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curriculo-a-partir-dos-campos-de-experiencias-previstos-na-bncc

Publicado em NOVA ESCOLA 14 de Julho | 2021

Gestão escolar

Educação Infantil: como organizar


o currículo a partir dos campos
de experiências previstos na
BNCC
Ao longo desse amplo processo de construção, a gestão escolar deve ter em
mente que a organização curricular precisa respeitar os direitos e as
experiências dos bebês e das crianças, dentro de cada contexto escolar
Muriele Salazar Massucato

Crédito: Getty Images

Um dos momentos mais importantes no trabalho da gestão escolar na Educação Infantil diz respeito à
organização do currículo, um processo que é bastante amplo e de muita construção – sempre a partir
do que é apresentado nos documentos normativos nacionais da área da Educação. Por isso, sabendo
dos desafios e complexidades envolvidos na elaboração curricular, resolvi compartilhar na coluna de
hoje um pouco da minha experiência nessa área, a partir do meu trabalho como coordenadora
pedagógica na Escola Municipal de Educação Básica Gildo dos Santos, uma creche localizada em São
Bernardo do Campo, município da Grande São Paulo.

Antes de descrever como o nosso trabalho se deu, é importante retomarmos o que dizem os
documentos oficiais que norteiam o trabalho de todos nós educadores. A Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), homologada em 2017, apresenta uma organização dos objetivos de aprendizagem
e de desenvolvimento da Educação Infantil a partir de cinco campos de experiências. São eles: o eu, o
outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e
imaginação; e Espaço, tempo, quantidades, relações e transformações. Por meio desses campos,
busca-se dar um norte para as redes de ensino e escolas de Educação Infantil, de forma que consigam
estruturar uma organização curricular que reconheça as experiências, o protagonismo infantil e os
direitos dos bebês e das crianças, atendendo, assim, às suas singularidades e necessidades.

Além disso, precisamos falar das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI-
2010), que nos apresentam o conceito de currículo, descrito como um “conjunto de práticas que
buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o
desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade”.

Cabe destacar que as DCNEI preconizam as interações e brincadeiras como eixos norteadores das
práticas previstas nos currículos de Educação Infantil – e a BNCC posteriormente reafirma tais eixos,
resguardando ainda seis grandes direitos dos bebês e das crianças, que são: brincar, conviver,
participar, explorar, expressar e conhecer-se. Dessa forma, retomados esses conceitos, fica o
questionamento: como organizar o currículo da Educação Infantil considerando todos esses aspectos?

Clássicos da gestão escolar: o PPP


Nesse Nova Escola Box, selecionamos algumas estratégias para auxiliar no entendimento de todas
as etapas do projeto político-pedagógico, e também separamos alguns modelos e exemplos de
PPPs reais

ACESSE AQUI

Analisando os marcos do desenvolvimento das crianças

Partindo desses documentos normativos nacionais, nós na Gildo dos Santos realizamos um estudo
dos marcos do desenvolvimento infantil, correlacionando-os aos objetivos da base. Nessa análise,
identificamos que a organização da BNCC, com seus objetivos divididos por faixa etária, respeita o
processo de desenvolvimento, reconhecendo as especificidades de cada idade.

Assim, vemos que esses objetivos, divididos entre aqueles específicos para bebês (de zero a 1 ano e 6
meses), crianças bem pequenas (de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (de 4
anos a 5 anos e 11 meses), se viabilizam na prática a partir de diferentes contextos de interações e
brincadeiras – ou seja, se consolidam por meio da valorização das experiências cotidianas, em um
processo natural do desenvolvimento infantil

Não se trata, portanto, da construção de um currículo aos moldes de um processo de escolarização


tradicional, voltado à pedagogia transmissiva, mas sim, de um olhar pedagógico na organização
curricular em prol da garantia de boas experiências que reconheçam e valorizem os direitos dos
bebês e das crianças.

Constata-se, desse modo, que ao pensar na construção do currículo, não devemos ter em mente uma
“preparação do futuro adulto”, vislumbrando em um “viés preparatório” aquilo que a criança virá a
ser. Devemos, na realidade, construir essa organização curricular respeitando a infância, ou seja,
respeitando aquilo que os nossos pequenos já são. É por isso que tanto destaque é dado à
necessidade de um arranjo curricular que acolha as experiências concretas da vida cotidiana e os
saberes das crianças, conforme preconizam as DCNEI e a BNCC.

Acolhimento e segurança no retorno às aulas


Neste curso 100% gratuito, a proposta é discutir como os gestores podem se planejar para dar
conta das várias dimensões do acolhimento, algo ainda mais importante no contexto de tantas
incertezas que envolvem o ano de 2021 na área da Educação.
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O registro da organização curricular

Em seguida, após os estudos e considerações iniciais, organizamos na Gildo dos Santos uma forma de
registro da organização curricular, registro esse que emerge, verdadeiramente, das práticas cotidianas
da escola – as quais, por sua vez, são fundamentadas nos já citados eixos estruturantes de interações
e brincadeiras.

A adoção deste formato de registro evita que façamos algo que é conceitualmente equivocado: a
transposição das áreas do conhecimento em campos de experiências. Afinal, sabemos que os campos
de experiências abarcam mais de uma área do conhecimento, sendo, portanto, interdisciplinares por
natureza. Além disso, o “conteúdo” na Educação Infantil não se estabelece em “caixas” estanques, sem
inter-relações, não é mesmo?

Assim, para elaborar o registro, partimos das práticas, ou seja, DO QUE e do COMO FAZEMOS, para
depois refletirmos novamente sobre os objetivos dessas propostas, que são representados na
pergunta: POR QUE FAZEMOS? Essa lógica, aparentemente inversa, foi estabelecida para que a partir
desse olhar para as práticas nós próprias pudéssemos nos aproximar e nos reconhecer na BNCC, já
que esse documento não pode estar distante da nossa realidade.

Essas práticas foram listadas em um exercício reflexivo proposto em momentos formativos junto às
professoras. Nós partimos da leitura do PPP de 2020 da nossa escola, reconhecendo a organização
anterior do currículo, ou seja, reconhecendo o chão que pisamos, para então refletirmos sobre as
práticas cotidianas que se constituem nas diferentes experiências promovidas na creche. A lista das
práticas foi feita coletivamente, com a escuta de toda a equipe docente, para que conseguíssemos
desvendar o cotidiano dos nossos bebês e crianças bem pequenas no uso e na apropriação dos
diferentes espaços e recursos que dispomos na escola.

Depois disso, as práticas foram fundamentadas em subgrupos, a partir de uma proposta de exercício
prático: as professoras consultaram a BNCC e verificaram cuidadosamente quais são os direitos de
aprendizagem e de desenvolvimento vinculados às suas práticas, e checaram quais campos e
objetivos estão relacionados à faixa etária dos nossos alunos (1 e 2 anos).

Encerrada essa formação, foi interessante constatar, em equipe, que tudo o que fazemos tem um
propósito pedagógico fundamentado na base, incluindo aí as práticas diárias de higiene, descanso e
alimentação, tão presentes nas rotinas da creche. Além do mais, foi bacana poder reafirmar, a partir
dessa atividade, algo que já sabíamos: a indissociabilidade que existe entre o educar e o cuidar. Por
fim, essa organização curricular permitiu ainda que a nossa equipe consolidasse um trabalho
autoavaliativo das práticas que planejamos e desenvolvemos na escola.

Trilha de cursos: Intensivo coordenação pedagógica


Confira três cursos que vão auxiliar você, coordenador ou coordenadora pedagógica, nos desafios
de implementação da BNCC, na criação de rotinas de formação produtivas, e na organização e
aplicação do planejamento

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CURSOS

Finalizado esse relato do nosso processo de elaboração curricular, gostaria de ressaltar algo que
considero muito importante para termos em mente: não existe uma forma única de se organizar um
currículo; esse foi um caminho que fez sentido para nós, tendo em vista a nossa realidade – e que
poderá, é claro, inspirar vocês que estão lendo. Mas o ponto-chave é: a organização curricular deve
fazer sentido de acordo com a realidade de cada cada escola.

Ainda assim, não podemos perder de vista um último ponto: é impossível documentar
antecipadamente todos os saberes que se efetivam a partir das vivências dos bebês e das crianças
(nem era essa a nossa pretensão!). O fato é que muitas descobertas se dão nas diferentes
experiências e relações ao longo da Educação Infantil, e por isso, precisamos reconhecer que uma
parcela do currículo se consolida, tão somente, no cotidiano da infância, em um processo natural e
respeitoso quanto às descobertas e às diferentes possibilidades de encantamento dos nossos
pequenos. E está tudo bem!

Um abraço e até a próxima,

Muriele Salazar Massucato

Muriele Salazar Massucato é coordenadora pedagógica há 11 anos na rede municipal de São


Bernardo do Campo (SP) e já atuou com turmas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação
de Jovens e Adultos. Formada em Pedagogia, tem segunda licenciatura em Arte e especializações em
Psicopedagogia e Ensino da Matemática. Foi autora do blog Coordenadoras em Ação no site NOVA
ESCOLA GESTÃO, em 2016 e 2017.

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