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Faculdade Campos Elíseos - FCE

ALUBRAT – Associação Luso Brasileira de Transpessoal

A ABORDAGEM INTEGRATIVA TRANSPESSOAL


APLICADA À PREPARAÇÃO DE GESTANTE PARA O
PARTO NATURAL HUMANIZADO.

Claudia Andrade Xavier

São Paulo, SP
2012
Faculdade Campos Elíseos - FCE
ALUBRAT – Associação Luso Brasileira de Transpessoal

A ABORDAGEM INTEGRATIVA TRANSPESSOAL


APLICADA À PREPARAÇÃO DE GESTANTE PARA O
PARTO NATURAL HUMANIZADO.

Monografia apresentada como exigência


parcial para obtenção do título de
Especialista em Psicologia Transpessoal
da Faculdade Campos Elíseos e
Associação Luso-brasileira de
Transpessoal - São Paulo / SP - sob
orientação do Prof. Manoel José Pereira
Simão.

Claudia Andrade Xavier

São Paulo, SP
2012

2
A minha mãe, Lília, pelo meu nascimento.
E a minha filha, Olívia, pelo meu renascimento.

3
Agradecimentos

Dedico os meus mais sinceros agradecimentos à professora Dra. Vera Saldanha que,
generosamente, compartilha conosco o seu saber e o seu Ser. Agradeço também ao
professor e orientador Manoel Simão pela incansável dedicação aos seus alunos.
Agradeço à professora e terapeuta Myriam Romero, por sua lucidez e arte. Meus
agradecimentos a todos os professores e colegas de curso, em especial aos professores
Laureano Guerreiro e Anna Patrícia Bogado, pela inspiração que trouxeram.

Meus agradecimentos aos profissionais da Casa Moara que me acolheram e


compartilharam comigo ensinamentos preciosos sobre o universo da gestação, parto e
maternidade.

Minha profunda gratidão às parteiras Márcia Koiffman e Priscila Colacioppo, não apenas
pelo belíssimo trabalho que desenvolvem, mas pela humanidade e inteireza com que
lidam com as gestantes e seus bebês. Obrigada por estarem de corpo e alma ao meu
lado, durante o momento mais marcante de toda a minha vida.

Meu agradecimento especial a minha querida doula Drika Cerqueira, pela capacidade de
me emocionar desde o nosso primeiro contato e, também, pela amizade que construímos.

Minha eterna gratidão e meu imenso amor ao meu maior amigo, Marcelo Moreti, marido e
alma companheira de jornada, que me ensinou a arte de sonhar e de realizar os meus
mais lindos sonhos. Sua presença ao meu lado tornou tudo isso possível.

Agradeço, principalmente, a minha mãe. Por absolutamente tudo o que ela fez e faz por
mim. Apesar do amor infinito que sinto por ela, jamais conseguirei amá-la, assim como ela
me ama. Hoje conheço o Amor de mãe.

Por fim, devo agradecer à Fonte, de onde tudo veio e para onde tudo vai.

4
Sumário

Resumo: ............................................................................................................................. 7
Lista de Gráficos ............................................................................................................... 8
Introdução: ......................................................................................................................... 9
O Modelo Atual de Assistência ao Parto ....................................................................... 11
Os Tipos de Parto ............................................................................................................ 14
Cesariana ...................................................................................................................... 14
Cesárea Eletiva ............................................................................................................. 14
Parto Normal ................................................................................................................. 14
Parto Natural ................................................................................................................. 15
VBAC ............................................................................................................................. 15
Parto Humanizado ........................................................................................................ 15
O Movimento de Humanização do Parto ....................................................................... 17
A Normose da Cesariana ................................................................................................ 20
A Dessacralização do Nascimento................................................................................. 27
O Complexo de Jonas na Gravidez ................................................................................ 29
O Medo do Sucesso ..................................................................................................... 31
O Medo da Mudança .................................................................................................... 31
O Medo do Saber .......................................................................................................... 31
O Medo da Autenticidade ............................................................................................ 32
O Medo de Amar ........................................................................................................... 32
A Temida Dor do Parto .................................................................................................... 34
Psicologia Transpessoal e Parto Natural ...................................................................... 36
Uma Breve Pesquisa sobre Parto e Transpessoalidade .............................................. 41
Questionário Aplicado ................................................................................................. 43
Pesquisa sobre a Transpessoalidade e a Experiência do Parto ................................. 43
Tabulação dos Resultados da Pesquisa .................................................................... 47
Abordagem Integrativa Transpessoal Aplicada à Preparação para o Parto Natural . 58
A Abordagem Integrativa Transpessoal..................................................................... 58
A Preparação para o Parto Baseada na Abordagem Integrativa Transpessoal...... 63
Programa Vivencial de Preparação para o Parto e Maternidade ................................. 67
Estrutura dos Encontros ............................................................................................. 71
Conteúdo Programático............................................................................................... 72
Módulo I - O Despertar para o feminino .................................................................. 73

5
Módulo II - Construindo uma Nova Vida ................................................................. 76
Módulo III - Relações e Conflitos ............................................................................. 79
Módulo IV - Dor e Medo ............................................................................................ 83
Módulo V - Despedida da Barriga ............................................................................ 87
Considerações Finais: .................................................................................................... 91
Bibliografia:...................................................................................................................... 92

6
R ESUMO:

A normose da cesariana e a dessacralização do nascimento na sociedade moderna,


principalmente, na brasileira, fizeram emergir um movimento em prol da humanização do
parto, em que a mulher é tratada como sujeito deste evento e não mais como um objeto.

Em razão deste movimento, sugiram diversos cursos de preparação de gestantes com


foco no parto natural. Na maior parte destes cursos, o conteúdo abordado envolve
basicamente o aspecto físico - fisiologia do parto e preparação do corpo - e o aspecto
intelectual, oferecendo informações sobre o modelo obstétrico atual, sobre os riscos e
necessidades reais das intervenções e etc.

Ou seja, assim como em tantas outras áreas do conhecimento, o método principal de


aprendizagem está baseado no cientificismo “masculinista” - razão e sensação -
relegando as duas funções “femininas” da psique - emoção e intuição – a uma função
secundária para a apreensão da realidade.

Neste sentido, a proposta do presente trabalho é incorporar, através da abordagem


integrativa transpessoal, a emoção e a intuição como aspectos necessários e essenciais a
serem trabalhados nos cursos de preparação de gestantes para o parto natural.

Sendo o evento da gestação e do parto exclusivos do universo feminino, nada mais


natural e fundamental do que promover a conexão com esta dimensão da realidade,
enaltecendo e resgatando o caráter divino e sagrado deste momento, promovendo a
autoconfiança e entrega das gestantes durante este processo, potencializando sua
autorrealização através da experiência do parto natural.

7
L ISTA DE G RÁFICOS

Gráfico 1 – Idade Atual da Respondente ........................................................................... 47


Gráfico 2 – Idade no Parto................................................................................................. 47
Gráfico 3 – Tipo de Parto................................................................................................... 48
Gráfico 4 – Local do Parto (Somente Parto Natural) ......................................................... 48
Gráfico 5 – Tipo e Local de Parto ...................................................................................... 48
Gráfico 6 – Média Geral das Notas Atribuídas a Cada Afirmação ..................................... 49
Gráfico 7 – Taxa de Concordância com as Afirmações..................................................... 50
Gráfico 8 – Taxa de Concordância por Tipo de Parto........................................................ 51
Gráfico 9 – Taxa de Concordância por Local de Parto (Somente Parto Natural) .............. 53

8
INTRODUÇÃO:

“Crescei e multiplicai-vos”.
(Gênesis 1, 28)

Partindo do princípio que todo ser humano deve nascer e viver em plenitude, proponho
neste trabalho uma reflexão acerca dos impactos e das consequências nas relações
humanas decorrentes da forma como as mulheres estão se preparando para receber seus
bebês, atualmente, no Brasil.

A dessacralização e a normose instauradas com relação à experiência do parto em nossa


sociedade permitiu a criação de uma indústria do nascimento e afastou da mulher a
possibilidade de experimentar a si mesma através da experiência de dar à Luz.

É objetivo deste trabalho, demonstrar que o parto, como experiência única e sagrada que
é, estimula a integração do REIS (razão, emoção, intuição e sensação) e, portanto, deve
ser experimentado como um evento natural e evolutivo, não só para a parturiente, como
para o pai, o próprio bebê e para toda estrutura familiar que os rodeia.

A cesariana, por tratar-se de um ato cirúrgico, assim como um parto vaginal com
anestesia, subtrai da parturiente a possibilidade de sentir a Vida atravessando-lhe o
ventre, o que tornaria esta experiência, em seus aspectos transcendentes, uma
experiência incompleta para a futura mãe.

O trabalho de parto é uma atividade exaustiva que requer preparo físico, mental,
emocional e espiritual, não só da mulher como de todos aqueles que irão acompanhá-la e
apoiá-la durante este processo.

Vamos demonstrar que o trabalho de parto conduz a parturiente a estados ampliados de


consciência permitindo que ela o vivencie como uma experiência transpessoal entrando
em contato e experimentando dimensões mais elevadas de seu Eu.

Além disso, sendo o nascimento um evento “traumático” para o ser humano este evento
deve ser encarado como um rito de passagem e, portanto, deve merecer todo o cuidado e
atenção que um evento desta proporção exige.

9
O parto natural humanizado propicia a recepção do bebê num ambiente mais amoroso e
acolhedor fato este que determinará sua forma de encarar e relacionar-se durante toda a
vida.

Este trabalho busca mostrar como a abordagem integrativa transpessoal pode


conscientizar as gestantes de que a experiência do nascimento pode e deve ser uma
escolha integrada com sua essência, com sua natureza e principalmente, pode e deve ser
uma experiência positiva, prazerosa e evolutiva.

O intuito deste trabalho é criar um programa de preparação para o parto natural e pós-
parto humanizados, que desperte as gestantes para um nível de consciência mais
elevado sobre a realidade da concepção, gestação, parto e maternidade, que vá além da
normose atualmente instaurada, resgatando a dimensão sagrada e, de uma forma
consciente, produzindo transformações positivas não só na vida da mulher, como também
do pai, do bebê, dos familiares e, por conseguinte, de toda uma sociedade.

Porque acreditamos que bebês desejados, gerados num ambiente amoroso e que
nascem nestas mesmas condições, têm mais chances de se tornarem seres humanos
mais felizes, tornando o mundo cada vez melhor.

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O MODELO ATUAL DE ASSISTÊNCIA AO PARTO

“Para mudar o mundo, primeiro é preciso mudar a forma de nascer”.


(Michel Odent)

O modelo atual de assistência ao parto no Brasil é um modelo voltado para os hospitais,


médicos e enfermeiros. Não é um modelo voltado para as mães e seus bebês.

Em recente pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com o Sesc, foram
entrevistadas 2.365 mulheres de todo território nacional a fim de identificar os maus tratos
sofridos pelas gestantes na hora do parto.

Entre as pesquisadas, 23% afirmaram ter sofrido humilhações no momento de dar à luz.
Estas sensações foram vivenciadas por meio das frases ditas por médicos e enfermeiros
sobre a dor enfrentada por elas durante as contrações e na hora de parir.

Não raro, muitas mulheres sofrem de violência obstétrica velada, ou então, por falta de
informação e conhecimento sofrem de violência sem que tenham consciência disso.

“(...) as mulheres têm pouquíssima consciência de sua intimidade durante o atendimento ao parto. E é
exatamente porque, quando recebem o bebê como recompensa, ainda que destruídas emocionalmente,
acreditam que não têm o menor direito de recordar nem de reconhecer as situações de extremos maus
tratos físicos e emocionais.” (Gutman, 2007)

Procedimentos que podem ser considerados violência obstétrica:

 Ausência de informação detalhada sobre os procedimentos que serão


executados;
 Exames de toque recorrentes durante as consultas de pré-natal;
 Exames de toque recorrentes durante o trabalho de parto;
 Pressão psicológica para dilatar tantos centímetros em tanto tempo;
 Pressão psicológica fazendo referência à saúde do bebê;
 Uso de ocitocina sintética para acelerar trabalho de parto que acabou de
começar;
 Privação de movimentos ou ser colocada em posição ginecológica para parir;

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 Privação de acompanhante;
 Privação de alimento e bebida;
 Episiotomia (corte na região do períneo);
 Raspagem dos pelos pubianos;
 Lavagem intestinal;
 Maus tratos físicos;
 Ironias e Maus tratos verbais;
 Entre outras.

Quase todas as rotinas impostas às gestantes, a partir do momento em que elas entram
no hospital, são em sua maioria rotinas desnecessárias que desumanizam e maculam o
evento do nascimento.

Em primeiro lugar a mulher perde sua identidade, deixa de ser chamada pelo nome. É
sutilmente colocada numa maca incômoda, onde sua liberdade de movimento é tolhida.
Ninguém a informa sobre os procedimentos que serão adotados, muito menos sobre o
andamento de seu trabalho de parto.

A maioria dos partos é induzida com ocitocina sintética, o que faz com que as contrações
sejam muito mais fortes e, portanto, insuportavelmente doloridas, culminando numa
anestesia. Quando, para sorte do bebê, a mãe chega a ter um parto vaginal, ela
frequentemente sofre uma episiotomia, que é o corte na região do períneo para que o
“bebê saia mais rápido”. Infelizmente, no Brasil e, principalmente no sistema privado, a
maioria das mulheres acaba sendo submetida a uma cesariana, na maioria das vezes sob
o argumento de que ela não teve dilatação.

Entretanto, todas as mulheres dilatam. Se não há dilatação ou ainda não começou o


trabalho de parto, ou não se esperou o tempo suficiente para tal. Ou então, a mulher
estava sendo submetida a algum tipo de procedimento que a deixou insegura e acuada,
impossibilitando que se “abrisse” para o parto.

Quando uma fêmea de qualquer outra espécie de mamífero sente-se acuada ou em


perigo durante o parto, a adrenalina aumenta o que faz com que a produção de ocitocina

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caia e o trabalho de parto estagne para proteção da própria fêmea e de sua cria, para que
então ela possa procurar outro lugar mais seguro, tranquilo e acolhedor para dar à luz.

Assim acontece com as mamíferas humanas: se elas não sabem o que vai acontecer com
seu corpo durante o trabalho de parto e nem como vai acontecer e ainda estão
submetidas a procedimentos invasivos que agridem sua intimidade, sua essência, seu
desejo, a progressão do trabalho de parto é lenta e difícil.

Diante de seu estado emocional diferenciado e da desumanização por conta de toda


rotina de procedimentos e falta de preparo dos profissionais para lidar com um evento tão
íntimo, sensível, laborioso e revelador, a gestante não tem forças e nem disposição
psicológica para questionar o que está acontecendo com ela e, portanto, resta-lhe apenas
se entregar a uma prática invasiva, mecanizada, desrespeitosa e violenta.

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O S T IPOS DE P ARTO

“Ainda a barriga não cresceu e já os filhos brilham nos olhos das mães.”
(José Saramago)

Qual a diferença entre parto normal, parto natural, parto humanizado, cesariana,
cesariana eletiva, VBAC?

CESARIANA

A operação cesariana (também denominada cesárea) é uma técnica cirúrgica utilizada


para retirar um feto de dentro do útero quando, durante a evolução do parto, ocorrem
distócias.

Para a realização da operação, é feita uma incisão transversal ou longitudinal (solução


mais rara) sobre a pele da gestante, acima da linha dos pelos púbicos. São
sucessivamente abertos os tecidos na seguinte ordem: Epiderme (tecido eptelial,
pavimentoso estratificado e quiretinizado), derme (tecido conjuntivo), hipoderme (tecido
adiposo) e a aponeurose dos músculos reto abdominais, separados os músculos na linha
média e abertos o peritônio parietal, o peritônio visceral e a parede uterina. O próximo
tempo é a extração do feto, seguida da retirada da placenta e revisão da cavidade uterina.
São então suturados os planos anteriormente incisados.1

CESÁREA ELETIVA

A cesárea eletiva é aquela onde é agendada a data e hora para realização da cirurgia
cesariana, pelos mais diversos motivos, sem sequer a mulher ter entrado em trabalho de
parto.

PARTO NORMAL

O parto normal é aquele que acontece pela via vaginal. Na maioria dos hospitais e
maternidades do Brasil normalmente inclui uma série de intervenções de rotina (a maioria
sem necessidade), tais como: raspagem dos pelos pubianos, lavagem intestinal,

1
Fonte: Wikipedia

14
administração de soro com ocitocina sintética, episiotomia e fórceps nas gestantes de
primeiro filho.

PARTO NATURAL

O parto natural é aquele que ocorre sem anestesia ou qualquer outro tipo de intervenção.
No parto natural, as pessoas que assistem à gestante permitem que as coisas ocorram
naturalmente, uma vez que não exista qualquer razão real para qualquer tipo de
procedimento médico.

O alívio da dor é feito através de métodos naturais, tais como, massagens, duchas
quentes, acupuntura, mocha, imersão em banheira de água quente e, principalmente, há
uma postura de espera (deixar que o evento aconteça em seu próprio tempo) e presença
(estar atento e alerta para qualquer necessidade de intervenção), por parte da equipe que
assiste e acompanha um parto natural.

VBAC

Das siglas, Vaginal Birth After Cesarean (Parto Vaginal Após Cesárea). Pode ocorrer
após uma ou mais cesáreas prévias, transcorrendo naturalmente ou com alguma
intervenção.

PARTO HUMANIZADO

A humanização no parto pode acontecer independentemente da via de parto. Entretanto,


faz parte da humanização, incentivar a mulher a entrar em trabalho de parto (se ela e o
bebê tiverem condições de saúde para tal), com o objetivo de conduzir um parto o mais
naturalmente possível.

O parto humanizado tem as seguintes características:

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 Respeito ao protagonismo da mulher, ou seja, é dela o papel mais importante. As
decisões são tomadas em parceria com o profissional que a atende e não impostas
numa única direção.
 Não são realizadas intervenções de rotina, ou programadas. As intervenções só
ocorrem se forem imprescindíveis.
 A necessidade ou não de intervenção é avaliada de acordo com as mais recentes
evidências científicas e não com base na experiência pessoal do médico ou no que
determina a rotina hospitalar.

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O MOVIMENTO DE H UMANIZAÇÃO DO P ARTO

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas.


Mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.
(Carl Gustav Jung)

Durante a maior parte da história da humanidade as mulheres tiveram seus partos


sozinhas ou, acompanhadas de outras mulheres mais experientes.

Em ambas as situações, o parto e o nascimento sempre foi um evento exclusivo do


universo feminino. No século XVII os médicos, homens, ingressaram neste universo e,
para sua própria comodidade e curiosidade investigativa, começaram a submeter as
parturientes a parir em posição ginecológica.

Porém, a posição ginecológica nem sempre é a melhor posição para parir, uma vez que a
bacia fica imobilizada o que causa desconforto durante o trabalho de parto.

Desde então, os partos têm sido tratados como enfermidades e é dessa forma que estão
arraigados à nossa cultura ocidental, sendo quase impensável uma mulher desejar ter um
parto fora de uma instituição hospitalar.

O que estamos vivendo é uma industrialização do nascimento, onde o uso da tecnologia é


empregado para “salvar-nos” da dor do parto. Entretanto, esta tecnologia tem sido usada
indiscriminada e massivamente, sem qualquer questionamento.

Não que a tecnologia seja ruim, mas “para usar a tecnologia em benefício das
parturientes é necessário estabelecer uma aproximação humana que permita conhecer
cada mulher em particular.” (Gutman, 2007)

Da mesma forma, o primeiro contato entre mãe-bebê tem sido maculado. De acordo com
as práticas médicas atuais, os primeiros minutos de vida dos recém-nascidos não
pertencem à mãe, mas sim à equipe do hospital que “precisa” cumprir um protocolo de
procedimentos para avaliar as condições físicas do bebê.

17
Entretanto, sabe-se que na imensa maioria das vezes, quem determina o início do
trabalho de parto é o bebê, quando seu pulmão, que é o último órgão a amadurecer,
passa a produzir substância surfactante, que cai no líquido amniótico e dispara uma
reação no corpo da mulher que envia uma mensagem para o cérebro que “entende”,
então, que ela deve entrar em trabalho de parto. Portanto, enquanto a mulher não entrar
em trabalho de parto, o bebê não estará pronto.

A prática obstétrica atual tem incentivado as gestantes a realizar uma cirurgia assim que
ela completa 38 semanas de gestação, mas é sabido que, uma gestação, não raro, pode
chegar até 42 semanas. Isso porque não podemos precisar a data da concepção, e
também porque o tempo de desenvolvimento de cada ser humano pode variar um pouco
com relação à média.

Na contra mão da industrialização do parto e do nascimento nasceu, logo após a


Segunda Guerra Mundial, um número significativo de associações e grupos em prol do
parto natural, tal como a National Childbirth Trust (NCT) no Reino Unido, lançada em
1957, por mães influenciadas pelo Livro Natural Childbirth, publicado em 1933.

“A idéia dominante na raiz da NCT era a de que existiam pouquíssima informações


disponíveis a respeito da gravidez e parto. A ignorância resultante deste fato gerava medo
e o medo levava à dor.” (Odent, 2002)

Como podemos ver, o movimento pela humanização do parto não é um movimento


recente, apesar de nos últimos anos ter ganhado uma força significativa em razão da
disseminação das informações de seus ideais e propostas, principalmente, através da
internet e redes sociais.

O que temos visto hoje é um número considerável de gestantes buscando cada vez mais
informações a respeito do parto, unindo-se em comunidades nas redes sociais em busca
de apoio e esclarecimento, além de um movimento forte de mães que tiveram seus filhos
de partos naturais, deixando seus relatos na internet para inspirar outras mães a trilharem
o mesmo caminho, são os chamados Relatos de Parto.

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No Brasil poucos são os médicos que realizam partos naturais. De fato, em países como
a Holanda os partos não são assistidos por médicos convencionais, mas sim por
parteiras.

Diferentemente daquela imagem das parteiras tradicionais, que percorriam quilômetros a


pé para auxiliar uma mulher em trabalho de parto, atualmente encontramos nos grandes
centros urbanos as chamadas “parteiras contemporâneas” – mulheres formadas em
obstetrícia – que assistem aos partos, sejam eles domiciliares ou em hospitais.

Outro profissional cada vez mais presente na composição de uma equipe humanizada
são as doulas, palavra grega que significa “aquela que serve”. São mulheres,
acompanhantes de parto, que oferecem suporte afetivo, físico, emocional e informativo
para as gestantes. Esse suporte pode ser dado desde o decorrer da gestação, passando
pelo trabalho de parto e após o nascimento, durante o pós-parto.

“Cada nascimento nos remete ao nosso, aos filhos que tivemos, aos que não tivemos, aos que gostaríamos
de ter, aos que perdemos. E um fato tão comovente precisa ser acompanhado por pessoas capazes de se
envolver emocionalmente, além de conhecer e saber lidar com algumas técnicas que possam ajudar o
nascimento. (...) Acompanhar um parto da posição profissional não é o mesmo que dar assistência a uma
prática médica de qualquer outra ordem.” (Gutman, 2007)

Uma equipe humanizada de assistência ao parto deve ir muito além de uma autoridade
médica. Deve ser composta por pessoas e profissionais capazes de respeitar as vontades
da parturiente, dar-lhe apoio, transmitir-lhe confiança e preservar sua intimidade. Mais do
que assistência médica, uma mulher que está dando à Luz necessita de suporte psíquico-
emocional e de orientação espiritual.

Os valores que devem pautar a conduta da equipe de parto estão resumidos numa
citação do Dr. Donald W. Winnicott em seu livro “Os bebês e suas mães” (1987): “há
processos naturais que constituem a base de tudo que está ocorrendo, e nosso trabalho
enquanto médicos e enfermeiras só será apropriado se respeitarmos e facilitarmos estes
processos naturais.” Ou seja, o valor primordial que as pessoas que dão assistência ao
parto devem assumir é, essencialmente, o respeito à Natureza.

19
A N ORMOSE DA C ESARIANA

“Se a aventura de nossa espécie algum dia findar,


terá sido pelos normóticos que fomos”.
(Roberto Crema)

O termo normose é um neologismo cunhado por Jean Yves-Leloup e Pierre Weil para
definir a patologia da normalidade.

“A normose pode ser definida como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de
pensar ou de agir que são aprovados por consenso ou pela maioria de uma determinada sociedade e que
provocam sofrimento, doença e morte. Em outras palavras, é algo patogênico e letal sem que seus autores
e atores tenham consciência de sua natureza patológica.” (Weil, Leloup, & Crema, Normose - A patologia da
normalidade, 2003)

Para considerar um tipo de comportamento ou conduta normóticos estes têm de ser:


 Inconsciente quanto à sua natureza patogênica.
 Haver um consenso em torno da sua normalidade.
 Ser patogênico ou letal.

Há ainda duas categorias de normose:

 Normoses gerais: são aquelas que possuem um consenso comum a praticamente


toda a humanidade.
 Normoses específicas: são aquelas que têm o seu consenso restrito a determinada
nação, população, grupo social ou cultural.

Dito isso, a prática da cesariana hoje no Brasil pode ser considerada uma prática
“normótica”. Trata-se de uma normose específica, pois é consenso da classe médica em
algumas regiões do país e, também, nas classes mais favorecidas economicamente.

Por mais que a OMS – Organização Mundial de Saúde – considere aceitável uma taxa de
15% de cesarianas, existe no Brasil um consenso em torno desta normalidade de se
praticar a cesárea, ainda que as evidências científicas apontem que o parto natural é
quase três vezes mais seguro que uma cirurgia abdominal para extração do bebê.

20
Segundo pesquisa feita com 107 mil mulheres asiáticas, quando a criança nasce por meio
das cesáreas sem indicação por quesitos médicos, a mortalidade da mãe, a necessidade
de fazer transfusão de sangue e o encaminhamento dos bebês após o nascimento para
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) são 2,7 vezes com mais frequentes.2

Em 2010, o percentual de cesarianas superou o de partos normais no Brasil. As cesáreas


chegaram a 52% do total. Em 2009, os dois modos se igualavam. Para a OMS
(Organização Mundial da Saúde), o recomendado é uma taxa em torno de 15%.3

Nos quatro primeiros meses de 2011, foi registrada na Cidade de São Paulo, uma taxa de
89,18% de cesarianas. Sendo que, em algumas maternidades, a taxa de cesarianas
ultrapassa os 90%. Como é o caso do Hospital e Maternidade Santa Joana, recordista em
cesáreas, com uma taxa de 93,18%.4

Diante deste cenário, nos perguntamos se as mulheres, brasileiras, paulistanas, de classe


média ou superior, perderam a sua capacidade de parir naturalmente. De certo modo,
podemos dizer que sim, que as mulheres vêm perdendo essa capacidade.

Ao longo das últimas décadas, a classe médica tornou-se inapta a acompanhar um parto
natural. A prática de assistência ao parto, quando vaginal, é altamente intervencionista.
Adicionado a isto, a conveniência de agendamento de dia e horários que um parto
cirúrgico permite e também, a desconexão das mulheres contemporâneas com o seu
próprio corpo e com a natureza, contribuem para que esta normose se instaure na
sociedade brasileira.

Ao longo dos anos, muitas situações corriqueiras e facilmente contornáveis em uma


gestação, acabaram se tornando motivos para conduzir uma gestante a um parto
cirúrgico.

Abaixo apresentamos uma lista de indicações reais e fictícias para uma cesariana,
elaborada pela Dra. Melania Amorim – médica obstetra e pesquisadora associada ao

2
Fonte: http://delas.ig.com.br/saudedamulher/parto+natural+e+tres+vezes+mais+seguro/n1237535613594.html - data:
15/01/2010, acessado em: 11/03/2012.
3
Fonte: Folha Online - http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1009189-cesareas-superam-partos-normais-pela-primeira-
vez-no-pais.shtml - data: 20/11/2011, acessado em 11/03/2012.
4
Fonte: Prefeitura de São Paulo: Sinasc (Sistema Nacional de Nascidos Vivos)
http://ww2.prefeitura.sp.gov.br//cgi/deftohtm.exe?secretarias/saude/TABNET/SMS/nasc_sp.def - acessado em 11/02/2012.

21
Grupo de Gravidez e Nascimento da Biblioteca Cochrane – de acordo com as evidências
científicas mais recentes5:

Algumas indicações reais para uma cirurgia cesariana:


o Prolapso de cordão – com dilatação não completa;
o Descolamento prematuro da placenta com feto vivo – fora do período
expulsivo;
o Placenta prévia parcial ou total (total ou centro-parcial);
o Apresentação córmica (situação transversa);
o Ruptura de vasa prévia;
o Herpes genital com lesão ativa no momento em que se inicia o trabalho de
parto.

Indicações possíveis para uma cesariana, porém, costumeiramente diagnosticadas de


forma incorreta:
o Desproporção cefalopélvica (o diagnóstico só é possível durante a fase ativa
do trabalho de parto, através de partograma e não pode ser antecipado
durante a gravidez);
o Sofrimento fetal agudo (o termo mais correto atualmente é "freqüência
cardíaca fetal não-tranqüilizadora", exatamente para evitar diagnósticos
equivocados baseados tão-somente em padrões anômalos de freqüência
cardíaca fetal);
o Parada de progressão que não resolve com as medidas habituais (correção
da hipoatividade uterina, amniotomia), ultrapassando a linha de ação do
partograma.

Situações especiais em que a conduta deve ser individualizada, considerando-se as


peculiaridades de cada caso e as expectativas da gestante após informação:
o Apresentação pélvica;
o Duas ou mais cesáreas anteriores (o risco potencial de uma ruptura uterina -
em torno de 1% - deve ser pesado contra os riscos de se repetir a
cesariana, que variam desde lesão vesical até hemorragia, infecção e maior
chance de histerectomia);

5
Fonte: http://guiadobebe.uol.com.br/

22
o HIV-AIDS (cesariana eletiva indicada se HIV + com contagem de CD4 baixa
ou desconhecida e/ou carga viral acima de 1.000 cópias ou desconhecida);
em franco trabalho de parto e na presença de ruptura de membranas,
individualizar casos.

Algumas situações frequentemente utilizadas pelos profissionais para indicarem uma


cesariana desnecessariamente:

o Circular de cordão, uma, duas ou três “voltas” (campeão de indicações –


esse motivo com a cumplicidade dos ultrassonografistas e o diagnóstico do
número de voltas é absolutamente nebuloso)
o Gestação gemelar (gravidez de gêmeos)
o Pressão alta
o Pressão baixa
o Bebê que não encaixa antes do trabalho de parto
o Diagnóstico de desproporção cefalopélvica sem sequer a gestante ter
entrado em trabalho de parto
o Bolsa rota (o limite de horas é variável, para vários obstetras basta não ter
entrado em trabalho de parto quando a bolsa rompeu que já indicam a
cesariana sem necessidade)
o “Passou do tempo” (diagnóstico bastante impreciso que envolve
aparentemente qualquer idade gestacional a partir de 39 semanas)
o Trabalho de parto prematuro
o Grumos no líquido amniótico
o Hemorróidas
o HPV (só há indicação de cesárea se há grandes condilomas obstruindo o
canal de parto)
o Placenta grau III
o Qualquer grau de placenta
o Incisura nas artérias uterinas
o Aceleração dos batimentos fetais
o Cálculo renal
o Dorso à direita
o Baixa estatura materna

23
o Baixo ganho ponderal materno/mãe de baixo peso
o Obesidade materna
o Gastroplastia prévia
o Bebê “grande demais” (macrossomia fetal só é diagnosticada se o peso é
maior ou igual que 4kg e não indica cesariana, salvo nos casos de diabetes
materno com estimativa de peso fetal maior que 4,5kg. Não se justifica
ultrassonografia a termo em gestantes de baixo risco para avaliação do peso
fetal).
o Bebê “pequeno demais”
o Cesárea anterior
o Plaquetas baixas
o Chlamydia, ureaplasma e mycoplasma
o Problemas oftalmológicos, incluindo miopia e descolamento da retina
o Edema de membros inferiores/edema generalizado
o “Falta de dilatação” antes da fase ativa do trabalho de parto
o Gravidez superdesejada (motivo pelo qual os bebês de proveta aqui no
Brasil muito raramente nascem de parto normal)
o Gravidez não desejada
o Idade materna “avançada” (limites bastante variáveis, pelo que se observa,
mas em geral refere-se às mulheres com mais de 35 anos)
o Adolescência
o Prolapso de válvula mitral
o Cardiopatia (sendo que o melhor parto para a maioria das cardiopatas é o
vaginal)
o Diabetes
o Bacia “muito estreita”
o Mioma uterino
o Parto “prolongado” ou período expulsivo “prolongado” (também os limites
são muito imprecisos, dependendo da pressa do obstetra).
o “Pouco líquido”
o Artéria umbilical única
o Ameaça de chuva/temporal na cidade
o Obstetra não sai de casa à noite devido aos riscos da violência urbana
o Fratura de cóccix em algum momento da vida

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o Conização prévia do colo uterino
o Eletrocauterização prévia do colo uterino
o Varizes na vulva e/ou vagina
o Constipação (prisão de ventre)
o Excesso de líquido amniótico
o Anemia
o Data provável do parto (DPP) próximo a feriados prolongados e datas
festivas
o Trombofilia
o História de trombose venosa profunda
o Bebê profundamente encaixado

Como podemos ver, muitas vezes, aproveitando-se da falta de informação e da


“fragilidade” da mulher diante de seu estado gestacional, muitos médicos acabam
instaurando o medo e induzindo a sua cliente a realizar uma cesariana. Neste sentido,
qual mãe seria capaz de colocar em risco a vida do próprio filho e a sua, desafiando uma
autoridade, principalmente uma autoridade médica?

A falta de informação e o estado de consciência em que a gestante se encontra nos


meses finais da gestação, acabam por deixá-la a mercê destas instituições e de vontades
alheias as suas próprias, sem que sequer elas tomem consciência de todos os riscos que
envolvem uma cirurgia deste porte.

A prática das cesarianas, principalmente as eletivas (com dia e hora marcados),


contribuem para fatores de risco para o bebê, tais como: prematuridade, baixo peso,
problemas cardíacos e pulmonares, e outros tantos ainda em estudo.

A Dra. Eleanor Madruga Luzes, em sua tese de doutorado denominada Ciência do Início
da Vida, publicada pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ em 2007,
escreve sobre os resultados de pesquisas realizadas entre o uso da anestesia, seja nas
cesarianas ou nos partos vaginais, e o índice de drogadição destes indivíduos no decorrer
de sua vida.

25
Muitos dos recém-nascidos, por menores que sejam as doses de anestésicos ministrados,
acabam entrando em contato com estas substâncias através do cordão umbilical, tendo
como sua primeira experiência de vida extra-uterina, uma sensação de torpor, de
anestesia dos sentidos, sensações esta que o indivíduo tenderia a buscar vivenciar
novamente no seu futuro.

A ansiedade e a necessidade de controle típicos da modernidade, a busca constante com


foco no mundo exterior tais como a decoração do quarto do bebê, a compra do arsenal de
produtos para supostamente cuidar da saúde e bem estar do recém-nascido, além da
aversão ao trabalho de parto e ao medo de sentir dor, faz com que muitas mulheres
optem por uma cesariana, para “não terem que sentir nada”.

O nascimento tornou-se um evento social, onde já não se espera mais a natureza concluir
o seu ciclo, para que o bebê venha ao mundo.

A mídia também tem sua parcela de contribuição e, neste sentido, precisamos também
educar os meios de comunicação, afinal, a imagem coletiva que temos e fazemos do
parto é uma imagem violenta, de sofrimento e ameaçadora.

“Atualmente, quase todas as mídias são utilizadas como veículo de transmissão da normose, de um
paradigma esgotado, da mentalidade masculinista, de uma cultura estreita e violenta” (Weil, Leloup, &
Crema, Normose - A patologia da normalidade, 2003)

Ainda que conseguíssemos reverter a prática médica atual e a imagem coletiva que existe
acerca do parto vaginal, haveria uma necessidade ainda maior de preparar as mulheres
para a experiência do parto natural.

A falta de conhecimento da mulher com relação ao seu corpo físico e a sua desconexão
com as dimensões emocionais e intuitivas, com seus aspectos instintivos e viscerais,
afeta sobremaneira a forma como ela lidará com as experiências decorrentes da
gestação, do parto e da maternidade.

26
A D ESSACRALIZAÇÃO DO N ASCIMENTO

“Não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual,


mas seres espirituais tendo uma experiência humana”.
(Teilhard de Chardin)

Para Abraham Maslow, um dos precursores da Psicologia Transpessoal, o fenômeno da


dessacralização é um mecanismo de defesa do ego, que elimina o caráter sagrado de
eventos do cotidiano.

A dessacralização “sugere a falta de sentido do sagrado na vida diária, a recusa em tratar


qualquer coisa com interesse profundo e seriedade, o que gera um empobrecimento da
vida em seus múltiplos aspectos e banaliza, por exemplo, a sexualidade, os fatos da vida
e a própria morte” (Saldanha, 2008)

O nascimento de um novo ser humano vem sendo tratado como um evento social. Além
de todo o mercado voltado para gestantes e bebês, há ainda um uso exacerbado da
tecnologia para suportar o evento do nascimento. São ultrassonografias 3D para ver o
rosto do bebê dentro da barriga, filmagem da cirurgia inclusa no pacote da maternidade,
foto do bebê na galeria de recém-nascidos do hospital. Estamos tendo os nossos bebês
como vamos ao mercado ou ao shopping: entramos e saímos de lá com o nosso objeto
de desejo no colo.

Além da revisão destes procedimentos, o resgate do sagrado se faz mister no modelo


atual de assistência ao parto. “O sagrado não implica na crença em deus, em deuses ou
espíritos. É a experiência de uma realidade, é a origem da consciência de existir no
mundo” (Nicolescu apud Saldanha, 2008)

Vera Saldanha ainda lembra que o que define o sagrado é a consciência de uma
transcendência. E que sagrado “não só quer dizer aquilo que não se pode tocar sem se
sujar, mas também o que não pode ser tocado sem ser sujado”. (Saldanha, 2008)

Que macula poderia ser maior, diante do evento do nascimento do que uma cesariana
eletiva (com data e hora marcadas), afinal esta prática nada mais é do que um
procedimento cirúrgico realizado em um órgão (útero) em sua condição mais saudável.

27
Sob esta ótica, algumas condutas adotadas durante o parto, causam de fato uma ferida
no corpo e na vida da mulher que, infelizmente, dado a magnitude do evento do
nascimento, em qualquer circunstância, acaba ofuscando a brutalidade destes
procedimentos.

O evento do parto e do nascimento é um evento sagrado, que deveria acontecer


naturalmente e ser assistido como tal. “O parto deveria ser revelador, no sentido de que
cada mulher deveria ter a possibilidade de parir da maneira mais próxima daquilo que ela
é em essência.” (Gutman, 2007)

28
O C OMPLEXO DE J ONAS NA G RAVIDEZ

"Nosso receio mais profundo não é de que sejamos inadequados.


Nosso receio mais profundo é que o nosso poder não tem limites.
É a nossa Luz, não a nossa sombra que mais nos amedronta.
Quem sou eu para ser genial, grandioso, talentoso e admirável?
Na verdade quem é você para não o ser?”
(Nelson Mandela)

Todas as mulheres possuem, em algum nível, medo do parto ou, medo das dores do
parto. Para algumas delas, esse medo é tão grande e profundo que chegam a optar por
agendar uma cirurgia de grande porte para “não precisarem sentir nada” no momento do
nascimento do seu filho.

Mas, o que há por detrás dessa recusa a sentir as “dores” do parto? O que há por detrás
do medo do parto, ou do medo das dores do parto? Quais são as ameaças reais e
imaginárias que assombram estas futuras mães?

As gestantes, como indivíduos, estão susceptíveis aos complexos do ego. E, como


poderemos observar adiante, aquilo que as gestantes classificam como medo do parto ou
medo de sentir as dores do parto, podem ser características do Complexo de Jonas que
aflora durante a gestação.

“Maslow e a psicologia humanista fazem de Jonas o arquétipo do homem que tem medo
da realização” (Leloup, 1996).

“Jonas é alguém que sente nele asas para voar, um desejo de espaço, um desejo de infinito, mas não tem
coragem. Ele apara suas asas, para continuar adaptado à sociedade na qual ele se encontra e que o proíbe
de ir ao outro, de ir ao inimigo, de ir ao diferente.” (Leloup, 1996)

O complexo de Jonas é uma recusa do indivíduo a ouvir seu chamado interior e a


vivenciar todo o seu potencial criativo, sua porção mais saudável e todo seu poder
pessoal e transpessoal. Trata-se do medo da entrega, do medo de amar, do medo da
própria grandeza. Trata-se do medo de Ser protagonista de sua própria história.

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“O livro de Jonas nos convida a escutar em nós mesmos um desejo mais profundo do que todos esses
desejos que foram projetados em nós.” (Leloup, 1996)

No contexto do presente trabalho, trata-se do medo das gestantes em tornarem-se


protagonista do próprio parto. Trata-se da “recusa provocada pelo convite à profundidade,
a esta realização do Self por meio da superação do Eu.” (Leloup, 1996)

Parafraseando Jean-Yves Leloup em “Normose – A patologia da normalidade” quando


afirma que “estamos condenados a Ser, pois somos habitados pelo germe de plenitude”;
as gestantes estão “condenadas” a serem mães, pois são habitadas pelo “germe” da vida.

Parece óbvio, mas o que as mulheres, enquanto gestantes, se esquecem, é que para
tornarem-se mães, terão de se despedir de quem eram, despedir-se da imagem de
gestante que carregaram, terão de dizer adeus àquela mulher que adentrou em trabalho
de parto, ou seja, terão de passar por um processo de morte e renascimento. Assim como
a terra fértil permite ser rompida pela semente para gerar a vida, a gestante terá de se
deixar romper para dar à luz.

A maioria das gestantes desconhece, e não está preparada para a desestruturação


espiritual que irão vivenciar durante e após o parto. “Porque o parto é isso: um corte, uma
abertura forçada, semelhante à erupção de um vulcão que geme a partir das entranhas e
que, ao expelir suas partes mais profundas, rompe necessariamente a aparente solidez,
criando uma estrutura renovada.” (Gutman, 2007)

Eis então o “chamado” que as gestantes tanto se recusam a escutar: romper com esta
aparente solidez. Deixar de ser para tornar-se. Abrir mão de ser um único Ser para tornar-
se um Ser, em dois, ou três, ou quatro, ou tantos seres quantos filhos ela vier a ter. Eis
então o chamado para viver com plenitude a experiência mais importante de sua vida. O
chamado para a renovação, para a construção de um novo Eu, mais completo, mais
esclarecido, mais amoroso. Um Eu mais autorrealizado.

A seguir, faremos um estudo comparado entre os principais medos de Jonas e os medos


conscientes e inconscientes das gestantes que podem inibir o desejo de atravessar o
trabalho de parto e ter seus filhos de maneira natural, como também, em havendo a
expressão do desejo, estes medos podem se tornar bloqueadores da sua concretização.

30
O MEDO DO SUCESSO

Sigmund Freud dizia que, “para algumas pessoas, o sucesso equivale a uma morte
simbólica do genitor do mesmo sexo”. Nós temos um medo inconsciente de humilhar
nossos pais, quando conseguimos alguma coisa além do que eles conseguiram. (Leloup,
1996)

Recordando que, uma boa parte das mulheres de hoje em idade reprodutiva nasceram de
cesariana, ter o seu próprio filho de parto natural seria uma espécie de superação da
própria mãe. E, neste processo de superação, estaria a gestante vivenciando a morte
simbólica de sua genitora.

Há também, no medo de vencer, o sentimento de indignidade e, portanto, devemos


observar como é a nossa relação com o sucesso, nosso desejo de sucesso e o medo
dele. Citando Fenichel: “O sucesso pode significar a realização de alguma coisa
imerecida, que acentua a inferioridade e a culpa” (Leloup, 1996).

Neste sentido, desejar (e ter) um parto natural, motivada pela vontade de transcender o
ego, pode suscitar um desejo por algo imerecido, afinal, em nossa cultura judaico-cristã o
parto é visto como uma espécie de “punição” pelo ato “pecaminoso” da concepção que se
deu através da relação sexual.

O MEDO DA MUDANÇA

Ainda que a nível consciente, todas ou quase todas as gestantes saibam que a chegada
do recém-nascido irá provocar mudanças significativas em sua vida, seja no âmbito
afetivo, social e/ou profissional, a nível inconsciente, o abandono dos hábitos antigos, a
perda do conhecido, cria em algumas pessoas um clima intolerável de insegurança
mesmo que estas mudanças crie uma abertura para uma existência melhor e mais feliz.

O MEDO DO SABER

31
O medo do saber, ou medo de conhecer, é o medo de descobrir verdades
desconcertantes dentro da gente mesmo. É a necessidade de proteção que evita o
encontro com o conhecimento de si mesmo.

“Então, o medo de conhecer, o medo de se conhecer, segundo Maslow, é o próprio medo


de fazer. Não se quer saber para não ter que fazer.” (Leloup, 1996)

Para as gestantes, não questionar a prática médica atual, permanecendo no estado


normótico, sem estabelecer este contato com o Eu, ou seja, permanecer na própria
ignorância, é uma maneira de não se responsabilizar, é uma maneira de se isentar da
busca por um parto natural pelo próprio medo de tê-lo.

O MEDO DA AUTENTICIDADE

O medo da autenticidade é o medo de ser o que somos. É a recusa ao questionamento:


“O que tenho a fazer na vida que ninguém pode fazer por mim?”. É a recusa em buscar a
maneira única e singular de se manifestar na vida.

No universo da gestação, podemos dizer que o medo da autenticidade se faz presente


quando, inconscientemente, a gestante sabe que, durante seu trabalho de parto ela
entrará em contato com sua própria essência e realizará “aquilo que ninguém pode fazer
por ela” que é dar á Luz ao seu filho.

“Assim como vive, escreveu a psicoterapeuta Gayle Peterson, a mulher dá a luz.”


(Maushart, 2006)

O MEDO DE AMAR

“O livro de Jonas é o livro da travessia de todos os medos conscientes e medos


inconscientes. Mas o medo maior que existe em nós não é o medo de sermos nós
mesmos, ou o medo da morte, é o medo de amar.” (Leloup, 1996)

32
Pode parecer contraditório, mas o medo de amar existe no Universo da gestação, na
medida em que as gestantes são tomadas pelo temor de deixar a vida atravessar-lhes o
ventre, em direção ao encontro. O medo de amar é o medo do encontro entre mãe e filho.

“Amar é uma alquimia do encontro que ninguém pode ensinar a ninguém, e que ninguém aprende sozinho.
Talvez, na grande magia dos caminhos, o milagre maior seja o do encontro. Estamos aqui porque ainda não
sabemos amar vasta e totalmente.” (Weil, Leloup, & Crema, Normose - A patologia da normalidade, 2003)

Junto ao medo de amar existe o medo de se perder. É o medo de atravessar a própria


vastidão do ser, sua sombra e sua luz, para adentrar numa dimensão mais elevada que
exige um modo de viver de acordo com os nossos valores mais elevados. É o medo do
encontro com o Self.

O medo do Self é o medo da própria grandeza, da dimensão espiritual do Ser. É o medo


de ser Deus e deixar Deus ser em nós.

“Para mim, eu estava com medo. Medo, medo. Medo de ser mãe, de deixar de ser livre, de
deixar de ser a (teórica) gostosona, medo da responsabilidade. Tive medo de liberar. Sabe quando a gente
trava o gozo? Travei. Veio a imagem do meu pai (tive culpa, Freud?). E também me veio a imagem de um
cocar vermelho. Tudo isso durante mais de duas horas. As contrações rarearam e eu não tinha coragem de
tocar na minha barriga. Veja só, resolvi pensar se eu queria ser mãe naquela hora. Fechava os olhos e a
Vilma (parteira) me chamava para a terra, eu estava na terra, mas em outra.”
(Trecho extraído do relato de parto de parto de Márcia Baltazar, mãe de Cauré, nascido de Parto Natural
Domiciliar)6

6
Fonte: http://www.maternidadeativa.com.br/relato24.html, acessado em 15/02/2012.

33
A T EMIDA D OR DO P ARTO

“Entre a dor e o nada, eu prefiro a dor.”


(Willian Faulkner)

Na época de nossas avós, as informações e impressões sobre medo e dor no parto eram
passadas oralmente, nas rodas de tias, primas e comadres. Sentadas à mesa da cozinha,
elas falavam sobre como vivenciaram e perceberam suas dores e seus medos.

Eram histórias restritas ao universo feminino. Se um homem aparecesse, elas se calavam


até que ele se retirasse. Só então retomavam seus discursos.

A entrada do homem nesse universo se deu por meio da medicina. Tomados de


curiosidade por esse evento tão grandioso, os médicos deitaram as mulheres na maca e
passaram a tratar o parto como enfermidade.

Os diversos procedimentos impostos pelas instituições hospitalares geram medos


diversos às gestantes que precedem o medo da realização. Procedimentos que vão
desde a tricotomia (raspagem dos pelos pubianos), lavagem intestinal, privação de
alimento e de movimentos, dentre tantos outros, impossibilita que a gestante conecte-se
com seu próprio corpo e com o seu Eu impedindo-a de mergulhar em si mesma e
vivenciar a experiência do parto da maneira que lhe é singular.

Segundo o Dr. Wilson Ribeiro, “As dores do parto desaparecem na medida em que a
mulher as eliminar de sua mente. Elas não são nada mais do que HI, heranças
informativas negativas, vindas de um condicionamento que leva o ser humano a este
permanente estado de sofrimento.” (Ribeiro, 1996)

Michel Odent, afirma que “a transmissão de crenças é uma maneira poderosa de o


processo do parto e, particularmente a fase de trabalho de parto (...)”. De tanto ouvir
histórias “terríveis” sobre parto, contadas por familiares ou mesmo difundidas pela mídia,
que ainda hoje não compreende bem o evento do nascimento, nós mulheres tememos o
parto. Tememos o nascimento. Tememos a vida. E agora estamos começando a levantar
o véu para ver o que há por trás do medo da dor do parto.

34
Em contrapartida, as histórias de sucesso de partos, como experiências místicas,
poderosas e prazerosas, deixam de ser transmitidas ao longo do tempo, não somente em
razão do modelo de assistência ao parto atualmente instaurado em nossa sociedade (um
modelo tecnocrata, industrial, voltado para o médico e não para a mulher), mas também
em razão de uma cultura derrotista onde, damos muito mais valor e atenção as
experiências negativas do cotidiano, ao invés de enaltecermos e nos orgulharmos de
nossas experiências de sucesso.

Entretanto, a emergência do movimento de humanização do parto vem, aos poucos,


transformando esta realidade. É prática comum dentre as mulheres que tiveram seus
filhos de partos normais ou naturais humanizados, escreveram e publicar suas
experiências na internet. São os chamados Relatos de Parto, onde estas mães (e
algumas vezes os também os pais) descrevem em detalhes a experiência do parto, como
experiências respeitosas e prazerosas, ressaltando o valor, o significado e os benefícios
obtidos através desta experiência para suas vidas.

É necessário trabalhar com as gestantes, as imagens internas que elas possuem acerca
da dor do parto. Somente através da ampliação da percepção destas mulheres com
relação a dor é que elas poderão reconhecer a dor do parto como uma dor integrativa.

Diferentemente daquela topada na quina da mesa, a dor integrativa é aquela que


aceitamos, da qual não fugimos. É a dor do atleta em busca do seu limite. É a dor da
bailarina com seus pés pressionados na sapatilha de ponta. É a dor que nos proporciona
evolução, que nos leva a conhecer melhor o nosso corpo e a nossa mente. Sentir as
dores do parto possibilita nos conhecermos profundamente.

“A dor tão desprestigiada nos tempos modernos permite que nos desliguemos do mundo pensante,
percamos o controle, esqueçamos a forma, o correto. A dor é nossa amiga, nos leva pela mão até um
mundo sutil, ali onde o bebê reside e se conecta conosco. Para entrar no túnel da ruptura, é indispensável
abandonar mentalmente o mundo concreto. Porque parir é passar de um estágio a outro. É um rompimento
espiritual. E, como todo rompimento, provoca dor. O parto não é uma enfermidade a ser curada. É uma
passagem para outra dimensão.” (Gutman, 2007)

35
P SICOLOGIA T RANSPESSOAL E PARTO N ATURAL

“Só com amor uma pessoa pode adentrar numa viagem ao desconhecido,
chegar a um limite imaginário entre a vida e a morte
e se atrever a se atirar.”
(Laura Gutman)

A Psicologia Transpessoal é a ciência que estuda o ser humano na sua totalidade e suas
relações com os diversos aspectos da vida. Transpõe a fronteira do EU para integrá-lo ao
COSMO, ao conceito de UNIDADE, DIVINO, SAGRADO.

A experiência espiritual e a experiência cósmica (ou transpessoal), são inerentes aos


seres humanos e, por este motivo, necessitam ser observadas e estudadas, sem qualquer
dissociação com demais aspectos que compõe a psique.

É objeto de estudo da Psicologia Transpessoal os diversos estados de consciência do


indivíduo, buscando integrá-los com a totalidade e fazendo emergir um Ser mais saudável
e pleno em todos os aspectos, sejam eles, físico, mental, social, cultural, emocional,
ambiental e também espiritual.

A Psicologia Transpessoal é a ciência da consciência, que estuda o indivíduo em sua


integralidade e em toda a sua potencialidade. Fortalece e enaltece o aspecto saudável
do Ser, em seu processo evolutivo, regido não só pela dimensão física, mas também
metafísica de uma Ordem Mental Superior.

A busca pela transcendência do Ser, ou seja, a metanecessidade de nos tornarmos


quem realmente somos e o quê realmente somos e, todo o processo experiencial e
evolutivo desta busca, é objeto de estudo da Psicologia Transpessoal, fazendo emergir
seres humanos mais saudáveis e melhores, reverberando assim, por conseguinte, em
um ambiente melhor, uma vida melhor, uma sociedade melhor e um universo melhor.

Psicologia Humanista, predecessora da Psicologia Transpessoal, surgiu como uma


reação ao determinismo e a forma mecanicista newtoniana de abordar as práticas
psicoterapêuticas, tendo como enfoque a humanização da psique, onde se leva em
conta o poder de escolha do indivíduo, sua liberdade, seu processo evolutivo.

36
Da mesma forma, o movimento de humanização do parto surge como uma forma de
valorizar este poder e escolha da gestante, sua liberdade e sua intimidade. É um
movimento pautado no valor do indivíduo (gestantes) e em suas experiências.

Porém, assim como a psicologia humanista não se aprofunda nas dimensões


espirituais do indivíduo, o movimento de humanização do parto também deixa a desejar
neste quesito. O movimento de humanização do parto surge fortemente em oposição
ao parto industrializado, em oposição à prática da medicina não baseada em
evidências e em oposição ao modelo de assistência atual, que é centrado nos hospitais
e nos médicos. Mas, mesmo dentro do movimento de humanização do parto, fala-se
muito pouco sobre os aspectos sutis e espirituais do nascimento. Fala-se muito pouco
sobre esta dimensão do divino e do sagrado no Universo da gestação, parto e
nascimento. Como diria Michel Odent, fala-se muito pouco sobre nossa capacidade de
amar.

A Psicologia Transpessoal, assim como a psicologia humanista, considera que existe


uma pulsão inata a todo o indivíduo para a autorrealização. Satisfeitas suas
necessidades primárias, que se situam nas faixas básicas da pirâmide desenvolvida
por Maslow, o indivíduo tende a buscar algo além, algo maior, aquilo por ele
denominado de metanecessidades.

Neste sentido, a busca das gestantes por um parto natural e humanizado, seria uma
busca não só pelo melhor modelo de assistência ao parto e nascimento, mas
principalmente, seria uma busca pela autorrealização, um caminho a percorrer para sua
individuação, um reencontro com o sagrado, com a Unidade, com a manifestação maior
da Criação e do Cosmo, um contato com o ato primordial de colocar uma vida no planeta.

Laura Gutman (2007) descreve o parto como uma experiência mística, como o evento
mais importante da vida sexual das mulheres e, sendo uma experiência sexual, as
mulheres têm o direito de vivê-la em sua própria intimidade respeitada sua história de
vida, suas necessidades e seus desejos pessoais.

“A intimidade, em termos gerais é uma canção do espírito, que convida duas pessoas a compartilharem seu
espírito. É uma canção que ninguém pode resistir. Acordados ou dormindo, em comunidade ou sozinhos,
ouvimos a canção. Não conseguimos ignorá-la”. (Somé, 2007)

37
Mais do que uma experiência sexual e íntima, o parto natural pode ser considerado como
uma experiência culminante. Abraham Maslow conceitua como experiências culminantes
uma generalização dos melhores momentos do ser humano, os mais felizes da vida, das
experiências de êxtase e de máximo gozo. (Saldanha, 2008)

As experiências culminantes, ou transpessoais, são experiências que ocorrem em


estados diferenciados de consciência, havendo distintos graus, onde as mais fortes e
intensas são relativamente raras.

“Geralmente elas (as experiências transpessoais) provém de profundas experiências estéticas, como o
êxtase criativo, momentos de amor maduro, experiências sexuais perfeitas, amor paternal e maternal,
experiências de parto natural, contato com a natureza, entre outras.” (Saldanha, 2008)

Em seus estudos, Maslow constatou que indivíduos com este tipo de vivência eram mais
produtivos, enfrentavam o desafio da vida cotidiana com esperança, entusiasmos e
realização. Vivenciar o aspecto do transcendente era importante e até mesmo central na
vida deles. Pensavam de modo mais holístico, transcendendo dualidades como certo e
errado, bem ou mal, passado e presente ou futuro e eram mais conscientes do sagrado e
de todas as coisas. (Saldanha, 2008)

Um dos novos ramos da psicologia, a abordagem transpessoal, nos mostra a existência


de um estado de consciência com o qual todo tipo de dualidade desaparece. A
experiência transpessoal é encontrada em todas as culturas, de todas as épocas, de
todas as civilizações. (Weil, Leloup, & Crema, Normose - A patologia da normalidade,
2003)

No universo do parto, o termo que vem sendo utilizado para designar este estado
diferenciado de consciência que a gestante atravessa durante o trabalho de parto é
“Laborland”, em português, “Partolândia”.

No original em inglês
“Laborland is a metaphysical place that midwives believes all (or almost of all) mothers enter "to uncover the
power to birth". It is located deep within each woman, though not all find it during labor because of inhibiting
effects of medications that pull pain and "fear of letting go of conscious mind". Midwives know that a mother

38
is in laborland when she acquires "a far off look", stop communicating during the contractions, and becomes
"primal" (read intuitive) in her birth song.” (Cheyney, 2011)

Na tradução livre da autora: A partolândia é um estado metafísico que as parteiras


acreditam que todas (ou quase todas) as mães entram “para descobrir o poder do
nascimento”. Este lugar está localizado no íntimo de cada mulher, embora nem todas o
encontrem durante o trabalho de parto, por causa dos efeitos inibidores das medicações
que eliminam a dor e por causa “do medo da mente consciente de deixar se levar”. As
parteiras sabem que uma mãe entrou na partolândia quando ela adquire um “olhar
distante”, para de se comunicar durante as contrações, e se torna “primitiva” (leia intuitiva)
em sua canção de nascimento.

É na “Partolândia”, ou durante este estado ampliado de consciência, que a gestante pode


vivenciar uma experiência transpessoal. Uma experiência que transforma a realidade
vivificando a pulsão para a transcendência do ego em direção ao Self.

“Esta pulsão é uma força que, quando não é impedida, expressa-se naturalmente, é saudável, benéfica
para o indivíduo e seu ambiente, é esclarecedora, promove o autoconhecimento em sua concepção mais
ampla.” (Saldanha, 2008)

Michel Odent em seu livro “O Camponês e a Parteira”, lembra que: “quando uma mulher
está parindo sozinha, sem nenhuma medicação, chega um momento em que ela tem uma
tendência óbvia de isolar-se do nosso mundo, como se ela estivesse entrando em outro
planeta”.

“Muitas mulheres, durante o trabalho de parto, passam por uma mudança de consciência capaz de apagar
os acontecimentos à volta, e isto é tanto mais fácil de ocorrer, quanto menos o meio esteja pautando
comportamentos para ela e é fundamental perceber que estas mulheres não estão desvalidas, mas
absolutamente capazes de encontrar as melhores e mais fisiológicas posições, e isto deliberadamente. O
estado alterado de consciência é, nesta ocasião, uma plena consciência de corpo e alma, um modo real de
sabedoria natural que lhes permite saber segurar seus bebês, do mesmo modo que os bebês sabem buscar
o mamilo da mãe.” (ODENT apud LUZES, 2007)

Nesta mesma linha de raciocínio, Maslow constata que as pessoas que vivenciam
experiências culminantes (ou experiências transpessoais) se beneficiam delas com mais
frequência e possuem uma clara tendência para a autorrealização. Dessa forma, ele

39
classifica tais experiências como experiências supernormais ao invés de subnormais ou
anormais.

Podemos dizer que, ao atravessar a “Partolândia”, tendo apoio, incentivo e respeito a este
momento, a mulher pode vivenciar a dimensão mais saudável de si mesma, uma
experiência transcendente que a conduz para um caminho de grandes transformações,
tornando-a uma pessoa mais integrada, mais saudável, mais espontânea, mais
perceptiva, mais em união com o todo; não só pelo evento do nascimento de seu filho e
pelo exercício da maternidade que irá se desdobrar futuramente, mas por ter vivenciado
todas as emoções, sensações, intuições e percepções que emergiram antes, durante e
logo após o trabalho de parto.

Neste sentido, é de extrema importância que os profissionais e pessoas envolvidas no


Universo da gestação, parto e maternidade, sejam capazes de ir além do apoio e
incentivo ao Parto Humanizado. Assim como a Psicologia Transpessoal nasceu como
uma nova força, incluindo e transcendendo a Psicologia Humanista, assim deveria
acontecer com a visão e o modelo de assistência humanizada ao parto.

Talvez seja tempo de nos permitirmos abraçar esta dimensão superior, resgatando o
caráter sagrado da vida e do nascimento, que nada tem a ver com religião, mas sim com
um olhar mais amplo, que busca estimular e promover nas gestantes uma experiência de
Parto Transpessoal.

40
U MA B REVE P ESQUISA SOBRE P ARTO E T RANSPESSOALIDADE

“A Vivência da Realidade é função do Estado de Consciência que nos encontramos”.


(Pierre Weil)

Com base nas reflexões apresentadas acerca do parto como uma experiência
transpessoal, a autora do presente trabalho elaborou uma pesquisa quantitativa, para
avaliar se realmente e de que forma, a experiência do parto pode ser considerada uma
experiência transpessoal em razão da presença de algumas características na percepção
desta realidade e se, em função do tipo e local de parto, haveria alguma diferenciação na
vivência desta experiência.

O questionário da pesquisa foi construído com base nas principais descrições da


realidade, vivenciadas em estados transpessoais de consciência, que estão apresentadas
no livro “A arte de viver a vida” de Pierre Weil (2011).

A pesquisa foi divulgada na internet e recebeu, pelo período de 28/02/2012 a 08/03/2012,


128 (cento e vinte e oito) respostas espontâneas de mulheres que passaram pela
experiência do parto.

No questionário, além das informações relacionadas à idade atual, idade no parto, tipo e
local de parto, as respondentes eram convidadas a relembrar seus partos e, numa escala
de um a cinco, classificar as afirmações apresentadas, de acordo com a vivência ou não
durante o parto.

Se a entrevistada discordasse totalmente em ter vivenciado determinada experiência,


deveria classificar a afirmação com a nota um e, se concordasse plenamente em ter
vivenciado determinada experiência, deveria classificá-la com nota cinco.

As afirmações que descreviam as possíveis realidades vivenciadas pelas gestantes


durante o parto foram:

I. Não dualidade – caracterizada pela sensação de totalidade “eu era o todo,


estava dentro do todo e tinha o todo dentro de mim”.

41
II. Luz Noumenal – caracterizada pela percepção / visão de uma luz infinita,
eterna, onipotente, onipresente e onisciente.
III. Inexistência do Tempo – caracterizada pela sensação de desaparecimento
do tempo passado, presente e futuro durante o parto.
IV. Inefabilidade – caracterizada pela ausência de palavras significativas para
descrever o momento do parto.
V. Caráter Noético – caracterizada pela percepção de que a experiência do
parto pode ser considerada muito mais real do que qualquer outro evento do
cotidiano.
VI. Aquisição de Conhecimentos – caracterizada pela sensação de aquisição
rápida de novos conhecimentos essenciais à compreensão da realidade.
VII. Contato com Seres de Outra Dimensão – caracterizada pela experiência de
contatar ou ser contatada por seres de outra dimensão tais como anjos,
animais de poder, guias espirituais e etc.
VIII. Caráter Sagrado e Divino – caracterizada pela classificação da experiência
como algo sagrado e divino
IX. Estado de Graça e Êxtase – caracterizada pelo sentimento de êxtase e
gratidão.
X. Amor e Compaixão Infinitos – caracterizada por uma vontade, após o parto,
de querer ajudar a humanidade a sair da ignorância e aliviar o sofrimento de
todos os seres.
XI. Caráter Transformante – caracterizada por uma transformação, após o
parto, dos valores: abandono e desapego dos valores materiais e cultivo
maior dos valores espirituais.
XII. Perda do Medo da Morte – caracterizada pela perda do medo de morrer.

42
Q UESTIONÁRIO APLICADO

A seguir apresentamos o questionário aplicado na pesquisa sobre transpessoalidade e


experiência do parto, publicado na internet.

Pesquisa sobre a Transpessoalidade e a Experiência do Parto

O presente questionário é parte integrante de Monografia para conclusão do curso de Pós


Graduação em Psicologia Transpessoal realizado pela ALUBRAT (Associação Luso-
Brasileira de Transpessoal) sob a coordenação da Dra. Profa. Vera Saldanha e orientação
do Professor Manoel Simão.

Qual sua idade atual?

a. Abaixo de 25 anos
b. De 25 a 29 anos
c. De 30 a 34 anos
d. De 35 a 39 anos
e. Acima de 40 anos

Qual tipo de parto você teve? (Caso você tenha mais de um filho considere sua ultima
experiência de parto)
a. Cesariana
b. Parto Normal (com alguma intervenção e/ou anestesia)
c. Parto Natural (sem intervenção e sem anestesia)

Quantos anos você tinha quando teve seu último parto?


a. Abaixo de 25 anos
b. De 25 a 29 anos
c. De 30 a 34 anos
d. De 35 a 39 anos
e. Acima de 40 anos

Aonde ocorreu o seu parto?


a. No hospital
b. Em casa

43
c. Outros

Relembrando o seu Parto, numa escala de 1 a 5 classifique as afirmações abaixo, de


acordo com as experiências (sensações, emoções e percepções) vivenciadas durante
todo o período do seu trabalho de parto.

Sensação de totalidade - "eu era o todo, estava dentro do todo e tinha o todo dentro de
mim”.

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

Percepção / visão de uma luz (infinita, eterna, onipotente, onisciente, onipresente).

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

Inexistência de tempo - desaparecimento do tempo passado, presente e futuro.

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

Ausência de palavras significativas para descrever a experiência do parto.

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

A experiência do parto pode ser considerada como sendo muito mais real do que
qualquer outro evento do cotidiano.

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

44
Sensação / percepção de aquisição rápida de novos conhecimentos essenciais à
compreensão da realidade.

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

Contato com seres de outra dimensão (anjos, animais de poder, mestres espirituais, etc).

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

Caráter sagrado e divino.

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

Estado de graça, êxtase e gratidão.

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

Após o parto: Vontade de querer ajudar a humanidade a sair da ignorância e aliviar o


sofrimento de todos os seres.

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

Após o parto: transformação de valores - abandono e desapego aos valores materiais e


cultivo maior dos valores espirituais.

1 2 3 4 5

45
Discordo Totalmente Concordo Plenamente

Perda do Medo da Morte.

1 2 3 4 5

Discordo Totalmente Concordo Plenamente

46
TABULAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA

Dados da Amostra:

Figura 1 – Idade Atual da Respondente

Figura 2 – Idade no Parto

47
Figura 3 – Tipo de Parto

Figura 4 – Local do Parto (Somente Parto Natural)

Figura 5 – Tipo e Local de Parto

48
Principais Achados:

Ao calcularmos a média das notas atribuídas para cada uma das afirmações
apresentadas verificamos que, à exceção das afirmações relacionadas com “contato com
seres de outra dimensão”, “luz noumenal” e “perda do medo da morte”, todas as demais
afirmações tiveram uma nota acima de 3,5 pontos, o que caracteriza a concordância das
entrevistadas com as afirmações apresentadas.

Figura 6 – Média Geral das Notas Atribuídas a Cada Afirmação

Estado de
Amor e Caráter Contato Novos Perda do
Caráter Caráter graça, Inexistência Luz Não
Compaixão sagrado e Seres Outra Inefabilidade Conhecimentos Medo da
Noético Transformante êxtase e do Tempo Noumenal Dualidade
Infinitos divino Dimensão Imediatos Morte
gratidão
3,81 4,36 4,02 4,12 2,11 4,41 4,28 4,07 2,88 3,76 4,09 2,41

Para obtermos o índice real de concordância com as afirmações que caracterizam a


experiência do parto como uma experiência transpessoal, aplicou-se o cálculo do NPS
(Net Promoter Score), onde a soma do total de respostas concordantes (notas 4 e 5)
menos a soma do total de respostas discordantes (notas 1 e 2) de cada afirmação,
dividido pelo total de respostas obtidas, gera a taxa de concordância promovida.

Dessa forma, obtivemos:

49
Figura 7 – Taxa de Concordância com as Afirmações

Amor e Caráter Contato Estado de Novos Perda do


Caráter Caráter Inexistência Luz Não
Compaixão sagrado e Seres Outra graça, êxtase Inefabilidade Conhecimentos Medo da
Noético Transformante do Tempo Noumenal Dualidade
Infinitos divino Dimensão e gratidão Imediatos Morte
42% 71% 56% 64% -47% 75% 66% 60% -3% 45% 62% -32%

Com base no cálculo do NPS, podemos constatar que, na média geral, a taxa de
concordância de que a experiência do parto promove um estado de graça, êxtase e
gratidão, foi de 75%; a taxa de concordância das entrevistadas de que a experiência do
parto não pode ser traduzida em palavras (caráter inefável) foi de 66%; que a taxa de
concordância de que a experiência do parto tem caráter transformante foi de 66% e assim
sucessivamente, conforme mostram o gráfico e a tabela acima.

No caso das experiências caracterizadas por “contato com seres de outras dimensões,
sensação”, “percepção de luz noumenal” e “perda do medo da morte” a taxa de
concordância são negativas (-47%, -3% e -32%) respectivamente. Dessa forma, podemos
dizer que estas três características, encontradas em outras experiências de caráter
transpessoal, não são comuns nas experiências de parto. Entretanto, como poderemos
observar mais adiante, a taxa de concordância com as afirmações de “sensação e
percepção da luz noumenal” e de “perda do medo da morte”, irá variar consideravelmente
em razão do tipo e local de parto.

50
Observando a taxa de concordância das afirmações, por tipo de parto, podemos constatar
que as mulheres que tiveram Parto Natural, são as que mais concordam com as
afirmações que descrevem a vivência do parto como uma experiência de caráter
transpessoal.

Figura 8 – Taxa de Concordância por Tipo de Parto

Estado de
Amor e Caráter Contato Novos Perda do
Caráter Caráter graça, Inexistência Luz Não Tipo de
Compaixão sagrado e Seres Outra Inefabilidade Conhecimentos Medo da
Noético Transformante êxtase e do Tempo Noumenal Dualidade Parto
Infinitos divino Dimensão Imediatos Morte
gratidão
37,2% 76,7% 55,8% 65,1% -41,9% 69,8% 62,8% 44,2% -7,0% 25,6% 53,5% -37,2% Cesariana
Parto
55,8% 76,9% 61,5% 71,2% -50,0% 80,8% 76,9% 76,9% -3,8% 65,4% 71,2% -30,8%
Natural
Parto
27,3% 54,5% 48,5% 51,5% -48,5% 72,7% 51,5% 54,5% 3,0% 36,4% 57,6% -27,3%
Normal

Observando o gráfico acima, podemos notar um descolamento significativo da linha que


representa o Parto Natural, das demais linhas que representam os outros dois tipos de
parto, com destaque para as seguintes sensações e percepções que as mulheres que
tiveram Parto Natural concordaram em ter vivenciado:

 Não Dualidade – taxa de concordância de 65,4%, representando 20,9 pontos


acima da média geral.

“De que importa o mundo lá fora para a mulher que está parindo, se todo o mundo é sentido como
estando dentro dela? Sinto que tudo o que há de valor no universo estava dentro de mim naquele
momento: minha filha estava se esforçando, trabalhando para nascer, ali, junto a mim. Por isso me

51
brotou na cabeça a frase: É preciso enlouquecer para parir.” (Trecho extraído do Relato de Parto de
Sabine, mãe de Lavínia nascida de Parto Natural Hospitalar)7

 Inexistência do Tempo – taxa de concordância de 76,9%, representando 16,8


pontos acima da média geral.

“De repente meu marido apareceu na sala. Mais tarde (não consigo precisar o tempo, pra mim tudo
se passava numa dimensão em que os minutos marcados pelo relógio não têm vez) chegaram a
Dra. Andrea e a Dra. M.” (Trecho Extraído do Relato de Parto de Fabíola Glenia Paschoal, mãe de
8
Glenda, nascida de Parto Natural Hospitalar)

 Amor e Compaixão Infinitos – taxa de concordância de 55,8%, representando 13,6


pontos acima da média geral.

“Ter um filho do jeito que a natureza previu é fazer parte de algo maior. É finalmente estar
conectada com uma sensação de perfeição que eu nunca antes senti e, suspeito que não existam
oportunidades como essa na vida. Não é vontade minha militar pela causa, mas o pós VBAC me
trouxe um aprendizado: tendo experimentado a melhor das sensações beira o impossível não
desejar que outros a experimentem também.” (Trecho extraído do Relato de Parto de Anne Rammi,
mãe de Tomaz, nascido de Parto Normal Hospitalar)9

 Inefabilidade – taxa de concordância de 76,9%, representando 11,3 pontos acima


da média geral.

“Hoje, racionalizando sobre o irracionalizável, percebo que enquanto eu vivi o expulsivo meu corpo
e minha mente estavam finalmente juntos, tão juntos que se tornaram uma coisa só, e isto foi só
durante o expulsivo.(...) Depois de tentar me expressar com este monte de palavras, percebo que
não existem palavras para descrever o que é parir”. (Trecho extraído do Relato de Parto de Marina
10
Ferreira, que teve seu bebê de Parto Natural)

Vale destacarmos também uma variação significativa na taxa de concordância com a


afirmação que caracteriza a sensação / percepção de uma luz infinita, onipotente,
onipresente e onisciente. Enquanto que, na média geral, a taxa de concordância é
negativa em três pontos, para as mulheres que tiveram Parto Normal, a taxa de
concordância é de três pontos positivos com esta afirmação. Ou seja, seis pontos a mais
7
Fonte: http://casamoara.com.br/e-preciso-enlouquecer-para-parir/#more-1346 acessado em 15/02/2012
8
Fonte: http://www.maternidadeativa.com.br/relato13.html, acessado em 15/03/2012
9
Fonte: http://www.mamiferas.com/blog/2012/02/o-caminho-ate-o-mais-lindo.html#.T0u6QXitorY.facebook, acessado em 15/03/2012
10
Fonte: http://opartoeseu.blogspot.com/2011/03/importancia-do-parto-natural.html, acessado em 15/03/2012

52
que a média geral. Com base nisso, podemos afirmar que as mulheres que tiveram parto
normal são as que mais vivenciaram a experiência de contato com uma luz noumenal.

Quanto à análise comparativa entre o local de parto, é importante deixar claro que a
análise só pode ser feita entre as mulheres que tiveram Parto Natural, uma vez que, os
outros dois tipos de parto (Normal e Cesariana), necessariamente transcorreram em uma
instituição hospitalar.

Feita a ressalva, observemos a análise comparativa de concordância com as afirmações


propostas, entre as mulheres que tiveram partos naturais domiciliares versus as que
tiveram partos naturais hospitalares:

Figura 9 – Taxa de Concordância por Local de Parto (Somente Parto Natural)

Amor e Caráter Contato Estado de Novos Perda do


Caráter Caráter Seres graça, Inexistência Luz Não
Local Compaixão sagrado e Inefabilidade Conhecimentos Medo da
Noético Transformante Outra êxtase e do Tempo Noumenal Dualidade
Infinitos divino Imediatos Morte
Dimensão gratidão
Em casa 62,5% 70,8% 70,8% 75,0% -50,0% 83,3% 83,3% 79,2% -12,5% 70,8% 62,5% -20,8%
No
50,0% 82,1% 53,6% 67,9% -50,0% 78,6% 71,4% 75,0% 3,6% 60,7% 78,6% -39,3%
Hospital

Na comparação das experiências vivenciadas por mulheres que tiveram parto natural em
casa e no hospital, podemos observar que a vivência da experiência e percepção da
realidade possui algumas diferenciações.

53
À exceção das afirmações que caracterizam o caráter noético, a percepção de luz
noumenal e a aquisição rápida de novos conhecimentos, todas as demais afirmações
tiveram maior índice de concordância entre as que tiveram parto natural domiciliar.

Destaca-se, dentre as que tiveram partos em casa, a concordância das parturientes em


terem vivenciado as seguintes experiências:

 Não dualidade: 26 pontos acima da média geral e 10 pontos a mais do que as que
tiveram parto natural no hospital,

 Amor e compaixão infinitos: 20 pontos acima da média geral e 12,5 pontos a mais
do que parto natural no hospital,

 Caráter sagrado e divino: 15 pontos acima da média geral e 17,3 pontos a mais do
que as que tiveram parto natural no hospital,

 Perda do medo da morte: apesar de ser uma das afirmações que obteve o maior
grau de discordância, quando observamos esta afirmação sob o ponto de vista do
tipo e local de parto, constatamos que o parto natural domiciliar é o que mais
promoveu a perda do medo da morte ficando 11 pontos acima da média geral; 6,5
pontos a mais do que as que tiveram parto normal; 16,4 pontos a mais do que as
que tiveram cesarianas e 18,5 pontos a mais do que as que tiveram parto natural
hospitalar.

Com base nos dados obtidos, podemos dizer que as mulheres que tiveram seus filhos por
Parto Natural Domiciliar são aquelas que mais concordaram em ter vivenciado uma
experiência transpessoal durante os seus partos.

Em contrapartida, as mulheres que tiveram seus filhos através de Parto Normal são as
que menos concordaram em ter vivenciado experiências deste tipo.

A autora do presente trabalho acredita que, ao relacionar os resultados da presente


pesquisa com o que exposto acima em relação ao modelo atual de assistência ao parto, a
normose da cesárea, a dessacralização do nascimento, o complexo de Jonas durante a

54
gestação e o movimento de humanização do parto, há uma relação bastante evidente
entre o nível de consciência da gestante com relação a si mesma e a sua “competência”
em dar à luz.

Importante ressaltar que no contexto do presente trabalho, o conceito de competência a


que estamos nos referindo, trata-se do conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes
da gestante que a possibilitou vivenciar uma experiência de caráter transpessoal.

Deixando de lado qualquer empecilho de aspecto médico e fisiológico, chagamos a uma


possível classificação do nível de apreensão da experiência transpessoal, em função do
tipo de parto que elas tiveram.

As mulheres que teve seus filhos de Parto Natural estariam num nível de apreensão da
realidade transpessoal que denominado consciente-competente. Ou seja, elas estiveram
conscientes de suas capacidades e limitações, sejam elas físicas, intelectuais, ou
emocionais, relacionadas ao dar à luz e foram assertivas (competentes) em sua
realização e na apreensão desta experiência.

Com relação àquelas que tiveram seus filhos de cesariana, podemos classificá-las num
nível de apreensão da realidade que categorizado como inconsciente-competente. Ou
seja, pouca consciência de suas capacidades e limitações, muitas vezes tomadas pelos
seus complexos e pelo estado normótico, porém, este desconhecimento de suas
potencialidades permite que elas, durante a cirurgia, vivenciem conteúdos transpessoais
de sua consciência.

Por fim, ao que sugere o resultado do presente estudo, aquelas mulheres que tiveram
seus filhos de Parto Normal (via vaginal, porém, com alguma intervenção e/ou anestesia)
podem ser classificadas num nível de apreensão da realidade inconsciente-incompetente
ou consciente-incompetente. Ou seja, independentemente do grau de consciência com
relação às suas capacidades e limitações, o conjunto de conhecimento, habilidades e
atitudes pessoais não foi suficiente para que tivessem uma experiência transpessoal
durante o parto.

“Chamaram o anestesista e fui caminhando pra sala de parto. Ele se apresentou, me explicou o
procedimento e nessa hora eu só queria que a dor fosse embora. Tive raiva, principalmente de mim. Pensei

55
que tudo estava acabado, eu entreguei meu parto nas mãos dos médicos. Entre uma contração e outra
senti a picada nas costas e foi feito o duplo bloqueio com a anestesia combinada raquidiana mais peridural.
A raquidiana age na hora e a peridural mantém um cateter para administração de outras doses se
necessárias. O anestesista me explicava e era gentil, eu só com raiva por ter cedido.
Depois disso, parte do meu trabalho de parto foi roubada. Eu saí da partolândia, onde tudo era intenso, tudo
acontecia, onde meu corpo trabalhava e fui para um estado onde não sentia mais nada. Não tinha mais dor,
não tinha mais contração, minhas pernas estavam dormentes. Tudo acabou. Eu estava sedada e sentia um
conforto que minha intuição dizia não ajudar em nada.”
11
(Trecho do Relato de Parto de Marina, mãe da Renata, nascida de Parto Normal Hospitalar)

Podemos afirmar que as intervenções como, uso de ocitocina sintética, episiotomia, uso
de anestesia e etc., no início do trabalho de parto, podem subtrair da mulher a capacidade
de viver a experiência do parto como uma experiência transpessoal, já que a cada
intervenção ela é “chamada” ao domínio da mente consciente e, se ela não conseguiu
adentrar num estado diferenciado de consciência, a cada intervenção esse acesso tornar-
se-á mais prejudicado.

“A peridural tem efeito sobre todos os hormônios do parto. Inibe a produção de β-endorfina e ao inibir este
hormônio, também bloqueia a vivência de mudança de consciência que ele promove. Quando a anestesia é
feita no pico de oxitocina, esta também é inibida, pois os receptores para ela foram também anestesiados e
este efeito persiste, mesmo quando as sensações tenham retornado, pois os nervos do sistema
proprioseptivo são mais lentos, além de serem eles os envolvidos com os receptores de oxitocina. A mulher
em trabalho de parto com peridural perde a concentração sobre suas poderosas contrações finais que são
fruto da noradrenalina e da oxitocina, do cortisol e do ACTH.” (Luzes, 2007)

Concluindo a análise dos resultados desta breve pesquisa sobre parto e


transpessoalidade, seria possível dizer, portanto, que as mulheres que têm seus filhos de
parto natural humanizado e domiciliar são aquelas que experimentam mais vivamente a
dimensão mais saudável de si mesmas, são aquelas que mais vivenciam a experiência do
parto como experiências transpessoais.

De alguma forma estas mulheres sabem que, parir desta maneira (naturalmente em casa)
é uma forma possível de expressar-se no mundo, é uma maneira saudável de trazer seu
filho ao planeta, é uma maneira segura de dar À luz, tanto é que, no período de 2005 a
2010, enquanto que o número de nascimentos diminuiu 1,4% na cidade de São Paulo, o
número de partos domiciliares cresceu 29,5% no mesmo período segundo a Secretaria

11
Fonte: http://aimpostora.blogspot.com/2012/02/enfim-meu-relato-de-parto.html, acessado em 13/03/2012.

56
Municipal da Saúde. A maioria são mulheres de classe média alta que contratam uma
equipe humanizada para assisti-las em seus partos.12

Muitos médicos obstetras, assim como o Dr. Donald Winnicott, acreditam e apoiam o
parto natural domiciliar. Em seu livro “Os bebês e suas Mães”, o doutor Winnicott afirma:
“Pessoalmente, acho que devemos apoiar totalmente as mães que queiram dar à luz em
suas casas, e seria um fato lamentável se, na tentativa de propiciar os cuidados físicos
ideais chegasse uma época em que o parto em casa se tornasse inviável.” (Winnicott,
1987)

“(...) nenhuma mulher que teve filho em parto domiciliar resolveu, depois, ter um filho em uma instituição. As
experiências têm mais força e colorido e, em geral, mudam a família, a qual, na verdade, desempenha um
papel de pressão contrária ao parto domiciliar, cria que é de uma cultura fortemente dirigida pelo medo,
onde é mais comum que as pessoas se deixem guiar por ele do que pela consciência. E justo quando o
medo é o balizador das decisões, estas mulheres tendem a não se sair muito bem, pois se deixam
convencer para ir ao hospital, ressaltando experiências piores do que as que imaginam naquele lugar. Isto
ocorre porque, sendo elas mal informadas, acabam por acatar os procedimentos que já deveriam ter caído
por orientação da OMS ou da medicina baseada em evidência, afinal, hoje há muitos sites de orientação. A
mulher mais bem informada tende a perceber de outra forma os procedimentos considerados indevidos,
como agressão ou humilhação. Em outra mulher que nada sabe e que não espera nada diferente, o mesmo
processo acarretará outra vivência.” (Luzes, 2007)

12
Fonte: Jornal Agora de 22/05/2011

57
ABORDAGEM INTEGRATIVA T RANSPESSOAL APLICADA À P REPARAÇÃO PARA O
P ARTO N ATURAL

“Não temas. Não temas esta nova dimensão que se abre em ti e que vai se encarnar em ti. Tu conceberás
um filho. O que vais gerar vem do alto. Não tenhas medo. Não tenhas medo da presença do desconhecido,
que desce não somente em tua consciência, não somente em teu coração, mas também em teu corpo.”
(Anunciação de Maria por Jean-Yves Leloup)

A ABORDAGEM INTEGRATIVA TRANSPESSOAL

A abordagem integrativa transpessoal possui dois aspectos básicos: o estrutural e o


dinâmico. O primeiro é composto por cinco elementos: Conceito de Unidade, Conceito de
Vida, Conceito de Ego, Estados de Consciência e Cartografia da Consciência. O segundo
é composto por dois eixos: o experiencial e o evolutivo.

Primeiramente, é preciso esclarecer que os elementos do aspecto estrutural da


transpessoal não obedecem a uma estrutura hierárquica. Ou seja, nenhum dos aspectos
é mais importante do que o outro, ou é pré-requisito para o outro.

Para a Transpessoal, o Conceito de Unidade é o ápice da dimensão superior da


consciência. Necessário ao nosso desenvolvimento mais pleno, o Ser Transpessoal. A
Unidade é a meta do Ser, seu despertar. É o pressuposto básico da transpessoal, de
onde parte e para onde convergem todos os recursos desta abordagem.

Podemos dizer que no estado de Unidade experienciamos o que algumas pessoas


denominam de “paz de espírito”, onde a vivência da realidade é experimentada de forma
mais serena, com pouca carga emocional, o cognitivo atua como um observador da
realidade e existe a sensação de confiança, certeza e comunhão com o Eu e com o
Universo.

Reflete um estado de integração completa, de plenitude e paz. O conceito de Unidade é o


Conceito do Absoluto.

58
O Conceito de Vida na transpessoal se caracteriza basicamente pelo aspecto da
atemporalidade. Neste conceito, tudo é vida, energia, forma de existência e passa pelo
processo contínuo de nascimento, morte e renascimento.

Na transpessoal, o conceito de vida integra, acolhe e aceita todo e qualquer conteúdo.


Neste sentido, tudo o que é trazido pelo indivíduo deve ser tratado sem preconceitos ou
interpretações.

Vida, morte e renascimento são processos contínuos da existência, da criação, e por isso,
transcendem o aspecto biológico. Dessa forma, tudo o que “nasce”, “emerge”, “existe”,
seja um pensamento, uma emoção, um momento, uma crença, uma sensação, um
conceito, passa por este processo, além dele, através dele, e isso é Vida na
Transpessoal.

Na transpessoal o Ego é uma criação da mente humana, uma ilusão, que impõe uma
barreira e separa o Eu e o Outro. Porém, é essencial para a vida cotidiana, pois é
responsável pelo princípio da realidade.

No entanto, para vivenciarmos o Conceito de Unidade, não basta termos uma percepção
de nosso ego, precisamos “identificá-lo” e “isolá-lo”. Essa ilusão mental precisa estar “a
serviço” do Ser, para que possa ser utilizada de forma consciente em sua busca pela
transcendência, através da integração consciente das polaridades inerentes ao Ego.

Quando ocorre esta integração de polaridades, ocorre uma espécie de “morte do ego” e,
nesse momento, ocorre uma expansão/alteração do estado de consciência. É como se o
Ser, ocupasse todo o espaço deixado pelo Ego, sem que este último deixe de existir.

Quando passa por este “isolamento”, o próprio ego sofre um processo de renascimento
para uma nova percepção da realidade. A “morte do ego”, ou “integração das
polaridades”, e seu “renascimento”, pode se dar através do acesso aos diferentes estados
ou níveis de consciência.

59
Os estados, ou níveis de consciência simbolizam o caminhar das diferentes dimensões da
consciência. Percorrer este caminho norteia o processo, amplia e favorece a percepção
dos diferentes níveis de realidade.

A consciência é expressão e reflexo da inteligência cósmica que sustenta todo o Universo


e a existência. Neste sentido, somos ilimitados de consciência. Transcendendo tempo,
espaço, matéria e causalidade linear. Os estados não ordinários de consciência são
manifestações da psique humana.

O estado de consciência é como um sistema (uma rede), constituído por subsistemas e


subestruturas onde certa quantidade de energia, sob a forma de atenção (foco dado pelo
indivíduo) mantém determinado estado, ou provoca a ruptura desse sistema, levando o
indivíduo a outro sistema (nível de consciência).

O estado ampliado, diferenciado ou expandido da consciência é uma ampliação


qualitativa no padrão comum da mente. Onde o experienciador constata que sua
consciência está completamente diferente do estado anterior.

A percepção e a vivência da realidade ocorre em função do estado de consciência do


indivíduo. Existem inúmeros estados de consciência diferentes, e como vimos
anteriormente, durante o trabalho de parto as mulheres podem acessar um destes
estados.

A cartografia da consciência indica e nomeia a experiência vivenciada em relação aos


passos, dados e informações reveladas pelo inconsciente. De maneira geral a
consciência possui três níveis de conteúdo: autobiográfico – do nascimento à vida atual;
vivência intrauterina - da fecundação ao nascimento; vivência anterior ao intrauterino –
além da existência biológica. A cartografia da consciência é o mapeamento do espaço
interior.

É importante dizer que nem todos os estados alterados (ou diferenciados) de consciência
são transpessoais, embora todas as experiências transpessoais ocorram em estados
diferenciados de consciência.

60
Os dois eixos que constituem o aspecto dinâmico da transpessoal são o eixo experiencial
e o eixo evolutivo. Eles expressam os elementos do corpo teórico e as funções da psique,
de forma dinâmica e com inter-relações de distintos níveis e graus. O eixo experiencial é
representado pelo eixo x (horizontal) e o evolutivo pelo eixo y (vertical).

Os elementos e funções psíquicas da Abordagem Integrativa Transpessoal têm sua


origem no modelo junguiano de tipologia. O tipo psicológico do indivíduo determina sua
maneira de se relacionar com o mundo interior e exterior.

As funções psíquicas são as ferramentas com as quais a consciência se orienta para a


experiência. O pensamento “localiza” a consciência na experiência do “o que é”, o
sentimento determina o “seu valor” (da experiência), a sensação estabelece “o que está
presente” na experiência e a intuição “aponta as possibilidades”.

A Razão (R) representa as funções do pensamento e do sentimento, são funções de


“juízo de valor”. Ela existe para que o indivíduo possa compreender e organizar o universo
(interior e exterior).

A Emoção (E) é essencial ao desenvolvimento do indivíduo, uma vez que é através dela
que agimos. A palavra emoção vem do latim emovere = e/ex, "fora”, “para fora" + movere,
"movimento, ação", "comoção" e "gesto". Diferente do sentimento, que determina o valor
da experiência, a emoção simplesmente é, acontece e reflete no corpo físico. Na
Abordagem Integrativa Transpessoal é fundamental observarmos tanto as emoções
negativas quanto as emoções positivas do indivíduo ressaltando esta última, a fim de que
ele possa identificar-se com os aspectos mais saudáveis do Ser.

A Intuição (I) é o conhecimento que emerge dos diferentes níveis do inconsciente. É a


função cognitiva clara, direta e espontânea da verdade, que surge sem auxílio do
raciocínio, ou seja, é trans - racional. Há diferentes tipos de intuição, como por exemplo,
as relacionadas aos estímulos do ambiente e níveis de personalidade, e também as
intuições de ideias, estéticas, religiosas, místicas, científicas, relacionadas ao nível
transpessoal.

61
A Sensação (S) é a função dos órgãos sensoriais, onde o indivíduo apreende a realidade
por meio dos sentidos. Há dois tipos de sensação, a concreta, baseada em idéias,
sentimentos e pensamentos e a abstrata, que reconhece e “destaca” imediatamente os
atributos da realidade.

Na Abordagem Integrativa Transpessoal observa-se o desenvolvimento e a integração de


todas as funções psíquicas do indivíduo e sua apropriação destes elementos.

Todas elas são igualmente importantes para o desenvolvimento do Ser e sua evolução.
Quando o indivíduo bloqueia ou se identifica fortemente com alguma destas funções, ele
se fragmenta, pois limita a sua vivência da realidade, excluindo os aspectos daquela
função que está bloqueando ou limitando-se apenas ao aspecto com o qual está
identificado.

62
A PREPARAÇÃO PARA O PARTO BASEADA NA ABORDAGEM INTEGRATIVA T RANSPESSOAL

Como diz Laura Gutman, “O fato é – conscientemente ou não, acordadas ou


adormecidas, bem acompanhadas ou sozinhas – o nascimento acontece”.

Entretanto, com que qualidade este nascimento acontecerá? Ao tentar responder a esta
pergunta, não podemos nos restringir apenas ao nascimento do bebê, devemos ampliar a
nossa questão para o nascimento desta mãe. De que forma ela irá nascer? Qual o seu
nível de consciência com relação aos seus processos internos e externos? Quão
saudável esta mulher está física, mental, emocional e espiritualmente para cuidar de si
mesma e de um novo ser humano?

Trazer a Abordagem Integrativa Transpessoal para a preparação de gestantes para o


parto natural humanizado vai além de levar a estas mulheres o preparo intelectual e
informativo acerca da fisiologia do parto, dos seus direitos como mulher e mãe, dos
abusos do modelo atual de assistência ao parto.

O objetivo maior de utilizarmos a abordagem integrativa transpessoal nos cursos de


preparação de gestantes para o parto está em fomentar de maneira integral a
manifestação do REIS (razão, emoção, intuição e sensação) através do estímulo dos
diversos estados de consciência, promover o reconhecimento e a identificação dos medos
mais ocultos, incentivar e oportunizar suas pulsões para a transcendência e, finalmente,
elevar o autoconhecimento e a autoconfiança destas mulheres permitindo-as integrar em
seu propósito de parir as dimensões mais saudáveis de si mesmas.

Muito além de uma experiência de parto natural humanizado, queremos promover uma
experiência transpessoal de parto. Mas, para isso é necessário que os níveis de
autoconhecimento, autoconfiança e de aprendizado destas mulheres se elevem. É
necessário que elas descubram como acessar dimensões mais elevadas de suas
consciências, é necessário que elas se desidentifiquem de suas mentes racionais, é
necessário que elas se tornem mais conscientes e mais competentes em sua capacidade
de viver, criar, gestar, parir e maternar.

63
Muitos são os medos que tomam conta da mente consciente e inconsciente de uma
gestante, ou melhor, de todos nós. Isso se deve basicamente à ausência de
autoconhecimento do próprio corpo físico e de nossos processos emocionais, psíquicos e
espirituais.

“Uma completa explicação do processo do parto e nascimento deveria ser dada à mãe pela pessoa em
quem ela depositou sua confiança, e a eliminação de informações assustadoras e incorretas que
eventualmente se interponham em seu caminho requer um longo tempo. A mulher saudável é a que mais
necessita disso e a que mais tem condições de utilizar-se da verdade da melhor forma possível.”
(Winnicott, 1987)

Mesmo que a gestante esteja ciente do que vai acontecer com seu corpo durante seu
trabalho de parto, se ela não tiver consciência das suas limitações, das suas sombras, do
seu processo de desprendimento, ela poderá enfrentar - em um nível mais sutil, seja ele
emocional ou espiritual - um exaustivo trabalho de parto. Esta situação que pode ser tão
ou mais insuportável do que as sensações de dor provocadas pelas contrações.

Portanto, é fundamental que a gestante esteja preparada para este desprendimento, para
este rompimento espiritual. A mente racional não reconhece este processo. Este processo
é do domínio da mente intuitiva, tão pouco utilizada e valorizada nos tempos atuais.

Neste sentido, a aplicação da abordagem integrativa transpessoal nos cursos de


preparação para o parto natural, traz para a gestante a “experienciação”, a vivência, o
aspecto emocional e evolutivo, pois somente o conhecimento teórico e científico, apesar
de essenciais na busca e conquista de um parto natural humanizado, são insuficientes
para que estas mulheres alcancem a plenitude desta experiência.

Afinal, adentrar num estado diferenciado de consciência e viver intensamente a


experiência do Parto Natural implica numa rendição do Ego ao Self, implica na
capacidade de interiorização, entrega e desprendimento da mente consciente, do seu
estado natural de vigília para outro nível de realidade.

“O que Sarah J. Buckley chama de “nascimento em êxtase”, pode ocorrer quando a mulher dá à luz em um
ambiente privado, livre de distúrbios. Aí é possível que ela chegue a um estado alterado de consciência, sob
a orquestração hormonal que não foi alterada por eventos externos. Esta composição hormonal é a que
está presente quando se faz amor, ou quando se está em meditação, e esta experiência pode ocorrer em

64
qualquer lugar que se tenha convertido em um lugar confortável para um nascimento. Isto pode ser
facilitado, também, quando quem cuida da mãe conhece esta dimensão e as necessidades da mulher para
chegar a este estado.” (Luzes, 2007)

Para que isso aconteça de forma saudável e prazerosa durante o trabalho de parto é
necessário que haja uma série de fatores internos e externos que, combinados,
oportunizarão esta transcendência.

Dentre os fatores internos destacamos o autoconhecimento da gestante, não somente de


seu processo fisiológico, mas principalmente de seus processos emocionais e psíquicos
relativos, mas não restritos a:

 Confiança na natureza;
 Confiança em seu corpo e em si mesma;
 Capacidade de integração de seus medos e receios mais profundos;
 Capacidade de desidentificar-se de sua condição de gestante;
 Capacidade de resolução de seus dramas e conflitos,
 Imagem interna que possui com relação à dor e a sua predisposição física e
psíquica para suportá-la;
 Entre outros.

Dentre os fatores externos encontramos basicamente:

 Ambiente em condições favoráveis para que ela se sinta segura e acolhida, tanto
nos aspectos de infra-estrutura e segurança;
 Equipe de atendimento e acompanhantes empenhados em estimular e incentivar a
entrada da parturiente neste estado diferenciado de consciência, respeitando-a em
suas vontades e oferecendo-lhe suporte físico e emocional.

“Um parto respeitado deveria ser a oportunidade de permitir que as mulheres vivessem as regressões
necessárias que facilitassem o desprendimento do corpo e de seu filho. E as manifestações regressivas são
impacientes. As mulheres talvez precisem chorar, gritar, pedir, rezar, se movimentar, conectar-se com as
recordações, enfim, usar a inteligência intuitiva que o ser humano foi desenvolvendo ao longo de milhões de
anos, para serem protagonistas ativas do melhor parto possível.” (Gutman, 2007)

65
A proposta de trazer a abordagem integrativa transpessoal para os cursos de preparação
de gestantes é a de torná-las mais conscientes de si mesmas, de seus processos
internos, de sua pulsão para transcendência, de sua dimensão mais saudável. Através do
contato com a sua própria natureza, com sua mente intuitiva e com as forças e
potencialidades criativas presentes dentro de si.

Acreditamos que somente através de uma abordagem que promova a manifestação das
quatro funções psíquicas no eixo da experiência, através de procedimentos técnicos
vivências e dinâmicas de grupos seremos capazes de:

 Resgatar a dimensão sagrada da concepção, gestação, parto e maternidade;


 Trazer à consciência das gestantes os seus verdadeiros medos, seus aspectos de
luz e de sombra;
 Fortalecer a confiança em seus aspectos mais saudáveis,
 Educar física, mental, emocional e espiritualmente para que possam atravessar de
forma consciente e integrada sua gestação, parto e pós-parto;
 Ativar o eixo evolutivo, permitindo que novas perspectivas com relação ao gestar,
parir e maternar se abram através deste novo olhar;

Por isso é fundamental que, no eixo da experiência, a gestante possa integrar


conscientemente seus aspectos racionais, emocionais, intuitivos e sensoriais a fim de
ampliar sua percepção da realidade e, então, manifestar-se plenamente em seu eixo
evolutivo.

Subtrair ou negligenciar qualquer um destes aspectos durante o preparo das gestantes


para o parto e a maternidade é fragmentar e excluir parte da experiência de gestar e parir.

Trabalhar com grupos de gestantes, pais, familiares e pessoas envolvidas com o universo
da gestação parto e maternidade, sob a óptica da abordagem integrativa transpessoal,
objetiva propiciar a transcendência de cada indivíduo envolvido neste trabalho, contribuir
para uma sociedade melhor, transformando a forma de gestar e de nascer para então
transformarmos o mundo.

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P ROGRAMA V IVENCIAL DE PREPARAÇÃO PARA O P ARTO E MATERNIDADE

“Parto para o prazer, parto para a entrega, parto para a luz.


Parto para o encontro, parto para deixar de ser, parto para tornar-me.
Parto para o contato, parto para as emoções, parto para nascer.
Parto para viver, parto para sentir, parto para me abrir.
Parto para o amor, parto sem dor, parto para o meu parto.”
(Claudia Xavier)

Como etapa final do presente trabalho a autora preparou um programa vivencial de


preparação para o parto, com foco no parto natural humanizado, baseado no
referencial teórico e nos procedimentos técnicos da abordagem integrativa
transpessoal.

Na contramão da normose da cesariana e da dessacralização do nascimento, o ideal


maior deste programa é promover uma gestação consciente e promover o nascimento
através do parto natural, preparando gestantes, pais e - por que, não? - os bebês para
vivenciarem este momento como um evento sagrado, como uma experiência evolutiva,
prazerosa e transformadora.

Baseado na abordagem integrativa transpessoal, o programa abrange as diversas


dimensões da mulher gestante, interligando os aspectos racionais, emocionais, sensoriais
e intuitivos, a fim de que ela desenvolva uma consciência ampliada do Eu, fortalecendo e
incentivando o contato com (vivenciar) as principais questões psíquico-afetivas-espiritual
relacionadas a gestação, parto e pós-parto.

Segundo o postulado da Psicologia Transpessoal que afirma que a percepção da


realidade ocorre em função do estado de consciência do indivíduo, as práticas e vivências
utilizadas no programa, facilitam a expansão da consciência destas gestantes,
transformam imagens internas, fortalecem os seus aspectos positivos fazendo emergir
dela mesma os recursos necessários para que, de forma consciente, através do
autoconhecimento, ela consiga acessar todo seu potencial para parir naturalmente.

Em cada encontro, trabalharemos com vivências, experiências, diálogo e discussões que


estimulam este autoconhecimento, o bem estar e o preparo das gestantes, reforçando o
contato com a razão, emoção, sensação e intuição proporcionando assim uma

67
experiência única que alavanque as forças individuais através do despertar da
consciência e do próprio processo gestacional e puerperal.

Toda a estrutura dos encontros, desde a abertura, passando pelas dinâmicas e vivências
até as atividades de encerramento de cada módulo foram idealizados e construídos com
base nos procedimentos técnicos da abordagem integrativa transpessoal.

Os principais procedimentos técnicos utilizados no programa vivencial de preparação


para o parto e maternidade, baseado na abordagem integrativa transpessoal foram:

 Intervenção Verbal: utilizada para estabelecer um vínculo entre o


facilitador/gestante; criar empatia; equalizar expectativas; clarificação das “normas”
do programa pautadas pela ética e valores positivos.

 Imaginação Ativa: recurso que possibilita o inconsciente desenvolver imagens


mentais, aparentemente aleatórias, mas que emergem através das motivações mais
profundas das diferentes dimensões da gestante. Através de exercícios, a gestante
entra em estado de consciência ampliada, potencializando a consciência de vigília
conectada a uma ordem mental superior.

 Reorganização Simbólica: técnicas que facilitam a reorganização de determinados


conteúdos, numa sequência lógica e adequada seja em nível psíquico, temporal ou
espacial. Estimula a gestante a desenvolver perspectivas positivas de futuro e
despertar para o significado da vida, ampliando sua percepção do todo,
identificando apegos, crenças e etc.

 Dinâmica Interativa: exercícios que articulam diferentes conteúdos do inconsciente


nos vários estados de consciência e despertam um aprofundamento e uma
elaboração dos conteúdos acessados (trazidos).

Este aprofundamento se dará através das sete etapas integrativas do processo de


desenvolvimento:

 Reconhecimento: é um olhar ao redor. Quando a gestante reconhece o conteúdo


trazido, emerge então um questionamento, ela abre-se para o novo e mobiliza-se

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internamente. Nesta fase o facilitador acolhe toda a verbalização, repete ideias
significativas e estimula reflexões e motivações.

 Identificação: sensações físicas, pensamentos, sentimentos são vivenciados na


identificação e ocorre a partir da motivação (intrínseca ou extrínseca) emergida na
fase anterior. A identificação só ocorre se houver ressonância com a necessidade
básica na qual a gestante se encontra. Se houver essa ressonância, o
envolvimento emocional, cognitivo, intuitivo e sensorial desencadeará um contato
com os obstáculos internos e externos e sua explanação favorecerá a entrada na
terceira etapa.

 Desidentificação: discernimento crítico, análise, reflexão em relação ao conteúdo


que emergiu. Nesta fase a gestante irá tomar distância deste conteúdo e poderá
ver de fora todos os elementos, ampliando a sua percepção e criando uma abertura
para a experiência do eixo evolutivo e para reflexões mais profundas acerca do
conhecimento adquirido.

 Transmutação: aqui o conhecimento adquire significados pessoais. Há um


contemplar humano e ético (não apenas intelectual) do conhecimento, do conflito e
da solução, saindo das possibilidades limitadas para as infinitas possibilidades.

 Transformação: nesta etapa a gestante poderá transforma não só a sua percepção,


mas também algo dentro do seu Ser. Seu estado de consciência se amplia com
relação ao conteúdo vivenciado.

 Elaboração: na sexta etapa, ocorrem insights provenientes da transformação, da


aquisição do novo significado, do novo conteúdo. Há a apreensão deste novo
conhecimento, das possibilidades no seu contexto pessoal, social e espiritual. O
estado mental já é outro, não é mais o mesmo de antes. Na abordagem integrativa
transpessoal a etapa da elaboração ocorre entre razão e emoção, mas sim entre
Ego e Self.

 Integração: nesta etapa ocorre a integração do conhecimento adquirido em todas


as situações da vida da gestante, inserido em todo o Ser. A gestante está neste

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momento diferente do seu estado anterior, pois percebe e vivencia a realidade com
outro estado de consciência.

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ESTRUTURA DOS ENCONTROS

Todos os módulos são de caráter imersivo, onde os participantes vivenciarão os temas


abordados. Cada encontro deverá seguir uma estrutura formal de condução e realização,
a fim de proporcionar a melhor experiência das participantes com relação ao tema do
encontro. Abaixo uma estrutura sugerida para a realização dos encontros.

 Apresentação – Início do encontro, recepção dos participantes, preenchimento de


lista de presença, apresentação individual e levantamento das expectativas.
(Tempo estimado: 20 min.)

 Abertura – Apresentação dos facilitadores, estabelecimento de regras,


esclarecimento dos objetivos e equalização das expectativas. (Tempo estimado: 20
min.).

 Introdução - Breve apresentação teórica e/ou apresentação de vídeo para


introdução ao tema do dia, com abertura para esclarecimento de dúvidas e
compartilhamento de informações. (Tempo estimado: 40 min.)

 Sensibilização - Aplicação de Técnica de Meditação, Relaxamento ou Ground para


trazer a consciência dos participantes para o momento presente (aqui e agora),
preparando-os para a dinâmica / vivência. (Tempo estimado: 30 min.)

 Dinâmica / Vivência - Aplicação da dinâmica de grupo e/ou vivência individual


relacionada ao tema do encontro utilizando técnicas de imaginação ativa, grafismo,
expressão corporal, reorganização simbólica, recursos de arte-terapia, entre
outros. (Tempo estimado: 01 hora).

 Compartilhamento – estimular o compartilhar das experiências vividas durante a


dinâmica/vivência favorecendo a troca, o conhecimento e o crescimento com a
experiência do outro. (Tempo estimado: 15 min.)

 Fechamento – encerramento do evento com alguma música ou vivência que


integre as percepções, sensações e descobertas vivenciadas pelos participantes.
(Tempo estimado: 15 min.)

71
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

Determinou-se a princípio, nove temas a serem trabalhados, sendo um tema por módulo
(ou encontro). Porém, a quantidade de encontros teve de ser reduzida para que o
programa completo pudesse ser realizado, inclusive, com mulheres de idade gestacional
mais avançada.

É importante frisar que os temas podem ser ampliados ou sofrer variações de acordo com
as necessidades e interesses do grupo ou da gestante.

Os cinco temas escolhidos para serem trabalhados no programa vivencial de preparação


pata o parto e maternidade foram:

I. Despertar para o feminino


II. Construindo uma nova vida
III. Relações e conflitos
IV. Dor e medo
V. Despedida da barriga

A seguir veremos o objetivo de cada um dos encontros e apresentaremos em detalhes as


técnicas e os procedimentos utilizados em cada um deles.

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M ÓDULO I - O DESPERTAR PARA O FEMININO

Conquistar, controlar, competir, administrar, dirigir, lutar, são atividades que compõe o
universo masculino e que foram incorporadas à vida das mulheres, não só no âmbito
profissional, mas se estendendo para as demais áreas de sua vida.

As mulheres contemporâneas, em razão da cultura e da sociedade em que vivemos,


estão fortemente identificadas com sua dimensão masculina e, a dimensão feminina, por
ser menos exigida, principalmente no âmbito profissional, deixa de ser exercitada,
chegando a atrofiar-se.

Como a gestação e o parto são eventos exclusivos do universo feminino, é importante


trabalharmos o campo emocional e intuitivo com as gestantes a fim de que elas se
conectem e se apropriem da sua dimensão feminina, e de todos os elementos que
envolvem este universo.

Promover o contato com o feminino é estimular o campo sutil da gestação, o resgate do


sagrado, o contato com a criação e a vida. É permiti-las vivenciar e exercitar a
interiorização, a entrega, a doação, a nutrição, o compartilhar, o acolhimento, a
contemplação, atitudes essenciais ao trabalho de parto e à maternidade.

Abertura do Encontro:

Recepção e apresentação dos participantes e facilitadores. Levantamento de


expectativas, esclarecimento de objetivos. Breve explicação teórica relacionada ao
universo da gestação e parto natural humanizado, introdução do conceito da
transpessoal.

Apresentação Teórica:

Apresentação teórica sobre o REIS e a relação com os quatro elementos (fogo, terra,
água e ar) e com as dimensões física, mental, emocional e espiritual. Correlação com a
dimensão masculina e feminina, promovendo diálogo aberta sobre a figura do Tao (mais
conhecido como Yin e Yang), sobre a dualidade.

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Dinâmica Bússola da Psique:
(Vera Saldanha)

Nesta dinâmica as participantes serão convidadas a refletir sobre como estão vivenciando
a gestação em relação às quatro funções psíquicas (razão, emoção, intuição e sensação).
Após identificarem como estas funções estão dispostas em sua vida com relação ao seu
momento atual, na etapa seguinte, facilitador promoverá uma sensibilização para que as
gestantes acessem o centro de sua consciência, seu Eu superior, Eu supremo, como
quiserem denominar e, em contato com esta dimensão pedirão a orientação necessária
para reorganizar a disposição REIS de forma ideal, a ser adotada neste momento de sua
vida. Na etapa final, as gestantes serão convidadas a transformar a imagem inicial, de
acordo com a imagem trazida pelo Eu superior, descrevendo quais os movimentos
necessários para que esta transformação ocorra. Uma vez descritos os movimentos
deverão relacionar ações possíveis para realizar esta nova disposição.

Vivência com o Nome:

O objetivo desta dinâmica é fortalecer o Eu das gestantes, a fim de que elas se


reconheçam primeiramente como mulheres e depois como gestantes e, futuras mães. As
gestantes serão convidadas a dizer em voz alta o seu nome completo e se souberem o
significado ou o motivo pelo qual seus pais escolheram este nome, deverão verbalizá-lo.
Ao verbalizarem será solicitado que, de alguma maneira, relacionem este significado ou
este motivo de escolha do nome com algum aspecto de sua personalidade ou de sua
vida. Na etapa seguinte, as gestantes experimentarão escrever seus nomes com as
partes do corpo e com o corpo todo, expressando-se corporalmente. Ao final desta etapa
elas deverão desenhar em um papel as imagens que representam o seu nome. Uma vez
feito o desenho, iremos aplicar a dinâmica da janela, onde elas deverão escolher um
quadro deste desenho e reproduzi-lo de forma ampliada. Depois de reproduzi-lo deverão
contar uma estória sobre este desenho e fazer a correlação com o momento atual. Esta
dinâmica pode ser feita também usando o nome do bebê.

Vivência com o Feminino:

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Para este encontro, será solicitado que cada participante traga um objeto pessoal que,
para ela, representa ou simboliza de alguma forma a dimensão do feminino. As gestantes
serão convidadas a contemplar este objeto relacionado numa folha de papel todos os
atributos que este objeto possui. Ao finalizar a descrição, deverá colocar ao lado esquerdo
de cada atributo a frase: Eu Sou. Finalizando deverão ler em voz alta cada a descrição
delas mesmas.

Encerramento:

O encontro se encerrará com uma dança circular, cada uma com seu objeto que
representa o feminino. Cada uma deverá evocar as suas melhores qualidades e seus
melhores atributos, fortalecendo a confiança em si mesma.

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M ÓDULO II - CONSTRUINDO UMA NOVA VIDA

Este encontro visa promover um contato direto com os sentimentos, sensações e


emoções vivenciadas desde o momento da concepção, com o objetivo de validar e
integrar todos os momentos significativos já vivenciados revendo questões/situações que
não foram muito bem elaboradas até então, ampliando e avaliando todo o seu percurso.

A participante será estimulada a entrar em contato também com as mudanças físicas,


emocionais, perceptivas, intuitivas e de estilo de vida que ocorrem desde a concepção,
até o desmame, focando especialmente no trabalho de parto e no pós-parto.

Ao final deste encontro a participante será capaz de realizar o seu plano de parto e o seu
plano de pós-parto. Este último, tão importante quanto o primeiro, afinal, a mesma
atenção e preparos que são dispensados ao parto devem ser dispensados ao pós-parto,
uma vez que com a maternidade a mulher passa por significativas transformações, em
sua vida e em seu Ser.

Abertura do Encontro:

Apresentação teórica sobre as principais mudanças que ocorrem durante a gestação, não
somente nos aspectos físicos, mas também a nível emocional e espiritual durante o parto
e o pós-parto.

Sensibilização:

Neste encontro, a sensibilização deve ser realizada através de algum exercício de


aterramento. Pode ser alguma dança, massagem, expressão corporal ou qualquer outro
exercício de ground, a fim de preparar a consciência da gestante para a dinâmica
seguinte.

Dinâmica do Roteiro da Nova Vida


(Adaptação da dinâmica do roteiro de vida de Vera Saldanha)

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Após um relaxamento, facilitador oferecerá a cada participante um pedaço de barbante e
pedirá para que seja dado um nó em uma das pontas, representando a concepção e um
nó na outra ponta representando o nono mês de vida do bebê. Ao dobrar o barbante ao
meio, a gestante deverá dar outro nó, que representará o parto.

Facilitador promoverá um relaxamento e pedirá que as participantes, começando pelo nó


que representa a concepção, vá acessando os fatos mais importantes de período,
visualizando e sentindo cada momento e escolhendo três eventos importantes para cada
período de um mês, desde a concepção até o nono mês de vida do bebê, e relacioná-los
numa folha de papel A4.

A participante poderá acessar seus aspectos racionais, emocionais, sensoriais e intuitivos


em cada período, lembrando que deverá imaginar como serão os meses que ainda estão
por vir, tendo a liberdade de criar o que desejar.

Ao final, cada participante deverá revisar todos os eventos marcantes que foram escritos
e fazer uma avaliação do que gostaria de mudar. Identificando qual o período mais
significativo e por quê. Percebendo se houve algum período que não conseguiu acessar e
todas as demais impressões da vivência.

A partir desta experiência, facilitador sugerirá que cada participante construa seu plano de
parto e pós-parto. Durante a construção do plano de parto e pós-parto, as participantes
serão orientadas a se lembrar das quatro funções psíquicas: razão, emoção, sensação e
intuição, para que nenhuma delas seja esquecida durante o plano de parto e pós-parto.

Por exemplo, no âmbito da razão deverá considerar todos os aspectos racionais do plano:
hospital, convênio, plano B, documentos e etc. No aspecto emocional, falar sobre as
emoções do momento. No aspecto da sensação, deverá planejar aspectos que trabalhem
com o sensorial, tais como: música, iluminação, aromas, toques, afagos e etc. No campo
da intuição deve examinar os aspectos intuitivos, tais como sonhos, imagens ou objetos
de poder, etc.

Encerramento:

77
Para finalizar este encontro, utilizaremos o exercício de imaginação ativa do encontro com
o Sábio (C.G. Jung). O facilitador convidará as participantes a se deitarem e a relaxar,
liberando todas as tensões físicas, mentais e emocionais. Conduzindo a gestante a
imaginar um local na natureza onde se sinta à vontade, depois encontrar uma trilha e
caminhar por esta trilha chegando numa montanha. Nesta montanha fica o local que elas
escolheram para parir. Observem este local, como ele é, cheiro, cores, luminosidade, etc.
Ao olhar ao redor ela percebe que neste local há um ser de luz para quem ela pode
expressar todas as suas inquietações, todas as suas angústias e necessidades. Este ser
então lhe oferece um presente. Ela deve aceitar e receber este presente. Olhando
atentamente para o presente, pergunta ao ser de luz qual a mensagem que este presente
traz. Devagar ela vai retornando com o seu presente para o aqui e agora. Se desejar ela
pode escrever ou fazer um desenho da experiência.

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M ÓDULO III - RELAÇÕES E CONFLITOS

Durante a gestação as mudanças hormonais e psíquicas afetam sensivelmente o campo


emocional e sutil das parturientes. Alguns conflitos e traumas até então adormecidos,
podem aparecer durante a gestação e, muitas vezes, são encarados ou, quando muito
tratados, como conflitos corriqueiros ou apenas flutuações de humor, resultantes destas
alterações hormonais.

Dessa forma, deixa-se de acolher e trabalhar estes conflitos que, se não forem integrados
ou ao menos reconhecidos, poderão emergir durante o trabalho de parto, impactando de
uma forma ou de outra o progresso e a evolução do nascimento.

O objetivo deste encontro é trazer para o consciente os possíveis conflitos internos


existentes durante a gestação, permitindo que a gestante se aprofunde neles percorrendo
as sete etapas integrativas.

Neste encontro, solicitamos a presença de uma familiar, de preferência o pai do bebê pois
iremos trabalhar as mudanças que estão prestes a ocorrer não só na vida cotidiana, mas
principalmente na sua relação afetivo-familiar.

Após o parto, homem e mulher tornar-se-ão pai e mãe e precisarão então transformar a si
mesmos e integrar em suas vidas estes novos papéis. Entretanto, esta mudança pode ser
difícil uma vez que haverá uma nova vida nesta relação, exigindo cuidados, recursos
financeiros, atenção e afeto.

Por este motivo, promoveremos vivências com o casal (ou dupla) para fortalecer os laços
afetivos entre eles, acolhendo seus medos, dúvidas e inseguranças, estimulando-os a
criar (eles próprios) situações saudáveis para assumir e integrar seus novos papéis,
solucionando possíveis conflitos, planejando e construindo juntos os alicerces desta nova
relação familiar.

Abertura do Encontro:

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Cada participante deverá se apresentar, mencionando quais são suas expectativas com
relação a este encontro. Facilitador esclarecerá o objetivo do encontro e equalizará as
expectativas, solicitando abertura, disponibilidade e entrega de cada um dos participantes.

Sensibilização:

Facilitador irá propor que cada um faça uma massagem no seu companheiro. Facilitador
deve orientar como fazer a massagem. Ao termino da massagem, a dupla deverá dar um
abraço fraterno e quem fez a massagem perguntará sussurrando ao do outro: Fulano(a),
o que você precisa? O primeiro que recebeu a massagem deverá escrever o que o seu
coração disse que precisava e guardará no envelope, sem mostrar ao companheiro. Ao
termino desta etapa, os participantes deverão trocar de lugar e repetir o procedimento.

Dinâmica Trabalhando os Conflitos Internos:


(Adaptação da dinâmica do desenho-estória de Walter Trinca)

Para este encontro trabalharemos com a dinâmica do desenho-estória, onde os


participantes farão desenhos livre e escreverão breves estórias sobre o desenho. A
técnica empregada permite, a partir dos desenhos, identificarmos como os participantes
estão se vendo, como os outros estão enxergando-o, qual o conflito do momento, qual a
solução que o inconsciente está buscando e qual o caminho da integração. Para
potencializar a apreensão da experiência, os participantes serão convidados a
experimentar no corpo (através de exercício de expressão corporal) o desenho que
representa a solução que o inconsciente está buscando.

Vivência Fortalecendo as Relações Afetivas:

Primeira Etapa:
Facilitador proporcionará um relaxamento para que os participantes entrem em contato
com seus sonhos de vida. Uma vez em contato com o seu sonho, cada pessoa irá
desenhar este sonho no papel. Em determinado momento facilitador pedirá para que
parem de desenhar e passem o papel para o companheiro da direita. O sonho irá “passar
pela vida”, ou seja, os demais participantes deverão complementar o desenho original.

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Cada participante terá um tempo curto para complementar o desenho do colega. Quando
o sonho retornar ao seu sonhador todos deverão parar de desenhar.

Reflexão Primeira Etapa:


Será entregue para cada participante uma folha com as seguintes perguntas para que
sejam respondidas por escrito:
Como foi lançar seu sonho à vida? O que sentiu quando teve que se desfazer dele?
Como foi receber seu sonho de volta? Você o reconheceu? O que sentiu quando o seu
sonho retornou para suas mãos?

Segunda Etapa:
Os casais ou duplas deverão sentar-se juntos e cada um deverá observar seu sonho. O
sonho que passou pela vida. Dentre os dois desenhos, o casal deverá escolher apenas
um deles para representá-los.

Reflexão Segunda Etapa:


Será entregue para cada participante uma folha com as seguintes perguntas para que
sejam respondidas por escrito: Qual o sonho que o casal escolheu? Por que vocês
escolheram este sonho? Quem e como escolheram? Houve consenso entre o casal
(dupla) na escolha? Como foi abrir mão do outro sonho? Houve algum entrave na
decisão? Qual? Por que?

Terceira Etapa:
A imagem deste sonho (construído pela vida) será o cenário para o sonho conjunto do
casal. O casal deve construir um sonho em comum. Um participante da dupla deverá
formular uma frase, por vez, sobre o desenho. Criando então uma história. Cada um deve
complementar a frase do outro. Um por vez, uma frase para cada. Um dos dois deve
escrever as frases que construirão este sonho.

Regras para a construção do sonho:


• Os participantes deverão ser personagens desta história.
• Haverá tempo para cada frase, de cada participante.
• A história deverá ter no mínimo 20 frases.
• O sonho deve ter um desfecho.

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Reflexão Terceira Etapa:
Como foi construírem juntos este sonho em comum? Como foi lidar com o tempo? Você
gostou do desfecho do sonho? Que tipo de história vocês escreveram? Ação? Romance?
Aventura? Como esta história se relaciona com vocês? Vocês compartilham do mesmo
sentimento com relação a este sonho? Algo deste sonho pode ser realizado ou trazido
para o dia-a-dia de vocês?

Quarta Etapa:
Experimentando no corpo: Terminada a história, o casal (ou dupla) deverá teatralizar o
sonho criado. Cada dupla terá um tempo para elaborar como irá representar a história que
criaram. Uma dupla por vez irá se apresentar, porém, a regra é que não poderão usar a
fala para contar o seu sonho em comum.

Reflexão:
Como foi contar uma história sem usar as palavras? Como foi apresentar seu sonho para
o mundo (platéia, demais participantes)? O que sentiu? Como foi representar o sonho?

Encerramento:

Os casais (ou duplas) serão convidados a pegar seus envelopes e se posicionarem em


pé, um de frente para o outro. Ambos deverão repousar sua mão direita sobre o coração
do outro. Olhando dentro dos olhos de seu companheiro(a), envie a ele(a) toda a energia
do seu amor. Envie toda sua energia de compreensão, carinho, afeto e atenção. Lembre
neste momento porque vocês estão juntos. Agora peguem seus envelopes e entreguem
ao seu companheiro(a). Abra o envelope. O que você mais precisa neste momento, o
outro também precisa. O que você mais precisa neste momento é o que você tem para
dar. Facilitador pede para que o casal se abrace e um deve sussurrar no ouvido do outro:
Eu te ofereço meu/minha (ler o que escreveu).

Para encerrar facilitador pedirá que todos deem as mãos em círculo e que cada um
expresse em uma palavra o que está sentindo no momento.

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M ÓDULO IV - DOR E MEDO

Os seres humanos são orientados a buscar o prazer e evitar a dor, por isso, o objetivo
deste encontro é promover o reconhecimento dos medos e fortalecer a autoconfiança das
gestantes em transpor a dor.

Neste encontro, facilitaremos a identificação das imagens internas que as gestantes


possuem em relação à dor e em relação as suas angústias ocultas que circundam o parto,
tais como, o medo do desconhecido, o medo do sucesso, o medo de amar e de morrer.

Uma vez identificadas estas imagens e seus diferentes temores por detrás do medo do
parto, será possível então que, através da ampliação da percepção das participantes com
relação a estes elementos, elas sejam capazes de transformá-los, elaborá-los e integrá-
los em suas vidas e em sua busca pelo parto natural.

Apresentação:

Facilitador se apresenta e estimula cada um dos participantes a se apresentar dizendo


nome, idade, idade gestacional, expectativa com relação ao encontro e o que pensa a
respeito da dor do parto, se teme a dor, se acha que vai sentir muita dor, como acha que
é esta dor e etc.

Abertura:

Facilitador esclarece o objetivo do encontro equalizando as expectativas dizendo que os


participantes participarão de um trabalho cujo objetivo é promover o contato com as
imagens internas a respeito da dor e o medo da dor do parto.

Passando pelas etapas de reconhecimento e identificação com esta imagem, para depois
desidentificar, transmutar e transformar, chegando finalmente à elaboração e integração
da nova imagem da dor e do medo.

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Esclarecer que a dinâmica utilizará de grafismo, mas que o objetivo não é desenhar bem
e, portanto não precisam se intimidar afinal, mais importante que o desenho em si será a
mensagem que virá dele.

Sensibilização:

Convidar a todos que fiquem de pé e fechem os olhos. Orientar os participantes a


sentirem seus pés bem firmes no chão, sentindo toda a planta dos pés, dedos e calcanhar
em contato com o solo. Pedir para que eles observem a respiração, identificando como
ela está: longa, curta, entrecortada... Sentir o ar que entra e o ar que sai pelas narinas e a
qualidade deste ar. Observar cada parte do corpo. Colocar atenção em alguma tensão ou
dor que exista. O que esta dor diz a você? Há quanto tempo ela está aí?

Neste instante tocará uma música em ritmo tribal e pedir para que as pessoas comecem
flexionando os joelhos no ritmo da música, sem tirar os pés do chão, cada um no seu
limite. Sugerir que mexam os braços. Que passem as mãos por todo o corpo limpando e
jogando fora toda a dor, tensão, ou qualquer outro sentimento ou emoção que seja
indesejável.

O ritmo vai aumentando gradativamente e facilitador estimula participantes a continuarem


com os movimentos, sons e gemidos são bem vindos: é preciso jogar tudo fora, se livrar
de toda e qualquer dor, se livrarem de sentimentos e emoções negativas.

Aos poucos facilitador vai pedindo que participantes diminuam o ritmo e voltem ao seu
estado de contemplação. Pedir que observem seu corpo agora, observem a sua
respiração e observem principalmente sua mente. O que está diferente? O que os habita
agora?

Dinâmica Interativa - Grafismo Conceito de Dor


(Adaptação da dinâmica do Conceito de Morte de Vera Saldanha)

Pedir para que os participantes fechem os olhos, mantendo uma postura ereta
observando a sua respiração. Observando os pensamentos, mas não se atendo a
nenhum deles. Estimular o relaxamento, o estado meditativo e contemplativo.

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Agora que estão relaxados entre em contato com a Dor. Levem a sua consciência para
esta dor. Observem o que ela causa em você? O que ela diz a você? Se essa dor fosse
um elemento do reino mineral, vegetal ou animal, qual elemento esta dor seria? Aceite a
primeira imagem que lhe vier à mente, mesmo que não faça sentido. Como este elemento
se apresenta a você?

Pedir para que participantes abram os olhos e desenhem o que eles viram. Observem o
desenho de vocês. Como ele é? O que ele lhe diz? Ele é grande/pequeno, claro/escuro,
duro/fluido. Escrevam o que vocês enxergam.

Pedir agora que os participantes deixem o desenho de lado e fechem novamente os


olhos, prestando atenção na respiração, no corpo. Observem os pensamentos e deixo-os
passar. Agora, eu peço que vocês levem o centro de sua consciência para o Oposto da
Dor do Parto, para o Oposto do Medo da Dor do Parto. Como é o oposto da dor e do
medo da dor? O que você sente ao entrar em contato com ele? Agora, dentre os reinos
mineral, vegetal ou animal, escolha um elemento que represente o Oposto do medo da
dor do parto O oposto da dor do parto. Aceite a primeira imagem que lhe vier à mente,
mesmo que não faça sentido. Como este elemento se apresenta a você?

Pedir para que participantes abram os olhos e desenhem o que eles viram. Observem o
desenho de vocês. Como ele é? O que ele lhe diz? Ele é grande/pequeno, claro/escuro,
duro/fluido. Escrevam o que vocês percebem. Elencar as qualidades do desenho.

Pedir para que os participantes levantem e coloquem um desenho à sua direita e o outro
à esquerda. Observe um de cada vez. Ao olhar um, certifique-se que você não está vendo
o outro. Agora, promova um diálogo entre os desenhos.

Integrando as Imagens da Dor e do Oposto da Dor: Facilitador solicita que participantes


fiquem de pé e coloca uma música para que cada um expresse corporalmente o desenho
que fez, representando a dor do parto. Ao término, com outra música, cada participante
deverá expressar como o corpo a imagem que desenhou do oposto da dor do parto.

Dinâmica Interativa - Diálogo Interno com o Medo:

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Facilitador deverá promover um estado de relaxamento entre as participantes, quando as
gestantes estiverem seguras e relaxadas, facilitador pedirá para que cada uma entre em
contato com o seu maior medo. Facilitador deve estimular o contato com este medo: qual
a cor, o cheiro, a forma, o som deste medo. E mantendo os olhos fechados, ainda em
contato com o medo, cada participante deverá pegar dois giz pastel, um em cada mão e
ao iniciar a música deverão expressão no papel o seu maior medo, sua sensação,
percepção e sentimentos com relação a este medo.

Ao final da música as gestantes poderão abrir os olhos e, observando atentamente o


desenho que surgiu, como imagem e representação do seu maior medo, deverão
identificar uma elemento, uma imagem, uma forma, um símbolo, que poderá ser
complementado caso não esteja muito definido. Uma vez que a participante identificou
qual é esta imagem, deverá estabelecer um diálogo com este elemento e fazer uma
relação com o seu momento atual e a proposta do encontro. Ao término, as participantes
serão convidadas a compartilhar seus achados com a colega do lado.

Encerramento:

Aos poucos facilitador irá convidar os participantes a formarem um círculo, dando as


mãos para agradecer o aprendizado, lembrando a todos que “A dor nos mantêm
humanos!”, “Que a dor talvez seja inevitável, mas o sofrimento é sempre opcional”.

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M ÓDULO V - D ESPEDIDA DA BARRIGA

Estar gestante é estar em estado de graça. Durante os nove meses de gestação a mulher
recebe todas as atenções e acaba desenvolvendo uma forte relação com a sua barriga e
com a imagem que representa todo o universo da gestação e da maternidade.

Durante este encontro, lançaremos um olhar aprofundado sobre o que é estar gestante,
sobre o que a barriga representa, adentrando no espaço sagrado da gestação e de todo o
seu significado.

Ainda que as gestantes saibam que haverá um momento de tornar-se mãe,


inconscientemente, pode haver certa resistência a esta realidade. Por mais incômoda e
cansativa que uma gestação possa ser nos últimos meses, as delícias vividas enquanto
gestante, os cuidados, os olhares, as atenções recebidas, acabam mantendo-as
identificadas a esta condição, dificultando este desprendimento emocional e o desenrolar
do parto.

Neste encontro, nos aprofundaremos na relação (mulher-gestante-mãe) lançando um


olhar cuidadoso, afetuoso e acolhedor sobre este momento: o momento de despedida da
barriga, o momento da despedida desta imagem que a gestante carregou nos últimos
meses. Daremos as dando as boas-vindas à gestante como mãe, mergulhando e
vivenciando o parto como uma passagem para este novo ciclo, para este novo começo,
para uma nova vida.

Abertura do Encontro:

Recepção de boas-vindas ao último encontro, onde elas estarão se preparando para a


despedida da barriga. Apresentação dos participantes. Breve explicação teórica o
desprendimento emocional que ocorre durante o parto. Diálogo aberto sobre o estar
gestante e o ser gestante. Sobre o processo de gestação e sua relação maior com a vida.

Sensibilização:

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Todas de pé, as participantes deverão inicialmente fechar os olhos e observar sua
respiração, seu corpo, entrando num estado de relaxamento. Facilitador pedirá então que
elas comecem a andar e ao caminhar deverão observar seus passos, seu corpo, seu
ritmo. Deverão então relembrar a trajetória de sua gestação até o momento, identificando
as principais emoções/sentimentos (alegria, confiança, medo, dúvida) que vivenciaram
durante a gestação. Deverão reconhecer e identificar pelo menos uma emoção positiva e
outra negativa. E, quando o facilitador der o sinal, elas deverão encontrar outra
participante e compartilhar com ela suas reflexões. Após compartilharem deverão retornar
a sua caminhada, refletindo e aceitando as emoções que surgiram e acolhendo e a
emoção do outro.

Meditando com o Bebê:

Nesta etapa, facilitador promoverá um relaxamento onde a gestante percorrerá a


cartografia de sua consciência, explorando conteúdos transindividuais, psicodinâmicos,
ontogenéticos, filogenéticos, entre outro, até chegar um momento em que o facilitador
pedirá que ela atravesse o portal que a leva ao universo da gestação, onde deverá
observar e refletir sobre este universo: Como ele é? O que representa? Qual o seu
simbolismo? Quais as emoções, sensações, sentimentos e percepções que ela tem agora
que ela está dentro deste Universo?

Facilitador promove então, um encontro entre a gestante o bebê, onde ela deve,
primeiramente, contemplá-lo, ouvi-lo, enviar-lhe boas energias, oferecer-lhe um sorriso.
Aceitando-o e reconhecendo-o como uma nova vida, como um ser humano.

Após este primeiro momento de contemplação, facilitador sugerirá que ela se comunique
com o seu bebê. Dizendo a ele o quanto ele é bem-vindo, como ela se sente em relação a
esta gestação, seus medos, suas inseguranças, assegurando ao seu bebê que estas são
emoções dela, que ela está trabalhando para lidar.

Depois que a mãe disser ao bebê tudo aquilo que gostaria de dizer, será a hora de o bebê
dizer para a mamãe, aquilo que ela necessita saber a respeito do seu nascimento.
Promovido este diálogo, facilitador pedirá que a mamãe anote a mensagem do bebê e
escreva a ele uma carta de boas-vindas.

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Dinâmica da Despedida:

Nesta dinâmica, utilizaremos uma técnica de grafismo. Após uma breve sensibilização e
preparo as gestantes serão orientadas a fazer um desenho que represente o espaço
sagrado da sua gestação e de como ela vislumbra a maternidade. Ao realizar o desenho a
gestante colocar nele todas as emoções, sentimentos, sensações e intuições que por
ventura estejam emergindo, atentando-se para cada um deles.

Ao término do desenho, facilitador pedirá que as gestantes contemplem a figura, analisem


sua forma, cores, texturas e, se desejarem, poderm dar um título para este desenho. Feito
isso, facilitador dirá que é chegado o momento de desprender-se emocionalmente da
gestação e que, portanto elas devem destruir (transmutar) seus desenhos, rasgando,
amassando, picotando. Prestando atenção aos sentimentos, emoções e sensações que
emergem neste momento.

Agora elas deverão selecionar algumas partes do desenho desconstruído e criar, então,
uma nova imagem no formato de mandala, colando os pedaços do desenho original e se
desejarem, complementando o desenho com giz, canetinha, cola colorida e etc.

Ao finalizarem a mandala, deverão então criar uma fábula sobre este desenho
começando com Era uma vez e terminado com uma moral da estória. Criada a fábula ela
poderá fazer a correlação desta estória com o seu momento atual e então todas serão
convidadas a dramatizar suas fábulas através de mímicas.

Encerramento:

As participantes serão convidadas a compartilhar suas experiências umas com as outras


e, quem quiser, com o grupo todo. Após o compartilhamento, facilitador pedirá que se
forme um círculo pedindo que as participantes fechem os olhos e reflitam sobre a
experiência. Durante este processamento, será entregue a cada gestante uma vela. Com
as velas em mãos, facilitador iniciará a corrente acendendo a vela da primeira participante
e dizendo a ela: “Eu lhe ofereço a chama da vida”. Uma a uma, cada gestante deverá
acender a vela da participante do lado, sempre dizendo-lhe: “Eu lhe ofereço a chama da

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vida”. Quando todas estiverem com a vela acesa, facilitador pedirá que cada uma elabore
mentalmente uma afirmação positiva a respeito do parto. Como sugestão, facilitador
exemplificará com uma frase do tipo: “Eu sou mulher, eu tenho o poder da vida, eu sei
parir naturalmente.” Cada participante terá sua frase e quando todas estiverem escolhido
suas afirmações deverão em uníssono, pronunciá-las em voz alta, por três vezes
seguidas.

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C ONSIDERAÇÕES F INAIS:

“Onde quer que você esteja, esteja lá por inteiro.”


(Eckart Tolle)

A plenitude é um estado de alma em que o ser humano se sente completamente


realizado, em que ele se sente completo, em que ele se sente pleno. É um estado de
plena realização de todo o nosso potencial. (Weil, 2011)

Adotar a abordagem integrativa transpessoal nos cursos de preparação de gestantes para


o parto natural é oportunizar o contato com este estado de presença, com este estado de
consciência em relação não apenas ao processo de gestar e parir, mas a todos os atos de
sua vida, inclusive no exercício da maternidade.

Trazer a transpessoalidade para o conteúdo dos cursos de preparação para o parto é


propiciar um movimento de libertação do automatismo, das emoções destrutivas, dos
pensamentos e comportamentos condicionados. É sair da normose através do contato
com o sagrado. É trazer à luz da consciência das gestantes, as suas próprias limitações,
trabalhando-as para fortalecer todo o seu potencial de transcendência para uma
experiência de parto e maternidade mais saudável, mais plena e mais feliz.

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B IBLIOGRAFIA:

Benatti, L., & Min, M. (2011). Parto com Amor. Panda Books.

Bogado, A. P. (2009). Corpo - prazer, dor e luz. Diálogos do Ser.

Cheyney, M. (2011). Born at Home: Cultural and Political Dimensions of Maternity Care in
the United States. Cengage Learning.

Gutman, L. (2007). A Maternidade e o encontro com a prórpia sombra. Best Seller.

Kadomoto, T. (2002). Ninguém tropeça em montanha. Gente.

Leloup, J.-Y. (1996). Caminhos da realização. Vozes.

Luzes, E. M. (2007). Tese de Doutorado: A necessidade do ensino da ciência do início da


vida. Rio de Janeiro: Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFRJ.

Maushart, S. (2006). A máscara da maternidade. Melhoramentos.

Odent, M. (2002). O camponês e a parteira. Ground.

Ribeiro, W. (1996). A vida antes do nascimento. Ícone.

Saldanha, V. (2008). Psicologia Transpessoal - Abordagem Integrativa - Um


conhecimento emergente em psicologia da consciência. Unijuí.

Somé, S. (2007). O espírito da intimidade. Odysseus.

Weil, P. (2011). A arte de viver a vida. Vozes, Diálogos do Ser.

Weil, P., Leloup, J.-Y., & Crema, R. (2003). Normose - A patologia da normalidade. Verus.

Winnicott, D. W. (1987). Os bebês e suas mães. Martins Fontes.

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