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REPUBLICA DE ANGOLA

INSTITUTO SUPERIOR JOÃO PAULO II

TEORIAS SOCIOLÓGICAS (1)

LUANDA 2011

PROF. MARIA DA ASSUNÇÃO

AD USO PRIVATUM
ÍNDICE
A IMPORTÂNCIA DAS TEORIAS SOCIOLÓGICAS................................................................................................3

TEORIAS MACRO-SOCIOLÓGICAS..........................................................................................................4
O FUNCIONALISMO......................................................................................................................................5
ALGUNS SENTIDOS POSSÍVEIS DE FUNÇÃO E DE FUNCIONALISMO..................................................................5
Um exemplo: o estudo do suicido em Durkheim.......................................................................................6
Outros exemplos........................................................................................................................................6
Objectivo deste tipo de análise funcional..................................................................................................7
UTILIZAÇÃO DA ANÁLISE FUNCIONAL NA SOCIOLOGIA..................................................................................7
Sentido biológico.......................................................................................................................................7
FUNCIONALISMO NO SÉCULO XIX........................................................................................................8
FUNCIONALISMO : A TRADIÇÃO ANTROPOLÓGICA........................................................................................11
O método proposto por Malinowski........................................................................................................12
Quatro aspectos positivos do funcionalismo de Malinowski...................................................................13
REFORMULAÇÕES DA TEORIA FUNCIONALISTA............................................................................14
O FUNCIONALISMO RELATIVO: MERTON.......................................................................................................14
Crítica de Merton.....................................................................................................................................15
Novos conceitos operativos propostos por Merton.................................................................................15
FUNCIONALISMO: TALCOTT PARSONS..........................................................................................................17
A TEORIA GERAL DOS SISTEMAS...................................................................................................................23
Críticas ao estrutural – funcionalismo....................................................................................................25
O caso Mills.............................................................................................................................................26
NEO-FUNCIONALISMO...................................................................................................................................27
Ralf Dahrendorf.......................................................................................................................................28

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Introdução
Existem dois modos de estudar a sociedade. Ou a análise começa do nível da
própria sociedade e depois vai trabalhando até chegar ao indivíduo, ou o ponto de partida
são as percepções e acções do indivíduo, enquadrando-se depois estas num contexto mais
amplo. Apesar de ser expectável que estas abordagens chegassem, em última análise, a
conclusões semelhantes, isto não acontece. De facto, uma das coisas mais emocionantes da
sociologia são as conclusões muito diferentes a que as várias teorias concorrentes chegam.
A macro-sociologia parte do princípio que o indivíduo é uma criação da sociedade,
daí que qualquer explicação do comportamento humano deva começar por analisar a
sociedade e, em seguida, através disto, chegar a um conhecimento da acção individual. O
macro-sociólogo coloca questões como: como é que a sociedade se mantém unida? Como
é que muda? Porque é que as sociedades têm determinadas instituições e regras? A ênfase
é firmemente colocada no nível societal de análise.
No entanto, a micro-sociologia, que tem as suas origens no ramo da filosofia
designado por «fenomenologia» e na psicologia social, começa a partir do nível da acção
individual. Ao contrário do macro-sociólogo, o micro-sociólogo não fez qualquer tentativa
de explicar a grande variedade de comportamentos humanos, propondo-se antes a produzir
explicações sobre a interacção de escala reduzida, construindo um catálogo de regras que
governam a interacção social frente-a-frente. Frequentemente, os conhecimentos que
surgem daqui podem ajudar-nos a compreender fenómenos bastante complexos; esta
abordagem ofereceu-nos, por exemplo, uma explicação alternativa do crime e da doença
mental. Os micro-sociólogos colocam questões como: Como classificamos as pessoas (e.g.
como criminosos ou como loucos)? Quais são as consequências dessa classificação para a
interacção futura?

A importância das teorias sociológicas


Uma teoria é, na verdade, um método para explicar a relação entre acontecimentos
aparentemente descontínuos. A teoria permite-nos olhar um pouco mais além do óbvio e
relacionar a complexidade do mundo num quadro com significado. Algo similar acontece
quando levamos um automóvel para a oficina para ser reparado. O mecânico consegue
identificar o problema porque tem um conhecimento global da relação entre as partes do
motor.
Pois, embora exista uma explicação generalizadamente aceite do porquê do motor

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de combustão interna funcionar. o mesmo não se passa para a sociedade. Em vez disso, a
sociologia é caracterizada por várias teorias, cada uma das quais produzindo uma
explicação diferente da sociedade. Como não há nenhuma maneira de podemos testar
convincentemente as diferentes teorias, os sociólogos continuam a debater os seus méritos.
Nem é correcto pensar que se uma teoria está certa então as outras estão erradas; Cada
teoria começa com hipóteses diferentes e coloca questões distintas e, como sabem, se se
colocam questões diferentes. obtêm-se respostas diferentes.

Teorias macro-sociológicas
A abordagem macro-sociológica está em si mesma dividida numa série de
modelos. A principal fonte desta divisão deriva dos temas centrais da sociologia do século
XIX, em especial o «problema da ordem» (i.e. porque é que a sociedade se mantém unida).
Tradicionalmente, foram oferecidas duas explicações opostas, a do consenso e a do
conflito. A primeira deriva do trabalho de Emile Durkheim, que alegava que a ordem
social resultava de um conjunto central de valores comuns. Em oposição a este estava o
trabalho de Karl Marx, que realçava a imposição de regras por um grupo dominante sobre
o resto da sociedade. Entre estes dois pensadores estava Max Weber, que reagia àquilo que
ele entendia serem as limitações do trabalho de Marx, enfatizando o papel das ideias e dos
sentimentos na formação da sociedade, mas que não aceitava as visões mais
«detenninistas» de Durkheim. Recentemente, emergiram dois novos corpos de pensamento
macro-social que não podem ser categorizados por esta divisão tradicional sobre o
«problema da ordem», nomeadamente o feminismo e o pós-modernismo. Ambos são
reacções àquilo que entendem ser novas condições ou temas de interesse, e à falta de
capacidade das abordagens já estabelecidas para lidarem adequadamente com estes.

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O FUNCIONALISMO

Esta teoria da qual Durkheim é um dos primeiros representantes, levar-nos-á, a


distinguir três tipos de funcionalismo, que chamaremos funcionalismo absoluto,
funcionalismo relativo, e estrutal-funcionalismo e falaremos brevemente do
neofuncionalismo.

Alguns sentidos possíveis de função e de funcionalismo


Ao termo «função» são atribuídos na sociologia ao menos quatro significados
diversos. Antes de mais emprega-se no sentido de estado, posto, profissão, emprego. É
neste sentido que se fala de promoção de uma função para outra.
O segundo sentido, similar ao primeiro, significa um conjunto de tarefas, deveres,
responsabilidades próprias de uma pessoa que ocupa um lugar, que pratica uma profissão.
Estes dois sentidos do termo «função» não põem algum problema; fazem parte da
linguagem corrente e no mesmo sentido são utilizados na sociologia, especialmente na
análise das profissões, dos ambientes de trabalho e das organizações.
Em alguns casos, «desempenhar uma função» pode traduzir-se rigorosamente como
«ser útil» do ponto de vista de um ou vários agentes. Os factos, as instituições, são neste
caso explicados através da demonstração, pelo estudioso funcionalista, de que eles são
úteis, talvez mesmo indispensáveis, à manutenção da vida dos participantes; logo, à
preservação da própria sociedade. É o que se passa, por exemplo, com Malinowski.

Como terceira possibilidade, o termo «função» assume um significado de tipo


matemático. Fala-se neste caso de função no sentido de uma relação existente entre dois
ou mais elementos, tal que cada mudança introduzida num provoca uma modificação
também no outro ou nos outros e implica da parte dos mesmos uma adaptação. Neste
caso, o acento vai para a relação entre os elementos sobre a mútua relação que se instaura
entre os mesmos e portanto sobre a sua interdependência. Em linguagem matemática
simples pode-se dizer que X é função de Y quando o valor de X depende do valor de Y; X
e Y estão portanto em relação funcional um em relação ao outro. Ou melhor, verificada,
por suposição, uma forte correlação estatística entre as duas variáveis, admitimos que uma
delas é dotada de capacidade explicativa e dizemos, então, ou que «X é função de Y», ou

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que «Y é função de X». Podemos, ainda, pô-las em relação com uma terceira variável; e
assim sucessivamente. Em todo o caso, o termo «função» é, neste sentido (algébrico),
considerado apenas como um «estar» em relação com»: se uma variável é tomada como
função de outra, significa isso tão somente que entre ambas procuramos identificar, uma
relação constante. Proceder de maneira funcionalista significa, assim, apenas, que se
procurou pôr em relação diversos aspectos de uma realidade, admitindo que cada um deles
podia (em parte, pelo menos) ser explicado pelos outros, ou ajudar a explicá-los. Ou,
ainda, que cada aspecto poderia ser mais pertinentemente explicado com recurso à
«totalidade»: ao «conjunto» dos elementos e às relações entre esses elementos.

Assim em sociologia se poderia afirmar que uma mudança das técnicas de trabalho
implica transformações na organização da empresa, nas condições de trabalho e no nível
de vida dos trabalhadores, no nível de vida familiar, no direito etc. Se poderia então dizer
que a organização da empresa, as condições de trabalho, o nível de vida dos trabalhadores
etc., são funcionalmente dependentes das técnicas de trabalho.
Um exemplo: o estudo do suicido em Durkheim

O estudo de Émile Durkheim O suicídio escreve-se neste tipo de análise funcional.


Durkheim demonstrou de facto que a taxa de suicídio esta ligada ao estado conjugal (os
celibatários suicidam-se mais do que os casados), devido ao facto de haver ou não filhos
(as pessoas casadas sem filhos suicidam-se mais do que as pessoas casadas com filhos), á
religião (os protestantes suicidam-se mais do que os católicos, e estes mais do que os
hebreus) etc.

A tendência ao suicídio não é portanto igualmente distribuída dentro de uma dada


população, enquanto aumenta ou diminui em função de alguns carácteres sociais das
pessoas.
Outros exemplos

De modo geral, grande parte de pesquisas empíricas na sociologia fundamentam-se


neste tipo de análise funcional. Pode-se conclui por exemplo que:

 O quociente intelectual e o sucesso escolástico dos alunos dependem do status


socioeconómico da família;

 As atitudes políticas variam segundo o nível socioeconómico e as aspirações à


mobilidade social ascendente;

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 A fertilidade do casal é função de origem social da mesma, do seu nível de
instrução e das suas aspirações de mobilidade profissional.
Objectivo deste tipo de análise funcional

Todas estas propostas, como aquela de Durkheim, querem estabelecer ou melhor medir a
relação que existe entre uma variável dependente e uma variável independente. A variável
dependente é o elemento o fenómeno que varia em função de um outro ou de muitos
outros, através dos quais se encontra de um certo modo numa situação de dependência. A
variável dependente é portanto a variável a explicar, enquanto que a variável independente
é a variável explicativa. Nos exemplos já citados, o suicídio, o quociente intelectual e o
sucesso escolástico, as atitudes políticas, a fertilidade do casal soa variáveis dependentes; a
integração dos grupos sociais, o status sócioeconómico, as aspirações à mobilidade social
etc., são variáveis independentes ou explicativas.

O fim perseguido neste tipo de análise funcional é claramente aquele de fazer emergir a
variável independente mais incisiva, isto é, aquela que exerce a mais forte influência sobre
a variável dependente.

Utilização da análise funcional na sociologia

Este tipo de análise permite evitar uma linguagem excessivamente afirmativa da


análise causal, fazendo emergir acção cumulativa ou a interacção de muitas variáveis. Mas
contemporaneamente, a análise funcional avizinha-se da análise causal, pois que permite
de ponderar cada uma das variáveis e muitas vezes a variável ou o grupo de variáveis que
exerce uma influência bastante forte por ser considerada como um factor e quase como
uma causa.

Diversas técnicas matemáticas e estatísticas, como análise factorial, foram elaboradas para
estabelecer esta ponderação e para mostrar as variáveis incisivas ou os factores.

Pode-se falar neste caso de funcionalismo? Nós não cremos. Trata-se simplesmente
da análise funcional, como vem praticada em cada pesquisa empírica, na sociologia como
em todas outras ciências. Entendida neste sentido, análise funcional nasce do método
científico; é uma das vias possíveis para o pesquisados poder fazer emergir indutivamente
certas leis ou certas constantes.
Sentido biológico

Na realidade, é o quarto significado que vem atribuído ao termo função a originar o

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chamado funcionalismo ou os funcionalismos na sociologia e na antropologia. Neste
sentido, define-se função o contributo que uma componente aporta à organização ou a
acção do conjunto o qual pertence. Assim definido, o conceito de função aproxima-se ao
modelo orgânico; de facto, a biologia se desenvolve a partir da análise das diferentes
funções do corpo humano ou animal; as funções do fígado, dos rins, do coração, função
digestiva, função respiratória. O estudo biológico das funções, pode dizer respeito seja um
órgão particular, como o fígado, seja a actividade de um grupo de órgãos que compõem,
por exemplo, a função digestiva. Analogamente, em sociologia pode-se estudar as funções
da família, isto é, o seu contributo à organização, à conservação e a actividade da
sociedade. Esta analogia com o organismo vivente inspirou toda a sociologia de Herbert
Spencer, que quis reencontrar na sociedade os equivalentes das grandes funções biológicas:
funções de produção, de consumo, de transporte e de comunicação1.

FUNCIONALISMO NO SÉCULO XIX


De um modo geral, podemos dizer que as concepções funcionalistas deste período
coexistem com traços claros de progressismo e de positivismo, bem como de
individualismo e de utilitarismo. O diálogo com as ciências biológicas é quase
permanente, mas sofre cambiantes de autor para autor, e os pontos de disputa e os mal-
entendidos não são raros. É necessário que nos expliquemos melhor.
Se as metáforas organicistas foram, como já vimos, tradicionalmente utilizadas para
legitimar uma determinada ordem social, uma sociedade que está (supostamente de forma
definitiva), no caso do funcionalismo oitocentista passa-se por via de regra à legitimação
de um processo, de uma sociedade que está em vias de, que deverá vir a ser. Neste sentido
(e talvez só nele), podemos afirmar que os autores funcionalistas do século XIX foram
também autores progressistas. Embora a ideia de progresso fosse diferente de uns para os
outros (Comte e Spencer, Marx e Durkheim concebiam-no de maneiras muito diversas),
este é um traço comum a todos eles. Neste sentido também, e parafraseando Max Weber,
pode dizer-se que o funcionalismo oitocentista tende a passar da identificação do «dever
ser» com o «ser», à identificação do «dever ser» com o «devir». O estudioso conhece a
suposta tendência evolutiva das sociedades, considera-a inevitável, identifica-se
moralmente com ela e procura, de certo modo, aplanar-lhe o caminho, tomá-lo mais fácil
de percorrer.

1
ROCHER GUY, Introduzione alla Sociologia Generale. (L’azione e l’organizzazione sociale. Il cambiamento sociale),
Milano, SugarCo Edizioni 1980, pp. 269-270, MOORE STEPHEN, Sociologia, Sintra, Publicações Europa-América, 2002.

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Herbert Spencer, concebia a evolução das sociedades (tal como a dos organismos
vivos) como uma passagem de uma homogeneidade incoerente e indefinida a uma
heterogeneidade coerente e definida. Quer dizer, um processo que deveria resultar em
crescente diferenciação e especialização (dos organismos e das sociedades). Este
processo deveria também, no caso daqueles, traduzir-se na transmissão por
hereditariedade das características adquiridas através da adaptação ao meio ambiente.
A evolução concebida por Darwin resulta talvez numa melhoria, num progresso, mas
trata-se de uma evolução cega que, se persegue objectivos, o faz seguramente mais à custa
dos indivíduos (e dos objectivos destes) do que para eles. A teleologia implícita na teoria
darwiniana da evolução não é, seguramente, identificável com os objectivos
conscientemente visados por cada indivíduo, nem parece facilmente compatibilizável com
a defesa moral dos direitos destes. Na verdade, uma reconhecida fonte de inspiração de
Darwin veio do lado da teoria social, sim, mas justamente sob a forma de um discurso
conservador e pessimista: o célebre Ensaio Sol) o Princípio da População, de Thomas
Robert Malthus à ideia malthusiana de um permanente excesso (pelo menos, potencial) de
indivíduos relativamente às subsistências (ideia explicitamente desenvolvida contra as
concepções progressistas opt- mistas de Condorcet e a defesa por Godwin de uma
redistribuição «socializante» das riquezas) que Darwin foi buscar, segundo declarou, pelo
menos em parte, a concepção de uma selecção natural.
Naturalmente, sendo diferentes os modelos que cada autor tinha da sociedade futuro, as
atitudes para com os problemas do individualismo e do utilitarismo apresentaram uma
elevada variabilidade. Por exemplo, Comte, propondo explicitamente a consideração das
sociedades com base numa analogia com os organismos vivos, opinava ser a célula viva
(unidade básica, supostamente indivisível, da biologia: abaixo dela só faria sentido falar de
leis físicas ou químicas, já não biológicas) o equivalente exacto da família. Esta última era,
assim, promovida a unidade básica (indivisível) da sociologia. Corporações e cidades
corresponderiam a tecidos e órgãos. Em todo o caso, o indivíduo (que a revolução francesa
tomara depositário de direitos naturais inalienáveis) era, pura e simplesmente, suprimido
do esquema explicativo. Será necessário acrescentar que Comte era um adversário do
individualismo moral (que considerava expressão do espírito metafísico e factor de
desorganização social)? Por outro lado, Comte deve ser considerado um autor de certo
modo atípico, pelo menos quanto a um aspecto importante: este filósofo-sociólogo, que foi
também biólogo, defendeu em biologia posições anti-evolucionistas, já de forma algo
desfasada relativamente às tendências que estavam a tomar-se dominantes na sua época.

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Para ele, também as teorias evolucionistas seriam expressão de tendências metafísicas e
anárquicas. De uma forma geral, pode dizer-se que Comte procurou dar-se conta de uma
evolução cujo fim ele próprio deveria enunciar. Por isso, também, o tom geral dos seus
escritos foi um tom conservador, de defesa de uma nova estabilidade que era suposto
substituir a anarquia sua contemporânea.
Cumpre mencionar as concepções de Herder e as de Kant, expressas ambas em 1774,
respectivamente com as Ideias para a Filosofia da História Humana e a Ideia para uma
História Universal, segundo o ponto de vista cosmopolita (Gardiner, 1984; Collingwood,
1989). De acordo com o primeiro, as sociedades humanas, irredutivelmente diferentes
umas das outras e determinadas por factores naturais, não progrediriam (quando muito,
poderiam aproximar-se do tipo puro de si próprias, qualitativamente diferente dos das
outras). Para além disso, observava Herder, a história mostra-nos não um progresso
continuado, mas essencialmente um espectáculo de loucura e fúria sem sentido, no qual os
homens sempre teceram (e devem continuar a tecer) as teias onde se prendem e das quais
eles próprios são vítimas. A esta visão contrapôs Kant a tese de acordo com a qual, se a
natureza pode ser considerada «um processo ou soma de processos regidos por leis, que
são cumpridas cegamente», já a história da humanidade deve ser tomada «como um
processo ou soma de processos regidos (...) não simplesmente por leis mas pela
consciência das leis» o que permitiria pensar nela, portanto, como «um progresso rumo à
racionalidade». O verdadeiro motor dessa evolução seriam, entretanto, as próprias
loucuras, o egoísmo e a irracionalidade das condutas humanas. Em virtude desta,
justamente, a história humana podia adquirir as características de um progresso, enquanto a
natureza estaria limitada a uma eterna repetição.
Todavia, no século XIX, como dissemos, a própria natureza passa a poder ser
considerada um progresso. Que o tom estava a tornar-se crescentemente optimista e
progressista é o que pode, entretanto, verificar-se com as apropriações que a teoria social
desse período fez das ideias de Darwin. É de certo modo emblemático que Marx tivesse
proposto àquele dedicar-lhe O Capital como manifestação de gratidão e maneira de
expressar a sua convicção de que, se Darwin descobrira as leis da evolução biológica, ele,
Marx, conseguira o mesmo com as da evolução social (Giddens, 1976). Os elementos de
conflito e de selecção estão agora bem presentes e óbvios (selecção dos capitalistas no
mercado, luta de classes, eliminação de uns modos de produção por outros, superiores,
etc.), mas o tom geral é claramente optimista e progressista.
Émile Durkheim, cuja obra teve maiores repercussões no funcionalismo do século XX,

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a sua concepção de sociedade é a de uma totalidade orgânica que, por um processo de
diferenciação e especialização adaptativa produz indivíduos diferenciados. As propostas
durkheimianas de explicação do social pelo social (são os processos de diferenciação
social que permitem compreender o individualismo moral e não o contrário, por exemplo;
a divisão social do trabalho deve ser explicada referindo-a à própria sociedade e não às
condutas dos indivíduos, etc.) são obviamente organicistas e teleológicas. A sua noção de
normalidade identifica-se com a de funcionalidade (no sentido de «cumprir uma função»
ou de «dar um contributo», ainda que inconscientemente, para a manutenção do todo). Mas
Durkheim fez também várias ressalvas claríssimas quanto ao facto, por exemplo, de a
comparação da sociedade com os organismos vivos ser apenas uma analogia (e não uma
homologia) e, nesse sentido, não poder pretender-se reduzir a riqueza de uma explicação
sociológica a uma metáfora organicista. Por outro lado, nunca deixou de insistir que a
identificação da função desempenhada por um facto social não basta para a explicação do
mesmo, quer dizer, a determinação da causa final (ainda que inconsciente) não dispensa a
busca da causa eficiente capaz de o produzir. Em suma, para Durkheim há que distinguir:
por um lado, os objectivos conscientes; por outro, a função; por outro ainda, a causa
eficiente.
Enfim, as sociedades de Durkheim evoluem de formas simples para outras, complexas,
por diferenciação, especialização e adaptação, e com uma individualização crescente.

Funcionalismo : a tradição antropológica


Na década de 20, sob a influência dos textos de Durkheim, dois antropólogos,
Radcliffe-Brown e Malinowski, começaram a explorar as funções das actividades
ritualistas aparentemente «sem significado» encontradas nas sociedades tribais.
Tradicionalmente, os antropólogos encararam as sociedades numa perspectiva evolutiva,
acreditando que as sociedades tribais eventualmente evoluiriam para sociedades modernas
e socialmente complexas. As actividades ritualistas eram vistas como restos bizarros de
estádios evolutivos anteriores. Mas Radcliffe-Brown e Malinowski demonstraram que, se
as sociedades tribais fossem estudadas como entidades individuais completas, sem serem
colocadas num contínuo evolutivo, então ficava claro que as actividades ritualistas
desempenhavam, na realidade, funções úteis na continuação destas sociedades.
No estudo clássico de Malinowski sobre os habitantes das Ilhas Trobriand do
Pacífico Sul (Malinowski, 1954), ele mostrou que a magia era usada em situações nas

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quais a razão e a capacidade técnica eram insuficientes para garantir o sucesso. Quando os
habitantes das Ilhas Trobriand pescavam na lagoa interior e segura da ilha, tinham a
certeza de que iam fazer uma grande pescaria, sem qualquer perigo pessoal. No entanto, ao
largo da ilha a pesca era perigosa e imprevisível, e portanto era nesta situação que a magia
era utilizada, num esforço de controlar o ambiente e de dominar as ansiedades dos
pescadores. Longe de ser algum tipo de vestígio anacrónico, a magia era funcional para a
sociedade.
Branislaw Malinowski, teve o mérito de ser o primeiro antropólogo que teve um
contacto directo com outras regiões para estudar os costumes das populações arcaicas,
costumes que os seus predecessores, Tylor, Spencer, Durkheim, tinham conhecido somente
através de testemunhos de exploradores ou missionários. Malinowski era o opositor da
antropologia evolucionista, que considerava não cientifica e denunciou os erros e a
esterilidade. Sobretudo ele criticava o comportamento dos teóricos do evolucionismo que
se limitavam a extrapolar os usos, elementos culturais, tipos de instituições, extraídos de
sociedades diversas entre si extraindo-lhes do seu contexto, para depois utilizá-los segundo
os seus interesses para ilustrar uma presumível evolução humana e social.
Vivendo ao lado das populações arcaicas que estudava, Malinowski convenceu-se
de que cada sociedade caracteriza-se e se distingue das outras pela sua cultura original e
singular. O que constitui a originalidade de cada cultura é a relação particular que se
encontra entre as partes, é o espaço que cada elemento ocupa e o modo no qual estes
elementos estão relacionados entre si. Em outros termos, cada cultura forma um conjunto
coerente, unificado e integrado que precisa compreender e explicar como uma totalidade.
De facto, querer isolar do seu contexto um elemento cultural ou uma instituição, como
faziam os evolucionistas, é necessariamente errado, enquanto cada elemento assume um
sentido preciso somente em relação ao conjunto e através as relações que instaura com
todos os outros aspectos. «Estudar os tratos culturais atomisticamente, isolando-os, é um
método que deve ser considerado estéril, enquanto o significado da cultura está na relação
entre os seus elementos.

O método proposto por Malinowski


Diante de qualquer objecto material, cada elemento cultural, cada instituição, o
antropólogo deve questionar-se para que este elemento exista, que contributo aporta para
resultar necessário e encontrar lugar num conjunto cultural. E para responder a esta
pergunta, será necessário procurar que necessidades do indivíduo e da sociedade, este

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satisfaz. De facto como não existem complexos culturais fortuitos assim também não
existem muito menos elementos culturais inúteis ou acidentais. Cada elemento cultural
existe enquanto corresponde a uma necessidade. Malinowski mostra de modo exaurido
como todos os objectos materiais utilizados numa sociedade correspondem a necessidades
fisiológicas, técnicas, económicas, sociais, ou culturais.
Esta premissa induz a formular o seguinte princípio: «Análise funcional da cultura
parte do princípio que em cada tipo de civilização, cada uso, cada objecto material, cada
ideia e cada crença reveste uma função vital, deve desenvolver uma função, representa
uma parte indispensável de uma totalidade»2.

Quatro aspectos positivos do funcionalismo de Malinowski


Antes de examinar as críticas que foram feitas a esse tipo de funcionalismo, é necessário
ver o seu contributo. Podemos enumerar quatro aspectos:
 Antes de mais o funcionalismo de Malinowski representa a primeira tentiva de
estabelecer um método científico rigoroso na observação e na análise das
sociedades arcaicas. Malinowski ensinava que antes de tudo era necessário
observar a realidade no local e fazer uma descrição objectiva tal como ela é; propõe
também um procedimento intelectual que ia além da observação dos factos,
permitindo reagrupá-los e procurar a sua explicação de modo lógico.
 Em segundo lugar, o método de Malinowski era propriamente sociológico,
enquanto metia em relevo a pertença de cada elemento cultural num contexto
global, aquele de uma cultura, e convidava a observá-lo e explicá-lo em relação ao
contexto.
 Em terceiro lugar, mais do que outro, Malinowski conseguiu mostrar, em modo
realístico e convincente, como a sociedade e a cultura são conjuntos organizados,
integrados
 Enfim, Malinowski, para precisar melhor a sua abordagem funcionalistica,
desenvolveu a noção de cultura em modo mais articulado. Soube fazer emergir o
sentido profundo da cultura apresentando-lhe como «uma realidade essencialmente
instrumental cuja existência explica-se enquanto essa satisfaz as necessidades do
homem em modo a superar toda e qualquer adaptação a um ambiente3».

2
Cfr. B. MALINOSWSKI, voz Culture in Encyclopaedia of the Social Sciences, vol. IV, New York, MacMillan
1931, p. 645.
3
Cfr. Ibid., p. 645.

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REFORMULAÇÕES DA TEORIA FUNCIONALISTA

O funcionalismo relativo: Merton


O segundo tipo de funcionalismo, que tenham denominado relativo, construiu-se em
parte opondo-se ao funcionalismo de Malinowski, julgado muito absoluto. Robert King
Merton (1965 e 1970) declara-se abertamente um apoiante do funcionalismo, mas de um
funcionalismo renovado, ligeiro, baseado menos no estudo dos contributos dos elementos
culturais ou sociais e mais sobre as suas consequências observáveis. Esta última distinção
não está privada de consequências, pois que Merton espera conferir á noção de função um
carácter operativo e empiricamente utilizável, ausente do funcionalismo muitas vezes vago
de Malinowski,, centrando a análise sobre consequências observáveis do que sobre o seu
contributo.
Enunciando aquilo a que chamou «um paradigma de análise funcional» (Merton, 1965:
100), este autor chamou a atenção para a necessidade de distinguir entre os fins conscientes
dos indivíduos e as funções objectivamente desempenhadas pelas suas práticas (segundo)
e, com base nisso, propôs a consideração de dois tipos diferentes de funções (terceiro):
manifestas, quando a consciência da funcionalidade existe, e latentes, quando se trata de
um efeito objectivamente observável, mas que não é nem compreendido nem desejado.
Combinando, por outro lado, a primeira antinomia função-disfunção com esta outra
manifesta-latente, Merton fica com quatro tipos diferentes de realidades distinguíveis com
recurso à sua rede de análise. A par dos efeitos não desejados mas funcionais, devem, pois,
considerar-se ainda os efeitos não desejados e disfuncionais.
A obra de Merton ficou também conhecida por vários outros aspectos, e entre _os
quais destacaremos a insistente chamada de atenção para a necessidade de a sociologia
procurar elaborar aquilo a que chamou «teorias de médio alcance». À actividade do
investigador deveria ser reconhecido o seu carácter de um permanente diálogo entre a
formulação de hipóteses e a verificação das mesmas, com reformulações incessantes e
regresso ao «trabalho empírico». No contexto em que foi apresentada, esta ideia pode ser
considerada uma tentativa de resposta às críticas feitas por Mills ao «estado das coisas» na
sociologia académica norte-americana da época4.

4
Cfr. FERREIRA CARVALHO J.M. ed., Sociologia, Lisboa, McGRaw-hill, 1995, p. 216-242.

14
Crítica de Merton
Naturalmente, as críticas dirigidas às concepções funcionalistas da sociedade
suscitaram, da parte de autores reclamando-se da análise funcional, importantes tentativas
de reformulação e esclarecimento do quadro teórico desta. Propiciaram também
empreendimentos de integração de elementos funcionalistas com outros diversos, em
particular os referentes às chamadas «teorias do conflito». Referiremos algumas das mais
importantes dessas tentativas.
As críticas de Merton ao funcionalismo de Malinowski, poderiam ser referidas não
à análise funcional propriamente dita mas mais concretamente a formas extremas dela, que
considerou serem três postulados:
1. O postulado da unidade funcional da sociedade, segundo o qual os elementos
culturais e as actividades sociais as «funcionais a todo o sistema social e
cultural». Merton reconhece que «cada sociedade deve ter um certo graus de
integração», mas demonstra empiricamente que não é possível apoiar como envés
queria Malinowski, que cada sociedade seja dotada de «um nível de integração tão
alto que determina cada actividade e cada crença seja pelo conjunto da sociedade
que para todos os seus membros». Este postulado pode ser aceite somente no caso
de pequenas sociedades arcaicas, fortemente integradas; se revela envés
completamente falso quando vem aplicado a sociedades complexas, diferenciadas e
dotadas de escritura;
2. O postulado do funcionalismo universal, em base a qual cada elemento cultural ou
social desenvolve uma função; recorrendo a uma citação de Malinowski: «A
análise funcional da cultura parte do princípio de que em todos os tipos de
civilização, cada costume, cada objecto material, cada ideia e cada crença
preenchem uma qualquer função vital»
3. O postulado da necessidade, pela qual cada elemento cultural ou social é
indispensável. Merton demonstra a insustentabilidade desta posição.

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Novos conceitos operativos propostos por Merton
Através da discussão dos três postulados de Malinowski, Merton chega a
desenvolver quatro novos conceitos funcionais destinados a relativizar estes postulados
e a suavizar e sobretudo tornar operativo o funcionalismo. Antes de mais, o conceito de
equivalente funcional ou de substituto funcional. Dizer que um elemento cultural ou
social é indispensável pelo simples facto que existe, significa esquecer que uma mesma
necessidade social, psíquico ou fisiológica, pode ser satisfeita por outros elementos
culturais diversos e por vezes intercambiáveis. Em substituição do postulado
necessidade, Merton propõe «este teorema fundamental de análise funcional: assim
como um só elemento pode ter mais funções, do mesmo modo uma só função pode ser
realizada por elementos intercambiáveis». A um mesmo elemento cultural podem
portanto cultural podem portanto corresponder mais equivalentes ou substitutos
funcionais; e por outra, um elemento cultural pode servir de substituto a um outro que
seria mais eficaz.
Merton ilustra tudo isto recordando que «alguns funcionalistas concluem
apressadamente que (por exemplo) a magia ou certos ritos os crenças religiosas são
funcionais para o seu efeito sobre o espírito o a segurança dos crentes. Mas pode
acontecer que tais praticas magicas escondam ou substituam práticas profanas
acessíveis e mais eficazes.
Este último relevo leva a Merton a introduzir um novo conceito, também destinado
a tornar ligeiro o funcionalismo, isto é, aquele da disfunção. Enquanto «entre as
consequências observadas, as funções contribuem para o ajustamento de um dado
sistema», as disfunções envés «tornam em obstáculo à integração ou ao ajustamento de
um sistema». Se assumimos o exemplo das cerimónias ou das crenças mágicas ou
religiosas, precedentemente referenciadas, podemos constatar que em certos casos tais
ritos e crenças são maus substitutos de outras actividades acessíveis cujo efeito seria
melhor garantido. De algumas crenças e práticas mágicas ou religiosas podem portanto
derivar consequências negativas ou mesmo desastrosas para os indivíduos e para a
sociedade: por isso Merton propõe falar de disfunções envés de função. Muitos autores
todavia sublinham o perigo subjacente em tal disfunção, que muito facilmente pode
servir para mascarar implícitos juízos de valor.

16
Enfim, Merton propôs uma distinção ulterior entre funções definidas manifestas e
funções definidas latentes. As funções manifestas são as consequências objectivas que,
enquanto contribuem ao ajustamento ou adaptamento do sistema são compreendidas e
desejadas pelos participantes ao sistema. As funções latentes são envés aquelas que
não são nem compreendidas nem desejadas. E. Merton acrescenta que se pode falar
também de disfunções manifestas e disfunções latentes. Esta distinção equivale em
outros termos, separar, na análise funcional, o ponto de vista das pessoas em situação,
isto é daquelas que pertencem a uma dada sociedade e podem explicitar as funções
manifestas da sua actividade, do ponto de vista do observador o qual descobre funções
(ou disfunções) que não são nem recebidas nem buscadas pelos membros da mesma
sociedade5.
O funcionalismo relativo de Merton reflecte sem dúvida o funcionalismo utilizado
pela maioria dos sociólogos que se apoiam em tal corrente.

Funcionalismo: Talcott Parsons


Em 1937, Talcott Parsons publicou The Structure af Social Action, um livro que
influenciou o desenvolvimento da sociologia durante 30 anos. O seu objectivo era
desenvolver um modelo total da sociedade, que explicaria a estrutura da sociedade e os
padrões da acção individual. Ao nível estrutural, o seu objectivo era explicar as origens das
instituições sociais, os motivos da sua existência contínua e as suas relações entre si. Ao
nível da acção social, estava interessado em demonstrar como as acções e as convicções
individuais estão relacionadas com as «necessidades» da sociedade através da cultura. Esta
abordagem, que liga acção e estrutura, foi uma tentativa de fundir as sociologias de Weber
e de Durkheim. Como já vimos, Durkheim enfatizara a importância de encarar a sociedade
como um todo e de estudar a inter-relação das instituições em termos das funções que
desempenhavam para a sociedade. Weber, por outro lado, tinha salientado a importância
dos valores e da cultura no conhecimento da acção individual para, assim, compreender a
sociedade.
De acordo com Parsons, toda a sociedade, para existir, deve resolver quatro
problemas: adaptar-se ao ambiente, proporcionar um processo de tomada de decisão,
integrar as diversas instituições da sociedade e lidar com as exigências psicológicas dos
membros da sociedade. Ele chama-lhes os «pré-requisitos funcionais».

5
Cfr., GUY ROCHER, Introduzione alla Sociologia Generale. (L’azione e l’organizzazione sociale. Il cambiamento
sociale), pp. 272-298.

17
Este é o terceiro tipo de funcionalismo que se distingue dos precedentes pois este
não se refaz á análise dos elementos culturais ou sociais; o ponto de partida da sua análise
é a sociedade, considerada em modo abstracta e ao mesmo tempo global. Esta, foi a
sociologia dominante nos EUA e no conjunto do mundo ocidental. É nas obras da década
de 50 que a teorização parsoniana conhece uma elaboração que conduz ao que poderíamos
considerar as formulações definitivas do estrutural-funcionalismo. É nestas obras, também,
que as aquisições da teoria dos sistemas são, de uma forma patente e bem marcante,
integradas na análise sociológica académica, em particular americana.
Este funcionalismo, questiona-se quais são as funções essenciais que devem ser
realizadas para que a sociedade exista, se conserve e se perpetue. Isto supõe a busca dos
chamados requisitos funcionais ou imperativos funcionais. A respeito damos dois
exemplos deste tipo de analise funcional. Num artigo colectivo, cinco sociólogos
americanos6 estabeleceram uma lista de nove requisitos funcionais: para existir e
conservar-se, uma sociedade deve possuir:
1. Modalidade apropriadas para as relações necessárias com o contexto físico e social
e para a reprodução dos seus membros;
2. A diferenciação de papéis;
3. Modos de comunicação;
4. Orientações cognitivas comuns;
5. Um conjunto comum e articulado de fins;
6. Uma norma reguladora dos meios;
7. A regulamentação das expressões afectivas;
8. A socialização dos membros;
9. Um eficaz controlo sobre formas de conduta desviante.
Num outro trabalho sucessivo, um dos autores, Marion Levy, acrecentou um décimo
requisito: um satisfatório grau de institucionalização.
Por sua vez, Talcott Parsons coloca-se sobre um plano ainda mais geral. Na sua forma de
ver cada sociedade, ou mais abstractamente cada sistema social, deve responder a quatro
imperativos funcionais, precisamente:
1. Adaptação ao ambiente, físico e social- A sociedade tem de retirar as necessidades da vida do
ambiente; uma sociedade que não pode alimentar e vestir os seus membros está sujeita a desmoronar. As instituições
económicas lidam com este problema.
2. Alcançar objectivos (goal attainment): Cada sociedade deve ter uma maneira de decidir como se vai

6
Cfr., FERREIRA CARVALHO J.M. ed., Sociologia, Lisboa, McGRaw-hill, 1995, 216-242.

18
organizar e funcionar. Este processo de tomada de decisão é a instituição política.
3. Integração dos membros no sistema social- Os diversos subsistemas surgiram como resposta às
necessidades específicas da sociedade e, consequentemente, desenvolveram os seus próprios conjuntos de valores.
No entanto, não há nenhuma garantia de que os valores das várias instituições estejam em harmonia. Assim,
desenvolvem-se instituições especializadas para integrar possíveis exigências rivais. São estas as organizações
culturais informais, como a religião e a educação, e as organizações formais do sistema legal.
4. Estabilidade normativa ou Estado latente- (pattern maintenance): tem de fornecer, manter e
renovar quer a motivação dos indivíduos quer os padrões culturais que criam e mantêm
a motivação. O modelo de Parsons, conforme se recordarão, tentou conciliar uma explicação da estrutura social
com um conhecimento da acção individual. Assim, o quarto dos seus «pré-requisitos funcionais» centra-se nos
problemas psicológicos. Daqui emergem dois grandes problemas: (i) manutenção dos padrões: refere-se ao facto
de o indivíduo ter de harmonizar papéis que entram em conflito e que lhe são impostos pelos diferentes
subsistemas; por exemplo, o papel familiar pode entrar em conflito com o papel legal quando um agente policial
descobre um parente próximo a cometer um crime. Como deveria ele ou ela agir? (ii) Gestão da tensão: refere-se à
necessidade de motivar o indivíduo a permanecer dentro da sociedade, pois se esta não oferecer qualquer
satisfação, o indivíduo pode procurar uma sociedade alternativa, tomar-se desviante ou mesmo cometer suicídio. A
famtlia, os amigos e as comunidades locais preenchem as funções do estado latente.
Em virtude da nomenclatura em inglês, este (esquema de correspondências ficou
conhecido vulgarmente como esquema AGIL. É assim que passaremos a referi-lo.
Tendo mostrado as funções desempenhadas pelas instituições, Parsons quis então demonstrar a relação da
adaptação, do alcance de objectivos, da integração e do estado latente (AGIL)' com a acção individual. De
maneira a fazê-lo, ele introduziu o conceito de cultura - um conjunto de valores e crenças próprios de uma sociedade
qualquer. Já vimos que, para existir, toda a sociedade deve preencher os pré-requisitos funcionais e, no entanto, a
sociedade não tem uma existência em si mesma; é, afinal de contas, apenas um conjunto de indivíduos que interagem,
e portanto deve «persuadir» os membros a agirem de determinado modo que lhe permitirá satisfazer as suas
nece'ssidades e garantir a sua continuação. A cultura desempenha esta tarefa ao enfatizar certos valores que
«persuadem» o indivíduo a agir de determinada maneira, assegurando assim, através das suas acções, que os pré-
requisitos funcionais (AGIL) são levados a cabo.
Considerados enquanto partes do sistema geral da acção, ao sistema cultural
corresponde a estabilidade normativa; ao sistema social corresponde a integração; ao
sistema psicológico (ou da personalidade), a prossecução de objectivos, e ao sistema
biológico, a adaptação.
De acordo com Parsons, a acção humana desenvolve-se simultaneamente em quatro
contextos analiticamente diferenciados: cultural, social, psicológico e biológico. Cada um
destes contextos pode ser concebido corno um sistema. Este autor refere-se, portanto,
àquilo a que chama o «sistema geral da acção», considerando-o dividido em quatro
subsistemas, correspondentes aos quatro contextos mencionados. Estes quatro sistemas

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estão hierarquizados pela ordem referida, cada um deles regulando os que se situam
«abaixo» dele na hierarquia cibernética. De acordo com Parsons podemos falar, na
verdade, de duas hierarquias simétricas, uma de informação, e a outra, de energia. O
sistema cultural tem o máximo de informação e o mínimo de energia.
Do sistema social Parsons apresenta a seguinte definição: Um sistema social - reduzido
aos termos mais simples - consiste, pois, numa pluralidade de actores individuais que tem,
ao menos, um aspecto físico ou (de meio ambiente, actores motivados por uma tendência
para «obter um óptimo de gratificação» e cujas relações com as suas situações - incluindo
os outros actores - estão mediatizadas e definidas por um sistema de símbolos
culturalmente estruturados e partilhados (Parsons, 1982: 17).
A própria definição de cada sistema obriga, portanto, obviamente, ao enunciar das
relações com os outros e da sua interdependência. Mas deve também notar-se que nas
obras da década de 50 Parsons optou pela definição do conceito de papel como unidade
básica deste sistema. Assim, o sistema social seria pensado essencialmente como uma
rede de actores desempenhando papéis. Esses actores considerados por si seriam,
obviamente, um outro assunto: tratar-se-ia, nesse caso, do sistema psicológico ou da
personalidade. É na medida em que desempenham papéis que os indivíduos se integram
na sociedade e a constituem. Por isso, em rigor, a unidade básica desta (ou do sistema
social) é o papel.
Entretanto, se a sua posição hierárquica no sistema geral da acção lhe comete o
imperativo funcional da integração, já considerado por si próprio (e não como subsistema
de um sistema mais vasto) o sistema social tem, também ele, de garantir não apenas um,
mas todos os quatro imperativos funcionais. A este título Parsons distingue as chamadas
«componentes estruturais»: valores, normas, instituições (ou colectividades) e papéis. A
cada uma destas componentes corresponderia um dos imperativos funcionais,
respectivamente a estabilidade normativa, a integração, a prossecução de objectivos e a
adaptação (isto é, o esquema AGIL, mas «lido» a partir do fim). A listagem indicada
permite pensar o sistema social como articulado no «topo» (os valores) com o sistema
cultural; na «base» com o sistema da personalidade (os papéis). Todavia, parece ficar
mais ou menos implícita nela uma ideia de regulação do nível «micro» (os papéis, o que
implica também os actores) pelo nível «macro» (as instituições, por sua vez reguladas
pelos valores e pela concretização destes em regras práticas de conduta - as normas).
Por outro lado, é levado a considerar também o mesmo sistema social como dividido
em quatro subsistemas com a seguinte tradução em termos práticos: moral, direito,

20
política e economia. A cada um destes subsistemas volta a corresponder um imperativo
funcional de acordo com o referido sistema AGIL.
A adaptação corresponde à economia; as sociedades adaptam-se ao seu meio ambiente
«através do trabalho, da produção, da afectação de recursos». A prossecução de
objectivos à política, «visando objectivos sociais e mobilizando os actores e os recursos
para esses fins». A integração refere-se ao direito, «que coordena as várias componentes
da sociedade». A estabilidade normativa respeita à moral, a qual cumpre esse imperativo
«transmitindo a cultura (normas e valores) aos actores e permitindo que aquela seja
interiorizada por estes» (Ritzer, 1988: 91).
Do ponto de vista do actor individual, de acordo com Parsons, a acção é organizada
tendo em conta as seguintes três dimensões distintas: catéxia, cognição, avaliação
(cathexis, cognition, evaluation). A primeira dimensão refere-se ao elemento afectivo e
induz uma relação imediata com os objectos (desejo). A segunda suscita uma atitude
prospectiva por parte do actor relativamente ao meio (conhecimento). A terceira dimensão
é integradora e um factor de mediação. Visa a definição de uma hierarquia de prioridades
(selective ordering) que deverá contribuir para a manutenção do ego do actor, da sua
integridade física e psíquica.

AGIL - SISTEMA GERAL DA ACÇÃO


Sistema Cultural Sistema Social
Sistema Biológico Sistema Psicológico

AGIL - SISTEMA SOCIAL

Moral Direito
Economia Política

Embora o sistema social possa, evidentemente, recorrer à violência como forma última de
auto-regulação, um sistema social assente exclusiva ou essencialmente nesta é, como
dissemos, considerado impossível. Pelo contrário, os actores devem ser sujeitos a um
processo de socialização ou de interiorização dos valores, que, tendo lugar desde a
infância, deverá conduzir a uma situação em que aquilo que é considerado desejável por
eles corresponda perfeitamente ao que é suposto eles realizarem, à maneira como é suposto
que eles se conduzam do ponto de vista da manutenção do sistema social. Quer dizer, o que
os actores consideram desejável deve estar em perfeita correspondência com os conjuntos
de expectativas associadas aos papéis definidos.
Bem entendido, Parsons distingue três tipos diferentes de necessidades-disposições, em

21
relação estreita com as três dimensões da acção (catéxia, cognição, avaliação):
o primeiro tipo impele os actores a procurar amor, aprovação e objectivos afins, a partir
dos seus relacionamentos pessoais. O segundo tipo inclui valores interiorizados que
conduzem os actores a observar vários padrões culturais. Finalmente, as expectativas
associadas aos papéis conduzem os actores a dar e obter respostas apropriadas.
Todavia, isso em nada desautoriza esta outra interpretação de um Parsons determinista
e, na verdade, subvalorizando o sistema da personalidade, uma vez que os actores parecem
ser, assim, ou impelidos pelas pulsões (drives), ou dominados pela cultura, ou, ainda,
«moldados pela combinação de pulsões e cultura (isto é, pelas necessidades-disposições).
Em todo o caso, deles sobraria apenas uma imagem de passividade e mera reactividade.
Quer a acção seja considerada essencialmente escolha por parte dos actores (que nesse
caso designaríamos de preferência por «agentes»), quer se trate de uma determinação pela
sociedade (e assim, no fundo, pela cultura), Parsons considera necessário, no estudo do
sistema social, ter presente aquilo a que chama as variáveis de configuração (pattern
variables). Trata-se de uma série de escolhas a que o actor (ou agente) deve
necessariamente proceder para que as situações sejam, para ele, dotadas de sentido. Nessa
medida, são também condições lógicas da própria interacção social:
(...) por variável entendemos uma dicotomia, da qual o actor deve escolher um dos
termos, previamente a que o sentido da situação seja determinado para ele, e, portanto,
antes mesmo de poder agir sobre essa situação. Sustentamos que há apenas cinco
variáveis fundamentais (quer dizer, cinco variáveis que derivam do próprio quadro da
teoria da acção) e na medida em que a lista é exaustiva, elas constituem um sistema.
Segundo Parsons, os valores culturais (chamados de «variáveis-padrão») recaem sobre
cinco possíveis categorias alternativas e a cultura, reflecte a forma como a sociedade
solucionou os pré-requisitos, orienta a acção individual ao «sugerir» um dos padrões
alternativos como sendo normativamente correcto, enunciemo-las, portanto, e por
comodidade atribuamo-lhes um número:
 Afectividade versus neutralidade afectiva- Uma sociedade pode caracterizar-se pelo
envolvimento emocional entre os membros ou por uma atitude não emocional.
Geralmente, a nossa sociedade enfatiza uma atitude neutra para com os outros,
excepto dentro da famtlia e para com os amigos. Nas sociedades tribais, tende a
haver elos emocionais entre os membros; o que seria impossível na nossa sociedade
simplesmente devido ao número de pessoas com que a maioria dos membros
interage.

22
 Especificidade versus redundância- As relações entre os membros de uma
sociedade podem basear-se num único motivo ou em vários motivos. Na nossa sociedade,
geralmente interagimos com as pessoas devido a um fim específico. O professor apenas ensina a
criança e não tem qualquer outra relação com ela. Nas sociedades tribais, as relações são mais
complexas: o chefe pode ser o líder, o primo, o amigo ou o cliente.
 Universalismo versus particularismo- Se existe uma regra deve aplicar-se a todos de maneira igual,
ou deverão fazer-se excepções? Por exemplo, na Inglaterra feudal, aplicavam-se leis diferentes sobre
a caça à nobreza e aos camponeses. Hoje, as normas legais aplicam-se supostamente a todos
igualmente.
 Qualidade versus desempenho- Os direitos e os privilégios serão atribuídos às pessoas de acordo
com algum critério inato ou pela sua capacidade? Até há pouco tempo, a África do Sul dava
abertamente privilégios divergentes de acordo com a cor da pele, portanto a ênfase aí estava na

«qualidade» .

 Auto-orientação versus orientação-colectivista- Será que a sociedade sublinha a


importância da individualidade ou a responsabilidade do indivíduo para com a
sociedade mais vasta? Isto é retirado da divisão de Durkheim entre formas
mecânicas e orgânicas de solidariedade social.
Daquilo que mencionámos atrás, podem ver que as variáveis-padrão aplicáveis à nossa
sociedade são: (a) neutralidade afectiva, (b) especificidade, (c) universalismo, (d)
desempenho e (e) auto-orientação.
Parsons veio depois a reduzir as variáveis de configuração a quatro, com a supressão da
que nesta formulação é a variável (2). Na versão que ficou exposta, considera que as três
primeiras resultam «do facto mesmo de que não existe nenhuma hierarquia dada na
natureza biológica do actor» e as duas últimas respeitam «à indeterminação intrínseca dos
objectos». Seja como for, cumpre ainda a este respeito observar que o próprio Parsons
reconheceu que a identificação das várias pattern variables resultou de um esforço de
tipificação apoiado na antinomia comunidade-sociedade de Tonnies, na qual considerou
poder distinguir não uma oposição mas várias: «(...) a dicotomia de Tonnies não fornece os
dois pólos de uma só variável, mas resulta da confusão de uma pluralidade de variáveis
analiticamente independentes».

A Teoria geral dos sistemas


A análise sistémica foi desenvolvida essencialmente como uma tentativa de
superação do que foi em grau crescente considerado o carácter limitado da física
convencional e a sua incompatibilidade com as aquisições da biologia. De uma maneira

23
muito geral, a palavra «sistema» é definida como «conjunto de partes interactuantes». Do
conceito faria, assim, parte, desde logo, a noção de diferenciação, bem como a de
interacção (ou interdependência). É o facto de as partes serem interactuantes que as
constitui em sistema, isto é, algo mais do que um simples conjunto ou agregado, algo mais
do que a simples soma das partes.
Esta noção de totalidade impõe, por outro lado, a de finalidade: todos os sistemas
são direccionados, e implicam uma teleologia. Falar de teleologia é, falar de uma
causalidade diferente da mera causalidade mecânica a que a física tradicional se
acostumara e, com a moderna análise sistémica, essa noção veio intimamente associada à
de informação: a par da sua consideração do ponto de vista da energia, a realidade foi,
pois, progressivamente concebida como informação.
Foram as noções da teoria da informação, em particular a noção de retroacção
(feed-back), estreitamente associada à de equifinalidade, que tornaram possível a
consideração do conceito de neguentropia, a par do de entropia. Expliquemo-nos melhor:
se é característica de todos os sistemas sujeição à lei da entropia (segundo princípio da
termodinâmica), se todos os sistemas observam, por outro lado, a propriedade da
finalidade, é traço distintivo dos sistemas abertos a observância quer da finalidade quer de
comportamentos adaptativos como a retroacção. São estes que permitem a neguentropia.
Por finalidade referimo-nos à capacidade para atingir um mesmo estádio final a partir de
diferentes estádios iniciais. Quanto à retroacção, é um comportamento auto-regulador que
respeita em particular à manutenção da homeostasia (preservação por adaptação do
equilíbrio de um determinado organismo). Mais genericamente, todavia, a regulação pode
ser considerada quer sob a forma das regulações ditas primárias (ou dinâmicas) quer das
secundárias (dinâmicas). São as primeiras que sobretudo apelam à noção de sistema aberto.
Os sistemas abertos, como é o caso com os organismos vivos, são, pois, capazes de criação
e de inovação - daquilo a que poderíamos, em suma, chamar auto-enriquecimento ou
complexificação crescente (neguentropia).
A análise sistémica propõe-nos, em síntese, um quadro teórico de referência que
nos leva a pensar a realidade como organização. Noções como as de totalidade,
crescimento e diferenciação, ordem hierárquica e comando, conflito, complementaridade e
competição são características de toda a organização, seja a de um ser vivo, seja a de uma
sociedade. À reconciliação da física com " biologia, a análise sistémica acrescentaria assim
uma correcta articulação desta última com as teorias sociais.
De entre o léxico parsoniano, tal como ele é exposto na obra de 1937, assumem

24
igualmente uma importância decisiva, para além da noção de sistema, as de estrutura e de
função. A maneira como cada um destes conceitos é exposto faz um apelo directo à
metáfora biológica. Parsons põe, na verdade, a noção de estrutura a par da de anatomia (ou
de morfologia), e a de função em paralelo com a de fisiologia (Parsons, 1968 I: 76-77). A
estrutura seria, assim, aquilo que poderíamos expressar como «a maneira como isto está
disposto», e por função entender-se-ia «a maneira como isto opera». Nas obras da década
de 50, Parsons manterá esta distinção crucial (fazendo corresponder o conceito de estrutura
ao de uma «componente estática», e o de função ao de uma «componente dinâmica»), a
qual permite, curiosamente, aproximá-lo de Comte. A estrutura de um sistema seria, assim,
a sua «parte estável», aquilo que permaneceria para além das mudanças. As referências à
função viriam, pelo contrário, chamar a atenção para o lado «operacional», «integrador» ou
«dinâmico» do sistema, o que complementaria a primeira parte da análise.

Críticas ao estrutural – funcionalismo


Exposto o essencial da teorização parsoniana, procuremos agora enunciar as principais
críticas que lhe foram dirigi das sobretudo depois de, por meados da década de 60, o
estutural-funcionalismo ter deixado a posição de paradigma quase incontestadamente
dominante na sociologia académica. Eis a lista das principais objecções:
a) O estrutural-funcionalismo tende para uma análise abusivamente teleológica,
supondo (ou postulando) que as realidades estudadas visam fins na verdade inexistentes
ou inde-monstráveis. Esta crítica resultaria, em substância, em afirmar que se trata
nestes casos de um funcionalismo abusivo, através do qual se atribui uma razão de tipo
finalista àquilo que não a possui;
b) Esta atribuição de uma razão vem também, com frequência, associada ao
reconhecimento de uma legitimidade, a uma justificação moral da ordem social
existente e das suas instituições. O estrutural-funcionalismo sofreria, assim, de um
enviesamento conservador. Naturalmente, por comparação com o que foi a sua tradição
progressista no século XIX, esta crítica tem uma inegável componente de ironia. O
funcionalismo teria, assim, sofrido globalmente uma evolução comparável à do próprio
Comte: da legitimação de um processo ter-se-ia passado à de uma forma social,
supostamente representando o seu estádio final ou superior. Mas algo de muito afim já
foi, de resto, afirmado do próprio Parsons, que, pelos padrões da política norte-
americana, teria passado de uma atitude «liberal» nas primeiras obras, a uma outra,
«conservadora», nas obras posteriores a 1945 (Colomy, 1990a);

25
c) Estreitamente associada às características anteriormente referidas vem aquilo que
podemos enunciar resumidamente como suposição abusiva de homeostasia. O estrutural-
funcionalismo propenderia a sobrevalorizar os elementos de equilíbrio e estabilidade da
realidade social, desprezando ou olvidando o que ela comporta de conflito e tensão. Por
isso, teria dificuldade em explicar a componente de mudança das sociedades humanas, em
compreender a sua história, em suma;
d) O estrutural-funcionalismo tenderia para o que já foi designado por concepção hiper
socializada dos indivíduos (Wrong, 1961). A sua análise levá-lo-ia a pensar estes como
produzidos pela organização social e não como produtores dela. Os indivíduos seriam,
assim, considerados passivos, mera matéria plástica que é moldada pela sociedade, o
todo, cuja disposição seria, assim, promovida a cerne de todas as explicações. Tratar-se-
ia de uma forma abusiva de holismo na teoria sociológica. Por comparação com as
preocupações iniciais de Parsons em fazer ressaltar o carácter voluntarista da acção, esta
crítica também pode ser considerada irónica: a concepção dos seres humanos como
«ratos de laboratório» obedecendo a estímulos materiais teria sido veementemente
repelida apenas para passar a tomá-los... como «ratos de laboratório» da cultura;
e) Este holismo é, assim, culturalista, na medida em que o estrutural-funcionalismo atribui
à cultura, aos valores, se não a determinação pura e simples das práticas sociais, pelo
menos a regulação das mesmas. Na verdade, Parsons chegou a dar do seu trabalho uma
definição lapidar, apresentando-se como um «determinista cultural» (Ritzer, 1988: 92).
Com isso, o estrutural-funcionalismo teria intempestivamente reaberto a interminável e
estéril querela dos determinismos sociais;
f) Os autores estrutural-funcionalistas (a começar pelo próprio Talcott Parsons) definem de
maneira insuficiente e imprecisa muitos dos conceitos que utilizam, como sistema,
função, estrutura e outros. Por vezes, usam uma mesma expressão em múltiplos sentidos
sem o declararem (e talvez mesmo sem disso se aperceberem). Essas imprecisões são
frequentemente sustentadas (é o caso do próprio Parsons) por um estilo pouco claro e
desnecessariamente enovelado. O carácter nebuloso da sua escrita propicia, em
particular, o vício da tautologia: os autores estrutural-funcionalistas apresentam não raro
como conclusões juízos que já estavam implícitos nas premissas de que partiram. Um
caso frequente desse vício de raciocínio circular nos escritos dos autores desta corrente é
aquele em que se define «o todo em termos das partes, e as partes em termos do todo».
As acusações de tautologia são talvez das que mais frequentemente o estrutural-
funcionalismo sofreu

26
O caso Mills
De acordo com Mills, a sociologia norte-americana da época estaria a ser vítima de dois
vícios simultaneamente opostos e complementares: o que designou por «empirismo
abstracto» e a «Grande Teoria» (o parsonismo). De um lado, em suma, a tradição dos
trabalhos «empíricos» mais ou menos obcecados com a pura e simples recolha dos
«factos».
No outro extremo do espectro, a «Grande Teoria», visando a identificação de leis com
uma generalidade tão grande, que não deveria admirar o carácter abstracto dos raciocínios
dos seus cultores, nem a dificuldade dos leigos em compreendê-los. O problema é que
Mills duvida de que Parsons tenha, na verdade, chegado a algo de relevante nesse domínio
uma vez que, segundo este autor, a «Grande Teoria» não produziu, até ao momento, mais
do que enunciados que, se trocados em miúdos, resultam apenas em generalidades
insípidas, em tiradas de senso-comum, na maior parte dos casos de tom conservador.
Parsons, em suma, diz de forma retorcida, desnecessariamente complicada, aquilo que, se
expresso de forma simples, seria mais preciso, mas também decepcionante, ingénuo, por
vezes parcial.

Neo-funcionalismo

O neofuncionalismo já foi definido como «uma corrente autocrítica de teoria


funcionalista que procura alargar o horizonte intelectual do funcionalismo, mas
mantendo o seu núcleo teórico». Trata-se, na verdade, de um grupo de autores que,
mais do que pela sua efectiva proximidade teórica com o estrutural-funcionalismo,
designaremos por «neofuncionalistas» por comodidade, na medida em que eles
próprios dessa forma se designam. embora observe que eles significam tensão, a qual
é fonte simultaneamente de controlo e de mudança.
Assim, esta corrente de autores que, depois do refluxo da análise funcionalista na
década de 60, marca o seu regresso (ou o do que é assumido como tal) por meados da de
80, considera as partes de um sistema «ligadas simbioticamente», mas não postula que a
sua interacção é determinada por uma força superior. Rejeita a ideia de uma mono
causalidade determinista sendo, pelo contrário, pluralista e não finalista. Presta tanta
atenção à ordem como à acção; ao nível macro como ao nível micro. Na acção reconhece,

27
por outro lado, um aspecto expressivo, a par de um outro, racional. Toma a integração
como uma possibilidade, não como um facto consumado, quer dizer, o equilíbrio (que
considera sobretudo um equilíbrio dinâmico) é um ponto de referência da análise, não uma
descrição dos sistemas sociais reais. A mudança, por outro lado, é considerada sobretudo
uma fonte de diferenciação e de tensões institucionais, mais do que de harmonia.
Entretanto, aceita da análise parsoniana o quadro dos diferentes níveis - cultura, sociedade,
personalidade7.

Ralf Dahrendorf
Ralf Dahrendorf foi o responsável por aquilo que, na década de 60, constituiu talvez a
mais importante tentativa de construção de uma teoria capaz de integrar elementos das
concepções funcionalistas e outros, característicos das chamadas «teorias do conflito». De
acordo com este autor, o estrutural-funcionalismo e o marxismo constituiriam, um e outro,
duas concepções parciais da realidade social colocando ênfase em aspectos distintos e, na
verdade, opostos. Assim, enquanto para Parsons a sociedade_ é. um todo coerente, onde
prevalece a estabilidade e o consenso mediante a regulação pelos valores, para Marx todas
as sociedades seriam caracterizadas pelo conflito e pela dominação, o que induziria nelas
uma necessidade permanente de mudança. Ora, segundo Dahrendorf estas não são mais do
que visões parciais, ambas verdadeiras mas também ambas unilaterais, da realidade social.
O projecto enunciado consistiria, pois, em construir um modelo dotado de um grau de
generalidade maior, do qual os outros dois não seriam mais do que teorias parciais,
referentes a casos particulares ou a aspectos diferentes.
Para este autor, as sociedades podem ser consideradas «associações coordenadas de
forma imperativa», nas quais estão definidas de forma objectiva posições (e os papéis
correspondentes). Estas posições devem ser distinguidas essencialmente em função do
critério da autoridade, definida de forma weberiana (como um poder que pode ser estável
na medida em que é reconhecido como legítimo pelos que o sofrem). Assim, de acordo
com este autor, há essencialmente posições sociais de dois tipos: de dominantes e de
dominados. Esta dicotomia essencial diz respeito, segundo afirma, a todas as «associações
organizadas de forma imperativa», isto é, a todas as sociedades.
Sendo a definição das posições sociais uma definição objectiva e resultando a
distribuição desigual da autoridade (considerada um «recurso escasso») da dita definição

7
Cfr., FERREIRA CARVALHO J.M. ed., Sociologia, Lisboa, McGRaw-hill, 1995, 216-242; GUY ROCHER,
Introduzione alla Sociologia Generale. (L’azione e l’organizzazione sociale. Il cambiamento sociale), pp. 269-298.

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das posições, quer a autoridade quer o seu correlativo, a subordinação, devem ser
considerados realidades objectivas, independentes da mera subjectividade dos actores.
Bem assim, o próprio conflito é uma resultante da disposição objectiva dos actores (da
maneira como as posições sociais estão definidas e dos papéis que lhes vêm associados).
A sociologia de Dahrendorf aceita, assim, uma boa parte do quadro conceptual
parsoniano, que é reconhecido como uma metáfora cénica, a qual constituiria um recurso
heurístico válidoo homo sociologicus é o quadro mesmo da análise sociológica, tal como o
homo economicus é o da análise económica. Todavia, afasta-se da tradição parsoniana
numa direcção que tem sido frequentemente reconhecida como mais weberiana do que
marxista8. Na verdade, embora raciocine com base num modelo antinómico no qual as
classes são definidas como grupos definidos objectivamente e em conflito, Dahrendorf faz
da autoridade, e não das relações de produção, o aspecto essencial da sua análise. A sua
teorização dos conflitos de classes levou-o, por outro lado, a ter em conta diferenças
induzidas por aspectos tão diversos como a maior ou menor mobilidade social vertical,
maior ou menor «superimposição» dos conflitos, maior ou arbitragem destes, etc.
O tipo de caracterização dos conflitos elaborado por Dahrendorf foi, em essência, o
adoptado por autores que podem ser considerados continuadores da sua obra tais como,
entre outros, Pierre van den Berghe, Lewis Coser, Joseph Himes e Randall Collins. Já foi
alegado, a respeito desta corrente de autores, que a sua análise ganharia com a adopção de
uma teoria «mais marxiana» e «mais integrada» do conflito9.

Em suma, o traço comum a todas as concepções funcionalistas da sociedade é,


como poderia supor-se, a tendência mais ou menos marcada e conscientemente assumida
para considerar os factos sociais e as instituições como desempenhando uma «função» que
só pode ser compreendida referindo-os (as) a uma «totalidade», uma «sociedade global»
que ultrapassa esses factos e instituições tomados(as) por si.

8
Cfr. DAHRENDORF, R., «Homo Sociologicus – The Category of Social Role», in Essays in the Theory of
Society, Stanford, Stanford University Press, 1968.
9
Cfr., RITZER GEORG, Contemporary Sociological Theroy, Singapura, McGraw-Hill, 1988; ID., Teoria
Sociológica Classica, Madrid, McGraw-Hill, 1992.

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