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Marcelino, L. (2014).

Sentido de número e desempenho na matemática: Estudos de caso em


crianças com baixas competências numéricas. In Actas do IX Congresso Iberoamericano de
Psicologia/2º Congresso da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Lisboa, 9-13 Setembro 2014
(pp. 1451-1466). Lisboa: Ordem dos Psicólogos Portugueses.
https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/livro_de_actas_2congressoopp.pdf

SENTIDO DE NÚMERO E DESEMPENHO NA MATEMÁTICA: ESTUDOS DE


CASO EM CRIANÇAS COM BAIXAS COMPETÊNCIAS NUMÉRICAS
Lília Marcelino
Instituto da Educação, Universidade Lusófona, Portugal

Resumo
Dado o impacto negativo que as competências aritméticas têm nas sociedades ocidentais
atuais, este estudo procura estudar a relação entre as competências numéricas (ou sentido
de número) e o desempenho futuro da matemática a partir de dois objetivos específicos. A
identificação dos conteúdos matemáticos que estão associados à baixa, média e altas
competências numéricas medidas à entrada do ensino formal. E a identificação dos
percursos de aprendizagem da matemática ao longo dos dois primeiros anos de escolaridade
em crianças com baixas competências numéricas. A amostra incidiu em 30 crianças de 6 anos
de idade inscritas num agrupamento de escolas do concelho de Lisboa. Os participantes
foram distribuídos aleatoriamente em três diferentes grupos de rendimento ao nível das
competências numéricas. Os resultados apontam uma associação positiva entre as duas
variáveis em estudo e um efeito preditor de 64% no desempenho da matemática. A análise
dos percursos de aprendizagem revela que as crianças com altas competências numéricas
apresentam um bom crescimento da matemática até ao 2º ano de escolaridade, chegando
mesmo a saturar a escala de medida do desempenho da matemática. Metade das crianças do
grupo de baixas competências numéricas apresenta erros na resolução de tarefas
relacionadas com as operações de adição e subtração e terminam o ano com baixo
crescimento na matemática. A outra metade do grupo revela um crescimento relativo na
aprendizagem da matemática. Os resultados contribuem para o sentido de número (medido
pela BSN – Bateria Sentido de Número) como um bom preditor das dificuldades precoces na
aprendizagem da matemática.

Palavras-chave: Sentido de número; desempenho na matemática; percursos de


aprendizagem.

Abstract
Given the negative impact that the arithmetic skills are in today's Western societies, this
study seeks to examine the relationship between numerical skills (or number sense) and the
future performance of mathematics from two specific objectives. First, the identification of
mathematical content that are associated with low, medium and high numerical skills
measured at the beginning of formal education. Second, the comprehension of the learning
pathways over the first two years of schooling in children with low numerical skills. The
sample focused on 30 children, with 6 years of age, enrolled in public schools in a cluster of
schools in the municipality of Lisbon. Participants were randomly assigned to three different
groups of income at the level of numerical skills. The results indicated a positive association
between the two variables, and a predictor effect of 64% in math performance. The analysis
of learning pathways revealed that children with high numerical skills showed good growth
in learning mathematics until the 2nd grade, and even saturated the math measure. Half of
the children in the group of low numerical skills have errors in solving tasks related to
simple operations of addition and subtraction and finished the second school year with low
growth in mathematics. The other half starts formal education with low numerical but over
the two years showed a relative increase skills in learning mathematics. This results
contributed for number sense (measured by NSB – Number Sense Brief) as a good predictor
of early math learning difficulties.

Keywords: Number sense; mathematics achievement; learning pathways.

Introdução
As dificuldades aritméticas têm um impacto negativo nas atividades da vida quotidiana em
termos educacionais e profissionais (Parsons & Bynner, 2005). O relatório de Parsons e Bynner
(2005) intitulado “Does numeracy matter?”, num dos maiores estudos longitudinais com a
população britânica, conclui que os indivíduos com baixas competências aritméticas têm maior
propensão para o abandono escolar e uma dificuldade acrescida de inserção social. Tendem a
optar por áreas profissionais menos qualificadas com maior probabilidade de exercerem
trabalhos precários. Mesmo em termos psicológicos, assinalam maior propensão para terem
depressões e baixa auto-estima.
Estima-se que mais de 10% dos estudantes são diagnosticados com uma dificuldade na
matemática em algum ponto do seu percurso escolar (Barbaresi et al., 2005; Shalev & Gross-
Tsur, 2005). Neste sentido, dado o impacto que as baixas competências numéricas têm na
sociedade, torna-se importante identificar os precursores do desenvolvimento das competências
matemáticas e analisar o seu efeito preditor no desempenho futuro da matemática de modo a
traçar medidas válidas de identificação precoce que possam posteriormente servir para traçar
programas de intervenção nas dificuldades na matemática (Gersten et al., 2005).
Medidas semelhantes foram utilizadas na leitura para ajudar as escolas e centros educativos a
fornecer apoio e intervenção adicional ao nível das competências precoces da leitura, com
particular atenção à consciência fonológica (conhecimento da letra-som), atualmente
considerada, entre outros fatores cognitivos, a capacidade mais preditiva do desempenho futuro
da leitura (Schatscchneider et al., 2004). Um leque de pesquisadores, na sua maioria psicólogos e
neurocientistas interessados na identificação e intervenção precoce nas dificuldades da
matemática focam os seus estudos no sentido de número (SN) e as suas implicações no
desempenho da matemática (DM) (Dehaene, 1997; Greeno, 1991; Okamoto e Case, 1996;
Gersten et al., 2005).
Usando o quadro teórico respeitante à relação entre SN e DM, vários autores (Gersten e Chard,
1999; Griffin e Case, 1997; Gersten et al., 2005; Jordan et al., 2006, 2007, 2008, 2010, Baker,
Gersten, Flojo et al., 2002) exploram a validade preditiva de um conjunto de medidas de forma a
prever os seus desempenhos aritméticos. Em conclusão, medidas relacionadas com o SN
revelam um forte efeito preditor do SN no desempenho futuro na matemática.
Outros autores sugerem que as fraquezas nas competências numéricas relacionadas com a
contagem, relações numéricas e operações numéricas simples suportam a maior parte das
dificuldades na aprendizagem da matemática (e.g. Geary et al., 2007; Gersten & Chard, 1999;
Griffin & Case, 1997; Gersten et al., 2005; Jordan et al., 2010; Landerl et al., 2004; Mazzocco &
Thompson, 2005).
Entre outros exemplos, Jordan e colaboradores (2007) verificaram que o desenvolvimento e o
desempenho do sentido do número ao nível do jardim-de-infância, medido através da bateria,
explica 66% do desempenho da matemática no 1º ano de escolaridade. Por outro lado, a
avaliação do SN identifica, em cerca de 52%, crianças com dificuldades na fluência do cálculo
numérico (Locuniak e Jordan, 2008).
Num estudo mais recente, Jordan e colaboradores (2010) procuraram examinar a contribuição
única do SN (medida pela NSB) no desempenho futuro da matemática. No seu estudo, foram
acrescentados alguns preditores comuns, tais como, a idade, as capacidades verbais, espaciais e
da memória de trabalho. A partir de uma análise de variância parcial, os resultados indicaram
que a NSB explica mais 12% da variabilidade do desempenho total da matemática no final do 1º
e 3º ano do que as variáveis de controlo. Para além disso, a BSN explica cerca de 17% da
variabilidade se medirmos apenas o desempenho na resolução de problemas verbais no final do
3º ano. Apesar da influência de outros fatores cognitivos (vocabulário, relações espaciais e
memória de trabalho), os resultados do referido estudo demonstram o contributo único e
significativo do sentido de número no desenvolvimento de competências matemáticas. Mais
ainda, mesmo numa fase inicial do jardim-de-infância, o SN mantém uma forte preditibilidade no
desempenho da matemática até, pelo menos, ao final do 3º ano de escolaridade.
Em Portugal, os resultados do estudo de Marcelino e colaboradores (2014) demonstram um
efeito preditor moderado do SN no DM. Foi analisado a capacidade preditiva do SN (medido
através da BSN) no desempenho da matemática até ao final do 1º ano de escolaridade. Os
resultados em 222 crianças com idades entre os 5 e os 6 anos indicam que SN explica 38% a 45
% da variância total do desempenho da matemática no final do 1º ano (medida pela ACM 1).
Para além disso, as duas variáveis apresentaram uma correlação positiva, significativa, p <.01 e
moderada com o desempenho da matemática, r = .553.

O desenvolvimento de competências numéricas na criança e a operacionalização do


sentido de número
Quando nos referimos às competências numéricas (ou sentido de número) em crianças
pequenas (4-6 anos), estamos a falar da capacidade da criança em contar, relacionar os números
e comparar magnitudes numéricas, e também fazer pequenos cálculos a partir de tarefas não-
verbais e verbais.
Em termos de competências de contagem, as crianças começam por utilizar as palavras
numéricas em pequenos conjuntos (i.e. em conjuntos de 3 elementos ou menos) através da
perceção imediata da quantidade (e.g. Le Corre e Carey, 2006). Para conjuntos maiores, a
contagem já implica o uso simbólico da cardinalidade e do reconhecimento do número como
palavra numérica (Butterworth, 1999).
Durante o pré-escolar, a maioria das crianças aprende a enumerar conjuntos numa ordem
estável (e.g. 1, 2, 3, 4, 5), independentemente do espaço e dos elementos que o constituem,
usando a correspondência termo a termo (associação palavra numérica-objeto). Começa
também a perceber que o último número indica o total dos elementos de um conjunto (Gelman e
Gallistel, 1978). A compreensão dos princípios da contagem, de “como contar” ou da contagem
“com sentido” permite a criança enumerar qualquer objeto ou entidade em qualquer direção.
O bom conhecimento do número implica o domínio das relações numéricas. A criança começa por
perceber que: a) Os números indicam quantidades e por isso, têm magnitudes; b) A palavra
“maior” ou “mais” é sensível ao contexto; c) cada número ocupa uma posição fixa na sequência
numérica; d) há números antecessores e sucessores fixos em relação a um determinado número;
e) O número que aparece mais tarde na sequência é o mais alto, indica uma quantidade maior e
por isso 9 é maior (ou mais) do que 7; e que cada número seguinte numa sequência numérica
corresponde precisamente ao aumento de uma unidade no tamanho de um conjunto (noção de
+1).
Durante os anos pré-escolares, as crianças adquirem todas estas habilidades quantitativas que
são relevantes para dominar as competências formais de cálculo (Levine, Jordan e Huttenlocher,
1992). Por exemplo, são capazes de determinar que, de dois conjuntos, um contém mais
elementos do que o outro conjunto, conseguem discriminar duas quantidades (2 versus 3) e
conseguem compreender a preservação da quantidade nos vários arranjos espaciais de um
conjunto (Piaget, 2006; Gelman e Gallistel, 1978). Para além disso, as crianças pequenas
conseguem enumerar um conjunto de objetos e reconhecer que o último número usado na
contagem representa o total de objetos num conjunto (Fuson, Richards, e Briars, 1982; Gelman e
Gallistel, 1978).
Todavia, as competências de contagem e do conhecimento do número (que também podem ser
denominadas por competências relacionais) não envolvem o requisito essencial para o cálculo.
Numa fase inicial, as crianças pré-escolares têm alguma dificuldade em desempenhar problemas
apresentados verbalmente, por exemplo “O José tem 3 bolachas. A Sara dá-lhe mais 2. Quantas
bolachas tem o José agora?”, e mais dificuldade ainda quando as operações aritméticas são
apresentadas sem referência a objetos, por exemplo “Quanto é dois mais três?” (Levine et. al,
1992). Ao longo dos anos esta situação reverte-se, as dificuldades na resolução dos problemas,
passa por estar associado à compreensão dos enunciados. O estudo de Riley, Greeno e Heller
(1983) corrobora esta premissa considerando que os fatores linguísticos ou as variações
sintáticas e semânticas apresentam efeitos significativos na resolução de problemas verbais.
Levine et al. (1992) aduzem que os problemas verbais e as operações aritméticas podem
mascarar as competências de cálculo devido à linguagem, dado que implicam uma maior
compreensão de conceitos quantitativos (“maior”, “menor”) e de signos aritméticos (“mais”,
“menos”, “tirar”). Esta dificuldade linguística pode levar a uma resposta errada por parte da
criança numa tarefa de problemas verbais ou de operações aritméticas mesmo que esta tenha a
capacidade de transformar quantidades aplicando a adição e a subtração.
Aceder a representações numéricas através de palavras-número é outra das potenciais
dificuldades de cálculo. Por exemplo, se a criança tem dificuldade em aceder a uma
representação mental da palavra-número “quatro” sem a presença de elementos físicos - a não
ser que tenha memorizado a resposta - terá dificuldade em responder à questão “Quanto é
2+2?”.
A avaliação de competências de cálculo não só num formato verbal mas também não-verbal
pode facilitar a identificação de dificuldades de cálculo.
A presença de uma tarefa de Cálculo Não-Verbal permite assim remover algumas das fontes de
dificuldades apresentadas. Por exemplo, estímulos não-verbais permitem reduzir a influência de
fatores linguísticos ao transformar as operações linguísticas (uma apresentação e uma resposta
completamente não-verbal) em operações concretas (adicionar ou remover fichas), tornando
assim mais clara a deteção da aquisição de competências de cálculo (Levine et. al, 1992).
No que se refere a operações de formato verbal, o conteúdo dos problemas verbais de adição e
subtração deve ser delineado de forma a ser o mais simples possível para evitar as dificuldades
semânticas. Por exemplo, usar os mesmos verbos e mesma estrutura sintática com a variância de
sujeitos e objetos apresentados, muito embora com uma aproximação da realidade da criança.
O cálculo não-verbal, os problemas verbais e as operações numéricas completam assim as
atividades matemáticas que levam ao domínio do sentido de número, sendo estes cruciais para a
aprendizagem inicial da matemática.

Percursos na aprendizagem da matemática


Os resultados dos estudos de Jordan e colaboradores (Jordan et al., 2006; Jordan et al., 2007)
demonstram a importância das competências numéricas em crianças do jardim-de-infância para
traçar percursos de aprendizagem durante os primeiros anos de escolaridade.
Estes estudos, aplicados desde o jardim-de-infância até meados do 1º ano de escolaridade,
revelam três percursos possíveis na aprendizagem da matemática: (1) Crianças que terminam o
jardim-de-infância com baixas competências numéricas mostram baixo crescimento na
aprendizagem da matemática; (2) Crianças que terminam o jardim-de-infância com baixas
competências numéricas mostram um relativo crescimento na aprendizagem da matemática; (3)
Crianças que terminam o jardim-de-infância com altas competências numéricas mostram bom
crescimento e mantêm-se nesse nível.

Hipóteses e objetivos
No presente estudo, partiremos da hipótese que as competências numéricas precoces estão
fortemente associadas ao sucesso da matemática até ao final do 2º ano de escolaridade. A
criança que inicia o percurso escolar com boas competências numéricas terá maior
probabilidade de desenvolver com sucesso as suas aprendizagens na matemática até ao final do
2º ano de escolaridade.
Traçar um perfil longitudinal a curto prazo da aprendizagem da matemática em seis momentos
de avaliação nos dois primeiros anos escolares, permite-nos compreender as áreas da
matemática (ou conteúdos matemáticos) que estão associadas às dificuldades na matemática em
crianças com baixas, médias e altas competências numéricas e identificar percursos de
aprendizagem da matemática propostos por Jordan et al., 2006; Jordan et al., 2007).

Metodologia

Participantes
Um total de 30 sujeitos participou neste estudo, todos com seis anos de idade, entre os quais 16
são do sexo masculino e 14 do sexo feminino. Os participantes são crianças que deram entrada
no 1º ano de escolaridade de um agrupamento de escolas localizado no concelho de Lisboa.
Todas as crianças frequentaram o jardim-de-infância. As crianças são provenientes de diferentes
níveis económicos (17% baixo, 32% médio, e 31% alto) e de pais com diferentes níveis de
educação (14% ensino primário, 38% ensino secundário, e 48% dos pais têm educação
superior).

Materiais
BSN – Bateria Sentido de Número
A NBS – Number Sense Brief (Jordan, Glutting & Ramineni, 2008) foi traduzida e aferida para a
população portuguesa num âmbito de uma tese de doutoramento (resultados preliminares em
Marcelino et al., 2012), passando a denominar-se de BSN - Bateria Sentido de Número. É uma
medida que avalia as competências numéricas precoces com o intuito de identificar
precocemente crianças em risco de terem dificuldades futuras na matemática. Para a população
portuguesa é aplicada em crianças com 5/6 anos e é composta por 33 itens distribuídos por sete
subáreas.
As duas primeiras subáreas dizem respeito às competências numéricas de contagem. A
Contagem e Princípios de contagem visam o conhecimento da sequência numérica, a capacidade
em numerar conjuntos e a compreensão do princípio da cardinalidade e da correspondência
termo a termo. O Reconhecimento do Número avalia a identificação do número através do uso da
palavra-número em resposta à questão: “Que número é este?”.
O Conhecimento do Número (ou Comparações Numéricas) envolve a capacidade de comparar
quantidades/magnitudes, tais como, qual de dois números apresentados, é o maior ou o menor.
Envolve também a capacidade de identificar um número a partir da sua posição na linha
numérica, por exemplo, identificar o número que aparece depois do 5.
Dentro das competências numéricas de cálculo, a BSN é constituída por três subáreas. O Cálculo
Não-Verbal, ou a capacidade em desempenhar simples transformações de adição e subtração
com objetos. Os Problemas Verbais, a capacidade de resolver pequenas situações problemáticas
onde os objetos referidos não estão presentes; e Combinações Numéricas, que envolve operações
de adições e subtrações simples com um estímulo meramente verbal (e.g. “Quanto é 2 + 1?”).

ACM - Avaliação de Conteúdos Matemáticos


A ACM - Avaliação de Conteúdos Matemáticos foi construída com base na análise dos conteúdos
matemáticos formais do 1º e 2º ano de escolaridade do Ensino Básico (passando a denominar-
se, respetivamente, ACM 1 e ACM 2). Após essa análise foi delineada uma lista de conteúdos
matemáticos composta por 11 itens e analisados os seguintes exercícios:
1. Contagem. Realizar contagens de agrupamentos. Contar de 2 em 2, 3 em 3, de 5 em 5
e de 10 em 10.
2. Leitura e Escrita de números. Ler e escrever números por extenso.
3. Linha Numérica. Identificar os números sucessores e antecessores na reta numérica
ou por representação horizontal.
4. Magnitudes. Estabelecer relações de grandeza utilizando a simbologia adequada (<,>
e =).
5. Ordenação. Ler e escrever números por ordem crescente e decrescente. Comparar e
ordenar números utilizando a simbologia adequada (< ou >).
6. Sistema Numérico ou Classes. Identificação das unidades, dezenas e centenas e as suas
relações.
7. Operações de adição. Resolver operações de adição utilizando a representação
horizontal. Representar somas em diagramas de setas.
8. Decomposição de somas. Efetuar operações de adição com lacunas utilizando a
representação horizontal (e.g. 80 = 40 + __).
9. Operações de subtração. Resolver operações de subtração utilizando a representação
horizontal. Representar diferenças em diagramas de setas.
10. Problemas verbais de adição. Resolver situações problemáticas de adição.
11. Problemas verbais de subtração. Resolver situações problemáticas de subtração.
As crianças receberam uma cotação de (1) quando o exercício referente a cada conteúdo
matemático está totalmente correto; (0,5) quando apresenta alguns erros; (0) quando está
totalmente errado.
Em termos de interpretação dos resultados, na cotação (1) passamos a considerar que a criança
domina o respetivo conteúdo matemático; (0,5) domina relativamente; e (0) não domina o
conteúdo matemático.

Procedimento
Depois da aplicação da BSN no início do ano letivo, 30 crianças foram selecionadas
aleatoriamente (a partir dos resultados da amostra nacional da BSN) em 123 crianças
matriculadas nas quatro instituições escolares de um agrupamento de escolas do concelho de
Lisboa.
Dessa amostra, resultaram três grupos de dez crianças, 16 crianças do sexo masculino e 14 do
sexo feminino, todas com 6 anos de idade, de seis turmas do 1º ano de três escolas do 1º CEB do
mesmo agrupamento de escolas.
A partir dos valores normativos da BSN (resultados preliminares em Marcelino et al., 2012), as
crianças foram distribuídas por três grupos de rendimento: o grupo A, de baixo rendimento na
BSN (percentil <25), o grupo B de médio rendimento (percentil entre 25-75) e, por fim, o grupo
C de alto rendimento (percentil> 75). As dez crianças de cada grupo foram selecionadas tendo
também em conta algumas variáveis individuais e sociodemográficas como o sexo, profissão
mãe/pai, habilitações literárias mãe/pai, escola e turma.
As medidas de avaliação do desempenho do 1º (ACM 1) e do 2º ano de escolaridade (ACM 2)
foram elaboradas a partir das planificações mensais e anuais dos professores, dos conteúdos do
manual escolar, e dos objetivos específicos da aprendizagem da matemática, definidos no
programa de currículo nacional. A recolha de outros dados escolares e familiares que possam ser
relevantes no seu acompanhamento (ficha do aluno, registo da avaliação por período letivo e
avaliações mensais e trimestrais dadas na sala de aula, avaliações psicológicas, entre outras)
permitiu complementar a elaboração dos estudos de caso.
Após a recolha destes dados, foi analisado o comportamento de aprendizagem da matemática
em cada criança a partir dos resultados da ACM 1 e ACM 2. A respetiva medição das curvas de
aprendizagem e crescimento foi efetuada no início do ano letivo (2011-2012) e nos finais de
cada mês escolar ao longo de dois anos letivos.

Resultados
O presente estudo tem como objetivo geral estudar a relação entre o sentido de número e o
desempenho da matemática. Como objetivos específicos, analisar o efeito preditor do SN no DM,
identificar quais as áreas da matemática (ou conteúdos matemáticos) que estão associadas ao
desempenho da matemática em crianças com baixas, médias e altas competências numéricas; e
identificar percursos de aprendizagem da matemática em crianças com baixo sentido de número
propostos por Jordan e colaboradores (Jordan et al., 2006; Jordan et al., 2007).

Competências numéricas e desempenho da matemática


Na Figura 1, podemos verificar a relação entre o sentido de número e o desempenho na
matemática no final do 1º ano de escolaridade em 30 crianças distribuídas por grupos de baixo,
médio e alto rendimento nas competências numéricas.
Os resultados demonstram que o desempenho na matemática (medido pela ACM 1 – Avaliação
de Conteúdos Matemáticos, 1º ano) e as competências numéricas (medidas pela BSN – Bateria
Sentido de Número) estão positivamente relacionados.
Como se pode verificar no Gráfico a), os três grupos com baixas (Grupo A), médias (Grupo B) e
altas (Grupo C) competências numéricas apresentam, respetivamente, baixo, médio e alto
rendimento na matemática com a exceção de um único caso (ver Caso 6).
No Gráfico b) podemos apurar uma forte capacidade preditiva do sentido de número no
desempenho da matemática no final do 1º ano com a variabilidade da soma das competências
matemáticas explicada pelo resultado da BSN em cerca de 64%.

Figura 1. Gráficos de Dispersão com os Resultados da BSN e da ACM 1


Figura 1. Resultados na avaliação de conteúdos matemáticos no final do 1º ano de escolaridade (ACM 1, máx. 10
pontos) em função dos resultados na bateria sentido de número medidos à entrada do ensino formal por grupo de
rendimento (BSN, máx. 33 pontos). A linha de tendência central no Gráfico b) representa a regressão com um R2 = .64.

Competências numéricas e conteúdos matemáticos


Numa segunda análise procurámos identificar os conteúdos matemáticos que estão mais
associados ao fraco, médio e alto sentido de número ao longo dos dois primeiros anos letivos.
As crianças identificadas com baixas competências numéricas no início do ensino formal
apresentam mais dificuldades em resolver com sucesso (cotação = 1) exercícios relacionados
com a identificação dos números antecessores e sucessores e em resolver operações de adição e
subtração no final do 1º e 2º ano letivo (ver Figura 2).
Apenas 4 das 11 crianças do Grupo A conseguiram identificar e comparar números. Apenas uma
das 11 crianças observadas, acertou na decomposição de somas (e.g. 80 = 40 + ___). Quatro e três
crianças acertaram nos exercícios com operações de adição (e.g. 25 + 25 = ___) e subtração (50 –
40 = __).
Estes resultados indicam que as crianças com baixas competências numéricas no final do 2º ano
apresentam um rendimento mais baixo do que o 1º ano, levando-nos a inferir que o desempenho
na matemática em crianças com baixo sentido de número tende a piorar no segundo ano letivo.

Figura 2. Resultados por Conteúdo Matemático em Crianças com Baixas Competências


Numéricas (Grupo A) no Final do 1º Ano (A) e do 2º Ano de Escolaridade (B)
10
A)
9

6
ACM 1

Conteúdos matemáticos

#26 #28 #45 #71 #73 #76 #91 #96 #102 #104 #114
Figura 2. Resultados na avaliação de conteúdos matemáticos (ACM 1 e ACM 2, máx. 10 pontos) no final do 1º ano a) e
no final do 2º ano de escolaridade b) por conteúdo matemático (contagem, escrita de números, classes ou
identificação das dezenas e unidades, ordenações, adição, decomposição de somas, subtração, problemas verbais de
adição e problemas verbais de subtração).

As crianças identificadas com médias competências numéricas não apresentam dificuldades em


resolver exercícios relacionados com a identificação e comparação de números, tal como
acontece com as crianças do Grupo B. No entanto, apenas 3 crianças das 8 crianças conseguiram
resolver com sucesso operações aritméticas de adição e apenas 2 crianças resolveram operações
subtrativas com sucesso (Figura 3). A maioria das crianças do Grupo B domina os restantes
conteúdos matemáticos. As crianças com médias competências numéricas mantêm praticamente
o mesmo desempenho na aprendizagem da matemática até ao final do 2º ano de escolaridade.

Figura 3. Resultados por Conteúdo Matemático em Crianças com Médias Competências


Numéricas (Grupo B) no Final do 1º Ano a) e do 2º Ano de Escolaridade b)

A) 10
9

6
ACM 1

Conteúdos matemáticos

#29 #40 #54 #60 #63 #87 #97 #110

Figura 3. Resultados na avaliação de conteúdos matemáticos (ACM 1 e ACM 2, máx. 10 pontos) no final do 1º ano (A) e
no final do 2º ano de escolaridade (B) por conteúdo matemático (contagem, escrita de números, classes ou
identificação das dezenas e unidades, ordenações, adição, decomposição de somas, subtração, problemas verbais de
adição e problemas verbais de subtração) em crianças identificadas à entrada do ensino formal com médias
competências numéricas.

As 11 crianças com altas competências numéricas dominam totalmente todos os conteúdos


matemáticos formais, como podemos verificar os valores saturados em ambos os gráficos da
Figura 4. Deste modo, não demonstram nenhuma variabilidade em termos de desempenho o que
significa que se mantêm no nível alto de desempenho matemático ao longo dos dois primeiros
anos escolares.

Figura 4. Resultados por Conteúdo Matemático em Crianças com Altas Competências Numéricas
(Grupo C) no Final do 1º Ano (A) e do 2º Ano de Escolaridade (B)
Figura 4. Resultados na avaliação de conteúdos matemáticos (ACM 1 e ACM 2, máx. 10 pontos) no final do 1º ano (A) e
no final do 2º ano de escolaridade (B) por conteúdo matemático (contagem, escrita de números, classes ou
identificação das dezenas e unidades, ordenações, adição, decomposição de somas, subtração, problemas verbais de
adição e problemas verbais de subtração) em crianças identificadas à entrada do ensino formal com altas
competências numéricas.

Percursos de aprendizagem
Na identificação dos percursos de aprendizagem da matemática em crianças com baixo sentido
de número (Grupo A), os resultados revelam que das 11 crianças, 5 enquadram-se no primeiro
percurso – ou seja, terminaram o 2º ano de escolaridade com baixo crescimento na matemática;
5 crianças seguiram o percurso dois, isto é, revelaram um relativo crescimento na matemática; e
1 criança (Caso 6) com bom desempenho na matemática que não se enquadra em nenhum dos
percursos propostos por Jordan e colaboradores (ver Tabela 1).

Tabela 1.

Percursos de Aprendizagem em Crianças com Baixas Competências Numéricas

Caso Tempo de Pontuação Percentil Crescimento na Percurso de


aplicação BSN BSN matemática aprendizagem a
(minutos)
1 23 17 10 baixo 1

2 23 14 5 baixo 1

3 10 12 5 relativo 2

4 10 8 5 relativo 2

5 11 19 25 relativo 2

6 10 15 10 bom 3

7 nd 16 10 relativo 2

8 nd 14 5 baixo 1

9 10 12 5 baixo 1

10 20 18 25 relativo 2
11 15 19 25 baixo 1

Nota. (nd) dados não disponíveis.

Estudos de caso

Caso 1
A F. nasceu em 01 de Novembro de 2005 e tem 5 anos e 9 meses. Os pais estudaram até ao 6º
ano de escolaridade. A mãe trabalha como operadora num supermercado e o pai é padeiro
estando desempregado. Frequentou o Jardim-de-infância. Segundo o relatório pré-escolar, irá
iniciar a escolaridade obrigatória com quase todas as competências adquiridas ao nível do
Jardim de Infância, tendo apenas como competências emergentes as relações temporais (e.g.
ontem, hoje, amanhã, manhã, tarde, noite). Relativamente à Língua Portuguesa, no final do 1º
Período, a F. revelou dificuldades na associação grafema-fonema e na identificação das letras do
alfabeto.

Perfil BSN – Bateria do Sentido de Número


De acordo com a Tabela 1, na subárea Contagem, a F. contou corretamente as cinco estrelas, no
entanto perante a instrução, “Quantas estrelas estão no papel que acabaste de ver?”, teve a
necessidade de contar novamente estrela por estrela até 5. Quando lhe foi pedido para contar,
contou perfeitamente até 10 mas não conseguir ir mais além. Não revelou domínio da
cardinalidade, pois ao responder à questão “Quantas estrelas estavam no papel que acabaste de
ver?” teve necessidade. No Reconhecimento do número, não soube identificar nenhum dos
números apresentados (13, 37, 82 e 124). Nas Comparações Numéricas, não soube nomear os
números que aparecem “depois do 7”, “dois números depois do 7” nem o número “mais próximo
do 5”. Não respondeu corretamente aos itens relacionados com os números maiores. Acertou no
menor após perguntar “Menor é mais pequeno?”. Neste sentido, revelou desconhecimento dos
conceitos quantitativos “maior” e “menor”. Isto não nos permite afirmar que a criança não sabe
discriminar quantidades mas que apenas revelou dificuldade em discriminar os conceitos
“maior” e “menor”. Respondeu com facilidade aos itens do Cálculo Não-Verbal. Quando chegou
às tarefas de cálculo com estímulo verbal – Problemas Verbais - foram identificadas fortes
dificuldades acertando apenas no item 23 “O João tem 2 moedas. O Paulo dá-lhe mais 1. Quantas
moedas tem o João agora?”. Na subárea Combinações Numéricas errou todos os itens incluindo o
primeiro, “Quanto é 2 + 1”, embora tenha acertado na mesma transformação numérica da
subárea Problemas Verbais (item 23). Relativamente às estratégias de resposta nos dois últimos
testes, quase todas as respostas foram dadas sem que se tenha observado nenhuma estratégia.
Nos Problemas Verbais, a F. ainda tentou usar os dedos nos itens 24 e 25 mas sem sucesso. Nas
Combinações Numéricas, as suas respostas foram dadas imediatamente com base num dos
números apresentados (e.g. “Quanto é 3 mais 2?” Resposta: “3”; “Quanto é 4 mais 3?” Resposta:
“4”; “Quanto é 7 menos 3?” Resposta: “7”).

Tabela 2.

Perfil BSN total e por subárea

Subárea F Subárea F

Contagem 2/3 Cálculo Não-Verbal 4/4

Princípios de Contagem 3/4 Problemas Verbais 1/5


Identificação do Número 0/4 Combinações Numéricas 0/6

Comparações Numéricas 2/7 BSN Total 14 /33

Nota: F corresponde ao número de acertos por classificação total em cada subárea

A aplicação da prova esteve dentro do tempo médio de aplicação (23 minutos). A F. obteve 14
pontos no resultado da bateria, o que a coloca abaixo do Percentil 10 tendo em conta o seu nível
etário. É uma criança que necessita de apoio ao nível do sentido de número.

Perfil ACM – Avaliação dos Conteúdos Matemáticos


1º Ano de escolaridade
Segundo o Registo de Avaliação no final do 1º Período e no final do 2º Período, a F. não
desenvolveu as competências esperadas para esses períodos de escolaridade.
Como podemos verificar na Tabela 2, na ACM 1.1. (Momento 1), a F. errou alguns exercícios
relacionados com a contagem de objetos até 5, errando todos os que incluíam operações
numéricas aditivas e subtrativas e situações problemáticas. Demonstrou também dificuldade em
discriminar os símbolos < e > nos exercícios de magnitudes numéricas. De acordo com
resultados da ACM 1.2 (Momento 2) conseguiu identificar as dezenas e unidades com recurso
pictórico às barras Cuisenaire. Domina relativamente (com alguns erros) os números
antecessores e sucessores na reta numérica e nos exercícios em que se pede para identificar o
número “anterior”, “seguinte” e “entre” (e.g. “O número anterior ao 18 é o 17”. Assinala Sim ou
Não?”). Conseguiu acertar em alguns exercícios de ordenação, operações aditivas e subtrativas, e
situações problemáticas. Na ACM 1.3. (Momento 3), a F. acertou na identificação das unidades e
dezenas (classes) e nos problemas verbais de adição. Nos exercícios relativos à contagem, leitura
e escrita de números, identificação de números antecessores/sucessores apresentou alguns
erros, revelando que não domina totalmente estes conteúdos. Nesta avaliação, revelou ainda
dificuldades na comparação de magnitudes, ordenação, nas operações de adição e subtração,
decomposição e problemas verbais subtrativos, errando todos os exercícios.

2º Ano de escolaridade
A F. não atingiu as competências esperadas para o final do 1º ano. Segundo o Registo de
Avaliação do 3º Período – 1º ano, sugere-se que a F. mantenha o currículo do 1º ano embora
frequente a turma do 2º ano. Os conteúdos matemáticos analisados das avaliações formais
mantiveram o espaço numérico 0-99. A F. continuou a cometer erros nas operações aritméticas e
problemas verbais de adição e subtração. As suas estratégias de resolução dos problemas são
imaturas e estão ainda num nível pictórico, tendo necessidade de desenhar para resolver o
problema. Por exemplo, “ Na quinta da Maria há 8 gatos. Quantas patinhas de gato há? Na quinta
também há, 3 cavalos, 4 vacas e 12 coelhos. Quantos animais há?” A F. teve de desenhar todos os
animais e contar um por um, tendo errado na contagem final (respondeu 26). Ainda não utiliza
estratégias simbólicas como simplesmente proceder à soma de 8+3+4+12.

Tabela 3.
Resultados por conteúdo matemático nos seis momentos de avaliação.

Conteúdos matemáticos

Momento C L/E A/S M Cl O A D S PVa PVs


1 0,5 nda 0,5 nd nd nd 1 0,1 0,5 0,1 0,1

2 1 0,1 0,5 0,5 1 0,5 0,1 0,1 0,1 0,1 1

3 0,5 0,5 0,5 0,1 1 0,1 0,1 0,1 0,1 1 0,1

4 nd nd nd nd nd nd nd nd nd nd nd

5 nd nd nd nd nd nd nd nd nd nd nd

6 nd nd nd nd nd nd nd nd nd nd nd

Nota. C = contagem; L/E = leitura e escrita; A/S = nº antec/sucess; M = magnitudes; Cl = classes; O = ordenação; A =
adição; D = decomposição; PVa = problemas verbais adição ; PVs = Problemas verbais subtração. Cotação (1) - correto,
(0,5) - alguns exercícios corretos, (0) incorreto. (nd) dados não disponíveis.

Percurso de aprendizagem
O perfil da BSN da F. identificou dificuldades no cálculo (problemas verbais e combinações
numéricas) à entrada do ensino formal o que se veio a revelar durante o seu percurso escolar.
Iniciou o ensino formal com baixas competências numéricas e manteve um baixo crescimento na
aprendizagem da matemática até ao final do 2º ano o que se encaixa no primeiro percurso de
aprendizagem proposto por Jordan e colaboradores.

Caso 6
A C. nasceu em Julho de 2005. Tem 6 anos e 3 meses. A mãe estudou até ao 9º ano de
escolaridade e o pai tem o ensino secundário completo e ambos são gerentes comerciais. A M.
frequentou o jardim-de-infância. Relativamente à Língua Portuguesa, segundo o Registo de
Avaliação para o final o 1º Período, a C. gosta de ler. Lê e escreve bem palavras e frases.
Apresenta uma boa comunicação oral.

Perfil BSN – Bateria do Sentido de Número


De acordo com a Tabela 4, a C. completou facilmente as tarefas de contagem e soube contar até
20 sem problemas. Identificou corretamente o número 13 mas errou nos restantes números
comentando que eram “difíceis”. Nas Comparações Numéricas, soube nomear o número que
aparece “depois do 7”, “dois números depois do 7” e o número “mais próximo do 5”. Confundiu
os conceitos quantitativos “maior” e “menor” dando respostas trocadas nos quatro itens (e.g.
Qual o número maior: 5 ou 4? Respondeu “4”; “Qual o número menor: 8 ou 6?” Respondeu: 8) o
que significar que confunde os conceitos “maior” ou “menor” mas não nos permite afirmar que
não domina a comparação de magnitudes. Respondeu corretamente e sem dificuldades aos itens
do Cálculo Não-Verbal. Nas tarefas de cálculo com estímulo verbal respondeu corretamente aos
dois primeiros itens, tendo a partir daí dando respostas aleatórias às restantes transformações
numéricas aditivas e subtrativas. Durante a prova, demonstrou alguma impaciência e
desatenção.

Tabela 2.

Perfil BSN total e por subárea


Subárea F Subárea F

Contagem 3/3 Cálculo Não-Verbal 4/4

Princípios de Contagem 2/4 Problemas Verbais 2/5

Identificação do Número 1/4 Combinações Numéricas 0/6

Comparações Numéricas 3/7 BSN Total 15 /33

Nota: F corresponde ao número de acertos por classificação total em cada subárea

A prova teve a duração de 10 minutos. Teve uma pontuação de 15 pontos na BSN, o que a coloca
no Percentil 10 tendo em conta o seu grupo normativo.

Perfil ACM – Avaliação dos Conteúdos Matemáticos


1º Ano de escolaridade
Segundo os Registos de Avaliação no final dos três períodos escolares, a C. é uma aluna com bons
resultados na Matemática revelando um bom domínio no conhecimento do número, na
resolução de problemas e nas técnicas de cálculo mental. Especificamente, lê e escreve números
e efetua contagens corretamente. Estabelece relações de grandeza, utilizando corretamente os
signos <, > e =. Ordena números por ordem crescente e decrescente. Coloca números numa reta
graduada. Calcula somas e diferenças e revela um bom raciocínio na resolução de problemas.
De acordo com a ACM 1.3., no último período escolar, a M. efetua contagens, lê e escreve
números por extenso, coloca números numa reta numérica, ordena números por ordem
crescente e decrescente e calcula somas. Na resolução de problemas demonstra algum raciocínio
no uso de estratégias simbólicas. No entanto, revela dificuldades em calcular diferenças e em
decompor números em somas.

2º Ano de escolaridade
Ao longo do 2º ano, a M. manteve o bom rendimento em todos os conteúdos
matemáticos.

Tabela 3.
Resultados por conteúdo matemático nos seis momentos de avaliação.

Conteúdos matemáticos

Momento C L/E A/S M Cl O A D S PVa PVs

1 1 1 1 1 nd 1 1 0,5 1 1 1

2 1 1 1 nd 1 1 1 1 0,5 1 1

3 1 1 1 nd nd 1 1 1 1 1 1

4 1 1 1 1 nd 1 1 1 nd 1 1
5 1 nd nd nd nd nd 1 nd nd 1 nd

6 1 1 nd nd nd nd 1 1 1 1 nd

Nota. C = contagem; L/E = leitura e escrita; A/S = nº antec/sucess; M = magnitudes; Cl = classes; O = ordenação; A =
adição; D = decomposição; PVa = problemas verbais adição ; PVs = Problemas verbais subtração. Cotação (1) - correto,
(0,5) - alguns exercícios corretos, (0) incorreto. (nd) dados não disponíveis.

Percurso de aprendizagem
O perfil da BSN da C. revelou alguns erros no cálculo. No entanto, ao longo dos dois primeiros
anos escolares esses erros não foram detetados. A C. revelou ser boa aluna na matemática logo
desde o início do ensino formal. O fato de haver uma discrepância entre os resultados da BSN e
os resultados das avaliações trimestrais podem estar relacionados com a motivação ou
desatenção da C. durante a aplicação da BSN. O seu perfil não se encaixa em nenhum dos três
percursos de aprendizagem. A C. iniciou o ensino formal com baixas competências numéricas e
terminou o 1º e 2º ano de escolaridade com bom desempenho na matemática.

Discussão
Os nossos resultados demonstram que as competências numéricas identificadas à entrada do
ensino formal (medidas pela BSN) estão positivamente associadas ao desempenho da
matemática nos primeiros anos de escolaridade. Os três grupos com baixas, médias e altas
competências numéricas apresentam, respetivamente, baixo, médio e alto rendimento na
matemática com a exceção de um único caso. Para além disso, o sentido de número apresenta
um efeito preditor moderado no desempenho da matemática.
Estas descobertas estão em consonância com o estudo de Marcelino et al. (2014) e Jordan et al.
(2007) onde encontraram uma positiva, significativa e moderada correlação entre o sentido de
número e o desempenho da matemática, e o sentido de número como um bom precursor no
desenvolvimento das competências matemáticas entre o 1º e o 3º ano de escolaridade.
Sabemos que as competências de cálculo (problemas verbais e combinações numéricas) têm
valores correlacionais mais altos com as medidas de desempenho da matemática quando
comparadas com as outras subáreas da BSN (Marcelino et al., 2014, Jordan et al., 2008). Porém
não sabíamos quais as áreas da matemática (medido pela ACM 1 e 2) que estão associadas à BSN
total em grupos de baixo, médio e alto rendimento na BSN. Deste modo, comparámos os três
grupos de rendimento na BSN com a taxa de sucesso na resolução de exercícios matemáticos,
tais como contagem, identificação dos números antecessores e sucessores ou resolver operações
aritméticas de adição e subtração simples.
O nosso estudo revelou que as crianças com altas competências numéricas acertaram em todos
os exercícios matemáticos e as crianças com baixas competências numéricas revelaram mais
dificuldade na resolução de operações numéricas e em exercícios relacionados com o
conhecimento do número (e.g. identificar números antecessores e sucessores)
comparativamente com as crianças com médias e altas competências numéricas.
Parece assim que a fluência nas operações aritméticas tem início e desenvolve-se com o sentido
de número, tal como Baroody, Bajwa, e Eiland (2009) claramente defendem. As crianças
desenvolvem a compreensão das operações numéricas básicas e como elas estão relacionadas
com o domínio do sentido de número. Enquanto desenvolvem o sentido de número no pré-
escolar e na escola primária, adquirem competências para desenvolver o cálculo mental e
resolver de forma rápida e eficiente as operações básicas. Se mostram baixas competências
numéricas à entrada do ensino formal, as suas competências para o cálculo podem estar em
risco de falhar. Dentro deste cenário, estes resultados sugerem que a criação de programas de
intervenção precoce deve ter um forte componente de estimulação de competências de cálculo.
Dado o impacto que as baixas competências numéricas têm na sociedade, este estudo dá assim
um contributo na identificação do sentido de número como um dos precursores do
desenvolvimento das competências matemáticas e na compreensão dos conteúdos matemáticos
que estão associados ao baixo ou alto sentido de número.
Para além disso, a identificação dos percursos de aprendizagem da matemática em crianças com
diferentes níveis de competências numéricas e a leitura de estudos de caso de crianças com
baixo sentido de número permite corroborar cientificamente a necessidade de identificar e
intervir precocemente nas dificuldades da matemática ao nível do sentido de número com forte
incidência nas competências de cálculo.

Agradecimentos
Agradecimento à Fundação para a Ciência e a Tecnologia pelo financiamento através de uma
bolsa de doutoramento individual que permitiu adaptar e aferir a NSB – Number Sense Brief
(Jordan, Glutting & Ramineni, 2008) para a população portuguesa com uma amostra
representativa de 2245 crianças, e desenvolver estudos posteriores ligados à relação entre o
sentido de número e o desempenho da matemática.

Contato para Correspondência


Lília Marcelino, Instituto da Educação, Universidade Lusófona, lilia.marcelino@gmail.com

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