um após outro, os mortos são sepultados e desaparecem da
nossa vista. Nós os depositamos em seus estreitos túmulos, e nunca mais os
vemos, e os seus corpos físicos acabam reduzidos a pó. Mas, haverão eles,
realmente, de tomar a viver? Poderemos vê-los de novo? Os sepulcros
devolverão os mortos neles contidos, no último dia? Essas são perguntas
que, ocasionalmente, atravessam as mentes de algumas pessoas, apesar de
todas as claríssimas assertivas da Palavra de Deus.
Ora, por ocasião da transfiguração de Jesus nos deparamos com a
mais cristalina evidência de que os mortos, realmente, ressuscitarão algum
dia. Encontramos ali dois homens que reapareceram na terra, em seus
próprios corpos, embora já se tivessem passado séculos que estavam
separados da terra dos viventes. E é nisso que encontramos uma poderosa
garantia da ressurreição final de todos os seres humanos. Todos aqueles
que já viveram neste mundo serão novamente chamados à vida, a fim de
prestarem contas de tudo o que fizeram. Nenhuma dessas pessoas faltará.
Não existe tal coisa como o aniquilamento das almas. Todos quantos
chegaram a dormir em Cristo serão encontrados perfei-
Mateus 17.1-13 137

tamente seguros — patriarcas, profetas, apóstolos, mártires — até ao mais


humilde servo de Deus, dos nossos próprios dias. Embora atualmente
invisíveis para nós, todos eles estão bem vivos para Deus. “Ora, Deus não é
Deus de mortos, e, sim, de vivos; porque para ele todos vivem” (Lc 20.38).
Seus espíritos estão vivos, tanto quanto nós mesmos estamos vivos; e
aparecerão de novo, em corpos glorificados, tão certamente quanto Moisés
e Elias apareceram no monte da transfiguração. Estes, de fato, são
pensamentos solenes. Existe uma ressurreição, e homens como Félix
devem tremer. Existe uma ressurreição, e homens como Paulo devem
regozijar-se.
Em último lugar, nestes versículos, encontramos um notável tes-
temunho acerca da infinita superioridade de Cristo sobre todos quantos
nasceram de mulher. Esse foi um ponto fortemente frisado pela voz, vinda
do céu, que os discípulos ouviram. Pedro, perplexo e atônito diante da
visão celestial, sem saber o que dizer, propôs que fossem erigidos três
tendas no monte: uma para Cristo, outra para Moisés e outra para Elias. Na
realidade, parece que Pedro queria situar o legislador e o profeta lado a lado
com o divino Mestre, como se todos os três fossem iguais, porém, vemos
que essa proposta foi prontamente rechaçada, da maneira mais
extraordinária e impressionante. Uma nuvem encobriu Moisés e Elias, e
eles não mais puderam ser vistos. Ao mesmo tempo, de dentro da nuvem,
saiu uma voz, que reiterou as solenes palavras que João Batista ouvira, por
ocasião do batismo de nosso Senhor: “Este é o meu Filho amado, em quem
me comprazo: a ele ouvi”. Essa voz teve por intuito mostrar a Pedro que há
Alguém muito superior a Moisés ou a Elias. Moisés foi um fiel servo de
Deus. Elias foi uma ousada testemunha que defendeu a verdade divina.
Mas, Cristo é muito maior do que qualquer um deles, ou mesmo que os dois
juntos. Ele é o Salvador, para quem continuamente apontavam a lei e os
profetas. Ele é o verdadeiro Profeta, a quem todos estão na obrigação de
ouvir, conforme lhes foi ordenado (Dt 18.15). Moisés e Elias foram
grandes homens em sua própria época. Porém, Pedro e os outros dois
apóstolos precisavam relembrar que, quanto à natureza, à dignidade e ao
ofício, eles estão muito abaixo de Jesus. Cristo é o verdadeiro sol; mas eles
foram apenas os planetas que refletiram a sua luz. Ele é a raiz; mas eles
foram apenas os ramos, dependentes da raiz. Ele é o Senhor; mas eles
foram apenas os servos. A bondade deles era toda derivada; mas a de Cristo
era sua própria, original. Moisés e os profetas, como homens santos,
merecem honra. Mas, se os discípulos desejam ser salvos, devem ter
unicamente a Cristo como Mestre, e dar glória somente a Ele. “...a ele
ouvi”.
Também devemos detectar nestas palavras uma grande lição para
138 Mateus 17.1-13

toda a igreja de Cristo. Na nossa natureza humana manifesta-se a constante


tendência para “ouvirmos o homem”. Bispos, padres, diáconos, cardeais, o
papa, os concílios, pregadores e ministros de grupos evangélicos são
continuamente exaltados a uma posição que Deus jamais tencionou que
preenchessem, usurpando assim a honra devida somente a Cristo, para
todos os efeitos práticos. Por causa dessa inclinação, que todos vigiemos e
montemos guarda. E que aquelas solenes palavras da visão fiquem
ressoando em nossos ouvidos: “...a ele ouvi”.
Os melhores homens não passam de homens, mesmo em seus
melhores momentos. Os patriarcas, os profetas e os apóstolos — os
mártires, os pais da igreja, os reformadores, os puritanos — todos são meros
pecadores, que precisam do Salvador — santos, úteis, dignos de honra em
seus respectivos lugares, mas apenas pecadores, e nada mais. Nunca
podemos permitir que eles sejam interpostos entre nós e Cristo. Somente
Jesus Cristo é “o Filho, em quem o Pai se compraz”. Somente Ele dispõe
das chaves, que estão em suas mãos, e somente Ele é o “...Deus bendito para
todo o sempre. Amém” (Rm 9.5). Certifiquemo-nos de que estamos
ouvindo a sua voz e seguÍndo-0. Avaliemos todos os ensinamentos
religiosos de conformidade com o grau em que nos conduzem aos pés de
Cristo. A essência da religião que salva consiste nisso — ouvir a Jesus
Cristo.

A Cura do Jovem Endemoninhado


Leia Mateus 17.14-21

Neste trecho bíblico tomamos conhecimento de outro dos gran-


diosos milagres realizados por Jesus Cristo. Ele curou um jovem lunático,
que vivia possuído por um demônio.
A primeira coisa que descobrimos, nestes versículos, é um vívido
quadro da horrenda influência que, algumas vezes, o demônios exercem sobre os
jovens. Lemos ali a respeito do filho de um homem que, além de “lunático”,
também sofria muito. Um espírito maligno o estava pressionando, tentando
destruir seu corpo e sua alma, “pois muitas vezes cai no fogo, e outras
muitas, na água”. Vemos aqui um daqueles casos de possessão demoníaca
que, embora comum nos dias de nosso Senhor na terra, hoje em dia são
encontrados com uma certa raridade. Porém, podemos facilmente imaginar
que, quando esses ataques aconteciam, sem dúvida deixavam as suas
vítimas extremamente aflitas e agoniadas. Já é doloroso ver os corpos
daqueles a quem amamos esmagados pelas enfermidades. E quão mais
doloroso deve ser ver o corpo
Mateus 17.14-21 139

e a mente de algum ente querido totalmente debaixo da influência do


diabo! Disse o bispo Hall: “Fora do inferno, não pode haver desgraça pior”.
Todavia, nunca nos deveríamos esquecer de que há muitas maneiras
de Satanás exercer controle espiritual entre os jovens, que são tão
lamentáveis como o caso que estamos considerando nesta passagem. Há
milhares e milhares de jovens que parecem ter-se entregado completamente
às sugestões de Satanás, tendo ficado cativos à sua vontade. Esses jovens
desfazem-se de todo o temor de Deus e perdem todo o respeito pelos seus
mandamentos. Antes, servem a diversas concupiscências e prazeres
distorcidos. Atiram-se loucamente a todos os excessos e devassidões.
Recusam-se a ouvir os conselhos de seus progenitores, professores ou
ministros do evangelho. Jogam para um lado todas as preocupações com a
própria saúde, com o próprio caráter e com a própria respeitabilidade
perante os seus semelhantes. Fazem tudo quanto está ao seu alcance, a fim
de se arruinarem de corpo e de alma, no tempo e na eternidade. São escravos
voluntários de Satanás. Quem nunca viu jovens nessas condições? Podem
ser encontrados nas grandes cidades e nas áreas rurais. Procedem tanto das
classes abastadas quanto das classes humildes. Certamente esses jovens
servem de provas entristecedoras de que, embora Satanás raramente tome
posse dos corpos dos homens, nestes nossos dias, ele continua exercendo
um maléfico domínio sobre as almas dos homens em geral.
Contudo, jamais nos deveríamos esquecer de que, nem mesmo no
caso de jovens nessa situação deveríamos perder a esperança. Antes,
deveríamos recordar-nos de que nosso Senhor Jesus Cristo é o Todo-
-Poderoso. Por pior que fosse o caso daquele rapazinho, sobre quem lemos
nesses versículos, ele foi “curado”, e isso “desde aquela hora” mesma em
que foi apresentado a Cristo! Os pais, os mestres e os pregadores deveriam
continuar orando em favor dos jovens, mesmo quando eles exibem o seu
lado mais negro. Por mais endurecidos que pareçam ser os seus corações,
ainda assim tais corações poderão ser abrandados. Por mais desesperadora
que seja a sua iniquidade, no momento, ainda assim poderão ser curados. À
semelhança de João Newton, eles poderão chegar a arrepender-se e
converter-se, e o seu último estado demonstrar que é melhor do que o
inicial. Quem é capaz de negar isso? Que para nós constitua um princípio
fixo, quando lemos a respeito dos milagres realizados por nosso Senhor,
que jamais desistamos de esperar pela salvação de quem quer que seja.
Em segundo lugar, nestes versículos, encontramos um extraordinário
exemplo do efeito debilitador da incredulidade. Os discípulos indagaram
ansiosamente de nosso Senhor, ao notarem que o demônio
140 Mateus 17.14-21

cedera diante do poder de Cristo: „ „Por que motivo não pudemos nós
expulsá-lo?” E eles receberam uma resposta plena da mais rica e proveitosa
lição: “Por causa da pequenez da vossa fé”. Desejariam eles conhecer o
segredo do seu próprio e triste fracasso, na hora da necessidade? Era a falta
de fé mais firme.
Ponderemos bem sobre esse incidente, e aprendamos a ser sábios. A
fé é a chave do sucesso na guerra espiritual do crente. A incredulidade é o
caminho garantido da derrota. Se permitirmos que a nossa fé se enfraqueça
e caia em decadência, todas as nossas graças cristãs debilitar-se-ão
juntamente com ela. A coragem, a paciência, a longanimidade e a esperança
não demorarão coisa alguma para murchar e desaparecer. A fé é a raiz da
qual dependem todas essas outras virtudes. Os mesmos israelitas que, em
certa ocasião, atravessaram triunfalmente o mar Vermelho, em outra
oportunidade encolheram-se diante do perigo como uns covardes, ao
chegarem às bordas da Terra Prometida. O Deus deles continuava o mesmo
que os tirara da servidão na terra do Egito. O líder deles era o mesmo
Moisés, que operara tantas maravilhas diante dos seus olhos. No entanto, a
fé deles já não era a mesma. Eles tinham dado margem a vergonhosas
dúvidas acerca do amor e do poder do Senhor Deus. “...não puderam entrar
por causa da incredulidade” (Hb 3.19).
Em último lugar, vemos nestes versículos que o reino de Satanás não
pode ser derrubado sem muita luta e diligência, Parece ser essa a lição com que
se encerra a presente passagem. “Mas esta casta não se expele senão por
meio de oração e jejum.” Nessas palavras parece haver implícita uma gentil
reprimenda de Jesus aos seus discípulos. Talvez eles estivessem por demais
entusiasmados com os sucessos do passado. Ou, talvez, estivessem sendo
menos diligentes no uso dos meios da graça, em face da ausência de seu
Senhor, do que quando Cristo estava em companhia deles. Sem importar
qual tenha sido a causa, eles receberam uma indicação perfeitamente clara,
da parte de nosso Senhor, de que a guerra contra Satanás jamais deve ser
travada de modo superficial. E assim sendo, foram instruídos quanto ao fato
que nenhuma vitória sobre o príncipe deste mundo pode ser ganha de modo
fácil. Sem a oração fervorosa e sem a auto-mortificação diligente, com fre-
quência haveremos de amargar o fracasso e a derrota.
A lição aqui ressaltada reveste-se de grande importância. Afirmou
Bullinger: “Eu gostaria que esta porção do evangelho nos agradasse tanto
quanto aquelas porções que nos concedem liberdade”. Todos nos
inclinamos por cumprir os nossos atos devocionais de maneira impensada e
apenas formal. A exemplo do povo de Israel, que estava envaidecido diante
da queda das muralhas de Jericó, estamos sempre dispostos
Mateus 17.14-22 Í41
a dizer para nós mesmos: “são poucos os inimigos“ (Js 7.3). Desse modo,
pois, imaginamos que não precisamos exercitar toda a nossa força
espiritual. Mâs, também a exemplo de Israel, por muitas vezes somos então
obrigados a experimentar, com amargor de espirito, que as batalhas
espirituais não são vencidas sem luta árdua. A arca do Senhor sob hipótese
alguma pode ser manuseada com irreverência. O trabalho do Senhor não
pode ser feito de maneira desleixada.
Que nunca nos esqueçamos das palavras de nosso Senhor aos seus
discípulos, e que tenhamos como regra, colocá-las em prática. No púlpito
ou na plataforma, na Escola Dominical ou no local de trabalho, no uso que
fizermos das nossas orações domésticas e da leitura da Bíblia, que sempre
vigiemos com diligência sobre os nossos próprios espíritos. Qualquer coisa
que estejamos fazendo, que o façamos de conformidade
com as nossas forças“ (Ec 9.10). Constitui um erro fatal subestimar os
nossos adversários. Maior é aquele que está conosco do que aquele que é
contra nós. Mas, a despeito disso, aquele que nos é contrário não deveria
ser subestimado quanto à sua periculosidade. Ele é o próprio príncipe deste
mundo. Ele é o forte homem armado, que guarda a sua casa, e que não sai
da mesma para dividir os seus bens com alguém, senão depois de muita
luta. Não temos de combater contra carne e san- gue, e, sim, contra
principados e potestades. Portanto, precisamos revestir-nos de toda a
armadura de Deus. E não somente nos cabe nos
revestirmos dela, porquanto também precisamos usá-la. Podemos ter
a mais absoluta certeza de que aqueles que obtêm o maior número de
vitórias sobre o mundo, a carne e o diabo são justamente aqueles que
mais oram em secreto, fazendo conforme fazia Paulo: “Mas esmurro
o meu corpo, e o reduzo à escravidão“ (1 Co 9.27).

O Peixe e a Moeda do Tributo


Leia Mateus 17.22-27

Nestes versículos transparece uma certa circunstância, dentro da


vida de nosso Senhor, que não foi narrada por qualquer dos demais
evangelistas, além de Mateus. Um milagre notável foi efetuado, a fim de
providenciar o necessário para o pagamento do dinheiro do tributo,
requerido para a manutenção do templo de Jerusalém. Nessa narrativa há
três pontos salientes, que merecem a nossa atenta observação.
Em primeiro lugar, observemos que nosso Senhor tinha perfeito
conhecimento de tudo quanto é dito e feito neste mundo. Lemos ali que aqueles
que “cobravam o imposto das duas dracmas” dirigiram-se a
142 Mateus 17.22-27

Pedro e lhe perguntaram: “Não paga o vosso Mestre as duas dracmas?“ E a


resposta dada por Pedro foi na afirmativa: “Sim”. É evidente que nosso
Senhor não estava presente quando essa pergunta foi formulada e essa
resposta foi dada. No entanto, nem bem Pedro chegou na casa, e o Senhor
lhe foi perguntando: “Simão, que te parece? de quem cobram os reis da terra
imposto ou tributo; dos seus filhos, ou dos estranhos?“ Dessa maneira, pois,
Jesus mostrou a Pedro que sabia qual a conversa que esse apóstolo tivera
com aqueles homens, como se Ele estivesse estado nas imediações,
escutando tudo.
Existe algo de indescritível solenidade na idéia de que o Senhor
Jesus sabe de todas as coisas. Há um par de olhos que acompanha toda a
nossa conduta diária. Há alguém que escuta todas as palavras que dizemos a
cada dia. Todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos dAquele a
quem teremos de prestar contas. É simplesmente impossível nos ocultarmos
dEle. A hipocrisia é perfeitamente inútil. Podemos enganar aos pregadores.
Podemos fingir diante de nossos parentes e vizinhos. O Senhor, no entanto,
vê todas claramente. Não podemos enganar a Cristo.
Deveríamos fazer um esforço para usar essa verdade de um modo
prático. Deveríamos esforçar-nos por viver como que diante dos olhos do
Senhor, conforme foi recomendado a Abraão: “anda na minha presença”
(Gn 17.1). Que o nosso alvo diário seja nada dizer que não gostaríamos que
Cristo ouvisse, e nada fazer que não gostaríamos que Cristo visse. Por igual
modo, deveríamos medir cada questão difícil, sobre o que é certo ou errado,
mediante um simples teste: Como eu me comportaria, se Jesus estivesse de
pé, ao meu lado? Um padrão assim não é extravagante e nem absurdo.
Também não é uma norma capaz de interferir com qualquer dever ou
relacionamento em nossas vidas. Interfere exclusivamente cora o pecado.
Feliz é aquele que procura sentir a presença de seu Senhor, fazendo e
dizendo todas as coisas como que na presença dEle.
Observemos ainda que nosso Senhor exerce o seu infinito poder sobre
toda a criação. Jesus fez de um peixe o seu tesoureiro. Fez uma criatura
muda trazer o dinheiro do imposto, para satisfazer às exigências do coletor.
Com toda a razão, pois, comentou Jerônimo: “Não sei o que mais admirar
aqui, se a presciência de nosso Senhor ou se a sua grandeza”.
Deparamo-nos aqui com um cumprimento literal das palavras do
salmista: “Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão, e sob seus pés tudo
lhe puseste... as aves do céu e os peixes do mar, e tudo o que percorre as
sendas dos mares” (SI 8.6-8).
Temos aqui uma prova, dentre muitas outras, da majestade e da
Mateus 17.22-27 143

grandeza de nosso Senhor Jesus Cristo. Somente Ele, que foi o criador de
todas as coisas, poderia exigir a obediência de todas as suas criaturas.
“Tudo foi criado por meio dEle e para Ele... nEle tudo subsiste” (Cl
1.16-17), O crente que parte para realizar a obra de Cristo entre os incré-
dulos, pode entregar-se com toda a confiança aos cuidados do seu Senhor.
Porquanto estará servindo Àquele que detém toda a autoridade, até mesmo
sobre as feras da terra. Quão maravilhoso é o pensamento que esse Senhor
Todo-Poderoso tenha condescendido em ser crucificado, a fim de
salvar-nos! Quão consolador é o pensamento que, quando Ele vier ao
mundo, pela segunda vez, haverá de manifestar gloriosamente o seu poder
sobre todas as coisas criadas, no mundo inteiro! “O lobo e o cordeiro
pastarão juntos, e o leão comerá palha como o boi; pó será a comida da
serpente” (Is 65.25).
Em último lugar, observemos, nestes versículos, a disposição de
nosso Senhor em fazer concessões, por não querer escandalizar a ninguém. Com
toda a razão, Jesus poderia ter reivindicado isenção do pagamento do
dinheiro do tributo. Aquele que é o próprio Filho de Deus, com toda a
justiça poderia ser dispensado de pagar pela manutenção da casa de seu Pai.
Aquele que mostrou ser “maior do que o templo”, poderia ser reconhecido
como quem não precisava contribuir para o sustento do templo. Nosso
Senhor, entretanto, não fez nada disso. Não reivindicou qualquer isenção.
Pelo contrário, demonstrou que desejava que Pedro pagasse o dinheiro que
fora cobrado. Ao mesmo tempo, porém, Jesus declarou os seus motivos.
Isso deveria ser feito “para que não os escandalizemos”. Comentou o bispo
Hall, a esse respeito* “Foi efetuado um milagre, a fim de que nem mesmo
um coletor de impostos ficasse escandalizado‟ ‟.
O exemplo dado por nosso Senhor, nesse incidente, merece toda a
atenção da parte daqueles que se professam e se chamam cristãos.
Oculta-se uma profunda sabedoria naquelas cinco palavras, “para que nao
os escandalizemos . Elas ensinam-nos, com toda a clareza, que existem
questões acerca das quais o povo de Cristo deveria abafar as suas próprias
opiniões, submetendo-se a requisitos que talvez não aprovem plenamente,
somente por não quererem escandalizar a ninguém e nem “pôr tropeço
diante do evangelho de Cristo”. Dos direitos de Deus, é indubitável, jamais
deveríamos desistir; mas, dos nossos próprios direitos, ocasionalmente
podemos desistir deles, com real proveito. Talvez soe correto e pareça
heróico estarmos continuamente a defender, com tenacidade, os nossos
direitos. Porém, diante de uma passagem bíblica como a que temos diante
de nós, bem poderiamos duvidar se tal tenacidade sempre é sábia e sempre
reflete a mente de Cristo. Há ocasiões em que o crente demonstra maior
graça submetendo-se do que oferecendo resistência.
144 Mateus 17.22-27

Lembremo-nos desta passagem, na qualidade de cidadãos e patriotas.


Talvez não aprovemos todas as medidas políticas tomadas por nossos
governantes. Talvez discordemos de alguns dos impostos que eles
determinam. Mas, a grande indagação, após tudo isso, é a seguinte:
“Redundará em qualquer benefício para a causa da religião cristã se eu
resistir às autoridades constituídas? As medidas decretadas por elas
realmente estão prejudicando o bem-estar da minha alma?*‟ Em caso
negativo, fiquemos tranquilos, “para que não os escandalizemos“.
Também nos devemos recordar deste trecho bíblico na qualidade de
membros da igreja de Cristo. Talvez não gostemos de tudo que ocorre nas
cerimônias e ritos do grupo evangélico a que pertencemos. Talvez
pensemos que aqueles que nos governam quanto às questões espirituais
nem sempre se mostram sábios. Mas, em última análise, os pontos sobTe os
quais nos sentimos insatisfeitos são, realmente, de importância vital?
Alguma das grandes verdades do evangelho está sendo ameaçada? Em caso
contrário, fiquemos quietos, “para que não os escandalizemos“.
Lembremo-nos também desta passagem na qualidade de membros
que fazem parte de uma sociedade. Dentro do círculo social ao qual per-
tencemos, talvez haja regras e normas que nós, como crentes que somos,
sintamos serem cansativas, inúteis e sem nenhum proveito. Contudo, tais
questões são fundamentais? Elas prejudicam as nossas almas? A causa da
religião cristã seria beneficiada de alguma maneira, se nos recusássemos a
anuir diante de tais imposições? Em caso contrário, sujeitemo-nos
pacientemente a tais coisas, “para que não os escandalizemos“.
Teria sido muito bom, para a igreja e para o mundo, se essas cinco
palavras proferidas por nosso Senhor fossem melhor estudadas, ponderadas
e postas em prática! Quem é capaz de calcular o dano que tem sido feito
contra a causa do evangelho por aqueles escrúpulos mórbidos e por aquilo
que muitos chamam de consciência? Faríamos muito bem em relembrar o
exemplo que nos deixou o grande apóstolo dos gentios: “antes, suportamos
tudo, para não criarmos qualquer obstáculo ao evangelho de Cristo” (1 Co
9.12).

A Necessidade da Conversão e da Humildade;


À Realidade do Inferno
Leia Mateus 18.1-14

A primeira coisa que nos é ensinada nestes quinze versículos é a


necessidade de conversão, e esta manifestada sob a forma de uma humildade
como a de uma criança. Os discípulos apresentaram-se ao

L
Mateus 18.]-14 145

Senhor com a seguinte indagação: “Quem é, porventura, o maior no reino


dos céus?” Eles falaram como homens não bem iluminados, impulsionados
por muitas expectativas carnais. E receberam uma resposta dita de forma a
despertá-los dos seus sonhos em plena luz do dia —uma verdade que jaz
nos fundamentos mesmos do cristianismo: “Em verdade vos digo que, se
não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum
entrareis no reino dos céus”.
Permitamos que estas palavras penetrem no fundo dos nossos co-
rações. Sem conversão também não há salvação. Todos precisamos de uma
radical mudança em nossa natureza. Por nós mesmos não teríamos nem fé,
nem temor, nem amor para com Deus. “Importa-vos nascer de novo*‟ (Jo
3.7). Por nós mesmos somos totalmente despreparados para habitar na
presença do Senhor. O céu não seria céu para nós, se não nos
convertêssemos. Isso aplica-se com igual verdade a todas as fileiras,
classes e ordens da humanidade. Todos nós temos nascido no pecado e
somos filhos da ira, sem uma única exceção. Por isso mesmo, precisamos
nascer do alto, tornando-nos novas criaturas. É mister que um coração novo
comece a pulsar dentro de nós, que um espírito novo nos seja insuflado. As
coisas antigas precisam passar, e todas as coisas devem ser renovadas. É
coisa excelente alguém ser batizado em uma igreja evangélica e usufruir
dos meios cristãos da graça. Mas, antes de tudo, o que realmente importa é:
Já nos convertemos?
Gostaríamos de saber se realmente estamos convertidos? Conhe-
cemos aquele teste por meio do qual nos podemos submeter à prova? O
sinal mais seguro de uma autêntica conversão é a humildade. Se, na
verdade, já recebemos o Espírito Santo de Deus, então haveremos de
reconhecer o fato por intermédio de uma atitude mansa como a de uma
criança; e, à semelhança das crianças, haveremos de pensar a nosso próprio
respeito com modéstia, ao considerarmos as nossas forças e a nossa
sabedoria, e também porque mostraremos ser muito dependentes do nosso
Pai celeste. À semelhança das crianças, não buscaremos para nós mesmos
grandes coisas neste mundo; e, se tivermos alimentos, vestes e o amor de
nosso Pai dos céus, então ficaremos contentes. Na verdade, esse é um teste
que nos perscruta os corações! Ele desmascara as distorções de muitas
supostas conversões. É fácil alguém converter-se de uma igreja para outra,
de um conjunto de opiniões para outro. Conversões dessa natureza jamais
salvaram uma alma sequer. O de que todos precisamos é de nos
convertermos do orgulho para a humildade, de elevados conceitos sobre
nós mesmos para pensamentos modestos a nosso respeito, do
auto-convencimento para a auto- -humilhação, e da mentalidade de um
fariseu para a mentalidade de um publicano. Se quisermos ter qualquer
esperança de salvação, então te
146 Mateus 18.1-14

remos de experimentar uma conversão desse alto nível. Porquanto essas são
as conversões operadas pelo Espírito Santo.
À próxima coisa que nos é ensinada nesses versículos é o grande
pecado que consiste em pôr pedras de tropeço no caminho dos crentes. As
palavras emitidas por nosso Senhor, sobre este assunto, foram pe-
culiarmente solenes: “Ai do mundo por causa dos escândalos... ai do
homem pelo qual vem o escândalo”. Ora, colocamos pedras de tropeço ou
escândalos no caminho das almas humanas, sempre que fazemos qualquer
coisa a fim de impedi-las de se aproximarem de Cristo, ou que poderiam
forçá-las a desviarem-se do caminho da salvação, ou que poderíam
desgostá-las no tocante ao cristianismo bíblico. Podemos fazer isso
diretamente, perseguindo, lançando no ridículo, fazendo oposição ou
procurando dissuadir os homens de servirem a Cristo. Também podemos
fazer isso de modo indireto, se vivermos de maneira incoerente com a
religião que professamos, ou fazendo o cristianismo parecer repelente e
insatisfatório, mediante a nossa própria conduta condenável. Sempre que
fizermos qualquer coisa desse tipo, conforme toma-se claro pelas palavras
de nosso Senhor, estaremos cometendo um grave pecado.
Há algo de muito temível, na doutrina aqui estabelecida por Jesus
Cristo, Taí doutrina deveria despertar em nós o desejo de sondarmos
cuidadosamente os nossos corações. Temos a certeza de que não estamos
sendo prejudiciais para outras pessoas? Talvez não estejamos perseguindo
abertamente aos servos de Cristo. Porém, não estaríamos dando mau
exemplo a nenhum deles, por meio da nossa conduta? É horrível quando
pensamos a respeito do grande dano causado por alguém que professe
falsamente seguir a religião cristã. Essa pessoa estará pondo uma arma nas
mãos dos incrédulos. Estará suprindo os mundanos com uma desculpa para
eles se manterem na impenitência. Tal pessoa atrapalha aqueles que estão
em busca da salvação. Desencoraja aos santos. Em suma, age como um
sermão vivo, em favor do diabo. Somente o último dia haverá de desvendar
toda a ruína sofrida pelas almas, por causa dos “escândalos” praticados no
próprio seio da igreja do Senhor. Uma das acusações de Natã, contra Davi,
foi a seguinte: “deste motivo a que blasfemassem os inimigos do Senhor”
(2 Sm 12.14).
A próxima verdade que nos mostram estes versículos é a realidade
do castigo futuro, após a morte física. Duas incisivas expressões foram
empregadas por nosso Senhor, quanto a esse particular. Ele falou em
alguém ser * 'lançado no fogo eterno‟ ‟, e também em ser “lançado no
inferno de fogo‟ ‟. O significado dessas palavras é claro e inequívoco. No
mundo vindouro existe um lugar caracterizado por uma indescritível
miséria, onde serão encerrados todos quantos morrerem na impenitência e
na incredulidade. Nas Escrituras, por conseguinte, nos é revelada uma
Mateus 18.1-14 147

“ardente indignação” que, mais cedo ou mais tarde, haverá de devorar todos
os adversários de Deus (Hb 10.27). A mesma firme palavra que garante o
céu para todos quantos se arrependerem e converterem, também declara,
sem rodeios, que há um inferno à espera dos ímpios.
Que ninguém tente enganar-nos com vãs palavras sobre esse hor-
rendo assunto. Nestes últimos dias têm surgido indivíduos que professam
negar a eternidade da punição futura, e que, assim sendo, repetem o antigo
argumento do diabo, o qual disse: “ É certo que não morrereis” (Gn 3.4).
Que nenhum desses falsos raciocínios nos abale, por mais plausíveis que
eles pareçam ser. Conservemo-nos firmes nas veredas antigas. O Deus de
amor e misericórdia também é o Deus da justiça. Sem a menor sombra de
dúvida, Ele retribuirá. O dilúvio, dos dias de Noé, e a destruição da cidade
de Sodoma tiveram por finalidade mostrar- -nos o que Deus fará, algum dia,
no futuro. Nenhuma boca jamais faiou com tanta clareza sobre o inferno
como a do próprio Jesus Cristo. Os pecadores insensíveis acabarão
descobrindo, para a sua própria perdição eterna, de que existe realmente a
“ira do Cordeiro” (Ap 6.16).
A última coisa que podemos aprender, com base nestes versículos, é
o valor dado por Deus até ao menor e mais fraco dos crentes. “Assim, pois, não
é da vontade de vosso Pai celeste que pereça um só destes pequeninos”.
Essas palavras ficaram registradas com o propósito de encorajar a todos os
verdadeiros crentes, e não somente às criancinhas, como é lógico. A
conexão dessas palavras com a parábola sobre as cem ovelhas, uma das
quais se desviara e perdera, parece esclarecer esse ponto acima de qualquer
sombra de dúvida. O propósito delas é mostrar- -nos que nosso Senhor Jesus
é um Pastor que cuida temamente de cada alma entregue aos seus cuidados.
Os membros mais recentes, mais fracos e doentios do seu rebanho, para Ele
são tão preciosos quanto os mais robustos. Eles nunca perecerão. Ninguém
poderá arrancá-los da mão do Senhor. Ele mesmo haverá de conduzi-los
gentilmente, através dos desertos deste mundo. Ele não haverá de permitir
que caminhem depressa demais, em um único dia, a fim de que nenhum
deles venha a perecer (Gn 33.13). Ele haverá de fazê-los ultrapassar
quaisquer dificuldades. Ele os defenderá de todo e qualquer adversário.
Estas palavras, ditas por Jesus, serão literalmente cumpridas: “Não perdi ne-
nhum dos que me deste” (Jo 18.9). Ora, com um Salvador assim, quem
precisa ter medo de começar a ser um cristão decidido? Contando com um
Pastor desse quilate, que já iniciou em nós a sua obra, quem poderia temer
uma possível rejeição?
148 Mateus 1 8.15-20

Como Resolver Diferenças Entre os Crentes;


Natureza da Disciplina Eclesiástica
Leia Mateus 18.15-20

As palavras do Senhor Jesus, contidas nestes versículos, encerram


uma expressão que, com freqüência, tem sido mal aplicada. A ordem que
afirma: “dize-o à igreja” tem sido interpretada de tal maneira que chega a
contradizer outras passagens da Palavra de Deus, Tal ordem tem sido
falsamente aplicada à autoridade da igreja visível, quanto a questões
doutrinárias, pelo que tem servido de justificativa para o exercício de muita
tirania eclesiástica. Porém, os abusos contra as verdades das Escrituras não
deveriam nos tentar a negligenciarmos o uso correto das mesmas. Não
devemos desprezar qualquer texto bíblico que seja, somente por que alguns
o têm pervertido e transformado em veneno.
Observemos, em primeiro lugar, quão admiráveis são as normas
determinadas por nosso Senhor para a solução de divergências entre os irmãos.
Se, lamentavelmente, tivermos sido ofendidos por algum outro membro da
igreja de Cristo, o primeiro passo a ser dado será visitá-lo e “argüi-lo entre
ti e ele só”, na tentativa de ser corrigida a falha. Talvez esse irmão nos tenha
ofendido sem intenção disso, conforme aconteceu entre Abimeleque e
Abraão (Gn 21,26). A sua conduta talvez admita uma ótima explicação,
como aquela que foi dada pelos membros das tribos de Ruben, Gade e
Manassés, quando erigiram um altar, ao retornarem para a sua própria terra
(Js 22.24). Seja como for, essa maneira amigável, fiel e franca de entrar em
entendimento é o curso mais provável para ganharmos de volta a algum
irmão que nos tenha ofendido em qualquer sentido. “A língua branda
esmaga ossos” (Pv 25.15). Quem pode garantir que aquele irmão não venha
a reconhecer, imediatamente: “Eu estava errado”, para, em seguida, reparar
seu erro desculpando-se conosco?
Entretanto, se essa maneira de proceder, não conseguir produzir
qualquer bom resultado, um segundo passo deverá ser dado por nós. Nesse
caso, conforme Jesus disse, “toma ainda contigo uma ou duas pessoas”,
para que, mediante o depoimento dessas testemunhas, seja procurada a
solução, diante do irmão ofensor. Talvez a consciência desse irmão seja
tocada, e assim reconheça o seu erro, envergonhe-se e arrependa -se. Mas,
caso contrárioy ainda assim disporemos do dcpoimcn- to daquelas duas ou
três testemunhas, de que fizemos tudo quanto estava ao nosso alcance para
que nosso irmão voltasse à sobriedade, o que se recusara a fazer na primeira
tentativa, e agora, novamente, na segunda.
Mateus 18.15-20 149

Final mente, se essa segunda tentativa tiver sido em vão, então


devemos relatar a questão inteira à congregação local da qual fazemos
parte, cumprindo assim a recomendação de Cristo, “dize-o à igreja”.
Talvez o coraçao que se mostrara inabalável na primeira e na segunda
tentativas, renda-se afinal, diante do temor do desmascaramento público.
Mas, se o ofensor, ainda assim nao quiser se dobrar, então só nos restará
uma conclusão a respeito do estado daquele irmão — devemos
considerá-lo, embora com tristeza, como alguém que preferiu desfazer- -se
de todos os princípios cristãos, deixando-se guiar pelos motivos inferiores
que impulsionam a qualquer “gentio e publicano”.
Esta passagem é uma linda instância de sabedoria mesclada com
terna consideração, que se percebe no ensinamento de nosso Senhor.
Quanto conhecimento Ele demonstrou possuir sobre a natureza humana!
Coisa alguma é tão prejudicial para a causa da religião cristã quanto as
desavenças entre os cristãos. Por conseguinte, nenhuma pedra deveria ser
deixada sem revirar, nenhuma tribulação deveria ser evitada, se somente
assim tais desavenças cheguem a tornar-se questões de domínio público.
Jesus, portanto, mostrou uma profunda e delicada preocupação com a
sensibilidade da pobre natureza humana! Muitos problemas escandalosos
poderiam ser evitados se estivéssemos mais dispostos a praticar aquela
regra que diz „ „entre ti e ele só”. Traduzir-se-ia em grande felicidade para
a igreja e para o mundo, se essa porção das instruções de Jesus fosse mais
cuidadosamente estudada e obedecida. Sempre haverá discórdias e
divisões entre nós, enquanto o mundo continuar existindo como é.
Entretanto, quantas dessas coisas seriam imediatamente extintas, se o
curso de ação recomendado por Jesus, nesses versículos, fosse
experimentado!
Em segundo lugar, observemos o claro argumento que encontramos
nestes versículos em favor do exercício da disciplina em uma comunidade cristã.
Nosso Senhor determinou que os desacordos entre crentes que não possam
ser solucionados de outra maneira sejam entregues à decisão da igreja local
a qual aqueles irmãos pertencem. Asseverou Ele. dize-o à igreja . Com
base nesses fatos, é evidente que o Senhor tenciona que cada local de
crentes professos tome conhecimento da conduta moral de seus membros,
ou mediante a ação coletiva da comunidade inteira, ou por meio de líderes
e anciãos aos quais seja delegada autoridade espiritual. Também é patente
que Ele queria que cada congregação tivesse a autoridade de excluir
membros desobedientes e refratários, para que não participem de suas
atividades normais, como a prática das ordenanças. Declarou o Senhor
Jesus: “E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também
a igreja, considera-o como gentio e publicano”. Jesus não disse uma única
palavra sobre castigos
150 Mateus 18.15-20

temporais ou sobre impedimentos civis. Penas de cunho espiritual são as


únicas penalidades que Jesus permitiu à sua igreja infligir. Mas, quando
essa aplicação é feita corretamente, tal punição não pode ser considerada
coisa sem importância: “tudo o que ligardes na terra, terá sido ligado no
céu, e tudo o que desligardes na terra, terá sido desligado no céu”. Parece
ser essa a substância do ensinamento de nosso Senhor acerca da disciplina
eclesiástica.
É inútil tentar negar que o assunto inteiro está circundado de di-
ficuldades . Sobre nenhuma outra particularidade a influência do mundo
tem pesado tanto sobre a ação das igrejas locais. Sobre nenhum outro
ponto as igrejas locais têm cometido tantos erros — algumas vezes para o
lado de uma indiferença sonolenta, e, de outras vezes, para o lado de uma
cega severidade. Não há que duvidar que a autoridade da exclusão tem sido
temivelmente abusada e pervertida; e, conforme escreveu Quesnel:
“Deveríamos temer mais aos nossos pecados do que todas as exclusões no
mundo”. A despeito disso, é impossível negarmos, contando com uma
passagem como essa, à nossa frente, que a disciplina eclesiástica
harmoniza-se com a mentalidade de Cristo, de tal maneira que, quando
devidamente exercida, visa a promover o bem-estar e a higidez da igreja.
Não pode mesmo ser direito que toda variedade de indivíduos, por ímpios
e malignos que sejam, tenham permissão de achegar-se à mesa do Senhor,
sem que ninguém os impeça ou proíba. Faz parte dos deveres mais solenes
de todo crente usar a sua influência para tentar impedir a continuação desse
estado de coisas. Nunca poderemos conseguir uma perfeita comunhão
neste mundo; embora a pureza deva ser o nosso grande alvo. Um padrão
crescentemente mais elevado de qualificações, para que alguém se tome
membro de uma igreja local, sempre será uma das melhores evidências de
uma igreja próspera.
Em último lugar, observemos quão gracioso encorajamento Cristo tem
em reserva para aqueles que se reúnem em seu nome. Declarou Ele: “Porque
onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio
deles”. Essa declaração serve de notável comprovação indireta da
divindade do Senhor Jesus. Pois somente Deus pode estar em muitos
lugares ao mesmo tempo.
Nestas palavras também há uma grande consolação para todos
aqueles que apreciam reunir-se com outros crentes, com propósitos de
adoração religiosa. Em cada reunião de adoração pública, em cada reunião
de oração ou louvor, em cada reunião missionária, em cada reunião de
leitura da Bíblia acha-se presente o próprio Rei dos reis, Jesus Cristo.
Talvez Fiquemos desencorajados, por muitas vezes, diante do pequeno
número de pessoas que se faz presentes aos cultos, em comparação com os
grandes números que se reúnem para finalidades seculares e mun
Mateus 18.15-20 151

danas. De outras vezes, sentiremos dificuldades em suportar os insultos


e o ridículo de indivíduos de natureza maligna, que clamam como o
fizeram aqueles antigos inimigos: “Que fazem esses fracos judeus?”
(Ne 4.2). Todavia, não temos qualquer razão para o desânimo. Pois
podemos ficar dependendo da palavra de promessa do Senhor Jesus.
Em todas as nossas reuniões contaremos com a companhia do próprio
Cristo.
Por outra parte, nestas palavras há uma solene repreensão para todos
aqueles que negligenciam a adoração pública a Deus, e nunca se fazem
presentes às reuniões com propósitos religiosos. Esses estão voltando as
costas à sociedade do Senhor dos senhores. Eles perdem a oportunidade de
se encontrarem pessoalmente com o próprio Cristo, na dimensão coletiva.
De coisa alguma lhes adianta tentarem justificar- -se de que as reuniões dos
crentes são assinaladas por defeitos e debilidades, ou que o crente obtém
tantas bênçãos ficando em casa quanto freqüentando os cultos na igreja. As
palavras proferidas por nosso Senhor deveriam silenciar todos os
argumentos desse tipo. Sem dúvida, não demonstram sabedoria aqueles
indivíduos que falam com escarninho de qualquer reunião em que Cristo se
faz presente.
Bem poderíamos ponderar sobre essas coisas. Se já nos reunimos
com o povo de Deus, para efeitos espirituais, no passado, então per-
severemos nessa prática e não nos envergonhemos da mesma. Se, até o
momento, temos desprezado tais reuniões, reconsideremos a nossa maneira
de agir e aprendamos a ser sábios.

A Parábola do Servo que Não Queria Perdoar


Leia Mateus 18.21-35

Nestes versículos, o Senhor Jesus abordou um assunto de máxima


importância — como devemos perdoar as ofensas. Vivemos em um mundo
maligno, e é inútil esperar que consigamos escapar aos maus tratos, por
mais cuidadosamente que nos comportemos. Saber como nos devemos
conduzir, quando somos maltratados, é algo importantíssimo para as nossas
almas.
Em primeiro lugar, o Senhor Jesus estabeleceu uma regra geral,
de que devemos perdoar às outras pessoas ao máximo. Foi Pedro quem
apresentou a indagação: “Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará
contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?” E, como resposta,
Jesus lhe disse: “Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete‟
‟.
152 Mateus 18.21-35

A regra aqui estabelecida, naturalmente, precisa ser interpretada com


sobriedade. Nosso Senhor não quis dar a entender que as transgressões
contra as leis da terra e contra a boa ordem social devam ser des-
consideradas e passadas em silêncio. Ele também não quis dizer que
devamos permitir que as pessoas cometam furtos e assaltos com a im-
punidade. Tudo quanto Ele quis dizer é que devemos manter uma atitude
geral de misericórdia, disposta a perdoar aos nossos irmãos e semelhantes.
Precisamos tolerar muita coisa e suportar muitas injustiças, ao invés de logo
entrarmos em conflito com os nossos ofensores. Também devemos afrouxar
sobre muitas coisas, submetendo-nos a muitas imposições, antes de
entrarmos em choque com outras pessoas. E, por igual modo, devemos
repelir tudo quanto a aparência de malícia, contenda, vingança e retaliação.
Sentimentos dessa ordem servem somente para os incrédulos. Mas, são
totalmente indignos, no caso de qualquer discípulo de Cristo.
Quão mais abençoada seria a vida neste mundo, se essa norma ditada
por nosso Senhor fosse mais largamente reconhecida e melhor obedecida!
Quantas das desgraças que sobrevêem à humanidade são ocasionadas por
disputas, querelas, ações judiciais e uma obstinada tenacidade quanto àquilo
que os homens costumam intitular de *4meus direitos”! Quantos conflitos
entre os homens poderiam ser evitados, se ao menos os homens se
dispusessem mais ao perdão, e desejassem mais que a paz imperasse! Nunca
nos deveríamos esquecer que nenhuma fogueira pode continuar queimando
sem lenha. Por semelhante maneira, são necessárias duas pessoas para que
comece uma briga. Portanto, que cada uma das duas pessoas resolva, pela
graça de Deus, que não contribuirá para que a briga tenha início e prossiga.
Antes, devemos resolver pagar o mal com o bem, e a maldição com a
bênção, dissipando assim toda inimizade e transformando os nossos
adversários em amigos (Rm 12.20). Era uma excelente qualidade de caráter
do arcebispo Cranmer que, se alguém chegasse a ofendê-lo, certamente
acabaria tomando-se amigo dele.
Em segundo lugar, nosso Senhor supriu-nos dois poderosos motivos
para exercitarmos um espírito perdoador. Jesus contou a história de um
homem que devia uma gigantesca quantia para seu senhor; mas, como não
tinha “com que pagar‟*, chegado o momento da prestação de contas, seu
senhor compadeceu-se dele (<e perdoou-lhe a dívida**. E Jesus continuou
para dizer que esse mesmo homem, após haver sido perdoado,
encontrando-se com um seu companheiro que lhe devia uma importância
insignificante, recusou-se a perdoá-lo. Além disso, aquele servo exigiu que
seu conservo fosse lançado no cárcere, não querendo dispensar a mínima
parcela da dívida. Finalmente, conforme o Senhor
Mateus 18.21-35 153

Jesus ajuntou, o castigo sobreveio àquele servo cruel, que não se dispunha a
perdoar. Porquanto, após ter-lhe sido mostrada misericórdia, ele também
deveria ter-se mostrado misericordioso para com seu semelhante. E o
Senhor Jesus conclui a sua parábola com estas impressionantes palavras:
Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada
um a seu irmão”.
Nesta parábola de Jesus fica patenteada a verdade que um dos
motivos para perdoarmos aos nossos semelhantes deveria ser a lembrança de
que todos precisamos ser perdoados diante de Deus. Dia após dia, caímos em
muitas transgressões e ficamos muito aquém do que deveríamos ser, e
“deixamos de fazer, e fazemos aquilo que não deveríamos fazer”. Dia após
dia, solicitamos de Deus misericórdia e perdão. As ofensas que outras
pessoas têm praticado contra nós são coisas desprezíveis, em confronto com
as nossas gravíssimas ofensas contra o Senhor. Sem dúvida alguma, não
condiz com a nossa condição de pobres criaturas pecaminosas, como
somos, mostrar-nos excessivamente severos, fazendo cobrança por causa de
pequenas falhas que nossos irmãos na fé cometem contra nós, ou
mostrando-nos inclinados a não perdoá-los prontamente.
Uma outra razão para que nos mostremos dispostos a perdoar a
outras pessoas deveria ser a lembrança acerca do dia do julgamento final,
juntamente com o padrão que será utilizado naquele dia, acerca de todos os
que forem julgados. Naquele dia, não será dado o perdão para indivíduos
que não se dispuseram a perdoar aos seus semelhantes. Tais indivíduos, na
verdade, não estão aptos para viver no céu. Pois não seriam capazes de dar o
devido valor a um lugar de habitação onde a misericórdia” é o único título
de posse, onde a “misericórdia”é o tema de um cântico perene. Sem dúvida,
se estamos planejando ser um daqueles que estarão em pé, à direita de
Jesus, quando Ele se sentar no seu trono de glória, então teremos de
aprender a ser perdoadores, enquanto ainda estamos neste mundo.
Que essas verdades lancem profundas raízes em nossos corações. É
um fato melancólico que poucos deveres cristãos estejam sendo postos em
prática com tanta parcimônia e má vontade como o dever de perdoarmos ao
próximo. E é entristecedor verificarmos quanto amargor de espírito, quanto
falta de compaixão, quanto despeito, quanta dureza e quanta falta de
gentileza manifestam-se entre os homens. No entanto, poucos deveres são
tantas vezes ressaltados, nas Escrituras do Novo Testamento, como esse
dever. Mas, poucas outras falhas de caráter são capazes de fechar tão
definitivamente para um homem as portas do reino de Deus, como essa.
Queremos dar provas de que realmente fomos reconciliados com
154 Mateus 18.21-35

Deus, lavados no sangue de Cristo, nascidos do alto pelo poder do Espírito


Santo, e feitos filhos de Deus por adoção, em resultado da graça divina?
Então não nos esqueçamos desse passo bíblico. Seguindo o exemplo dado
por nosso Pai celestial, disponhamo-nos a perdoar aos nossos ofensores.
Porventura, fomos ofendidos por alguém? Que perdoemos o tal, agora
mesmo. É conforme comentou Leighton: „„Deveríamos perdoar pouco a
nós mesmos, e muito aos outros”.
Pretendemos ser elementos benéficos à humanidade? Queremos
exercer uma influência positiva sobre os nossos semelhantes, para que
percebam quão excelente é a religião cristã? Então não nos esqueçamos
dessa passagem. Indivíduos que não se importam com as doutrinas cristãs,
podem compreender perfeitamente bem o temperamento perdoador de um
crente.
Queremos desenvolver-nos pessoalmente na graça, tomando-nos
mais santos, em toda a nossa formação, e em nossas palavras e obras? Então
não nos esqueçamos dessa passagem. Coisa alguma entristece tanto ao
Espírito Santo e obscurece tanto a alma como deixar-se o indivíduo levar
por um espírito rixento e pelo temperamento que não se dispõe a perdoar
(Ef 4.30-32).

O Juízo de Cristo Sobre o Divórcio;


A Ternura de Cristo com as Crianças
Leia Mateus 19.1-15

Nestes versículos nos é concedido perceber a mente de Cristo acerca


de dois assuntos de capital importância. O primeiro versa sobre o
relacionamento entre marido e mulher. E o segundo diz respeito à maneira
como deveríamos pensar acerca das criancinhas, no que con- cerce às suas
almas.
É difícil exagerar a importância desses dois assuntos. O bem- -estar
das nações e a felicidade geral da sociedade humana estão intimamente
vinculados a pontos de vista corretos sobre essas questões. As nações nada
mais são do que uma coletânea de muitas famílias. E a boa ordem das
famílias depende inteiramente de ser conservado o mais elevado padrão de
respeito pelos laços do matrimônio e pelo correto treinamento das crianças.
Deveríamos mostrar-nos agradecidos diante do fato que, sobre ambas essas
questões, o grande Cabeça da igreja pronunciou a sua opinião de uma
maneira tão distinta.
No tocante ao casamento, nosso Senhor ensinou que a união entre
marido e mulher jamais deveria ser rompida, exceto pela mais grave
Mateus 19,1-15 155

causa, algum ato de infidelidade conjugal. Nos dias durante os quais nosso
Senhor esteve neste mundo, o divórcio era permitido entre os judeus, e isso
pelos motivos mais superficiais e frívolos. Essa prática, embora tolerada
pela legislação mosaica, a fim de impedir males ainda piores — como a
crueldade ou o homicídio — gradualmente foi-se transformando em um
insuportável abuso, e, sem dúvida, que dava margem a muita imoralidade
(Ml 2.14-16), A observação feita pelos discípulos de nosso Senhor
desvenda o estado deplorável mente baixo dos sentimentos populares sobre
o assunto. Comentaram os discípulos: “Se essa é a condição do homem
relativamente à sua mulher, não convém casar”. Sem sombra de dúvida, o
que eles queriam dizer era algo como isto: "Se um homem não pode
divorciar-se de sua mulher por qualquer motivo, e a qualquer tempo, então é
melhor nem casar-se”. Uma linguagem dessas, nos lábios dos apóstolos de
Jesus, soa realmente estranha para nós!
Nosso Senhor apresentou um padrão inteiramente diferente para
servir de orientação aos seus discípulos. Antes de qualquer outra coisa, Ele
fundamentou o seu juízo sobre a instituição original do casamento. Para
tanto, citou as palavras que aparecem no começo do livro de Gênesis, onde
estão descritos a criação do homem e a união de Adão e Eva, como prova do
fato que nenhum outro relacionamento humano deveria ser tão altamente
considerado como aquele entre um homem e a sua esposa. O
relacionamento entre pais e filhos pode parecer muito íntimo; mas o
relacionamento entre marido e mulher ainda é mais íntimo, “deixará o
homem pai e mãe, e se unirá à sua mulher, tomando-se os dois uma só
carne”. Em seguida, o Senhor reforçou esse conceito com as suas próprias
solenes palavras: “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”. E,
finalmente, o Senhor fez uma gravíssima acusação, que envolve a quebra do
sétimo mandamento, mediante um novo casamento, contraído após o
divórcio conseguido por motivos superficiais e frívolos: „ „Quem repudiar
sua mulher, não sendo causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra,
comete adultério”.
Toma-se evidente, portanto, com base no teor inteiro desta pas-
sagem, que a relação matrimonial deveria ser altamente reverenciada e
honrada entre o seguidores de Cristo. Trata-se de uma relação que foi
instituída no próprio paraíso, durante o período da inocência do homem. E
agora serve de figura simbólica predileta da união mística que há entre
Cristo e a sua igreja. Assim sendo, trata-se de uma relação que somente a
morte é capaz de romper. Essa é uma relação que, com a mais absoluta
certeza, exercerá incalculável influência, para a felicidade ou para a
infelicidade, para o bem ou para o mal, sobre aqueles que ela une. Nunca
deveríamos assumir tal relação de maneira frívola,
156 Mateus 19.1-15

superficial, sem exame prévio; pelo contrário, somente com sobriedade,


discreção e a devida consideração dos fatos envolvidos. Lamentavelmente,
é fato comprovado que os casamentos efetuados sem seriedade são uma das
mais férteis causas da infelicidade, e, com grande frequência, do pecado de
muitas pessoas.
No que concerne às criancinhas, encontramos nosso Senhor a
instruir-nos, nestes versículos, mediante a palavra e a ação, mediante o
preceito e o exemplo. “Trouxeram-lhe então algumas crianças, para que
lhes impusesse as mãos, e orasse”. Evidentemente, eram crianças bem
pequenas, pequenas demais para receberem qualquer instrução, embora não
pequenas demais para serem beneficiadas pela oração em favor delas. Os
discípulos, entretanto, parecem haver pensado que o Senhor nunca se
rebaixaria a dar atenção àquelas criancinhas, e repreenderam aos adultos
que as tinham trazido. Todavia, isso provocou uma solene declaração da
parte do grande Cabeça da igreja: “Deixai os pequeninos, não os embaraceis
de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus”.
Há algo de interessantíssimo, tanto na linguagem quanto nos atos de
nosso Senhor, nessa oportunidade. Reconhecemos a fraqueza e a
debilidade, física e mental, das crianças pequeninas. De todas as criaturas
que nascem neste mundo, nenhuma é tão impotente e dependente como um
bebê humano. Sabemos quem era Aquele que deu tanta atenção aos
infantes, tendo encontrado tempo suficiente, em seu ativo ministério entre
homens e mulheres adultos, para orar em favor daquelas crianças,
impondo-lhes “as mãos”. Esse Alguém é o próprio filho de Deus, o grande
Sumo Sacerdote, o Rei dos reis, por intermédio de quem todas as coisas
vieram à existência, “o resplendor da glória e a expressão exata” do Ser de
Deus Pai. Que instrutivo quadro apresenta, diante dos nossos olhos, toda
essa notável transação! Não admira que a grande maioria dos membros da
igreja de Cristo sempre tenha visto nesta passagem bíblica um poderoso,
embora indireto argumento em favor do batismo infantil.
Estribados sobre estes versículos, aprendamos que o Senhor Jesus
cuida temamente das almas das criancinhas. É perfeitamente provável que
Satanás as odeie de modo todo especial. E também é indubitável que Jesus
as ama de modo todo especial. Embora tão pequeninas, as crianças não
estão abaixo de seus pensamentos e de sua atenção. O seu poderoso coração
reserva um lugar para o bebezinho, em seu berço, tanto quanto para o
monarca, em seu trono. Jesus considera que cada criancinha traz,
potencialmente, em seu corpinho, um princípio imor- redouro, que
sobreviverá às pirâmides do Egito, e até mesmo ao sol e à lua, quando, por
fim, se apagarem. Ora, dispondo de uma passagem
Mateus 19.1-15 157

como esta, diante de nós, sem dúvida podemos esperar a salvação de


todos aqueles que morrerem na infância. 4 . p o r q u e dos tais é o reino dos
céus.”
Em último lugar, extraiamos destes versículos um grande enco-
rajamento para ousarmos grandes coisas, procurando instruir as nossas
crianças na religião cristã. Desde os mais tenros anos das crianças, tratemos
com elas como quem tem uma alma que pode vir a ser salva ou que pode vir
a perder-se. E, assim sendo, esforcemo-nos por conduzi- -las aos pés de
Jesus Cristo. Precisamos familiarizar as crianças com a Bíblia Sagrada,
assim que elas puderem compreender qualquer coisa. Oremos por elas, e
também oremos juntamente com elas, ensinando-as a orarem por si
mesmas. Podemos ter a certeza de que Jesus contemplará com prazer tais
esforços da nossa parte, e que Ele haverá de abençoar às criancinhas.
Podemos ter a certeza de que tais esforços não são inúteis. A semente
semeada na infância, com freqüência brota somente após muitos dias. Feliz
é a igreja local cujas crianças recebem tanta atenção quanto os membros
adultos, que participam de plena comunhão! A bênção d Aquele que foi
crucificado, certamente será concedida a qualquer igreja local que costume
agir desse modo! Jesus impôs as suas mãos sobre as criancinhas. E orou em
favor delas.

O Jovem Rico
Leia Mateus 19.16-22

Estes versículos detalham um diálogo que teve lugar entre nosso


Senhor Jesus Cristo e um jovem que se aproximou dEIe, a fim de indagar-
-Lhe sobre o caminho para a vida eterna. Tal como toda outra conversação
registrada nos evangelhos, entre nosso Senhor e alguma pessoa qualquer,
esta merece nossa atenção especial. A salvação é uma questão individual.
Todos quantos desejem ser salvos precisam entrar em questões particulares,
com Cristo, acerca das suas próprias almas.
Antes de qualquer outra coisa, alicerçados sobre o caso desse jovem
rico, percebemos que uma pessoa pode ter o desejo de ser salva, e mesmo assim
não vir a ser salva. Ali estava um homem que, em um período de
incredulidade generalizada, veio falar com Cristo por sua livre vontade. Ele
não veio a fim de pedir a cura para alguma pessoa enferma. Não veio para
rogar em favor de alguma criança. Mas veio para consultar a Jesus sobre a
sua própria alma. Ele iniciou a conversa com uma pergunta direta e franca:
'„Mestre, que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna?” Sem dúvida,
haveríamos de pensar: Eis aí um
158 Mateus 19.16-22

caso promissor. Esse jovem não é algum líder cheio de preconceitos, ou


algum fariseu. Antes* é um interessado na salvação de sua alma. No
entanto, ao terminar o seu diálogo com o Senhor Jesus* o jovem rico „
„retirou-se triste‟ ', e em porção alguma da Bíblia lemos qualquer
informação de que ele tenha jamais se convertido!
Nunca deveríamos perder de vista o fato que os bons sentimentos,
por si sós, na religião cristã, não refletem a presença da graça de Deus. Pois
podemos conhecer a verdade apenas intelectualmente, Com freqüência, a
consciência nos espicaça. Afetos religiosos podem ser despertados lá no
íntimo, profundas ansiedades podem brotar, acerca das nossas almas, e até
podemos derramar muitas lágrimas. Tudo isso, porém, ainda não é a
conversão. Isso não garante que foi efetuada a genuína obra salvatícia do
Espírito Santo.
Infelizmente, isso ainda não é tudo quanto se poderia dizer a res-
peito deste particular. Não somente os bons sentimentos, por si só, não
refletem a graça divina, como também pode ser positivamente perigosos,
se porventura nos contentarmos com eles, e não passarmos dos sentimentos
à ação. Uma profunda observação daquele poderoso mestre sobre as
questões morais, o bispo Butler, é que as impressões passivas, quando
repetidas com freqüência gradualmente vão perdendo todo o seu poder. As
ações por muitas vezes reiteradas produzem apenas um hábito na mente
humana. Se cedermos por múltiplas vezes aos nossos sentimentos, sem nos
deixarmos conduzir à ação correspondente, frnal- mente não seremos mais
tocados.
Apliquemos essa lição às nossas próprias condições, Talvez sai-
bamos o que significa ser assaltado por temores, desejos e anelos reli-
giosos. Cuidemos para nunca depender dessas coisas. Jamais fiquemos
satisfeitos enquanto não contarmos com o testemunho interior do Espírito,
em nossos corações, de que realmente nascemos de novo e somos novas
criaturas. Que não consigamos descansar enquanto não nos tivermos
realmente arrependido, tendo lançado mão da esperança que
nos é proposta no evangelho. É bom ter sentimentos. Mas é muito melhor
converter-se.
Em seguida, ainda com base no caso daquele jovem rico, enten-
demos que as pessoas nâo-convertidas são profundamente ignorantes sobre os
assuntos espirituais. Nosso Senhor fez aquele jovem inquiridor meditar
sobre o padrão eterno do que é certo e do que é errado — a lei moral. Visto
que o jovem havia falado tão ousadamente em “fazer” algo, Jesus
submeteu-o a teste, mediante um conselho cuja finalidade era sondar o
verdadeiro estado de seu coração: “Se queres, porém, entrar na vida,
guarda os mandamentos”. Jesus chegou mesmo a relembrar diante dele a
segunda tábua dos mandamentos da lei. Diante da resposta
Mateus 19.16-22 159

de Jesus, o jovem retrucou prontamente, e com toda a confiança: “Tudo isso


tenho observado; que me falta ainda?” Tão completamente ignorante
mostrou-se ele quanto à profunda espiritualidade dos estatutos de Deus que
jamais duvidou de que estava cumprindo os mesmos com toda a perfeição.
Parecia totalmente inconsciente do fato que os mandamentos aplicam-se até
às palavras e aos pensamentos do indivíduo, e não somente às suas ações.
Portanto, se Deus tivesse de entrar em juízo com ele, não poderia responder
“nem a uma de mil cousas” (Jó 9.3). Quão entenebrecida devia ser a mente
dele, quanto à natureza da lei de Deus! Quão baixas deviam ser as suas
idéias, no tocante à santidade que Deus exige de nós!
É fato deveras melancólico que uma ignorância parecida com a
daquele jovem seja por demais comum entre os membros das igrejas
evangélicas. Há milhares de pessoas batizadas que não sabem mais a
respeito da doutrinas fundamentais do cristianismo do que os mais au-
tênticos pagãos. Dezenas de milhares enchem os nossos templos e capelas
semanalmente, mas que estão totalmente às escuras quanto à verdadeira
extensão da pecaminosidade humana. Esses apegam-se obstinadamente à
antiga noção de que, de uma maneira ou de outra, as suas próprias obras
serão capazes de salvá-los. Dessa forma, quando os pastores os visitam em
seus momentos finais, tais indivíduos mostram-se tão cegos e ignorantes
como quem nunca teve a oportunidade de ouvir a pregação da verdade
divina. Por conseguinte, temos de reconhecer aquela verdade que estipula: „
„Ora, o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe
são loucura” (1 Co 2.14).
Em último lugar, ainda firmados no caso do jovem rico, percebemos
que um (dolo afagado no coração pode arruinar uma alma para sempre. Nosso
Senhor, que sabia o que existe no homem, finalmente mostrou ao jovem
inquiridor qual era o seu pecado arraigado, que ele não queria largar. A
mesma voz sondadora que dissera à mulher sa- maritana: “Vai, chama teu
marido e vem cá” (Jo 4.16), disse agora ao jovem rico: “vai, vende os teus
bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem, e segue-me".
Isso desmascarou de pronto o ponto fraco do seu caráter. A realidade dos
fatos era que, a despeito de todos os seu desejos e anelos pela vida eterna,
havia uma coisa que ele amava ainda mais do que à sua alma, a saber, as
riquezas materiais. Isso posto, o jovem rico não passou na prova. Ele foi
pesado na balança e foi achado em falta. E a narrativa sobre ele termina com
estas entris- tecedoras palavras: “Tendo, porém, o jovem ouvido esta
palavra, retirou-se triste, por ser dono de muitas propriedades”.
Nesse relato, pois, deparamo-nos com mais uma comprovação
daquela profunda verdade que afirma: “Porque o amor do dinheiro é
160 Mateus 19.16-22

raiz de todos os males‟‟ (1 Tm 6.10). Em nossa maneira de conceber,


devemos colocar esse jovem rico lado a lado com Judas Iscariotes e com
Ananias e Safira, para, em seguida, aprendermos a evitar a cobiça.
Infelizmente, esse é um recife contra o qual milhares de pessoas nau-
fragam. Dificilmente encontraríamos um ministro do evangelho que não
poderia apontar para muitos membros de sua congregação e dizer que,
humanamente falando, eles “não estão longe do reino de Deus”. Não
obstante, os tais nunca parecem fazer o menor progresso para mais perto do
Senhor. Eles desejam. Eles sentem muito. Eles são sinceros. Eles esperam.
Porém, não saem do lugar onde estão! E, por quê? Porque apreciam
exageradamente o dinheiro.
Façamos um teste que sonde a nós mesmos, antes de deixarmos
para trás esta passagem. Vejamos de que maneira ela afeta as nossas almas.
Somos honestos e sinceros do desejo que professamos ter de sermos
crentes verdadeiros? Temos desistido de todos os nossos ídolos? Não
haveria algum pecado secreto, ao qual continuamos aferrados em silêncio,
recusando-nos a desistir do mesmo? Não haveria alguma coisa, ou alguma
pessoa, que estejamos amando em particular mais do que a Cristo e às
nossas próprias almas? Essas são indagações que bradam pedindo resposta.
A verdadeira explicação sobre o estado insatisfatório de tão grande número
de ouvintes do evangelho é que eles estão presos à idolatria espiritual. O
conselho do apóstolo João aplica-se bem a eles: “Filhinhos, guardai-vos
dos ídolos**.

O Perigo das Riquezas;


Devemos Abandonar Tudo por Amor a Cristo
Leia Mateus 19.23-30

A primeira coisa que aprendemos, nestes versículos, é o imenso


perigo que as riquezas representam para a alma de quem as possui. O Senhor
Jesus declarou que “um rico dificilmente entrará no reino dos céus”. Ele
ainda foi mais longe: “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma
agulha, do que entrar um rico no reino de Deus”, utilizando-se de um
provérbio a fim de reforçar sua afirmação.
Dentre os provérbios usados por nosso Senhor, poucos soam mais
surpreendentes do que este. Poucos vão mais de encontro às opiniões e
preconceitos da humanidade. Poucos são tão pouco cridos. No entanto,
estas são palavras verdadeiras e dignas de toda aceitação. Riquezas, que
todos desejam obter, riquezas, pelas quais os homens labutam e se cansam,
e envelhecem antes do tempo — estas riquezas são uma pos
Mateus 19.23-30 161

sessão perigosíssima. Elas com frequência, causam grande dano à alma.


Elas expõem os homens a muitas tentações. Elas deturpam os pensamentos
e as afeições dos homens, atando pesados fardos ao coração e tomando o
caminho para o céu ainda mais difícil do que naturalmente é.
Estejamos precavidos contra o amor ao dinheiro. É possível usar
corretamente o dinheiro e fazer o bem com ele. Entretanto, para oada um
que faz uso correto do dinheiro, há milhares que fazem mau uso dele e
causam dano tanto a si próprios quanto a outrem. Que o homem mundano
transforme o dinheiro em um ídolo se quiser, e que ele até considere mais
feliz quem tem mais dinheiro! Mas os crentes, entretanto, que dizem
possuir “um tesouro no céu”, volvem o rosto resolutamente contra o
espírito mundano, nesta questão.
Oremos diariamente pelas almas de pessoas ricas. Elas não devem
ser invejadas e, sim, são dignas de piedade, porque carregam fardos pesados
em sua caminhada cristã. Dentre todos os homens, são quem mais
improvavelmente podem correr de maneira a alcançar o prêmio (1 Co 9.24).
A sua prosperidade neste mundo geralmente é a sua perdição no mundo
vindouro. São palavras muito apropriadas as da litania
da igreja anglicana: “Em todo tempo de nossa prosperidade, ó bom Senhor,
livra-nos”.
A segunda coisa que aprendemos nesta passagem é o poder soberano
da graça de Deus sobre a alma humana. Os discípulos ficaram perplexos
quando ouviram a linguagem de nosso Senhor acerca dos ricos. Era uma
linguagem tão contrária a todos os conceitos deles sobre as vantagens
advindas da riqueza, que exclamaram com surpresa: „ „Sendo assim, quem
pode ser salvo?” A resposta foi graciosa e instrutiva: „ „Isto é impossível aos
homens, mas para Deus tudo é possível”.
O Espírito Santo pode levar até os homens mais abastados a pro-
curar um tesouro no céu. Ele pode fazer com que até mesmo os reis
deponham suas coroas aos pés de Cristo e considerem todas as coisas como
perda, por amor ao reino de Deus. Disto a Bíblia nos oferece prova sobre
prova. Abraão era muito rico e, no entanto, é o pai dos fiéis. Moisés poderia
ter sido um grande príncipe ou governador no Egito, mas desistiu de todas
as suas brilhantes perspectivas por amor dAquele que é invisível. Jó foi o
homem mais rico do Oriente, mesmo assim era um servo escolhido de
Deus. Davi, Josafá, Josias e Ezequías foram todos ricos monarcas, mas
amaram mais o favor divino do que as possessões terrenas. Eles nos
mostraram que para Deus não há “cousa demasiadamente difícil”, e que a fé
pode desenvolver-se até no solo mais impróprio.
Apeguemo-nos firmemente a esta doutrina sem jamais largá-la. A
posição e as circunstâncias externas de um homem não o impedem
162 Mateus 19.16-22
de entrar no reino de Deus. Nunca desesperemos da salvação de quem quer
que seja. Sem dúvida, as pessoas ricas carecem de uma graça especial, e
estão sujeitas a muitas tentações peculiares. Mas o Senhor Deus de Abraão
e de Moisés, de Jó e de Davi, em nada mudou. Ele que os salvou, a despeito
de suas riquezas, também pode salvar outros. “Agindo eu, quem o
impedirá?” (Is 43.13).
A última coisa que nos é dado aprender, nestes versículos, é o imenso
encorajamento que o evangelho dá àqueles que desistem de tudo por amor a
Cristo. Somos informados de que Pedro indagou ao Senhor o que ele e os
demais apóstolos, tendo abandonado todo o pouco que tinham por causa
dEle, haveriam de receber em troca. Ele obteve a mais grata das respostas.
Plena recompensa será dada a todos os que se sacrificam por amor a Cristo.
Cada um “receberá muitas vezes mais, e herdará a vida eterna”.
Existe algo muito animador nesta promessa. Poucos são, nos dias de
hoje, os que são forçados a abandonar lares, parentes e propriedades por
causa da religião. Mesmo assim, são poucos os fiéis ao seu Senhor que não
têm, de uma maneira ou outra, passado por dificuldades. O escândalo da
cruz ainda não cessou! Risadas, ridículo, zombarias e perseguição familiar
são, muitas vezes, a porção de um crente. Ele geralmente perde o favor do
mundo. Cargos e posições muitas vezes são postos em risco, por causa de
sua fidelidade ao evangelho de Cristo. Mas quem está exposto a provações
desse tipo pode consolar-se com a promessa contida nestes versículos.
Jesus anteviu a necessidade e por isso deixou esta promessa para nosso
consolo.
Podemos ter certeza de que ninguém será real perdedor, seguindo a
Jesus Cristo. Pode parecer que o crente sofre desvantagem durante algum
tempo, quando inicia a sua caminhada de crente decidido. Ele pode estar
muito desanimado pelas aflições que lhe sobrevem por causa de sua fé.
Mas pode estar certo de que, a longo prazo, ele não será perdedor. Cristo
pode nos dar amigos que vão mais do que compensarmos pelos amigos
perdidos. Cristo pode abrir corações e lares para nós, muito mais
acolhedores e hospitaleiros do que aqueles que se fecham contra nós.
Acima de tudo, Cristo pode dar-nos paz de consciência, alegria interior,
esperanças brilhantes e sentimentos de felicidade, que ultrapassarão
qualquer prazer terreno que abandonemos por amor a Ele. Ele empenhou a
sua palavra de Rei, garantindo que assim será. Essa
palavra jamais falhou. Portanto, confiemos e não tenhamos qualquer
receio.
Mateus 20.1-16 163

A Parábola dos Trabalhadores na Vinha


Leia Mateus 20.1-16

Há inegáveis dificuldades na parábola contida nestes versículos. A


chave para explicá-las corretamente deve ser buscada na passagem com
que se encerrou o capítulo anterior. Lá encontramos o apóstolo Pedro
fazendo a nosso Senhor uma pergunta importante: “Nós tudo deixamos e te
seguimos: que será, pois, de nós?” Vimos que Jesus lhe deu uma resposta
notável. Ele fez uma promessa especial a Pedro e aos demais discípulos:
eles um dia haveriam de assentar-se “em doze tronos para julgar as doze
tribos de Israel”. Ele também fez uma promessa geral, dirigida a todos
quantos sofrem perdas por amor a Cristo. Cada um dos tais “receberá
muitas vezes mais, e herdará a vida etema‟ ‟.
Agora devemos lembrar que Pedro era judeu. Assim como a maioria
dos judeus, mui provavelmente ele havia sido treinado na quase total
ignorância quanto aos propósitos de Deus para a salvação dos gentios. De
fato, o livro de Atos nos mostra que foi preciso receber uma visão celestial
para que se dissipasse a sua ignorância (At 10.28). Mais do que isso,
devemos ter em mente o fato que Pedro e os outros discípulos eram fracos
na fé e no conhecimento. Provavelmente, eles tendiam a dar grande
importância a seus próprios sacrifícios por amor a Cristo, inclinando-se
para atitudes de justiça própria e presunção. Nosso Senhor conhecia bem
todos esses detalhes. Por isso, esta parábola tem em vista beneficiar
especialmente a Pedro e seus companheiros. O Senhor fala daquilo que
estava no coração de seus discípulos. Ele percebeu qual o remédio que
aqueles corações estavam precisando, e o aplicou
sem demora. Em poucas palavras, Ele refreou o orgulho crescente em seus
corações, e lhes ensinou humildade.
Na exposição desta parábola, não precisamos nos ficação ocupar da sígni-
literal de “denário”, “praça”, “administrador” ou “hora”. Tais
indagações, com freqüencia, obscurecem o conselho mediante palavras
sem entendimento. Calovius disse, e com razão, que4'a teologia das pará-
bolas não é argumentativa”. A opinião de Crisóstomo merece a nossa
atenção. Escreveu ele: “Não é correto esquadrinhar curiosamente cada
palavra e cada minúcia em uma parábola; devemos apreender o obje-
tivo pelo qual foi composta, e examiná-lo, e não nos atarefar com
qualquer outra coisa”. Duas lições principais, portanto, parecem so-
I bressair nesta parábola, abrangendo a finalidade geral de sua mensagem.
Contentemo-nos, pois, em compreender essas duas lições.
ts.
.
164 Mateus 20.1-16

Em primeiro lugar, aprendemos que Deus exerce uma graça livre,


soberana e incondicional quando chama o povo que irá professar o seu nome na
terra. Ele convoca as famílias da terra para a comunhão na igreja visível, no
tempo e segundo a maneira por Ele mesmo escolhidos.
Vemos essa verdade maravilhosamente ilustrada na história do
relacionamento de Deus com a humanidade. Vemos os filhos de Israel
sendo chamados e escolhidos para serem o povo de Deus já nos primórdios
da história. Posteriormente muitos gentios foram chamados pela pregação
dos apóstolos. Nos dias de hoje, vemos outros povos sendo alcançados
mediante o labor dos missionários. Ainda vemos, porém, muitos outros,
como os chineses e hindus, que continuam “desocupados”, porque ninguém
os contratou. E qual a razão de tudo isso? Não sabemos. O que sabemos é
que Deus gosta de afastar da igreja o orgulho, não lhe dando ocasião para
jactância. Ele nunca permitirá que os ramos mais antigos de sua igreja
olhem com desdém para os ramos mais recentes. O evangelho oferece o
perdão e a paz com Deus por meio de Jesus Cristo, aos pagãos, hoje, tanto
quanto ao apóstolo Paulo, em sua época. Os convertidos dentre regiões
distantes, neste século, serão tão plenamente admitidos ao céu, quanto o
mais santo dos patriarcas, que viveu há três mil e quinhentos anos atrás. A
velha parede de separação entre judeus e gentios foi derrubada. Não há nada
que impeça os pagãos crentes de ser, com os judeus crentes, “co-herdeiros...
e co-participantes da promessa em Cristo” (Ef 3.6). Os gentios que se
converterem na “ hora undécima" serão igual mente herdeiros da glória, tão
legítimos quanto os judeus. Eles se assentarão juntamente com Abraão,
Isaque e Jacó no reino dos céus, enquanto que muitos dos filhos do reino
serão rejeitados. De fato, “os últimos serão primeiros”.
Em segundo lugar, aprendemos que, na salvação de pessoas, como no
chamamento das nações, Deus é Soberano e não presta contas de seus atos. Ele
tem misericórdia de quem Lhe agrada ter misericórdia, e isso, também, no
tempo por Ele mesmo determinado (Rm 9.15).
Esta é uma verdade que vemos ilustrada em toda parte na igreja de
Cristo, na experiência prática. Vemos um homem que é chamado ao
arrependimento e fé ainda na infância, como Timóteo, e que trabalha na
vinha do Senhor quarenta ou cinqüenta anos. Vemos outro homem, que é
chamado à “hora undécima", como o ladrão na cruz, salvo como um tição
arrebatado do fogo — um dia, um pecador endurecido e impenitente, e, dia
seguinte, no paraíso. Mesmo assim, o evangelho nos permite crer que estes
dois homens estão perdoados diante de Deus. Ambos são igualmente
lavados no sangue de Cristo e revestidos da justiça de Cristo. Ambos estão
igualmente justificados, ambos aceitos, e ambos estarão à direita de Cristo,
no último dia.
Mateus 20.1-16 165

Não há dúvida de que esta doutrina soa muito estranha aos ouvidos
do cristão ainda ignorante e inexperiente. Ela confunde o orgulho da
natureza humana. Ela não permite que o homem se vanglorie em just
iça-própria. É uma doutrina rebaixadora e niveladora, e pode suscitar
muita murmuração. Mas, é impossível rejeitá-la, a menos que rejeitemos
toda a Bíblia. A verdadeira fé em Cristo, mesmo que só tenha um dia de
idade, já justifica o homem perante Deus, tão completamente quanto a fé
verdadeira de quem tem seguido a Cristo por cinqüenta anos. A justiça
com que Timóteo se apresentará, no dia do juízo, é a mesma com que se
apresentará aquele ladrão que morreu na cruz ao lado de Jesus. Ambos
serão salvos exclusivamente pela graça, ambos deverão tudo a Cristo. Nós
podemos não gostar disso, mas assim é a doutrina ensinada nesta parábola;
e não somente nesta parábola, mas em todo o Novo Testamento. Feliz é
quem recebe esta doutrina com humildade no coração! Com razão
comentou o bispo Hall: “Se alguns têm motivos para magnificar a
generosidade de Deus, ninguém tem, por isso, motivos para queixar-se”.
Antes de passarmos adiante, armemo-nos de algumas precauções
que se fazem necessárias. Esta é uma porção das Escrituras que tem sido
frequentemente pervertida e aplicada erroneamente. Muitas vezes, os
homens têm dela extraído algo que não é leite e, sim, veneno.
Cuidemos em jamais supor, por qualquer detalhe existente nesta
parábola, que a salvação possa, em qualquer sentido, ser obtida mediante
boas obras. Supor tal coisa é lançar por terra todo o ensinamento bíblico.
Tudo o que um crente receber no mundo vindouro será por graça, e não
por dívida. Deus nunca está em dívida conosco, em hipótese alguma.
Mesmo depois de havermos feito tudo, continuamos sendo servos inúteis
(Lc 17.10).
Tomemos a precaução de não supor, refletindo sobre esta parábola,
que a distinção entre judeus e gentios tenha sido inteiramente anulada pelo
evangelho. Supor tal coisa seria contradizer muitas profecias inequívocas,
tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. No tocante à justificação,
não há diferença entre crente judeu e crente gentio. No entanto, Israel
continua sendo um povo especial, e “não será reputado entre as nações”
(Nm 23,9). Deus ainda tem muitos propósitos concernentes aos judeus, e
que ainda estão por cumprir-se.
Tenhamos o cuidado de não supor que todas os salvos receberão
idêntico peso de glória. Tal suposição contradiz muitos textos claros das
Escrituras. A propriedade comum de todos os crentes é, sem dúvida, a
justiça perfeita de Cristo. Mas nem todos terão a mesma posição
no céu. Cada um receberá o seu galardão, segundo o seu nróorio trabalho”
(1 Co 3.8).
166 Mateus 20.1-16

Final mente, temos o cuidado de não supor, baseados nesta pa-


rábola, que é seguro adiar o arrependimento para os últimos anos da vida.
Esse pensamento é uma ilusão das mais perigosas. Quanto mais os homens
se demoram em obedecer à voz de Cristo, menor a probabilidade de virem
a ser salvos. “Eis agora o tempo sobremodo oportuno, eis agora o dia da
salvação" (2 Co 6.2). Pouquíssimas pessoas são salvas no leito de morte.
Um dos ladrões sobre a cruz foi salvo, para que ninguém desesperasse da
salvação; mas somente um, para que ninguém tenha presunção. Uma falsa
confiança nas palavras “hora undécima" tem arruinado milhares de almas.

Cristo Anuncia a sua Morte que se Aproxima;


O Misto de Ignorância e Fé em
Verdadeiros Discípulos
Leia Mateus 20.17-23

A primeira coisa que nos convém observar, nestes versículos, é o


claro anúncio que o Senhor Jesus Cristo faz acerca de sua própria morte que se
aproxima. Pela terceira vez, encontramo-Lo dizendo a seus discípulos a
espantosa revelação de que Ele, o Mestre, operador de maravilhas, em
breve terá de sofrer e morrer.
O Senhor Jesus sabia desde o princípio tudo o que O aguardava. A
traição de Judas Iscariotes, a feroz perseguição movida pelos principais
sacerdotes e escribas, o julgamento injusto, a sua entrega a Pilatos, as
zombarias, os açoites, a coroa de espinhos, a cruz, o ter de ficar pendurado
entre dois malfeitores, os cravos, a ponta da lança — Jesus contemplava
tudo isto em sua mente, como a um retrato.
O conhecimento prévio agrava em muito os sofrimentos de uma
pessoa, conforme sabem muito bem aqueles que estão na expectativa de
uma intervenção cirúrgica perigosa. Mas nada disso conseguiu abalar
nosso Senhor. Ele diz: “Eu não fui rebelde, não me retraí. Ofereci as costas
aos que me feriam, e as faces aos que me arrancavam os cabelos; não
escondi o meu rosto dos que me afrontavam e me cuspiam" (Is 50.5-6).
Durante toda a vida Jesus contemplou o Calvário à distância, e, mesmo
assim, caminhou tranqüilamente até ele, sem desviar-se nem para a direita
nem para a esquerda. Certamente, jamais houve tristeza como a dEle, ou
amor como o dEle.
O Senhor Jesus foi um sofredor voluntário. Quando morreu sobre a
cruz, não foi porque não tivesse o poder para evitar tal coisa. Ele sofreu
propositalmente, por sua livre vontade (Jo 10.18). Ele sabia
Mateus 20.17-23 167

que sem o derramamento de seu sangue não podería haver remissão dos
pecados do homem. Ele tinha consciência de ser o Cordeiro de Deus, que
precisava morrer para tirar o pecado do mundo. Ele sabia que sua morte era
o sacrifício predeterminado, que tinha de ser oferecido para fazer expiação
pela iniquidade. Sabendo de tudo isso, Ele caminhou voluntariamente até à
cruz. Seu coração estava resolvido a cumprir a grandiosa obra que viera
realizar neste mundo. Ele tinha plena consciência de que tudo dependia de
sua própria morte, e que, sem ela, os seus milagres e sua pregação teriam
feito, comparativamente, nada por este mundo. Não admira, pois, que três
vezes Ele chamasse a atenção de seus discípulos para a necessidade de sua
morte. Bem-aventurados e felizes são os que reconhecem o real significado
e a importância dos sofrimentos de Cristo!
A próxima coisa que deveríamos perceber, nestes versículos, é o
misto de ignorância efé, que pode ser encontrado mesmo nos crentes mais bem
intencionados. Vemos a mãe de Tiago e João aproximando-se de nosso
Senhor com seus dois filhos e apresentando em favor deles uma estranha
petição. Ela pede que “no teu reino, estes meus dois filhos se assentem, um
à tua direita, e o outro â tua esquerda”. Ela parece ter esquecido tudo quanto
Jesus há pouco dissera sobre os seus sofrimentos. A mente ambiciosa dela
só podia pensar na glória de Jesus. Os avisos claros de sua crucificação
também não foram acolhidos por seus filhos. Eles não conseguiam pensar
noutra coisa, senão no trono de Cristo e em seu poder. Havia muita fé, da
parte deles, nesse pedido, mas havia também muita debilidade. Havia algo
de elogiável no fato que eles podiam ver em Jesus de Nazaré um futuro rei.
Mas era culpável o fato de terem-se esquecido de que ele deveria ser
crucificado antes que pudesse reinar. Verdadeiramente, a carne milita
contra o Espírito em todos os filhos de Deus. Com razão, pois, observou
Lutero: A carne sempre procura ser glorificada, antes de ser crucificada”.
Há muitos crentes que se assemelham a esta mulher e seus filhos.
Eles vêem em parte e conhecem em parte as coisas de Deus. Têm fé
suficiente para seguir a Cristo. Têm conhecimento suficiente para odiar o
pecado e deixar o mundo. Mesmo assim, há muitas verdades do cris-
tianismo que eles deploravelmente ignoram. Eles falam com ignorância,
agem em ignorância e cometem muitos e tristes equívocos. Eles conhecem
as Escrituras Sagradas apenas superficialmente, e o discernimento que têm,
quanto aos seus próprios corações, é muito pequeno. No entanto, com base
nestes versículos, devemos aprender a tratar gentilmente com tais pessoas,
porquanto o Senhor as recebeu para si. Não devemos considerá-las como
ímpias e destituídas da graça divina, somente por causa de sua ignorância.
Lembremo-nos de que pode haver a verdadeira
168 Mateus 20.17-23

fé no fundo do coração, mesmo que haja tanto entulho encobrindo-a.


Precisamos refletir sobre o fato que os fllhos de Zebedeu, cujo conhe-
cimento era tão imperfeito a princípio, mais tarde se tomaram colunas da
igreja de Cristo. Da mesma forma, um homem pode começar sua carreira
em meio a muita ignorância; e, mesmo assim, pode finalmente vir a
tomar-se um homem poderoso nas Escrituras, um seguidor digno do
exemplo de Tiago e João.
A última coisa que deveríamos observar, nestes versículos, é a
solene reprovação com gue nosso Senhor responde ao pedido da mulher de
Zebedeu e seus dois filhos. O Senhor Jesus disse: “Não sabeis o que pedis”.
Eles haviam pedido para participar da recompensa de seu Senhor; porém,
não haviam considerado que primeiro teriam de ser participantes dos
sofrimentos de seu Senhor (1 Pe 4.13). Tinham-se esquecido de que os que
querem estar em pé, com Cristo na glória, precisam beber do seu cálice e
ser batizados em seus sofrimentos. Eles não compreendiam que só aqueles
que levam a cruz (e somente esses) receberão a coroa. Portanto, foi com
muita razão que disse nosso Senhor: “Não sabeis o que pedis”.
Mas, porventura, será que nós mesmos nunca incorremos nesse
equívoco? Nunca caímos no mesmo erro, fazendo pedidos impensados e
imprudentes? Não é verdade que com freqüência dizemos coisas em nossas
orações, sem antes “calcular o custo”, e pedimos coisas sem antes
refletirmos sobre tudo o que nossas petições envolvem? Estas são
perguntas que nos perscrutam o coração. E de temer que muitos de nós não
possam dar as respostas satisfatórias.
Pedimos que nossa alma seja salva e vá para o céu quando morrer-
mos. Esse é um bom pedido, sem dúvida. Entretanto, estamos preparados
para tomar nossa cruz e seguir a Cristo? Estamos dispostos a desistir do
mundo por amor a Cristo? Estamos preparados para nos despirmos do
velho homem, revestindo-nos do novo — a lutar, trabalhar e correr de
maneira a que alcancemos este alvo? (1 Co 9.24). Estamos dispostos a
suportar toda zombaria do mundo e padecer dificuldades por amor à causa
de Cristo? Que diremos? Se não estamos assim preparados, nosso Senhor
poderá dizer a nós também: “Não sabeis o que pedis”.
Pedimos que Deus nos tome santos e bondosos. Este é um bom
pedido, de fato. Todavia, estamos preparados a ser santificados mediante
qualquer processo que o Senhor Deus, em sua sabedoria, nos convoque a
passar? Estamos prontos para ser purificados por meio da aflição, a sermos
desapegados do mundo mediante privações, e a sermos trazidos para mais
perto de Deus mediante perdas, enfermidades e tristezas? Ah! Estas são
questões difíceis. Se não estamos prontos para tudo isso, nosso Senhor bem
poderá dizer-nos: “Não sabeis o que pedis”.
Mateus 20.17-23 169

Ao deixarmos estes versículos, tomemos a solene resolução de


considerar atentamente o que estamos fazendo, quando nos aproximamos
de Deus em oração. Procuremos evitar petições impensadas, precipitadas,
sobre as quais ainda não tenhamos considerado o bastante. Foi com muita
razão que Salomão deixou registrado: “Não te precipites com a tua boca,
nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus”
(Ec 5.2).

O Verdadeiro Padrão de Grandeza


Entre os Crentes
Leia Mateus 20.24-28

Estes versos são poucos em número, mas contêm lições de grande


importância para todos os verdadeiros cristãos. Vejamos em que con-
sistem.
Em primeiro lugar, aprendemos que mesmo entre verdadeiros
discípulos de Jesus pode haver orgulho, ciúme e amor à preeminência. Que
dizem as Escrituras? “Ora, ouvindo isto os dez, indignaram-se contra os
dois irmãos”.
O orgulho é dos mais antigos e mais danosos pecados da huma-
nidade. Foi por orgulho que os anjos caíram, porque “não guardaram o seu
estado originar1 (Jd 6). Foi através do orgulho que Adão e Eva foram
seduzidos a comer do fruto proibido. Eles não estavam contentes com o seu
destino e pensaram que podiam ser como Deus. O orgulho é o causador dos
maiores danos sofridos pelos santos de Deus depois da conversão. Hooker,
com razão, disse que “o orgulho é um vício que se apega tão teimosamente
ao coração humano que, se nos tivéssemos de desfazer de todas as nossas
faltas, uma a uma, sem dúvida descobriríamos que ela seria a última e mais
difícil de todas as faltas a “eliminar”. Bispo Hall fez uma declaração
curiosa, mas verídica: “ O orgulho é a vestimenta mais íntima, da qual nos
despimos por último e que vestimos primeiro”.
Em segundo lugar, aprendemos que uma vida de auto-negação, e
gentileza para com outrem, é o verdadeiro segredo da grandeza no reino de
Cristo: “Quem quiser tomar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e
quem quiser ser o primeiro entre vós, será vosso servo”.
r

Os padrões deste mundo e os critérios do Senhor Jesus Cristo são,


de fato, largamente diferentes. São mais do que diferentes, são
diametralmente contrários. Entre os filhos deste mundo, é considerado
170 Mateus 20.24-28

grande aquele que tem mais terras, mais dinheiro, um maior número de
servos, maior posição social e maior poder. Entre os filhos de Deus, maior
é quem mais faz a fim de promover a felicidade espiritual e temporal de
seus semelhantes. A verdadeira grandeza consiste não em receber, mas em
dar. Não consiste na aquisição egoísta de bens, mas, sim, em conferir
coisas boas aos nossos semelhantes. Não em sermos servidos, mas em
servir. Não em nos assentarmos enquanto outros ministram às nossas
necessidades, mas em sairmos para ministrar às necessidades alheias. Os
anjos percebera muito maior beleza no trabalho dos missionários do que no
trabalho de quem procura ouro numa região distante. Eles se interessam
muito mais pelos labores de homens como Judson e Carey, do que nas
vitórias dos generais, nos discursos dos políticos ou nas decisões dos
ministros de Estado. Lembremo-nos disso! Tenhamos cuidado em não
procurar a falsa grandeza. Que o nosso alvo seja somente aquilo que é
verdade. Podemos saber com certeza que há profunda sabedoria nas
palavras de Jesus: “Mais bem-aventurado é dar que receber‟ * (At 20.35).
Em terceiro lugar, aprendemos que o Senhor Jesus foi posto como
exemplo de todos os verdadeiros cristãos. Que dizem as Escrituras?
Deveríamos servir uns aos outros, “tal como o Filho do homem, que não
veio para ser servido, mas para servir“.
O Senhor Deus tem providenciado, misericordiosamente, tudo
quanto é necessário para a santificação de seu povo. Ele tem dado preceitos
claríssimos para os que seguem a santidade, bem como os melhores
motivos e as promessas mais encorajadoras. Isso, porém, ainda não é tudo.
Deus nos supriu como exemplo e padrão mais perfeitos, a saber, a vida de
seu próprio Filho. Ele nos manda amoldar nossa vida de acordo com a vida
de Jesus Cristo. Ele nos manda caminhar, seguindo os passos de Cristo (1
Pe 2.21). A vida de Cristo é o modelo segundo o qual devemos
esforçar-nos por moldar nosso temperamento, nossas palavras e nossas
atitudes neste mundo maligno. — Teria o meu Senhor falado desta
maneira? Meu Mestre teria agido desse modo? — Estas são perguntas que
deveríamos fazer a nós mesmos diariamente.
Quão humilhadora é, para nós, esta verdade! Quanto exame de
coração ela nos invoca a fazer! Quão insistente é o chamamento para nos
desembaraçarmos “de todo peso, e do pecado que tenazmente nos assedia‟
‟! Quão exemplares devem ser os que professam imitar a Cristo! Que inútil
é a religião que leva um homem a contentar-se com palavras vazias,
enquanto que em sua vida não há pureza nem santidade! Que pena!
Aqueles que desconhecem a Cristo como exemplo, finalmente descobrirão
que também Ele não os conhece como o povo que salvou!
“Aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como
ele andou” (1 Jo 2.6).
Mateus 20.24-28 171

Final mente, aprendemos, por estes versículos, que a. morte de Cristo


foi uma expiação pelo pecado. Que dizem as Escrituras? Jesus Cristo veio
para “dar a sua vida em resgate por muitos“.
Esta é a verdade mais poderosa na Bíblia. Cuidemos de nos apegar
firmemente a ela, sem jamais largá-la. Nosso Senhor Jesus Cristo não
morreu simplesmente como um mártir ou um exemplo esplêndido de
auto-sacrificio e negação de si mesmo. Quem não pode ver mais do que
isso, na morte dEle, está muito aquém da verdade. Esses perdem de vista a
própria pedra fundamental do cristianismo, e deixam de receber a plena
consolação do evangelho. A morte de Cristo foi um sacrifício pelo pecado
do homem. Ele morreu para fazer expiação pela iniquidade do homem, e
expurgar os nossos pecados mediante a oferta de Si mesmo. Ele morreu
para nos redimir da maldição que todos nós merecemos e para satisfazer a
justiça de Deus que, senão pela morte de Cristo, nos teria condenado.
Nunca nos esqueçamos disso!
Todos nós somos devedores por natureza. Devemos ao nosso santo
Criador dez mil talentos, e não somos capazes de pagar essa dívida. Não
podemos fazer expiação pelas nossas próprias transgressões, visto que
somos fracos e incapazes, e só aumentamos, a cada dia, a nossa dívida
insolúvel. Mas, bendito seja Deus! Aquilo que não podíamos fazer, Cristo
fez por nós quando veio a este mundo. Aquilo que não podíamos pagar,
Jesus pagou por nós total e cabalmente, morrendo na cruz do Calvário. Ele
“a si mesmo se ofereceu” a Deus (Hb 9.14).
Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para
conduzir-vos a Deus” (1 Pe 3.18). Novamente, jamais nos esqueçamos
desse fato!
Não deixemos estes versículos, sem perguntar a nós mesmos: “Onde
está nossa humildade? Qual é a nossa idéia da verdadeira grandeza pessoal?
Que exemplo estamos dando ao próximo? Qual é a nossa esperança? A
vida, a vida eterna, depende das respostas que damos a estas indagações.
Feliz é a pessoa verdadeiramente humilde, que se esforça por praticar o
bem, que caminha nos passos de Jesus confia
inteiramente no resgate pago mediante o sangue de Cristo. Assim é um
verdadeiro crente!
172 Mateus 20.29-34

A Cura de Dois Cegos


Leia Mateus 20.29-34

Nestes versículos encontramos o quadro de um acontecimento na


vida de Cristo. Ele cura dois cegos que estavam assentados à beira do
caminho, perto de Jericó. As circunstâncias dessa ocorrência contêm lições
de profundo interesse, que todos os crentes fariam bem em relembrar.
Antes de tudo, observemos que.muita fé pode ser encontrada onde às
vezes menos esperamos encontrá-la. Embora cegos, aqueles dois homens
acreditavam que Jesus tinha poder para ajudá-los. Eles jamais viram
qualquer dos milagres de nosso Senhor. Conheciam-no somente de ouvir
falar, e não pessoalmente. Não obstante, tão logo ouviram que Ele estava
passando, clamaram: „"Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de nós!”
Tamanha fé bem pode servir para nos envergonhar. Com todos os
nossos livros de evidências, biografias de santos e bibliotecas de teologia,
quão poucos conhecem algo daquela confiança simples, como de uma
criança, na misericórdia de Cristo e no poder de Cristo! Mesmo entre os
crentes, o grau da fé com frequência é estranhamente desproporcional aos
privilégios usufruídos. Muitas vezes, um homem inculto, que só pode ler
seu Novo Testamento com dificuldade, possui um espírito de resoluta
confiança na advocacia de Cristo, ao passo que teólogos que já estudaram
muito vêem-se assediados por dúvidas e questionamentos. Os que,
humanamente falando, deveriam ser os primeiros, muitas vezes são os
últimos; e os últimos são os primeiros.
Em seguida, notemos a sabedoria que existe em se aproveitar cada
oportunidade para o bem de nossa alma. Esses dois cegos estavam “assentados
à beira do caminho”. Se lá não estivessem, provavelmente jamais teriam
sido curados. Jesus nunca mais voltou a Jerico, e eles jamais poderiam ter-se
encontrado novamente com Ele.
Neste fato tão simples, vemos a importância da diligência no uso dos
meios da graça. Nunca deveríamos negligenciar a casa de Deus, nem deixar
de nos reunir com o povo de Deus, nem omitir a leitura da Bíblia, nem
abandonar a prática da oração individual. Estas coisas, sem dúvida, não
podem salvar-nos sem a atuação da graça do Espírito Santo. Muitíssimos
fazem uso deles, e, no entanto, permanecem mortos em delitos e pecados.
Porém, é mediante o uso desses meios de graça que almas são convertidas e
salvas. Eles são os caminhos em que anda o Senhor Jesus. Os que se
assentam “à beira do caminho” são os que
Mateus 20.29-34 173

provavelmente serão curados. Conhecemos as enfermidades de nossa alma?


Temos algum desejo de consultar o grande Médico? Em caso positivo, não
deveríamos esperar em inatividade, dizendo que “se eu tiver de ser salvo,
serei salvo de qualquer maneira”. Pelo contrário, devemos nos levantar e ir
para a estrada por onde passa Jesus. Quem pode saber se logo não será a
última vez que Ele estará passando por aqui?! Assentemo-nos diariamente à
beira do caminho.
Em terceiro lugar, observemos o valor do esforço e da perseverança na
busca por Cristo. Os dois cegos foram repreendidos pela multidão que
acompanhava nosso Senhor. Disseram-lhes que se calassem, mas isto não
seria suficiente para silenciá-los. Eles sentiam o quanto precisavam de
ajuda. Em nada se importaram com a reprovação recebida; “gritavam cada
vez mais: Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de nós!”
Nisto temos um exemplo sumamente importante. Não devemos nos
deixar deter pela oposição, nem ficar desencorajados pelas dificuldades
quando passamos a buscar a salvação de nossa alma. Devemos “orar
sempre e nunca esmorecer” (Lc 18.1). Devemos recordar a parábola da
viúva importuna, e a parábola do homem que foi à casa do amigo à meia
noite, a fim de conseguir pão emprestado. É dessa ma- neira que devemos
insistir com nossas preces diante do trono da graça, dizendo: “Não te
deixarei ir, se me não abençoares” (Gn 32.26). Amigos, parentes e vizinhos
podem mesmo dizer coisas indelicadas e reprovar o nosso intenso zelo.
Podemos até encontrar frieza e falta de simpatia no lugar aonde fomos
procurar ajuda. Entretanto, que nada disso nos abale. Se sentimos nossas
enfermidades e desejamos ver a Jesus, o grande Médico; se conhecemos os
nossos pecados e queremos que Ele nos perdoe, então prossigamos. “O
reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam
dele” (Mt 11.12).
Finalmente, destaquemos quão gracioso o Senhor Jesus é para com
aqueles que O buscam. Parando Jesus, chamou-os. Ele gentilmente
perguntou o que desejam, escutou a petição e fez o que lhe pediram.
Condoído Jesus, tocou-lhes os olhos, e imediatamente recuperaram a
vista.”
Deparamo-nos aqui com uma ilustração daquela antiga verdade, a
misericórdia de Cristo para com os filhos dos homens, a qual nunca
podemos conhecer plenamente bem. O Senhor Jesus não é apenas um
Salvador poderoso, mas também é misericordioso, gentil e bondoso, e em
um grau que vai além da nossa compreensão. Como bem disse o apóstolo
Paulo: “O amor de Cristo, que excede todo o entendimento‟ ‟ (Ef 3.19).
Como ele, oremos para que possamos conhecer mais desse amor.
Precisamos do amor de Cristo quando principiamos na carreira
174 Mateus 20.29-34

cristã, penitentes tremorosos e bebês na graça divina. Precisamos desse


amor, daí em diante, enquanto seguimos pelo caminho estreito, muitas
vezes errando, com freqüência tropeçando e nos sentindo desencorajados.
Já no fim da vida, ainda precisaremos desse amor, ao passarmos pelo vale
da sombra da morte. Por conseguinte, apeguemo-nos firmemente ao amor
de Cristo; seja esse amor a nossa meditação diária. Até que despertemos, já
no outro mundo, nunca saberemos, realmente, o quanto devemos ao amor
de Cristo.

A Entrada Triunfal em Jerusalém


Leia Mateus 21.1-11

Estes versículos narram um momento muito importante na vida de


nosso Senhor Jesus Cristo — a sua entrada pública em Jerusalém, pela
última vez antes de ser crucificado.
Há algo de peculiarmente notável nesse incidente na história de
nosso Senhor. A narrativa é como a descrição do retorno de um con-
quistador real à sua própria cidade. Multidões o acompanham, formando
um tipo de procissão triunfal. Altos clamores e expressões de louvor são
ouvidos ao redor de Jesus. “Toda a cidade se alvoroçou“. O episódio inteiro
é totalmente diferente do curso anterior da vida de nosso Senhor. Do
princípio ao fim, foi curiosamente diferente do que era comum Aquele
sobre quem estava escrito: “Não clamará nem gritará, nem fará ouvir a sua
voz na praça” (Is 42.2). Aquele que em outras ocasiões se ausentava da
multidão, e que dizia aos que por Ele eram curados: “Olha, não digas nada a
ninguém” (Mc 1.44). No entanto, todo este acontecimento admite uma
explicação. Os motivos dessa entrada pública e triunfal não são difíceis de
detectar. Vejamos quais são.
Na verdade, nosso Senhor sabia bem que o tempo de seu ministério
terreno estava por acabar. Ele sabia que já se aproximava a hora em que
deveria concluir a poderosa obra que viera realizar, morrendo na cruz por
nossos pecados. Ele sabia que suas andanças estavam terminadas, e que
para completar seu ministério terreno só lhe restava ser oferecido como
sacrifício sobre o Calvário. Sabendo de tudo isso, Jesus não mais procurou
manter segredo, como anteriormente, Sabendo de tudo isso, Ele houve por
bem entrar pública e solenemente no lugar onde seria entregue à morte.
Não convinha que o Cordeiro de Deus viesse secretamente e em silêncio,
para ser morto no Calvário. Antes que fosse oferecido o grande sacrifício
pelos pecados do mundo, era correto que todos os olhos contemplassem a
vítima. Convinha que o ato
Mateus 21,1-11 175

mais importante na vida de nosso Senhor fosse concretizado com tanta


notoriedade quanto possível. Por isso foi que Jesus fez sua entrada triunfal.
Por isso foi que Ele atraiu para si os olhos admirados de toda a multidão.
Por isso foi que toda Jerusalém se alvoroçou. O sangue expiatório do
Cordeiro de Deus estava prestes a ser derramado. Esse sacrifício não devia
ser feito em segredo, “nalgum recanto” (At 26.26).
E bom relembrar estas coisas. A real significação da conduta de
nosso Senhor, durante esse período, não é considerada suficientemente por
muitos que leem esta passagem. Devemos considerar as lições práticas a
que estes versículos parecem apontar.
Em primeiro lugar, temos um exemplo do conhecimento perfeito de
nosso Senhor“ Jesus Cristo, Ele envia dois de seus discípulos a uma aldeia, e
disse-lhes que lá encontrariam o jumentinho em que Ele haveria de montar.
Ele lhes deu uma palavra para falarem aos donos do animal, e, por causa
dessa palavra, o jumentinho lhe seria enviado. E tudo aconteceu exatamente
como Jesus predissera.
Coisa nenhuma está escondida dos olhos de nosso Senhor. Para Ele
não há segredos. A sós ou acompanhados, de dia ou de noite, em particular
ou em público, Jesus tem conhecimento de todos os nossos caminhos. Ele,
que viu Natanael sob a figueira, em nada mudou. Indo para onde quer que
seja, e por mais que nos retiremos da sociedade humana, jamais estamos
longe dos olhos de Jesus Cristo.
Este é um pensamento que deveria exercer um efeito refreador e
santificador em nossa alma. Todos sabemos da influência que a presença
dos governantes deste mundo tem sobre os cidadãos deste mundo. A
própria natureza nos ensina a refrear nossa língua e comportamento quando
estamos perante um rei. O senso do perfeito conhecimento que nosso
Senhor Jesus Cristo tem, de tudo quanto fazemos, deveria surtir o mesmo
efeito ero nossos corações. Que nós nada façamos que não gostaríamos que
Cristo visse, e que nada digamos que não gostaríamos que Cristo ouvisse.
Procuremos viver e conduzir-nos, e fazer tudo, relembrando continuamente
a presença de Cristo. Que nos comportemos como teríamos feito se
tivéssemos caminhado com Cristo em companhia de Tiago e João, junto ao
Mar da Galiléia. Esse é o modo de sermos
treinados para o céu. No céu, “estaremos para sempre com o Senhor” (1 Ts
4.17).
Em segundo lugar, temos um exemplo da maneira como foram
cumpridas as profecias sobre a primeira vinda de nosso Senhor. Somos
informados de que esta entrada triunfal cumpria a predição de Zacarias:
“Eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento”
(Zc 9.9).
Parece que essa predição teve um cumprimento literal e exato.
176 Mateus 21.1-11

As palavras que o profeta falou mediante o Espírito Santo não tiveram um


cumprimento figurado. Tal como ele disse, assim mesmo aconteceu.
Conforme ele predissera, assim foi feito. Quinhentos e cinqüenta anos
tinham-se passado desde que a predição fora feita, e quando chegou o
tempo determinado, o Messias desde há muito prometido, literalmente,
entrou em Sião montado sobre um jumentinho. Entretanto, não há que
duvidar que a vasta maioria dos habitantes de Jerusalém nada perceberam
nessa circunstância. O véu estava posto sobre o coração deles. Nós, porém,
não somos deixados em dúvida no que diz respeito ao cumprimento dessa
profecia. É-nos dito claramente, que “isto aconteceu, para se cumprir o que
foi dito, por intermédio do profeta”.
Ao verificar o cumprimento da palavra de Deus em tempos pas-
sados, sem dúvida cumpre-nos formar uma idéia sobre como será o
cumprimento das profecias futuras. Podemos esperar que as profecias
acerca da segunda vinda de Cristo serão cumpridas tão literalmente quanto
foram as profecias do primeiro advento. Em sua primeira vinda, Jesus veio
a este mundo em pessoa, literalmente. Na segunda vez, Ele virá em pessoa,
literalmente. Na primeira, Ele uma vez veio em humilhação, literalmente,
para sofrer. Ele virá segunda vez, em glória, literalmente, para reinar. Cada
predição a respeito das coisas que acompanharam o seu primeiro advento,
teve um cumprimento literal. O mesmo sucederá quando Ele voltar a este
mundo. Tudo quanto foi predito sobre a restauração dos judeus, sobre o
julgamento dos ímpios, sobre a incredulidade do mundo e o agrupamento
dos eleitos, tudo se cumprirá à risca. Nunca nos esqueçamos disso! No
estudo das profecias que ainda não se cumpriram, é de suma importância ter
um princípio fixo de interpretação.
Finalmente, observemos nestes versículos uma notável demonstração
de que o favor humano não tem valor algum. Dentre toda a multidão que
cercava ao Senhor Jesus quando Ele entrou em Jerusalém, ninguém ficou
ao lado dEle quando foi entregue às mãos de homens iníquos. Muitos
gritaram “Hosana!”, e quatro dias mais tarde: “Fora! Fora! Crucifica-o!”
(Jo 19.15).
Mas este é um retrato fiel da natureza humana. É uma prova da
tamanha insensatez que é dar maior valor ao louvor do homem do que ao
louvor que vem de Deus. Na verdade, coisa alguma é tão inconstante e
incerta quanto a popularidade. Ela está aqui hoje, mas amanhã já de-
sapareceu. A popularidade é como um alicerce sobre a areia, que
certamente transtornará quem sobre ela construir. Que nós não façamos
caso dela. Pelo contrário, busquemos o favor d Aquele que “ontem e hoje é
o mesmo, e o será para sempre” (Hb 13.8). Jesus nunca muda.
Mateus 21.1-11 177

Aqueles a quem Ele ama, amará até o fim. O seu favor perdura para sempre.

Expulsão dos Vendilhões do Templo;


A Figueira Infrutífera
Leia Mateus 21.12-22

Temos nestes versículos um relato de dois acontecimentos notáveis


na história de nosso Senhor. Em ambos os casos havia algo de
eminentemente simbólico e típico. Cada um é uma figura de realidades
espirituais. Sob a superfície estão lições de solene instrução.
O primeiro acontecimento que requer a nossa atenção é a visita de
nosso Senhor ao templo. Ele encontrou a casa de seu Pai em uma condição
que mui verdadeiramente retratava a condição geral da igreja judaica: tudo
fora de ordem e fora de curso. Ele viu os átrios daquele edifício sagrado
sendo desgraçadamente profanados por transações mundanas, O comércio
de compra e venda estava acontecendo dentro das próprias muralhas do
templo. Lá estavam os vendedores, prontos para suprir os judeus que
vinham de países distantes com qualquer sacrifício que desejassem
oferecer. Lá estavam os cambistas, prontos para trocar o dinheiro
estrangeiro por moeda corrente da nação. Bois, ovelhas, cabras e pombas
estavam lá expostos, como se o lugar fosse um mercado. Podia-se ouvir o
tilintar das moedas, como se aqueles átrios sagrados fossem um banco ou
casa de cambio. Assim foram as cenas vistas pelos olhos do Senhor. Jesus
contemplou tudo aquilo com uma santa indignação. “Expulsou a todos os
que ali vendiam e compravam; também derrubou as mesas dos cambistas”.
Não houve qualquer Tesistência, porquanto sabiam que Ele estavá certo.
Objeção também não houve nenhuma, pois todos sentiam que Ele estava
apenas reformando um abuso notório, que tinha sido aviltantemente
permitido por amor ao lucro. Jesus teve boas razões para dizer aos
mercadores espantados, enquanto fugiam: “Está escrito: A minha casa será
chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de
salteadores”.
Deveríamos detectar, na conduta de nosso Senhor nessa ocasião, um
notável exemplo do que Ele fará quando vier pela segunda vez. Ele irá
purificar a sua igreja visível tal como purificou o templo. Ele a limpará de
tudo quanto a contamina e gera iniquidade, e expulsará do meio dela os
mundanos. Jesus não permitirá que o adorador do dinheiro ou amante do
lucro esteja naquele templo glorioso que Ele finalmente haverá de exibir
perante o mundo. Que todos nós vivamos na expectação
178 Mateus 12.12-22

diária de sua vinda! Devemos julgar a nós mesmos, a fim de não sermos
condenados e rejeitados naquele dia de exame e triagem! Deveriamos
sempre estudar aquelas palavras de Malaquias: “Quem pode suportar o dia
da sua vinda? E quem subsistir quando Ele aparecer? Porque Ele é como o
fogo do ourives e como a potassa dos lavandeiros” (Ml 3.2).
O segundo evento que chama nossa atenção, nestes versículos, é a
maldição sobre a figueira infrutífera. Somos informados que Jesus, “vendo
uma figueira à beira do caminho, aproximou-se dela; e, não tendo achado
senão folhas, disse-lhe: Nunca mais nasça fruto de ti. E a figueira secou
imediatamente”. Este é um incidente quase que sem paralelo em todo o
ministério de nosso Senhor. Essa é praticamente a única ocasião em que
vemos Jesus fazer uma de suas criaturas sofrer, a fim de com isso ensinar
uma verdade espiritual. Havia naquela figueira ressecada uma lição que
nos perscruta o coração. Ela prega um sermão que todos nós faríamos bem
em escutar.
Aquela figueira, recoberta de folhas porém sem frutos, era uma
notória figura da igreja judaica quando nosso Senhor veio à terra. A igreja
judaica tinha tudo para ser um impressionante espetáculo. Ela tinha o
templo, o sacerdócio, o culto diário, as festas anuais, as Escrituras do
Antigo Testamento, os turnos dos levitas, os sacrifícios da manhã e da
tarde. Porém, por detrás dessa folhagem exuberante, a igreja judaica estava
completamente destituída de frutos. Não havia nenhuma graça, nenhuma
fé, nenhum amor, nenhuma humildade, nenhuma espiritualidade, nenhuma
santidade real, nenhuma disposição para receber ao seu Messias (Jo 1.11).
E assim, como a figueira, a igreja judaica não demoraria a secar. Ela
haveria de ser despida de todos os seus ornamentos exteriores, e os seus
membros seriam dispersos por toda a face da terra. Jerusalém seria
destruída; o templo iria ser queimado; o sacrifício diário seria
interrompido. A árvore haveria de secar até às raízes. E isso mesmo foi o
que aconteceu. Nunca houve um tipo simbólico que se cumprisse tao
literalmente. Em cada judeu errante podemos ver um ramo dessa figueira
que foi derribada.
Porém, não podemos parar aqui. Deste evento podemos extrair
ainda outras instruções. Estas coisas foram escritas tanto para os judeus
quanto por nossa causa.
Não está cada ramo infrutífero da igreja visível de Jesus Cristo em
um tremendo perigo de se tornar uma figueira seca? Sem a menor dúvida!
Altos privilégios e posições eclesiásticas, desacompanhadas de santidade
entre o povo; confiança exagerada em concílios, bispos, liturgias e
cerimônias, enquanto que o arrependimento e fé são negligenciados. Tais
coisas têm aniquilado muitas igrejas no passado, e podem ainda destruir
muitas outras mais. Onde estão igrejas como as de Éfeso,
Mateus 21.12-22 179

Sardes> Cartago e Hipona, que em seu tempo foram tão famosas? Todas
desapareceram. Elas tinham folhagem mas não frutificavam. A maldição de
nosso Senhor veio sobre elas, e tomaram-se figueiras secas. Saiu o decreto
divino: “Cortai a árvore, e destruí-a” (Dn 4.23). Lembremo-nos disso!
Tenhamos todo o cuidado de evitar o orgulho eclesiástico. “Não te
ensoberbeças, mas teme” (Rm 11.20).
Por fim, não está uma pessoa que se diz cristã, mas não produz fruto
algum em um perigo terrível, podendo tornar-se uma figueira seca? Não há
que duvidar disso. Enquanto se contenta com a mera folhagem da religião
(com um nome de quem vive, ao mesmo tempo em que está morto, e tendo
apenas a forma de piedade sem poder), a alma da pessoa está em grande
perigo. Enquanto se satisfizer em ir à igreja e participar da Ceia do Senhor, e
ser chamado de “cristão”; enquanto seu coração não tiver sido transformado
e não houver abandonado os seus pecados, neste tempo está diariamente
provocando a Deus a cortar a árvore irremediavelmente. Fruto, fruto — o
fruto do Espírito é a única prova segura de que estamos unidos a Jesus
Cristo, salvos, e a caminho do céu. Que este pensamento lance raízes
profundas em nossos corações e jamais seja esquecido.

A Resposta de Cristo aos Fariseus Que


Questionavam a sua Autoridade; Os Dois Filhos
Leia Mateus 21.23-32

Estes versículos contêm um diálogo entre nosso Senhor Jesus Cristo


e os principais sacerdotes e anciãos dentre o povo. Aqueles amargos
adversários de toda a retidão, viram a sensação que a entrada triunfal em
Jerusalém e a purificação do templo haviam provocado. Imediatamente eles
cercaram nosso Senhor, como abelhas, procurando um motivo para levantar
acusação contra ele.
Observemos, em primeiro lugar, como os inimigos da verdade estão
sempre preparados para questionar a autoridade de todos quantos se conduzem
melhor do que eles próprios. Os principais dos sacerdotes não tinham uma
única palavra que dizer contra os ensinamentos de nosso Senhor. Não
podiam fazer sequer uma acusação contra a vida e a conduta de Jesus e seus
seguidores. Por isso, trataram de questionar a sua comissão divina,
indagando: “Com que autoridade fazes estas cousas? E quem te deu essa
autoridade?”
Idêntica acusação com frequência tem sido lançada contra os servos
do Senhor, quando eles procuram refrear o progresso da corrupção
180 Mateus 21.23-32

eclesiástica. É uma velha artimanha, pela qual os filhos deste mundo têm
muitas vezes tentado impedir o avanço das reformas e reavivamen- tos. É
uma espada que muitas vezes foi brandida contra a face dos reformadores,
dos puritanos e metodistas, séculos atrás. É uma flecha envenenada, que
muitas vezes é atirada contra os missionários e obreiros leigos, hoje em dia.
Não poucos são os que em nada se importam com a manifesta bênção de
Deus, sobre o trabalho de um homem, se tal homem não foi enviado pela
seita ou denominação a que pertence. Não importa se pela
instrumentalidade de um humilde obreiro Deus tem realizado muitas
conversões em sua seara, eles prosseguem questionando: “Com que
autoridade fazes estas cousas?"
O sucesso desse obreiro nada significa; eles querem saber quem o
enviou. As grandes coisas que tem sido feitas, nada significam; eles querem
ver o seu diploma. Não devemos ficar nem surpresos nem desanimados
quando ouvimos tais coisas. Esta mesma argumentação foi levantada contra
o próprio Jesus Cristo. “Nada há, pois, novo debaixo do sol” (Ec 1.9).
Observemos, em segundo lugar, a sabedoria consumada com que
nosso Senhor replicou à indagação que lhe fora dirigida. Os adversários lhe
haviam perguntado com que autoridade Ele fazia o que fazia. Ao que tudo
indica, tencionavam fazer de sua resposta um motivo de acusação contra
Ele. O Senhor, porém, sabia quais eram as verdadeiras intenções da
pergunta, e por isso disse: “Eu também vos farei uma pergunta; se me
responderdes, também eu vos direi com que autoridade faço estas cousas.
Donde era o batismo de João? Do céu ou dos homens?"
Devemos entender claramente que nesta resposta de nosso Senhor
não havia evasiva. Supor que Jesus estivesse fiigindo à pergunta seria um
grande erro. A pergunta que usou como resposta foi, na realidade, uma
inquirição de seus inimigos. Jesus sabia que eles não ousariam negar que
João Batista fora um homem enviado por Deus. Ele sabia que, uma vez
admitida essa verdade, só tinha que relembrá- -los do testemunho de João
Batista sobre a sua pessoa. Não tinha João declarado ser Jesus “o Cordeiro
de Deus, que tira o pecado do mundo"? Não tinha João Batista ensinado que
Ele, Jesus, era quem haveria de batizar “com o Espírito Santo"? Em suma, a
pergunta de nosso Senhor foi um golpe certeiro na consciência de seus
inimigos. Uma vez admitida a autoridade divina da missão de João Batista,
eles também teriam que admitir a autoridade divina de Jesus Cristo.
Reconhecendo que João Batista fora enviado do céu, eles também teriam de
reconhecer que Jesus era o Cristo.
Oremos para que, neste mundo hostil, seja-nos proporcionada a
mesma sabedoria que foi aqui demonstrada por nosso Senhor. Sem

1
Mateus 21.23-32 181

dúvida, devemos seguir a determinação do apóstolo Pedro: “estando


sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da
esperança que há em vós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor** (1
Pe 3.15). Não devemos nos encolher diante de um questionamento a
respeito dos princípios que regem a nossa santa religião. Devemos sempre
estar preparados para defender e explicar nossa prática, a qualquer tempo.
Contudo, lembremo-nos de que, para isso, é necessário sabedoria. Em
defesa de uma boa causa, devemos procurar falar sabiamente. As palavras
de Salomão merecem consideração: “Não respondas
ao insensato segundo a sua estultícia, para que não te faças semelhante a
ele” (Pv 26.4).
Em último lugar, observemos quão grande encorajamento nosso
Senhor oferece àqueles que se arrependem. Vemos isso salientado claramente
na parábola dos dois filhos. Ambos receberam ordem de ir trabalhar na
vinha de seu pai. Um dos filhos, como os cerimoniosos fariseus, fingiu
estar disposto a obedecer, mas realmente não foi. O outro, como os
devassos publicanos, por algum tempo recusou-se abertamente a obedecer,
mas depois arrependeu-se e foi. “Qual dos dois”, nosso Senhor
pergunta, “fez a vontade do pai?” Mesmo os seus inimigos foram obrigados
a responder: “O segundo”.
Que se tome um princípio bem estabelecido em nosso cristianismo,
que o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo está infinitamente disposto a
receber pecadores penitentes. Não importa o que um homem tenha sido no
passado. Se ele se arrepende e vem a Cristo, então as coisas antigas já
passaram, e eis que tudo se fez novo. Não importa quão elevada e
auto-confiante possa ser a religiosidade de um homem. Se ele não desiste
realmente de seus pecados, a sua religião não passa de uma abominação aos
olhos de Deus, e ele mesmo está ainda sob a maldição divina. Se até agora
temos sido grandes pecadores, que então tomemos coragem! Basta que nos
arrependamos e confiemos em Cristo, e então haverá esperança. Que nós
encoragemos outras pessoas a se arrependerem. Mantenhamos bem aberta
a porta, para que mesmo o principal dos pecadores possa entrar. A palavra
jamais falhará: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para
nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9).
182 Mateus 21.33-46

A Parábola dos Lavradores Maus


Leia Mateus 21.33-46

A parábola contida nestes versículos foi proferida com especial


referência aos judeus. Eles são os lavradores aqui mencionados. São os
pecados deles que estão aqui retratados. Disso não há dúvida, pois está
escrito que “era a respeito deles que Jesus falava”.
Mas nós não devemos nos exaltar, dizendo que esta parábola nada
contém para os gentios. Nela estão contidas lições tanto para os judeus,
quanto para nós. Vejamos quais são.
Antes de tudo, vemos os privilégios distintivos que Deus se agrada em
proporcionar a certas nações. Ele escolheu Israel como seu povo peculiar.
Ele os separou dentre as outras nações da terra, e lhes concedeu incontáveis
bênçãos. Ele deu a Israel revelações de Si mesmo, enquanto que o restante
da humanidade continuava em trevas. Ele deu aos israelitas a lei, as
alianças e os oráculos de Deus, enquanto que os outros povos foram
deixados como estavam. Em suma, Deus tratou com os judeus à
semelhança de como um homem trata de um pedaço de terra que cerca e
cultiva, enquanto todos os campos ao redor são deixados sem cultivo, como
terras devolutas. A vinha do Senhor, era a casa de Israel (Is 5.7).
E nós, não temos nenhum privilégio? Sem dúvida, temos muitos.
Temos a Bíblia, e a liberdade, cada um de nós, para a ler. Temos o
evangelho e a permissão de escutar e crer. Dispomos de abundantes
misericórdias espirituais, acerca das quais bilhões de homens nada sabem.
Quão agradecidos deveríamos ser! O mais pobre entre nós pode dizer, cada
manhã: “Há bilhões de almas imortais que estão em pior situação do que eu.
Quem sou eu para ser diferente? Bendize ao Senhor, ó minha alma!”
Em seguida, percebemos como as nações fazem mau uso dos pri-
vilégios de que dispõem. Quando o Senhor separou os israelitas dentre os
outros povos, Ele tinha o direito de esperar que eles o serviriam e
obedeceriam às suas leis. Quando um homem cultiva uma vinha, tem o
direito de esperar frutos. Mas Israel não retribuiu adequadamente todas as
misericórdias divinas. Eles se misturaram com os pagãos e aprenderam
caminhos pecaminosos. Eles se endureceram no pecado e na incredulidade.
Voltaram-se para os ídolos. Não guardaram as ordenanças de Deus.
Desprezaram o templo de Deus. Recusaram-se a ouvir os profetas de Deus.
Maltrataram aqueles a quem Deus enviou para chamá-los ao
arrependimento. E, finalmente, levaram a sua iniquidade
Mateus 21.33-46 183

a um ponto extremo, matando o próprio Filho de Deus, o Senhor Jesus


Cristo.
E o que estamos nós fazendo com nossos privilégios? Esta é uma
pergunta muita séria, e que deveria nos fazer refletir. É de temer que nossa
nação não esteja vivendo de acordo com a luz e as muitas misericórdias que
já temos recebido. Devemos confessar, envergonhados, que milhões dentre
nós parecem estar vivendo total mente sem Deus neste mundo. Devemos
reconhecer que em muitas cidades e povoados Cristo parece não ter
nenhum discípulo, e parece não haver ninguém que creia na Bíblia. É inútil
cerrarmos os olhos diante desses fatos. O fruto que o Senhor está
recebendo de sua vinha, em nosso país, comparado com o que deveria ser,
é desgraçadamente pequeno. Temos razões para pensar que somos tão
provocativos quanto os judeus, aos olhos do Senhor.
Em seguida, vemos o terrível acerto de contas que Deus às vezes faz
com nações e igrejas que fazem mau uso de seus privilégios. Chegou,
finalmente, o tempo em que a longanimidade de Deus para com o seu povo
se esgotou. Quarenta anos após a morte de nosso Senhor, o cálice das suas
iniqüidades transbordou, e eles receberam um pesado castigo por seus
muitos pecados. Jerusalém, a cidade santa foi destruída. O templo foi
queimado. Eles mesmos foram espalhados por toda a face da terra. O reino
de Deus foi tirado e entregue a um povo que lhe produzisse os respectivos
frutos.
Será que o mesmo acontecerá conosco? Virão os juízos de Deus
sobre esta nação, por causa de sua infidelidade em face de tantas mi-
sericórdias? Quem pode dizer?! Só podemos afirmar aquilo que disse o
profeta: “Tu, ó Senhor, o sabes” (Jr 15.15). Porém, sabemos que o
julgamento tem sobrevindo a muitas igrejas e nações, nos últimos mil e
novecentos anos. O reino de Deus foi tirado das igrejas cristãs no norte da
África. O poder do islamismo tomou o lugar da maior parte das antigas
igrejas cristãs no Oriente. Por isso, convém que todos os crentes
intercedam insistentemente em favor de nosso país. Nada ofende tanto a
Deus quanto a negligência em relação aos nossos privilégios. Muito nos
tem sido dado, e muito nos será requerido.
Em último lugar, vemos o poder da consciência, mesmo sobre os ímpios. Os principais
sacerdotes e anciãos descobriram, por fim, que a parábola de nosso Senhor visava
especial mente a eles. Aquelas últimas palavras tinham sido cortantes demais para
não serem perce- , bidas. Eles “entenderam que era a respeito deles que Jesus
falava”.
Em cada congregação há muitos ouvintes do evangelho que se j
encontram exatamente nas mesmas condições desses infelizes judeus. j Eles
sabem que é verdade aquilo que ouvem, domingo após domingo,
í Eles sabem que estão errados, e sabem que cada sermão os condena

1
184 Mateus 21.33-46

ainda mais. Contudo não têm a vontade e nem a coragem de reconhecer


isso. São por demais orgulhosos e muito amigos do mundo para confessar
os erros passados, tomar a cruz e seguir a Cristo! Que nós tomemos
precaução contra esse horrendo estado mental. O dia final proverá que
houve muito mais consciências perturbadas entre ouvintes do que jamais
desconfiaram os pregadores. Haverá milhares e milhares de pecadores que,
como os principais dos sacerdotes judeus, foram condenados pela própria
consciência, mas que, mesmo assim, morreram sem se converter.

A Parábola das Bodas


Leia Mateus 22.1-14

A parábola relatada nestes versículos tem uma significação muito


ampla. Em sua aplicação primária, inquestionavelmente ela aponta para os
judeus. Porém, não podemos limitá-la somente a eles, pois esta parábola
contém lições que perscrutam o coração, para todos quantos o evangelho é
pregado. Ela é um quadro espiritual que ainda hoje fala conosco, se é que
temos ouvidos para ouvir. A observação de Olshau- sen é sábia e verídica:
“As parábolas são como pedras preciosas de múltiplas facetas, cortadas de
modo a lançar o seu brilho em mais de uma direção“.
Observemos, em primeiro lugar, que a salvação anunciada no
evangelho é comparada a uma festa de casamento. O Senhor Jesus nos fala de
“um rei que celebrou as bodas de seu filho”.
Existe no evangelho uma provisão completa para todas as neces-
sidades da alma humana. Há um suprimento de tudo quanto se requer para
aliviar a fome e sede espiritual. Perdão, paz com Deus, uma viva esperança
neste mundo, glória no mundo vindouro, são bênçãos retratadas diante dos
nossos olhos em rica abundância. Trata-se de “um banquete de cousas
gordurosas” (Is 25.6). Toda esta provisão é devida ao amor manifestado
pelo Filho de Deus, Jesus Cristo, nosso Senhor. Ele deseja nos unir a si
mesmo, restaurar-nos à família de Deus como filhos queridos, vestir-nos
com a sua própria justiça, dar-nos uma posição em seu reinado e nos
apresentar inculpáveis perante o trono de seu Pai, no último dia. O
evangelho, em suma, é uma oferta de pão para o faminto, de alegria para o
triste, de um lar para o desprezado, de um amigo para o perdido. O
evangelho é boas novas. Deus oferece identificar-se com o homem
pecador, mediante seu Filho querido. Jamais nos esqueçamos: “Nisto
consiste o amor, não em que nós tenhamos
Mateus 22.1-14 185

amacio a Deus, mas em que ele nos amou, e enviou o seu Filho como
propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 4,10).
Em segundo lugar, tomemos nota do fato que os convites do evangelho
são amplos, plenos, generosos e ilimitados. Nesta parábola, o Senhor Jesus nos
conta que os servos disseram aos convidados: “Tudo está pronto; vinde para
as bodas”. Da parte de Deus nâo há nada faltando para a salvação da alma
dos pecadores. Ninguém jamais poderá dizer, no ftm, que foi por culpa de
Deus que não se salvou. O Pai está pronto para amar e acolher. O Filho está
pronto para perdoar e limpar de toda culpa. O Espírito está pronto para
santificar e renovar. Os anjos estão prontos para se regozijarem ante cada
pecador que retorna ao caminho reto. A graça está pronta para assisti-lo. A
Bíblia está pronta para instruí-lo. O céu está pronto para ser o seu lar eterno.
Só uma coisa é necessária: que o próprio pecador esteja desejoso de ser
salvo. Que isso, também, jamais seja esquecido. Que não fiquemos
debatendo e perdendo-nos em minúcias acerca deste assunto tão simples.
Deus sempre será achado inocente do sangue de todas as almas perdidas. O
evangelho sempre fala dos pecadores como seres responsáveis e que terão
de prestar contas a Deus. O evangelho coloca uma porta aberta diante de
toda a humanidade. Ninguém está excluído desse convite universal.
Embora eficaz somente para os que crêem, ele é suficiente para a
humanidade inteira. Embora poucos são os que entram pela porta estreita,
todos são igualmente convidados a entrar por ela.
Em terceiro lugar, notemos que a salvação oferecida pelo evangelho é
rejeitada por muitos daqueles a quem ela é oferecida. O Senhor
Jesus nos conta que os convidados, chamados pelos servos do rei, “não se
importaram e se foram”,
Há milhares de ouvintes do evangelho que em nada se beneficiam
dele. Eles ouvem a pregação domingo após domingo, ano após ano, mas
não crêem para a salvação de sua alma. Eles não sentem qualquer
necessidade especial do evangelho. Não vêem qualquer beleza especial
nele. Talvez não cheguem a odiar, nem a se opor, nem façam oposição ao
evangelho. Porém, não o recebem no coração. Há outras coisas de que eles
gostam muito mais. Seu dinheiro, suas terras, seus negócios e seus prazeres
são todos assuntos muito mais interessantes para eles do que a salvação da
alma. Esse é um estado mental deplorável, porém horrivelmente comum.
Que nós examinemos o nosso próprio coração, e tomemos o cuidado de que
esse não seja também o nosso. O pecado notório pode matar os seus
milhares, mas a indiferença e a negligência ao evangelho matam os seus dez
milhares. Multidões se verão no inferno, nâo tanto porque desobedeceram
abertamente aos dez mandamentos, mas porque fizeram pouco caso da
verdade.
186 Mateus 22.1-14

Cristo morreu por eles na cruz, mas eles O negligenciaram.


Em último lugar, observemos que todos quantos professam falsamente
a religião cristã serão detectados, desmascarados e condenados eternamente, no
último dia. O Senhor Jesus nos conta que, quando ft- nalmente chegaram os
convidados para as bodas, o rei entrou para ver os que estavam às mesas, e
“notou ali um homem que não trazia veste nupcial”. O rei perguntou ao
homem como este havia entrado, vestido impropriamente, mas não obteve
qualquer resposta. Ordenou então o rei a seus servos: “Amarrai-o de pés e
mãos, e lançai-o para fora, nas trevas ‟ ‟.
Sempre haverá alguns falsos membros na igreja de Cristo, enquanto
o mundo existir. Nesta parábola, segundo disse Quesnel, “Um único
expulso representa todos os demais que serão expulsos”. É impossível
lermos os corações dos homens. Enganadores e hipócritas nunca serão
totalmente excluídos do meio dos verdadeiros cristãos. Desde que uma
pessoa professe obediência ao evangelho e viva uma vida externamente
correta, não ousamos afirmar categoricamente que tal pessoa não esteja
justificada por Cristo. Entretanto, não haverá qualquer dúvida, no dia do
juízo. O olho infalível de Deus irá discernir quem é do seu povo e quem
não é. Coisa alguma, senão a fé verdadeira, será capaz de subsistir ao fogo
do julgamento. Todo e qualquer cristianismo espúrio será pesado na
balança e achado em falta. Ninguém, senão os verdadeiros cremes,
participará da ceia das bodas do Cordeiro. Ao hipócrita de nada valerá ter
falado muito sobre religião e ter tido a reputação de ser um cristão
eminente entre os homens. O seu triunfo não perdurará. Ele será despido
de toda a sua plumagem emprestada, e ficará nú e trêmulo perante o
tribunal de Deus — mudo, condenado por si mesmo, sem esperança e sem
salvação. Ele será lançado nas trevas exteriores, em opróbrio, colhendo
assim aquilo que semeou em vida. O Senhor Jesus disse que “ali haverá
choro e ranger de dentes”.
Que nós aprendamos sabedoria através dos quadros desta parábola,
e sejamos diligentes em procurar confirmar a nossa vocação e eleição (1
Pe 1.10). A nós, também, é dito: “Tudo está pronto; vinde para as bodas”.
Tenhamos cuidado de não recusar ao que fala (Hb 12,25). Não durmamos
como os demais; pelo contrário, vigiemos e sejamos sóbrios (1 Ts 5.6), O
tempo urge. O Rei em breve entrará para ver os convidados. Já recebemos
ou não a veste nupcial? Já nos revestimos de Cristo? Essa é a grande
indagação levantada por esta parábola. Que jamais descansemos enquanto
não pudermos dar uma resposta satisfatória a essa pergunta. Que estas
palavras soem diariamente em nossos
ouvidos, e nos sondem o coração: “Muitos são chamados, mas poucos
escolhidos”.
Mateus 22.15-22 187

Os Fariseus e a Questão do Tributo


Leia Mateus 22.15-22

Nesta passagem, encontramos o primeiro de uma série de ataques


sutis desfechados contra nosso Senhor nos últimos dias de seu ministério
terrestre. Seus adversários mortíferos, os fariseus, notaram a imensa
influencia que Ele estava obtendo, tanto por seus milagres quanto por sua
pregação. Eles estavam determinados a silenciá-Lo ou a tirar-Lhe a vida.
Por esse motivo, procuravam “como o surpreenderiam em alguma
palavra*‟. Eles lhe enviaram discípulos juntamente com os herodianos, com
o propósito de apanhá-Lo em perguntas difíceis. Desejavam encurralá-Lo
para que dissesse algo que servisse de motivo para uma acusação. Mas o
esquema, conforme somos informados nestes versículos, falhou
completamente. O movimento resultou em nada, e retiraram-se em
confusão.
A primeira coisa que nos chama a atenção, nestes versículos, é a
linguagem bajuladora com a qual nosso Senhor foi abordado por seus
adversários. Disseram-Lhe: “Mestre, sabemos que és verdadeiro e que
ensinas o caminho de Deus, de acordo com a verdade, sem te importares
com quem quer que seja, porque não olhas a aparência dos homens”. Como
aqueles fariseus e herodianos falavam bem! Que palavras lisonjeiras e
doces! Eles pensaram, sem dúvida, que com boas palavras e belos
discursos conseguiriam fazer nosso Senhor descuidar-se do que dizia.
Deles bem se poderia dizer: “A sua boca era mais macia que a manteiga,
porém no coração havia guerra; as suas palavras eram mais brandas que o
azeite, contudo eram espadas desembainhadas” (SI 55.21).
Convém que todos os crentes estejam em guarda contra a bajulação.
Estamos grandemente enganados se supomos que as únicas armas no
arsenal de Satanás são a perseguição e os maus tratos. Esse inimigo
engenhoso dispõe de outros dispositivos para nos prejudicar, os quais ele
sabe manejar muito bem. Ele sabe como envenenar almas mediante a
gentileza sedutora deste mundo, sempre que não consegue amedrontá- -las
por meio do dardo inflamado e da espada. Não sejamos ignorantes quanto a
seus artifícios. É mediante uma paz fingida que ele destrói a muitos.
Nós tendemos demais por esquecer desta verdade, Negligenciamos
os muitos exemplos que Deus nos deu nas Escrituras para nosso
aprendizado. O que levou Sansão à derrota? Não foram os exércitos dos
filisteus, e, sim, o amor fingido de uma mulher filisteia. O que levou
Salomão a desviar-se? Não foi a força de inimigos externos, c.
188 Mateus 22.15-22

sim, a adulação de suas numerosas esposas. Qual foi a causa do maior erro
do rei Ezequias? Não foi a espada de Senaqueribe nem as ameaças de
Rabsaqué, e, sim, as lisonjas dos embaixadores da Babilônia.
Lembremo-nos dessas coisas e estejamos em guarda. Com frequência, a
paz arruina mais as nações do que a guerra. As coisas doces causam muito
mais doenças do que as coisas amargas. O calor leva o soldado a tirar a sua
armadura com mais rapidez do que o vento polar. Tomemos precaução
contra os bajuladores! Satanás nunca é tão perigoso como quando aparece
como anjo de luz. O mundo nunca nos é tão perigoso como quando nos
sorri. Quando Judas traiu ao Senhor, fê-lo com um beijo. O crente que é
imune à desaprovação do mundo, faz bem; mas o crente que é imune à
bajulação do mundo, este faz melhor.
A segunda coisa que nos chama a atenção, nestes versículos, é a
maravilhosa sabedoria da resposta que nosso Senhor deu aos seus inimigos. Os
fariseus e herodianos perguntaram se era legítimo pagar tributo a César ou
não. Eles, sem dúvida, pensaram ter apresentado uma pergunta que nosso
Senhor não poderia responder sem lhes dar um ponto de vantagem. Se Ele
simplesmente respondesse que era legítimo pagar tributo, eles o teriam
denunciado ao povo como quem desonrava os privilégios de Israel, e que
não considerava os filhos de Abraão como homens livres, e, sim, como um
povo sujeito a uma potência estrangeira. Por outro lado, se Ele
respondesse que não era legítimo pagar tributos, eles o teriam denunciado
aos romanos como um instigador de sedições e um rebelde contra César,
que se recusava a pagar os tributos. Entretanto, a conduta habilidosa de
nosso Senhor deixou seus adversários totalmente desconcertados. Ele pede
para ver o dinheiro do tributo e pergunta de quem é a efígie na moeda, “De
César”, respondem, Usuários daquele dinheiro, com a efígie e inscrição de
César, eles reconheciam que César tinha autoridade sobre eles, visto que a
moeda corrente é cunhada pelos governantes da terra onde ela vigora. Em
seguida, eles receberam uma resposta conclusiva e irrefutável: “Dai, pois,
a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
O princípio estabelecido nestas bem conhecidas palavras reveste-
-se de profunda importância. Há uma obediência que todo crente deve ao
governo civil da nação da qual é cidadão, em todas as questões que não
sejam de natureza puramente espiritual. Ele pode não aprovar todos os
requerimentos desse governo civil, mas deve submeter-se às leis
da comunidade enquanto vigorarem. É preciso “dar a César o que é de
César”.
Mas há também uma obediência que o crente deve ao Deus da
Bíblia, em todas as questões que sejam puramente espirituais. Nenhuma
peida material, nenhuma inabilidade civil, nem qualquer desprazer das
Mateus 22.15-22 189

autoridades que existem, deveria jamais tentar um crente a fazer coisas que
as Escrituras claramente proíbem. A situação pode ser muito difícil . Ele
pode ter de sofrer muitas coisas por motivo de consciência. Mas ele jamais
deve fugir dos requisitos inequívocos das Escrituras. Se César cunha um
novo evangelho, este novo evangelho não deve ser obedecido. Devemos
dar “a Deus o que é de Deus".
Este é inquestionavelmente um assunto de grande dificuldade e
delicadeza. É certo que a igreja não deve tentar abarcar o Estado. Também
é certo que o Estado não deve tentar engolfar a igreja. Talvez nenhum outro
assunto tem causado tanta provação para homens conscienciosos; talvez
nenhum outro assunto tem causado tanta divergência entre homens de bem,
quanto o problema de se determinar onde terminam as coisas "de César", e
onde começam as "coisas de Deus". De um lado, o poder civil tem muitas
vezes usurpado terrivelmente os direitos de consciência (como sofreram os
puritanos durante a infeliz dinastia Stuart, na Inglaterra). De sua parte, o
poder eclesiástico tem freqüentemente estendido as suas reivindicações, de
modo extravagante, ao ponto de tomar em suas mãos o cetro de César
(como fez a igreja romana no passado). Para que possa fazer um correto
julgamento sobre todas as questões dessa natureza, cada verdadeiro crente
deveria orar constantemente, pedindo a sabedoria que vem do alto. A
pessoa sincera, que diariamente busca a graça divina e o bom senso, nunca
errará gravemente, porquanto Deus não o permitirá.

Os Saduceus e a Questão da Ressurreição


Leia Mateus 22,23-33

Esta passagem descreve uma conversa entre nosso Senhor Jesus


Cristo e os saduceus. Esses homens infelizes que afirmavam "não haver
ressurreição , como os fariseus e herodianos, tentaram embaraçar nosso
Senhor com questões difíceis. Eles, também, procuravam como o
surpreenderiam em alguma palavra", e como manchariam a reputação dEle
entre o povo. Porém, tal como os fariseus, eles também ficaram
inteiramente frustrados.
Em primeiro lugar, observemos que objeções absurdas e céticas às
verdades bíblicas são um fenômeno antigo. Os saduceus desejavam
demonstrar o absurdo da doutrina da ressurreição e da vida futura. Por isso,
vieram até nosso Senhor com uma história que provavelmente foi
inventada para a ocasião. Disseram-lhe que certa mulher havia se casado
com sete irmãos sucessivamente, todos os quais morreram sem
190 Mateus 22.23-33

deixar filhos. Então, perguntaram de quem ela seria esposa no mundo por
vir, quando todos ressuscitassem... O objetivo da pergunta era claro e
transparente. Na realidade, o que eles queriam mesmo era lançar a doutrina
da ressurreição no ridículo. Queriam insinuar que a ressurreição traria
muita confusão e contendas e uma desordem inconveniente se após a morte
homens e mulheres houvessem de reviver.
Nunca nos deveríamos surpreender se chegarmos a encontrar se-
melhantes objeções contra as doutrinas bíblicas, especialmente aquelas
doutrinas que dizem respeito ao outro mundo. Provavelmente nunca faltará
homens irracionais, ocupando-se de coisas que se não vêem e criando
dificuldades imaginárias a fira de desculpar a sua própria incredulidade.
Casos supostos são uma das estratégias favoritas em que as mentes
incrédulas gostam de se firmar. A pessoa, muitas vezes, cria uma sombra
imaginária em sua mente e passa a lutar contra ela, como se essa sombra
representasse a verdade real. Tal mentalidade geralmente se recusará a
olhar para a avassaladora massa de evidências claras em que se alicerça o
cristianismo, e irá agarrar-se a única dificuldade, que, para ela, parece
insolucionável. O falar e os argumentos de pessoas assim jamais deveriam
abalar nossa fé, nem por um momento. Primeiro, devemos lembrar que a
religião cristã forçosamente envolve verdades profundas e misteriosas, e
até uma criança pode formular perguntas que o maior dos filósofos não é
capaz de responder. Depois, precisamos lembrar-nos de que há incontáveis
verdades na Bíblia que são claras e inequívocas. São a essas verdades que
devemos atentar em primeiro lugar, crendo e obedecendo. Se assim
fizermos, podemos ter certeza de que muitas das coisas que agora são
ininteligíveis, ainda hão de ser desvendadas. Podemos ter a certeza de que,
o que nlo o sabemos agora, compreendê-lo-emos depois (Jo 13.7).
Em segundo lugar, observemos que texto notável nosso Senhor
apresenta como prova da realidade de uma vida futura. Ele apresenta aos
saduceus as palavras que Deus falou a Moisés desde a sarça ardente: “Eu
sou o Deus de Abraão, o Deus de ísaque e o Deus de Jacó‟ ‟ (Êx 3.6). E
Jesus ainda acrescenta que “Ele não é Deus de mortos, e, sim, de vivos”.
Ora, no tempo em que Moisés ouviu aquelas palavras, Abraão, Isaque e
Jacó já estavam mortos sepultados por muitos anos. Dois séculos tinham-se
passado desde que Jacó, o último dos três, tinha sido sepultado. Não
obstante, Deus falou a respeito deles como ainda sendo seu povo, e acerca
de Si mesmo como ainda sendo o Deus deles. Ele não disse: “eu era o Deus
de Abraão...” e, sim, “Eu sou'\
É possível que por muitas vezes nos sintamos tentados a duvidar das
verdades da ressurreição e da vida futura. Infelizmente, é fácil aceitar uma
verdade apenas teoricamente, sem compreender as suas impli-
Mateus 22.23-33 191

cações práticas. Que nos conscientizemos de que os mortos ainda estão


vivos. Eles desapareceram de diante dos nossos olhos e já não habitam
neste mundo. Mas aos olhos de Deus eles estão vivos e um dia deixarão a
sepultura para receber uma sentença eterna. Não existe aniquilamento; tal
idéia não passa de uma miserável ilusão. Sol, lua, e estrelas, as montanhas
rochosas e o mar profundo algum dia serão reduzidos a nada. Porém, a
criancinha mais fraca e pobre do mundo haverá de viver para todo o
sempre no mundo vindouro. Que jamais nos esqueçamos disso! Feliz é
quem pode dizer de coração o que o credo niceno afirma: “Espero pela
ressurreição dos mortos, e pela vida no mundo vindouro”.
Observemos, por fim, o relato que nosso Senhor dá acerca da situação
de homens e mulheres, após a ressurreição. Ele silencia as objeções
fantasiosas dos saduceus demonstrando que eles estavam totalmente
equivocados quanto ao verdadeiro caráter do estado ressurreto. Eles
supunham que a ressurreição tem de ser, necessariamente, uma existência
carnal, grosseira, como a que a humanidade vive aqui na terra. Entretanto,
nosso Senhor lhes diz que no mundo vindouro receberemos um corpo real
e material, mas de constituição inteiramente diferente e com necessidades
muito diversas das que temos agora. Lembremo- -nos de que Jesus falou
somente a respeito dos salvos; ele deixou de mencionar o estado dos
perdidos. Jesus afirma: “Porque na ressurreição
nem casam nem se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu”.
Conhecemos extremamente pouco sobre a vida futura no céu. E
possível que nossas idéias mais claras sobre o céu sejam aquelas tiradas da
consideração daquilo que o céu não será. Será um estado em que nunca
mais teremos nem fome nem sede. Enfermidades, dor e doenças não serão
conhecidas. Debilitamento, velhice e morte não terão lugar. Casamentos,
nascimentos e uma constante sucessão de habitan- tes, já não serão mais
necessários. Os que uma vez forem admitidos ao céu lá haverão de habitar
para sempre. E, passando para os aspectos afirmativos, é-nos dito
claramente que seremos “como os anjos no céu”. A exemplo deles,
serviremos a Deus de uma maneira perfeita, sem qualquer cansaço. Tal
como eles, estaremos para sempre na presença de Deus. Como eles, o
nosso deleite sempre será cumprir a vontade do Senhor. E, como eles,
daremos toda a glória ao Cordeiro. Todas estas são coisas muito
profundas, mas todas são verdadeiras.
Estamos preparados para essa vida? Se admitidos ao céu, será que
apreciaríamos essa vida? A companhia e o serviço de Deus seriam
agradáveis para nós? A ocupação dos anjos seria uma ocupação em que
nos deleitássemos?
Estas sao perguntas solenes. Se esperamos ir para o céu quando
192 Mateus 22.23-33

ressuscitarmos no outro mundo, nosso coração deve ser celestial desde


agora, quando vivemos nesta terra (Cl 3.1-4).

A Questão do Grande Mandamento;


A Pergunta de Cristo a Seus Inimigos
Leia Mateus 22.34-46

No começo desta passagem, encontramos nosso Senhor respon-


dendo à pergunta de um intérprete da lei, que lhe havia indagado qual era
“o grande mandamento na lei”. A pergunta não fora feita com espírito
amigável. Porém, temos razões para agradecer que ela tenha sido feita,
porque provocou da parte de nosso Senhor uma resposta cheia de
preciosas instruções. Vemos que o bem pode derivar-se até do raal.
Destaquemos quão admirável sumário estes versículos contêm, acerca
do nosso dever para com Deus e com o próximo. Jesus diz: „ „Amarás o
Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu
entendimento”. Ele diz, outra vez: “Amarás o teu próximo como a ti
mesmo”. E acrescenta: “Destes dois mandamentos dependem toda a lei e
os profetas”.
Que simples são essas duas regras; e, no entanto, quão abrangentes!
São compostas de poucas palavras, mas contêm um profundo significado!
Que humilhadoras e condenadoras elas são! Como elas demonstram a
nossa necessidade diária de receber misericórdia e a expiação no precioso
sangue de Cristo! Feliz seria a humanidade se estas regras fossem melhor
conhecidas e melhor praticadas!
O amor é o grande segredo da verdadeira obediência a Deus.
Quando sentirmos em relação a Ele o que as crianças sentem em relação a
um pai querido, então nos deleitaremos em cumprir a sua vontade. Então
os seus mandamentos não serão penosos, e não trabalharemos para Ele
como se fôssemos escravos, com medo do açoite. Teremos prazer em
procurar observar as suas leis, e lamentaremos quando as transgredirmos.
Ninguém trabalha tão bem quanto os que trabalham por amor. O temor ao
castigo ou desejo de uma recompensa são princípios de muito menor
motivação. Cumprem melhor a vontade de Deus aqueles que a fazem de
coração. Gostaríamos de treinar corretamente as crianças? Nesse caso, que
as ensinemos a amar a Deus.
O amor é o grande segredo da reta conduta para com os nossos
semelhantes. Aquele que ama ao próximo recusará fazer-lhe qualquer
dano proposital, seja em sua pessoa, caráter ou propriedade. Contudo, não
parará aí. Em todos os sentidos desejará fazer-lhe o bem. De todos
Mateus 22.34-46 193

os meios promoverá o seu conforto e felicidade. Procurará aliviar suas


tristezas e fomentar as suas alegrias. Se alguém ama, sentimos confiança
nessa pessoa. Sabemos que ela jamais nos fará mal intencional mente, e que
em todo tempo de necessidade será nossa amiga. Gostaríamos de ensinar as
crianças a se comportarem corretamente para com outras pessoas? Então,
devemos ensiná-las a amar a todos como a si mesmas, e fazer aos outros
aquilo que gostariam que os outros lhes fizessem.
Porém, como obteremos esse amor a Deus? Ele não é um sentimento
natural. Já nascemos pecadores e, como pecadores, temos medo de Deus.
Como, então, podemos amá-Lo? Jamais poderemos amar realmente a Deus
enquanto não estivermos em paz com Ele, por intermédio de Cristo.
Quando soubermos que nossos pecados estão perdoados, e que nós mesmos
estamos reconciliados com nosso santo Criador, então, e só então,
haveremos de amá-Lo, e teremos em nós o espírito filial de adoção. A fé em
Cristo é a verdadeira fonte do amor a Deus. Ama mais quem mais sente o
quanto lhe foi perdoado. “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1
Jo 4.19).
E como podemos obter esse amor para com o próximo? Esse
também não é um sentimento natural. Já nascemos egoístas, odiosos e
odiando-nos uns aos outros (Tt 3.3). Jamais amaremos corretamente o
nosso próximo enquanto nosso coração não for transformado pelo Espírito
Santo. Precisamos nascer de novo. Precisamos despir-nos do velho homem,
revestir-nos do novo homem e receber a mente de Cristo. Então, e só então,
nosso coração insensível conhecerá o verdadeiro
amor que vem de Deus e se estende a todos. O fruto do Espírito é amor (G1
5.22).
Que possamos entesourar estas verdades no coração. Nos dias em
que vivemos há muita conversa vaga acerca do amor e da caridade. Os
homens asseveram que admiram essas qualidades e que gostariam de vê-las
cultivadas; e, no entanto, odeiam os únicos princípios capazes de promover
tais virtudes. Permaneçamos nas veredas antigas. Não teremos frutos nem
flores, se não tivermos raízes. Não poderemos ter amor a Deus e aos
homens sem a fé em Cristo e sem a regeneração. A maneira certa de se
ensinar o verdadeiro amor neste mundo consiste
em ensinar sobre a expiação de Cristo e sobre as operações do Espírito
Santo em nossas almas.
A conclusão desta passagem contém uma pergunta de nosso Senhor
aos fariseus. Após haver respondido com sabedoria perfeita às indagações
de seus adversários, por fim Ele também lhes dirige uma pergunta: “Que
pensais vós do Cristo? de quem é filho?” E eles respondem imediatamente:
“De Davi”. Jesus então lhes pede que expliquem porque Davi, no livro de
Salmos, o chama de Senhor (SI 110.1), “Se
194 Mateus 22.34-46

Davi, pois, lhe chama Senhor, como é ele seu filho?” Imediatamente, os
inimigos foram silenciados: “ninguém podia responder palavra”.
Os escribas e os fariseus, sem dúvida, estavam familiarizados com o
salmo citado, mas não eram capazes de explicar a sua aplicação. Ele só
podia ser explicado mediante o reconhecimento da preexistência e da
divindade do Messias. E isto era algo que os fariseus não estariam dispostos
a admitir. A única idéia com que podiam conceber o Messias era a de que
Ele seria um homem qualquer, semelhante a eles mesmos. Assim, e de uma
só vez, ficaram expostas a visão baixa, carnal, que esses homens tinham
acerca da verdadeira natureza do Cristo, bem como a sua ignorância das
Escrituras, as quais eles julgavam conhecer mais do que os outros homens.
E Mateus pôde escrever, guiado pelo Espírito Santo: “nem ousou alguém, a
partir daquele dia, fazer-lhe perguntas”.
Não deixemos para trás estes versículos, sem fazermos um uso prá-
tico da solene pergunta de nosso Senhor: “Que pensais vós do Cristo?” O
que pensamos de sua Pessoa e ofícios? O que pensamos de sua vida, e o que
pensamos de sua morte por nós, na cruz? O que pensamos de sua
ressurreição, ascenção e intercessão por nós, à direita de Deus? Já temos
experiência de que Ele é gracioso? Já nos apegamos a Ele por meio da fé? Já
descobrimos, por experiência, que Ele é precioso para nossa alma? Será que
podemos verdadeiramente dizer: Ele é meu Redentor e meu Salvador, meu
Pastor e meu Amigo?
Estas são perguntas muito sérias. Que não descansamos enquanto
não pudermos dar a elas uma resposta satisfatória! De nada nos aproveitará
ler a respeito de Cristo, se não formos unidos a Ele mediante uma fé viva.
Uma vez mais, pois, façamos um teste de nossa religião, perguntando “Que
pensais vós do Cristo?”

Advertência Contra o Ensino dos


Escribas e Fariseus
Leia Mateus 23.1-12

Estamos dando início a um capítulo que, em certo sentido, é o mais


marcante em todos os quatro evangelhos. Contém as últimas palavras que o
Senhor Jesus falou dentro das muralhas do templo. São palavras que
consistem de uma desmanteladora exposição dos fariseus e escribas, e uma
contundente reprimenda às suas doutrinas e práticas. Tendo pleno
conhecimento de que o seu tempo sobre a terra estava chegando ao fim,
nosso Senhor já não deixa de tornar pública a sua opinião acerca dos
principais mestres da nação judaica. Sabendo que em breve
Mateus 23.1-12 195

deixaria de estar com seus seguidores, e que estes ficariam como ovelhas
entre lobos, Jesus os adverte claramente a respeito dos falsos pastores por
quem estavam cercados.
O capítulo inteiro é um sinal marcante de firmeza e fidelidade na
denúncia do erro. É uma prova contundente de que mesmo o coração mais
amoroso pode usar uma linguagem que transmita a mais severa repreensão.
Acima de tudo, este capítulo é uma tremenda evidência da culpa em que
incorrem os mestres infiéis. Este capítulo deve ser uma advertência e um
farol para todos os ministros religiosos, enquanto houver mundo. Aos olhos
de Cristo, nenhum pecado é tão maligno quanto os pecados desses falsos
mestres.
Nos doze versículos que iniciam este capítulo vemos, em primeiro
lugar, o dever de fazermos uma distinção entre o ofício de um mestre e o exemplo
pessoal desse mestre. Os escribas e fariseus se assentaram na cadeira de
Moisés”. Fiéis ou infiéis, o fato é que eles ocupavam a posição de mestres
públicos principais da religião judaica. Embora preenchessem de modo
indigno essa posição de autoridade, o seu ofício lhes conferia respeito.
Porém, enquanto que o ofício deveria ser respeitado, o mau exemplo de
vida daqueles mestres não deveria ser imitado. Os ensinamentos deviam
ser observados até onde tivessem o respaldo das Escrituras; mas não
deveriam ser obedecidos se entrassem em contradição com a Palavra de
Deus. Segundo palavras de Brentius, os escribas e fariseus „„deveriam ser
ouvidos enquanto estivessem ensinando o que Moisés ensinara”, e nada
além disso. Pelo teor inteiro do capítulo, evidencia-se que esse era o
pensamento de Jesus. São denunciadas nesta passagem tanto a falsa
doutrina quanto a falsa vida prática.
O dever que nos é aqui recomendado reveste-se de grande im-
portância. Existe na mente humana uma tendência constante de cair em
extremos. Se não consideramos o ofício de um ministro com veneração
idólatra, tendemos a tratá-lo com desprezo indecente. Precisamos manter-
-nos em guarda contra ambos os extremos. Por mais que desaprovemos os
procedimentos de um ministro do evangelho, ou por mais que discordemos
de seus ensinamentos, nunca nos deveríamos esquecer de respeitar o seu
ofício. Devemos mostrar que podemos honrar a comissão ministerial, não
importa o que pensemos sobre o ministro. É digno de nota o exemplo de
Paulo, em certa ocasião: “Não sabia, irmãos, que ele é sumo sacerdote;
porque está escrito: „Não falarás mal de uma autoridade do teu povo”‟ (At
23.5).
Nestes versículos percebemos, em segundo lugar, que a incon-
sistência, a ostentação e o amor à preeminência entre os cristãos, são atitudes
especialmente desagradáveis para Cristo. No tocante à inconsistência, é
notável que a primeiríssima coisa que nosso Senhor diz a
196 Mateus 23.1-12

respeito dos fariseus, é: eles “dizem e não fazem“. Eles requeriam de


outros aquilo que eles mesmos não praticavam. Quanto à ostentação, nosso
Senhor declara que eles faziam todas as suas obras “com o fim de serem
vistos dos homens”. Eles tinham os seus filactérios, (ou tiras de
pergaminho com textos escritos, que muitos judeus usavam em seu
vestuário) feitos de tamanho exagerado. As “franjas” das vestes (que
Moisés havia ordenado para os israelitas como uma lembrança de Deus —
Nm 15.38) usavam-nas com uma largura extravagante. E tudo isso era
feito para chamar a atenção e fazer as pessoas pensarem quão santos eram
os escribas e fariseus. Quanto ao amor à preeminência, nosso Senhor nos
diz que os fariseus amavam ter “o primeiro lugar* * em público, e
gostavam de ser tratados mediante títulos lisonjeiros. Nosso Senhor,
entretanto, reprova todas as atitudes semelhantes. E Ele nos recomenda
que vigiemos e oremos, precavendo-nos contra tais atitudes. Esses são
pecados que arruinam a própria alma: “Como podeis crer, vós os que
aceitais glória uns dos outros, e contudo não procurais a glória que vem do
Deus único?” (Jo 5.44). Muito mais feliz teria sido a história da igreja
visível de Cristo se essa passagem tivesse sido mais profundamente
considerada e se o seu espírito tivesse sido mais implicitamente
obedecido. Os fariseus não são as únicas pessoas que têm imposto me-
didas austeras a outras pessoas, fingindo pelo seu traje possuir uma patente
santidade, ao mesmo tempo em que apreciam os elogios humanos. Os
anais da história eclasiástica mostram que um número muito grande de
cristãos tem seguido de perto àqueles religiosos. Lembremos disso e
sejamos sábios! É perfeitamente possível que um cidadão batizado de
nossos dias seja dotado de um espírito decididamente farisaico.
Em terceiro lugar, nestes versículos, vemos que os crentes jamais
devem dar a homem algum os títulos e honras que são devidos exclusivamente a
Deus e ao seu Cristo. Jesus disse: “A ninguém sobre a terra chameis vosso
pai”. A norma aqui estabelecida deve ser interpretada com a devida
restrição escriturística. Não somos proibidos de estimar grandemente e
amar os ministros do evangelho, por causa do trabalho que realizam (1 Ts
5.13). O próprio apóstolo Paulo, um dos mais humildes santos de Deus
chamou Tito de “verdadeiro filho segundo a fé” e disse aos coríntios: “eu
pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus” (1 Co 4.15). Mesmo assim,
devemos ter o cuidado de não dar insensatamente aos ministros um lugar e
honra que não lhes pertencem. Jamais devemos permitir que eles se
anteponham entre nós e Cristo. Mesmo os melhores dentre os melhores
não são infalíveis. Eles não são sacerdotes, que possam fazer expiação por
nós; não são mediadores, que possam cuidar dos interesses de nossa alma
diante de Deus. Eles são homens sujeitos às mesmas paixões que nós, e
que pre-
Mateus 23.1-12 197

cisam ser lavados no mesmo sangue expiatório de Cristo e precisam do


mesmo Espírito renovador; homens separados para um alto e santo
chamamento, mas, ainda, afinal de contas, apenas homens. Jamais nos
esqueçamos destas coisas. Tais medidas acauteladoras sempre nos serão
úteis. Pois a natureza humana sempre preferirá depender de algum ministro
do evangelho, que é visível, do que do Cristo invisível.
Em último lugar, vemos que não existe graça divina que devesse
distinguir o crente tanto quanto a humildade. Quem deseja ser grande aos
olhos de Cristo, deve ter um propósito inteiramente diferente daquele dos
fariseus. O alvo do crente não deve ser tanto mandar quanto servir à igreja.
Baxter disse muito bem: “Na igreja, a grandeza consiste em ser-se
grandemente prestativo”. O desejo dos fariseus era receberem honra e
serem chamados de “mestres‟O desejo do cristão deve ser o de fazer o
bem, e dar a si mesmo, e tudo quanto possua, para o serviço de outrem.
Sem dúvida, esse é um alvo elevado, mas jamais deveríamos nos contentar
com um padrão inferior. O exemplo de nosso bendito Senhor, e o
mandamento deixado nas epístolas dos apóstolos, ambos requerem de nós
que estejamos revestidos de humildade (1 Pe 5.5). Procuremos cultivar
essa graça bendita, dia a dia. Nenhuma outra virtude cristã é mais bela, por
mais que seja desprezada pelo mundo. Nenhuma dá tanta evidência da fé
salvadora e da verdadeira conversão a Deus. Nenhuma é tão
freqüentemente elogiada por nosso Senhor. Dentre todas as palavras de
Jesus, dificilmente encontraremos uma declaração que seja tão
constantemente repetida como esta, que encerra a passagem que estamos
lendo: “Quem a si mesmo se humilhar será exaltado”.

Oito Acusações Contra os Escribas e Fariseus


Leia Mateus 23.13-33

Nestes versículos temos as acusações de nosso Senhor contra os


mestres judeus, arranjadas em oito segmentos. Em pé, no templo, e
rodeado por uma multidão que o escutava, Jesus denuncia publicamente os
erros principais dos escribas e dos fariseus, sem poupar palavras. Oito
vezes Ele usa a solene expressão “ai de vós”. Sete vezes Ele os chama de
“hipócritas”. Por duas vezes os intitula de “guias cegos”. Duas vezes os
chama de “insensatos e cegos” e uma vez os intitula como “serpentes, raça
de víboras”.
Atentemos bem a essa linguagem. Ela nos ensina uma lição solene:
ensina-nos quão completamente abominável é, aos olhos de Deus, o
espírito de escribas e fariseus, não importa a forma em que se ma-
198 Mateus 23.13-33

nifeste. Façamos um exame breve das oito acusações trazidas por nosso
Senhor e procuremos extrair da passagem inteira alguma instrução geral.
O primeiro aí nesta lista foi dirigido contra a sistemática oposição
dos escribas e fariseus ao progresso do evangelho. Eles “fechavam” o reino
dos céus diante dos homens. Nem eles mesmos entravam, nem deixavam
que outros entrassem. Tinham rejeitado a voz de João Batista, que os
advertia. Recusaram-se a reconhecer Jesus como Messias, quando Ele
apareceu. Eles procuravam tolher os judeus que se aproximavam de Jesus.
Eles mesmos não criam no evangelho, e faziam tudo para impedir que
outros cressem. Isso era um grande pecado.
O segundo aí na lista foi dirigido contra a cobiça e o espírito de
auto-engrandecimento dos escribas e fariseus. Eles “devoravam” as casas
das viúvas e, como justificativa, faziam “longas orações". Eles tiravam
proveito da credulidade de mulheres fracas e desprotegidas, mediante uma
simulação de devoção profunda, até que essas mulheres os considerassem
como guias espirituais. Não hesitavam em abusar dessa influência assim,
malvadamente conseguida, para obterem vantagens pessoais e fazer da
religião um motivo para ganhar dinheiro. Nova-
raente, isso era um grande pecado.
O terceiro ai da lista é dirigido contra o zelo dos escribas e fariseus
na obtenção de partidários. Eles rodeavam “o mar e a terra para fazer um
prosélito‟ ‟. Trabalhavam incessantemente para que homens se
vinculassem ao seu partido e adotassem as suas opiniões. Faziam isso, não
com a finalidade de beneficiar almas ou trazê-las a Deus. Faziam tudo
somente com o intuito de engrossar as fileiras de sua seita e ganhar mais
prosélitos e maior importância. Aquele zelo religioso tinha por origem o
sentimento sectarista, e não o amor a Deus. Isso,
também, era um grande pecado.
O quarto ai desta lista foi dirigido contra as doutrinas dos escribas e
fariseus a respeito de juramentos. Eles estabeleciam sutis distinções entre
um tipo de juramento e outro. Eles seguiam o mesmo ensino mais tarde
defendido pelos jesuítas de que alguns juramentos tinham de ser
cumpridos, outros não. Eles atribuíam maior importância aos juramentos
feitos “pelo ouro” oferecido ao templo do que aos juramentos “pelo
templo” propriamente dito. Dessa forma, desprezavam o terceiro man-
damento e, promoviam os seus próprios interesses quando faziam os
homens superestimarem o valor dos donativos e ofertas. Isso também era
um grande pecado.
O quinto ai foi dirigido contra a prática dos escribas e fariseus, de
exaltarem as coisas menos importantes acima das questões realmente
sérias da religião, pondo as últimas coisas em primeiro lugar, e as primeiras
por último. Assim, faziam grande questão de separar dízimo da
Mateus 23.13-33 199

hortelã, como se nunca fossem suficientemente estritos na observância da


lei de Deus. Não obstante, negligenciavam ao mesmo tempo grandes e
claros deveres morais, tais como a justiça, o amor e a honestidade. De
novo, isso era um grande pecado.
O sexto e o sétimo ais têm muito em comum para serem separados.
Eles foram dirigidos contra uma característica geral da religião dos
escribas. Para eles, a pureza exterior, e a decência, estavam acima da
santificação interior e da pureza de coração. Tinham como um dever
religioso limpar o exterior de copos e pratos, porém negligenciavam o seu
próprio homem interior. Eles eram como sepulcros caiados, limpos e belos
externamente, mas, por dentro, cheios de corrupção. Exteriormente,
pareciam justos, mas por dentro estavam cheios de hipocrisia e de
iniquidade. Esse, também, era um grande pecado.
O último ai dessa lista foi dirigido contra a veneração fingida que os
escribas e fariseus demonstravam pela memória dos santos já mortos. Eles
edificavam os sepulcros dos profetas e adornavam os túmulos dos justos.
No entanto, por sua própria vida, eles provavam ter a mesma mentalidade
daqueles que mataram os profetas. Pela sua própria conduta diária eles
davam evidência de que preferiam mais santos mortos do que santos vivos.
Os mesmos homens que fingiam honrar
os profetas mortos, não viam qualquer beleza em um Cristo vivo. Isso
também era um grande pecado.
Temos em tudo isso um quadro melancólico que nosso Senhor nos
dá acerca dos mestres judeus. Ele nos deveria fazer sentir tristeza e
humilhação, pois é uma temível exibição da anatomia mórbida da natureza
humana. É um quadro que, infelizmente, tem sido reproduzido muitas e
muitas vezes na história da igreja cristã. No caráter dos escribas e fariseus,
não há um único ponto em que não se possa verificar facilmente que
pessoas, auto-intituladas cristãs, têm com freqüência adotado o mesmo
procedimento.
Nesta passagem inteira podemos ver a deplorável situação espi-
ritual em que se achava a nação judaica, quando nosso Senhor estava sobre
a terra. Se assim eram os mestres, quão grande deve ter sido a escuridão
miserável dos que por eles eram ensinados! Verdadeiramente, a iniqüidade
de Israel havia atingido o seu ponto máximo. Já era mais
do que chegado o tempo de o Sol da Justiça aparecer e o evangelho ser
pregado.
Com base em toda essa passagem, aprendemos quão abominável é
a hipocrisia aos olhos de Deus. Os escribas e fariseus não foram acusados
de serem ladrões ou assassinos, e, sim, de serem hipócritas desde o
âmago do ser. Sem importar o que mais sejamos em nossa religião cristã,
tomemos a firme resolução de que jamais usaremos de uma capa
200 Mateus 23.13-33

de disfarce. Que em tudo sejamos honestos e reais.


Aprendamos, mediante toda esta passagem, quão terrivelmente
perigosa é a posição de um ministro infiel. Já é bastante ruim sermos cegos
nós mesmos; é mil vezes pior ser um guia cego. Dentre todos os homens,
ninguém é tão iniquamente culpado como um ministro não- -convertido, e
ninguém será julgado com tanta severidade. Há um ditado solene que se
refere a esse tipo de pastor: „ „Ele assemelha-se a um navegador
incompetente — não naufraga sozinho”.
Finalmente, devemos ter o cuidado de não supor, com base nesta
passagem, que o mais seguro, em se tratando de religião, é não declarar
religião alguma. Isso equivale a cair em um extremo perigoso. Somente
porque alguns homens são hipócritas, isso não significa que não exista a
verdadeira profissão cristã. Nem todo dinheiro é ruim somente porque
existe muita moeda falsa. Que nenhuma hipocrisia nos impeça de
confessar a Cristo, ou nos afaste da nossa firmeza, se é que já temos feito
confissão de Jesus Cristo. Prossigamos, olhando sempre para Jesus e
descansando nEle, orando diariamente para sermos resguardados de todo
erro, e dizendo com o salmista: “Seja o meu coração irrepreensível nos
teus decretos” (SI 119.80).

as Palavras Públicas de Jesus aos Judeus


Leia Mateus 23.34-39

Estes versículos formam a conclusão do discurso de nosso Senhor


Jesus Cristo acerca dos escribas e fariseus. São as últimas palavras que
como Mestre falou publicamente ao povo. A ternura e a compaixão que
caracterizam nosso Senhor, resplandecem de maneira magnífica no
término do seu ministério. Embora tivesse deixado seus adversários ainda
na incredulidade, Jesus demonstrou até o fira que os amava e tinha
compaixão deles.
Em primeiro lugar, escudados nestes versículos, aprendemos que
Deus frequentemente usa de grande condescendência para com os ímpios. Ele
enviou aos judeus “profetas, sábios e escribas”. Ele lhes deu reiteradas
advertências. Enviou-lhes mensagem após mensagem. Não permitiu que
continuassem pecando sem repreensão. Eles jamais poderiam dizer que
não haviam sido avisados quando agiam mal.
Geralmente, é dessa maneira que Deus trata com os professos ainda
não-convertidos. Ele nunca os deixa perecer em seus pecados sem antes
chamá-los ao arrependimento. Ele bate às portas de seus corações
mediante enfermidades e aflições. Ele assedia as suas consciências por
Mateus 23.34-39 201

meio de sermões ou pelo conselho de amigos, Ele sbre 3 sepultura diante


deles e os intima a considerarem os seus caminhos, e rouba-lhes os ídolos
em que confiam. Com freqüência, entretanto, não sabem o que tudo isso
significa. Quase sempre estão cegos e surdos para todas as graciosas
mensagens de Deus. Contudo, finalmente haverão de perceber a mão de
Deus, embora, talvez tarde demais. Descobrirão que “Deus fala de um
modo, sim de dois modos, mas o homem não atenta para isso“ (Jó 33.14).
Descobrirão que, a exemplo dos judeus, eles também tiveram profetas,
sábios e escribas que lhes foram enviados. Em cada ato da Providência,
havia uma voz a dizer*. “Convertei-vos, convertei- -vos... por que haveis de
morrer?“ (Ez 33.11),
Aprendemos, em segundo lugar, que Deus observa o tratamento que
recebem seus mensageiros e ministros, e um dia fará a prestação de contas. Os
judeus, como nação, por muitas vezes deram aos servos do Senhor 0
tratamento mais infame. Sempre os trataram como inimigos, porque os
mensageiros de Deus lhes diziam a verdade. A alguns haviam perseguido, a
outros haviam açoitado, e a outros haviam até mesmo executado. Talvez
pensassem que nenhuma prestação de contas lhes seria requerida. Jesus,
entretanto, diz aos judeus que eles estavam enganados. Tudo quanto faziam
era acompanhado de perto pelos olhos de Deus. Havia uma mão que
registrava em livros eternos todo o sangue inocente que derramavam. As
últimas palavras de Zacarias, que foi morto entre o santuário e o altar,
seriam comprovadas oitocentos e cinquenta anos mais tarde. Ao morrer, de
havia dito: “O Senhor o verá, e o retribuirá“ (2 Cr 24.22).
Mais alguns anos e haveria um tamanho derramamento de sangue
em Jerusalém, como o mundo jamais tinha visto igual. A cidade santa seria
destruída. A nação que havia assassinado tantos profetas seria, ela mesma,
devastada pela fome, pela pestilência e pela espada. Mesmo os que
conseguissem escapar seriam dispersos pelos quatro ventos, e, à
semelhança de Caim, o assassino, tomar-se-iam fugitivos e vagabundos na
terra. Todos sabemos quão literalmente estas afirmações foram cumpridas.
Jesus bem disse: “Em verdade... todas estas cousas hão de vir sobre a
presente geração“.
Convém que sublinhemos claramente esta lição. Sempre estamos
demasiadamente aptos a pensar que “o passado é passado“, e as coisas que
já aconteceram e estão consumadas e ultrapassadas, jamais serão revolvidas
outra vez. Esquecemo-nos, entretanto, que, para Deus “um dia é como mil
anos, e mil anos como um dia“ (2 Pe 3.8), e os eventos de mil anos atrás
estão tão frescos aos olhos do Senhor, como os acontecimentos desta
mesma hora. Deus requer aquilo que oculta-se no passado e, acima de tudo,
haverá de requerer dos homens o tratamento dado aos
202 Mateus 23.34-39

seus santos. O sangue dos cristãos primitivos, derramado pelos impe-


radores romanos; o sangue dos valdenses e albigenses, das vítimas no
massacre de São Bartolomeu; o sangue dos mártires que foram queimados
na fogueira durante o tempo da Reforma, e o sangue dos que foram mortos
pela Inquisição — tudo, tudo isso será considerado na prestação de contas.
Segundo diz um velho ditado, “as mós da justiça divina moem devagar,
porém moem muito fino”. O mundo ainda verá que “há um Deus, com
efeito, que julga na terra” (SI 58.11).
Que aqueles que perseguem o povo de Deus tomem precaução
quanto àquilo que estão fazendo. Fique sabido que todos os que pre-
judicam, ridicularizam, zombam ou caluniam a outras pessoas, por motivo
de sua religião, cometem um grande pecado. Cristo toma conhecimento de
cada um que persegue a seu próximo por ter uma vida mais correta do que
ele, ou porque ora, lê a sua Bíblia e pensa sobre o bem de sua alma. Vivo
está quem declarou: “aquele que tocar em vós toca na menina do seu olho”
(Zc 2.8). O dia do juízo mostrará que o Rei dos reis fará prestar contas
todos os que insultam os servos de Deus.
Em último lugar, nestes versículos aprendemos que aqueles que se
perdem para sempre perdem-se por sita própria culpa. As palavras de nosso
Senhor Jesus Cristo são muito marcantes. “Quis eu reunir os teus filhos... e
vós não o quisestes!” Há algo nessa declaração que merece a nossa atenção
especial. Ela projeta luz sobre um assunto misterioso, e que geralmente é
obscurecido pelas explicações humanas. É uma declaração que nos mostra
como Cristo tem sentimentos de piedade e misericórdia por muitos, que
não são salvos; e mostra-nos que o grande segredo da ruína de um homem é
a sua própria falta de vontade. Impotente como é por natureza, incapaz de
ter de si mesmo sequer um bom pensamento, e sem poder em si mesmo
para crer e invocar a Deus, ainda assim o homem parece ter uma poderosa
habilidade para arruinar a sua própria alma. Incapacitado de praticar o bem,
ele continua um poderoso praticante do mal. Dizemos, e com razão, que
uma pessoa nada pode por si mesma; mas sempre devemos lembrar que a
sede dessa incapacidade é a sua própria vontade. Ninguém pode despertar
em si mesmo a vontade de se arrepender e crer; mas, todo homem possui,
por natureza, a vontade para rejeitar a Cristo e seguir o seu próprio caminho
desviado; e se, por fim, não for salvo, tão-somente ficará provado que essa
vontade foi a causa de sua perdição. Jesus Cristo disse: “Não quereis vir a
mim para terdes vida” (Jo 5.40).
Deixemos este assunto com a confiante reflexão de que, para Cristo,
nada é impossível. Mesmo o coração mais empedernido pode ser
transformado. Sem dúvida, a graça divina é irresistível. Porém, ja-
Mateus 23.34-39 203

raais nos esqueçamos de que a Bíblia fala do homem como um ser res-
ponsável, e diz de alguns: “vós sempre resistis ao Espírito Santo” (At
7.51). Entendamos que a ruína dos que se perdem não é porque Cristo nao
esteja disposto a salvá-los, nem tampouco porque eles querem ser salvos
mas não conseguem sê-lo. Eles não são salvos porque não querem vir a
Cristo. Que nós tomemos como base a verdade ressaltada nesta passagem.
Cristo deseja reunir a si os filhos dos homens, mas eles não querem ser
reunidos. Cristo deseja salvar os homens, mas estes não querem ser salvos.
Que seja um princípio bem estabelecido em nossa religião, que a salvação
do homem — se salvo — deve-se inteiramente a Deus, e a sua ruína — se
perdido — deve-se inteiramente a ele mesmo. A maldade que está em nós
é, toda ela, nossa maldade. E o bem, se é que temos algum, esse procede
inteiramente de Deus. No mundo vindouro, os salvos atribuirão toda a
glória a Deus, e os perdidos descobrirão que eles mesmos destruíram a si
próprios (Os 13.9).

Profecia Sobre a Destruição de Jerusalém, a


Segunda Vinda de Cristo e o Fim do Mundo
Leia Mateus 24.1-14

Com estes catorze versículos inicia-se um capítulo repleto de pro-


fecias, das quais uma grande parte ainda não foi cumprida, e profecias que
deveriam ser profundamente interessantes para todos os verdadeiros
cristãos. Trata-se de um assunto acerca do qual o Espírito Santo diz que
fazemos bem em atender (2 Pe 1.19).
Todas as passagens proféticas das Escrituras deveriam ser abor-
dadas com profunda humildade e fervorosa oração, buscando o ensina-
mento do Espírito Santo. Em nenhum outro ponto têm homens de bem
discordado tão inteiramente como no caso da interpretação de profecias.
Sobre nenhuma outra questão os preconceitos de uma classe, o
dogmatismo de outra e as extravagâncias de uma terceira têm contribuído
tanto para furtar a igreja das verdades designadas por Deus para lhe serem
uma bênção. Com razão, pois, escreveu Olshausen: “Que é que o homem
não vê, ou não deixa de ver quando deseja fazer prevalecer as suas próprias
opiniões favoritas?”
Para compreender a intenção de todo este capítulo, devemos manter
cuidadosamente em vista a questão que suscitou este discurso de nosso
Senhor. Ao deixarem o templo pela última vez, os discípulos, impelidos
pelo sentimento natural dos judeus, haviam chamado a atenção de seu
Mestre para as esplêndidas construções de que o templo era com
204 Mateus 24.1-14

posto. Mas, para grande surpresa e perplexidade deles, Jesus lhes assevera
que tudo aquilo estava para ser destruído. Estas palavras ficaram
profundamente gravadas na mente dos discípulos. Eles vieram a Jesus
quando este estava assentado sobre o Monte das Oliveiras e lhe pediram
com ansiedade evidente: “Diz-nos quando sucederão estas coisas, e que
sinal haverá da tua vinda e da consumação do século”. É nessa petição que
encontramos a chave para a compreensão do tema da profecia que temos à
nossa frente. Abrange três pontos: 1 — a destruição de Jerusalém; 2 — a
segunda vinda de Cristo; 3 — o fim do mundo. Estes três pontos estão
indubitavelmente entrelaçados em algumas partes deste capítulo; tão
entrelaçados que é difícil separar e desembaraçá-los uns dos outros. Mas
todos os três pontos aparecem distintamente e sem eles não é possível
explicar satisfatoriamente este capítulo.
Os primeiros catorze versículos da profecia ocupam-se com lições
de natureza geral, de largo alcance e aplicação. São lições que parecem
aplicar-se com igual força, tanto para o final da era judaica, quanto para o
final da dispensação cristã, sendo o primeiro evento notavelmente
simbólico do segundo. São lições que demandam atenção especial de
nossa parte, “de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado”
(1 Co 10.11). Vejamos, então, quais são essas lições.
A primeira lição geral que se nos apresenta é uma advertência contra
o engano. As primeiríssimas palavras de Jesus são: “Vede que ninguém vos
engane”. Não poderíamos conceber uma advertência mais necessária do
que esta. Satanás conhece bem o valor da profecia, e tem sempre
procurado lançar o assunto em descrédito. Os escritos de Josefo
comprovam quantos falsos cristãos e quantos falsos profetas surgiram
antes da destruição de Jerusalém. Pode-se demonstrar facilmente como os
olhos dos homens estão continuamente cegos, de muitas maneiras, nestes
nossos dias, no que tange às ocorrências futuras. O mormonismo tem sido
muito usado como argumento para rejeitar-se toda a doutrina da segunda
vinda de Cristo. Assim sendo, vigiemos e ponhamo-nos em guarda.
Que ninguém nos engane quanto aos principais fatos da profecia
ainda não cumprida, dizendo-nos que são coisas impossíveis. Que nin-
guém nos engane quanto à maneira em que elas virão a acontecer, dizendo
serem improváveis e contrárias à experiência passada. Que nenhum ho-
mem nos engane quanto ao tempo quando serão cumpridas as profecias,
fixando datas ou asseverando que primeiro deveríamos aguardar pela
conversão da humanidade inteira. Em todos esses particulares, que o
sentido claro das Escrituras seja a nossa única norma, e não as tradições da
interpretação humana. Nunca nos envergonhemos em dizer que esperamos
um cumprimento literal das profecias ainda não cumpridas.
Mateus 24.1-14 205

Sejamos francos em reconhecer que há muitas coisas que não entendemos,


mas, mesmo assim, mantenhamos tenazmente nossa posição. Que nós
creiamos muito, esperemos e não duvidemos de que um dia tudo se tomará
claro. Acima de tudo, lembremo-nos de que a primeira vinda do Messias,
para sofrer, foi o evento mais improvável que se poderia ter concebido. E
não duvidemos de que, assim como Ele veio literalmente, em pessoa, para
sofrer, assim, literalmente, Ele há de voltar, em pessoa, para reinar.
A segunda grande lição diante de nós é um aviso contra as ex-
pectações exageradas e extravagantes acerca de coisas que devem acontecer
antes que venha o fim. Esta é uma advertência tão profundamente importante
quanto a anterior. Se ela não tivesse sido tão negligenciada, a igreja teria
tido uma história muito mais feliz!
Não devemos esperar por um reino de paz universal, felicidade e
prosperidade antes que o ftm aconteça. Se estamos esperando por tal
bonança, ficaremos muito desiludidos. Nosso Senhor nos manda esperar
por guerras, fomes, terremotos e perseguições. É inútil esperar paz
enquanto o Príncipe da Paz não retornar. Então, e só então, as espadas serão
transformadas em arados, e as nações não mais aprenderão a guerra.
Somente então, a terra dará o seu fruto (Is 2.4; SI 67.6).
Não devemos esperar um tempo universal de pureza doutrinária e
prática, na igreja de Cristo, antes que venha o fim. Se o fizermos, estaremos
grandemente equivocados. Nosso Senhor nos manda estar na expectativa
do aparecimento de falsos profetas, multiplicação da iniquidade e
esfriamento do amor de quase todos. A verdade nunca será recebida por
todos os professos cristãos, e a santidade jamais será a norma entre os
homens enquanto o grande Cabeça da igreja não retornar e não for preso
Satanás. Então, e só então haverá igreja gloriosa, sem defeito e sem mácula
(Ef 5.27).
Não devemos esperar que o mundo todo vá se converter antes que o
fim aconteça. Estaremos grandemente equivocados, se o fizermos. Será
pregado o evangelho por todo o mundo, para testemunho a todas as nações.
Porém, não devemos pensar que o evangelho será crido universalmente.
Esse evangelho irá “constituir um povo” (At 15.14) onde quer que seja
fielmente pregado, e serão testemunhas de Cristo. Todavia, a plena
convocação das nações não ocorrerá até que Cristo venha. Então, e
somente então, a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as
águas cobrem o mar (Hc 2.14).
Guardemos estas coisas no coração, e nunca nos esqueçamos delas.
São verdades extremamente relevantes para o tempo presente. Apren-
damos a moderar nossas expectativas no tocante a qualquer organização
existente na igreja de Cristo, e seremos poupados de muito desaponta-
206 Mateus 24.1-14

mento. Apressemo-nos em propagar o evangelho no mundo, pois o tempo é


curto, não longo. A noite vem, quando ninguém pode trabalhar. Tempos
difíceis nos esperam. Heresias e perseguições podem em breve enfraquecer
e distrair as igrejas. Uma feroz guerra de princípios pode em breve
convulsionar as nações. As portas que agora estão abertas para a prática do
bem, podem em breve cerrar-se para sempre. Nossos olhos podem ainda
ver o sol do cristianismo pôr-se entre nuvens e tempestades no horizonte,
como sucedeu ao sol do judaísmo. Acima de tudo, anelemos pelo retorno
de nosso Senhor. Ah! um coração disposto a orar diariamente: Vem,
Senhor Jesus!

Continuação das Profecias Sobre as Misérias


que Viriam no Primeiro e Segundo
Cercos de Jerusalém
Leia Mateus 24.15-28

Um dos pontos importantes desta profecia de nosso Senhor é a


tomada de Jerusalém, pelos romanos. Esse tremendo evento aconteceu
cerca de quarenta anos depois de proferidas as palavras que agora lemos .
Uma completa narrativa do acontecimento encontra-se nos escritos do
historiador Josefo. Os seus escritos são o melhor comentário sobre as
palavras de nosso Senhor. Eles são uma prova notável da exatidão de cada
pormenor nas predições de Cristo. Os horrores e misérias que os judeus
suportaram durante o cerco de sua cidade superam tudo que já foi
registrado. Verdadeiramente, aquele foi um tempo de tribulação, como
desde o princípio do mundo até agora não tem havido”.
Alguns se surpreendem ao ver tanta importância atribuída à tomada
de Jerusalém. Tais pessoas preferem considerar este capítulo como ainda
não-cumprido. Esquecem-se, porém, de que Jerusalém e o templo eram o
centro da antiga dispensação judaica. Quando foram destruídos, chegou ao
fim o antigo sistema mosaico. O sacrifício diário, as festas anuais, o altar, o
Santo dos Santos, o sacerdócio: todos eram partes essenciais da religião
revelada, até que Cristo veio; mas não mais depois disso. Quando Ele
morreu sobre a cruz, a finalidade de todas essas partes foi terminada.
Estavam agora mortas, e só restava que fossem sepultadas. Porém, não
convinha que isso fosse feito silenciosamente. O fim de uma dispensação
dada com tanta solenidade, no Monte Sinai, bem poderíamos esperar que
fosse marcado por uma solenidade peculiar. A destruição do templo santo,
onde tantos santos do Velho Testamento tinham visto a “sombra dos bens
vindouros” (Hb 10.1), era
Mateus 24.15-28 207

de se esperar que fosse o assunto de uma profecia. E de fato o foi. O


Senhor Jesus prediz especialmente a desolação no “lugar santo”. O grande
Sumo Sacerdote descreve o fim de uma dispensação que tinha sido o
preceptor para trazer homens a Cristo.
Contudo, não devemos supor que esta parte da profecia de nosso
Senhor foi cumprida inteiramente na primeira tomada de Jerusalém. É
mais provável que as palavras de nosso Senhor tenham uma aplicação
mais ampla e ainda mais profunda. É mais do que provável que elas se
apliquem a um segundo cerco de Jerusalém, ainda por acontecer, quando
Israel já tiver retomado à sua própria terra; e se apliquem a uma segunda
tribulação, a vir sobre os habitantes de Israel e que só será detida pelo
retomo de nosso Senhor Jesus Cristo.
Uma semelhante visão desta passagem pode, para alguns, parecer
surpreendente. Mas os que duvidam da correção desta interpretação fariam
bem em estudar o último capítulo do profeta Zacarias e o último capítulo
de Daniel. Esses dois capítulos contêm descrições solenes, e lançam
grande luz sobre os versículos que ora estudamos e sua conexão com os
versículos que vêm em seguida.
Resta-nos agora considerar as lições contidas nesta passagem, para
nossa edificação pessoal. São lições claras e inequívocas. Nelas, pelo
menos, não há qualquer obscuridade.
Antes de tudo, vemos que fugir do perigo pode, às vezes, ser o dever
explícito de um crente. Nosso Senhor ordenou pessoalmente ao seu povo que
“fujam”, sob determinadas circunstâncias. Sem dúvida, o servo de Cristo
não deve ser um covarde, Ele deve confessar o seu Mestre diante dos
homens, e estar disposto a morrer, se necessário, pela causa da verdade.
Mas, do servo de Cristo, não é requerido que ele se atire para dentro do
perigo, a menos que isso faça parte do seu dever. Ele não deve se
envergonhar de usar meios racionais para prover a sua segurança pessoal,
quando nenhum bem seria conseguido pelo fato de ele morrer em seu
posto. Há profunda sabedoria nesta lição. Os verdadeiros mártires cristãos
nem sempre são aqueles que cortejam a morte e têm o afã de serem
queimados ou decapitados. Há ocasiões em que o crente demonstra maior
graça ao ficar quieto, esperando, orando e aguardando um tempo oportuno,
do que ao desafiar seus adversários e atirar-se na batalha. Que nós
possamos ter a sabedoria para agir em tempos de perseguição. Tanto é
possível ser impetuoso quanto ser um covarde, e é possível perder a nossa
própria serventia por sermos muito exasperados ou muito passivos.
Em segundo lugar, observemos que, ao entregar esta profecia, nosso
Senhor faz menção especial ao sábado. Diz Ele: “Orai para que a vossa fuga
não se dê no inverno, nem no sábado”.
208 Mateus 24.15-28

Este é um fato que merece a nossa atenção. Vivemos em uma época


em que a obrigação de honrar o sábado é freqüentemente negada, até
mesmo por bons cristãos. Eles nos dizem que o sábado não é mais
obrigatório para nós, como não o são as leis cerimoniais. É difícil enxergar
como tal ponto de vista, pode ser conciliado com as palavras de nosso
Senhor nessa ocasião solene. Quando predisse a destruição final do templo
e das cerimônias mosaicas, parece que Jesus mencionou intencionalmente
o sábado, como que para marcar com honra esse dia. Ele parece dar a
entender que, embora o seu povo houvesse de ser absolvido do jugo de
sacrifícios e ordenanças, para eles ainda restava a guarda de um sábado
(Hb 4.9). Os defensores do dia do Senhor devem cuidadosamente
lembrar-se deste texto, pois é uma passagem de grande peso.
Em terceiro lugar, vemos que os eleitos de Deus sempre são objetos
especiais do cuidado de Deus. Duas vezes nesta passagem o Senhor faz
menção deles. “Por causa dos escolhidos*' os dias da tribulação serão
“abreviados". Não será possível enganar os “eleitos".
Aqueles a quem Deus escolheu para a salvação, mediante Cristo,
são os que Deus ama especialmente neste mundo. Eles são as jóias dentre
toda a humanidade. Deus tem maior cuidado por eles do que pelos reis que
se assentam nos tronos, se são reis não-convertidos. Deus ouve as orações
dos eleitos. Ele ordena todos os acontecimentos entre as nações, e as
causas de guerras, para o bem e a santificação dos seus escolhidos. Ele os
guarda por meio do Espírito, e não permite que homem, nem demônio, os
arranque de sua mão protetora. Não importa que tribulação venha sobre o
mundo, os eleitos de Deus estão seguros! Que nós jamais repousemos
enquanto não tivermos a certeza de pertencer ao número dos
bem-aventurados. E nenhum ser humano pode provar que não é um dos
eleitos. As promessas do evangelho se estendem a todos. Portanto,
esforcemo-nos por confirmar a nossa vocação e eleição! (2 Pe 1.10). Os
eleitos de Deus são um povo que clama a Ele noite e dia. Quando Paulo viu
a fé, a esperança e o amor dos Tessalonicenses, então reconheceu que
eram eleitos da parte de Deus (1 Ts 1.4; Lc 18.7).
Finalmente, vemos, por estes versículos, que, seja quando for que
aconteça, a segunda vinda de Cristo será um acontecimento muito súbito. Será
como o relâmpago que “sai do oriente e se mostra até no ocidente".
Esta é uma verdade prática e que deveriamos sempre ter em mente.
Sabemos pelas Escrituras que nosso Senhor Jesus Cristo em pessoa, há de
retomar a este mundo. Também sabemos que Ele virá em um tempo de
grande tribulação. Mas o período preciso: dia, hora, mês e ano estão todos
ocultos para nós. Somente sabemos que será um acon-
Mateus 24.15-28 209

tecimento repentino. O nosso claro dever, portanto, é viver sempre pre-


parados para a volta de Cristo. Que andemos pela fé, e não por vista.
Creiamos em Cristo, sirvamos a Cristo, sigamos a Cristo e amemos a
Cristo. Assim vivendo, não importa o momento em que Cristo retome,
estaremos prontos para encontrá-lo.

Descrição do Segundo Advento


Leia Mateus 24.29-35

Nesta parte da profecia, nosso Senhor descreve a sua própria se-


gunda vinda para julgar o mundo. Isso, ao menos, é o que naturalmente se
deduz desta passagem. Qualquer interpretação menos abrangente,
parece-nos uma distorção violenta da linguagem da Escritura. Se as pa-
lavras solenes aqui empregadas significam apenas a vinda dos exércitos
romanos a Jerusalém, então podemos dar uma explicação semelhante a
qualquer outro evento na Bíblia. O acontecimento aqui descrito é algo de
muito maior importância do que a marcha de qualquer exército terreno.
Não é outra coisa senão o ato final que encerrará esta dispensação, o
segundo advento de Jesus Cristo, em pessoa.
Estes versos nos ensinam, em primeiro lugar, que quando o Senhor
Jesus regressar a este mundo, virá com peculiar glória e majestade. Ele virá
“sobre as nuvens do céu com poder e muita glória.” Diante da sua presença
o próprio sol, a lua e as estrelas perderão o seu resplendor, e “os poderes
dos céus serão abalados”.
A segunda vinda pessoal de Jesus Cristo será tão diferente da
primeira quanto possível. Ele veio a primeira vez como homem de tris-
tezas, cercado de aflições. Nasceu em uma manjedoura, em Belém,
pequenino e humilde, e assumiu a forma de servo, tendo sido desprezado e
rejeitado pelos homens desde o início. Ele foi traído e entregue às mãos de
homens iníquos, condenado por um julgamento injusto, escarnecido,
açoitado, coroado de espinhos e, por fim, crucificado entre dois ladrões. Na
segunda vez, Ele virá como Rei de toda a terra, com toda majestade real. Os
príncipes e grandes homens deste mundo haverão de comparecer diante do
seu trono, para receberem uma sentença eterna. Diante dEle toda boca se
calará, todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é o
Senhor. Jamais nos esqueçamos disso. Sem importar o que os homens
possam fazer no presente, não permanecerá zombaria alguma, nem
escárnios contra Cristo, nem infidelidade alguma no dia do juízo. Os servos
do Senhor Jesus podem
esperar com paciência. Seu Mestre será, um dia, reconhecido como Rei dos
reis, por todo o mundo.
210 Mateus 24.29-35

Estes versículos nos ensinam, em segundo lugar, que quando Cristo


retomar a este mundo, Ele irá primeiramente cuidar do seu povo, os crentes. Ele
enviará os “seus anjos” e estes “reunirão os seus escolhidos”.
No dia do julgamento final, os verdadeiros crentes gozarão de
perfeita segurança. Nem um único fio de cabelo lhes cairá por terra.
Nenhum único osso do corpo místico de Cristo será quebrado. Houve uma
arca para Noé no dia do dilúvio; houve uma Zoar para Ló quando Sodoma
foi destruída; e haverá em Jesus um esconderijo para todos os crentes,
quando a ira de Deus, finalmente, descarregar-se sobre este mundo vil. Os
poderosos anjos, que se regozijavam no céu a cada vez que um pecador se
arrependia, haverão de alegremente recolher o povo de Deus para o
encontro com o Senhor, nos ares. Esse dia, sem dúvida alguma, será um dia
terrível; mas os crentes podem aguardá-lo sem temor.
No dia do juízo os verdadeiros cristãos serão, por fím, todos reu-
nidos. Os santos de todos os séculos e de todos os idiomas serão recolhidos
dentre todas as nações. Todos estarão lá, desde o justo Abel, até à última
alma que se converter a Deus; desde o mais antigo patriarca até a criança
que é salva. Portanto, meditemos sobre quão feliz será esse encontro,
quando a família de Deus estiver toda reunida! Se tem sido agradável nos
encontrarmos ocasional mente com um ou dois crentes, aqui na terra,
quanto mais agradável será nos reunirmos, no céu, a uma multidão
inumerável, que ninguém pode contar! Certamente podemos nos contentar
em carregar a cruz e suportar a dor de uma separação por alguns anos, pois
viajamos em direção a um dia quando nos encontraremos é já não haverá
mais separações.
Em terceiro lugar, estes versículos nos ensinam que até que Cristo
retome a este mundo, os Judeus serão sempre um povo separado. Nosso Senhor
nos diz que „ „ não passará esta geração sem que tudo isto aconteça”. A
existência contínua dos judeus como uma nação distinta é, inegavelmente,
um grande milagre. É uma daquelas evidências da veracidade da Bíblia que
os incrédulos jamais conseguem anular. Sem uma pátria, sem rei, sem
governo, espalhados e dispersos pelo mundo por cerca de dezenove
séculos, os judeus nunca são absorvidos entre os povos dos países onde
vivem; “é povo que habita só” (Nm 23.9). A única explicação paia isso é o
dedo protetor de Deus. A nação judaica permanece de pé diante do mundo,
como uma resposta esmagadora para a incredulidade, e como um livro vivo
que evidencia a veracidade da Bíblia. Contudo, não deveríamos reputar os
judeus apenas como testemunhas da verdade das Escrituras. Deveríamos
contemplá-los como uma garantia contínua de que o Senhor Jesus um dia
irá voltar outra
Mateus 24.29-35 211

vez. Tal a ordenança da Ceia do Senhor, os judeus são um testemunho da


realidade do segundo advento, tanto quanto são testemunhas do primeiro
advento. Não nos esqueçamos disso. Em cada judeu errante contemplemos
uma prova viva de que a Bíblia é verdadeira e de que Cristo um dia haverá
de retomar.
Finalmente, estes versículos nos ensinam que as predições de nosso
Senhor certamente se cumprirão. Ele disse: “Passará o céu e a terra, porém as
minhas palavras não passarão“. Nosso Senhor conhecia bem a
incredulidade natural da natureza humana Ele sabia que nos últimos dias
surgiriam zombadores, dizendo: “Onde está a promessa da sua vinda?” (2
Pe 3.4). Jesus sabia que quando retomasse a fé seria rara entre os seres
humanos. Ele anteviu o grande número de pessoas que iriam rejeitar, com
desprezo, aquelas predições solenes que acabara de fazer, como
improváveis, absurdas, impossíveis. Ele nos adverte a todos, acerca de
pensamentos assim, céticos, com uma advertência de peculiar solenidade.
Ele nos diz que suas palavras haverão de se cumprir no tempo exato; e não
“passarão” sem cumprimento, não importa o que os homens possam
pensar ou dizer a respeito. Todos aceitemos no coraçao esta advertência!
Vivemos em uma época de grande incredulidade. Poucos creram no relato
da primeira vinda do Senhor, e poucos crêem no relato da sua segunda
vinda (Is 53.1). Acautelemo- -nos dessa infecção e creiamos no Senhor,
para a salvação de nossa alma. Não estamos lendo fábulas astuciosamente
inventadas, e, sim, verdades profundas e importantíssimas. Que Deus nos
dê um coração capaz de crer nestas verdades.

Os Dias Anteriores à Segunda Vinda;


Recomendação à Vigilância
Leia Mateus 24.36-51

O primeiro assunto a requerer nossa atenção, nestes versículos, é o


horrendo quadro que eles nos dão sobre o estado do mundo quando o Senhor
Jesus voltar. O mundo não terá sido convertido quando Cristo voltar. Será
encontrado nas mesmas condições em que esteva no dia do dilúvio.
Quando veio o dilúvio os homens estavam comendo e bebendo,
casando-se e dando-se em casamento, absorvidos em suas atividades
mundanas e inteiramente surdos para as repetidas advertências feitas por
Noé. Não acreditavam na possibilidade de um dilúvio. Recusavam- -se a
crer que houvesse algum perigo. No entanto, de súbito veio o dilúvio “e os
levou a todos”. Todos quantos não se encontravam com Noé
212 Mateus 24.36-51

no interior da arca, pereceram. Todos foram varridos, de uma vez e para


sempre, sem perdão, não-con verti dos, despreparados para o encontro
com Deus. E nosso Senhor diz que “assim será também a vinda do Filho
do homem”.
Sublinhemos esta passagem e entesouremo-la no profundo do co-
ração. Há muitas opiniões estranhas sobre esse assunto, até mesmo entre
homens bons. Não nos devemos enganar, imaginando que antes do retorno
do Senhor todos os homens virão a se converter ou que a terra se encherá
do conhecimento de Deus. Não sonhemos, supondo que o fim de todas as
coisas não possa estar próximo porque ainda há muita iniqüidade, tanto na
igreja quanto no mundo em geral. Tais concepções são redondamente
contraditadas nesta passagem. Os dias de Noé são um verdadeiro tipo dos
dias em que Jesus Cristo irá retornar. Milhões de professos cristãos serão
desmascarados como insensatos, incrédulos, sem Deus e sem Cristo,
mundanos e desqualificados para o encontro com o Juiz. Tenhamos muito
cuidado para não sermos encontrados entre os tais.
A segunda coisa que exige a nossa atenção, neste trecho, é a com-
pleta separação que haverá quando o Senhor Jesus voltar. Duas vezes lemos
que “um será tomado, e deixado o outro”. No presente, o piedoso e o ímpio
estão misturados e convivem juntamente. Nas igrejas, nas cidades, nos
campos e por toda a parte, os filhos de Deus e os filhos deste mundo estão
lado a lado. Mas isto não será sempre assim. No dia do retorno de nosso
Senhor haverá, enfim, uma completa divisão. Em um momento, num
piscar de olhos, ao ressoar a última trombeta, cada um desses grupos será
separado do outro para sempre. Esposas serão separadas dos maridos, os
pais dos filhos, os irmãos das irmãs, os patrões de seus empregados, os
pregadores de seus ouvintes. Não haverá tempo para palavras de despedida
e nem para arrependimento quando o Senhor Jesus voltar. Cada qual será
tomado como estiver, e ceifará conforme o que tiver semeado. Os crentes
serão arrebatados para a glória, honra e vida eterna. Os incrédulos serão
deixados para trás, para vergonha e desprezo eternos. Bem-aventurados
aqueles que estão unidos de coração, seguindo a Cristo! A sua unidade
jamais será quebrada. Ela perdurará para toda a eternidade. Quem pode
descrever a felicidade daqueles que forem arrebatados, quando retomar o
Senhor? Quem pode imaginar a miséria daqueles que forem deixados para
trás? Que nós pensemos sobre essas coisas e consideremos os nossos
caminhos.
A última coisa que nos chama a atenção nestes versículos é o dever
prático de vigiar, ante a expectação da segunda vinda de Cristo. Nosso Senhor
diz: “Vigiai, porque não sabeis em que dia vem o vosso
Mateus 24.36-51 213

Senhor... ficai tsmbéni vós apercebidos; porque, à hors em que olo cuidais, o
Filho do homem virá.”
Este é um particular que nosso bendito Mestre insta com ffeqüência
para nossa observação. Dificilmente encontramos Jesus aludindo à sua
segunda vinda sem acrescentar uma recomendação; “vigiai”. Ele conhece a
dormência de nossa própria natureza. Ele sabe quão rapidamente nos
esquecemos dos assuntos mais solenes da religião. Ele sabe quão
incessantemente Satanás trabalha para obscurecer a gloriosa doutrina da
segunda vinda. Ele nos arma de exortações poderosas para examinar o
coração, para que estejamos alertas, a fim de não sofrermos ruína
eterna. Que todos nós possamos dar ouvidos a essas exortações.
Os verdadeiros cristãos devem viver como atalaias. O dia do Senhor
vira como um ladrão à noite. Os crentes deveriam esforçar-se por estar
sempre de prontidão. Deveriam comportar-se como sentinelas de
um exército em território inimigo. Deveriam tomar a resolução de, pela
graça de Deus, não dormir em seus postos. Há um texto do apóstolo Paulo
que merece atenta consideração: “Assim, pois, não durmamos como os
demais; pelo contrário, vigiemos e sejamos sóbrios” (1 Ts 5.6), Os
verdadeiros cristãos devem viver como bons servos, cujo senhor acha-se
ausente. Devem esforçar-se para estar sempre prontos para o retorno de seu
Senhor. Jamais devem ceder ante o pensamento “Meu Senhor demora-se”.
Eles devem procurar manter-se em uma atitude de coração que possa, de
uma vez, dar-lhe uma recepção calorosa e cheia de amor, não importa o
momento em que Ele venha. Há uma vasta profundidade na declaração do
Senhor; “Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier,
achar fazendo assim”. Se não estamos prontos para, a qualquer momento,
receber o Senhor que volta, bem podemos questionar se somos verdadeiros
crentes em Jesus ou não. Encerremos este capítulo com sentimentos
solenes. Aquilo que acabamos de ler requer de nós uma grande sondagem
de coração. Procuremos assegurar-nos de que real mente estamos em
Cristo e temos uma arca de salvação para quando o dia da ira irromper
sobre o mundo. Esforcemo-nos por viver de maneira a sermos declarados
“benditos”
naquele dia final, e não sermos lançados fora para sempre. E, não menos
importante, apaguemos de nossa mente a idéia generalizada de que a
profecia ainda não cumprida é algo para especulação, e não para a vida
prática. Se estas coisas não são para a vida prática, então simplesmente não
existe religião prática. João disse; “A si mesmo se purifica todo o que nele
tem esta esperança, assim como ele é puro” (1 Jo 3.3).
214 Mateus 25.1-13

A Parábola das Dez Virgens


Leia Mateus 25.1-13

O capítulo que agora iniciamos é a continuação do discurso pro-


fético de nosso Senhor, no monte das Oliveiras. O tempo a que o discurso
se refere está evidente e inequívoco. Do início ao fim há uma contínua
alusão à segunda vinda de Cristo e ao fim do mundo. O capítulo está
dividido em três seções. Na primeira, nosso Senhor usa a sua própria
segunda vinda como um argumento para a vigilância e sinceridade na
religião. Isto Ele o faz mediante a parábola das dez virgens. Na segunda
seção Ele usa a sua segunda vinda como um argumento para a diligência e
a fidelidade. Ele o faz mediante a parábola dos talentos. Na terceira, Ele
resume tudo mediante uma descrição do grande dia do juízo, uma
passagem que, por sua beleza e majestade, não tem igual no Novo Tes-
tamento .
A parábola das dez virgens contém lições peculiarmente solenes
e despertadoras. Vejamos quais são.
Antes de mais nada, vemos que a segunda vinda de Cristo encontrará
a igreja como um corpo misto, contendo bons e maus elementos. A igreja
professante é comparada a „„dez virgens que, tomando as suas lâmpadas,
saíram a encontrar-se com o noivo”. Todas tinham sua lâmpada, mas
apenas cinco dispunham de azeite para alimentar a chama. Todas
professavam ter um objetivo em vista, mas apenas cinco, eram
verdadeiramente sábias, e as outras eram insensatas. A igreja visível
encontra-se nessa mesma condição. Todos os seus membros são batizados
em nome de Jesus Cristo, mas nem todos ouvem a voz de Cristo e O
seguem. Todos são chamados cristãos e professam seguir a religião cristã;
mas nem todos têm a graça do Espírito Santo no coração, e não são aquilo
que professam ser. Nossos próprios olhos são testemunhas disso. O Senhor
Jesus nos diz que assim será até que Ele venha.
Observemos atentamente esta descrição. É um quadro que nos
humilha. Apesar de todas as nossas pregações e orações, apesar de toda
nossa visitação e ensinamentos, depois de todo nosso esforço missionário
no estrangeiro e dos meios de graça de que dispúnhamos em nossa pátria,
muitas dessas pessoas se acharão, no último dia, mortas em seus delitos e
pecados. A iniqüidade e a incredulidade da natureza humana é um assunto
acerca do qual nós todos ainda temos muito a aprender.
Em seguida, vemos que a segunda vinda de Cristo, seja quando for que
aconteça, pegará os homens de surpresa. Esta verdade nos é apresentada na
parábola de maneira impressionante. A meia noite, quando
Mateus 25.1-13 215

as virgens estavam sonolentas e dormentes, ouviu-se um grito: “Bis o noivo!


saí ao seu encontro”.
Será também assim quando Jesus voltar ao mundo. Ele encontrará a
vasta maioria da humanidade totalmente incrédula e despreparada. Ele
encontrará uma grande parte do seu povo, em um estado de alma indolente
e sonolento. Os negócios estarão seguindo normalmente, na cidade e no
campo, exatamente como agora. A política, o comércio, a agricultura, a
compra, a venda e a busca do prazer estarão controlando a atenção dos
homens, exatamente como agora. Os ricos ainda estarão banqueteando-se
suntuosamente, e os pobres murmurando e reclamando. As igrejas ainda
estarão cheias de divisões e disputando acerca de insignificâncias, e as
controvérsias teológicas ainda estarão em voga. Pregadores ainda estarão
chamando os homens ao arrependimento, e o povo adiando o dia da
decisão. No meio de tudo isso, o Senhor, em pessoa, aparecerá
repentinamente. Na hora em que ninguém imaginar, o mundo surpreso
será intimado a cessar todas as suas atividades e comparecer diante de seu
legítimo Rei. Existe algo de indizivelmente terrível neste pensamento; mas
assim está escrito e assim será. Um ministro
do evangelho afirmou, ao morrer: “Nenhum de nós está mais do que
meio-acordado”.
A seguir, vemos que, quando o Senhor voltar, muitos descobrirão o
valor da religião salvadora, porém já muito tarde. A parábola nos diz que
quando veio o noivo, as virgens insensatas disseram às sábias: “Dai-nos do
vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão se apagando”. E diz-nos
mais, que, como as sábias não dispunham de azeite para ceder- -lhes, as
insensatas saíram “para comprar”. Finalmente, a parábola nos diz que
quando voltaram a porta já estava fechada e elas clamaram em vão para
que fosse aberta: “Senhor, senhor, abre-nos a porta!”. Todas estas
expressões são emblemas impressionantes das coisas por vir. Tomemos
precaução para que tais coisas não se tornem verdadeiras em nossa própria
experiência, pois isso seria a nossa ruína eterna.
Podemos estar certos em nossas mentes de que um dia haverá no
mundo uma completa mudança de opinião quanto à necessidade de um
cristianismo decidido. No presente (todos devemos estar cientes), a vasta
maioria dos que se professam cristãos em nada se preocupam com a
validade do seu cristianismo. Não têm nenhum senso de pecado. Não têm
nenhum amor a Cristo. Nada sabem sobre o nascer de novo.
Arrependimento e fé, graça e santidade são meras palavras e nomes, para
eles. São assuntos que, para eles, são indiferentes, ou dos quais não
gostam. Mas todo esse estado de coisas um dia chegará ao fim.
Conhecimento, convicção, o valor da alma e a necessidade de um Salvador
— tudo isso eclodirá no último dia nas mentes dos homens, como
216 Mateus 25.1-13

um relâmpago. Infeliz mente, já será tarde demais! Será muito tarde para
estar à procura de azeite quando o Senhor retomar. Os erros que não
tiverem sido corrigidos até aquele dia serão irrevogáveis.
Somos escarnecidos, perseguidos e julgados insensatos por causa
de nossa religião? Sejamos pacientes e oremos por aqueles que nos per-
seguem. Eles não sabem o que estão fazendo. Um dia, com certeza, eles
irão mudar de atitude. Pode ser que ainda os escutemos confessar que nós
fomos sábios e eles insensatos. O mundo inteiro reconhecerá um dia que
os santos de Deus fizeram uma escolha sábia.
Nesta parábola, em último lugar, vemos que quando Cristo retomar,
os crentes verdadeiros receberão uma rica recompensa por tudo que sofreram
por amor ao Mestre. Somos informados que quando veio o noivo, “as que
estavam apercebidas entraram com ele para as bodas; e fechou-se a porta“.
Somente os verdadeiros crentes estarão prontos quando acontecer o
segundo advento. Lavados no sangue da expiação, revestidos da justiça de
Cristo, renovados pelo Espírito Santo, os remidos irão ao encontro de seu
Senhor com ousadia, e tomarão lugar na ceia das bodas do Cordeiro, para
dali jamais saírem. Sem dúvida, esta é uma bendita perspectiva.
Os remidos estarão em companhia de seu Senhor, com Aquele que
os amou e a si mesmo se entregou por eles, que os sustentou e guiou
durante a peregrinação terrestre, Aquele a quem amaram verdadeira-
mente e a quem seguiram fielmente sobre a terra, embora em meio a
muitas fraquezas e muitas lágrimas. Sem dúvida, esta também é uma
bendita perspectiva.
A porta será fechada, enfim — fechada sobre toda dor e tristeza,
fechada para todo este mundo malvado e ímpio, fechada para as tentações
do diabo, fechada para todas as dúvidas e temores — fechada, para nunca
mais ser aberta. Sem dúvida, podemos dizer outra vez, esta é uma bendita
perspectiva.
Lembremo-nos destas coisas, elas merecem a nossa meditação.
Todas são verdadeiras. O crente pode sofrer muita tribulação, mas ele tem
diante de si abundantes consolações. A tristeza pode durar por uma noite,
mas a alegria vem ao amanhecer (SI 30,5). O dia do retorno de Cristo, fará
certamente a compensação por tudo.
Deixemos para trás esta parábola, com a firme determinação de
jamais nos contentarmos com algo menos do que a graça divina habitando
em nossos corações. A lâmpada e o nome de cristão, a profissão cristã e as
ordenanças do cristianismo, todos são bons e têm o seu devido lugar;
porém, não sao aquilo que de tudo é o mais necessário. Que não
descansemos enquanto não tivermos a certeza de ter o “azeite“ do Espírito
em nosso coração.
Mateus 25.14-30 217

A Parábola dos Talentos


Leia Mateus 25.14-30

A parábola dos talentos, que agora lemos, é semelhante à parábola


das dez virgens. Ambas direcionam os nossos pensamentos para o mesmo
e importante acontecimento, a segunda vinda de Jesus Cristo. Ambas nos
falam das mesmas pessoas — os membros da igreja professa de Cristo. As
virgens e os servos representam um só e o mesmo povo, mas este povo
considerado de um ângulo diferente, sendo retratados diferentes aspectos
da sua atuação. A lição prática de cada parábola é o principal ponto de
diferença. A vigilância é a nota chave da primeira parábola, e a diligência é
a ênfase da segunda. A história sobre
as virgens exorta a igreja a vigiar; a história sobre os talentos conclama a
igreja a trabalhar.
Esta parábola nos ensina, em primeiro lugar, que todos os cristãos
recebem algo da parte de Deus. Somos todos “servos” de Deus. Todos temos
“talentos” que nos foram confiados. A palavra “talentos” tem sido
curiosamente distorcida quanto ao seu significado original. Ela geralmente
só é aplicada a pessoas notáveis por sua habilidade ou dons. São as
chamadas pessoas “talentosas”. Porém, tal uso da expressão é mera
invenção moderna. No sentido em que nosso Senhor empregou o termo
nesta parábola, a palavra aplica-se a todas as pessoas batizadas, sem
distinção. Aos olhos de Deus todos nós temos talentos. Somos todos
pessoas talentosas.
Qualquer coisa pela qual possamos glorificar a Deus constitui um
talento. Nossos dons, nossa influência, nosso dinheiro, nosso co-
nhecimento, nossa saúde, nossa força, nosso tempo, nossos sentidos, nosso
raciocínio, nosso intelecto, nossa memória, nossos afetos, nossos
privilégios como membros da igreja de Cristo, nossas vantagens como
possuidores da Bíblia — todos, todos são talentos. De onde vieram essas
coisas? Quem no-las outorgou? Por qual motivo somos o que somos? Por
que não somos vermes que se arrastam sobre a terra? Há somente uma
resposta para todas estas perguntas. Tudo o que temos é por empréstimo de
Deus. Nós somos mordomos de Deus. Somos devedores a Deus. Que este
pensamento se abrigue no profundo de nosso coração.
Em segundo lugar, aprendemos que muitos fazem mal uso dos
privilégios e misericórdias recebidos de Deus. Na parábola lemos de um servo
que “abriu uma cova e escondeu o dinheiro do seu senhor”. Esse homem
representa uma grande parcela da humanidade.
Ocultar nosso talento é negligenciar as oportunidades que temos
218 Mateus 25.14-30

de glorificar a Deus. Os que desprezam a Bíblia, negligenciam a oração e


não guardam o dia do Senhor; os incrédulos, os sensuais e os que seguem o
pensamento do mundo; os frívolos, os imprudentes e os que buscam
prazeres, os que amam ao dinheiro, os cobiçosos e os auto-indulgentes —
todos igualmente, estão enterrando no chão o dinheiro de seu Senhor.
Todos receberam alguma luz, porém não a utilizam. Todos esses poderiam
ser melhores e mais úteis do que são, mas estão roubando diariamente a
Deus. Deus lhes confiou muitas coisas e eles não lhe dão nenhum retomo.
As palavras de Daniel a Belsazar são notavelmente aplicáveis a toda pessoa
não-con vertida: “A Deus, em cuja mão está a tua vida, e todos os teus
caminhos, a ele não glorificaste”(Dn 5.23).
Em terceiro lugar, aprendemos que todos os que se professam cristãos
um dia haverão de prestar contas a Deus. A parábola nos diz que, * „depois de
muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles”.
Há um julgamento à espera de cada um de nós. Se não há jul-
gamento, as palavras da Bíblia não têm qualquer significação. Negá-lo é
tratar com leviandade as Escrituras. Há um julgamento que nos aguarda, de
acordo com nossas obras, e será seguro, estrito e inevitável. Importantes ou
não, ricos ou pobres, eruditos ou incultos, todos teremos de comparecer
diante do tribunal de Deus e receber nossa sentença eterna. Não haverá
escapatória. Esconder-se será impossível. Nós e Deus haveremos enfim de
nos encontrar face a face. Teremos de prestar contas de cada privilégio que
nos foi concedido, e de cada raio de luz desfrutado. Descobriremos, por
fim, que somos tratados como criaturas responsáveis que terão de prestar
contas, e que, a quem muito é dado, muito lhe será exigido (Lc 12.48).
Lembremo-nos dessa verdade por todos os dias de nossa vida. Que nos
julguemos a nós mesmos, para não sermos condenados pelo Senhor (1 Co
11.31,32).
Em quarto lugar, aprendemos que os verdadeiros crentes receberão
uma abundante recompensa, no grande dia da prestação de contas. A parábola
nos diz, que os servos que tinham empregado bem o dinheiro de seu Senhor
foram elogiados: “Servo bom e fiel... entra no gozo do teu senhor”. Estas
palavras estão cheias de conforto para todos os crentes, e nos enchem de
admiração e surpresa. O melhor de todos os crentes é apenas uma pobre e
frágil criatura, e precisa do sangue de expiação todos os dias de sua vida.
Entretanto, o menor e mais pobre de todos os crentes descobrirá, naquele
dia, que é contado entre os servos de Cristo, e que o seu labor não foi vão no
Senhor. Ele descobrirá, para sua surpresa, que os olhos de seu Senhor
enxergavam maior beleza do que ele mesmo enxergava em seus esforços
para agradar ao Senhor. Verá que cada hora passada no serviço de Cristo, e
cada palavra dita
Mateus 25.14-30 219

em favor de Cristo, ficaram registradas em um livro de memórias. Que os


crentes se lembrem destas coisas e assim tomem coragem. A cruz pode ser
pesada agora, mas a recompensa gloriosa fará compensação por tudo.
Disse Leighton: “Aqui, algumas partículas de gozo entram em nós; mas, no
céu, seremos nós que entraremos no gozo“.
Em último lugar, aprendemos que todos os membros infrutíferos da
igreja de Cristo serão condenados e lançados fora no dia do juízo. A parábola
nos diz que o servo que enterrou o dinheiro de seu senhor foi condenado
como “mau e negligente“ e “inútil”, e foi lançado “para fora, nas trevas”. E
o Senhor acrescenta estas solenes palavras: “Ali haverá choro e ranger de
dentes”.
No último dia não haverá desculpa para um crente professo e
não-convertido. As razões com que agora ele imagina justificar a si mesmo
mostrarão ser inúteis e vãs. Naquele dia ficará comprovado que o Juiz de
toda a terra agiu com justiça. A ruína do homem perdido será devida
exclusivamente a ele mesmo. As palavras de nosso Senhor, “sabias que... ”,
deveriam soar bem alto aos ouvidos de muitos homens, compungindo-lhes
o coração. Milhares de pessoas estão vivendo sem Cristo e sem conversão,
e fazendo de conta que nada podem fazer a respeito. Mas sabem o tempo
todo, em sua própria consciência, que são culpados. Estão enterrando o seu
talento. Não estão fazendo o quanto podem. Felizes são os que descobrem
essa realidade a tempo. No último dia tudo será desvendado.
Passemos adiante com a firme resolução de, pela graça de Deus,
nunca nos contentarmos com o cristianismo apenas de nome, sem vida
prática. Cumpre-nos não apenas falar sobre religião, e, sim, agir. Não
devemos apenas sentir a importância da religião; devemos também fazer
algo a respeito. A parábola não diz que o servo inútil era um homicida ou
ladrão, e nem mesmo afirma que ele desperdiçava o dinheiro de seu senhor.
Mas ele não fez nada, e isso foi a sua ruína. Tomemos precaução contra um
cristianismo do tipo nada-fazer. Tal cristianismo não procede do Espírito
de Deus. “Não ter feito nenhum mal”, diz Baxter, “é elogio para uma pedra,
mas não para um homem”.

O Julgamento Final
Leia Mateus 25.31-46

Nestes versículos nosso Senhor Jesus Cristo descreve o dia do


julgamento final, e algumas das principais circunstâncias referentes a esse
dia. Em toda Bíblia, há poucas passagens mais solenes e que tanto
220 Mateus 25.31-46

nos perscrutam o coração. Que possamos lê-la com a atenção séria e


profunda que ela merece.
Notemos, em primeiro lugar, quem será o Juiz, no último dia. Lemos
que será “o Filho do homem”, o próprio Jesus Cristo.
O mesmo Jesus que nasceu na manjedoura, em Belém, e tomou sobre si a
forma de servo; que foi desprezado e rejeitado pelos homens e muitas vezes
não tinha onde reclinar a cabeça; que foi condenado, esmurrado, açoitado e
pregado na cruz pelos príncipes deste mundo esse mesmo Jesus irá julgar,
Ele mesmo, o mundo, quando vier em sua glória. O Pai confiou a Ele todo o
julgamento (Jo 5.22). Diante
dEle, finalmente, todo joelho se dobrará, toda língua confessará que Ele é
o Senhor (Fp 2.10,11).
Que os crentes meditem a esse respeito e se consolem. Aquele que
se assenta no trono, naquele grande e espantoso dia, será o Salvador, o
Pastor, o Sumo Sacerdote, o Irmão mais velho e o Amigo dos crentes.
Quando O virem não terão motivos para estarem alarmados.
Que os não-convertidos meditem sobre isso e temam. Quem os
julgará será o próprio Cristo cujo evangelho agora desprezam, e cujos
convites graciosos recusam-se a ouvir. Quão grande perplexidade sofrerão
se persistirem na incredulidade e morrerem em seus pecados! Ser
condenado no último dia por um juiz qualquer, já seria horrível. Porém, ser
condenado por aquele que desejava salvá-los, será verdadeiramente
terrível. Com muita razão disse o salmista: “Beijai o Filho para que se não
irrite” (SI 2.12).
Em segundo lugar, observemos quem será julgado naquele dia.
Lemos que “todas as nações serão reunidas” diante de Cristo. Todos
quantos já viveram um dia terão de prestar contas de si mesmos perante o
tribunal de Cristo. Todos terão de obedecer à intimação do grande Rei e
receber a sua respectiva sentença. Os que não querem adorar a Cristo neste
mundo, descobrirão que terão de apresentar-se diante do seu grande
tribunal, quando Ele voltar para julgar o mundo.
Todos os julgados serão divididos em duas grandes categorias. Não
haverá mais distinção nenhuma entre reis e súditos, patrões e empregados,
ou clérigos e pregadores independentes. Não se fará menção alguma a
denominações ou partidos religiosos, porquanto todas as distinções do
passado terão sido eliminadas. Graça ou nenhuma graça, conversão ou não
conversão, fé ou nenhuma fé, estas serão as únicas distinções que
prevalecerão naquele dia. Todos quantos forem achados em Cristo serão
postos entre as ovelhas, à sua direita. E todos quantos nao forem achados
em Cristo serão colocados entre os bodes, à sua esquerda. Como disse
Sherlock: “As distinções que agora fazemos de nada nos adiantarão, a
menos que tenhamos o cuidado de ser achados
Mateus 25,31-46 221
entre o número das ovelhas de Cristo, quando Ele vier para julgar o mundo”.
Em terceiro lugar, observemos de que maneira o julgamento será
conduzido, no último dia. Há aqui particularidades notáveis sobre o as-
sunto. Vejamos, pois, quais são.
O juízo final será um julgamento de acordo com as evidências. As
obras dos homens serão as testemunhas que serão trazidas a frente,
sobretudo suas obras de caridade. A questão a ser esclarecida será não
apenas o que dissemos, mas o que fizemos; não será meramente aquilo que
professamos, mas aquilo que houvermos praticado. Inquestionavelmente,
nossas obras não nos justificarão diante de Deus. Somos justificados pela
fé, sem as obras da lei. Mas a autenticidade de nossa fé será
testada pela qualidade de nossa vida. A fé que não tem obras, por si só está
morta (Tg 2.17).
O juízo final será um julgamento que trará alegria para todos os
verdadeiros crentes. Eles ouvirão aquelas preciosas palavras: “Vinde,
benditos de meu Pai! entrai na posse do reino”. Eles serão propriedade do
Mestre, e Ele os confessará diante do Pai e dos santos anjos. Descobrirão
que o salário que Ele dá aos seus é um reino, e nada menos do que isso. O
menor, o menos importante e o mais pobre da família de Deus, terá uma
coroa de glória e será rei.
O juízo final será um julgamento que trará confusão sobre todos os
não-convertidos. Eles irão ouvir aquelas palavras horríveis: “Apartai- -vos
de mim, malditos, para o fogo eterno”. Eles serão rejeitados pelo grande
Cabeça da igreja, diante do mundo inteiro reunido. E descobrirão que,
assim como semearam para a carne, da carne irão ceifar corrupção. Nâo
queriam ouvir a Cristo, quando dizia: “Vinde a mim, e eu vos aliviarei , e
agora terão de ouvi-Lo dizer: “Apartai-vos de mim, para o fogo eterno .
Não quiseram tomar aos ombros a cruz de Cristo e, portanto, não haverá
lugar para eles no seu reino.
O juízo final será um julgamento que revelará notavelmente o
caráter, tanto dos salvos como dos perdidos. Aqueles à direita de Cristo,
suas ovelhas, continuarão “revestidos de humildade”; e ficarão surpresos
ao ouvirem o Senhor mencionar e aprovar qualquer obra que tenham
realizado. Ao lado esquerdo, os que não foram de Cristo continuarão cegos
em sua justiça-própria. Não se mostrarão sensíveis à sua negligência a
Cristo. “Senhor”, dirão, “quando foi que te vimos... e não te assistímos?”
Possa este pensamento penetrar em nossos corações. O caráter moral
desenvolvido neste mundo será uma possessão eterna no mundo vindouro.
Com o mesmo caráter com que o homem morre, com esse mesmo caráter
haverá de ressuscitar.
Observemos, em último lugar, quais serão os resultados finais
222 Mateus 25.31-46

do dia do julgamento. Disto somos informados através de palavras que


nunca deveriam ser esquecidas: “E irão estes para o castigo eterno, porém
os justos para a vida eterna‟*.
Terminado o julgamento, o estado de coisas será imutável e sem
fim. Tanto a miséria dos perdidos quanto a felicidade dos salvos, serão
ambas fixadas para sempre. Que ninguém nos engane quanto a isso. Isso
está claramente revelado nas Escrituras. A eternidade de Deus, a
eternidade do céu e a eternidade do inferno, todas estão alicerçadas sobre
um mesmo fundamento. Tão certo quanto Deus é eterno, também o céu é
um dia interminável, sem noite, e o inferno é uma noite interminável, sem
dia.
Quem descreverá a bem-aventurança da vida eterna? Ela ultrapassa
em muito ao poder da concepção humana. Só pode ser medida por
contraste e comparação. Por exemplo, um eterno descanso após guerra e
conflito; a eterna companhia dos santos, depois de ter batalhado contra um
mundo maligno; um corpo eternamente glorioso e que nunca mais sentirá
enfermidade; uma eterna contemplação de Jesus Cristo, face a face, sendo
que anteriormente só havia o ouvir e crer. Tudo isso é bem-aventurança, de
fato. Mas metade de tudo isso ainda está para ser contada.
Quem descreverá as misérias da punição eterna? Trata-se de algo
totalmente indescritível e inconcebível. A eterna dor no corpo; a dor aguda
de uma consciência acusadora; a eterna sociedade dos ímpios com o diabo
e seus anjos; a eterna lembrança de oportunidades negligenciadas e Cristo
desprezado; a eterna perspectiva de um futuro aborrecido e sem esperança.
Tudo isso é miséria, de fato; o suficiente para fazer nossos ouvidos tinirem
e o sangue gelar em nossas veias. Mesmo assim, esse quadro é nada
quando comparado com a realidade.
Encerremos o comentário destes versículos com uma séria auto-
-inquirição. Perguntemos a nós mesmos, de que lado de Cristo prova-
velmente estaremos, no último dia. Estaremos à sua direita ou à sua
esquerda? Feliz é quem não descansa até que possa dar uma resposta
satisfatória para essa pergunta.

A Mulher que Ungiu Nosso Senhor


Leia Mateus 26.1-13

Estamos nos aproximando da cena final do ministério terreno de


nosso Senhor Jesus Cristo. Até esta altura, temos lido de suas declarações
ede seus feitos. Doravante iremos ler de seus sofrimentos e sua morte.
Mateus 26.1-13 223

Até agora o temos visto como o grande Profeta; daqui por diante o veremos
como o grande Sumo Sacerdote.
Esta é uma porção das Escrituras que deveria ser lida com peculiar
atenção e reverência. O lugar em que pisamos é terra santa. Vemos aqui
como o Descendente da mulher esmagou a cabeça da serpente. Vemos aqui
o grande sacrifício, para o qual apontavam todos os sacrifícios do Antigo
Testamento. Vemos aqui como foi vertido o sangue que nos purifica de
todo pecado , como foi morto o Cordeiro que „ „tira o pecado do mundo".
Vemos revelado na morte de Cristo o grande mistério de como Deus pode
ser justo e mesmo assim justificar o ímpio. Não admira que todos os quatro
evangelhos contenham um relato completo deste maravilhoso evento.
Acerca de outros detalhes na história de nosso Senhor, descobrimos que,
freqíientemente, quando um evangelista fala os outros três fazem silêncio.
Mas, quando chegamos à
crucificação, temos um relato minuciosamente descrito por todos os quatro
evangelistas.
Nos versículos que acabamos de ler, observemos, em primeiro
lugar, como o Senhor é cuidadoso ao chamar a atenção de seus discípulos para a
sua própria morte. Ele lhes disse: * „Sabeis que daqui a dois dias
celebrar-se-á a páscoa; e o Filho do homem será entregue para ser
crucificado".
A conexão destas palavras com o capítulo anterior é impossível não
se notar. Nosso Senhor à pouco falava de sua segunda vinda em poder e
glória, no fim do mundo. Ele estava descrevendo o julgamento final e todos
aqueles terríveis acontecimentos. Estivera falando de si mesmo como o
Juiz diante de cujo trono todas as nações serão reunidas. E então,
subitamente, sem pausa ou intervalo, Jesus começa a falar de sua
crucificação. Enquanto as predições maravilhosas de sua glória final ainda
ressoavam aos ouvidos dos discípulos. Ele lhes fala mais uma vez dos
sofrimentos que em breve viriam. Relembra-os de que deve morrer como
oferta pelo pecado antes de reinar como Rei; de que deve fazer a expiação
sobre a cruz antes de receber a coroa.
Não há como exagerar a importância da morte expiatória de Cristo.
Ela é o fato central na Palavra de Deus, para o qual os nossos olhos
espirituais deveriam estar sempre atentos. Sem o derramamento do sangue
de Cristo não há remissão de pecados. Essa é a verdade fundamental, de
que depende o sistema inteiro do cristianismo. Sem ela o evangelho é como
uma arca sem a quilha; como um belo edifício sem alicerces; é como um
sistema solar sem sol.
Que nós valorizemos grandemente a encarnação de nosso Senhor e
o seu exemplo, seus milagres, suas parábolas, seus ensinamentos e seus
feitos; mas, acima de tudo, valorizemos muito a sua morte
224 Mateus 26.1-13

Deleitemo-nos na esperança de sua segunda vinda pessoal e seu reinado


milenar, mas lembremo-nos de que essas verdades benditas não são mais
importantes do que a expiação realizada na cruz. Bsta, afinal de contas, é a
verdade central das Escrituras, que “Cristo morreu pelos nossos pecados”
(1 Co 15.3). Lembremo-nos desta verdade, dia a dia. Alimentemos com
ela, diariamente, as nossas almas. Alguns, como os antigos gregos, podem
até escarnecer da doutrina e chamá-la de “loucura”. Mas jamais nos
envergonhemos de dizer, com Paulo: “Longe esteja de mim gloriar-me,
senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (G1 6.14).
Observemos nestes versículos, em segundo lugar, quanta honra o
Senhor Jesus ama conceder àqueles que O honram. Lemos que quando Jesus
estava “em casa de Simão, o leproso”, uma certa mulher aproximou-se,
estando Ele à mesa, e lhe derramou sobre a cabeça um frasco de ungüento
preciosíssimo. Ela fez isso, sem dúvida, por reverência e afeição. Tinha
recebido de Jesus um benefício espiritual, e por isso nenhum sacrifício
pessoal era grande demais para honrar ao Senhor como retribuição. Não
obstante, o ato daquela mulher levou alguns dos circunstantes a
reprová-la, quando viram o que fizera. Chamaram aquilo de
“desperdício”. Disseram que talvez teria sido melhor vender o ungüento e
dar o dinheiro aos pobres. Mas o Senhor repreendeu prontamente aqueles
homens insensíveis e críticos. Jesus disse-lhes que “Ela praticou uma boa
ação para comigo”, a qual Ele aceitava e aprovava. E Jesus foi mais além,
e fez uma predição notável: “Onde for pregado em todo o mundo este
evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua”.
Dentro desse pequeno incidente, notamos quão perfeitamente
nosso Senhor conhecia os acontecimentos futuros, e quão facilmente Ele
pode conferir honra a alguém. Essa profecia, a respeito daquela mulher,
está sendo cumprida a cada dia perante nossos olhos. Onde quer que o
evangelho de Mateus seja lido, torna-se conhecido o que fez essa mulher.
Os feitos e os títulos de muitos monarcas, imperadores e generais estão
completamente esquecidos, como se tivessem sido escritos sobre a areia.
Porém, o ato de gratidão de uma humilde mulher crente está registrado em
centenas de idiomas diferentes, e é conhecido em todo o mundo. O elogio
dos homens dura somente por alguns dias, mas o elogio de Cristo
permanece para sempre. O caminho para a honra duradoura consiste em
dar honra a Cristo.
Em último lugar, mas não menos importante, vemos nesse in-
cidente um bendito antegozo de coisas que estão para acontecer no dia do
juízo final. Naquele grande dia, nenhuma honra prestada a Cristo nesta
terra terá sido esquecida por Ele. Os discursos dos oradores par-
Mateus 26.1-13 225

lamentares, os feitos heróicos dos guerreiros, as obras de poetas e pintores


nem serão mencionados. Mas a menor obra que o crente mais fraco tiver
feito em favor de Cristo ou do seu povo, estará registrada num livro de
memórias eternas. Nem uma única palavra ou atitude gentil, nenhum copo
de água fria ou frasco de perfume deixará de ser registrado no livro. Ouro e
prata talvez ela não tivesse; posição social, poder e influência talvez não
possuísse, mas, se ela amava a Cristo e confessava a Cristo, e trabalhava
por Cristo, a sua memória estará registrada no céu. Ela será elogiada diante
dos mundos reunidos.
Sabemos o que significa trabalhar por Cristo? Se sabemos, tenha-
mos coragem e trabalhemos ainda mais. Qual encorajamento haveríamos
de desejar maior do que este que encontramos aqui? O mundo pode rir e
nos ridicularizar. Nossos motivos podem ser mal interpretados e nossa
conduta deturpada. Nossos sacrifícios por amor a Cristo podem ser
chamados de “desperdício** — desperdício de tempo, desperdício de
dinheiro, desperdício de energias. Porém, que nada disso nos abale. Os
olhos daquele que esteve na casa de Simão, em Betânia, estão postos sobre
nós. Ele vê tudo quanto fazemos por Ele, e fica satisfeito. Portanto, sede
firmes, inabaláveis, e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que,
no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1 Co 15.58).

O Falso Apóstolo e Seu Pecado Arraigado


Leia Mateus 26.14-25

No começo desta passagem vemos como nosso Senhor Jesus Cristo


foi traído e entregue às mãos de seus inimigos mortais. Os sacerdotes e
escribas, embora ansiosos por vê-Lo morto, não sabiam como concretizar
o seu propósito, pois temiam uma revolta entre o povo. Então, surgiu um
instrumento apropriado, oferecendo-se para levar adiante os seus intentos
Judas Iscariotes. Esse falso apóstolo dispôs-se a trair o seu Mestre, por
trinta moedas de prata.
Em toda a História há poucas páginas mais escuras do que a do
caráter e da conduta de Judas Iscariotes. Não há pior evidência da pe-
caminosidade do homem. Um dos nossos poetas já disse que “uma criança
ingrata é mais cortante do que as presas de uma serpente* ‟. Mas, que
diríamos sobre um discípulo que se dispôs a trair seu próprio Mestre, de
um apóstolo que foi capaz de vender Cristo? Certamente essa não foi a
parte menos amarga do cálice de sofrimentos que nosso Senhor bebeu.
Com base nestes versículos, em primeiro lugar, cumpre-nos apren-
226 Mateus 26.14-25

der que um homem pode desfrutar de grandes privilégios e fazer uma grande
confissão e, mesmo assim, o tempo todo seu coração pode não estar correto
diante de Deus. Judas Iscariotes dispunha dos mais elevados privilégios
religiosos possíveis. Foi escolhido para ser apóstolo e companheiro de
Cristo. Foi testemunha ocular dos milagres de nosso Senhor e ouvinte de
seus sermões. Ele viu aquilo que Moisés e Abraão jamais viram, e ouviu o
que Davi e Isaías nunca ouviram. Viveu na companhia dos onze apóstolos.
Foi cooperador de Pedro e João. Porém, a despeito de tudo isso, seu
coração nunca foi mudado; ele se apegava a um pecado de estimação.
Judas Iscariotes fazia uma respeitável profissão religiosa. Quanto à
sua conduta externa tudo era correto, apropriado e coerente. Como os
demais apóstolos, ele parecia crer e desistir de tudo por amor a Cristo. Ele
também fora enviado para pregar e realizar milagres. Nenhum dos onze
parece ter suspeitado que Judas era um hipócrita. Quando nosso Senhor
disse: “um dentre vós me trairá”, ninguém falou: “Será Judas?” Não
obstante, durante todo aquele tempo, seu coração nunca foi mudado.
Deveríamos observar tais coisas. Elas servem para nos humilhar e
instruir. Assim como a mulher de Ló, Judas foi posto como um farol para
toda a igreja. Que nós pensemos freqüentemente a respeito dele, e
digamos, enquanto meditarmos, “sonda-me, ó Deus, e conhece o meu
coração... vê se há em mim algum caminho mau” (SI 139.23,24). To-
memos a resolução, pela graça de Deus, de nunca nos contentarmos com
qualquer coisa menos do que uma conversão completa e genuína do
coração.
Em segundo lugar, aprendamos, com base nestes versículos, que o
amor ao dinheiro é uma das maiores armadilhas para a alma de um homem.
Não podemos imaginar uma prova mais evidente dessa verdade do que o
caso de Judas. Aquela pergunta infame, “Que me quereis dar?”, revela o
pecado secreto que foi a ruína de Judas. Ele havia desistido de muita coisa,
por causa de Cristo; mas não havia desistido de sua cobiça.
As palavras do apóstolo Paulo deveriam soar com freqüência aos
nossos ouvidos: “O amor do dinheiro é raiz de todos os males” (1 Tm
6.10). A história da igreja está repleta de ilustrações dessa verdade. Foi por
dinheiro que José foi vendido por seus irmãos. Por dinheiro Sansão foi
traído e entregue aos filisteus. Por dinheiro Geazi enganou Naamã e mentiu
para Elizeu. Por dinheiro Ananias e Safira tentaram ludibriar o apóstolo
Pedro. Por dinheiro o Filho de Deus foi entregue às mãos dos ímpios.
Parece extraordinário que a causa de tantos males seja tão amada pelos
homens.
Mateus 26.14-25 227

Que todos nós estejamos precavidos contra o amor ao dinheiro. Em


nossos dias o mundo está cheio deste amor. A praga está por toda parte.
Milhares de pessoas, que abominariam a idéia de adorar uma imagem de
escultura, não se envergonham em fazer do ouro um ídolo. Todos estamos
sujeitos a essa infecção, desde o menor ao maior dentre nós. Podemos amar
ao dinheiro mesmo sem possuMo, da mesma maneira como podemos
possuir o dinheiro sem amá-lo. Este é um mal que opera de maneira muito
enganadora. Leva-nos em cativeiro, antes mesmo de percebermos que já
estamos presos em suas cadeias. Uma vez que permitimos que ele nos
domine, o amor ao dinheiro irá endurecer, paralizar, cauterizar, congelar,
enferrujar e secar a nossa alma. Isso aconteceu até mesmo a um apóstolo de
Cristo. Cuidemos para que também não nos aconteça. Um pequeno
vasamento pode afundar um grande navio. Um único pecado
não-mortificado pode arruinar uma alma.
Deveríamos lembrar-nos com frequência de palavras solenes como
estas. Que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua
alma?”; “nada temos trazido para o mundo, nem cousa alguma podemos
levar dele”. Nossa oração diária deveria ser “não me dês nem a pobreza
nem a riqueza; dá-me o pão que me for necessário” (Pv 30.8). O nosso alvo
constante deveria ser o enriquecimento na graça. Os que querem ficar ricos
em possessões mundanas freqüentemente descobrem, mais tarde, que
fizeram a pior das barganhas. A exemplo de Esaú, trocaram uma porção
eterna por uma pequena gratificação temporária. Assim como Judas
Iscariotes, venderam-se à perdição eterna.
Nestes versículos aprendemos, em último lugar, a situação de-
sesperada de todos quantos morrem sem se converter. As palavras de nosso
Senhor, a respeito do assunto, são peculiarmente solenes. Disse Ele acerca
de Judas: “Melhor lhe fora não haver nascido!”.
Esta afirmativa admite somente uma interpretação. Ela nos ensina
claramente que é melhor nunca viver, do que viver neste mundo sem ter fé,
e morrer sem a graça divina. Morrer em tal estado significa ruma para todo
o sempre. Trata-se de uma queda sem recuperação. É uma perda
absolutamente irreparável. No inferno não haverá qualquer possibilidade
de mudança. O abismo entre céu e inferno é enorme, e ninguém pode
atravessá-lo.
Esta declaração nunca poderia ter sido usada se houvesse alguma
verdade na doutrina da salvação universal. Se realmente fosse verdade que,
mais cedo ou mais tarde, todos os seres humanos alcançarão o céu, e que o
inferno cedo ou tarde não terá mais habitantes, então jamais poderia ter
sido dito que seria melhor um homem “não haver nascido”, conforme disse
Jesus. O próprio inferno perderia os seus terrores, se viesse a ter um fim. O
próprio inferno se tornaria um lugar
228 Mateus 26.14-25

suportável, se após milhões de anos houvesse uma esperança de liberdade


e de o condenado ir para o céu. Porém, a salvação universal não encontra
qualquer fundamento nas Escrituras. O ensino da Palavra de Deus sobre o
assunto é claro e explícito. Há um “verme” que não morre e um “fogo” que
não se apaga (Mc 9.44). “Se alguém não nascer de novo” (Jo 3.3),
desejará, um dia, nunca ter nascido. Escreveu Burkitt: “Melhor não existir
do que não existir em Cristo”.
Apeguemo-nos firmemente a esta verdade, sem deixá-la escapar.
Sempre há pessoas que têm aversão à realidade e eternidade do inferno.
Vivemos em uma época em que uma benevolência mórbida leva muitos
homens a exagerar a misericórdia de Deus às custas da justiça de Deus; e
falsos mestres ousam falar de um „ „amor de Deus que ultrapassa até
mesmo o inferno”. Ofereçamos resistência a tal tipo de ensino, movidos
por um santo zelo, e permaneçamos fiéis à doutrina da Sagrada Escritura.
Que nós não nos envergonhemos de andar nas antigas veredas, crendo que
existe um Deus eterno, um céu eterno e um inferno eterno. Se nos
afastarmos desta crença, estaremos admitindo a cunha afiada do ceticismo,
e por fim acabaremos negando qualquer doutrina do evangelho. Entre uma
crença na eternidade do inferno e a infidelidade evidente não há qualquer
ligação. Acerca disso podemos estar descansados.

A Ceia do Senhor e os Primeiros Participantes


Leia Mateus 26.26-35

Estes versículos descrevem a instituição da ordenança da Ceia do


Senhor. Nosso Senhor sabia bem as coisas que estavam diante de si, e
graciosamente escolheu a última noite de quietude que podia ter, antes da
crucificação, como ocasião para conceder um dom à sua igreja, antes de
partir. Quão preciosa deve ter parecido esta ordenança, mais tarde, quando
os discípulos se lembraram dos acontecimentos daquela noite! Quão
lamentável saber que nenhuma outra ordenança tem provocado uma
controvérsia tão feroz, e sido tão tristemente mal compreendida como esta
ordenança da Ceia do Senhor. Ela deveria ter unificado a igreja, mas
nossos pecados a tem transformado em um motivo de divisões. Aquilo que
visava ao nosso bem com freqüência tem sido transformado em ocasião de
tropeço.
A primeira coisa que nos chama a atenção nestes versículos é a
correta significação das palavras de nosso Senhor, “isto ê o meu corpo' „ ‘isto
ê o meu sangue ‟É desnecessário dizer que este assunto
Mateus 26.26-35 229

tem causado divisão na igreja visível de Cristo. Muitos volumes de te-


ologia controvertida já foram escritos a respeito, mas não deveríamos
deixar de ter uma opinião bem formada sobre o assunto, somente porque
os teólogos têm disputado e diferido entre si. A compreensão errônea
destas palavras de Cristo já originou muitas superstições deploráveis.
O nítido sentido das palavras de nosso Senhor parece ser o se-
guinte: “Este pão representa o meu corpo. Este vinho representa o meu
sangue”. Jesus não quis dizer que o pão oferecido a seus discípulos era,
real e literalmente, o seu corpo. Também não quis jamais dar a entender
que o vinho era, Hteralmente, o seu sangue. Firmemo-nos nesta
interpretação, pois ela conta com o apoio de diversas razões importantes.
A conduta dos discípulos, na Ceia do Senhor, proíbe-nos de crer
que o pão que receberam fosse o corpo de Cristo, e o vinho fosse o seu
sangue. Eles todos eram judeus, ensinados desde a infância a crer que era
pecado ingerir a carne juntamente com o sangue (Dt 12.23-25). No
entanto, nada existe nesta narrativa bíblica que demonstre que tenham
ficado chocados com as palavras de nosso Senhor. Evidentemente, eles
não viram qualquer mudança no pão e vinho.
Nossos próprios sentidos, hoje, impedem-nos de acreditar que haja
qualquer modificação no pão e vinho, na celebração da Ceia do Senhor.
Nosso paladar nos diz que esses elementos são real e literalmente aquilo
com que se parecem. A Bíblia nos manda crer em fatos que ultrapassam o
nosso entendimento, mas nunca ordena que creiamos naquilo que
contradiz os nossos sentidos.
A verdadeira doutrina acerca da natureza humana de nosso Senhor
proíbe-nos crer que o pão, na Ceia do Senhor, possa ser seu corpo, ou o
vinho seu sangue. O corpo natural de Jesus não pode estar em mais de um
lugar ao mesmo tempo. Se o corpo de Cristo pudesse estar reclinado à
mesa, e, ao mesmo tempo, ser ingerido pelos discípulos, fica perfeitamente
claro que aquele não era um corpo humano, como o nosso. Isto é algo que
jamais devemos admitir, sequer por um momento. A glória do cristianismo
é que o nosso Redentor é homem perfeito e Deus perfeito.
Finalmente, o caráter da linguagem empregada por nosso Senhor
durante a Ceia, torna inteiramente desnecessário interpretarmos as suas
palavras literalmente. A Bíblia está cheia de expressões semelhantes, às
quais ninguém pensa em dar uma interpretação que não seja figurativa. Por
exemplo, nosso Senhor fala de si mesmo como a “porta” e a “videira”, e
sabemos que Ele está usando símbolos e figuras quando assim fala.
Portanto, não há qualquer incoerência em supor que Ele falou em
linguagem figurativa quando instituiu a Ceia do Senhor. E temos ainda
maior direito de assim pensar, quando nos lembramos das
230 Mateus 26.26-35

graves objeções que advêem de uma interpretação literal.


Que nós guardemos estas coisas em mente, e não nos esqueçamos
delas. Numa época em que as heresias tanto se multiplicam, é bom
estarmos bem armados. Pontos de vista confusos e ignorantes, acerca do
significado da linguagem das Escrituras, são uma grande causa de erros
doutrinários.
A segunda coisa que exige a nossa atenção, nestes versículos, é o
próposito e o objetivo porque a Ceia do Senhor foi instituída. Novamente, este é
um assunto em torno do qual prevalece muita obscuridade. A ordenança da
Ceia do Senhor tem sido considerada como algo misterioso e que
ultrapassa o entendimento. Imenso dano tem sido feito ao cristianismo pela
linguagem vaga e floreada com que muitos escritores se permitem abordar
esta ordenança. Nada existe, na narrativa original da instituição da Ceia,
que possa justificar interpretações assim. Quanto mais simples a nossa
compreensão sobre o propósito desta ordenança, mais bíblica ela será.
A Ceia do Senhor não é um sacrifício. Não há nela qualquer
oblação, nenhuma oferenda de coisa alguma, senão nossas orações, lou-
vores e ações de graças. Desde o dia em que Jesus morreu, não há
necessidade de qualquer outra oferenda pelo pecado. Com uma única
oferta Ele aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados (Hb
10.14). Sacerdotes, altares e sacrifícios deixaram de ser necessários,
quando o Cordeiro de Deus ofereceu a si mesmo. Tais ofícios e instituições
chegaram ao seu ponto final; a sua utilidade cessou para sempre.
A Ceia do Senhor não tem poder de conferir benefícios aos que dela
participam, se estes não se aproximam com fé. O mero ato formal de comer
o pão e beber o vinho será completamente inútil, a menos que seja feito
com um reto coração. Eminentemente, esta é uma ordenança para a alma já
vivificada, e não para aquela que está morta; é uma ordenança para os
convertidos, e não para os inconversos.
A Ceia do Senhor foi ordenada para ser um memorial contínuo do
sacrifício da morte de Cristo, até que Ele volte. Os benefícios que ela
concede são espirituais, e não físicos. Os seus efeitos devem ser procurados
em nosso homem interior. Sua finalidade é fazer lembrar- -nos, mediante
elementos visíveis e tangíveis, pão e vinho, que o oferecimento do corpo e
sangue de Cristo por nós, na cruz, é a única expiação pelo pecado, e é a
vida da alma de um crente. Os seus propósitos são ajudar nossa débil fé,
para que tenhamos um relacionamento mais próximo com nosso Senhor
crucificado, e nos assistir e alimentar de uma maneira espiritual do corpo e
do sangue de Cristo. E uma ordenança para pecadores remidos, e não para
anjos que nunca caíram. Recebendo-a, declaramos publicamente nosso
senso de culpa e nossa
Mateus 26.26-35 231

necessidade de um Salvador, nossa confiança em Jesus e nosso amor por


Ele, nosso desejo de viver alicerçados sobre Ele e nossa esperança de viver
com Ele. Usando a Ceia com esta atitude, veremos que nosso
arrependimento será mais profundo, nossa fé será fortalecida, nossa
esperança avivada e nosso amor aumentado; nossos pecados costumeiros
se enfraquecerão, e as graças divinas serão intensificadas. Isto, portanto,
aproxima-nos mais de Jesus Cristo.
Guardemos era mente estas coisas. Elas precisam ser relembradas
nestes nossos últimos dias. Nada existe em nossa religião que estejamos tão
prontos a perverter e mal-entender, quanto aquelas partes que envolvem os
nossos sentidos. Tudo aquilo que pudermos tocar com a nossa mão, e ver
com nossos olhos, temos a tendência de transformar em um ídolo, ou
esperar dessas coisas algum benefício, como se fosse por mágica.
Vigiemos, sobretudo, no que diz respeito à Ceia do Senhor, contra esta
nossa tendência. Acima de tudo, como diz a homilia,
tomemos cuidado para “que o memorial não seja transformado em sa-
crifício* '.
A ultima coisa a merecer uma breve nota, nesta passagem, é o
caráter dos que participaram na primeira Ceia. Esta é uma particularidade
repleta de consolo e instrução. O pequeno grupo, que pela primeira vez
recebeu do Senhor a ministração da Ceia, era composto pelos apóstolos a
quem Ele havia escolhido para acompanhá-Lo durante o seu ministério
terreno. Eram homens pobres e iletrados, que amavam a Cristo, mas eram
todos igualmente fracos, tanto na fé quanto no conhecimento. Eles não
compreendiam o pleno significado das afirmações e dos atos de seu
Mestre. Não conheciam a fragilidade de seus próprios corações. Pensavam
estar preparados para morrer em companhia de Jesus, mesmo assim,
naquela mesma noite todos O deixaram e fugiram. Nosso Senhor sabia de
tudo isso perfeitamente bem. O estado real de
seus corações não Lhe era desconhecido. Mesmo assim Ele não lhes negou
a participação na Ceia.
Há um grande ensinamento nesta circunstância. Ela nos mostra
claramente que não devemos impor um grande conhecimento e um grande
vigor espiritual como qualificativos indispensáveis para a participação na
Ceia do Senhor. Um homem pode conhecer bem pouco e não ser mais do
que uma criança em termos de vigor espiritual, mas não deve, por isso, ser
excluído da mesa do Senhor. Este homem realmente se ressente de seus
pecados? Ele realmente ama a Cristo? Tem o desejo autêntico de servi-Lo?
Se assim for, devemos recebê-lo e encorajá-lo. Sem duvida, devemos fazer
todo o possível para excluir comungantes indignos. Nenhuma pessoa alheia
a graça de Deus deveria participar da Ceia do Senhor, mas devemos ter
cuidado de não rejeitar àquele a
232 Mateus 26,26-35

quem Cristo não rejeitou. Não há sabedoria alguma em nos mostrarmos


mais estritos do que nosso Senhor e seus apóstolos.
Passemos adiante, fazendo uma séria auto-inquirição de nossa
própria conduta a respeito da Ceia do Senhor. Nós nos afastamos dela
quando está sendo celebrada? Nesse caso, como podemos justificar nossa
conduta? Não podemos alegar que não se trata de uma ordenança ne-
cessária. Dizer isso significa desprezar o próprio Jesus Cristo e declarar
que não Lhe obedecemos. Também não podemos alegar que nos sentimos
indignos de participar da mesa do Senhor. Afirmar tal coisa é declarar que
estamos despreparados para a morte, despreparados para nos
encontrarmos com Deus. Estas são considerações extremamente solenes.
Todos os que não participam da Ceia do Senhor deveríam ponderá-las
bem.
Temos o hábito de vir à Ceia do Senhor? Nesse caso, com que
atitude o fazemos? Achegamo-nos a ela de forma inteligente e humilde,
com fé no coração? Compreendemos, na verdade, o que nos propomos a
fazer? Sentimos, efetivamente, a nossa peeaminosidade e nossa ne-
cessidade de Jesus Cristo? Desejamos viver uma vida realmente cristã, e
professar realmente a fé cristã? Feliz o homem que pode dar respostas
satisfatórias a estas indagações. Que ele vá em frente e persevere.

A Agonia no Getsêmani
Leia Mateus 26,36-46

Os versículos que acabamos de ler descrevem aquilo que é co-


mumente chamado de a “paixão” de Cristo no Getsêmani. É uma
passagem que, sem dúvida contém profundidades e mistérios. Deveríamos
lê-la com reverência e admiração, pois há nela muitas coisas que não
podemos compreender inteiramente.
Por que motivo encontramos nosso Senhor muito entristecido e
angustiado, conforme lemos neste trecho? Como devemos entender suas
palavras: “A minha alma está profundamente triste até à morte?” Por que
vemos Jesus distanciar-se de seus discípulos e prostrar-se de rosto em
terra, a fim de dirigir ao Pai fortes clamores em oração por três vezes? Por
que o todo-poderoso Filho de Deus, que fizera tantos milagres, estava
agora tão triste e inquieto? Por que Jesus, que veio ao mundo para morrer,
agora quase desmaiava ao aproximar-se a morte? Por que todas estas
coisas?
Só existe uma única resposta razoável para estas indagações. O
peso que estava sobre a alma de nosso Senhor não era o temor da morte
Mateus 26.36-46 233

e de suas agonias. Milhares de pessoas têm sofrido os mais terríveis


sofrimentos físicos e morrido sem emitir um gemido, e, sem dúvida,
poderia ter sido assim com nosso Senhor. Mas o peso real, que tanto
entristecia o coração de Jesus, era o peso do pecado do mundo, que
naquele momento parecia estar pesando sobre Ele com força peculiar. Era
a carga de nossa culpa que Lhe estava sendo imputada, a qual agora estava
sendo lançada sobre Ele, como era posta sobre a cabeça do cordeiro da
expiação. Não há coração humano que possa conceber quão grande era
essa carga. Só Deus o sabe. Bem podia falar a litania grega sobre os
sofrimentos desconhecidos de Cristo”. E as palavras de Scott sobre esse
assunto provavelmente são corretas: “Cristo, naqueles momentos,
suportava uma penúria tao intensa (como aquela que sofrem os espíritos
condenados) quanto fosse possível suportar sem deixar de ter uma
consciência pura, um perfeito amor a Deus e aos homens, e uma segura
confiança de uma consumação gloriosa“.
Mas por mais misteriosa que nos possa parecer essa etapa na his-
tória de nosso Senhor, não devemos deixar de observar as preciosas lições
de instrução prática nela contidas. Vejamos, pois, quais são essas lições.
Em primeiro lugar, aprendamos que a oração é o melhor remédio
prático que podemos usar em tempos de tribulação. Vemos que Cristo mesmo
orou quando sua alma estava angustiada. Todos os verdadeiros crentes
deveriam fazer o mesmo.
As tribulações são um cál ice do qual todos precisamos beber neste
mundo de pecado. „ „O homem nasce para o enfado como as faíscas das
brasas voam para cima” (Jo 5.7). Não podemos evitá-lo. Dentre todas as
criaturas, nenhuma é tão vulnerável quanto o homem. Nosso corpo, nossa
mente, nossa família, nossos negócios, nossos amigos, são várias portas
por onde a tribulação pode vir. Mesmo o mais santificado dos filhos de
Deus não pode declarar-se como exceção. A exemplo de seu Senhor, os
crentes, com grande freqüência, são “homens de dores” Gs 53.3).
Qual seria a primeira coisa que deveríamos fazer, quando nos
sentimos atribulados? Deveríamos orar. À semelhança de Jó, devemos
prostrar-nos e adorar ao Senhor (Jó 1.20). Tal como Ezequiel, devemos
expor as nossas dificuldades diante do Senhor (2 Rs 19.14). A primeira
pessoa a quem deveríamos pedir ajuda é ao nosso Deus. Deveríamos
contar ao nosso Pai, que está nos céus, todas as nossas aflições. De-
veríamos confiar que coisa alguma é por demais pequena ou trivial, para
colocar perante Ele, contanto que o façamos com inteira submissão à sua
vontade. Uma das características da fé consiste em nada ocultar de nosso
melhor Amigo. Assim agindo, podemos ter a certeza de que
234 Mateus 26.36-46

obteremos a sua resposta. “Se for possível”, e se a coisa solicitada


contribuir para a glória de Deus, então nosso pedido ser-nos-á outorgado.
O espinho na carne ser-nos-á removido, ou então a graça divina ser-nos-á
proporcionada, para podermos suportar tal espinho, segundo se deu com o
apóstolo Paulo (2 Co 12.9). Registremos na mente essa lição, para tempos
de necessidade. É perfeitamente veraz aquela declaração; “A oração é um
remédio que alivia preocupações”.
Em segundo lugar, aprendemos que a inteira submissão de nossa
vontade à vontade de Deus deveria ser um dos nossos principais alvos neste
mundo. As palavras de nosso Senhor são um belo exemplo da atitude que
devemos cultivar quanto a essa questão. Ele diz: “Não seja como eu quero,
e, sim, como tu queres”.
Uma vontade descontrolada e não-santificada é uma grande causa
de infelicidade na vida. Isso pode ser visto até nas vidas de pequenos
infantes. É algo que já nasce conosco. Todos nós gostamos de fazer as
coisas à nossa própria maneira. Desejamos e queremos muitas coisas, mas
nos esquecemos de que somos totalmente ignorantes acerca do que é
melhor para nós, e de que somos incapazes de escolher por nós mesmos.
Feliz é quem já aprendeu a não ter desejos, e estar contente em qualquer
situação. Esta é uma lição que só aprendemos com lentidão, e, como o
apóstolo Paulo, não devemos aprendê-la na escola do homem mortal, mas
na escola de Cristo (Fp 4.11).
Desejamos saber se já nascemos de novo e se estamos crescendo na
graça? Nesse caso, vejamos o que acontece no tocante à nossa vontade.
Somos capazes de suportar desapontamentos? Somos capazes de tolerar
com paciência os testes inesperados e os desgostos que nos sobrevêm?
Podemos ver frustrados os nossos planos de estimação e projetos, sem
murmuração e sem queixas? Podemos nos assentar em silêncio e sofrer
calmamente, tanto quanto estar envolvidos em grande atividade? Estas são
questões que comprovam se realmente temos a mente de Cristo. Nunca
deveríamos nos esquecer de que sentimentos calorosos e disposições
alegres não são as evidências mais verdadeiras da graça divina. A vontade
mortificada é uma possessão muito mais valiosa. Mesmo o nosso Senhor
nem sempre se regozijava, mas podia sempre dizer “faça- -se a tua
vontade”.
Por último, aprendamos que existe grande fraqueza, até mesmo nos
verdadeiros discípulos de Cristo, e que eles precisam vigiar e orar a esse
respeito. Vemos Pedro, Tiago e João, três apóstolos escolhidos, dormindo,
quando deveriam estar vigiando e orando. Também vemos nosso Senhor
dirigindo-se a eles com estas solenes palavras: “Vigiai
e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto,
mas a carne é fraca”.
Mateus 26.36-46 235

Há uma dupla natureza em todos os crentes. Convertidos, reno-


vados e santificados como são, mesmo assim eles ainda carregam consigo
uma massa de corrupção, um corpo de pecado. Paulo refere-se a isso,
quando assevera: ..encontro a lei de que o mal reside em mim. Por
que, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo
nos meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente,
me faz prisioneiro da lei do pecado...” (Rm 7.21-23). A experiência de
todos os verdadeiros cristãos, em todos os séculos, confirma isso. Eles
encontram dentro de si mesmos dois princípios contrários, e uma batalha
contínua entre os dois. Nosso Senhor alude a esses dois princípios quando
se dirige aos discípulos dormentes. Ele chama a um de “carne” e ao outro
de “espírito”. “O espírito na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.”
Mas nosso Senhor procurou desculpar essa fraqueza em seus dis-
cípulos? Longe de nós pensar tal coisa. Os que tiram esta conclusão
interpretam muito mal o que Ele quis dizer. Jesus usa essa mesma fraqueza
como um argumento para a vigilância e a oração. Ele nos ensina que o
próprio fato de estarmos cercados de tanta fraqueza deveria despertar-nos
continuamente para “vigiar e orar”.
Se desejamos seguir a verdadeira religião cristã, jamais nos es-
queçamos desta lição. Se desejamos andar com Deus confortavelmente e
não cair, como sucedeu a Davi e a Pedro, então nunca nos esqueçamos de
vigiar e orar. Que vivamos como soldados em território inimigo,
montando guarda permanente. Nunca caminhamos com demasiada cau-
tela. Nunca exercemos cuidado em demasia por nossa alma. O mundo é
muito traiçoeiro. O diabo está sempre muito ocupado. Que as palavras de
nosso Senhor soem em nossos ouvidos diariamente, como uma trombeta.
O espírito pode, talvez, estar bem pronto, mas a carne é sempre muito
fraca. Portanto, vigiemos sempre e oremos sempre.

O Beijo do Falso Apóstolo;


A Submissão Voluntária de Jesus Cristo
Leia Mateus 26.47-56

Nestes versículos, vemos que o cálice dos sofrimentos de nosso


Senhor Jesus Cristo começa a encher-se. Vemo-Lo traído por um de seus
discípulos, abandonado pelos demais e aprisionado por seus inimigos de
morte. Certamente nunca houve tristezas como as que Ele sofreu. Não nos
esqueçamos, ao ler este trecho da Bíblia, que os nossos pecados foram a
causa dessas tristezas! Jesus foi “entregue por causa das nossas
transgressões” (Rm 4.25).
236 Mateus 26.47-56

Em primeiro lugar notemos, nestes versículos, como o relacio-


namento entre Jesus e seus discípulos foi marcado por uma graciosa
afabilidade, Este ponto é demonstrado através de uma circunstância
profundamente comovedora, no momento da traição de nosso Senhor,
Quando Judas Iscariotes ofereceu-se para guiar a multidão ao lugar onde
estava o seu Mestre, ele lhes deu um sinal, mediante o qual poderiam
distinguir a Jesus dentre os seus discípulos, mesmo sob a fraca luz da lua.
Ele disse: “Aquele a quem eu beijar, é esse; prendei-o”. E assim,
chegando-se a Jesus, disse: “Salve, Mestre!”, e O beijou. Este simples fato
revela os termos afetuosos com que os discípulos se associavam a Jesus. E
costume nos países orientais, quando dois amigos se encontram,
saudarem-se com um ósculo (Êx 18.7; 1 Sm 20.41). Parece, portanto, que
quando Judas beijou Jesus, ele estava apenas fazendo o que todos os
apóstolos estavam habituados a fazer quando encontravam o Mestre, após
uma ausência.
Que nós tiremos desta pequena circunstância conforto para nossas
próprias almas. Nosso Senhor Jesus Cristo é um Salvador gracioso e
afável. Ele não é “homem severo”, repelindo os pecadores e mantendo- -os
à distância. Ele não é um ser tão diferente de nós, em natureza, que
tenhamos de considerá-Lo com assombro, mais do que com afeto. Ele
antes deseja que O consideremos como um irmão mais velho e um querido
amigo. O seu coração, lá no céu, é ainda o mesmo que era neste mundo.
Ele é sempre manso, misericordioso e afável para com os homens
humildes. Confiemos nEle, e não tenhamos receio,
Em segundo lugar, observemos como nosso Senhor condena àqueles
que pensam em usar armas carnais em defesa dEle ou de sua causa. Ele
reprova a um de seus discípulos por ferir um servo do sumo sacerdote. Diz
Ele: „ „Embainha a tua espada‟ ‟. E acrescenta uma declaração solene, de
perpétua significação: “Todos os que lançam mão da espada, à espada
perecerão”.
A espada tem uma utilização legítima e peculiar. Ela pode ser
utilizada com justiça, na defesa de nações contra a opressão. Ela pode
mesmo tomar-se necessária a fim de evitar confusão, saque e rapina em
um país. Mas a espada jamais deve ser empregada na propagação e
manutenção do evangelho. O cristianismo não pode ser imposto mediante
o derramamento de sangue, e nem se pode obrigar as pessoas a crerem. A
igreja teria tido uma história mais feliz se esta sentença tivesse sido mais
frequentemente relembrada. Há poucos países na cristandade onde esse
erro não tem sido cometido, na tentativa de modificar as opiniões
religiosas dos homens mediante compulsão, penalidades, encarceramento
e morte. E com quais efeitos? As páginas da história nos dão uma resposta.
Não têm havido guerras mais sangrentas do que
Mateus 26.47-56 237

as motivadas pelo choque de opiniões religiosas. Com freqüência, com


muita freqüência, infelizmente, os próprios homens que promovem tais
guerras são eles mesmos mortos na batalha. Nunca nos deveríamos
esquecer disso. As armas da milícia cristã não são carnais, e, sim, es-
pirituais (2 Co 10.4).
Em seguida, observemos como nosso Senhor deixou-se fazer pri-
sioneiro por sua própria e livre vontade. Ele não foi levado cativo porque não
pudesse escapar. Teria sido fácil, para Ele, dispersar os seus inimigos pelo
vento, se assim tivesse querido fazer. “Acaso pensas“, Ele disse a um
discípulo, que não posso rogar a meu Pai, e Ele me mandaria neste
momento mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpririam as
Escrituras, segundo as quais assim deve suceder?“
Nestas palavras vemos o segredo da sua submissão voluntária a seus
inimigos. Ele veio com o propósito de cumprir os símbolos e as promessas
das Escrituras do Antigo Testamento, para que, cumprindo- -os,
providenciasse salvação para o mundo. Ele veio intencionalmente, para ser
o verdadeiro Cordeiro de Deus, o Cordeiro pascal. Veio para ser o bode
expiatório, sobre o qual seriam postas as iniquidades do povo. O seu
coração estava resolvido a realizar essa grande obra. Para isso, era
necessário que fosse velado o seu poder'* (Hc 3.4) por algum tempo. Para
fazer essa obra Ele se tornou um sofredor voluntário. Ele foi preso, julgado,
condenado e crucificado inteiramente por sua própria vontade.
Marquemos esse fato, pois há nele muito encorajamento para nós. O
sofredor voluntário será, também, um Salvador voluntário. O Filho de
Deus, todo-poderoso, que consentiu em ser preso pelos homens e levado
cativo quando poderia tê-los impedido com apenas uma palavra,
certamente estará pronto a salvar as almas que correrem para Ele. Uma
vez mais, portanto, devemos aprender a confiar nEle, sem qualquer receio.
Em último lugar, notemos quão pouco os crentes reconhecem a
fraqueza de seus próprios corações, até que sejam provados. Temos, na
conduta dos apóstolos, uma triste ilustração desta verdade. Os versículos
que acabamos de ler se concluem com estas palavras: “Então os discípulos
todos, deixando-o, fugiram”. Todos esqueceram as confiantes afirmações
feitas por eles mesmos, umas poucas horas antes. Esqueceram-se de que
tinham declarado sua disposição de morrer com seu Mestre.
Esqueceram-se de tudo, menos do perigo que agora os encarava de frente.
O temor da morte os dominou e, “deixando-o fugiram”.
Quantos cristãos já fizeram o mesmo! Sob a influência de sen-
timentos agitados, eles prometeram jamais se envergonhar de Cristo!
Depois da Ceia do Senhor, ou de algum sermão poderoso, ou de algum
238 Mateus 26.47-56

congresso cristão, eles saíram cheios de zelo e amor, prontos a dizer, a


todos os que procuravam acautelá-los acerca da possibilidade de desvio:
“Pois que é teu servo, este cão, para fazer tão grandes coisas?” (2 Rs 8.13).
No entanto, em poucos dias, aqueles sentimentos esfriaram e
desapareceram. Veio uma provação e caíram diante dela. Abandonaram a
Cristo.
Nesta passagem, aprendamos preciosas lições de humildade e auto-
-abatimento. Resolvamos, pois, pela graça de Deus, cultivar um espírito de
humildade e auto-desconfiança. Em nossas mentes, conscientizemo- -nos
de que nada existe de tão ruim que o melhor dentre nós não possa fazer, a
menos que vigiemos, oremos e estejamos amparados pela graça de Deus.
Que uma de nossas orações diárias seja: “Sustenta-me, e serei
salvo” (SI 119.117).

Cristo Diante do Concílio Judaico


Leia Mateus 26.57-68

Nestes versículos lemos como nosso Senhor Jesus Cristo foi levado
a Caifás, o sumo sacerdote, e solenemente declarado culpado. Convinha
que assim fosse, pois o grande dia da expiação havia chegado. O
maravilhoso símbolo do bode expiatório estava para ser completamente
cumprido. Era apropriado que o sumo sacerdote fizesse a sua parte e
imputasse o pecado sobre a cabeça da vítima, antes que ela fosse levada
para a crucificação. Que nós possamos meditar sobre estas coisas e
compreendê-las bem. Havia um profundo significado em cada etapa da
paixão de nosso Senhor.
Observemos, nestes versículos, que os maiorais dos sacerdotes foram
os agentes principais a conspirarem para a morte de nosso Senhor. Devemos
recordar que não foi tanto o povo judeu que suscitou esta obra de
impiedade, e, sim, Caifás e seus companheiros, os principais sacerdotes.
Temos nisso um fato instrutivo, merecedor de toda a nossa atenção.
Trata-se de uma prova evidente de que elevados ofícios eclesiásticos não
isentam ninguém de graves erros doutrinários ou pecados tremendos. Os
sacerdotes judeus podiam traçar a sua ascendência desde Aarão, e eram os
seus legítimos sucessores. O seu ofício era caracterizado por uma santidade
peculiar e responsabilidades peculiares. Mesmo assim, estes mesmos
homens foram os assassinos de Cristo!
Tenhamos o cuidado de não considerar infalível nenhum ministro
religioso. A sua ordenação pela igreja, por mais autorizada que seja,
Mateus 26.57-68 239

não é garantia de que ele não possa nos desviar do caminho e mesmo
arruinar nossas almas. O ensino e conduta de todos os ministros precisa ser
checado pela Palavra de Deus. Eles devem ser seguidos enquanto
estiverem sendo fiéis à Bíblia, e nem um pouco além disso. A máxima
estabelecida em Isaías deve ser a nossa diretriz: “À lei e ao testemunho!”
(Is 8.20).
Em segundo lugar, observemos que nosso Senhor declarou aber-
tamente, ao concílio judaico, a sua própria messianidade e futura vinda gloriosa.
Nenhum judeu não-convertido pode hoje dizer-nos que seus antepassados
foram deixados na ignorância quanto ao fato de Jesus ser o Messias. A
resposta de nosso Senhor à solene adjuração do sumo sacerdote foi uma
declaração suficiente. Ele afirma claramente, diante do concílio, ser o
„„Cristo, o Filho de Deus”. Ele vai mais além, e os adverte que, embora
ainda não tivesse aparecido em glória, conforme esperavam que o Messias
tivesse feito, um dia chegaria em que Ele iria aparecer desse modo. „„Eu
vos declaro que desde agora vereis o Filho do homem assentado à direita
do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.” Eles ainda veriam
aquele mesmo Jesus de Nazaré, a quem estavam julgando em seu tribunal,
aparecer um dia em toda a majestade, como Rei dos reis (Ap 1.7).
Um fato destacado, que não deveríamos deixar de notar, é que nas
últimas palavras de nosso Senhor para os judeus estava uma predição de
advertência, acerca de sua própria segunda vinda. Jesus lhes disse,
claramente, que ainda haveriam de vê-lo em glória. Sem dúvida, Ele se
referia ao sétimo capítulo de Daniel, na linguagem que usou. Mas falava
para ouvidos surdos. Incredulidade, preconceitos e justiça- -própria
cobriam aqueles judeus, como uma nuvem espessa. Nunca houve um caso
tão grave de cegueira espiritual. Por isso é que a litania da ig reja anglicana
contém a oração: *„De toda a cegueira... e dureza de coração, ó bom
Senhor, livra-nos”.
Em último lugar, observemos quanto falso testemunho e quanta
zombaria nosso Senhor precisou suportar diante do concílio judaico. A
falsidade e o ridículo são armas antigas e favoritas do diabo. Satanás é
mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44). Durante todo o ministério terreno de
nosso Senhor vemos essas armas sendo continuamente usadas contra Ele.
Jesus foi chamado de glutão, bebedor de vinho e amigo de publicanos e
pecadores. Foi menosprezado e chamado de samaritano; e a cena final de
sua vida foi perfeitamente coerente com todo o teor passado da mesma.
Satanás incitou os adversários a acrescentarem insulto às agressões. Assim
que Jesus foi declarado culpado, choveu sobre Ele toda a sorte de
indignidades: “Uns cuspiram-lhe no rosto e lhe davam murros, e outros o
esbofeteavam”. Eles diziam, em zombaria:
240 Mateus 26.57-68

“Profetiza-nos, à Cristo, quem é que te bateu!“


Quão incrível e estranho tudo isso soa para nós! Quão maravilhoso
que o santo Filho de Deus tivesse se submetido voluntariamente a tais
indignidades, para redimir miseráveis pecadores como nós! Que
maravilhoso cada um dos insultos contra Jesus terem sido preditos se-
tecentos anos antes de ocorrerem! Setecentos anos antes, Isaías tinha
escrito: “não escondi o meu rosto dos que me afrontavam e me cuspiam“
(Is 50.6).
Extraímos desta passagem uma conclusão prática. Que jamais nos
surpreenda o termos de enfrentar escárnio e ridículo e calúnia, porque
pertencemos a Jesus Cristo. O discípulo não é maior do que seu mestre,
nem o servo maior do que seu Senhor. Se mentiras e insultos foram
lançados contra nosso Salvador, não temos que nos admirar se as mesmas
armas são constantemente usadas contra o seu povo. Uma das grandes
artimanhas de Satanás é denegrir o caráter dos homens de Deus e fazê-los
cair em descrédito. As vidas de Lutero, Cranmer, Cal- vino e João Wesley
são exemplos abundantes disto. Se alguma vez formos chamados a sofrer
desse modo, suportemos tudo com paciência. Bebemos do mesmo cálice
de que nosso amado Senhor bebeu. Mas há uma grande diferença. No pior
dos casos, experimentamos apenas algumas poucas gotas amargas, mas
Ele bebeu o cálice todo.

Pedro Nega o Seu Mestre


Leia Mateus 26.69-75

Estes versículos relatam um acontecimento notável e profunda-


mente instrutivo: a negação de Cristo, por parte do apóstolo Pedro. Este é
um daqueles eventos que provam indiretamente a veracidade da Bíblia. Se
o evangelho fosse mera invenção humana, nunca teríamos sido informados
de que um dos seus principais pregadores foi um dia tão fraco e pecador, a
ponto de negar seu Mestre.
A primeira coisa a requerer nossa atenção é a natureza do pecado de
que Pedro se tomou culpado. Foi um grande pecado. Vemos um homem que
havia seguido a Cristo por três anos e se destacado por sua profissão de fé e
amor por Ele, um homem que havia recebido muitíssima misericórdia e
amabilidade, e que havia sido tratado por Cristo como um amigo familiar
— vemos este homem três vezes negar que conhecia a Jesus! Isto foi muito
mau. Foi um pecado cometido sob circunstancias as mais agravantes.
Ademais, Pedro tinha sido avisado claramente do perigo, e tinha ouvido a
advertência. A pouco tinha re-
Mateus 26.69-75 241

cebido pão e vinho das mãos de nosso Senhor, e declarado em alta voz
que, ainda que tivesse de morrer com Cristo, jamais O negaria! Isto,
também, foi muito mau.
O pecado foi cometido sob uma provocação aparentemente pequena
. Duas simples criadas fazem a declaração de que ele estava com Jesus. Os
que estavam ao lado dizem: *'Verdadeiramente és também um deles‟'.
Nenhuma ameaça parece ter sido usada; nenhuma violência parece ter sido
feita. No entanto, isto foi suficiente para derrotar a fé de Pedro. Ele nega
diante de todos; nega cora juramento e pragueja. Verdadeiramente, este é
um quadro humilhante!
Frisemos bem esta história, guardando-a na memória. Porquanto
nos ensina, com toda a clareza, que os melhores dentre os santos não
passam de homens, e homens cercados de muitas fraquezas. Um homem
pode converter-se ao Senhor, ter fé e esperança e amor para com Cristo, e,
mesmo assim, ser apanhado em uma falta e sofrer quedas terríveis. Isto nos
mostra a necessidade de humildade. Enquanto estamos no corpo, estamos
em perigo. A carne é fraca e o diabo está sempre ativo. Jamais devemos
pensar: “Eu não caio”.
Isto nos mostra o dever de usarmos de bondade para com os irmãos
na fé que erram. Não devemos classificar homens como réprobos in-
convertidos, somente porque ocasional mente tropeçam e erram. Antes,
devemos relembrar-nos de Pedro, e corrigi-los com o espírito de brandura
(Gl 6.1),
A segunda coisa que demanda nossa atenção é a série de passos pelos
quais Pedro foi levado a negar seu Senhor. Esses passos estão
misericordiosamente registrados, para nosso aprendizado. O Espírito de
Deus cuidou de tê-los escrito para benefício perpétuo da igreja de Cristo.
Acompanhemos esses passos, um por um.
O primeiro passo para a queda de Pedro foi auto-confiança. Ele
disse: “Ainda que venhas a ser um tropeço para todos, nunca o serás para
mim” (26.33). O segundo passo foi indolência. Seu Senhor lhe havia dito
para vigiar e orar; ao invés de obedecer, Pedro dormiu. O terceiro passo foi
acomodar-se covardemente. Em lugar de ficar ao lado de seu Senhor, ele
primeiro O abandonou, e, depois “o seguia de longe“. O último passo foi
expor-se desnecessariamente a más companhias. Ele foi ao pátio do sumo
sacerdote e “assentou-se entre os serventuários”, como se fosse apenas um
deles. Então veio a queda final — o juramento, os impropérios e a tríplice
negação. Por mais espantoso que pareça, o coração de Pedro vinha se
preparando para aquilo. A sua queda foi puramente o fruto das sementes
que ele mesmo havia semeado. Colheu o fruto do seu próprio proceder (Jr
17.10).
Não nos esqueçamos desta parte da história de Pedro. Trata-se
242 Mateus 26.69-75

de uma grande lição para todos os que se professam cristãos. Graves


enfermidades raramente nos afetam o organismo sem demonstrar pre-
viamente uma série de sintomas. Para o crente, grandes quedas raramente
acontecem sem que tenha havido anteriormente algum desvio secreto. A
igreja e o mundo às vezes ficam chocados pela súbita má-conduta de
alguma figura importante do cristianismo. Crentes são desencorajados e
tropeçam por causa disso. Os inimigos de Deus se regozijam e blasfemam.
Porém, se a verdade pudesse ser conhecida, a explicação para tais casos
geralmente seria um afastamento secreto de Deus. Os homens caem em sua
vida privada muito antes de caírem em público. A árvore tomba com
grande estrondo, mas a deterioração secreta, que leva à queda,
freqüentemente não é descoberta, até o momento da queda.
Por último, merece nossa atenção a tristeza que o pecado de Pedro
trouxe sobre ele. No final do capítulo lemos: “E, saindo dali, chorou
amargamente”. Estas palavras merecem mais atenção do que geralmente
recebem. Milhares de pessoas lêem a história do pecado de Pedro sem dar
importância às suas lágrimas e arrependimento. Que nós possamos ter
olhos para ver e coração para entender.
Nas lágrimas de Pedro vemos a estreita ligação entre o afastamento
de Deus e a infelicidade. Um arranjo misericordioso, de Deus, é que, em
certo sentido, a santidade sempre será a sua própria recompensa. Um
coração pesado e uma consciência perturbada, uma esperança enevoada e
uma colheita abundante de dúvidas sempre serão a consequência da
apostasia e inconsistência. As palavras de Salomão descrevem a
experiência inconsistente de muitos filhos de Deus; ”0 infiel de coração
dos seus próprios caminhos se farta” (Pv 14.14). Portanto, que seja um
princípio fundamental de nossa religião cristã, se realmente amamos a paz
interior, que devemos andar sempre perto do Senhor.
Nas lágrimas amargas de Pedro vemos a grande diferença entre o
hipócrita e o verdadeiro crente. Quando o hipócrita é vencido pelo pecado,
ele geralmente cai para nunca mais levantar-se. Ele não tem dentro de si
nenhum princípio de vida para restaurá-lo. Mas quando o filho de Deus cai
em pecado, ele se levanta novamente e, mediante um verdadeiro
arrependimento e pela graça de Deus, corrige a sua vida. Que ninguém se
lisonjeie ante o pensamento de que pode pecar impunemente, só porque
Davi cometeu adultério e Pedro negou ao seu Senhor. Não há dúvida que
estes dois santos pecaram grandemente, contudo, não prosseguiram em
seus pecados. Eles se arrependeram grandemente, também. Lamentaram
amargamente a sua queda, abominaram e odiaram as suas próprias
iniqüidades. Seria oom se os homens imitassem a esses santos de Deus em
seu arrependimento, tanto quanto em seus pecados. Muitos estão
familiarizados com a queda destes homens de
Mateus 26.69-75 243

Deus, mas não com a sua recuperação. Muitos, como Davi e Pedro, caíram
no pecado; mas não se arrependeram como Pedro e Davi.
A passagem inteira está cheia de lições que jamais deveríamos es-
quecer. Professamos ter esperança em Cristo? Então observemos a
fraqueza de um crente e os passos que levam para a queda. Temo-nos
desviado lamentavelmente, e abandonado nosso primeiro amor?
Lembremo- -nos, então, de que o Salvador de Pedro ainda vive. Há
misericórdia para nós, tanto quanto houve para ele, mas precisamos nos
arrepender e buscar essa misericórdia, se desejamos encontrá-la.
Voltemo-nos para Deus, e Ele se voltará para nós. As suas misericórdias
não têm fim (Lm 3.22).

O Fim de Judas Iscariotes


Leia Mateus 27.1-10

O início deste capítulo descreve como nosso Senhor Jesus Cristo


foi entregue às mãos dos gentios. Os principais sacerdotes e anciãos dos
judeus O conduziram à Pôncio Pilatos, governador romano. Podemos ver
o dedo de Deus neste incidente. Foi determinado por sua providência que
tanto gentios quanto judeus estivessem envolvidos na morte de Cristo. Foi
determinado por sua providência que os sacerdotes confessassem
publicamente que o cetro se tinha arredado de Judá. Eles não podiam
condenar alguém sem a permissão dos romanos. As palavras de Jacó,
portanto, foram cumpridas. O Messias, “Siló”, na verdade já havia
chegado (Gn 49.10).
O assunto principal destes versos que lemos é o triste fim do falso
apóstolo, Judas Iscariotes. É um assunto cheio de ensinamentos. Ob-
servemos atentamente o que ele contém.
O fim de Judas Iscariotes é uma prova dara da inocência de Jesus,
diante de todas as acusações levantadas contra Ele. Se havia alguma
testemunha viva que pudesse apresentar evidências contra nosso Senhor
Jesus Cristo, Judas Iscariotes era esse homem. Um apóstolo escolhido de
Jesus, um companheiro constante em todas as suas jornadas, um ouvinte
de todo o seu ensinamento, tanto em público quanto em particular, Judas
era alguém que saberia dizer se Jesus tinha feito algum mal, fosse por
palavra ou ação. Tendo-se tomado um desertor, um traidor de nosso
Senhor às mãos dos inimigos, era do seu interesse, na defesa de sua própria
reputação, provar que Jesus era culpado. Ele poderia disfarçar e desculpar
sua própria conduta, se pudesse demonstrar que seu antigo Mestre era um
impostor e transgressor.
244 Mateus 27.1-10

Por que, então, Judas não veio acusá-Lo? Por que ele não se apre-
sentou diante do concílio judaico para especificar suas acusações contra
Jesus, se é que tinha qualquer acusação a fazer? Por que ele não se aven-
turou a acompanhar os principais sacerdotes até Pilatos, para provar aos
romanos que Jesus era um malfeitor? Só há uma resposta possível para
estas perguntas. Judas não se apresentou como testemunha porque sua
consciência não lho permitiu. Por mais maldoso que fosse, Judas sabia que
nada podia provar contra Cristo. Por mais iniquo que fosse, ele sabia que
seu Mestre era santo, inofensivo, inocente, verdadeiro e sem qualquer
culpa. Que isto nunca seja esquecido. A ausência de Judas Iscariotes, no
julgamento de nosso Senhor é uma dentre muitas provas, de que o
Cordeiro de Deus era sem mácula alguma, um homem sem pecado.
Outrossim, vemos na morte de Judas que existe um tipo de ar-
rependimento que vem muito tarde. Lemos claramente que Judas ficou
“tocado de remorso”. Lemos até mesmo que ele foi aos sacerdotes e disse:
“Pequei, traindo sangue inocente”. Mesmo assim, está claro que ele não se
arrependeu para a salvação.
Este é um ponto que merece atenção especial. Popularmente se diz
que: “Nunca é tarde para se arrepender”. Isto é verdade somente se o
arrependimento for verdadeiro; porém, infelizmente, o arrependimento
tardio freqüentemente não é genuíno. Uma pessoa pode sentir pelos seus
pecados e se entristecer por eles, sentir uma forte convicção de culpa e
expressar profundo remorso, ser atormentado pela consciência e
demonstrar grande perturbação mental; e mesmo assim, a despeito disso
tudo, não se arrepender de coração. A razão destes sentimentos pode ser o
perigo presente e o temor da morte, e o Espírito Santo pode não ter
realizado obra alguma nessa pessoa.
Cuidemos para não confiar no arrependimento tardio. “Eis agora o
tempo sobremodo oportuno, eis agora o dia da salvação” (2 Co 6.2). Um
ladrão penitente foi salvo na hora da morte, para que ninguém de-
sesperasse da salvação; mas apenas um, para que ninguém seja presumido.
Que não desconsideremos qualquer coisa que diga respeito à nossa
salvação; acima de tudo, não deixemos de lado o arrependimento, me-
diante a vã idéia de que ele só depende do nosso próprio poder. As
palavras de Salomão sobre este assunto são realmente temíveis: “Então me
invocarão, mas eu não responderei; procurar-me-ão, porém não me hão de
achar” (Pv 1.28).
Em seguida, observemos na morte de Judas Iscariotes quão pouco
conforto a iniqüidade traz a uma pessoa no fim de sua vida. Somos informados
de que ele atirou para o santuário as trinta moedas de prata, pelas quais
tinha vendido seu Mestre, e saiu em amargura de espírito.
Mateus 27.1-10 245

Aquele dinheiro tinha sido ganho de maneira penosa. Não lhe trouxe prazer
algum, mesmo quando já o tinha consigo. “Os tesouros da impiedade de
nada aproveitam” (Pv 10.2).
O pecado, na verdade, é o mais cruel de todos os senhores. Ele faz
muitas promessas maravilhosas, mas que não se concretizam. Os prazeres
que ele dá são momentâneos, enquanto que seus resultados são tristeza,
remorso, auto-acusação e, muitas vezes, a própria morte. Os que semeiam
para a carne, de fato colhem corrupção.
Sentimo-nos tentados a cometer pecado? Lembremo-nos da palavra
das Escrituras: “O vosso pecado vos há de achar” (Nm 32,23). E, em face
disso, resistamos à tentação. Estejamos certos de que, cedo ou tarde, nesta
vida ou na vida futura, neste mundo ou no dia do juízo, pecado e pecador
terão de encontrar-se face a face, para uma amarga prestação de contas.
Estejamos seguros de que, de todas as ocupações, o pecado é a mais
desvantajosa. Judas, Acâ, Geazi, Ananias e Safira — todos descobriram
isso às suas próprias custas. Com razão indagou o apóstolo Paulo: “Naquele
tempo que resultados colhestes? Somente as cousas de que agora vos
envergonhais” (Rm 6.21).
Finalmente, notemos, no caso de Judas a que fim miserável um homem
pode chegar se tem grandes privilégios e não os utiliza corretamente. Somos
informados de que este infeliz “retirou-se e foi enforcar-se”. Que morte
horrível para se morrer! Um apóstolo de Cristo, um ex-pregador do
evangelho, um companheiro de Pedro e João comete suicídio, e assim se
precipita à presença de Deus, sem preparo e sem perdão.
Nunca nos esqueçamos de que nenhum pecador é mais pecaminoso
do que aquele que peca contra a luz e contra o conhecimento. Nenhum
pecador é tão ofensivo a Deus quanto este. Quando olhamos para as
Escrituras, notamos que nenhum pecador tem sido tão freqüentemente
removido de súbito deste mundo, por terríveis visitações da ira de Deus,
quanto este tipo. Lembremo-nos da mulher de Ló, Faraó, Coré, Data e
Abirã, e Saul, rei de Israel. Todos comprovam o que acabamos de dizer. Há
uma solene declaração de João Bunyan, que diz: “Ninguém cai tão
profundamente no poço, quanto aqueles que caem retrocedendo”. Está
escrito em Provérbios: “O homem que muitas vezes repreendido endurece a
cerviz, será quebrantado de repente, sem que haja cura” (Pv 29.1). Que
todos possamos nos esforçar para viver de acordo com a luz que já nos foi
dada. Existe algo que é pecado contra o Espírito Santo e não tem perdão. O
claro conhecimento da verdade na cabeça, combinado com um amor
deliberado pelo pecado, no coração, estão bem próximos dele.
Agora, em que estado se encontram os nossos corações? Somos
246 Mateus 27.1-10

nós tentados a confiar no nosso conhecimento e profissão religiosa, como se


isso bastasse? Lembremo-nos de Judas e tenhamos cautela. Estamos
inclinados a nos apegar ao mundo e dar ao dinheiro um lugar de proemi-
nência em nossas mentes? De novo, lembremo-nos de Judas e tenhamos
cautela. Estamos brincando com algum pecado e enganando a nós mesmos
que podemos deixar o arrependimento para mais tarde? Novamente,
lembremo-nos de Judas e tenhamos cautela. Ele foi posto diante de nós
como um farol, para que olhemos bem para ele e não naufraguemos na fé.

Cristo Condenado Diante de Pilatos


Leia Mateus 27.11-26

Estes versículos descrevem o comparecimento de nosso Senhor


diante de Pôncio Pilatos, o governador romano. Os amigos de Deus devem
ter ficado maravilhados ao ver Aquele que um dia iria julgar o mundo,
permitindo que fosse Ele mesmo julgado e condenado, Ele “que nunca fez
injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca” (Is 53.9). Ele, de cujos
lábios Caifás e Pilatos um dia receberão a sentença eterna, permitiu
silenciosamente que uma sentença injusta lhe fosse passada. Esses
sofrimentos em silêncio cumpriram as palavras proféticas de Isaías: “Como
ovelha, muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a sua boca” (Is
53.7). Toda a paz e esperança dos crentes são devidas a esses sofrimentos
em silêncio. É por causa deles que os crentes terão ousadia no dia do
julgamento, pois nada poderiam alegar por si mesmos.
Pela conduta de Pilatos, aprendemos como ê lastimável a condição de
um homem poderoso mas sem princípios. Pilatos, aparentemente, tinha
concluído que nosso Senhor nada fizera digno de morte. Ele sabia que “por
inveja o tinham entregado”. Caso seguisse o seu próprio julgamento, Pilatos
provavelmente teria rechassado as acusações contra nosso Senhor, e o teria
posto em liberdade.
Pilatos, entretanto, era governador de um povo invejoso e tur-
bulento. O seu grande desejo era buscar a simpatia do povo e agradá-los.
Pouco lhe importava o quanto pecasse contra Deus e contra a própria
consciência, contanto que recebesse o aplauso dos homens. Embora de-
sejoso de salvar a vida de nosso Senhor, ele temia que, ao assim fazer,
acabasse ofendendo aos judeus. Por isso, depois de uma débil tentativa para
desviar a fúria do povo, de Jesus para Barrabás, e de uma tentativa ainda
mais débil para satisfazer a própria consciência, lavando publicamente as
mãos, ele finalmente veio a condenar Aquele a quem ele
Mateus 27.11-26 247

mesmo chamara de “justo”. Ele rejeitou a estranha e misteriosa advertên-


cia que sua esposa lhe enviara depois de um sonho. Ele sufocou protestos
de sua própria consciência; e entregou Jesus “para ser crucificado”.
Observe neste homem miserável um emblema vivo de muitos go-
vernantes deste mundo! Quantos há que têm consciência de que seus atos
públicos estão errados, mas, mesmo assim, não têm a coragem para agir de
acordo com essa consciência. Eles temem o povo. Receiam tomar-se
motivo de risos. Não podem suportar a impopularidade. Como peixes
mortos, eles flutuam com a maré. O louvor dos homens é o ídolo diante do
qual se prostram, e a esse ídolo sacrificam a consciência, a paz interior e a
alma imortal.
Qualquer que seja nossa posição social nesta vida, devemos ser
guiados por princípio, e não por conveniências, O louvor dos homens é
algo pobre, débil e inconstante. Está aqui hoje, mas amanhã já se foi. Que
nos esforcemos para agradar a Deus, e então pouco nos importará se
agradamos ou não os demais. Se tememos ao Senhor, então não temos que
ter receio de ninguém mais.
Convém aprendermos, pela conduta dos judeus, nesta passagem, a
irremediável iniquidade da natureza humana. O comportamento de Pilatos
deu aos principais sacerdotes e anciãos uma oportunidade para
reconsiderarem o que estavam fazendo. As dificuldades que levantou
acerca da condenação de nosso Senhor fizeram com que eles tivessem
tempo para pensar melhor. Mas os inimigos de nosso Senhor não mudaram
de idéia, antes insistiram na concretização de sua maldade. Rejeitaram a
proposta que Pilatos ofereceu. Na verdade, preferiram que um criminoso
vil fosse posto em liberdade, e não Jesus. Clamaram em altas vozes pela
crucificação de nosso Senhor; e, afinal, assumiram sobre si mesmos toda a
culpa pela morte dEle, com palavras de gravíssima significação: “Caia
sobre nós o seu sangue, e sobre nossos filhos!”
Mas o que nosso Senhor havia feito para que os judeus tanto O
odiassem? Ele não era ladrão nem assassino. Não era blasfemador contra
Deus nem caluniador dos profetas. A sua vida era caracterizada pelo amor.
Ele “andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos
do diabo” (At 10.38). Ele era inocente de qualquer transgressão contra a lei
de Deus ou dos homens. Mesmo assim, os judeus O odiavam e não
descansaram enquanto não O viram morto! E odiavam - -No porque Ele
lhes dizia a verdade. Odiavam-No porque Ele testificava das obras más
que cometiam. Eles odiavam a luz porque ela tornava visíveis as trevas em
que viviam. Em suma, eles odiavam a Cristo porque Ele era justo e eles
iníquos; porque Ele era santo e eles profanos; porque Ele testificava contra
o pecado, e eles estavam determinados a continuar agarrados em seus
pecados.
248 Mateus 27.11-26

Observemos o seguinte: poucas coisas são tão pouco percebidas e


cridas quanto a corrupção da natureza humana. Os homens imaginam que,
se vissem a uma pessoa perfeita, haveriam de amá-ia e admirá-la. Eles
enganam a si mesmos, afirmando que é da inconsistência dos que se dizem
cristãos que não gostam, e não, de sua religião em si. Esquecem - -se do
fato que quando um homem realmente perfeito esteve neste mundo, na
pessoa do Filho de Deus, esse homem foi odiado e morto. Este fato basta
para provar a veracidade do que disse Jônatas Edwards: “Os homens
não-convertidos matariam Deus, se pudessem alcançá-Lo‟‟.
Jamais nos deveríamos surpreender ante a iniqüidade prevalente no
mundo. Compete-nos lamentar tal iniqüidade e esforçarmo-nos por
diminuí-la, mas nunca nos surpreender com a sua extensão. Nada há de tão
perverso que o coração do homem não possa conceber ou a mão do
homem não possa fazer. Enquanto estivermos vivos, devemos desconfiar
de nosso próprio coração. Mesmo quando renovado pelo Espírito Santo,
“enganoso é o coração, mais do que todas as cousas, e desesperadamente
corrupto” (Jr 17.9).

Os Sofrimentos de Cristo às Mãos


dos Soldados e a Crucificação
Leia Mateus 27.27-44

Estes versículos descrevem os sofrimentos de nosso Senhor Jesus


Cristo depois de sua condenação por Pilatos — os seus sofrimentos às
mãos dos brutais soldados romanos e o sofrimento final, na cruz. São
cenas que formam um maravilhoso registro histórico. São maravilhosas
quando nos lembramos do Sofredor, o eterno Filho de Deus. São mara-
vilhosas quando nos lembramos das pessoas por quem esses sofrimentos
foram suportados, Nós e os nossos pecados fomos a causa de todas essas
tristezas. “Cristo morreu pelos nossos pecados” (1 Co. 15.3).
Antes de tudo, observemos a extensão e a realidade dos sofrimentos de
nosso Senhor. A lista de dores inflingidas ao corpo de nosso Senhor é, de
fato, terrível. Raramente o corpo de uma pessoa tem sofrido tanto mau
trato durante as últimas horas de vida. Mesmo os selvagens mais brutais,
no refinamento de sua crueldade, não poderiam ter acumulado piores
torturas sobre um inimigo do que foram acumuladas sobre a carne e ossos
de nosso amado Mestre. Nunca nos esqueçamos de que Jesus tinha um
corpo humano autêntico, um corpo exatamente como o nosso, tão sensível,
tão vulnerável, tão capaz de sentir dor intensa quanto o nosso. Vejamos,
portanto, o que esse corpo padeceu.
Mateus 27.27-44 249

Nosso Senhor, devemos nos lembrar, já havia passado a noite sem


dormir e suportado extrema fadiga. Ele tinha sido levado do Get- sêmani
para o sinédrio judaico, e dali para o tribunal de Pilatos. Duas vezes tinha
sido interrogado, e por duas vezes havia sido condenado injustamente. Já
havia sido espancado e açoitado cruelmente com varas. E agora, após todos
esses padecimentos, Ele havia sido entregue às mãos dos soldados
romanos, um grupo de homens que, sem dúvida, eram exercitados na
crueldade, e de quem menos se poderia esperar delicadeza ou compaixão.
Esses homens brutais logo começaram a fazer o que bem queriam. Eles se
reuniram em tomo dEle, “toda a coorte‟*. Despiram-No de suas vestes, e
por escárnio, deram-Lhe um manto escarlate. Trançaram uma coroa de
espinhos, e, rindo, puseram-na sobre a cabeça dEle. Então se ajoelharam
em escárnio, como se Ele fosse o impostor de um rei. Cuspiram nEle.
Bateram-Lhe na cabeça com um caniço. Finalmente, depois de O vestirem
com as suas próprias vestes, levaram-No para fora da cidade, a um lugar
chamado Gólgota, onde O crucificaram entre dois ladrões.
Mas, o que era uma crucificação? Vamos, pois, tentar imaginar e
entender este mistério. A pessoa crucificada era deitada de costas sobre
uma escora de madeira sobre a qual a peça que formava a cruz era pregada,
perto de uma das extremidades; ou sobre o tronco de uma árvore, com um
formato que servisse ao mesmo propósito. As mãos da pessoa crucificada
eram estendidas abertas sobre os braços da cruz e atravessadas com pregos
que as prendiam à madeira. Os pés da vítima, igualmente, eram pregados
ao tronco principal da cruz. Depois que o corpo estava assim, bem preso, a
cruz era levantada e encravada firmemente no solo. Ali ficava o infeliz
sofredor, dependurado até que as dores e a exaustão física trouxessem o seu
fim, e isso lentamente, pois nenhum órgão vital era atingido, mas numa
agonia excruciante de pés e mãos feridos e o corpo incapaz de mover-se.
Essa era a morte por crucificação. Essa foi a morte que Jesus enfrentou por
nós! Durante seis longas horas Ele esteve pendurado em frente à multidão
— semi-despido, sangrando da cabeça aos pés, a cabeça ferida pelos
espinhos, as costas laceradas pelo chicote, mãos e pés transpassados pelos
cravos, e, ainda, a zombaria e o desprezo até o último instante, por parte
dos cruéis inimigos.
Meditemos com frequência sobre a cruz e a paixão de Cristo.
Não menos importante, lembremo-nos de que todos esses sofrimentos
horrendos foram experimentados sem murmuração. Nenhuma palavra
de impaciência saiu dos lábios de nosso Senhor. Ele foi perfeito, tanto
na vida quanto na morte. Até ao ultimo instante, Satanás nada encontrou
nEle.
Em segundo lugar, salientemos que todos os sofrimentos de nosso
250 Mateus 27.27-44

Senhor Jesus Cristo foram vicários. Jesus não sofreu em razão de pecados
próprios, mas em razão dos nossos pecados. Ele foi, notadamente, o nosso
Substituto em todos os sofrimentos por que passou.
Esta é uma verdade da maior importância. Sem ela a narrativa dos
sofrimentos de nosso Senhor, com todos os seus detalhes e pormenores,
sempre nos pareceria misteriosa e inexplicável. Entretanto, esta é uma
verdade da qual as Escrituras falam freqüentemente, e nunca em tons
incertos. Somos ensinados que Cristo carregou “ele mesmo em seu corpo,
sobre o madeiro, os nossos pecados‟* (1 Pe 2.24); que Ele morreu pelos
pecados, “o justo pelos injustos” (1 Pe 3.18); que Ele não conhecia pecado
mas foi feito pecado por nós “para que nele fôssemos feitos justiça de
Deus” (2 Co 5.21); que “Ele se fez maldição em nosso lugar” (G13.13);
“para tirar os pecados de muitos” (Hb 9.28); que Ele foi “traspassado pelas
nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades”, mas “o Senhor fez
cair sobre ele a iniquidade de nós todos” (Is 53.5,6). Que todos nos
lembremos constantemente destes textos sagrados. Eles são pedras
fundamentais do evangelho.
Todavia, não devemos nos contentar com uma crença vaga e su-
perficial de que os sofrimentos de Cristo na cruz foram vicários. Devemos
enxergar esta verdade em cada detalhe da sua paixão. Podemos acom-
panhá-Lo do começo ao fim, desde o tribunal de Pilatos até o momento de
sua morte; e vê-Lo, a cada passo, como nosso poderoso Substituto, nosso
Representante, nosso Cabeça, nossa Garantia, e nosso Fiador; nosso Amigo
divino que se propôs a tomar o nosso lugar e, pelo mérito de seus
sofrimentos, comprar nossa redenção. Ele foi chicoteado? Foi, para que
“pelas suas pisaduras” fôssemos sarados. Ele foi condenado, mesmo que
inocente? Foi, para que pudéssemos ser declarados inocentes, embora
culpados. Ele recebeu uma coroa de espinhos? Recebeu, para que
pudéssemos ganhar a coroa da glória. Ele foi despido de suas vestes? Foi,
para que pudéssemos ser vestidos em eterna justiça. Ele foi escarnecido e
desprezado? Foi, para que fôssemos considerados inocentes e justificados
de todo pecado. Ele foi declarado incapaz de salvar a si mesmo? Foi, para
que pudesse salvar a outrem, até o pior de todos. Ele morreu a morte mais
dolorosa e infeliz? Morreu, para que pudéssemos viver eternamente e ser
exaltados às maiores glórias. Que nós meditemos demoradamente sobre
estas coisas. Vale a pena relembrá- -las. O segredo para a paz consiste em
uma correta compreensão acerca dos sofrimentos vicários de Cristo.
Passemos adiante da narrativa da paixão de nosso Senhor, com
sentimentos de profunda gratidão. Nossos pecados são grandes e muitos,
mas um grande sacrifício foi feito para expiá-los. Havia um mérito infinito
em todos os sofrimentos de Jesus Cristo. Foram os sofrimentos
Mateus 27.27-44 251

de Alguém que era tanto homem como Deus. Certamente é apropriado e


correto, e nosso dever, louvar a Deus diariamente, pela morte de Cristo.
Por fim, mas também muito importante, aprendamos, baseados no
relato da paixão de Cristo, a odiar o pecado íntensamente. O pecado foi a
causa de todos os sofrimentos de nosso Salvador. Foram os nossos pecados
que trançaram a coroa de espinhos. Os nossos pecados cravaram os pregos
em suas mãos e pés. O seu sangue foi derramado por causa dos nossos
pecados. Por certo, o pensamento de Cristo crucificado nos deveria fazer
repugnar todo pecado. Com muita razão, diz a homilia da paixão: “Que a
imagem de Cristo crucificado fique impressa para sempre em nossos
corações. Que ela desperte em nós profundo ódio ao pecado, provocando
em nossas mentes o terno amor do Deus Todo- -Poderoso".

A Morte de Cristo e os Sinais Acompanhantes


Leia Mateus 27.45-56

Nestes versículos lemos a conclusão da paixão de nosso Senhor


Jesus Cristo. Após seis horas de sofrimento agonizante, Ele foi obediente
até a morte, e “entregou o espírito". Três particularidades na narrativa
demandam atenção especial. Vamos observar esses três pontos.
Em primeiro lugar, observemos as palavras notáveis que Jesus
pronunciou, pouco antes de sua morte: “Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?" Existe um profundo mistério nestas palavras, que nenhum
mortal é capaz de sondar. Sem dúvida elas não foram ditas por nosso
Senhor somente por causa de dor corporal. Uma afirmação em contrário é
totalmente insatisfatória, e somente desonra ao nosso Salvador bendito. As
palavras foram ditas para exprimir a incrível pressão que estava sobre sua
alma, e a enorme carga dos pecados do mundo. Elas foram ditas para
mostrar como Jesus foi verdadeiramente, e, literalmente, feito nosso
substituto; como Ele foi feito pecado e maldição por nós, suportando sobre
si mesmo a justa ira de Deus contra os pecados do mundo. Naquele
horrível momento, a iniquidade de todos nós foi posta sobre Ele, até às
últimas consequências. “Ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar"
(Is 53.10). Ele levou os nossos pecados e tomou sobre Si as nossas
transgressões. Essa carga deve ter sido ex- tremamente pesada; real e literal
foi a substituição efetuada pelo nosso Senhor em nosso lugar, quando Ele,
mesmo sendo o eterno Filho de Deus, foi capaz de dizer que tinha sido
“desamparado” pelo Pai.
Que esta expressão de Jesus desça até ao fundo de nossos corações
252 Mateus 27.45-56

e não seja esquecida. Não poderíamos ter maior prova da pecamino-


sidade do pecado, e da natureza vicária dos sofrimentos de Cristo, do que
este seu grito angustiado: “Deus meu, Deus meu, por que me de-
samparaste?” Isto nos deveria levar a odiar o pecado e nos encorajar a
confiar em Cristo.
Em segundo lugar, notemos quão profiuzda significação está contida
nas palavras que descrevem os momentos finais de nosso Senhor. Somos
simplesmente informados de que Ele “entregou o espírito”. Nunca houve
um último suspiro de tão tremenda importância quanto esse. Nunca houve
um evento do qual tanta coisa dependesse. Os soldados romanos e a
multidão espalhada ao redor da cruz nada viram de extraordinário. Eles
somente viram uma pessoa morrendo como outras morrem, com toda a
agonia usual e o sofrimento que acompanhava uma crucificação. Eles
desconheciam total mente os interesses eternos que estavam envolvidos
em toda aquela transação.
A morte de Cristo saldou completamente a enorme dívida que
pecadores tinham para com Deus, abrindo a porta da vida eterna para cada
crente. A sua morte satisfez às justas reivindicações da santa lei de Deus,
para que Deus fosse justo e o justificador do ímpio. Essa morte não foi
apenas um mero exemplo de auto-sacrifício, e, sim, uma completa
expiação e propiciação pelo pecado do homem, alterando a condição e as
possibilidades futuras de toda a humanidade. Essa morte solucionou o
complicado problema de como Deus pode ser perfeitamente santo, e, ao
mesmo tempo, perfeitamente misericordioso. Ela abriu para o mundo uma
fonte purificadora para todo pecado e imundícia. Foi uma vitória completa
sobre Satanás, tendo-o despojado abertamente. Ela desfez a transgressão,
fez expiação pela iniquidade e vindicou justiça eterna. Ela demonstrou a
pecaminosidade do pecado, pelo fato de ter sido necessário um sacrifício
tão grande para expiá-lo. Demonstrou o amor de Deus pelos pecadores,
pelo fato de Ele ter enviado seu próprio Filho para fazer a expiação. De
fato, nunca houve nem poderia haver outra morte como a de Jesus Cristo.
Não admira, portanto, que a terra tremesse quando Jesus morreu em nosso
lugar sobre a cruz maldita. O mundo inteiro foi sacudido e se maravilhou
quando a alma de Cristo foi posta como oferta pelo pecado (Is 53.10).
Por ultimo, notemos ainda, o milagre notável que ocorreu na hora da
morte de nosso Senhor, bem no interior do templo judaico. As Escrituras nos
dizem que “o véu do santuário se rasgou em duas partes, de alto a baixo”.
A cortina que separava o Santo dos Santos do restante do templo foi
rasgada de cima para baixo.
De todos os maravilhosos sinais que acompanharam a morte de
nosso Senhor, nenhum foi mais significante do que esse. A escuridão
Mateus 27.45-56 253

ao meio-dia, e que durou três horas, sem dúvida, foi um acontecimento


espantoso. O terremoto que fendeu as rochas, também foi um tremendo
choque. Mas havia um significado naquele súbito rompimento do véu,
rasgado de alto a baixo, que atingiría o coração de qualquer judeu in-
teligente. A consciência de Caifás, o sumo sacerdote, devia estar mesmo
cauterizada, se as notícias sobre o véu rasgado não o abalaram.
O rompimento do véu proclamava o fim e o passamento da lei
cerimonial. Era um sinal de que a antiga dispensação de sacrifícios e
ordenanças já não era mais necessária. A sua obra estava completa, e sua
utilidade acabou-se desde o momento em que Cristo morreu. Não havia
mais nenhuma necessidade de se ter um sumo sacerdote, aspersão de
sangue e um propiciatório terrenos, nem a oferta de incenso, nem um dia de
expiação. O verdadeiro Sumo Sacerdote tinha final mente aparecido, O
verdadeiro Cordeiro de Deus tinha sido morto, e o verdadeiro propiciatório
revelado. As figuras e sombras não eram mais necessárias. Que todos nos
lembremos disso! Estabelecer um altar, um sacrifício
e um sacerdócio, agora, é como acender uma lâmpada em pleno meio- dia.
O rompimento do véu proclamava a abertura do caminho da sal-
vação para toda a humanidade. Até à morte de Cristo, o caminho para a
presença de Deus era desconhecido para os gentios e apenas visto
obscuramente pelos judeus. Mas Cristo, tendo-se oferecido como sacrifício
perfeito e obtido eterna redenção, a escuridão e o mistério se acabaram .
Doravante, todos seriam convidados a aproximarem-se de Deus com
ousadia e vir a Ele com confiança, pela fé em Jesus. Uma porta tinha sido
aberta, e o caminho da vida estava posto diante do mundo inteiro. Que
todos possamos nos lembrar disso! Desde a morte de Jesus, o caminho da
paz nunca mais deveria estar envolto em mistérios. Não haveria nenhuma
reserva. O evangelho era a revelação de um mistério que estava oculto
através dos séculos e das gerações. Por isso, envolver, no presente, a
religião em uma capa de mistério é equivocar- -se quanto à maior
característica do cristianismo, a revelação.
Todas as vezes que considerarmos a história da crucificação de
Jesus, façamo-lo com o coração cheio de louvor. Louvemos a Deus pela
confiança de termos a crucificação como fundamento de nossa esperança e
perdão. Nossos pecados podem ser grandes e muitos, mas o pagamento
efetuado pelo nosso grande Substituto em muito os ultrapassa a todos.
Louvemos a Deus pela visão que a crucificação nos dá, do amor do Pai
celeste. Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós O
entregou, certamente nos dará com Ele todas as coisas (Rm 8.32). Não
menos importante, louvemos a Deus por vermos na crucificação a simpatia
de Jesus para com todo o seu povo, os
254 Mateus 27.45-56

crentes. Ele sabe comover-se diante do sentimento de nossas fraquezas. Ele


sabe o que é sofrimento. Ele é exatamente o Salvador que um corpo
enfermo, com um coração fraco, requer, em um mundo maligno.

O Sepultamento de Cristo; As Vãs


Precauções para Evitar Sua Ressurreição
Leia Mateus 27.57-66

Estes versículos contêm a narrativa do sepultamento de nosso


Senhor Jesus Cristo. Havia ainda uma etapa necessária para assegurar o
cumprimento da grande obra da redenção que nosso Redentor empreendeu.
O seu corpo santo, no qual Ele carregou nossos pecados sobre a cruz,
precisava ainda ser depositado na sepultura e ressuscitar. A ressurreição
seria o selo e a pedra angular de toda a sua obra.
A infinita sabedoria de Deus previu todas as objeções dos incrédulos
e infiéis, e tomou providências contra elas. Será que o Filho de Deus
realmente morreu? Ele realmente ressuscitou? Não poderia ter havido
alguma fraude no tocante à realidade de sua morte? Não houve algum
embuste ou logro quanto à realidade de sua ressurreição? Todas estas, e
muitas objeções mais teriam sido levantadas se a oportunidade para isso
tivesse sido dada. Porém, Aquele que sabe qual será o fim das coisas desde
o princípio, impediu a possibilidade da apresentação de tais objeções.
Mediante sua providência, que a tudo controla, Deus ordenou as coisas de
maneira que a morte e o sepultamento de Jesus Cristo ficassem acima de
qualquer dúvida. Pilatos deu permissão para o sepultamento. Um discípulo
amoroso envolveu o corpo em panos de linho e o depositou em um túmulo
novo, escavado na rocha, “no qual ninguém tinha sido ainda posto” (Jo
19.41). Os próprios sacerdotes puseram uma guarda sobre o lugar onde o
corpo tinha sido posto. Judeus e gentios, amigos e inimigos — todos
testificaram do grande fato que Cristo, realmente morreu e foi sepultado.
Esse é um fato que não pode ser questionado. Ele foi realmente torturado,
realmente sofreu, real mente morreu, e realmente foi sepultado.
Marquemos isso bem, pois são fatos que precisam ser lembrados.
Em primeiro lugar, aprendemos que nosso Senhor Jesus Cristo tem
amigos de quem pouco se sabe. Não encontraríamos um exemplo mais
marcante dessa verdade do que esse que vemos nesta passagem. Um
homem chamado José de Arimatéia se apresenta, depois da morte de nosso
Senhor, e pede permissão para sepultá-Lo. Nunca tínhamos ouvido desse
homem anteriormente no ministério terreno de nosso Se-
Mateus 27.57-66 255

nhor. Depois disso, nunca mais ouvimos falar a seu respeito. Nada mais
sabemos, senão que ele era um discípulo que amava a Cristo e O honrou na
sua morte. Na ocasião em que os apóstolos haviam abandonado nosso
Senhor; quando era extremamente perigoso alguém mostrar consideração
pelo Senhor; quando parecia que nenhuma vantagem terrena seria ganha
pela confissão de um discipulado; é numa ocasião assim que José de
Arimatéia vem à frente com ousadia, pede o corpo de Jesus e o deposita
em sua própria sepultura nova.
Esse fato nos traz muito consolo e encorajamento. Ele nos mostra
que existem, aqui na terra, pessoas retraídas que conhecem ao Senhor e
sao conhecidas por Ele, mas que sao pouco conhecidas pela igreja. Vemos
que há diversidade de dons entre o povo de Cristo. Alguns glorificam a
Cristo passivamente, e outros O glorificam ativamente. Alguns têm a
vocação de edificar a igreja e ocupar um lugar de projeção pública; há
outros, como José de Arimatéia, que só vêm à frente em ocasiões de
especial necessidade. Mas todos, individualmente, são guiados por
um único Espírito; todos, e cada um glorificando a Deus através de
diferentes maneiras.
Que essas coisas nos ensinem a sermos mais esperançosos. De-
vemos crer que muitos ainda chegarão do Oriente e do Ocidente, e se
assentarão com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Pode haver, em
lugares ocultos da cristandade, muitos que, como Simeão, Ana e José de
Arimatéia, no presente são bem pouco conhecidos, mas que haverão de
brilhar entre as jóias preciosas do Senhor Jesus, no dia de seu
aparecimento.
Em segundo lugar, aprendemos que Deus pode transtornar os
esquemas de homens maus e fazê-los trabalhar para a sua própria glória.
Aprendemos esta lição de maneira impressionante, pela conduta dos
sacerdotes e fariseus depois do sepultamento de nosso Senhor. A
incansável inimizade desses homens infelizes não podia cessar, nem
mesmo quando o corpo de Jesus já estava na sepultura. Eles se lembraram
de palavras que Jesus havia dito a respeito de “ressuscitar”, e resolveram
tornar impossível a sua ressurreição dos mortos, julgando que poderiam
mesmo impedi-Lo, Eles foram a Pilatos e obtiveram uma guarda de
soldados romanos. Puseram uma escolta ao sepulcro e selaram
oficialmente a pedra da entrada. Em suma, fizeram tudo quanto puderam
para que o sepulcro fosse “guardado com segurança”.
Eles nem imaginavam o que estavam fazendo. Nem pensaram que
estavam providenciando a evidência mais completa da veracidade da
ressurreição de Jesus Cristo que estava para ocorrer. Na verdade, eles
estavam fazendo impossível provar que tivesse havido qualquer fraude ou
engano. A guarda, o selo e as precauções, todos se tornaram
256 Mateus 27-57-66

testemunhas, depois de poucas horas, do fato que Cristo havia ressus-


citado. Eles tanto poderiam tentar parar o fluxo das marés ou impedir o
nascimento do sol, quanto poderiam tentar impedir que Jesus ressurgisse
da sepultura. Eles foram pegos em sua própria astúcia (1 Co 3.19). Seus
próprios estratagemas se transformaram em instrumentos de demonstração
da glória de Deus.
A história da igreja de Cristo está repleta de exemplos similares a
esse. As próprias coisas que pareciam mais desfavoráveis, muitas vezes se
transformaram em benefícios para o povo de Deus. Que prejuízo trouxe à
igreja de Cristo a perseguição que se levantou após a morte de Estevão?
(At 8.1-4). “Os que foram dispersos iam por toda parte pregando a
palavra.‟* Que mal o encarceramento trouxe ao apóstolo Paulo? Sua
prisão deu-lhe tempo para escrever muitas de suas epístolas, que agora são
lidas em todo o mundo. Qual foi o prejuízo verdadeiro causado à Reforma
na Inglaterra pela perseguição da rainha Maria Sanguinária? De fato, o
sangue dos mártires tornou-se a semente da igreja. Que mal a perseguição
causa ao povo de Deus hoje em dia? Ela só nos faz chegar mais perto de
Cristo. Ela só nos faz aproximarmo-nos mais e mais ao trono da graça, à
Bíblia e à oração.
Que todos os verdadeiros crentes guardem estas verdades no co-
ração e tenham coragem. Vivemos em um mundo onde tudo é controlado
pela mão da perfeita Sabedoria, e onde todas as coisas estão cooperando
juntamente, e continuamente para o bem do corpo de Cristo. Os poderes
deste mundo são meros instrumentos nas mãos de Deus. Ele está sempre
usando esses instrumentos para os seus próprios propósitos, quer tenham
consciência disso ou não. São instrumentos pelos quais Deus está
lapidando e polindo as pedras vivas de seu templo espiritual; e todos os
planos e esquemas dos inimigos somente resultarão em louvor ao Senhor.
Sejamos, pois, pacientes em dias atribulados e escuros, e olhemos para a
frente. As mesmas coisas que agora parecem contra nós, estão todas
trabalhando juntas para a glória de Deus. No momento, vemos apenas a
metade do que realmente sucede. Dentro em pouco veremos tudo com
clareza. Então descobriremos que toda perseguição que agora suportamos,
assim como a escolta ao sepulcro e o selo sobre a pedra, serve para maior
glória a Deus. Até a ira humana há de louvar a Deus (SI 76.10).
Mateus 28.1-10 257

A Ressurreição de Cristo
Leia Mateus 28.1-10

O assunto principal destes versículos é a ressurreição de nosso Senhor


Jesus Cristo dentre os mortos. Essa é uma das verdades fundamentais sobre
que se baseia o cristianismo, e por isso recebe atenção especial em todos os
quatro evangelhos. Todos os quatro evangelistas descrevem minuciosamente
como nosso Senhor foi crucificado. Todos os quatro relatam, com não menos
clareza que Ele ressuscitou.
Não temos que nos admirar pelo fato de tanta importância ser dada à
ressurreição de nosso Senhor. Ela é o seio e a pedra angular da grande obra de
redenção que Ele veio efetuar. Ela é a prova coro- adora de que Ele pagou a
dívida que se propôs a pagar em nosso favor; a prova de que Ele venceu a
batalha que empreendeu para nos libertar do inferno, e de que foi aceito por
nosso Pai celestial como Fiador e Substituto nosso. Se Ele jamais tivesse saído
da prisão da sepultura, que certeza teríamos de que nosso resgate tinha sido
inteiramente pago? (1 Co 15.17) Se Ele nunca tivesse ressurgido de seu
conflito com o último inimigo, como poderíamos ter a confiança de que Ele
venceu a morte e aquele que tem o poder da morte, isto é, o diabo? (Hb 2.14)
Mas graças a Deus não fomos deixados em dúvida. O Senhor Jesus realmente
„„ressuscitou por causa da nossa justificação' ‟ (Rm 4.25). Os crentes
verdadeiros são regenerados “para uma viva esperança mediante a ressurreição
de Jesus Cristo dentre os mortos” (1 Pe 1.3). Eles podem dizer com toda a
ousadia, juntamente com Paulo: „„Quem os condenará? É Cristo Jesus quem
morreu, ou antes, quem ressuscitou” (Rm 8.34).
Somos gratos porque essa verdade maravilhosa da nossa religião, a
ressurreição de Cristo, está tão clara e plenamente provada. Essa é uma
circunstância impressionante, porque, dentre todos os fatos ligados ao
ministério terreno de nosso Senhor, nenhum ficou tão incontestavelmente
estabelecido quanto a sua ressurreição. A sabedoria de Deus, que conhece a
incredulidade da natureza humana, providenciou uma grande nuvem de
testemunhas sobre o assunto. Nunca houve um fato em que os amigos de Deus
relutassem a crer, tanto quanto a ressurreição de Cristo. Nunca houve um fato
que os inimigos de Deus estivessem tão ansiosos para contradizer. No entanto,
apesar da incredulidade dos amigos e da inimizade dos adversários, o fato
ficou solidamente estabelecido. Para uma mente justa e imparcial as
evidências serão sempre irrefutáveis. Seria mesmo impossível provar qualquer
coisa neste mundo, se nos recusássemos a crer que Jesus ressuscitou.
258 Mateus 28.1-10

Observemos, nestes versículos a glória e majestade com que Cristo


ressurgiu dentre os mortos. Somos informados de que houve “um grande
terremoto” e “um anjo do Senhor desceu do céu, chegou-se, removeu a pedra
e assentou-se sobre ela‟'. Não precisamos supor que nosso bendito Senhor
precisasse da ajuda de algum anjo, ao sair da sepultura. Não devemos duvidar,
sequer por um momento, que Ele ressuscitou por seu próprio poder. Mas
aprouve a Deus que a sua ressurreição fosse acompanhada e seguida por sinais
e maravilhas. Pareceu conveniente a Deus que a terra estremecesse e
aparecesse um anjo glorioso, quando o Filho de Deus ressurgisse dentre os
mortos como um Conquistador.
Não deixemos de ver, na maneira como nosso Senhor ressuscitou, um
tipo simbólico e uma garantia da ressurreição daqueles que nEle crêem. A
sepultura não conseguiu segurá-Lo além do tempo determinado, e o mesmo se
dará com os crentes. Um anjo glorioso foi testemunha da ressurreição de
Jesus, e anjos gloriosos serão os mensageiros que recolherão os crentes
quando ressuscitarem. Jesus ressuscitou com um corpo renovado, mas um
corpo — real, verdadeiro e material; da mesma forma, os crentes terão um
corpo glorioso e serão como Ele, que é o
Cabeça de todos. “Quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele” (1 Jo
3.2).
Consolemo-nos com este pensamento. Tribulações, tristezas e
perseguições, com freqüência, são a porção que cabe ao povo de Deus.
Enfermidades, fraqueza e dor muitas vezes ferem e desgastam seu pobre
tabernáculo terreno. Mas o tempo favorável está para vir. Que os crentes
esperem com paciência, pois terão uma ressurreição gloriosa. Quando vamos
morrer, onde seremos sepultados e que tipo de funeral teremos são questões de
pequena importância. A grande pergunta a ser feita é esta: “Como
ressuscitaremos?”
Observemos em seguida o terror que os inimigos de Cristo sentiram no
período da sua ressurreição. Quando viram o anjo, * „os guardas tremeram
espavoridos, e ficaram como se estivessem mortos”. Aqueles brutais soldados
romanos, embora acostumados a contemplar cenas chocantes e dramáticas,
viram algo que os deixou aterrorizados. Diante da visão de um anjo de Deus
perderam de uma vez toda a coragem.
Novamente, vemos nesse fato um tipo e símbolo de coisas ainda por
vir. O que farão o descrente e o ímpio no dia final, quando a trombeta soar e
Cristo voltar em glória, para julgar o mundo? O que farão quando virem todos
os mortos, tanto grandes quanto pequenos, saindo de seus túmulos, e todos os
anjos de Deus reunidos ao redor do grande trono branco? Que temores e
terrores não se apossarão de suas almas quando descobrirem que não mais
poderão evitar a presença de Deus, e por fim terão de enfrentá-Lo face a face?
Ah, que todos os homens
Mateus 28.1-10 259

fossem sábios e refletissem sobre o seu fim! Que todos se lembrassem de que
há uma ressurreição e um julgamento, e que também existe a ira do Cordeiro!
Em seguida, notemos as palavras de conforto que o anjo dirigiu aos
amigos de Cristo. Ele disse: “Não temais: porque sei que buscais a Jesus, que
foi crucificado”.
Estas palavras foram ditas com um profundo significado. Elas visavam
a animar o coração dos crentes de todos os séculos, diante da certeza da
ressurreição. A intenção destas palavras é lembrar-nos de que o verdadeiro
crente não tem motivo algum para andar alarmado, não importa o que possa
acontecer neste mundo. O Senhor aparecerá entre as nuvens do céu, e então a
terra será consumida pelo fogo. Os sepulcros entregarão os seus mortos e será,
então, o dia final. O julgamento terá início e os livros serão abertos. Os anjos
separarão o trigo da palha; eles farão a divisão entre bons e maus peixes. Mas
em tudo isto não há motivo para os crentes estarem temerosos. Eles estarão
sem qualquer mancha ou culpa, revestidos da justiça de Cristo. Estarão a salvo
na verdadeira arca, e não serão feridos quando o dilúvio da ira de Deus
irromper sobre a terra. Será então que as palavras do Senhor terão
cumprimento completo: “Ora, ao começarem estas cousas a suceder, exultai e
erguei as vossas cabeças; porque a vossa redenção se aproxima” (Lc 21.28).
Então os ímpios e incrédulos verão quão verdadeira é a afirmação bíblica que
díz: “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor” (SI 33.12).
Em último lugar, observemos a graciosa mensagem que o Senhor Jesus
enviou aos seus discípulos, depois da ressurreição. Ele apareceu pessoalmente
às mulheres que tinham ido prestar honras ao seu corpo. As últimas junto à
cruz e as primeiras junto ao túmulo, elas foram quem primeiro tiveram o
privilégio de ver a Jesus ressurreto. E receberam a incumbência de levar a boa
nova aos discípulos. O primeiro pensamento de Jesus é para seu pequeno
rebanho, disperso: “ide avisar a meus irmãos”.
Há algo muito tocante nestas simples palavras, “meus irmãos”. Elas
merecem mil pensamentos. Embora fracos, frágeis e tendentes ao desvio
como eram os discípulos, Jesus ainda os chama de “irmãos”. Ele os conforta,
como José fizera a seus irmãos que o tinham vendido, dizendo: “Eu sou José,
vosso irmão”. Por mais que os discípulos tivessem falhado quanto a sua
profissão de fé, por mais que se tivessem acovardado, por temor de homens,
eles ainda eram seus “irmãos”. Glorioso como era em Si mesmo, o
Conquistador da morte, do inferno e da sepultura, o Filho de Deus ainda é
“manso e humilde de coração”. Ele chama a seus discípulos de “irmãos”.
260 Mateus 28.1-10

Se conhecemos algo da verdadeira religião, podemos deixar esta


passagem levando confortáveis pensamentos. Vemos nas palavras de Cristo
um encorajamento para confiar e não estar temerosos. O nosso Salvador
jamais se esquece do seu povo. Ele se compadece das nossas enfermidades e
não nos despreza. Ele conhece as nossas fraquezas, e mesmo assim não nos
rejeita. O nosso grande Sumo Sacerdote é também nosso Irmão mais velho.

A Incumbência Final Dada aos Discípulos


Leia Mateus 28.11-20

Estes versículos formam a conclusão do evangelho de Mateus.


Começam nos mostrando o quanto o preconceito cego prejudica o crente, antes
que ele creia na verdade pura. Também nos mostram as fraquezas que havia
nos corações de alguns discípulos, e como eles custaram a crer. A passagem se
encerra contando-nos algumas das últimas palavras de nosso Senhor sobre a
terra, palavras tio importantes que exigem e merecem toda nossa atenção.
Em primeiro lugar, devemos observar a honra conferida por Deus a
nosso Senhor Jesus Cristo, Nosso Senhor diz: “Toda a autoridade me foi dada
no céu e na terra‟ ‟. Essa também é uma verdade declarada por Paulo aos
Filipenses: “Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de
todo nome” (Fp 2.9). Essa é uma verdade que, sob hipótese alguma, contradiz
a verdadeira noção da divindade de Cristo, conforme alguns, por ignorância,
têm imaginado. Ela é simplesmente uma declaração de que, nos conselhos da
Trindade eterna, Jesus, o Filho do homem, é designado herdeiro de todas as
coisas e Mediador entre Deus e os homens e de que a Ele cabe a salvação de
todos os que são salvos; é uma declaração de que Ele é a grande fonte de
misericórdia, graça, vida e paz. Foi por causa dessa „ "alegria que lhe estava
proposta” que Ele “suportou a cruz” (Hb 12.2).
Com toda a reverência, apeguemo-nos decididamente a essa verdade.
Cristo é aquele que tem as chaves da morte e do inferno. Cristo é o Sacerdote
ungido, o único que pode absolver pecadores. Cristo é a fonte das águas vivas,
o único que pode nos purificar. Cristo é o Príncipe e Salvador, o único que
pode outorgar arrependimento e remissão de pecados. Nele habita toda a
plenitude. Ele é o caminho, a porta, a luz, a vida, o Pastor, o altar de refúgio.
Aquele que tem o Filho tem a vida, e quem não tem o Filho não tem a vida
eterna. Que todos nós nos esforcemos para entender isto. É certo que os
homens podem fa-
Mateus 18.11-20 261

cilraente pensar em termos pequenos demais acerca de Deus Pai e de Deus


Espírito Santo, mas ninguém jamais pensou em termos demasiadamente
grandes a respeito de Cristo.
Observemos, em segundo lugar, o dever de que Jesus incumbiu os seus
discípulos. Jesus lhes disse: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações”.
Eles não deveriam reter para si mesmos o seu conhecimento de Jesus Cristo, e,
sim, deveriam comunicá-lo a outras pessoas. Não deveriam supor que a
salvação fora revelada exclusivamente para os judeus, e deviam fazê-la
conhecida do mundo inteiro. Deveriam esforçar-se para fazer discípulos de
todas as nações, e anunciar a todos os povos que Cristo havia morrido pelos
pecadores.
Nunca nos esqueçamos de que essa solene determinação continua
ainda em pleno vigor. Continua sendo dever obrigatório de todo discípulo de
Cristo fazer tudo quanto seja possível, pessoalmente, ou pela oração, para que
outras pessoas venham a conhecer a Cristo. Se negligenciamos este dever,
onde está a nossa fé? Onde está o nosso amor cristão? Se uma pessoa não tem
o desejo de fazer o evangelho conhecido no mundo inteiro, bem se pode
questionar se essa pessoa conhece mesmo o valor do evangelho.
Notemos, em terceiro lugar, a confissão pública que Jesus requer
daqueles que crêem em seu evangelho. Ele disse aos apóstolos para batizarem
todos quantos recebessem como discípulos. Quando lemos esse mandamento
final de nosso Senhor, é muito difícil entender como os homens podem evitar a
conclusão de que o batismo é necessário quando pode ser administrado. Parece
impossível explicar o significado desta passagem como sendo outra coisa que
não uma ordenança externa, a ser administrada a todos quantos se unem à
igreja. Que o batismo externo não é algo absolutamente necessário para a
salvação, fica claramente demonstrado pelo caso do ladrão penitente que
morreu ao lado de Jesus. Ele foi para o paraíso sem ter sido batizado. E que o
batismo externo, apenas, não transmite qualquer benefício espiritual, o caso de
Simão, o mago, o demonstra claramente. Embora batizado, ele permanecia no
“fel de amargura e laço de iniqüidade” (At 8.23). Porém, a afirmação de que o
batismo é uma questão totalmente indiferente e que nem mesmo precisa ser
usado, parece algo que não concorda com as palavras de nosso Senhor nesta
passagem.
A lição prática e clara, nestas palavras, é a necessidade de uma
confissão pública de fé em Cristo. Não basta ser um discípulo secreto. Não
devemos nos envergonhar por deixar que os homens vejam de quem somos e a
quem servimos. Não devemos nos comportar como se não gostássemos de ser
identificados como crentes; devemos tomar a nossa cruz e confessar o nosso
Mestre perante o mundo. As palavras dEle
262 Mateus 28.11-20

são muito solenes: “Porque qualquer que... se envergonhar de mim e das


minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando
vier na glória de seu Pai com os santos anjos” (Mc 8,38).
Em quarto lugar, sublinhemos a obediência que Jesus requer de todos os
que se declaram seus discípulos. Ele disse aos apóstolos para ensinarem os
novos discípulos a “guardar todas as cousas”, tudo o que Ele ordenou. Essa é
uma expressão perscrutante que demonstra a inutilidade de um cristianismo
apenas de nome e de aparência; demonstra que somente devem ser contados
como verdadeiros cristãos aqueles que vivem em obediência prática à Palavra
e se esforçam por cumprir as coisas que Ele ordenou. A água do batismo e o
pão e vinho da Ceia do Senhor sozinhos, não salvarão a alma de ninguém. De
nada adianta ir a uma igreja, e ouvir os ministros de Cristo, e concordar com o
evangelho, se nossa religião não vai além disso. Como está a nossa vida? Qual
é a nossa conduta diária, no lar e fora dele? O Sermão do Monte é a nossa regra
e padrão de conduta? Nós nos esforçamos por copiar o exemplo de Cristo?
Procuramos fazer as coisas que Ele ordenou? Estas são perguntas que precisam
ser respondidas afírmativamente se somos realmente nascidos de novo e filhos
de Deus. A obediência é a única prova dessa realidade. A fé sem obras, por si
só está morta. “Vós sois meus amigos”, diz Jesus, “se fazeis o que eu vos
mando” (Jo 15.14).
Em quinto lugar, assinalemos a solene menção à Trindade bendita, que
nosso Senhor faz nestes versículos. Ele manda batizar “em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo”. Este é um daqueles grandes textos bíblicos que
direta e claramente ensinam a poderosa doutrina da Trindade. O texto fala do
Pai, Filho e Espírito Santo como três pessoas distintas, e todos os três como
co-iguais. Assim como é o Pai, também é o Filho e o Espírito Santo. Não
obstante, os três são um.
Essa verdade é para nós um grande mistério. Que nos seja suficiente
receber e crer nessa doutrina, e que nos abstenhamos de qualquer tentativa de
explicação. É tolice infantil recusar aceitação a alguma coisa, simplesmente
porque não a entendemos. Nós somos como uns vermes que rastejam pelo
chão, por breve tempo; quando muito, pouco conhecemos a respeito de Deus e
da eternidade. Que seja suficiente recebermos no coração a doutrina da
Trindade em Unidade, com uma atitude humilde e reverente, sem perguntas
presunçosas. Creiamos que nenhuma única alma pecaminosa poderia ser salva
sem a operação conjunta de todas as três pessoas na bendita Trindade; e
regozijemo-nos, porque Pai, Filho e Espírito Santo, que cooperaram para criar
o homem, também cooperam na salvação do mesmo. Convém que paremos
por aqui.
Podemos receber praticamente aquilo que não podemos explicar teoricamente.
Mateus 28.11-20 263

Finalmente, observemos nestes versículos a graciosa promessa com


que Jesus encerra suas palavras. Ele diz aos seus discípulos: “Estou convosco
todos os dias até à consumação do século“. É impossível concebermos
palavras mais consoladoras, fortalecedoras, animadoras e santificadoras do
que essas. Embora deixados a sós, como crianças órfãs em um mundo frio e
hostil, os discípulos não deveriam pensar que tivessem sido abandonados. O
Mestre estaria sempre com eles (“convosco ). Embora comissionados a
realizar uma obra tão dura quanto aquela para a qual Moisés fora enviado a
Faraó, eles não deveriam ficar desencorajados. O Mestre certamente estaria
“com eles”. Por conseguinte, não havia palavras mais apropriadas para serem
proferidas a quem o foram pela primeira vez. Nenhuma palavra poderia ser
mais adequada à posição daqueles primeiros discípulos. Também não é pos-
sível imaginar uma palavra mais consoladora para os crentes de todos os
séculos.
Que todos os verdadeiros crentes se apossem dessas palavras de Jesus
e as tenham sempre em mente. Cristo está “conosco“ todos os dias. Cristo está
“conosco“ em todo lugar que vamos. Quando nasceu neste mundo, Ele veio
para ser “Emanuel, Deus conosco“. Agora, quando chega ao fim de seu
ministério terrestre e está prestes a deixar o mundo, Ele declara que é
Emanuel, sempre “conosco”. Ele está conosco diariamente para perdoar e
absolver; conosco diariamente para santificar e fortalecer; conosco
diariamente para defender e guardar; conosco diariamente para conduzir e
guiar; conosco em tristezas e alegrias; conosco em saúde ou enfermidade;
conosco na vida e na morte; conosco no tempo e na eternidade.
Que maior consolação os crentes poderiam desejar do que esta? Não
importa o que aconteça, nunca estamos completamente sozinhos ou sem
amigos. Cristo está sempre conosco. Podemos olhar para dentro da sepultura
e dizer, com Davi: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não
temerei mal nenhum, porque tu estás comigo“ (SI 23.4). Podemos olhar para
além da sepultura e dizer, com Paulo: “Estaremos para sempre com o Senhor“
(I Ts 4.17). Jesus o disse e o cumprirá: “Estou convosco todos os dias até à
consumação do século . E, igualmente: “De maneira alguma te deixarei,
nunca jamais te abandonarei (Hb 13.5). Não poderíamos pedir mais do que
isso! Prossigamos, confiando em Cristo e não tendo receio de coisa alguma.
Ser um crente verdadeiro é tudo. Não há quem tenha semelhante Rei, um tal
Sacerdote, um Companheiro tão constante e um Amigo assim, infalível,
como têm os verdadeiros servos de Jesus Cristo.

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