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Campo geral

Luís Dagobert de Aguirra Roncari, professor da Faculdade de Filosofia,


Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, declara que, Campo Geral é a
primeira das novelas incluída em Corpo de Baile, um dos livros mais
importantes de Guimarães Rosa e da literatura brasileira. Segundo Roncari, a
obra é um caminho sem volta para o leitor brasileiro.

A produção começa no aconchego familiar e, o autor guia o leitor pelo


cenário encantado das matas e, se o legente se deixar levar pelas descobertas
de Miguilim, esquecerá que a leitura não é apenas uma obrigação para o
vestibular da Fuvest, mas uma oportunidade para conhecer o melhor da
literatura brasileira. “Essa novela deve ser lida com todo cuidado, sem pressa
e, com a imaginação aberta. Por isso ela parece mágica. É que muitos sentidos
outros, inesperados, se revelam com aqueles dados à primeira vista, como se
abríssemos uma caixa de bolachas e ela nos trouxesse bombons e outras
surpresas que satisfazem muito a nossa inteligência. É esse o milagre”, relata o
professor.

O docente explica que Guimarães Rosa recusa a escrita fácil, para ele, a
escrita tem que ser saboreada, como uma fruta. É um momento de gosto,
reflexão e descobertas. Nesse sentido, para integrar o estudante na literatura
de Guimarães, Roncari faz uma breve síntese de outras estórias. “É possível
ver no livro um movimento que reproduz o ciclo de um dia, da manhã à
noite. Campo Geral faria parte das estórias matinais, que teriam seu ápice com
outras mais solares, como A Estória de Lélio e Lina, que seria o pico do meio-
dia, e fecharia com a noturna, Buriti. Os fios tênues que amarram o conjunto
delas são algumas personagens de Campo Geral que voltam a aparecer em
outras, como a principal delas, o menino Miguilim, que ressurge na
última, Buriti, agora já adulto, como Miguel”.

Na avaliação do professor, “a leitura de Campo Geral permite apreciar


nos seus elos mais concentrados, os afetos e as angústias da família média
brasileira, que procura imitar o modelo, com seus preconceitos e vícios, da
família patriarcal”. A composição revela para o leitor muitas emoções sensíveis
e intelectuais. “O narrador acompanha muito de perto o menino Miguilim, as
suas dores, alegrias e descobertas do mundo. Por isso ela é também uma
novela de formação, de um menino vivendo, sofrendo e descobrindo o mundo e
os homens, mas também reagindo a eles”, esclarece Roncari.

Além disso, apesar da ingenuidade, Miguilim não é passivo e, por isso, o


final da história tem um sentido figurado: quando o médico percebe que ele é
míope e lhe empresta os seus óculos, o garoto descobre um novo mundo, mais
claro e definido do que tinha notado até o momento. Dessa maneira, significa
que o esclarecimento da visão também significa o que ele aprendeu, isto é, deu
um passo além no seu conhecimento.

Terra Sonâmbula

Vilto Reis, autor do livro “Um gato chamado Borges”, professor de escrita
criativa e dono do blog “Homo Literatus”, afirma que: “Mia Couto é um
português que não é nosso, mas que também não é de Portugal, é o que logo
se nota ao pegar nas mãos o livro Terra Sonâmbula”. De acordo com o
professor, as palavras parecem pertencer a um outro local, que não poderia ser
o urbano brasileiro ou português; é algo mais profundo e arcaico, mas ao
mesmo tempo atual, como se o autor tivesse encontrado no português uma
maneira de transparecer a alma e as lendas africanas.

A obra relata duas histórias simultâneas; no primeiro plano, se tem a


história de Muidinga e Tuahir até chegarem na região de Machimbombo, onde
resolvem se abrigar para fugir da guerra. Nesse espaço, surge a segunda linha
narrativa: Muidinga encontra cadernos, ao lado de um cadáver, e os passa a ler
para Tuahir. Segundo Vilto, a construção do personagem Muidinga é o
interessante, uma vez que ele não se recorda de seu passado, apenas se
lembra que está se escondendo da guerra e viajando com Tuahir. Assim, o
leitor se pergunta se não há ligações entre os dois, pois surge a seguinte frase:
“Acendo a história, me apago a mim. No fim destes escritos, serei de novo uma
sombra sem voz”.

Na análise do blogueiro, a produção é composta por duas vertentes: na


de Muidinga, o leitor se depara com o realismo mágico; na de Kindzu, há um
verdadeiro tom surreal, que apresenta uma série de lendas africanas. Além
disso, há uma espécie de dualidade, guerra-sonho: “A obra funciona como uma
fruta, da qual quanto mais Mia Couto espreme, mais trechos de verdades
humanas aparecem”, esclarece o professor. Essa afirmação pode ser
exemplificada a partir do exemplo: “A morte, afinal, é uma corda que nos
amarra as veias. O nó está lá desde que nascemos. O tempo vai esticando as
pontas da corda, nos estancando pouco a pouco”.

Além disso, Mia Couto também recorre a um fator de cunho social na


composição. No entanto, se mostra maduro, pois não a usa como panfleto
político. O escritor moçambicano descreve seus personagens de forma
compreensível e direta ao mundo em que vivem e, ainda assim, oferece frases
surpreendentes, como: “O mundo não tem nenhuma utilidade. A felicidade só
cabe no vazio da mão fechada e é uma coisa que os poderosos criaram para
ilusão dos mais pobres”.

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