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UNIVERSIDADE AGOSTINHO NETO

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA

Sebentas de Teorias Antropológicas

Ano Académico 2021


Professor: Gabriele Bortolami Ph.D.

LUANDA, 2021

1
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................5
EVOLUCIONISMO ...............................................................................................................................5
PARTICULARISMO HISTÓRICO............................................................................................................6
FUNCIONALISMO ...............................................................................................................................7
ESTRUTURALISMO .............................................................................................................................7
ANTROPOLOGIA INTERPRETATIVA ................................................................................................................8
CONCLUSÃO ..........................................................................................................................................9
O ILUMINISMO .................................................................................................................................... 11
O ILUMINISMO E O CONCEITO DE CULTURA. ................................................................................................. 12
O CAIXÃO VAZIO. .................................................................................................................................. 13
TOLERÂNCIA E RELATIVISMO. ................................................................................................................... 14
O TESOURO DOS SIGNOS ......................................................................................................................... 14
A INCULTURAÇÃO. ................................................................................................................................ 15
ETNOGRAFIA. ...................................................................................................................................... 16
COMPORTAMENTO HUMANO E LEI NATURAL. ............................................................................................... 19
OS MODELOS MATERIALISTAS. ................................................................................................................. 21
 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................. 22
EVOLUCIONISMO ................................................................................................................................. 23
A DOUTRINA DA MONOGÊNESE. ............................................................................................................... 23
POLIGÊNESE ........................................................................................................................................ 24
UMA TEORIA INCONVENIENTE .................................................................................................................. 24
NÓS SOMOS MACACOS? ......................................................................................................................... 24
A EVOLUÇÃO DO SÉCULO XIX DE MORGAN E TYLOR. ..................................................................................... 24
A HERANÇA DO ILUMINISMO ................................................................................................................... 26
O CRIACIONISMO ................................................................................................................................. 26
1) Degeneracionismo: a teoria da « degeneração» ....................................................................... 26
2) Do mais simples ao mais complexo .......................................................................................... 26
3) transformismo biológico Darwin .............................................................................................. 27
4) Catastrofismo .......................................................................................................................... 28
5) Uniformismo ........................................................................................................................... 28
6) Unidade psiquica do genero humano ....................................................................................... 28
7) Do menos perfeito ao mais perfeito ......................................................................................... 29
8) Estadeações ............................................................................................................................ 29
9) Comparativismo ...................................................................................................................... 30
LAFITAU ............................................................................................................................................. 31
EVOLUCIONISMO DE COMTE ................................................................................................................... 31
Evolucionismo de Hegel ............................................................................................................... 31
TYLOR................................................................................................................................................ 32
A FILOSOFIA DA HISTÓRIA COLOCA CIVILIZAÇÕES EM UM EIXO TEMPORAL ............................................................ 32
TRAÇOS CULTURAIS ............................................................................................................................. 32
DIFERENCIAÇÕES SOCIAIS: ....................................................................................................................... 34
OS PRINCÍPIOS DA EVOLUÇÃO SOCIAL SPENCER: ........................................................................................... 34
ORGANISMO SOCIAL .............................................................................................................................. 34
SOCIEDADE MILITAR .............................................................................................................................. 35
O PRINCÍPIO MILITAR É A COOPERAÇÃO OBRIGATÓRIA. ................................................................................... 35
EVOLUCIONISMO CÓSMICO ..................................................................................................................... 36
PRIMAZIA DA CIÊNCIA ............................................................................................................................ 37
A RELIGIÃO ......................................................................................................................................... 37
A FILOSOFIA ........................................................................................................................................ 38
REDUCIONISMO ................................................................................................................................... 38
EVOLUCIONISMO DE SPENCER .................................................................................................................. 38
LEI GERAL ........................................................................................................................................... 39

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EVOLUIR É MUDAR ................................................................................................................................ 40
MATERIA ............................................................................................................................................ 41
PARTICULARISMO HISTÓRICO.............................................................................................................. 43
ESCOLA DO PARTICULARISMO HISTORICO .................................................................................................... 44
IMAGEM DE BOAS ................................................................................................................................. 44
OS CONTEMPORÂNEOS DE BOAS .............................................................................................................. 45
RACISMO ............................................................................................................................................ 46
CRITICA DO MÉTODO COMPARATIVO.......................................................................................................... 46
BOAS CONTRA O EVOLUCIONISMO ............................................................................................................. 48
PURITANISMO METODOLÓGICO ................................................................................................................ 48
FISICISMO ........................................................................................................................................... 49
REJEITO DO MATERIALISMO .................................................................................................................... 50
MUSEÓLOGO ....................................................................................................................................... 51
A INTEGRAÇÃO DE CULTURAS ................................................................................................................... 51
CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ 52
DISCIPULOS DE BOAS ........................................................................................................................... 54
NATUREZA E CULTURA ........................................................................................................................... 54
ALFRED KROEBER E CONFIGURAÇÕES DA CULTURA ........................................................................................ 56
CULTURA E CONFIGURAÇÕES ................................................................................................................... 59
RUTH BENEDICT E OS MODELOS DA CULTURA .............................................................................................. 62
Biografia ..................................................................................................................................... 63
DIFUSIONISMO .................................................................................................................................... 68
ORIGEM DO CONCEITO DE ÁREA CULTURAL. ................................................................................................. 68
O PONTO FRACO DO CONCEITO DE ÁREA CULTURAL. ...................................................................................... 69
OS CENTROS, AS CULMINÂNCIAS E A LEI DA DIFUSÃO. ..................................................................................... 70
A CRÍTICA DE STEWARD. ......................................................................................................................... 71
A ESTERILIDADE DO CONCEITO DE DIFUSÃO. ................................................................................................. 71
DIFUSIONISMO EXTREMISTA. ................................................................................................................... 72
DIFUSIONISMO BRITÂNICO. ..................................................................................................................... 73
A HISTÓRIA NUNCA SE REPETE. ................................................................................................................. 74
ORIGEM DO MÉTODO ALEMÃO NA HISTÓRIA DA CULTURA. .............................................................................. 75
OS CRITÉRIOS DE FORMA E QUANTIDADE. .................................................................................................... 76
O ESQUEMA DE SCHMIDT. ...................................................................................................................... 77
III Grau secundário ...................................................................................................................... 77
IV grau terciário .......................................................................................................................... 77
USO DO MÉTODO COMPARATIVO. ............................................................................................................. 79
DEFENSORES AMERICANOS DE SCHMIDT. .................................................................................................... 80
ESCOLA PAN-EGÍPCIA ............................................................................................................................ 83
ESCOLA HISTÓRICO-CULTURAL ................................................................................................................. 84
CULTURA HOLÍSTICA .............................................................................................................................. 86
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA, SUPERESTRUTURA ........................................................................................ 86
O MATERIALISMO DIALECTICO E O MATERIALISMO CULTURAL ........................................................... 88
MARX E A DESCOBERTA DO EVOLUCIONISMO ............................................................................................... 88
A INFLUÊNCIA DE MARX. ........................................................................................................................ 88
FOI MARX QUEM DESCOBRIU A LEI DA EVOLUÇÃO CULTURAL? .......................................................................... 88
A DOUTRINA DA UNIDADE ENTRE TEORIA E PRÁTICA. ...................................................................................... 89
A AMEAÇA DA POLÍTICA. ......................................................................................................................... 89
MARX COMO UM EVOLUCIONISTA. ............................................................................................................ 90
ESQUEMA EVOLUCIONISTA DE MARX. ........................................................................................................ 90
O PRINCÍPIO DA SELEÇÃO CULTURAL EM MARX. ............................................................................................ 91
MARX E SPENCER ................................................................................................................................. 92
A ESTRATÉGIA DO MATERIALISMO CULTURAL................................................................................................ 92
APLICAÇÃO AO CONFLITO ANGOLANO ........................................................................................................ 93

3
ESTRUTURALISMO ............................................................................................................................... 95
LÉVY-STRAUSS VIDA E OBRAS................................................................................................................... 95
O ESTRUTURALISMO .............................................................................................................................. 96
DIVERSIDADE ENTRE HOMEM E ANIMAL ..................................................................................................... 96
NATUREZA-CULTURA. ............................................................................................................................ 97
ORGANIZAÇÃO SOCIAL E PARENTESCO ........................................................................................................ 98
AS ESTRUTURAS ELEMENTARES DE PARENTESCO. ......................................................................................... 100
ESTRUTURA ....................................................................................................................................... 101
DEFINIÇÃO DE ESTRUTURA .................................................................................................................... 102
AS ESTRUTURAS SE DISTINGUEM ............................................................................................................. 102
PENSAMENTO SELVAGEM ..................................................................................................................... 103
HISTÓRIA E ETNOLOGIA ........................................................................................................................ 106
Totemismo ................................................................................................................................ 107
ANÁLISE DE MITOS .............................................................................................................................. 109
O UNIVERSO DOS MITOS ....................................................................................................................... 110
TRISTES TRÓPICOS (GEERTZ) ................................................................................................................. 110
SOCIEDADES QUENTES E FRIAS ................................................................................................................ 111
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 115
ANTROPOLOGIA DO MUNDO CONTEMPORÂNEO.............................................................................. 116
TORNAR A ANTROPOLOGIA DE DOMÍNIO PUBLICO ........................................................................................ 116
TERMOS E CONCEITOS .......................................................................................................................... 117
Etnologia ................................................................................................................................... 117
Antropologia cultural................................................................................................................. 118
Antropologia social.................................................................................................................... 118
O significado do termo antropologia .......................................................................................... 118
Alteridade ................................................................................................................................. 119
A imagem do mundo contemporâneo ........................................................................................ 120
O MUNDO CONTEMPORÂNEO ................................................................................................................ 121
PLURALIDADE DAS CULTURAS ................................................................................................................. 122
ANTROPOLOGIA DA COMPLEXIDADE ........................................................................................................ 122
NO CAMPO ....................................................................................................................................... 122
DA ETNOGRAFIA DE EMERGÊNCIA À ANTROPOLOGIA GERAL............................................................................ 123
DIVERSIFICAÇÃO DAS ÁREAS DE ESTUDO .................................................................................................... 124
AUTARQUIAS ..................................................................................................................................... 124
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 126

4
INTRODUÇÃO

Antropologia é uma ciência muito jovem, as suas origens são de uma centena de anos.
Trata-se de uma disciplina social que examina as relações por meio dos processos
culturais.

Quais são as diferentes ideologias, pensamentos e escolas que têm sido propostas pelos
diferentes personagens? Em primeiro lugar, vamos analisar a teoria evolutiva com seus
respectivos autores: Spencer, Lewis Morgan e Edward Tylor, onde se discute e critica as
propostas taxonômicas. Imediatamente a proposta do particularismo histórico de Franz
Boas na sua tentativa de colocar bases científicas o estudo antropológico por meio do
trabalho de campo ou da etnografia e teoria particularista dei desenvolvimento cultural.
Depois, a teoria funcionalista de Malinowski e estrutural funcionalista - Radcliffe Brown,
onde será descrito sucintamente a propostas pragmáticas para obter uma melhor
compreensão da sociedade por meio dos seus componentes individuais e colectivas. E a
prática dei trabalho de campo como fundamental dessas investigações. Nós continuamos
com o estruturalismo proposto por Claude Levi Strauss e a sua concepção de sociedade
totalmente radical para seus antecessores. Strauss é uma verdade científica que parece
oferecer uma das teorias que são mais razoáveis e aceitáveis para a explicação da
sociedade. Continuando com a teoria interpretativa da cultura de Clifford Geertz e sua
concepção dos símbolos e significados dos actos humanos. Esta teoria vai analisar o
conceito de Geertz sobre factos sociais. No final será exposto e criticado brevemente
sobre dois estudos específicos de antropologia social, Estas são: a antropologia urbana e
antropologia política; o primeiro dedicado a descobrir a nova cultura que é criada nas
cidades pela interação de diversos grupos étnicos; e o segundo dedicado ai estudo do
poder nas sociedades. Todo o resultado anterior dei processo é o desenvolvimento da
concepção de cultura que nos dá a antropologia e que tentam cobrir tanto quanto possível,
de modo a compreender sua essência, embora em geral. Já que nos convencemos que a
antropologia deve ser analisada em profundidade, para ser capaz de descobrir a
riqueza espiritual e intelectual que possui.

EVOLUCIONISMO

A Teoria Evolutiva nos explica a situação actual da sociedade, os pioneiros desta teoria
são com Herbert Spencer, Lewis Morgan e Edward B Tylor que se basearam em fontes
duvidosas e em preconceitos. Isto resultou em obras como os Princípios de
sociologia (1864) de Spencer, que manifesta a sua insistência em explicar a natureza
social servindo-se da analogia do organismos biológicos como base para a compreensão
da sociedade. Por isso Morgan inventou o termo "sobrevivência dos traços culturais",
como parte da sua concepção classificatória. O evolucionismo unilinear de Morgan
concluiu que cada sociedade deve passar pelo mesmo processo evolutivo, a fim de
alcançar a chamada "civilização". Daí a discriminação racista e taxonomica dos seres
humanos. Morgan considera a tecnologia e a economia como meios para obter uma
melhor compreensão da sociedade, são ideias essas que podemos encontrar em Ancient
Society (1877) onde se atreve a expressar os seus pensamentos ideando os estágios
evolutivos da humanidade que evoluiu da selvageria, à barbárie até a civilização. Estas

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estadiações nada mais são do que amostras da diferenciação existente entre os seres
humanos e da tentativa de considerar a comunidade humana como uma sociedade
civilizada.
Tylor na sua obra Primitive Culture (1871) expõe a partir do desenvolvimento de uma
cultura a sua evolução e estabelece a evolução da religião das sociedades na transição do
animismo ao politeísmo até chegar ao monoteísmo.
As teorias evolucionistas desses três antropólogos são prejudiciais e inaceitáveis para o
pensamento actual. Já apresentaram os seus pensamentos sem levar em conta a base de
conhecimento acadêmico para propor as suas hipóteses. Há que acrescentar que esses três
autores não têm o mínimo conhecimento académico do campo, a maior parte das suas
conclusões foram tiradas na mesa onde estudaram a partir de documentos que
descobriram e informações de segunda mão que receberam.
O evolucionismo nos oferece um caminho a percorrer para chegar à civilização. Trata-
se de um conceito que esses autores afirmam como razão de progresso para uma suposta
cultura desenvolvida. As suas ideias acerca da raça, e os estudos taxonômicos feitos em
base evolutiva não são hoje em dia aceitáveis, para obter uma melhor compreensão da
sociedade.
Actualmente, temos uma forma de considerar as comunidades locais, que nos leva a
operar uma classificação dos países em desenvolvidos e países subdesenvolvidos. Trata-
se do problema do desenvolvimento. Esta classificação só leva em consideração os
suportes materiais. Mas, esqueceu uma coisa muito importante: a nossa mente, todos os
seres humanos estão fisicamente e intelectualmente capazes de ultrapassar e obter um
maior conhecimento. Um conhecimento que se acumula, e que é atribuido principalmente
em razão do corpo social ao qual pertencemos.
Não devemos continuar a estabelecer diferentes níveis de 'desenvolvimento social'
discriminando as sociedades locais. O interesse desta proposta evolucionista consiste em
propor a antropologia social como a forma, primeiro passo a dar para compreender todo
o processo da teoria antropológica.

PARTICULARISMO HISTÓRICO

Esta nova proposta teórica, vai totalmente contra a prática do comparativismo de Spencer
e da taxonomia do evolucionismo. Franz Boas fez a tentativa de executar um trabalho
mais perto da verdade, por isso ele se esforça de fazer um trabalho de campo ou mais
conhecido como a etnografia. Da mesma forma como expõe as Limitações do método
comparativo, especialmente em analogia; onde mantém a sua posição de que não é
possível explicar todas as culturas baseando-se na similaridade da mente humana.
Afirma Franz Boas, que todas as culturas são iguais e que não existem culturas superiores
e inferiores. A designação do particularismo é histórico porque, de acordo com Boas,
cada cultura é uma comunidade particular e é nesta situação devido a sua própria história,
cada cultura se desenvolve no seu próprio ritmo e no seu proprio espaço historico-social.
Esta proposta leva a considerar que Boas tinha um pensamento etnocêntrico, uma vez que
na sua opinião tudo girava em torno da uma cultura, e, em seguida, alegou que todas as
sociedades ou comunidades devem ser consideradas como o centro do universo cultural.
É essencial mencionar também uma ligeira contradição ao falar de relativismo cultural,
que Boas não acredita e nega que exista uma cultura que seja universal e absoluta, que é
o mesmo que dizer que todas as sociedades têm de seguir um processo evolutivo para se
tornar e ser consideradas "civilizadas". Embora isto seja presente na mentalidade de
muitos, Boas formula a sua teoria antropológica, mas se limita, da mesma forma, a

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considerar a teoria evolutiva, numa tentativa para explicar a situação actual da sociedade
a partir duma cultura particular. Não podemos explicar a cultura, se levarmos em conta
somente os factores particulares, mas é preciso levar em consideração os fatores externos
e o ambiente no qual eles interagem. Em seguida, é difícil encontrar uma cultura que seja
tão particular como propõe Franz Boas, devemos concordar com Boas em descartar uma
taxonomia racial propostas pelos evolucionistas.
Simplesmente o particularismo histórico não é aplicável hoje.

FUNCIONALISMO

O funcionalismo, é uma abordagem pragmatica, um teoria que tenta explicar as relações


sociais fundadas sobre as funções e atividades do individuo humano.
As funções desempenhadas por cada pessoa são determinantes para a sociedade, o que
vai de acordo com um dos fundadores do funcionalismo, Bronislaw Malinowski. Mas
para entender essa nova proposta, temos de falar sobre Radcliffe Brown o chamado
funcionalismo-estrutural. Quando falamos em estrutura nos referimos a um organismo
composto de várias partes ou unidades que têm funções específicas. Se olharmos para a
sociedade como estrutura, as unidades seriam as pessoas que procedem a uma ampla
gama de atividades e, em seguida, se inter-relacionam e essas funções vão determinar a
estrutura. Brown disse que a estrutura não é alterada pela mudança ou substituição das
suas unidades, em seguida, a estrutura continua, e é que interessa. Mas esses autores,
levantam a idéia de que todos os componentes da estrutura são integrados, ou seja,
interagem e se relacionam harmonicamente.
Esta teoria parte das atividades dos seres humanos, que, como parte da sociedade não
estão totalmente integrados e relacionados com as necessidades sociais coletcivas. O
Funcionalismo representa essas funções, por meio das instituições que não estão sempre
colaborando com as necessidades humanas e são assim constituidas, em seguida, nunca
iremos encontrar uma instituição estruturada. Em uma sociedade tão complexa como
aquela do século XXI é difícil tentar integrar todas as funções numa estrutura social e
muito menos dizer que são funcionais às necessidade humanas. Isso não quer dizer que a
estrutura e as funções não existam; existem, mas não como a realidade que estão a tentar
impor e fazer-nos crer os funcionalistas. Nem todas as atividades que nós seres humanos
realizamos estão em interação no sentido de buscar uma finalidade social, mas que muitas
das nossas atividades estão orientadas para afectar e destruir a sociedade. Em seguida,
não há um puro funcionalismo da sociedade e muito menos pode aventurar-se a explicar
a esfera social. In princípio a Teoria funcionalista parece ser a mais correcta ou mais
adequada, mas não é assim. A Cultura não é apenas reduzivel a factos pragmáticos, mas
também abraça o intangível dos factos espirituais que jogam um papel importante em
representar o ser humano. A intenção não é a de falar só materialmente, mas é também
falar espiritualmente da mente humana.

ESTRUTURALISMO

A teoria estruturalista representada por Claude Levi Strauss, é diferente da dos


funcionalistas apesar do facto que ambos utilizam o termo: estrutura. A diferença é que
pelos estruturalistas a estrutura está na mente e não na estrutura social, pelos
funcionalistas a estrutura é essencialmente social.

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Em seguida, faz-se referência a um consciente ou subconsciente do pensamento humano,
o que permite que se faça uso da razão. O pensamento é o resultado e é o que se require
dum esforço intelectual, e é através da utilização do pensamento pela razão, que podemos
entender a cultura e a sociedade. Não se quer afirmar um relativismo do pensamento
humano, mas, que a nossa mente cria um conhecimento capaz de se reflectir na cultura
onde vivemos. O nosso cérebro é, fisicamente falando, semelhante a todos os homens;
mas é a razão que difere entre os individuos de tal maneira que nem todos pensam iguais.
Podemos ter objetivos comuns em vista de satisfazer as mesmas necessidades e pelo
efeito necessitamos de um acordo social de tal modo que as deiferentes formas de pensar
não sejam de obstaculo para alcançar os fins que nos propusemos para tornar possível
atingir os objetivos sociais. Esta proposta permite aos seres humanos de não sublinhar
a taxonomia social que assim deixa o lugar ao conhecimento da mente humana. Todos
os seres humanos, a partir do homo sapiens sapiens, não se classificam como 'primitivos'
ou 'civilizados' somente pelo facto de ter vivido num tempo determinado e de ter habitado
numa area circumscrita. Porque se estamos a falar de tempos antigos onde os seres
humanos já estavam pensando como nós hoje em dia, é importante acabar com a
taxonomia do evolucionismo seletivo já decadente, uma vez que não há diferenças na
estrutura da mente humana. A estrutura é construída em nossas mentes e se manifesta por
meio de códigos binários: bom e mau, branco-preto, duro-leve, etc. Estes códigos são
resultados da representação operada pelo raciocínio na sociedade, as imagens que se
encontram no nosso pensamento são o resultado da descodificação da realidade.
Enquanto seres humanos não costumamos guardar estes códigos no raciocínio, mas os
aplicamos nas nossas atividades diárias.
O estruturalismo permite que se analise a cultura e a sociedade a partir do pensamento
operado na mente; onde tudo o que temos identificado por cultura vem a ser representado.
Esta proposta não é subjetiva; ela é totalmente o oposto: é objectiva uma vez que o seu
objetivo é descobrir a realidade social que se manifesta complexa ao conhecimento.

Antropologia interpretativa

Esta nova proposta feita em 1993 é o produto e da forma e doconhecimento que Clifford
Geertz teve sobre a vida e a cultura. Nos seus escritos nos oferece a sua teoria acerca da
forma descritiva dos fatos sociais. A descrição que nos propõe Geertz é que o antropólogo
tem de fazer uma descrição da cultura por meio dos símbolos e dos significados. E
giustifica-se especialmente a partir da etnografia, o antropólogo ao considerar as pessoas
faz etnografia, Mas esta é a etnografia em muitas ocasiões de uma área de descrição
inaugurado oficialmente que só observa superficialmente a realidade através de, anedotas
e relações narrativas que só nos dizem que está acontecendo, mas não nos dá a resposta
acerca das perguntas sobre o porque acontece e para que acontece. É então que a
etnografia deve fazer uma descrição e interpretar eventos sociais através da interpretação
dos símbolos e dos seus significados para cada pessoa que faz parte da sociedade. O
antropólogo tem a tarefa de encontrar os símbolos e interpretâ-los, deve-se procurar
significados que ajudem a dar sentido ao mundo e à vida. E também tem a difícil tarefa
de ler, traduzir e interpretar a cultura da sociedade, coisa que em sua totalidade é
impossível, mas que pode ser feita na grande maioria. A concepção de Geertz sobre as
expressões da cultura é aceitável, porque justifica os fatos sociais. No entanto, corre o
risco de cair num padrão relativistico da sociedade. O que não é sempre aplicável, uma
vez que há de ter em conta outros factores de expressão. Ao contrário dos Strauss, Clifford

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Geertz crítica que a estrutura esteja na mente, enquanto afirma, em seguida, que a cultura
é um conjunto de símbolos e significado sociais e colectivos.
Os nossos actos são símbolos que têm uma finalidade, um sentido e que os outros
interpretam para ser capazes de nos compreender. E pode-se dizer que esta é uma forma
de vida, uma forma de interpretação da cultura. Isto quer dizer que a antropologia tem
uma densa descrição dos nossos relacionamentos humanos. A descrição densa busca os
fundamentos e não a superfície cultural, a fim de alcançar este objectivo, é necessário
fazer um grande esforço intelectual que nos permitirá compreender a sociedade, o mundo
e dar sentido às nossas vidas.

Conclusão

No evolucionismo por exemplo, não concordamos na essência da diferenciação entre os


seres humanos, mas é necessário considerar que foi a primeira escola antropológica. Da
mesma forma, as ideias Franz Boas, no seu ataque ao evolucionismo, propõe que todas
as sociedades são iguais no sentido de que não há seres humanos superiores aos outros.
A nossa composição física é semelhante. Mas é prudente dizer que a única diferença entre
os seres humanos são os hábitos culturais e os modos de vida.
Estas várias formas de vida não pode estar em conformidade com uma estrutura onde
tudo parece estar estreitamente integrado e interagir harmoniosamente como proposto
pela escola funcionalista, estas diferenças provocam conflitos e violência entre as
pessoas. Assim, os amantes da funcionalidade com base em atividades individuais para
formular uma estrutura não são aceitáveis. Para levar a cultura a um status mais elevado,
Strauss coloca-nos o seu estruturalismo da mente humana, que é o último, a mente sempre
que tudo o que hoje é conhecido como a cultura, o produtor dei conhecimento, então, é a
mente humana, o celeiro da cultura que possuímos. Mas tudo o que fazemos tem um
porque, uma meta que podemos descobrir através da interpretação dos atos. De acordo
com a proposta de Geertz, os símbolos têm um significado para a sociedade e entender
que é necessário fazer uma descrição densa, como Geertz que nos é proposto. Finalmente
foram dois da antropologia como a antropologia política especial, e a urbana, que é
dedicado ao estudo das relações específicas no interior da sociedade.
Como acima referi que a antropologia não poderia escapar a estas duas situações, a
política e urbana. Assim como existem vários, como a religião, a aplicada, a pobreza, etc.
por isso, espero que você deixe-nos alguns itens para as outras ciências sociais e você não
vai cometer o erro de tentar explicar tudo, porque é simplesmente impossível.

Gostaríamos de propor uma antropologia que não dependesse da sociologia nem muito
menos da história uma vez que essas disciplinas poderiam condicionar os resultados da
analise antropológica.
E que a antropologia social seja a base com as suas teorias para justificar ou para legitimar
as diferenças sociais nas pessoas, é uma verdade a ser afirmada sem sombra de duvida.
Lembremos que se objecto da sociologia é o facto social, como Durkheim o entendia,
para a Antropologia o objecto é a alteridade cultural. Por isso, é hora de acautelar-nos do
etnocentrismo que encerra antropologia em considerações emocionais; o material é a
coisa mais importante a ser observado.

9
Bibliografía

Boas, F. (1896), The Limitations of the Comparative Method of Anthropology, in


"Science", Vol. IV, n° 103, pp: 901-908.

Geertz, C. (1973), The interpretation of Culture, New York, Basic Books.

Mair, L. (1965) An Introduction to Social Anthropology, Oxford, University


Press.

Malinowski, B. (1966) Argonauts of the Western Pacific, London, London School of


Economics.

Morgan, L. (1877) Ancient Society, Chicago, Charles H. Kerr.

Radcliffe Brown, A. R. (1973), Estrutura e função na sociedade


primitiva, Petropolis,Vozes.

Spencer, Herbert. (1878) The Study of sociology, New York, Appleton.

Tylor, Edward B. (1873), Primitive Culture, London, John Murray.

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O Iluminismo
O desenvolvimento da teoria antropológica começou durante aquele período
admirável da cultura ocidental que é conhecido como o Iluminismo, o período
que coincidiu aproximadamente com os cem anos que dividiram a escrita de
John Locke de Ensaio sobre o entendimento humano (1690), e a eclosão da
Revolução Francesa . No entanto, a importância deste período na formação da
ciência da cultura não foi suficientemente reconhecida, sobretudo devido à
influência duradoura de alguns antropólogos que não se interessaram pelo
desenvolvimento científico da disciplina, ou consideraram a sua realização
impossível: muitos antropólogos, de facto, acreditaram que o livre arbítrio do
factor humano, as incertezas do caráter nacional e o patamar de casos e
circunstâncias da história tornavam inútil qualquer esforço científico para
construir um quadro de referência científico necessário para explicar e
interpretar o comportamento humano. Aqueles que acreditam que o destino
singular do homem é viver fora da ordem da natureza jamais admitirão a
importância do século XVIII. Muitos antropólogos contemporâneos
consideram as aspirações científicas do Iluminismo a própria quintessência
daquela vaidade à qual o profeta do Eclesiastes atribuiu todas as novas idéias.
Assim, Margaret Hodgen [1964, 484] falava do século XVIII como se fosse
apenas a 'sequência' da Idade Média, afirmando, além disso, que nos últimos
séculos houve 'muito pouco que merecesse ser chamado de inovação teórica'.
Mas para Margaret Hodgen e para os antropólogos em que ela confiava com
sua má interpretação das teorias contemporâneas da cultura, qualquer
cientificismo no campo sociocultural é uma ilusão. Mas nós, entretanto,
assumimos a posição oposta; Portanto, para nós, tudo o que é novo e original a
teoria antropológica começa com o Iluminismo. É importante ver como os
filósofos sociais do século XVIII colocaram em foco os problemas centrais da
antropologia contemporânea, e como eles se esforçaram - resolutamente, mas
sem sucesso - para formular as leis que governam o curso da história humana e
a evolução sócio-cultural com diferenças e semelhanças.
Os problemas de investigação sociocultural trazidos à luz durante o Iluminismo
abrangem a maioria dos temas que fundamentam a teoria contemporânea, ou
seja, a estrutura de referência fundamental em termos da qual a investigação
sociocultural moderna ainda é realizada. Investigaremos com que sucesso os
filósofos do Iluminismo foram capazes de identificar o campo sociocultural
como um campo distinto de investigação, caracterizado pela elaboração - típica
apenas do homem - da conduta culturalmente determinada; Em que grau e em
que fundamento filosófico e epistemológico os protoantropólogos do
Iluminismo acreditavam que os fenómenos socioculturais eram um campo
legítimo de estudo científico; Em que medida as ideias sobre a natureza e a
direção da evolução sócio-cultural foram trazidas à luz durante o Iluminismo,
cem anos antes de Darwin. Finalmente, iremos descrever e avaliar as primeiras
aproximações incertas para uma teoria da causalidade sociocultural baseada em
premissas naturalísticas.

11
O Iluminismo e o conceito de cultura.

Segundo Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn, o conceito de cultura, no sentido


de
«um conjunto de atributos e produtos das sociedades humanas e, portanto, da raça humana
Que são extra-somáticos e transmissíveis com mecanismos diferentes dos de herança
biológica ... nunca foi encontrada no século XVIII» [1952, 296].
Embora esses autores reconheçam e citem o uso do termo 'cultura' (apenas na
forma germânica Kultur) e do termo 'civilização' (tanto em francês quanto em
inglês) durante o século XVIII, eles adiam o surgimento do conceito moderno
para muito depois do início do século XIX. Eles apenas admitem que 'a partir
de 1850, o uso de fato começa em certas regiões da Alemanha, mesmo que seu
uso nunca seja totalmente explícito ...' [ibidem].
Na realidade, não há razão para que uma definição de cultura coloque os fatores
extra-somáticos e não hereditários em primeiro plano, ainda que muitos
antropólogos do século XX os considerem essenciais para a definição do
conceito. Uma vez que ainda temos que descobrir como separar as influências
hereditárias daquelas adquiridas no repertório geral do comportamento de uma
dada população humana ou infra-humana, certamente não podemos esperar
definir em tais termos teóricos um campo cultural de investigação válido do
ponto de vista operacional de ver. A definição que Kroeber e Kluckhohn
propõem é algo mais do que um simples conceito de cultura; Trata-se antes de
uma teoria da cultura, ou seja, uma explicação de como se formam as
características do repertório comportamental de uma determinada população:
isso acontece, segundo essa definição, mais por aprendizagem do que por
processos genéticos. Nesse contexto, entretanto, não é particularmente
necessário discutir se a fórmula prevalecente é um conceito de cultura ou uma
teoria parcial da cultura; Em vez disso, procuremos verificar em que medida as
idéias a que se referem Kroeber e Kluckhohn são antecipadas nos anos
anteriores à Revolução Francesa.
Um interesse mais aberto e generoso pelo que é implícito ou de fato, ao invés
do que é oficial ou explícito, justifica nossa proposta de considerar o início da
elaboração do conceito de cultura muito antigo.
Claramente comparada com a data proposta por Kroeber e Kluckhohn. A
primeira falha em sua história do conceito é que não situam seu
desenvolvimento nas principais correntes do despertar científico; Os dois
autores esquecem, ao mesmo tempo, de apontar que a formulação, implícita ou
de fato, não era um simples apêndice de um interesse ocasional em costumes e
instituições que deve ser buscado em passagens obscuras de obras de autores
que caíram em esquecimento. Pelo contrário, do nosso ponto de vista, é claro
que a versão nascente do conceito e da teoria da cultura foi sem dúvida o tema
mais importante no fermento intelectual que precedeu a Revolução Francesa.
Na verdade, essas ideias sempre tiveram auspícios e consequências políticas e
intelectuais revolucionárias. Não apenas o conceito moderno de cultura está
implícito nos antecedentes ideológicos da Revolução Francesa (e também da

12
Revolução Americana), mas a própria substância do programa revolucionário
proclamou a validade do conceito e confirmou sua importância.

O caixão vazio.

Na verdade, foi o filósofo inglês do século XVII John Locke quem criou a base
metafísica sobre a qual os antropólogos, mais de dois séculos depois,
construiriam as primeiras definições oficiais de cultura. Na verdade, o trabalho
de Locke, Ensaio sobre o entendimento humano, permitiu criticar o nariz de todas
as disciplinas comportamentais modernas - incluindo psicologia, sociologia e
antropologia cultural - que enfatizam a relação entre o ambiente de
condicionamento e as ações e o pensamento humano. 'A relação de Locke com
o pensamento do século XVIII lembra muito a relação de Marx e Freud com o
pensamento do nosso século: até mesmo seus inimigos foram forçados a usar
seus termos' [Hart 1964, 6], O que Locke tentou provar foi que a mente humana
ao nascer é um 'caixão vazio' [Locke 1894, I, 45].
O conhecimento ou as ideias que a mente então preenche são adquiridos durante
aquele processo que hoje definiríamos como inculturação. Embora existam
capacidades distintamente humanas (em oposição às animais), não há ideias
inatas: isso se aplica tanto a princípios lógicos abstratos - como «É impossível
que uma coisa seja e não ambas ao mesmo tempo» - como para aqueles que
Locke chama de princípios práticos ou normas morais de conduta: No entanto,
dado que o ponto de vista predominante da época considerava o comportamento
um produto do conhecimento, a solução que ele propôs sobre a origem do
conhecimento serviu também para a conduta verbal e não verbal.
Locke atribuiu todo o conhecimento humano a percepções comunicadas por
meio de 'impressões sensoriais'.
«Suponhamos, portanto, que no início o espírito seja o que se chama uma folha em branco,
desprovida de qualquer caractere, sem qualquer ideia. Como virá receber as ideias? Onde e
como se compra aquela prodigiosa quantidade que a imaginação do homem, sempre em ação
e sem limites, lhe oferece com uma variedade quase infinita? De onde você tirou todos esses
materiais da razão e do conhecimento? Eu respondo com uma única palavra: experiência
àaW. Esta é a base de todo o nosso conhecimento; Daqui eles traçam sua primeira origem»
[ibidem, 123-24].
A conseqüência inevitável dessa doutrina é que diferentes experiências, ou, em
termos modernos, diferentes exposições ao meio ambiente produzirão
diferenças de comportamento tanto individuais quanto nacionais. As
implicações sociopolíticas revolucionárias da árida discussão de Locke
deveriam ser evidentes: nenhuma ordem social é baseada em verdades inatas;
Uma mudança no ambiente produz uma mudança no comportamento. Como
Claude Helvétius escreveu, De l’homme (1772) representa um dos
desenvolvimentos mais sistemáticos das implicações radicais das teorias de
Locke:
«… Locke e eu argumentamos que a desigualdade de mentes é o efeito de uma causa
conhecida: essa causa é a diferença na educação ... tudo em nós é, portanto, adquirido ...
Nossa inteligência, engenhosidade, vícios e virtudes, preconceitos e caráter ... não são,

13
portanto, o efeito de nossos temperamentos diferentes (hereditários). Nem mesmo nossas
paixões dependem disso ... Mostrei que a compaixão não é um sentido moral nem um
sentimento inato, mas simplesmente o efeito do amor por si mesmo. O que você ganha com
isso? Que é esse mesmo amor, modificado de forma diferente de acordo com a educação
diferente que recebemos e as pessoas que são sensíveis ou insensíveis: o homem não nasce
compassivo, mas todos podem se tornar ou o serão quando as leis, a forma de governo ou
seus a educação os empurra para se tornarem um» [Helvétius 1946, 1019-1022].

Tolerância e relativismo.

Talvez a razão pela qual os antropólogos tenham relutado em remontar o


conceito de cultura ao Ensaio sobre a compreensão humana de Locke seja que
este último, como todos aqueles que estudaram cultura (abertamente ou de fato)
no século XVIII, apesar do poder que ele atribuiu à experiência na formação do
costume e do pensamento, nunca abandonou a ideia de que havia crenças
morais universalmente válidas e normas e modos de conduta certos e errados.
Em 1750, portanto, tanto o conceito de cultura quanto a indiferença moral do
relativismo cultural estavam presentes: nem Locke nem seus seguidores
queriam dar o salto do mundo vago das idéias inatas para a suspensão do
julgamento moral. E assim, por um século e meio, as ciências sociais seguiram
a convicção de Locke: apesar da diversidade da experiência, a razão,
corretamente aplicada, mais cedo ou mais tarde conduziria o homem - todos os
homens, em qualquer região em que vivessem: - às mesmas instituições sociais,
as mesmas crenças morais e as mesmas verdades técnicas e científicas. Assim
como a informação dos sentidos elaborada pela razão leva ao entendimento das
leis do movimento, também uma investigação empírica primeiro ou - então nos
permitirá chegar ao conhecimento das verdades religiosas e morais. No entanto,
enquanto se espera que essas verdades sejam demonstradas, a palavra de ordem
é ter tolerância:
«Pois onde está o homem que tem provas incontestáveis da verdade de tudo em que acredita,
ou da falsidade de tudo o que ele condena? ... A necessidade de acreditar sem saber e, na
verdade, muitas vezes, sobre fundamentos muito pequenos, nesta condição fugaz de ação e
cegueira em que nos encontramos aqui abaixo, deve nos tornar muito mais zelosos e ativos
em nos informarmos, do que não. em forçar outros» [Locke 1894, II, 363].
A tolerância para com os costumes estrangeiros é uma atitude característica de
Descartes, Vico, Voltaire, Diderot, Montesquieu, Turgot, Helvétius e muitos
outros escritores iluministas famosos; Mas essa tolerância não deve ser
confundida com indiferença moral ou com um real relativismo cultural: assim
como o compromisso moral não deve ser equiparado à falta de um conceito de
cultura.

O tesouro dos signos

Kroeber e Kluckhohn - como vimos - argumentam que em 1750 o conceito de


cultura não existia: naquele ano, porém, o conceito de cultura já implícito na
metafísica de Locke foi expresso da maneira mais clara e duradoura. Esse
importante passo à frente, que os antropólogos por muito tempo não quiseram

14
levar em consideração, foi obra de um gênio de 25 anos que mais tarde se tornou
um dos mais famosos estadistas franceses: Anne Robert Jacques Turgot. Foi em
1750 que Turgot lançou seu Plan de deux dìscours sur l’Histoire, projeto que
seus compromissos como ministro da Fazenda de Luís XVI o impediram de
concluir, mas que, embora seja apenas um esboço, formula várias teorias que
ainda são essenciais para a antropologia cultural. Os argumentos da história
universal concebidos por Turgot correspondem exatamente ao que foram de
fato os temas da antropologia cultural durante a segunda metade do século XIX
e ao que mais uma vez talvez tenha se tornado seu principal interesse:
A história universal inclui a discussão do progresso subsequente da humanidade
e as causas detalhadas que contribuíram para isso: os primórdios do homem, a
formação e a mistura das nações; As origens e revoluções dos governos;
Desenvolvimento da linguagem; O desenvolvimento da moral, dos costumes,
das artes e das ciências; As revoluções que deram origem à sucessão de
impérios, nações e religiões [Turgot 1844, 627].

A inculturação.

É claro que quando a 'educação' é igualada a toda a história da experiência


sensorial do indivíduo, um conceito é usado, muito semelhante ao conceito
antropológico de inculturação. Essa fé absoluta no poder da cultura é um dos
grandes temas do Iluminismo. Dela desce toda a tradição liberal, bem como a
socialista da democracia de classe e raça. Uma de suas expressões técnicas mais
importantes é a doutrina da 'unidade psíquica do género humano’, que
argumenta que, no estudo das diferenças socioculturais, as diferenças
hereditárias (genéticas) se anulam, deixando a 'experiência' como a variável
mais significativa. A origem desta doutrina foi completamente erroneamente
associada aos escritos de alguns evolucionistas culturais de meados e do final
do século XIX. Na verdade, a principal tendência do século dezanove foi negar
o que o século dezoito havia estabelecido a esse respeito. Como veremos, o
antigo fervor com que a ideia de unidade psíquica fora apresentada por Turgot
e seus sucessores imediatos - especialmente por Helvétius - não foi recuperado
até o período de Boas. Mas então a consciência da continuidade com o
Iluminismo havia desaparecido completamente: quando Franz Boas escreveu A
mente do homem primitivo em 1911, os únicos dois escritores do século XVIII
que pareciam dignos de menção foram Boulainvilliers e Lineu, cujas ideias não
eram particularmente características do Iluminismo [Boas 1938c, 17 e segs.].
No entanto, essa passagem de Turgot poderia muito bem, não fosse pelo estilo,
servir como um resumo da posição de Boas:
As atitudes originais estão igualmente presentes entre os povos bárbaros e
civilizados. Eles são provavelmente os mesmos em todos os lugares e épocas.
A engenhosidade se espalha pela humanidade um pouco como ouro em uma
mina. Quanto mais minério bruto você extrai, mais ouro você obtém. Quanto
mais homens houver, mais numerosos os indivíduos são particularmente

15
talentosos ou capazes de se tornar tal. Os casos de educação e As circunstâncias
os desenvolvem ou os deixam no escuro [Turgot 1844, 6451.
Um dos subprodutos mais interessantes do ambientalismo de Locke foi a
conjectura popular de que poderia haver raças humanas cuja exposição às
influências culturais fosse tão pobre que seus membros não pudessem ser
distinguidos dos animais. Jean Jacques Rousseau , em seu Discours sur
l’orìgine et les fondements de l’inégalité parmì les hommes (1754), sugeriu nas
entrelinhas que o poder da educação era tal que permitia cruzar a linha entre o
macaco e o homem. Esta tese teve seu defensor mais fervoroso no escocês
James Burnett, Lord Monboddo. Em seu livro Da origem e progresso da
linguagem, Monboddo argumentou que os grandes macacos são, na verdade,
seres humanos sem cultura. Sua crença (e ele a manteve durante toda a vida) de
que, com o condicionamento adequado, os macacos poderiam ser ensinados a
falar e que uma raça de homens com cauda existia na Ásia e na África atraiu o
desprezo de muitos de seus contemporâneos [Tinker 1922, 12 e seguintes. ] Os
voos da fantasia de Monboddo, porém, baseavam-se em uma visão muito clara
do poder da inculturação e da maleabilidade e indeterminação da natureza
humana: a ideia de que os orangotangos são homens selvagens é apenas um
caso extremo de confiança popular na perfectibilidade humana.
«Ê ... difícil determinar até onde podem ir as habilidades naturais dos animais se forem
devidamente cultivadas; Como sabemos, o homem pode - por meio de educação e
treinamento prolongados por muitos anos - ser quase transformado em um animal de outra
espécie. Portanto, no que diz respeito ao seu corpo, ainda que por natureza seja
indubitavelmente um animal terrestre, porém pode se acostumar com a água a ponto de se
tornar perfeitamente anfíbio como uma foca ou uma lontra. E no que diz respeito à mente, é
impossível dizer até onde a ciência e a filosofia podem levá-la: os estóicos afirmavam, dessa
forma, fazer do homem um deus» [Monboddo 1774, 22-23].

Etnografia.

Não há nenhuma razão importante para exigir que o conceito de cultura seja
articulado de forma a incluir teorias de unidade psíquica, dependência de
aprendizagem e herança extra-somática. Despojado desses fatores, o conceito
de cultura é reduzido aos padrões de comportamento associados a grupos
particulares de pessoas, ou seja, aos 'costumes' ou 'modo de vida' de um povo.
Nesse sentido, um conceito de fato de cultura é provavelmente universal. É
claro que a prática da etnografia - isto é, a descrição da cultura - não depende
da teoria de que os costumes têm uma herança completamente extra-somática.
É improvável que os grandes etnógrafos jesuítas do século XVIII - de quem os
filósofos dependiam tanto para suas informações comparativas sobre as
instituições primitivas - compartilhassem da filosofia de Locke, apesar de sua
missão educacional e do dogma papal que decretou que os índios da América
também tinham uma alma e, portanto, deveriam ser instruídos sobre os
sacramentos. No entanto, seria bastante difícil demonstrar que esses laboriosos
etnógrafos careciam de uma noção de facto de cultura. Sobre a diversidade das
línguas paraguaias, Dobrizhoffer observa:

16
«Verdadeiramente admirável é sua estrutura variada, da qual nenhuma pessoa razoável
poderia supor que esses selvagens estúpidos fossem os arquitetos e inventores. Impulsionado
por essa consideração, tenho frequentemente afirmado que a variedade e a engenhosa
construção das línguas devem ser consideradas mais uma prova da existência de um Deus
eterno e onisciente» [1822, II, 157].
Esta posição, no entanto, não impediu Dobrizhoffer de dar um relato bastante
preciso da economia Ahpone, sua cultura material, cerimônias de casamento,
costumes de casamento, cerimônias de morte E luto, guerra e dezenas de outras
categorias etnográficas que são geralmente usadas até hoje. As extensas
informações etnográficas fornecidas por Joseph Lafitau , em seu importante
relato Moeurs des sauvages amériquaìns comparées aux moeurs des premiers
temps (1724), devem ser vistas sob a mesma luz.
O índice deste livro constitui um precedente interessante para o esquema
universal que foi posteriormente elaborado por Clark Wissler em 1926:
Categorias Lafitau Categorias da linguagem Wissler
Religião Características materiais
Política Arte
Governo Conhecimento
Casamento e Educação Religião
Ocupações Masculinas Sociedade
Ocupações Femininas Propriedade
Guerra Governo
Commerce Guerra
Jogos
Morte,
sepultamento e luto
Doenças e remédios
Linguagem
O problema com a abordagem de Lafitau não era tanto que ele carecia de um
conceito de cultura, mas sim que uma visão correta dos processos culturais dos
índios americanos era completamente proibida para ele por sua crença no
pecado original e (a 'queda' da humanidade) no mundo bíblico versão da
dispersão das tribos de Israel. Isso não o impediu, como observou Sol Tax
[1955b, 445], de ser o primeiro europeu a descrever uma terminologia de
classificação do sistema de parentesco.
O maior etnógrafo do século XVIII foi provavelmente o estudioso francês Jean
Nicolas Demeunier. Embora ele próprio não tenha viajado, Demeunier prestou
um serviço inestimável aos seus contemporâneos, traduzindo inúmeras histórias
de viagens e numerosos relatos etnográficos.
O problema com a abordagem de Lafitau não era tanto que ele carecia de um
conceito de cultura, mas sim que uma visão correta dos processos culturais dos
índios americanos era completamente proibida para ele por sua crença no
pecado original e (a 'queda' da humanidade) no mundo bíblico versão da
dispersão das tribos de Israel. Isso não o impediu, como observou Sol Tax

17
[1955b, 445], de ser o primeiro europeu a descrever uma terminologia de
classificação do sistema de parentesco.
O maior etnógrafo do século XVIII foi provavelmente o estudioso francês Jean
Nicolas Demeunier. Embora ele próprio não tenha viajado, Demeunier prestou
um serviço inestimável aos seus contemporâneos, traduzindo inúmeras histórias
de viagens e numerosos relatos etnográficos d. Demeunier e suas obras foram
muito citados antes do final do século XVIII, mas caíram no esquecimento, do
qual foram salvos apenas quando Van Gennep encontrou e comprou L’ésprit
des usages et des coutumes des different peuples (1776) em uma loja parisiense
nas margens do Sena por um 'preço irrisório' [Van Gennep 1910, 23]. A
escuridão caiu mais uma vez sobre Demeunier quando Robert Lowie se
esqueceu de mencionar seu nome, e ainda mais para dar-lhe precedência, como
etnógrafo, sobre Christoph Meiners; O último com Grundiss der Geschichte
der Menscheit (1785) refere-se aos ensaios da 'história universal' de Turgot e
Voltaire e claramente se distancia dos interesses essencialmente sincrônicos e
etnográficos de Demeunier. As categorias de Demeunier incluem: comida e
culinária, mulheres, casamento, parto e educação, chefes e governantes,
modelos de beleza, nobreza, guerra, servidão e escravidão, diferenças de
posição, modéstia, ornamento e desfiguração corporal, astrologia, magia,
sociedade, casa Comportamento, Códigos Criminais, Julgamentos, Punições,
Suicídio, Assassinato, Sacrifício Humano, Doença, Remédio, Morte, Funerais,
Enterro e Tumbas. Dezenas de povos não europeus são mencionados, incluindo
os calmyks, os mexicanos, os etíopes, os tártaros, os hotentotes, os taitianos, os
ostyak, samoiedos, os auracanos, os yakut, os tupinambà, os siameses, os
chineses, O Caribe, o Dahomey, o Jagga, os neozelandeses (Maori), os lapões,
os habitantes das Maldivas e das Ilhas Canárias, os japoneses, os Chadais, os
Omagua, os Mox, os Koryak, os faquires indianos, os índios de Illinois, os
Loangos, os habitantes das ilhas Ambry, os Bukariani, os Hurons, os Iroquois,
os Javaneses, os Senegaleses, o Congo, os Mandingo, os Nayar, os Tibetanos,
os nativos das Ilhas Marianas, do Benin, dos Ceilão, dos índios Natchez, dos
peruanos, dos negros do Suriname. É possível se dedicar a esse tipo de
etnografia comparativa se não se tem um conceito de cultura? O que falta a
Demeunier - assim como outros grandes etnógrafos de seu tempo e épocas
anteriores, como Heródoto, al-Idrisi, Gabriel Soares de Souza, Cieza dè Leon,
Hans Staden, Bernal Dias, William Dampier, François Rainal, Cadwallader
Colden.
Por François Xavier de Charlerois - não é um conceito de cultura, mas sim uma
indicação mínima de como as diferenças culturais podem ser explicadas
cientificamente. Foi o filósofo Locke e seus herdeiros intelectuais diretos, não
os etnógrafos antigos ou modernos, que pavimentaram o caminho para o estudo
científico da cultura.

18
Comportamento humano e lei natural.

A possibilidade de criar um ramo do conhecimento que faria pelos assuntos


humanos o que a física fez pela natureza inanimada, ou seja, 'descobrir', ou seja,
suas leis, actuaria como um poderoso estímulo para as melhores mentes do
Iluminismo. Em seus estágios iniciais, a busca por essa ordem natural seguiu
Descartes ao dar primazia à lógica dedutiva-matemática. Em retrospecto, os
resultados da ciência social cartesiana não parecem muito mais válidos do que
o cálculo medieval de quantos anjos podem ficar em uma cabeça de alfinete;
Mas pelo menos os problemas a serem discutidos foram reunidos e suas áreas
definidas. Assim, a tentativa de Espinosa de aplicar o método geométrico de
Descartes ao comportamento humano não teve influência duradoura nas
ciências sociais, mas a visão de Espinosa da natureza como uma e contínua,
incluindo o homem e seus produtos, foi uma ruptura fundamental com o
passado. Espinoza observou em sua Ética (1665):
A maioria das pessoas que escreve sobre as emoções e o comportamento
humano dá a impressão de estar lidando com questões fora da natureza, em vez
de fenómenos naturais que seguem as leis gerais da natureza. Eles parecem
acreditar que o homem está situado na natureza como um reino dentro de um
reino: na verdade, eles acreditam que ele perturba a ordem da natureza em vez
de segui-la e que ela é determinada apenas por ele mesmo ... [citado em Nagel
1948, 272].
Spinoza rejeitou veementemente a seguinte posição:
«Nada acontece na natureza que possa ser atribuído a um defeito dela; A natureza é sempre
a mesma e é sempre igual em sua eficácia e em sua capacidade de ação; Isto é, as leis e
decretos da natureza, pelos quais todas as coisas se originam e passam de uma forma para
outra, são em toda parte e sempre iguais; Portanto, deve haver uma e apenas uma maneira de
entender a essência de todas as coisas, isto é, por meio das regras e leis universais da
natureza» [ibidem].
Por 'método de compreensão', entretanto, Spinoza se referia ao tipo de exercício
cartesiano que ele havia usado anteriormente para dar uma prova geométrica da
Existência de Deus. Sua ciência humana deveria ter o mesmo programa, como
se a conduta humana fosse uma questão de 'recta, plana e sólida' [Ìbidem].
Mais moderno em sua atitude para com os fenômenos socioculturais foi o
grande trabalho realizado por Giambattista Vico em La Scienza Nova (1744).
Vico alerta para a tendência de 'sujeitar tudo ao método geométrico'. Sua nova
ciência era lidar com as regularidades empíricas sincrônicas da vida social: as
'fontes perenes da lei natural do povo' [Vico 1953, 186], bem como as
regularidades da história. Esta nova “rainha da ciência” foi, num dos seus
aspectos principais, “uma história das ideias humanas, sobre a qual parece ter
de proceder à Metafísica da mente humana” [ibidem]. O determinismo natural
que Vico acreditava ter descoberto era tão grande que requeria que a
providência divina o colocasse em movimento; Mas, uma vez iniciada, a
história se desenrolou com regularidade invariável:
Portanto, este tipo de prova reina nesta Ciência: que tais coisas devem, devem
e devem seguir as coisas das nações conforme raciocinadas por esta Ciência,

19
colocaram tais ordens da Providência divina mesmo se desde a eternidade
mundos infinitos tivessem nascido de tempos em tempos. [ibidem, 187].
Não é pelo simples conceito de determinismo histórico que Vico e os outros
fundadores das ciências sociais do mesmo século chamam nossa atenção.
Na história ocidental, as doutrinas da predestinação nacional são tão antigas
quanto o conceito de 'povo eleito' e como o conceito de um mundo correndo
para o Armagedom e a segunda vinda. O ponto essencial não é simplesmente
que a história humana tem uma direção ou inteligibilidade, mas sim que essa
ordem é uma consequência de condições naturais. Na prática real, como
veremos, nenhum dos arautos da 'nova ciência' do século XVIII foi capaz de
aderir por muito tempo à nova concepção de uma ordem sem desvios. Ao longo
do período, houve uma contracorrente que ameaçava eclipsar a posição
mecanicista: a teoria difundida de que os homens possuem a qualquer momento
a capacidade de modificar as ordens sociais exercendo uma escolha pessoal,
racional ou irracional conforme o caso. Resolver o paradoxo de uma
determinada ordem na qual os actores respondem a causas não identificáveis
ou inspirações voluntárias está além das capacidades da maioria
dos philosophes. Essa dificuldade ajuda a explicar mais precisamente o que
Vico queria dizer com sua nova ciência. Vico acreditava que o homem, sendo
o autor da história humana, era mais capaz de compreender os eventos culturais
do que os físicos. 'Ele argumentou que, para conhecer verdadeiramente a
natureza de uma coisa, é preciso criá-la' [Gardiner 1959, 10]. Paradoxalmente,
entretanto, a autocriação autônoma do homem teve que ser reconciliada com o
facto de que a lei existe na natureza [Vico 1953, 1].
Um problema semelhante é evidente em Montesquieu , cuja obra L’ésprit des
Loi (1748) é um dos monumentos mais famosos da época. No prefácio,
Montesquieu anuncia a ordem que descobriu no âmbito dos eventos
socioculturais:
«Comecei estudando os homens e, em meio àquela infinita diversidade de leis e costumes,
parecia-me que não eram apenas suas fantasias que os guiavam. Estabeleci os princípios e vi
casos particulares se dobrarem como se por si mesmos, as histórias das nações nada mais são
do que uma sequência e cada lei particular conectada ou dependente de outra lei mais geral»
[1950, 49].
Montesquieu então invoca factores materiais causais, a maioria dos quais, se
refere às condições climáticas. No entanto, nem sua fé no direito universal, nem
sua orientação essencialmente secular o impedem de afirmar persistentemente
que a cultura é, em última análise, inescrutável e é inerente às leis humanas
tanto o fato de estar sujeita a todos os acidentes que podem acontecer. tanto
quanto o fato de variar em proporção às variações da vontade do homem. O
paradoxo dessa posição foi expresso no resumo de Émile Durkheim da
contribuição de Montesquieu para as ciências sociais:
«Ele tem certeza de que existem leis que governam o universo. Mas ele os concebe de maneira
confusa. Segundo ele, não expressam como a natureza da sociedade gera as instituições
sociais, mas quais são as instituições que essa natureza da sociedade exige, como se sua causa
eficiente fosse buscada apenas na vontade do legislador» [Durkheim 1966, 119 ]

20
Durkheim também observou correctamente que, desde a época de Montesquieu,
'todas as ciências sociais procuraram dissipar essa ambiguidade'. No entanto,
não se pode concordar muito com Durkheim quando ele argumenta que foi o
sociólogo do século XIX Auguste Comte o primeiro a estabelecer que 'as leis
da sociedade não são de forma alguma diferentes daquelas que governam o
resto da natureza' [Ìbidem ] Nem a tentativa de Comte - cuja crença na lei
natural era baseada em mais de uma dúzia de estudiosos anteriores do século
XVIII - de encontrar uma justificativa empírica para essa afirmação, ou de
resolver o paradoxo do determinismo cultural e do livre arbítrio. Como
veremos, houve, sem dúvida, tentativas mais ousadas entre os contemporâneos
de Comte de abordar o modelo fisicalista.
Um exemplo muito claro da hesitação sentida pelos escritores do século XVIII
em aplicar o modelo newtoniano à história é encontrado nas obras de Voltaire
e Rousseau. O Essai sur les moeurs et l’ésprìt des Nations de Voltaire (1745) é
uma contribuição importante para o desenvolvimento da historiografia
moderna, especialmente por seu ataque à visão teológica da história então
prevalecente. Mas a atitude fundamental de Voltaire em relação ao passado
consiste em acreditar que o tempo proclama a onipresença da estupidez. O autor
da paródia fantasmagórica Cândido (1759), apesar da considerável influência
que exerceu na difusão do verbo newtoniano, não via com bons olhos uma
ciência da cultura. Da mesma forma, Jean Jacques Rousseau, cujas doutrinas
políticas eram frequentemente invocadas pelos jacobinos, pouco ou nada
contribuiu para o desenvolvimento desse aspecto de uma teoria cultural. A
preocupação de Rousseau em Contrai social em demonstrar que a vontade geral
ou popular constitui uma força que legitima a organização política pertence
antes àquelas mistificações românticas da história que substituem o conceito de
lei natural pela existência de almas coletivas nacionais ou tribais imprevisíveis.
E incontroláveis,

Os modelos materialistas.

Uma influência fundamental na expansão da orientação natural-determinística


do século XVIII foi exercida por L’homme machine por J. O. de La Mettrie
(1748). Este escritor era um médico que exercia a sua profissão e tinha
considerável experiência neste campo: o seu interesse pela ideia do homem
como máquina tinha, portanto, um motivo tanto prático como filosófico.
Embora ele tivesse um predecessor óbvio na 'máquina animal' de Descartes, é
importante notar que La Mettrie não propôs um sistema filosófico completo,
mas considerou a ideia de homem-máquina a melhor hipótese possível para
explicar fenómenos recém-descobertos , como irritabilidade dos músculos
destacados e peristaltismo dos intestinos [La Mettrie 1751, 60]. Experiência e
observação são os únicos guias que ele admite [ibidem, 15].
'O autor de L’homme machine foi o primeiro a lançar as ciências médicas de
forma decisiva e construtiva na vasta e iluminada cena do pensamento
iluminista, como outros já haviam feito com matemática, física e astronomia'

21
[Vartanian 1960, 94]. A tese homem-máquina deixou sua marca nas ciências
sociais, argumentando que as capacidades comportamentais do homem não
estão separadas das dos organismos infra-humanos e da matéria inerte, mas
formam um continuum completamente único, desprovido de qualquer
continuidade de solução. A teoria de que 'dos animais ao homem não há
transição abrupta' [La Mettrie 1751, 32] está grávida de consequências que
ainda continuam a se revelar em campos como a fisiologia, a antropologia física
e a primatologia. No caso das ciências sociais, há um percentual atual bem
definido de despertar intelectual que vai de La Mettrie a D'Holbach e Diderot
[Lange 1866, II].
A discussão mais sistemática e menos inibida do lugar do homem na ordem da
natureza é talvez aquela que saiu da pena de Paul Henri Thiry, Barão
D'Holbach. Escrito sob o nome do falecido acadêmico M. Miraboud e
publicado sob auspícios secretos, o Système de la nature (1770) aceitou
resolutamente todas as consequências do materialismo de La Mettrie:
«O homem é obra da natureza; Ele existe dentro da natureza e está sujeito às suas leis ...
[D’Holbach 1770, I, 1]. Na natureza não há acidente nem acaso; Não há efeito sem causa
suficiente, e todas as causas agem de acordo com leis fixas ... [ibidem, 75]. Portanto, o homem
não é livre nem por um momento de sua vida …» [ibidem, 219].
Ao contrário de La Mettrie, que era deísta e considerava improdutivo discutir o
desconhecido, D’Hólbach decidiu destruir todos os vestígios da religião
tradicional, incluindo os primeiros motores, bem como almas, fantasmas e
demónios. “O universo - declarou ele - nada mais é do que matéria e
movimento” [ibidem, 10]. É neste abandono abrupto da atitude céptica que as
críticas filosóficas modernas do materialismo metafísico encontram.

 Bibliografia
 Harris, M. (1971). L’evoluzione del pensiero antropologico. Una storia della
teoria della cultura. Bologna: Il Mulino.
Locke, J. (2013). Ensaio sobre o entendimento humano. São Paulo: Saraiva.
Kroeber, A., & Kluckhohn, C. (1952). Culture. A critical Review of Concept and
Definition. Cambridge: Museum.
Boas, F. U. (1995). L’uomo primitivo. Bari: Laterza.
Rousseau, J. J. (1999). Discurso sobre a origem e os fundamentos da disigualdade entre
os homens. São Paulo: Martins Fontes.
Lafitau, J.-F. (1724). Moeurs dea sauvages ameriquains, comparéesaus moeurs dea
premiers temps. Paris: Saugraisn et Charles Etienne Hochereau.
Spinoza, B. (2009). Ética. Belo Horizonte: Autêntica.
Vico, G. (2013). La scienza nuova ed altri scritti. Novara: De Agostini.
Montesquieu, C.-L. (1967). Lo spirito delle leggi. Milano: Rizzoli.
Durkheim, É. (2008). Montesquieu e Rousseau. Pioneiros da Sociologia. São Paulo:
Madras.
Voltaire. (1995). Candide ou l’optimisme. Genova: Cideb.

22
EVOLUCIONISMO

A doutrina da monogênese.
o Uma das principais fontes de inspiração para a crença do século XVIII na
modificabilidade da natureza humana foi o Livro do Gênesis. No relato de
Moisés sobre a criação, toda a humanidade tem uma linhagem comum
começando com Adão e Eva. Essa era a doutrina da monogênese; todos aqueles
que aderiram a ela, tanto de forma ativa quanto passiva, foram automaticamente
forçados a conceber as diferenças raciais em termos de um processo evolutivo
que implica uma interação mais ou menos rápida com o meio ambiente.
Somente aderindo ao evolucionismo e ao ambientalismo poderia ser aceito que
os não europeus também participassem da humanidade e, ao mesmo tempo,
explicassem por que não se conformavam ao tipo físico europeu. Sem dúvida,
a evolução do monogeneticista não consegue postular a transformação da
espécie; no entanto, não há dúvida de que o uso de Lamarck da ideia de
características adquiridas foi apenas uma extensão da maneira evolucionária de
pensar comum à maioria desses monogeneticistas. A doutrina de Lamarck sobre
a herança das características adquiridas é idêntica a um ambientalismo que
propõe que a experiência de vida do organismo humano modifica imediata e
diretamente nossa natureza hereditária.
O desejo de encontrar a mão de Deus nos assuntos humanos existia de mãos
dadas com uma crença cada vez maior na lei natural. Como disse o anatomista
do século XVIII, Petrus Camper:
Nenhum homem que contempla toda a raça humana tal como está agora
espalhada por toda a face da terra pode duvidar que ela descendeu de um único
par, formado pela mão de Deus muito tempo depois do próprio mundo. foi
criado e passou por inúmeras mudanças. Através do trabalho de Adão e Eva, a
raça humana foi propagada em todas as regiões habitáveis da Terra

Pelo contrário, os dois cientistas mais importantes, representantes do


pensamento monogenético da época, Johann Blumenbach na Alemanha e
Georges Louis Leclerc, conde de Buffon, na França, foram a seu modo
proponentes da supremacia branca. Ambos acreditavam que Adão e Eva eram
brancos (criados à imagem de Deus!); ambos consideravam o aparecimento de
outros tipos como uma forma de 'degeneração'. Mas, ao contrário dos racistas
dos séculos XIX e XX, Blumenbach e Buffon argumentaram que o curso
degenerativo da formação da raça era reversível e que, sob controle ambiental
adequado, todas as formas contemporâneas do homem poderiam ser induzidas
a retornar à origem. No geral, a formação das raças, segundo eles, foi resultado
da exposição às condições materiais do meio ambiente. Por exemplo, a
pigmentação negróide apareceu como resultado da exposição ao sol tropical;

23
Poligênese
o Embora as interpretações das diferenças raciais em uma base conceitual
evolucionista-ambiental tenham prevalecido nos círculos de estudiosos da
biologia e da filosofia, o século XVIII também produziu uma escola que
sustentava a origem poligênica: autores, isto é, que negavam a autenticidade do
conto do livro do Gênesis e atribuiu diferenças raciais a atos criativos diferentes
e particulares. Em Systema theologicum (1655), Isaac La Peyerère argumentou
que Adão era o único progenitor dos judeus, enquanto outros povos antigos,
como caldeus, egípcios, chineses e mexicanos, eram derivados de ancestrais
pré-adamitas.

Uma teoria inconveniente


Nasce uma nova teoria que explicava as leis do mundo natural e a evolução das
espécies. A teoria 'evolucionista' foi a partir de então, como qualquer teoria que
se opusesse ao controle religioso das consciências (por exemplo, o copernicano
ou o psicanalítico depois) furiosamente opostos pelos chamados 'criacionistas',
ou seja, todos aqueles que com base nas Sagradas Escrituras insistiam. acreditar
em um mundo criado ab eterno e em qualquer caso, sempre sob o olhar
benevolente e providencial de um Deus.

Nós somos macacos?


Quando aplicado ao homem, a teoria evolucionista implicava uma
'descendência com modificações' dos primeiros hominídeos e dos homens tout
court de algum tipo de macaco evoluído. Isso só poderia despertar uma feroz
aversão, especialmente entre os círculos religiosos. O que embaraçou a
comunidade religiosa, mas também o homem comum, foi antes de tudo essa
relação sem precedentes entre o homem e o macaco. É frequentemente
mencionada a reação da esposa do bispo de Manchester que, ao ler A origem
das espécies, exclamou: 'Descer do macaco ?! Esperamos que não seja
verdade... Mas, se for assim, rezamos porque não sabemos disso! '
Uma famosa controvérsia oposta ao T.H. Huxley ao bispo de Oxford. Este
último perguntou cinicamente: 'É do lado do seu avô ou bisavó que você
descende do macaco?' Huxley respondeu: 'Se eu tivesse que escolher um
ancestral entre o macaco e um académico que se opusesse a teses, não com
argumentos, mas com escárnio, então, sem dúvida, escolheria o macaco'.

A evolução do século XIX de Morgan e Tylor.

Enquanto o revival religioso, o conservadorismo político e o nacionalismo


romântico tendiam a minar as bases das nascentes ciências sociais, essas forças
foram contrabalançadas pelo progresso e sucessos da física, química e
engenharia, que enfatizaram a importância econômica e o prestígio do método
científico.

24
Quando a formulação especificamente antropológica da ciência do homem é
proposta por Edward Tylor, Lewis Henry Morgan, John Lubbock e John
McLennan, Nas Perspectivas evolutivas, especialmente aquelas associadas
com Morgan e Tylor, dominaram os primeiros passos da antropologia. O início
do século XX foi marcado por várias reações ao evolucionismo do século XIX.
Na Grã-Bretanha, os funcionalistas como Malinowski e Alfred Reginald
Radcliffe Brown abandonaram o historicismo especulativo dos evolucionistas
em favor de estudos das sociedades vivas de hoje. Nos Estados Unidos, Boas e
seus seguidores rejeitaram a busca por estágios evolutivos em favor de uma
abordagem histórica que traçava empréstimos entre culturas e a disseminação
de características culturais por áreas geográficas.
Funcionalistas e boasianos viam as culturas como algo integradas e governadas
por padrões. Os funcionalistas, em especial, viam as sociedades como sistemas
em que as várias partes trabalhavam juntas para manter o todo. Em meados do
século XX, após a Segunda Guerra Mundial e o colapso do colonialismo, houve
um interesse revitalizado pela mudança, incluindo novas abordagens
evolutivas. Outros antropólogos concentraram-se em fundamentos simbólicos
e na natureza da cultura, usando abordagens simbólicas e interpretativas para
descobrir padrões e significados. Na década de 1980, os antropólogos se
interessaram mais pela relação entre cultura e indivíduo e pelo papel da ação
humana (agência) na transformação da cultura. Houve também um
ressurgimento de abordagens históricas, incluindo aquelas que viam culturas
locais em relação ao colonialismo e ao sistema mundial. A antropologia
contemporânea é marcada por sua crescente especialização, baseada em temas
e identidades especiais.
Enfim aonde nos baseamos para determinar as diferentes teorias
antropológicas? Nos seguintes 25 autores:
«Edward Tylor, Lewis Henry Morgan, Franz Boas, Émile Durkheim, Alfred
Kroeber, Ruth Benedict, Edward Sapir, Margaret Mead, Marcel Mauss,
Bronislaw Malinowski, A. R. Radcliffe-Brown, Edward Evans-Pritchard,
Leslie White, Julian Steward, Marvin Harris, Eleanor Burke Leacock, Claude
Lévi-Strauss, Victor Turner, Clifford Geertz, Mary Douglas, James Fernandez,
Sherry Ortner, Pierre Bourdieu, Eric Wolf, e Marshall Sahlin» (Moore 2009:
XV).
Talvez a razão pela qual os antropólogos mostrem caracteristicamente uma
ignorância tão profunda das raízes de sua ciência seja que o início do
surgimento da antropologia como uma disciplina coincidiu com a moda do
cientificismo racista de meados do século e deve ser quase inteiramente
atribuído a ele. Como veremos, a antropologia do século XIX foi responsável
em grande parte pelo desaparecimento da grande hipótese dos ambientalistas
iluminados sobre o poder dos processos d incuturação. Há muita ironia no fato
de que, quando os boasianos vieram reafirmar a importância da inculturação,
eles o fizeram reagindo não apenas ao racismo, mas também ao cientificismo.

25
A herança do Iluminismo
o A herança do Iluminismo foi tal que todos derivaram do Iluminismo a crença
de que a história humana era o produto natural e a personificação da vida mental
e espiritual do homem e ao princípio iluminista segundo o qual à capacidade de
melhorar é a característica essencial do homem'.

O Criacionismo
o Somente a criação divina é fonte de progresso. Os selvagens são o efeito do
pecado original. São o exemplo da queda d o homem por causa do pecado
original. Pessoas tocadas pela fé. O homem não progrediu da barbaridade para
a civilização

1) Degeneracionismo: a teoria da « degeneração»

o O degeneracionismo se encaixa no criacionismo como perda da graça de Deus.


Os homens da idade de ouro degeneraram. A humanidade vai sempre mais para
uma condição degradada, há uma grande confiança na razão, a razão atinge o
cume do conhecimento segundo o Iluminismo. Mas denuncia-se a razão
iluminista como um acto de arrogância por parte do homem contra a vontade
divina, negando o progresso da razão universal, a ideia do progresso da razão
universal, a ideia de progresso humano é um acto de arrogância e desafio a
Deus. O selvagem era o resultado do pecado. A teoria da 'degeneração' - a tese
de que todos os primitivos contemporâneos descendem de povos que foram
civilizados antes da construção da torre de Babel - foi, em suas expressões
multifacetadas, pouco mais do que uma tentativa de preservar a autoridade da
história bíblica; ela não era, de facto, anti-evolucionista no sentido estrito; mas
se opôs tão veementemente à evolução no campo biológico.
A) não há nenhuma evidencia de transição da selvajaria à civilização
B) nenhum selvagem depois de muitos anos demonstrou ter feito progressos
por conta própria
C) os artefactos da cultura material foram recebidos de culturas superiores
(boomerang)
D) As pessoas perderam o status de progresso e caíram na barbárie. Os
selvagens são o manifesto do pecado original, emblema e símbolo do pecado
C) em virtude de suas próprias forças a humanidade não consegue avançar para
o progresso
D) o selvagem progride somente se auxiliado por outros povos que já se
encontram em posse da civilização alcançada pela graça de Deus

2) Do mais simples ao mais complexo

o Há um movimento geral que faz evoluir os selvagens até chegarem ao estádio


da civilização.

26
«Para De Maistre, ter proposto esta sequência foi o erro mais grave de todos:
“Partimos sempre da hipótese banal de que o homem gradualmente se elevou
da barbárie ao conhecimento e à civilização. Este é o sonho favorito, o erro
fundamental ... do nosso século século» (Harris 1971:77).
Ao afirmar persistentemente a sustentabilidade da tese bíblica sobre a origem e
transformação das instituições, propagaram as doutrinas da evolução cultural.
Apesar de sua oposição à 'hipótese banal' de que o homem se elevou da barbárie
à civilização, De Maistre estava perfeitamente ciente das transformações
evolutivas que ocorreram no mundo clássico, medieval e moderno.

3) transformismo biológico Darwin

o Enquanto o criacionismo postulava a rija imutabilidade das espécies vivas, e a


ideia de que cada variação delas era o resultado de uma intervenção estranha
aos processos e forças do mundo natural, Darwin propôs uma visão da história
da natureza viva, da qual a mesma história do homem, segundo o qual as formas
de vida seriam transformadas a partir de um lento processo de mutações devido
ao acaso, à influência que o meio ambiente exerce sobre elas e à maior ou menor
capacidade que os seres vivos tiveram de se adaptar com sucesso. para o último,
reproduzindo assim algumas de suas características na prole (Fabietti 2011: 9)
Eles imaginaram miríades de séculos durante os quais o homem ... poderia ter
nascido da lama da terra, ser aquecido pelos raios do sol, primeiro um animal
imperceptível, depois um insecto, um peixe, um bípede ou um quadrúpede, e
finalmente um homem; e nessa hipótese supor o homem inventor de sua própria
linguagem era tão fácil quanto supor o sol criador do homem

Doutro lado o trasformismo biológico apresentado por Jean Baptiste Lamarck,


para De Bonald é uma «hipótese monstruosa »: Imaginaram por séculos que o
homem ... podia ter origem da lama da terra, aquecido pelos raios do sol, qual
animal imperceptível, depois insecto, pesce, bípede ou quadrúpede, enfim
homem; foi ele a inventar a própria linguagem

Darwin não descobriu a evolução (Lamarck e outros já falavam em evolução):


a sua maior contribuição intelectual foi a ideia da seleção natural que envolve
a combinação de duas forças - chance/acaso e necessidade no processo de
reprodução diferencial dos indivíduos que se encontram melhor adaptados ao
ambiente. Ele rompe definitivamente com o pensamento anterior ao explicar o
mecanismo da evolução:
1) não existem forças sobrenaturais na explicação sobre o mundo e as espécies
2) rompe com a ideia anterior de um mundo estável e constante
3) novas espécies não eram criadas, mas derivadas de ancestrais comuns
(incluindo o homem)
4) adaptação de cada espécie regida continuamente pela seleção natural
Qual é a verdade que o darwinismo supõe? Simplesmente que todas as formas
de vida no mundo estão relacionadas. E que as relações manifestas no tempo e

27
no espaço entre as diferentes vidas são suficientemente uniformes para serem
descritas sob uma fórmula geral, ou lei, ou evolução (Kuper 2008: 30)

4) Catastrofismo

o Georges Cuvier [1811] e William Buckland [1823] para salvar a história bíblica
propuseram a doutrina do 'catastrofismo', isto é, a existência no passado de uma
série de destruições e criações milagrosas, como prova não de um único
'dilúvio', mas de dezenas de dilúvio acumulado. Somente em 1820 as propostas
dos vulcanistas de uma cronologia mais ampla se tornaram uma posição
considerada aceitável pelos geólogos.

5) Uniformismo

o A virada decisiva, marcada pela publicação de Princípios de Geologia,


ocorreu apenas em 1830: partindo dos pressupostos de Hutton, Lyell
argumentou que os processos observáveis no presente são suficientes para
explicar todos os fenômenos geomorfológicos. Na visão de Lyell, cada nova
espécie foi pré-adaptada pelo Criador para resistir a uma gama particular de
condições ambientais associadas a uma determinada época e região do mundo:
quando uma mudança ambiental destruiu essas condições, a espécie se
extinguiu. Para Tylor, Morgan, Frazer e Marret, Darwin oferecia a garantia de que a
história dos seres humanos era uma, mesmo se pudesse ser conferida maior ou menor
importância à diferenciação racial. Ele também propiciou uma explicação biológica para
o progresso gradual de racionalidade - na medida que os seres humanos se desenvolviam,
seus cérebros se tornavam maiores. Mas ele não perturbou as idéias sobre progresso
cultural que os vitorianos herdaram dos filósofos do século XV. Ao contrário, Darwin
estava confiante que a civilização havia progredido, e a moralidade junto com ela.
Deixando de lado por enquanto a questão do “grau de civilização”, o ponto
chave de Tylor é que os processos de cultura são semelhantes para todas as
pessoas, independentemente de onde ou quando viveram, porque as mentes
humanas são semelhantes (Tylor 1958: 159). Essa é a lógica central do
uniformismo de Tylor: cultura ou civilização consiste em conhecimento,
crenças, arte, moral, costumes e outras construções mentais; Como os processos
mentais humanos são universais, as sociedades humanas desenvolveram a
cultura em trajetórias semelhantes, caracterizadas pelo progresso e expressas na
evolução da cultura.

6) Unidade psiquica do genero humano

o Uma de suas expressões técnicas mais importantes É a doutrina da 'unidade


psíquica', a crença de que no estudo das diferenças socioculturais, diferenças
hereditárias (genéticas) elas se anulam, deixando a experiência como variável
mais significativa Totalmente errada, a origem desta doutrina foi colocada em
relação aos escritos de alguns evolucionistas culturais. Houve a tendência
dominante no século 19 de negar o que foi dito a este respeito. A afirmação de
que 'todos os homens são criados iguais' é um dos efeitos subversivos mais

28
conhecidos da filosofia de John Locke. Foi Thomas Jefferson quem insistiu
nesta frase, embora, ao que parece, não sem alguma preocupação. Em suas
Notas sobre o estado da Virgínia (1781), ele expressou a suspeita 'de que os
negros - fossem originalmente uma raça distinta ou tenham se tornado
diferentes pelo tempo e pelas circunstâncias - são inferiores aos brancos na
qualidade do corpo e da mente. Embora Jefferson mais tarde tenha mudado essa
posição, a questão das diferenças raciais estava cada vez mais em conflito com
o conceito igualitário de Locke de postular a mente como 'um peito vazio'. Na
esteira da reação à Revolução Francesa, a opinião culta moveu-se
decisivamente para o extremo oposto: em meados do século XIX não havia
'verdade' mais 'evidente' do que o fato de que os homens foram criados
desiguais. Nenhuma 'verdade' jamais exerceu influência mais prejudicial sobre
o desenvolvimento das ciências sociais.
O racismo popular - isto é, um sistema de preconceito e discriminação exercido
por um grupo de descendência inata contra outro - é provavelmente tão antigo
quanto a humanidade. Antes do século XIX, as nações nunca haviam pago seus
estudiosos para provar que a supremacia de um povo sobre outro era o resultado
inevitável das leis biológicas do universo.

7) Do menos perfeito ao mais perfeito

o Nós deveríamos olhar para trás e exultar:


«Dificilmente poderia haver dúvida de que os habitantes de... quase todo o
mundo civilizado, estiveram alguma vez em uma condição de barbárie.
Acreditar que 0 homem foi civilizado de forma aborígene e depois sofreu
degradação completa em tantas regiões, é ter uma baixa e desprezível visão da
natureza humana. É aparentemente uma visão mais verdadeira e mais
animadora a de que 0 progresso tem sido muito mais amplo do que o retrocesso;
de que o homem tem emergido, ainda que em passos lentos e interruptos, de
uma condição baixa para um padrão mais alto até agora obtido através do
conhecimento, na moral e na religião» (Kuper 2008: 32).

8) Estadeações

o Cada um concebia o novo mundo em contraste com a “sociedades tradicionais”,


mas por detrás desta “sociedade tradicional” eles discerniam uma sociedade
primitiva ou primeva, a qual configurava a verdadeira antítese da modernidade.
A sociedade moderna era definida, acima de tudo, pelo Estado territorial, a
família monogàmica e a propriedade privada. A sociedade primitiva deve ter
sido, portanto, nómade, ordenada por laços de sangue, sexualmente promíscua
e comunista. Houve também uma progressão na mentalidade. O homem
primitivo era ilógico e supersticioso. As sociedades tradicionais eram
submetidas à religião. A modernidade, por sua vez, era a idade da ciência
(Kuper 2008: 24).

29
9) Comparativismo

o Fundador do método comparativo é Lafitau é ironicamente citado por Voltaire,


que afirma: 'Lafitau faz os americanos virem dos antigos gregos e eis as suas
razões. Os gregos tinham suas fábulas e até os americanos as possuíam. Os
primeiros gregos vão caçar e os americanos fazem o mesmo. Os primeiros
gregos tinham oráculos e os americanos têm magos. Eles dançaram durante os
festivais gregos e dançaram na América. Devemos concordar que essas razões
são convincentes (Cocchiara, 1971, 116).
O trabalho de Lafitau é realmente como Voltaire o descreve? Ao ler o texto,
descobre-se um etnógrafo atento que demonstra como o mundo dos selvagens
não é constituído por esquisitices, mas de homens concretos dotados de cultura
(Gatto Trocchi, 1999, 19). Antes de Lafitau, o primitivo não foi estudado, mas
'inventado'. Para um estudo aprofundado, o conhecimento das línguas locais era
a instrumentação absoluta e necessária para compreender o modo de pensar, os
usos, os costumes e as tradições dos povos. Lafitau dominava a língua uron e
alguns dialetos iroquois, foi instruído por um irmão que viveu no Canadá por
mais de sessenta anos, Julien Garnier, que conhecia a língua algonquiana, o
uron e cinco dialetos iroqueses.
O autor contesta a literatura exótica pré-científica que sustentou a existência de
povos que não têm religião, nem usos políticos, nem estruturas sociais: 'Eu
relutantemente vi como aqueles que lidam com selvagens em seus
relacionamentos, retratando-os como pessoas que eles não têm nenhum
sentimento de religião, nenhum conhecimento do divino, algum objeto para ser
adorado, como pessoas que não têm leis, nem disciplina externa, nem forma de
governo, em uma palavra como homens que têm apenas o homem. A FIG. Este
é um erro pelo qual muitas pessoas são responsáveis '(citado em Cocchiara,
1971, 118).
Lafitau descreve e interpreta organizações sociais, estruturas de parentesco,
representações coletivas de natureza religiosa, adoração, o panteão das
divindades, casamento e usos funerários, usando
1) observação participante,
2) a descrição escrupulosa das culturas locais,
3) e finalmente a comparação com outras formas culturais.
O trabalho de Lafitau é mencionado repetidamente por Giambattista Vico, que
se opôs ao Iluminismo anti-tradicionalista. A nova ciência se baseia nas
perspectivas de Lafitau, que ele menciona várias vezes. Vico também considera
as culturas humanas sem preconceitos ou divisões entre nações civilizadas e
povos bárbaros, já que a história inclui todas as nações. Cada grupo étnico tem
alguma religião, todas as pessoas contraem casamentos solenes, todos enterram
seus mortos. Ele vê, abaixo da orgia de descontinuidade e da desigualdade de
instituições, usos e tradições, uma regularidade e uma uniformidade que
remetem ao espírito humano.
A expressão não deve parecer antiquada, porque, dois séculos depois, Claude
Lévi-Strauss relatará ao homem as características universais, as regras que

30
governam a formação da cultura, da linguagem, das estruturas de parentesco e
da circulação dos bens económicos. O estruturalismo nada mais é do que
descobrir recorrências e regularidades de tipo científico naquelas articulações
do espírito humano submetidas a um automatismo inconsciente, que
representam os processos universais do pensamento.

Lafitau

Para Lafitau, a presença da religião era um facto forte para afirmar a existência
necessária de uma civilização. A comparação que Lafitau faz entre os costumes
dos povos indígenas da América e os do mundo antigo é uma tentativa de dar
dignidade e civilização aos chamados selvagens. Ele tentou não apenas
descrever fatos culturais, mas também relacioná-los em uma estrutura de ordem
que fosse compreensível e propusesse explicações. A comparação com o
mundo clássico foi ditada pelo desejo de colocar religiões primitivas e religiões
históricas em um único reino espiritual.
Lafitau formulou e aplicou alguns princípios que se tornaram a base da
etnologia. As culturas primitivas foram valorizadas à luz das condições em que
se desenvolveram e não em relação ao desenvolvimento das culturas européias.
Ele afirmou que as relações genéticas só poderiam ser deduzidas a partir de
analogias específicas: as culturas primitivas contemporâneas lançam luz sobre
as antigas e vice-versa. As crenças de Lafitau são baseadas na intuição do
conceito de relativismo cultural.

Evolucionismo de Comte
o Comte não apenas acreditava ser o primeiro a sugerir essa série intelectual, mas
também acreditava que ela era universalmente válida, ou seja, era a mais
importante de todas as leis sociológicas; ele acreditava ter descoberto uma
grande lei fundamental, a saber, que cada uma de nossas concepções
fundamentais, cada ramo de nosso conhecimento passa por três diferentes
estados teóricos: o teológico ou imaginário, o metafísico ou abstrato, o
científico ou positivo.

Evolucionismo de Hegel

o Hegel, como seus predecessores do Iluminismo, concebeu o mundo em termos


de uma corrente evolutiva progressiva; ao evolucionismo intrusivo daquele
período, ele acrescentou o conceito de que entidades ou eventos podem ser
compreendidos apenas em virtude do seu oposto, contradição ou negação. Esta
é a base epistemológica do famoso ponto de vista 'dialéctico' de Hegel.
O mundo é composto de entidades que estão em uma relação 'dialética' com
suas idéias opostas, contraditórias ou negativas: a tensão entre os opostos reflete
o trabalho evolutivo da mente do mundo. Da 'negação da negação', uma nova
entidade ou estado de existência se desenvolve, o que, por sua vez, tem
significado apenas em relação aos seus ingredientes contraditórios. Como

31
Comte, Hegel demonstrou um desprezo esplendidamente etnocêntrico por todas
as sociedades pré-estatais. A África é liquidada porque 'não tem movimento e
desenvolvimento para mostrar' [Hegel 1927b, I, 262].

Tylor
o Edward Burnett Tylor (1832–1917) é considerado o pai fundador da
antropologia britânica. Tylor foi o primeiro professor de antropologia em
Oxford; Ele era ativo no estabelecimento de associações e instituições
antropológicas; E suas ideias contribuíram para os debates intelectuais do final
do século XIX, provocados por Darwin, sobre a origem das espécies. Central
para a contribuição de Tylor foi sua definição de cultura:
“Cultura ou Civilização, tomada em seu amplo sentido etnográfico, é aquele
todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, direito, costumes
e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como Um
membro da sociedade ”(1958: 1).
Nessas linhas de abertura de sua principal obra, Primitive Culture, Tylor
primeiro definiu a cultura em 'seu significado técnico moderno e antropológico'
Kroeber e Kluckhohn 1952: 9; Compare Stocking 1963). É uma definição de
cultura que Bohannan e Glazer observam
“é a única que a maioria dos antropólogos pode citar corretamente, e a que eles
recorrem quando outros se mostram muito embaraçosos” (1988: 62).
Complexas culturas que podem ser divididas em campos de atividade material
e simbólica compostos por elementos ou traços (mitos, crenças, rituais,
instituições, tecnologias) cujo estudo é feito de forma comparativa. Para os
evolucionistas, as culturas se prestavam a ser estudadas por tipos por categorias
e dispostas dentro de uma escala hierárquica, que inclui culturas primitivas.

A filosofia da história coloca civilizações em um eixo temporal

A antropologia encontra a cultura e as culturas tomando o elemento do espaço


no elemento da filosofia, em vez de padrões temporais nos quais incluir a
história (filosofia), a antropologia leva em conta a realidade das culturas
distribuídas pelo espaço.
Evolucionismo é a tentativa de combinar tempo e espaço
TEMPO = dimensão privilegiada pela filosofia da história
ESPAÇO = dimensão retirada da antropologia

Traços culturais
Isso tem três implicações. Primeiro, a raça não explica diferenças culturais.
Acreditando que era “possível e desejável eliminar considerações sobre
variedades hereditárias ou raças humanas”, Tylor sustentou que seu estudo
demonstrou “que estágios de cultura podem ser comparados sem levar em conta
até que ponto as tribos que usam o mesmo implemento seguem o mesmo

32
costume , ou acreditam no mesmo mito, podem diferir em sua configuração
corporal e na cor de sua pele e cabelo ”(1958: 7). Em vez disso, se duas
sociedades têm traços culturais análogos (cerâmica ou monoteísmo ou mercado
de ações), é porque ou
(1) o traço se difundiu de uma sociedade para outra, ou
(2) porque invenções independentes se desenvolveram devido ao semelhante
humano construído Mentes encontrando situações semelhantes. Em segundo
lugar, significa que as sociedades com características culturais semelhantes
podem representar etapas análogas no desenvolvimento da cultura humana.
Citando o insulto bastante previsível de Samuel Johnson, “um conjunto de
selvagens é como outro”, Tylor surpreendentemente exclama: “Como isso é
uma verdadeira generalização, qualquer Museu Etnológico pode mostrar”
(1958: 6). Tylor rapidamente explica que essas semelhanças são mais
pronunciadas no campo da tecnologia - as ferramentas para caçar, pescar, fazer
fogo, cozinhar e assim por diante - embora existam semelhanças entre culturas
na mitologia, no parentesco e em outros aspectos da vida social. Tais paralelos
refletem estágios similares de desenvolvimento cultural entre as sociedades
existentes e também nos permitem
Spencer
Ele sistematiza a sociologia com o método indutivo, com a perspectiva da
pesquisa evolutiva, onde a sociedade considerada como o último estágio do
desenvolvimento humano: o organismo superorgânico resulta de um processo
de desenvolvimento pelo esforço de adaptação aos meios de subsistência e
empenhado (socialmente) na a luta pela supremacia.
Teoria do Organismo Humano
E assim esta teoria serviu como um suporte para afirmar a superioridade da
Inglaterra mais forte e mais avançada sobre as outras nações. O organismo
humano é concebido em analogia à sociedade submetida às leis que regulam os
processos adaptativos e evolutivos como se a sociedade fosse um
superorganismo diferente daquele dos animais para realizar actividades
intelectuais, culturais e sociais, acima dos organismos naturais. À medida que
os organismos crescem ao longo de suas vidas, o desenvolvimento social
continua até o momento em que as sociedades são divididas ou esmagadas.
Assim como no organismo, um membro destinado à locomoção ou ao
conhecimento adquire divisões e subdivisões, cada qual com tarefas principais
e secundárias. O mesmo se aplica às partes, em que uma sociedade é dividida,
uma classe assume o governo sobre o resto e desempenha as suas funções.
Conforme a evolução avança, há uma transformação das partes, que dependem
reciprocamente umas das outras. No organismo social, as diferentes partes
mantêm a cooperação através da linguagem oral e escrita emocional e
intelectual. Grandes agregados têm altas organizações, dependência mútua de
partes que constituem a organização, que não é constituída por famílias que são
poucas e errantes (Cayaguas - América) Esquimós, australianos e Vatuas não
estão sujeitos a nenhuma autoridade se não for um velho mais forte e mais
astuto e mais experiente .

33
Diferenciações sociais:
a) Escritório do governo exercido por homens que alegam exercer autoridade.
b) Posições e funções dos respectivos sexos: homens = mulheres de guerra =
escravos
c) Combinação de diferentes líderes para defesa contra um inimigo comum
d) Divisões de classe: militares, sacerdotes, servidores.
A união entre as tribos facilita muito a troca de bens, a paz interna deriva da
subordinação ao governo que facilita as relações comerciais.
Entre as partes acontecem: diferenciações, contrastes, transformações das quais
derivam divisões internas, subdivisões e mudanças.
Quando todos os membros da linhagem têm a mesma vida que os outros, não
há funções diferentes a serem trocadas, todos podem fazer por si mesmos o que
o outro faz.

Os Princípios da evolução social Spencer:

Ele sistematiza a sociologia com o método indutivo, com a perspectiva da


pesquisa evolutiva, a sociedade considerada como o último estágio do
desenvolvimento dos vivos: o organismo superorgânico resulta de um processo
de desenvolvimento pelo esforço de adaptação aos meios de subsistência e
empenhado (socialmente) na a luta pela supremacia.
E assim esta teoria serve como um suporte para afirmar a superioridade da
Inglaterra mais forte e mais avançada sobre as outras nações. Organismo
humano concebido como uma analogia para a sociedade submetida a leis que
regulam processos adaptativos e evolutivos como se a sociedade fosse um
superorganismo diferente daquele dos animais para realizar actividades
intelectuais, culturais e sociais, acima dos organismos naturais. À medida que
os organismos crescem ao longo de suas vidas, o desenvolvimento social
continua até o momento em que as sociedades são divididas ou esmagadas.
Assim como no organismo, um membro destinado à locomoção ou ao
conhecimento adquire divisões e subdivisões, cada qual com tarefas principais
e secundárias. O mesmo se aplica às partes, em que uma sociedade é dividida,
uma classe assume o governo sobre o resto e desempenha as suas funções.
Conforme a evolução avança, há uma transformação das partes, que dependem
umas das outras. Em uma dependência mútua.

Organismo social

No organismo social, as diferentes partes mantêm a cooperação através da


linguagem oral e escrita emocional e intelectual. Grandes agregados têm altas
organizações, dependência mútua de partes que constituem a organização, que
não é constituída por famílias que são poucas e errantes (Cayaguas - América)

34
Esquimós, australianos e Vatuas não estão sujeitos a nenhuma autoridade se
não for um velho mais forte e mais astuto e mais experiente .
Diferenciações sociais:
a) Escritório do governo exercido por homens que alegam exercer autoridade.
b) Posições e funções dos respectivos sexos: homens = mulheres de guerra =
escravos
c) Combinação de diferentes líderes para defesa contra um inimigo comum
d) Divisões de classe: militares, sacerdotes, servidores.
A união entre as tribos facilita muito a troca de bens, a paz interna deriva da
subordinação ao governo que facilita as relações comerciais.
Entre as partes acontecem: diferenciações, contrastes, transformações das quais
derivam divisões internas, subdivisões e mudanças.
Quando todos os membros da linhagem têm a mesma vida que os outros, não
há funções diferentes a serem trocadas, todos podem fazer por si mesmos o que
o outro faz.
Os Princípios da evolução social são:
1) integração = união e colecta de massas que aumentam a massa
2) heterogeneidade = da tribo simples para a nação com muitas funções e
diferenciações.
3) Consistência = tribo subordinada a um homem que domina o princípio da
soldagem.
4) Determinação = ordens estáveis que se tornam precisas, costumes que se
tornam leis, instituições estruturadas.

Sociedade militar
A vida não pertence ao indivíduo, está disponível para a sociedade, uma
vontade conformada à vontade pública, é obrigada a ceder tudo o que é exigido
dela para uso público. O indivíduo é propriedade do Estado. Liberdade e
propriedade são subordinadas ao agregado. Do déspota ao escravo todos são
senhores dos superiores e sujeitos aos superiores, o indivíduo de um estado
inferior está à mercê de um indivíduo de um estado superior. O trabalho é feito
sob vigilância coercitiva que abomina tudo. O regime reprime e impõe ao
indivíduo o que ele deve e não deve fazer. O poder do governo limita as ações
do indivíduo, prescreve, como, onde e quando deve fazer coisas que não faria
espontaneamente, dita regras mais ou menos detalhadas sobre o padrão de vida.

O princípio militar é a cooperação obrigatória.


Quanto mais o indivíduo é subordinado na vida, liberdade e propriedade dadas
à sociedade da qual ele é membro, mais é necessário que seu domicílio seja
constantemente conhecido, cada um deve estar sempre disponível para seu
superior.
1) coletivismo,
2) combinação,

35
3) coesão,
4) regimentação
eles pressupõem uma estrutura que resiste fortemente à transformação,
impedindo e neutralizando mudanças. A guerra tem sido frequentemente o
primeiro promotor de iniciativas sociais que são realizadas com autoridade
despótica.
5) Se a coerção era necessária para desenvolver certos traços do caráter
individual do homem, é verdade que esse processo causou males imensos, tanto
nas instituições políticas quanto no caráter individual, que só melhorarão com
a repressão do caráter militar e com a decadência do regime. militar
6) É necessário distinguir a sociedade comunista do industrial, onde a produção
e a distribuição estão sujeitas a regras compulsórias de cooperação, impedindo-
as de lidar com o que gostam, revalorizando numa economia de mercado e
estabelecendo relações de que gostam. A troca começou com a intenção de
fazer um presente e receber outro em troca.
'O homem sábio deve lembrar que é descendente do passado, mas também pai
do futuro'.

Evolucionismo cósmico

Ao contrário de Darwin, que reduz o evolucionismo a um ambiente puramente


biológico, Spencer fala explicitamente de 'evolucionismo cósmico', com a ideia
de que, além da evolução orgânica, há também uma evolução que é anterior a
ela, de tipo inorgânico, em um molde super-orgânico subsequente. O filósofo
observa com entusiasmo que, mesmo antes que a evolução biológica (esboçada
por Darwin) pudesse ser realizada, a realização do inorgânico é necessária, o
que permitiu, por exemplo, a formação do sistema solar; somente após essa
evolução inorgânica foi possível realizar a orgânica: e o próximo passo será o
superorgânico, ao qual o homem será submetido com suas conquistas (cultura,
instituições e, em geral, sociedade ). Se Comte era não-reducionista, Spencer,
por outro lado, é pelo menos parcialmente reducionista, já que em sua opinião
há um único processo fundamentalmente governado pelas mesmas leis (aquelas
do evolucionismo) que envolvem o orgânico, inorgânico e até super-orgânico:
as leis que regulam a biologia, diz Spencer, são quase as mesmas que governam
o progresso da física, da política, da cultura, da sociedade, etc., de modo que é
suficiente, em princípio, identificar as leis da evolução para a biologia. ser
capaz de estudar toda a realidade, que é o oposto do conceito de Comte. Com
Spencer, então, o elemento que talvez distingue o positivismo do racionalismo
do século XVII e do século XVIII emerge: se é verdade que eles têm um
interesse marcante pelas ciências sociais (a ponto de considerá-las como o único
conhecimento válido), o tipo de ciência a que apelam é diferente. De facto,
quando a filosofia toma a ciência como seu modelo de investigação, sempre
tende a escolher a mais em voga no momento, de modo que se Platão tivesse
utilizado a ciência médica de origem hipocrática, os filósofos dos séculos XVII
e XVIII, ao contrário, preferiam a física matemática de estilo galileu e

36
newtoniano, e o ‘Discurso sobre o método', de Descartes, que é uma prova
notável, uma vez que o pensador francês afirma explicitamente que reconheceu
na matemática o verdadeiro modelo cognitivo. Spencer e os positivistas, por
sua vez, vivem numa época em que a biologia prevaleceu sobre a física
newtoniana, mais em harmonia com os impulsos vitalistas típicos da época
romântica: por isso, ao contrário do iluminismo e do racionalismo, o
positivismo escolhe a biologia e, em particular, Spencer amplia o
evolucionismo biológico para toda a realidade tornando-o cosmológico.

Primazia da ciência

Reconhecendo a primazia da ciência (em particular da biológia), parece que a


filosofia é deslegitimada: os positivistas e Spencer não apenas reconhecem na
ciência o modelo supremo de conhecimento, mas até tendem a ver todos os
outros como ineficazes, sancionando assim a morte da filosofia. No entanto,
eles sempre encontram, de alguma forma, uma maneira de esculpir algum
espaço para a filosofia: Comte a reduz a uma investigação racional da história
da ciência, Mill a concebe como um estudo puro e simples dos fundamentos
metodológicos da ciência e, finalmente, Spencer lhe reserva um tratamento
especial. Em primeiro lugar, com um discurso de forte sabor kantiano, ele
declara a compatibilidade entre ciência e religião, rompendo assim certas
franjas positivistas expressamente anti-religiosas: de facto, se é verdade que se
pode investigar a realidade e inferir dela as leis do comportamento, é
igualmente verdade que a essência da realidade permanece incognoscível, isto
é, escapa de qualquer estrutura cognitiva. Em outras palavras, a ciência pode
explicar como um fenômeno que ocorre e por que ele ocorre, mas nunca será
capaz de extrair sua essência profunda: as generalizações que a ciência alcança
nunca conterão o que Spencer define como o Incognoscível (uma espécie
daquilo que em si é kantiano).

A religião

E é precisamente em virtude dessa impotência da ciência que a religião e sua


investigação do Incognoscível (isto é, a profunda essência da realidade) não é
apenas compatível com a ciência, mas é de fato necessária para ela: as duas
disciplinas se apoiam mutuamente na ciência, reciprocamente, projetando suas
investigações em questões diferentes, mas igualmente necessárias, e além disso,
a religião nos lembra simultaneamente dos limites intrínsecos do conhecimento
humano e do profundo mistério da realidade. Isso também nos permite entender
por que Spencer se refere não à teologia em geral (catafática), mas àquela de
tipo negativo (apofática), o que significa que não nos diz o que está além da
barreira cognitiva, mas, pelo contrário, o que não é. Naturalmente, isso só pode
acontecer se a ciência e a religião não pretenderem passar para o campo dos
outros: e, nesse sentido, a história de Galileu simboliza precisamente a invasão
da religião no campo científico.

37
A filosofia

Tendo esclarecido a relação entre ciência e religião, Spencer enfoca aquilo que
diz respeito à filosofia e à ciência: se a ciência pode e deve explicar toda a
realidade de acordo com as leis evolucionárias, qual é o uso da filosofia? De
uma maneira bastante original, Spencer atribui-lhes, ao mesmo tempo, o valor
mínimo e máximo, afirmando que a filosofia nada mais é do que a ciência mais
importante, com a consequente perda de autonomia e especificidade. Ele é
talvez o positivista que dá mais peso do que tudo à filosofia, mas que tende
ainda mais a reduzi-la à ciência: em última análise, para Spencer, a filosofia é
uma espécie de superciência. Cada um de nós, na verdade, tem suas
experiências diárias e tende a generalizá-las para derivar regras de
comportamento (e a ciência faz a mesma coisa, de uma maneira sistemática, no
que diz respeito à natureza), mas depois, além das leis. relativamente geral, é
possível identificar leis muito gerais que não se aplicam a um campo da
realidade em vez de outro, mas, vice-versa, aplicam-se a toda a realidade. A
filosofia trata dessas leis muito gerais, válidas para toda a realidade.

Reducionismo

E precisamente em virtude dessa concepção, Spencer tende a ser reducionista,


ou a nutrir a convicção de que todas as ciências podem ser rastreadas até uma
única ciência, filosofia. É reducionista, em outras palavras, porque tem a
convicção de que existem leis muito gerais válidas para cada realidade das quais
as leis estudadas pela ciência são derivações particulares, como se, em última
análise, todas as ciências fossem derivações particulares da filosofia
superciência. A filosofia como entendida pelo filósofo inglês, portanto, destaca-
se entre todos os conhecimentos, mas, qualitativamente, não é diferente das
outras ciências. É curioso como, nesta perspectiva, retornamos ao conceito
aristotélico de metafísica entendido como ciência (além das coisas 'além do
mundo físico') do estudo das leis gerais do ser: é precisamente para este estudo
que a filosofia deve ser dedicada , que sobe para a rainha das ciências, mas
perde sua autonomia.

Evolucionismo de Spencer

No entanto, o evolucionismo de Spencer não é uma extensão pura e simples das


noções de Darwin para todo o universo: na realidade, os dois pensadores
elaboram suas teorias separadamente, sem contatos; e quando dizemos que,
para Spencer, a evolução é cósmica, não devemos pensar que ela deva ser
interpretada como uma analogia, portanto, a partir da observação de que no
mundo biológico existe o evolucionismo, ele deve se aplicar ao resto da
realidade. Inversamente, todo o cosmos é submetido a um único processo
evolutivo que é dividido em diferentes fases e aspectos, bem como os
subsequentes. O problema da filosofia é justamente ir além da ciência para

38
reconstruir as leis da evolução em geral: todas as ciências chegam, de diferentes
maneiras e em diferentes campos, para reconhecer as leis da evolução. Por
exemplo, a biologia descobre a evolução no mundo vivo, a física na realidade
material e assim por diante: a filosofia, por sua vez, deve consertar todas essas
leis gerais elaboradas pelas ciências individuais para poder obter leis muito
gerais de evolução válidas para todo o cosmos. E todas as ciências individuais,
diz Spencer, alcançam, embora de formas diferentes, o reconhecimento de três
princípios fundamentais:
1) indestrutibilidade da matéria, (porque é transformada em energia, a matéria
é um amálgama de energia)
2) continuidade do movimento (na natureza nada é criado e nada é destruído,
pois o Pré-Socratico nunca se molha na mesma água)
3) persistência da força.
Todos esses princípios, é claro, são, por assim dizer, 'penúltimos' respostas, que
explicam que a matéria não pode ser destruída, e evolui passando de
inconsistente a coerente com base no desvio de que o movimento é contínuo e
que a força tende a persistir, mas que não respondem à questão decisiva (que
atravessa o limiar do Incognoscível): por que é assim? O que originou isso?

Lei geral

A tarefa da filosofia será, portanto, unificar esses três princípios em uma única
lei geral, que Spencer traça na lei da evolução. Essa lei, de fato, explica a
integração gradual (isto é, a concentração) da matéria e a consequente
dissipação do movimento (para os quais os três princípios listados acima podem
ser resumidos brevemente) por meio de um processo triplo:
a) como passagem do inconsistente para o coerente (passagem da concentração
progressiva);
b) como passagem do homogêneo para o heterogêneo, do uniforme para o
multiforme (isto é, um processo de diferenciação progressiva);
c) como uma passagem do indefinido para o definido (ou seja, como um
processo de determinação progressiva).
Em termos concretos, imagine que temos diante de nós um ser primitivo como
uma ameba e um mais complexo como um cavalo: a matéria que compõe o
cavalo é muito mais concentrada e compacta do que a da ameba (passagem
evolucionária do inconsistente para o coerente); o cavalo, então, é mais
complexo e articulado que a ameba, tanto que cada célula do cavalo é em si
mesma mais complexa que a ameba (passagem evolutiva do homogêneo para o
heterogêneo); finalmente, a ameba é mais simples, o cavalo é mais complexo e,
portanto, desfruta de uma identidade maior, ou seja, distingue-se mais do
ambiente circundante (passagem evolutiva do indefinido ao definitivo). E essas
leis que acabamos de ilustrar são válidas não apenas na esfera biológica (a
ameba e o cavalo), mas para todo o universo: elas também devem ser usadas,
diz Spencer, para interpretar a formação do sistema solar a partir de uma
nebulosa original. Transição do buraco negro para a formação da matéria de tal

39
forma que determine o movimento, de modo que a matéria seja formada e
integrada pela incoerência (criação ex nihilo)

Evoluir é mudar

O mudar evolui de uniforme para multiforme. A evolução é a mudança, da


condição primitiva para a condição generalizada, do mental para o complexo,
passou do homogêneo para o heterogêneo, do menos denso a muito denso, do
inconsistente para o coerente, a ponto de dar vida a todo o sistema solar. As leis
evolucionistas, então, também devem ser aplicadas ao mundo super-orgânico,
ou à sociedade humana: e o mais curioso é que, diz Spencer, as leis que regulam
o processo evolucionístico do mundo biológico são quase as mesmas que
governam a evolução nos mundos inorgânicos e superorgânicos; estas são leis
que o pensador inglês deriva em parte de Darwin e em parte de Lamarck. Está
de fato convencido de que todas as instituições se esforçam para se adaptar ao
ambiente e que as mutações que derivam desses esforços são, por sua vez,
selecionadas pelo meio ambiente. No entanto, entre a sociedade e o mundo
biológico, que também seguem leis evolutivas quase idênticas, há uma enorme
diferença: no mundo humano, de fato, a cultura e a consciência do que é feito
toma conta, o que sugere que a ideia lamarckiana A transmissibilidade herdada
de caracteres adquiridos, falsa se aplicada ao evolucionismo biológico, é
verdadeira no que diz respeito ao mundo humano. É verdade que na história da
humanidade há um esforço consciente de se adaptar ao ambiente e que há uma
transmissão de caracteres adquiridos (noções, mudanças culturais, etc.), tanto
que a ideia de sobrevivência é adequadamente corrigida. caso contrário,
acabaríamos vivendo no estado de natureza delineado por Hobbes: hoje
vivemos muito mais do que anos atrás, porque a ideia segundo a qual somente
os mais fortes podem sobreviver e formas de solidariedade e normas de
comportamento aceito por todos. Se o darwinismo social continuasse a existir,
ninguém poderia sobreviver aos quarenta, porque, tendo perdido sua força, seria
facilmente subjugado pelos homens em seu auge. De facto, no homem entre o
evolucionismo cultural e o evolucionismo biológico há quase um conflito, à
medida que o mais velho fica, mais a cultura cresce e a força física para
sobreviver no hipotético estado da natureza diminui. Em seu tempo, entretanto,
Spencer acreditava que poderia aplicar as leis da evolução também à sociedade,
dando origem ao que ficou na história sob o nome de darwinismo social: o
critério segundo o qual sobreviver é ser aceito também no mundo social. o mais
forte e é por isso que Spencer é um firme defensor do liberalismo mais
desenfreado. Ele retoma as considerações de Malthus de que Darwin se limitou
a aplicar-se à realidade biológica e chega a dizer que o Estado absolutamente
não deve intervir com critérios de solidariedade ou facilitação, pois impede o
amadurecimento das formas de seleção natural funcionais à sobrevivência da
própria sociedade. . E nesse sentido, o filósofo inglês opera uma série de
comparações entre o mundo biológico e a sociedade humana, destacando que,
evolutivamente, as sociedades modernas são mais coerentes, mais heterogêneas

40
e mais definidas que as antigas: elas são mais articuladas especialmente em
virtude de
1) divisão do trabalho que os caracteriza,
2) mas também graças ao facto de que eles estão mais distantes do ambiente (e
a comparação se concentra principalmente nas diferenças entre cidades
modernas e aldeias antigas);
3) e depois nas sociedades modernas os tecidos que executam determinadas
funções concentram-se em lugares muito específicos (pensam em áreas
industriais), assim como no indivíduo as células se diferenciam
qualitativamente e se posicionam em lugares muito específicos.
É muito curioso como até Spencer compara as sociedades e as estruturas dos
animais: como os moluscos são protegidos pela armadura, também algumas
estruturas sociais são (como a concha de moluscos) rígidas, emolduradas por
estruturas que restringem a tendência. E, a esse respeito, Spencer identifica dois
tipos diferentes de empresas: aquela
1) industrial e que
2) militar, que exige a coesão do grupo, de acordo com seus próprios interesses,
iniciativas e individualidade, há seleção natural e a sobrevivência daqueles que
são mais fortes e mais adequados. É a lógica do colonialismo
Quanto mais uma sociedade é orgânica, menos precisa de um aparato externo
que a mantenha unida: por exemplo,
1) a sociedade industrial é tão articulada e as partes que a constituem estão tão
ligadas entre si que, em princípio, ela poderia prosseguir sem leis e estruturas
que a mantenham unida, uma vez que permaneceria quieta sozinha.
2) Pelo contrário, uma sociedade que não possui um aparato industrial avançado
precisa de uma estrutura que a mantenha unida para que não se desfaça: o
exército, a polícia, uma série de regras coercitivas, etc .; por isso, vem de
Spencer definido, quase com um sentido depreciativo, 'sociedade militar'.
Resta agora perguntar qual é o ponto máximo que o conhecimento da realidade
pode alcançar: em última análise, o problema a ser resolvido é como entender
o processo evolutivo de toda a realidade através de uma ferramenta de pesquisa
tão geral quanto a filosofia de acordo com Spencer.. Ele diz que duas coisas
devem ser assumidas:

Materia

mais precisamente, uma massa original e disforme e uma força que age de fora
sobre ela. Já que esta força não atua de maneira absolutamente uniforme sobre
o assunto (haverá pontos onde ela empurra mais e aponta onde ela empurra
menos),
Zione é uma diferenciação que desencadeia a reação em cadeia que dá vida ao
processo evolutivo estudado por Spencer.
Spencer prestou especial atenção às mudanças evolutivas das estruturas sociais.
Sua ideia de evolução envolveu uma mudança
1) de um estágio relativamente indefinido de homogeneidade

41
2) em um estágio de heterogeneidade relativamente definida e coerente, um
processo que poderia explicar, segundo ele, tanto a evolução do universo quanto
das estruturas sociais.
Sua sociologia basear-se-á, de fato, em uma idéia de direito natural, que
permitirá, no nível da análise, considerar a sociedade em analogia com um
organismo biológico. Isso significava criar uma analogia entre as partes
constituintes de uma sociedade e os órgãos internos de um organismo, que,
interagindo entre si, permitiam que a empresa funcionasse e se perpetuasse ao
longo do tempo. A sociedade, para Spencer, teve que funcionar através das
mesmas leis que regulam a natureza e se desenvolvem como qualquer espécie
viva. A evolução agiu, portanto, no sentido de uma crescente complexidade do
organismo 'social', cujo ápice foi visto na civilização inglesa, considerada a
mais avançada e complexa. Além disso, em sua sociologia há uma forte carga
determinista em relação ao aparato legislativo. Spencer pensava, na verdade,
que somente as sociedades mais fortes, e dentro delas os indivíduos mais fortes,
poderiam sobreviver, usando o conceito, que mais tarde seria adotado por
Darwin, da sobrevivência do mais apto. Qualquer intervenção do Estado na
direção do bem-estar para as camadas mais fracas da população poderia levar a
uma regressão da sociedade, porque, segundo ele, impedia que a natureza
seguisse seu curso, isto é, permitisse apenas indivíduos capazes de ajudar o
corpo a sobreviver. desenvolvimento social. Mais tarde Spencer estava
convencido de que a evolução dos grupos humanos também poderia depender
do meio ambiente e do social, visto nos diferentes tipos não mais estágios de
uma única evolução, mas entidades classificáveis em grupos divergentes e re-
divergentes.

Bibliografia

o Moore, J. D. (2009). An Introduction to Anthropological Theories and


Theorists. Plymouth: Altamira.
Harris, M. (1971). L’evoluzione del pensiero antropologico. Una storia
della teoria della cultura. Bologna: Il Mulino.
Fabietti, U. (2011). Storia dell’antropologia. Bologna: Zanichelli.
Kuper, A. (2008). A Reinvenção da Sociedade Primitiva Transformações
de um mito. Recife: UFPE.

42
Particularismo histórico
Durante a primeira metade do século XX, a antropologia nos Estados Unidos foi
caracterizada pela evitação programática de toda síntese teórica. A estratégia básica de
pesquisa daquele período foi a formulada por Franz Boas. Uma das figuras mais
influentes da história das ciências sociais. Franz Boas (1858–1942) moldou a direção da
antropologia americana do século XX. Seu ex-aluno, Alfred Kroeber, escreveu logo após
a morte de Boas que 'o mundo perdeu seu maior antropólogo e a América uma de suas
figuras intelectuais mais coloridas' (1943: 5). Ecoando essa avaliação trinta anos depois,
George Stocking Jr. escreveu: 'Não há dúvida de que [Boas] foi a força única mais
importante na formação da antropologia americana na primeira metade do século XX'
(2001: 1). cientistas. A influência de Boas foi institucional, intelectual e pessoal. Como
Tylor e Durkheim, Boas desempenhou um papel fundamental na mudança da
antropologia para a academia, no estabelecimento de associações e periódicos e na
criação de redes essenciais de apoio institucional do público, formuladores de políticas e
outros Boas definiu os principais campos de investigação que os antropólogos americanos
buscariam. Seus amplos interesses - da antropologia biológica à linguística - deram à
antropologia americana uma amplitude tópica que não está realmente presente na Grã-
Bretanha ou na França, onde a antropologia é antropologia social preeminentemente, e
arqueologia e antropologia biológica são campos separados. O fato de a antropologia
americana ter incluído antropologia sociocultural, linguística, antropologia física e
arqueologia - a chamada abordagem dos quatro campos - é em parte um reflexo dos
amplos interesses de Boas. Boas criou uma antropologia muito diferente da de Morgan,
Tylor ou Durkheim. Em vez de assumir que Práticas culturais eram explicáveis apenas
em referência a uma ampla evolução.
Boas foi guiado por um senso distinto de pureza indutiva que transmitiu a toda uma
geração de prosélitos. Era um credo que paradoxalmente negava sua própria existência.
A única coisa que seus discípulos estavam dispostos a reconhecer que Boas lhes ensinara
era servir seus próprios interesses variados, atentos aos dados, livres de preconceitos e
desconfiados de todos os esquemas. Mas que Boas era o centro de uma escola, foi negado
abertamente. Em vez disso, eles pensavam que a missão de Boas era expulsar os fãs e
especialistas em gabinetes da antropologia, fazendo da pesquisa de campo etnográfica a
experiência central e o atributo mínimo do status profissional. No entanto, com o tempo,
certo tema central acabou sendo associado ao período boasiano, e é o que sugere o título:
particularismo histórico. A perspectiva com a qual podemos contemplar o período
boasiano hoje não diminui de forma alguma a importância da contribuição de Boas para
o desenvolvimento da antropologia ou da teoria antropológica. É verdade que a estratégia
do particularismo histórico exigia uma suavidade quase total da dialética normal entre
fatos e teoria. Os processos causais, as tendências, os paralelos, foram enterrados por uma
avalanche de cessões negativas. Também é verdade que a tentativa de melhorar a
qualidade da pesquisa etnográfica, sujeitando-a a critérios de verificação mais rigorosos,
teve apenas um êxito moderado e ainda precisamos levar em conta os inúmeros casos em
que Boas e seus discípulos deformaram os fatos como tantos outros antes. E depois deles.
Mas os critérios propostos por Boas continuam sendo a parte permanente de seu legado.
Aqueles que dizem que Boas atrasou o progresso da antropologia como ciência não
valorizam adequadamente as forças culturais ocultas após a reforma do particularismo
histórico. Havia limites ideológicos culturalmente determinados e a teoria antropológica
foi forçada a aderir a eles. Os transgressores não deixaram herança da qual hoje temos
conhecimento no campo da antropologia. Boas e a primeira geração de seus discípulos
foram forçados a construir uma antropologia profissional universitária, praticamente a

43
partir de suas fundações. E eles fizeram isso com sucesso notável, se você levar em conta
os inúmeros obstáculos que eles tiveram

Escola do particularismo historico


Os limites culturalmente prescritos não eram tão estreitos nem bem definidos que não
havia opções. Basta considerar o destino da antropologia na União Soviética, na
Alemanha e na Itália durante o mesmo período para perceber que, mesmo que o
particularismo histórico fosse percebido como negativo e teoricamente estéril, ele não
deixou de se livrar das piores armadilhas do seu tempo. A lista de antropólogos que, entre
os discípulos de Boas, alcançou fama e influência, atesta sua importância capital na
história da disciplina: Alfred Kroeber, Robert Lowie, Fay-Cooper Cale, Edward Sapir,
MelvilIe Herskovits, Alexander Goldenweiser, Alexander Lesser, Paul Radin, Clark
Wissler, Leslie Spier, J. Alden Mason, E. Adamson Hoebel. Ruth Benedict, Margaret
Mead, Ruth Bunzel, Jules Henry, M.F. Ashley Montagu e Frank Speck. Esses discípulos,
por sua vez, continuaram as principais linhas de desenvolvimento da pesquisa e instrução
antropológicas em instituições cruciais em todo o país. Por exemplo, Kroeber e Lowie,
em Berkeley; Cale e Sapir, em Chicago; Herskovits, na North Western University.
Quanto a Boas, ele pessoalmente manteve o controle patriarcal sobre a antropologia na
Columbia University, de 1896 até sua morte em 1941. Além disso, foi o centro de uma
série de eventos fundamentais decisivos, como a modernização da revista. Antropólogo
americano em 1889, a fundação da American Anthropological Association em 1900, a
revitalização da American Ethnological Society no mesmo ano e a fundação da American
Folk-Lore Society em 1888. Os sucessos de Boas como professor, pesquisador,
administrador, fundador e presidente de sociedades, editor, palestrante e viajante são
impossíveis de listar. E para quem já enfrentou o dilema, publicou ou pereceu, o fato de
toda essa atividade ter sido acompanhada pela publicação de uma torrente de livros e
artigos é quase aterrador. Além de meia dúzia de livros, Boas publicou setecentos artigos
(LESSER, 1968, p. 26). O tamanho de Boas cresce a cada ano que passa, e seu trabalho
nos dá a medida de nossos próprios instintos. Para entender a antropologia do século XX,
devemos deixar de lado a imagem de Boas como pai, como herói e como guru. A nossa
atenção vai na tarefa de colocar sua contribuição para a teoria dentro das tendências de
sua época. Devemos nos elevar acima das personalidades e adotar uma perspectiva
cultural. Ao fazê-lo, prestamos homenagem à crítica objetiva, mais valiosa do que a dos
panegiristas que impedem nossa compreensão de Boas e de nós mesmos.

Imagem de Boas

Margaret Mead escreveu: É característico que não haja métodos que levem o nome de
Boas. Nem existe uma escola boasiana (1959b, página 31). Durante uma discussão com
o crítico sul-africano A. W. Hoérnle (1939), Kroeber também expressou sua convicção
de que não há escola de Boas e nunca houve (1935. p. 540). Muitos dos discípulos de
Boas parecem ter compartilhado essa visão de si mesmos e, em mais de um aspecto, essa
crença pode ser considerada em si mesma como a característica central da posição
boasiana. Segundo Kroeber, programas partidários e de propaganda eram um sinal da
imaturidade das ciências sociais. Costumava dizer que não há escolas de física: mas
apenas físicos que fazem seu trabalho com todas as técnicas científicas à sua disposição.
Com Boas, a antropologia atingiu sua maturidade e sua influência deixou de ser 'a escolha
de um único método, psicológico, sociológico, difusionista, funcional ou histórico-

44
cultural, como se constituísse um caminho de conhecimento superior aos demais' (ibidem
) Para Margaret Mead, Boas foi 'o homem que transformou a antropologia em ciência'
(1959b, página 35). A imagem que De Boas preferia fazer de seus discípulos era a de um
cientista profissional que havia elevado os métodos de pesquisa antropológica e os
critérios de verificação a níveis em que até os físicos podiam se sentir à vontade. Nesse
sentido, os discípulos insistiram repetidamente na natureza especial do doutorado de
Boas. Sua tese principal é. Ele havia se apresentado à Universidade de Kiel em 1881, e
era um estudo sobre a cor da água do mar. Ele havia estudado física e geografia em
Heidelberg e Bonn e também havia recebido uma sólida formação matemática. Para
Kroeber, é nessa formação que a chave para a ser buscada para entender o papel que Boas
desempenhou: a partir da física, Boas trouxe à antropologia um sentido da definição do
problema. Do rigor exato do método e de uma objetividade altamente crítica. Ele soube
manter essas qualidades intactas e transmiti-las à antropologia: é aí que reside sua
contribuição fundamental e imperecível à nossa disciplina [KROEBER, 1935, p. 540]
Para Goldenweíser, Boas era o 'herói cultural' da antropologia. Como os heróis dos mitos
primitivos que dão ao homem tudo o que é essencial para sua vida, Boas deu à
antropologia o dom da ciência: as mitologias indianas falam de heróis culturais, animais
ou pássaros sobrenaturais que concedem cultura ao homem, ensinam-lhe As artes e
ofícios revelam canções e cerimônias. Pela antropologia deste país. Franz Boas O
'homem' era um desses heróis culturais: educado na atmosfera e nos métodos das ciências
naturais e treinado nos ideais acadêmicos da Alemanha antes da guerra, ele deu à
antropologia americana esse esclarecimento sobre as questões e que Rigor científico tão
necessário [GOLDENWEISER, 1941, p. 153] Segundo Ruth Benedict, “Boas encontrou
uma antropologia que nada mais era do que uma coleção de conjecturas sem base, um
campo de caça para amantes românticos de coisas primitivas; e Ele a havia transformado
em uma disciplina na qual as teorias poderiam ser postas à prova. (1943, página 61; citado
em WHITE, 1963, p. 67) Lowie, como veremos em mais detalhes posteriormente,
equipara Boas a o físico e o filósofo Ernst Mach: os dois desenvolveram critérios de teste
mais rigorosos e aperfeiçoaram o método científico.

Os contemporâneos de Boas

Há uma grande dose de verdade nesses retratos. Boas era uma verdadeira força da
sobriedade científica em comparação com a maioria de seus contemporâneos. Embora
sua cautela contra generalizações retrospectivas pareça exagerada e derrotista, não há
dúvida de que os critérios de seus contemporâneos eram absolutamente indefensáveis.
Sem uma base sólida nas universidades, as questões antropológicas eram presas fáceis
para todos os tipos de amadores imaginativos. Considere, por exemplo, esta descrição de
que o comportamento dos chimpanzés foi publicado nas páginas do Antropólogo
Americano em 1893: Calveros são usados por chimpanzés Levantar imensas piras de Ieña
secas. Quando a pilha está completa, um dos chimpanzés começa a soprar na direção da
pira como se estivesse abanando o fogo. Imediatamente outros se juntam a ele e, depois
de um tempo, toda a companhia, e continuam soprando até que as línguas caiam de suas
bocas. Então eles se agacham ao redor da pilha com os cotovelos nos joelhos e as mãos
voltadas para o fogo imaginário. Quando o tempo está úmido. Eles costumam passar
horas sentados dessa maneira [BUITBKOPER, 1893, p. 337] Deve-se lembrar que muitos
dos contemporâneos de Boas, por temperamento, foram incapazes de se submeter à
disciplina científica. Era uma época em que as pessoas da segunda e terceira fila usavam
livremente a licença para generalizar com base em evidências fragmentárias. Lester
Ward, um dos fundadores da sociologia americana, é um caso extremo. Em sua resenha

45
de um livro sobre a origem da vida, ele não teve escrúpulos em escrever o seguinte: O
livro é puramente teórico e não apresenta fatos de nenhum tipo. Isso não é uma crítica ao
livro. Pelo contrário, essa é uma de suas belezas. Quem lê o livro pode perceber que a
cabeça do autor está cheia de fatos e que o que ele tenta fazer é argumentar a partir desses
fatos para chegar a certas conclusões. Aqueles que falam depreciativamente desse método
geralmente são incapazes de usar seus fatos, por mais que conheçam [WARD, 1904, p.
151] Como a teoria da cultura era dominada nos Estados Unidos por uma espécie de
mistura do evolucionismo de Spencer e Morgan, era perfeitamente esperado que, com a
licença metodológica vigente, ele frequentemente pecasse em nome de reconstruções
evolutivas. William McGee, por exemplo, que foi o primeiro presidente da Associação
Antropológica Americana, repetidamente se considerou culpado de reconstruções
ingênuas, cheias de exaltações spencerianas do sucesso evolutivo dos Estados Unidos:
assim como o patriarcado deixa seu lugar na hierarquia, e A hierarquia para a monarquia
absoluta, a monarquia limitada está deixando a sua própria democracia ou
republicanismo; A nação mais avançada do mundo já é uma república. E todas as outras
nações civilizadas são republicanas ou estão passando por mudanças que as aproximam
do republicanismo. Assim, de acordo com a experiência dos séculos, a melhor nação é
republicana e o melhor cidadão é o indivíduo adaptado à vida em condições republicanas
[MCGEE, 1894; p. 353].

Racismo

Para entender como o trabalho de Boas pode significar um reavivamento em todos os


campos da antropologia, devemos lembrar que pessoas como McGee costumam ter
opiniões tão imperfeitamente patentes e definidas desta forma: Possivelmente o sangue
anglo-saxão é mais potente que o das outras raças; Mas é preciso lembrar que a língua
anglo-saxônica é a mais simples, a mais perfeita e simplesmente simbólica que o mundo
já viu; E que, graças a ele, o anglo-saxão mantém sua vitalidade e energia para a conquista
[MCGEE, 1895a, p. 281] Essa confusão que McGee incorre, de raça com língua e cultura,
era representativa da opinião educada, tanto na antropologia quanto em geral na sociedade
ocidental. A redução dos povos primitivos contemporâneos no nível dos antropoides foi,
como vimos, uma expressão importante do imperialismo euro-americano. A versão de
McGee é especialmente detestável: 'A natureza é extremamente próxima das espécies
sub-humanas em todos os aspectos de sua mentalidade, bem como em seus hábitos
corporais e em sua estrutura corporal' (MCGEB, 1901, p. 13). John Powell, fundador em
1879 do American Bureau of Ethnology, foi outro especulador influente no campo do
evolucionismo antropológico, mas sem a menor base ou disciplina. Como muitos de seus
contemporâneos, Powell conseguiu esclarecer em um único discurso inaugural toda a
história da humanidade, com uma amplitude de visão e entendimento que nem Turgot
nem Condorcet foram capazes de superar. Numa síntese colossal, ele organizou os
estágios da evolução em quatro graus: selvageria, barbárie, monarquia e democracia. Em
seguida, ele designou para cada uma dessas séries instituições sociais específicas, como
a família para a selvageria, as pessoas para a barbárie etc. Na música, os estádios eram
ritmo, melodia, harmonia e sinfonia. Em estética, dança, sacrifício, cerimônia, arte
histriônica; Em tecnologia, caça, agricultura, artesanato e machinismo (POWELL, 1899).

Critica do método comparativo

Qual foi, então, a verdadeira reação de Boas à convicção generalizada de uniformidade e


até monotonia do campo evolutivo? A questão fundamental levantada em 'As limitações

46
do método comparativo' é o problema de separar os exemplos de convergência dos
exemplos de evolução paralela. Ele não duvidava da existência de muitas semelhanças
culturais notáveis que não podiam ser explicadas pela difusão. Mas o fato de fenômenos
como xamanismo, o conceito de vida futura, o uso do arco, desenhos geométricos,
máscaras e muitos outros elementos serem apresentados em lugares distantes não é
suficiente para estabelecer a uniformidade da história. A conclusão de que essas são
uniformidades evolutivas, ou seja, sequências evolutivas paralelas, não pode ser passada
até que certos tipos de dados tenham sido coletados, a saber: os fatos das sequências
históricas pelas quais nas diferentes Áreas locais particulares passaram a ser fenômenos
observados. O fato de muitas características fundamentais da cultura serem universais, ou
pelo menos ocorrerem em muitas áreas isoladas, interpretadas a partir do pressuposto de
que as mesmas características devem sempre ter sido desenvolvidas pelas mesmas causas,
nos levaria à conclusão de Que existe um grande sistema, segundo o qual a humanidade
se desenvolveu em toda parte; Que todas as variações que aparecem não são detalhes
menores nessa grande evolução uniforme. É claro que a base lógica dessa teoria é a
suposição de que os mesmos fenômenos são sempre devidos às mesmas causas [BOAS,
1948, p. 275; Original, 1896b]. Mas essa suposição, argumenta Boas, é claramente falsa
em um grande número de exemplos concretos. Os clãs, por exemplo, parecem prosseguir
entre os navajos da fusão de grupos separados, mas entre as tribos do noroeste são o
resultado da fissão das cidades. Os desenhos geométricos não são necessariamente
explicados, como argumentam Hjalmar Stolpe (1891) e Alfred Haddon (1895), pela
convencionalização gradual de representações realistas, mas que «a partir de um número
infinito de diferentes pontos de partida, eles foram capazes de seguir quatro linhas
diferentes de desenvolvimento». Outro exemplo: em alguns lugares, as máscaras são
usadas como figurinos, para que os maus espíritos não reconheçam seus usuários; Em
outros, eles se afastam para assustar pessoas e espíritos, e em outros, em suma, para
comemorar um parente falecido. Parece improvável, portanto, que a mesma sequência
causal possa explicar em todos os lugares o desenvolvimento desses fenômenos. Assim
pois. Devemos pensar que todas as tentativas engenhosas de construir um grande sistema
de evolução da sociedade não têm mais do que um valor muito duvidoso se não nos derem
ao mesmo tempo a prova de que os mesmos fenômenos sempre tiveram a mesma origem.
Embora isso não seja feito, a presunção deve sempre ser que o desenvolvimento histórico
possa ter seguido uma ampla variedade de caminhos [BOAS, 1948, página 275]. Ao
insistir na variedade da história, é óbvio que Boas se posicionou contra os esquemas
evolutivos que incluíam toda a humanidade em uma única fórmula de desenvolvimento.
Mas, no contexto de sua época, o desrespeito à moda de paralelos universais de base
puramente lógica era mais do que justificado. Isso não significa que Boas
conscientemente se estabeleceu como defensor da proposição de que não há regularidades
na história, mas que ele estava ciente de que o escopo das regularidades havia sido
superestimado. Oprimido pela livre especulação de que seus contemporâneos eram
arrogantes como sua prerrogativa profissional, Boas lutou para restaurar o equilíbrio. A
longo prazo, as duas perspectivas eram necessárias: particularização e generalização. Mas
a prioridade do momento correspondeu ao estudo de sequências específicas em áreas bem
definidas. O método comparativo e o método histórico, se eu puder usar esses termos,
estão resolvendo a supremacia há muito tempo. Mas devemos esperar que cada um
encontre o seu lugar e função mais adequados em breve. [...] O método comparativo,
apesar de tudo o que foi dito e escrito em seus elogios, foi incapaz de obter resultados
precisos, e Na minha opinião, não será proveitoso até desistirmos do esforço vã para
construir uma história uniforme e sistemática da evolução da cultura e começarmos a
fazer nossas comparações na base mais sólida e ampla que ousei esboçar. Até hoje, tudo

47
o que temos são vaguidades mais ou menos desiguais. Ainda temos um trabalho sólido a
fazer [ibidem, p. 280).

Boas contra o evolucionismo

Esperava-se que a transgressão das regras científicas ocorresse especialmente naquelas


cuja ignorância e incompetência fossem estimuladas pelo dogma ideológico dominante,
que era o evolucionismo spenceriano. Quando surgiram esquemas alternativos, de
reivindicações igualmente ambiciosas e conteúdo igualmente vago, mas não mais
relacionados ao evolucionismo, Boas reagiu contra eles com o mesmo vigor. O interesse
inicial que Boas demonstrou na mitologia e no folclore foi baseado em sua convicção de
que esses materiais poderiam ser úteis na tentativa de distinguir traços inventados
independentemente de traços difusos. Assim, seu estudo da difusão do mito americano de
Cuer.va ofereceu-lhe a oportunidade de fazer uma crítica de muitas suposições fáceis
sobre a evolução paralela. Mas Boas demonstrou claramente que não estava disposto a
abraçar a causa do evolucionismo dogmático. O seu interesse. O foco principal foi a
conquista de altos níveis de cientificidade. Se queremos avançar na linha desejada,
devemos insistir na necessidade de usar métodos críticos, baseados não em generalidades,
mas em cada caso individual. Em muitos casos, a decisão final será favorável à origem
independente; Em outros, a favor da difusão [ibidem, p. 435; Original, 1896a}. Boas
tentou manter esse equilíbrio ao longo de sua carreira. Criticando uma obra de Leo
Frobenius, um dos autores mais importantes da escola difusionista alemã, escreveu: «...
Seguindo os métodos que este livro aplica, se pode tentar qualquer coisa. É ficção e não
ciência» (BOAS, 1899b. P. 755). Com Fritz Graebner. O principal arquiteto da
metodologia difusionista alemã, era mais respeitoso, mas não menos crítico. Invenção
independente, evolução paralela e convergência, todos os três são fatos comuns da
história da cultura. Embora Boas concordasse com Graebner de que a disseminação é
mais consciente do que uma invenção independente, ele não achou que seria suficiente
para dar explicações difusionistas até que a viabilidade dos contactos geográficos fosse
demonstrada. A generalização prematura também parecia o pior erro aqui. Prefiro repetir
aqui o aviso que fiz repetidamente nos últimos dez anos: é melhor ser cauteloso ao admitir
a transmissão como causa de analogias nos casos em que fenômenos semelhantes ocorrem
esporadicamente, para não operar com o conceito de Os elos perdidos de uma cadeia de
relações culturais [BOAS, 1948, p. 303; Original, 1911]..

Puritanismo metodológico

Boas raramente se dava ao luxo de acreditar que nem ele próprio era
No auge dos níveis que eu queria impor. Parecia que a orgia da especulação evolucionista
e difusionista o havia enojado tanto que ele não podia mais se sentir à vontade com
qualquer generalização.
Kroeber, Lowie, Sapir, Bunzel e muitos outros sublinharam esse aspecto do trabalho de
Boas, sem a compilação que Leslie White fez de vários casos em que o próprio Boas
chegou a conclusões especulativas (1963, pp. 41, ss.) Pode ser considerado um contra-
teste válido. Não há dúvida de que os esforços de Boas para reconstruir a história de
vários grupos dos índios americanos geralmente se baseiam em evidências muito
precárias. Mais tarde, quando julgarmos a influência que Boas teve no desenvolvimento
da teoria antropológica, teremos que voltar a algumas dessas conclusões especulativas.
Mas parece-me que White exagera esses lapsos. Afinal, como White e muitos outros

48
críticos apontaram, a principal objeção contra a perspectiva boasiana é que ele o levou a
fazer uma vasta compilação de materiais, textos e descrições principais, sem praticamente
fazer o menor esforço para guiar o leitor. Generalizações, mesmo que fossem apenas
provisórias e de escopo restrito. De acordo com Helen Codere (1959, p. 61), apenas na
costa noroeste Boas publicou mais de dez mil páginas e, como o próprio White apontou,
a maioria delas é sem comentários, sem a menor informação necessária para torná-las
inteligíveis. (WHITE, 1963, p. 55). Nesse oceano de dados, as especulações que White
denuncia são simples excrescências, cujo desaparecimento Boas teria aceite com perfeita
equanimidade. Comparado a seus contemporâneos, Boas permaneceu fiel a seus
princípios indutivos. Que ele não inaugurou o reino da verdade absoluta, é algo que não
é preciso dizer. Mas superou a maioria dos antropólogos anteriores e subsequentes em
sua preocupação em apresentar as evidências sobre as quais eles poderiam construir suas
afirmações etnográficas. Vamos admitir que o empirismo de Boas implicava demandas
que nem ele poderia satisfazer. Sem dúvida, seus discípulos estavam condenados a ficar
ainda mais longe dessas demandas e, em alguns casos, cair em uma paródia de um método
comparável ao de Brinton, Powell e McGee. Admito também, pelas razões que explicarei
abaixo, que a filosofia da ciência que estava na base da posição de Boas incorria em erros
que eram, em última análise, contrários ao progresso das ciências sociais. Mas nada disso
constitui justificativa suficiente para o refinamento de que Boas atrasou o
desenvolvimento da antropologia por pelo menos cinquenta anos (cf. R, AY, 1955, p.
140). Dada a situação da antropologia no final do século XIX, o grande movimento de
reforma necessário para promover o progresso da ciência da cultura foi exatamente o que
Boas iniciou; Só que, com tudo e sendo necessário, também não era suficiente.

Fisicismo
Que reconhecemos o efeito saudável da intervenção de Boas contra
Aqueles fãs charlatães que usaram o evolucionismo como uma poção mágica, de forma
alguma nos obrigam a ignorar as influências negativas que emanam de outros aspectos
de sua abordagem. Desde o início, 228 Marvin Harris Boas enfrentou um paradoxo
filosófico do qual nunca se livrou e que, para a história da antropologia, é muito mais
importante do que seu puritanismo metodológico. A essência desse dilema era que Boas
acreditava que o acúmulo de dados históricos pelo paciente leva automaticamente ao
progresso da teoria antropológica. Embora admitisse que, por temperamento, estava mais
interessado na coleta de dados históricos, ele conseguiu se convencer e convencer seus
discípulos de que um programa de reconstrução histórica era a melhor maneira de
satisfazer o interesse pela generalização. Ele nunca admitiu que era necessário escolher
entre história e ciência; Pelo contrário, pensei que a ciência era história e generalização e
que nenhum desses dois componentes era mais importante que o outro. Embora tenha se
esforçado para manter seu interesse na formulação de princípios, leis, tendo em vista a
estratégia de pesquisa, à qual permaneceu fiel ao longo de sua vida profissional, é óbvio
que se sentiu perfeitamente satisfeito em continuar seus estudos. Particularizadores, com
total independência das possíveis conclusões nomotéticas. Assim, historicamente, parece
que seu treinamento em física teria que ser julgado da maneira oposta, como costumam
fazer seus discípulos. Longe de aplicar um modelo fisicalista ao estudo dos fenômenos
socioculturais, Boas reagiu contra esse modelo, preocupando-se acima de tudo em
demonstrar como, nas circunstâncias especiais do chamado Geisteswissenschatten ou
ciências humanas, era necessário complementá-lo. A primeira vez que essa reação foi
expressa em suas publicações foi em 1887. Ele acabara de retornar de um trabalho de

49
campo entre os esquimós, que havia empreendido como geógrafo, e tentava definir a
especificidade da geografia como uma disciplina independente. «Se queremos defender
a independência da geografia - ele escreveu - temos de provar que a ciência pode ter outro
objeto que não a dedução das leis dos fenômenos» (1948, p. 641; original, 1887a). Esse
outro propósito da ciência, diz Boas, é o mesmo que caracteriza a diferença entre métodos
descritivos ou históricos e fisicalistas. Nas ciências descritivas, o fato singular, o
fenômeno único, é bastante interessante por si só. «O objetivo do historiador é o estudo
dos fatos [...] estende-se cheio de admiração ao caráter de seus heróis. Ele tem o interesse
mais vívido pelas pessoas e nações que estuda, mas não está disposto a considerá-las
sujeitas a leis estritas” (ibidem, p. 642). Embora os físicos não neguem a importância de
cada fenômeno, 'eles também não o consideram digno de ser estudado'. Por outro lado, o
cientista descritivo adere ao fenômeno que é objeto de seu estudo, independentemente da
classificação alta ou baixa que ele ocupa no sistema de ciências físicas, e tenta penetrar
em seus segredos até que cada característica dele seja manifestada. E claro. Essa
dedicação ao objeto de seu interesse fornece uma satisfação que não é inferior à que o
físico sente com sua organização sistemática do mundo.

Rejeito do Materialismo
Já vimos que esse esforço para definir a diferença entre as abordagens histórica e do
conhecimento expressou uma mudança fundamental na Weltanschauung de Boas, e fazia
parte do processo que o afastou da física e o levou à antropologia. A mudança ocorreu
durante a década de 1878-1888, ou seja, desde que Boas completou vinte anos até atingir
trinta. Durante esse período, Boas abandonou gradualmente as premissas filosóficas
associadas às sínteses mecanicistas da física, química e biologia em meados do século.
Sob a influência de um extenso movimento idealista neo-kantiano, Boas estava se
separando do materialismo a que aderira em seus primeiros estudos de física. A trajetória
de seu crescimento intelectual o fez seguir todo o caminho, da física à geografia, e disso
à etnografia. Graças ao estudo que George Stocking fez da correspondência de Boas, hoje
podemos seguir essa transição nas palavras que o próprio Boas escreveu a um tio
americano, Abraham Jacobi, em abril de 1882. “Os objetivos de meus estudos mudaram
consideravelmente durante Meus anos de universidade. No início, minha intenção era
considerar a matemática e a física como meu objetivo final, o estudo das ciências naturais
me levou a outras questões que me levaram a estudar geografia também; E essa nova
disciplina capturou meu interesse a tal ponto que, no final, decidi me especializar nela.
No entanto, a orientação do meu trabalho e do meu estudo foi fortemente influenciada
pelo meu treinamento científico-natural. Com o passar do tempo, acabei me convencendo
de que meu materialista anterior Weltanschauung, muito compreensível em um físico, era
insustentável, e então pude adotar um novo ponto de vista que me revelou a importância
de estudar a interação entre o orgânico e o inorgânico, e Especialmente entre a vida de
um povo e seu ambiente físico” (citado em STOCKING, 1965a, p. SS). Essa revelação,
continua Boas, permitiu-lhe definir o que ele queria fazer ao longo de sua vida: É assim
que considero meu plano para a tarefa da minha vida como a [seguinte] investigação: Até
que ponto podemos considerar os fenômenos da vida orgânica, e especialmente os da vida
psíquica, de uma perspectiva mecanicista, e que conclusões serão obtidas com essa
consideração? [ibidem ]

50
Museólogo

Boas argumentou que eles eram compreensíveis apenas em contextos culturais


específicos. Por exemplo, Boas e o antropólogo O. T. Mason se engajaram em um debate
animado sobre a organização de materiais etnográficos nas exibições de museus; É um
assunto improvável para um debate feroz, mas produziu uma troca esclarecedora. Mason,
um evolucionista, propôs a organização de exposições etnográficas na Smithsonian
Institution por classes de artefactos - cerâmica, ferramentas de pedra, instrumentos
musicais - independentemente de seu local de origem, mostrando o que Mason chamava
de 'semelhanças nos produtos da indústria'. Mason queria ilustrar o Paralelos evolutivos
na natureza humana, argumentando que os produtos culturais provinham de causas
universais semelhantes.
A resposta de Boas foi rápida e reveladora. Boas sustentou que os traços culturais
primeiro devem ser explicados em termos de contextos culturais específicos, e não por
ampla referência a tendências evolutivas gerais. “Nas coleções do museu nacional”,
escreveu Boas, “o caráter marcado das tribos do noroeste da América está quase perdido,
porque os objetos estão espalhados em diferentes partes do edifício e são exibidos entre
os de outras tribos” (1887 : 486). Em vez de serem apresentadas em 'estágios'
tecnológicos, as coleções etnográficas devem ser 'organizadas de acordo com as tribos, a
fim de ensinar o estilo peculiar de cada grupo. A arte e o estilo característico de um povo
só podem ser entendidos pelo estudo de suas produções como um todo. ”Na década
seguinte, Boas expandiu essa crítica para um ataque em larga escala às teorias de Morgan,
Tylor e outros evolucionistas. A abordagem básica de Boas (a cultura deveria ser
entendida a partir de estudos detalhados de culturas específicas) foi passada para a
primeira coorte de antropólogos profissionais americanos, indivíduos que literalmente
moldariam o campo da investigação antropológica: Alfred Kroeber, Ruth Benedict,
Edward Sapir, Margaret Mead e muitos outros. Por sua vez, os alunos de Boas, como
escreveu o antropólogo Marvin Harris, 'estabelecem as principais linhas de
desenvolvimento da pesquisa e instrução antropológicas em instituições cruciais em todo
o país' (1968: 251). Assim, os contatos pessoais de Boas com seus alunos ampliaram sua
influência intelectual e moldaram as instituições da antropologia americana.

A integração de culturas

Como qualquer estudioso em desenvolvimento, as opiniões de Boas evoluíram ao longo


de sua carreira, mas sua posição mais consistentemente mantida foi a de que culturas eram
totais integrados produzidos por processos históricos específicos, em vez de reflexões de
estágios evolutivos universais. Em seus primeiros trabalhos, Boas escreveu passagens que
poderiam ter sido escritas por Edward Tylor: “A ocorrência frequente de fenômenos
semelhantes em áreas culturais que não têm contato histórico. . . mostra que a mente
humana se desenvolve em todos os lugares de acordo com as mesmas leis ”(1966a: 637).
No final da década de 1890, no entanto, Boas havia desenvolvido sua crítica às estruturas
evolutivas e ao método comparativo. Boas argumentou que as abordagens comparativas
de Morgan e Tylor foram minadas por três falhas: (1) a suposição de evolução unilinear,
(2) a noção de sociedades modernas como sobrevivência evolutiva e (3) a classificação
de sociedades com base em dados fracos e critérios inadequados. Essas falhas foram os
alvos do ataque boasiano. Boas descartou as estruturas evolutivas de Morgan, Tylor e
outros como não testadas e não testáveis. Em \"The Methods of Ethnology\", Boas resume
a posição evolucionária, que pressupõe que o curso das mudanças históricas na vida

51
cultural da humanidade segue leis definidas que são aplicáveis em todos os lugares e que
a levam a esse desenvolvimento cultural, em suas principais linhas, é o mesmo entre todas
as raças e todos os povos. Assim que admitimos que a hipótese de uma evolução uniforme
precisa ser comprovada antes de poder ser aceita, toda a estrutura perde sua base. (1920:
311–312, grifo do autor).

Assim, Boas sugere que generalizações legais podem se basear em fatores adaptativos,
psicológicos ou históricos, mas apenas se documentados por casos etnográficos bem
estabelecidos: O método comparativo e o método histórico, se é que posso usar esses
termos, têm lutado pela supremacia por um tempo. Por muito tempo, mas podemos
esperar que cada um encontre em breve seu lugar e função apropriados. O método
histórico alcançou uma base mais sólida ao abandonar o princípio enganoso de assumir
conexão sempre que semelhanças culturais forem encontradas. O método comparativo,
apesar de tudo o que foi dito e escrito em seus louvores, tem sido notavelmente estéril de
resultados definidos, e acredito que não será proveitoso até renunciarmos ao vão esforço
de construir uma história sistemática uniforme da evolução da cultura, e Até começarmos
a fazer comparações de maneira mais ampla e sólida, que me atrevo a delinear. Até esse
momento, nos divertimos demais com caprichos mais ou menos engenhosos. O trabalho
sólido ainda está diante de nós. (1896: 908).

Conclusão
Franz Boas argumentou que estudos detalhados de sociedades particulares deviam
considerar toda a gama de comportamentos culturais e, portanto, os conceitos de holismo
antropológico e particularismo cultural tornaram-se princípios gêmeos da antropologia
americana. Nos anos posteriores, Boas ficou ainda mais cético quanto à possibilidade de
derivar leis culturais. Escrevendo em 1932, Boas conclui, os fenômenos culturais são tão
complexos que me parece duvidoso que leis culturais válidas possam ser encontradas. As
condições causais dos acontecimentos culturais estão sempre na interação entre indivíduo
e sociedade, e nenhum estudo classificatório das sociedades resolverá esse problema. A
classificação morfológica das sociedades pode chamar nossa atenção para alguns
problemas. Não os resolverá. Em todo caso, é redutível à mesma fonte, a interação entre
o indivíduo e a sociedade. (1932: 612) Infelizmente, Boas não articulou a relação entre
elementos culturais e conjuntos culturais. Stocking apresenta o paradoxo não resolvido:
“Por um lado, a cultura era simplesmente um acréscimo acidental de elementos
individuais. Por outro lado, a cultura - apesar da renúncia de Boas ao crescimento
orgânico - era ao mesmo tempo uma totalidade espiritual integrada que de alguma forma
condicionava a forma de seus elementos ”(1974: 5-6). Boas demoliu o arcabouço
evolutivo, forneceu metodologias para a investigação de culturas específicas e sugeriu a
relação entre indivíduos e sociedade, elementos culturais e conjuntos culturais - mas
nunca realmente respondeu como as culturas se tornam conjuntos integrados. Devido à
enorme influência de Boas na prática da antropologia na América, a pesquisa
antropológica tomou uma decisão decididamente anti-teórica no início do século XX,
quando a pesquisa começou a se concentrar nas diferenças e não nas semelhanças entre
as sociedades. Quando elementos culturais eram mantidos em comum, eles eram
interpretados como evidência de contato e difusão históricos, e não de evolução unilinear.
A posição antievolucionária dominaria a antropologia americana até a década de 1940,
quando uma abordagem evolutiva seria reformulada no trabalho de Leslie White (capítulo
13) e Julian Steward (capítulo 14). Até sua morte em 1942, Boas continuou sua
notavelmente detalhada, incrivelmente diversa. Estudos da humanidade, e sua influência

52
foi sentida por décadas mais tarde, quando muitos de seus alunos voltaram sua atenção
para o que Boas via como o principal nexo, a relação entre o indivíduo e a sociedade

Bibliografia
Harris, M. (1996). El desarrollo de la teoria antropologica. Historia de las teorias de la
cultura. Madrid: Siglo XXI de España.
Stocking, J. G. W. (2001). Delimiting Anthropology. Occasional Essays and Reflections.
Madison: University of Wisconsin.
Moore, J. D. (2009). An Introduction to Anthropological Theories and
Theorists. Plymouth: Altamira.

53
Discipulos de Boas
Natureza e cultura
A crítica boasiana ao método comparativo e aos esquemas evolutivos criou um
vácuo analítico. Se os padrões culturais não são o reflexo dos estágios anteriores
do desenvolvimento humano, que foram executados 'em canais quase
uniformes' na frase de Tylor, se vê então o que os padrões culturais refletem?
Se as culturas são essencialmente as acumulações acidentais de diversos traços
e valores reunidos por circunstâncias históricas específicas de inovação, difusão
e migração, como é que as culturas são um tudo integrado? Se, como Boas havia
escrito, 'as condições causais dos acontecimentos culturais estão sempre na
interação entre indivíduo e sociedade' (1932: 612), qual é a natureza dessa
interação? O que mantém as culturas unidas? O que dá às culturas suas
essências distintas? Essas perguntas atormentaram os alunos de Boas, como
Alfred Kroeber, Ruth Benedict, Edward Sapir e Margaret Mead. E, embora as
respostas às quais chegaram foram diferentes, suas respectivas explorações
foram enquadradas por três conceitos:
1) a prioridade causal da cultura,
2) o conceito do microcosmo e
3) o reconhecimento de que o conhecimento cultural estava desaparecendo
rapidamente
As críticas específicas de Boas à evolução unilinear e às explicações raciais do
comportamento levaram à conclusão geral de que a cultura só poderia ser
explicada em referência a padrões culturais específicos, ou seja é a própria
cultura a explicar a cultura, uma posição conhecida como determinismo cultural
(Hatch 1973: 49).
Assim, a ideia do relativismo cultural sustenta que só se pode entender as
práticas de uma sociedade específica dentro de seu contexto cultural
específico.Da mesma forma, a explicação requer entender como os processos
históricos de difusão, migração e invenção produziram um padrão cultural
específico, esta é a idéia do particularismo histórico (Harris 1968: 250–289). De
maneira mais ampla, o acima exposto implica que a cultura não pode ser
explicada por referências à biológicas, psicológicas individuais ou por outros
fatores que não sejam culturais. Mas como é que esses fatores podem ser
identificados? Boas e seus alunos acreditavam que as leis que governavam a
cultura, se existissem, só poderiam ser descobertas através do estudo das
sociedades de pequena escala nas quais a cultura poderia ser examinada como
microcosmo. Durante o início do século XX, havia uma suposição geral de que
sociedades de pequena escala - o campo isolado, a aldeia do mato- forneciam
uma unidade analítica discreta onde os padrões de cultura podiam ser
observados no microcosmo. Em tais 'sociedades simples', seria possível ao
antropólogo observar claramente dimensões da cultura obscurecidas em
sociedades maiores e mais complexas. Mas essas pequenas culturas tradicionais
estavam e estão desaparecendo rapidamente. Na antropologia americana e

54
britânica, havia um amplo reconhecimento de que o conhecimento cultural
tradicional estava sendo perdido diante da colonização e globalização
ocidentais. Os antropólogos responderam entrando em campo para 'salvar' os
últimos vestígios das culturas tradicionais. Os antropólogos George Marcus e
Michael Fischer observam que “o principal motivo que a etnografia como
ciência desenvolveu foi o de resgatar a diversidade cultural. O etnógrafo
capturaria por escrito a autenticidade das culturas em mudança, para que elas
pudessem ser registradas no grande projeto comparativo de antropologia
”(1986: 24). Desse projeto comparativo emergiriam as leis gerais da cultura,
leis inferidas a partir de estudos específicos de sociedades tradicionais de
pequena escala. Trabalhando com esse conjunto comum de premissas, Kroeber,
Benedict, Sapir e Mead tentaram entender o padrão da cultura sob diferentes
ângulos analíticos.
1) Para Kroeber, a cultura é um fenómeno distinto do da sociedade, do
indivíduo ou do organismo. A cultura existe em seu próprio nível analítico,
irredutível a outros níveis de fenómenos e explicável em termos de suas
próprias características particulares. A cultura é aprendida e compartilhada
como Tylor havia dito, mas também é variável, plástica, carregada de valor,
superpessoal e anônima. Declarações não são produtos de um génio solitário,
mas expressões de “regularidades de forma, estilo e significado” (Kroeber
1952: 104). Mudanças em algumas dimensões da cultura, principalmente em
questões de estilo, podem na verdade ser governadas por uma oscilação super-
orgânica que ocorre sem o conhecimento dos membros individuais de uma
cultura. E assim a cultura é distinta e dominante sobre o indivíduo. Para
Benedict Ruth, as culturas são mais do que a soma de suas partes; São
configurações baseadas em valores fundamentais da existência que diferem
entre culturas. As culturas têm uma essência distinta, porque os valores-chave
são aprendidos pelos indivíduos como membros de culturas específicas. A
sociedade americana tem seu esboço - dinâmico, em constante mudança,
fragmentário - porque valorizamos o individualismo, a inovação e o sucesso. A
conexão entre o indivíduo e a sociedade é baseada em valores; Indivíduos que,
por temperamento e treinamento, compartilham os valores de sua sociedade são
bem-sucedidos, aqueles que não são desviados. E, no entanto, esses valores
fundamentais não são os mesmos para todas as sociedades e, portanto, a pessoa
de sucesso em uma cultura é desviante em outra. Mead adotou uma abordagem
muito semelhante. Como Benedict, Mead via a relação entre indivíduo e
sociedade como baseada em valores, mas são valores muito específicos
transmitidos durante a criação dos filhos. Em vez de se preocupar com
configurações gerais, Mead estava muito preocupado com conjuntos de valores
culturais bastante específicos: o sexo na adolescência é traumático ou fácil; É
um bebé amamentado sob procura ou desmamado rudemente; Os alimentos são
compartilhados ou acumulados? Nestes e em outros casos, a maneira como as
crianças são criadas determina os adultos que se tornam e esse processo confere
às sociedades sua distinção e forma. A explicação de Sapir foi muito diferente.
Sapir sustentou que a cultura é um documento constantemente editado, criado

55
por indivíduos envolvidos no discurso público. Longe de serem criações
passivas da cultura, os indivíduos constroem culturas em suas ações e palavras.
Em vez de expressões coletivas de valores fundamentais e atemporais, Sapir
argumentou que mesmo as alegações mais básicas da cultura são forragens para
debate e desacordo. Existem limites para pontos de desacordo, no entanto, e os
limites são É explicado como tempo, massa, espaço, número etc. são
conceituados. Os falantes da mesma língua tenderão a usar categorias
linguísticas semelhantes. Por exemplo, se definirmos um horário para uma
reunião, poderemos discutir se estou atrasado, mas não sobre o número de
minutos em uma hora. Tais categorias linguísticas são instiladas sem pensar
quando a criança aprende um idioma, ficando tão arraigadas que não discutimos
sobre elas. E assim, o uso da linguagem e dos símbolos permite que os humanos
criem ativamente novas formas culturais, mas as categorias linguísticas
inerentes à linguagem dão uma forma geral à experiência cultural. Costuma-se
dizer que Boas exerce uma enorme influência sobre a antropologia americana,
mas talvez em nenhum lugar isso seja mais evidente do que nos esforços de
seus alunos para entender a natureza da cultura.

Alfred Kroeber e Configurações da Cultura


É tentador chamar Alfred Kroeber (1876-1960) o último homem da
antropologia renascentista. Durante seus 85 anos de vida, Kroeber viveu e
moldou grandes mudanças na antropologia, que passaram de apenas
documentar o exótico para se preocupar com as diferentes arenas da vida
humana e desenvolveram uma visão holística dos seres humanos em nossos
contextos culturais e biológicos. Alfred Kroeber atravessava todos esses
campos; Ele foi o último da antropologia geral. Desde a época de Kroeber, o
número de antropólogos e a quantidade de pesquisas antropológicas cresceram
tanto que é difícil acompanhar a literatura em um campo, muito menos em
outro. Entre 1892 e 1901, um total de oito Ph.D. em antropologia foram
concedidos por universidades americanas, entre as quais Kroeber (Bernstein
2002); Em 1995, foram concedidos 484 doutorados em antropologia (Givens e
Jablonski, 1996). Embora a antropologia como campo retenha a ideologia de
ser um empreendimento holístico e multidimensional (Borofsky 2002), poucos
antropólogos buscam mais do que um único campo; Somos antropólogos ou
arqueólogos socioculturais, antropólogos ou linguistas físicos. Dentro desses
campos, somos ainda mais especializados como arqueólogos da Califórnia ou
arqueólogos ou andinos andinos, especializados em idiomas maia, romance ou
austronésio. A falta de antropólogos culturais desde a época de Kroeber reflete
uma explosão de informações e a crescente ênfase na especialização de todas
as disciplinas acadêmicas. Mas a amplitude de Kroeber foi excepcional, mesmo
para o seu tempo, e reflete um profundo e criativo original. Mente no trabalho
numa época em que quase tudo na antropologia americana era novo.
Antecedentes Alfred Kroeber nasceu em Nova Jersey em 1876, ano da derrota

56
de Custer em Little Big Horn; Grande parte de sua pesquisa sobre a vida e a
linguagem dos nativos americanos ocorreu durante o crepúsculo da
independência dos índios americanos. A família de Kroeber era alemã de classe
média alta, que insistia em um regime educacional desafiador de tutores,
escolas particulares e trabalho duro. Entrou no Columbia College aos dezesseis
anos de idade e formou-se em inglês, posteriormente recebendo um M.A. com
uma tese sobre peças britânicas. A educação inicial de Kroeber levou
diretamente a sua abordagem mais 'humanística' da antropologia. Kroeber
mergulhou na antropologia quando participou a um seminário em línguas
indígenas americanas de Franz Boas, um seminário que se reuniu em torno da
mesa da sala de jantar de Boas (Steward 1973: 6). Kroeber recebeu o primeiro
doutorado Em antropologia na Universidade de Columbia (Jackins 2002). Boas
supervisionou a tese de doutorado de Kroeber sobre a arte do Arapaho; Tinha
apenas vinte e oito páginas (Kroeber 1901). A dissertação de Kroeber pode ter
sido breve, mas ele era um escritor extremamente prolífico. Em 1936, quando
foi homenageado em seu sexagésimo aniversário, uma bibliografia de seus
escritos incluía 175 entradas (isso parece ter sido uma subestimação; uma lista
subsequente mostra 306 obras). Nos vinte e cinco anos seguintes de sua vida -
numa época em que a maioria das pessoas desacelera - os escritos de Kroeber
aumentaram para 532 publicações: artigos, monografias, resenhas, introduções
de livros, ensaios e assim por diante (Gibson e Rowe 1961). A revisão desses
títulos indica os principais interesses de pesquisa de Alfred Kroeber. Primeiro,
é seu trabalho sobre os povos nativos da Califórnia (por exemplo, Kroeber
1904, 1906, 1907a, 1907b, 1909, 1910, 1911, 1925, 1929, 1932). Kroeber foi
um dos primeiros membros do departamento de antropologia da Universidade
da Califórnia, Berkeley. Ele foi contratado para estudar os índios da Califórnia,
fazendo essencialmente “etnografia de urgência” para recuperar os vestígios da
linguagem e da sociedade pré-contato antes que fossem completamente
eliminados pela Sociedade euro-americana. Kroeber publicou cerca de setenta
escritos sobre a etnologia da Califórnia natal, mas sua obra-prima foi o Manual
dos índios da Califórnia (1925). Este tomo de mil páginas resumiu as
investigações de Kroeber sobre todos os grupos nativos da Califórnia. É um
compêndio notável, incluindo estimativas da população indígena, listas de
topónimos nativos e detalhes de subsistência, cosmologia, parentesco e
organização social. Kroeber fez inúmeras viagens de campo, entrevistou
dezenas de informantes, resumiu fontes publicadas e vasculhou os registros das
missões. Continua sendo uma fonte importante de informação, em muitos casos
a única fonte. Kroeber compartilhou esse desejo de preservar o conhecimento
cultural rapidamente desaparecido com outros antropólogos americanos como
Boas e Mead e também com antropólogos britânicos (Kuper 1973: 5–
6). Quando os antropólogos começaram a conduzir o trabalho de campo,
rapidamente se tornou evidente que as sociedades tradicionais estavam sendo
destruídas. O antropólogo e psicólogo de Cambridge W. H. R. Rivers escreveu
em 1913: 'Em muitas partes do mundo, a morte de um homem velho traz
consigo a perda de conhecimento que nunca será substituída' (citado em Kuper

57
1973: 5). Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, havia um senso comum de
que questões teóricas importantes só poderiam ser tratadas com informações
que desapareciam diariamente, e isso desencadeou um esforço conjunto para
reunir os dados empíricos disponíveis. A etnografia de salvamento de Kroeber
levou a uma abordagem básica da análise etnográfica: a lista de distribuição de
elementos de cultura. Ele enfrentou um conjunto básico de problemas (Kroeber
1939: 4–6): (1) Como as culturas devem ser definidas?
(2) Como suas práticas de abordagem devem ser reconstruídas a partir do
conhecimento atual? E
(3) como as interações entre culturas devem ser medidas?
Em Angola ao tempo do colono, havia algumas diferenças óbvias na
distribuição geográfica das práticas culturais: os Ovimbundu cultivavam milho;
Os Bakongo cultivavam mandioca. Mas essas classificações não eram
suficientes para explicar todo o peso cultural havia elementos mais subtis dentro
de áreas culturais específicas, a forma de abordar as culturas africanas eram
superficiais e supunham que Certos aspectos da cultura - por exemplo, a
agricultura - eram mais importantes que outros. Como Kroeber relata pelos
índios da Califórnia, tornou-se óbvio que havia diferenças significativas entre
os índios da Califórnia; Por exemplo, os californianos nativos tinham a maior
diversidade linguística de qualquer região da América do Norte, levando um
estudioso a chamá-la de 'a Babel da América antiga'. Essa diversidade cultural
teve que ser medida e explicada, e Kroeber projetou as listas de elementos
culturais para lidar com esse problema. Kroeber frequentemente abordava a
análise das culturas como historiador natural, especificamente como um
taxonomista lineano interessado em classificar espécies, não preocupado com
as mudanças de uma população. A pesquisa de elementos culturais reflete essa
abordagem. Kroeber dividiu a cultura em unidades mínimas que poderiam ser
caracterizadas qualitativamente. Por exemplo, um grupo específico praticava a
“poliandria” outro a “cremação”, alguns usavam um “arco de costas senoidal”
outro “colanas de dentes de castor”, ou seus jovens bebiam um perigoso
alucinógeno feito com erva-de-cabra. Esses elementos foram organizados num
questionário pelos estudantes de mestrado e foram enviados para entrevistar
informantes nativos e marcando as respostas; Os resultados foram analisados e
publicados. Julian Steward, um dos estudantes de pós-graduação de Kroeber,
escreveu: Kroeber obteve fundos para um ambicioso projeto de campo de
quatro anos de pesquisas de lista de elementos que foi realizado por 13
trabalhadores de campo e incluiu 254 tribos e subdivisões tribais a oeste das
Montanhas Rochosas. As listas variaram de 3.000 a mais de 6.000 elementos,
cuja presença e ausência foram registradas para cada grupo local (1961:
1057). Os levantamentos de elementos foram pesquisados na tentativa de
delimitar determinadas culturas, e isso levou à questão da interação entre
culturas. Steward continua: A pesquisa territorial das distribuições de
elementos levantou questões sobre o mecanismo de difusão de cada elemento,
que costumava ser concebido como um processo bastante simples, através do
qual uma sociedade transmitia características culturais a outra apenas por causa

58
de contiguidade. Kroeber modificou esse conceito difusionista. Mostrando que
os produtos culturais podem ser imitados por Povos que não tiveram contacto
direto com seus autores. (1961: 1057) Em retrospectiva, a abordagem de
levantamento de elementos apresenta várias falhas.
A) Primeiro, ele subdivide a cultura em pedaços e considera cada elemento com
igual significado (certamente o uso de dados de dentes de castor e a prática da
poliandria têm diferentes níveis de importância).
B) Segundo, a abordagem pressupõe que a presença desse elemento cultural em
uma sociedade é equivalente à presença desse elemento cultural em outra. Por
exemplo, a farda que colocavam os sipaios ao serviço do colono e hoje é usada
para os sobas. Embora a hoje esta farda é colocada por pessoas diferentes e em
tempos diferentes e em todos esses lugares diferentes, ela claramente tem vários
significados diferentes mas apela lá no contexto onde era usada durante o tempo
do colono.
C) Terceiro, a pesquisa de elementos culturais criou uma visão estática e
sincrónica de uma sociedade, implicando que os únicos mecanismos de
mudança cultural eram invenção (a criação de um indivíduo de um novo traço
cultural), migração (o movimento de uma sociedade com novos traços culturais
para um Nova área) e difusão (a disseminação de traços culturais sem
migração). Mas, apesar de todas as suas falhas, a pesquisa de elementos
culturais alcançou um objetivo importante: produziu informações sistemáticas
sobre as sociedades que estavam sendo destruídas.

Cultura e configurações
Kroeber não estava interessado em meras minúcias; Ele também estava
preocupado com os amplos padrões de cultura que caracterizavam sociedades
inteiras, ou o que ele chamava de estilos principais que marcavam
configurações culturais particulares. Análogo ao conceito de Benedict Ruth,
Kroeber afirma que 'padrões são aqueles arranjos ou sistemas de
relacionamento interno que dão a qualquer cultura sua coerência ou plano, e
evitam que seja um mero acúmulo de bits aleatórios' (1948: 131). Tais padrões
“ou configurações ou Gestalts”, escreveu Kroeber, “são o que me parecem mais
produtivos para distinguir ou formular na cultura” (1952c: 5). Kroeber traçou
um forte limite de definição entre cultura e sociedade. A sociedade ocorre
sempre que há vida em grupo - inclusive entre insectos sociais como abelhas e
formigas - mas cultura consiste em elementos aprendidos e compartilhados de
costumes e crenças (Kroeber 1952a: 118-119). Além disso, Kroeber acreditava
que tais costumes e crenças existiam independentemente dos indivíduos que as
sustentavam. Em uma breve conversa após o jantar em 1946 com um grupo de
antropólogos, Kroeber descreveu sua posição. A cultura é transmitida pelas
interações humanas, 'não pelo mecanismo genético da hereditariedade, mas
pelo intercondicionamento dos zigotos'. Independentemente de suas origens, 'a
cultura tende a se tornar rapidamente supra-pessoal e anônima', caindo 'em
padrões ou regularidades de forma e estilo e significado. ”E, finalmente,

59
Kroeber argumentou que a cultura“ incorpora valores, que podem ser
formulados (abertamente como costumes) ou sentidos (implicitamente, como
nos costumes) pela sociedade que carrega a cultura e que faz parte dos negócios.
Do antropólogo para caracterizar e definir ”(1952b: 104). Assim, a definição
básica de cultura de Kroeber é que ela é aprendida, compartilhada, padronizada
e significativa. Kroeber tentou orientar sua análise entre dois extremos que
dominavam as formas de pensar sobre os seres humanos no início do século
XX: o determinismo racial e a teoria do Super Humano. Bem no início de sua
carreira (1917) - e mostrando claramente a influência de Boas - Kroeber atacou
a noção de que raças diferentes têm propriedades inatas diferentes. Ele
questionou uma série de suposições que vinculam o património genético ao
comportamento. Ao mesmo tempo, Kroeber argumentou contra a teoria do
Grande Homem, sustentando que mesmo os genes não moldavam tanto suas
culturas quanto os representavam. Kroeber encontrou exemplos repetidos de
múltiplos genes - como a invenção independente do cálculo por Leibnitz em
1684 e Newton em 1687, o desenvolvimento da teoria da seleção natural por
Charles Darwin e Alfred Russel Wallace e a invenção do barco a vapor por
Robert Fulton e Menos quatro outros inventores contemporâneos. 'A história
das invenções', escreveu Kroeber, 'é uma cadeia de instâncias paralelas' (1952d:
45). A co-ocorrência de tais invenções, concluiu ele, era evidência de que algo
maior estava em ação, alguma força maior que a herança genética ou o genes.
Essa força era maior que o organismo - era super-orgânica: A razão pela qual a
hereditariedade mental tem tão pouco ou nada a ver com a civilização é que a
civilização não é uma ação mental, mas um corpo ou fluxo de produtos do
exercício mental, social ou cultural e essencialmente não individual. A
civilização como tal começa apenas onde o indivíduo termina; e quem não
percebe, de alguma forma, esse fato. Não pode encontrar sentido na civilização,
e a história para ele deve ser apenas uma confusão cansativa ou uma
oportunidade para o exercício da arte [isto é, inventando as coisas] (Kroeber,
1952d: 40). Para Kroeber, essa força organizadora era a cultura - conhecimento
não genético, compartilhado, anónimo e padronizado. As configurações da
cultura são produzidas pela história de um conjunto particular de valores
culturais. Kroeber observou 'que é da natureza da cultura estar fortemente
condicionada por seu próprio passado num movimento cumulativo, de modo
que a abordagem mais frutífera para a entender seja histórica' (1952c: 4). A
abordagem histórica mostrou conexões cada vez mais amplas entre os
elementos culturais, conforme eles foram expressos no espaço e no tempo
(Kroeber, 1952c: 5). Colocando esses elementos dessa maneira, é possível
identificar configurações no seu desenvolvimento, destaque, declínio e
substituição. Kroeber sentiu que essa era a natureza da explicação. Kroeber
voltou sua atenção para vários tópicos - à arqueologia peruana, linguística do
índio americano e assim por diante -, mas sem dúvida sua análise mais
intrigante foi sobre um assunto que pode parecer estranho: mudanças no
vestuário das mulheres. Foi um tópico sobre o qual Kroeber escreveu pelo
menos duas vezes, primeiro em 1919 e depois novamente em 1940. Kroeber foi

60
atraído para estudar a moda feminina porque refletia o estilo 'puro' e porque as
mudanças na moda podiam ser datadas pelo estudo de revistas históricas da
moda parisiense. Na época do segundo estudo, Kroeber tinha dados que
variavam de 1787 a 1936. Kroeber mediu uma variedade de variáveis, como
comprimento e largura do vestido, e depois conduziu uma análise estatística e
de séries temporais. O que ele descobriu foi que certas grandes flutuações
tinham periodicidades diferentes; Por exemplo, o comprimento do vestido foi
maior no século dezoito e meados do século dezenove, com vestidos mais
curtos mais comuns em 1815 e 1931. Além disso, Kroeber encontrou alguns
padrões interessantes na variação de estilo. Na maioria dos anos, a variação da
tendência central era menor, se a tendência era para vestidos longos ou vestidos
curtos, mas em alguns períodos houve um grande grau de mudanças antes que
a tendência central fosse reafirmada. Kroeber considerou uma variedade de
causas históricas - como períodos de instabilidade política poderiam causaram
maior variação no comprimento da bainha - e não encontrou outras causas para
tais padrões além da simples flutuação super-orgânica do estilo. O fator
primário [para essas mudanças de moda] parece ser a adesão ou a saída de um
padrão ideal, embora inconsciente, para roupas formais em mulheres. A
conformidade consistente da variabilidade com certas magnitudes de proporção
- principalmente uma conformidade de baixas variabilidades a altas magnitudes
[ou seja, quando as saias são mais curtas, as saias de todos são curtas] - deixa
pouco espaço para qualquer outra conclusão. (Richardson e Kroeber 1952: 368)
Em suma, Kroeber estudou a moda feminina porque exemplificava sua
concepção do que era cultura. Claramente não-genético, a moda estava
obviamente livre das influências da hereditariedade. Obviamente
compartilhada, a moda era mais do que o exercício idiossincrático do gênio.
Reduzíveis a elementos, traços de moda podem ser plotados no tempo; Nesse
caso, o espaço era mantido constante considerando apenas a moda parisiense.
Claramente padronizada, a moda passou por flutuações sistemáticas a longo
prazo. E, finalmente, sua explicação era histórica, porque as mudanças na moda
não podiam ser entendidas pelo apelo a fatores externos, mas apenas explicadas
dentro de sua configuração cultural específica. E, assim, a análise de Kroeber
desse tópico improvável capturou as características básicas de sua abordagem
à cultura. Kroeber tentou repetir sua análise microcósmica no campo estreito da
moda parisiense em um enorme estudo paralelo da civilização mundial,
Configurações do crescimento cultural (1944). Durante seus estudos anteriores
sobre distribuição de elementos culturais, Kroeber havia desenvolvido a noção
de clímax cultural. O ápice da cultura é quando “crescimentos culturais
historicamente conhecidos. Mostram uma coincidência em insurgir várias faces
da cultura ”(Kroeber 1939: 5). Desde que Kroeber argumentou há muito tempo
que as inovações culturais não eram produtos de “Grandes Homens”, mas sim
de “instâncias paralelas”, um estudo de invenções superiores demonstra “o
hábito frequente das sociedades de desenvolver suas culturas ao máximo.
Revela-se: especialmente em seus aspectos intelectuais e estéticos, mas também
em aspectos mais materiais e práticos ”(1944: 5). Se o gene fosse simplesmente

61
o resultado da genética, inovações superiores deveriam ocorrer aleatoriamente;
Que eles não indicam 'a participação causal de um fator cultural, a intervenção
de um elemento superpessoal na atividade pessoal do gene’ (Kroeber 1944: 13).
No entanto, Kroeber não encontrou “nenhuma evidência de nenhuma lei
verdadeira nos fenómenos tratados; Nada cíclico, regularmente repetitivo ou
necessário ”(1944: 761). Na verdade, isso simplesmente fortaleceu a ideia de
Kroeber da irredutibilidade da cultura. Para Kroeber, a cultura era uma
construção mental completamente distinta de outros fenómenos. A cultura,
escreveu ele, “é super-orgânica e superindividual, pois, embora carregada,
participada e produzida por indivíduos orgânicos, é adquirida; E é adquirida
pelo aprendizado ”(1948: 254). A cultura não pode ser explicada pelas
necessidades individuais orgânicas, como afirmou Malinowski (Kroeber 1948:
309-310), e não pode ser tratada como equivalente à 'sociedade' (Kroeber 1948:
847-49). Os padrões culturais podem ser entendidos apenas dentro de uma
abordagem histórica que enfatiza a mudança ao longo do tempo, os
antecedentes culturais de novos padrões culturais e a importância de entender
os fenômenos culturais em configurações particulares (Kroeber 1957).
Conclusão
As amplas contribuições de Kroeber para a antropologia praticamente
impossibilitam qualquer breve resumo de sua carreira, mas o discurso feito
durante o óbito por Steward (1962) captura muitas das idéias básicas de
Kroeber. Kroeber acreditava que 'a cultura derivava da cultura' e que as
explicações psicológicas, adaptativas ou orgânicas eram indefensáveis. Sua
abordagem histórica era “super-orgânica e supra-individual” e dupla,
caracterizando primeiro as culturas “pelas minúcias de seu conteúdo”, enquanto
também procurava “principais estilos, filosofias e valores” (Steward, 1962:
1050). A contribuição de Kroeber para a antropologia americana tem um legado
misto. Há pouca dúvida de suas contribuições substantivas para Etnologia,
etnografia, linguística e arqueologia, mas, por outro lado, há pouco entusiasmo
atual pelas preocupações de Kroeber com o super-orgânico, o estilo e os
padrões da civilização ou o anonimato da cultura. Como teórico, a posição de
Kroeber é mais frequentemente discutida do que adotada (Benedict 1959: 231;
Harris 1968: 320–337). E, no entanto, a tentativa de Kroeber de encontrar a
base unificadora da cultura foi um problema central enfrentado por muitos de
seus contemporâneos, incluindo Benedict, Sapir e Mead.

Ruth Benedict e os Modelos da Cultura


Ironicamente, o interesse na história de vida de Ruth Benedict ofusca suas
idéias como antropóloga, que se concentra no relacionamento entre o indivíduo
e a sociedade. Benedict é o assunto de três biografias (Caffrey 1989; Mead
1974; Modell 1983) e outro estudo que examina seu relacionamento com
Margaret Mead (Lapsley 1999). Benedict Ruth é um assunto cativante para os
biógrafos, porque ela não era apenas uma antropóloga brilhante, mas também

62
uma mulher brilhante que era antropóloga. Benedict foi uma das primeiras
mulheres a ter destaque como cientista social, e sua vida exemplifica as
escolhas difíceis, muitas vezes conflituantes, que as mulheres enfrentam na
sociedade americana. As trajetórias de sua vida e carreira na antropologia foram
moldadas por esse fato.

Biografia

Ruth Benedict (Fulton) foi educada no Vassar College, criado na década de


1860 com o objetivo de educar as mulheres em um plano igual ao dos homens.
Embora a educação universitária para mulheres existisse há vinte anos quando
Ruth Benedict se matriculou em 1905, ainda era novidade que as Ladies
estudassem na faculdade ’Home Journal, em outubro de 1905, publicou um
artigo intitulado “Loucos por loucura de meninas de faculdade”, seguido na
edição de novembro pelo artigo fascinante 'What College Girls Eat' (Caffrey
1989: 43). Ruth Benedict estudou literatura e poesia e, mais tarde em sua vida,
publicou poemas em revistas e jornais de poesia. Mas sua exposição à análise
crítica, ainda mais que à poesia, teve impacto na sua antropologia. Em Vassar,
ela foi exposta a uma ampla gama de questões políticas progressistas e
tendências artísticas modernistas e a um corpo desafiador da literatura inglesa
e alemã, particularmente as obras de Friedrich Nietzsche. De fato, eram as
próprias receitas de Nietzsche que exigiam criatividade, revolta contra a
conformidade e envolvimento vigoroso com a vida. Caffrey escreve, Nietzsche
defendia o iconoclasmo criativo. O eu deseja criar além de si mesmo, ele
escreveu: 'Criar - essa é a grande salvação do sofrimento e o alívio da vida'. A
criatividade que ele defendia era a criatividade de novos valores. [Nietzsche]
defendia a destruição da moralidade e da conformidade convencionais porque
sufocavam a criatividade. Ele afirmou a alegria física. Ele pediu uma renúncia
ao materialismo e seus leitores desenvolvessem Deus dentro de si. Todas essas
eram qualidades que Ruth acreditava serem mais importantes. Assim, falou
Zarathustra deu-lhe uma sensação de liberdade daquele passado restritivo e um
propósito para viver seu futuro. (1989: 54–55) Em 1914, Ruth Fulton casou-se
com Stanley Benedict, mas, com o passar dos anos, seu casamento se desfez.
Depois de uma participação insatisfatória no trabalho social e de reprimir seus
próprios interesses em prol do casamento, ela voltou à escola aos trinta e um
anos na New School for Social Research. Depois de um ano, ela foi incentivada
a fazer cursos de pós-graduação na Columbia University, onde iniciou uma
associação com Franz Boas, que durou de 1921 até a morte de Boas, em 1942.
Boas supervisionou a dissertação de Benedict - “O Conceito do Espírito
Guardião na América do Norte” - que era Posteriormente publicado pela
American Anthropological Association (Benedict 1923). A dissertação foi
baseada em pesquisa bibliográfica e não em trabalho de campo, mas no fato de
ela ter obtido seu doutorado em três semestres ainda é notável. Excepto por um
breve estudo de 1922 da Serrano, no sul da Califórnia (Benedict 1924), todos
os primeiros escritos de Benedict foram baseados em pesquisas de bibliotecas

63
(por exemplo, Benedict 1922). A partir de meados da década de 1920, Benedict
foi ao sudoeste americano para projetos de pesquisa de campo de verão entre
os Zuni (1924), Zuni e Cochiti (1925), O'totam (1927) e Mescalero Apache
(1931). A pesquisa de Benedict sobre Zuni se tornaria central em seu livro
Patterns of Culture, de 1934. Durante esse período, Benedict estava
desenvolvendo seus interesses em personalidade e cultura, editando o Journal
of American Folklore e ensinando na Columbia University, onde a relação entre
Boas e Benedict continuou a evoluir. Depois de servir como seu mentor, Boas
se tornou seu colega profissional quando ele conseguiu um cargo no
Departamento de Antropologia, que ele presidia. Gradualmente, Benedict
tornou-se um membro pleno do corpo docente e, quando morreu em 1948, ela
foi um dos professores mais eminentes da Universidade de Columbia. Patterns
of Culture era um livro extremamente popular desde que foi publicado em 1934.
Traduzido para uma dúzia de idiomas, publicado em 1946 como um livro
vendido por vinte e cinco centavos, em 1974, havia vendido 1,6 milhões de
Cópias (Mead 1974: 1). Ainda continua a ser publicado. As idéias do livro se
espalharam fora da academia para a sociedade americana em geral. Como as
idéias permeiam a cultura americana moderna, agora as tomamos como
comuns. Padrões de Cultura foi escrito para o não antropólogo e, como Caffrey
observa, 'ele atuou como um sinal e um catalisador para a aceitação final de
uma profunda mudança de paradigma nas ciências sociais e na sociedade
americana' (1989: 209). Benedict encontrou alívio do sofrimento, na frase de
Nietzsche, na criatividade do intelecto; Padrões de cultura é uma evidência clara
desse intelecto em ação. Primeiro, enfatizou a importância da cultura versus a
biologia; Contrastando os diferentes padrões de vida entre os Zuni, Dobu e
Kwakiutl, Benedict demonstrou a primazia causal da cultura na compreensão
das diferenças entre os humanos modernos. Por extensão, os perfis dessas três
sociedades tão diferentes da sociedade americana enfraqueceram ainda mais os
costumes vitorianos da vida americana. Segundo, a ênfase de Benedict nos
padrões de cultura foi uma nova reviravolta em uma idéia bastante distorcida.
O conceito de padrões era similar em alguns aspectos aos complexos de
elementos culturais que Kroeber e outros haviam discutido (ver pp. 67–69):
concorrências padronizadas de traços culturais que marcavam diferentes grupos
culturais. Por exemplo, o descrevemos o complexo cultural dos Kwanhamas os
seus bois entre o ambiente das planícies do rio Cunene, uma constelação de
práticas culturais, incluindo o eumbo, a iniciação feminina, a caça aos búfalos,
as invasões em territórios dos Ovimbundu e Nganguela - todas realidades que
giravam em torno ao boi. Da mesma forma, poderíamos definir uma cultura da
mandioca dos Bakongo na qual uma ampla gama de elementos culturais - praça,
kikwanga, iniciação masculina, nganga. Mas Benedict e outros antropólogos
procuravam algo mais subtil e profundo, a relação não apenas entre um
conjunto de coisas e comportamentos, mas também entre as idéias, valores e
costumes subjacentes que caracterizam uma sociedade em particular. A noção
da configuração 'Gestalt' foi influente neste momento. Proveniente da palavra
alemã para o desenvolvimento de uma forma física, os psicólogos aplicaram a

64
noção a experimentos de comportamento de aprendizagem que sugeriam que
as pessoas aprendessem em resposta a padrões subjacentes desencadeados por
um evento específico e não por resposta direta a estímulos. Assim, aprendemos
que o comportamento barulhento é inadequado em uma igreja, mas depois
estendemos esse conhecimento a catedrais e universidades, a certos programas
públicos (o Memorial de Agostinho Neto), alembamentos no quintal e assim
por diante. Mesmo em novas situações, seguimos as instruções aprendidas
anteriormente pela tradição, porque a nova situação gera um padrão básico
aprendido. “A idéia de configuração da Gestalt”, escreve Margaret Caffrey,
“caiu na mente dos Estados Unidos. A configuração era uma forma de padrão
que ligava fatos e eventos às atitudes e crenças subjacentes a eles ”(1989: 154).
Ruth Benedict tornou essa noção da Gestalt / configuração / padrão central em
seu trabalho: a psicologia da Gestalt (configuração) realizou alguns dos
trabalhos mais impressionantes ao justificar a importância desse ponto de
partida do todo e não das partes. Mostraram que, na percepção mais simples,
nenhuma análise dos preceitos separados pode explicar a experiência total. Não
basta dividir as percepções em fragmentos objetivos. A estrutura subjetiva, as
formas fornecidas pela experiência passada, são cruciais e não podem ser
omitidas. (1959: 51) Quando Benedict contrasta “objetivo” e “subjetivo”, ela
não está usando “subjetivo” como sinônimo de “mera opinião” ou projeção
etnocêntrica; Ela está tentando caracterizar os valores subjetivos que explicam
por que membros de uma determinada sociedade se comportam de
determinadas maneiras. Benedict usou o conceito de padrão para se referir aos
'valores da existência' subjacentes de uma sociedade. Ela escreveu: 'Culturas. .
. São mais do que a soma de suas características. Podemos saber tudo sobre a
distribuição da forma de casamento de uma tribo, danças rituais e iniciações da
puberdade e, no entanto, não entender nada da cultura como um todo que tenha
usado esses elementos para seu próprio objetivo ”(1959: 47). Benedict Ruth
expôs as diferenças nos padrões culturais, contrastando três sociedades
relativamente bem estudadas e marcadamente diferentes: os índios Pueblo
(Zuni e Hopi); Os Dobu, que vivem em uma ilha a leste da Nova Guiné; E os
índios da costa noroeste (Tsimshian, Kwakiutl, Coast Salish) que vivem entre
Puget Sound e o sudoeste do Alasca. Os três casos etnográficos foram baseados
em pesquisas de antropólogos cujo trabalho Benedict confiava: Reo Fortune
estudara o Dobu (ele era casado com Margaret Mead na época), Boas havia
trabalhado na costa noroeste e Benedict Ela mesma havia realizado pesquisas
no Zuni Pueblo. Estas também eram sociedades completamente diferentes, com
configurações culturais fundamentalmente diferentes. Reunindo detalhes
etnográficos extensos, Benedict Ruth selecionou os elementos fundamentais do
padrão cultural. Por exemplo, ela escreveu sobre o Dobu: «O Dobuan. É severo,
pudico e apaixonado, consumido por ciúmes, suspeitas e ressentimentos. A
cada momento de prosperidade, ele se concebe como tendo sofrido um mundo
malicioso por um conflito em que derrotou seu adversário. O homem bom é
quem tem muitos desses conflitos em seu crédito, como qualquer um pode ver
pelo facto de ter sobrevivido. Com uma medida de prosperidade. É dado como

65
certo que ele roubou, matou crianças e seus companheiros próximos por
feitiçaria, traiu sempre que ousou». (1959: 168-169) Compare isso com o ideal
zuni do homem bom: o homem ideal em Zuni é uma pessoa de dignidade e
afabilidade que nunca tentou liderar e que nunca fez comentários de seus
vizinhos. Qualquer conflito, mesmo que o direito esteja do seu lado, é mantido
contra ele. «Ele deveria 'conversar bastante', como eles dizem - isto é, ele
sempre deveria deixar as pessoas à vontade - e, sem falta, cooperar facilmente
com outras pessoas, tanto no campo quanto no ritual, nunca traindo uma
suspeita de arrogância ou Emoção forte». (1959: 99) Benedict não estava
apenas recitando seus próprios preconceitos sobre as pessoas; Ela estava
propondo generalizações etnograficamente informadas sobre os valores
distintos de diferentes sociedades. Tais sociedades eram tão fundamentalmente
diferentes que Benedict recorreu ao trabalho de Nietzsche para emprestar dois
conceitos: as abordagens apolínica e dionisíaca da existência. Benedict
contrastou a configuração dos Zuni e de outros índios Puebloan com a dos
Kwakiutl e de muitos outros grupos norte-americanos na busca pelos valores
da existência. O dionisíaco os persegue através [como Nietzsche observou] 'da
aniquilação dos limites e limites comuns da existência'; Ele procura alcançar
em seus momentos mais valiosos escapar das fronteiras impostas a ele por seus
cinco sentidos, para entrar em outra ordem de existência. O desejo do
dionisíaco, na experiência pessoal ou no ritual, é pressioná-lo em direção a um
certo estado psicológico, para alcançar o excesso. [O dionisíaco] valoriza as
iluminações do frenesi. O apolíneo desconfia de tudo isso. Ele conhece apenas
uma lei, medida no sentido helênico. Ele fica no meio da estrada, fica dentro do
mapa conhecido, não se mexe com estados psicológicos perturbadores. Na bela
frase de Nietzsche, mesmo na exaltação da dança, ele 'permanece o que é e
mantém seu nome cívico'. (1959: 78–79) 'Os Pueblos do sudoeste são
apolíneos', escreveu Bento, em contraste com muitos norte-americanos. Grupos
americanos, “ideais zuni E instituições. . . São rigorosos neste ponto. O mapa
conhecido, no meio do caminho para qualquer apolíneo, está incorporado na
tradição comum de seu povo ”(1959: 80). Fora dos Pueblos, e apesar das muitas
diferenças na língua e cultura dos nativos americanos, Bento XVI observou uma
ênfase comum no comportamento dionisíaco: “Eles valorizavam toda
experiência violenta, todos os meios pelos quais os seres humanos podem
romper a rotina sensorial usual e para todos. Essas experiências atribuíram o
maior valor ”(1959: 80). A evidência mais conspícua foi a busca da visão, na
qual um indivíduo - através do jejum, drogas (tabaco) e automutilação - tenta
romper a existência comum e obter uma visão pessoal através do contato direto
com o sobrenatural. Esse conjunto de valores fundamentais moldou práticas
culturais maiores, resultando em padrões distintos de cultura. No entanto, nem
todos os indivíduos se encaixam confortavelmente nos padrões aceitos da vida
cultural, e Ruth Benedict sabia disso por sua própria experiência. Como pessoa,
ela chegou a um ponto em que não podia mais se ajustar aos valores normais
das mulheres americanas na década de 1920; Ela não aceitou todos os valores
fundamentais de sua própria cultura.

66
Bibliografia
Tylor, E. B. (1958). a ciência da cultura. Rio de Janeiro: Zahar.
Boas, F. (1932). Anthropology and Moder Life. New Yorj: Norton.
Moore, J. D. (2009). An Introduction to Anthropological Theories and Theorists.
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cultura. Bologna: Il Mulino.
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Benedict, R. (2000). Padrões de Cultura. Lisboa: Livros do Brasil.

67
Difusionismo
Ao conquistar estudiosos europeus e americanos, a tendência ideográfica trouxe à
tona, no âmbito da antropologia, esquemas explicativos baseados no pseudo-princípio da
'difusão'. Já examinamos (ver capítulo VI) a maneira como esse conceito foi usado pela
crítica boasiana para analisar a evolução do século XIX e a falsidade das dicotomias entre
invenção independente e difusão e evolução paralelas e convergentes. Resta-nos fazer
uma breve pausa sobre o modo como a difusão foi efetivamente utilizada como princípio
explicativo característico do período ideográfico.
Nos Estados Unidos, o pensamento difusionista culminou com a elaboração do
conceito de áreas culturais, unidades geográficas relativamente pequenas baseadas na
distribuição contígua de elementos culturais. Na Europa, a mesma tendência deu origem
à concepção de Kulturkreise ou círculos culturais, grandes complexos de características
que haviam perdido sua unidade geográfica anterior e se dispersaram pelo mundo.

Origem do conceito de área cultural.


O conceito de área cultural nasceu das necessidades práticas da pesquisa etnográfica
americana, como ferramenta heurística para a descrição e classificação de grupos tribais
na América do Sul e do Norte. Coincidindo com a tendência contra as tipologias
evolucionistas, o desenvolvimento das coleções etnográficas do «Museu Americano of
Natural History 'e o' Field Museum 'de Chicago em particular, favorece a evolução das
categorias geográficas como unidades expositivas implícitas nos nomes de certas seções
ou salas específicas dos próprios museus. Revendo a história desse conceito, Kroeber
[1931, 250] rapidamente reconheceu o mérito de Otis T. Mason referindo-se a um artigo
de 1907 no Handbook of American Indian North of Mexico, no qual Mason listou doze
'étnicos'. Aparentemente, Kroeber não sabia que Mason já havia usado o termo 'área
cultural' em 1895, em um artigo intitulado Influência do Meio Ambiente nas Indústrias
Humanas ou Artes publicado no 'Relatório Anual da Instituição Smithsonian'. Neste
artigo, Mason [1895a, 646] identificou dezoito 'ambientes indígenas americanos ou áreas
culturais': Ártico, Athabasca, Algonquin, Iroquois, Muskhogean, Great West Plains,
Costa do Pacífico Norte, Columbia, Inner Basin, região da Califórnia-Oregon, o
Puebloan, Médio Americano, Andino, o lado Atlântico dos Andes, Brasil oriental, Brasil
central, Argentinon patagone, Tierra del Fuego. Em 1899, Mason apresentou uma lista
modificada que incluía os seguintes ambientes: Ártico, Canadá, Louisiana ou Golfo,
Planícies, Sudeste do Alasca, Colômbia, Bacia Interna, Califórnia, Pueblo, América
Central, Antilhas, Cordilheira, Alto Amazonas, leste do Brasil , o Mato Grosso, o
Argentino-Patagônico, a Tierra del Fuego. As áreas identificadas por Mason foram
posteriormente refinadas por
G. Holmes [1914] e usado como base para um tratamento da etnologia dos índios
americanos, ligada ao ambiente territorial por Clark Wissler [1917] e o próprio Kroeber,
em Cultural and Natural Areas (1939). Apesar do mérito evidente de Mason como o
primeiro inventor, não há necessidade de contestar a observação de Kroeber [1931, 250]
de que o conceito de área cultural era 'o fruto comum de quase toda a escola de
antropólogos Americanos '. Isso deriva da extrema simplicidade do conceito: nada é, de
fato, mais evidente do que a utilidade potencial de um mapa etnográfico que agrupa

68
entidades tribais de acordo com algum aspecto do ambiente geograficamente identificado.
É muito diferente, no entanto, supor que esse agrupamento geográfico contribua por si
mesmo para o conhecimento das diferenças e afinidades culturais.

O ponto fraco do conceito de área cultural.


Como ferramenta explicativa, o conceito de área cultural ficou preso nas pontas de
um dilema desde o nascimento: se a importância excessiva é atribuída ao substrato
geográfico natural, o cartógrafo é vítima de uma forma ingênua de determinismo
geográfico; se alguém insiste na simples contiguidade, a 'causa' de cada agrupamento
parece totalmente irracional e o problema das fronteiras torna-se intransponível. O
primeiro 'chifre' cria dificuldades porque é óbvio que ambientes naturais semelhantes em
diferentes partes do mundo são habitados por populações com culturas extremamente
diferentes. As florestas tropicais do Novo Mundo, por exemplo, acolheram, em diferentes
épocas ou em diferentes regiões, fazendeiros, construtores de templos, horticultores
reunidos em aldeias e grupos semi-nômades de caçadores, pescadores e coletores. O
principal fator que reduz a utilidade explicativa de um arranjo regular de culturas com
base em suas respectivas áreas ambientais naturais depende do fato de que o elemento
decisivo é a interação técnico-ambiental e não simplesmente o meio ambiente. Este
aspecto do dilema é adequadamente ilustrado pela tentativa de Wissler [1917] de
identificar suas áreas culturais com base nas 'áreas alimentares', como segue:

Áreas de alimentação Áreas culturais


caribu Esquimó, Mackenzie (e
parte norte da área
florestal oriental)
Búfalo Planícies
Costa do Pacífico
Salmão
Norte, Planalto
Sementes selvagens da Califórnia
Sudeste, região florestal
oriental (exceto
Milho oriental
a parte não agrícola do
norte)
Sudoeste, Nahua,
Agricultura Intensiva México, Chibcha. Peru
Inca
Mandioca Amazônia, Antilhas
Guanaco Guanaco

Note que três dessas áreas de 'alimentos' (Milho Oriental, Agricultura Intensiva e
Mandioca) referem-se a espécies domesticadas, enquanto todas as outras dizem respeito
a recursos naturais. Desta incorporação parcial do aspecto tecnológico da equação

69
técnico-ambiental surge uma outra anomalia: a área identificada como 'Agricultura
Intensiva' divide-se em três subáreas descontínuas, cada uma delas localizada a milhares
de quilômetros de distância das outras. A existência nas Américas de duas ou três áreas
extremamente distantes de alta civilização indígena imediatamente levanta a questão de
até que ponto a simples proximidade é admissível como uma explicação para a
similaridade. A

Os centros, as culminâncias e a lei da difusão.


Apesar dessas anomalias óbvias, as escolas americanas continuaram ao longo das
décadas de 1920 e 1930 a devotar esforços conspícuos para tentar atribuir a tarefa de
explicar as diferenças e semelhanças culturais ao conceito de área cultural. Wissler
procurou superar algumas das dificuldades atribuindo o elemento característico de cada
área a um 'centro cultural', a partir do qual o complexo de características se espalharia. O
conceito deste 'centro' manifestou desde o início todas as consequências do dilema
fundamental: como conciliar as condições ambientais com a liberdade aparentemente
caprichosa da cultura. Isso explica as vagas referências de Wissler a 'fatores étnicos e
incidentes históricos'. A origem de um centro cultural parece ter de ser atribuída a fatores
étnicos e não geográficos. A localização desses centros depende principalmente de
acidentes históricos, mas uma vez localizados e feitas as adaptações, a estabilidade do
ambiente, sem dúvida, tende a preservar cada tipo particular de cultura em sua localidade
inicial, mesmo na presença de muitas transformações que ocorreram. ocorreu no sangue
e na linguagem [1926, 372],
Aprofundando ainda mais a noção de 'centro cultural', Wissler [ibidem, 183] formulou
uma 'lei de difusão', ou seja, 'que as características antropológicas tendem a se espalhar
em todas as direções a partir dos centros relativos de origem'. Esta lei constitui o
fundamento do 'princípio da faixa etária', que é um método para deduzir a idade relativa
dos traços culturais a partir da sua distribuição geográfica: os traços mais extensos em
torno de um centro seriam os mais antigos, desde que o a direção da difusão é sempre do
centro para fora. Nem é preciso dizer que a 'lei da difusão' é um guia extremamente
confiável para a realidade dos eventos históricos e só pode ser aplicada com a máxima
cautela. Se o aceitássemos sem o devido ceticismo, não demoraríamos em argumentar
que o engarrafamento da Coca-Cola deve ter começado muito antes da invenção dos
machados de mão (coup de poing).
É um crédito de Kroeber que uma tentativa começou durante a década de 1920 para
definir áreas culturais com base em listas exaustivas de itens. Essas listas foram usadas
para determinar coeficientes de similaridade. O extremo lógico dessa abordagem veio
quando a Universidade da Califórnia organizou pesquisas com base em listas de
elementos que comparavam diferentes grupos de índios estabelecidos a oeste das
Montanhas Rochosas: nessas listas foram usadas de 3.000 a 6.000 entradas [Kroeber e
Driver 1932 ] No entanto, a aplicação deste método a outras áreas foi dificultada pelas
dificuldades encontradas na definição dos elementos unitários. Por exemplo, até 6.000
características podem ser insuficientes para uma medição de similaridade total, se os
caracteres utilizados não fossem sistematicamente identificados de acordo com o mesmo
nível de análise dos detalhes. (A poliginia pode contar como um elemento, enquanto o
arco e a flecha podem contar como quatro ou cinco.) Após o experimento um tanto

70
inconclusivo feito com essas listas ilimitadas de recursos, Kroeber cada vez mais se
voltou para interpretações impressionistas do 'centro cultural', ou, como ele a chamou de
'culminação cultural', chegando finalmente às consequências que já descrevemos.

A crítica de Steward.
Embora as classificações das áreas culturais possam ser consideradas essenciais nos
estágios iniciais da etnografia dedicada à coleta e classificação de dados, essa concepção
influenciou o desenvolvimento da teoria nomotética não menos negativa do que
positivamente. Steward [1955, 82] ilustrou as consequências às quais leva a aplicação dos
tipos de áreas culturais examinando três problemas:
1) variação do centro e das fronteiras com a passagem do tempo;
2) possível transformação da cultura dentro da área a ponto de se assemelhar a culturas
correspondentes a diferentes áreas em diferentes épocas;
3) a possibilidade de que setores da área considerada contenham culturas radicalmente
diferentes, mas com muitas características em comum.
Todos esses problemas são claramente destacados pelo exemplo dedicado por
Kroeber à área metropolitana do sudoeste. Em primeiro lugar, os estudos arqueológicos
do Sudoeste não confirmam a concepção de um único centro estável, nem de um pequeno
número de culminâncias.

A esterilidade do conceito de difusão.


Essas objeções ao conceito de área cultural ilustram a esterilidade substancial da
tentativa de explicar as diferenças e semelhanças culturais recorrendo ao pseudo-
princípio da difusão. Embora seja verdade, como Driver [1966] mostrou, que a
proximidade histórico-geográfica muitas vezes nos permite prever características melhor
do que a causalidade psicofuncional, a proximidade histórico-geográfica não pode, em
nenhuma circunstância, constituir uma explicação válida para diferenças e semelhanças
culturais. Em primeiro lugar, a difusão, pela admissão explícita de seus apoiadores, talvez
não seja capaz de explicar a origem de uma determinada característica, exceto
'descarregando o barril' para trás por meio de uma regressão infinita: A <- B <- C,, ,?
Assim que admitimos, como a arqueologia do Novo Mundo realmente nos obriga a fazer,
que casos de invenção independente ocorreram em grande escala, a difusão não é apenas
supérflua por definição, mas se revela a própria personificação da anticiência. Mas
mesmo que nos apeguemos obstinadamente à suposição de que a invenção independente
é rara, nada é mais evidente do que o fato de que não existe uma relação simples entre
distância e tipo cultural. Na verdade, todos os difusionistas concordariam em reconhecer
que existe uma receptividade diferenciada às influências culturais que independe da
distância. Se for esse o caso, devemos inevitavelmente nos encontrar na necessidade de
levar em consideração todos os factores de meio ambiente, tecnologia, economia,
organização social e ideologia que lidam com aqueles que tentam explicar as diferenças
e afinidades socioculturais de acordo com princípios nomotéticos. Esses princípios dizem
respeito às classes gerais de condições em com base no qual as várias classes de
instituições se tornam mais prováveis. É verdade que a forma específica como essas
instituições se manifestam está geralmente ligada às modalidades de sua implantação, que

71
pode ter ocorrido por invenção ou por difusão. As inovações generalizadas tendem a
revelar uma maior quantidade de afinidades interculturais, que podem ser reconstruídas
em grande detalhe, muito mais do que com inovações inventadas de forma independente;
devemos, entretanto, lembrar que as explicações nomotéticas não estão centradas nos
menores detalhes, mas na categoria funcional e estrutural geral exemplificada por uma
instituição ou personagem particular. Para fazer parte do repertório cultural, as inovações
generalizadas devem, não menos do que as inventadas de forma independente, resistir às
pressões seletivas do sistema social. Nessa perspectiva mais ampla, a adopção de
inovações amplamente difundidas e independentemente inventadas deve ser considerada
parte de um único processo. A esterilidade da abordagem puramente histórica reside, em
última instância, no fato de que os princípios nomotéticos são adequados apenas na
medida em que podem explicar casos específicos de invenção e difusão independentes.
No entanto, a difusão não pode, por definição, explicar a invenção independente.
Se, no entanto, pudesse ser demonstrado que a invenção independente foi de fato um
evento raro e insignificante e que todas as invenções importantes na história do mundo
foram descobertas uma e apenas uma vez, poderia ser questionado, com um procedimento
que o a necessidade de explicações nomotéticas era inadmissível para os boasianos.
Dadas as grandes vantagens associadas à possibilidade de demonstrar a insustentabilidade
da posição nomotética, não é excessivamente surpreendente que precisamente esta
interpretação tenha sido defendida não uma, mas duas vezes - quase simultaneamente -
na Alemanha e na Inglaterra.

Difusionismo extremista.
Os difusionistas alemães, dominados por membros do clero católico, foram a origem
de uma última grande tentativa de reconciliar a pré-história antropológica e a evolução
cultural com o Livro do Gênesis. A escola inglesa menor e menos influente preocupava-
se em demonstrar que quase todos os personagens socioculturais de interesse
antropológico haviam sido inventados uma, e apenas uma, no Egito, para depois se
espalhar para o resto do mundo. Em meados do século passado, esses movimentos
estavam em condições claramente malsucedidas e hoje exigem nossa atenção apenas
como uma indicação do alcance internacional do atual contrário aos princípios
nomotéticos. Em relação a uma das duas escolas, a dos 'difusionistas' britânicos, os
boasianos demonstraram desprezo aberto, enquanto em relação aos seguidores da outra -
isto é, a configuração do 'círculo cultural' ou Kulturkreis, que tinha sua sede em Viena -
tinham uma atitude crítica, não desvinculada de uma certa solidariedade. Pode-se
demonstrar, entretanto, que ingleses e alemães estavam praticamente no mesmo nível no
que se referia ao desejo de devolver a ciência da história ao estudo dos acidentes e
milagres.
Ambas as escolas foram classificadas convencionalmente como favoráveis à
disseminação e, portanto, necessariamente opostas à evolução. A natureza
completamente artificial dessa dicotomia já foi ilustrada em conexão com os pontos de
vista dos evolucionistas do século XIX. Foram os seguidores da escola ideográfica inglesa
que propagaram o erro segundo o qual Morgan e Tylor não perceberam a importância do
contato e da migração na disseminação de inovações culturais [cf. Lowie 1936, 172]. E
foram os seguidores da escola ideográfica, tanto inglesa como alemã, que, em virtude das

72
repetidas ofensivas contra o 'evolucionismo', só podiam culpar-se por sua definição de
'anti-evolução'. Essa situação confusa sobreviveu às tentativas de Lowie de apontar a
diferença entre 'evolução' e 'evolucionismo' de acordo com os alemães; nem mesmo
Lowie, entretanto, foi capaz de reconhecer até que ponto a escola 'círculo cultural' estava
em dívida com as teorias e métodos da evolução, enquanto o componente evolucionário
dos esquemas britânicos passou praticamente despercebido. Essa bagunça só será
resolvida quando proclamarmos livre e solenemente aqueles que seguem o método
hidrográfico, seja alemão ou britânico, como evolucionistas. A característica distintiva de
sua contribuição, que nunca foi adequadamente definida por Lowie, foi a negação das
regularidades históricas com força legal.

Difusionismo britânico.
Os 'difusionistas' britânicos de maior autoridade foram W.H. R. Rivers, Grafton Elliot
Smith e W. J. Perry. O fundador da tendência, Rivers, converteu-se ao difusionismo ao
escrever The History of Melanesian Society; vendo fracassar sua tentativa de organizar a
etnografia da Oceania com base em princípios nomotéticos, Rivers tentou explicar os
contrastes entre as culturas da Melanésia e da Polinésia recorrendo a complexos originais
que, segundo ele, haviam se espalhado por sucessivas ondas de emigrantes. Para que esses
supostos efeitos difusivos explicassem a conhecida distribuição dos personagens da
Oceania, Rivers teve que admitir que os casos de não aderência à norma haviam sido
determinados pelo desaparecimento acidental de elementos característicos do complexo
original ou pela chegada de pequenos expedições de emigrantes cuja presença física já
não era detectável. Como suas reconstruções históricas se limitaram principalmente à
Oceania, Rivers se parecia mais com os boasianos do que os outros membros da escola
britânica. No entanto, foi Rivers [1911] o primeiro a banir a cruzada contra o
'evolucionismo', argumentando que a antropologia 'foi inteiramente dominada por uma
visão evolucionária crua'. Rivers atribuiu, sem fundamento, aos evolucionistas a opinião
de que 'após a dispersão original da humanidade ... vastas áreas da Terra permaneceram
isoladas das outras, com a consequência de que o processo de evolução ocorreu nelas de
forma independente' [Rivers, citado em Perry 1923, 468].
Sob os auspícios de G. Elliot Smith e WJ Perry, que foi aluno de Rivers, a estratégia
de explicar as diferenças e afinidades culturais por meio de uma combinação apropriada
de migração, adição, perda e mistura de complexos de caráter. Smith desenvolveu a 'ideia
fixa' segundo a qual praticamente todo o inventário da cultura mundial foi formado no
Egito; como Perry, ele estava convencido de que essa evolução começou há cerca de
6.000 anos. Antes disso, a Terra era habitada por um 'homem natural' que não só carecia
de animais domésticos, agricultura, habitação e roupas, mas também de religião,
organização social, líderes hereditários e leis formais ou cerimônias matrimoniais ou
funerais [Smith 1928, 22]. Por volta de 4000 AC os habitantes do vale do Nilo 'apreciaram
a oportunidade afortunada oferecida a eles' por uma 'colheita natural' de cevada e
mudaram para um estilo de vida sedentário [ibidem, 32]. Daquele momento em diante
inventaram a cerâmica em rápida sucessão, a arte de fazer cestos e tecer fibras vegetais,
casas e linho; aprenderam a domesticar animais; eles construíram cidades; e eles
começaram a enterrar seus mortos em cemitérios e a desenvolver noções de divindade. À
medida que progrediam na civilização, os egípcios começaram a viajar, cobrindo enormes

73
distâncias por terra e mar em busca de metais preciosos e outras matérias-primas, e com
isso espalharam rapidamente, por meio da difusão e colonização, diferentes variedades
do arcaico original. civilização que foi fundada nas margens do Nilo. Enquanto muitos
dos novos centros da civilização arcaica sobreviveram e prosperaram, outros - como o
Maia do Novo Mundo - declinou ou saiu. Muitas culturas de grupos primitivos
contemporâneos, portanto, representam o declínio de uma condição de civilização
arcaica, em vez de progresso no que diz respeito à condição de 'homem natural'; outras
culturas primitivas representam uma mistura de 'homem natural' e culturas degeneradas,
enquanto outras ainda representam combinações de diferentes variedades de culturas
degeneradas. Apesar da importância atribuída à degeneração, é claro que os estágios
desenvolvidos por Smith para classificar a história da cultura egípcia são simplesmente
versões localizadas das sequências evolutivas convencionais dos séculos XVIII e XIX. A
explicação de Smith dos eventos egípcios inclui até as teorias bem conhecidas da
civilização e da estratificação social com base no lazer e nos excedentes:
Foi o modo de vida agrícola que forneceu as condições favoráveis para uma existência
estável, condições que trouxeram com eles a necessidade daquelas coisas que
representam o fundamento material da civilização [ibidem].
A descrição de Smith da evolução da civilização arcaica no Egito e sua subsequente
disseminação para outras partes do mundo se assemelhava muito à versão bíblica da
história mundial que já consideramos como um precedente folclorístico das doutrinas
científicas da evolução cultural. A cultura evolui, no esquema de Perry e Smith, não
menos do que no livro do Gênesis. Em ambos os casos, o problema é que o caminho
escolhido pela evolução não pode ser explicado pelo recurso a princípios nomotéticos.
Uma vez que os fatores essenciais da sequência egípcia supostamente ocorreram apenas
uma vez, não pode haver análise de correlação, muito menos priorização causal. Na
realidade, todo o peso das escolas difusionistas britânicas e alemãs tendia a negar a
possibilidade de que a sequência principal de eventos ocorrendo no centro ou centros de
origem tivesse se repetido em outro lugar.

A história nunca se repete.


Dado que Smith e Perry estavam convencidos de que a evolução da cultura egípcia
era perfeitamente compreensível uma vez que a transição para a agricultura foi permitida,
é inteiramente legítimo imaginar que sequências semelhantes não tenham ocorrido em
outros lugares. À objeção de que os eventos atribuídos exclusivamente ao Vale do Nilo
eram simples o suficiente para ocorrer repetidamente em vales de rios semelhantes, Smith
e Perry responderam com o dogma de que, por natureza, o homem não é 'levado à
invenção':
Os pesquisadores que trabalham na área chegaram a um conhecimento profundo das
populações com cultura relativamente pobre notaram repetidamente a falta daquela
inventividade que os teóricos gostam de dar como certa, ou melhor, sua incapacidade de
perceber a necessidade de inventar dispositivos que consideramos uma natureza óbvia e
essencial [ibidem, 20].
O que desde a época de William Robertson (chamado de 'estudioso cartesiano') levou
os antropólogos a acreditar que os ingredientes da civilização eram coisas de invenção
óbvia e inevitável pelo homem, nada mais era do que um 'sofisma da moda'. «Se houvesse

74
um grão de verdade nessa opinião, por que os humanos teriam esperado todas aquelas
centenas de milhares e talvez milhões de anos antes de qualquer um deles dar os passos
tão óbvios e inevitáveis?» [Ibidem, 25]. Smith não estava apenas convencido de que as
circunstâncias que levaram à evolução da civilização foram 'arbitrárias' [ibidem, 20], mas
também argumentou que 'o fato característico do comportamento humano é a
impossibilidade de prever a natureza da reação a qualquer série de circunstâncias ...
'[ibidem, 19]. Tudo isso leva à clássica reductio ad absurdum do ponto de vista dos
defensores extremistas do historicismo: “a história não se repete”. Esta posição, como já
reconhecemos, é inatacável. A nenhum daqueles que buscam cuidadosamente alargar o
aparente caos dos eventos será negado o fruto de sua ambição. Do ponto de vista dos
difusionistas ingleses, quase parece que a evolução da cultura acima do nível dos
caçadores e coletores foi milagrosa. Embora Smith e Perry se abstivessem de tais
conclusões, os difusionistas alemães liderados pelo padre Wilhelm Schmidt na verdade
argumentaram que a antropologia não alcançaria nada enquanto continuasse a tentar
privar a história de sua base milagrosa.

Origem do método alemão na história da cultura.


A escola Kulturkreis teve suas origens na inspiração de Friedrich Ratzel, o fundador
da antropogeografia. Ratzel havia criticado seus contemporâneos, e em particular Adolf
Bastian, por sua dependência excessiva de explicações baseadas na unidade psíquica e na
invenção independente. Ele argumentou que antes de poder atribuir afinidades
interculturais à invenção independente, era necessário excluir a possibilidade de migração
ou outros fenômenos de contato. “Devemos ter o cuidado de não considerar certas
descobertas, mesmo as mais simples, como necessárias”, advertiu Ratzel [1885-1888,
85]. 'Pelo contrário, parece correto atribuir às mentes dos povos naturais uma esterilidade
muito extrema com relação a tudo que não se refere aos propósitos mais imediatos da
vida.' Ratzel não ficou apenas impressionado com a frequência das migrações e outros
processos de difusão, mas também incapaz de explicar seus princípios gerais. Os
contactos entre os grupos pareciam-lhe 'muito caprichosos' e ele argumentava que 'a
vontade humana que, não sem capricho, preguiçosamente rejeita muitas coisas para
depois voltar a aceitar outras de boa vontade, tem um papel importante a desempenhar'
[ibidem]. Apesar de todo o incentivo dado aos defensores mais radicais do difusionismo,
Ratzel só pode ser definido com precisão como um eclético. Não há dúvida de que a
diferença entre Ratzel e Tylor não impediu este último de recomendar a tradução para o
inglês. of Human History (que saiu em inglês em 1896 com o título The History of
Mankind), definindo-a como 'uma base sólida para os estudos antropológicos'.
Com base em um estudo das afinidades na seção transversal do arco, o material e
ligamento da corda do arco e as penas da flecha, Ratzel chegou à conclusão de que havia
uma relação entre o arco e as flechas. Da Indonésia e África Ocidental. Leo Frobenius,
aluno de Ratzel, foi além ao apontar algumas semelhanças entre máscaras, casas,
tambores, vestimentas e escudos da Melanésia, Indonésia e África Ocidental. De acordo
com Wilhelm Schmidt [1939, 26] Frobenius
assim demonstrou que havia afinidades não apenas entre elementos culturais
individuais, mas também entre complexos culturais inteiros e até mesmo círculos

75
culturais inteiros; devemos, portanto, levar em consideração não apenas as migrações de
simples elementos culturais isolados, mas também de círculos culturais inteiros.
Foi essa referência a grandes complexos inteiros de elementos culturais abrangendo
todas as categorias da configuração universal, que em 1904 levou Fritz Graebner e seu
colega B. Ankermann, do Museu Etnológico de Berlim, a descrever, respectivamente, os
círculos culturais e os estratos culturais da Oceania e círculos culturais e as camadas
culturais da África. Em 1906, Graebner mudou para a aplicação mundial do conceito de
círculo cultural e estratificação cultural. Mais ou menos na mesma época, o padre
Wilhelm Schmidt se autoproclamou seguidor de Graebner, fundou o jornal Anthropos e
começou a desenvolver uma versão pessoal do Kulturkreis.

Os critérios de forma e quantidade.


O culminar da carreira de Graebner foi representado pela publicação de seu Die
Methode der Èthnologie (1911), notável pela tentativa de desenvolver critérios para
identificar afinidades e cronologias. As duas regras fundamentais eram bastante simples
e também foram aceitas por Schmidt: a primeira, que Graebner chamou de 'Critério da
forma' e Schmidt 'Critério da qualidade', afirma que as semelhanças entre dois elementos
culturais que não surgem automaticamente da natureza, da material ou a finalidade dos
elementos ou objetos, devem ser interpretados como resultados da difusão,
independentemente da distância que separa os dois elementos. A segunda regra, chamada
de 'critério de quantidade', afirma que a probabilidade de uma relação histórica entre dois
elementos aumenta à medida que aumenta o número de elementos adicionais
caracterizados por semelhanças: em outras palavras, 'muitas semelhanças demonstram
mais de um' [Schmidt 1939, 150]. É interessante notar que o critério da forma, cuja
descoberta Schmidt [ibidem, 143] atribui a descoberta a Ratzel [cf. Pénniman 1965, 178],
foi na verdade formulado por William Robertson (ver pp. 47-48), o mesmo 'evolucionista'
do século XVIII apontado por G. Elliot Smith como a fonte de todo o lixo 'cartesiano'.
Isso contribui para reforçar a suspeita de que os dois 'critérios' não podem fazer parte de
um 'método' digno de fé, e que são 'critérios' apenas no sentido puramente escolástico.
Como você distingue elementos culturais derivados da natureza, material ou finalidade
de um traço ou objeto cultural, de elementos arbitrários? A patrilinearidade é um elemento
arbitrário ou intrínseco da patrilocalidade? Para separar os aspectos arbitrários dos
elementos culturais dos intrínsecos, é necessário ser capaz de especificar as condições
nomotéticas com base nas quais os personagens se manifestam, essa é precisamente a
tarefa que o movimento Kulturkreis tentava evitar. . Deve-se notar a este respeito que
existem algumas semelhanças muito interessantes entre o Critério da forma e a doutrina
Boasiana conhecida como o 'princípio das possibilidades limitadas' (cf. pp. 840-842).
Supondo que as semelhanças surgiram simplesmente porque não havia outras maneiras
de fazer certas coisas (por exemplo, os remos de canoa tinham que ter uma grande área
de superfície), Boas, Lowie e Goldenweiser tentou em vão eliminar - como pistas para a
difusão ou para a invenção independente - vastas categorias de semelhanças
interculturais.

76
O esquema de Schmidt.
Ao aplicar seu método histórico-cultural espúrio à distribuição conhecida de
personagens culturais contemporâneos, Graebner e Schmidt afirmavam ser capazes de
reconstruir um número limitado de círculos culturais originais. Toda a história do mundo
deveria, portanto, ser interpretada como a difusão desses Kreise fora das regiões em que
se admitia que haviam evoluído. Levando em consideração que entre os membros da
escola havia muitos motivos de contraste, podemos escolher como o exemplo mais
influente a lista de Kreise elaborada pelo Padre Schmidt. Ele distinguiu nos círculos
culturais quatro fases principais ou 'graus' (primitivo, primária, secundária e terciária).
Dentro de cada um desses graus, havia vários Kreise. Assim, encontramos no grau
primitivo, ou caçadores e coletores, 1) o Kreis central ou exogâmico, correspondente às
populações de pigmeus da Ásia e da África, caracterizadas por hordas exogâmicas e
famílias monogâmicas; 2) os Kreis do Ártico (Samoiedos, Esquimós, Algonehini, etc.),
exogâmicos e caracterizados pela igualdade sexual; e 3) os Kreis Antárticos (australianos
do sudeste, bosquímanos, tasmanianos, etc.), exogâmicos com totens sexuais. Também
no nível seguinte ou primário, existem três círculos culturais: 1) criadores de gado
nômades patriarcais; 2) caçadores de exogamia patrilinear totêmica superior; 3)
horticultores exogamia matrilinear estabelecidos em aldeias. As outras classes e seu
Kreise são as seguintes:

III Grau secundário

Sistemas patrilineares livres (Polinésia, Sistemas matrilineares livres


Sudão, Índia, Ásia Ocidental, Europa (sul da China, Indochina, Melanésia,
Meridional, etc.) região nordeste da América do Sul, etc.)

IV grau terciário
Primeiras civilizações superiores da Ásia, Europa e América [Schmidt 1939, 104].
A característica mais saliente desse esquema é o seu evolucionismo. A sucessão de
'graus' nada mais é do que a conhecida sequência de 'estágios' que vão desde os sistemas
socioculturais de caçadores e coletores, aos tipos horticulturais e pastoris, até civilizações
estratificadas complexas. A importância evolutiva do Circulo é ainda mais acentuada pelo
fato de que Schmidt tentou conectar a sucessão de graus com as principais divisões
arqueológicas europeias da pré-história:
Dados os inúmeros pontos de contato entre os detalhes das culturas pré-históricas e
as esferas culturais etnológicas, podemos estabelecer um duplo paralelismo na
classificação desses dois conjuntos de resultados:
1) a divisão etnológica entre as culturas primitivas e primárias concorda
completamente com a divisão pré-histórico entre o início e o final do período Paleolítico;
2) a divisão etnológica entre culturas primitivas e primárias por um lado, e culturas
secundárias e terciárias por outro, corresponde à divisão pré-histórica entre os períodos
Paleolítico e Neolítico [Ibidem, 104-5].
O evolucionismo de Schmidt estava longe de se limitar simplesmente às
generalidades da sequência de civilizações, começando com a dos caçadores e coletores.

77
Sua concepção de um circulo hortícola matrilinear reconhece uma forte dívida para com
a lógica evolutiva de Bachofen, Morgan e Eduard Hahn. Segundo Schmidt, na fase de
caçadoras-coletoras, as mulheres se especializaram na colheita de plantas silvestres, o que
as levou a inventar a horticultura e, assim, tornar-se donas dos produtos do solo e da
própria terra. Fortalecidas por sua ascendência econômica, as mulheres apoiavam o
princípio da abominação na residência e da descendência matrilinear. A divindade
suprema recebeu atributos femininos, a importância dos ritos da puberdade feminina foi
acentuada e o comando foi estabelecido: a ginecocracia reinou em plenitude. Esta fase foi
definida por Schmidt [1935, 253] a 'fase clássica da lei maternal'. Como essa fase não
existe mais, Schmidt teve que explicar o que aconteceu com ela. Os irmãos das mulheres
no poder começaram gradualmente - segundo ele - a assumir 'tarefas e tarefas que
poderiam ser desempenhadas melhor pelos homens do que pelas mulheres' [ibidem, 254].
Essa tendência acabou levando à usurpação dos direitos das mulheres a administração da
propriedade familiar passou para os homens, que passaram o poder para os filhos de suas
irmãs, dando origem ao que Schmidt chamou de “direito materno masculinizado”. Assim,
apesar da falta de exemplos da 'fase clássica', segundo Schmidt, 'a surpreendente
conclusão de que o matriarcado não existe em lugar nenhum, mas apenas o direito
materno' [ibidem, 255], não se justifica.
É verdade que Schmidt não tentou organizar os três círculos do estágio primário em
ordem evolutiva, isto é, ele não fez a hipótese de que o círculo matrilinear tinha evoluído
antes dos dois círculos patrilineares. Aparentemente, os três círculos do estágio primário,
todos os três existiram lado a lado, tendo evoluído separadamente do estágio primitivo de
caçadores e coletores; no entanto, a sequência evolutiva delineada por Schmidt para o
círculo hortícola matrilinear incluiu uma vasta série de transformações. Por exemplo,
admitia-se que os direitos de propriedade registravam uma transição da igualdade do
estágio primitivo para a supremacia da mulher, em correspondência com o direito
materno clássico, e para o masculino em correspondência com o direito materno
masculinizado. A natureza extremamente conjectural dessas reconstruções não poderia
deixar de impressionar Lowie pela forte semelhança com os insights privilegiados de
Morgan sobre os sistemas socioculturais que ninguém jamais tinha visto. Lowie [1933b,
290] disse de Schmidt: «Seu tratamento da Kultur-kreis matrilinear ... é completamente
evolucionário, esquemático, a-histórico e cheio de argumentos psicologizantes a priori».
Na realidade, a única diferença entre o esquema evolutivo de Morgan e o de Schmidt é o
fato que a sequência principal de Schmidt havia hipoteticamente ocorrido apenas uma
vez, enquanto alguns aspectos da sequência de Morgan provavelmente se manifestaram
repetidamente. No entanto, como Lowie logo percebeu, como Schmidt começou a
argumentar que havia uma relação 'orgânica' (isto é, causal) entre o cultivo da terra e o
direito materno, dizer que a sequência ocorrera apenas uma vez tornou-se ridículo. Já que,
por hipótese, a agricultura só havia sido inventada uma vez, seu aparecimento em todo o
mundo deve ter sido o efeito da difusão. Lowie se perguntou o que teria acontecido se a
agricultura tivesse se espalhado antes da evolução da lei materna:
Suponha que na tribo A as mulheres inventem a horticultura; o que o impede de se
espalhar para as tribos B, C, D antes que qualquer instituição matriarcal tenha tido tempo
para se desenvolver em A? Evidentemente nada. Ora, a supremacia feminina deriva por
hipótese do cultivo feminino da terra; a adoção deste, portanto, determina em cada tribo
adotante uma sequência paralela de descendência na linha materna, ritos de puberdade

78
femininos, divindades femininas ... A origem da agricultura ainda seria única, mas os
fenômenos sociais ligados a ela surgiriam de forma independente e repetida em série
paralela [Lowie 1933b, 291].
Schmidt respondeu a esses argumentos com um ímpeto memorável. Observando que
Lowie o acusou de ser um evolucionista, ele disse que lamentava não poder fornecer a
seus críticos tal consolo. Sua sequência de direito materno não deve ser confundida com
o evolucionismo, porque é 'um dos resultados mais validamente confirmados da etnologia
histórica moderna' [Schmidt 1935, 250]. O evolucionismo é a priori e suas sequências são
antinaturais e ilógicas, enquanto o método histórico-cultural leva em consideração
sequências 'lógicas' e 'naturais'. A reação masculina à dominação feminina foi 'tão natural
e quase inevitável, que organizá-la de acordo com certas séries de fases de
desenvolvimento não é uma manifestação de um evolucionismo a priori, mas uma
dedução completamente lógica baseada na própria natureza das coisas e dos homens
'[ibidem]. Era, é claro, a mesma defesa adotada pelos evolucionistas do século XIX para
apoiar sua reconstrução das sequências evolutivas.

Uso do método comparativo.


Nem mesmo Lowie foi capaz de compreender toda a extensão da aceitação do
esquema evolucionário por Schmidt. Aparentemente, Lowie considerou a sequência
matrilinear de Kreis uma espécie de anomalia e parecia acreditar que 'como uma
tendência geral, a posição do padre Wilhelm Schmidt é indiscutivelmente anti-
evolucionária' [Lowie 1933b, 290]; na realidade, o oposto é verdadeiro, porque Graebner
e Schmidt estavam fundamentalmente e inextricavelmente ligados à principal
característica do evolucionismo do século XIX: o método comparativo. A escola
'histórica' alemã baseava-se não nos alardeados critérios de forma e quantidade, mas no
método comparativo; a meta que seus seguidores se propunham era, de fato, a dos
evolucionistas: a partir de investigações sobre as populações contemporâneas, eles
buscaram conhecer as origens das culturas e as modificações subsequentes que
experimentaram. Os Kreises não eram simplesmente 'círculos', mas também 'estratos',
parte de um esquema cronológico universal baseado inteiramente no pressuposto de que
era possível organizar as culturas contemporâneas de acordo com o grau de primitividade.
Schmidt não tentou esconder sua dependência do método comparativo; Na verdade, ele a
chamou de 'coroa' da etnologia e atribuiu sua descoberta ao Padre Lafitau, sem dúvida
aumentando seu valor aos olhos dos fiéis. Criticando a tendência entre etnólogos e
sociólogos britânicos e americanos que se limitaram a um interesse puramente sincrônico,
Schmidt [1926-1955, 9-10] escreveu:
Acredito que tal estudioso, rejeitando o axioma já estabelecido pelo Padre Lafitau em
sua famosa obra Costumes dos selvagens americanos comparados aos costumes dos
tempos antigos (Paris, 1724), segundo a qual as populações primitivas são palcos e
testemunhos vivos do passado da humanidade, tiraria sua coroa da etnologia. E parece
que se a etnologia se desesperasse em averiguar objetivamente e de maneira confiável a
sucessão dessas etapas, renunciaria à sua prerrogativa de nos guiar naqueles primórdios
da humanidade de que brotaram as raízes mais profundas de todas. Suas instituições, da
religião e da ética, da família e do estado.

79
É claro que o método histórico-cultural não estava menos distante das reformas
metodológicas dos particularistas históricos do que Lubbock e McLennan ', mas Lowie
[1936, 173], apesar de sua crítica incisiva, não hesitou em afirmar que 'no o desempenho
final das contas 'permaneceu para os difusionistas alemães' um bem considerável '. Lowie
estava, sem dúvida, muito mais disposto a encontrar palavras de elogio para Graebner e
Schmidt do que para Morgan, e argumentou que os difusionistas eram 'certamente menos
intransigentes' do que alguns de seus escritos podem parecer, e que 'uma conciliação não
está de forma alguma excluída .com as opiniões de muitos colegas contemporâneos
presumivelmente hostis '[ibidem, 181].

Defensores americanos de Schmidt.

Para se compreenderem os processus das culturas, é necessário fazer o estudo descritivo


da difusão, a mais importante das expressões dos processus dinâmicos. «Um estudo
puramente indutivo de fenómenos étnicos — escreve Franz Boas — leva à conclusão de
que os tipos culturais compósitos que são geográfica e històricamente intermediários
entre dois extremos provam a existência da difusão», O estudo da difusão, induzindo em
vez de deduzindo, terá de estabelecer a repartição dos complexos culturais em regiões
limitadas antes de reconstituir a carta da sua repartição em base continental e, depois, se
possível, em base mundial.
A passagem de um elemento cultural de uma sociedade para outra implica segundo Boas,
uma modificação desse elemento. Os elementos «estranhos são remodelados segundo o
padrão da cultura que os recebe», pelo jogo de forças internas desta. Esta ideia, a
retomaria
E. H. Lowie, ao falar da difusão como de um processo criador.
Clark Wissler distinguiu entre difusão espontânea e difusão organizada.
A primeira produz-se por contactes fortuitos ou voluntàríamente;
na segunda, intervém a intenção, ou mesmo o constrangimento.
Alfred L. Kroeber salientou a distinção entre difusão por contacto e difusão por
estímulo. No primeiro caso, a difusão de um objecto ou instituição faz-se directamente na
forma precisa que a tinha o grupo dador, quaisquer que sejam as modificações de função
produzidas pelo grupo recebedor, ê que ê mais fàcilmente aceite a forma de um objecto,
de uma técnica ou de uma instituição do que a sua função. No caso da «difusão por
estímulo», apenas se mantém o princípio sabre que repousa esse objecto ou essa
instituição, dando a difusão lugar a uma invenção induzida.
Nem sempre os elementos culturais propostos ou impostos são aceites. Dá-se por vezes
um processus selective, como lhe chama Lowie, uma espécie de triagem dos elementos
difundidos, sendo aceites pelo grupo recebedor apenas aqueles que se mostrem conformes
com as suas crenças, valores morais, etc. Há uma perda cultural, na expressão de Kroeber,
A. Goldenweiser quis submeter este fenómeno, aliás como o da difusão em geral, à lei
das possibilidades limitadas, isto é, aos limites estabelecidos pelas condições naturais.
Não há dúvida que esta escola americana sobreestímou a importância dos fenómenos da
difusão. Todavia, o seu conceito de atomismo e superorganicidade cultural desumanizou
a cultura.

80
Com efeito, Kroeber, em The Superorganic (1917), afirmou que a cultura é «um
fenómeno sui generis, que se comporta segundo leis próprias». Segundo ele, o real pode
ser estudado em vários níveis: inorgânico, orgânico e superorgâníco. Neste último, o
homem aparece apenas como criador de cultura e de história. A concepção superorgànica
da cultura torna esta possível de ser estudada independentemente dos indivíduos.
Por outro lado, Wissler considera a cultura como um conjunto de «reflexos
condicionados», susceptíveis também de serem estudados por si sós. primários trinta anos
deste sée, XX.
De origem americana, o historicismo galgou fronteiras. Suecos como E, Nordenskiõld e
K. G. Líndblom, dinamarqueses como Birkert-Smith seguiram o seu ponto de vista e o
seu método. Em França, na Bélgica, na Holanda foi este acolhido com simpatia. Mas aí
pelo decénio de 1920 e princípios do de 1930 foi objecto das mais acerbas críticas,
sobretudo por via do seu carácter mecanícista e atomista, que considerava a cultura como
uma mera colecção de traços de unidade, e por motivo da sua vulnerabilidade a
interpretações subjectivas. Aceitando a superorganicídade da cultura, o historicismo
tomava o indivíduo, criador, portador e modificador da cultura, num simples elemento
passivo e a cultura no elemento activo, predispondo para um determinismo cultural.

A escola de Kulturkreislehre recebeu avaliação ainda mais favorável de Clyde


Kluckhohn, que por certo período foi aluno de Schmidt e o elogiou por tentar considerar
os dados arqueológicos e etnológicos de todo o mundo como os antropólogos americanos,
influenciados por Boas, eles se contentavam em 'coletar e peneirar' notícias fragmentárias.
Os seguidores do Kulturkreislehre se devotaram pelo menos resolutamente à
verdadeira tarefa do estudioso: buscaram identificar e averiguar relações ignoradas entre
os fatos, e não será sábio condená-los com demasiada severidade se os relatórios que
acreditam serem eles descobriram que nem sempre são aprovados em detalhes por seus
colegas [Klukhohn 1936, 196]. O aspecto mais desconcertante da relação entre a escola
histórica americana e sua contraparte alemã é a maneira como a dupla fidelidade de
Schmidt à antropologia e à religião foi recebida com alegria. É preciso dizer com a maior
clareza que a antropologia não pode ser concebida como uma doutrina que se opõe a este
ou aquele artigo de fé: de fato, não é tarefa da ciência violar e minar as convicções
pessoais dos crentes. Por outro lado, não se pode negar que existem algumas doutrinas de
inspiração política e religiosa que procuram violar e minar a integridade do processo
científico. Se for verificado que dogmas religiosos ou políticos têm como objetivo
dominar a abordagem de pesquisa em uma disciplina particular, aqueles que acreditam
na ciência não podem se dar ao luxo de permanecer indiferentes. Tanto Lowie quanto
Kluckhohn estavam convencidos de que a função sacerdotal de Schmidt não
comprometeu nem influenciou profundamente suas teorias. Essa compreensão da
tolerância do objetivo final de Schmidt por si mesma lança uma luz reveladora sobre a
tendência da época. É óbvio que nem Kluckhohn nem Lowie acreditavam na
possibilidade de uma ciência do homem com firmeza suficiente para se sentir ameaçado
pela tentativa de Schmidt de devolver o tratamento. da evolução cultural às suas premissas
pré-iluministas. O próprio Kluckhohn [1936, 173] assim descreveu a herança intelectual
herdada de Schmidt: «lógico dedutivo, racionalista, e o definiu como um 'teólogo

81
especialista', 'impregnado nas sutilezas dialéticas de Tomás de Aquino e Alberto Magno',
como um padre ' quase forçado a rejeitar o Evolucionismo ... partindo do pressuposto de
que os seres humanos estão sujeitos ao determinismo rígido que parece prevalecer na
natureza em geral ». Ele também reconheceu que 'algumas das observações de Schmidt
... em matéria de antropologia ... parecem diretamente ligadas por uma relação mediada
com certos ditames da Igreja Católica Romana ...' e que 'há também uma certa frequência
de impressão de sua falta de distanciamento no exame de certas questões '[ibidem, 173-
74]. Kluckhohn não hesitou em reconhecer que 'os autores do Kulturkreislebre rejeitam a
noção físico-matemática de causalidade como sem sentido nos fenômenos histórico-
culturais ...' [ibidem, 172]. Apesar desse conjunto pouco promissor de preconceitos,
Kluckhohn sustentou que lá não havia razão para prestar menos atenção respeitosa à
escola Kulturkreis do que a outras escolas de antropologia.
Kant estava certamente certo ao argumentar que a cognição é impossível sem a
aplicação de princípios interpretativos, e aqueles nos quais a metafísica da Igreja Católica
Romana se baseia são, no estado atual de nosso conhecimento do homem e do universo,
tão respeitáveis quanto qualquer outro princípio. Acredito que devemos evitar
estritamente a tentação de rejeitar o Kulturkreislebre considerando-o fundado em um
'preconceito' [ibidem, 173],
Embora Kluckhohn estivesse perfeitamente certo ao apontar que a observação deve
ocorrer no contexto de uma orientação teórica, sua defesa da orientação de Schmidt é
inadmissível. A orientação particular segundo a qual a causalidade físico-matemática é
'sem sentido nos fenômenos histórico-culturais' não pode ser tolerada por aqueles que
professam estar interessados em uma ciência da história humana. Declarar a priori que o
modelo físico-matemático não pode ser aplicado e, portanto, abster-se de tentar aplicá-lo
significa proceder de maneira exatamente oposta àquela exigida - como condição inicial
da pesquisa - por qualquer ambiente científico digno de fé. Nenhuma outra circunstância,
se não esta orientação intolerável, explica a insistência de Schmidt na singularidade da
experiência evolutiva de cada Kreis. Era inevitável que o conteúdo ideográfico dessas
concepções agradasse Lowie, mesmo que ele pessoalmente aceitasse a possibilidade de
'paralelismo limitado' . Era evidentemente um vínculo comum suficiente para garantir a
solidariedade de Lowie, apesar das outras consequências decorrentes do compromisso
teológico de Schmidt O sobrenaturalismo de Schmidt.
Schmidt não se opôs apenas, como Boas, a uma explicação nomotética da história,
mas também se opôs a uma explicação naturalística. Em sua reconstrução da evolução
cultural, Schmidt foi escravizado pela necessidade de reconciliar as descobertas da
antropologia com os ensinamentos das escrituras sagradas. Como é fácil imaginar, os
dogmas teológicos específicos exerceram sua influência mais danosa justamente sobre os
fatos incluídos nos setores relativos à origem das próprias crenças religiosas. Neste
campo, Schmidt foi, como o arcebispo Whately, como De Bonald e De Mais três, uma
irredutível 'ação degenerada'. Sua monumental obra de doze volumes, Der Ursprung der
Gottesidee, foi inteiramente dedicada a demonstrar a tese de que as culturas mais
próximas da condição do Kreis primitivo de caçadores e coletores possuíam uma
compreensão mais pura e ética da natureza de Deus. A evolução da cultura , a perfeição
alcançada na ciência e na tecnologia foi acompanhada por uma degeneração na esfera

82
religiosa. A fase mais perfeita da religião existia bem no início da pré-história, porque a
religião havia sido dada ao homem por Deus por meio de uma revelação cuja memória se
tornava, com o passar do tempo, cada vez mais deformada e confusa; Além disso,
Schmidt argumentou que por 'revelação' deve ser literalmente entendido uma aparição
pessoal do tipo descrito no livro do Gênesis, e negou explicitamente que essa revelação
pudesse ter sido 'um processo puramente subjetivo' ou uma 'experiência puramente
impessoal e comum' :
Não; devem ter sido presenteados com uma personalidade poderosa e tremenda, capaz
de cativar seu intelecto com verdades luminosas, de ligar sua vontade com elevados e
nobres comandos morais e de conquistar seus corações com bondade e beleza sedutoras.
Além disso, essa personalidade não poderia ter sido apenas uma imagem interna da mente
e da imaginação, porque tal imagem não poderia ter o poder de despertar aqueles efeitos
que notamos nas mais antigas religiões. Em vez disso, deve ter sido uma personalidade
que real e verdadeiramente se apresentou a eles de fora, e que precisamente sendo real os
convenceu e subjugou [Schmidt 1939, 183].
Schmidt foi ainda mais longe no caminho da anticiência, sugerindo claramente que
era essencial para sua consciência defender os ensinamentos de sua fé nesta área:
O fato de que os primeiros seres humanos não viveram em um estado meramente
natural, mas foram participantes do dom sobrenatural de serem filhos de Deus e
destinados ao propósito sobrenatural da visão imediata de Deus, é um ensino católico
obrigatório para a consciência e baseado na Escritura e nos Padres, bem como em várias
declarações da Igreja. Os homens que gozavam desses dons participavam de um
relacionamento com Deus, cuja definição correta é a de religião sobrenatural [ibidem].
Quando Leslie White (ver pág. 390) atacou Boas e os autores da escola Kulturkreis
como anti-evolucionistas reacionários, Lowie respondeu argumentando que não apenas
Boas, mas também o Padre Schmidt, eram evolucionistas no sentido da palavra usada por
White. Concordo que nem Boas nem Schmidt eram anti-evolucionistas, mas não se pode
dizer que Schmidt não foi afetado por doutrinas reacionárias geralmente definidas, cujas
origens remontam ao início do século XIX. O mal-entendido referido na seguinte
passagem da réplica de Lowie [1960, 423; orig. 1946] não é exclusivo de White:
Leslie White é vítima de um mal-entendido a respeito dos termos do problema. É
falso que hoje existam antropólogos sérios que defendam uma filosofia anti-evolucionista
no sentido indicado. O 'anti-evolucionismo' dos boasianos e dos Kulturkreislehre nada
tem a ver com, digamos, a teoria da degeneração de De Maistre.
A falta de pontos de contato entre Boas e De Maistre é certamente bem fundada, mas
nada poderia ser mais impreciso do que uma negação das afinidades entre Schmidt e o
degeneracionismo de De Maistre.

Escola Pan-Egípcia
Outra escola dìfusionista foi a de «Sir» Grafton Elliot Smith, chamada Escola Pan-
Egípcia. ou Heliocêntrica.
A bem dizer, esta escola inglesa é simplesmente amadorista. Elliot Smith, sendo embora
célebre pelos seus trabalhos sobre o cérebro e sobre a paleontologia, estava, contudo,
longe de poder ocupar-se com seriedade dos problemas culturais. Por isso, a sua teoria é
demasiado audaciosa e impertinente.

83
Deixando-se impressionar com as descobertas de W. M. Flinders Petrie e outros no
Egipto, Elliot Smith e alguns dos seus colaboradores, quase todos da Universidade de
Manchester, pretenderam ver nas culturas das outras partes do Mundo elementos e
complexos difundidos pela antiga civilização egípcia, O culto do Sol, a mumificação, a
construção megalítica, o reinado, até a agricultura e a pedra de fogo aperfeiçoada, teriam
sido difundidos pelos «Filhos do Sol», que à India, à Polinésía, à América Central teriam
ocorrido em busca de ouro, pérolas e outros objectos.
Como se vê, a Escola Heliocêntrica levou o difusionismo até ao seu ponto extremo, a um
«hiperdifusionismo». Elliot Smith expressamente negava a invenção independente. Para
ele, o fémur de um defunto rei africano, conservado para fins rituais, representava a
difusão da mumificação egípcia. «Qualquer pedra grosseira comemorativa [passava] por
um monumento megalítico da mesma origem».
Contraditada não só pelos ensinamentos da História mas também pelo próprio mecanismo
dos contactos culturais, a teoria da Escola de Manchester foi um facto episódico na
história da Antropologia, de alcance limitado ao reduzido círculo que a gerou.

Escola Histórico-Cultural

A Escola Histórico-Cultural germano-austríaca foi mais comedida e mais pertinente.


Fundada por Fritz Graebner e W. Foy, do Museu de Colónia, a Kulturhístorísche Schule
foi continuada pelo grupo de investigadores da revista Anthropos, de Viena; Wilhelm
Schmidt (1868-1954), W. Hoppers, M. Gusínde. Contudo, é o Padre Schmidt quem
passa por seu chefe. Dal chamar-se esta escola também de Viena ou Anthropos.
Em relação à teoria heliocêntrica, a nota mais saliente desta escola ê que não admite a
difusão cultural a partir de um ponto único, mas, antes, uma difusão múltipla, sob a forma
de complexos culturais em ciclos culturais. Admitindo embora a unidade do homem, é
pluralista a sua visão da história cultural. Todavia, assemelha-se à teoria pan-egípcia ao
estender a difusão a todas as regiões da Terra e ao menosprezar os aspectos psicológicos
da difusão.
Relativamente ao evolucionismo cultural, a Escola Histórico-Cultural, apesar de a ele
vivamente contrária, foi menos adversa ao conceito de evolução do que ao de «evolução
igual e lenta» ou de «desenvolvimento uniforme», como escreveu G. Montandon. De
facto, W. Schmidt, por exemplo, utiliza a noção de estádios de desenvolvimento. Por outro
lado, a aceitação de correlações necessárias de instituições, como ê o caso da agricultura
primitiva, iniciação feminina e matriarcado, conduz a um paralelismo, numa construção
de sequências eventualmente repetitivas.
Em comparação com o difusionìsmo americano, a escola germano-austríaca usa o
conceito de difusão com o cuidado de não o tornar tão «mecânico», tão «atomista».
A grande preocupação de Graebner era a determinação histórica e geográfica dos
kulturkreise, isto é, eidos culturais, ou sejam os complexos culturais que compreendem
«toda a categoria essencialmente necessária da cultura humana: a ergologia, a economia,
a sociedade, os costumes, a religião» M.

84
Esta concepção, de ciclos culturais, trouxe uma contribuição importante para a ciência da
cultura. Ela é diferente do conceito de área cultural. Esta é um equilíbrio de cultura de
variada natureza e origem; no ciclo cultural, há uma multiplicidade de elementos culturais
organicamente homogéneos ", Em segundo lugar, o ciclo cultural consta de elementos de
todos os campos da cultura essencial e necessária à vida; na área cultural, o essencial é a
reunião de particularidades características. Em terceiro lugar, esta última considera as
culturas num dado momento da sua vida, é uma área cultural; aquele revela o passado e
o presente, dando conta da sua evolução. Isto é: o ciclo cultural cuida não só da repartição
geográfica do «complexo cultural», mas também de analisar a história da sua evolução.
Há um laço «orgânico» que, dentro de um mesmo ciclo cultural, une todos os seus
elementos, laço de origem histórica. Cada ciclo cultural desenvolve-se a partir de um
centro único, indo cobrir espaços de extensão variável.
Os principais critérios para a identificação dos ciclos culturais são de forma (inadequada)
e de quantidade. Outros, como os critérios da afinidade, continuidade, são auxiliares.
Quanto maior for a complexidade e o número dos elementos de um complexo cultural em
dois pontos diferentes, tanto maior será a probabilidade da sua convergência. O critério
de forma inadequada revela uma não-pertinência ou desnecessidade perante as condições
naturais e os propósitos de utilidade imediata,
Graebner considera dois tipos principais de ciclos de cultura: o ciclo cultural ao modo de
árvore genealógica e o ciclo cultural com difusão interrompida.
O Padre Schmidt distingue nove principais ciclos de cultura, de cuja difusão resultou o
moderno cenário cultural: três ciclos primitivos ou arcaicos
1) dos Pigmeus da África e da Ásia,
2) dos povos primitivos do Ártico,
3) de alguns aborígenes da Austrália e povos comparáveis; três ciclos primários,
representados
4) pelos povos recolectores,
5) pelos povos pastoris e
6) pelos grupos agricultores com certas regras de descendência matrilinear;
e três ciclos secundários, todos de povos agricultores, dois deles com formas
especializadas de descendência matrilinear e um terceiro de descendência patrilinear, «no
alvorecer da história escrita».
é inegável o contributo da Escola Histórico-Cultural para o progresso da Etnologia,
Contudo, várias críticas lhe foram feitas.
Os ciclos culturais apresentam-se como compostos generalizados, sem se ter feito
qualquer tentativa séria para determinar a sua origem, a sua existência no passado e a sua
difusão em áreas tão separadas. Melhor seria que os trabalhos da escola germano-
austríaca se cingissem a áreas mais restritas de investigação.

Os principais mestres da escola foram homens de gabinete, faltando-lhes a experiência


do terreno. Foram notórios os defeitos de método na utilização dos factos etnográficos.
For outro lado» a concepção mística da vida e da experiência humana, tão fundamental
para W. Schmidt, não podia deixar de ser criticada numa ciência que tanto almeja pela
objectividade.

85
Para Graebner e outros dos seus discípulos, nos ciclos culturais, os traços individuais,
quando se encontram simultaneamente em várias culturas, são demasiado simples, sem
relações funcionais recíprocas Os funcionalistas haviam de pretender que» num todo
cultural, todas as partes são interdependentes.
Finalmente» não podia passar em branco a natureza demasiado hipotética da teoria
histórico-cultural. Graebner, ao aplicar o princípio da Ferninterpretation, não obstante as
suas precauções, queria com isso dizer que bem poderia negligenciar-se o facto da
distância quando dois elementos culturais, lògicamente idênticos, ainda que não-
materiais, apresentam, em pontos diferentes, uma semelhança externa.
Compreende-se, pois, o descrédito em que caiu a escola germano-austríaca.

Cultura holística
Sendo que esses e todos os outros aspectos de uma cultura devem estar razoavelmente
bem integrados para funcionar adequadamente, os antropólogos raramente se concentram
em um aspecto cultural isoladamente. Em vez disso, eles vêem cada um no seu contexto
maior e examinam cuidadosamente suas conexões com características relacionadas. Para
fins de comparação e análise, os antropólogos habitualmente imaginam uma cultura como
um sistema bem estruturado, composto por partes distintas que funcionam juntas como
um todo organizado. Embora possam distinguir claramente cada parte como uma unidade
claramente definida com suas próprias características e lugar especial dentro do sistema
maior, os antropólogos reconhecem que a realidade social é complexa e mutável e que as
divisões entre unidades culturais são muitas vezes erradas.

Estrutura, infraestrutura, superestrutura


De um modo geral, as características culturais de uma sociedade se enquadram em três
categorias: estrutura social, infra-estrutura e superestrutura. A estrutura social diz respeito
a relações regidas por regras - com todos os seus direitos e obrigações - que unem os
membros de uma sociedade. Os agregados familiares, as famílias, as associações e as
relações de poder, incluindo a política, fazem parte da estrutura social. Estabelece a
coesão grupal e permite que as pessoas satisfaçam consistentemente suas necessidades
básicas, incluindo alimentos e abrigo, para si e seus dependentes, por meio de trabalhos.
Assim, há uma relação direta entre a estrutura social de um grupo e sua base econômica,
que inclui práticas de subsistência e as ferramentas e outros equipamentos materiais
usados para ganhar a vida. Como as práticas de subsistência envolvem o aproveitamento
dos recursos disponíveis para satisfazer as necessidades básicas de uma sociedade, esse
aspecto da cultura é conhecido como infra-estrutura. Apoiada por esta fundação
econômica, uma sociedade é unida também por um sentido compartilhado de identidade
e da cosmovisão. Este corpo coletivo de ideias, crenças e valores pelos quais os membros
de uma sociedade dão sentido ao mundo - sua forma, desafios e oportunidades - e
compreendem seu lugar nela é conhecido como ideologia ou superestrutura. Incluindo
religião e ideologia nacional, a superestrutura compreende suas idéias abrangentes sobre
si mesmas e tudo o mais ao seu redor - e dá sentido e direção a suas vidas. Influenciando
e reforçando um ao outro, e adaptando-se continuamente aos fatores demográficos e
ambientais em mudança, estas três estruturas interdependentes junto constituem um
sistema cultural.

86
87
O materialismo dialectico e o materialismo cultural
Marx e a descoberta do evolucionismo

'Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgânica,


Marx descobriu a lei do desenvolvimento da história humana ...'. Assim disse
Friedrich Engels sobre o túmulo de seu colaborador e amigo.

A influência de Marx.

Não se pode compreender Max Weber, Émile Durkheim, Georges Sorel,


Vilfredo Pareto ou George Simmel, sem considerar o facto de que vieram
depois de Marx; o mesmo vale para Thorstein Veblen, Werner Sombart, Karl
Mannheim, Lester Ward e Alfred Keller. Mesmo para compreender Sorokin,
antes de mais nada, é preciso considerar seu ódio ao bolchevismo. É
historicamente indiscutível que nenhuma figura do século XIX exerceu
influência na sociologia não marxista do século XX que possa ser comparada à
de Marx e Engels. Resta demonstrar, entretanto, que seu trabalho como um
todo constitui uma contribuição científica análoga àquela geralmente atribuída
a Darwin: a maioria dos cientistas sociais parece acreditar que seu Darwin ainda
está para nascer.

Foi Marx quem descobriu a lei da evolução cultural?

Engels estava certo quando atribuiu a Marx a 'descoberta da evolução na


história humana'. No entanto, é possível compartilhar essa opinião e, ao mesmo
tempo, negar que o papel de Marx no desenvolvimento das ciências sociais foi
semelhante ao que Darwin desempenhou no desenvolvimento da biologia.
Marx formulou um princípio científico pelo menos tão importante quanto a
seleção natural de Darwin, um princípio geral que demonstrou como era
possível construir uma ciência da história humana. Mas Marx só vislumbrou
esse princípio depois de uma longa pesquisa pela selva da filosofia hegeliana e
em meio a uma actividade política ligada à assunção de uma revolução
proletária iminente. Ambas as circunstâncias tiveram um efeito corrosivo na
capacidade de Marx de lançar as bases para uma verdadeira ciência da história.
Para aplicar a 'lei da história' de Marx, os cientistas sociais devem descartar
suas implicações hegelianas e políticas, as primeiras com sua grande
ambiguidade, as últimas com sua dívida não paga com o comunismo do século
XIX. O que resta irá satisfazer muito pouco o marxista ortodoxo, uma vez que
não é mais uma teoria da revolução proletária na sociedade capitalista euro-
africana. Privada do peso da dialéctica e da necessidade de fornecer não apenas
a teoria, mas também a ideologia de uma revolução, a sociologia de Marx
impressiona por sua falta de interesse. Mas mesmo de-hegelianizado e
desproletarizado, Marx dá uma estrutura para muitas das principais tendências

88
da teoria antropológica contemporânea e desafia todos os outros quadros de
referência.

A doutrina da unidade entre teoria e prática.

Para recuperar a 'lei da história' de Marx para aplicações não marxistas,


devemos quebrar o controle que o activismo político exerce sobre os aspectos
científicos de sua contribuição. É claro que foi o próprio Marx quem insistiu na
inseparabilidade entre ciência social e ação política. Essa tese cientificamente
inaceitável foi afirmada pela primeira vez por Marx na sua crítica ao filósofo
Ludwig Feuerbach: 'Os filósofos apenas interpretaram o mundo de maneira
diferente, agora é uma questão de transformá-lo' [1845, 190] . Deste ponto de
vista, só é válida uma teoria da história que permite ao homem fazer história.
Da mesma forma, os engenheiros mostram que suas interpretações das leis da
aerodinâmica e da hidráulica só são válidas quando os aviões que projetaram
voam, ou quando as barragens que projetaram e ajudaram a construir retêm o
rio. Mas a chamada unidade de teoria e prática não pode ser aplicada na maioria
das ciências não laboratoriais. Nas ciências históricas, a doutrina da unidade
teoria e prática torna-se supérflua pela possibilidade de submeter as próprias
previsões à prova não do futuro, mas do passado. Ou seja, não há razão para
que as ciências sociais não possam aceitar a 'predição' do passado como prova
teórica. Assim, a 'previsão' que o Yala Nkuwu fosse a arvore de julgamento do
rei do Kongo não exige que um arqueólogo estabeleça a verdade cavando ao
redor do palácio do rei. É suficiente para o arqueólogo provar que desde então
sempre os julgamentos previam ficar sentados ao pé dessa arvore. Da mesma
forma, se houver suspeita de uma correlação entre a linhagem real e a
terminologia de parentesco Kongo, a evidência de eventos passados é tão
aceitável quanto a evidência de eventos presentes ou futuros, enquanto a
tentativa de construir a terminologia Kongo obviamente se torna
desinteressante.

A ameaça da política.

A ênfase marxista na unidade de teoria e prática contém uma ameaça implícita


à regra fundamental do método científico, a saber, a obrigação de relatar os
dados honestamente. O próprio Marx estava preocupado em colocar a
responsabilidade científica acima dos interesses de classe. Marx afirmou que os
estudiosos:
«orientavam-se pelos interesses da humanidade como um todo e buscavam a
verdade de acordo com as necessidades imanentes da ciência, por mais que isso
afetasse o destino de uma determinada classe, capitalistas, latifundiários ou
trabalhadores».
Pela mesma razão, considerou 'desonesto' aquele que subordinava a
objetividade científica a propósitos estranhos:

89
«… um homem que tenta adaptar a ciência a um ponto de vista que não deriva
dos interesses desta, por que errado, mas antes, de interesses externos, estranhos
e estranhos, (este homem) eu o chamo de 'desonesto' (gemein) ».
Deixando as intenções de Marx de lado, é claro que uma ciência que está
explicitamente ligada a um programa político se expõe perigosamente à
possibilidade de que os valores desse programa se sobreponham aos valores da
ciência. Está historicamente documentado que Lenin e Stalin não desdenharam
de forma alguma interferir na pesquisa científica para provar com a prática o
que suas teorias previam. Quando a ética das ciências sociais deriva sobretudo
da luta de classes, a informação, como em qualquer guerra, é uma arma
importante. Assim, parece que os sociólogos marxistas gozam da permissão
para alterar dados para mudar o mundo com mais facilidade, ficando sujeitos
apenas aos limites normalmente impostos à propaganda em tempos de guerra:
por um lado, a falsificação repetida causa perda de credibilidade e corre o risco
contradizer-se; por outro lado, a aceitação da própria propaganda pode destruir
a base objetiva da ação.

Marx como um evolucionista.

Para explicar as teorias de Marx no contexto do desenvolvimento da


antropologia, é apropriado, em primeiro lugar, destacar aqueles elementos
comuns que ligam Marx, juntamente com Darwin, Morgan, Spencer e Tylor, à
herança comum das doutrinas do século XVIII. A crença de Marx na natureza
geralmente progressiva da história difere da de seus contemporâneos apenas em
sua ênfase apocalíptica. A pobreza e a exploração em todas as suas formas estão
destinadas, pelos processos do direito natural, a serem eliminadas após a
revolução proletária. No entanto, mesmo nos últimos estágios da sociedade
industrial de Spencer, não faltam manifestações semelhantes de altruísmo
espontâneo. Como o marxismo previu o fim da exploração na era comunista, o
spencerismo previu uma sociedade futura na qual os desejos de cada indivíduo
encontrariam um equilíbrio justo com os desejos de todos os outros e com os
meios para satisfazê-los.
Marx compartilhou com Darwin e Spencer aquela curiosa crença do século XIX
na capacidade de violência e luta para trazer melhorias sociais ilimitadas. A
publicação de Origem das espécies de Darwin despertou imediatamente
satisfação em Marx e Engels: eles consideraram a teoria darwiniana como o
equivalente, para a história natural, de sua interpretação materialista da
natureza. Marx declarou - após a primeira leitura da obra de Darwin - que ela
forneceu 'uma base na ciência da natureza para a luta de classes na história’.

Esquema evolucionista de Marx.

Como todos os outros evolucionistas culturais de meados do século XIX, Marx


e Engels tinham seu próprio esquema dos estágios históricos do mundo. O grau
de progresso em direção à perfeição comum pode ser medido por meio desses

90
estágios. Ao contrário de todas as outras, a periodização histórica universal
elaborada por esses autores se baseava nas formas de propriedade associadas
aos diversos modos de produção. Várias versões diferentes foram propostas,
cada uma das quais continha ambiguidades desconcertantes, que ainda hoje são
o desespero dos exegetas marxistas.

 Na Ideologia Alemã de Marx e Engels [1843], o primeiro estágio é


baseado na 'propriedade tribal' e está associado ao 'grau de produção
subdesenvolvido de um povo que vive da caça e da pesca, da criação de
gado ou, no máximo da agricultura. O principal elemento da estrutura
social nesta fase, é a família e todos os fenómenos relacionados a ela. À
medida que a população aumenta, as famílias fazem distinções entre os
líderes e o resto da população e a escravidão começa a se desenvolver.
 A segunda fase é baseada na 'propriedade da antiga comunidade e do
estado' e é acompanhada pela formação de cidades após a fusão
voluntária das tribos após a conquista. Terra e escravos eram
inicialmente mantidos em comum, mas a propriedade privada de bens
imóveis logo começou a se estabelecer. Com o crescimento da
propriedade privada da terra, a propriedade tribal coletiva diminui.
 O terceiro estágio é baseado na 'propriedade ou ordens feudais': os
senhores feudais possuem colectivamente a terra que é cultivada não por
escravos, mas por servos; durante o mesmo período, uma organização
semelhante nasceu nas cidades, por meio da qual as corporações de
artesãos e mercadores controlavam o trabalho dos aprendizes.
 Não há dúvida, que, o capitalismo, surge exclusivamente do feudalismo,
com a afirmação das classes urbanas voltadas para o comércio e a
indústria. Há, portanto, uma sequência evolutiva da sociedade de classes,
que passou da sociedade esclavagista da antiguidade ao feudalismo e ao
capitalismo.

O princípio da seleção cultural em Marx.

No prefácio de Para a critica da economia política , Marx resume sua


estratégia para uma explicação da evolução cultural, com uma proposição que
sem dúvida representa para as ciências sociais qual o princípio da seleção
natural de Darwin representa para a biologia:
Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, o conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura
econômica da sociedade. Não é a consciência dos homens que determina o seu
ser, mas, pelo contrário, o seu ser social que determina a sua consciência [1859,
51].
Mas a exposição de Marx, embora ainda muito lúcida, não se refere à vida social
em geral, mas sim à sociedade de classes. Assim, aprendemos que 'as forças
materiais de produção ... entram em conflito com as relações de produção
existentes', e que a partir daqui começa 'o período da revolução social'.

91
Marx e Spencer

Havia uma diferença fundamental entre Marx e Spencer: Marx foi um


revolucionário que dedicou toda a sua vida ao pressuposto de que uma mudança
política radical que derrubaria toda a ordem social de uma forma global seria
possível em questão de uma ou duas gerações : os spencerianos, por outro lado,
embora acreditassem firmemente em sua ideia de 'progresso', argumentavam
que a natureza humana só poderia mudar de uma forma que fosse proporcional
aos processos de seleção humana. As diferentes consequências da avaliação do
biológico nas teorias de Marx e Spencer são esclarecidas nas implicações
políticas ligadas ao contraste linguístico entre 'revolução e' evolução '(uma
distinção que em outro sentido é tecnicamente imprecisa, uma vez que a
revolução é uma forma de evolução). Os fenômenos socioculturais são 'muito
complexos para serem explicados por um único factor, seja ele qual for'.
Ouvimos repetidamente o refrão de que as explicações econômicas dos
fenômenos são 'explicações de um factor' e, portanto, são invariavelmente
'explicações simplicistas'. Essa teoria, então, ... é inaceitável como explicação
de como o homem veio a ser o que é, pois ... se baseia em uma visão limitada
dos factos e representa uma projeção de um único factor (a economia) sobre a
complexidade da experiência humana.
Percebe-se claramente como tal argumento só é lugar-comum assim que se
começa a trabalhar seriamente em um problema específico de um ponto de vista
materialista cultural.

A estratégia do materialismo cultural.

Marx e Engels conseguiram ir muito além de seus contemporâneos na


formulação de uma 'lei' da evolução cultural. Retrospectivamente, verifica-se
que os elementos mais significativos desta “lei” são:
1) a divisão dos sistemas socioculturais em três partes, nomeadamente a base
técnico-económica, a organização social e ideológica;
2) a explicação da ideologia e da organização social como respostas de
adaptação às condições técnico-econômicas;
3) a formulação de um modelo funcionalista que abranja os efeitos da ação
recíproca entre todas as partes do sistema;
4) a inclusão da análise de variáveis conservadoras e destrutivas do sistema; e,
5) a preeminência da cultura sobre a raça.
É necessário ter muita cautela se quisermos entender em que sentido é legítimo
atribuir a esse extraordinário conjunto de propostas uma posição equivalente à
descoberta de Darwin da 'lei da evolução'. Deve ser estabelecido em termos
muito claros que a chamada 'lei da evolução' de Darwin não era uma 'lei', mas
uma estratégia, um projeto de pesquisa magistral para explicar o curso da
evolução biológica. Essa estratégia foi introduzida por Darwin na forma do que
ele chamou de 'o princípio da seleção natural'. Este princípio gostaria de
explicar todas as transformações biológicas; no entanto, na realidade, não

92
explica nenhuma. Seu valor reside exclusivamente nas diretrizes gerais que
pode dar ao estudioso que busca uma compreensão das leis que dirigem a
trajetória das modificações filogenéticas. Não importa se ele se interessa por
anfíbios ou mamíferos, vermes ou peixes: a estratégia é a mesma; a explicação
das transformações biológicas encontra-se nas vantagens (medidas em termos
de sucesso na reprodução), que determinadas inovações conferem aos órgãos.

Aplicação ao conflito angolano

Por exemplo, vamos dar uma explicação materialista cultural da diferença entre
as relações raciais na Angola colonial. As explicações idealistas colocam o
carácter nacional português e o catolicismo de um lado, e a marginalizarão do
protestantismo do outro. A explicação materialista parte da comparação entre o
potencial econômico da Angola colonial e da Metrópoli; as diferenças se
refletem nas plantações de café, e nos contratados. Em seguida, devemos olhar
para as diferenças dos padrões de migração: grande número de colonos e
agricultores portugueses no primeiro caso, proprietários de terras e degredados
do subpovoado Portugal. Entre os colonos a relação entre os sexos, porém, é
marcadamente desequilibrada. Há um cruzamento com indígenas angolanas,
mas com um tratamento diferente da descendência mulata: os mestiços, e os
’brancos pobres', atribuídos a guarda das fazendas, e outros serviços e tarefas
produtivas essenciais à manutenção das fazendas; em Angola, o mulato e o
civilizado colonizam o interior a este respeito servem também os cabo-
verdianos; além disso, o equilíbrio demográfico entre as raças é a favor do negro
e do mulato. O café angolano era nos anos 70 ao quarto lugar no mercado
mundial; a expansão dos movimentos de libertação desafiava a hegemonia
política do sistema colonial. No 1961 desencadeou-se uma guerra anti-colonial
que foi objecto duma feroz repressão. A revolução foi realizada com o objetivo
de fomentar insurreições no Norte e recrutar adeptos para os movimentos de
libertação. Em 1975 a economia colonial estava no fim e havia muitos
angolanos e mestiços espalhados pelo interior. A lei do repovoamento impus
uma regra baseada no abandono das mabaixas ancestrais para concentrar os
negros a povoar aldeias construídas ao longo das grandes vias de comunicação
estabelecendo uma identidade racial negra nas aldeias e uma hegemonia branca
nas cidades. Assim, corria-se o risco de criar um sistema dualista e cheio de
conflitos: mas a propaganda colonial dizia que segundo o modelo brasiliano de
Freire a sociedade das províncias portuguesas do ultramar era plurirracial, e
incluía um espectro ininterrupto de todas as cores harmonizadas numa
fraternidade colonial.
Este esboço da análise naturalmente não menciona muitas outras variáveis que
deveriam ser levadas em consideração se tentássemos fazer uma análise
completa da situação angolana colonial. Deve ficar claro, no entanto, que não
há nada de 'simplicista' nos dados económicos, demográficos, ecológicos,
políticos, militares e cognitivos que são necessários para a analise do padrão do

93
conflito angolano enraizado sim em condições materiais, mas sobretudo em
razões de carácter nacional que mais tarde originam o Estado Nação.

Bibliografia
Marx, K., & Engels, F. (2001). A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes.
Marx, K. (1982). Para a critica da economia política. São Paulo: Victor Civita.

94
Estruturalismo
Lévy-Strauss Vida e obras
Nasceu na França em 1908 e tem 96 anos. Formou-se na Sorbonne em Paris.
Nasceu em 1908 em Bruxelas de pais franceses, viveu em Paris, onde se formou
em filosofia em 1931; em 1935 venceu concurso como funcionário da
embaixada da França no Brasil, responsável pelos bens culturais e mudou-se
para o Brasil, onde permaneceu até 1939, fazendo expedições à Amazônia e
Mato Grosso. Renúncia à carreira diplomática para estudar populações em um
estado primitivo nos moldes da antropologia francesa Claude Lévi-Strauss é
sem dúvida um dos grandes pensadores do século XX. Nasceu em 1908 e depois
de estudar filosofia, voltou-se para a etnologia: em 1935, partiu para o Brasil
como professor de sociologia na Universidade de São Paulo. Nos próximos
anos, o estudarei as tribos indígenas da Amazônia. É o relato de suas viagens
por essas sociedades ditas 'primitivas' que ele contará, em 1955, no livro que o
tornou famoso, Tristes Trópicos . Em 1939 voltou para a França, então por
causa da ocupação alemã refugiou-se nos Estados Unidos, onde lecionou em
Nova York, entrou em contato com a antropologia americana e fez amizade
com Jakobson, Kroeber e Lowie. Retornando à França em 1948, em 1950
lecionou na Ecole Pratique des Hautes Etudes e, a partir de 1954, Antropologia
Social no Collège de France; em 1973 foi eleito para a Academia Francesa.
Suas principais obras são: As estruturas elementares de parentesco (1949),
Tristes trópicos (1955), Antropologia estrutural (1958), Totemismo
hoje (1962), O pensamento selvagem (1962, dedicado a Merleau-Ponty),
Mitológico (O cru e o cozido, 1964, Do mel às cinzas, 1966-67; A origem dos
bons modos à mesa , 1968; O homem nu , 1971), Antropologia estrutural
2 (1973) e Olhar de longe (1983).
Exilado em Nova York durante a guerra, entre 1941 e 1945, o enfoca uma
reflexão teórica sobre os sistemas matrimoniais e fará disso o tema de sua tese,
que aparecerá em 1949: Estruturas Elementares do Parentesco. Com este livro,
e com os quatro volumes da série Mitológica, adquiriu considerável influência
e o estruturalismo de que se fez teórico brilhará em todos os campos de
investigação: entre filósofos, sociólogos, historiadores e também entre
especialistas da história das religiões ou da crítica literária. Segundo Lévi-
Strauss, a linguística de Saussure que ele estuda representa 'a grande revolução
copernicana no campo dos estudos humanos', mas no fundo de seus estudos
antropológicos está a tradição da escola de Durkheim. Ele havia mostrado que
os fenômenos socioculturais não podem ser explicados como expressões de
instintos ou escolhas individuais voluntárias e conscientes, mas em termos de
representações coletivas. Os conceitos básicos da religião, como Deus, alma,
espírito ou totem, têm sua origem na experiência com a qual o homem sente a
força e a majestade do grupo social e são produto de uma espécie de mente
coletiva. Aluno de Mauss Na linha do estudo das representações coletivas, o
aluno e sobrinho de Durkheim, Marcel Mauss (1872-1950), havia identificado,

95
no Ensaio sobre a dádiva (1924), na base da arcaica troca o triplo obrigação,
enraizada na mente humana, de dar, receber e retribuir, que é um princípio de
reciprocidade, do qual dependem as relações de solidariedade entre indivíduos
e grupos, através da troca de dons preciosos. O trabalho fundamental de Lévi-
Strauss está ligado a esses problemas,
O antropólogo Claude Lévi-Strauss foi quem mais, com seu uso do modelo da
linguistica estrutural nas investigações de estruturas e mitos de parentesco e
com suas teorias gerais sobre o conceito de estrutura, mais contribuiu para a
formulação e disseminação do que se chamou de Levy.

O estruturalismo
O estruturalismo de Strauss oferece um avanço na metodologia e na análise
antropológica
1) ILLUMINISMO via o outro como objeto primitivo e exótico de curiosidade,
o bom selvagem é extremamente diferente
2) Romanticismo e Hegel com a fenomenologia do espírito, veja em termos
evolutivos quem está mais ou menos civilmente desenvolvido
3) Boas e os americanos dizem não! Cada realidade cultural tem uma história
própria, diferente de outra cultura (relativismo), fruto de uma concepção
científica típica da relatividade de Einstein.
4) Malinowsky estuda a cultura como um organismo vivo: vamos aceitar os
trobriandros com o kula seu sistema cultural é funcional: a sociedade é um
organismo social é um conjunto de instituições, funciona como um motor, o
motivo é o kula
5) Radcliffe brown: família, escola e estado são estruturas sociais A ideia de
compreender e evidenciar os mecanismos pelos quais uma sociedade funciona
e se perpetua ao longo do tempo é a base do paradigma de A.R.Radcliffe
Brown, no estudo dos Andamaneses , por Evans-Pritchard sobre os Nuer , de
Fortes sui Tallensi . No entanto, esses tipos de estudos podem ser considerados
de tipo estrutural, voltados, ou seja, ao estudo de uma estrutura social trazida à
luz diretamente pela realidade observável, e não estruturalista, que ao invés
tende a ir além dessa esfera da realidade para busca de estruturas ocultas (as
estruturas inconscientes), capazes, ao contrário, de explicar as reais motivações
por trás dos fenómenos sociais. A escola, por exemplo, é uma estrutura um
aparelho que determina o andamento da formação institucional do indivíduo.
Em todo esse sistema de história, o fio condutor é a descrição histórica, a
observação participante, a história antropológica, a transmissão do documento
antropológico.

Diversidade entre Homem e Animal


O problema é muito simples é a diversidade entre humanos e animais. Ambos
estão na natureza, o homem supera os primatas e supera a condição de natureza
para passar à de cultura. Por meio da elaboração e invenção simbólica da

96
linguagem, os homens se comunicam. Uma elaboração simbólica
decididamente superior, mais complexa e mais ampla. fazemos a cambalhota
tripla e quádrupla, somos animais na natureza com uma transição para uma
complexa elaboração simbólica. Nós construímos cultura e o fazemos graças
ao fato de termos um inconsciente em nossa mente que nos permite classificar
a realidade, nosso computador nos permite ter um banco de dados, um programa
que possui caixas e classificações dentro das quais as coisas podem ser
relacionadas e comparadas . Quando Levy Strauss se propõe a estudar os
Bororo como eles conhecem e reconstroem a realidade, esse não é um problema
que pertence à história da cultura. As formas de conhecer e organizar a realidade
não são problemas da história, se quero conhecer o jogo de xadrez não tenho de
estudar a história do jogo mas sim as regras que devem ser aplicadas. «Nas
damas e no xadrez o número de combinações é muito alto. Em princípio, esses
jogos são indiferentes à história ali, embora permanecer imerso em se tornar o
conjunto de suas combinações seja grande demais para ser atualizado a não ser
em fragmentos '(Lévi-Strauss 2003: 33). «Tenho que me perguntar o problema
da estrutura de a mente humana que funciona de acordo com constantes
funcionais. Eu obtenho o quadrado de um binômio com regras apropriadas, se
eu quiser resolver uma equação de segundo grau, tenho que aplicar as regras
especiais que me permitem prosseguir. Tenho que passar de uma abordagem
metodológica ideográfica histórica e diacrônica variável para uma abordagem
nomotética. Então, se eu quiser estudar uma empresa como a Bororo, tenho que
destacar sua estrutura, não sua história. O fenômeno dos castiçais é estudado
não apenas fazendo história, mas descobrindo por que os homens celebram».
São elementos estruturais que determinam a instituição do partido em todas as
culturas. Existe um aparato mítico segundo o qual Deus repousa após 6 dias,
não apenas no mundo judaico, mas também em outros contextos culturais. Levy
Strauss opera uma grande mudança cultural metodológica, assumida hoje por
Geertz na antropologia interpretativa.
Levy Strauss apresenta um problema iluminista em que modo os homens
conhecem? Ele apreende o sistema cognitivo dos homens e recupera a
problemática do tipo kantiano: como os homens sabem. A abordagem
estruturalista é a mais adequada. A história também é necessária, mas sobretudo
a constante estrutural funcional e não a variável histórica, para identificar a
constante kantiana: o conhecimento é uma síntese entre sensações e categorias.

Natureza-cultura.
Dessa relação parental todas as irmãs da mãe são mães, assim como todos os
irmãos do pai são pais, então existem relações familiares. Levy Strauss
estabelece que entre as regras da família Bororo são estabelecidas, entre as
quais a proibição do acasalamento, só se pode casar com certas pessoas. Esta é
uma conquista subjacente aos relatórios de parentesco.

97
Estruturas elementares de parentesco (1949). Discípulo inconstante de
Durkheim e filósofo por extração, ele abandonou a sociologia e a filosofia para
se dedicar ao estudo das sociedades primitivas.

Organização social e parentesco


1949 Estruturas sociais de parentesco
Natureza e cultura: a questão da proibição do incesto.
O que distingue o homem do animal? O homem não é apenas um ser natural
(biológico), mas cultural, ou seja, vive em sociedade. Lévi-Strauss argumenta
que tudo o que é universal é natural no homem, e o que depende da regra, da
norma, é cultural. (a antiga oposição dos gregos entre φυσει e νομω). O homem
é, de fato, o único ser que se impõe normas, que exige norma por norma. Visto
que as culturas são diferentes, as normas são diferentes. Mas um fato chamou a
atenção dos antropólogos antes de Lévi-Strauss: existe uma norma universal,
uma proibição universal, a do incesto. Tentativas de explicação foram feitas.
Por exemplo, vimos uma forma de princípio da lei natural: o homem
consideraria a ideia de casar-se com sua mãe ou pai uma repugnância natural.
Freud, por meio da análise do complexo de Édipo, disse-nos que essa primeira
explicação não é válida. Queríamos também explicar a proibição do incesto
com a existência de riscos genéticos: casamentos entre parentes aumentam o
risco de doenças. Mas esses riscos não são grandes o suficiente para serem
empiricamente visíveis e só podem ser conhecidos em sociedades onde a
biologia científica se desenvolveu, mas esse não é o caso nas chamadas
sociedades primitivas.
Deve-se acrescentar que, se a proibição do incesto é universal, a definição de
incesto varia de acordo com o grupo considerado. Em algumas sociedades, por
exemplo, o casamento entre primos cruzados (casar com a filha do irmão da
mãe ou irmã do pai) é permitido enquanto entre primos paralelos (casar com a
filha do irmão do pai ou irmã da mãe) é estritamente proibido . Aqui, no entanto,
o risco genético é idêntico em ambos os casos.
Com a sua universalidade, a proibição do incesto parece depender da natureza,
mas com a diversidade das suas modalidades, com o facto de descer da norma,
parece antes depender da cultura.
Lévi-Strauss vê neste contexto a particular dialéctica entre natureza e cultura: o
que faz do homem natural um ser cultural. O que importa na proibição do
incesto é menos o aspecto da proibição contido na norma do que a obrigação
do corolário que ela acarreta: não ter o direito de casar com alguém da família
implica na obrigação de casar com alguém de outra família. O casamento surge
então como uma troca, uma troca que constitui a base social aos olhos de Lévi-
Strauss. Mas um fato complica as coisas. No casamento, «não se recebe daquilo
que se deu, e não se dá daquilo que se recebeu. Cada um dá a um parceiro e
recebe do outro ». Na realidade, existem ciclos muito complexos que trazem o
equilíbrio das trocas apenas ao final de muitas gerações. Lévi-Strauss
desenvolve as estruturas elementares de parentesco mostrando que,

98
globalmente, a troca é sempre realizada ao final de algumas gerações. Assim,
em algumas sociedades, um homem não tem o direito de se casar com nenhuma
mulher. Alguns muito próximos são proibidos a ela (é a norma da exogamia).
Mas muitas vezes acontece que o homem tem que escolher sua esposa dentro
de um círculo bem definido (é a norma da endogamia). Portanto, não há
escolhas deixadas para a iniciativa pessoal.
A troca de casamento é certamente apenas uma das trocas sociais. Se pode
também trocar palavras (e a linguagem também define o homem, segundo Lévi-
Strauss) e bens. Mas o aspecto económico do comércio prevalece apenas nas
nossas sociedades. Em muitas sociedades, parece secundário à troca simbólica.
Em muitas sociedades existe uma verdadeira economia da dádiva que implica
tanto a obrigação de dar (sob pena de desprezo social), bem como a de receber
(um presente recusado é um sinal de desprezo) e, finalmente, a obrigação de
retribuir no final de um determinado tempo (e, portanto, para estabelecer a
troca). O presente transforma o outro em um parceiro e adiciona um novo valor
simbólico ao objeto dado. Permite que grupos potencialmente hostis
mantenham relações pacíficas
Como cada etnólogo, Lévi-Strauss começa escrevendo uma monografia
dedicada a uma população com quem conviveu e estudou no campo com o
método da observação participativa, os Nambiquara de Mato Grosso no Brasil
central; ele fará um relatório sobre sua estada em Tristes Trópicos. Mas sua
ambição é maior, ele quer fazer funcionar a sociologia comparada apresentando
'uma introdução a uma teoria geral dos sistemas de parentesco'. Para ele, é a
proibição do incesto que fundamenta a possibilidade de qualquer sociedade, já
que essa proibição diz respeito
1) tanto para a natureza a um fenômeno universal
2) tanto para a cultura. A uma regra universal
As soluções para satisfazer esta proibição definem a natureza da troca
matrimonial, que é “a passagem do facto natural da consanguinidade ao facto
cultural da aliança”. As estruturas elementares de parentesco podem ser
produzidas pela troca restrita, com a qual as mulheres de um grupo são dadas
aos homens de outro grupo e reciprocamente, ou pela troca generalizada, que
envolve muitos grupos. Impedir o acesso das mulheres em seu próprio grupo
significa torná-las disponíveis para outros grupos. Graças a uma cultura
etnográfica impressionante (que também diz respeito aos sistemas indiano e
chinês), o antropólogo demonstra que a troca generalizada é a norma da troca.
Lévi-Strauss à primeira vista se coloca em dois registros.
1) Enfatiza, em primeiro lugar, uma síntese teórica e analítica do parentesco. É
com a troca de mulheres entre grupos específicos que a sociedade e a raça
humana se constroem e se perpetuam. E a exogamia se apresenta como uma
expressão ampliada da proibição do incesto, permitindo que grupos humanos
estabeleçam relações comunicativas
2) O segundo campo de investigação é muito mais ambicioso, pois propõe um
novo método, inspirado na fonologia estrutural (ou fonêmica, é um ramo da
linguística que estuda como os sons de uma língua se organizam para formar

99
enunciados) e também à psicanálise, para explicar os mecanismos simbólicos
e, conseqüentemente, sociais.
3) É na realidade a uma teoria geral de troca e comunicação que o antropólogo
visa: signos, mulheres e trocas de bens e assim permitir, com combinações
estruturadas, construir inconscientemente relações sociais de natureza religiosa
(mitos e rituais), econômicas e familiar.
Fortalecido por sua experiência e seu conhecimento da antropologia americana
e anglo-saxônica, Lévi-Strauss difunde esta disciplina na França, e conclui que
'o antropólogo é o

astrónomo das ciências sociais: ele se compromete a descobrir o significado


comum de fenómenos muito diferentes, no que diz respeito à sua ordem de
magnitude e distância, em comparação com aquelas que afetam de perto o
observador ». Posteriormente, Lévi-Strauss dará à sua conduta científica o
nome de 'antropologia estrutural'.
Existe uma estrutura fundamental que ocorre tanto no casamento entre primos
quanto nas regras da exogamia, essa estrutura de troca é a reciprocidade. Para
entendê-lo, é preciso referir-se às estruturas fundamentais do espírito. Este
princípio vem do inconsciente que age
1) com a transição da natureza para a cultura
2) datada com a proibição do incesto e a obrigação de exogamia
Para Lèvi-Strauss, por exemplo, a universalidade da proibição do incesto torna-
se compreensível se for colocada em relação ao conceito de reciprocidade.
Privar-se das próprias mulheres, de facto, significava abrir um canal de
comunicação com outros grupos que, através da regra da exogamia, garantisse
o estabelecimento de relações de comunicação contínuas entre os diversos
grupos, relações baseadas no princípio da reciprocidade.

As estruturas elementares de parentesco.


Seu objetivo é identificar a lógica subjacente a todos os sistemas de parentesco
além de sua variedade, ou seja, a estrutura invariável em relação à qual são
todas transformações. Segundo Levi-Strauss, a proibição do incesto está na
base de todos os sistemas matrimoniais, o que impede a endogamia: o uso de
uma mulher, proibido no grupo dos pais, torna-se acessível a outras pessoas.
Graças à proibição do incesto, é então possível a troca de um bem precioso, as
mulheres, entre grupos sociais e, portanto, o estabelecimento de formas de
reciprocidade e solidariedade que garantam a sobrevivência do grupo. Estas são
as relações invariáveis necessárias em qualquer sociedade, à luz das quais se
torna possível estudar as várias formas que assumem as relações de parentesco,
identificando duas categorias essenciais dos sistemas matrimoniais,
1) a troca limitada, entre primos, de tipo prescritivo,
2) e a troca generalizada, tipo preferencial. .
Átomo de parentesco = unidade parental mínima sem a qual nem endogamia,
nem exogamia, nem parentesco são possíveis

100
1) mãe
2) pai
3) filho
4) irmão da mãe
a. representa o grupo que cedeu a mulher
b. Tio materno que tem poder sobre os netos
Estruturas elementares de parentesco são sistemas que prescrevem o casamento
com alguns e o proíbem com outros
a estrutura mais básica é
1) casamento entre primos cruzados: é o modelo porque está de acordo com o
modelo de sociedade dualista
2) organização dualista: dicotomia no grupo que sempre encontra uma esposa
no grupo parceiro

A antropologia, como a geologia, a psicanálise, o marxismo e sobretudo a


linguística, torna-se assim uma ciência capaz de apreender as estruturas
profundas, universais, atemporais e necessárias, para além da superfície dos
acontecimentos, sempre enganosa, e para além da aparente arbitrariedade dos
elementos compõem todas as sociedades

estrutura
Com a análise estrutural, Lévi-Strauss aplica um tratamento matemático aos
fatos sociais dos quais deve derivar a formulação da lógica interna dos modelos
culturais. Ao identificar essa lógica, é possível chegar a um conhecimento
autêntico do corpo social, permitindo-nos antecipar observações ou mesmo
antever com raciocínios factuais que depois podem ser verificados. A aplicação
do método estruturalista ao estudo dos mitos é de particular importância. Essas
estruturas são acessadas não por meio da descrição puramente empírica das
várias situações factuais, mas por meio da construção de modelos. São sistemas
de relações lógicas entre elementos, nos quais é possível realizar experimentos,
ou transformações, a fim de identificar o que escapa à observação imediata. Os
modelos nunca têm uma correspondência perfeita com a realidade, mas também
não são construções simples, puramente subjectivas ou dotadas apenas de valor
metodológico: têm valor objetivo, porque destacam as estruturas que
constituem a espinha dorsal lógica da realidade. Essas estruturas são abordadas
não por meio da descrição puramente empírica das várias situações factuais,
mas por meio da construção de modelos. São sistemas de relações lógicas entre
elementos, nos quais é possível realizar experimentos, ou transformações, a fim
de identificar o que escapa à observação imediata. Os modelos nunca têm uma
correspondência perfeita na realidade, mas também não são construções
simples, puramente subjetivas ou dotadas apenas de valor metodológico: têm
valor objetivo, porque destacam as estruturas que constituem a espinha dorsal
lógica da realidade. A estrutura, de fato, não é uma forma pura e simples, mas
'é o próprio conteúdo capturado em uma organização lógica concebida como

101
uma propriedade da realidade'. Um arranjo de partes constitui uma estrutura,
quando é um sistema regido por uma coesão interna, que se manifesta quando
se estudam suas transformações, não históricas, mas segundo regras lógicas:
graças a este estudo é de fato possível traçar propriedades semelhantes em
sistemas aparentemente diferentes.

Definição de estrutura
Para definir uma estrutura, é necessário colocar-se, como o faz a linguistica, no
nível das regras gramaticais e sintáticas, não no do vocabulário, ou seja, dos
elementos isolados. Nesse sentido, a estrutura de que fala Lévi-Strauss é
distintamente diferente da
1) Estrutura social, de que falam os antropólogos britânicos, em primeiro lugar
Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955), para quem é o conjunto de relações
sociais, empiricamente observáveis, entre os indivíduos, que permitem o seu
funcionamento e estabilidade. Para RB, a estrutura é o elemento básico
interligado em uma rede de relações sociais.
2) Segundo Lévi-Strauss, porém, a estrutura é uma categoria do espírito. O
pensamento humano funciona graças à oposição de termos como
a. Baixo-alto
b. Direita - esquerda
c. Cru - cozido
Basta ver a maquete da aldeia Bororo onde a população é agrupada em clãs.
São grupos de famílias que se consideram parentes por meio das mulheres, a
partir de um ancestral comum de natureza mitológica.
Como se as coisas não fossem complicadas o suficiente, cada clã inclui
subgrupos hereditários, sempre na linha feminina. Portanto, existem famílias
'vermelhas' e outras famílias 'negras' em cada clã. Além disso, parece que ao
mesmo tempo cada clã foi dividido em três categorias: superior, médio e
inferior.
Consiste em três seções um
1) topo
2) médio
3) inferior
as trocas matrimoniais acontecem nestes três níveis não comunicantes, a
sociedade está fundada nestes três níveis, esta é a estrutura que se esconde por
trás deste modelo

As estruturas se distinguem
1) Inconsciente o fenômeno empírico é apenas uma combinação logicamente
possível de elementos: para explicá-lo, é necessário reconstruir
preliminarmente o sistema global do qual é apenas uma variante. Da escola
durkheimiana, Lévi-Strauss retoma a ideia da natureza psíquica dos fatos
sociais: são sistemas de ideias objetivas, isto é, de categorias que juntas

102
constituem o espírito humano em sua universalidade, mas esses sistemas não
são conscientes. mas elaborações inconscientes. O fundamento último é dado
pelo espírito humano inconsciente, que se revela através dos modelos
estruturais da realidade
2) Sem conteúdo O objetivo da antropologia passa a ser a contemplação da
arquitetura lógica do espírito humano, além de suas muitas manifestações
empíricas. A atividade inconsciente coletiva tende a favorecer uma lógica
binária, ou seja, uma lógica que constrói categorias por meio de contrastes ou
opostos binários. No que diz respeito à linguagem, a fonologia mostrou que, na
base do sistema de sons significativos, existe um pequeno número de sistemas
de contraste. A oposição binária é aquela que funda todas as outras, em qualquer
nível em que se encontre a representação. E é essa atitude que faz o homem
passar do estado de natureza ao de cultura. Os dados fundamentais e imediatos
da realidade mental são
1) dualidade
2) alternança
3) opposição
4) simetria
Esse mesmo tipo de lógica também preside a construção de mitos. Os mitos
segundo Lévi-Strauss não são expressões de sentimentos ou explicações
pseudocientíficas de fenômenos naturais ou reflexos de instituições sociais, mas
também não são desprovidos de regras lógicas. Como explicar o fato de que os
conteúdos dos mitos são contingentes e parecem arbitrários, mas apresentam
fortes semelhanças em diferentes regiões do mundo? Segundo Lévi-Strauss, a
resposta está no fato de que o mito é a expressão da atividade inconsciente do
espírito humano e se estrutura como uma linguagem. Assim como a função
significativa de uma linguagem não está diretamente relacionada aos sons, mas
à maneira como os sons se combinam, também os mitos são formados por
unidades constitutivas mínimas, cujas combinações ocorrem de acordo com
regras precisas e dão origem a unidades (fonemas). Nesse sentido, os mitos não
são criações puramente individuais e a tarefa de um estudo científico dos mitos
é mostrar não como os homens pensam e constroem mitos, mas 'como os mitos
são pensados nos homens, e sem seu conhecimento'.

Pensamento Selvagem
Desde meados da década de 1940, Lévi-Strauss manifestará a intenção de
interpretar a vida das sociedades e culturas em termos de uma lógica
inconsciente. Não há mais oposição, como disse Levy Bruhl entre
1) pensamento pré-lógico —> pensamento lógico
2) pensamento místico —> pensamento racional
3) pensamento primitivo --> pensamento civilizado
As leis do pensamento são as mesmas porque todos têm as mesmas estruturas
através da linguística estrutural, entendeu-se que os fenómenos fundamentais
da vida do espírito, aqueles que a condicionam e determinam, situam-se no

103
plano do pensamento inconsciente. O inconsciente é o mediador entre mim e os
outros. Certamente, às vezes é difícil hoje separar essa perspectiva daquela do
método, tanto analítico quanto explicativo, denominado estrutural. Mas é óbvio
que as propriedades do que ele descreverá como 'pensamento selvagem' são
estruturadas e estruturantes. O primado da forma inconsciente advém do fato
de ela funcionar como linguagem, portanto, como estrutura, mas também do
fato de expressar uma forma de leitura, senão de construção, do mundo. Essa
visão, talvez sumária e metafórica do papel do inconsciente, é explicada pela
própria natureza da realidade, institucional (parentesco) ou material (a estética
dos objetos), sobre a qual trabalha o antropólogo.
Quando Lévi-Strauss se dedicou, desde 1955, à estrutura dos mitos, é a análise
do fenómeno totêmico, e em particular a crítica das teorias vítimas da 'ilusão'
que representa, que o levará a utilizar, em 1962, a expressão do 'pensamento
selvagem'. Use esta frase ironicamente porque não indica
1) rude
2) grosseiro
3) que mal entende
mas um pensamento fundado nas mesmas operações lógicas que o civilizado
constitui a base comum sobre a qual todas as expressões do pensamento tomam
forma
descrever o funcionamento do pensamento em estado bruto, 'natural',
'selvagem' de alguma forma, como o que também pode ser observado em
sociedades nas quais o pensamento científico se desenvolve, e não qualificar
apenas o do chamado selvagem povos. Esse pensamento é 'racional': seus
propósitos explicativos têm um significado científico. Com efeito, o
pensamento selvagem “codifica, isto é, classifica rigorosamente - apoiando-se
em oposições e contrastes - (casais de oposição) o universo físico, a natureza
viva, e também o homem quando se expressa por meio de suas crenças e de
suas instituições. Ela encontra seu princípio em uma ciência do concreto, uma
lógica de qualidades sensíveis como a que se encontra em algumas atividades
como a bricolagem ».
Essas reflexões são ao mesmo tempo a conclusão de mais de quinze anos de
pesquisas e a manifestação de uma preocupação que, há trinta anos, se identifica
cada vez mais com a obra de Lévi-Strauss, a da análise dos mitos indígenas da
América - uma análise que leva a questionar o estatuto do etnólogo e seu
método, duplo, 'mito-poético' do objeto que estuda.
Os elementos da reflexão mítica são colocados a meio caminho entre as
imagens ligadas à percepção e aos conceitos, de forma que o pensamento mítico
permanece ligado às imagens, mas, trabalhando com analogias e comparações,
pode dar origem a generalizações e construir novas séries combinatórias de
elementos básicos, que permanecem constante. O pensamento mítico usa essas
estruturas para produzir um objeto que tem a aparência de um conjunto de
eventos, ou seja, uma história. Em particular, o sistema mítico e as
representações que ele suscita estabelecem correlações entre as condições
naturais e as condições sociais e elaboram um código que permite passar de um

104
sistema a outro das oposições binárias pertinentes a esses planos. O material é
fornecido pelas classificações, por exemplo de animais e plantas, que tanto
fazem parte do pensamento primitivo: não estão apenas ligadas à necessidade
prática de permitir uma melhor satisfação das necessidades, mas surgem da
necessidade intelectual de introduzir um princípio de ordem no universo. Nesse
sentido, Lévi-Strauss afirma, em O Pensamento Selvagem,
1) a existência de um pensamento autêntico mesmo nos primitivos, que é a base
de todo pensamento e
2) não é uma mentalidade pré-lógica, como argumentou Lucien Lévi -Bruhl
(1857-1939), caracterizada exclusivamente por uma participação afetiva e
mística com as coisas, claramente distinta do pensamento lógico.
3) A única diferença, segundo Lévi-Strauss, é dada pelo facto de que o
pensamento 'selvagem', como também se expressa nos mitos, está mais ligado
à intuição sensível e, portanto, mais atento à salvaguarda da riqueza e da
variedade dos coisas e memorizá-lo. O último capítulo de O pensamento
selvagem é uma polémica contra a Crítica da razão dialéctica de Sartre. Ao
definir o homem com base na dialéctica e na história, Sartre privilegiou, de fato,
segundo Lévi-Strauss, civilização ocidental, isolando-a de outros tipos de
sociedade e de povos 'sem história'. Em Raça e Histór ia, Lévi-Strauss
reconheceu que cada sociedade vive na história e muda, mas que as formas
como as várias sociedades reagem a isso são diferentes. As sociedades
primitivas passaram por transformações, mas posteriormente resistem a tais
modificações: nesse sentido, são sociedades frias, ou seja, com baixo grau de
temperatura histórica, e sua história é fundamentalmente estacionária.
Distinguem-se, portanto, de sociedades quentes, como a ocidental,
perpetuamente em fluxo e caracterizadas por uma maré cumulativa, que tem os
conflitos como custo de sua instabilidade. Olhando para o futuro, Lévi-Strauss
espera uma integração entre esses dois tipos de sociedade e as formas
correspondentes de cultura e pensamento. Ele, portanto, rejeita qualquer forma
de etnocentrismo, já que cada cultura realiza apenas parte do potencial humano.
Isso significa abandonar todas as formas de humanismo e estoicismo, ou seja,
rejeitar a equivalência, dominante no mundo ocidental, entre as noções de
história e de humanidade: a história é apenas uma das escolhas possíveis que os
homens podem fazer. Lévi-Strauss é, sem dúvida, o estudioso que primeiro
aplicou a investigação estrutural (ver estruturalismo) à antropologia e, mais
particularmente, às disciplinas histórico-sociais.
Lévi-Strauss começa a elaborar seu próprio método a partir de sua obra As
estruturas elementares de parentesco. Nele, ele afirma que o núcleo que
organiza os sistemas de parentesco é a regra sobre a qual se baseiam os laços
matrimoniais nas diferentes culturas e sociedades. Para explicar esse fato, Lévi-
Strauss recorre ao método estrutural, retirado da linguistica e já experimentado
no campo da fonologia.
Em polémica com a abordagem histórico-evolutiva, Lévi-Strauss atribui à
antropologia a principal tarefa de definir as características dos diversos sistemas
culturais, remontando-as a um conjunto restrito de princípios estruturantes.

105
Tal abordagem muda radicalmente a perspectiva tradicional. Assim, a evolução
social não se explica por questionar a vontade dos homens e suas intenções,
mas por meio da lógica e da capacidade de evolução inerentes ao sistema, que
representam propriedades objetivas das estruturas, não dependem dos
indivíduos e permanecem fundamentalmente. inconsciente deles.
Na prática do estruturalismo, como pretendido por Lévi-Strauss, dois princípios
fundamentais podem ser isolados:

1. Uma estrutura que faz parte do real, mas não das relações visíveis. Toda
realidade étnica é, portanto, composta de estruturas que devem ser claramente
distinguidas das relações sociais individuais que podem ser observadas
empiricamente; essas estruturas elementares constituem um nível real, mas não
diretamente perceptível.

2. O estudo científico das realidades étnicas deve ser direcionado para a


determinação dessas estruturas e seu funcionamento: é o estudo sincrónico
delas que dá conta do desenvolvimento histórico da sociedade e não o exame
diacrónico de seu desenvolvimento que oferece uma explicação do estruturas
presentes em realidades étnicas.

História e etnologia
Neste trabalho, Lévi-Strauss observa que é necessário integrar o estudo de
civilizações outras que não a nossa com uma abordagem completamente
diferente, como a permitida pela etnologia.
Segundo Lévi-Strauss, a diferença fundamental entre história e etnologia não é
de objeto, nem de propósito, nem de método, pois têm, na verdade, o mesmo
objeto (vida social), a mesma finalidade (uma melhor compreensão do homem)
e uma método no qual apenas a dosagem dos procedimentos de pesquisa varia.
História e etnologia distinguem-se sobretudo pela escolha de perspectivas
complementares: a história organiza seus dados com base em expressões
conscientes, enquanto a etnologia o faz com base nas condições inconscientes
da vida social.
Lévi-Strauss observa que na maioria dos povos primitivos é muito difícil obter
uma justificação moral, ou uma justificação racional para um costume ou uma
instituição: mesmo quando as respostas são dadas, sempre têm o caráter de
racionalização. As razões inconscientes para praticar um costume ou
compartilhar uma crença estão geralmente muito distantes daquelas com as
quais o sujeito tenta justificá-las.
Segundo Lévi-Strauss, os estudos etnológicos e linguísticos mostram que a
atividade inconsciente do homem consiste em impor uma forma a um conteúdo,
e essas formas são basicamente as mesmas para todos os indivíduos. Basta,
pois, descobrir a estrutura inconsciente em que se apóia cada instituição, cada

106
costume, para obter um princípio de interpretação válido para outras
instituições e costumes.
Como é possível chegar a essa estrutura inconsciente?
Segundo Lévi-Struss, é aqui que o método etnológico e o método histórico se
encontram.
Só a história, mostrando as instituições que se transformam, é capaz de destacar
a estrutura que as subjaz.
A etnologia, por sua vez, tende a enfocar sobretudo o que não deriva da reflexão
consciente. Seu objetivo é alcançar uma gama de possibilidades inconscientes
para além da imagem consciente e sempre diferente que o homem forma de seu
devir.
Lévi-Strauss, portanto, chega à conclusão de que a história e a etnologia
necessariamente se referem e se integram em seus resultados. Somente a
aplicação conjunta dessas duas disciplinas torna possível realizar a investigação
moderna do homem.

Totemismo

derivação de totem, indica um complexo de crenças, costumes, regras sociais,


obrigações e proibições, baseadas na existência de uma relação particular de
parentesco e, portanto, de proteção mútua, entre um grupo ou um indivíduo e
uma espécie de animais, plantas, fenômenos naturais, paisagens, etc. Os laços
de parentesco são estabelecidos entre os descendentes humanos e não humanos
do pólo totêmico. O totemismo apresenta-se, portanto, como um sistema
complexo de ideias, símbolos e práticas, baseado na relação presumida entre
um indivíduo ou grupo social e um objeto denominado 'totem', pertencente ao
mundo natural exterior ao ser humano, ao qual o grupo é considerado
relacionado de alguma forma.
Associação entre
1) individual ou grupo
2) símbolo animal ou vegetal
A relação totêmica, também observada na África, Oceania e Ásia, é muito
difundida e viva principalmente entre alguns índios americanos e entre os
aborígenes australianos. Nessas sociedades, o totem é frequentemente
considerado um companheiro ou ajudante com poderes sobrenaturais e, como
tal, respeitado e às vezes reverenciado. A forma mais difundida de Totemismo
é a de clã, extensão da família conjugal e agrupamento de parentesco unilateral,
constituído por várias famílias, cujos membros estão ligados por um único
progenitor de quem descendem na linha paterna ou materna. Se dois grupos têm
o mesmo totem, consideram-se intimamente relacionados e evitam casamentos
entre si para não contrair relações entre parentes consanguíneos. Daí a conexão
entre o totem e o tabu, confirmada pela cessação periódica da proibição de tocar
no totem, como no festival australiano Intichinma (refeição sacrificial do
totem). Muitas tribos colocam, em frente às cabanas de famílias individuais,
grandes postes com imagens esculpidas dos ancestrais do clã. Os indivíduos de

107
um grupo totêmico são considerados parcialmente identificados ou assimilados
ao totem, ao qual se referem com nomes e símbolos especiais. A linhagem ou
clã pode ser rastreada até um ancestral totêmico original, que se torna o símbolo
do grupo e, exceto em ritos particulares, não pode ser morto, nem comido, nem
tocado. O totem, portanto, constitui uma espécie de árvore genealógica, cujas
figuras devem ser lidas de baixo para cima, ou pelos parentes mais próximos
do progenitor. Poucos conceitos antropológicos passaram por transformações
tão radicais quanto o do totemismo.
1) Após a introdução do termo totemismo por J. Long (1791) e dos primeiros
estudos informativos, a partir de 1870 houve uma série de trabalhos
sistemáticos sobre o fenómeno:
2) F. McLennan foi o primeiro a descrever o sistema totêmico apresentando a
hipótese, assumida e desenvolvida por W.R. Smith, da universalidade do
fenómeno nas sociedades primitivas;
3) H. Spencer relacionou o totemismo com o culto aos ancestrais, afirmando
que o aparecimento do totem deriva dos apelidos atribuídos aos ancestrais;
4) J.G. Frazer, limitando a propagação do fenómeno como um sistema social
complexo, apoiou a chamada teoria da concepção ao vincular o totemismo à
magia e colocá-lo como a religião original de toda a humanidade.
5) Durkheim: forma auroral de religião
6) Lévy-Bruhl: manifestação da natureza mística do pensamento primitivo
7) Posteriormente, houve uma segunda fase de estudos, graças à escola
histórico-cultural que, a partir de novas pesquisas etnológicas, procurou
formular uma teoria completa do totemismo.
8) A terceira fase, iniciada em 1940, é caracterizada pela tentativa de definir as
diferentes formas de totemismo, suas origens e sua relação com a religiosidade
9) Animais e plantas Malinowsky são objeto de ritual ou atenção simbólica
porque são bons para comer
10) Mais recentemente, o antropólogo A.R. Radcliffe-Brown mostrou (1951)
como nos contos de animais o mundo da vida animal é representado em termos
de relações sociais semelhantes às da sociedade humana; por meio do uso
desses símbolos animais, apresentados em conexões socialmente relevantes, o
pensamento é dirigido tanto para as relações entre os animais quanto para as
relações entre grupos humanos
11) Claude Lévi-Strauss tentou ampliar esse conceito (1962): estamos diante de
um sistema de pensamento e classificação que se refere a todas as categorias de
fenômenos sociais, como valores e eventos. Animais, plantas e fenômenos
naturais oferecem ao homem um repertório no qual recorrer para classificação.
Diferenciar o pensamento primitivo que se baseia no concreto e não no abstrato.
Totemismo é uma atitude mental que pressupõe que pressupõe dados da
experiência e da natureza para construir sistemas de classificação e
relacionamento. O totemismo associa uma planta ou animal a um grupo social.
O totemismo distingue grupos fazendo uso da diversidade existente entre as
espécies naturais. Concebe a natureza através da cultura

108
Basicamente as teorias que no século XIX e no início do século XX tentaram
para explicar o fenômeno foram amplamente superados: embora se admita que
possa conter elementos religiosos como o culto aos ancestrais e o animismo, o
totemismo não é mais considerado uma religião, muito menos uma primeira
etapa evolutiva na história da humanidade. Claude Lévi-Strauss foi um dos
maiores críticos dessas teorias, para quem esse fenômeno é um conceito
antropológico desprovido de realidade objetiva. A base do totemismo parece
ser uma visão de mundo que identifica uma relação específica entre os seres
humanos e as forças da natureza, utilizada como ferramenta conceitual para
uma classificação da realidade e da sociedade. Por outro lado, como afirmam
alguns estudiosos, quando mais grupos diferentes dentro da mesma sociedade
derivam seu nome e identidade de plantas e animais, esses totens também
afirmam simbolicamente a unidade social superior. Além disso, pertencer ao
grupo totêmico permitiria a proteção de indivíduos em sociedades sem outros
mecanismos que desempenhem essa função. Recentemente, alguns
antropólogos destacaram a função conservadora e o valor ecológico de alguns
tabus ligados à matança e ao consumo de totens entre os aborígenes
australianos.

Análise de mitos
Os mitos são constituídos por grandes unidades constitutivas denominadas
mitos, os mitos são comparados aos fonemas da linguística.Os mitos têm
funções sociais importantes relacionadas com a coesão do grupo. O mitema tem
sentido a partir da relação de correlação e oposição dentro do mito com outros
mitos.A função do mito seria oferecer mediações lógicas quando uma sociedade
percebe oposições que parecem difíceis de superar. Uma vez que os mitemas
tenham sido isolados, as variáveis podem ser estabelecidas nas diferentes
versões. Os mitos são o resultado de um contínuo fazer e desfazer dos agregados
que os compõem.
O pensamento mítico desenvolve estruturas. Lévi-Strauss mostra que o mito
pode ser dividido em mitos, à maneira dos linguistas que dividem a linguagem
em morfemas, unidades elementares. Uma vez que os mitos são classificados e
relacionados, ele afirma que os mitos são jogos lógicos que mobilizam as
estruturas universais do espírito humano. O mito vale mais para as estruturas
subjacentes do que para os personagens que representa. Assim, “Se os mitos
têm sentido, não podem referir-se aos únicos termos que entram na sua
composição, mas sim à forma como esses elementos se combinam”.
Lévi-Strauss estabelece uma gramática geral dos mitos que não leva em conta
as diferenças de tempo, lugar, língua e visa explicar quase todos os mitos
conhecidos. Ele busca mais definir o pensamento mítico em si do que descobrir
o significado de um ou mais mitos conhecidos. Portanto, pouco importa se o
mito tem um significado ou não, o que importa é que o instrumento que o torna
é ele próprio suscetível de estudo racional.

109
O universo dos mitos
De certa forma, mitologemas são apenas a longa e complexa verificação da
hipótese do pensamento selvagem, já que 'mitos significam o espírito que os
elabora em meio ao mundo do qual ele mesmo faz parte'.
1) Mythos não tem significado primário, nem em sua trama nem em seu
simbolismo.
2) É a sua interação com a natureza, bem como as relações entre eles (“os mitos
são pensados uns nos outros”) que lhes permitem produzir sentidos.
2) É, portanto, esse adiamento e essa comparação do mito (ou conjunto de
mitos) com o mito que constitui a matéria-prima do antropólogo.
a. O ponto de partida é um mito dos índios Bororo do Brasil Central: o mito
M1, conhecido como referência, do periquito e do ninho, denominado por Lévi-
Strauss de “ar do descobridor de pássaros”;
b. o último, é um mito apinaye - etnia pertencente ao grupo linguístico gê da
Amazônia.
c. Entre os dois são relatados os mitos de mais de uma centena de populações,
de Guarany, no sul do Brasil, a Salishs, no noroeste do Canadá.
O método de demonstração funciona em três níveis:
1) aquele de um determinado mito,
2) aquele de um conjunto de mitos vizinhos com suas alternativas
3) finalmente o de todos os mitos possíveis que validam a lógica estrutural e
binária do pensamento selvagem graças aos procedimentos
a. de oposição
b. homologia,
c. de simetria,
d. inversão ou novamente
e. de equivalência.
A principal tarefa é, portanto, de natureza etnográfica,
1) visto que é necessário reconhecer com precisão as categorias empíricas (cru,
cozido, podre, fresco, molhado, queimado, etc.) que também se tornarão
ferramentas conceituais.
2) A comparação sistemática, o uso de signos lógico-matemáticos (na forma de
equações, transformações ou isomorfismos sobre os quais o antropólogo tem
poucas ilusões) permitem identificar mitemas que validam esta ou aquela
hipótese particular:
Def os mitemas são os menores elementos do mito, relacionamentos curtos

Tristes Trópicos (Geertz)


A esse respeito, analisei o Tristi Tropici de Claude Lévi-Strauss e tentei mostrar
que, naquela ocasião, o autor, mais ou menos intencionalmente (em minha
opinião cabal, embora eu não tenha como provar), estava se movendo ao mesmo
tempo. em várias direções: primeiro fez o trabalho do etnógrafo, começando a
falar sobre as tribos da Amazônia com as quais estava lidando; em segundo

110
lugar, escreveu um diário de viagem (embora no início o negue, é precisamente
o que faz: escreve uma história de viagem, com um começo - na França - e um
fim); além disso, ele compôs uma obra filosófica baseada em Rousseau e nos
fundamentos da sociedade natural que esperava encontrar na Amazônia;
finalmente, deu lugar ao estruturalismo, especialmente nos capítulos em que
fala de sacrifício; ou seja, ele começou a desenvolver análise estrutural, e não
só isso. Acima de tudo, ele tentou criar um 'mito da pesquisa'. Mesmo que o
livro seja colocado na fase central da sua obra, considero-o fundamental para
toda a sua obra, passada e futura. Na verdade, Lévi-Strauss deixa a França
pouco antes do início da guerra para ir para o Rio de Janeiro: os trópicos, como
ele mesmo diz, estão fora de moda, e então ele entra na selva, numa espécie de
complexo de antropologia tradicional. imagens, e quanto mais ele as percorre,
mais as coisas lhe parecem difíceis de compreender: é, portanto, o mito de uma
busca, a busca do entendimento. Quando, finalmente, chega à linha de chegada,
depara-se com um grupo cuja língua lhe é desconhecida e que nunca foi
abordada ou estudada antes; é então que ele percebe que não pode entender
aquelas pessoas, ele percebe que elas são completamente diferentes dele. É,
portanto, um tipo de pesquisa que, em vez de conduzir a uma fonte preciosa de
novos conhecimentos, leva a uma aporia, a um impasse, a uma espécie de
derrota. Claro que é uma bela história, mas representa uma derrota em termos
de compreensão. Aqui podemos observar precisamente este aspecto do mito da
pesquisa, que muito tem contribuído para torná-lo tão fascinante: a questão do
outro - de compreender o outro, para o qual quanto mais o outro é diferente,
mais nos interessamos e menos. nós entendemos isso - e como mediar isso é
parte do cerne do problema. Depois, há todas as outras camadas de texto de que
falamos, e é como se fossem acumuladas umas sobre as outras para formar uma
espécie de matriz a partir da qual o filosófico, o trabalho mitológico, a história
de viagem (uma boa parte do livro é dedicado a descrever como essas longas
viagens eram árduas e outros detalhes) e, finalmente, o início da análise
estrutural e etnografia. Tudo isso está contido em um único livro que, em certo
sentido, se desenvolve nos demais textos mais específicos, escritos por Lévi-
Strauss antes e depois.

Sociedades quentes e frias


as sociedades podem ser divididas, pelo menos de um ponto de vista teórico e
representativo, em 'quentes' e 'frias'. Nossa rica sociedade pertenceria à
primeira, enquanto a segunda convergiria, por exemplo, as dos nativos da
América. De acordo com a teoria de Lévi-Strauss, assim resumida por
Domenico Buffarini, '[Sociedades quentes] funcionam como máquinas
termodinâmicas, em virtude das diferenças no' calor histórico 'existente entre
suas partes e o combustível continuamente consumido: este é constituído pelo
ambiente natural, explorado sem consideração pelo seu equilíbrio (do qual
deriva a tendência à expansão territorial para obter recursos energéticos) e pelas
massas humanas tão numerosas quanto possível. '

111
O antropólogo, portanto, retrata nossa sociedade como uma grande panela
fervente, cujo calor é fornecido pela exploração contínua da natureza. Mas
outras características podem ser destacadas para este modelo: 'Como o aumento
demográfico é uma das condições para sua estabilidade, as sociedades quentes
têm uma alta taxa de natalidade e têm uma organização política e social que
cria diferenças de poder ou' calor 'entre seus membros , como escravidão ou
divisão em castas ou classes, hierarquicamente arranjadas de forma piramidal,
com classes restritas no topo que criam uma estrutura de poder coercitivo capaz
de impor leis econômicas, jurídicas, religiosas e morais aos subordinados. As
diferenças sociais produzem tensões contínuas na estrutura das sociedades
quentes e uma temperatura histórica em constante mudança. '

Portanto, passamos a nos identificar em


1) as sociedades quentes, aquelas segregações internas que distinguem os
grupos em classes ou castas, dispostas de maneira a concentrar o poder nas
mãos de uns poucos sobre uma enorme massa de subordinados.
2) Estas sociedades 'quentes' são contrastadas com as 'frias' cujo funcionamento
'é baseado em três condições essenciais:
a) uma limitação voluntária das necessidades individuais e coletivas;
b) uma organização social baseada em grupos de parentesco de igual dignidade
e peso equivalente;
c) um acordo político baseado na participação dos membros nas decisões que,
para serem vinculativas para todos, devem ser tomadas por unanimidade. » [3]

Mas quais seriam as diferenças distintivas entre os dois tipos de sociedade?


'Sociedades frias são aquelas que operam segundo padrões fixos semelhantes
aos dos dispositivos mecânicos [...] aquelas que, pelo fato de utilizarem apenas
a energia natural ou humana fornecida a partir de processos espontâneos, na
ausência de intervenções externas poderia operar indefinidamente sem sofrer
transformações significativas. Dentro deles, cada parte, indivíduo ou grupo,
necessariamente desempenha um papel e valor autônomo. A sua 'sabedoria',
que é também a base da sua sobrevivência, leva-os a resistir a qualquer mudança
de estruturas, a perseverar no seu modo de ser e a defender os seus caracteres
distintivos, a assumir atitudes de obstinada fidelidade às tradições e ao
equilíbrio. Eles escolheram a ordem social e a justiça dentro deles e, por esta
razão, renunciaram ao 'progresso' tecnológico e à expansão fora de si mesmos.
Essas sociedades estão sempre tentando desfazer os efeitos que eventos
históricos poderiam ter sobre a ordem social que criaram e que desejam
defender. Adaptando-se à natureza e seus ritmos, eles optaram pela estabilidade
no que diz respeito ao devir, pela ordem no que diz respeito à evolução. Dessa
forma, seus membros não conhecem os prazeres da civilização, mas nem
mesmo sofrem as angústias e tormentos, o tédio e a opressão. Estão felizes com
sua condição e não querem mudá-la ou trocá-la pela nossa: acham que nossa
existência é uma vida louca, tumultuada e cheia de dor. O estado em que vivem
e do qual não querem sair responde de fato às suas necessidades materiais e ao

112
seu horizonte espiritual que gira em torno dos princípios supremos da
solidariedade grupal e da comunhão com a natureza ”. [4]

Ao contrário das frias, que se colocam no espaço e optam por estar ao lado da
natureza, as sociedades quentes estão decididamente ao lado da história; seus
eventos são concatenações indefinidas de fatores não recorrentes e convulsões
repentinas; são dominados por uma ansiedade irrefreável de mudança, por uma
tendência ao infinito por meio da qual uma quantidade incontrolável de energia
é liberada à custa da ordem e da justiça. Os meios pelos quais esses resultados
são alcançados são o individualismo e o progresso tecnológico. Em sociedades
calorosas, o indivíduo é o único termo de referência. O poder político é
autoritário e individualizado: quando o monarca absoluto não é mais suficiente
para exercer a soberania, cria-se uma entidade abstrata, porém personalizada,
que é a res publica ou o Estado. Arte é criação individual e se expressa em
formas antropomórficas. A religião gira em torno de uma divindade concebida
como uma pessoa ou entidade suprema transcendente, que possui os caracteres
do indivíduo em um nível sublimado ou infinito. O universo é piramidal; o
corpo, a natureza, a matéria são 'negatividade', não eu, em face da alma, do
espírito e da história imortais. As descobertas tecnológicas servem para
intensificar a exploração da natureza e das classes populares. É dada especial
atenção às armas, às quais é confiada grande parte da capacidade de
desenvolvimento e progresso. Assim como a descoberta do ferro e seu uso na
guerra foram, junto com o desenvolvimento da pecuária doméstica, a causa
histórica do nascimento de sociedades calorosas, a pólvora facilitou sua
afirmação planetária. Fundadas internamente na desigualdade de classes, as
sociedades calorosas são expansionistas, agressivas e intolerantes com as
outras; sua atitude para com aqueles que seguem leis, hábitos, concepções de
vida e divindade diferentes daqueles dos habitantes da 'polis' é de superioridade
e desprezo; eles reivindicam o direito de oprimir e destruir em nome da
civilização superior que os povos julgavam inferiores. Da mesma forma, nas
relações de classe, a cultura, o poder e a riqueza das classes dominantes
justificam a exploração das pessoas comuns e dos escravos. ' [5]

As sociedades nativas americanas foram protótipos de sociedades frias,


enquanto a história das sociedades quentes é a história da civilização ocidental,
nascida com as invasões indo-europeias da Idade Antiga, que se impuseram às
culturas agrícolas de origem neolítica com uma ferocidade nunca antes
conhecida. . Estabelecido como aristocracias tirânicas, sociedades calorosas
desenvolveram-se nos grandes impérios de escravos (índios, persas, helenistas
e romanos) e informaram muito da Eurásia sobre sua cultura. Após os
parênteses das migrações chegando Após o parêntese das migrações da Ásia
Central, as sociedades calorosas recuperaram força nas áreas marítimas da
Europa graças à contribuição de novos povos (os árabes) e, em virtude de uma
revolução científica e industrial secular (séculos XVII-XVIII) , eles se tornaram
as culturas dominantes em escala mundial. ' [6]

113
A distinção entre sociedades quentes e frias deu origem a posições opostas entre
os defensores das primeiras contra as segundas; também porque a atitude
abrangente de Lévi-Strauss para com os primitivos era tal que os realçava
perante as sociedades modernas, questionando o próprio conceito de progresso
tão caro aos evolucionistas, sem privilegiar nenhuma cultura sobre outra,
fazendo-o expor estas considerações: ' Em vez disso, tentamos demonstrar que
a verdadeira contribuição das culturas não consiste na lista de suas invenções
particulares, mas na diferença diferencial que elas representam entre si. O
sentimento de gratidão e humildade que cada membro de uma dada cultura pode
e deve sentir para com todos os outros se baseia em uma única convicção: que
as outras culturas são diferentes da sua, nos mais variados aspectos [...]. [7]

Isso lhe atribuiu culpas da seguinte forma: 'Parece-nos importante esclarecer


bem este ponto, desmistificando também as formas mascaradas do
eurocentrismo, aparentemente anti-racista, nascido com o mito do' bom
selvagem 'de Rousseau, que encontramos em certos aspectos do pensamento,
por um estudioso de alto nível como Claude Lévi-Strauss. Na verdade, quando
o etnólogo francês opõe os primitivos aos civilizados, valoriza os primeiros
numa perspectiva eurocêntrica, típica de um certo progressivismo “cansado”,
com indícios de exotismo primitivista que se assemelha um pouco a uma sala
de estar. Os 'primitivos' seriam um exemplo de sociedade simples, mecânica e
igualitária, enquanto a sociedade ocidental seria uma fervilhante máquina a
vapor, injusta com suas desigualdades sociais. Isso equivale a distorcer os
termos do problema, inventando uma versão particular dos 'primitivos', em
harmonia com o pensamento de Rousseau, ao qual Lévi-Strauss se refere
explicitamente. ' [8]

Assim, os detratores das sociedades frias avançaram em favor das quentes que,
em vez disso, representam o berço do bem-estar e da felicidade: 'A antropologia
cultural e a história nos mostram que as sociedades' frias 'ou enjauladas em
estruturas imóveis, nas quais não há fermentos produzidos, ou nos quais os
fermentos são sistematicamente eliminados, estão destinados a apodrecer e
desaparecer. Onde, por outro lado, o pensamento criativo e inovador é
respeitado e colocado em condições de se expressar e crescer de acordo com as
necessidades da sociedade e a emergência do futuro, há progresso, bem-estar e
maior felicidade, pois todos são dado para crescer e se realizar de acordo com
a personalidade de cada um. ' [9]

Como veremos mais tarde, as sociedades frias foram gradualmente


desaparecendo sob a pressão das quentes, sem ter tempo de evoluir por conta
própria devido ao aumento de sua própria 'temperatura social'. Se posições
como as enunciadas, ambas enviesadas, levaram a subestimar a classificação de
Lévi-Strauss, a teorização que será relatada neste estudo permitirá, além de
reavaliar a distinção entre sociedades quentes e frias, também dar uma resposta

114
a diferentes questões. Mas, em primeiro lugar, aliviará o antropólogo do fardo
de um dilema previsível: 'Se, Deus me livre, o antropólogo fosse obrigado a
prever o futuro da humanidade, certamente não o conceberia como uma
extensão ou uma superação das formas .atual, mas, sim, no modelo de uma
integração que progressivamente unifica as características típicas das
sociedades frias e quentes. ' [10]

É o destino da história que as sociedades quentes esfriem aquecendo as frias,


dando origem à sociedade morna definitiva? E por que eles deveriam fazer isso?

Bibliografia

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Cosac & Naify.
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University Press.
Evans-Pritchard, E. (1999). Os Nuer. São Paulo: Perspectiva.
Fortes, M. (1967). The Web of Kinship among the Tallensi. London: Oxford University
Press.
Lévy-Bruhl, L. (2015). A mentalidade primitiva. Rio de Janeiro: Teodoro.
Lévi-Strauss, C. (2008). Raça e História. Lisboa: Presença.

115
Antropologia do mundo contemporâneo
A antropologia geralmente se preocupa com o estudo do homem. Divide-se em
1) antropologia física - o estudo do ser humano em seu aspecto biológico -
2) e antropologia social e cultural.
Trata-se de como as línguas, as organizações econômicas, sociais, políticas e
religiosas se desenvolvem ao longo do tempo. Concepção clássica da
antropologia porque as teorias do passado, mesmo com seus erros, nos
ensinaram algo; moderno porque a disciplina busca livremente suas próprias
explicações, sem aceitar explicações predefinidas de uma autoridade
tradicional.
Gostaríamos de ajudar a evidenciar como o conjunto de métodos, observações
e análises da antropologia podem nos ajudar a explicar a complexidade de um
mundo contemporâneo hoje sujeito aos movimentos contraditórios produzidos
pela proliferação da diversidade e pela supressão concomitante de barreiras. A
contribuição da antropologia baseia-se, antes de tudo, em uma metodologia
privilegiada: investigação de longo prazo no campo, observação participante,
comunicação direta com sujeitos sociais que, por sua vez, têm suas próprias
interpretações do mundo. Baseia-se também em uma fecundidade
epistemológica que vem de uma história que é também a história de seus
conceitos e hipóteses teóricas. O estudo dessa história, que chega a envolver a
contemporaneidade e seus problemas, é imprescindível, uma vez que todas as
ciências humanas se baseiam em pressupostos antropológicos, implícitos na
maioria dos casos, que somente uma análise pode trazer à luz as ferramentas
úteis para a compreensão da diversidade do mundo de hoje. Se o objetivo parece
simples, o caminho para alcançá-lo está repleto de armadilhas: inflação de
publicações, dificuldades de vocabulário, hermetismo de certas obras
especializadas.

Tornar a antropologia de domínio publico


O especialista não dá muita atenção às questões do 'grande público', pela
incapacidade de vulgarizar os termos antropológicos científicos e torná-los
acessíveis a todos. Os antropólogos acertadamente consideraram necessário
desenvolver um léxico especializado, mesmo que um consenso real nunca tenha
sido estabelecido sobre algumas definições. As grandes teorias que sustentam
verdades definitivas nada mais eram do que utopias. Hoje pode-se dizer que a
metáfora de uma chave que abre todas as portas foi substituída pela de uma
caixa de ferramentas da qual cada pesquisador retira de acordo com suas
próprias inclinações, e cada um mesmo sem títulos se proclama antropólogo e
vai colocando Van Gennep, Geertz e Boas para sustentar pirilampos achando-
os lampiões. O trabalho específico de investigação leva, de facto, a reconstruir
os conceitos adoptados para fazê-los corresponder às subtilezas dos factos
observados. A essa restrição somam-se outros factores que dificultam uma
introdução à antropologia: não só tem havido uma disseminação de publicações

116
nas últimas décadas, mas também pesquisas de outras disciplinas devem ser
levadas em consideração, tanto que a antropologia se apresenta como um tipo
de encruzilhada disciplinar. A maior parte dos termos adoptados pelos
antropólogos são, na verdade, pouco usados por todos: porém, nunca são
exclusivamente 'científicos' ou 'técnicos', muitas vezes tendo também uma
conotação ideológica. Por outro lado, é preciso observar como o jornalismo e a
TV pratica de boa vontade uma espécie de paródia desta disciplina, utilizando
conceitos exóticos sem rigor, de forma irônica, para definir um papel ou uma
atitude em nossa sociedade: falamos assim dos !Kung de Angola', da «das
autarquias», do «Pensador» da chuva em Luanda e assim por diante.
Finalmente, à medida que a fragmentação das especialidades é ampliada, os
limites da antropologia estão se tornando menos definidos, especialmente
aqueles que a separam da sociologia. O antropólogo é induzido a usar os
métodos quantitativos da sociologia e o sociólogo frequentemente recorre aos
métodos qualitativos caros aos colegas antropólogos. Ambos buscam entender
a concepção que os actores fazem do mundo social. A sociologia viu uma
renovação graças aos estudos localizados conduzidos com os métodos
qualitativos da etnografia. Alguns sociólogos estão muito próximos da
antropologia, alguns antropólogos mudam de campo e passam da África ou
Amazônia para a Europa. Os actores constroem seu próprio universo social
atribuindo um significado aos objectos, situações e símbolos que os cercam.
Depois, há outro ponto de convergência: o facto social não é identificado como
um objecto estável, como acreditavam os primeiros etnógrafos comprometidos
em homologar tradições, mas como um conjunto de processos que evoluem
continuamente nos grupos sociais e culturais dos seres humanos.

Termos e conceitos
Etnografia, etnologia, antropologia: a confusão de termos, tanto na literatura
científica quanto nos escritos de vulgarização, pode muito bem ser
desconcertante para o leitor. Então, vamos tentar colocar algum pedido
brevemente. A etnografia definia inicialmente (entre finais do século XIX e o
início do século XX) a descrição dos usos e costumes dos povos ditos
'primitivos' e a etnologia os saberes enciclopédicos que se podia obter.

Etnologia

Em suma, a etnologia se apresentava como aquele ramo da sociologia dedicado


ao estudo das sociedades 'primitivas'. Na época, a palavra 'antropologia', sem
atributos, era reservada para o estudo do ser humano em seus aspectos
somáticos e biológicos. Ainda hoje, nos em Angola falamos de antropogénese,
quando nos referimos principalmente ao estudo da evolução biológica do ser
humano e sua evolução cultural durante a pré-história. Em muitos
departamentos universitários, não se consegue disjuntar antropologia física da
antropologia cultural.

117
Antropologia cultural

A partir do final do século XIX, porém, a expressão antropologia cultural define


o ensino comparativo que pode ser extraído da etnografia e da etnologia,
concebida como a colecta de dados e sua análise sistemática.

Antropologia social

Por sua vez, os estudiosos britânicos preferem a expressão 'antropologia social'


à de 'antropologia cultural', porque privilegiam o estudo de factos e instituições
sociais.
Na década de 1950, Claude Lévi-Strauss introduziu o uso anglo-saxão do termo
'antropologia' (mas sem o adjetivo 'cultural') na França como um estudo dos
seres humanos em todos os seus aspectos. A exemplo do que acontecera nos
Estados Unidos, o termo destronou, sem eliminar, o da 'etnologia'. O sucesso
do estruturalismo, seu impacto nas outras ciências humanas, por um lado, os
vínculos da antropologia com a filosofia e a sociologia, por outro, significaram
o que se entendia na Europa, quando se falava de 'antropologia'.

O significado do termo antropologia

Significa a disciplina que lida com a diversidade contemporânea das culturas


humanas. Esse sentido tem a vantagem de uma maior objetividade, descartando
a ideia de um campo fechado constituído de sociedades primitivas, congelado
numa história imóvel, sem outra alternativa senão a de se reproduzir sempre ou
morrer (presente histórico). Em todo caso, observamos que o abandono do
ponto de vista etnocêntrico, que resultou na classificação das raças, depois das
etnias ou sociedades, segundo critérios que consagraram a superioridade da
civilização ocidental, permitiu que o termo 'etnologia' fosse reabilitado. A
renúncia à cesura 'primitivista' justificou, em certos casos, a extensão ao
chamado mundo moderno do termo etnologia, concebido, neste caso, como o
estudo teórico a partir de uma escala limitada, na prolongada imersão do
pesquisador no campo, na observação participante e no diálogo com os
informantes. Assim, às vezes se ouve falar de antropologia urbana, antropologia
economia, antropologia da alteridade e assim por diante.
Para concluir a respeito desse patamar terminológico, do qual apenas
evidenciamos a complexidade, acreditamos que a antropologia como ciência do
homem inclui a antropologia física e a antropologia social ou cultural. Esta
última, sinónimo de etnologia, interessa-se por todos os grupos humanos,
quaisquer que sejam suas características, podendo tomar como objecto de
estudo todos os fenómenos sociais que requeiram explicação por meio de
factores culturais.

118
Alteridade

As relações de identidade e alteridade não são dadas de uma vez por todas, mas
são constantemente recompostas. Linguagem, alianças de parentesco e
casamento, hierarquias sociais e políticas, mitos, rituais, representações do
corpo expressam o trabalho incessante de qualquer sociedade para definir o eu
e o outro. Como é que se concebe o relacionamento com a alteridade? Este é o
objecto específico da antropologia, visto que essa relação tem inevitavelmente
um sentido, ela destaca as aculturações forçadas, e o mundo da antropologia
simbólica. Quaisquer que sejam as linhas teóricas dos pesquisadores, a
especificidade da perspectiva antropológica reside nesse interesse central no
estudo da relação com o outro, tal como se constrói em um contexto social. A
questão do significado, isto é, dos meios pelos quais os seres humanos que
habitam no espaço social concordam sobre como representá-lo e agir nele, este
é o horizonte antropológico. Esta mesma questão também é colocada no centro
do debate filosófico contemporâneo e pode ser expresso como uma tensão entre
particularidades e universalidade. Não há dúvida de que os antropólogos da
primeira geração exageraram a coerência interna das culturas que concebiam
no presente histórico. mas o estudo duma cultura específica ou a duma
sociedade específica não são totalmente arbitrárias. O antropólogo encontra aí
elementos de regularidade e, comparando-os com outros, pode teorizar essas
diferentes elaborações de sentido. Por exemplo, ele pode encontrar entre os
Ovimbundu de Bailundu uma nomenclatura de termos de parentesco já
observada entre os Muwila de Lubango, ou comparar diferentes formas de
realeza que existiam no espaço e no tempo.
O conceito de alteridade há muito é discutido: devido às origens 'exóticas' da
disciplina, esta pode parecer constitutiva do método antropológico, enquanto é
uma atitude mental típica do pesquisador, que pratica o espanto sistemático para
questionar factos sociais. Este exercício talvez seja mais fácil de praticar no
trabalho de campo, mas é baseado mais nas próprias impressões e tentativas de
interpretação do antropólogo do que no efeito alienante produzido pelo
comportamento dos outros. O pesquisador deve questionar continuamente a sua
presença e se colocar na posição de aprendiz. Esta disposição deve acompanhar
o antropólogo seja a poucos passos de sua casa, seja num ambiente
desconhecido. O etnógrafo deve, portanto, administrar duas posições
contraditórias: impedir-se de cultivar suas observações e ideias pré-concebidas
de acordo com sua própria cultura, mantendo uma certa distância para colocar
essas observações segundo o ponto de vista dos informantes.
O conceito de alteridade não é colocado apenas ao centro do procedimento
antropológico pelo facto de tratar da diversidade, mas por ser o seu instrumento.
Um projeto de pesquisa implica inevitavelmente uma lacuna entre o observador
e o objecto (as pessoas estudadas), e essa lacuna deve ser colmada. Embora se
deva evitar produzir certo exotismo, seria absurdo esperar que o analista e o
objecto se confundam.

119
A imagem do mundo contemporâneo

Actualmente, já não basta conhecer o que nos parece curioso ou descobrir a


estranheza dos nossos hábitos, pois todo o planeta é atingido por uma crise de
sentido que resulta na perda de controle sobre as questões da identidade.
Quando a informação é transmitida em velocidade electrônica de um extremo
a outro do planeta, quando o mesmo exotismo se torna um produto de consumo,
senão mesmo um capital político, cada indivíduo é forçado a enfrentar
brutalmente a imagem do mundo. A concepção da pessoa humana e as relações
entre ela e o meio ambiente não poderiam permanecer inalteradas com
aplicações chocantes como agricultura química, antibióticos, organismos
geneticamente modificados (plantas e animais), terapias genéticas, pesquisa
sobre o DNA, clonagem, tratamentos hormonais, transplantes de órgãos e
reprodução assistida. Há muito tempo e em todas as partes do mundo, os
homens se interessam pelas diferenças de língua, hábitos e costumes, mas hoje,
em todo o planeta, estão cada vez mais conscientes da sua interdependência,
portanto das diferenças e da transformação das o mundo. Assim, produzem
espontaneamente uma antropologia que não tem como objetivo o
conhecimento, mas a construção de uma identidade, ou melhor, a expressão de
uma estratégia política. O processo de globalização, de forma menos paradoxal
do que parece, anda de mãos dadas com um crescimento das reivindicações
políticas que querem reafirmar culturas ou tradições étnicas as instituições
elaboram teorias sociais baseadas mais ou menos explicitamente no léxico e nas
idéias das ciências humanas e as reconfiguram em favor de sua causa. Essa
proliferação de discursos identitários, muitas vezes híbridos, às vezes
paródicos, representa um novo objecto de estudo para o antropólogo.
Bachelard alertou contra as categorias do bom senso. Atualmente são
veiculados, na maioria dos casos de forma acrítica, pela imprensa, que empresta
gratuitamente os modos de linguagem político, artístico, social e científico.
«Isso épretexto para uma pedagogia detestável, atentatória ao bom senso mas que se
mantém sem encontrar a mínima crítica em disciplinas que, de científicas, só têm o nome»
(Bachelard 2005: 266).
Assim ouvimos sobre o retorno do religioso após a previsão de um desencanto
no mundo, ao mesmo tempo que é claro que os novos movimentos religiosos,
como o rastafari ou o evangelismo dos países da América Latina e da África,
têm muito pouco em comum com os primeiros missionários da BMS que
apareceram em Mbanza Kongo 1800. A expressão jornalística 'mundo da moda,
finanças, desporte ...' é incorrecta, mas corresponde a uma intuição correta. É
impreciso porque esses mundos, de facto, não o são, mas estão em estreita
relação um com o outro. Mas atinge o alvo, pois reflete os reflexos mutáveis de
mundos 'construídos' no espelho de uma humanidade mais do que nunca
coexistindo consigo mesma. Já não existe uma ilha cultural, todos os espaços
investidos e simbolizados pelo homem são analisados num contexto agora
globalizado. Uma multidão entre um quarto e um terço da população mundial
assistiu à Copa do Mundo de football pela televisão. O padrão de vida de um

120
agricultor umbundu no Huambo é decidido pelo preço do petróleo no mercado
internacional. Uma música gravada de Jerusalema em Luanda entra nos
sucessos portugueses, a três mil quilômetros de distância. A vida dos alunos da
Uan, em Luanda, depende das regulamentações do BPC, BIC, Millennium e do
preço do candongueiro. Quase todos os povos da Terra veem suas condições de
vida como determinadas por decisões tomadas em lugares distantes e sofrem
dominação econômica, política e cultural exercida por poderes e forças
externas. Vivenciam concretamente as consequências de fenómenos
demográficos, biomédicos, ecológicos, económicos e políticos que lhes
escapam, mas que os aproximam de outros grupos que também são vítimas dos
mesmos constrangimentos. Os novos territórios da antropologia, sejam eles
divertidos (turismo, kuduro, movimentos culturais e artísticos) ou deprimentes
(favelas, campos de refugiados, gangues, imigração ilegal, drogas,
prostituição), são todos históricos e mudam diante de nossos olhos.

O mundo contemporâneo
A contemporaneidade se define pelo facto de viver na mesma época e
compartilhar referências comuns. Há muito que os antropólogos estão
convencidos de que estão viajando no tempo, enquanto viajam no espaço, e que
encontram a imagem das sociedades antigas nos antípodas. Era um mito, mas a
ideia de que uma determinada sociedade pudesse ter permanecido à margem do
movimento geral do mundo não era nada improvável. A novidade hoje é que,
seja qual for o modo de vida dos homens que habitam nosso planeta, sempre há
referências em comum. Temos o nosso, compreensível em nosso pequeno
ambiente, mas também participamos de uma cultura mundial que repousa sobre
os outros. Para um antropólogo, a escolha do objecto de pesquisa e a
metodologia a ser adoptada envolvem um certo enraizamento em um
determinado ambiente (o campo), mas ao mesmo tempo a investigação não
pode se reduzir às relações interpessoais in situ. Estas encontram, de facto, para
além do ponto de vista interno, um segundo nível de explicação no estudo das
determinações externas: as limitações de uma ordem geográfica, demográfica,
económica, histórica, política, institucional, etc. A descrição detalhada dos
comportamentos humanos em seu contexto histórico e cultural, por um lado, e
a comparação com outras formas no tempo e no espaço, por outro, são os
fundamentos da capacidade analítica da antropologia. Justamente por isso, vai
além de sua própria definição em termos de objetos e métodos, para se abrir a
um verdadeiro projeto intelectual. Trata-se de vislumbrar, por meio da
comparação entre modelos, normas, esquemas culturais, horizontes de
pensamento e sua comparação crítica, uma condição humana em constante
redefinição.

121
Pluralidade das culturas
A antropologia dos mundos contemporâneos reconhece a pluralidade das
culturas, mas também suas referências comuns e as diferenças dentro de uma
única cultura. O conceito de cultura, se ainda retém um certo valor operacional,
não é mais pensado como um conhecimento cem por cento compartilhado. De
facto, uma pluralidade de formas coexiste dentro de uma mesma sociedade e a
formação cultural de seus membros varia de acordo com sua posição social
(definida por idade, sexo, educação, sorte, profissão, convicções políticas,
adesão religiosa). O conceito de aculturação, tão popular nas versões
vulgarizadas da antropologia e que indica o conjunto de fenómenos produzidos
pelo embate entre duas culturas diferentes, é enganoso, pois pressupõe que no
início existam dois conjuntos puros e homogêneos. A mestiçagem, agora mais
na moda, não resolve nada com sua conotação biológica, muito pelo contrário.
Termos que são muito gerais ou muito globais geralmente se revelam de pouca
utilidade.

Antropologia da complexidade
Se os antropólogos precisam do termo sociedade para definir um sistema
comum de vida, o próprio termo «sistema» pode ser enganoso se levar a pensar
em um todo perfeitamente integrado. O conflito e a mudança são, de facto,
elementos constitutivos de qualquer sociedade. A adopção de uma perspectiva
sistêmica não nos impede de levar em conta a variabilidade e a mudança, nem
o ponto de vista dos atores. Essas são as diferentes perspectivas de que a
antropologia precisa. Estudos sobre um mesmo objecto realizados em escalas
diferentes não são mutuamente exclusivos, mesmo que um único pesquisador
não possa conduzir os dois simultaneamente. Quando se empreende o estudo
das diferenças e especificidades, é necessário evitar o obstáculo que consistiria
em isolar mais ou menos artificialmente, dentro de uma sociedade, algumas
subculturas com seus próprios valores, rituais e folclore. Essa meta-cultura
produz a imagem de uma sociedade fragmentada, composta por um conjunto
de comunidades, cada uma das quais murmura ou grita sua própria
reivindicação de verdade. Para cada indivíduo, a era actual é caracterizada por
um vaivém entre os níveis local e global.

No campo
Para ilustrar brevemente os vários campos da antropologia, um esquema nos é
sugerido pela resposta a uma pergunta simples: o que o antropólogo faz? Ele
constrói seu próprio objecto de estudo, escolhe um 'tema' ligado às formas
colectivas de vida. Vai a campo fazer a investigação etnográfica, que continua
a ser a base do procedimento, mas deve também ler, cruzar a literatura dedicada
a esse objecto de pesquisa. Se ele conduz pesquisas, ele deve pelo menos saber
como os conceitos e questões que ele usa foram historicamente definidos. Por
fim, nosso antropólogo se compromete a escrever os resultados de sua pesquisa.

122
É evidente como essas fases se entrelaçam entre eles: o antropólogo lê e escreve
no campo ... Mas aqui está um esquema útil:

 1) a forma,
 2) o campo,
 3) a leitura,
 4) a escrita.

Da etnografia de emergência à antropologia geral


A disciplina muda, seu objecto também muda. No período clássico, a
antropologia preocupava-se com o estudo de pequenas sociedades exóticas,
levando em consideração seu contexto imediato. A etnografia de 'emergência'
ou 'resgate' (etnografia de resgate), que se deu como finalidade primordial a
descrição de uma sociedade em vias de desaparecer face à expansão da
civilização europeia. Hoje, com uma interdependência econômica e política
cada vez mais forte, com o crescimento espectacular da mobilidade das pessoas
e a aceleração ainda mais notável da circulação de mensagens, o contexto se
estende a todo o planeta. Onde quer que estejam, as pessoas são 'locais' apenas
em termos de uma configuração histórica específica. Por exemplo, em um
sistema mundial cada vez mais interdependente, como poderíamos considerar
os Bakongo do Palanka, os Akwakimbundo, os Vanganguela e os Ovimbundu
do Huambo, os Senegalenses da Mabor, os mestiços de Lubango, os Kwangari
de Vila Nova de Armada, os Nhaneka da Huila, os Xinge de Caprivi culturas
autônomas, concebíveis fora do contexto angolano? Os Khoisan do Kwando
Kubango, um exemplo canônico de sociedade sem Estado, desde 1975 estavam
no meio de uma guerra civil devastadora que colocou as populações do Sul de
Angola contra o governo de Luanda por motivos políticos e o controle dos
territórios. Os Khoisan aparentemente pouco tocados pelos movimentos
mundiais não tem mais o mesmo status que tinham no final do outro século: um
confinamento, um isolamento, devido apenas a uma determinada situação
política, econômica, em síntese histórica. Hoje são poucos os grupos que
ignoram o trabalho assalariado e a importação de bens de origem urbana. Os
Bailundo e o seu rei, em grande traje ritual, vem a pé em Luanda contra as
violações de seu território e gravam suas 'notícias' em vídeo. Longe de
representar a perpetuação de uma cultura impenetrável à mudança, esses dois
grupos apenas atestam o estado de uma sociedade no momento da observação.
A descrição etnográfica, combinada com outros métodos, surge como um passo
necessário para qualquer estudo sério dos novos fenómenos que resultam das
complexas relações entre contextos de dominação e minorias ou movimentos
político-culturais, como os movimentos bakongo e tutchokwe, os muwila, as
comunidades angolanas em Portugal, o movimento epocal de transmigrações
de massa para Europa. A época actual confirma a evolução da antropologia, que
progressivamente passou do estudo dos povos àquele dos temas. No entanto,
qualquer pessoa que considere esta mudança radicalmente nova estaria errada.

123
Émile Durkheim e Marcel Mauss não fizeram uma separação clara entre os
campos exóticos e os próximos a nós. Eles não procuraram tanto conduzir uma
análise detalhada e completa de uma determinada sociedade, mas estudar
tópicos como magia, religião, presentes, sacrifícios, divisão de trabalho.

Diversificação das áreas de estudo


A diversidade de temas que interessam aos antropólogos é tal que assistimos a
uma crescente especialização, que por sua vez se traduz em uma proliferação
de atributos: antropologia da infância, educação, guerra, arte, doença, da cidade,
do espaço, do desenvolvimento, até. antropologia da antropologia. Essas
especificações muitas vezes surgem por conveniência institucional, mas são
rapidamente sancionadas pelo uso, de modo que seria inútil tentar contestá-las
ou delimitá-las. No entanto, essas áreas mais ou menos novas devem ser
entendidas como diferentes objetos empíricos e não como subdisciplinas. Este
último, de facto, correria o risco de condenar a análise a uma forma de cirurgia
selvagem, a uma dissecação em áreas particulares (o político, o sagrado, o
religioso, o artístico), embora sejam todos inevitavelmente interdependentes.
Por isso preferimos falar, em menor grau, de aldeias, de antropologias do
direito, da religião, da doença, da cidade, em vez de categorias mais rígidas
como a antropologia jurídica, religiosa, médica, urbana. Essa solução preserva
pelo menos a ideia de uma perspectiva antropológica unitária, uma vez que a
antropologia só respeita suas reais dimensões se preserva a humanidade como
um todo como seu campo de visão. É verdade que, devido ao crescimento
espetacular do número de pesquisadores e publicações, agora seria impossível
para um único leitor ter o controle de toda a 'literatura' antropológica. No
entanto, mesmo que a obrigação de especialização permaneça, é necessário
fazer um esforço para manter um mínimo de visão geral e contrariar a
guetização do conhecimento.

Autarquias
A expressão autarquias, muito utilizada hoje, é enganosa, pois significa uma
valorização das autoridades locais que se centra no estudo da relação, que não
é juridicamente diferente em um contexto tradicional ou político. Quando
tentamos descrever certos aspectos de nosso estilo de vida angolano, tomamos
cuidado para não forçar informações. Vamos tentar entender o que as perguntas
do antropólogo significam para aquele a quem se dirigem. Fazemos, assim, uma
análise crítica do curioso empreendimento que consiste em descrever, portanto
por escrito, a cultura de outros seres humanos em um ambiente geográfico e
histórico diferente. O antropólogo almeja chegar a uma verdade da qual as
pessoas que ele interroga são portadoras, às vezes sem seu conhecimento. Aqui
como nos antípodas, pelo menos na primeira fase da investigação, é necessário
transformar-se em nativos para compreender os avanços e os limites do projeto
antropológico.

124
Agora adquirimos o hábito de produzir termos compostos pelo prefixo 'etno',
como etnohistória, etnocentrismo, etnomedicina, etc. Essas palavras sugerem
que o campo, a atitude ou a actividade devem suas características a uma
determinada cultura ou levam em consideração factores culturais. Fala-se
também em etnociência, termo que encarna uma ambiguidade. As etnociências
passam a ser entendidas como ramos da etnologia, ora como saberes de outros
povos de um determinado campo com relativa análise comparativa desses
saberes, ora, enfim, como estudo comparativo de um campo em função de
grupos culturais. O termo etnohistória, por outro lado, indica um ramo da
história (muitas vezes praticado por antropólogos) que trata de sociedades sem
escrita, onde a historiografia clássica não é aplicável. No entanto, inúmeros
autores criticaram essa definição, pois ela se refere, com um termo científico, à
segregação das sociedades primitivas em uma classe separada do resto da
humanidade. A etnobotânica se dedica tanto ao estudo das plantas utilizadas
pelos povos estudados por etnólogos, quanto à teoria indígena das plantas. A
etnomedicina ora é o estudo de 'outros' medicamentos, ora é o estudo das teorias
de outrem sobre a medicina, desde que exista na sociedade em questão um
campo autônomo que possa ser identificado como tal. O mesmo vale para
história, psiquiatria, etnomusicologia, etc. Sem dúvida, seria mais produtivo
falar do ângulo, do caminho, da perspectiva da pesquisa do que do campo
disciplinar. O antropólogo da doença, por exemplo, lança nova luz sobre temas
mais ou menos clássicos da antropologia, como o conceito de pessoa (Marcel
Mauss), de eficácia simbólica (Claude Lévi-Strauss 2008: 201-220), de
biopolítica (Michel Foucault 2008: 29), de coexistência de múltiplas culturas,
de imigração. Por fim, as etnociências adquirem um outro significado, que
absorve pelo menos parcialmente os anteriores, o que indica a análise, inspirada
na linguística, das classificações e processos ativados por diferentes culturas
nos campos do conhecimento e suas aplicações. Pode-se dizer que este último
canteiro de obras abarca parcialmente o conjunto de pesquisas resumidas no
termo antropologia cognitiva. A análise estrutural teve o mérito de tentar
evidenciar o trabalho de construção simbólica, as categorias de compreensão
captadas antes de sua 'domesticação' pelo pensamento científico. A
antropologia cognitiva reabre aquele canteiro de obras tentando responder, com
o uso de métodos rigorosos, à questão de saber como o mundo natural é
construído localmente. Ainda sobre esses termos construídos com o prefixo
'etno', um caso à parte é a etnometodologia, uma tendência da sociologia
americana que aplica os métodos da etnologia à observação e análise da vida
cotidiana. Harold Garfinkel e os pesquisadores próximos a ele partem do
princípio de que qualquer grupo social é capaz de se compreender, de se
comentar, de se analisar. Etnométodos são os procedimentos que os membros
de uma determinada sociedade usam para produzir seu mundo, para reconhecê-
lo, para torná-lo familiar. Ao chamá-los assim, queremos enfatizar a pertença
desses métodos a um determinado grupo, organização ou instituição local. A
etnometodologia torna-se então o estudo dos etnométodos que os actores
empregam na vida quotidiana

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Bibliografia
Augé, M & Colleyin, J.P. (2006). Antropologia del mondo contemporaneo. Milano:
Elèuthera.
2
Foucault, M. (2008). Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes.
3
Bachelard, G. (2005). A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto.
4
Germano, I. (2008). Persona e dono: una duplice relazione. In “Persona in
sociologia” (pp. 209–227). Roma: Meltemi.
5
Lévi-Strauss, C. (2008). Antropologia estrutural. São Paulo: Cosac Naify.
6
Foucault, M. (2008). Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes.

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