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NO EVANGELHO
DE MATEUS
J.C. RYLE
EDITORA FIEL da
MISSÃO EVANGÉLICA LITERÁRIA
MEDITAÇÕES NO EVANGELHO DE
MATEUS
Editora Fiel da
Missão Evangélica Literária Caixa Postal
81
12201-970 São José dos Campos - SP
Prefácio
Os Publicadores
À Genealogia de Cristo
Leia Mateus L1-17
-se feito “em semelhança de homens‟* (Fp 2.7). Alguns dos nomes sobre os
quais lemos nesta lista fazem-nos lembrar histórias tristes e vergonhosas.
Alguns são de pessoas nunca mencionadas em qualquer outra porção das
Escrituras. Porém, no fim da lista toda figura o nome do Senhor Jesus
Cristo. Embora Ele seja o Deus eterno, humilhou-se ao tomar-se um ser
humano, com a finalidade de prover a salvação aos pecadores. Jesus Cristo
“sendo rico, se fez pobre por amor de vós” (2 Co 8.9).
Deveríamos ler esta relação de nomes com um sentimento de gra-
tidão. Vemos ali que nenhum daqueles que compartilham da natureza
humana pode estar fora do alcance da simpatia e da compaixão de Cristo.
Os nossos pecados talvez tenham sido tão negros e graves como os pecados
de algumas pessoas mencionadas pelo apóstolo Mateus. Entretanto, tais
pecados não podem fechar o céu para nós, se nos arrependermos e
confiarmos no evangelho. Se Jesus não se envergonhou por nascer de uma
mulher cuja árvore genealógica continha nomes como de alguns daqueles
sobre quem pudemos ler hoje, então certamente não devemos pensar que
Ele haveria de envergonhar-se por chamar-nos irmãos e conferir-nos a vida
eterna.
A Encarnação e o No e de Cristo
Leia Mateus 1.18-25
Os Sábios do Oriente
Leia Mateus 2.1-12
Salvador que estava para nascer. Também não quiseram acreditar nEle,
quando Ele começou a ministrar entre o povo. Portanto, seus corações não
estavam tão despertos quanto a sua inteligência. Cuidemos para nunca nos
satisfazermos somente com um conhecimento mental. Esse conhecimento
é excelente, quando usado de forma correta. Não obstante, uma pessoa
pode ser possuidora de um profundo conhecimento intelectual e, no
entanto, perecer para sempre. Qual é o estado dos nossos corações? Essa é a
questão que realmente importa. Um pouco de graça é melhor do que muitos
dotes, que por si só não salvam a ninguém. Mas, a graça divina nos conduz
à glória.
A conduta dos magos, descrita neste capítulo, serve-nos de es-
plêndido exemplo de diligência espiritual. Quantas inconveniências e
canseiras devem ter-lhes custado a viagem, desde a sua pátria distante até a
casa onde o menino Jesus foi encontrado por eles! Quantos quilômetros
cansativos devem ter percorrido! As fadigas das viagens, no antigo Oriente,
eram muito maiores do que nós, da moderna civilização, podemos
compreender. O tempo que se perdia em uma viagem sem dúvida era muito
mais dilatado do que acontece em nossos dias. Os perigos encontrados não
eram poucos e nem pequenos. Nenhuma dessas coisas, entretanto, fez os
magos desistirem. Eles resolveram, em seus corações, que veriam aquele
que nascera para ser o 4„Rei dos judeus‟4. E não descansaram senão quando
O acharam. Assim, demonstraram que aquele adágio popular encerra uma
grande verdade: “Sempre que houver boa vontade, será descoberto o
caminho”.
Quem dera que todos os crentes professos estivessem mais dis-
postos a seguir o bom exemplo dos magos. Onde está a nossa abnegação?
De que maneira nos temos preocupado com as nossas próprias almas?
Quanta diligência temos mostrado em seguirmos a Cristo? O que nos tem
custado a nossa religião? Essas são indagações seríssimas que merecem a
nossa mais séria consideração.
Em último lugar, embora não menos importante, a conduta dos
magos serviu de um notável exemplo de fé. Eles confiaram em Cristo, ainda
que nunca O tivessem visto. Mas, isso não foi tudo. Creram nEle mesmo
depois que os escribas e os fariseus demonstraram a sua incredulidade.
Porém, nem mesmo isso foi tudo. Confiaram nEle quando O viram como
um pequeno menino, nos joelhos de Maria; e adoraram- -No como a um rei.
Esse foi o ponto culminante da sua fé. Não contemplaram a qualquer
milagre que pudesse convencê-los. Não ouviram a qualquer ensino que
tentasse persuadi-los. Não foram testemunhas de algum sinal de divindade
ou de grandiosidade que os deixasse atônitos. A ninguém mais viram senão
a um menino ainda pequeno, fraco e impotente, necessitado dos cuidados
maternos como
Mateus 2.1-12 13
do que ele apareceria em breve, entre eles. João Batista não passava de um
servo; mas Aquele que viria era o próprio Rei. João Batista só podia batizar
“em água”; porém, Aquele que viria após João batizaria “no Espírito Santo
e no fogo”, além disso tiraria pecados e, algum dia, haveria de voltar para
julgar ao mundo.
Novamente, esse é um ensinamento do qual a natureza humana tanto
precisa. Precisamos ser enviados diretamente a Jesus Cristo. No entanto,
estamos sempre inclinados a parar muito aquém desse alvo. Queremos
descansar nos vínculos com as nossas igrejas locais, gozando regularmente
os benefícios do ministério oficial. No entanto, deveríamos entender a
absoluta necessidade de estarmos unidos ao próprio Cristo, mediante a fé.
Ele é a fonte designada por Deus, onde encontramos a misericórdia, a graça,
a vida e a paz. Cada um de nós precisa estabelecer um relacionamento
pessoal com Ele a respeito de nossa alma. O que sabemos acerca do Senhor
Jesus? O que j á obtivemos da parte dEle? É de questões dessa ordem que
depende a nossa salvação eterna.
João Batista manifestou-se claramente a respeito do Espírito Santo.
Ele pregou, asseverando que existe tal coisa como o batismo no Espírito
Santo. E ensinou que o ofício especial do Senhor Jesus é conferir o Espírito
aos homens.
Uma vez mais, esse é um ensinamento de que muito precisamos.
Devemos compreender que o perdão dos pecados não é a única coisa
necessária à salvação da alma. Ainda há uma outra coisa, a saber, o batismo
de nossos corações por parte do Espírito Santo. Não somente precisa haver
a operação de Cristo em nosso favor, mas também deve haver a atuação do
Espírito Santo em nós. Não somente devemos ter o direito de entrar no céu,
mediante o sangue vertido por Cristo, mas também devemos ser preparados
para o céu, por intermédio da atuação do Espírito de Cristo. Jamais
devemos descansar, enquanto não tivermos experimentado algo da
experiência do batismo no Espírito Santo. O batismo em água é um grande
privilégio nosso. Contudo, também devemos procurar desfrutar do batismo
no Espírito Santo.
João Batista falou claramente sobre o tremendo perigo que correm os
impenitentes e os Incrédulos. Advertiu aos que o ouviam que todos deveriam
aguardar a “ira vindoura”. Pregou sobre um “fogo inextinguível”, onde a
palha, algum dia, ficará queimando eternamente.
Novamente, esse é um ensino bíblico tremendamente importante.
Todos precisamos ser claramente advertidos de que essa não é uma questão
destituída de importância, como se nos pudéssemos arrepender ou não. Pelo
contrário, precisamos relembrar que existem tanto o inferno quanto o céu, e
que a punição eterna espera pelos ímpios, da mesma maneira que a vida
eterna destina-se aos piedosos. Somos incrivelmente
18 Mateus 3.1-12
O Batismo de Cristo
Leia Mateus 3.13-17
A Tentação
Leia Mateus 4.1-11
As Be -aventuranças
Leia Mateus 5.1-12
o sal tem um sabor todo peculiar, diferente de qualquer outra coisa. Quando
misturado com outras substâncias, preserva da corrupção. O sal transmite
um pouco do seu sabor a tudo com o que é misturado. Só é útil enquanto
preserva o sabor, do contrário para nada mais presta. Somos crentes
verdadeiros? Atentemos para a nossa posição e nossos deveres neste
mundo!
Os verdadeiros crentes devem viver como luzes neste mundo. A
propriedade da luz é ser totalmente diferente das trevas. A menor centelha
em uma sala escura pode ser vista prontamente. Dentre todas as coisas
criadas, a luz é a mais útil. A luz fertiliza o solo. A luz guia. A luz reanima.
A luz foi a primeira coisa que Deus trouxe à existência. Sem a luz, este
mundo seria um vazio obscuro. Somos crentes verdadeiros? Nesse caso,
consideremos novamente a nossa posição e as nossas responsab ilidades!
Se estas palavras têm algum significado, então, certamente, Jesus
intenciona nos ensinar, com estas duas figuras, sal e luz, que precisa haver
algo notório, distintivo e peculiar a respeito do nosso caráter, se somos
verdadeiros cristãos. Se desejamos ser reconhecidos como pertencentes a
Cristo, como o povo de Deus, jamais poderemos passar a vida desocupados,
pensando e vivendo como fazem as demais pessoas neste mundo. Temos a
graça divina? Então ela precisa ser vista. Temos o Espírito Santo? Então
deve haver o fruto. Temos uma religião salvadora? Então deve haver uma
diferença de hábitos e preferências e também uma mentalidade diferente
entre nós e aqueles que pensam segundo o mundo. É perfeitamente claro
que o cristianismo verdadeiro envolve algo mais do que ser batizado e ir à
igreja. “Sal“ e “luz”, evidentemente, implicam numa peculiaridade, tanto no
coração quanto na vida diária, tanto na fé quanto na prática. Se nos
consideramos salvos, devemos ousar ser singulares e diferentes da
humanidade em geral.
A relação entre o ensino de nosso Senhor e o ensino do Velho
Testamento foi esclarecida por Jesus mediante uma sentença incisiva: “Não
penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim para revogar, vim para
cumprir“. Estas são palavras dignas de nota. Elas foram profíindamente
importantes quando proferidas, porquanto davam resposta à ansiedade
natural dos judeus quanto a este assunto. São palavras que continuarão
sendo tremendamente importantes, enquanto este mundo continuar, como
um testemunho de que a religião do Antigo e Novo Testamento forma um
todo harmônico.
O Senhor Jesus veio a este mundo a fim de cumprir as predições dos
profetas, os quais desde os tempos antigos haviam profetizado que, um dia,
viría ao mundo um Salvador. E Ele veio para cumprir a lei cerimonial,
tomando-se o grande sacrifício pelo pecado, para o qual
30 Mateus 5.13-20
todas as oferendas da lei mosaica tinham sempre apontado. Ele veio para
cumprir a lei moral, prestando-lhe obediência perfeita, o que nós mesmos
jamais poderíamos ter feito. Ele também cumpriu a lei pagando com o seu
sangue reconciliador a penalidade pela nossa quebra da lei, uma penalidade
que nós jamais poderíamos ter pago. De todas essas maneiras, Ele exaltou a
lei de Deus, e fez a sua importância ainda mais evidente. Em suma, Ele
engrandeceu a lei e a fez gloriosa (Is 42.21).
Há profundas lições de sabedoria a serem aprendidas por meio
destas palavras de nosso Senhor. Portanto, meditemos cuidadosamente
sobre elas, entesourando-as em nosso coração.
Tomemos cuidado para não desprezar o Antigo Testamento, sob
nenhum pretexto. Nunca demos ouvidos àqueles que recomendam pôr de
lado o Antigo Testamento, como se fosse um livro antiquado, obsoleto e
inútil. A religião do Antigo Testamento é embrião do cristianismo. O
Antigo Testamento é o evangelho em botão; o Novo Testamento é
evangelho aberto em flor. O Antigo Testamento é o evangelho brotando; o
Novo Testamento é o evangelho já em espiga formada. Os santos do Antigo
Testamento enxergaram muitas coisas como que por um espelho,
obscuramente. Porém, todos contemplavam pela fé o mesmo Salvador, e
foram guiados pelo mesmo Espírito Santo que hoje nos guia. Estas não são
questões de pouca importância. O ignorante desprezo pelo Antigo
Testamento dá origem a muita infidelidade.
Também devemos acautelar-nos em não desprezar a lei dos dez
mandamentos. Nem por um momento suponhamos que essa lei tenha sido
posta de lado pelo evangelho, ou que os crentes não têm nada a ver com ela.
A vinda de Cristo em nada alterou a posição dos dez mandamentos, nem
mesmo a largura de um fio de cabelo. O que ela fez foi exaltar e destacar a
sua autoridade (Rm 3.31). A lei dos dez mandamentos é a medida eterna de
Deus para o que é certo e o que é errado. Através da lei é que vem o pleno
conhecimento do pecado. Pela lei é que o Espírito mostra aos homens a sua
necessidade de Cristo e os leva a Ele. Cristo deixou ao seu povo a lei dos dez
mandamentos como norma e guia para uma vida santa. Em seu devido
lugar, a lei dos dez mandamentos é tão importante quanto o “glorioso
evangelho“. A lei não pode nos salvar. Não podemos ser justificados por
ela. Porém, nunca jamais a desprezemos. O menosprezo pela lei dos dez
mandamentos é um sintoma de ignorância e insanidade em nossa religião. O
verdadeiro crente autêntico tem “prazer na lei de Deus” (Rm 7.22).
Em último lugar, cuidemos em não supor que o evangelho tenha
rebaixado o padrão de santidade pessoal, ou que o cristão não deva ser tão
estrito e cuidadoso em sua conduta diária quanto o eram os judeus. Este é
um terrível engano, mas que, infelizmente, é muito comum.
Mateus 5.13-20 31
A Espiritualidade da Lei
Comprovada por Três Exemplos
Leia Mateus 5.21-37
Devemos pagar o mal com o bem e a maldição com bênçãos. Jesus nos
disse: “amai os vossos inimigos”. Outrossim, não devemos amar somente
de palavra, mas em verdade e de fato. Devemos negar a nós mesmos e nos
esforçar por sermos gentis e corteses, “Se alguém te obrigar a andar uma
milha, vai com ele duas.” Compete-nos tolerar muita coisa, suportar muita
coisa, ao invés de ofendermos ou prejudicarmos a outras pessoas. Em todas
as coisas, devemos nos mostrar altruístas. Nosso pensamento nunca deveria
ser: “Como é que as outras pessoas se comportam para comigo?“ Pelo
contrário, deveria ser: “O que Cristo gostaria que eu fizesse?”.
Um padrão de conduta como esse poderia à primeira vista parecer
demasiadamente alto. Porém, nunca nos deveríamos contentar com um
padrão inferior. Precisamos observar os dois fortes argumentos com que
nosso Senhor reforça esta parte de seu ensino. Estes argumentos merecem
séria atenção.
Primeiramente porque, se não tivermos por alvo o espírito e a
atitude aqui recomendados, então não somos ainda filhos de Deus. O nosso
“Pai que está nos céus” é bom para com todos. Ele envia chuvas sobre bons
e maus, igualmente. Ele faz o sol brilhar sobre todos os homens, sem
distinção. Ora, um filho deve ser como seu pai. Porém, em que somos
semelhantes a nosso Pai celeste, se não somos capazes de demonstrar
misericórdia e bondade para com todos? Onde estão as evidências de que
somos novas criaturas, se não temos amor? Estão todas em falta. Isto é um
sinal de que ainda precisamos „ „nascer de novo” (Jo 3.7).
Se não almejamos ter o espírito e a atitude aqui recomendados,
então, manifestamente ainda somos do mundo. Até mesmo os que não têm
nenhuma religião podem “amar aos que os amam”. Eles podem fazer o bem
e mostrar gentileza, quando seus afetos e interesses os movem a tanto.
Porém, o crente deveria ser dirigido por princípios mais altos do que o
interesse próprio. Estamos procurando evitar esse teste? Achamos
impossível praticar o bem em favor dos nossos inimigos? Se esse é o caso,
então podemos ter a certeza de que ainda não nos convertemos. Enquanto
isso prevalecer, ainda não teremos recebido “o Espírito que vem de Deus”
(1 Co 2.12).
Em tudo o que já vimos, há muitas coisas que clamam em alta voz
pela nossa solene reflexão. Há poucas passagens nas Escrituras que tão bem
se prestam para despertar em nossas mentes tais pensamentos de contrição.
Temos aqui um amorável quadro do cristão, tal como ele deveria ser.
Observando-o, não podemos deixar de sentir alguma dor. Todos devemos
admitir que esse quadro difere largamente daquilo que o crente geralmente
é. Podemos depreender daí duas lições gerais.
Mateus 5.38-48 35
todos os que se intitulam seus discípulos darão esmolas. Ele assume como
natural que eles pensarão ser um dever solene dar esmolas de acordo com as
suas possibilidades, a fim de aliviarem as necessidades dos outros. O único
ponto de que Cristo aqui trata é a maneira como deveria ser cumprido esse
dever. Esta é uma importante lição. Ele condena a atitude de egoísmo
mesquinho de tantas pessoas, quanto à questão de dar dinheiro. Quantos são
"ricos para consigo mesmos‟*, mas são pobres para com Deus! Muitos
jamais dão um centavo para fazer o bem ao corpo e a alma de outrem! Será
que os tais, com esta mentalidade, têm algum direito de serem chamados
cristãos? Bem poderíamos duvidar desse direito. Um Salvador sempre
disposto a dar, deveria ter discípulos igualmente dispostos a contribuir.
Observe, uma vez mais, que nosso Senhor toma por certo que todos
quantos se intitulam seus discípulos serão pessoas de oração. Ele assume que
isto também é um ponto pacífico. Tão somente Ele nos dá orientações
quanto à melhor maneira de orar. Esta é outra lição que merece ser
continuamente lembrada. Está claramente ensinado que pessoas que não
oram não são cristãos genuínos. Não basta apenas participar nas orações da
igreja, aos domingos, ou freqüéntar os cultos de oração durante a semana, na
igreja ou em família, É preciso haver também a oração particular, a sós com
Deus. Sem isso, podemos até estar arrolados como membros de alguma
igreja cristã, mas não somos membros vivos de Cristo.
Entretanto, quais são as normas deixadas para nossa orientação a
respeito de esmolas e oração? As regras são poucas e simples, mas contêm
muito material para a nossa meditação.
Ao dar esmolas, tudo quanto seja ostentação deveria ser abominado e
evitado. Não devemos dar como se desejássemos que todos vissem quão
caridosos e liberais nós somos, como se quiséssemos receber os elogios de
nossos semelhantes. Tudo quanto pareça exibicionismo deve ser evitado.
Devemos dar quietamente, fazendo tanto menos ruído quanto possível a
respeito de nossa caridade. O nosso propósito deveria acompanhar o espírito
daquele versículo: “Ignore a tua mão esquerda o que faz a tua direita".
Ao orar, o nosso objetivo principal deveria ser o de estarmos a sós com
Deus. Deveríamos procurar algum lugar onde nenhum olho mortal nos
pudesse ver, para que então pudéssemos derramar o coração diante de Deus,
com o sentimento de que ninguém nos está vendo, senão Deus. Entretanto,
esta é uma regra que muitas pessoas acham difícil seguir. Para os irmãos de
condição mais humilde, e para os que trabalham para outrem, é quase
impossível estar realmente sozinhos. Porém, esta é norma que todos nós
precisamos fazer um grande esforço para
Mateus 6.1-8 37
Estes versículos são poucos era número e podem ser lidos com
facilidade; no entanto, são de imensa importância. Eles contêm o ma-
ravilhoso modelo de oração com o qual o Senhor Jesus supriu o seu povo, e
que comumente é chamado de “oração do Pai Nosso”.
Talvez nenhuma outra porção das Escrituras seja tão bem conhecida
quanto esta. As suas palavras são conhecidas onde quer que exista
38 Mateus 6.9-15
de Deus, entendemos todos aqueles atributos divinos através dos quais Ele
se tem revelado a nós — o seu poder, sabedoria, santidade, justiça,
misericórdia e verdade. Quando rogamos que esses atributos sejam “san-
tificados”, pedimos que eles sejam feitos conhecidos e glorificados. A
glória de Deus é a primeira coisa que os filhos de Deus deveriam almejar.
Esse foi o assunto de uma das orações do próprio Senhor Jesus: “Pai,
glorifica o teu nome” (Jo 12.28). Este é o propósito para o qual o mundo
foi criado. Esta é a finalidade pela qual os santos são chamados e
convertidos. A principal coisa que deveríamos buscar nesta vida é que “em
todas as cousas seja Deus glorificado” (1 Pe 4.11).
A terceira sentença envolve uma petição acerca do reino de Deus:
“venha o teu reino”. Por “teu reino” entendemos, primeiramente, o reino
da graça que Deus estabelece e mantém no coração de todos os membros
vivos do corpo de Cristo, por meio de seu Espírito e de sua Palavra. Mas,
principalmente, entendemos tratar-se daquele reino de glória que um dia
será estabelecido, quando o Senhor Jesus vier pela segunda vez. Então
todos conhecerão ao Senhor, “desde o menor deles até ao maior” (Hb
8.11). Nessa ocasião o pecado, a tristeza e Satanás serão expulsos do
mundo. O judeus serão convertidos e virá a plenitude dos gentios (Rm
11.25), e será o tempo mais desejável que jamais existiu. Esta petição,
portanto, tem um lugar de proeminência dentro da oração do Pai Nosso.
A quarta sentença é uma petição concernente à vontade de Deus:
faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu‟ ‟. Neste ponto, oramos
no sentido de que as leis de Deus possam ser obedecidas pelos homens tão
perfeita, pronta e incessantemente como o são pelos anjos, no céu.
Rogamos que aqueles que agora não obedecem às leis de Deus, sejam
ensinados a obedecê-las, e que aqueles que obedecem o façam ainda com
maior empenho. A nossa mais autêntica felicidade consiste em perfeita
submissão à vontade de Deus; é demonstração do mais alto amor cristão
orar no sentido de que toda a humanidade possa conhecer a vontade de
Deus, obedecê-la e submeter-se a ela.
A quinta sentença é uma petição referente às nossas próprias
necessidades diárias: “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. Somos aqui
ensinados a reconhecer a nossa inteira dependência de Deus para o
suprimento das nossas necessidades diárias. Tal como Israel precisava do
maná diariamente, assim também precisamos diariamente do nosso pão.
Nós confessamos que somos pobres, fracos, criaturas necessitadas, e
suplicamos a Deus, nosso Criador, que tome conta de nós. Pedimos pão
como a mais simples das nossas necessidades materiais; mas, nessa
palavra, incluímos todas as necessidades do nosso corpo.
A sexta sentença é uma petição a respeito dos nossos pecados:
40 Mateus 6.9-15
e nos regozijamos no fato de que Ele é o Rei dos reis e o Senhor dos
senhores.
Agora, examinemos a nós mesmos, para saber se realmente de-
sejamos ter as coisas que somos ensinados a pedir, nesta oração. É de temer
que milhares de pessoas repitam formalmente estas palavras, dia após dia,
sem jamais considerarem o que estão dizendo. Eles não têm a menor
preocupação com a glória, o reino ou a vontade do Senhor. Não têm nenhum
senso de dependência, de pecaminosidade, de fraqueza pessoal ou de
perigo. Não têm amor nem compaixão para com os seus inimigos. E, ainda
assim, repetem a oração do Pai Nosso! As coisas não deveriam ser assim.
Que nós possamos tomar uma decisão e, com a ajuda de Deus, fazer com
que nossos lábios e nossos corações caminhem juntos! Bem-aventurado é
quem verdadeiramente pode chamar Deus de Pai celestial, por intermédio
de Jesus Cristo, seu Salvador, e que, portanto, pode sinceramente dizer
“Amém”, de todo o coração, a tudo quanto a oração do Pai Nosso contém.
(Rm 8,28). “O Senhor dá graça e glória; nenhum bem sonega aos que
andam retamente” (Sí 84.11).
Por fim, Jesus sela a sua instrução sobre este assunto com uma das
mais sábias afirmações: "o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu
próprio mal”. Não devemos carregar preocupações antes do tempo próprio.
Devemos atender às ocupações do dia de hoje e deixar as preocupações do
amanhã para quando raiar o novo dia. Podemos morrer antes do amanhecer!
A única coisa de que podemos ter certeza é que, se o dia de amanhã nos
trouxer uma cruz, Aquele que a envia pode, e irá, nos enviar a graça
necessária para carregá-la.
Em toda essa passagem existe um tesouro de lições de ouro. Pro-
curemos usá-las na nossa vida diária. Que não apenas leiamos essas lições,
mas que as ponhamos em prática. Vigiemos e oremos contra um espírito
ansioso e excessivamente preocupado. Isto afeta profundamente a nossa
felicidade. Metade das nossas misérias são causadas pela ilusão de coisas
que nós pensamos estarem vindo sobre nós. Metade das coisas que
imaginamos estarem vindo sobre nós, na verdade jamais acontecem. Onde
está a nossa fé? Onde está a confiança que temos nas palavras de nosso
Salvador? Lendo estes versículos bem podemos nos envergonhar de nós
mesmos, para então examinarmos os nossos corações. Contudo, podemos
ter certeza de que as palavras de Davi expressam uma grande verdade: „„Fui
moço, e já, agora, sou velho, porém jamais vi o justo desamparado, nem a
sua descendência a mendigar o pão” (SI 37.25).
A Censura é Proibida;
À Oração é Encorajada
Leia Mateus 7.1-12
Será que de fato oramos? Então oremos ainda mais, sem nunca
desanimar. Orar nunca é trabalho perdido, nem em vão. Haverá um dia de
produzir fruto, mesmo que se passe muito tempo. Esta palavra de Jesus
nunca falhou: “Pois todo o que pede, recebe”.
Prestemos atenção a este fato: para salvar uma alma é preciso muito
mais do que a maioria das pessoas parece julgar necessário. Podemos até
ter sido batizados em nome de Cristo, e nos orgulbar presunçosamente em
nossos privilégios eclesiásticos. Podemos ser donos de grande
conhecimento intelectual, e estar bem satisfeitos com a nossa condição.
Podemos até mesmo ser pregadores e mestres sobre outrem, e fazer 'muitas
obras maravilhosas” em conexão com a igreja a que pertencemos. Mas,
durante todo esse tempo, temos praticado a vontade do Pai celeste? Temos
verdadeiramente nos arrependido? Temos realmente confiado em Cristo e
vivido vidas santas e humildes? Se assim não for, a despeito de todos os
nossos privilégios, e do nosso professo cristianismo, perderemos o céu
afinal, e seremos rejeitados para todo o sempre. Ouviremos aquelas
terríveis palavras: “Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que
praticais a iniqüidade”.
O dia do juízo final haverá de revelar coisas muito estranhas. As
esperanças de muitos dos que foram considerados grandes cristãos, quando
em vida, serão totalmente vãs. A corrupção de sua religião será
desmascarada e lançada ao opróbrio, perante os olhos do mundo inteiro. E
então ficará provado que, para ser salvo, é necessário muito mais do que
apenas “uma profissão de fé”. Devemos praticar o nosso cristianismo,
tanto quanto professá-lo. Que nós com frequência nos lembremos desse
grande dia do juízo, e nos julguemos a nós mesmos, para não sermos
julgados e condenados (1 Co 11.31) pelo Senhor. Sem importar o que mais
sejamos, que o nosso alvo consista em sermos reais, verdadeiros e
sinceros.
A segunda lição, nesta passagem, é um impressionante quadro das
duas classes de ouvintes — os que ouvem, mas não praticam; e os que não
apenas ouvem, mas põem em prática o que ouvem, com os seus respectivos
destinos traçados até o fim.
Quem ouve o ensino cristão e põe em prática o que ouve, é como o
“homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha”. Ele não se
contenta em apenas ouvir exortações ao arrependimento, exortações a
confiar em Cristo e a viver uma vida santa. Ele de fato se arrepende. Ele
realmente crê. Ele realmente abandona a prática do mal, aprende a fazer o
bem, abomina tudo que é pecaminoso e apega-se ao que é bom. Ele não só
é um ouvinte, mas também é um praticante (Tg 1.22).
E qual é o resultado de tudo isso? Em tempos de provação, a sua
religião não o desampara. Os dilúvios de enfermidade, tristeza, pobreza,
desapontamento e desolações desabam sobre ele, mas em vão. A sua alma
permanece inabalável. A sua fé não cede terreno. Nunca é destituída de
conforto. A sua religião talvez lhe tenha custado tribulações, em tempos
passados. Os seus alicerces podem ter sido obtidos
52 Mateus 7.21-29
dito uma única palavra. Não obstante, em cada caso o coração de nosso
Senhor Jesus Cristo mostra-se o mesmo. Ele prontamente demonstrou
misericórdia e a disposição de curar. Cada uma dessas pessoas recebeu a
sua tema compaixão, e cada uma recebeu a cura efetiva.
Eis aqui um outro fortíssimo fundamento para a nossa fé! O nosso
grande Sumo Sacerdote é extremamente gracioso. Ele pode
“compadecer-se das nossas fraquezas” (Hb 4.15). Ele jamais se cansa de
nos fazer o bem. Ele sabe que nós somos um povo fraco e débil, em meio a
um mundo atribulado e cansado. Ele está tão pronto a ser
paciente conosco e a nos ajudar, como estava a 2000 anos atrás. Hoje
continua sendo uma verdade, tanto quanto nos tempos antigos, que Ele “a
ninguém despreza” (Jó 36.5). Nenhum coração pode sensibilizar-se
tanto por nós quanto o coração de Cristo.
Em último lugar, aprendamos quão preciosa é a graça divina da fé.
Pouco sabemos a respeito do centurião descrito nestes versículos. O nome
dele, sua nacionalidade, sua história passada, nada disso nos é informado.
Entretanto, sabemos de uma coisa — que ele creu era Jesus. Declarou ele:
“Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas apenas manda
com uma palavra, e o meu rapaz será curado”. Lembremo-nos de que ele
creu, enquanto os escribas e os fariseus eram incrédulos. Embora nascido
gentio, ele creu, enquanto o povo de Israel estava espiritualmente cego. A
respeito dele, nosso Senhor proferiu uma palavra de elogio que tem sido
lida por todo o mundo, desde aqueles dias até hoje: “Nem mesmo em Israel
achei fé como esta”.
Apeguemo-nos com firmeza a esta lição. Eia merece ser relem-
brada. Crer no poder de Cristo e na sua boa vontade em ajudar, e fazer uso
prático dessa nossa crença, é um dom raro e precioso. Devemos sempre
estar agradecidos por termos este dom. Estarmos dispostos a vir a Jesus não
tendo outra esperança, e reconhecendo a nossa condição de pecadores
perdidos, e entregar as nossas almas às mãos dEle, é um grande privilégio.
Que nós sempre demos graças ao Senhor se temos essa disposição, pois é
um dom de Deus. Essa fé é melhor do que todos os demais dons ou
conhecimentos neste mundo. Muitos humildes pagãos
agora convertidos, que de nada sabem senão da doença do pecado na alma,
mas que confiam em Jesus, haverão de assentar-se no céu, enquanto que
muitos doutores em teologia serão rejeitados para sempre.
Verdadeiramente abençoados são os que creemI
O que cada um de nós sabe a respeito dessa fé? Esta é uma grande
questão. O nosso conhecimento pode ser pequeno; mas, será que realmente
cremos? Nossas oportunidades para contribuir e trabalhar pela causa de
Cristo podem ser poucas; mas, cremos? Talvez não possamos pregar, nem
escrever um livro, e nem mesmo argumentar em favor do
Mateus 8.1-15 55
um lugar para outro e causar destruição até ao tempo que lhes foi permitido
pelo Senhor dos Senhores: “Viestes aqui atormentar-nos antes do tempo?”,
eles disseram. Mesmo a petição que fizeram a Jesus nos mostra que eles não
podiam causar dano nem mesmo aos porcos, a menos que Jesus, o Filho de
Deus, lhes desse permissão. * „Manda-nos para a manada dos porcos”, eles
disseram.
Assim, deixemos firmemente estabelecido em nossas mentes que
nosso Senhor Jesus Cristo é o grande Libertador do homem do poder do diabo.
Ele não somente pode “remir-nos de toda iniqüidade”, mas também deste
“presente mundo mau” e do diabo. Desde a muito foi profetizado que Ele
haveria de esmagar a cabeça da serpente. Jesus começou a esmagar a cabeça
da serpente quando nasceu da virgem Maria. Ele triunfou sobre a cabeça da
serpente quando morreu na cruz. Ele mostrou o seu total domínio sobre
Satanás “curando a todos os oprimidos do diabo”, quando estava sobre a
terra (At 10.38). O nosso grande recurso, em todos os ataques do diabo, é
clamarmos ao Senhor Jesus e buscarmos a sua ajuda. Ele pode romper as
cadeias que Satanás lança à nossa volta, e nos libertar. Ele pode expulsar
qualquer demônio que nos atormente o coração, tão certo como nos dias da
antigüidade. Seria realmente uma lástima saber que o diabo existe e está
sempre perto de nós, se não soubéssemos que Cristo “pode salvar
totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder
por eles” (Hb 7.25).
Que nós não deixemos esta passagem sem observar o doloroso
mundanismo dos gadarenos, entre os quais foi operado o milagre da expulsão
de demônios. Os gadarenos rogaram ao Senhor Jesus “que se retirasse da
terra deles”. Eles não se sensibilizavam com nada, a não ser com a perda de
seus porcos. Pouco importava que duas pobres criaturas, com duas almas
imortais, tivessem sido libertadas da escravidão de Satanás. Para eles
também não importava que estivesse ali entre eles Alguém muito superior
ao diabo, a saber, Jesus Cristo, o Filho de Deus. Não se importaram com
nada, senão que a manada de porcos tinha se afogado, e “que se lhes
desfizera a esperança do lucro”. Na ignorância, os gadarenos consideraram
a Jesus como alguém
que se colocava entre eles e os seus lucros, e só desejavam ficar livres dEle.
Existe um número demasiadamente grande de pessoas como os
gadarenos. Há milhares de pessoas que não dão a mínima importância a
Cristo ou a Satanás, desde que possam ganhar mais dinheiro, e desfrutar um
pouco mais das coisas deste mundo. Que nós possamos estar livres desse
espírito! Contra ele, que nós possamos sempre vigiar e orar! Ele é muito
comum e terrivelmente contagioso. A cada nova manhã
Mateus 8.28-34 59
A Cura do Paralítico;
A Chamada de Mateus, o Publicano
Leia Mateus 9.1-13
sam suportar. Não podemos esperar que possam receber tudo de uma vez.
Negligenciar esta regra seria uma tolice tão grande quanto guardar “vinho
novo em odres velhos”, ou pôr “remendo de pano novo em vestido velho”.
Nisto há uma fonte de profunda sabedoria, que todos faríamos bem
em relembrar, para o ensino espiritual dos que têm pouca experiência.
Devemos ter o cuidado de não pôr excessiva importância às questões
secundárias da religião. Não devemos nos apressar em exigir imediata
conformidade a uma norma rígida quanto a coisas indiferentes, enquanto os
princípios elementares do arrependimento e da fé não tiverem sido
devidamente apreendidos. Devemos orar por graça e bom senso cristão
para nos guiarem neste assunto. O tato no relacionamento com os novos
discípulos de Cristo é um dom raro, mas muito proveitoso. Saber sobre o
que devemos insistir desde o princípio, como absolutamente necessário, e o
que reservar para o futuro, qúando o discípulo tiver alcançado um
conhecimento mais perfeito, é uma das maiores qualificações de um
instrutor de almas.
Em seguida, observemos quanto encorajamento nosso Senhor dá,
mesmo à fé mais humilde. Nesta passagem, lemos que certa mulher, afligida
por uma grave enfermidade, veio por detrás do Senhor Jesus, em meio à
multidão, e Lhe tocou “na orla da veste”, na esperança de que, se assim o
fizesse, seria curada do seu flagelo. A mulher não proferiu uma palavra,
pedindo auxílio. Ela não fez qualquer pública confissão de fé. E, no entanto,
confiava que, se ao menos tocasse nas vestes de Jesus, ficaria curada. Foi o
que sucedeu. Oculta naquele seu ato havia uma preciosa semente de fé em
Jesus, elogiada por nosso Senhor. A mulher foi curada instantaneamente, e
voltou para casa em paz. Nas palavras de um antigo escritor: “Veio em
tremores, mas saiu em triunfo”.
Guardemos na mente esta história. Ela pode nos ajudar podero-
samente em alguma hora de necessidade. Nossa fé talvez seja fraca. Nossa
coragem pode ser pequena. A nossa apreensão do evangelho e de suas
promessas talvez seja frágil e estremecida. Porém, a grande pergunta,
afinal, é esta: “Na realidade confiamos somente em Cristo? Olhamos para
Jesus, e somente para Jesus para receber perdão e paz?” Se assim acontece
conosco, isso é bom sinal. Embora não possamos tocar nas suas vestes,
podemos tocar no coração de Jesus. Uma fé assim salva a alma. A fé fraca é
menos consoladora do que a fé vigorosa. A fé fraca irá nos levar para o céu
com muito menos regozijo do que teríamos se tivéssemos a total confiança.
Mas a fé, embora fraca, dá- -nos os benefícios de Cristo, tanto quanto a fé
mais vigorosa. Quem ao menos tocar nas vestes de Jesus, sob hipótese
nenhuma perecerá.
Mateus 9 J 4-26 63
tidões1 que vagavam, como “ovelhas que não têm pastor“, e o seu coração
moveu-se de compaixão. Ele as via negligenciadas por aqueles que, na
época, deveriam ter sido seus mestres. Ele via a uma multidão de pessoas
ignorantes, sem esperança, desamparadas, morrendo sem estarem
preparadas para morrer. Esta visão levou Jesus à profunda compaixão.
Aquele coração amoroso não podia ver essas coisas sem comover-se.
Quais são os nossos sentimentos, quando vemos pessoas nessa
mesma condição? Esta é a pergunta que deveria surgir em nossa mente. Há
um grande número de pessoas nessas condições, que podemos ver por toda
a parte. Há milhões de idólatras e pagãos na terra, milhões de iludidos
islamitas, milhões de católicos supersticiosos romanos. Há também
milhares de protestantes ignorantes, vivendo bem junto a nós. Sentimo-nos
grandemente preocupados com tais almas? Sentimos profundamente a
carência espiritual dessas pessoas? Ansiamos por vê-las aliviadas dessas
carências? Estas são perguntas sérias e que exigem resposta. E fácil
desprezar as missões aos pagãos, bem como aqueles que trabalham em
favor dos incrédulos. Porém, quem não sente profunda- mente pela alma
dos não convertidos, certamente não pode ter a mente de Cristo (1 Co 2.16).
Destaquemos, em último lugar, que há um solene dever para todos os
crentes, que desejam fazer o bem à porção ainda não-convertida da
humanidade. Eles são incumbidos de sempre orar para que o Senhor levante
mais homens para o trabalho da conversão das almas. Parece mesmo que
essa petição deve fazer parte das nossas orações diárias:
“Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara”.
pode ser uma vida fácil. Todo ministro de Cristo deve dispor-se a gastar seu
corpo e mente, seu tempo e energias na tarefa para a qual foi chamado. A
preguiça e a frivolidade são intoleráveis em qualquer profissão; mas são
piores ainda, no ofício da sentinela de almas. É também claro que a posição
dos ministros de Cristo não coincide com aquilo que, muitas vezes, pessoas
ignorantes lhes atribuem e que, infelizmente, certos ministros reivindicam
para si. Eles não são ordenados para dominar, mas para servir. Não lhes
compete tanto exercer domínio sobre a igreja, quanto suprir as
necessidades dos seus membros e servi-los (2 Co 1.24). Bom seria para a
causa da verdadeira religião, se tais coisas fossem melhor compreendidas!
Metade dos males do cristianismo têm surgido de noções equivocadas a
respeito do ofício do ministro.
Em último lugar, somos ensinados que é muito perigoso negligenciar
os oferecimentos do evangelho. "Menos rigor haverá para Sodoma e
Gomorra, no dia do juízo", do que para aqueles que já ouviram a verdade
acerca de Cristo, mas não a receberam.
Esta é uma doutrina que tem sido temivelmente negligenciada,
embora mereça a mais séria consideração de nossa parte. Os homens
inclinam-se, mui lamentavelmente, por esquecer-se de que não é necessário
cometer pecados gravíssimos para que uma alma fique arruinada para todo
o sempre. Basta que a pessoa continue ouvindo o evangelho mas não
crendo, escutando mas não arrependendo-se, vindo à igreja mas não vindo
a Cristo; assim, pouco a pouco acabará no inferno! Todos seremos julgados
de acordo com a luz que recebemos. Ouvir as boas novas da "grande
salvação" e, no entanto, negligenciá-las, é um dos piores pecados que se
pode cometer (Jo 16.9).
O que estamos fazendo com o evangelho? Esta é a indagação que
cada um que lê esta passagem bíblica deve pôr, diante de sua própria
consciência. Suponhamos que nós mesmos sejamos pessoas decentes e
respeitáveis, corretas e morais em todas as relações da vida, e constantes na
nossa aproximação formal aos meios de graça. Quanto a essas coisas, tudo
está muito bem. Entretanto, seria isso tudo quanto pode ser dito a nosso
respeito? Estamos, realmente acolhendo o amor à verdade? Está Cristo
habitando em nossos corações, pela fé? Em caso contrário, estamos
correndo um terrível perigo. Estamos sendo muito mais culpados do que os
homens de Sodoma, os quais jamais ouviram o evangelho. Podemos um dia
descobrir que, a despeito de toda a nossa regularidade, moralidade e
correção, estamos perdidos para sempre. O fato de termos vivido sob a
plena luz dos privilégios cristãos, e termos ouvido a pregação fiel do
evangelho, semana após semana, só isto, apenas, não nos livrará da
condenação. Tem que haver a experiência pessoal com Cristo. Precisamos
receber pessoalmente a verdade de
68 Mateus 10.1-15
Cristo. É preciso existir uma união vital com Ele. Devemos nos tomar seus
servos e discípulos. Sem isto, a pregação do evangelho só faz aumentar a
nossa responsabilidade, toma-nos ainda mais culpados, e por fim nos fará
afundar ainda mais profundamente no inferno. Estas são declarações
difíceis de se ouvir. Porém, as palavras das Escrituras que temos acabado
de ler são claras e inequívocas. Elas são todas verdadeiras.
não requer de nós que nos desfaçamos do nosso bom senso quando pro-
curamos trabalhar para Ele. Sempre haverá bastante ofensa na nossa reli-
gião cristã, não importa o que façamos; porém, não devemos aumentar as
possibilidades disso desnecessariamente. “Portanto, vede prudentemente
como andais, não como néscios, e, sim, como sábios*‟ (Ef 5.15).
É de temer que os crentes no Senhor Jesus não oram o suficiente por
um espírito de sabedoria, juízo e bom senso. Eles tendem a pensar que, se
já receberam a graça divina, então já têm tudo quanto precisam.
Esquecem-se de que um coração agraciado deveria orar para ser pleno de
sabedoria, assim como do Espírito Santo (At 6.3). Lembremos que muita
graça e bom senso talvez seja uma das mais raras combinações que existe.
A vida de Davi e o ministério do apóstolo Paulo, contudo, são provas
notáveis de que essa combinação é possível. Nisto, como em todas as
demais coisas, nosso Senhor Jesus Cristo, pessoalmente, é o nosso mais
perfeito exemplo. Ninguém jamais se mostrou tão fiel quanto Ele. E, no
entanto, ninguém jamais foi tão verdadeiramente sábio. Façamos de Cristo
o nosso modelo, e andemos nos passos dEle.
Fazer a obra de Deus neste mundo é uma tarefa muito difícil! Todos
quantos a empreendem descobrem isto por experiência. É preciso muita
coragem, fé, paciência e perseverança. Satanás lutará vigorosamente para
manter o seu reino. A natureza humana é desesperadamente corrupta.
Praticar o mal é fácil. O difícil é fazer o bem.
O Senhor Jesus sabia disso muito bem quando enviou os seus
discípulos para pregarem o evangelho pela primeira vez. Mesmo que eles
não soubessem o que os esperava, Ele o sabia. Ele teve o cuidado de lhes
dar uma lista de palavras de encorajamento, para animá-los quando se
sentissem abatidos. Missionários exaustos no país distante, ou ministros
que se sentem esgotados, mesmo trabalhando no seu próprio país,
professores desalentados e evangelistas desanimados, todos fariam bem
em estudar com freqüência os nove versículos desta passagem.
Observemos o que eles contêm.
Os que trabalham na obra de Deus não devem esperar ser melhor
sucedidos. “O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo acima do
seu senhor”. O Senhor Jesus foi caluniado e rejeitado por aqueles a quem
viera beneficiar. Não havia erros em sua doutrina. Não havia defeitos em
seu método de transmitir a instrução. Mesmo assim
Mateus 10.24-33 11
nem sempre instaurará paz e concórdia onde for anunciado. “Não vim trazer
paz, mas espada. O objetivo da primeira vinda de Cristo à terra não foi o de
inaugurar um reino milenar, dentro do qual todos teriam uma única atitude
mental; antes, Ele veio trazer o evangelho que haveria de provocar divisões
e contendas. Não temos o direito de nos sentir surpreendidos se essa
predição vai sendo incessantemente cumprida. Não devemos estranhar se o
evangelho chegar a dividir famílias inteiras, separando até mesmo os
parentes mais chegados. Com certeza esse será o resultado do evangelho
em muitos casos, por causa da arraigada corrupção do coração humano.
Enquanto um homem crê e outro permanece na incredulidade, enquanto um
homem resolve desistir de seus pecados, mas outro está resolvido a
continuar no pecado, o resultado da pregação do evangelho será divisão.
Não devemos culpar o evangelho, mas, sim, o coração do homem.
Nestes ensinamentos há uma profunda verdade, embora seja cons-
tantemente esquecida e negligenciada. Muitos falam em termos vagos
acerca de unidade, harmonia e paz na igreja de Cristo, como se devêssemos
esperar por essas coisas, e pelas quais tudo o mais devesse ser sacrificado.
Tais pessoas fariam bem em relembrar as palavras de nosso Senhor. Não há
dúvida, a unidade e a paz são bênçãos poderosas. Deveríamos buscar
alcançá-las, orando por elas e até desistindo de tudo o mais para as
obtermos, excetuando a bondade e uma boa consciência. Porém, é um
sonho vão supormos que as igrejas de Cristo desfrutarão de grande unidade
e paz, antes que venha o milênio.
Em segundo lugar, nosso Senhor nos diz que os verdadeiros cristãos
devem estar preparados para sofrerem tribulações neste mundo. Se somos
ministros ou ouvintes, se ensinamos ou somos ensinados, não faz muita
diferença. Temos que levar a nossa “cruz”. Devemos estar dispostos a
perder até a própria vida por amor a Cristo. Devemos nos submeter à perda
do favor dos homens, suportar as dificuldades e negar a nós mesmos muitas
vezes ou, então, jamais chegaremos ao céu. Enquanto o mundo, o diabo e os
nossos próprios corações forem como são, as coisas têm de ser assim.
Descobriremos quão útil é relembrar-nos dessa lição, para então
transmiti-la aos nossos semelhantes. Poucas coisas são mais prejudiciais à
religião do que as expectativas exageradas e fora de proporção. Cer
o menor serviço prestado àqueles que trabalham em sua causa será observado e
recompensado por Deus. „ „E quem der a beber ainda que seja um copo de
água fria, a um destes pequeninos, por ser este meu discípulo, em verdade
vos digo que de modo algum perderá o seu galardão.”
Nesta promessa há algo maravilhoso. Ela nos ensina que os olhos do
nosso grande Mestre estão perenemente fixos sobre aqueles que trabalham
para Ele e procuram fazer o bem. Parece que essas pessoas trabalham sem
serem notadas, sem serem consideradas. O trabalho dos pregadores e
missionários, dos professores e dos que visitam os pobres, pode parecer de
pouco valor e insignificante, em comparação com os ofícios de reis e
parlamentares, de generais e estadistas. Mas não é insignificante aos olhos
de Deus. Ele observa os que se opõem aos seus servos e aqueles que os
ajudam. Ele observa quem é dócil para seus ministros, como Lídia agiu com
Paulo, e quem põe obstáculos no caminho, como Diótrefes fez contra o
apóstolo João. Toda a experiência diária dos discípulos de Cristo fica
registrada, enquanto trabalham na seara do Mestre. Tudo fica registrado no
grande livro das obras e tudo será revelado no dia do juízo. O copeiro-mór
esqueceu-se de José depois de ter sido restaurado a seu cargo. Mas o Senhor
Jesus jamais se esquece de qualquer do seu povo. Ele dirá a muitos, que
menos esperam por isso, no dia da ressureiçao: „„Tive fome e me destes de
comer; tive sede e me destes de beber” (Mt 25.35).
Ao encerrarmos o estudo deste capítulo, perguntamos a nós mesmos
como consideramos a obra e a causa de Cristo neste mundo. Estamos
ajudando ou dificultando essa obra? Estamos ajudando de alguma maneira,
aos profetas e aos „„justos”do Senhor? Estamos auxiliando estes
pequeninos? Estamos pondo obstáculos no caminho, ou estamos enco-
rajando os obreiros do Senhor, procurando animá-los? Estas são perguntas
muito sérias. Os que oferecem o “copo de água fria” sempre que tenham
oportunidade, agem bem e com sabedoria. Porém, agem ainda melhor
aqueles que trabalham ativamente na obra do Senhor. Que todos nós nos
esforcemos por deixar este mundo melhor do que aquele em que nascemos.
Isso é ter a mente de Cristo. Isso é descobrir pessoalmente o valor das
maravilhas contidas neste capítulo.
dois dos seus discípulos perguntarem a Jesus: “És tu aquele que estava para
vir, ou havemos de esperar outro?“
Essa indagação não foi gerada por dúvida ou incredulidade de João
Batista. Faríamos uma grave injustiça àquele grande santo do Senhor se
interpretássemos a pergunta dessa maneira. Ela foi formulada visando ao
benefício dos discípulos de João. Teve a finalidade de oferecer-lhes a
oportunidade de ouvirem dos próprios lábios de Cristo a evidência de sua
missão divina. Sem dúvida, João Batista sentiu que o seu próprio ministério
estava terminado. Alguma coisa, no seu íntimo, lhe segredava que ele
jamais sairia do cárcere de Herodes mas, pelo contrário, ali morreria. João
lembrou-se dos ciúmes e invejas, motivados pela ignorância, que haviam
surgido entre os seus discípulos e os de Cristo. Logo, escolheu o curso mais
provável para esses ciúmes serem dissipados para sempre. Enviou alguns
de seus seguidores para que estivessem “ouvindo e vendo” por si mesmos o
que Jesus fazia.
A conduta de João Batista nos oferece um extraordinário exem
plo para ministros, professores e aos pais, quando estão chegando ao final
de sua carreira. A principal preocupação desses deveria dizer respeito às
almas que eles deixarão atrás de si, neste mundo. E o grande desejo deles
deveria ser persuadir tais almas a apegarem-se a Cristo. A morte daqueles
que nos têm guiado e instruído neste mundo sempre deveria produzir tal
efeito. Deveria fazer com que nos apegássemos ainda mais firmemente
Àquele que nunca mais morrerá, que continuará para sempre e tem um
“sacerdócio imutável” (Hb 7.24).
Outra coisa que requer a nossa atenção, neste texto, é o elevado
testemunho dado por nosso Senhor no tocame ao caráter de João Ba
tista. Nenhum homem jamais recebeu tamanha aprovação como essa que
Jesus dá a seu amigo que fora aprisionado. “Entre os nascidos de mulher,
ninguém apareceu maior do que João Batista.” Nos dias de seu ministério
público, João havia confessado ousadamente a Jesus, perante os homens,
mostrando ser Ele o Cordeiro de Deus. Agora, Jesus declarava abertamente
que João Batista era mais do que um mero profeta.
Sem dúvida, havia alguns que estavam inclinados a fazer pouco caso
de João Batista, em parte, por ignorância da natureza do ministério de João,
e, em parte, por não terem compreendido a finalidade da pergunta que ele
mandara fazer a Jesus. Nosso Senhor faz silenciar esses astuciosos com a
declaração que faz a respeito de João Batista. Jesus lhes disse que não
deveriam pensar que João fosse um homem tímido, vacilante e instável,
“um caniço agitado pelo vento”. Se assim pensassem, estariam totalmente
enganados. João Batista foi uma testemunha poderosa e inflexível da
verdade. Jesus diz que não deveriam
76 Matem 11.1-15
supor que João fosse mundano de coração, apreciador dos palácios reais e
da vida fácil. Se assim estivessem pensando, estariam cometendo um
grande erro. João era um abnegado pregador do arrependimento, que
preferiria ser vítima da ira de um rei a deixar de reprovar os pecados deste.
Em suma, Jesus queria que todos soubessem que João Batista era “muito
mais do que profeta”. João era alguém a quem Deus tinha dado maior
honra do que a todos os profetas do Antigo Testamento. Na verdade,
aqueles profetas haviam profetizado a respeito de Cristo, mas morreram
sem tê-Lo visto. João não somente profetizou a respeito dEle, como
também O viu face a face. Os profetas haviam predito que os dias do Filho
do homem certamente chegariam, e o Messias apareceria neste mundo.
João foi testemunha ocular desses dias e, também, um honroso instrumento
de preparação dos homens para esses dias. Aos profetas foi ordenado
predizer que o Messias “como cordeiro seria levado ao matadouro”, e seria
“cortado da terra dos viventes”. Mas a João Batista fora outorgado apontar
pessoalmente para Ele, e dizer: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado
do mundo!”
Há algo de belíssimo e consolador para os verdadeiros crentes, neste
testemunho de nosso Senhor sobre João Batista. Vemos o interesse que o
nosso grande Cabeça sente, quanto à vida e o caráter de todos os seus
membros. Vemos quanta honra Ele está pronto a conceder a todo trabalho e
labor que os crentes desempenham, em favor de sua causa. É uma doce
antecipação da confissão que Ele fará dos seus discípulos perante o mundo
inteiro reunido, quando Ele os apresentará inculpáveis diante do trono do
seu Pai, no dia final.
Sabemos, realmente, o que significa trabalhar para Cristo? Já nos
sentimos desanimados e derrotados, como se não estivéssemos fazendo
nenhum bem, e ninguém se importasse conosco? Já nos sentimos tentados
a dizer, quando postos de lado por alguma enfermidade, ou quando
retirados de cena pela providência divina: “Tenho eu trabalhado em vão e
gasto minhas forças inutilmente?” Enfrentemos tais pensamentos,
relembrando o que Jesus disse acerca de João Batista. Recordemo-nos de
que há Alguém que registra diariamente tudo quanto fazemos em favor
dEle, e que se agrada mais do trabalho de seus servos do que eles próprios
imaginam. A mesma língua que prestou testemunho a respeito de João
Batista, quando este estava na prisão, também dará testemunho de todo o
seu povo, no último dia. Ele dirá: “Vinde, benditos de meu Pai! entrai na
posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo”. Então
as testemunhas fiéis descobrirão, para sua admiração e grande surpresa,
que jamais proferiram uma única
palavra em favor de seu Mestre, pela qual não venham a receber uma
recompensa.
Mateus 11.16-24 77
A Grandeza de Cristo;
O Amplo Convite do Evangelho
Leia Mateus 11.25-30
capazes de sondá-la. Mas, seja como for, bá algo na Bíblia que se destaca
como uma grande verdade prática, e da qual jamais nos deveríamos
esquecer. O evangelho geralmente está oculto daqueles que são “sábios a
seus próprios olhos, e prudentes em seu próprio conceito” (Is 5.21). O
evangelho geralmente é revelado aos humildes e despretenciosos, que
estão dispostos a aprender. As palavras da virgem Maria estão se cum-
prindo constantemente: „ „Encheu de bens os famintos, e despediu vazios
os ricos” (Lc 1.53).
Vigiemos nosso coração quanto ao orgulho, em todas as suas ma-
nifestações — o orgulho intelectual, o orgulho das riquezas, o orgulho em
face de nossa própria bondade, o orgulho de nossos próprios méritos.
Coisa alguma tende por manter um homem fora do céu, impedindo-o de
ver a Cristo, mais do que o orgulho. Enquanto imaginarmos que somos
alguma coisa, jamais seremos salvos. Oremos pedindo humildade, e então
a cultivemos. Procuremos conhecer a nós mesmos de maneira correta,
descobrindo a nossa verdadeira condição diante de um Deus santo. O
início do caminho para o céu é quando sentimos que estamos no caminho
do inferno, e então nos dispomos a ser ensinados pelo Espírito Santo. Um
dos primeiros passos no caminho da salvação éperguntar, como fez Saulo
de Tarso: “Que farei, Senhor?” (At 22.10). Dificilmente há outra
afirmação de nosso Senhor que seja tão frequentemente repetida quanto
esta: “...o que se exalta, será humilhado; mas o que se humilha, será
exaltado” (Lc 18.14).
Em segundo lugar, aprendamos, com base nestes versículos, a
grandiosidade e a majestade de nosso Senhor Jesus Cristo. A linguagem de
nosso Senhor quanto a este assunto é profunda e maravilhosa. Disse Ele:
“Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai;
e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser
revelar”. Ao ler estes versículos, bem podemos dizer: “Tal conhecimento é
maravilhoso demais para mim: é sobremodo elevado, não o posso atingir‟
‟, Podemos vislumbrar um pouco da perfeita união existente entre a
primeira e a segunda pessoa da Trindade. Vemos algo da incomensurável
superioridade do Senhor Jesus, sobre todos os que não passam de meros
homens. Não obstante, depois de havermos dito tudo isso, devemos
confessar que existem alturas e profundidades neste versículo, que estão
muito além da nossa débil compreensão. Podemos apenas admirá-las no
espírito de crianças pequenas. Contudo, ainda assim, sentimos que metade
dessas coisas jamais se contou ao mortal.
Entretanto, que nós vejamos nestas palavras de Jesus a grande
verdade prática de que todo poder e autoridade, em tudo quanto diz
respeito à salvação de nossas almas, está nas mãos de nosso Senhor
Mateus 11,25-30 81
Jesus Cristo. “Tudo me foi eotregue por meu Pai.” Ele tem a chave. Para ir
ao céu, precisamos ir até Ele. Ele é a porta: precisamos entrar por
intermédio dEle. Ele é o pastor das ovelhas: precisamos ouvir a Sua voz e
segui-Lo, se não quisermos perecer no deserto. Ele é o médico das almas:
precisamos consultá-Lo, se quisermos ser curados da praga do pecado. Ele
é o pão da vida: precisamos nos alimentar dEle, se quisermos que as nossas
almas sejam satisfeitas. Ele é a luz: devemos andar após Ele, se não nos
quisermos desviar para as trevas. Ele é a fonte da vida: precisamos
lavar-nos no seu sangue, se quisermos ser purificados e preparados para o
grande dia da prestação de contas. Benditas
e gloriosas são estas verdades! Se temos a Cristo, temos todas as coisas (1
Co 3.22).
Por fim, com base nesta passagem, aprendemos como é amplo e pleno
o convite do evangelho de Cristo. Os últimos três versículos do capítulo, que
encerram essa lição, são realmente preciosos. Eles vêm ao encontro do
trêmulo pecador, que indaga: “Cristo revela o amor do Pai para alguém
como eu?” Estes versos são um precioso encorajamento, e merecem ser
lidos com especial atenção. Por quase dois mil anos eles têm sido uma
bênção para o mundo, e têm beneficiado a milhões de pessoas. Não há uma
única sentença, nestes versículos, que não contenha preciosos
pensamentos.
Observe quem são aqueles a quem Jesus convida. Ele não se dirige
àqueles que se sentem justos e dignos em si mesmos. Ao contrário,
dirige-se a “todos os que estais cansados e sobrecan-egados”. Essa é uma
descrição bastante ampla. Abrange multidões neste mundo cansativo.
Todos os que sentem um peso no coração, todos quantos desejam tornar-se
livres de alguma carga do pecado, de alguma carga de tristeza, de alguma
carga de ansiedade ou de remorso — todos estão convidados a virem a
Cristo, não importa quem sejam ou o que já tenham sido na vida.
Note, em seguida, a graciosa oferta que Jesus faz. “Eu vos aliviarei... e
achareis descanso para as vossas almas.*‟ Quão animadoras e confortantes
são tais palavras! A falta de tranqüilidade é uma das grandes características
do mundo. A pressa, o vexame, o fracasso e os desapontamentos nos
confrontam por todos os lados. Mas há esperança. Existe uma arca de
refugio para o cansado, tal como houve para a pomba solta por Noé. Em
Cristo encontramos descanso — descanso para a consciência e para o
coração, descanso fundamentado no perdão de todo pecado, descanso que é
resultado da paz com Deus.
Veja quão simples é o pedido que Jesus faz aos que estão cansados e
sobrecarregados. “Vinde a mim... tomai sobre vós o meu jugo... aprendei de
mim...” Jesus não interpôs nenhuma condição difícil de
82 Mateus 11.25-30
ser atendida. Ele nada fala sobre obras a serem realizadas, ou de me-
recimentos, para que alguém possa receber os seus dons. Ele somente nos
pede para irmos até Ele como estamos, com todos os nossos pecados,
entregando-nos aos seus cuidados, como criancinhas dispostas a receber o
seu ensino. É como se Jesus dissesse: “Não busqueis alívio nos homens.
Não espereis que vos apareça alguma ajuda, vinda de outra direção. Tais e
quais sois, neste mesmo dia, vinde a mim”.
Observe, iguaímente, quão eneorajadora descrição Jesus faz de si
mesmo. Ele diz: “Sou manso e humilde de coração”. Quão verazes são essas
palavras é algo que todos os santos de Deus têm freqüente- mente
experimentado. Maria e Marta, em Betânia, Pedro após a sua queda, os
discípulos após a ressurreição, Tomé depois de sua fria incredulidade —■
todos eles provaram da “humildade e gentileza de Cristo”. Este é o único
lugar em toda a Escritura, onde se faz menção ao “coração” de Jesus. Esta é
uma declaração que nunca deveríamos esquecer.
Em último lugar, observe a eneorajadora consideração que Jesus dá
ao serviço prestado a Ele. Ele diz: “O meu jugo é suave e o meu fardo é
leve”. Sem dúvida que existe uma cruz para ser carregada se seguimos a
Cristo. Indubitavelmente existem provações e testes a serem enfrentados, e
batalhas a serem travadas. Mas, os consolos do evangelho ultrapassam em
muito o peso da cruz. Comparado com o serviço ao mundo e ao pecado,
comparado com o jugo das cerimônias judaicas e com a escravidão às
superstições humanas, o serviço prestado a Cristo é muitas vezes mais leve
e fácil. O jugo de Cristo não é carga maior do que as penas o são para a ave
que as possui. Os mandamentos de Cristo “não são penosos” (1 Jo 5.3). “Os
seus caminhos são caminhos deliciosos,e todas as suas veredas paz” (Pv
3.17).
Agora vem a solene pergunta: Já aceitamos, pessoalmente, esse
convite? Acaso, não temos pecados a serem perdoados e nem tristezas a
serem removidas? nem feridas de consciência a serem saradas? Se temos,
ouçamos atentamente a voz de Jesus Cristo. Ele fala conosco como falou
aos judeus. “Vinde a mim...” Esta é a chave para a verdadeira felicidade.
Eis o segredo de ter um coração leve. Tudo depende e gira em torno da
aceitação desta oferta que Cristo faz.
Que jamais estejamos satisfeitos, enquanto não soubermos e sen-
tirmos que já fomos a Cristo pela fé, buscando nEle o descanso, e que cada
dia estamos indo até Ele em busca de novos suprimentos da graça divina!
Se fomos até Ele, aprendamos a nos apegar a Ele ainda mais intimamente.
Mas, se ainda não fomos até Ele, então que o façamos agora mesmo. A
palavra de Cristo jamais falhará: “O que vem a mim, de modo nenhum o
lançarei fora” (Jo 6.37).
Mateus 12.1-13 83
meio termo em sua religião. Não são tão maus quanto muitos pecadores;
porém, também não são santos. Eles sentem a veracidade do evangelho de
Cristo, quando este lhes é apresentado, mas têm receio de confessar o que
sentem. Visto que têm tais sentimentos, bajulam-se a si mesmos, pensando
que não são tão ruins quanto os outros. Não obstante, estão aquém do
padrão de fé e conduta que Jesus estabeleceu. Eles não estão posicionados
decididamente do lado de Cristo, mas também não se declaram
abertamente contra Ele. Nosso Senhor adverte a todos estes, que eles se
encontram em uma posição extremamente perigosa. Em termos de religião
existem somente dois lados, somente dois partidos. Estamos do lado de
Cristo, trabalhando na sua causa? Se assim não é, estamos contra Ele.
Estamos fazendo o bem neste mundo? Se não fazemos o bem, fazemos o
mal.
O princípio aqui lançado é de natureza tal que deveria interessar a
todos nós. Estabeleçamos com firmeza em nossas mentes, que jamais
teremos paz e faremos o bem a outras pessoas, a menos que sejamos
francos e resolutos em nosso cristianismo. O ensino de Gamaliel e de
Erasmo jamais, até agora, trouxe felicidade e serventia a quem quer que
seja, nem jamais o fará.
Em terceiro lugar, notemos a excessiva iniqüidade dos pecados
cometidos contra o conhecimento. Esta é uma conclusão prática, que parece
fluir naturalmente das palavras de nosso Senhor acerca da blasfêmia contra
o Espírito Santo. Por mais difíceis que nos pareçam estas palavras, parece
justo pensarmos que elas provam a existência de níveis variados de
pecaminosidade. As ofensas que se derivam da ignorância a respeito da
verdadeira missão do Filho do Homem não serão punidas com tanta
severidade quanto as ofensas cometidas contra a luz maior que possuímos,
nesta nossa dispensação do Espírito Santo. Quanto maior a luz espiritual,
maior a culpa de quem a rejeita. Quanto mais claro for o conhecimento que
um homem tiver, da natureza do evangelho, tanto maior será o seu pecado,
se ele se recusa a arrepender-se e a crer.
A doutrina aqui ensinada também aparece em outras partes das
Sagradas Escrituras. Disse o escritor da epístola aos Hebreus: “É im-
possível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados... sim, é
impossível outra vez renová-los para arrependimento... porque, se vi-
vermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno
conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo
contrário, certa expectação horrível de juízo...” (Hb 6.4-7 e 10.26,27), Esta
é uma doutrina a respeito da qual encontramos provas lamentáveis por toda
a parte. Os filhos não-convertidos de pais crentes, os empregados
não-convertidos que trabalham para famílias piedosas, os membros
não-convertidos de congregações evangélicas são as pessoas mais di
90 Mateus 12.22-37
O Poder da Incredulidade;
Reformas Imperfeitas e Incompletas;
O Amor de Cristo Pelos Seus Discípulos
Leia Mateus 12.38-50
quão horrível quadro nosso Senhor pintou sobre o homem para quem
retorna o espírito imundo, depois de já o ter deixado. Quão assustadoras são
as palavras: “Voltarei para minha casa, donde saf*. Quão vívida a
descrição: “E, tendo voltado, a encontra vazia, varrida e ornamentada”.
Quão tremenda é a conclusão: “E leva consigo outros sete espíritos, piores
do que ele... e o último estado daquele homem torna-se pior do que o
primeiro”. É um quadro repleto de dolorosa significação. Que nós o
examinemos cuidadosamente, e assim aprendamos sabedoria.
s
A Parábola do Semeador
Leia Mateus 13.1-23
colheita. Deve pregar a Palavra “quer seja oportuno, quer não” (2 Tm 4.2).
Ele não pode se deixar deter por dificuldades e desencorajamen- tos.
“Quem somente observa o vento, nunca semeará” (Ec 11.4). Não há
dúvida, o sucesso de um pregador não depende exclusivamente de seus
esforços e de sua diligência; mas, sem labor e diligência, o sucesso
dificilmente será alcançado.
Tal como o semeador, o pregador também não pode transmitir vida.
Ele pode espalhar a semente que lhe foi confiada; mas não pode ordenar
que ela cresça. Ele pode oferecer a palavra da verdade a um povo, mas não
pode fazer as pessoas receberem a palavra e produzir fruto espiritual.
Produzir vida é uma prerrogativa soberana de Deus: “O espírito é o que
vivifica” (Jo 6.63). Somente Deus pode “dar o crescimento” (1 Co 3.7).
Que estas coisas estejam abrigadas no fundo do nosso coração.
Ser um verdadeiro ministro da Palavra de Deus não é algo de somenos
*
ii
Mateus 13.24-43 99
lhores ministros do evangelho, até hoje. Nunca houve uma igreja local ou
assembléia cristã cujos membros fossem todos “trigo”. O diabo, o grande
inimigo de nossas almas, sempre teve o cuidado de semear o “joio”.
A disciplina eclesiástica mais prudente e estrita não impedirá essa
situação. Qualquer que seja a denominação, todas, igualmente, descobrem
que assim acontece. Sem importar o que façamos para purificar uma igreja,
jamais conseguiremos obter uma comunhão perfeitamente pura. O joio
sempre será encontrado no meio do trigo. Hipócritas e enganadores se
infiltrarão sorrateiramente. E, o pior de tudo, é que, se nos mostramos
exageradamente zelosos em nosso esforço de obter a pureza, fazemos mais
mal do que bem. Corremos o risco de encorajar a muitos Judas Iscariotes, e
o risco de esmagar muitas “canas quebradas”. Em nosso afã de “arrancar o
joio”, corremos o risco de arrancar “também com ele o trigo”. Tal zelo não
está de acordo com o entendimento, e tem, com freqüência, causado muito
dano. Quem não se importa com o que acontece ao trigo, contanto que possa
desarraigar o joio, demonstra possuir bem pouco da mente de Cristo. E,
afinal de contas, há uma profunda verdade na caridosa declaração de
Agostinho: “Os que hoje são joio, amanhã poderão ser trigo”.
Sentimo-nos inclinados a esperar pela conversão do mundo inteiro
através do trabalho dos missionários e ministros do evangelho? Que nós
tenhamos esta parábola sempre diante de nós, e nos acautelemos contra tal
idéia. Dentro da presente ordem de coisas, jamais veremos transformados
em trigo todos os habitantes da terra. O trigo e o joio continuarão a “crescer
juntos até à colheita”. Os reinos deste mundo jamais se tornarão o reino de
Cristo, nera o milênio começará, até que retorne o próprio Rei.
Sentimo-nos perturbados pelo argumento zombeteiro dos incré-
dulos, de que o cristianismo não pode ser uma religião verdadeira, visto que
existem tantos crentes falsos? Que nós tenhamos em mente esta parábola e
permaneçamos inabaláveis. Digamos ao incrédulo que a sua zombaria desse
estado de coisas não nos surpreende, de maneira alguma. Nosso Senhor nos
preparou para isso há quase dois mil anos atrás. Ele previu e predisse que a
sua igreja seria um campo contendo, não somente trigo, mas, também o joio.
Sentimo-nos tentados a abandonar uma igreja evangélica por outra,
porque vemos que muitos dos seus membros não são convertidos? Se for
este o caso, lembremo-nos desta parábola e tenhamos muito cuidado com
nossas atitudes. De modo nenhum encontraremos uma igreja perfeita.
Poderíamos passar a vida inteira migrando de uma igreja para outra,
sofrendo perene desapontamento. Não importa aonde formos,
100 Mateus 13.24-43
li
Mateus 13.24-43 101
um dia, “os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai”. Nas
palavras de Matthew Henry: “A santificação deles será perfeita e a sua
justificação se tomará pública”. E também lemos, em Colos- senses 3.4:
“Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então vós também sereis
manifestados com ele, em glória”.
passada. Como Mateus, ele desiste de tudo, e, como Paulo, ele a “tudo
considera como perda”, por causa de Cristo. E por quê? Porque está
convencido de que Cristo irá recompensá-lo por tudo quanto ele estiver
deixando para trás. Ele vê em Jesus Cristo um tesouro de valor inestimável.
Cristo é a pérola preciosa. Ele fará qualquer coisa para ganhar a Cristo.
Nisto consiste a verdadeira fé. Este é o sinal da genuína operação do
Espírito Santo.
Observe, nestas duas parábolas, a verdadeira razão para a conduta
de muitas pessoas não-convertidas! Em se tratando de religião, elas são o
que são porque não estão plenamente persuadidas de que vale a pena ser
diferente. Evitam a decisão. Retraem-se de tomar a sua cruz. Vacilam entre
duas opiniões. Não desejam se comprometer. Não vêm ousadamente para o
lado de Cristo. Mas, por quê? Por não estarem convencidos de que isso é a
solução. Eles não estão seguros de que “o tesouro” está bem em frente
deles. Não estão convencidos de que a “pérola” vale tanto. Eles ainda não
conseguem tomar a resolução de “vender tudo” para que possam ter Cristo.
E assim, com freqüência acabam perecendo etemamente! Quando alguém
não se dispõe a abrir mão de tudo por causa de Cristo, temos de tirar a triste
conclusão de que tal pessoa não recebeu a graça divina.
A parábola da rede que é lançada ao mar tem alguns pontos em
comum com a parábola do trigo e do joio. A sua finalidade é instruir- -nos
no tocante a uma importantíssima questão: a verdadeira natureza da igreja
visível de Cristo.
A pregação do evangelho era como uma grande rede lançada em
meio ao mar deste mundo. A igreja professa, que haveria de ser colhida pela
rede, seria um corpo misto. A rede haveria de apanhar peixes de todo tipo,
bons e ruins. No seio da igreja haveria cristãos de diversas categorias,
convertidos e não-convertidos, tanto falsos quanto autênticos. A separação
entre bons e maus viria com certeza, mas não antes do fim do mundo. Esse
foi o relato que o grande Mestre deu a seus discípulos a respeito das igrejas
que eles haveriam de fundar.
É de suma importância que as lições contidas nesta parábola es-
tejam profundamente gravadas em nossa mente. Dificilmente haveria outro
assunto no cristianismo, acerca do qual sejam cometidos erros tão grandes
quanto este a respeito da natureza da igreja visível. Talvez não exista
nenhum outro assunto em que os erros sejam tão perigosos para a alma.
Aprendamos, com esta parábola, que todas as assembléias de cristãos
professos devem ser consideradas corpos mistos. Todas contêm peixes bons e
ruins, convertidos e não-convertidos, filhos de Deus e filhos deste mundo,
que devem ser descritos e tratados distintamente uns
k
Mateus 13.44-50 103
religioso vão se tomando cada vez mais comuns em nosso país; temos os
meios da graça e a pregação do evangelho, que ouvimos a cada semana;
tudo isso, porém, está sujeito a ser subestimado. É lamentavelmente
verdadeiro que, no terreno religioso, mais do que em qualquer outro
aspecto das atividades humanas, “a familiaridade gera o desrespeito , como
diz o ditado. Os homens esquecem-se de que a verdade é verdade, não
importa quão antiga e comum ela possa parecer, e a desprezam por causa de
sua antiguidade. Que pena! Assim fazendo, provocam a Deus, para que não
nos mostre a verdade.
Acaso nos admiramos que os parentes, servos e vizinhos de pessoas
piedosas nem sempre se convertem? Ficamos perplexos por que as
congregações de eminentes pregadores do evangelho geralmente são os
seus ouvintes mais duros e impenitentes? Não nos admiremos mais de
coisas assim. Observemos a experiência de nosso Senhor em Nazaré e
tomemo-nos mais sábios.
Acaso nos iludimos, pensando que, se apenas tivéssemos visto e
ouvido Jesus Cristo pessoalmente, teríamos sido seus fiéis discípulos?
Pensamos que, se nós tivéssemos vivido perto dEle, e sido testemunhas
oculares de seu ministério, não teríamos ficado indecisos, oscilantes e
indiferentes para com a religião? Não pensemos mais dessa maneira.
Observemos os habitantes de Nazaré e tornemo-nos sábios.
A última coisa que deveríamos notar nestes versículos é a natureza
destrutiva da incredulidade. Este capítulo termina com estas espantosas
palavras: *„E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade
deles”.
Observe que nesta palavra — incredulidade — está o segredo da
ruína eterna de multidões de almas! Perecem para todo o sempre, porque
não querem crer. Nada mais existe, no céu ou na terra, que impeça a sua
salvação. Os pecados, não importa quantos sejam, podem todos ser
perdoados. O amor do Pai está pronto para receber essas pessoas. O sangue
de Cristo está pronto para purificá-las. O poder do Espírito está sempre à
disposição para renová-las. Porém, uma grande barreira se interpõem —
eles não querem crer: “Não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.40).
Que todos nós estejamos em guarda contra esse maldito pecado. Ele
é a antiga raiz de pecado, que provocou a queda do homem. Embora
cortado da vida de todo verdadeiro filho de Deus, pelo poder do Espírito,
ele está sempre pronto a brotar e florescer novamente. Há três grandes
inimigos contra os quais os filhos de Deus deveriam lutar diariamente em
oração: orgulho, mundanismo e incredulidade. Mas, destes três, nenhum é
pior do que a incredulidade.
106 Mateus 14.1-12
concretizou, através da qual deu provas conclusivas de que era Deus. Ele
fez existir, do nada, pães e peixes já preparados; comida verdadeira, que se
podia ver e tocar, o bastante para satisfazer dez mil pessoas, a partir de uraa
quantidade que mal seria suficiente para cinco pessoas. Sem dúvida,
estaríamos cegos se não percebêssemos nesse acontecimento a mão
dAquele que “dá alimento a toda carne“ e que fez o mundo e tudo quanto
nele existe. O poder de criar é uma prerrogativa exclusiva de Deus.
Precisamos nos apegar firmemente a passagens como esta. Temos a
obrigação de entesourar na mente cada evidência do poder divino de nosso
Senhor. O homem não convertido, frio e ortodoxo, talvez veja bem pouco
neste relato. Mas, o verdadeiro crente deveria guardá-lo em sua memória.
Que o crente medite sobre este mundo, o diabo e o seu próprio coração, e
aprenda a agradecer a Deus pelo fato do Salvador, o Senhor Jesus Cristo,
ser todo-poderoso.
Em segundo lugar, este milagre é um notável exemplo da compaixão
de nosso Senhor para com os homens. Ele viu uma multidão em um lugar
deserto, quase a desmaiar de fome. Ele sabia que muitos dentre eles não
tinham verdadeira fé e nem amor para com Ele. Seguiam- -No meramente
por curiosidade ou por costume, ou, então, por algum outro motivo
igualmente inferior (Jo 6.26). Mas nosso Senhor teve compaixão de toda
aquela gente. Todos foram saciados. Todos participaram do alimento
miraculosamente providenciado. Todos “comeram e se fartaram”, e
ninguém foi embora faminto.
Notemos o bondoso coração de nosso Senhor Jesus Cristo,
volvendo-se para os pecadores. Desde os dias da antiguidade Ele continua
sempre o mesmo: “Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e
longânimo, e grande em misericórdia e fidelidade” (Êx 34.6). Ele não trata
com os homens de acordo com os pecados deles, e nem retribui à medida
das iniquidades de cada um. Mesmo aos seus próprios inimigos Ele cumula
de benefícios. Por isso, ninguém será tão indesculpável no dia do juízo
quanto aqueles que forem achados impenitentes. A bondade do Senhor
conduz ao arrependimento (Rm 2.4). Em todo o seu relacionamento com os
homens no mundo, Jesus mostrou “ter prazer na misericórdia” (Mq 7,18).
Que nos esforcemos por ser semelhantes a Ele. Escreveu Quesnel:
“Deveríamos ter abundância de piedade e compaixão para com as almas
enfermas”.
Em último lugar, este milagre é uma vivida ilustração da suficiência do
evangelho para satisfazer as necessidades da alma de toda humanidade. Todos
os milagres de nosso Senhor, sem dúvida, têm algum significado figurativo
profundo e ensinam grandes verdades espirituais. No entanto, devemos
tratá-los com reverência e discrição. E preciso
110 Mateus 14.] 3-21
tomar cuidado para não fazer como muitos dos antigos mestres, que viam
alegorias até mesmo onde não fora esse o intuito do Espírito Santo.
Contudo, se existe um milagre que, além do seu sentido literal, também tem
um sentido figurado bem manifesto, é justamente desse milagre que
estamos tratando — o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.
O que a multidão faminta em um lugar deserto representa para nós?
Ela simboliza a humanidade Inteira. Os filhos dos homens formam uma
gigantesca companhia de pecadores que estão perecendo, famintos em meio
a um mundo hostil, desamparados, caminhando sem qualquer esperança
rumo à destruição. Todos nós nos desgarramos, como ovelhas perdidas (Is
53.6). Por natureza, estamos longe, muito longe de Deus. Nossos olhos não
podem perceber toda a extensão do perigo que corremos. A realidade de
cada ser humano é como diz a Bíblia: “Tu és infeliz, sim, miserável, pobre,
cego e nu“ (Ap 3.17). Entre nós e a perdição eterna só existe um passo.
O que representam os pães e peixes? Pareciam tão inadequados para
satisfazer à necessidade do momento; mas, por meio de um milagre,
tornaram-se suficientes para alimentar cerca de dez mil pessoas! Eles são
como que figuras da doutrina de Cristo crucificado em favor de pecadores,
como Substituto vicário, que pela sua morte fez expiação pelos pecados.
Para o homem natural, essa doutrina parece ser a debilidade em pessoa.
Cristo crucificado era para os judeus uma pedra de tropeço, e para os gregos
loucura (1 Co 1.23). No entanto, Cristo crucificado tem demonstrado ser o
pão de Deus, que desceu do céu para dar vida ao mundo (Jo 6.33). A história
da cruz tem satisfeito amplamente as necessidades espirituais do homem,
em todo lugar onde tem sido pregada. Milhares de pessoas, de todas as
classes sociais, idade ou nacionalidade são testemunhas de que o evangelho
é o “poder de Deus e sabedoria de Deus” (1 Co 1.24). Todos esses têm
provado do pão da vida e têm sido saciados. Eles têm descoberto que Jesus é
“verdadeira comida“ e “verdadeira bebida“ (Jo 6.55).
Meditemos demoradamente sobre estas verdades. Há grande pro-
fundidade em todos os atos de nosso Senhor Jesus Cristo que ficaram
registrados, e que ninguém, até hoje, conseguiu sondar devidamente. Há
tesouros de rica instrução em todas as suas palavras e procedimentos que
ninguém ainda explorou completamente. Muitas passagens dos evangelhos
são como a nuvem que o servo de Elias viu (1 Rs 18.44). Quanto mais as
examinamos, tanto maiores e importantes elas nos parecem. Nas Escrituras
Sagradas há uma plenitude inexaurível. Outros escritos parece que se
tomam triviais quando nos familiarizamos com
eles. Mas, em relação à Bíblia, quanto mais a lemos, mais rica ela se torna
para nós.
Mateus 14.22-36 111
Jesus pode conferir aos que nEle confiam. Vemos Simão Pedro saindo do
barco e andando sobre as águas, à semelhança de seu Senhor. Que prova
maravilhosa da divindade de nosso Senhor! Caminhar sobre as águas, Gle
mesmo, já fora um tremendo milagre. Mas, capacitar um pobre e fraco
discípulo a fazer o mesmo foi milagre maior ainda.
Existe um profundo significado nesta parte da narrativa. Ela nos
mostra quão grandes coisas nosso Senhor pode fazer pelos que ouvem a sua
voz e O seguem. Ele pode capacitá-los a realizarem coisas que antes
pensariam ser impossíveis. Ele pode conduzi-los através de dificuldades e
tribulações que, sem Ele, jamais ousariam enfrentar. Ele pode
outorgar-lhes forças para caminhar por meio do fogo e da água sem
qualquer dano, triunfando em meio à adversidade. Moisés no Egito, Daniel
na Babilônia, os santos da casa de Nero, todos são exemplos do seu imenso
poder. Se estamos servindo a Cristo, não tenhamos te-
r r
mor de nada! As águas podem parecer profundas. Mas, se Jesus nos diz:
“Vinde! “, não temos razão para temer.4 4Aquele que crê em mim, fará
também as obras que eu faço, e outras maiores fará” (Jo 14,12).
Em terceiro lugar, aprendemos quantas tribulações os discípulos de
Cristo atraem contra si mesmos por falta de fé. Por algum tempo vemos Pedro
andando corajosamente por sobre as águas. Todavia, ao prestar atenção “na
força do vento“, deixa-se invadir pelo medo e começa a afundar. A
fraqueza da carne prevalece sobre o desejo do espírito. Pedro esquece das
maravilhosas provas que há pouco presenciara da bondade e do poder de
seu Senhor. Ele não considerou que o mesmo Salvador, que o capacitara a
dar o primeiro passo, era poderoso para sustentá-lo para sempre. Não
refletiu que agora estava mais perto de Cristo do que quando dera o
primeiro passo. O medo ofuscou-lhe a memória. O temor confundiu-lhe o
raciocínio. Ele não pensava em mais
nada, senão no vento, nas ondas e em seu perigo imediato; e a sua fé
■
parecer de pouco interesse para os dias de hoje. Mas muito pelo contrário, os
princípios dos fariseus são princípios que não morrem. Nesta conversa há
verdades de profunda importância.
Antes de tudo, aprendemos que os hipócritas geralmente dão grande
importância a coisas meramente exteriores. A denúncia desses escribas e
fariseus é uma notável ilustração desse pormenor. Eles trouxeram uma
acusação contra os discípulos. Porém, qual era a natureza dessa acusação?
Não era um problema de cobiça ou justiça-própria, nem acusação de
falsidade ou falta de caridade da parte dos discípulos. Nem tampouco era
que eles tivessem desobedecido a qualquer princípio da lei de Deus. A
acusação era: “Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos
anciãos? pois não lavam as mãos quando comem‟*. Os discípulos não
estavam observando uma regra de alguma mera autoridade humana, que
algum judeu antigo havia inventado! Nisso consistia toda a gravidade da
ofensa!
Acaso vemos algo do espírito dos fariseus nos dias de hoje? In-
felizmente, vemos demais dessa atitude. Existem milhares de assim
chamados * „cristãos” que parecem não se importar com a religião do seu
próximo, desde que possam concordar quanto às questões externas. O
vizinho adota uma forma de culto igual à deles? Pode esse vizinho imitar o
seu falar e comentar um pouco acerca de suas doutrinas favoritas? Se ele
pode, estão satisfeitos, mesmo que não haja evidência de ele ser convertido.
Se ele não pode, estão sempre achando defeitos e não podem falar dele
amistosamente, muito embora ele possa estar servindo a Cristo melhor do
que eles mesmos. Tenhamos muito cuidado com tal atitude. Ela é a essência
da hipocrisia. Que o nosso princípio seja o seguinte: “O reino de Deus não é
comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm
14.17).
Em seguida, aprendemos, com base nestes versículos, que é grande o
perigo para quem tenta acrescentar qualquer coisa d Palavra de Deus. Sempre
que alguém decide fazer qualquer adição à Bíblia, provavelmente acabará
valorizando mais as suas próprias adições do que as Escrituras.
Vemos este ponto grandemente destacado na resposta de nosso
Senhor à acusação dos fariseus contra os discípulos. Ele diz: “Por que
transgredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa
tradição?” Jesus combate ousadamente todo o sistema de se fazer acrés-
cimos à perfeita Palavra de Deus, como se algo mais fosse necessário para a
salvação. Ele desmascara a tendência malévola desse sistema, citando um
exemplo. Ele mostra como as vangloriosas tradições dos fariseus na
realidade estavam destruindo a autoridade do quinto mandamento. Em
suma, Jesus declara a grande verdade que jamais deveria
Mateus 15.1-9 115
que a adoração religiosa que Deus deseja é a adoração no íntimo, que parte do
coração. Podemos perceber isso através da citação que nosso Senhor faz do
livro de Isaías: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está
longe de mim“ (ís 29.13).
O coração é a questão central no relacionamento entre marido e
mulher, entre amigo e amigo, entre pai e filho. O coração deve ser o ponto
principal em todas as relações entre Deus e a alma. Qual a primeira coisa de
que precisamos para sermos crentes? Um novo coração. Qual o sacrifício
que Deus nos pede para trazer-nos a Ele? Um coração quebrantado e
contrito. O que é a verdadeira circuncisão? A circuncisão do coração. O
que é obediência genuína? É obediência de coração. O que é fé salvadora?
É crer de todo o coração. Onde Cristo deveria habitar? Em nossos corações,
pela fé. Qual a principal petição que a Sabedoria faz a cada pessoa?
“Dá-me, filho meu, o teu coração” (Pv 23.26).
Ao concluirmos o estudo desta passagem, façamos uma auto-
-averiguação honesta do estado de nosso próprio coração. Deixemos
perfeitamente estabelecido, em nossa mente, que toda e qualquer adoração
formal a Deus, seja em público ou em particular, será totalmente inútil se o
coração estiver longe de Deus. Os joelhos dobrados, a cabeça abaixada, os
améns em voz alta, o capítulo lido diariamente, a freqüência regular à Ceia
do Senhor — tudo isso é em vão e sem proveito se nossos afetos estiverem
presos ao pecado, aos prazeres, ao dinheiro ou ao mundo. A pergunta de
nosso Senhor Jesus Cristo precisa ser respondida de maneira satisfatória,
antes que possamos ser salvos. Ele indaga a cada um de nós: “Tu me
amas?” (Jo 21.17),
Os Falsos Mestres;
O Coração é a Fonte do Pecado
Leia Mateus 15.10-20
ração com toda a diligência, todos os dias de nossa vida (Pv 4.23). Mesmo
depois de ter sido renovado, nosso coração é fraco. Ele é enganoso, mesmo
depois que nos revestimos do novo homem. Nunca nos esqueçamos de que o
perigo principal vem de dentro. O mundo e o diabo, juntos, não podem nos
causar tanto dano quanto o nosso próprio coração, se não vigiarmos e
orarmos. Bem-aventurado é quem se lembra diariamente das palavras de
Salomão: “O que confia no seu próprio coração é insensato” (Pv 28.26).
A Mãe Cananéia
Leia Mateus 15.21-28
mas ela continuou rogando. A declaração que finalmente saiu dos lábios de
Jesus tinha um tom desencorajador: ‟„Não fui enviado senão às ovelhas
perdidas da casa de Israel”. Mesmo assim ela insistiu na oração: "Senhor,
socorre-me!” A segunda declaração foi ainda menos encorajadora do que a
primeira: "Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”.
Mesmo apesar de ver adiada a sua esperança (Pv 13.12), ela não permitiu
adoecer o seu coração. Nem mesmo depois disso a mulher silenciou.
Mesmo assim, ela faz um apelo para que algumas migalhas de misericórdia
lhe sejam concedidas. A sua importunação finalmente obtém uma
recompensa graciosa: "Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como
queres”. A promessa nunca falhou: “Buscai, e achareis” (Mt 7.7).
Recordemo-nos dessa narrativa quando estivermos orando por nós
mesmos. Algumas vezes somos tentados a pensar que não obtemos qualquer
proveito de nossas orações, e que seria melhor desistir totalmente.
Resistamos à tentação; ela vem do diabo. Que nós confiemos e conti-
nuemos orando! Contra os nossos pecados repetitivos, contra o espírito
mundano e contra as ciladas do diabo, que nós continuemos orando, sem
desanimar. Prossigamos em oração, pedindo forças para cumprir nossos
deveres, a graça para enfrentar as provações, e o consolo em cada situação
difícil. Estejamos bem certos de que nenhum outro tempo é melhor em-
pregado diariamente do que o tempo que passamos em oração. Jesus nos
ouve e, no tempo determinado por Ele, haverá de dar-nos a resposta.
Lembremo-nos deste relato, quando estivermos intercedendo por
outras pessoas. Temos filhos que desejamos ver convertidos? Temos
parentes e amigos que ansiamos ver salvos? Sigamos, então, o exemplo
desta mulher cananéia e apresentemos essas pessoas diante dEle noite e dia,
e não descansemos enquanto não obtivermos uma resposta. Pode ser que
tenhamos de esperar por longos anos. Pode parecer que estamos orando em
vão, e intercedendo sem qualquer proveito. Todavia, jamais devemos
desistir. Confiemos que Jesus não muda. Ele, que atendeu àquela mãe
cananéia e lhe concedeu o que pedia, também nos ouvirá, e um dia nos dará
uma resposta satisfatória e de paz.
atenção especial é a repetição que nosso Senhor faz de palavras por Ele
empregadas em uma ocasião anterior. Ele disse: “Uma geração má e adúltera
pede um sinal; e nenhum sinal lhe será dado, senão o
de Jonas‟*. Se voltarmos para Mateus 12.39, veremos que Jesus já havia
dito isso antes.
Essa repetição pode parecer, para alguns, algo superficial e sem
importância. Na verdade não é assim. A repetição ilumina um assunto
importante que tem deixado perplexos muitos sinceros estudiosos da
Bíblia, razão pela qual deve ser observada atentamente.
Essa reiteração nos mostra que nosso Senhor tinha o hábito de dizer a
mesma coisa mais de uma vez. Ele não se satisfazia em dizer alguma coisa
uma vez e nunca mais repeti-la. Está evidente que o seu costume era
mencionar certas verdades repetidamente, a fim de inculcá- -las mais fundo
na mente dos discípulos. Jesus sabia quão débil é nossa memória para as
coisas espirituais; Ele sabia que aquilo que ouvimos duas vezes, lembramos
melhor do que aquilo que ouvimos somente uma vez. Ele trazia do seu
depósito coisas novas e coisas velhas (Mt 13.52).
Ora, o que tudo isso nos ensina? Ensina-nos que não precisamos nos
esforçar tanto por harmonizar entre si as narrativas que lemos nos quatro
evangelhos, conforme muitos se dispõem a fazer. As declarações de nosso
Senhor que aparecem repetidas em Mateus e Lucas não tinham
necessariamente de terem sido proferidas numa mesma ocasião e os even-
tos a que essas declarações estão vinculadas não tinham de ser necessaria-
mente os mesmos. Mateus pode estar descrevendo um evento, ao passo que
Lucas pode estar descrevendo outro. Mesmo assim, as palavras de nosso
Senhor em ambas as ocasiões podem ter sido precisamente as mesmas. A
tentativa de fazer coincidir dois eventos em um só, por causa da semelhança
das palavras, com freqüência tem levado os estudiosos da Bíblia a caírem
em grandes dificuldades. É muito mais seguro defender o ponto de vista
aqui exposto, de que em diferentes ocasiões nosso Senhor muitas vezes
empregou as mesmas palavras.
O segundo ponto que merece atenção é a solene advertência que nosso
Senhor oferece aos seus discípulos. Evidentemente ficou dorida sua mente,
por causa das falsas doutrinas que via entre os judeus e a influência
perniciosa que elas causavam. E aproveita a oportunidade para exprimir
uma palavra de admoestação: “Vede, e acautelai-vos do fermento dos
fariseus e saduceus”. Observemos bem o conteúdo destas palavras. A quem
foi endereçado este aviso? Aos doze apóstolos, os primeiros ministros da
igreja de Cristo, homens que haviam abandonado tudo por amor ao
evangelho! Até mesmo eles foram advertidos! Os melhores dentre os
homens não passam de homens, e a qualquer momento podem cair em
tentação. “Aquele, pois, que pensa estar em
126 Mateus 16.1-12 i
pé, veja que não caia” (1 Co 10.12). Se amamos a vida e desejamos ver dias
felizes, jamais imaginemos que não precisamos desta advertência: „„Vede, e
acautelai-vos!”
E contra o quê nosso Senhor adverte os seus apóstolos? Contra a
“doutrina dos fariseus e saduceus”. Os fariseus, os evangelhos nos dizem,
eram formalistas e justos aos seus próprios olhos. Os saduceus eram céticos,
livres-pensadores ou com tendências pagãs. Até mesmo Pedro, Tiago e João
devem precaver-se contra tais doutrinas! Na realidade, mesmo o melhor e
mais santo de todos os crentes deve ficar em guarda contra as falsas
doutrinas!
Qual é o simbolismo usado por nosso Senhor para descrever as falsas
doutrinas, acerca das quais adverte os seus discípulos? Ele em-‟ prega a
figura do “fermento”. Tal como o fermento, essas doutrinas podem parecer
coisa pequena, em comparação com a totalidade das verdades reveladas na
Bíblia. Mas, tal como o fermento, uma vez admitidas, elas ficariam
operando em segredo e em silêncio, e modificariam gradualmente todo o
caráter da religião com a qual se misturassem. Quanta significação está
contida com freqüência em uma única palavra! Não era apenas contra a
heresia patente, mas contra o “fermento” da heresia que os apóstolos
deviam acautelar-se.
Existe muito em tudo isso que clama em alta voz pela atenção
cuidadosa de todo crente professo. A advertência de nosso Senhor, nesta
passagem, tem sido vergonhosamente negligenciada. Teria sido bom para a
igreja de Cristo se as advertências do evangelho tivessem sido tão estudadas
quanto as suas promessas.
Lembremo-nos de que essa afirmação de nosso Senhor, sobre o
“fermento dos fariseus e saduceus”, visava a todos os séculos. Ela não se
destinava somente à geração que a ouviu pela primeira vez. Foi designada
para o perpétuo benefício da igreja de Cristo. Aquele que a proferiu
contemplava com visão profética a história futura do cristianismo. O grande
Médico sabia bem que as doutrinas dos fariseus e saduceus seriam duas
grandes enfermidades debilitadoras da igreja, até ao fim do mundo. Ele
queria que soubéssemos que sempre haverá fariseus e saduceus nas fileiras
do cristianismo. Nunca deixarão de ter sucessores, e a sua descendência
jamais se extinguirá. Eles podem tomar outros nomes, mas a atitude deles
permanecerá. Por isso Cristo nos diz: “Vede, e acautelai-vos.”
Finalmente, que nós façamos uso pessoal dessa advertência, man-
tendo um santo ciúme de nossas próprias almas. Lembremos de que
vivemos em um mundo onde o farisaísmo e o saduceísmo estão con-
tinuamente esforçando-se por obter a primazia na igreja de Cristo. Alguns
desejam acrescentar algo, outros querem subtrair alguma coisa do evan
Mateus 16.1-12 127
Jesus Cristo (Ap 1.18). Será, então, que Pedro deveria ter a primazia ou
superioridade sobre os demais apóstolos? Não há a menor prova de que tal
significado tivesse sido atribuído a essas palavras de Jesus, na época
neo-testamentária; nem há prova de que Pedro tivesse qualquer autoridade
ou dignidade superior aos demais apóstolos.
Parece-nos que o verdadeiro sentido dessa promessa feita por Cristo
é que Pedro teria o privilégio especial de abrir, pela primeira vez, a porta da
salvação tanto aos judeus como aos gentios. E isso cumpriu-se à risca
quando ele anunciou o evangelho aos judeus, no dia de Pentecoste, e
quando visitou o gentio Comélio em sua casa.
Em cada ocasião Pedro utilizou as “chaves" e abriu completamente
a porta da fé. E, ao que tudo indica, Pedro tinha plena consciência disso,
pois afirmou: “Deus me escolheu dentre vós para que, por meu intermédio,
ouvissem os gentios a palavra do evangelho e cressem" (At 15.7).
Finalmente, o que devemos entender quando lemos: “O que ligares
na terra, terá sido ligado no céu; e o que desligares na terra, terá sido
desligado nos céus"? Teria o apóstolo recebido algum poder de perdoar
pecados e absolver os pecadores? Tal noção tão-somente deprecia o ofício
especial de Jesus Cristo como nosso grande Sumo Sacerdote. Jamais
encontramos Pedro, ou qualquer outro apóstolo, exercendo algum poder de
perdoar pecados. Eles sempre encaminhavam as pessoas a Cristo, para o
perdão.
O verdadeiro significado dessa promessa parece ser que Pedro e os
demais apóstolos seriam especialmente comissionados para ensinar o ca-
minho da salvação, com autoridade. Assim como os sacerdotes do Velho
Testamento declaravam autoritativamente quem havia sido curado da le-
pra, também os apóstolos foram nomeados para declarar e pronunciar com
autoridade, quem havia sido perdoado de seus pecados. Além disso, eles
seriam especialmente inspirados para estabelecer regras e regulamentos
para orientação da igreja. Algumas coisas deviam ser “ligadas", ou
proibidas, e outras deviam ser „ „desligadas", ou permitidas. A decisão do
concílio de Jerusalém, de que os gentios não precisavam ser circuncidados,
foi um exemplo do exercício desse poder (At 15.19). Mas, essa foi uma
comissão especialmente restrita aos apóstolos. Eles não tiveram
sucessores, essa tarefa começou e terminou com eles.
A respeito destas palavras controvertidas já dissemos o suficiente
para nossa edificação pessoal. Vamos agora deixá-las para trás, apenas
lembrando-nos de que, em qualquer sentido em que essas palavras sejam
compreendidas, elas nada têm a ver com a igreja de Roma. A partir de
agora, voltaremos a nossa atenção para aqueles pontos que dizem respeito
mais diretamente às nossas almas.
Mateus 16.13-20 129
por crentes de todas as épocas, povos e línguas. Ela é composta por todos
quantos foram lavados no sangue de Cristo, que foram revestidos da justiça
de Cristo, renovados pelo Espírito de Cristo, unidos a Cristo pela fé, sendo
epístolas vivas de Cristo. É uma igreja onde todos os membros são
batizados no Espírito Santo, sendo real e verdadeiramente santos. Essa
igreja forma um corpo. Os que a ela pertencem estão unidos em atitudes e
pensamentos, defendem as mesmas verdades e creêm nas mesmas doutrinas
básicas da salvação. A igreja tem apenas uma Cabeça que é o próprio
Senhor Jesus Cristo. „„Ele é a cabeça do corpo, da igreja...” (Cl 1.18).
Tenhamos muito cuidado para não errar quanto a este assunto.
Poucas palavras são tão mal compreendidas quanto o vocábulo1 „igreja”.
Poucos equívocos têm prejudicado tanto a causa da religião pura. A
ignorância quanto a isso tem servido de solo fértil para preconceitos,
sectarismo e perseguição. Os homens têm brigado e contendido acerca de
denominações, como se para ser salvo fosse necessário pertencer a algum
partido eclesiástico em particular, e como se pertencer a algum desses
partidos fosse sinônimo de pertencer a Cristo. Em todo esse tempo eles têm
perdido de vista a igreja única verdadeira, fora da qual não existe salvação.
A denominação a que pertencemos nada significará no dia final, se não
estivermos relacionados como membros da verdadeira igreja dos eleitos de
Deus.
Em último lugar, salientamos as gloriosas promessas feitas por nosso
Senhor à sua igreja. Ele diz: „„As portas do inferno não prevalecerão contra
ela”. O significado dessa promessa é que o poder de Satanás jamais
destruirá o povo de Cristo. Aquele que introduziu o pecado e a morte na
primeira criação, ao tentar Eva, jamais introduzirá ruína na nova criação,
pela derrota dos crentes. O corpo místico de Cristo jamais perecerá, nem
decairá. Embora muitas vezes perseguida, afligida, assediada e humilhada,
a igreja jamais desaparecerá. Ela há de sobreviver à ira de faraós e
imperadores romanos. Uma igreja visível, como a de Efeso, pode vir a
desaparecer, mas, a igreja verdadeira nunca morre. Tal como a sarça que
Moisés viu, ela pode queimar, mas nunca será consumida. Cada um dos seus
membros será levado com segurança à glória eterna. A despeito de quedas,
fracassos e falhas, a despeito do mundo, da carne e do diabo, nenhum
membro da verdadeira igreja perecerá (Jo 10.28).
Mateus 16.21-23 131
Pedro é Repreendido
Leia Mateus 16.21-23
quanto aos propósitos de sua vinda ao mundo. Tal como Pedro, eles não
suportavam a idéia da crucificação. Pensavam que Jesus viera ao mundo a
fim de estabelecer um reino terrestre. Não percebiam que lhe ©ra
necessário sofrer e morrer. Sonhavam com honrarias seculares e
recompensas temporais no serviço do Mestre. Não entendiam que os
verdadeiros cristãos, a exemplo de Jesus Cristo, precisam ser experi-
mentados nos sofrimentos. Nosso Senhor corrige estes mal entendidos,
usando palavras peculiarmente solenes, que faremos bem em guardar no
coração.
Em primeiro lugar, devemos aprender que os homens precisam estar
decididos a enfrentar tribulação e negar a si mesmos, se desejam seguir a Cristo.
Nosso Senhor dissipa os caros sonhos de seus discípulos, dizendo-lhes que
os seus seguidores devem “tomar a cruz”. O glorioso reino pelo qual
estavam esperando, de modo nenhum haveria de ser estabelecido
prontamente. Seus seguidores precisam aceitar previamente a perseguição e
aflição, se desejam servir ao Senhor. Se desejam “salvar a sua vida”,
precisam estar dispostos a “perder a vida”.
E bom que compreendamos com clareza essa questão. Não devemos
ocultar de nós mesmos o fato de que o verdadeiro cristianismo traz consigo
uma cruz diária nesta vida, enquanto oferece uma coroa de glória na vida
futura. A carne precisa ser crucificada diariamente. Precisamos resistir ao
diabo dia após dia. O mundo precisa ser vencido. Há uma guerra declarada
e muitas batalhas a vencer. Tudo isso é o acompanhamento inseparável da
verdadeira religião. O céu nunca será conquistado sem tais batalhas. Nunca
houve declaração mais veraz do que o velho ditado: “Nenhuma cruz,
nenhuma coroa!” Se nunca descobrimos isso por experiência, nossa alma
está em uma pobre condição.
Em segundo lugar, aprendamos nestes versículos que nada existe de
tão precioso quanto uma alma humana, Nosso Senhor nos ensina esta lição,
fazendo uma das mais solenes indagações contidas no Novo Testamento. É
uma pergunta tão bem conhecida e tão freqüentemente repetida, que as
pessoas geralmente perdem de vista o seu caráter perscrutador. Mas é uma
pergunta que deveria soar em nossos ouvidos como uma trombeta, sempre
que somos tentados a negligenciar nossos interesses eternos: „ Que
aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e peTder a sua alma?”
Só pode haver uma resposta para esta pergunta. Nada existe sobre a
terra ou debaixo da terra que possa compensar pela perda de nossa própria
alma. Nada existe que o dinheiro seja capaz de comprar, ou que o homem
possa oferecer, que possa ser mencionado em comparação às nossas almas,
O mundo, e tudo quanto nele está contido, é apenas temporal. Ele está
gradual mente desaparecendo, perecendo e dissipando-
134 Mateus 16.24-28
A Transfiguração
Leia Mateus 17.1-13
que fazem parte do povo de Cristo. Suas cruzes, suas tribulações, suas
debilidades e seus conflitos, tudo isso nos é perfeitamente evidente. En-
tretanto, há mui escassos sinais da futura recompensa deles. Cuidemos,
portanto, em não permitir que nos surjam dúvidas quanto a essa par-
ticularidade. Silenciemos essas dúvidas, em nossos corações, lendo outra
vez o relato da transfiguração de Jesus Cristo. Para Jesus e para todos
quantos nEle confiam está reservada uma glória tão intensa como o co-
ração humano não é agora capaz de conceber. E não somente essa glória
nos foi prometida, como também conta com o testemunho de três com-
petentes testemunhas. Uma dessas testemunhas deixou registrado por
escrito: .e vimos a sua glória, glória como do unigénito do Pai”
(Jo 1.14). Por certo, bem podemos acreditar naquilo que foi visto por elas.
Em segundo lugar, nestes versículos encontramos uma prova in-
sofismável do fato da ressurreição do corpo e de que há vida depois da morte
física. Somos informados ali que Moisés e Elias apareceram juntamente
com Jesus, de forma visível e gloriosa. Eles foram vistos como corpos
físicos. Foram ouvidos a dialogar com o Senhor Jesus. Mil quatrocentos e
oitenta anos já se haviam passado, desde que Moisés morrera e fora
sepultado. E mais de novecentos anos se passaram, desde que Elias fora
arrebatado para o céu em um redemoinho. No entanto, eles foram vistos
vivos, por parte de Pedro, de Tiago e de João!
Devemos dar o máximo de atenção a essa visão. Ela merece nossa
cuidadosa atenção. Todos deveríamos sentir, quando meditamos a respeito
dessa visão, que o estado dos mortos é um assunto deveras misterioso e
profundo. Um após outro, os mortos são sepultados e desaparecem da
nossa vista. Nós os depositamos em seus estreitos túmulos, e nunca mais os
vemos, e os seus corpos físicos acabam reduzidos a pó. Mas, haverão eles,
realmente, de tomar a viver? Poderemos vê-los de novo? Os sepulcros
devolverão os mortos neles contidos, no último dia? Essas são perguntas
que, ocasionalmente, atravessam as mentes de algumas pessoas, apesar de
todas as claríssimas assertivas da Palavra de Deus.
Ora, por ocasião da transfiguração de Jesus nos deparamos com a
mais cristalina evidência de que os mortos, realmente, ressuscitarão algum
dia. Encontramos ali dois homens que reapareceram na terra, em seus
próprios corpos, embora já se tivessem passado séculos que estavam
separados da terra dos viventes. E é nisso que encontramos uma poderosa
garantia da ressurreição final de todos os seres humanos. Todos aqueles
que já viveram neste mundo serão novamente chamados à vida, a fim de
prestarem contas de tudo o que fizeram. Nenhuma dessas pessoas faltará.
Não existe tal coisa como o aniquilamento das almas. Todos quantos
chegaram a dormir em Cristo serão encontrados perfei-
Mateus 17.1-13 137
cedera diante do poder de Cristo: „ „Por que motivo não pudemos nós
expulsá-lo?” E eles receberam uma resposta plena da mais rica e proveitosa
lição: “Por causa da pequenez da vossa fé”. Desejariam eles conhecer o
segredo do seu próprio e triste fracasso, na hora da necessidade? Era a falta
de fé mais firme.
Ponderemos bem sobre esse incidente, e aprendamos a ser sábios. A
fé é a chave do sucesso na guerra espiritual do crente. A incredulidade é o
caminho garantido da derrota. Se permitirmos que a nossa fé se enfraqueça
e caia em decadência, todas as nossas graças cristãs debilitar-se-ão
juntamente com ela. A coragem, a paciência, a longanimidade e a esperança
não demorarão coisa alguma para murchar e desaparecer. A fé é a raiz da
qual dependem todas essas outras virtudes. Os mesmos israelitas que, em
certa ocasião, atravessaram triunfalmente o mar Vermelho, em outra
oportunidade encolheram-se diante do perigo como uns covardes, ao
chegarem às bordas da Terra Prometida. O Deus deles continuava o mesmo
que os tirara da servidão na terra do Egito. O líder deles era o mesmo
Moisés, que operara tantas maravilhas diante dos seus olhos. No entanto, a
fé deles já não era a mesma. Eles tinham dado margem a vergonhosas
dúvidas acerca do amor e do poder do Senhor Deus. “...não puderam entrar
por causa da incredulidade” (Hb 3.19).
Em último lugar, vemos nestes versículos que o reino de Satanás não
pode ser derrubado sem muita luta e diligência, Parece ser essa a lição com que
se encerra a presente passagem. “Mas esta casta não se expele senão por
meio de oração e jejum.” Nessas palavras parece haver implícita uma gentil
reprimenda de Jesus aos seus discípulos. Talvez eles estivessem por demais
entusiasmados com os sucessos do passado. Ou, talvez, estivessem sendo
menos diligentes no uso dos meios da graça, em face da ausência de seu
Senhor, do que quando Cristo estava em companhia deles. Sem importar
qual tenha sido a causa, eles receberam uma indicação perfeitamente clara,
da parte de nosso Senhor, de que a guerra contra Satanás jamais deve ser
travada de modo superficial. E assim sendo, foram instruídos quanto ao fato
que nenhuma vitória sobre o príncipe deste mundo pode ser ganha de modo
fácil. Sem a oração fervorosa e sem a auto-mortificação diligente, com fre-
quência haveremos de amargar o fracasso e a derrota.
A lição aqui ressaltada reveste-se de grande importância. Afirmou
Bullinger: “Eu gostaria que esta porção do evangelho nos agradasse tanto
quanto aquelas porções que nos concedem liberdade”. Todos nos
inclinamos por cumprir os nossos atos devocionais de maneira impensada e
apenas formal. A exemplo do povo de Israel, que estava envaidecido diante
da queda das muralhas de Jericó, estamos sempre dispostos
Mateus 17.14-22 Í41
a dizer para nós mesmos: “são poucos os inimigos“ (Js 7.3). Desse modo,
pois, imaginamos que não precisamos exercitar toda a nossa força
espiritual. Mâs, também a exemplo de Israel, por muitas vezes somos então
obrigados a experimentar, com amargor de espirito, que as batalhas
espirituais não são vencidas sem luta árdua. A arca do Senhor sob hipótese
alguma pode ser manuseada com irreverência. O trabalho do Senhor não
pode ser feito de maneira desleixada.
Que nunca nos esqueçamos das palavras de nosso Senhor aos seus
discípulos, e que tenhamos como regra, colocá-las em prática. No púlpito
ou na plataforma, na Escola Dominical ou no local de trabalho, no uso que
fizermos das nossas orações domésticas e da leitura da Bíblia, que sempre
vigiemos com diligência sobre os nossos próprios espíritos. Qualquer coisa
que estejamos fazendo, que o façamos de conformidade
com as nossas forças“ (Ec 9.10). Constitui um erro fatal subestimar os
nossos adversários. Maior é aquele que está conosco do que aquele que é
contra nós. Mas, a despeito disso, aquele que nos é contrário não deveria
ser subestimado quanto à sua periculosidade. Ele é o próprio príncipe deste
mundo. Ele é o forte homem armado, que guarda a sua casa, e que não sai
da mesma para dividir os seus bens com alguém, senão depois de muita
luta. Não temos de combater contra carne e san- gue, e, sim, contra
principados e potestades. Portanto, precisamos revestir-nos de toda a
armadura de Deus. E não somente nos cabe nos
revestirmos dela, porquanto também precisamos usá-la. Podemos ter
a mais absoluta certeza de que aqueles que obtêm o maior número de
vitórias sobre o mundo, a carne e o diabo são justamente aqueles que
mais oram em secreto, fazendo conforme fazia Paulo: “Mas esmurro
o meu corpo, e o reduzo à escravidão“ (1 Co 9.27).
grandeza de nosso Senhor Jesus Cristo. Somente Ele, que foi o criador de
todas as coisas, poderia exigir a obediência de todas as suas criaturas.
“Tudo foi criado por meio dEle e para Ele... nEle tudo subsiste” (Cl
1.16-17), O crente que parte para realizar a obra de Cristo entre os incré-
dulos, pode entregar-se com toda a confiança aos cuidados do seu Senhor.
Porquanto estará servindo Àquele que detém toda a autoridade, até mesmo
sobre as feras da terra. Quão maravilhoso é o pensamento que esse Senhor
Todo-Poderoso tenha condescendido em ser crucificado, a fim de
salvar-nos! Quão consolador é o pensamento que, quando Ele vier ao
mundo, pela segunda vez, haverá de manifestar gloriosamente o seu poder
sobre todas as coisas criadas, no mundo inteiro! “O lobo e o cordeiro
pastarão juntos, e o leão comerá palha como o boi; pó será a comida da
serpente” (Is 65.25).
Em último lugar, observemos, nestes versículos, a disposição de
nosso Senhor em fazer concessões, por não querer escandalizar a ninguém. Com
toda a razão, Jesus poderia ter reivindicado isenção do pagamento do
dinheiro do tributo. Aquele que é o próprio Filho de Deus, com toda a
justiça poderia ser dispensado de pagar pela manutenção da casa de seu Pai.
Aquele que mostrou ser “maior do que o templo”, poderia ser reconhecido
como quem não precisava contribuir para o sustento do templo. Nosso
Senhor, entretanto, não fez nada disso. Não reivindicou qualquer isenção.
Pelo contrário, demonstrou que desejava que Pedro pagasse o dinheiro que
fora cobrado. Ao mesmo tempo, porém, Jesus declarou os seus motivos.
Isso deveria ser feito “para que não os escandalizemos”. Comentou o bispo
Hall, a esse respeito* “Foi efetuado um milagre, a fim de que nem mesmo
um coletor de impostos ficasse escandalizado‟ ‟.
O exemplo dado por nosso Senhor, nesse incidente, merece toda a
atenção da parte daqueles que se professam e se chamam cristãos.
Oculta-se uma profunda sabedoria naquelas cinco palavras, “para que nao
os escandalizemos . Elas ensinam-nos, com toda a clareza, que existem
questões acerca das quais o povo de Cristo deveria abafar as suas próprias
opiniões, submetendo-se a requisitos que talvez não aprovem plenamente,
somente por não quererem escandalizar a ninguém e nem “pôr tropeço
diante do evangelho de Cristo”. Dos direitos de Deus, é indubitável, jamais
deveríamos desistir; mas, dos nossos próprios direitos, ocasionalmente
podemos desistir deles, com real proveito. Talvez soe correto e pareça
heróico estarmos continuamente a defender, com tenacidade, os nossos
direitos. Porém, diante de uma passagem bíblica como a que temos diante
de nós, bem poderiamos duvidar se tal tenacidade sempre é sábia e sempre
reflete a mente de Cristo. Há ocasiões em que o crente demonstra maior
graça submetendo-se do que oferecendo resistência.
144 Mateus 17.22-27
L
Mateus 18.]-14 145
remos de experimentar uma conversão desse alto nível. Porquanto essas são
as conversões operadas pelo Espírito Santo.
À próxima coisa que nos é ensinada nesses versículos é o grande
pecado que consiste em pôr pedras de tropeço no caminho dos crentes. As
palavras emitidas por nosso Senhor, sobre este assunto, foram pe-
culiarmente solenes: “Ai do mundo por causa dos escândalos... ai do
homem pelo qual vem o escândalo”. Ora, colocamos pedras de tropeço ou
escândalos no caminho das almas humanas, sempre que fazemos qualquer
coisa a fim de impedi-las de se aproximarem de Cristo, ou que poderiam
forçá-las a desviarem-se do caminho da salvação, ou que poderíam
desgostá-las no tocante ao cristianismo bíblico. Podemos fazer isso
diretamente, perseguindo, lançando no ridículo, fazendo oposição ou
procurando dissuadir os homens de servirem a Cristo. Também podemos
fazer isso de modo indireto, se vivermos de maneira incoerente com a
religião que professamos, ou fazendo o cristianismo parecer repelente e
insatisfatório, mediante a nossa própria conduta condenável. Sempre que
fizermos qualquer coisa desse tipo, conforme toma-se claro pelas palavras
de nosso Senhor, estaremos cometendo um grave pecado.
Há algo de muito temível, na doutrina aqui estabelecida por Jesus
Cristo, Taí doutrina deveria despertar em nós o desejo de sondarmos
cuidadosamente os nossos corações. Temos a certeza de que não estamos
sendo prejudiciais para outras pessoas? Talvez não estejamos perseguindo
abertamente aos servos de Cristo. Porém, não estaríamos dando mau
exemplo a nenhum deles, por meio da nossa conduta? É horrível quando
pensamos a respeito do grande dano causado por alguém que professe
falsamente seguir a religião cristã. Essa pessoa estará pondo uma arma nas
mãos dos incrédulos. Estará suprindo os mundanos com uma desculpa para
eles se manterem na impenitência. Tal pessoa atrapalha aqueles que estão
em busca da salvação. Desencoraja aos santos. Em suma, age como um
sermão vivo, em favor do diabo. Somente o último dia haverá de desvendar
toda a ruína sofrida pelas almas, por causa dos “escândalos” praticados no
próprio seio da igreja do Senhor. Uma das acusações de Natã, contra Davi,
foi a seguinte: “deste motivo a que blasfemassem os inimigos do Senhor”
(2 Sm 12.14).
A próxima verdade que nos mostram estes versículos é a realidade
do castigo futuro, após a morte física. Duas incisivas expressões foram
empregadas por nosso Senhor, quanto a esse particular. Ele falou em
alguém ser * 'lançado no fogo eterno‟ ‟, e também em ser “lançado no
inferno de fogo‟ ‟. O significado dessas palavras é claro e inequívoco. No
mundo vindouro existe um lugar caracterizado por uma indescritível
miséria, onde serão encerrados todos quantos morrerem na impenitência e
na incredulidade. Nas Escrituras, por conseguinte, nos é revelada uma
Mateus 18.1-14 147
“ardente indignação” que, mais cedo ou mais tarde, haverá de devorar todos
os adversários de Deus (Hb 10.27). A mesma firme palavra que garante o
céu para todos quantos se arrependerem e converterem, também declara,
sem rodeios, que há um inferno à espera dos ímpios.
Que ninguém tente enganar-nos com vãs palavras sobre esse hor-
rendo assunto. Nestes últimos dias têm surgido indivíduos que professam
negar a eternidade da punição futura, e que, assim sendo, repetem o antigo
argumento do diabo, o qual disse: “ É certo que não morrereis” (Gn 3.4).
Que nenhum desses falsos raciocínios nos abale, por mais plausíveis que
eles pareçam ser. Conservemo-nos firmes nas veredas antigas. O Deus de
amor e misericórdia também é o Deus da justiça. Sem a menor sombra de
dúvida, Ele retribuirá. O dilúvio, dos dias de Noé, e a destruição da cidade
de Sodoma tiveram por finalidade mostrar- -nos o que Deus fará, algum dia,
no futuro. Nenhuma boca jamais faiou com tanta clareza sobre o inferno
como a do próprio Jesus Cristo. Os pecadores insensíveis acabarão
descobrindo, para a sua própria perdição eterna, de que existe realmente a
“ira do Cordeiro” (Ap 6.16).
A última coisa que podemos aprender, com base nestes versículos, é
o valor dado por Deus até ao menor e mais fraco dos crentes. “Assim, pois, não
é da vontade de vosso Pai celeste que pereça um só destes pequeninos”.
Essas palavras ficaram registradas com o propósito de encorajar a todos os
verdadeiros crentes, e não somente às criancinhas, como é lógico. A
conexão dessas palavras com a parábola sobre as cem ovelhas, uma das
quais se desviara e perdera, parece esclarecer esse ponto acima de qualquer
sombra de dúvida. O propósito delas é mostrar- -nos que nosso Senhor Jesus
é um Pastor que cuida temamente de cada alma entregue aos seus cuidados.
Os membros mais recentes, mais fracos e doentios do seu rebanho, para Ele
são tão preciosos quanto os mais robustos. Eles nunca perecerão. Ninguém
poderá arrancá-los da mão do Senhor. Ele mesmo haverá de conduzi-los
gentilmente, através dos desertos deste mundo. Ele não haverá de permitir
que caminhem depressa demais, em um único dia, a fim de que nenhum
deles venha a perecer (Gn 33.13). Ele haverá de fazê-los ultrapassar
quaisquer dificuldades. Ele os defenderá de todo e qualquer adversário.
Estas palavras, ditas por Jesus, serão literalmente cumpridas: “Não perdi ne-
nhum dos que me deste” (Jo 18.9). Ora, com um Salvador assim, quem
precisa ter medo de começar a ser um cristão decidido? Contando com um
Pastor desse quilate, que já iniciou em nós a sua obra, quem poderia temer
uma possível rejeição?
148 Mateus 1 8.15-20
Jesus ajuntou, o castigo sobreveio àquele servo cruel, que não se dispunha a
perdoar. Porquanto, após ter-lhe sido mostrada misericórdia, ele também
deveria ter-se mostrado misericordioso para com seu semelhante. E o
Senhor Jesus conclui a sua parábola com estas impressionantes palavras:
Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada
um a seu irmão”.
Nesta parábola de Jesus fica patenteada a verdade que um dos
motivos para perdoarmos aos nossos semelhantes deveria ser a lembrança de
que todos precisamos ser perdoados diante de Deus. Dia após dia, caímos em
muitas transgressões e ficamos muito aquém do que deveríamos ser, e
“deixamos de fazer, e fazemos aquilo que não deveríamos fazer”. Dia após
dia, solicitamos de Deus misericórdia e perdão. As ofensas que outras
pessoas têm praticado contra nós são coisas desprezíveis, em confronto com
as nossas gravíssimas ofensas contra o Senhor. Sem dúvida alguma, não
condiz com a nossa condição de pobres criaturas pecaminosas, como
somos, mostrar-nos excessivamente severos, fazendo cobrança por causa de
pequenas falhas que nossos irmãos na fé cometem contra nós, ou
mostrando-nos inclinados a não perdoá-los prontamente.
Uma outra razão para que nos mostremos dispostos a perdoar a
outras pessoas deveria ser a lembrança acerca do dia do julgamento final,
juntamente com o padrão que será utilizado naquele dia, acerca de todos os
que forem julgados. Naquele dia, não será dado o perdão para indivíduos
que não se dispuseram a perdoar aos seus semelhantes. Tais indivíduos, na
verdade, não estão aptos para viver no céu. Pois não seriam capazes de dar o
devido valor a um lugar de habitação onde a misericórdia” é o único título
de posse, onde a “misericórdia”é o tema de um cântico perene. Sem dúvida,
se estamos planejando ser um daqueles que estarão em pé, à direita de
Jesus, quando Ele se sentar no seu trono de glória, então teremos de
aprender a ser perdoadores, enquanto ainda estamos neste mundo.
Que essas verdades lancem profundas raízes em nossos corações. É
um fato melancólico que poucos deveres cristãos estejam sendo postos em
prática com tanta parcimônia e má vontade como o dever de perdoarmos ao
próximo. E é entristecedor verificarmos quanto amargor de espírito, quanto
falta de compaixão, quanto despeito, quanta dureza e quanta falta de
gentileza manifestam-se entre os homens. No entanto, poucos deveres são
tantas vezes ressaltados, nas Escrituras do Novo Testamento, como esse
dever. Mas, poucas outras falhas de caráter são capazes de fechar tão
definitivamente para um homem as portas do reino de Deus, como essa.
Queremos dar provas de que realmente fomos reconciliados com
154 Mateus 18.21-35
causa, algum ato de infidelidade conjugal. Nos dias durante os quais nosso
Senhor esteve neste mundo, o divórcio era permitido entre os judeus, e isso
pelos motivos mais superficiais e frívolos. Essa prática, embora tolerada
pela legislação mosaica, a fim de impedir males ainda piores — como a
crueldade ou o homicídio — gradualmente foi-se transformando em um
insuportável abuso, e, sem dúvida, que dava margem a muita imoralidade
(Ml 2.14-16), A observação feita pelos discípulos de nosso Senhor
desvenda o estado deplorável mente baixo dos sentimentos populares sobre
o assunto. Comentaram os discípulos: “Se essa é a condição do homem
relativamente à sua mulher, não convém casar”. Sem sombra de dúvida, o
que eles queriam dizer era algo como isto: "Se um homem não pode
divorciar-se de sua mulher por qualquer motivo, e a qualquer tempo, então é
melhor nem casar-se”. Uma linguagem dessas, nos lábios dos apóstolos de
Jesus, soa realmente estranha para nós!
Nosso Senhor apresentou um padrão inteiramente diferente para
servir de orientação aos seus discípulos. Antes de qualquer outra coisa, Ele
fundamentou o seu juízo sobre a instituição original do casamento. Para
tanto, citou as palavras que aparecem no começo do livro de Gênesis, onde
estão descritos a criação do homem e a união de Adão e Eva, como prova do
fato que nenhum outro relacionamento humano deveria ser tão altamente
considerado como aquele entre um homem e a sua esposa. O
relacionamento entre pais e filhos pode parecer muito íntimo; mas o
relacionamento entre marido e mulher ainda é mais íntimo, “deixará o
homem pai e mãe, e se unirá à sua mulher, tomando-se os dois uma só
carne”. Em seguida, o Senhor reforçou esse conceito com as suas próprias
solenes palavras: “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”. E,
finalmente, o Senhor fez uma gravíssima acusação, que envolve a quebra do
sétimo mandamento, mediante um novo casamento, contraído após o
divórcio conseguido por motivos superficiais e frívolos: „ „Quem repudiar
sua mulher, não sendo causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra,
comete adultério”.
Toma-se evidente, portanto, com base no teor inteiro desta pas-
sagem, que a relação matrimonial deveria ser altamente reverenciada e
honrada entre o seguidores de Cristo. Trata-se de uma relação que foi
instituída no próprio paraíso, durante o período da inocência do homem. E
agora serve de figura simbólica predileta da união mística que há entre
Cristo e a sua igreja. Assim sendo, trata-se de uma relação que somente a
morte é capaz de romper. Essa é uma relação que, com a mais absoluta
certeza, exercerá incalculável influência, para a felicidade ou para a
infelicidade, para o bem ou para o mal, sobre aqueles que ela une. Nunca
deveríamos assumir tal relação de maneira frívola,
156 Mateus 19.1-15
O Jovem Rico
Leia Mateus 19.16-22
Não há dúvida de que esta doutrina soa muito estranha aos ouvidos
do cristão ainda ignorante e inexperiente. Ela confunde o orgulho da
natureza humana. Ela não permite que o homem se vanglorie em just
iça-própria. É uma doutrina rebaixadora e niveladora, e pode suscitar
muita murmuração. Mas, é impossível rejeitá-la, a menos que rejeitemos
toda a Bíblia. A verdadeira fé em Cristo, mesmo que só tenha um dia de
idade, já justifica o homem perante Deus, tão completamente quanto a fé
verdadeira de quem tem seguido a Cristo por cinqüenta anos. A justiça
com que Timóteo se apresentará, no dia do juízo, é a mesma com que se
apresentará aquele ladrão que morreu na cruz ao lado de Jesus. Ambos
serão salvos exclusivamente pela graça, ambos deverão tudo a Cristo. Nós
podemos não gostar disso, mas assim é a doutrina ensinada nesta parábola;
e não somente nesta parábola, mas em todo o Novo Testamento. Feliz é
quem recebe esta doutrina com humildade no coração! Com razão
comentou o bispo Hall: “Se alguns têm motivos para magnificar a
generosidade de Deus, ninguém tem, por isso, motivos para queixar-se”.
Antes de passarmos adiante, armemo-nos de algumas precauções
que se fazem necessárias. Esta é uma porção das Escrituras que tem sido
frequentemente pervertida e aplicada erroneamente. Muitas vezes, os
homens têm dela extraído algo que não é leite e, sim, veneno.
Cuidemos em jamais supor, por qualquer detalhe existente nesta
parábola, que a salvação possa, em qualquer sentido, ser obtida mediante
boas obras. Supor tal coisa é lançar por terra todo o ensinamento bíblico.
Tudo o que um crente receber no mundo vindouro será por graça, e não
por dívida. Deus nunca está em dívida conosco, em hipótese alguma.
Mesmo depois de havermos feito tudo, continuamos sendo servos inúteis
(Lc 17.10).
Tomemos a precaução de não supor, refletindo sobre esta parábola,
que a distinção entre judeus e gentios tenha sido inteiramente anulada pelo
evangelho. Supor tal coisa seria contradizer muitas profecias inequívocas,
tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. No tocante à justificação,
não há diferença entre crente judeu e crente gentio. No entanto, Israel
continua sendo um povo especial, e “não será reputado entre as nações”
(Nm 23,9). Deus ainda tem muitos propósitos concernentes aos judeus, e
que ainda estão por cumprir-se.
Tenhamos o cuidado de não supor que todas os salvos receberão
idêntico peso de glória. Tal suposição contradiz muitos textos claros das
Escrituras. A propriedade comum de todos os crentes é, sem dúvida, a
justiça perfeita de Cristo. Mas nem todos terão a mesma posição
no céu. Cada um receberá o seu galardão, segundo o seu nróorio trabalho”
(1 Co 3.8).
166 Mateus 20.1-16
que sem o derramamento de seu sangue não podería haver remissão dos
pecados do homem. Ele tinha consciência de ser o Cordeiro de Deus, que
precisava morrer para tirar o pecado do mundo. Ele sabia que sua morte era
o sacrifício predeterminado, que tinha de ser oferecido para fazer expiação
pela iniquidade. Sabendo de tudo isso, Ele caminhou voluntariamente até à
cruz. Seu coração estava resolvido a cumprir a grandiosa obra que viera
realizar neste mundo. Ele tinha plena consciência de que tudo dependia de
sua própria morte, e que, sem ela, os seus milagres e sua pregação teriam
feito, comparativamente, nada por este mundo. Não admira, pois, que três
vezes Ele chamasse a atenção de seus discípulos para a necessidade de sua
morte. Bem-aventurados e felizes são os que reconhecem o real significado
e a importância dos sofrimentos de Cristo!
A próxima coisa que deveríamos perceber, nestes versículos, é o
misto de ignorância efé, que pode ser encontrado mesmo nos crentes mais bem
intencionados. Vemos a mãe de Tiago e João aproximando-se de nosso
Senhor com seus dois filhos e apresentando em favor deles uma estranha
petição. Ela pede que “no teu reino, estes meus dois filhos se assentem, um
à tua direita, e o outro â tua esquerda”. Ela parece ter esquecido tudo quanto
Jesus há pouco dissera sobre os seus sofrimentos. A mente ambiciosa dela
só podia pensar na glória de Jesus. Os avisos claros de sua crucificação
também não foram acolhidos por seus filhos. Eles não conseguiam pensar
noutra coisa, senão no trono de Cristo e em seu poder. Havia muita fé, da
parte deles, nesse pedido, mas havia também muita debilidade. Havia algo
de elogiável no fato que eles podiam ver em Jesus de Nazaré um futuro rei.
Mas era culpável o fato de terem-se esquecido de que ele deveria ser
crucificado antes que pudesse reinar. Verdadeiramente, a carne milita
contra o Espírito em todos os filhos de Deus. Com razão, pois, observou
Lutero: A carne sempre procura ser glorificada, antes de ser crucificada”.
Há muitos crentes que se assemelham a esta mulher e seus filhos.
Eles vêem em parte e conhecem em parte as coisas de Deus. Têm fé
suficiente para seguir a Cristo. Têm conhecimento suficiente para odiar o
pecado e deixar o mundo. Mesmo assim, há muitas verdades do cris-
tianismo que eles deploravelmente ignoram. Eles falam com ignorância,
agem em ignorância e cometem muitos e tristes equívocos. Eles conhecem
as Escrituras Sagradas apenas superficialmente, e o discernimento que têm,
quanto aos seus próprios corações, é muito pequeno. No entanto, com base
nestes versículos, devemos aprender a tratar gentilmente com tais pessoas,
porquanto o Senhor as recebeu para si. Não devemos considerá-las como
ímpias e destituídas da graça divina, somente por causa de sua ignorância.
Lembremo-nos de que pode haver a verdadeira
168 Mateus 20.17-23
grande aquele que tem mais terras, mais dinheiro, um maior número de
servos, maior posição social e maior poder. Entre os filhos de Deus, maior
é quem mais faz a fim de promover a felicidade espiritual e temporal de
seus semelhantes. A verdadeira grandeza consiste não em receber, mas em
dar. Não consiste na aquisição egoísta de bens, mas, sim, em conferir
coisas boas aos nossos semelhantes. Não em sermos servidos, mas em
servir. Não em nos assentarmos enquanto outros ministram às nossas
necessidades, mas em sairmos para ministrar às necessidades alheias. Os
anjos percebera muito maior beleza no trabalho dos missionários do que no
trabalho de quem procura ouro numa região distante. Eles se interessam
muito mais pelos labores de homens como Judson e Carey, do que nas
vitórias dos generais, nos discursos dos políticos ou nas decisões dos
ministros de Estado. Lembremo-nos disso! Tenhamos cuidado em não
procurar a falsa grandeza. Que o nosso alvo seja somente aquilo que é
verdade. Podemos saber com certeza que há profunda sabedoria nas
palavras de Jesus: “Mais bem-aventurado é dar que receber‟ * (At 20.35).
Em terceiro lugar, aprendemos que o Senhor Jesus foi posto como
exemplo de todos os verdadeiros cristãos. Que dizem as Escrituras?
Deveríamos servir uns aos outros, “tal como o Filho do homem, que não
veio para ser servido, mas para servir“.
O Senhor Deus tem providenciado, misericordiosamente, tudo
quanto é necessário para a santificação de seu povo. Ele tem dado preceitos
claríssimos para os que seguem a santidade, bem como os melhores
motivos e as promessas mais encorajadoras. Isso, porém, ainda não é tudo.
Deus nos supriu como exemplo e padrão mais perfeitos, a saber, a vida de
seu próprio Filho. Ele nos manda amoldar nossa vida de acordo com a vida
de Jesus Cristo. Ele nos manda caminhar, seguindo os passos de Cristo (1
Pe 2.21). A vida de Cristo é o modelo segundo o qual devemos
esforçar-nos por moldar nosso temperamento, nossas palavras e nossas
atitudes neste mundo maligno. — Teria o meu Senhor falado desta
maneira? Meu Mestre teria agido desse modo? — Estas são perguntas que
deveríamos fazer a nós mesmos diariamente.
Quão humilhadora é, para nós, esta verdade! Quanto exame de
coração ela nos invoca a fazer! Quão insistente é o chamamento para nos
desembaraçarmos “de todo peso, e do pecado que tenazmente nos assedia‟
‟! Quão exemplares devem ser os que professam imitar a Cristo! Que inútil
é a religião que leva um homem a contentar-se com palavras vazias,
enquanto que em sua vida não há pureza nem santidade! Que pena!
Aqueles que desconhecem a Cristo como exemplo, finalmente descobrirão
que também Ele não os conhece como o povo que salvou!
“Aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como
ele andou” (1 Jo 2.6).
Mateus 20.24-28 171
Aqueles a quem Ele ama, amará até o fim. O seu favor perdura para sempre.
diária de sua vinda! Devemos julgar a nós mesmos, a fim de não sermos
condenados e rejeitados naquele dia de exame e triagem! Deveriamos
sempre estudar aquelas palavras de Malaquias: “Quem pode suportar o dia
da sua vinda? E quem subsistir quando Ele aparecer? Porque Ele é como o
fogo do ourives e como a potassa dos lavandeiros” (Ml 3.2).
O segundo evento que chama nossa atenção, nestes versículos, é a
maldição sobre a figueira infrutífera. Somos informados que Jesus, “vendo
uma figueira à beira do caminho, aproximou-se dela; e, não tendo achado
senão folhas, disse-lhe: Nunca mais nasça fruto de ti. E a figueira secou
imediatamente”. Este é um incidente quase que sem paralelo em todo o
ministério de nosso Senhor. Essa é praticamente a única ocasião em que
vemos Jesus fazer uma de suas criaturas sofrer, a fim de com isso ensinar
uma verdade espiritual. Havia naquela figueira ressecada uma lição que
nos perscruta o coração. Ela prega um sermão que todos nós faríamos bem
em escutar.
Aquela figueira, recoberta de folhas porém sem frutos, era uma
notória figura da igreja judaica quando nosso Senhor veio à terra. A igreja
judaica tinha tudo para ser um impressionante espetáculo. Ela tinha o
templo, o sacerdócio, o culto diário, as festas anuais, as Escrituras do
Antigo Testamento, os turnos dos levitas, os sacrifícios da manhã e da
tarde. Porém, por detrás dessa folhagem exuberante, a igreja judaica estava
completamente destituída de frutos. Não havia nenhuma graça, nenhuma
fé, nenhum amor, nenhuma humildade, nenhuma espiritualidade, nenhuma
santidade real, nenhuma disposição para receber ao seu Messias (Jo 1.11).
E assim, como a figueira, a igreja judaica não demoraria a secar. Ela
haveria de ser despida de todos os seus ornamentos exteriores, e os seus
membros seriam dispersos por toda a face da terra. Jerusalém seria
destruída; o templo iria ser queimado; o sacrifício diário seria
interrompido. A árvore haveria de secar até às raízes. E isso mesmo foi o
que aconteceu. Nunca houve um tipo simbólico que se cumprisse tao
literalmente. Em cada judeu errante podemos ver um ramo dessa figueira
que foi derribada.
Porém, não podemos parar aqui. Deste evento podemos extrair
ainda outras instruções. Estas coisas foram escritas tanto para os judeus
quanto por nossa causa.
Não está cada ramo infrutífero da igreja visível de Jesus Cristo em
um tremendo perigo de se tornar uma figueira seca? Sem a menor dúvida!
Altos privilégios e posições eclesiásticas, desacompanhadas de santidade
entre o povo; confiança exagerada em concílios, bispos, liturgias e
cerimônias, enquanto que o arrependimento e fé são negligenciados. Tais
coisas têm aniquilado muitas igrejas no passado, e podem ainda destruir
muitas outras mais. Onde estão igrejas como as de Éfeso,
Mateus 21.12-22 179
Sardes> Cartago e Hipona, que em seu tempo foram tão famosas? Todas
desapareceram. Elas tinham folhagem mas não frutificavam. A maldição de
nosso Senhor veio sobre elas, e tomaram-se figueiras secas. Saiu o decreto
divino: “Cortai a árvore, e destruí-a” (Dn 4.23). Lembremo-nos disso!
Tenhamos todo o cuidado de evitar o orgulho eclesiástico. “Não te
ensoberbeças, mas teme” (Rm 11.20).
Por fim, não está uma pessoa que se diz cristã, mas não produz fruto
algum em um perigo terrível, podendo tornar-se uma figueira seca? Não há
que duvidar disso. Enquanto se contenta com a mera folhagem da religião
(com um nome de quem vive, ao mesmo tempo em que está morto, e tendo
apenas a forma de piedade sem poder), a alma da pessoa está em grande
perigo. Enquanto se satisfizer em ir à igreja e participar da Ceia do Senhor, e
ser chamado de “cristão”; enquanto seu coração não tiver sido transformado
e não houver abandonado os seus pecados, neste tempo está diariamente
provocando a Deus a cortar a árvore irremediavelmente. Fruto, fruto — o
fruto do Espírito é a única prova segura de que estamos unidos a Jesus
Cristo, salvos, e a caminho do céu. Que este pensamento lance raízes
profundas em nossos corações e jamais seja esquecido.
eclesiástica. É uma velha artimanha, pela qual os filhos deste mundo têm
muitas vezes tentado impedir o avanço das reformas e reavivamen- tos. É
uma espada que muitas vezes foi brandida contra a face dos reformadores,
dos puritanos e metodistas, séculos atrás. É uma flecha envenenada, que
muitas vezes é atirada contra os missionários e obreiros leigos, hoje em dia.
Não poucos são os que em nada se importam com a manifesta bênção de
Deus, sobre o trabalho de um homem, se tal homem não foi enviado pela
seita ou denominação a que pertence. Não importa se pela
instrumentalidade de um humilde obreiro Deus tem realizado muitas
conversões em sua seara, eles prosseguem questionando: “Com que
autoridade fazes estas cousas?"
O sucesso desse obreiro nada significa; eles querem saber quem o
enviou. As grandes coisas que tem sido feitas, nada significam; eles querem
ver o seu diploma. Não devemos ficar nem surpresos nem desanimados
quando ouvimos tais coisas. Esta mesma argumentação foi levantada contra
o próprio Jesus Cristo. “Nada há, pois, novo debaixo do sol” (Ec 1.9).
Observemos, em segundo lugar, a sabedoria consumada com que
nosso Senhor replicou à indagação que lhe fora dirigida. Os adversários lhe
haviam perguntado com que autoridade Ele fazia o que fazia. Ao que tudo
indica, tencionavam fazer de sua resposta um motivo de acusação contra
Ele. O Senhor, porém, sabia quais eram as verdadeiras intenções da
pergunta, e por isso disse: “Eu também vos farei uma pergunta; se me
responderdes, também eu vos direi com que autoridade faço estas cousas.
Donde era o batismo de João? Do céu ou dos homens?"
Devemos entender claramente que nesta resposta de nosso Senhor
não havia evasiva. Supor que Jesus estivesse fiigindo à pergunta seria um
grande erro. A pergunta que usou como resposta foi, na realidade, uma
inquirição de seus inimigos. Jesus sabia que eles não ousariam negar que
João Batista fora um homem enviado por Deus. Ele sabia que, uma vez
admitida essa verdade, só tinha que relembrá- -los do testemunho de João
Batista sobre a sua pessoa. Não tinha João declarado ser Jesus “o Cordeiro
de Deus, que tira o pecado do mundo"? Não tinha João Batista ensinado que
Ele, Jesus, era quem haveria de batizar “com o Espírito Santo"? Em suma, a
pergunta de nosso Senhor foi um golpe certeiro na consciência de seus
inimigos. Uma vez admitida a autoridade divina da missão de João Batista,
eles também teriam que admitir a autoridade divina de Jesus Cristo.
Reconhecendo que João Batista fora enviado do céu, eles também teriam de
reconhecer que Jesus era o Cristo.
Oremos para que, neste mundo hostil, seja-nos proporcionada a
mesma sabedoria que foi aqui demonstrada por nosso Senhor. Sem
1
Mateus 21.23-32 181
1
184 Mateus 21.33-46
amacio a Deus, mas em que ele nos amou, e enviou o seu Filho como
propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 4,10).
Em segundo lugar, tomemos nota do fato que os convites do evangelho
são amplos, plenos, generosos e ilimitados. Nesta parábola, o Senhor Jesus nos
conta que os servos disseram aos convidados: “Tudo está pronto; vinde para
as bodas”. Da parte de Deus nâo há nada faltando para a salvação da alma
dos pecadores. Ninguém jamais poderá dizer, no ftm, que foi por culpa de
Deus que não se salvou. O Pai está pronto para amar e acolher. O Filho está
pronto para perdoar e limpar de toda culpa. O Espírito está pronto para
santificar e renovar. Os anjos estão prontos para se regozijarem ante cada
pecador que retorna ao caminho reto. A graça está pronta para assisti-lo. A
Bíblia está pronta para instruí-lo. O céu está pronto para ser o seu lar eterno.
Só uma coisa é necessária: que o próprio pecador esteja desejoso de ser
salvo. Que isso, também, jamais seja esquecido. Que não fiquemos
debatendo e perdendo-nos em minúcias acerca deste assunto tão simples.
Deus sempre será achado inocente do sangue de todas as almas perdidas. O
evangelho sempre fala dos pecadores como seres responsáveis e que terão
de prestar contas a Deus. O evangelho coloca uma porta aberta diante de
toda a humanidade. Ninguém está excluído desse convite universal.
Embora eficaz somente para os que crêem, ele é suficiente para a
humanidade inteira. Embora poucos são os que entram pela porta estreita,
todos são igualmente convidados a entrar por ela.
Em terceiro lugar, notemos que a salvação oferecida pelo evangelho é
rejeitada por muitos daqueles a quem ela é oferecida. O Senhor
Jesus nos conta que os convidados, chamados pelos servos do rei, “não se
importaram e se foram”,
Há milhares de ouvintes do evangelho que em nada se beneficiam
dele. Eles ouvem a pregação domingo após domingo, ano após ano, mas
não crêem para a salvação de sua alma. Eles não sentem qualquer
necessidade especial do evangelho. Não vêem qualquer beleza especial
nele. Talvez não cheguem a odiar, nem a se opor, nem façam oposição ao
evangelho. Porém, não o recebem no coração. Há outras coisas de que eles
gostam muito mais. Seu dinheiro, suas terras, seus negócios e seus prazeres
são todos assuntos muito mais interessantes para eles do que a salvação da
alma. Esse é um estado mental deplorável, porém horrivelmente comum.
Que nós examinemos o nosso próprio coração, e tomemos o cuidado de que
esse não seja também o nosso. O pecado notório pode matar os seus
milhares, mas a indiferença e a negligência ao evangelho matam os seus dez
milhares. Multidões se verão no inferno, nâo tanto porque desobedeceram
abertamente aos dez mandamentos, mas porque fizeram pouco caso da
verdade.
186 Mateus 22.1-14
sim, a adulação de suas numerosas esposas. Qual foi a causa do maior erro
do rei Ezequias? Não foi a espada de Senaqueribe nem as ameaças de
Rabsaqué, e, sim, as lisonjas dos embaixadores da Babilônia.
Lembremo-nos dessas coisas e estejamos em guarda. Com frequência, a
paz arruina mais as nações do que a guerra. As coisas doces causam muito
mais doenças do que as coisas amargas. O calor leva o soldado a tirar a sua
armadura com mais rapidez do que o vento polar. Tomemos precaução
contra os bajuladores! Satanás nunca é tão perigoso como quando aparece
como anjo de luz. O mundo nunca nos é tão perigoso como quando nos
sorri. Quando Judas traiu ao Senhor, fê-lo com um beijo. O crente que é
imune à desaprovação do mundo, faz bem; mas o crente que é imune à
bajulação do mundo, este faz melhor.
A segunda coisa que nos chama a atenção, nestes versículos, é a
maravilhosa sabedoria da resposta que nosso Senhor deu aos seus inimigos. Os
fariseus e herodianos perguntaram se era legítimo pagar tributo a César ou
não. Eles, sem dúvida, pensaram ter apresentado uma pergunta que nosso
Senhor não poderia responder sem lhes dar um ponto de vantagem. Se Ele
simplesmente respondesse que era legítimo pagar tributo, eles o teriam
denunciado ao povo como quem desonrava os privilégios de Israel, e que
não considerava os filhos de Abraão como homens livres, e, sim, como um
povo sujeito a uma potência estrangeira. Por outro lado, se Ele
respondesse que não era legítimo pagar tributos, eles o teriam denunciado
aos romanos como um instigador de sedições e um rebelde contra César,
que se recusava a pagar os tributos. Entretanto, a conduta habilidosa de
nosso Senhor deixou seus adversários totalmente desconcertados. Ele pede
para ver o dinheiro do tributo e pergunta de quem é a efígie na moeda, “De
César”, respondem, Usuários daquele dinheiro, com a efígie e inscrição de
César, eles reconheciam que César tinha autoridade sobre eles, visto que a
moeda corrente é cunhada pelos governantes da terra onde ela vigora. Em
seguida, eles receberam uma resposta conclusiva e irrefutável: “Dai, pois,
a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
O princípio estabelecido nestas bem conhecidas palavras reveste-
-se de profunda importância. Há uma obediência que todo crente deve ao
governo civil da nação da qual é cidadão, em todas as questões que não
sejam de natureza puramente espiritual. Ele pode não aprovar todos os
requerimentos desse governo civil, mas deve submeter-se às leis
da comunidade enquanto vigorarem. É preciso “dar a César o que é de
César”.
Mas há também uma obediência que o crente deve ao Deus da
Bíblia, em todas as questões que sejam puramente espirituais. Nenhuma
peida material, nenhuma inabilidade civil, nem qualquer desprazer das
Mateus 22.15-22 189
autoridades que existem, deveria jamais tentar um crente a fazer coisas que
as Escrituras claramente proíbem. A situação pode ser muito difícil . Ele
pode ter de sofrer muitas coisas por motivo de consciência. Mas ele jamais
deve fugir dos requisitos inequívocos das Escrituras. Se César cunha um
novo evangelho, este novo evangelho não deve ser obedecido. Devemos
dar “a Deus o que é de Deus".
Este é inquestionavelmente um assunto de grande dificuldade e
delicadeza. É certo que a igreja não deve tentar abarcar o Estado. Também
é certo que o Estado não deve tentar engolfar a igreja. Talvez nenhum outro
assunto tem causado tanta provação para homens conscienciosos; talvez
nenhum outro assunto tem causado tanta divergência entre homens de bem,
quanto o problema de se determinar onde terminam as coisas "de César", e
onde começam as "coisas de Deus". De um lado, o poder civil tem muitas
vezes usurpado terrivelmente os direitos de consciência (como sofreram os
puritanos durante a infeliz dinastia Stuart, na Inglaterra). De sua parte, o
poder eclesiástico tem freqüentemente estendido as suas reivindicações, de
modo extravagante, ao ponto de tomar em suas mãos o cetro de César
(como fez a igreja romana no passado). Para que possa fazer um correto
julgamento sobre todas as questões dessa natureza, cada verdadeiro crente
deveria orar constantemente, pedindo a sabedoria que vem do alto. A
pessoa sincera, que diariamente busca a graça divina e o bom senso, nunca
errará gravemente, porquanto Deus não o permitirá.
deixar filhos. Então, perguntaram de quem ela seria esposa no mundo por
vir, quando todos ressuscitassem... O objetivo da pergunta era claro e
transparente. Na realidade, o que eles queriam mesmo era lançar a doutrina
da ressurreição no ridículo. Queriam insinuar que a ressurreição traria
muita confusão e contendas e uma desordem inconveniente se após a morte
homens e mulheres houvessem de reviver.
Nunca nos deveríamos surpreender se chegarmos a encontrar se-
melhantes objeções contra as doutrinas bíblicas, especialmente aquelas
doutrinas que dizem respeito ao outro mundo. Provavelmente nunca faltará
homens irracionais, ocupando-se de coisas que se não vêem e criando
dificuldades imaginárias a fira de desculpar a sua própria incredulidade.
Casos supostos são uma das estratégias favoritas em que as mentes
incrédulas gostam de se firmar. A pessoa, muitas vezes, cria uma sombra
imaginária em sua mente e passa a lutar contra ela, como se essa sombra
representasse a verdade real. Tal mentalidade geralmente se recusará a
olhar para a avassaladora massa de evidências claras em que se alicerça o
cristianismo, e irá agarrar-se a única dificuldade, que, para ela, parece
insolucionável. O falar e os argumentos de pessoas assim jamais deveriam
abalar nossa fé, nem por um momento. Primeiro, devemos lembrar que a
religião cristã forçosamente envolve verdades profundas e misteriosas, e
até uma criança pode formular perguntas que o maior dos filósofos não é
capaz de responder. Depois, precisamos lembrar-nos de que há incontáveis
verdades na Bíblia que são claras e inequívocas. São a essas verdades que
devemos atentar em primeiro lugar, crendo e obedecendo. Se assim
fizermos, podemos ter certeza de que muitas das coisas que agora são
ininteligíveis, ainda hão de ser desvendadas. Podemos ter a certeza de que,
o que nlo o sabemos agora, compreendê-lo-emos depois (Jo 13.7).
Em segundo lugar, observemos que texto notável nosso Senhor
apresenta como prova da realidade de uma vida futura. Ele apresenta aos
saduceus as palavras que Deus falou a Moisés desde a sarça ardente: “Eu
sou o Deus de Abraão, o Deus de ísaque e o Deus de Jacó‟ ‟ (Êx 3.6). E
Jesus ainda acrescenta que “Ele não é Deus de mortos, e, sim, de vivos”.
Ora, no tempo em que Moisés ouviu aquelas palavras, Abraão, Isaque e
Jacó já estavam mortos sepultados por muitos anos. Dois séculos tinham-se
passado desde que Jacó, o último dos três, tinha sido sepultado. Não
obstante, Deus falou a respeito deles como ainda sendo seu povo, e acerca
de Si mesmo como ainda sendo o Deus deles. Ele não disse: “eu era o Deus
de Abraão...” e, sim, “Eu sou'\
É possível que por muitas vezes nos sintamos tentados a duvidar das
verdades da ressurreição e da vida futura. Infelizmente, é fácil aceitar uma
verdade apenas teoricamente, sem compreender as suas impli-
Mateus 22.23-33 191
Davi, pois, lhe chama Senhor, como é ele seu filho?” Imediatamente, os
inimigos foram silenciados: “ninguém podia responder palavra”.
Os escribas e os fariseus, sem dúvida, estavam familiarizados com o
salmo citado, mas não eram capazes de explicar a sua aplicação. Ele só
podia ser explicado mediante o reconhecimento da preexistência e da
divindade do Messias. E isto era algo que os fariseus não estariam dispostos
a admitir. A única idéia com que podiam conceber o Messias era a de que
Ele seria um homem qualquer, semelhante a eles mesmos. Assim, e de uma
só vez, ficaram expostas a visão baixa, carnal, que esses homens tinham
acerca da verdadeira natureza do Cristo, bem como a sua ignorância das
Escrituras, as quais eles julgavam conhecer mais do que os outros homens.
E Mateus pôde escrever, guiado pelo Espírito Santo: “nem ousou alguém, a
partir daquele dia, fazer-lhe perguntas”.
Não deixemos para trás estes versículos, sem fazermos um uso prá-
tico da solene pergunta de nosso Senhor: “Que pensais vós do Cristo?” O
que pensamos de sua Pessoa e ofícios? O que pensamos de sua vida, e o que
pensamos de sua morte por nós, na cruz? O que pensamos de sua
ressurreição, ascenção e intercessão por nós, à direita de Deus? Já temos
experiência de que Ele é gracioso? Já nos apegamos a Ele por meio da fé? Já
descobrimos, por experiência, que Ele é precioso para nossa alma? Será que
podemos verdadeiramente dizer: Ele é meu Redentor e meu Salvador, meu
Pastor e meu Amigo?
Estas são perguntas muito sérias. Que não descansamos enquanto
não pudermos dar a elas uma resposta satisfatória! De nada nos aproveitará
ler a respeito de Cristo, se não formos unidos a Ele mediante uma fé viva.
Uma vez mais, pois, façamos um teste de nossa religião, perguntando “Que
pensais vós do Cristo?”
deixaria de estar com seus seguidores, e que estes ficariam como ovelhas
entre lobos, Jesus os adverte claramente a respeito dos falsos pastores por
quem estavam cercados.
O capítulo inteiro é um sinal marcante de firmeza e fidelidade na
denúncia do erro. É uma prova contundente de que mesmo o coração mais
amoroso pode usar uma linguagem que transmita a mais severa repreensão.
Acima de tudo, este capítulo é uma tremenda evidência da culpa em que
incorrem os mestres infiéis. Este capítulo deve ser uma advertência e um
farol para todos os ministros religiosos, enquanto houver mundo. Aos olhos
de Cristo, nenhum pecado é tão maligno quanto os pecados desses falsos
mestres.
Nos doze versículos que iniciam este capítulo vemos, em primeiro
lugar, o dever de fazermos uma distinção entre o ofício de um mestre e o exemplo
pessoal desse mestre. Os escribas e fariseus se assentaram na cadeira de
Moisés”. Fiéis ou infiéis, o fato é que eles ocupavam a posição de mestres
públicos principais da religião judaica. Embora preenchessem de modo
indigno essa posição de autoridade, o seu ofício lhes conferia respeito.
Porém, enquanto que o ofício deveria ser respeitado, o mau exemplo de
vida daqueles mestres não deveria ser imitado. Os ensinamentos deviam
ser observados até onde tivessem o respaldo das Escrituras; mas não
deveriam ser obedecidos se entrassem em contradição com a Palavra de
Deus. Segundo palavras de Brentius, os escribas e fariseus „„deveriam ser
ouvidos enquanto estivessem ensinando o que Moisés ensinara”, e nada
além disso. Pelo teor inteiro do capítulo, evidencia-se que esse era o
pensamento de Jesus. São denunciadas nesta passagem tanto a falsa
doutrina quanto a falsa vida prática.
O dever que nos é aqui recomendado reveste-se de grande im-
portância. Existe na mente humana uma tendência constante de cair em
extremos. Se não consideramos o ofício de um ministro com veneração
idólatra, tendemos a tratá-lo com desprezo indecente. Precisamos manter-
-nos em guarda contra ambos os extremos. Por mais que desaprovemos os
procedimentos de um ministro do evangelho, ou por mais que discordemos
de seus ensinamentos, nunca nos deveríamos esquecer de respeitar o seu
ofício. Devemos mostrar que podemos honrar a comissão ministerial, não
importa o que pensemos sobre o ministro. É digno de nota o exemplo de
Paulo, em certa ocasião: “Não sabia, irmãos, que ele é sumo sacerdote;
porque está escrito: „Não falarás mal de uma autoridade do teu povo”‟ (At
23.5).
Nestes versículos percebemos, em segundo lugar, que a incon-
sistência, a ostentação e o amor à preeminência entre os cristãos, são atitudes
especialmente desagradáveis para Cristo. No tocante à inconsistência, é
notável que a primeiríssima coisa que nosso Senhor diz a
196 Mateus 23.1-12
nifeste. Façamos um exame breve das oito acusações trazidas por nosso
Senhor e procuremos extrair da passagem inteira alguma instrução geral.
O primeiro aí nesta lista foi dirigido contra a sistemática oposição
dos escribas e fariseus ao progresso do evangelho. Eles “fechavam” o reino
dos céus diante dos homens. Nem eles mesmos entravam, nem deixavam
que outros entrassem. Tinham rejeitado a voz de João Batista, que os
advertia. Recusaram-se a reconhecer Jesus como Messias, quando Ele
apareceu. Eles procuravam tolher os judeus que se aproximavam de Jesus.
Eles mesmos não criam no evangelho, e faziam tudo para impedir que
outros cressem. Isso era um grande pecado.
O segundo aí na lista foi dirigido contra a cobiça e o espírito de
auto-engrandecimento dos escribas e fariseus. Eles “devoravam” as casas
das viúvas e, como justificativa, faziam “longas orações". Eles tiravam
proveito da credulidade de mulheres fracas e desprotegidas, mediante uma
simulação de devoção profunda, até que essas mulheres os considerassem
como guias espirituais. Não hesitavam em abusar dessa influência assim,
malvadamente conseguida, para obterem vantagens pessoais e fazer da
religião um motivo para ganhar dinheiro. Nova-
raente, isso era um grande pecado.
O terceiro ai da lista é dirigido contra o zelo dos escribas e fariseus
na obtenção de partidários. Eles rodeavam “o mar e a terra para fazer um
prosélito‟ ‟. Trabalhavam incessantemente para que homens se
vinculassem ao seu partido e adotassem as suas opiniões. Faziam isso, não
com a finalidade de beneficiar almas ou trazê-las a Deus. Faziam tudo
somente com o intuito de engrossar as fileiras de sua seita e ganhar mais
prosélitos e maior importância. Aquele zelo religioso tinha por origem o
sentimento sectarista, e não o amor a Deus. Isso,
também, era um grande pecado.
O quarto ai desta lista foi dirigido contra as doutrinas dos escribas e
fariseus a respeito de juramentos. Eles estabeleciam sutis distinções entre
um tipo de juramento e outro. Eles seguiam o mesmo ensino mais tarde
defendido pelos jesuítas de que alguns juramentos tinham de ser
cumpridos, outros não. Eles atribuíam maior importância aos juramentos
feitos “pelo ouro” oferecido ao templo do que aos juramentos “pelo
templo” propriamente dito. Dessa forma, desprezavam o terceiro man-
damento e, promoviam os seus próprios interesses quando faziam os
homens superestimarem o valor dos donativos e ofertas. Isso também era
um grande pecado.
O quinto ai foi dirigido contra a prática dos escribas e fariseus, de
exaltarem as coisas menos importantes acima das questões realmente
sérias da religião, pondo as últimas coisas em primeiro lugar, e as primeiras
por último. Assim, faziam grande questão de separar dízimo da
Mateus 23.13-33 199
raais nos esqueçamos de que a Bíblia fala do homem como um ser res-
ponsável, e diz de alguns: “vós sempre resistis ao Espírito Santo” (At
7.51). Entendamos que a ruína dos que se perdem não é porque Cristo nao
esteja disposto a salvá-los, nem tampouco porque eles querem ser salvos
mas não conseguem sê-lo. Eles não são salvos porque não querem vir a
Cristo. Que nós tomemos como base a verdade ressaltada nesta passagem.
Cristo deseja reunir a si os filhos dos homens, mas eles não querem ser
reunidos. Cristo deseja salvar os homens, mas estes não querem ser salvos.
Que seja um princípio bem estabelecido em nossa religião, que a salvação
do homem — se salvo — deve-se inteiramente a Deus, e a sua ruína — se
perdido — deve-se inteiramente a ele mesmo. A maldade que está em nós
é, toda ela, nossa maldade. E o bem, se é que temos algum, esse procede
inteiramente de Deus. No mundo vindouro, os salvos atribuirão toda a
glória a Deus, e os perdidos descobrirão que eles mesmos destruíram a si
próprios (Os 13.9).
posto. Mas, para grande surpresa e perplexidade deles, Jesus lhes assevera
que tudo aquilo estava para ser destruído. Estas palavras ficaram
profundamente gravadas na mente dos discípulos. Eles vieram a Jesus
quando este estava assentado sobre o Monte das Oliveiras e lhe pediram
com ansiedade evidente: “Diz-nos quando sucederão estas coisas, e que
sinal haverá da tua vinda e da consumação do século”. É nessa petição que
encontramos a chave para a compreensão do tema da profecia que temos à
nossa frente. Abrange três pontos: 1 — a destruição de Jerusalém; 2 — a
segunda vinda de Cristo; 3 — o fim do mundo. Estes três pontos estão
indubitavelmente entrelaçados em algumas partes deste capítulo; tão
entrelaçados que é difícil separar e desembaraçá-los uns dos outros. Mas
todos os três pontos aparecem distintamente e sem eles não é possível
explicar satisfatoriamente este capítulo.
Os primeiros catorze versículos da profecia ocupam-se com lições
de natureza geral, de largo alcance e aplicação. São lições que parecem
aplicar-se com igual força, tanto para o final da era judaica, quanto para o
final da dispensação cristã, sendo o primeiro evento notavelmente
simbólico do segundo. São lições que demandam atenção especial de
nossa parte, “de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado”
(1 Co 10.11). Vejamos, então, quais são essas lições.
A primeira lição geral que se nos apresenta é uma advertência contra
o engano. As primeiríssimas palavras de Jesus são: “Vede que ninguém vos
engane”. Não poderíamos conceber uma advertência mais necessária do
que esta. Satanás conhece bem o valor da profecia, e tem sempre
procurado lançar o assunto em descrédito. Os escritos de Josefo
comprovam quantos falsos cristãos e quantos falsos profetas surgiram
antes da destruição de Jerusalém. Pode-se demonstrar facilmente como os
olhos dos homens estão continuamente cegos, de muitas maneiras, nestes
nossos dias, no que tange às ocorrências futuras. O mormonismo tem sido
muito usado como argumento para rejeitar-se toda a doutrina da segunda
vinda de Cristo. Assim sendo, vigiemos e ponhamo-nos em guarda.
Que ninguém nos engane quanto aos principais fatos da profecia
ainda não cumprida, dizendo-nos que são coisas impossíveis. Que nin-
guém nos engane quanto à maneira em que elas virão a acontecer, dizendo
serem improváveis e contrárias à experiência passada. Que nenhum ho-
mem nos engane quanto ao tempo quando serão cumpridas as profecias,
fixando datas ou asseverando que primeiro deveríamos aguardar pela
conversão da humanidade inteira. Em todos esses particulares, que o
sentido claro das Escrituras seja a nossa única norma, e não as tradições da
interpretação humana. Nunca nos envergonhemos em dizer que esperamos
um cumprimento literal das profecias ainda não cumpridas.
Mateus 24.1-14 205
Senhor... ficai tsmbéni vós apercebidos; porque, à hors em que olo cuidais, o
Filho do homem virá.”
Este é um particular que nosso bendito Mestre insta com ffeqüência
para nossa observação. Dificilmente encontramos Jesus aludindo à sua
segunda vinda sem acrescentar uma recomendação; “vigiai”. Ele conhece a
dormência de nossa própria natureza. Ele sabe quão rapidamente nos
esquecemos dos assuntos mais solenes da religião. Ele sabe quão
incessantemente Satanás trabalha para obscurecer a gloriosa doutrina da
segunda vinda. Ele nos arma de exortações poderosas para examinar o
coração, para que estejamos alertas, a fim de não sofrermos ruína
eterna. Que todos nós possamos dar ouvidos a essas exortações.
Os verdadeiros cristãos devem viver como atalaias. O dia do Senhor
vira como um ladrão à noite. Os crentes deveriam esforçar-se por estar
sempre de prontidão. Deveriam comportar-se como sentinelas de
um exército em território inimigo. Deveriam tomar a resolução de, pela
graça de Deus, não dormir em seus postos. Há um texto do apóstolo Paulo
que merece atenta consideração: “Assim, pois, não durmamos como os
demais; pelo contrário, vigiemos e sejamos sóbrios” (1 Ts 5.6), Os
verdadeiros cristãos devem viver como bons servos, cujo senhor acha-se
ausente. Devem esforçar-se para estar sempre prontos para o retorno de seu
Senhor. Jamais devem ceder ante o pensamento “Meu Senhor demora-se”.
Eles devem procurar manter-se em uma atitude de coração que possa, de
uma vez, dar-lhe uma recepção calorosa e cheia de amor, não importa o
momento em que Ele venha. Há uma vasta profundidade na declaração do
Senhor; “Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier,
achar fazendo assim”. Se não estamos prontos para, a qualquer momento,
receber o Senhor que volta, bem podemos questionar se somos verdadeiros
crentes em Jesus ou não. Encerremos este capítulo com sentimentos
solenes. Aquilo que acabamos de ler requer de nós uma grande sondagem
de coração. Procuremos assegurar-nos de que real mente estamos em
Cristo e temos uma arca de salvação para quando o dia da ira irromper
sobre o mundo. Esforcemo-nos por viver de maneira a sermos declarados
“benditos”
naquele dia final, e não sermos lançados fora para sempre. E, não menos
importante, apaguemos de nossa mente a idéia generalizada de que a
profecia ainda não cumprida é algo para especulação, e não para a vida
prática. Se estas coisas não são para a vida prática, então simplesmente não
existe religião prática. João disse; “A si mesmo se purifica todo o que nele
tem esta esperança, assim como ele é puro” (1 Jo 3.3).
214 Mateus 25.1-13
um relâmpago. Infeliz mente, já será tarde demais! Será muito tarde para
estar à procura de azeite quando o Senhor retomar. Os erros que não
tiverem sido corrigidos até aquele dia serão irrevogáveis.
Somos escarnecidos, perseguidos e julgados insensatos por causa
de nossa religião? Sejamos pacientes e oremos por aqueles que nos per-
seguem. Eles não sabem o que estão fazendo. Um dia, com certeza, eles
irão mudar de atitude. Pode ser que ainda os escutemos confessar que nós
fomos sábios e eles insensatos. O mundo inteiro reconhecerá um dia que
os santos de Deus fizeram uma escolha sábia.
Nesta parábola, em último lugar, vemos que quando Cristo retomar,
os crentes verdadeiros receberão uma rica recompensa por tudo que sofreram
por amor ao Mestre. Somos informados que quando veio o noivo, “as que
estavam apercebidas entraram com ele para as bodas; e fechou-se a porta“.
Somente os verdadeiros crentes estarão prontos quando acontecer o
segundo advento. Lavados no sangue da expiação, revestidos da justiça de
Cristo, renovados pelo Espírito Santo, os remidos irão ao encontro de seu
Senhor com ousadia, e tomarão lugar na ceia das bodas do Cordeiro, para
dali jamais saírem. Sem dúvida, esta é uma bendita perspectiva.
Os remidos estarão em companhia de seu Senhor, com Aquele que
os amou e a si mesmo se entregou por eles, que os sustentou e guiou
durante a peregrinação terrestre, Aquele a quem amaram verdadeira-
mente e a quem seguiram fielmente sobre a terra, embora em meio a
muitas fraquezas e muitas lágrimas. Sem dúvida, esta também é uma
bendita perspectiva.
A porta será fechada, enfim — fechada sobre toda dor e tristeza,
fechada para todo este mundo malvado e ímpio, fechada para as tentações
do diabo, fechada para todas as dúvidas e temores — fechada, para nunca
mais ser aberta. Sem dúvida, podemos dizer outra vez, esta é uma bendita
perspectiva.
Lembremo-nos destas coisas, elas merecem a nossa meditação.
Todas são verdadeiras. O crente pode sofrer muita tribulação, mas ele tem
diante de si abundantes consolações. A tristeza pode durar por uma noite,
mas a alegria vem ao amanhecer (SI 30,5). O dia do retorno de Cristo, fará
certamente a compensação por tudo.
Deixemos para trás esta parábola, com a firme determinação de
jamais nos contentarmos com algo menos do que a graça divina habitando
em nossos corações. A lâmpada e o nome de cristão, a profissão cristã e as
ordenanças do cristianismo, todos são bons e têm o seu devido lugar;
porém, não sao aquilo que de tudo é o mais necessário. Que não
descansemos enquanto não tivermos a certeza de ter o “azeite“ do Espírito
em nosso coração.
Mateus 25.14-30 217
O Julgamento Final
Leia Mateus 25.31-46
Até agora o temos visto como o grande Profeta; daqui por diante o veremos
como o grande Sumo Sacerdote.
Esta é uma porção das Escrituras que deveria ser lida com peculiar
atenção e reverência. O lugar em que pisamos é terra santa. Vemos aqui
como o Descendente da mulher esmagou a cabeça da serpente. Vemos aqui
o grande sacrifício, para o qual apontavam todos os sacrifícios do Antigo
Testamento. Vemos aqui como foi vertido o sangue que nos purifica de
todo pecado , como foi morto o Cordeiro que „ „tira o pecado do mundo".
Vemos revelado na morte de Cristo o grande mistério de como Deus pode
ser justo e mesmo assim justificar o ímpio. Não admira que todos os quatro
evangelhos contenham um relato completo deste maravilhoso evento.
Acerca de outros detalhes na história de nosso Senhor, descobrimos que,
freqíientemente, quando um evangelista fala os outros três fazem silêncio.
Mas, quando chegamos à
crucificação, temos um relato minuciosamente descrito por todos os quatro
evangelistas.
Nos versículos que acabamos de ler, observemos, em primeiro
lugar, como o Senhor é cuidadoso ao chamar a atenção de seus discípulos para a
sua própria morte. Ele lhes disse: * „Sabeis que daqui a dois dias
celebrar-se-á a páscoa; e o Filho do homem será entregue para ser
crucificado".
A conexão destas palavras com o capítulo anterior é impossível não
se notar. Nosso Senhor à pouco falava de sua segunda vinda em poder e
glória, no fim do mundo. Ele estava descrevendo o julgamento final e todos
aqueles terríveis acontecimentos. Estivera falando de si mesmo como o
Juiz diante de cujo trono todas as nações serão reunidas. E então,
subitamente, sem pausa ou intervalo, Jesus começa a falar de sua
crucificação. Enquanto as predições maravilhosas de sua glória final ainda
ressoavam aos ouvidos dos discípulos. Ele lhes fala mais uma vez dos
sofrimentos que em breve viriam. Relembra-os de que deve morrer como
oferta pelo pecado antes de reinar como Rei; de que deve fazer a expiação
sobre a cruz antes de receber a coroa.
Não há como exagerar a importância da morte expiatória de Cristo.
Ela é o fato central na Palavra de Deus, para o qual os nossos olhos
espirituais deveriam estar sempre atentos. Sem o derramamento do sangue
de Cristo não há remissão de pecados. Essa é a verdade fundamental, de
que depende o sistema inteiro do cristianismo. Sem ela o evangelho é como
uma arca sem a quilha; como um belo edifício sem alicerces; é como um
sistema solar sem sol.
Que nós valorizemos grandemente a encarnação de nosso Senhor e
o seu exemplo, seus milagres, suas parábolas, seus ensinamentos e seus
feitos; mas, acima de tudo, valorizemos muito a sua morte
224 Mateus 26.1-13
der que um homem pode desfrutar de grandes privilégios e fazer uma grande
confissão e, mesmo assim, o tempo todo seu coração pode não estar correto
diante de Deus. Judas Iscariotes dispunha dos mais elevados privilégios
religiosos possíveis. Foi escolhido para ser apóstolo e companheiro de
Cristo. Foi testemunha ocular dos milagres de nosso Senhor e ouvinte de
seus sermões. Ele viu aquilo que Moisés e Abraão jamais viram, e ouviu o
que Davi e Isaías nunca ouviram. Viveu na companhia dos onze apóstolos.
Foi cooperador de Pedro e João. Porém, a despeito de tudo isso, seu
coração nunca foi mudado; ele se apegava a um pecado de estimação.
Judas Iscariotes fazia uma respeitável profissão religiosa. Quanto à
sua conduta externa tudo era correto, apropriado e coerente. Como os
demais apóstolos, ele parecia crer e desistir de tudo por amor a Cristo. Ele
também fora enviado para pregar e realizar milagres. Nenhum dos onze
parece ter suspeitado que Judas era um hipócrita. Quando nosso Senhor
disse: “um dentre vós me trairá”, ninguém falou: “Será Judas?” Não
obstante, durante todo aquele tempo, seu coração nunca foi mudado.
Deveríamos observar tais coisas. Elas servem para nos humilhar e
instruir. Assim como a mulher de Ló, Judas foi posto como um farol para
toda a igreja. Que nós pensemos freqüentemente a respeito dele, e
digamos, enquanto meditarmos, “sonda-me, ó Deus, e conhece o meu
coração... vê se há em mim algum caminho mau” (SI 139.23,24). To-
memos a resolução, pela graça de Deus, de nunca nos contentarmos com
qualquer coisa menos do que uma conversão completa e genuína do
coração.
Em segundo lugar, aprendamos, com base nestes versículos, que o
amor ao dinheiro é uma das maiores armadilhas para a alma de um homem.
Não podemos imaginar uma prova mais evidente dessa verdade do que o
caso de Judas. Aquela pergunta infame, “Que me quereis dar?”, revela o
pecado secreto que foi a ruína de Judas. Ele havia desistido de muita coisa,
por causa de Cristo; mas não havia desistido de sua cobiça.
As palavras do apóstolo Paulo deveriam soar com freqüência aos
nossos ouvidos: “O amor do dinheiro é raiz de todos os males” (1 Tm
6.10). A história da igreja está repleta de ilustrações dessa verdade. Foi por
dinheiro que José foi vendido por seus irmãos. Por dinheiro Sansão foi
traído e entregue aos filisteus. Por dinheiro Geazi enganou Naamã e mentiu
para Elizeu. Por dinheiro Ananias e Safira tentaram ludibriar o apóstolo
Pedro. Por dinheiro o Filho de Deus foi entregue às mãos dos ímpios.
Parece extraordinário que a causa de tantos males seja tão amada pelos
homens.
Mateus 26.14-25 227
A Agonia no Getsêmani
Leia Mateus 26,36-46
Nestes versículos lemos como nosso Senhor Jesus Cristo foi levado
a Caifás, o sumo sacerdote, e solenemente declarado culpado. Convinha
que assim fosse, pois o grande dia da expiação havia chegado. O
maravilhoso símbolo do bode expiatório estava para ser completamente
cumprido. Era apropriado que o sumo sacerdote fizesse a sua parte e
imputasse o pecado sobre a cabeça da vítima, antes que ela fosse levada
para a crucificação. Que nós possamos meditar sobre estas coisas e
compreendê-las bem. Havia um profundo significado em cada etapa da
paixão de nosso Senhor.
Observemos, nestes versículos, que os maiorais dos sacerdotes foram
os agentes principais a conspirarem para a morte de nosso Senhor. Devemos
recordar que não foi tanto o povo judeu que suscitou esta obra de
impiedade, e, sim, Caifás e seus companheiros, os principais sacerdotes.
Temos nisso um fato instrutivo, merecedor de toda a nossa atenção.
Trata-se de uma prova evidente de que elevados ofícios eclesiásticos não
isentam ninguém de graves erros doutrinários ou pecados tremendos. Os
sacerdotes judeus podiam traçar a sua ascendência desde Aarão, e eram os
seus legítimos sucessores. O seu ofício era caracterizado por uma santidade
peculiar e responsabilidades peculiares. Mesmo assim, estes mesmos
homens foram os assassinos de Cristo!
Tenhamos o cuidado de não considerar infalível nenhum ministro
religioso. A sua ordenação pela igreja, por mais autorizada que seja,
Mateus 26.57-68 239
não é garantia de que ele não possa nos desviar do caminho e mesmo
arruinar nossas almas. O ensino e conduta de todos os ministros precisa ser
checado pela Palavra de Deus. Eles devem ser seguidos enquanto
estiverem sendo fiéis à Bíblia, e nem um pouco além disso. A máxima
estabelecida em Isaías deve ser a nossa diretriz: “À lei e ao testemunho!”
(Is 8.20).
Em segundo lugar, observemos que nosso Senhor declarou aber-
tamente, ao concílio judaico, a sua própria messianidade e futura vinda gloriosa.
Nenhum judeu não-convertido pode hoje dizer-nos que seus antepassados
foram deixados na ignorância quanto ao fato de Jesus ser o Messias. A
resposta de nosso Senhor à solene adjuração do sumo sacerdote foi uma
declaração suficiente. Ele afirma claramente, diante do concílio, ser o
„„Cristo, o Filho de Deus”. Ele vai mais além, e os adverte que, embora
ainda não tivesse aparecido em glória, conforme esperavam que o Messias
tivesse feito, um dia chegaria em que Ele iria aparecer desse modo. „„Eu
vos declaro que desde agora vereis o Filho do homem assentado à direita
do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.” Eles ainda veriam
aquele mesmo Jesus de Nazaré, a quem estavam julgando em seu tribunal,
aparecer um dia em toda a majestade, como Rei dos reis (Ap 1.7).
Um fato destacado, que não deveríamos deixar de notar, é que nas
últimas palavras de nosso Senhor para os judeus estava uma predição de
advertência, acerca de sua própria segunda vinda. Jesus lhes disse,
claramente, que ainda haveriam de vê-lo em glória. Sem dúvida, Ele se
referia ao sétimo capítulo de Daniel, na linguagem que usou. Mas falava
para ouvidos surdos. Incredulidade, preconceitos e justiça- -própria
cobriam aqueles judeus, como uma nuvem espessa. Nunca houve um caso
tão grave de cegueira espiritual. Por isso é que a litania da ig reja anglicana
contém a oração: *„De toda a cegueira... e dureza de coração, ó bom
Senhor, livra-nos”.
Em último lugar, observemos quanto falso testemunho e quanta
zombaria nosso Senhor precisou suportar diante do concílio judaico. A
falsidade e o ridículo são armas antigas e favoritas do diabo. Satanás é
mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44). Durante todo o ministério terreno de
nosso Senhor vemos essas armas sendo continuamente usadas contra Ele.
Jesus foi chamado de glutão, bebedor de vinho e amigo de publicanos e
pecadores. Foi menosprezado e chamado de samaritano; e a cena final de
sua vida foi perfeitamente coerente com todo o teor passado da mesma.
Satanás incitou os adversários a acrescentarem insulto às agressões. Assim
que Jesus foi declarado culpado, choveu sobre Ele toda a sorte de
indignidades: “Uns cuspiram-lhe no rosto e lhe davam murros, e outros o
esbofeteavam”. Eles diziam, em zombaria:
240 Mateus 26.57-68
cebido pão e vinho das mãos de nosso Senhor, e declarado em alta voz
que, ainda que tivesse de morrer com Cristo, jamais O negaria! Isto,
também, foi muito mau.
O pecado foi cometido sob uma provocação aparentemente pequena
. Duas simples criadas fazem a declaração de que ele estava com Jesus. Os
que estavam ao lado dizem: *'Verdadeiramente és também um deles‟'.
Nenhuma ameaça parece ter sido usada; nenhuma violência parece ter sido
feita. No entanto, isto foi suficiente para derrotar a fé de Pedro. Ele nega
diante de todos; nega cora juramento e pragueja. Verdadeiramente, este é
um quadro humilhante!
Frisemos bem esta história, guardando-a na memória. Porquanto
nos ensina, com toda a clareza, que os melhores dentre os santos não
passam de homens, e homens cercados de muitas fraquezas. Um homem
pode converter-se ao Senhor, ter fé e esperança e amor para com Cristo, e,
mesmo assim, ser apanhado em uma falta e sofrer quedas terríveis. Isto nos
mostra a necessidade de humildade. Enquanto estamos no corpo, estamos
em perigo. A carne é fraca e o diabo está sempre ativo. Jamais devemos
pensar: “Eu não caio”.
Isto nos mostra o dever de usarmos de bondade para com os irmãos
na fé que erram. Não devemos classificar homens como réprobos in-
convertidos, somente porque ocasional mente tropeçam e erram. Antes,
devemos relembrar-nos de Pedro, e corrigi-los com o espírito de brandura
(Gl 6.1),
A segunda coisa que demanda nossa atenção é a série de passos pelos
quais Pedro foi levado a negar seu Senhor. Esses passos estão
misericordiosamente registrados, para nosso aprendizado. O Espírito de
Deus cuidou de tê-los escrito para benefício perpétuo da igreja de Cristo.
Acompanhemos esses passos, um por um.
O primeiro passo para a queda de Pedro foi auto-confiança. Ele
disse: “Ainda que venhas a ser um tropeço para todos, nunca o serás para
mim” (26.33). O segundo passo foi indolência. Seu Senhor lhe havia dito
para vigiar e orar; ao invés de obedecer, Pedro dormiu. O terceiro passo foi
acomodar-se covardemente. Em lugar de ficar ao lado de seu Senhor, ele
primeiro O abandonou, e, depois “o seguia de longe“. O último passo foi
expor-se desnecessariamente a más companhias. Ele foi ao pátio do sumo
sacerdote e “assentou-se entre os serventuários”, como se fosse apenas um
deles. Então veio a queda final — o juramento, os impropérios e a tríplice
negação. Por mais espantoso que pareça, o coração de Pedro vinha se
preparando para aquilo. A sua queda foi puramente o fruto das sementes
que ele mesmo havia semeado. Colheu o fruto do seu próprio proceder (Jr
17.10).
Não nos esqueçamos desta parte da história de Pedro. Trata-se
242 Mateus 26.69-75
Deus, mas não com a sua recuperação. Muitos, como Davi e Pedro, caíram
no pecado; mas não se arrependeram como Pedro e Davi.
A passagem inteira está cheia de lições que jamais deveríamos es-
quecer. Professamos ter esperança em Cristo? Então observemos a
fraqueza de um crente e os passos que levam para a queda. Temo-nos
desviado lamentavelmente, e abandonado nosso primeiro amor?
Lembremo- -nos, então, de que o Salvador de Pedro ainda vive. Há
misericórdia para nós, tanto quanto houve para ele, mas precisamos nos
arrepender e buscar essa misericórdia, se desejamos encontrá-la.
Voltemo-nos para Deus, e Ele se voltará para nós. As suas misericórdias
não têm fim (Lm 3.22).
Por que, então, Judas não veio acusá-Lo? Por que ele não se apre-
sentou diante do concílio judaico para especificar suas acusações contra
Jesus, se é que tinha qualquer acusação a fazer? Por que ele não se aven-
turou a acompanhar os principais sacerdotes até Pilatos, para provar aos
romanos que Jesus era um malfeitor? Só há uma resposta possível para
estas perguntas. Judas não se apresentou como testemunha porque sua
consciência não lho permitiu. Por mais maldoso que fosse, Judas sabia que
nada podia provar contra Cristo. Por mais iniquo que fosse, ele sabia que
seu Mestre era santo, inofensivo, inocente, verdadeiro e sem qualquer
culpa. Que isto nunca seja esquecido. A ausência de Judas Iscariotes, no
julgamento de nosso Senhor é uma dentre muitas provas, de que o
Cordeiro de Deus era sem mácula alguma, um homem sem pecado.
Outrossim, vemos na morte de Judas que existe um tipo de ar-
rependimento que vem muito tarde. Lemos claramente que Judas ficou
“tocado de remorso”. Lemos até mesmo que ele foi aos sacerdotes e disse:
“Pequei, traindo sangue inocente”. Mesmo assim, está claro que ele não se
arrependeu para a salvação.
Este é um ponto que merece atenção especial. Popularmente se diz
que: “Nunca é tarde para se arrepender”. Isto é verdade somente se o
arrependimento for verdadeiro; porém, infelizmente, o arrependimento
tardio freqüentemente não é genuíno. Uma pessoa pode sentir pelos seus
pecados e se entristecer por eles, sentir uma forte convicção de culpa e
expressar profundo remorso, ser atormentado pela consciência e
demonstrar grande perturbação mental; e mesmo assim, a despeito disso
tudo, não se arrepender de coração. A razão destes sentimentos pode ser o
perigo presente e o temor da morte, e o Espírito Santo pode não ter
realizado obra alguma nessa pessoa.
Cuidemos para não confiar no arrependimento tardio. “Eis agora o
tempo sobremodo oportuno, eis agora o dia da salvação” (2 Co 6.2). Um
ladrão penitente foi salvo na hora da morte, para que ninguém de-
sesperasse da salvação; mas apenas um, para que ninguém seja presumido.
Que não desconsideremos qualquer coisa que diga respeito à nossa
salvação; acima de tudo, não deixemos de lado o arrependimento, me-
diante a vã idéia de que ele só depende do nosso próprio poder. As
palavras de Salomão sobre este assunto são realmente temíveis: “Então me
invocarão, mas eu não responderei; procurar-me-ão, porém não me hão de
achar” (Pv 1.28).
Em seguida, observemos na morte de Judas Iscariotes quão pouco
conforto a iniqüidade traz a uma pessoa no fim de sua vida. Somos informados
de que ele atirou para o santuário as trinta moedas de prata, pelas quais
tinha vendido seu Mestre, e saiu em amargura de espírito.
Mateus 27.1-10 245
Aquele dinheiro tinha sido ganho de maneira penosa. Não lhe trouxe prazer
algum, mesmo quando já o tinha consigo. “Os tesouros da impiedade de
nada aproveitam” (Pv 10.2).
O pecado, na verdade, é o mais cruel de todos os senhores. Ele faz
muitas promessas maravilhosas, mas que não se concretizam. Os prazeres
que ele dá são momentâneos, enquanto que seus resultados são tristeza,
remorso, auto-acusação e, muitas vezes, a própria morte. Os que semeiam
para a carne, de fato colhem corrupção.
Sentimo-nos tentados a cometer pecado? Lembremo-nos da palavra
das Escrituras: “O vosso pecado vos há de achar” (Nm 32,23). E, em face
disso, resistamos à tentação. Estejamos certos de que, cedo ou tarde, nesta
vida ou na vida futura, neste mundo ou no dia do juízo, pecado e pecador
terão de encontrar-se face a face, para uma amarga prestação de contas.
Estejamos seguros de que, de todas as ocupações, o pecado é a mais
desvantajosa. Judas, Acâ, Geazi, Ananias e Safira — todos descobriram
isso às suas próprias custas. Com razão indagou o apóstolo Paulo: “Naquele
tempo que resultados colhestes? Somente as cousas de que agora vos
envergonhais” (Rm 6.21).
Finalmente, notemos, no caso de Judas a que fim miserável um homem
pode chegar se tem grandes privilégios e não os utiliza corretamente. Somos
informados de que este infeliz “retirou-se e foi enforcar-se”. Que morte
horrível para se morrer! Um apóstolo de Cristo, um ex-pregador do
evangelho, um companheiro de Pedro e João comete suicídio, e assim se
precipita à presença de Deus, sem preparo e sem perdão.
Nunca nos esqueçamos de que nenhum pecador é mais pecaminoso
do que aquele que peca contra a luz e contra o conhecimento. Nenhum
pecador é tão ofensivo a Deus quanto este. Quando olhamos para as
Escrituras, notamos que nenhum pecador tem sido tão freqüentemente
removido de súbito deste mundo, por terríveis visitações da ira de Deus,
quanto este tipo. Lembremo-nos da mulher de Ló, Faraó, Coré, Data e
Abirã, e Saul, rei de Israel. Todos comprovam o que acabamos de dizer. Há
uma solene declaração de João Bunyan, que diz: “Ninguém cai tão
profundamente no poço, quanto aqueles que caem retrocedendo”. Está
escrito em Provérbios: “O homem que muitas vezes repreendido endurece a
cerviz, será quebrantado de repente, sem que haja cura” (Pv 29.1). Que
todos possamos nos esforçar para viver de acordo com a luz que já nos foi
dada. Existe algo que é pecado contra o Espírito Santo e não tem perdão. O
claro conhecimento da verdade na cabeça, combinado com um amor
deliberado pelo pecado, no coração, estão bem próximos dele.
Agora, em que estado se encontram os nossos corações? Somos
246 Mateus 27.1-10
Senhor Jesus Cristo foram vicários. Jesus não sofreu em razão de pecados
próprios, mas em razão dos nossos pecados. Ele foi, notadamente, o nosso
Substituto em todos os sofrimentos por que passou.
Esta é uma verdade da maior importância. Sem ela a narrativa dos
sofrimentos de nosso Senhor, com todos os seus detalhes e pormenores,
sempre nos pareceria misteriosa e inexplicável. Entretanto, esta é uma
verdade da qual as Escrituras falam freqüentemente, e nunca em tons
incertos. Somos ensinados que Cristo carregou “ele mesmo em seu corpo,
sobre o madeiro, os nossos pecados‟* (1 Pe 2.24); que Ele morreu pelos
pecados, “o justo pelos injustos” (1 Pe 3.18); que Ele não conhecia pecado
mas foi feito pecado por nós “para que nele fôssemos feitos justiça de
Deus” (2 Co 5.21); que “Ele se fez maldição em nosso lugar” (G13.13);
“para tirar os pecados de muitos” (Hb 9.28); que Ele foi “traspassado pelas
nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades”, mas “o Senhor fez
cair sobre ele a iniquidade de nós todos” (Is 53.5,6). Que todos nos
lembremos constantemente destes textos sagrados. Eles são pedras
fundamentais do evangelho.
Todavia, não devemos nos contentar com uma crença vaga e su-
perficial de que os sofrimentos de Cristo na cruz foram vicários. Devemos
enxergar esta verdade em cada detalhe da sua paixão. Podemos acom-
panhá-Lo do começo ao fim, desde o tribunal de Pilatos até o momento de
sua morte; e vê-Lo, a cada passo, como nosso poderoso Substituto, nosso
Representante, nosso Cabeça, nossa Garantia, e nosso Fiador; nosso Amigo
divino que se propôs a tomar o nosso lugar e, pelo mérito de seus
sofrimentos, comprar nossa redenção. Ele foi chicoteado? Foi, para que
“pelas suas pisaduras” fôssemos sarados. Ele foi condenado, mesmo que
inocente? Foi, para que pudéssemos ser declarados inocentes, embora
culpados. Ele recebeu uma coroa de espinhos? Recebeu, para que
pudéssemos ganhar a coroa da glória. Ele foi despido de suas vestes? Foi,
para que pudéssemos ser vestidos em eterna justiça. Ele foi escarnecido e
desprezado? Foi, para que fôssemos considerados inocentes e justificados
de todo pecado. Ele foi declarado incapaz de salvar a si mesmo? Foi, para
que pudesse salvar a outrem, até o pior de todos. Ele morreu a morte mais
dolorosa e infeliz? Morreu, para que pudéssemos viver eternamente e ser
exaltados às maiores glórias. Que nós meditemos demoradamente sobre
estas coisas. Vale a pena relembrá- -las. O segredo para a paz consiste em
uma correta compreensão acerca dos sofrimentos vicários de Cristo.
Passemos adiante da narrativa da paixão de nosso Senhor, com
sentimentos de profunda gratidão. Nossos pecados são grandes e muitos,
mas um grande sacrifício foi feito para expiá-los. Havia um mérito infinito
em todos os sofrimentos de Jesus Cristo. Foram os sofrimentos
Mateus 27.27-44 251
nhor. Depois disso, nunca mais ouvimos falar a seu respeito. Nada mais
sabemos, senão que ele era um discípulo que amava a Cristo e O honrou na
sua morte. Na ocasião em que os apóstolos haviam abandonado nosso
Senhor; quando era extremamente perigoso alguém mostrar consideração
pelo Senhor; quando parecia que nenhuma vantagem terrena seria ganha
pela confissão de um discipulado; é numa ocasião assim que José de
Arimatéia vem à frente com ousadia, pede o corpo de Jesus e o deposita
em sua própria sepultura nova.
Esse fato nos traz muito consolo e encorajamento. Ele nos mostra
que existem, aqui na terra, pessoas retraídas que conhecem ao Senhor e
sao conhecidas por Ele, mas que sao pouco conhecidas pela igreja. Vemos
que há diversidade de dons entre o povo de Cristo. Alguns glorificam a
Cristo passivamente, e outros O glorificam ativamente. Alguns têm a
vocação de edificar a igreja e ocupar um lugar de projeção pública; há
outros, como José de Arimatéia, que só vêm à frente em ocasiões de
especial necessidade. Mas todos, individualmente, são guiados por
um único Espírito; todos, e cada um glorificando a Deus através de
diferentes maneiras.
Que essas coisas nos ensinem a sermos mais esperançosos. De-
vemos crer que muitos ainda chegarão do Oriente e do Ocidente, e se
assentarão com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Pode haver, em
lugares ocultos da cristandade, muitos que, como Simeão, Ana e José de
Arimatéia, no presente são bem pouco conhecidos, mas que haverão de
brilhar entre as jóias preciosas do Senhor Jesus, no dia de seu
aparecimento.
Em segundo lugar, aprendemos que Deus pode transtornar os
esquemas de homens maus e fazê-los trabalhar para a sua própria glória.
Aprendemos esta lição de maneira impressionante, pela conduta dos
sacerdotes e fariseus depois do sepultamento de nosso Senhor. A
incansável inimizade desses homens infelizes não podia cessar, nem
mesmo quando o corpo de Jesus já estava na sepultura. Eles se lembraram
de palavras que Jesus havia dito a respeito de “ressuscitar”, e resolveram
tornar impossível a sua ressurreição dos mortos, julgando que poderiam
mesmo impedi-Lo, Eles foram a Pilatos e obtiveram uma guarda de
soldados romanos. Puseram uma escolta ao sepulcro e selaram
oficialmente a pedra da entrada. Em suma, fizeram tudo quanto puderam
para que o sepulcro fosse “guardado com segurança”.
Eles nem imaginavam o que estavam fazendo. Nem pensaram que
estavam providenciando a evidência mais completa da veracidade da
ressurreição de Jesus Cristo que estava para ocorrer. Na verdade, eles
estavam fazendo impossível provar que tivesse havido qualquer fraude ou
engano. A guarda, o selo e as precauções, todos se tornaram
256 Mateus 27-57-66
A Ressurreição de Cristo
Leia Mateus 28.1-10
fossem sábios e refletissem sobre o seu fim! Que todos se lembrassem de que
há uma ressurreição e um julgamento, e que também existe a ira do Cordeiro!
Em seguida, notemos as palavras de conforto que o anjo dirigiu aos
amigos de Cristo. Ele disse: “Não temais: porque sei que buscais a Jesus, que
foi crucificado”.
Estas palavras foram ditas com um profundo significado. Elas visavam
a animar o coração dos crentes de todos os séculos, diante da certeza da
ressurreição. A intenção destas palavras é lembrar-nos de que o verdadeiro
crente não tem motivo algum para andar alarmado, não importa o que possa
acontecer neste mundo. O Senhor aparecerá entre as nuvens do céu, e então a
terra será consumida pelo fogo. Os sepulcros entregarão os seus mortos e será,
então, o dia final. O julgamento terá início e os livros serão abertos. Os anjos
separarão o trigo da palha; eles farão a divisão entre bons e maus peixes. Mas
em tudo isto não há motivo para os crentes estarem temerosos. Eles estarão
sem qualquer mancha ou culpa, revestidos da justiça de Cristo. Estarão a salvo
na verdadeira arca, e não serão feridos quando o dilúvio da ira de Deus
irromper sobre a terra. Será então que as palavras do Senhor terão
cumprimento completo: “Ora, ao começarem estas cousas a suceder, exultai e
erguei as vossas cabeças; porque a vossa redenção se aproxima” (Lc 21.28).
Então os ímpios e incrédulos verão quão verdadeira é a afirmação bíblica que
díz: “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor” (SI 33.12).
Em último lugar, observemos a graciosa mensagem que o Senhor Jesus
enviou aos seus discípulos, depois da ressurreição. Ele apareceu pessoalmente
às mulheres que tinham ido prestar honras ao seu corpo. As últimas junto à
cruz e as primeiras junto ao túmulo, elas foram quem primeiro tiveram o
privilégio de ver a Jesus ressurreto. E receberam a incumbência de levar a boa
nova aos discípulos. O primeiro pensamento de Jesus é para seu pequeno
rebanho, disperso: “ide avisar a meus irmãos”.
Há algo muito tocante nestas simples palavras, “meus irmãos”. Elas
merecem mil pensamentos. Embora fracos, frágeis e tendentes ao desvio
como eram os discípulos, Jesus ainda os chama de “irmãos”. Ele os conforta,
como José fizera a seus irmãos que o tinham vendido, dizendo: “Eu sou José,
vosso irmão”. Por mais que os discípulos tivessem falhado quanto a sua
profissão de fé, por mais que se tivessem acovardado, por temor de homens,
eles ainda eram seus “irmãos”. Glorioso como era em Si mesmo, o
Conquistador da morte, do inferno e da sepultura, o Filho de Deus ainda é
“manso e humilde de coração”. Ele chama a seus discípulos de “irmãos”.
260 Mateus 28.1-10