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SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DO CONDENADO CRIMINAL

Mestrado em Direito e Ciências Jurídicas

Especialidade Direitos Fundamentais

Lorena Ramos do Vale

Dissertação apresentada sob orientação do Professor Doutor Jaime Rui Drummond


Leitão do Valle

2019
SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DO CONDENADO
CRIMINAL

Orientador: Professor Doutor Jaime Rui Drummond Leitão do Valle

Dissertação apresentada à Faculdade


de Direito da Universidade de Lisboa
como requisito parcial para a obtenção
do grau de mestre em Direito e
Ciências Jurídicas na especialidade
Direitos Fundamentais.

Lisboa
2019
AGRADECIMENTOS

Enquanto cristã, quando peço algo a Deus e o recebo, sinto-me grata,


verdadeiramente agradecida pelo acontecimento e alcance de determinado
objetivo.
Neste passo, primeiramente agradeço à DEUS por ter me guiado a outro
mundo cheio de novas experiências acadêmicas e pessoais, tendo como
culminância a conclusão da presente investigação.
Em seguida, toda minha gratidão ao Tribunal de Justiça do Estado do
Pará no Brasil, instituição do Poder Judiciário estadual da qual eu faço parte
como serventuária desde 2008 e que, dentro de uma política de qualificação do
servidor público do Poder Judiciário brasileiro, possibilitou que eu gozasse de
licença para estudos com o objetivo de cursar o Mestrado em Direito e Ciências
Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Agradeço minha Mãe, por todos os momentos que desafiei a paciência
da mesma com minhas inquietações durante o curso.
Sempre muito grata à Dinda e ao Tio Paulo, pelo apoio e afeto de
sempre que me possibilitaram chegar até aqui mais firme e com dignidade.
À Dona Ana Custódio, minha amiga/mãe em Lisboa, que sempre me
ofereceu café adoçado com amor e fez com que minha estada em Portugal
fosse leve e ao mesmo tempo cheia de crescimento pessoal que me
possibilitaram seguir firmemente nos trabalhos acadêmicos.
À Clarissa Vicente, professora de Direito Constitucional do Cesupa em
Belém do Pará, pelo tempo a mim dispensado com apontamentos acerca da
construção do meu trabalho de pesquisa.
Aos professores do curso de Mestrado em Direito da FDUL, em especial
ao Professor Dr. Jaime Valle, o qual, além de ser meu professor em duas
disciplinas durante o curso também aceitou me orientar na presente
investigação. Grata pela disponibilidade, cortesia e atenção a mim
dispensadas.
Por fim, aos meus colegas da FDUL, pelos debates acadêmicos e dicas
de bibliografias, que o faço na pessoa da amiga Maria Mariana Moura, um ser
humano fantástico, que, com muita paciência e cordialidade trocou inúmeras
idéias comigo acerca dos temas que envolvem Direitos Fundamentais, bem
como, dos direcionamentos do meu esforço na presente investigação.
Obrigada!
RESUMO

A presente investigação tem como objetivo verificar se a suspensão dos


direitos políticos do condenado criminal, prevista no art. 15, III, da Constituição
da República Federativa do Brasil, se coaduna com o propósito de garantia e
proteção dos direitos fundamentais, por se tratar de uma restrição a estes
direitos. Para tanto, utiliza-se de uma análise inicial dos direitos políticos como
direitos fundamentais, destacando um breve histórico da sua evolução e
relevância na ordem jurídica constitucional. Neste ponto, relaciona-se também
os direitos políticos com o exercício da cidadania e da democracia,
fundamentos basilares do Estado Constitucional. A partir do estudo inicial de
tais institutos e a relação entre eles, a pesquisa enfrenta a questão da
suspensão de direitos políticos fundamentais em razão de condenação criminal
enquanto medida restritiva, e, neste passo, sua relação com o princípio da
proporcionalidade a partir da aplicação do referido princípio para fins de
restrição de direitos políticos fundamentais no âmbito das Cortes Superiores de
outros países, inclusive da Corte Europeia de Direitos Humanos. Por fim, tece
uma crítica acerca da interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal do
Brasil à referida regra constitucional restritiva.

Palavras-chaves: Suspensão; Direitos Políticos; Restrição; Direitos


Fundamentais e Proporcionalidade.
ABSTRACT

The purpose of this investigation is to verify if the suspension of the political


rights of the criminal convict, provided for in art. 15, III, of the Constitution of the
Federative Republic of Brazil, is consistent with the aim of guaranteeing and
protecting fundamental rights, as it is a restriction on these rights. To this end, it
uses an initial analysis of political rights as fundamental rights, highlighting a
brief history of their evolution and relevance in the constitutional legal order. At
this point, political rights are also related to the exercise of citizenship and
democracy, fundamental foundations of the Constitutional State. From the initial
study of these institutes and the relationship between them, the research
addresses the issue of the suspension of fundamental political rights due to
criminal conviction as a restrictive measure, and, in this step, its relationship
with the principle of proportionality from the application of that principle for the
purpose of restricting fundamental political rights within the Superior Courts of
other countries, including the European Court of Human Rights. Finally, it
criticizes the interpretation given by the Supreme Federal Court of Brazil to that
restrictive constitutional rule.

Keywords: Suspension; Political rights; Restriction; Fundamental Rights and


Proportionality.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC - Ação Direta de Constitucionalidade


ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade
ART - Artigo
ARTS – Artigos
CEDH – Corte Europeia de Direitos Humanos
CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CNPCP - MJ – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do
Ministério da Justiça
CP - Código Penal
CRFB - Constituição da República Federativa Brasileira
INC. - Inciso
MG – Minas Gerais
MP - Ministério Público
ONU - Organização das Nações Unidas
RE – Recurso Extraordinário
RESPE – Recurso Especial
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TJ – Tribunal de Justiça
TSE – Tribunal Superior Eleitoral
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 - DIREITOS POLÍTICOS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS E
SUA RELAÇÃO COM A DEMOCRACIA E COM A CIDADANIA....................... 6
1.1. O QUE SÃO DIREITOS FUNDAMENTAIS? ...................................................6
1.2. OS DIREITOS POLÍTICOS ENQUANTO DIREITOS FUNDAMENTAIS ...... 11
1.2.1. BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS POLÍTICOS ....................................................... 11
1.2.2. DEFINIÇÃO E ENUMERAÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS FUNDAMENTAIS .... 20
1.2.3. DEFINIÇÃO DO DIREITO DE SUFRÁGIO E SUAS CARACTERÍSTICAS ............... 24
1.3. A RELAÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS COM A DEMOCRACIA E COM
A CIDADANIA ............................................................................................................. 37
CAPÍTULO 2 - AS RESTRIÇÕES DOS DIREITOS POLÍTICOS
FUNDAMENTAIS ................................................................................................. 53
2.1. RESTRIÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................... 53
2.2. RESTRIÇÕES DE DIREITOS POLÍTICOS FUNDAMENTAIS ........................... 59
2.3. RESTRIÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE SUFRÁGIO EM RAZÃO DE
CONDENAÇÃO CRIMINAL........................................................................................ 76
2.3.1. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE SUFRÁGIO ATIVO (VOTO)........................................ 89
2.3.2. RESTRIÇÃO DE DIREITO DE SUFRÁGIO PASSIVO (ELEGIBILIDADE) ................ 98
CAPÍTULO 3 - A SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DO
CONDENADO CRIMINAL ................................................................................. 108
3.1. A PROPORCIONALIDADE E A RAZOABILIDADE COMO TÉCNICAS
NECESSÁRIAS PARA APLICAÇÃO DE RESTRIÇÃO DE DIREITO
FUNDAMENTAL ....................................................................................................... 108
3.2. A SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DO CONDENADO CRIMINAL
NA JURISPRUDÊNCIA E A PROPORCIONALIDADE ........................................... 117
3.2.1. A JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL ACERCA DA SUSPENSÃO DOS
DIREITOS POLÍTICOS DO CONDENADO CRIMINAL E A PROPORCIONALIDADE..... 118
3.2.2. PANORAMA JURÍDICO-POLÍTICO BRASILEIRO ACERCA DA SUSPENSÃO DOS
DIREITOS POLÍTICOS DO CONDENADO CRIMINAL ......................................................... 127
3.3. CRÍTICA À AUTOAPLICABILIDADE DA RESTRIÇÃO DE DIREITO DE
SUFRÁGIO NO BRASIL EM RAZÃO DE CONDENAÇÃO CRIMINAL DEFINITIVA
................................................................................................................................... 145
CONCLUSÃO .................................................................................................... 161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 167
INTRODUÇÃO

No Brasil, as sentenças penais condenatórias, em regra, em suas


partes dispositivas, após a declaração da condenação e do quantum total de
pena fixado, com o respectivo regime de cumprimento, determinam que, uma
vez ocorrido o trânsito em julgado, seja expedida comunicação à Justiça
eleitoral brasileira para os fins do estabelecido no artigo 15, III, da Constituição
da República Federativa do Brasil de 19881.
Na prática, uma vez recebida a comunicação supramencionada, a
Justiça eleitoral suspende os direitos políticos daquele nacional, impedindo-o
do exercício do direito de sufrágio. Em primeiro lugar, isto significa que os
registros do condenado criminalmente como eleitor ficam indisponíveis, ou
seja, o mesmo fica sem possibilidade de exercício do direito de voto. Para além
disso, deixa também o nacional de poder lançar-se candidato a cargos
políticos, já que, este direito de ser votado está abrangido pelo direito de
sufrágio que concretiza o núcleo essencial dos direitos políticos.
Neste passo, nos sistemas eletrônicos da Justiça Eleitoral brasileira
constam os registros do juízo que comunicou o trânsito em julgado de
condenação criminal para fins de suspensão dos direitos políticos, pelo que, os
mesmos direitos só serão restabelecidos quando o Juízo de execução penal
competente comunicar à Justiça Eleitoral acerca da extinção de punibilidade do
mesmo condenado, seja em razão dos motivos elencados no art. 107 do
Código Penal Brasileiro2 (morte do agente; anistia, graça ou indulto;

1
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos
casos de:
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. (grifo
nosso). BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília: Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.
2
Art. 107.Extingue-se a punibilidade:
I - pela morte do agente;
II - pela anistia, graça ou indulto;
III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV - pela prescrição, decadência ou perempção;
V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;
VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos
Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código;
IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

1
retroatividade da lei que não considera mais o fato como criminoso; prescrição,
decadência ou perempção entre outros previstos de forma taxativa no referido
dispositivo), seja em razão da extinção da pena pelo cumprimento, nos termos
do artigo 109 da Lei Federal n° 7.210 de 1984 (Lei de Execução Penal)3.
Diante de tal regramento, a impossibilidade de votar e ser votado em
razão de condenação criminal, por força de norma constitucional, resta
imperiosa no Brasil enquanto perdurarem os efeitos jurídicos de sentença
penal condenatória, ou seja, antes de integralizar o cumprimento da sanção
penal condenatória que lhe foi aplicada, caso não ocorra nenhuma das outras
situações que configure extinção da punibilidade do agente, ficará o condenado
criminal privado de seus direitos políticos, inviabilizando, desta maneira, sua
participação na condução dos negócios da sociedade enquanto cidadão.
Por outro lado, em que pese tratar de norma disposta diretamente no
texto Constitucional Brasileiro, observou-se que a mesma, caso aplicada de
forma automática, acaba por restringir direitos políticos de indivíduos que
cometeram ilícitos penais de maneira genérica, com relação ao crime
praticado, a natureza e quantidade da pena aplicada e ao respectivo regime de
cumprimento da pena.
Portanto, frente a existência de mais de mil tipos penais no
ordenamento jurídico brasileiro4 5, a possibilidade de substituição de penas
privativas de liberdade por penas restritivas de direitos, e ainda, a existência do
instituto do Sursis - suspensão condicional da pena - podemos observar que há
indivíduos condenados criminalmente em diversos patamares – inclusive por
crimes culposos em que sequer houve a intenção do cometimento do ilícito.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848/1940, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 9 jun.
2019.
3
Art. 109. Cumprida ou extinta a pena, o condenado será posto em liberdade, mediante alvará
do Juiz, se por outro motivo não estiver preso. BRASIL, Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.
Lei de Execução Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm.
Acesso em: 9 jun. 2019.
4
LACERDA, Fernando Hideo. Infopen 2017: O Processo Penal de Exceção em Números. 8 de
dezembro de 2017. Justificando. Disponível em:
http://www.justificando.com/2017/12/08/infopen-2017-o-processo-penal-de-excecao-em-
numeros/ Acesso em: 3 dez. 2019.
5
YAROCHEWSKY, Leonardo. Por uma política-criminal responsável. 17 de fevereiro de 2016
e atualizado em 04 de julho de 2018. Brasil 247. Disponível em:
https://www.brasil247.com/blog/por-uma-politica-criminal-responsavel. Acesso em: 3 dez. 2019.
Este autor afirma que há previsão no ordenamento jurídico brasileiro de aproximadamente
1.688 (um mil, seiscentos e oitenta e oito) tipos penais, ou seja, modelos de comportamento
proibido previstos no Código penal e em diversas leis especiais e extravagantes.

2
Por conta de tais observações, o argumento da natureza constitucional
da regra restritiva para que a mesma fosse aplicada de forma automática
passou a parecer simplista, dando lugar a inquietações que justificam a
importância da presente investigação quanto à existência de exigências que
devem ser observadas para que se restrinja uma norma de direito fundamental,
mesmo no âmbito constitucional.
Ou seja, o objetivo geral da presente investigação é verificar se a regra
restritiva genérica com relação a suspensão dos direitos políticos disposta no
art. 15, III, da CRFB de 1988 se coaduna com a teoria dos direitos
fundamentais, mormente no que se refere ao princípio da proporcionalidade.
Diante de toda situação acima exposta, partindo de uma perspectiva de
Direito Constitucional, e mais especificamente de Direitos Fundamentais, a
presente investigação busca apresentar em seu primeiro capítulo o estudo dos
direitos políticos como direitos fundamentais, iniciando com a definição do que
sejam direitos fundamentais e, em seguida, estabelecendo um breve histórico
do direito de sufrágio, enquanto núcleo essencial dos direitos políticos.
Vale dizer que, apresentar neste primeiro capítulo, mesmo que de forma
breve, a evolução histórica do direito de sufrágio, se coaduna com a relevância
de observar a ordem jurídica a partir de uma perspectiva dinâmica, cujos
acontecimentos históricos influenciam, por diversas vezes, no surgimento e
conquista de determinados direitos, mormente no que se refere à direitos
fundamentais.
Depois, definirá o que são direitos políticos, sua natureza jurídica,
enumerar-se-á tais direitos e se passará a discorrer sobre seus
caracteres/princípios norteadores. Feito isto, será buscado estabelecer a
relação entre os ditos direitos políticos com os institutos da cidadania e da
democracia que consistem em verdadeiros fundamentos de um Estado
Constitucional.
No segundo capítulo, numa perspectiva mais específica de Direitos
Fundamentais sobre o tema central da pesquisa, tem-se como essencial
partirmos do estudo das restrições de direitos fundamentais, e, por
conseguinte, das restrições de direitos políticos enquanto direitos
fundamentais. É pretensão deste trabalho abordar, mesmo que de forma não

3
tão profunda, outras causas de restrições de direitos políticos – além da
condenação criminal - e seus respectivos fundamentos.
Após essa análise, partiremos a investigar se a suspensão dos direitos
políticos do condenado criminal prevista na Constituição do Brasil no art. 15, III,
da CRFB é uma restrição de direito fundamental. Neste aspecto, será
analisado também o fato de que o direito de sufrágio engloba o direito de voto
e o direito de ser votado, de maneira que, procuraremos realizar o estudo para
fins de restrição de forma individual a cada um deles, ou seja, analisando
primeiramente a restrição do direito de voto, e depois, a restrição do direito de
ser votado, sendo ambas verificadas a partir da mesma causa restritiva, qual
seja, a condenação criminal.
O estudo proposto para o terceiro e último capítulo, partirá da análise
de jurisprudência internacional acerca do tema da restrição de direitos políticos
em razão de condenação criminal, especialmente os precedentes firmados na
Corte Europeia de Direitos Humanos, que parece ter dado uma interpretação a
esta temática em consonância com a Teoria dos Direitos Fundamentais,
levando em consideração o Princípio da Proporcionalidade para fins de
aplicação de regra restritiva.
Neste capítulo, tem-se o objetivo de verificar, ainda, e essencialmente,
na perspectiva dos direitos fundamentais, a aplicação do Princípio da
Proporcionalidade para fins de justificação de normas restritivas, de modo a
evitar restrições infundadas, e, por conseguinte tecer uma crítica à
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Brasileiro, no que se refere à
interpretação dada a regra restritiva disposta no art. 15 III, da CRFB de 1988,
que impõe a autoaplicabilidade da suspensão de direitos políticos do
condenado criminal independente do delito cometido, da natureza da pena e do
respectivo regime de cumprimento.
Já neste momento introdutório, é prudente esclarecer que, embora a
norma constitucional objeto do estudo seja brasileira, e ainda, que não exista
qualquer vinculação do Brasil às decisões da Corte Europeia dos Direitos
Humanos, a análise da jurisprudência se faz necessária, levando em
consideração os fundamentos apresentados nas decisões europeias,
mormente quando se pensa que o berço da teoria dos Direitos Fundamentais é
a Europa.

4
Importante frisar que, embora se façam estudos a partir de casos na
jurisprudência internacional, a presente investigação não tem o condão de um
estudo de Direito Internacional, tampouco de Direito Comparado em sentido
estrito, o que não impede que as informações com relação ao Direito
estrangeiro possam ser levadas em consideração para fins de apoio e
construção da argumentação jurídica, neste momento, acadêmica.
Por fim, para que não hajam falsas expectativas sobre um eventual
estudo do tema no âmbito do Direito Penal, é válido afirmar que, embora o
objeto do presente estudo se centre na suspensão dos direitos políticos do
condenado criminal – ou seja, a razão da privação dos direitos políticos
fundamentais se deu por conta do cometimento de um crime, que levou a uma
condenação criminal transitada em julgado – o que estará aqui em investigação
é a norma constitucional brasileira em si, na perspectiva da teoria dos direitos
fundamentais.
Portanto, até para fins de delimitação do objeto de pesquisa, repise-se, a
proposta do presente trabalho é um estudo da “Suspensão dos direitos
políticos do condenado criminal” na perspectiva do Direito Constitucional, e
mais especificamente dos Direitos Fundamentais.

5
CAPÍTULO 1 - DIREITOS POLÍTICOS COMO DIREITOS
FUNDAMENTAIS E SUA RELAÇÃO COM A DEMOCRACIA E
COM A CIDADANIA

1.1. O QUE SÃO DIREITOS FUNDAMENTAIS?

O vocábulo “direitos fundamentais” vem sendo utilizado desde a


Constituição alemã de Weimar de 1919, e daí em diante passou a expandir-se
aos textos constitucionais de outros Estados-Nação.6
Os direitos fundamentais situam-se no texto de uma carta constitucional,
portanto são direitos assentados numa ordem jurídica constitucional – e não
apenas derivados da natureza do homem como são os direitos naturais –
sendo que, a medida que esta ordem os prevê, ela sinaliza sua adesão a uma
ordem de valores que ultrapassa a própria vontade do legislador constitucional,
e, a partir disso não estão restritas ao poder político, de maneira que se
encontram abertas para outros direitos – materialmente fundamentais – já
existentes ou não.7
Robert Alexy afirma que sempre que alguém tem um direito
fundamental, há uma norma que garante esse direito.8 Nas palavras de Konrad
Hesse, os direitos fundamentais são aqueles a que o direito em vigor qualifica
como tal.9 Jorge Miranda explicita ter-se por direito fundamental toda posição
jurídica subjetiva das pessoas consagrada na Lei Fundamental. Já Carl
Schimitt, citado por Paulo BONAVIDES, vai além, apontando que tais direitos,
além de serem os consagrados na Constituição, são a eles que a própria
Constituinte garantiu um maior grau de segurança.10
Tendo em conta o cunho de pesquisa internacional que também tem o
presente estudo, necessário se faz esclarecer a diferença entre as expressões
“Direitos Humanos” e “Direitos Fundamentais”, sem se estender muito nesta
discussão e considerando a forma como a doutrina classicamente vem se

6
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo III, Coimbra: Coimbra Editora,
2014, p. 16.
7
Ibid., p. 14-15.
8
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. 5ª
ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 50.
9
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007,
p. 560.
10
Ibid., p. 561.

6
posicionando. “Direitos humanos” seriam aqueles positivados na esfera do
direito internacional, aspirando uma validade universal – para todos os povos e
tempos – revelando um cunho supranacional. Enquanto “Direitos
fundamentais” são os direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo
direito constitucional interno de cada Estado.11 12
Sobre estes vocábulos “Direitos Humanos” e “Direitos Fundamentais” se
insurge o Professor Paulo Otero em desfavor da expressão “Direitos
Fundamentais”, preferindo se utilizar de “Direitos Humanos”, justificando tal
conduta por considerar a existência de um alargamento excessivo desses
direitos que acarretam uma perda de fundamentalidade. Sobre esse aspecto o
Professor Jorge Miranda discorda, por considerar que o alargamento de tais
direitos fundamentais, longe de desnaturá-los, vem ao encontro de coibir
ameaças e promover o amparo que o indivíduo, na condição de pessoa
humana, necessita, apontando, inclusive, que o vocábulo “Direitos
Fundamentais” se coaduna melhor com a dignidade da pessoa humana como
indivíduo, este individualmente considerado, ao passo que “Direitos Humanos”
nos poderia conduzir à ideia de se tratarem de direitos inerentes à Humanidade
enquanto gênero e não a todas e cada uma das pessoas humanas,13 e dadas
estas considerações é que passará a utilizar a nomenclatura de “Direitos
Fundamentais” na presente investigação científica.
É certo que a consagração normativa dos direitos humanos
fundamentais coube à França quando promulgou a Declaração dos Direitos do
homem e do cidadão com 17 artigos. Já naquele texto do Século XVIII foram
consagrados os direitos políticos como fundamentais, ao lado da liberdade, da
igualdade, da segurança, do direito de propriedade, entre outros.14
Historicamente, junto com a conquista dos direitos individuais –
centrados no âmbito civil – sobreveio o alcance aos direitos políticos pelos

11
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 5ª ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2005, p. 33-41.
12
No mesmo sentido CANOTILHO, J. J. GOMES. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 393. Este autor ainda reforça que os Direitos
Humanos decorrem da natureza humana e por isto universais, invioláveis e intemporais,
enquanto que os Direitos Fundamentais estão objetivamente vigentes numa ordem jurídica
concreta.
13
MIRANDA, Jorge. Op. Cit., p. 17.
14
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais - Teoria Geral. 4ª ed. São
Paulo: Atlas, p. 28.

7
povos, sendo que tanto os direitos individuais quanto os direitos políticos
consagram valores de liberdade, inerentes ao Estado Liberal e fazem parte da
primeira dimensão de direitos fundamentais.15
Em que pese os direitos políticos fazerem parte desta primeira dimensão
de direitos fundamentais, e isso em conjunto com os direitos civis, eles tem
natureza completamente distintas, por que são eles – os políticos – que
possibilitam a participação do cidadão, enquanto titular de direitos
fundamentais – na direção dos negócios da sociedade, e, desta maneira,
também são eles – especialmente o direito de sufrágio - os verdadeiros pilares
de uma democracia.
Importa afirmar que, tanto na Constituição Federal brasileira vigente,
quanto na Constituição Portuguesa, os direitos políticos são tratados dentro
dos respectivos Títulos referentes aos direitos fundamentais. Esta análise da
topografia das cartas constitucionais não é irrelevante, e mais, espanca
qualquer dúvida acerca da natureza de direito fundamental conferida aos
direitos políticos, demonstrando que a intenção do Poder Constituinte
Originário foi mesmo de colocar tal categoria de direitos em lugar privilegiado
no ordenamento jurídico, conferindo-lhes maior força, bem como, maiores
garantias.
Como ensina Jorge Miranda, todos os direitos fundamentais em sentido
formal são também direitos fundamentais em sentido material. Mas, há direitos
fundamentais em sentido material para além deles.16 17
A partir dessa afirmação, sendo os direitos políticos formalmente
fundamentais porque assim descritos nas cartas constitucionais como tal –
como é o caso do Brasil, de Portugal - por via de consequência, podemos
concluir que os mesmos também são materialmente fundamentais.
Portanto, tem-se que os direitos políticos, assim como os direitos civis
acima tratados, são direitos fundamentais e ambos são parte de uma fase
inaugural do constitucionalismo ocidental - primeira geração (ou dimensão) dos
direitos fundamentais – a qual está em constante evolução desde a simples

15
MORAES, Guilherme Peña. Direitos Fundamentais: Conflitos e soluções. Rio de Janeiro:
Frater et Labor, 2000, p. 28.
16
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. Tomo IV. 6ª
ed. Coimbra: Editora Coimbra, 2015, p. 11.
17
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 563.

8
declaração formal da existência dos referidos direitos e sua fundamentalidade,
passando por concretizações parciais dos mesmos, rumo à maior ampliação
possível destes para fins de efetivação do sistema democrático.18
É de bom alvitre mencionar que a elevada posição dos direitos
fundamentais com relação aos demais direitos conferem-lhes caracteres
próprios, dentre os quais destaca-se nesta investigação a universalidade, esta
que consiste em dizer que a abrangência desses direitos se dão de maneira a
englobar todos os indivíduos, independente de nacionalidade, sexo, raça,
credo, ou convicção político-filosófica.19 E isso também ocorre com os direitos
políticos, dada a natureza destes de direito fundamental.
A partir da diferenciação poderíamos concluir que os direitos
fundamentais estão dentro do âmbito dos direitos humanos, e, por sua vez, os
direitos políticos, além de fundamentais, também estão compreendidos dentre
os direitos humanos.
Portanto, visto o que são os direitos políticos e sua localização nas
Constituições dos estados e nos instrumentos internacionais, a exemplo do
artigo 21º da Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão, ao
artigo 25º do Pacto internacional dos direitos civis e políticos e ao art. 3º do
primeiro protocolo da Convenção Europeia de Direitos Humanos, não resta
dúvida de tratarem os direitos políticos, tanto de Direitos Fundamentais como
de Direitos Humanos, conforme as acepções acima referidas.
Cumpre dizer que o fato de alguns povos estarem privados de direitos
políticos não constitui argumento legítimo para que tais direitos de participação
não sejam considerados direitos humanos, pois, o que importa, para esta
questão, não é o que efetivamente existe mas o que deveria existir, de modo
que tais povos, hoje privados de direitos políticos, podem estar em contínua
luta para garanti-los.20

18
No mesmo sentido, Habermas aponta que os direitos liberais de liberdade, os quais impedem
a intromissão do Estado na esfera privada, em conjunto com os direitos de participação
democrática, formam os direitos fundamentais clássicos. HABERMAS, Jurgen. Sobre a
Constituição da Europa. Tradução: Denilson Luiz Werle, Luiz Repa e Rúrion Melo. São Paulo:
UNESP, 2012, p. 15-16.
19
MORAES, Alexandre de. Op. Cit., p. 41.
20
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto. O Poder de Eva: o princípio da igualdade no âmbito dos
direitos políticos; problemas suscitados pela discriminação positiva. Lisboa: Almedina,
2004, p. 76.

9
É válido ressaltar que este conjunto de direitos fundamentais
denominados por “direitos políticos” materializam-se em normas, as quais são
consequências da necessidade de regulamentação de como deve funcionar a
participação dos indivíduos no processo democrático de sua respectiva nação.
No caso do Brasil, por exemplo, e em países que instituíram a
democracia representativa ou indireta – explico, aquela que funciona com a
realização de eleições periódicas nas quais os cidadãos escolhem os seus
representantes, apontam quem vai tomar as decisões dos negócios públicos do
país, de modo que o Poder será exercido por meio de representação 21 – esta
tal participação se dá genuinamente quando o povo promove tal eleição para
que estes eleitos decidam os rumos que devem dar ao país, destinando as
receitas públicas, escolhendo os investimentos, cobrando os impostos, gerindo
a administração pública em geral.
O direito de acesso aos cargos públicos, o direito de associação política,
o direito de petição e de ação popular, o direito de informação aos atos
praticados pelo Estado (transparência), entre outros, são todos exemplos de
direitos políticos22, cujo núcleo fundamental é, sem dúvida, o direito ao
sufrágio.
No texto constitucional brasileiro, o Constituinte foi claro, e até enfático,
ao apontar situações que não poderiam sofrer alterações através do Poder
Constituinte derivado, se referindo exatamente à forma federativa de Estado, à
separação de poderes, aos direitos e garantias individuais e ao voto. 23 O
Direito de sufrágio traz consigo a mensagem de ser impossível o alcance dos
demais direitos fundamentais fora de um regime democrático.
Portanto, embora os direitos civis e políticos façam parte da primeira
dimensão dos direitos fundamentais, inclusive, ambos tem surgimento em
caráter nitidamente liberal, são os direitos políticos, enquanto conjunto de
direitos que os indivíduos tem em face do Estado no que se refere à

21
MELÃO, George. O voto obrigatório no Estado Democrático Brasileiro. São Paulo: Letras
Jurídicas, 2017, p. 36.
22
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto. Op. Cit., p. 69.
23
CARVALHO, Volgane Oliveira. Direitos Políticos no Brasil – O eleitor do Século XXI.
Curitiba: Juruá, 2016, p. 26. Comenta ainda o autor que o Constituinte originário, mesmo
entendendo que o direito ao sufrágio está no rol dos Direitos Fundamentais, fez questão de
evidenciar o voto no dispositivo para que se entendesse a importância do instituto para o
programa constitucional brasileiro, que seria este uma espécie de sustentáculo do Estado
Democrático de Direito Brasileiro.

10
participação da vida pública de seu país, sobre os quais se centram o presente
estudo.24

1.2. OS DIREITOS POLÍTICOS ENQUANTO DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.2.1. BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS POLÍTICOS

Foi na Antiguidade clássica, mais especificamente na Grécia, que


surgiram as primeiras formas de participação política organizada. Nas Cidades-
Estados gregas, os cidadãos encontravam-se na ágora para decidir, em
conjunto, o destino que aquela sociedade deveria seguir sobre cada uma das
situações postas em discussão. Na sociedade grega antiga, havia um sistema
de poder baseado na decisão plúrima e na participação política ativa. Tal
procedimento está intimamente associado às hipóteses contemporâneas de
direitos políticos, sendo que, nas pólis gregas, a participação política na
tomada de decisões estava restrita aos homens adultos, enquanto indivíduos
do sexo masculino, livres, que, por conseguinte, gozavam de determinado
status social.25
Com relação aos direitos políticos, observamos que as pólis gregas
deixaram um legado, haja vista que foi da prática da participação política na
Grécia que se inferiram os primeiros conceitos relacionados à “decisão por
maioria”, resolução dos problemas comunitários através do debate com a
sociedade, necessidade de um conteúdo ético nas relações políticas, bem
como a empregabilidade do termo “democracia”.26
Já no decorrer da Idade Medieval, embora não se contasse com um
regime democrático, alguns elementos do modelo de democracia estabelecido
na Grécia não estavam adormecidos por completo. Esta afirmação se faz frente
às experiências de cidades-estado italianas – como Roma, Veneza e Florença -
que adotaram, na época, formas republicanas, e nessa perspectiva, ansiavam

24
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto. Op. Cit., p. 67.
25
Vale lembrar que na Grécia, os “cidadãos” ocupavam o topo da pirâmide societária, e neste
grupo não estavam incluídos mulheres, nem estrangeiros, nem escravos, concentrando-se
basicamente em homens adultos. Anota-se ainda que, á época, o modo de produção grego era
escravista e a grande maioria de indivíduos que vivia na Pólis eram escravos, portanto, a
maioria das pessoas não contava com direitos políticos na Grécia antiga. CARVALHO, Volgane
Oliveira. Op. Cit., p. 42-43.
26
Ibid., p. 46.

11
por um regime político que buscasse a predisposição de realizar o bem comum
quando da decisão em torno dos assuntos públicos.27
O que se observa, é que embora não existisse a democracia na idade
média, os valores democráticos que pugnam pelo bem comum quando das
decisões políticas, restavam presentes nestes locais por conta da existência de
um regime republicano. 28
Portanto, se, por um lado, a participação política dos cidadãos nas
decisões a serem tomadas sobre os negócios públicos da sociedade surgiu na
Grécia (antiguidade clássica), por outro, durante a maior parte da Idade Média
o ideal democrático, embora não adormecido, não atinge um mínimo grau de
concretude, ou seja, não se podia falar de existência da democracia nessa
linha histórica do tempo, o que, por conseguinte, elimina a possibilidade dos
cidadãos participarem das decisões políticas neste período, não se podendo
concluir pela existência de direitos políticos na altura.
No período da Baixa Idade Média, já por volta do século XIII, podemos
destacar a Inglaterra, que, apesar de viver sob o poder soberano do monarca,
diferenciava-se da França. Enquanto os franceses amargavam uma monarquia
absoluta, os ingleses contavam com uma monarquia limitada, durante a qual,
em 1215, foi imposto ao Rei João Sem-Terra a Magna Carta - documento em
que os poderes do monarca ficavam reduzidos e alguns direitos foram sendo
concedidos aos súditos.29
A Magna Carta inglesa de 1215 teve profunda relevância, já que conteve
o fortalecimento excessivo da monarquia naquele país, e, ao mesmo tempo,
propiciou o início de um processo que resultaria na criação do Parlamento
Britânico, este, por sua vez, fundamental no combate ao absolutismo e na
promoção do constitucionalismo.30 31
Na verdade, com a criação do parlamento britânico a partir da magna
carta, a Inglaterra passou a contar com uma monarquia parlamentar, na qual,
embora ainda não houvesse base para a criação de um núcleo de direitos

27
MAUÉS, Antônio Gomes Moreira. Poder e democracia: O Pluralismo Político na
Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 80.
28
Idem.
29
CARVALHO, Volgane Oliveira. Op. Cit., p. 63.
30
Idem.
31
DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: Da idade Média ao século
XXI. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 78.

12
políticos,32 foi por esta, e por conseguinte, pelo advento do Parlamento, que o
monarca britânico não atingiu um grau de absolutismo tal qual nos outros
Estados europeus (Espanha, França e Portugal), abrindo espaço para o
fortalecimento de um ambiente de tensão entre os reis e os grandes
proprietários na Inglaterra, o que culminou num golpe que encerrou o domínio
dos Stuarts, conhecido como “Revoluçao Gloriosa”.33
A Revolução Gloriosa ocorreu na Inglaterra entre os anos de 1688-1689,
e, enquanto evento nitidamente político, promoveu maior limitação dos poderes
do monarca e a ampliação dos poderes do Parlamento através da edição do
Bill of Rights em 1689.34 35
Nota-se que, mesmo que ainda não se pudesse falar em democracia, o
fortalecimento do Parlamento Britânico a partir da dita revolução acabou por
neutralizar qualquer possibilidade de retrocesso do governo inglês para uma
monarquia com maior grau de concentração de poder político, o que, por si, já
se pode ter como anúncio dos ventos democráticos.
A Declaração de Direitos de 1689 elaborada na Inglaterra em
consequência da Revolução Gloriosa (Século XVII) – Bill of Rights, tornou-se a
primeira norma escrita com referência implícita a existência de direitos
políticos, essencialmente do direito de sufrágio, de modo a assegurar,
expressamente, a necessidade de que as eleições para escolha de
representantes fossem livres.36
Mas isso não quer dizer que o sufrágio, naquela altura, fosse encarado
como um instrumento capaz de defender o cidadão contra os arbítrios do
estado. Na verdade, esta Declaração de Direitos era um mecanismo jurídico
que assegurava a participação política, por meio do direito de sufrágio, aos

32
CARVALHO, Volgane Oliveira. Op. Cit., p. 63.
33
Ibid., p. 64.
34
Ibid., p. 63.
35
Os Lords, espirituais e temporais e os membros da Câmara dos Comuns declaram, desde
logo, o seguinte: (...) 8. Que devem ser livres as eleições membros do Parlamento. (...)Que a
lista dos jurados eleitos deverá fazer-se em devida forma e ser notificada; que os jurados que
decidem sobre a sorte das pessoas nas questões de alta traição deverão ser livres
proprietários de terras. Organização das Nações Unidas. Declaração de Direitos de 1689 (Bill
of Rights). Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/74887/mod_resource/content/1/Declara%C3%A7%C3
%A3o%20de%20Direitos%201689%20-%20Bill%20of%20Rights.pdf. Acesso em: 9 fev. 2019.
36
CARVALHO, Volgane Oliveira. Op. Cit., p. 65.

13
grandes proprietários de terra, instalando-se um regime censitário de escolha
do eleitorado, o qual não refletia uma representação adequada da população.37
Tem-se, portanto, que os direitos políticos – essencialmente o direito de
sufrágio – tanto durante o Estado liberal quanto na antiguidade, estavam
reservados a uma parcela da população. O direito de participação política dos
indivíduos na condução dos negócios públicos ressurge a partir da Revolução
Gloriosa direcionado aos indivíduos mais virtuosos, os quais, “por
coincidência”, eram os cidadãos do sexo masculino e, necessariamente, com
propriedades, preferencialmente, imóveis.38
Apenas a partir de 1832 iniciam reformas políticas sucessivas na
Inglaterra, as quais, em 1884, culminaram com a extensão do voto aos
homens, enquanto indivíduos do sexo masculino.39 Na Inglaterra do século XIX
o sufrágio ainda não contava com a característica de universalidade tal qual
entendemos contemporaneamente, visto que o mesmo era carregado de
restrição.
Ainda sobre o ressurgimento dos direitos políticos no continente europeu
no final do século XVIII, não há como não falar da experiência francesa, afinal,
foi a Revolução Francesa em 1789 um marco democrático ocidental. Os
direitos políticos, enquanto tema abordado pelos franceses durante a referida
revolução, estavam diretamente ligados à ideia de liberdade buscada pela
burguesia da época frente às exigências do monarca. Na França setecentista,
a busca por direitos políticos e realização de eleições representava a
necessidade de rompimento com o regime absolutista e, por conseguinte,
possibilidade real de haver alternância no poder.40
Sem dúvida que a Revolução Francesa de 1789 contribuiu para a
evolução dos direitos políticos, propiciando uma cultura de valorização da
participação política local. Em 1848 na França, em razão de outra revolução,
surgiram os primeiros diplomas legais que já tratavam de universalização do

37
Idem
38
RAPOSO, Vera Lúcia. Op. Cit., p. 86.
39
CARVALHO, Volgane Oliveira. Op. Cit., p. 65. O autor esclarece que, de forma sucessiva,
houve reformas políticas nos anos de 1832, 1867 e 1884 na Inglaterra, quando então o direito
de sufrágio foi sendo extendido à classe média e proletariado urbano e ao proletariado rural e
empregados de minas, mas aí não se incluía as mulheres.
40
CARVALHO, Volgane Oliveira. Op. Cit., p. 72.

14
sufrágio, com a ideia de afastamento de qualquer limitação deste direito que
contivesse caráter discriminatório.41
Faz-se necessário salientar que essa universalização proposta até o
século XIX apenas intentava dissociar direitos políticos do direito de
propriedade, de modo que a ideia de universalidade no século XIX não
abarcava, por exemplo, o direito de sufrágio às mulheres, portanto, não os
colocava como direitos inerentes à condição humana.
Já nos Estados Unidos da América, a primeira referência ao direito de
sufrágio surge na Declaração de Direitos da Virgínia (12 de junho de 1776 –
Século XVIII), e esta é tida como o primeiro documento norte americano que
reconheceu direitos políticos. Vale dizer que, menos de um mês depois da
publicação de tal Declaração, os EUA tornavam-se independentes da
Inglaterra, inaugurando uma era em que o poder soberano residiria no povo,
que governaria o Estado através de representantes, os quais exerceriam o
poder de forma direta ou indiretamente, em período limitado.42
A partir da visualização do contexto histórico até aqui delineado se
verifica que desde o século XVIII estava se abrindo o caminho para a
ampliação da participação política de um maior número de indivíduos da
sociedade na decisão dos negócios públicos, conferindo-lhes direitos políticos,
os quais, enquanto direitos subjetivos dos indivíduos, iniciaram sua
autonomização, de tal forma que os cidadãos passaram a não ser mais
totalmente subordinados ao monarca absoluto.43
Porém, não se pode perder de vista que, as Declarações de Direitos
citadas acima – precursoras de direitos individuais e direitos de participação
política - estavam imbuídas nos ideais do liberalismo, portanto, nelas ainda
prevalecia a ideia de que o sufrágio deveria estar restrito aos mais capacitados
da sociedade, considerados como “superiores”, restando excluídos, portanto,
as mulheres, os religiosos, os pobres, analfabetos, trabalhadores dependentes,
enfim, uma vez que tais indivíduos não tinham autonomia financeira, e,
portanto, eram considerados membros de uma categoria incapacitada a
escolher seus representantes.

41
Ibid., p. 75
42
Ibid., p. 63.
43
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto. Op. Cit., p. 73.

15
Ou seja, em que pese estivesse sendo resgatado o direito de
participação política, este ainda era eivado de práticas discriminatórias com
relação a quais indivíduos poderiam exercer os direitos políticos –
essencialmente o direito de sufrágio – e isso sem que fossem apresentadas
justificativas legitimamente democráticas que fundamentassem tais
discriminações.
Portanto, seja no continente europeu, seja na América, a partir das
Revoluções Burguesas do século XVIII, que culminaram com Declarações
Universais de Direitos, restava escancarado o caminho para a consolidação da
democracia alicerçada sobre a garantia de direitos políticos, estes enquanto
direitos de participação na vida política do Estado-Nação conferidos aos
cidadãos. Tais direitos, ainda que com alta carga de restrição no Estado
Liberal, revelavam, naquela altura, o rompimento com o absolutismo
monárquico, e, portanto, um caminho aberto para a conquista da soberania
pelo povo.
Na Inglaterra, por exemplo, o país que, como dito acima, foi o primeiro a
editar documento político garantindo o direito ao sufrágio, este só foi
introduzido no ordenamento jurídico daquele Estado-Nação com caractere de
universalidade – verdadeira generalidade e amplitude - em 1918, quando as
mulheres passaram a exercer o direito de sufrágio44 45.
Na França, muito embora a Revolução Francesa tivesse garantido
direitos políticos a todo homem, por este vocábulo não se podia entender
pessoa humana, mas apenas os indivíduos do sexo masculino, de modo que
apenas em 21 de abril de 1944 foi garantido o direito de sufrágio às mulheres
francesas, por força da Ordonnance. Conclui-se, portanto, que o universalismo
revolucionário proposto no século XVIII, na verdade, contava com um vazio de
sentido, que só foi preenchido no século XX.46

44
O filme “As Sufragistas” (Título Original “Suffragette”) retrata bem esta conquista das
mulheres no Reino Unido no início do Século XX. Filme Franco-Britânico de 2015 do gênero
drama biográfico, realizado por Sarah Gravon e escrito por Abi Morgan. Estreou em Portugal
em 05 de novembro de 2015.
45
CARVALHO, Volgane Oliveira. Op. Cit., p. 65. O autor esclarece que em 1918, na Inglaterra,
o direito de sufrágio era concedido aos homens a partir de 21 anos e às mulheres a partir de 30
anos, o que só foi revisto em 1928 quando as mulheres também passaram a ter direito ao
sufrágio a partir dos 21 anos.
46
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto. Op. Cit., p. 185.

16
Já nos EUA, as mulheres só passaram a ter direito ao Sufrágio com a
edição da 19ª Emenda (1920), e mais, apenas no final do século XX, a
Suprema Corte editou a 24ª Emenda proibindo as “poll taxes” (taxas eleitorais)
e os testes de seleção, que excluíam do escrutínio até 15% dos cidadãos –
como, por exemplo, os negros. Já na França só foi possível observar mulheres
com direito de votar em 1945.47 48
Em Portugal, apenas após a Revolução de 25 de abril é que foram
abolidos os últimos obstáculos que entravavam o direito de sufrágio dos
cidadãos portugueses.49
No Brasil colonial, desde a chegada dos portugueses em 1500 até a
Constituição de 1824, sem adentrar muito em detalhes, podemos afirmar que
os direitos políticos estavam adstritos a uma elite nobre e aristrocrática nas
vilas e cidades brasileiras, elite esta que restava controlada pela Coroa
Portuguesa.50
Com a Constituição brasileira de 1824 foram estabelecidas as primeiras
regras para fins de realização de eleições no Brasil, estando o direito de
sufrágio adstrito aos cidadãos do sexo masculino com poder econômico. O
constituinte brasileiro do império preocupou-se em estabelecer um modelo de
sufrágio censitário, o qual só foi superado quando da República Velha ou
República dos Coronéis (1889-1930), mas, mesmo nesta, ainda não havia
universalidade do sufrágio.51
A Revolução de 1930 no Brasil deu início à Era Vargas que se prolongou
até 1946. No início desta Era, o Brasil parecia ter alcançado um periodo de
estabilidade democrática, já que tinha conseguido conjugar: sufrágio universal,
voto secreto, liberdade de manifestação do pensamento político e eleições

47
HAMOM, Francis; TROPER, Michel; BURDEAU, Georges. Direito Constitucional. Tradução
de Carlos Souza. 27ª ed, Baruer: Manole, 2005, p. 152.
48
EMENDA XXIV da Constituição dos EUA (1964):
Seção 1 Não pode ser negado ou cerceado pelos Estados Unidos ou qualquer dos Estados o
direito dos cidadãos dos Estados Unidos de votar em qualquer eleição primária para Presidente
ou Vice-presidente, para os eleitores do colégio eleitoral do Presidente ou Vice-Presidente, ou
para Senador ou Representante no Congresso, em razão de não haver pagado qualquer
imposto eleitoral, ou algum outro imposto. Seção 2 O Congresso terá competência para,
mediante legislação adequada, executar este artigo. Disponível em:
http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNE
TO.pdf Acesso em: 01 de dez de 2019.
49
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto. Op. Cit., p. 79.
50
CARVALHO, Volgane Oliveira. Op. Cit., p. 79.
51
Idem.

17
regulares e competitivas, inclusive com a aprovação do primeiro Código
Eleitoral brasileiro em 1932,52 que trouxe como relevante conquista o direito de
sufrágio às mulheres.53 54
É sabido que a partir de 1937, com o advento do Estado Novo
implantado por Getúlio Vargas (Constituição de 1937), foi um período de
grande turbulência política no Brasil, de modo que, uma vez suspensa pela
Constituição de 1937, a democracia brasileira, e com ela os direitos políticos,
estes só foram restabelecidos em 1946. Vale dizer que, com o Golpe de
Estado pelos militares em 1964, foi assentado o período da ditadura militar no
Brasil que perdurou até 1985.55
Diante da sequência de tais fatos históricos, se pode afirmar que o Brasil
só retomou efetivamente a um regime democrático de governo com a
Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, conhecida, inclusive,
como Constituição cidadã, já que esta, além de restabelecer a democracia,
fincou avanços concernentes aos direitos fundamentais, donde se incluem os
direitos políticos com caráter de universalidade.56
Importante salientar que desde a primeira constituição brasileira em
1824, já restavam impostas no texto constitucional as causas de suspensão e
perda dos direitos políticos, sendo que a suspensão em razão de condenação
criminal esteve presente nas 07 (sete) constituições brasileiras, portanto, em
toda história do constitucionalismo no Brasil.
A partir do histórico acima exposto, tem-se que os direitos políticos,
embora tenham nascido com a democracia grega, parecem ter sidos deixados
em stand by até o século XVIII, época esta que, não por acaso, constitui um
período de crises políticas para os velhos regimes da Europa cujos movimentos
revolucionários - como a Revolução Gloriosa, a Revolução Francesa e a
Independência dos EUA acima mencionados – embora tivessem finalidades
específicas diferentes, tinham entre seus pontos comuns, a conquista de

52
MELÃO, George. Op. Cit., p. 31-32.
53
IMA, Gerson Gilmar de. As mulheres e os direitos políticos no Brasil. Revista Jus Navigandi,
Teresina, ano 21, n. 4881, 11 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53618.
Acesso em: 8 abr. 2019.
54
CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila Medeiros de
Albuquerque Luz de Pádua. Tratado de Direito Eleitoral. Tomo III. São Paulo: Editora Premier
Máxima, 2008, p. 59-69.
55
MELÃO, George. Op. Cit., p. 31-32.
56
Idem.

18
direitos fundamentais, dentre estes os direitos políticos enquanto garantidores
da participação política dos cidadãos na gestão dos negócios públicos da
sociedade.
Nota-se que a garantia de participação política constava da pauta liberal
mínima do século XVIII, veiculada através dos objetivos das Revoluções
burguesas, os quais acabaram gerando Declarações de Direitos, estas que
buscavam não só limitar o poder do soberano através da consagração dos
direitos e liberdades individuais (direitos civis) mas, e ao mesmo tempo,
garantir a participação política da nova classe que surgia com o poder
econômico, na decisão dos interesses da sociedade, ou seja, garantir direitos
políticos para esta classe.
A reserva de direitos políticos aos cidadãos detentores de poder
econômico ostentada até o início do século XX, se deu em razão do próprio
histórico de conquistas de tais direitos, visto que os mesmos foram
primeiramente alcançados apenas pelos cidadãos que compunham a
burguesia - enquanto classe social surgida na altura a partir da conquista do
poder econômico - de modo que, a relação direta entre poder econômico e
direito de participação política existente até o início do século XX deu espaço a
uma carga restritiva elevada aos direitos políticos, inclusive sendo esta, no que
se refere aos direitos políticos, a grande marca do Estado Liberal.
Por outro lado, em que pese o alto grau de restrição aos direitos
políticos até o início do século XX, foi a conquista e garantia destes direitos
primeiramente pelos detentores de poder econômico que, ainda que sem o
caráter universal, possibilitou o rompimento histórico com o Estado Absolutista
concentrador de poder político e, ao mesmo tempo, promoveu tanto a
possibilidade de escolha dos representantes como a criação de chances na
alternância de poder.
Logo, apesar da ampliação dos direitos políticos terem sido uma das
principais características do século XIX, só mesmo no século XX -
relativamente recente tanto na Europa quanto no Brasil e na América – é que
houve propriamente a desvinculação do direito de sufrágio de critérios

19
econômicos e sexuais, consagrando-se tal direito como universal,
reconhecendo os direitos políticos aos cidadãos adultos.57
Repise-se, esta universalidade não deve ser entendida de forma
absoluta, mas, sim, com possibilidade de haverem restrições ao direito de
sufrágio – etária, nacionalidade, em razão de capacidade mental, entre outras -
desde que tal restrição seja justificavelmente proporcional.
Importante frisar que os direitos políticos, consagrados nas
Constituições ocidentais do século XX, também tiveram, no mesmo século,
reconhecimento em diplomas internacionais como na Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 194858 e no Pacto de Direitos Civis e
Políticos de 196659. Da leitura destes instrumentos jurídicos, tem-se ratificada a
natureza de direito fundamental dos direitos políticos, assim como, o seu
reconhecimento com caráter de universalidade.

1.2.2. DEFINIÇÃO E ENUMERAÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS


FUNDAMENTAIS

A concepção de Direitos Políticos oriunda da Revolução Francesa, e por


conseguinte, exposta na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789, delimita expressamente tais direitos como sendo aqueles
que permitem aos habitantes de determinado Estado tomar parte no governo, 60
ou seja, participar e deliberar quanto à administração dos negócios públicos do
Estado, os quais abrangem: gestão de recursos públicos, execução de políticas
públicas, regulação do setor econômico-financeiro, realização de atividades

57
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto. Op. Cit., p. 79.
58
Art. XXI 1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente
ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo ser humano tem igual
direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da
autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por
sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-
content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em: 31 mar. 2019.
59
BRASIL, Decreto nº 592, de 6 de julho de 1922. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm Acesso em: 9 jun. 2019.
60
PINTO FERREIRA. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.
174.

20
legislativas, implantação de projetos sociais e econômicos, entre outros. 61
Portanto, são os direitos políticos que possibilitam ao indivíduo adentrar na
esfera estatal e participar da construção da vontade política.62
Os direitos políticos são o gênero, tendo como espécies destes: o direito
de informação sobre as demais entidades públicas, o direito de sufrágio, o
direito de associação política, o direito de petição, o direito de ingresso com
ação popular,63 o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, entre outros.64
São eles direitos públicos subjetivos cujo conteúdo sempre dependerá
da ordem jurídica positiva, e quando assim são dispostos na Constituição,
adquirem uma imunidade frente aos atos estatais.65
Os direitos políticos, diferente dos direitos civis que pertencem a todos
os nacionais, são aqueles atinentes aos cidadãos ativos 66. Nessa linha, o
indivíduo que não seja cidadão ativo, embora titular de direitos civis – direito à
vida, direito à liberdade, à igualdade, à propriedade – não será
necessariamente titular de direitos políticos, já que a titularidade destes últimos
exige do indivíduo a condição de ser cidadão somada a condição de não estar
atingido por nenhuma das restrições ao gozo dos direitos políticos, o que
configura a cidadania ativa.
Na Constituição italiana de 1947, por exemplo, tais direitos estão
consagrados nos artigos 48 e 54, como direitos de cidadãos de participarem
direta ou indiretamente do governo da República. 67
Na Alemanha, a Constituição de 1949 declara em seu art. 2º que o
poder emana do Povo que o exercerá mediante eleições e votações. No

61
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016, p. 106.
62
PINTO JÚNIOR, Nilo Pereira. Direito eleitoral e moralidade: A vida pregressa do
candidato como condição autônoma de Elegibilidade. Curitiba: Editora Juruá, 2014, p. 69.
63
RAPOSO, Vera Lúcia. Op. Cit., p. 69. Para fins de fundamentação destes direitos políticos na
Constituição da República Portuguesa, a autora aponta os artigos 48º, 49º, 50º, 52º e 124º,
todos da CRP vigente.
64
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª ed. São Paulo:
Editora Malheiros, 2009, p. 346.
65
VARGAS, Marco Antônio Martin; KIM, Richar Pae. Voto Facultativo e Fundamentos da
Democracia: Diálogos sobre a noção de cidadania. In: CIDADANIA: O novo conceito jurídico
e a sua relação com os direitos fundamentais individuais e coletivos. São Paulo: Editora
Atlas, 2013, p. 155.
66
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto. Op. Cit., p. 77.
67
PINTO FERREIRA. Op. Cit., p.166-167.

21
regime soviético se incluíam entre os direitos políticos: a igualdade perante a lei
e o sufrágio ativo e passivo, direto e secreto.68
Nos Estados Unidos da América, a Emenda nº XIV à Constituição definiu
a cidadania americana e os privilégios daqueles cidadãos, impedindo aos
Estados restrição a esses direitos. Na Emenda nº XV há previsão de
impossibilidade de negar direito de voto em virtude de raça ou cor, e na
Emenda XIX esta mesma proibição se relaciona ao sexo, ou seja, não se pode
negar direito de voto a um cidadão americano com base no sexo, daí porque
se conclui que a Suprema Corte Americana é sim protetora dos direitos
políticos naquela nação.69
Em Portugal, o art. 9º da Constituição da República Portuguesa
preconiza a participação organizada dos cidadãos na resolução dos problemas
nacionais. Já o art. 48º da CRP define o conceito de direitos de participação
política, e na sequência, a referida Carta Constitucional trata do direito de
sufrágio nos artigos 49º e 50º, o direito de associação política no art. 51º, o
direito de petição e de ação popular no art. 52º, entre outros. 70
Vale dizer que a Carta Constitucional portuguesa traz a generalidade, a
igualdade e a universalidade como requisitos básicos do direito de sufrágio –
artigos 12º e 13º da CRP, o que não exclui a existência de restrições ao direito
de sufrágio no ordenamento jurídico português, sendo que estas estão
reservadas ao legislador infraconstitucional.71
No Brasil, tem-se que o conceito de direitos políticos deve ter sido
cunhado primariamente por José Pimenta Bueno, o qual, ao tecer comentários
à Constituição Imperial de 1824, afirmou que tais direitos seriam prerrogativas,
atributos, faculdades ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo
de seu país, sendo, dita intervenção, de forma direta ou indireta, mais ou
menos ampla, tudo em conformidade com a intensidade de gozo desses
direitos.72 73 74

68
Ibid., p. 167.
69
Idem.
70
RAPOSO, Vera Lúcia Op. Cit., p.68-69. Neste aspecto a autora afirma que sempre que o
legislador infraconstitucional quiser restringir o direito de sufrágio terá que se debater com “os
limites dos limites” dos direitos fundamentais, consagrados no artigo 18º da CRP.
71
Idem.
72
CARVALHO, Volgane Oliveira Op. Cit., p.23. Cita a obra de PIMENTA BUENO, José Antonio.
Direito Público Brasileiro e análise da Constituição do Império. (s.l.) Ministério da Justiça e
Negócios Interiores, 1958.

22
A partir dessa concepção, que ainda é a que irradia a definição de
direitos políticos, temos que tais direitos continuam sendo apontados como a
possibilidade de participação ativa do cidadão no processo político do Estado,
de modo a intervir diretamente na formação de governos e parlamentos, bem
como, influenciar de forma direta nas modificações legislativas - através do
plebiscito, referendo e iniciativa popular.
Os direitos políticos, enquanto gênero, disciplinam as diversas
manifestações da soberania popular, a qual se concretiza pelas variadas
espécies destes direitos, quais sejam: sufrágio universal – que abrange o voto
direto e secreto (com valor igual para todos os votantes) - plebiscito, referendo
e iniciativa popular.75 76 77
Os direitos políticos foram objeto de cuidado legislativo no ordenamento
jurídico brasileiro mesmo nas Constituições outorgadas por regimes
autoritários, o que não significa dizer que em todas elas havia garantia do seu
exercício de forma plena, mas, por óbvio, se pode perceber que os mesmos
têm um caráter norteador no Constitucionalismo brasileiro.78

73
Vale dizer que a forma em que são exercidos esses direitos – direta ou indireta – constitui a
modalidade de regime democrático instituído em determinado estado. Direitos Políticos
exercidos de forma direta nos levam a uma democracia direta, enquanto que direitos políticos
exercidos de forma indireta nos levam a uma democracia representativa.
74
GOMES, José Jairo. Op. Cit., p.29-30. Para este autor, “denomina-se direitos políticos ou
cívicos as prerrogativas e os deveres inerentes à cidadania. Englobam o direito de participar
direta ou indiretamente do governo, da organização e do funcionamento do Estado.”
75
GOMES, José Jairo. Op. Cit., p.29-30.
76
PINTO FERREIRA. Op. Cit., p. 168-169. O autor define Iniciativa popular como sendo a
instituição pela qual um grupo de pessoas pode propor uma lei ou sugestão de reforma
constitucional, sendo que para tal há necessidade de determinado número de assinaturas, que
lhes permita requerer a submissão de tal proposta à apreciação dos eleitores, para aprová-la
ou rejeitá-la, ou seja, configura o direito do cidadão, em agrupamento, introduzir um projeto de
lei à apreciação do parlamento.
77
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12° ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 69-70. Este autor
expõe que Plebiscito consiste na consulta prévia à edição de “ato legislativo ou administrativo,
cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido” (art. 2º , § 1º,
da Lei Federal nº 9.709/98) e Referendo como a consulta posterior à edição de “ato legislativo
ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição” (art. 2º , § 2º, da Lei
Federal nº 9.709/98).
78
CARVALHO, Volgane Oliveira. Op. Cit., p. 21. O mesmo autor afirma que todas as
Constituições brasileiras utilizam em seu texto a expressão “direitos políticos”, mas o conceito
desta espécie de direitos varia de acordo com o momento histórico em que foram elaboradas
as referidas normas e o espírito do governo de então. Pode ser vista a expressão: “direitos
políticos”: nos art. 8º e 45º, I, Constituição brasileira de 1824; arts. 6º, II, “j” e 41º, §3ª, da
Constituição brasileira de 1891; art. 57º, d, da Constituição brasileira de 1934; art. 17º e 118 da
Constituição de 1937; art. 38º, parágrafo único, III e art. 80º, II, da Constituição de 1946; art.
30º, parágrafo único, II e art. 37º, IV e art. 38º, parágrafo único, II, da Constituição de 1967;
arts. 74º e 82º, III, da Constituição de 1969.

23
No ordenamento jurídico brasileiro, além dos direitos políticos
expressamente previstos no artigo 14 da CRFB (sufrágio, plebiscito, referendo
e iniciativa popular), há também outros instrumentos que materializam a
participação política como Ação Popular, Ação Penal Privada subsidiária da
Pública, Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, bem como outras formas
de participação individual ou de entidades da sociedade civil no processo de
decisão ou de execução da sociedade estatal – direito de expressão, direito à
informação, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, entre outros, os
quais são apenas ora citados, mas sobre eles não se discorrerá em razão do
estudo estar centrado essencialmente no núcleo essencial dos direitos políticos
que é o direito de sufrágio - votar e ser votado.

1.2.3. DEFINIÇÃO DO DIREITO DE SUFRÁGIO E SUAS CARACTERÍSTICAS

Dentre os direitos políticos, é no direito de sufrágio que está centrado o


presente estudo, motivo que enseja um maior aprofundamento deste tema na
presente investigação quanto a sua definição, características, natureza jurídica,
entre outros.
O termo sufrágio é originário do latim “sufragium” que significa
“aprovação, apoio”. O direito de sufrágio, é um direito público subjetivo de
natureza política reconhecido aos cidadãos, para participar direta ou
79 80
indiretamente na gerência da vida pública. É considerado como núcleo
fundamental dos direitos políticos. O direito de sufrágio é também um dever
cívico.81 Tal como vimos no breve histórico dos direitos políticos, foi o direito de
sufrágio, enquanto direito político fundamental, que apareceu pela primeira vez
num documento escrito - Bill of Rights - para garantir a participação política dos
cidadãos na condução dos negócios públicos da sociedade.
Esta tal participação política pode se dar de maneira direta pelo povo,
este que, se utilizando do sufrágio, toma a decisão acerca dos assuntos
públicos da sociedade por meio de uma votação – democracia direta. Por outro
lado, caso se trate de uma participação indireta – tradicionalmente exercida por
meio da representação – o povo elege os representantes também por meio do

79
SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p.349.
80
No mesmo sentido CARVALHO, Volgane Oliveira Op. Cit., p.57.
81
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto Op. Cit., p.69.

24
sufrágio, legitimando-os a tomar as decisões acerca dos negócios públicos da
sociedade – democracia indireta ou semidireta. 82
Numa democracia indireta ou representativa, o direito de sufrágio
compreende duas faces em termos de participação política: a que se refere ao
direito do cidadão em eleger os seus representantes, bem como, o direito de
lançar-se candidato aos cargos políticos, e desta forma, se eleito, ser o próprio
representante. Ou seja, o direito de sufrágio confere ao cidadão a participação
na organização e nas atividades do poder estatal, tanto podendo eleger
representantes através do voto, como podendo ser eleito para representar o
povo na condução dos negócios públicos.83
Este direito de escolha dos representantes por meio do exercício do
voto, consagra a capacidade eleitoral ativa do cidadão. Em outra face do direito
de sufrágio, está albergada a capacidade eleitoral passiva, na qual o cidadão
nacional tem o direito de lançar-se candidato a um cargo político, com a
finalidade de se tornar um representante.84 85 86
Nota-se que o sufrágio é o verdadeiro “instrumento de realização do
princípio democrático”, pois, independentemente de se tratar de democracia
direta, indireta ou semidireta,87 é por meio deste direito que o cidadão
materializa as escolhas para a condução dos negócios públicos, tanto quando
ele escolhe o que deve ser feito, quanto quando ele elege representantes e,
dessa forma, os legitima a escolher.

82
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p.245
83
BONAVIDES, Paulo Op. Cit. p.248.
84
CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. Cit., p. 302. Canotilho traz como sinônimo de capacidade
eleitoral passiva, o “direito de sufrágio sucessivo”. Muito embora o Professor Gomes Canotilho
relacione as ditas características como princípios materiais do sufrágio, optamos por trabalhar
a universalidade, a igualdade e a liberdade como características do direito de sufrágio, tal qual
é apontado pelo Professor José Afonso da Silva.
85
GOMES, José Jairo. Op. Cit., p. 73. Este autor dispõe que, na seara jurídica, designa o
direito público subjetivo democrático, pelo qual um conjunto de pessoas – o povo – é admitido
a participar da vida política da sociedade, escolhendo os governantes ou sendo escolhido para
governar e, assim, conduzir o Estado. Em suma: o sufrágio traduz o direito de votar e de ser
votado, encontrando-se entrelaçado ao exercício da soberania popular.
86
No mesmo sentido RAPOSO, Vera Lúcia. p. 69.
87
CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. Cit., p. 301. Ao fazer esta afirmação o Professor Canotilho
explica que o Sufrágio concretiza o princípio democrático à medida que é através dele que a
vontade política é convertida em posição de poder e domínio, e mais, ele afirma ficar também
estabelecido através do sufrágio a organização legitimante de distribuição de poderes, o que
acaba por proceder “à criação do “pessoal político” e marca-se o ritmo da vida política de um
país.”.

25
Vale esclarecer que, ao estarmos diante de uma democracia indireta ou
ainda semidireta, em que há decisões tomadas pelo povo através de
representantes, o próprio direito de sufrágio pode ser direto ou indireto – o que
não se confunde com a democracia direta e indireta. Diz-se sufrágio direto
quando os próprios eleitores, com pessoalidade e imediaticidade, escolhem os
governantes/representantes.88
Na prática, isso se dá quando os cidadãos, exercendo seu direito de
participação e escolha dos governantes, apontam, dentre os candidatos aos
cargos políticos, quem exatamente eles querem ter como representantes.
Por outro lado, o sufrágio se diz indireto quando ao cidadão cabe a
escolha de delegados ou intermediários, os quais, por sua vez, terão a
possibilidade de escolha do governante que irá assumir os negócios públicos
da nação.89 Exemplo emblemático desta forma de sufrágio indireto é o que
ocorre nas eleições presidenciais dos EUA.
Ainda sobre o direito de sufrágio, convém esclarecer que sua natureza
de dever cívico se coaduna com a exigência de responsabilidade dos cidadãos
dentro de uma ordem democrática constitucional. 90 91
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, então
vigente, abre o capítulo IV referente aos direitos políticos tratando sobre o
direito de sufrágio no caput do art. 14. Neste dispositivo fica determinado que o
alistamento eleitoral e voto se dão de forma obrigatória a partir dos 18 anos,
sendo ainda facultativo aos analfabetos, aos maiores de setenta anos e aos
indivíduos que tiverem entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos.92

88
SILVA, José Afonso Da. Op. Cit., p. 260.
89
SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 260-261. O professor José Afonso da Silva, ao discorrer
sobre o sufrágio indireto aponta diversas desvantagens do mesmo, afirmando, inclusive, que
esta modalidade de sufrágio, embora tenha sido corrente ao final do século XVII e no início das
democracias liberais, ele já não se revela como técnica que mais se coaduna com o princípio
democrático da universalidade do sufrágio. Afirma ainda que nos países onde a democracia
intenta formas de participação políticas cada vez mais igualitárias, tem-se um declínio do
sufrágio indireto. O mesmo autor afirma que, no caso dos EUA, embora se utilize ainda do
sufrágio indireto, este estaria em consonância com o sufrágio universal em razão dos eleitores
presidenciais de segundo grau só poderem exercer um mandato imperativo, mas, mesmo
frente a este reconhecimento se utiliza da doutrina de Maurice Duverer, para qualificar o caso
norte-americano como uma “complicação inútil”.
90
RAPOSO, Vera Lúcia Op. Cit., p. 69.
91
AMARAL, Maria Lúcia. A forma da República: uma introdução ao estudo do Direito
Constitucional. 10º Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 225.
92
Art. 14º A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto,
com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;

26
Vale dizer que os analfabetos, assim como os indivíduos que contam
com idade de 16 (dezesseis) anos e ainda não completaram 18 (dezoito) anos,
tem direito de voto de natureza facultativa, mas não tem o direito de
elegibilidade.93
Se com relação ao direito de escolha dos representantes (capacidade
eleitoral ativa), a Constituição brasileira instituiu uma mesma idade através da
qual se passa a gozar desse direito, primeiramente de forma facultativa e
depois obrigatória, quanto ao direito do cidadão de ser votado – capacidade
eleitoral passiva ou elegibilidade – a Carta Magna estabeleceu critério etário
distinto de acordo com o cargo político a ser ocupado. Um exemplo disso é
que, para ser eleito como prefeito ou vereador (ambos representantes do povo
no âmbito municipal), é necessário ter dezoito anos de idade, ser alistável e
não ser analfabeto, enquanto que para ser eleito Presidente da República
(âmbito federal), o constituinte originário exige uma idade mínima de trinta e
cinco anos, além da condição de alistável e de alfabetizado.94
Observa-se que a Constituição Federal brasileira graduou o acesso aos
cargos políticos a partir de um critério etário, de modo que, a depender do ente
para o qual o cidadão irá candidadar-se como representante (se município,
estado ou união), a norma constitucional exige uma idade mais avançada.
Para além de definir o direito de sufrágio, sua natureza jurídica e
localizá-lo na Constituição Federal brasileira de 1988, temos que as

II - referendo;
III - iniciativa popular.
§1º O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
“II - facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de
dezesseis e menores de dezoito anos.” BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da
República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.
PINTO FERREIRA. Op. Cit., p.167.
93
Segundo o autor, poucas Constituições atribuem direito de voto a menores de 18 (dezoito)
anos, por outro lado, exemplifica uma disposição no art. 46º da Constituição da Nicarágua que
extende o direito de voto aos analfabetos e a todos os nicaraguenses que já tenham atingido
os 16 (dezesseis) anos de idade. PINTO FERREIRA. Op. Cit., p.168.
94
Art. 14º. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (…) § 3º São condições de
elegibilidade, na forma da lei: VI - a idade mínima de: a) trinta e cinco anos para Presidente e
Vice-Presidente da República e Senador; b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de
Estado e do Distrito Federal; c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou
Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; d) dezoito anos para Vereador. § 4º São
inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da
República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.

27
características principais do mesmo denotam relevância para garantir que o
referido direito legitime a concretização do princípio democrático e ao mesmo
tempo ratifique a sua natureza de direito fundamental, pelo que, diferentemente
do que faz o Professor José Afonso da Silva, que as trata somente como
caracaterísticas, e portanto qualificadoras do referido direito, elevaremos estas
aqui à natureza de princípios, tal qual são tratadas pelo Professor Canotilho e
por Volgane Oliveira Carvalho, haja vista que as mesmas, tanto na Constituição
Portuguesa como na Constituição Brasileira e no Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos, se fazem presentes nos dispositivos que tratam do
direito de sufrágio, não só qualificando tal direito, mas constituindo verdadeiros
mandados de otimização desse direito.95
Diante disto, vale a pena apresentar, bem como, tecer explicações,
sobre cada um desses princípios inerentes ao direito de sufrágio dentro de um
regime democrático, quais sejam: universalidade, igualdade e liberdade.96 97
Primeiramente tem-se o princípio da universalidade. Na literatura
jurídica contemporânea, quando se fala em direitos políticos, é quase que regra
ser apontada a existência do sufrágio como universal. Por vezes, quando se
fala em sufrágio, já se vem à mente a palavra “universal”.
O princípio da universalidade do sufrágio impõe um maior grau de
amplitude possível ao direito de sufrágio, garantindo o direito de participação
política através do sufrágio a todos os cidadãos que tenham capacidade
eleitoral, e mais do que isso, que essa capacidade eleitoral atinja o maior
número de nacionais possível, de modo que a privação dessa capacidade
eleitoral só possa ocorrer em decorrência de uma legítima e proporcional
justificativa. Esta amplitude é fator diferenciador de uma democracia a uma

95
ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 90-91. O autor ao afirmar que princípios são mandados de
otimização explica que o são por poderem ser satisfeitos em graus variados haja vista que
essa satisfação não fica a depender somente das possibilidades fáticas, mas também das
possibilidades jurídicas. Universalidade, Igualdade e liberdade estão expressamente
mencionadas no texto constitucional brasileiro (art. 14) quando trata do direito de sufrágio, daí
a conclusão de que, além de serem características do direito, dada a sua importância, estão
expressas na Constituição enquanto normas que qualificam o direito de sufrágio e, ao mesmo
tempo, ordenam seu grau de satisfação na medida do possível frente aos critérios fáticos e
jurídicos do caso concreto
96
CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. Cit., p. 301-306. Vale dizer que o Professor Canotilho ainda
aponta como princípios materiais do sufrágio: a imediaticidade, a periodicidade e a unicidade.
97
SILVA, José Afonso Op. Cit., p. 350-355 e p. 358-364. O professor José Afonso discorre
acerca das características do sufrágio que estão expressamente dispostas no caput do artigo
14º da CRFB, quais sejam: universalidade, igualdade e ser o voto direito e secreto.

28
ditadura, de modo que, enquanto a democracia propõe um alargamento maior
possível do direito de votar e ser votado, na ditadura, a participação política é
condicionada, limitada ou sequer existe.98
Longe está o intuito de menosprezar os demais princípios ligados ao
direito de sufrágio, os quais explicitaremos abaixo de uma forma mais breve,
mas o princípio da universalidade é o que assume o papel mais importante no
presente estudo por ser este que, ao mesmo tempo em que sustenta o maior
alcance deste direito à maior quantidade de cidadãos pertencentes à
dterminada comunidade política, também proíbe a exclusão de um cidadão da
participação política de seu estado de forma não justificada.99 100 O princípio da
universalidade constitui uma verdadeira vedação à discriminação no que se
refere ao direito de sufrágio.101
No entanto, ainda que a universalidade aponte no sentido de proibir
discriminação quanto ao direito de participar da vida política da nação, não se
98
PINTO, Ricardo Leite; CORREIA, José de Matos; SEARA, Fernando Roboredo. Ciência
Política e Direito Constitucional (Teoria Geral do Estado, Formas de Governo, Eleições e
Partidos Políticos). 4º ed. Lisboa: Universidade Lusíada, 2009. p. 358. Com relação a
comparação feita pelos autores, a amplitude da universalidade do sufrágio ser maior na
democracia do que nos regimes ditatorias, vale apontar um exemplo dado pelos mesmos
autores na p. 367 da mesma obra aqui citada, quando dispõe: Em Portugal, antes do 25 de
abril, a lista de incapacidades eleitorais era extensa, salientando-se entre muitas “os que
professassem idéias contrárias à existência de Portugal como estado independente e à
disciplina social” (art. 2º da lei número 2015 de 28 de Maio de 1946). E, já depois da
Revolução, a situação comparável ocorreu. De facto, o Decreto-Lei número 621-B/74, de 15 de
Novembro, estabelecia, entre outras, incapacidades eleitorais activas e passivas que atingiam
titulares de cargos políticos que tivessem exercido funções no período do Estado Novo, bem
como dirigentes das organizações do antigo regime. Nota-se que dentro de um regime não
democrático, a possibilidade de restrições ao direito de sufrágio é bem mais elevada não
podendo nestes casos o sufrágio ser caracterizado como universal, visto que, a princípio, não
haveria justificativas legítimas para tais restrições acima apontadas no caso de Portugal antes
do 25 de abril.
99
CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. Cit., p. 302. Neste sentido o Professor Canotilho explica que a
Constituição proíbe o sufrágio restrito em razão de sexo, raça, rendimento, instrução, ideologia
e qualquer outra razão que não seja justificável para ser incompatível com o direito de sufrágio,
inclusive, ressalta o mesmo autor que não sendo a vedação ao referido direito justificável (ou
seja, se for desnecessária e/ou desproporcionada), fica a mesma passível de ser declarada
inconstitucional.
100
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito
Constitucional. 10ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015. p. 716. O Professor Gilmar Mendes, ao
tratar da universalidade do Sufrágio, bem lembra como contrapostos a esta universalidade,
situações presentes em Constituições Brasileiras anteriores que traziam restrições ao direito de
voto, como no caso do voto censitário – concessão do direito de voto apenas a quem dispunha
de uma condição ou qualificação econômica – e o voto capacitário, que restringia o voto
apenas àqueles que fossem dotados de determinadas habilidades ou preparo intelectuais.
Lembrar que, como visto acima, a universalidade é, por si, uma característica de um direito
fundamental e sendo o direito ao sufrágio fundamental, já traz esta característica intrínseca,
que se agiganta frente a essencialidade do direito de sufrágio ser universal dentro de um
regime democrático.
101
CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. Cit., p. 302.

29
pode falar em universalidade absoluta, ou seja, como já dito, mesmo dentro de
um sistema de direitos fundamentais construído com base na universalidade, é
possível a existência de restrições. Partindo dessa premissa, a grande
diferença na afirmação em ser o sufrágio universal ou restrito dentro de um
determinado ordenamento jurídico, é justamente o grau de restrição a ele dado,
o que, por conseguinte, irá promover uma maior ou menor aproximação aos
ideais democráticos.102
Portanto, embora a ideia de restrição seja diametralmente oposta à de
universalidade, o equacionamento destas duas (restrição X universalidade),
tem a finalidade de construir sim um sistema permeado pelo sufrágio universal
no qual as restrições dadas ao referido direito – enquanto núcleo essencial dos
direitos políticos fundamentais - não sejam infundadas, desnecessárias, ou
ainda, desproporcionadas, e, desta forma afastar a idéia de participação
política como privilégio de determinados cidadãos ou de determinados grupos
de cidadãos.
Nota-se, portanto, que o princípio da universalidade do sufrágio não
consagra o direito de votar e ser votado como um direito fundamental absoluto,
porém, para que haja restrição ao mesmo, há necessidade de que o motivo do
impedimento ao exercício regular do direito de sufrágio seja justificável,
necessário e proporcional. Essa ideia de universalidade, enquanto
característica do direito de sufrágio e dos direitos fundamentais em geral, e, ao
mesmo tempo, enquanto princípio qualificador de tal direito, ainda que diferente
do que hoje entendemos por tal, foi sendo construída a partir do Estado Liberal,
no qual se buscava eliminar, primeiro e essencialmente, a restrição do direito
de voto para determinada classe social, promovendo o alcance deste direito a
um maior número de cidadãos.103
No curso da história, como já visto em item anterior, muito comum era a
existência de restrições ao direito de sufrágio dos cidadãos. Alguns indivíduos
eram excluídos da participação política de sua nação por critérios econômicos,
raciais ou de sexo, e desta forma, transformados em cidadão de categoria

102
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 350.
103
HEILMANN, Maria de Jesus Rodrigues Araújo. O princípio do Sufrágio na democracia
moderna. Relatório apresentado na Disciplina Direito Constitucional ao professor Jorge
Miranda durante o curso de mestrado na Faculdade de Direito Universidade de Lisboa. 2005, p.
26.

30
inferior - sem que fossem expostas quaisquer justificativas legítimas para tal
dentro de uma concepção democrática - restando estes indivíduos, à margem
do exercício de direitos políticos, impedidos, por óbvio, do exercício do direito
de sufrágio. E, por outro lado, o direito de sufrágio estava reservado às
pessoas que gozassem de determinada capacidade econômica e/ou
intelectual.
Porém, na medida em que o clamor pela efetivação dos direitos
fundamentais do homem - este necessariamente entendido enquanto pessoa
humana - avança, maior é a consagração de tais direitos, dentre eles o direito
de sufrágio, a um maior número de cidadãos, de modo que, a ideia de
universalidade na qual só se pode restringir direitos políticos, cujo núcleo é o
direito de sufrágio, frente a uma justificativa legítima, só foi concebida a partir
do século XX.
O fato é, que a relevância dessa universalidade está diretamente ligada
com a efetivação do Estado Democrático de Direito, de maneira que, quanto
mais abrangente for o direito de sufrágio, mais legítima é a representatividade
dos eleitos. Como bem resumiu José Afonso da Silva, é a universalidade do
sufrágio que promove a identidade entre governantes e governados. 104 105
Mas não é só isso. A partir do momento que os direitos fundamentais,
consagrados constitucionalmente nas Constituições dos Estados – incluído aí o
direito de sufrágio - alcançam um maior relevo, eles se tornam verdadeiros
dirigentes das funções legislativas, administrativas e judiciárias do Estado, e
maior também se torna a necessidade de que se estabeleçam critérios de
igualdade de participação política aos indivíduos.
Por conseguinte, na medida que se confere maior grau de igualdade de
participação política, vão sendo eliminadas as regras discriminatórias negativas
de tal participação que sejam julgadas desproporcionais, as quais, uma vez
afastadas, promove-se a ampliação do corpo eleitoral, e atinge-se a idéia de
universalidade do sufrágio.
Pode-se observar, portanto, que a igualdade e a universalidade,
enquanto princípios do direito de sufrágio, estão intimamente ligadas. Se por
um lado o direito de sufrágio alcançou a universalidade para que maior

104
SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 350.
105
No mesmo sentido CANOTILHO, JJ Gomes. Op. Cit., p.113.

31
quantidade de cidadãos estejam aptos a participação política em seu Estado
através de eleições, por outro, o mesmo direito de sufrágio reclama um
caracter de igualdade, para que esteja revestido de adequação ao Estado
democrático de Direito.
O princípio da igualdade é marca de um Estado democrático de direito,
pelo que, a partir dele, enquanto orquestrador do direito de sufrágio, temos a
máxima “um homem, um voto”, ou seja, cada eleitor tem direito a um voto, e,
ao mesmo tempo, o voto de cada um destes eleitores tem o mesmo peso. Isso
significa que, ao afirmar que o sufrágio é igualitário, necessariamente exclui-se
a possibilidade de qualificar voto de quem quer que seja, independentemente
de suas características pessoais – tais quais, critérios censitários, de raça, de
sexo, entre outros discriminantes.106 E, ao mesmo tempo, promove o respeito
ao direito de participação política na medida em que os eleitores passam a ter,
em termos jurídicos, a mesma capacidade de ingerência no resultado de uma
eleição, inadmitindo-se, para fins políticos, a existência de cidadãos de
segunda classe. 107
Vislumbra-se nessa imperiosa necessidade de ser o direito de sufrágio
orientado pelo princípio da igualdade, uma preocupação em evitar o
esvaziamento do ideal democrático, na medida em que, sem igualdade entre o
corpo eleitoral, o princípio da universalidade, embora garantidor do direito de
participação política ao maior número de cidadãos possíveis e sem restrições
infundadas, não seria capaz de consolidar a democracia. Ou seja, se, a
depender das qualidades do cidadão o seu voto tivesse valor diferente, pouco
importaria, para fins democráticos, que a todos fossem concedido o direito de
votar, pois, sendo este direito qualificado, o poder político se concentraria
apenas nas mãos dos detentores dessas ditas “qualificações” - poder
econômico, sexo, raça, ou qualquer outra discriminante - distanciando-se da
democracia, enquanto regime político, e aproximando-se da aristocracia.
A caracteristísta de igualdade também está patente no direito de
sufrágio quanto à igualdade de oportunidades na concorrência eleitoral. Quanto

106
HEILMANN, Maria de Jesus Rodrigues Araújo Op. Cit., p. 27
107
CARVALHO, Volgane Oliveira. Op. Cit., p.103. O autor diz que a caraterística de igualdade –
por ele tratada como princípio – consolida a idéia de igualdade horizontal dos componentes de
um determinado corpo eleitoral. Completa que a acaba por ser uma medida de equiparação
social, pois, no momento das eleições, independente de qualificações econômicas, intelectuais
e etárias, cada indivíduo tem o direito de participação política na mesma medida, com um voto.

32
a esta questão, no ordenamento jurídico português, por exemplo, observam-se
normas dispostas na Lei Reguladora das eleições para a Assembléia da
República (Lei nº 14/79) e na Lei da Comissão Nacional de Eleições (Lei nº
71/78) que buscam garantir essa igualdade de oportunidades aos candidatos
(capacidade eleitoral passiva) na concorrência eleitoral, inclusive interferindo
(impondo limites) em ações relacionadas à própria campanha eleitoral, como,
por exemplo, estabelecendo o tempo de emissão para a propaganda
eleitoral.108
Já no ordenamento jurídico brasileiro, nos deparamos com determinados
mecanismos expostos em regras legislativas, especialmente na Lei
Complementar federal nº 64/1990 (Lei de inelegibilidades) e na Lei Ordinária
federal nº 9504/1997 (Lei geral das eleições no Brasil) , tais como: prestação
de contas quanto ao controle de gastos em campanha política 109,
impossibilidade de doação por parte de pessoas jurídicas para as campanhas
eleitorais110, limites do quantum pode ser doado por pessoas físicas para as

108
CANOTILHO, JJ Gomes Op. Cit., p. 319-324.
109
A Lei federal nº 9504/1997 (lei geral das eleições no Brasil) reserva um Título para cuidar da
“Arrecadação e aplicação de recursos nas campanhas eleitorais”, o qual abrange os artigos 17º
a 27º, e, na sequência há outro Título específico na referida legislação que prevê as regras
para prestação de contas dos valores recebidos com a finalidade de utilização em campanhas
eleitorais, sendo que este título abrange os artigos 28º a 35º de tal legislação. BRASIL. Lei nº
9.504, de 30 de setembro de 1997. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/lei-das-eleicoes/lei-das-eleicoes-lei-nb0-9.504-
de-30-de-setembro-de-1997. Acesso em 22 de agosto de 2019.
110
Art. 24º da Lei Federal nº 9504/1997 (lei geral das eleições no Brasil) que prevê a
impossibilidade de doações por parte de determinadas pessoas jurídicas. Art. 24º. É vedado, a
partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em
dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: I - entidade ou
governo estrangeiro; II - órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida
com recursos provenientes do Poder Público; III - concessionário ou permissionário de serviço
público; IV - entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição
compulsória em virtude de disposição legal; V - entidade de utilidade pública; VI - entidade de
classe ou sindical; VII - pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior; VIII
- entidades beneficentes e religiosas; IX - entidades esportivas; X - organizações não-
governamentais que recebam recursos públicos; XI - organizações da sociedade civil de
o
interesse público; § 1 Não se incluem nas vedações de que trata este artigo as cooperativas
cujos cooperados não sejam concessionários ou permissionários de serviços públicos, desde
que não estejam sendo beneficiadas com recursos públicos, observado o disposto no art. 81. §
o o o
2 (VETADO). 3 (VETADO). § 4 O partido ou candidato que receber recursos provenientes
de fontes vedadas ou de origem não identificada deverá proceder à devolução dos valores
recebidos ou, não sendo possível a identificação da fonte, transferi-los para a conta única do
Tesouro Nacional. Art. 24-. (VETADO). Art. 24-B. (VETADO). Art. 24-C. O limite de doação
o
previsto no § 1 do art. 23º será apurado anualmente pelo Tribunal Superior Eleitoral e pela
Secretaria da Receita Federal do Brasil. BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.
Brasília: Congresso Nacional. Disponível em: http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-
eleitoral/lei-das-eleicoes/lei-das-eleicoes-lei-nb0-9.504-de-30-de-setembro-de-1997. Acesso
em: 22 ago. 2019.

33
campanhas111, necessidade de desincompatibilização de servidores públicos e
detentores de mandato eletivo112, bem como, afastamento de pessoas que

111
Art. 23º da Lei Federal nº 9504/1997 (lei geral das eleições no Brasil) que prevê a limitação
do quantum com relação á doações feitas por pessoas físicas. Art. 23º. Pessoas físicas
poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais,
o
obedecido o disposto nesta Lei. § 1 As doações e contribuições de que trata este artigo ficam
limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior
o
à eleição.(...) § 2 As doações estimáveis em dinheiro a candidato específico, comitê ou
partido deverão ser feitas mediante recibo, assinado pelo doador, exceto na hipótese prevista
o
no § 6 do art. 28.§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o
infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso.
BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Brasília: Congresso Nacional. Disponível
em: http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/lei-das-eleicoes/lei-das-eleicoes-lei-nb0-
9.504-de-30-de-setembro-de-1997. Acesso em 22 ago. 2019.
112
No artigo 1º da Lei Complementar federal brasileira nº 64/1990 constam os casos de
inelegibilidades, dentre os quais se incluem as situações de servidores públicos e detentores
de cargos eletivos, os quais, para se tornarem elegíveis a determinados cargos, a eles é
imposto um lapso temporal mínimo em que devam estar destituídos do mandado eletivo ou
afastados do exercício do cargo público – ao que se denomina de desincompatibilização. Art.
1º São inelegíveis: (...) II - para Presidente e Vice-Presidente da República: a) até 6 (seis)
meses depois de afastados definitivamente de seus cargos e funções: 1. os Ministros de
Estado: 2. os chefes dos órgãos de assessoramento direto, civil e militar, da Presidência da
República; 3. o chefe do órgão de assessoramento de informações da Presidência da
República; 4. o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas; 5. o Advogado-Geral da União e o
Consultor-Geral da República; 6. os chefes do Estado-Maior da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica; 7. os Comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica; 8. os Magistrados; 9. os
Presidentes, Diretores e Superintendentes de autarquias, empresas públicas, sociedades de
economia mista e fundações públicas e as mantidas pelo poder público; 10. os Governadores
de Estado, do Distrito Federal e de Territórios; 11. os Interventores Federais; 12, os Secretários
de Estado; 13. os Prefeitos Municipais; 14. os membros do Tribunal de Contas da União, dos
Estados e do Distrito Federal; 15. o Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal; 16. os
Secretários-Gerais, os Secretários-Executivos, os Secretários Nacionais, os Secretários
Federais dos Ministérios e as pessoas que ocupem cargos equivalentes; b) os que tenham
exercido, nos 6 (seis) meses anteriores à eleição, nos Estados, no Distrito Federal, Territórios e
em qualquer dos poderes da União, cargo ou função, de nomeação pelo Presidente da
República, sujeito à aprovação prévia do Senado Federal; c) (Vetado); d) os que, até 6 (seis)
meses antes da eleição, tiverem competência ou interesse, direta, indireta ou eventual, no
lançamento, arrecadação ou fiscalização de impostos, taxas e contribuições de caráter
obrigatório, inclusive parafiscais, ou para aplicar multas relacionadas com essas atividades; e)
os que, até 6 (seis) meses antes da eleição, tenham exercido cargo ou função de direção,
administração ou representação nas empresas de que tratam os arts. 3° e 5° da Lei n° 4.137,
de 10 de setembro de 1962, quando, pelo âmbito e natureza de suas atividades, possam tais
empresas influir na economia nacional; f) os que, detendo o controle de empresas ou grupo de
empresas que atuem no Brasil, nas condições monopolísticas previstas no parágrafo único do
art. 5° da lei citada na alínea anterior, não apresentarem à Justiça Eleitoral, até 6 (seis) meses
antes do pleito, a prova de que fizeram cessar o abuso apurado, do poder econômico, ou de
que transferiram, por força regular, o controle de referidas empresas ou grupo de empresas; g)
os que tenham, dentro dos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, ocupado cargo ou função de
direção, administração ou representação em entidades representativas de classe, mantidas,
total ou parcialmente, por contribuições impostas pelo poder Público ou com recursos
arrecadados e repassados pela Previdência Social; h) os que, até 6 (seis) meses depois de
afastados das funções, tenham exercido cargo de Presidente, Diretor ou Superintendente de
sociedades com objetivos exclusivos de operações financeiras e façam publicamente apelo à
poupança e ao crédito, inclusive através de cooperativas e da empresa ou estabelecimentos
que gozem, sob qualquer forma, de vantagens asseguradas pelo poder público, salvo se
decorrentes de contratos que obedeçam a cláusulas uniformes; i) os que, dentro de 6 (seis)
meses anteriores ao pleito, hajam exercido cargo ou função de direção, administração ou
representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de

34
apresentam programa de rádio e tv113, entre outras, as quais visam garantir o
princípio da igualdade afeto ao direito de sufrágio.

obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão do Poder Público ou


sob seu controle, salvo no caso de contrato que obedeça a cláusulas uniformes; j) os que,
membros do Ministério Público, não se tenham afastado das suas funções até 6 (seis)) meses
anteriores ao pleito; I) os que, servidores públicos, estatutários ou não,»dos órgãos ou
entidades da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas pelo Poder Público, não se
afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus
vencimentos integrais; III - para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito
Federal; a) os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República
especificados na alínea a do inciso II deste artigo e, no tocante às demais alíneas, quando se
tratar de repartição pública, associação ou empresas que operem no território do Estado ou do
Distrito Federal, observados os mesmos prazos; b) até 6 (seis) meses depois de afastados
definitivamente de seus cargos ou funções: 1. os chefes dos Gabinetes Civil e Militar do
Governador do Estado ou do Distrito Federal; 2. os comandantes do Distrito Naval, Região
Militar e Zona Aérea; 3. os diretores de órgãos estaduais ou sociedades de assistência aos
Municípios; 4. os secretários da administração municipal ou membros de órgãos congêneres;
IV - para Prefeito e Vice-Prefeito: a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os
inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-
Governador de Estado e do Distrito Federal, observado o prazo de 4 (quatro) meses para a
desincompatibilização; b) os membros do Ministério Público e Defensoria Pública em exercício
na Comarca, nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, sem prejuízo dos vencimentos
integrais; c) as autoridades policiais, civis ou militares, com exercício no Município, nos 4
(quatro) meses anteriores ao pleito; V - para o Senado Federal: a) os inelegíveis para os
cargos de Presidente e Vice-Presidente da República especificados na alínea a do inciso II
deste artigo e, no tocante às demais alíneas, quando se tratar de repartição pública,
associação ou empresa que opere no território do Estado, observados os mesmos prazos; b)
em cada Estado e no Distrito Federal, os inelegíveis para os cargos de Governador e Vice-
Governador, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos; VI - para
a Câmara dos Deputados, Assembléia Legislativa e Câmara Legislativa, no que lhes for
aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal, nas mesmas
condições estabelecidas, observados os mesmos prazos; VII - para a Câmara Municipal: a) no
que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal e para
a Câmara dos Deputados, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização;
b) em cada Município, os inelegíveis para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, observado o
prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização. § 1° Para concorrência a outros cargos,
o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos
devem renunciar aos respectivos mandatos até 6 (seis) meses antes do pleito. § 2° O Vice-
Presidente, o Vice-Governador e o Vice-Prefeito poderão candidatar-se a outros cargos,
preservando os seus mandatos respectivos, desde que, nos últimos 6 (seis) meses anteriores
ao pleito, não tenham sucedido ou substituído o titular. BRASIL. Lei Complementar nº 64, de
18 de maio de 1990. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm Acesso em: 20 ago. 2019.
113
No art. 45º, §1º, da Lei geral das Eleições no Brasil, há previsão de uma modalidade de
ilícito praticado especificamente por apresentadores ou comentaristas de rádio e televisão do
qual, uma vez praticados, decorrerão duas consequências: a) imposição de multa à emissora
e, b) cancelamento do registro da candidatura do beneficiário. Art. 45º. Encerrado o prazo
para a realização das convenções no ano das eleições, é vedado às emissoras de rádio e
o
televisão, em sua programação normal e em seu noticiário: (...) 1 A partir de 30 de junho do
ano da eleição, é vedado, ainda, às emissoras transmitir programa apresentado ou
comentado por pré-candidato, sob pena, no caso de sua escolha na convenção
o
partidária, de imposição da multa prevista no § 2 e de cancelamento do registro da
candidatura do beneficiário (grifo nosso). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm Acesso em 20 de agosto de 2019.

35
Tem-se, portanto, que tais normas querem garantir paridade de
tratamento entre os candidados, de modo que nenhum deles enfrente
desigualdades jurídicas para concorrer aos cargas políticos.
A igualdade e a universalidade, enquanto características do direito de
sufrágio, e ao mesmo tempo princípios norteadores do mesmo, estão
orquestradas no sentido de garantir a participação política dos cidadãos
distanciada dos ideais do Estado Liberal, e, ao mesmo tempo, concedendo
identidade ao direito de sufrágio com a sua natureza de direito fundamental tal
qual é reconhecido dentro de um Estado Democrático de Direito.
Além da igualdade e da universalidade expressamente apontados nas
Constituições brasileira e portuguesa e no Pacto de Direitos Civis e Políticos,
outro princípio expresso nestas normas quanto ao direito de sufrágio é o da
liberdade.
O princípio da liberdade ligado ao direito de sufrágio vem garantir a
liberdade de escolha, que restaria diminuída caso o voto tivesse que ser
exercido com publicidade. Ao mesmo tempo, este princípio visa garantir
também a liberdade de se lançar candidato a um cargo político.
Em que pese a publicidade ser um dos princípios basilares do Estado
Democrático de Direito, no caso do direito de sufrágio, essencialmente na sua
face ativa - exercício do voto – esta publicidade acaba por ser afastada, de
modo que o voto deve ser secreto. O fato do voto ser secreto guarda o
caractere de pessoalidade que o exercício do direito de sufrágio tem, inclusive,
que é corolário ao princípio da liberdade do voto. Restringir a publicidade do
direito de sufrágio ativo (voto) é primar pela garantia de independência moral e
material ao eleitor frente às pressões políticas que ele estaria sujeito, caso seu
voto tivesse que ser público – pressões estas oriundas dos governos, dos
partidos, de associações, de igrejas, de sindicatos, da própria família, que teria
um grande conflito entre seus interesses imediatos e suas escolhas
conscientes.114
Vale dizer que ao tratar dos princípios afetos ao direito de sufrágio, que
também são caracteres deste direito, alguns deles, com base nos
ensinamentos do professor Canotilho, por vezes observou-se que o referido

114
SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 256-257.

36
jurista não faz diferença entre sufrágio e voto, quando da utilização de tais
115 116
vocábulos. Mas, como já dito, além do direito de sufrágio numa
democracia representativa ter duas faces – votar e ser votado - o voto consiste
apenas no instrumento pelo qual é materializado o direito ao sufrágio ativo 117,
ou seja, é por meio do voto que o sufrágio, enquanto direito subjetivo, propicia
o direito de participação política do cidadão, tanto votando como podendo ser
votado.
O sufrágio em si é o processo de decisão em abstrato enquanto o voto é
o meio através do qual se dá a materialização desta decisão.118 119 Deste modo
tem-se o sufrágio – enquanto núcleo essencial dos direitos políticos - como um
direito público subjetivo regido pelos princípios da universalidade, igualdade e
liberdade, conforme já discorrido acima, enquanto o voto é o ato político, que
materializa esse direito tanto no sentido da escolha de um representante
quanto no sentido do representante ser eleito através do voto.

1.3. A RELAÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS COM A DEMOCRACIA E


COM A CIDADANIA

Até então, por diversas vezes no curso deste estudo, ao tratar dos
direitos políticos, mencionamos os vocábulos “democracia” e “sistema
democrático”, sem propriamente definir o que vem a ser democracia ou um
sistema de governo democrático.
A palavra democracia (demokratia) foi criada, a partir das palavras
gregas demos (povo), e kratos (governar) por volta do ano 500 a.C.,
provavelmente em Atenas.120 À primeira vista, até mesmo pela carga
semântica do vocábulo, a democracia poderia ser tida como um método ou

115
CANOTILHO, J. J. Gomes Op. Cit., p. 301-306
116
AZAMBUJA, Darcy. Introdução à ciência política. Edição Revista e ampliada: São Paulo:
Editora Globo, 2014. p. 316-320. Este autor também trata voto e sufrágio como termos
sinônimos.
117
VELLOSO, Carlos Mário da Silva APUD MELÃO, George. O voto obrigatório no Estado
Democrático Brasileiro. 1ª ed. Editora Letras Jurídicas: São Paulo, 2017. p. 53.
118
MELÃO, George. Op. Cit., p. 53.
119
GOMES, José Jairo. Op. Cit., p. 61. No mesmo sentido discorre José Jairo Gomes que
Sufrágio e voto não se confundem. Enquanto o sufrágio é um direito, o voto representa seu
exercício. Em outras palavras, o voto é a concretização do sufrágio.
120
CARVALHO, Manuel Proença de. Manual de Ciência Política e Sistemas Políticos
Constitucionais. 2ª ed. Lisboa: Quid Juris sociedade editora, 2008, p. 74.

37
técnica, através do qual os cidadãos tomavam as decisões políticas acerca dos
negócios públicos nas cidades-Estados gregas.121
De uma forma mais técnica, podemos afirmar que a democracia se
revela como um regime político, no qual as decisões quanto à condução dos
negócios públicos da sociedade se centram nas mãos do povo.122
Na polis grega, berço da democracia, os cidadãos governavam-se eles
mesmos123, exerciam o poder político de forma direta, e dessa forma, reunidos
em locais públicos, escolhiam as medidas a seres adotadas para a gerência
daquela sociedade.
Junto com a idéia de democracia, foi também na antiguidade clássica
que surgiu a idéia de cidadania e cidadão. Naquela altura, cidadania era tida
como o elo entre o homem livre e a cidade, homem este – grego ou romano – a
quem eram reconhecidos direitos, impostas obrigações, concedidas
orientações de conduta cívica assim como aguçando consciência com relação
às virtudes.124
A cidadania na antiguidade era a capacidade de influenciar a vida
política e administrativa da comunidade organizada sob o ponto de vista social,
portanto, só era cidadão quem tinha essa capacidade.125 Na definição de
Aristóteles, cidadão é aquele que tem parte legal na autoridade deliberativa e
na autoridade judiciária da cidade.126

121
CANOTILHO, j.j. Gomes Op. Cit., p. 290. Neste sentido, o autor afirma que quando
consagrada no texto constitucional, a democracia assume a natureza de princípio democrático,
este que promove a ultrapassagem da natureza de democracia de mera técnica, através da
qual, os cidadãos tomavam as decisões políticas, para a impulso dirigente de uma sociedade.
122
SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 126.
123
SLAIBI FILHO, Nagib Op. Cit., p. 610. Neste sentido o autor ensina que “Democracia Direta
é o modelo ateniense lembrado por Rosseau, quando o próprio povo se reserva ao direito de,
em assembleias, decidir as questões de interesse da comunidade.” Ver também em: MAUÉS,
Antônio Gomes Moreira. Poder e Democracia: O Pluralismo Político na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 79. Neste caso, explica a existência a
democracia direta na Grécia em razão de que os cidadãos eram poucos e homogêneos, com
interesses suficientemente harmônicos de modo a compartilhar um intenso sentimento do que
constitui o bem comum.
124
TORRES, Ricardo Lobo. A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos In: Teoria dos
Direitos Fundamentais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 247.
125
BIM, Eduardo Fortunato. Audiências Públicas no Direito Administrativo e Ambiental. In:
CIDADANIA: O novo conceito jurídico e a sua relação com os direitos fundamentais
individuais e coletivos. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 202-203
126
ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2007. Tal conceito aristotélico muito se
assemelha, mas, por óbvio, de forma mais ampla, ao que hoje entendemos como gestores
públicos, o que se compreende pela própria diferença de contexto entre a cidade-estado grega
em que os indivíduos participavam diretamente na tomada de decisões dos negócios públicos,
enquanto que no Estado-nação contemporâneo isto se dá por meio de representantes que

38
A cidadania, sob a perspectiva construída na Antiguidade, não é apenas
um direito, mas também um status conferido ao indivíduo, uma condição de
partícipe das decisões coletivas conferida apenas a determinadas pessoas. 127
Naquela altura, a expressão cidadão era utilizada para qualificar determinado
indivíduo, necessariamente do sexo masculino, que pertencia a uma classe
superior dentro da sociedade, e só estes indivíduos eram os membros ativos
da sociedade política, ou seja, apenas eles eram detentores de direitos
políticos.
Considerando que a Polis (cidade-Estado) não era composta só de
cidadãos, mas também, de homens livres que não eram dotados de direitos
políticos assim como também não o eram os escravos e as mulheres, resta
evidente que, naquela altura, a simples condição humana não conferia o status
de cidadão a pessoa, o que implicava num alto grau de restrição aos direitos
políticos na Antiguidade, pelo que se conclui ausente, naquela altura, a
conexão entre universalidade do sufrágio e democracia.128 129
Desde a Antiguidade Clássica, já é clara a relação umbilical entre
democracia, direitos políticos e cidadania, de modo que, na perspectiva de tal
época ser cidadão era ser detentor de direitos políticos, direitos estes por meio
dos quais se colocava em funcionamento o sistema democrático.
Após um período de stand by dos ideiais democráticos durante a idade
média, é a partir do século XVIII, com revoluções burguesas cujos produtos
jurídicos são as “Declarações de Direitos”, que a democracia ressurge como
um ideal a ser realizado, e com ela, de forma consequente e imediata, a
garantia de direitos políticos então proclamadas expressamente nos textos das
ditas Declarações de Direitos, afetando diretamente o status de cidadão, o
qual, a partir do Estado liberal, passa ser o homem livre, mas com exigências
de qualificação de sexo, censitárias e capacitarias, de modo que os direitos

acabam desempenhando papéis de gestão da coisa pública dentro de cada área para as quais
são eleitos.
127
VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF.
São Paulo: Malheiros, 2006. p. 608.
128
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto. Op. Cit., p. 79.
129
No mesmo sentido SILVA, Matheus Passos. Os Direitos Políticos no Século XXI: a busca por
um novo paradigma. In: Direito Constitucional e os desafios do Século XXI. Editora AAFDL:
Lisboa, 2015, p. 268.

39
políticos, embora garantidos nas “Declarações” como direitos do homem ainda
contavam com alta carga de restrição. 130 131

Vale dizer que tal ressurgimento da democracia se deu num cenário


muito diverso daquele construído nas pólis gregas, já que a partir de então
estava descortinada uma conjuntura de Estado-Nação, e não mais de Cidade-
Estado.132 No contexto de Estado-Nação configurado na Idade Moderna, ficou
evidente que as comunidades haviam perdido a capacidade de autogoverno de
forma direta e imediata, essencialmente diante de questões de ordem material
– como o aumento da densidade demográfica e a extensão geográfica dos
territórios dos Estados.133
Esse crescimento populacional e, junto com ele a sofisticação na forma
com que os cidadãos começam a se estabelecer e se relacionar em sociedade
(diversidade em condições econômicas, ocupação, crenças políticas e
religiosas, identidade étnica e racial), afetou diretamente os interesses destes
mesmos indivíduos, os quais se mostravam cada vez mais heterogêneos do
que o que se vislumbrava na idade antiga.
Soma-se a esta diversidade de interesses, a constante mudança de
modelo econômico, a qual impõe ao indivíduo maior dedicação às atividades
laborais, com a finalidade de lhe garantir subsistência, devendo o mesmo estar
cada vez mais integrado ao mercado e, por conseguinte, aos seus interesses
individuais inerentes a vida privada. Tais fatores provocavam cada vez mais o
distanciamento dos cidadãos em relação a tomada de decisões, de forma
direta e imediata, acerca dos negócios públicos da sociedade.134
Se não bastassem as questões acima descritas, que se encontram
ligadas às mudanças relacionadas com o corpo de cidadãos, tem-se também a

130
MAUÉS, Antônio Gomes Moreira. Op. Cit., p. 80.
131
VARGAS, Marco Antônio Martin; KIM, Richar Pae. Op. Cit., p. 18.
132
MAUÉS, Antônio Gomes Moreira. Op. Cit., p. 80.
133
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da Participação Política: legislativa,
administrativa, judicial – fundamentos e técnicas judiciais da legitimidade. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, p. 4. Ver também em: MELO, José Tarcízio Almeida. Direito Constitucional
do Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 463-464 e TAVARES, André Ramos. Curso de
Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 776. Neste mesmo sentido,
André Ramos Tavares afirma ser impossível a democracia direta numa sociedade marcada
pelo gigantismo populacional.
134
CONCEIÇÃO, Tiago Menezes. Direitos Políticos Fundamentais: A Sua Suspensão por
condenação criminal e por Improbidade Administrativa. 3ª ed. Curitiba: Editora Juruá, 2014, p.
33.

40
crescente necessidade de maior sofisticação na gestão dos negócios públicos,
o que reclamava maior atenção por parte do cidadão-gestor.
Diante deste contexto de “gigantismo populacional”, questão geográfica,
constantes mudanças de modelo econômico e sofisticação na gestão dos
negócios públicos, restava construído um cenário em que o exercício do poder
político pelo corpo de cidadãos, de forma direta, já não era mais eficiente, pelo
que os povos lançaram mão do recurso da “representação”. 135
O recurso da representação viabiliza a tomada de decisões sobre os
negócios públicos da sociedade por meio de representantes, os quais, uma vez
escolhidos pelos cidadãos por meio de eleições, representariam o povo na
tomada de decisões envolvendo os negócios públicos da nação.136
A representação é o clássico instituto de participação política, através do
qual, os interesses, anseios, aspirações e valores de uma sociedade serão
externados por meio de delegatários, estes que devem estar, pelo menos
presumidamente, com eles identificados.137 138

135
CARVALHO, Manuel Proença de. Op. Cit., p. 74.
136
Idem.
137
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. Cit., p.100.
138
No caso do Brasil, a representação Política para o exercício da Função Legislativa está
definida: 1) No art. 45º da CRFB - Câmara dos Deputados, 2) No art. 46º, da CRFB – Senado
Federal; 3) No art. 27º, § 1º, da CRFB – Assembléias Legislativas estaduais; 3) No art. 29º, I,
da CRFB – Câmaras municipais. Art. 27º. O número de Deputados à Assembléia Legislativa
corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o
número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima
de doze. §1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as
regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração,
perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.
(…)
Art. 29º. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício
mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a
promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do
respectivo Estado e os seguintes preceitos: I - eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos
Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em
todo o País;
(…)
Art. 45º. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo
sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal. § 1º O número
total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será
estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes
necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação
tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. § 2º Cada Território elegerá quatro
Deputados.
Art. 46º. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal,
eleitos segundo o princípio majoritário. § 1º Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três
Senadores, com mandato de oito anos. § 2º A representação de cada Estado e do Distrito
Federal será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços. § 3º
Cada Senador será eleito com dois suplentes. BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da

41
Com o advento da representação, ao direito de sufrágio é agregado a
segunda face, visto que ele, enquanto direito de participação política, alberga
não só o direito de decisão quanto aos negócios públicos da sociedade de
forma direta, mas também, a partir da representação, passa a abarcar o direito
dos cidadãos em escolher os representantes que irão gerir os negócios
públicos da sociedade. É a partir da representação que se tem capacidade
eleitoral ativa e passiva presentes nas democracias indiretas e semidiretas.
Portanto, no regime democrático representativo, ao mesmo tempo em que é
através do sufrágio que os cidadãos escolhem - e neste aspecto a democracia
se relaciona com o direito de voto – é também através do sufrágio, que se dá a
investidura no poder por parte dos representantes políticos.
A democracia representativa, enquanto regime de governo cuja
soberania popular é exercida por meio de representantes escolhidos pelos
cidadãos, afastou por completo não só a idéia de que a democracia só seria
possível em Estados de pequena extensão,139 mas também a de que o
exercício do poder estatal seria feito de forma direta pelos cidadãos. Desta
maneira, a democracia se fincou como forma de governo dominante no
Ocidente desde a I Guerra Mundial, e tem como vetores: legitimidade
democrática, representação política com sufrágio universal em relação com os
partidos políticos, o Estado de partidos políticos, existência de referendo,
pluralismo, separação de poderes complexa e fator político central (os partidos
políticos e o sistema de partidos).140 141
Portanto, quando se estiver a falar da soberania popular sendo exercida
por meio de representantes, tem-se que estes ditos escolhidos, mediante
eleições, ficam legitimados a atuar em nome do Estado, justamente por terem
sido apontados, através do direito de sufrágio, como intermediários do povo.
Nesse passo, o direito de sufrágio – enquanto direito de votar e ser

República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.
139
MAUÉS, Antônio Gomes Moreira. Op. Cit., p. 81.
140
CARVALHO, Manuel Proença de. Op. Cit., p. 80.
141
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. Cit., p. 100. No caso do Brasil, e de Portugal, a
participação política do povo na tomada de decisões acerva dos negócios públicos do Estado
para fins legislativos e administrativos é exercida por meio de representantes, mas, os cargos
do Poder Judiciário são alçados por técnica de acesso diversa, não havendo eleição para tal
exercício de poder. Porém, existem países nos quais os magistrados também são eleitos pelo
povo, nestes, portanto, não só as funções administrativas e legislativas são exercidas por
representantes, já que a magistratura também é representativa.

42
votado - é o verdadeiro vetor do sistema democrático, pois, é por meio dele que
se institui a dita representação em qualquer órgão estatal que deva ser provido
por escolha do povo,142 assim como, também é por meio do sufrágio que os
cidadãos exercem sua soberania, de maneira direta – como ocorria na
antiguidade clássica, bem como, quando se trata de exercício de voto em
plebiscito e referedum nos estados modernos e contemporâneos.
No regime de governo democrático representativo, o poder político
pertence aos governados e é exercido pelos governantes numa determinada
medida de tempo, esta que deve estar em conformidade com os prazos para
os quais os governantes foram eleitos,143 e, repise-se, é o direito de sufrágio,
enquanto direito político fundamental e ao mesmo tempo núcleo essencial
desse direito, que viabiliza a participação popular na tomada de decisão nos
negócios públicos da sociedade - seja de forma direta ou através de
representantes. E é também por meio deste direito político fundamental que os
cidadãos podem alcançar a condição de representantes do povo.
Na frase emblemática proferida por Abraham Lincoln no século XIX, o
mesmo define democracia como sendo “o governo do povo, pelo povo e para o
povo”. Sem dúvida, uma frase de efeito, com conteúdo jurídico e político, que
pode ser facilmente traduzida como sendo um sistema de convivência e de
gerência de interesses cujos atores devem ser apenas os componentes dentre
os nacionais.144 Considerando que a democracia é expressão da soberania
popular e que o vocábulo “povo” aparece como “começo, meio e fim” do próprio
governo democrático, quem seria esse “povo”?
Para a ciência política, o povo é um dos três elementos básicos
(também chamados de pressupostos) para que o Estado exista: Território
(elemento físico), Povo (elemento humano) e Soberania (elemento
subjetivo).145
Para o presente estudo, interessa-nos a análise do elemento Povo
enquanto elemento humano do Estado, que pode ser definido, de forma
simples, como somatório de nacionais existentes no país e no exterior. E

142
Idem
143
CARVALHO, Manuel Proença de. Op. Cit., p. 74.
144
VARGAS, Marco Antônio Martin; KIM, Richar Pae. Op. Cit., p. 153-154.
145
FRIEDE, Reis. Lições objetivas de Direito Constitucional (e de teoria Geral do Estado).
São Paulo: Saraiva, 1999. p. 5.

43
dentre estes nacionais tem um grupo menor denominados de cidadãos, os
quais, prima facie, seriam os que estão no gozo dos direitos políticos. 146 147 148
Entender o cidadão como sendo o nacional que está em pleno gozo dos
direitos políticos, lembra a noção jurídica dada ao vocábulo cidadão na idade
antiga, quando estes eram tidos como os indívíduos do sexo masculino
detentores de direitos políticos.
Mas, desde o advento da Revolução Francesa, o termo “cidadania”
iniciou sua expansão para abarcar os direitos fundamentais do homem, direitos
estes vinculados a ideia de liberdade, igualdade e justiça,149 portanto, um
pouco diferente da concepção clássica de cidadão, no Estado Liberal este
status estava conferido ao homem livre, porém, com critérios censitários,
capacitários e de sexo.
Sem dúvida, é uma concepção liberal, a partir da qual, o termo ora
estudado pode ser definido como um status dado pelo Estado aos seus
membros – membros estes, beneficiários de direitos e obrigações sob uma
perspectiva de isonomia – cujo aspecto político é a garantia de participação na
formação do poder e nas decisões políticas do estado por meio do direito de
eleger os representantes e também de ser eleito.150
Já na contemporaneidade, Jorge Miranda afirma que cidadãos são todos
os membros do estado, da Civitas, são exatamente os destinatários da ordem
jurídica estatal, sendo ao mesmo tempo sujeitos e súditos do poder. Esclarece

146
Idem.
147
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 20ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1998, p. 95. O autor aponta que ovínculo jurídico entre o indivíduo e o Estado é
determinante para a constatação de que aquela pessoa faz parte do Povo, pois, caso inexista
tal vínculo, o dito indivíduo - que pode estar naquele território de forma temporária – apenas se
incluirá na população daquele Estado, e o simples fato da pessoa se incluir na população nada
revela quanto ao vínculo jurídico entre ela e o Estado, até porque, nem é necessária a
existência desse vínculo para que alguém se inclua numa população.
148
VIEIRA, Oscar Vilhena. Op. Cit., p. 606. Diferentemente da “nacionalidade”, a cidadania não
está adstrita a ideia de pertencimento do indivíduo a determinado estado, em razão do vínculo
jurídico existente, mas, e principalmente, confere ao indivíduo, além desse sentimento de
pertencimento, o direito de participação, dentro de uma determinada comunidade, das decisões
coletivas por ela (comunidade) tomadas nos aspectos: moral, jurídico, socioeconômico e
político.
149
TORRES, Ricardo Lobo. Op. Cit., p. 247.
150
VARGAS, Marco Antônio Martin; KIM, Richar Pae. Op. Cit., p. 155-156. O referido autor
citando Oscar Svarlien afirma que cidadania também pode ser entendida como o estatuto
oriundo do relacionamento entre uma pessoa natural e uma sociedade política como o Estado.

44
ainda que só pessoas singulares possuem a cidadania, esta que consiste na
qualidade de ser cidadão.151
A definição do ilustre Professor Jorge Miranda se coaduna com a quebra
de paradigma proposta por Hanna Arendt com relação à cidadania, esta que
associou a definição de cidadania como idéia de direito a ter direitos. Ou seja,
a partir de Hanna Arendt, a representação de pertencimento de um indivíduo a
determinada ordem jurídica qualificada lhe garante posição de sujeito de
direitos.152
Nesta linha, o Direito Internacional dos Direitos Humanos – seja em
razão do grande universo de direitos que assegura ou ainda, por conta da
sistemática de monitoramento internacional que acaba por estabelecer –
promove um start no processo de redefinição do conceito de cidadania, que se
mostra alargado, ao passo que, há adição de direitos e garantias conferidos
aos indivíduos os quais podem ter sido, inclusíve, estipulados apenas no plano
internacional compondo uma sociedade civil internacional, divergindo de um
cenário anterior em que só os Estados poderiam participar.153
Ora, ignorar direitos e garantias internacionais significa também ignorar
parte substancial dos direitos de cidadania, os quais, mesmo não garantidos no
plano interno do estado, podem ser acionáveis no plano internacional. Daí a
possibilidade de afirmação que a realização plena da cidadania abarca
exercício efetivo e amplo dos direitos humanos, nacional e internacionalmente
assegurados.154
A partir do que se expôs como cidadania da pólis grega até o século XX
(com Hanna Arendt), conclui-se que esta tem significado dinâmico e deve ser
pensada em suas mais amplas dimensões por relacionar-se com a constante
evolução dos direitos fundamentais – dentre eles os direitos políticos, de modo
que, seus sentidos se modificam no tempo e no espaço, de acordo com o
processo civilizatório da humanidade. 155

151
MIRANDA, Jorge. Op. Cit., p. 102-104.
152
TAVARES, André Ramos., Op. Cit., p. 768.
153
A autora completa que “O ingresso do indivíduo com o novo ator no cenário internacional,
pode ser evidenciado especialmente quando do encaminhamento de petições e comunicações
às instâncias internacionais, denunciando a violação de direito internacionalmente
assegurado”. In: PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 9ª ed. São Paulo: Saraiva,
2016, p. 91, p.98-99.
154
Idem.
155
SILVEIRA, Vladimir Oliveira; CAMPELLO, Op. Cit., p. 119.

45
Observa-se que a cidadania “fechada” de origem grega – fechada na
ideia de detenção dos direitos políticos - evolui para uma cidadania “aberta” ou
“compartilhada” – englobando também na qualidade de cidadão, o alcance aos
direitos fundamentais, de modo que o cidadão passa de mero detentor de
direitos políticos para um indivíduo com direito a ter direitos.156
Em que pese toda a explanação acima estar a apontar a ideia de
cidadão na contemporaneidade como um sujeito de direito a ter direitos, e
portanto, assumindo um significado mais amplo que outrora, vale dizer que
ainda existem doutrinadores – essencialmente nos manuais de Direito Eleitoral
do Brasil - a afirmar que tal conceito amplo de cidadania está adstrito ao
domínio da ciência social – englobando o direito à vida digna e à plena
participação na sociedade de todos os habitantes do território estatal. 157
Nessa perspectiva social, a cidadania significa que todos são livres e
iguais perante o ordenamento legal, sendo vedada a discriminação
injustificada; todos têm direito à saúde, locomoção, livre expressão do
pensamento, crença, reunião, associação, habitação, educação de qualidade,
ao lazer, ao trabalho. Enfim, como já dito acima, em sentido amplo, a cidadania
enfeixa os direitos civis, políticos, sociais e econômicos, sendo certo que sua
aquisição se dá antes mesmo do nascimento do indivíduo, já que o nascituro,
também ele, ostenta direitos de personalidade, tendo resguardados os
patrimoniais.158
Vale dizer que a Constituição brasileira de 1988 traz a cidadania como
um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito Brasileiro, e, portanto,
dentre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, localizado
no Título I, da CRFB de 1988. Já os Direitos Políticos, localizam-se no Título II,
que trata dos Direitos e Garantias fundamentais. Pela própria topografia da
Constituinte, é difícil admitir que a definição jurídica de cidadania esteja adstrita
à aquisição de direitos políticos.

156
VARGAS, Marco Antônio Martin; KIM, Richar Pae. Op. Cit., 156-157. O autor cita os
seguintes dispositivos da Constituição da República Federativa do Brasil: art. 1º, II; art. 5º,
LXXVII; art. 63º, §2º; art. 68, §3º, III e art. 2015, afirmando que em todos estes o termo
“cidadão” foi utilizado em sentido amplo, ou seja, não está adstrito apenas à capacidade eletiva
do indivíduo mas sim a um status concedido aos indivíduos como titulares de direitos.
157
GOMES, José Jairo. Direitos Políticos. In: Revista Brasileira de estudos Políticos, Belo
Horizonte, n. 100, p. 103-130, jan./jun. 2010.
158
Idem.

46
Em que pese a amplitude alcançada pela definição de cidadania,
inclusive no âmbito jurídico tendo em vista o próprio texto constitucional, há
manuais de Direito Eleitoral brasileiro que ainda empregam os termos
cidadania e cidadão em sentido restrito, abarcando tão-só o jus suffragii e o jus
honorum, isto é, os direitos de votar e ser votado.159 Nessa perspectiva,
entende-se que a qualidade de cidadão é adquirida com a obtenção do título
de eleitor quando do alistamento eleitoral do indivíduo.160
Portanto, em que pese ser tradicionalmente atribuído a cidadania
acepção de vinculação do indivíduo ao ato de aquisição de direitos políticos,
essencialmente ao direito de sufrágio, na verdade, essa ideia não mais se
coaduna com a definição de cidadania construída no século XX. Na verdade, a
aquisição e gozo de direitos políticos pelos indivíduos corresponde ao que é
ser cidadão ativo, haja vista que, como dito acima, os cidadãos, enquanto
destinatários da ordem jurídica estatal não são apenas aqueles que estão em
pleno gozo dos direitos políticos, de modo que ter o status de cidadão não
significa exatamente estar no gozo de tais direitos.
Uma vez entendido que a cidadania ativa é a capacidade plena do
indivíduo para o exercício dos direitos políticos fundamentais, tem-se que
qualquer tipo de restrição ao direito de sufrágio – núcleo fundamental dos
direitos políticos – consiste em restringir a cidadania do mesmo, tornando um
cidadão ativo em inativo.
A cidadania ativa é uma espécie de cidadania formal.161 Ao diferenciar
cidadania ativa da inativa, tem-se que é considerado um cidadão ativo aquele
que está em pleno gozo de seus direitos políticos, contando com direito de
participação política no Estado democrático, incluindo aí a capacidade
eleitoral.162 Nesta esteira, tem cidadania inativa aquele que, de algum modo, se
encontra privado de seus direitos políticos, sem capacidade eleitoral.
Em que pese a importância de se ter ciência de que a cidadania, em
sentido jurídico amplo, enquanto qualidade do nacional, engloba um conjunto
de direitos fundamentais a qual garante ao indivíduo que, de forma livre, exerça

159
Idem.
160
SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 346.
161
SILVA, Matheus Passos. Op. Cit., p. 281.
162
MIRANDA, Jorge. Op. Cit., p. 101-102. O autor ainda aponta que o conceito de cidadania
ligado à participação no Estado democrático, tal como é definido atualmente, foi elaborado a
partir de uma perspectiva da Revolução Americana e da Revolução Francesa.

47
seus direitos individuais, coletivos, sociais e políticos, o que nos interessa no
presente estudo é justamente o aspecto político desse status de cidadão dado
ao nacional, ou seja, o direito que ele tem de eleger os seus representantes
através do voto e também de se lançar candidato e ser eleito, podendo ainda
chamarmos de uma cidadania em sentido estrito.
Em suma, a partir do século XX, ser cidadão não é simplesmente ser
eleitor, por que o direito de votar e ser votado constitui apenas o aspecto
político dessa qualidade do indivíduo, de modo que a qualidade de cidadão não
está mais restrita à ideia de indivíduo detentor de direitos políticos. Por outro
lado, estar no gozo dos direitos políticos conduz o indivíduo a uma cidadania
plena, e o que faz com que um cidadão seja qualificado como ativo ou inativo
politicamente é estar ele ou não no pleno exercício dos direitos políticos
fundamentais.
Portanto, a restrição de direitos políticos, tal como ocorre nos casos de
perda ou suspensão, não pode ser suficiente para afastar o status de cidadão
do indivíduo, pois, como já exposto acima, o pleno gozo dos direitos políticos já
não consiste no único viés para qualificar o indivíduo como cidadão.
À medida que um número maior de indivíduos conquista os direitos
políticos, e, portanto, o direito de participar das decisões dos negócios da vida
pública de um determinado Estado, a ideia de Democracia torna-se mais
legítima, pois, ao invés do poder de decisão estar apenas nas mãos de poucos
indivíduos, na verdade, maior parcela da população se torna cidadãos ativos
(enquanto detentores de direitos políticos) com capacidade de participar
daquelas decisões e ter oportunidade que uma multiplicidade de interesses
sejam atingidos.
Não há dúvida, que foi a concepção de sufrágio universal consagrada a
partir do século XX – com identidade entre cidadão e pessoa humana - que
alçou o status de cidadão ativo a um número muito maior de indivíduos, na
medida em que, quanto menos regras restritivas existirem para que um
indivíduo tenha cidadania ativa e, portanto, possa exercer seus direitos
políticos, menor será a quantidade de indivíduos alijados de tais direitos, tanto
quanto maior será a quantidade de indivíduos a quem vai ser conferido tais
direitos.

48
Nesta mesma linha tradicional, podemos também dizer que o sufrágio é
o maior expoente da cidadania, de maneira que, a partir dele, os cidadãos
centralizam nas mãos dos eleitos a obrigação de gerir os negócios públicos da
nação, inclusive solucionando os problemas existentes.163
Nota-se que o direito de sufrágio, para além de ser o núcleo fundamental
dos direitos políticos e elemento revelador, e, ao mesmo tempo, concretizador
do princípio democrático - por ser a manifestação da vontade popular - também
é, dentre os demais direitos políticos até então conhecidos, o que mais se
relaciona diretamente com a cidadania.164
Os institutos da “democracia”, “cidadania” e “direitos políticos”, embora,
como visto acima, tenham natureza jurídica diversa, estão umbilicalmente
ligados, de modo que a transformação de cada um deles, principalmente em
termos valorativos, afeta e ao mesmo tempo é afetada pelos demais. Tais
institutos estão consagrados na Constituição Brasileira como pilares de
sustentação do Estado de Direito.165
Ora, tanto na Idade Antiga, quanto na atualidade, ser cidadão implica
titularidade de direitos públicos, inclusive os direitos políticos.166 Porém, em que
pese a semelhança apontada em termos de existência de divisão de grupos
formadores do elemento povo - cidadãos e homens livres na antiguidade,
cidadãos e homens destituídos de direitos políticos na atualidade – resta óbvio
que, diferentemente do que ocorria na Grécia e em Roma na Idade Antiga, e
até mesmo durante o Estado Liberal, em que os direitos polítcos eram
carregados de restrição, na medida em que os princípios da universalidade e

163
MORO, Giovanni. The citizen´s side of governance. The journal of Corporate Citizenship.
Issue 7 Autum 2002. Disponível em: http://www.europroact.org/files/democratic_governance/
_2002.pdf. Acesso em: 15 set. 2017.
164
RAPOSO, Vera Lúcia Capeto. Op. Cit., p.69. Ver tambem, SILVA, José Afonso da. Op. Cit.,
p.355. Este autor afirma que a partir da distinção entre sufrágio e voto – de que o voto é o
exercício do direito – se mostra descabida a discussão acerca da natureza jurídica do sufrágio,
ou seja, se é ele função, direito ou dever.
165
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo
o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição. (…) Art. 4º A República Federativa do Brasil
rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (…) II - prevalência dos
direitos humanos; BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.
166
DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit., p.95.

49
da igualdade, essenciais no âmbito da teoria dos direitos fundamentais, são
reconhecidos como inerentes ao direito de sufrágio – núcleo fundamental dos
direitos políticos – tem-se ampliada a quantidade de indivíduos dotados de
direitos políticos, o que confere a uma maior quantidade de nacionais o status
de cidadão ativo.
Nesta linha, na medida em que mais nacionais são considerados
cidadãos – e , portanto, detentores de direitos políticos – maior será a parcela
do elemento povo que terá direito de participação política, de maneira que as
decisões dos negócios públicos da sociedade ficarão nas mãos de um número
muito maior de nacionais, aproximando o status de cidadão ao de nacional e
fortalecendo a soberania popular.
Compreendido este alargamento da quantidade de indivíduos com
status de cidadão a partir de se considerar igualdade e universalidade inerente
ao direito de sufrágio, pode-se concluir que na Idade Antiga o conceito de
democracia, enquanto poder do Povo era, digamos, falacioso, pois, a bem da
verdade, as decisões quanto aos negócios públicos estavam concentradas
numa parcela do povo – que não representava nem a maioria dos indivíduos
que conviviam nas cidades-estados – os quais gozavam do status de cidadão.
Ou seja, em que pese o berço da democracia ter sido na Grécia antiga,
naquela altura o poder não era do povo no sentido amplo (enquanto elemento
humano da sociedade), tal qual conhecemos no século XX e XXI, mas, dos
cidadãos enquanto os detentores de direitos políticos a época, e para tal, eram
exigidos diversas discriminantes como sexo, poder econômico, nível social,
entre outros. A democracia é a mais ampla integração do indivíduo, das
entidades da sociedade civil e de toda coletividade, no exercício do poder. E o
voto, enquanto exercício do direito de sufrágio - é o ato mais rudimentar de
participação política e que, de modo algum esgota a democracia. 167 Em que
pese a existência de imperfeições no regime democrático – que não vale serem
tratadas no presente estudo - só um governo democrático é capaz de encorajar
um grau de igualdade política relativamente alto.168
Falar que determinado Estado adota a democracia como regime político
significa dizer que ele dispõe de um conjunto de regras e de procedimentos a

167
SLAIBI FILHO, Nagib. Op. Cit., p. 619.
168
CARVALHO, Manuel Proença de. Op. Cit., p. 77.

50
organizar o sistema político (definição do universo de eleitores, composição de
partidos políticos, regras do processo eleitoral, entre outras) e tendo o sufrágio
como instrumento de que a obtenção da decisão política, independentemente
de ser a melhor ou a pior decisão, traz consigo a legitimidade de ser proferida
pelo povo, daí decorrendo a necessidade da maior participação popular
possível na escolha dos representantes, o que é materializado na característica
de universalidade do sufrágio.169
Dentre os requisitos essenciais para que se reconheça um regime como
democrático, temos: a existência de dirigentes eleitos pelos cidadãos para
condução dos assuntos de interesse na sociedade e a existência de eleições
livres, justas e frequentes,170 sendo que são os direitos políticos fundamentais
que acabam por ser tanto os pressupostos quando o sustentáculo dessas
eleições, visto que primeiro houve o reconhecimento destes direitos políticos
para que, em razão deles e de seu respectivo aperfeiçoamento, os requisitos
para um regime democrático fossem garantidos.
Ao observar a passagem do tempo, da Antiguidade grega para o Estado
contemporâneo, é clara a mudança quanto ao ideal democrático almejado
pelos indivíduos, o que influencia diretamente nos valores incutidos no direito
de sufrágio, percebemos um distanciamento cada vez maior entre o que era
praticado pelos gregos como democracia e os valores corporificados pelos
regimes democráticos atuais.
Esse distanciamento está diretamente ligado ao maior alcance dos
direitos políticos por uma maior quantidade de indivíduos que compõe o povo,
de modo que, em atendimento aos princípios jurídicos da universalidade, da
igualdade e da liberdade do direito de sufrágio, tem-se um afastamento cada
vez maior das práticas discriminatórias em relação à participação política dos
cidadãos em seu governo, e, ao mesmo tempo uma aproximação maior do
regime democrático com o conteúdo semântico do vocábulo democracia.
É certo que cada período histórico tem suas respectivas exigências, que
vão culminando com as conquistas de direitos, inclusive de direitos
fundamentais, de modo que, no caso do Estado contemporâneo, é plenamente
justificável o aumento do distanciamento do que se entendia por democracia na

169
VARGAS, Marco Antônio Martin; KIM, Richar Pae. Op. Cit., p. 153.
170
CARVALHO, Manuel Proença de. Op. Cit., p. 76.

51
Grécia em relação ao que hoje se entende, haja vista a existência de uma
carga de complexidade elevada na contemporaneidade que foi exigindo uma
certa evolução dos institutos de ciência política, complexidades estas que,
sequer, poderiam ser imaginadas pelos pensadores daquela época em
Atenas.171
Diante dessas formas de restrição aos direitos políticos não justificadas
criteriosamente, como era o caso da exclusão das mulheres para participação
da vida política de suas respectivas nações, observa-se uma certa
manipulação do próprio conceito de cidadania, já que, quando de tais
restrições, como a das mulheres, as mesmas deixavam de ser consideradas
cidadãs sem motivo plausivelmente justificável. 172
Mas, a medida que a garantia da universalidade dos direitos
fundamentais também alcança os direitos políticos, essencialmente o direito
sufrágio - este como instrumento basilar da democracia – segue-se uma linha
de aperfeiçoamento da democracia enquanto regime no qual o poder emana
do povo, e isto com vistas ao alcance dos ideais democráticos.
Esta mesma universalidade, enquanto princípio, aplicada ao direito
político fundamental de sufrágio, confere este direito ao indivíduo em razão da
sua condição humana, o que, por conseguinte, alça o status de cidadão ativo,
enquanto detentor de direitos políticos, a uma parcela muito maior do povo,
promovendo assim maior identidade entre governantes e governados, e, ao
mesmo tempo, exige justificativas construídas sob o critério da
proporcionalidade para a inativação da referida cidadania, que se materializa
com a perda ou suspensão dos direitos políticos.

171
NASCIMENTO, Franciley Ribeiro do. Democracia e Estado de Direito: uma relação de
dependência ou dispensabilidade. In: Miranda, Jorge (Org.). Direito Constitucional e
Democracia. Curitiba: Editora Juruá, 2013. p. 191.
172
Lembrar que aqui se trata do conceito de cidadão como de indivíduo detentor de direitos
políticos, tal qual foi por muito tempo entendido pela doutrina e não como, conforme trabalhos
neste estudo, como indivíduo titular de direitos fundamentais.

52
CAPÍTULO 2 - AS RESTRIÇÕES DOS DIREITOS POLÍTICOS
FUNDAMENTAIS

2.1. RESTRIÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Uma liberdade ilimitada ou um uso improdutivo da propriedade podem


oportunizar que outros interesses sejam afetados, interesses estes cujos
titulares podem ser terceiros ou a própria sociedade, daí a necessidade de
impor limites aos direitos fundamentais, de modo que, só se poderá saber o
alcance de um direito fundamental quando levarmos em conta os limites a ele
estabelecidos.173
Afirmar que os direitos fundamentais estão sujeitos a limitações é o que
lhes retira a possibilidade de serem os mesmos absolutos, devendo desde
então ser ressaltado que tais limites, justamente pela natureza fundamental de
tais direitos, devem ser necessariamente estabelecidos de forma válida e a
partir da disposição de determinados critérios.174
É também de bom alvitre apontar que a possibilidade de
estabelecimento de tais limites ou restrições aos direitos fundamentais de fato
existe, mas, desde que não haja desnaturação do conteúdo essencial do direito
a ser limitado.175 Tais restrições também devem estar revestidas do interesse
do bem comum, de modo que a limitação deve ser adequada à obtenção do
objetivo perseguido, o meio tem de se mostrar necessário – ou seja, quando
não se pode eleger outro meio igualmente eficaz que não afete ou afete menos
o direito fundamental, e ainda, a intervenção e a imperiosidade que a justificam
devem estar adstritas ao que é razoavelmente exigível.176
É, portanto, neste sentido que o Professor Canotilho afirma que os
direitos fundamentais são sempre direitos “prima facie” e não direitos
definitivos, haja vista que, a depender da ponderação e da concordância
173
HESS, Konrad. Significado dos Direitos Fundamentais. In: Temas Fundamentais do Direito
Constitucional. Tradução: Carlos dos Santos Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65.
174
FREITAS, Luiz Fernando Calil de. Direitos Fundamentais: limites e restrições. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 77. O referido autor aponta que o direito a não ser
torturado e o direito a não ser submetido a tratamento desumano e degradante tem carater
absoluto.
175
ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 296.
176
HESS, Konrad. Op. Cit., p. 65.

53
realizada em face de determinadas circunstâncias concretas é que se definirá
seu alcance definitivo. O mesmo autor ainda esclarece que, por meio de
normas restritivas – as quais representam um primeiro instrumento de solução
de conflitos – um direito “prima facie” pode se tornar um direito definitivo.177
Jorge Reis Novais define restrição de direito fundamental como sendo a
ação ou omissão estatal que afeta o conteúdo do direito fundamental de forma
desvantajosa, e, desta forma, elimina, reduz ou dificulta as vias de acesso ao
bem jurídico protegido e as possibilidades da sua fruição por parte dos seus
titulares (reais ou potenciais), e, ao mesmo tempo, tornam mais fracos os
deveres e obrigações, em sentido amplo, que da necessidade de sua garantia
e promoção resultam para o Estado.178
Neste sentido, o mesmo autor explica que é indiferente de onde se
origina a restrição, bastando para se caracterizar como tal, esta afetação
desvantajosa ao direito fundamental do titular e, ao mesmo tempo, que haja
diminuição das obrigações e deveres que a existência do referido direito
fundamental impõe ao Poder Público.179
Jorge Miranda complementa que as restrições de direitos fundamentais
funcionam como reduções de conteúdo e de âmbito de proteção desses
direitos, e, tomando como base o ordenamento jurídico português, afirma que o
art. 18, nº 2, da CRP, coloca as restrições como salvaguardas de outros
direitos ou interesses legalmente protegidos180.
Na sequência, exemplifica como restrições na Constituição da
República Portuguesa: restrições aos condenados a penas ou a medidas de
segurança privativas de liberdade (art. 30º, nº 5); restrições à capacidade civil
(art. 36º, n 4); restrições impostas à liberdade de escolha (e de exercício) de

177
CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit., p.1273-1274. Sobre o assunto das restrições de direitos
fundamentais, o Professor Canotilho ao esclarecer que direitos fundamentais são sempre
direitos prima facie, tece exemplos: 1- Quando há alta probabilidade de um julgamento público
de um indivíduo causar risco à vida do mesmo (risco de enfarte do miocárdio), por meio de
ponderação racionalmente justificada poderá haver remarcação da audiência de discussão e
julgamento, e isto porque, nas circunstancias do caso concreto, o direito a vida assume um
peso efetivamente maior que o exercício da ação penal; 2) Ele segue com um segundo
exemplo, e aponta a questão do aborto (Direito à vida X Direito da mulher interromper a
gravidez), como também sendo uma situação cuja solução depende de operação de
ponderação por haverem direitos fundamentais em rota de colisão.
178
NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente
autorizadas pela Constituição. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 157.
179
Idem.
180
MIRANDA, Jorge. Op. Cit., p. 484-485

54
profissão (art. 47º, nº 1); restrições à propriedade (art. 62º, nº 2); limites à
renovação sucessiva de mandatos de titulares de cargos políticos executivos
(art. 118º, nº 2); restrições ao acesso dos cidadãos aos arquivos e documentos
administrativos (art. 268º, nº 2º), entre outros.181
Embora na Constituição da República do Brasil de 1988 não haja
dispositivo expresso que se possa estabelecer similitude com o art. 18, nº 2, da
CRP182 - este que impõe uma regra geral para o regime das restrições - na
Carta Constitucional brasileira há diversos dispositivos que regulamentam
restrições de direitos fundamentais de forma específica, dentre eles: a
liberdade de reunião que deve ser entendida como direito de reunir-se em local
público, de forma pacífica, e sem armas (art. 5º, XVI); direito de associação o
qual deve voltar-se para fins lícitos e não pode ter caráter paramilitar (art. 5º,
XVII); o direito de inviolabilidade do domicílio, exceto quando o domiciliado
estiver em flagrante delito, ou se tiver ocorrido desastre e a invasão se dê para
prestar socorro à vítima, ou, ainda, durante o dia em razão de determinação
judicial (art. 5º, XI).
É uníssono entre os professores Jorge Miranda, Jorge Reis Novais e
Canotilho que a justificativa para que se restrinja um direito fundamental
decorra de exigências de proteção de direitos e liberdades de outrem, da
moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. Miranda
e Novais inclusive enfatizam que a restrição de um direito fundamental se faz
necessária diante da necessidade de proteção de outros bens, interesses ou
outros direitos, igualmente dignos de proteção jurídica, sendo que, o que deve
ser levado em consideração é o conteúdo material do bem jurídico em si,
independente dele estar inscrito formalmente num plano constitucional ou
infraconstitucional.183
Porém, o professor Jorge Miranda aponta que sejam as restrições
implícitas ou explícitas, as mesmas só podem ser delineadas a partir de uma
correta interpretação objetiva e sistemática da Constituição, ou seja, uma
181
Idem.
182
Art. 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. Art. 18º (...) 2. A lei só pode
restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na
Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos. PORTUGAL. [Constituição (1976)]. Constituição
da República Portuguesa. Lisboa: Assembleia da República. Disponível em:
https://dre.pt/legislacao-consolidada/-/lc/34520775/view. Acesso em: 09 de jun. 2019.
183
MIRANDA, Jorge. Op. Cit., p. 490. Ver também NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit., p. 620.

55
restrição só pode se legitimar a partir dos valores constantes da própria Carta
Constitucional.184
Há restrições de direitos fundamentais dispostas em normas
constitucionais imediatamente exequíveis, e ainda assim, podem ser
regulamentadas por outras normas mais específicas – dentre estas o professor
Jorge Miranda cita os artigos 51º, nº 3 e 4, art. 57º, nº 3, primeira parte, art. 69º,
nº 3, art. 96º, nº 2, e art. 123º, todos da Constituição da República
Portuguesa.185
Mas há também normas constitucionais restritivas que não possuem
autoexequibilidade e necessitam de uma norma infraconstitucional para que
regulamentem as disposições constitucionais, dentro das quais se podem
observar normas que possibilitam restrições, mas que não necessariamente as
estipulam – como é o caso do art. 86º, nº 2 e 3 e art. 118º, nº 2, pelo que se
conclui pela existência de normas restritivas imediatas – sendo estas
diretamente impostas pela Carta Constitucional – e, de outra banda, normas
mediatas, as quais não são diretamente apostas na Constituição. 186 187
Na tentativa de explicitar melhor a natureza das restrições de direitos
fundamentais, e assim, esclarecer se elas são algo de exterior aos direitos que
lhes reduz o conteúdo e o âmbito ou se fazem mesmo parte do conteúdo do
direito para fins de conformação do mesmo, é que foram desenvolvidas as
teorias externa e interna.188
Robert Alexy constrói um cenário bem didático para explicação da
teoria externa. Este autor primeiramente aponta que o conceito de restrição a

184
MIRANDA, Jorge. Op. Cit., p. 490.
185
MIRANDA, Jorge. Op. Cit., p. 486.
186
No mesmo sentido, o Professor Canotilho identifica a existência de restrições
constitucionais imediatas, como aquelas positivadas na própria norma constitucional, como é o
caso do direito de reunião e se caráter pacífico e não armado (art. 45º, I, da CRP). O mesmo
autor também admite a existência de restrições de direitos fundamentais estabelecidas por lei,
tanto as expressamente autorizadas pela Constituição quanto às não expressamente
autorizadas pela carta constitucional, em que pese, no caso desta última afirmar que é uma
questão problemática, mas sua admissibilidade é justificada, dentro de um contexto sistemático
da constituição, em nome da tutela de outros bens ou interesses. A afirmação do autor não é à
toa, dada toda a dedicação que o Professor Jorge Reis Novais teve em sua tese profunda
sobre restrições intitulada de “Restrições de Direitos Fundamentais não expressamente
autorizadas pela Constituição”. CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit., p. 1276-1277.
187
O professor Alexy também classifica as normas restritivas como normas diretamente
constitucionais ou normas indiretamente constitucionais, sendo que, neste último caso, se
tratam de restrições expressamente autorizadas pela Constituição. ALEXY, Robert. Op. Cit., p.
286.
188
Ibid., p. 492.

56
um direito sugere a existência de duas coisas: o direito e a restrição, entre as
quais se estabelece uma relação de restrição, de modo que, primeiramente
haveria o direito em si (não restringido), e, havendo uma relação entre este
direito “puro” e a restrição, o que restasse do mesmo direito era a dita restrição,
ou o direito propriamente restringido. 189
Para Alexy, na perspectiva da teoria externa, não há uma relação
necessária entre direito e restrição, de maneira que a restrição só se explica a
partir de uma necessidade – esta que deve ser externa ao direito – de
harmonizar direitos de diversos indivíduos, bem como direitos individuais e
interesses coletivos.190 E, como ensina o Professor Novais, estes limites ou
restrições são colocados de fora, eles são de origem externa ao conteúdo do
direito fundamental em sí, e por isso há a denominação de teoria externa.191
A princípio, a teoria externa das restrições de direitos fundamentais
tinha o condão de promover o controle da legitimidade constitucional dos
direitos fundamentais, ou seja, ela se colocava como um método de verificação
quanto a uma situação estar ou não subsumida ao âmbito de proteção de
determinado direito fundamental, de modo que, se sobre o conteúdo desse
direito incidisse uma verdadeira restrição, passava-se a investigar se esta
possuíria justificativa adequada. A partir de tais conclusões acerca das
justificativas para imposição da restrição é que se poderia constatar a sua
legitimidade, assim, caso se trate de restrição ilegítima, estaria violado o direito
fundamental.192
Neste aspecto tem-se que o plano de intervenção e limites proposto
pela teoria externa se revela como concebido a partir da idéia de direitos
fundamentais como direitos de defesa em face do estado (direitos
fundamentais de primeira dimensão), e por tal motivo, tais limites só seriam
possíveis a partir de prescrições diretamente constitucionais ou, pelo menos
autorizadas pela Constituição, pois, desta forma, o recurso de subsunção
impera para determinar a legitimidade ou não da norma restritiva de forma mais

189
NOVAIS, Jorge. Op. Cit., p. 301.
190
ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 277.
191
NOVAIS, Jorge. Op. Cit., p. 301.
192
Ibid., p. 316.

57
objetiva193, e, desta forma, garante maior rigidez na possibilidade de se
restringir um direito fundamental.
Tem-se, portanto, que as normas restritivas de direitos fundamentais
que se coadunam com a teoria externa têm a possibilidade de maior
engessamento dos direitos fundamentais em jogo, porque, uma vez que já
estão pré-estabelecidas – tanto através de norma constitucional, como através
de norma infraconstitucional cuja determinação é oriunda da constituição –
acabam por se impor enquanto regras e, como tal, sendo utilizadas a partir da
metodologia da subsunção, de modo que eventuais conflitos acabam por ser
dirimidos por meio de métodos tradicionais de interpretação, como é o caso da
hierarquia das normas, bem como da interpretação sistemática.
Já para a teoria interna, inexiste direito e restrição de forma
indissociada, o que existe, na verdade, é o direito com um determinado
conteúdo, e por este motivo, no âmbito desta teoria o que seria mais
tecnicamente adequado é a utilização da palavra “limites” ao invés do vocábulo
restrição, de maneira que cada direito fundamental teria limite no seu próprio
conteúdo, o que se denomina de limites imanentes.194
Na teoria interna, portanto, não há que se pressupor uma não limitação
do direito fundamental, já que, nesta, desde o momento inicial o direito tem um
conteúdo específico, e desta forma, qualquer posição jurídica que exceda esse
tal conteúdo não goza de tutela jusfundamental.195 Ou seja, o limite do
exercício do direito integra o seu próprio conteúdo e com ele forma uma
unidade essencial.
A partir do acima exposto bem como do que expõe o professor Virgílio
Afonso da Silva sobre as ditas teorias, o que se verifica é que na teoria externa
existem dois objetos, enquanto na interna, apenas um. O referido autor
esclarece a importância da distinção entre estas teorias na medida em que, a
adoção de uma ou de outra, é que justifica a adoção do sopesamento como
forma de solução de conflitos de direitos fundamentais.196

193
Ibid., p. 354.
194
ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 278
195
BOROWSKI, Martin. La Restricción De Los Derechos Fundamentales. In: Revista
Española de Derecho Constitucional. Año 20, núm. 59, mayo-agosto 2000, p. 32.
196
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e
eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 138-139.

58
Para além disso, repise-se, por ser a restrição uma medida de exceção
no plano normativo, a mesma precisa estar de acordo com os valores
constitucionais dos preceitos relativos aos direitos fundamentais restringidos,
de modo que esteja adequada e justificada pela necessidade de tutelar ou
promover um bem constitucionalmente valioso e só na proporção dessa
necessidade.

2.2. RESTRIÇÕES DE DIREITOS POLÍTICOS FUNDAMENTAIS

Uma vez demonstrados no primeiro capítulo da presente investigação


que os direitos políticos são direitos fundamentais, e, enquanto tais, embora
gozem da característica de universalidade, não são absolutos, e, portanto,
sujeitos a limites ou restrições, podemos concluir que, toda a explicação acima
desenvolvida sobre restrição de direitos fundamentais também deve ser
aplicada para a possibilidade de redução desvantajosa do conteúdo desses
direitos políticos – incluindo o direito de sufrágio - pelo que, ressalta-se, há
exímia exigência de ser aferida a legitimidade de eventual restrição a direito
político fundamental por meio de um juízo de proporcionalidade, afastando a
possibilidade de que os mesmos sejam limitados de maneira infundada.
Para fins de verificação dessa exigência de forma expressa no
ordenamento jurídico, partiremos do plano transnacional, no qual há
documentos internacionais – Declarações de Direitos – que consagraram os
direitos políticos como direitos fundamentais, e, em razão disso, impedem suas
eventuais restrições de maneira infundada.
Primeiramente ao analisar o que dispõe o artigo 21, I, da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão da ONU de 10 de dezembro de
1948197, conclui-se, de forma clara, que qualquer cidadão, de qualquer país,
tem o direito de voto assegurado sem qualquer tipo de discriminação.

197
Art. 21, I, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão da ONU: 1. Toda a
pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios, públicos do seu país, quer
diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. Organização da
Nações Unidas. Declaração universal dos direitos do homem e do cidadão. Adotada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, por meio da
Resolução 217 A (III). Disponível em: http://www.ohchr.org/EN/UDHR/
/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em: 10 set. 2019.

59
O texto normativo em comento materializa no ordenamento jurídico
internacional o princípio da universalidade do sufrágio, não sendo por acaso
que a mesma norma está presente nas Constituições dos países que por ela
estão alcançados. Vale dizer ainda que é este documento que serviu de base
para a edição do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos proclamado
no século XX.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (aprovado pela
Assembleia Geral das Nações Unidas de 16 de dezembro de 1966) traz
disposição geral expressa em seu art. 5º vedando restrições aos direitos
fundamentais em maior medida do que nele é previsto.198 Já o art. 25, trata
especificamente dos direitos políticos – e nomeadamente do sufrágio – com um
texto muito claro no sentido da impossibilidade de tais direitos serem
restringidos de forma infundada.199 O referido Pacto foi ratificado por Portugal,
através da Lei nº 29/78, e também pelo Brasil, através do Decreto nº 562, de
22 de julho de 1992.
Embora não hajam restrições descritas de forma específica no
documento internacional supramencionado quanto aos direitos políticos (sendo
apontado apenas a possibilidade de sua restrição, desde que não de maneira
infundada), diante da mudança com relação à ideia de cidadania na
contemporaneidade - em que o cidadão passou de mero detentor de direitos

198
Artigo 5.º Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de
conceder qualquer direito a um Estado, grupo ou indivíduo para empreender actividades ou
realizar actos que levem à violação de qualquer dos direitos e liberdades reconhecidos no
Pacto ou à sua limitação em maior medida do que nele previsto. Não poderá admitir-se
restrição ou prejuízo de nenhum dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes
num Estado-Signatário em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob
pretexto de que o presente Pacto não os reconhece ou os reconhece em menor grau.
Organização das Nações Unidas. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Adotado
pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro
de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. Disponível em:
http://www.cne.pt/sites/default/files/dl/2_pacto_direitos_civis_politicos.pdf. Acesso em: 03 maio
2019.
199
Artigo 25.º Todos os cidadãos gozarão, sem qualquer das distinções mencionadas no artigo
2.º, e sem restrições indevidas, dos seguintes direitos e oportunidades: a) Participar na
direcção dos assuntos públicos, quer directamente, quer por intermédio de representantes
livremente eleitos; b) Votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por
sufrágio universal, por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; c)
Ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas do seu país. Organização
das Nações Unidas. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Adotado pela
Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de
1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. Disponível em:
http://www.cne.pt/sites/default/files/dl/2_pacto_direitos_civis_politicos.pdf. Acesso em: 03 maio
2019.

60
políticos a sujeito de direito a ter direitos em razão da sua condição humana -
temos que os direitos políticos, enquanto reflexos da condição de pessoa
humana como partícipe do Estado, não detém conteúdo de dignidade humana
suficiente a impedir a defesa de um alegado núcleo intangível em qualquer
caso, o que justifica a possibilidade de lhe serem impostas restrições a partir de
um criterioso juízo de proporcionalidade.200
Outro documento internacional com valor jurídico relevante a tratar do
assunto – mormente quando se pensa que a presente investigação envolve
discussão acerca de norma brasileira – é a Convenção Americana de Direitos
Humanos de 1969, ainda em vigor, denominada de Pacto de San José da
Costa Rica.
No que se refere à restrição de Direitos Políticos, esta Convenção é
ainda mais específica quanto às possibilidades de restrições em seu artigo
23.201 O item 1 do referido artigo 23 do Pacto de San José da Costa Rica
dispõe efetivamente acerca da garantia de participação dos cidadãos nas
decisões políticas de seu país através da universalidade do sufrágio – o que
está expresso no texto da referida norma, impondo a universalidade do
sufrágio como regra geral em total consonância com a natureza de direito
fundamental deste direito.
Ao comparar os três documentos internacionais acima, cujas edições
se deram, respectivamente, em 1948 (Declaração Universal dos direitos do
Homem e do Cidadão da ONU), 1966 (Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos) e 1969 (Convenção Americana de Direitos Humanos), temos que nos
dois primeiros há forte apelo para que as restrições aos direitos políticos só
sejam impostas a partir de um criterioso juízo de proporcionalidade, enquanto

200
CONCEIÇÃO, Tiago de Menezes. Direitos Políticos Fundamentais: A suspensão por
condenação criminal e por Improbidade Administrativa. 3ª ed. Curitiba: Editora Juruá,
2014, p. 179.
201
Artigo 23 - Direitos políticos:
1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:
a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de
representantes livremente eleitos;
b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e
igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores;
e c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
Organização das Nações Unidas. Convenção Americana dos Direitos do Homem e do
Cidadão. Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San
José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. Disponível em:
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/htm. Acesso em: 10 set. 2019.

61
no último (Pacto de San José da Costa Rica), e mais recente dentre os três, o
próprio documento já fecha, de forma específica, quais são os motivos que
podem ensejar a restrição, e, mais ainda, que só por estes motivos (números
clausus) é que se poderiam operar as restrições de direitos políticos.
Logo, a partir do texto da Convenção Americana tem-se que as
restrições ao direito de sufrágio se dão de modo exclusivo pelos motivos
enumerados em seu texto (art. 23), portanto, trata-se de lista restrita.
E é no item 2 do mesmo dispositivo (artigo 23), que a Convenção
Americana de Direitos Humanos lista as situações em que, por motivo de
exceção, e de maneira exclusiva, haverá possibilidade de restrição (enquanto
afetação desvantajosa) ao direito de sufrágio, o que torna a análise deste
dispositivo extremamente importante, inclusive de forma pormenorizada, para o
presente estudo.
Segundo o art. 23, item 2, do Pacto de San José da Costa Rica, o
direito de voto e o direito de ser votado, podem ser restringidos diante de
algumas situações, quais sejam: 1) idade, 2) nacionalidade, 3) residência, 4)
idioma, 5) instrução, 6) capacidade civil ou mental, ou 7) condenação, por juiz
competente, em processo penal.202
Como se pode observar, a suspensão do direito de sufrágio (votar e ser
votado) em decorrência de condenação criminal, a qual constitui o objeto da
presente investigação, se faz presente na referida lista, sendo, portanto,
relevante analisarmos cada um dos motivos de restrição ao referido direito
acima elencados, de modo a identificar a plausibilidade das justificativas de
cada um deles, e, de uma maneira mais detida, examinar a restrição em razão
de condenação em processo penal por Juiz competente, por ser o objeto da
presente investigação.
Primeiramente temos como restrição o critério etário, ou seja, a idade
do sujeito. Tal critério se faz necessário a fim de que seja presumível uma
capacidade de discernimento, maturidade e tirocínio por parte do indivíduo
202
Artigo 23 - Direitos políticos: [...]. 2. A lei pode regular o exercício dos direitos e
oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade,
nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por
juiz competente, em processo penal.” Organização das Nações Unidas. Convenção
Americana dos Direitos do Homem e do Cidadão. Assinada na Conferência Especializada
Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969.
Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/htm. Acesso em: 10
set. 2019. Idem.

62
para que seja capaz de intervir, de forma esclarecida, nos negócios públicos da
nação.203
Em países sul americanos como o Brasil, Argentina, Guatemala e
Venezuela, por exemplo, os indivíduos tem direito ao voto ao completarem 18
(dezoito) anos.204 O que equivale ao atingimento da capacidade civil. Ressalta-
se que, no caso específico do Brasil, os indivíduos já tem direito a votar, de
forma facultativa, a partir dos 16 (dezesseis) anos de idade, sendo que a partir
dos 18 (dezoito) anos o voto passa a ser obrigatório, tudo conforme artigo 14,
§1º, I, da Constituição Federal brasileira de 1988 então vigente.205
Quanto ao critério etário para se candidatar, este tem variações no
Brasil em conformidade com o cargo político a ser ocupado. Candidatos aos
cargos de Presidente, Vice-Presidente da República e Senador devem contar
com 35 anos de idade; aos cargos de Governador e Vice-Governador, 30 anos
de idade; aos de Deputado, Prefeito e Vice-Prefeito, 21 anos de idade; ao
cargo de Vereador, 18 anos de idade, nos termos do art. 14, § 3º, VI, da
CRFB.206
Tal e qual os países sul americanos acima citados, o cidadão
português tem o direito ao sufrágio a partir de 18 (dezoito) anos, nos termos do

203
O autor afirma que à exceção do direito de sufrágio ativo e passivo, o gozo dos direitos
fundamentais não está condicionado à maioridade – o que não exclui a necessidade de
representação legal para fazer valer os direitos fundamentais dos menores. BONAVIDES,
Paulo. Ciência Política. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 252.
204
Idem.
205
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...) § 1º O alistamento eleitoral e o voto são:
I - Obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - Facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. BRASIL, [Constituição (1988)].
Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível
em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.
206
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(…) VI - a idade mínima de:
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-
Prefeito e juiz de paz;
d) dezoito anos para Vereador. BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.

63
art. 49 da Constituição da República Portuguesa vigente,207 mas, há também
critérios etários diferenciados para fins de elegibilidade. Já em países como
França e Inglaterra os indivíduos só podem votar a partir dos 21 (vinte e um)
anos de idade.208
Ao apresentar exemplos de critérios etários como restrição ao direito
de sufrágio, dentre os quais alguns dos expostos acima, o professor Paulo
Bonavides observa haver uma tendência entre o nível de democracia de
determinado Estado com o critério etário de restrição ao direito de voto, de
modo que, para este autor, quanto menos democrática for a Constituição de
um estado, maior será a inclinação para elevação da idade mínima eleitoral. 209
Ou seja, quanto menor o nível de democracia do estado, mais tempo de vida
vai ser exigido do indivíduo para que ele participe dos negócios públicos de seu
país.
A afirmação feita por Paulo Bonavides, é esmiuçada por ele na
sequência, ao afirmar que a elevação da maioridade eleitoral num estado com
ideias nem tanto democráticos se ligaria a um temor do sentimento reformista
muito mais comum na juventude, por esta se mostrar mais aberta a mudanças
e adversa aos conservadorismos, estes que seriam supostamente mais
comuns em indivíduos mais maduros.210
Na sequência do que traz o artigo 23 do Pacto de São José da Costa
Rica, o segundo critério restritivo à universalidade do sufrágio é a
nacionalidade. É comum que estrangeiros sejam excluídos de participação na
vida política do Estado onde estejam, pelo fato de que é mesmo a
nacionalidade que promove o vínculo entre um indivíduo e dada comunidade
política211, ressaltando que este vínculo é jurídico-político haja vista que
promove ao nacional, direitos e deveres com relação ao seu Estado,

207
Artigo 49.º. Direito de sufrágio. 1. Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de
dezoito anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral. BRASIL, [Constituição
(1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09
jun. 2019.
208
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 252.
209
Idem. Na sequência o autor dá como exemplo a Constituição Francesa de 1814 que só
possibilitava que um indivíduo pudesse escolher seus representantes através do voto a partir
dos 30 (trinta) anos de idade.
210
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 252.
211
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Editora Saraiva 2015, p. 697.

64
ressaltando, inclusive, que este vínculo não é desfeito pelo simples fato do
nacional, por acaso, encontrar-se fora do território de seu estado.212
Daí já se observa a clara diferença entre um nacional e um estrangeiro,
e a partir dela se depreende o motivo pelo qual é o indivíduo nacional que
realmente pode participar das decisões relativas aos negócios públicos de seu
estado, já que é ele o titular do direito de participação.
A definição de estrangeiro se dá por exclusão, na medida em que, é
considerado estrangeiro todo aquele que não é reconhecido por determinado
estado como um nacional, de forma que o vinculo com determinado estado
perdura enquanto o mesmo estiver no determinado território – isso não quer
dizer que o estrangeiro, pela sua condição de não ser nacional, esteja privado
de direitos e obrigações,213 o que inexiste, na verdade, é o tal vínculo jurídico-
político acima assinalado, questão decisiva para que a situação de estrangeiro
seja insuficiente para gerar o direito de participação da vida política do estado,
tanto para votar como para lançar-se como candidato a cargo político.
Outra restrição ao direito de voto apontada pela Convenção Americana
de Direitos Humanos é a residência. Votar é eleger alguém como seu
representante para tratar dos assuntos políticos de determinada circunscrição
territorial onde o eleitor tem seu vínculo político. Por outro lado, ter
possibilidade de ser votado, contém uma probabilidade, ainda que em
potencial, de ser eleito, e isso significa dirigir os negócios públicos daquela
sociedade a partir da ocupação de um cargo político atrelado a determinado
Estado-nação.
No Brasil, por exemplo, é exigido do cidadão um prazo mínimo de
residência em determinada parte do território (município) para que este seja
considerado o seu domicílio eleitoral. E tal prazo mínimo se dá para evitar
abusos no sentido de práticas de deslocamento de eleitores de uma região a
outra conforme interesse de candidatos de modo a promover um resultado
ilegítimo e comprometedor da seriedade da eleição.214
Se tal regra não fosse imposta no ordenamento jurídico brasileiro, se
correria o risco de ver indivíduos governados por representantes não eleitos

212
HOLTHE, Leo Von. Direito Constitucional. 6ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 589.
213
Ibid., p. 590.
214
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 251.

65
pela maioria de habitantes daquele local, mas sim de um eleitorado flutuante e
que tivesse sido alí levado para burla do resultado das eleições.215 216
Vale dizer que o Código Civil brasileiro (Lei federal nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002) trata do instituto do domicílio em seus artigos 70 a 78, sendo
que a própria legislação define domicílio como sendo o local onde a pessoa
natural estabelece sua residência com animus definitivo217, ou seja, é o local
onde a pessoa pode ser sujeito de direitos e deveres na ordem privada e está
diretamente relacionado com a residência e com a moradia, inclusive, tendo a
pessoa mais de uma residência, qualquer uma delas pode ser considerada seu
domicílio (pluralidade domiciliar).218
O instituto do domicílio, portanto, tem conceito jurídico e acaba por
estabelecer o vínculo da pessoa com determinado local em que ela estará
sujeita à direitos e obrigações justamente pela necessidade que existe para o
Direito em fixar uma pessoa em determinado local, estabelecendo esse como o
centro de sua atividade jurídica. Ou seja, no domicílio impõe-se uma relação
jurídica.
A residência, por sua vez, se diferencia – diga-se, prima facie, de uma
maneira muito sutil – do conceito de domicílio, na medida em que ela, embora
também seja caracterizada pelo local onde o indivíduo habita ou tem o centro

215
Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor. Parágrafo único.
Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente,
e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas. BRASIL,
Lei nº 4.737 de 1965. Código Eleitoral. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/codigo-eleitoral-1/codigo-eleitoral-lei1965.
Acesso em: 10 set. 2019.
216
No mesmo sentido, veja: BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial nº 8551.
Relator (a) Min. Luciana Lessio, DJ: 05/02/2013. Disponível em:
https://tse.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/118690388/recurso-especial-eleitoral-respe-8551-
ce/inteiro-teor-118690431. Conceito de domicílio eleitoral em que basta a demonstração de
vínculos políticos, sociais, afetivos, patrimoniais ou de negócios. Acórdão do Tribunal Superior
Eleitoral de 8 abr. 2014. Disponível em: http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-ele-de-julho-de-
1965. Acesso em: 10 set. 2019.
217
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com
ânimo definitivo. BRASIL. Lei 10.406, 10 de janeiro de 2002. Brasília: Congresso Nacional.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 20 ago.
2019.
218
TARTUCCE, Flavio. Manual de Direito Civil. 6ª ed. São Paulo: Método, 2016, p. 137.

66
das suas ocupações, representa apenas uma relação de fato, e não jurídica.219
220

A partir de tal diferenciação entre os institutos do domicílio e da


residência, podemos afirmar que o conceito de domicílio engloba o de
residência, ou ainda, que o conceito de residência está contido no conceito de
domicílio.
Diferentemente do contexto da ordem privada (direito civil), quando se
fala do instituto do domicílio na esfera eleitoral é devida a atenção ao artigo 42
do Código Eleitoral brasileiro (Lei federal nº 4737, de 15 de julho de 1965), o
qual define domicílio eleitoral como sendo o local de residência ou moradia do
eleitor221, e, no caso deste indivíduo ter mais de uma residência, qualquer
delas pode ser considerada seu domicílio eleitoral.222
Pela simples leitura do dispositivo legal em referência resta claro que,
para fins eleitorais, domicílio eleitoral difere de domicílio civil, pois, na seara
eleitoral não se exige o animus definitivo – na medida em que se considera que
o local de moradia também pode ser declarado como domicílio, sendo
desconsiderado, portanto, o elemento subjetivo do domicílio exigido para fins
civis, e, apenas considerado o elemento objetivo de forma mais precária, qual
seja, o local de moradia do eleitor.223 Em suma, o ânimo definitivo - próprio do

219
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 39ª ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 157.
220
Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o
preso. Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do
servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde
servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar
imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o
lugar em que cumprir a sentença BRASIL. Lei 10.406, 10 de janeiro de 2002. Brasília:
Congresso Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm.
Acesso em: 20 ago. 2019. A título de informação tem-se que o preso tem domicílio civil
necessário no local em que estiver cumprindo a sentença condenatória, porém, o preso
condenado não tem domicílio eleitoral, pois, como veremos adiante, no Brasil, quando
condenado com trânsito em julgado o preso terá seus direitos políticos suspensos.
221
Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor. Parágrafo
único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do
requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer
delas. (grifo nosso). BRASIL. Lei 10.406, 10 de janeiro de 2002. Brasília: Congresso Nacional.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 20 ago.
2019.
222
TARTUCCE, Flavio. Op. Cit., p. 137. O Professor Flavio Tartucce ensina que a alteração de
domicílio eleitoral, por exemplo, serve como prova de alteração de domicílio civil.
223
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 12ª ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 208-209.

67
conceito de domicílio em Direito Civil - não integraria o conceito de domicílio no
Direito Eleitoral.224
Porém, não obstante a existência na legislação eleitoral de previsão
simples apontando que o domicílio eleitoral é o local de residência ou de
moradia do eleitor, o Tribunal Superior Eleitoral brasileiro vem se posicionando
no sentido de que, para fins de domicílio eleitoral, é admitido o local onde a
pessoa mantenha vínculos políticos, sociais e econômicos225, mas, também

224
“Em conclusão: o ânimo definitivo, próprio do Direito Civil, não compõe o conceito em Direito
Eleitoral. (TSE, HC n.º 210, rel. Min. Marco Aurélio, JTSE 6(1), p. 11; Rec. n.º 14.114, Rel. Min.
C. Porto, DJU 14.04.1997.[…])”. Ibid, p. 209.
225
RECURSO ORDINÁRIO. PRETENSÃO. TRANCAMENTO. AÇÃO PENAL. DELITO. ART.
350 DO CÓDIGO ELEITORAL. INSERÇÃO DE DECLARAÇÃO FALSA DE RESIDÊNCIA EM
DOCUMENTO PARA FINS ELEITORAIS. ALEGAÇÃO. AUSÊNCIA. JUSTA CAUSA. 1. Ainda
que a decisão regional esteja alinhada à jurisprudência - no sentido de que não é possível
exame aprofundado de provas na via estreita do writ, o que deve, em regra, ocorrer no âmbito
da própria ação penal -, a questão alusiva à existência de vínculos aptos à caracterização do
domicílio eleitoral do recorrente pode, desde logo, ser aferida, de modo a afastar o alegado
crime de falsidade do art. 350 do Código Eleitoral, imputado na denúncia. Nesse sentido: RHC
56-42, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 2.2.2016. 2. A jurisprudência do Tribunal a muito está
consolidada no sentido de que "o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no
Direito Civil e se satisfaz com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou
familiares" (REspe 374-81, rel. designado Ministro Dias Toffoli, DJE de 4.8.2014). No mesmo
sentido: AgR-AI 72-86, rel. Min. Nancy Andrighi, DJE de 14.3.2013. 3. O auto de averiguação
do ano de 2016 e a certidão emitida em 2017 indicaram que o paciente frequentava a cidade e
nela possuía vínculos familiares, o que é corroborado pela documentação trazida no writ
(certidões de registro de imóveis dos sogros e certidão de nascimento da consorte), permitindo-
se inferir a veracidade da declaração do domicílio no âmbito do cartório eleitoral, evidenciando
a falta de justa causa apta para apuração do delito do art. 350 do Código Eleitoral. Recurso
ordinário provido a fim de trancar a ação penal proposta contra o paciente. BRASIL. Tribunal
Superior Eleitoral. Recurso em Habeas Corpus n.º 060063459. Relator (a) Min. Admar
Gonzaga, DJ 10/12/2018. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia. Acesso em: 26 ago. 2019.
DIREITO ELEITORAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. REGISTRO DE
CANDIDATURA. CARGO DE SENADOR. PROCESSO DE IMPEACHMENT DE PRESIDENTE
DA REPÚBLICA. CONDENAÇÃO QUE SE LIMITOU À PERDA DO CARGO, SEM
INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. NÃO INCIDÊNCIA DE CAUSAS
DE INELEGIBILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. Recursos ordinários e recurso
eleitoral interpostos contra acórdão do TRE/MG que deferiu o registro de candidatura ao cargo
de Senadora nas Eleições 2018. 2. Recurso eleitoral de Leonardo Vitor de Oliveira recebido
como recurso ordinário. 3. Recursos ordinários de Alvair José Pedro e José Eduardo Vieira
Morais e José Marcos Ribeiro da Fonseca não conhecidos, tendo em vista que a possibilidade
de apresentação de notícia de inelegibilidade não confere ao eleitor legitimidade para recorrer
da decisão sobre o pedido de registro de candidatura. Precedentes. 4. Afastada a aplicação do
art. 932, III, do CPC, porque os recursos ordinários fazem referência direta aos fundamentos
essenciais do acórdão que pretendem reformar, impugnando de forma suficiente a decisão
recorrida. 5. Não cabe ao TSE extrair da condenação em processo de impeachment sanção de
inabilitação para o exercício de função pública cuja aplicação foi expressamente afastada pelo
Senado Federal. A Justiça Eleitoral não tem competência para analisar se a decisão proferida
pelo órgão competente está correta ou equivocada, a teor da Súmula nº 41/TSE. Eventual
análise a respeito da constitucionalidade do "fatiamento" das sanções decorrentes de
condenação por crime de responsabilidade à luz do art. 52, parágrafo único, da CF/1988
compete apenas ao STF. 6. As causas de inelegibilidade devem ser interpretadas
restritivamente, a fim de que não alcancem situações não contempladas pela norma.
Precedentes. 7. A causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, c, da LC nº 64/1990 refere–se,

68
deixou registrado que, em que pese exista a possibilidade de escolha desse
vínculo especial para fins de domicílio eleitoral, desde que comprove os
vínculos (políticos, econômicos, sociais ou familiares), não há possibilidade ao
eleitor de manter mais de um domicílio eleitoral.226
Frise-se que, muito embora, a partir do que se constatou acima, haja
similitude mas não exista completa identidade entre as definições de domicílio
nos âmbitos civil e eleitoral no ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição
da República do Brasil de 1988, em seu artigo 14, §3º, inciso IV, 227 traz o
domicílio eleitoral como condição de elegibilidade do eleitor em determinada
circunscrição, de modo que, para se lançar candidato a cargos políticos na
esfera municipal, o candidato tem que ter domicílio eleitoral na circunscrição do

exclusivamente, à perda de cargo eletivo em virtude de processo de impeachment instaurado


contra o chefe do Poder Executivo estadual, distrital ou municipal. Não há como se interpretar o
dispositivo de forma a abranger, também, o Presidente da República, que possui regramento
próprio (art. 52, I e parágrafo único, da CF/1988). 8. A condenação em processo de
impeachment não configura a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, da LC nº 64/1990.
Isso porque, dada a sua natureza, a condenação por crime de responsabilidade não se
equipara a uma "decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado". 9. A
causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, da LC nº 64/1990 não incide em hipótese na qual
as contas prestadas no exercício da Presidência da República não foram formalmente
rejeitadas pelo Congresso Nacional, órgão que dispõe de competência exclusiva para julgá–las
(art. 49, IX, da CF/1988). 10. Hipótese em que preenchida a condição de elegibilidade do art.
14, § 3º, II, da CF/1988, já que não se impôs à recorrida a sanção de inabilitação para o
exercício de função pública, de modo que ela se encontra em pleno gozo de seus direitos
políticos. 11. Hipótese em que preenchida a condição de elegibilidade do art. 14, § 3º, IV,
da CF/1988, uma vez que a candidata constituiu domicílio eleitoral na circunscrição
dentro do prazo exigido pela Lei nº 9.504/1997, sendo notório o vínculo familiar da
candidata com a localidade. O conceito de domicílio eleitoral pode ser demonstrado não
só pela residência no local com ânimo definitivo, mas também pela constituição de
vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes. Ademais, eventual
irregularidade na transferência de domicílio eleitoral deveria ter sido suscitada em
procedimento próprio, estando preclusa (arts. 57, 2º, e 71, I e III, do Código Eleitoral).
Precedentes. 12. Considerando–se (i) o preenchimento das condições de elegibilidade, em
especial as previstas no art. 14, § 3º, II e IV, da CF/1988; e (ii) a não incidência de quaisquer
causas de inelegibilidade, afastando–se a alegação de incidência das causas de inelegibilidade
do art. 1º, I, da LC nº 64/1990, deve–se reconhecer a aptidão da candidata para participar das
eleições de 2018 visando ao cargo de Senador da República. 13. Recursos ordinários
desprovidos, mantendo–se o deferimento do registro de candidatura da candidata Dilma Vana
Rousseff. (grifo nosso). BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário nº
060238825. Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: PSESS - Publicado
em Sessão, Data 04/10/2018. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia. Acesso em: 26 ago. 2019.
226
Esta é mais uma diferença entre domicílio civil e eleitoral pois, muito embora na esfera
privada o indivíduo possa ter uma pluralidade de domicílios, para fins eleitorais só pode ter
apenas um domicílio.
227
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 3º São condições de
elegibilidade, na forma da lei: (...) IV - o domicílio eleitoral na circunscrição. BRASIL,
[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso
Nacional. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 09 jun. 2019.

69
município para o qual ele será eleito como representante, o que também ocorre
no âmbito dos estados federados quanto à candidatura para os cargos de
governador, vice-governador, senador e deputados federais, estaduais e
distritais.228
Vale dizer ainda, que para ser candidato aos cargos de presidente e
vice-presidente do Brasil, o candidato pode ter domicílio eleitoral em quaisquer
dos municípios brasileiros.229 230
Portanto, é o domicílio eleitoral, e nele incluídos os conceitos de
residência e de moradia, que determina tanto o lugar em que o cidadão deve
alistar-se como eleitor como também é nele que o indivíduo pode candidatar-se
a cargo eletivo, ou seja, para concorrer às eleições no Brasil, o candidato deve
possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo
menos, um ano antes do pleito.231
Nota-se, portanto, que o critério da residência, incluído no conceito de
domicílio eleitoral – em que, tanto o simples eleitor, como aquele que quer se
lançar candidato, só pode ter apenas um – se faz importante na medida em
que para que o domicílio seja firmado quando da inscrição eleitoral do cidadão,
são exigidas as comprovações de vínculos do indivíduo com aquele
determinado ente da federação em que ele exercerá o direito de sufrágio, ou
seja, o direito de sufrágio está restrito às pessoas que mantiverem vínculo
(econômico, social, político, afetivo) com aquele determinado ente político
(município, estado, país).
O idioma também é tratado como possível causa de restrição ao direito
de sufrágio na Convenção Americana de Direitos Humanos. Neste caso, há
uma situação curiosa especificamente no Brasil, onde uma das causas
impeditivas de alistamento eleitoral, disposta no artigo do Código Eleitoral

228
RAMAYANA, Marcos. Op. Cit., p. 208-209.
229
Idem.
230
Art. 14, §3º. BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.
231
Convém trazer os apontamentos deste autor no sentido de ser muito importante se definir o
domicílio, pois é nele que a pessoa estabelece o centro de sua vida e de suas atividades, disso
surgindo diversas consequências no espaço socio jurídico. Faz um paralelo estabelecendo
que, em regra, é no domicílio civil que a pessoa deve ser demandada, de modo que no campo
eleitoral, é no domicílio em que o indivíduo poderá alistar-se bem como candidatar-se.
GOMES, José Jairo. Op. Cit., p. 154.

70
Brasileiro (Lei federal número 4737 de 15 de julho de 1965), é justamente aos
que não saibam se expressar na língua nacional.232
Cumpre dizer que, em 01 de junho de 2010, o Tribunal Superior Eleitoral
do Brasil editou a Resolução número 23.274, a qual assentou que o inciso II do
artigo 5ª do referido Código Eleitoral não foi recepcionado pela Constituição
Federal de 1988.233
O argumento utilizado na decisão que acabou por gerar a edição da
supramencionada resolução pelo Tribunal Superior Eleitoral brasileiro, a qual
achou por bem não considerar o idioma como causa de impedir o alistamento
eleitoral, foi no sentido de que a Constituição Federal brasileira vigente não traz
esse tipo de restrição, e, inclusive, que o dispositivo constitucional é bem mais
amplo. E mais, que na própria Carta Constitucional existem situações de
restrição expressamente elencadas - como é o caso dos condenados
criminalmente – as quais constituem uma lista taxativa de restrições, não
podendo, desta forma, uma lei federal restringir o direito ao sufrágio sem
amparo constitucional.234
Distante dos argumentos mais formais apresentados pelo Tribunal
Superior Eleitoral, e se baseando apenas em fatos notórios – e no que se
entende por eles na ordem jurídica – o idioma parece mesmo ser um critério
importante para que alguém seja eleitor, bem como para que possa candidatar-
se a um cargo político de determinado Estado, já que, primeiramente, os
representantes não são obrigados a apresentar seus planos de governo em
língua diferente da nacional, motivo pelo qual, desconhecer das propostas dos
candidatos, em razão do não entendimento da língua poderia ser motivo
suficiente para impedir que o indivíduo se tornasse eleitor, e, não sendo

232
Art. 5º Não podem alistar-se eleitores:
I - os analfabetos;
II - os que não saibam exprimir-se na língua nacional;
III - os que estejam privados, temporária ou definitivamente dos direitos políticos.
BRASIL, Lei nº 4.737 de 1965. Código Eleitoral. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/codigo-eleitoral-1/codigo-eleitoral-lei1965.
Acesso em: 10 set. 2019.
233
Resolução nº 23.274 de 2010 do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/legislacao-tse/res/2010/RES232742010.htm. Acesso em: 26 de agosto de
2019.
234
Tal argumento consta da ementa da decisão que ensejou a edição da referida resolução.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral do Brasil. Resolução nº 23.274 de 2010. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/legislacao-tse/res/2010/RES232742010.htm. Acesso em: 26 ago. 2019.

71
alistável, consequentemente o indivíduo não tem direito à elegibilidade no
Brasil, nos termos do artigo 14, §4º, da CRFB/88.235
Por outro lado, e não menos razoável, pesa a favor da decisão
expressa por meio da Resolução do TSE acima mencionada, que não se pode
deixar de considerar que os indivíduos, mesmo não se expressando
perfeitamente na língua pátria (português ou qualquer outra, em qualquer canto
do mundo), não possa procurar artifícios, inclusive tecnológicos, como as
ferramentas de tradução disponíveis, até de forma gratuita, para se instruir
acerca dos planos de seus representantes, e assim, poder escolher
exatamente o candidato que melhor lhe represente, até porque, nas urnas terá
o nome do candidato ou número que o represente em algarismos cardinais, o
que independe do conhecimento da linguagem nacional para proceder ao voto.
Porém, ainda que tais indivíduos que não saibam se expressar na
língua pátria forem considerados aptos a votar, a mesma regra não deve valer
para o direito de ser votado, isso porque, quando se pensa em idioma e o
direito de sufrágio em sua face relativa à possibilidade de se lançar candidato,
a consequência dessa possível candidatura pode ser a eleição de um individuo
sem o pleno conhecimento do idioma pátrio, entretanto, enquanto
representante ele participaria das decisões envolvendo os negócios da
sociedade sem o exímio domínio do idioma daquela localidade (inclusive, por
exemplo, assinando contratos, portarias, regulamentos, atos legislativos e
outros), pelo que, restaria proporcionalmente justificada a restrição no que se
refere ao idioma quando se tratar de elegilibilidade.
Mas, para além da questão do domínio do idioma, o Pacto de São José
da Costa Rica exige ainda um mínimo grau de discernimento para o exercício
do direito ao sufrágio, na medida em que impõe a capacidade civil e mental
como critérios que gozam de possibilidade de restringir direito de sufrágio, o
que parece estar ligado a idéia de que: escolher os ministros e secretários dos
estados, sancionar legislação apresentada pelos parlamentares, traçar planos

235
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (…) §4º São inelegíveis os
inalistáveis e os analfabetos. BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.

72
de governo, gerir o aparelho estatal, bem como, as receitas públicas, são
tarefas que exigem um certo grau de normalidade das faculdades mentais.236
No Brasil, a Lei federal nº 13.146 de 2015 (Estatuto da pessoa
portadora de deficiência) promoveu algumas alterações no Código Civil,
excluindo dos casos de incapacidade civil os indivíduos portadores de
enfermidade ou deficiência mental, as quais alterassem as suas capacidades
mentais, ficando restrita a incapacidade civil total, naquele país, aos menores
de 16 anos, nos termos do artigo 3º do Código Civil vigente 237.

236
A título de exemplo, para se ter uma exata noção da complexidade das tarefas de um chefe
do Poder Executivo Nacional no Brasil, colaciona-se aqui as atribuições previstas no art. 84 da
CRFB de 1988 como privativas do Presidente da República. Art. 84. Compete privativamente
ao Presidente da República: I - nomear e exonerar os Ministros de Estado; II - exercer, com o
auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal; III - iniciar o
processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição; IV - sancionar,
promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel
execução; V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente; VI - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de
despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos
públicos, quando vagos; VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus
representantes diplomáticos; VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos
a referendo do Congresso Nacional; IX - decretar o estado de defesa e o estado de sítio; X -
decretar e executar a intervenção federal; XI - remeter mensagem e plano de governo ao
Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País
e solicitando as providências que julgar necessárias; XII - conceder indulto e comutar penas,
com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei; XIII - exercer o comando supremo
das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,
promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos; XIV -
nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e
dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o
presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei; XV
- nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União; XVI -
nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral da União;
XVII - nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII; XVIII - convocar
e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional; XIX - declarar guerra, no
caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele,
quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total
ou parcialmente, a mobilização nacional; XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do
Congresso Nacional; XXI - conferir condecorações e distinções honoríficas; XXII - permitir, nos
casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional
ou nele permaneçam temporariamente; XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano
plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos
nesta Constituição; XXIV - prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta
dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior; XXV -
prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei; XXVI - editar medidas
provisórias com força de lei, nos termos do art. 62; XXVII - exercer outras atribuições previstas
nesta Constituição. Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições
mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-
Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas
respectivas delegações. BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.
237 o
Art. 3 São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os
menores de 16 (dezesseis) anos. BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da República

73
A mencionada lei federal, que alterou o Código Civil brasileiro, ainda
prevê expressamente a possibilidade dessas pessoas - com deficiência,
inclusive de ordem psíquica - realizarem vários atos da vida civil,238 pois,
conforme artigo 4º do Código Civil brasileiro vigente, estas passaram a ser
relativamente incapazes, exigindo curador para prática de outros atos da vida
civil que não expressamente descritos na lei.
A entrada em vigor da referida legislação causou impacto direto no que
se refere à restrição de direitos políticos frente à previsão constitucional contida
no art. 15, II, da CRFB239, visto que a incapacidade civil absoluta, por força de
norma restritiva, disposta na Constituição brasileira vigente, é causa de perda
dos direitos políticos. Porém, já se pronunciou o Tribunal Superior Eleitoral
brasileiro, após a vigência do referido Estatuto da pessoa portadora de
deficiência, no processo administrativo número 114-71.2016.6.00.000, firmando
que a incapacidade mental absoluta, em razão da alteração do Código Civil
brasileiro pelo Estatuto da pessoa portadora de deficiência, deixou de restringir
os direitos políticos240.

Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.
238 o
Art. 6 A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações
adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária;
e VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando,
em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. BRASIL. Lei nº 10406 de 2002.
Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivilL10406.htm. Acesso em: 15 set.
2019.
239
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos
casos de: (…) II - Incapacidade civil absoluta. BRASIL. Lei nº 10406 de 2002. Código Civil.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivilL10406.htm. Acesso em: 15 set. 2019.
240
OLIVEIRA, Vinícius de. O voto da pessoa mentalmente enferma ou deficiente: a inclusão, o
ônus e fraude. Os Eleitoralistas. Disponível em:
http://www.oseleitoralistas.com.br/2017/08/05/voto-pessoa-enferma/. Acesso em: 5 mar. 2019.
O autor afirma que a nova legislação federal que alterou o Código Civil Brasileiro esvaziou a
norma constitucional daquele país contida no art. 15, II, da CRFB, haja vista que a Constituição
prevê de forma expressa a suspensão dos direitos políticos para os casos de incapacidade
civil. Portanto, não estando mais as pessoas acometidas de doenças psiquiátricas e outras que
lhes afetem a capacidade de discernimento necessariamente impossibilitadas de exercerem
seus direitos políticos, simplesmente pelo fato de não serem mais incapazes civilmente, mas
sim, relativamente incapazes. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Processo
Administrativo nº 114-71.2016.6.00.0000. Interessada: Corregedoria Regional Eleitoral da
Bahia. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. DJ: 19/05/2016. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/339385278/andamento-do-processo-

74
Outra forma de restrição ao direito de sufrágio disposta na Convenção
Americana, em análise, é o grau de instrução do indivíduo, sendo que o
nível educacional exigido ao cidadão, para que o mesmo possa exercer os
seus direitos políticos varia de um estado para o outro.
A Constituição Federal brasileira não dispõe sobre a exigência de
qualquer nível educacional para que o cidadão exerça o seu direito de voto,
mas traz o voto do analfabeto como facultativo. Ao mesmo tempo, coloca o
analfabeto como inelegível, ou seja, a própria norma constitucional brasileira
impede que o analfabeto concorra a um cargo político-eletivo, restringindo,
portanto, a capacidade eleitoral passiva. 241
Paulo Bonavides aponta que a questão do voto dos analfabetos tem
suscitado bastante debate, mormente quando se trata de países (latino
americanos) em que há alta densidade de população que não sabe ler nem
escrever, provocando “imagem quase irreconhecível da sociedade
democrática” frente a ausência de proporcionalidade entre o número de
eleitores e o número total de habitantes que ficam restritos do direito de votar -
por não terem um mínimo grau de instrução, sequer, saberem ler escrever. 242
Na Itália – país não vinculado ao Pacto de São José da Costa Rica -
por exemplo, não há qualquer restrição ao direito de sufrágio com relação ao
grau de instrução, sendo admitindo, inclusive, o voto por parte do analfabeto. 243
244

administrativo-n-114-7120166000000-19-05-2016-do-tse?ref=topic_feed. Acesso em: 05 mar.


2019.
241
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...) § 1º O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (…)
4º. São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. BRASIL, [Constituição (1988)].
Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível
em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.
242
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 253.
243
Idem.
244
Sobre esse aspecto vale dizer que no ano de 2017 o índice de analfabetismo na Itália era
de 0,9% da população, ou seja, mais de 99% da população é alfabetizada. Itália: informações e
dados gerais da Itália, bandeira, cultura Italiana, mapa, consulado Italiano, tudo sobre a Itália,
informações geográficas, econômicas, políticas e culturais. Sua Pesquisa. Disponível em:
https://www.suapesquisa.com/paises/italia/. Acesso em: 07 out. 2019, o que diverge muito de
países como o Brasil que tem, ainda em 2019, quase 7% de sua população analfabeta

75
Embora haja abertura para a concessão do direito de voto aos
analfabetos, afastando, desta forma, a obrigatoriedade de instrução mínima ao
eleitor, a inelegibilidade dos analfabetos parece já não comportar contra
argumento, pois, é completamente improvável que um indivíduo que não saiba
minimamente ler e escrever, reúna condições necessárias para a tomada
consciente de decisões no exercício de funções públicas, porquanto o aparato
burocrático é complexo e gigantesco.245
O Pacto de São José da Costa Rica também traz como possibilidade
de causa restritiva ao direito de sufrágio a condenação, por juiz competente,
em processo criminal. Esta última possibilidade de restrição expressamente
disposta na norma internacional em comento constitui justamente o objeto da
presente investigação, pelo que será tratada de forma mais específica no item
a seguir.

2.3. RESTRIÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE SUFRÁGIO EM


RAZÃO DE CONDENAÇÃO CRIMINAL

No primeiro capítulo desta investigação, por ocasião do estudo do


histórico dos direitos políticos, restou consignado que tais direitos,
especialmente o direito de sufrágio, muito embora, até o início do século XX
estivessem consagrados nas Constituições dos países espalhadas pelo mundo
eivados de restrição, ainda assim, se coadunavam com as ideias de
democracia e cidadania existentes nos respectivos períodos em que tais
normas eram editadas.246
Na França, por exemplo, cinco dias após a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão já se discutia a instituição do regime do sufrágio de
forma censitária, o qual se daria a partir da divisão dos cidadãos em ativos e

(aproximadamente 11 milhões de brasileiros analfabetos). Conheça o Brasil – População


EDUCAÇÃO. Educa IBGE. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-
brasil/populacao/18317-educacao.html. Acesso em: 07 out. 2019.
245
GOMES, Jairo. Op. Cit., p. 198. Enfatiza ainda o autor que o argumento de que poderá
contar com auxiliares e assessores é primário e deve ser repelido, pois suas ações poderão ser
pautadas por estes. Afinal, os cidadãos elegem o candidato, não seus assessores.
246
PINTO, Ricardo Leite; CORREIA, José de Matos; SEARA, Fernando Roboredo. Op. Cit., p.
366

76
passivos. Ativos seriam aqueles que pagavam impostos (contribuintes) e
247
passivos os que não se encontravam em qualquer relação tributária.
Nesse cenário de sufrágio censitário a ser estabelecido na França, os
direitos políticos estariam diretamente ligados à condição de contribuinte dos
indivíduos, de modo que os cidadãos que não eram pagadores de determinado
montante de tributos - considerados como cidadãos passivos - estariam
excluídos do direito de sufrágio (tanto de votar quanto de ser eleito). 248
Tem-se ainda que os cidadãos ativos, naquela época na França,
estavam subdivididos em três categorias, conforme a quantidade de impostos
que pagavam, quais sejam: os que designavam eleitores, os eleitores
propriamente ditos (a quem competia eleger os deputados) e os que poderiam
ser eleitos deputados. Tal proposta de estabelecimento do sufrágio censitário
foi aprovada em setembro de 1791.249
Nota-se que, por esta perspectiva do sufrágio censitário, os
economicamente dependentes, como eram os filhos, as mulheres e os
empregados naquela época, eram tidos como incapazes para participar da
tomada de decisões coletivas de interesse da sociedade, de modo que só os
economicamente independentes, em razão de terem um certo rendimento,
teriam esclarecimento exigido a um sujeito político racional.250
Partindo de tal premissa, tem-se que o sufrágio censitário impunha ao
cidadão gozar de uma determinada condição financeira para o seu exercício,
de modo que era o fator econômico que tornava alguém qualificado para a
tomada de decisões em relação aos negócios públicos (seja elegendo
representantes, seja sendo eleito para representar o povo), o que, ao mesmo
tempo, desqualificava os dependentes financeiramente, como se estivessem
menos aptos à tomada de decisões, e pior, como se os interesses sobre os
quais se tomariam as decisões também não lhes fossem inerentes.
Conclui-se, portanto, que o direito de sufrágio e a conquista de muitos
outros direitos fundamentais decorrentes da “igualdade” para determinadas

247
NUNES, Antônio José Avelãs. A Revolução Francesa. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
Página 122-123.
248
Idem.
249
Idem.
250
Esclarece o autor que neste período, de um total de 25 (vinte e cinco) milhões de franceses,
apenas 04 (quatro) milhões eram considerados cidadãos ativos. Ou seja, nem 20% da
população participava na tomada de decisões coletivas daquela sociedade. Ibid., p. 122-123.

77
minorias – como as mulheres, menores, negros, pobres – são conquistas bem
recentes. Estas, por sua vez, só foram possíveis a partir da concepção do
cidadão como pessoa humana e sujeito de direitos, o que, concomitantemente,
deflagrou os critérios censitário, sexual e capacitário como discriminações
infundadas para restringir direitos fundamentais, inclusive os direitos políticos.
Porém, ainda que a concepção de cidadão enquanto sujeito de direitos
tenha sido atrelada à condição humana, o que, por conseguinte, promoveu o
alargamento do alcance do direito de sufrágio que passou a ser exercido em
caráter universal, este direito (de sufrágio) continua admitindo restrições,
inclusive consagradas em documentos internacionais, dentre os quais foi
destacada acima a Convenção Americana de Direitos Humanos.
A referida Convenção elenca uma lista de motivos capazes a ensejar
restrição ao direito de sufrágio, os quais, já foram analisados no item anterior,
restando para o presente apenas a análise específica do último motivo
elencado na referida Convenção, qual seja: “condenação, por juiz competente,
em processo criminal”.
A supramencionada causa de restrição do direito de sufrágio constante
do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana dos Direitos do
Homem e do Cidadão) possui uma norma correspondente no texto
constitucional brasileiro de 1988, que se destaca como o objeto da presente
investigação e diz respeito à suspensão dos direitos políticos, mais
especificamente do direito de sufrágio, em razão de condenação criminal com
trânsito em julgado, prevista no artigo 15, III, da CRFB/88.251
No texto originário da Constituição Federal brasileira de 1988, que se
mantém vigente, o Poder Constituinte cuidou de tratar especificamente dos
direitos políticos nos artigos 14, 15 e 16. Enquanto o artigo 14 lista quais são
as normas garantidoras de direitos políticos, na sequência, o artigo 15
estabelece situações excepcionais em que tais direitos podem ser perdidos ou
suspensos, quais sejam: 1) cancelamento da naturalização por sentença
transitada em julgado; 2) incapacidade civil absoluta; 3) condenação criminal

251
Vale lembrar que, como já dito no capítulo I, esta restrição prevista no art. 15, III, da CRFB
de 1988 esteve presente em todas as Constituições já editadas no Brasil, do que se pode
ressaltar apenas é que na Constituição de 1824 a regra foi apontada apenas para se referir aos
condenados às penas de prisão e de degredação. BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição
da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.

78
transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; 4) recusa de
cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art.
5º, VIII; 5) improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.252
Em que pese o caput do art. 15 tratar indistintamente de perda e
suspensão, já ficou claro que, o caso da condenação criminal com trânsito em
julgado é situação em que se verificará a suspensão do direito de sufrágio,
enquanto núcleo dos direitos políticos fundamentais, já que ela só subsiste
enquanto durarem os efeitos da sentença, e isso, por força da previsão do
próprio texto constitucional.253
Vale dizer que a suspensão de direitos políticos em razão de
condenação criminal definitiva, no Brasil, constitui efeito secundário da
sentença criminal condenatória, exsurgindo direta e automaticamente com seu
trânsito em julgado. Por isso, não é necessário que venha registrada
expressamente no decisum.254
Para efeitos didáticos, tratando a suspensão de direitos políticos com
outra nomenclatura, a doutrina de Leo Von Holthe, Marcelo Novelino e Thales
Tácito Cerqueira classifica os direitos políticos como positivos e negativos, de
modo que os primeiros se referem justamente ao que já foi apontado no
primeiro capítulo da presente investigação: participação dos indivíduos no
processo político – incluindo o direito de votar e ser votado; enquanto os
direitos políticos negativos tratam das normas que impedem ou restringem
essa participação política, onde se encontram as inelegibilidades e as

252
Devemos ter em mente que o Poder Constituinte originário brasileiro, após um período
ditatorial vivido naquele país, editou o artigo 15 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, estabelecendo sim, como regra, a universalidade do Sufrágio, porém, no
próprio texto constitucional apontou os casos em que os direitos políticos poderiam ser
perdidos ou suspensos, afirmando expressamente no caput do mesmo dispositivo (art. 15) que
se trata de lista restritiva, ou seja, apenas em razão destas situações elencadas na
Constituição é que os direitos políticos poderiam ser cassados ou suspensos. A princípio, o que
se infere é que o Poder Constituinte, à época, recém saído de um período ditatorial no Brasil,
teve o objetivo de proteger ao máximo os direitos políticos, impossibilitando, através de norma
constitucional, a restrição de tais direitos por meio de outras normas que não as estabelecidas
nas disposições constitucionais, dentre as quais a que está apontada no inciso III do artigo 15,
a condenação criminal transitada em julgado.
253
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. Cit., p. 750-751. O autor
afirma: “A referência à perda sugere definitividade da decisão, a suspensão remete à
temporariedade” e continua elencando entre as hipóteses de suspensão a condenação criminal
transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. No mesmo sentido NOVELINO,
Marcelo. Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Método, 2010, p. 501-502.
254
GOMES, José Jairo. Direitos políticos. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo
Horizonte, n. 100, jan./jun. 2010, p. 103-130.

79
situações previstas para a perda ou suspensão de tais direitos de
participação.255
A norma constitucional brasileira exposta no artigo 15, III, constitui uma
intervenção desvantajosa que afeta os direitos políticos - inclusive o sufrágio,
núcleo dos direitos políticos fundamentais, na medida em que impede o
exercício desse direito (sufrágio), desde o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, enquanto durarem os efeitos da condenação criminal.256
Diante desta exposição, se faz necessário definir a natureza jurídica do
enunciado normativo exposto no art. 15, III, da CF/88. Primeiramente tem-se
que, tal qual propõe Robert Alexy, a essência da restrição reside na diminuição
do âmbito prima facie do direito em questão e não no caráter temporário ou
definitivo desta diminuição.257
Ao analisar a norma em comento, resta claro que a partir da suspensão
dos direitos políticos em decorrência de condenação criminal definitiva,
ocorrerá a impossibilidade de exercício do referido direito, a qual, independente
de ser derivada de instituto jurídico denominado pelo constituinte de
“suspensão” de direitos, isto não descaracteriza a afetação desvantajosa no
âmbito de proteção dos direitos políticos, enquanto direitos fundamentais,
portanto, pode-se afirmar ser uma norma restritiva.258
Independente de quais sejam os direitos políticos a serem suspensos
em razão da referida norma, o espaço inicial para o exercício desses direitos
acaba por ser restringido por força da suspensão decorrente de condenação
criminal. Ademais, a percepção de suspensão não integra o conceito de
direitos políticos, o que nos leva a observar a existência de dois institutos:
direitos políticos e sua suspensão, de modo que há de se definir primeiramente
o que e quais sejam os direitos políticos para, então, impor a suspensão,
confirmando a natureza de restrição de direitos fundamentais da norma em
estudo.259

255
HOLTHE, Leo Von. Direito Constitucional. 6ª ed. Juspodivm: Bahia, 2010, p. 623. No
mesmo sentido CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila
Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua. Tratado de Direito Eleitoral. Tomo IV. São
Paulo: Editora Premier Máxima, 2008, p.191.
256
Constatações a partir dos estudos do Professor Jorge Reis Novais acerca da restrição de
direito de fundamental. NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit., p. 157.
257
ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 281.
258
CONCEIÇÃO, Tiago de Menezes. Op. Cit., p. 174.
259
CONCEIÇÃO, Tiago de Menezes. Op. Cit., p. 166.

80
Feita a análise acima, resta clara a aplicação, para fins restritivos de
direitos fundamentais, da teoria externa, cuja característica básica é a
diferenciação entre o conteúdo do direito em si e o conteúdo de sua restrição,
de modo que a afetação desvantajosa seja oriunda do lado de fora do próprio
direito.260
Acrescenta-se a isto que, com base na doutrina de Jorge Reis Novais,
tal norma configura uma restrição de direito fundamental em sentido estrito, já
que dispõe de forma geral e abstrata de situações em que, uma vez
configuradas, haverá eliminação temporária do conteúdo objetivo dos direitos
políticos.261
Não se pode perder de vista que, sejam quais forem os direitos
políticos envolvidos na regra constitucional em estudo, a noção de suspensão
não integra o conceito de qualquer deles, tampouco fixa limites aos mesmos
prima facie, pelo que, repise-se, resta clara a necessidade de que,
primeiramente, se defina o que são direitos políticos para que então se possa
suspendê-los, confirmando a natureza de restrição da regra contida no art. 15,
III, da CF/88.262
Tem-se ainda, com base nos ensinamentos de Alexy, que o artigo 15,
III, da CF/88 tem caráter de regra constitucional, na medida em que: 1) Contém
uma ordem que reclama a utilização de um meio específico (suspensão); 2) E
isto se dá em razão de um motivo justificador (condenação criminal com
sentença transitada em julgado); 3) com a finalidade de colocar o referido
condenado criminal a margem da vida política do Estado. Mesmo admitindo
que a norma possui característica de regra, não se pode dizer, com base nos
argumentos do mesmo professor Alexy, que pelo fato de ser regra, não admite
flexibilização.263

260
Ibid., p. 167.
261
NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit., p.193-194.
262
Neste aspecto a restrição se coaduna com a teoria externa já que da análise do dispositivo
constitucional em comento é possível diferenciar claramente o conteúdo (direitos políticos) de
sua restrição (suspensão em razão de condenação criminal). Fica clara a afetação
desvantajosa do lado de fora do conteúdo do próprio direito. Na teoria externa, a consegue
verificar de forma mais evidente a natureza restritiva de determinada norma. CONCEIÇÃO,
Tiago de Menezes. Op. Cit., p. 167.
263
CONCEIÇÃO, Tiago de Menezes. Op. Cit., p. 163. Neste aspecto, Alexy afirma que as
regras podem ser introduzidas cláusulas de exceção, e, desta forma ela perde o caráter
definitivo dentro de um determinado caso concreto e a medida aplicável ao caso poderá variar
de acordo com critérios de proporcionalidade.

81
A regra constitucional em questão traz o conceito aberto de direitos
políticos, portanto, com conteúdo amplo, pelo que, em razão das circunstâncias
do caso concreto e da própria diversidade que há na finalidade entre cada um
dos direitos de participação, poderia se abrir a possibilidade de utilização do
critério de proporcionalidade, através da técnica da ponderação, para ajustar a
aplicação da regra ao caso concreto.264
Vale dizer que o fato da suspensão não acarretar a perda dos direitos
políticos em si, mas o impedimento de seu exercício enquanto durarem os
efeitos da condenação, não desnatura a natureza restritiva da regra. 265
O professor José Melo Alexandrino define a suspensão como sendo a
afetação dos direitos, liberdades e garantias que, pressupondo uma declaração
de estado de sítio e de estado de emergência – enquanto situações de
exceção ou de necessidade constitucional que só podem ser declaradas
verificados estarem presentes os pressupostos particulares previstos na própria
carta constitucional -, alcança em abstrato determinados efeitos de proteção da
norma de direito fundamental, devendo restar ressaltado que esta afetação é
feita diretamente por norma constitucional. 266 267
Na sequência, o próprio Alexandrino, com base no ensinamento do
professor Novais, afirma que a suspensão é uma afetação desvantajosa no
direito fundamental, a medida em que configura um prejuízo para a liberdade,
porém não chega a ser uma modalidade de restrição, em razão de tais
institutos terem pressupostos materiais distintos: enquanto a restrição promove
a necessidade de defender bens e interesses constitucionais, a suspensão

264
“As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra
estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou
não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”. Em sentido contrário: DWORKIN,
Ronald. Levando os Direitos a sério. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 39.
265
Conforme preceitua Robert Alexy, a essência da restrição, enquanto intervenção
desvantajosa do direito, está na diminuição do âmbito prima facie do direito e não no caráter
definitivo ou temporário desta diminuição.
266
ALEXANDRINO, José de Melo. Direitos fundamentais: introdução geral. 2ªed. Lisboa:
Principia Editora, 2011. P.145.
267
Vale lembrar que o art. 15, III, da CRFB de 1988 não encontra correspondência no texto
constitucional português de modo que, na Constituição portuguesa vigente, o instituto da
suspensão de direitos fundamentais, incluídos os direitos políticos, só tem previsão para
quando da ocorrência de estado de sítio ou estado de emergência. Portanto, inexiste instituto
que preveja, de forma, específica, a suspensão de direitos políticas em situações diversas do
estado e sítio e estado de emergência. BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da
República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.

82
depende de pressupostos de rara ocorrência (situações que levam à
decretação de estado de sítio ou estado de emergência). 268
Nessa linha de pensamento, Alexandrino acaba por traçar um estudo
comparativo entre a suspensão e restrição de direito fundamental, e, em que
pese a existência das diferenças supra, afirma que tais institutos têm quatro
caracteres comuns: 1) ambas constituem uma afetação desvantajosa ao direito
fundamental; 2) tal afetação, a princípio, é legítima; 3) a afetação reflete no
plano abstrato e 4) as duas têm que estar necessariamente sujeitas à
proporcionalidade. 269
Por outro lado, as diferenças acerca desses institutos trazidas pelo
novel jurista residem na existência de limite temporal para a suspensão, mas
não para a restrição, visto que esta última tem vocação para permanência no
tempo, e ainda, uma segunda diferença entre elas é que a suspensão não
reside no conteúdo do direito, mas apenas em seu exercício, o que nos leva a
concluir que a suspensão tem um nível de afetação menor, pelo menos a
primeira vista, do que a restrição. 270
Portanto, mesmo que o art. 15, III, da CF/88 não retire a existência ou
validade dos direitos políticos - na medida em que não se fala em perda de tais
direitos – ele reduz a liberdade do titular do direito quando o impossibilita de
seu exercício, ainda que em caráter transitório, pelo que se pode afirmar se
tratar de uma regra restritiva, mesmo que com um grau de afetação menor do
que a restrição propriamente dita.271
Feitas as devidas constatações de que a suspensão dos direitos
políticos tem natureza de restrição de direito fundamental, passaremos à
análise do conteúdo da referida norma, para fins de verificar os possíveis
fundamentos que justifiquem a restrição dos direitos políticos em razão de
sentença penal condenatória com trânsito em julgado.
A suspensão dos direitos políticos por força de condenação criminal
definitiva prevista no art. 15, III, da CRFB de 1988 é denominada pelo
professor Paulo Bonavides, como “indignidade”. Para este jurista, os

268
ALEXANDRINO, José de Melo. Op. Cit., p. 145.
269
Ibid., p. 146.
270
Idem.
271
CONCEIÇÃO, Tiago de Menezes. Op. Cit., p. 174. Este autor aduz ainda que o tratamento
desta regra como restrição se deve também para que esteja esta submetida aos princípios
hermenêuticos afinados às hipóteses de restrição dos direitos fundamentais.

83
defensores da legitimidade de tal restrição afirmam que a mesma se coaduna
com o sistema do sufrágio universal, na medida em que o indivíduo que tem
conduta contrária a lei penal – expressão da vontade geral – se colocou, de
forma manifesta, contra a maioria da opinião consciente e considerável da
sociedade,272 na medida em que tal conduta irregular se subsumiu a uma regra
penal tida como crime, e, portanto fruto da vontade geral da sociedade que,
através de legislação federal, a colocou como uma prática proibida naquela
sociedade por entender que afronta bens jurídicos muito valiosos ao ser
humano.273 274
Ou seja, o indivíduo, ao transgredir uma norma penal – cometer um
crime - e ser condenado definitivamente pelo cometimento de tal ilícito, restaria
desqualificado para a tomada de decisões acerca dos negócios públicos da
sociedade, desqualificação esta que atingiria tanto o direito de votar quanto de
se lançar candidato a qualquer cargo político, enquanto durassem os efeitos
dessa condenação.275
Vale lembrar que o cometimento de um crime constitui uma lesão a
direito fundamental, o que justifica, ainda que remotamente, a imposição, pelo
Estado, das penas e eventuais efeitos da condenação. Em outras palavras, por

272
Na sequência o mesmo autor, citando diretamente Marcel Prélot in Institutions Politiques et
Droit Constitucionnel, p. 591, apõe a frase “eles próprios se separam do povo”. BONAVIDES,
Paulo. Op. Cit., p. 253.
273
MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral. Vol. I, São Paulo: Método, 2015, p. 9. O
autor afirma que uma das funções do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos, estes
enquanto interesses e valores reconhecidos pelos Direito e imprescindíveis a satisfação do
indivíduo ou da sociedade. Para uma análise mais profunda do assunto indica ROXIN, Claus. A
proteção de bens jurídicos como função do direito penal. Organização e Tradução de
André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
274
Neste sentido o autor afirma que o Direito Penal no Estado Democrático de Direito, tal qual o
Estado Brasileiro a partir da CF de 1988, se coloca a serviço dos interesses da sociedade,
particularmente, da proteção de bens jurídicos fundamentais, para o alcance de uma justiça
equitativa. Afirma ainda que a partir dessa visão do Direito Penal é que se pode deduzir os
limites do poder punitivo estatal, inclusive, afastando a compreensão de delito como
desobediência ou rebeldia da vontade individual contra a vontade coletiva personificada na
vontade do Estado, concepção esta (de delito) firmada quando do nacional-socialismo alemão.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume I, 23ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2017, p. 44.
275
Nesse sentido, transcreve-se a Súmula do Tribunal Superior Eleitoral brasileiro de número 9
de 1992: “A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em
julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de
prova de reparação dos danos”. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Súmula nº 9. A
suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa
com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de
reparação dos danos. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/sumulas/sumulas-do-tse/sumula-nb0-9. Acesso
em: 24 jul. 2019.

84
debaixo do poder estatal, há o reconhecimento de que as condenações
criminais por ele proferidas, com suas penas e efeitos secundários, são
necessárias para resguardar direitos fundamentais.276
Portanto, ao impor a suspensão dos direitos políticos em razão de
condenação criminal transitada em julgado no texto constitucional, o Poder
Constituinte originário brasileiro considera que infringir uma norma penal é
necessariamente ir de encontro aos valores comunitários básicos277 –
independente de em que medida se deu esta infringência, ou ainda, se ela se
relaciona com o exercício dos direitos políticos - e, por conta disso, coloca o
indivíduo-infrator à margem da participação dos negócios públicos da
sociedade.
Considerando apenas o aspecto da indignidade, tem-se que o
argumento moral estaria a justificar a suspensão de direitos políticos como
consequência do ato desviante, sem necessidade de sequer se correlacionar
com a censura pelo fato concreto praticado.278
Entretanto, ainda que a presente investigação não tenha um viés
concreto na esfera do Direito Penal, há de se recordar que a pena aplicada
numa sentença penal condenatória somente tem sua justificativa mediante a
sua função de prevenção – geral ou especial279 – de futuros delitos, inexistindo

276
CONCEIÇÃO, Tiago de Menezes Menezes. Op. Cit., p. 202.
277
MASSON, Cleber. Op. Cit., p. 10-11. O Direito penal também tem função ético-social, a qual
tem origem na estreita vinculação entre a matéria penal e os valores éticos fundamentais de
uma sociedade, de modo que, com esta função, busca-se, através do Direito Penal, um “efeito
moralizador” para fins de assegurar um “mínimo ético” a reinar na sociedade. Uma espécie de
função educativa para a sociedade.
278
OLIVEIRA, Cristina. Suspensão dos Direitos Políticos dos sujeitos delinquentes no Brasil:
Negação da dignidade humana analisada sob o enfoque da cidadania participativa. In: Revista
Jurídica – UNICURITIBA. vol. 26, n. 10, 2011, p. 70-98. Na referida investigação a autora faz
uma comparação entre o direito de voto no Brasil e em Portugal quando cidadão tem contra si
sentença penal transitada em julgado.
279
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral: Questões Fundamentais; A
Doutrina Geral do Crime. Tomo I, 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 50. De forma
sintética, as teorias de prevenção geral incidem sobre a “os membros da comunidade,
afastando-os da prática de crimes através da ameaça penal estatuída pela lei, da realidade de
sua aplicação e da efectividade de sua execução”. Sob o enfoque negativo, pode-se apontar
que o medo de sofrer a aplicação de uma pena intimidaria o agente observador a não cometer
ilícitos penais. Destinar-se-ia, também, aos “infratores potenciais”, visto que utilidade da pena
consiste na dissuasão provocada pela mensagem (ameaça) contida na lei, desmotivando-os da
realização de ilícitos. A perspectiva positiva destaca a necessidade do “Estado manter e
reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência de suas normas”. Pode-
se citar o viés funcionalista que atribui ao subsistema “direito” a finalidade de instrumentalizar
um programa normativo de decisão, destinado à estabilização de expectativas dos
comportamentos socialmente admissíveis: a aplicação da sanção restabelece o preceito
ofendido, retoma a confiança institucional perdida e garante a estabilidade social.

85
razão para que tais instrumentos jurídicos tenham efeitos infamantes ou
estigmatizantes, os quais estariam na contramão do caráter ressocializador da
pena, e mais, no caso da suspensão dos direitos políticos aplicada de forma
automática, que demanda o afastamento da cidadania ativa do sujeito, ela
sequer se mostra essencial para fins de alcance da política criminal.280
Ao tecer críticas sobre o dispositivo constitucional brasileiro em estudo
– art. 15, III, da CRFB – Tiago Conceição aponta que a regra, tal como está no
texto da carta magna, apenas contempla uma finalidade sancionatória
retributiva a partir de uma declaração de indignidade política temporária do
indivíduo por ter infringido uma norma penal,281 e isso, frise-se, independente
do grau de culpabilidade do indivíduo, da repercussão do delito, da natureza da
pena e do respectivo regime de cumprimento aplicados no caso concreto.
Não há dúvida de que a participação popular é elemento indispensável
para uma democracia, fato este traduzido no primeiro artigo da Constituição da
República Federativa do Brasil vigente desde 1988,282 e também exposto nas
linhas iniciais do presente estudo, pelo que a restrição deste direito
fundamental exige obediência a juízo de proporcionalidade.
Logo, para aplicação de uma restrição de direito fundamental de forma
legítima, há necessidade de um nexo lógico e eticamente rastreável entre os
fundamentos de fato e a consequência jurídica imposta,283 284
o que é

280
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Português: as consequências jurídicas do
crime. 2ª ed. Coimbra: Coimbra editora, 2005, p. 50-51.
281
CONCEIÇÃO, Tiago de Menezes Menezes. Op. Cit., p. 216.
282
Art. 1º da CRFB de 1988 dispõe que:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” BRASIL,
[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso
Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 09 jun. 2019.
283
CONCEIÇÃO, Tiago de Menezes Menezes. Op. Cit., p. 202.
284
SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 344. Tem já exposto no início do estudo, mas de grande
valia lembrar a localização dos mesmos na Constituição Federal brasileira de 1988. Os artigos
14, 15 e 16 da CRFB de 1988, como já visto no capítulo I, consistem em um conjunto de
normas que, por sua vez, disciplinam o exercício da soberania popular denominadas de
Direitos Políticos, cujo núcleo fundamental centra-se no direito de sufrágio - votar e ser votado.
Tais dispositivos consistem em verdadeiros desdobramentos do carro-chefe da Constituição
brasileira vigente que é o princípio democrático presente em seu o art. 1º, parágrafo único.

86
questionável no texto constitucional brasileiro em referência – art. 15, III – na
medida em que, para fins de aplicação da restrição – suspensão do direito de
sufrágio em razão de condenação criminal definitiva – não é aferida sequer a
gravidade do ilícito cometido pelo nacional, a natureza da pena aplicada e do
respectivo regime de cumprimento da pena, tampouco, qualquer relação entre
o crime cometido e o impedimento de votar e de ser candidato em eleições.
Nota-se que o Poder constituinte originário brasileiro impôs uma
proibição absoluta, ainda que periódica, dos direitos políticos frente a
condenação criminal com trânsito em julgado, um verdadeiro limite fixo de tais
direitos, sacrificando-os por completo enquanto não se der o cumprimento da
penalidade imposta, ou a sua extinção pelos motivos elencados no
ordenamento jurídico brasileiro (prescrição, decadência, entre outros), e, no
mesmo passo não considerou a possibilidade de existir diferença quanto à
restrição deste direito de sufrágio frente à existência de suas duas faces : votar
(capacidade eleitoral ativa) e se lançar candidato a representante (capacidade
eleitoral passiva).
Para fins de exemplificar situações em que o direito de sufrágio sofre
restrição de forma diferenciada, por força de regra constitucional no Brasil, a
depender da faceta que se está a tratar (capacidade eleitoral ativa ou passiva),
citamos aqui os critérios restritivos etário e quanto ao grau de instrução do
indivíduo.
No caso do critério etário, pode-se afirmar que qualquer cidadão
alistável no Brasil pode exercer o direito de voto, de forma facultativa a partir
dos 16 (dezesseis anos), e de forma obrigatória a partir dos 18 (dezoito) anos
nos termos do artigo14, §1º, I e II, “c”, da CF/88, enquanto que, para lançar-se
candidato aos cargos políticos, a própria carta constitucional estabelece idades
diferenciadas a depender do cargo a ser exercido – para se candidatar a
vereador no âmbito municipal, tem que ter 18 (dezoito) anos, enquanto que,
para ser senador da República, já deve contar com, no mínimo, 35 (trinta e
cinco) anos.285

285
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 1º O alistamento
eleitoral e o voto são: I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II - facultativos
para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores
de dezoito anos. § (...) § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: (...) VI - a

87
Outro caso de distinção feita pelo Poder Constituinte originário, para
fins de restrição do sufrágio, entre o direito de voto e o direito de ser votado é
com relação aos analfabetos (grau de instrução do indivíduo). Enquanto que
para votar é a estes conferida uma faculdade (artigo 14, §1º, II, “a”, da CRFB
de 1988), os indivíduos que não tiverem um grau mínimo de instrução e sejam
considerados analfabetos, são tidos como inelegíveis, por força de dispositivo
constitucional (artigo 14, §4º, da CRFB de 1988).286
Este tratamento diferenciado, a depender da face do direito de sufrágio
que se está a falar, não é observado quanto a norma constitucional restritiva
que impõe suspensão dos direitos políticos prevista no art. 15, III, da CF/88, ou
seja, para fins de suspensão de direitos políticos em decorrência de
condenação criminal definitiva, a norma constitucional brasileira trata as duas
expressões do sufrágio (votar e se lançar candidato) de forma indissociada, o
que, por si só mostra questionável o juízo de proporcionalidade para fins de
restrição de cada uma de tais faces.
Apenas para fins didáticos, suponha que o Estado condene
criminalmente um cidadão, de forma definitiva, pelo crime de peculato. Por
força do art. 15 III, da CF de 1988, este indivíduo, independente do teor da
sentença quanto aos direitos politicos, uma vez condenado definitivamente,
estará impedido de votar, bem como, de ser eleito para ocupar um cargo
político.
Neste caso, quanto ao direito de se lançar candidato (uma das faces do
direito de sufrágio), vislumbra-se a aplicação da suspensão dos direitos
políticos como uma regra restritiva adequada, já que, o Estado, desta forma,
estaria intervindo diretamente sobre a pessoa do delinquente com o fim de

idade mínima de: a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e
Senador; b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito
Federal; c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital,
Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; d) dezoito anos para Vereador. (grifo nosso). BRASIL,
[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso
Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 09 jun. 2019.
286
Art. 14, da CRFB/1988. Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e
pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 1º
O alistamento eleitoral e o voto são: I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II -
facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de
dezesseis e menores de dezoito anos. (...) § 4º São inelegíveis os inalistáveis e os
analfabetos. (grifo nosso). BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jun. 2019.

88
evitar que venha a cometer novos crimes num possível gerenciamento de
recursos públicos, assumindo a ideia de prevenção especial ou individual,
inclusive promovendo a compatibilidade da regra restritiva com a função do
direito penal como direito de tutela subsidiária dos bens jurídicos. 287
Consequentemente, o que se está a sustentar, diante da análise da
aplicação da regra constitucional brasileira de suspensão dos direitos políticos
em razão de condenação criminal definitiva, é que o Poder Judiciário, ao impor
tal suspensão não está constitucionalmente impedido de levar em
consideração os direitos fundamentais lesados ou submetidos ao risco de
lesão pela conduta criminosa,288 desde que essa aplicação se faça de maneira
adequada, necessária e proporcional.
Diante disto, restando constatada a existência de tratamento
diferenciado de tais facetas em termos de restrição para alguns alguns
critérios, como o etário e o grau de instrução do indivíduo, é que se entendeu
pela necessidade de analisar a seguir a restrição ao direito de sufrágio em
cada uma de suas faces (votar e ser votado).

2.3.1. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE SUFRÁGIO ATIVO (VOTO)

O ato de votar, contido no direito de sufrágio, mais do que o de ser


votado, existe desde a forma mais antiga e rudimentar de democracia que é a
direta, e, neste aspecto, dentro de uma comunidade política numerosa e
complexa – como são os Estados contemporâneos – acaba por configurar mais
o exercício de um direito individual, do que uma intervenção política efetiva.
Com base neste raciocínio, em que medida o exercício da capacidade
eleitoral ativa através do voto por parte de um condenado criminalmente com
sentença transitada em julgado – frise-se, por qualquer dos crimes existentes
no ordenamento jurídico brasileiro (incluídos aqui crimes culposos, crimes de
menor potencial ofensivo sujeitos a punição com penas alternativas,
condenados sujeitos ao instituto da suspensão condicional da pena, entre

287
CONCEIÇÃO, Tiago de Menezes Menezes. Op. Cit., p. 202.
288
Idem.

89
outros) – ofende os direitos fundamentais de outrem ou quaisquer valores
éticos de uma sociedade democrática?
É plausível, pelo menos numa análise superficial, que a um indivíduo
condenado por um crime eleitoral lhe fosse atribuído uma restrição de direitos
políticos, inclusive impedindo-o de votar por violação às regras diretamente
ligadas ao Direito Eleitoral, e daí, supostamente fosse extraído um mínimo de
nexo entre a tipicidade da conduta e a restrição aplicada.
A condenação, por juiz competente, em processo criminal, conforme já
dito no item anterior, é uma das possibilidades de restrição ao direito de
sufrágio - incluído aí o direito de voto - dentre as dispostas no Pacto de São
José da Costa Rica. Tal restrição, como disposta na Constituinte brasileira e no
supramencionado Pacto, alcança a capacidade eleitoral ativa, de modo que, o
cidadão acaba sendo privado de sua condição de eleitor em razão de
condenação criminal definitiva.
Analisando tal critério restritivo da capacidade eleitoral ativa em um
plano concreto, no âmbito de outro país signatário do Pacto de São José da
Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), tem-se que os
Estados Unidos da América contam com cinquenta e um Estados, dos quais,
só quatro deles permitem aos condenados o exercício de seu direito de voto
após uma condenação criminal.289 290 291 292

289
Países Signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos: Antígua e Barbuda,
Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica,
Dominica, El Salvador, Equador, Estados Unidos da América, Grenada, Guatemala, Guiana,
Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana,
Saint Kitts e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago,
Uruguai e Venezuela. Organização dos Estados Americanos. Convenção Americana Sobre
Direitos Humanos. Assinada em San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969.
Disponível em: www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm.
Acesso em: 7 set. 2019.
290
O governo venezuelano retirou-se da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
2013, deixando seus cidadãos e residentes impossibilitados de solicitarem a atuação da Corte
Interamericana de Direitos Humanos quando os mecanismos locais para enfrentar abusos se
encontram ineficazes ou indisponíveis. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) continua a monitorar a Venezuela, no entanto, aplicando a Declaração Americana de
Direitos e Deveres do Homem, que não é um instrumento sujeito à ratificação dos Estados.
HUMAN RIGHTS WATCH, janeiro de 2018. Disponível em:
https://www.hrw.org/sites/default/files/venezuela_port.pdf. Acesso em: 07 set. 2019
291
Sobre os estados americanos que concedem o direito de voto ao condenado, esta autora
aponta dois deles “Vermont” e “Maine”, afirmando que em tais estados os presos exercem o
seu direito de voto como qualquer indivíduo que esteja impossibilitado de se dirigir ao local de
votação. CARNEIRO, Elza Forte da Silva. A suspensão do direito de voto ao condenado
criminalmente no Brasil. (Monografia), Paraná: Universidade Federal do Paraná, 2013, p. 60.

90
Vale dizer que, dos quarenta e sete estados norte-americanos
restantes, trinta e dois privam o condenado criminalmente de votar até mesmo
na fase de liberdade condicional. Quinze estados americanos – dentre os que
privam os condenados de votarem – sequer restabelecem o direito de voto de
forma automática após o cumprimento da pena por parte do condenado, de
modo que, tal direito só é restabelecido com perdão do presidente ou do
governador do estado.293
Ressalta-se que, tal como ocorre no Brasil até então, nos estados
americanos em que há tal privação do direito de voto, ela é decorrência de
qualquer condenação criminal, independente da gravidade do delito e da
pertinência dele com o exercício dos direitos políticos. A tabela abaixo, traz a
situação da privação do direito de voto aos condenados criminalmente nos
Estados Unidos da América294.

STATE Prison Probation Parole Ex-felons


(Estado) (Condenados (Condenados (Condenados (Ex-
Presos) com com condenados
Suspensão liberdade em crimes de
Condicional condicional) maior
da Pena) potencial
ofensivo)

Alabama X X X X

292
MIRANDA, João Vitor Silva. Crítica à suspensão do direito político ativo das pessoas
condenadas criminalmente. In: Revice - Revista de Ciências do Estado, Belo Horizonte, v.2,
n.2, pp. 365-396, ago./dez. 2017, p. 393. O autor aponta que a Constituição norte americana
não exige a suspensão do direito de voto das pessoas condenadas criminalmente, porém, no
Julgamento Richardson X Ramirez, a Suprema Corte dos EUA assentou que a 14ª emenda
abre espaço para esta prática implicitamente. Richardson vs. Ramirez (1974). Suprema Corte
dos Estados Unidos. Disponível em:
https://supreme.justia.com/cases/federal/us/418/24/case.html . Acesso em: 9 set. 2019.
293
PEDROSO, Roziméri Aparecida Rigon. Perda ou Suspensão dos Direitos Políticos
(Direito de Voto) dos condenados criminalmente no âmbito internacional. Mestranda em
Direito na área de ciências jurídico-criminais da Faculdade de Direito Universidade de Lisboa.
Relatório apresentado como avaliação da disciplina Direito internacional dos Direitos Humanos
com a Professora Ana Maria Guerra Martins, 2007, p. 26.
294
The Sentencing Project. Human Rights Watch. Disponível em:
http://pantheon.hrw.org/legacy/reports98/vote/usvot98o.htm . Acesso em: 5 mar. 2019.

91
Alaska X X X

Arizona X X X X (2ND
Felony)

Arkansas X X X

Califórnia X X

Colorado X X

Connecticut X X X

Delaware X X X X

Distrito de X
Columbia295

Florida X X X X

Geórgia X X X

Hawaii X

Idaho X

Illinois X

Indiana X

295
O Distrito de Columbia é o Distrito Federal dos Estados Unidos da América, onde se
encontra a capital do país, Washington, DC. D.C. é a abreviação de Distrito de Columbia.

92
Iowa X X X X

Kansas X

Kentucky X X X X

Louisiana X

Maine

Maryland X X X X

Massachusets

Michigan X

Minesota X X X

Mississipi X X X X

Missouri X X X

Montana X

Nebraska X X X

Nevada X X X X

New
Hempshire X

New Jersey X X X

93
New Mexico X X X X

New York X X

Carolina do X X X
Norte

Dakota Norte X

Ohio X

Oklahoma X X X X

Oregon X

Pennsylvania X

Rhode Island X X X

Carolina do Sul X X X

Dakota Sul X

Tenesse X X X X (Pre 1986)

Texas X X X X

Utah

Vermont

Virgínia X X X X

94
Washington X X X X (Pre 1984)

Virgínia Leste X X X

Wisconsin X X X

Wyoming X X X X

TOTAL 47 29 32 15

A partir da tabela acima, fica clara a generalidade em que a restrição ao


direito de voto aos condenados criminalmente é aplicada nos EUA, de modo
que um indivíduo que cometer, por exemplo, um furto simples, a depender do
estado americano ao qual esteja vinculado politicamente, poderá ser privado
de seu direito fundamental de voto de forma perpétua, o que não parece muito
razoável frente ao regime democrático adotado por aquele país.296
Portanto, sob o argumento de proteção de fraudes eleitorais e
preservação da probidade nas eleições, até mesmo por parte daqueles que
vão eleger os representantes (eleitores), os americanos defensores da
manutenção deste quadro de maciça discriminação dos condenados apontam
a necessidade de uma cidadania responsável, sem indicar concretamente que
tipo de responsabilidade não goza um condenado que o impeça de escolher
seu representante.
O que parece, na verdade, é que a regra restritiva soa como uma
manipulação deste tal conceito de cidadania responsável, sob uma perspectiva
de promoção da moralidade, esta última enquanto conservadorismo desprovido
de justificativa proporcional para que se restrinja um direito político
fundamental.297

296
PEDROSO, Roziméri Aparecida Rigon. Op. Cit., p. 29.
297
MIRANDA, João Vitor Silva. Op. Cit., p. 383-384. Neste sentido o autor afirma que: “As
distintas restrições ao direito ao voto de pessoas que cumprem ou já cumpriram sanções
criminais acabaram por vedar, no ano de 2010, o direito político ativo de 5,85 milhões de
pessoas nos Estados Unidos, aproximadamente 2,5% da população daquele país que

95
Frente até o aqui exposto, observa-se a proibição do direito de voto ao
condenado criminal como regra nos EUA. Para além disso, embora a maior
parte dos Estados americanos tenha adotado o critério de restauração dos
direitos políticos após o cumprimento integral da pena, ainda há casos em que
o restabelecimento da cidadania plena dos indivíduos carece de pleito
motivado dos indivíduos junto às instituições americanas competentes para tal
finalidade, ou seja, os direitos políticos, mesmo após o cumprimento integral da
pena não são restituídos de maneira automática.298
Já no Canadá, em que pese a existência de dispositivo legal no Estatuto
Canadense das eleições que proíbe a participação de condenados a mais de
02 (dois) anos em eleições, a Corte de Apelação do Canadá, no caso Sauvé X
Canadá, assentou que tal lei viola a seção 3 da Carta de Direitos e, por
conseguinte, firmou precedente no sentido de existir justificativa para que o
Estado exclua as pessoas presas da participação nas eleições, enquanto
eleitores. 299 300
A Corte canadense, primeiramente, considerou que tal restrição ao
direito de voto não se coaduna com o conceito de cidadão responsável. Para
além disso, sustentou que a restrição ao direito de voto a uma fração ínfima de

atingiram a idade exigida para o voto. Há inúmeros elementos que permitem afirmar, ainda,
que as políticas draconianas de desalistamento de presos e ex-presos vêm servindo a
propósitos escusos, como à histórica exclusão racial nos Estados Unidos. Tais proibições
atingem mais de quatro vezes mais pessoas de cor de pele negra do que de cor branca no
país”.
298
CARNEIRO, Elza Forte da Silva. Op. Cit., p. 60.
299
Sauvé v. Canadá (nº 1); Sauvé v. the Attorney General of Canadá (n. 2), de outubro de
2002; Belczowiski v. Canadá (1992). Sauvé v Canada (Chief Electoral Officer), [2002] 3 SCR
519 is a leading Supreme Court of Canada decision where the Court held that prisoners have a
right to vote undersection 3 of the Canadian Charter of Rights and Freedoms. The Court
overturned the prior decision of the Federal Court of Appeal and held that section 51(e) of the
old Canada Elections Act, which prohibited prisoners from voting, was unconstitutional. They
made the law that any inmates serving more than two years in prison cannot vote. Section 51(e)
had been repealed before the date of the Court's judgment, but the decision applied equally to
substantially the same provision found in section 4(c) of the new statute. The Court decided that
the provision violated section 3 of the Charter and could not be saved under section 1. As a
result of the decision, all adult citizens living in Canada are now able to vote, save the top two
officials of Elections Canada. As Parliament has not amended the Canada Elections Act to
reflect the Court's decision, the provision is still part of the Act, even though it is of no force or
effect. CANADA. Supreme Court of Canada. Sauvé v. Canada (Attorney General), [1993] 2
S.C.R. 438, Disponível em: https://scc-csc.lexum.com/scc-csc/scc-
csc/en/item/2010/index.do?fbclid=IwAR2y7V0HQ5WGckJIbPw26hAENk5G4WavLRZBuppYu_
EXRBLHWe1jUb1nohE Acesso em: 7 set. 2019.
300
No mesmo sentido SANGUINÉ, Odone. Preso provisório deve participar de eleições.
Consultor Jurídico. 27 de julho de 2012. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2012-jul-
27/odone-sanguine-preso-provisorio-direito-participar-eleicoes. Acesso em: 7 set. 2019.

96
pessoas que tenham cometido crime, não é suficiente para suprimir direito
fundamental, expondo, inclusive, que o cometimento de um delito, por si só,
não implica um repúdio integral ao contrato social, e mais, que a pena dada ao
criminoso já consta da sentença criminal a ele imposta, de modo que, o
cometimento de crime não pode subjulgar um cidadão a uma forma de vida
inferior, na qual a ele não sejam mais garantidos outros direitos fundamentais
sem distinção. 301
Assevera ainda a jurisprudência canadense que, caso fosse aplicada ao
condenado criminal a suspensão do direito de voto, isto deveria estar
reservado a situações graves, não podendo ser imposta a qualquer condenado
criminal de maneira absoluta.302
Neste aspecto, podemos citar a existência de países em que foram
estabelecidas restrições ao direito de voto dos condenados criminais, porém,
tais restrições são aplicadas com base em critérios diferenciados, os quais
levam em consideração o crime praticado, a pena aplicada, dentre outros.
Regulam tal questão desta forma: Austrália, Bélgica, Bósnia-Herzegovina,
França, Alemanha, Grécia, Islândia, Itália, Luxemburgo, Malta, Polônia,
Portugal e Romênia.303
Por outro lado, há países, tal como ocorreu no Canadá, que não
estabelecem restrições quanto ao direito de voto dos condenados
criminalmente, quais sejam: Áustria, Croácia, República Tcheca, Dinamarca,
Finlândia, Irlanda, Israel, Letônia, Lituânia, Macedônia, Noruega, Sérvia,
Eslovênia, Espanha, África do Sul, Suécia, Suíça e Ucrânia.304
Pedroso afirma inexistir qualquer demanda que tenha sido submetida à
Corte Interamericana de Direitos Humanos com a reivindicação de tais direitos
– obviamente que tal afirmação se dá até a conclusão dos estudos da autora,
que se deu no ano de 2007.305
Em pesquisa livre no site da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
até a conclusão desta investigação, não restou constatado qualquer demanda
301
Idem.
302
Idem.
303
MIRANDA, João Vitor Silva. Op. Cit., p. 380.
304
Neste passo o autor explicita que, dentre tais nações citadas, em algumas delas o direito de
voto foi concedido ao condenado criminal por força de decisão das respectivas cortes
constitucionais, por vezes derrubando legislações mais restritivas e que haviam sido aprovadas
pelo Poder legislativo, como é o caso do Canadá e da África do Sul. Idem.
305
PEDROSO, Roziméri Aparecida Rigon. Op. Cit., p. 30.

97
envolvendo questionamentos acerca da restrição do direito de voto em razão
de condenação criminal definitiva, mas, apenas, de forma mais específica, com
relação ao direito de elegibilidade, o qual será analisado no item seguinte.

2.3.2. RESTRIÇÃO DE DIREITO DE SUFRÁGIO PASSIVO (ELEGIBILIDADE)

A condição de estar o cidadão no pleno exercício dos direitos políticos


refere-se diretamente ao direito de voto e à elegibilidade, que correspondem
respectivamente ao que se entende por capacidade eleitoral ativa (votar, ser
eleitor, alistabilidade) e capacidade eleitoral passiva (ser votado e
306
elegibilidade).
Ao analisarmos uma democracia representativa, observamos que
embora sejam os cidadãos eleitores (aqueles que gozam de capacidade
eleitoral ativa) os verdadeiros detentores do poder político, estes só privam de
tal poder - exprimir sua vontade através do voto - em intervalos regulares,
quando do período das eleições.
O instituto da representação – essencial aos estados modernos
conforme já analisado no primeiro capítulo da presente investigação – que está
ligado diretamente ao conceito de elegibilidade, quando instituído no regime
democrático, promove uma aproximação ao ideal de participação política do
cidadão de forma imperfeita, isso porque quem governa diretamente são os
representantes e não os cidadãos que os elegem.307
Por conseguinte, frente a responsabilidade que tem os eleitos quanto ao
poder de decisões referente aos negócios públicos – já que são eles que
deliberam diretamente sobre os assuntos públicos - é que se vislumbra a
necessidade de que os cargos público-eletivos sejam ocupados por cidadãos
insuspeitos, sobre os quais não pairem dúvidas quanto a honestidade e
honradez. Visa-se, com isso, assegurar a legitimidade e a dignidade da
representação popular, pois o Parlamento – e, de resto, todo o aparato estatal
– não pode transformar-se em abrigo de delinquentes e malfeitores.
Nessa linha, tem-se a ética como uma ciência geral da conduta, um
verdadeiro elo entre o Direito e a Política, de modo que a validade plena de

306
PINTO JÚNIOR, Nilo Pereira. Op. Cit., p. 69.
307
BRITO Miguel Nogueira de. Lições de Introdução à teoria da Constituição. 2º ed. AAFDL
Editora: 2017, Lisboa, p. 106.

98
uma norma jurídica supera os seus aspectos formais e transcende ao universo
jurídico, buscando uma correlação com a ética, com o justo e o honesto.308
Na política, o sujeito, enquanto representante eleito pelo povo,
personifica uma função coletiva voltada para o interesse comum. Já no campo
da moralidade, apesar da presença coletiva como ser social, aflora no indivíduo
o seu lado íntimo, pessoal, que desempenha um papel fundamental em suas
relações morais com seus pares, tomando decisões pessoais, interiorizando
normas gerais e, por fim, tomando para si as responsabilidades pelos seus
atos, desde que deliberados livres e de forma consciente.309
Nesse aspecto, o dever de obediência de um agente público - incluídos
aqui os ocupantes de cargos políticos – aos ditames legais previstos num
determinado ordenamento jurídico, mormente no que se refere às normas de
direito penal310, não pode ser idêntico ao de alguém que, pelos mais diversos
motivos, não retiram qualquer benefício da atuação dos poderes públicos, por
força da própria representação, tampouco, lhes são exigidas capacidades de
gestão proba e ética dos negócios públicos da sociedade.
Portanto, resta patente a necessidade de se tratar de forma diferente,
para fins de restrição, a capacidade eleitoral ativa da capacidade eleitoral
passiva, visto que, ao restringir o direito de voto a finalidade é assegurar
condições de consciência e liberdade, enquanto que, ao restringir a capacidade
eleitoral passiva, tornando um cidadão inelegível, tem-se como objetivo a
salvaguarda do próprio Estado, inclusive contra abusos de poder que
eventualmente possam ser cometidos.311
Ressalta-se que a capacidade eleitoral ativa é requisito para que se
tenha capacidade eleitoral passiva, mas o inverso não é verdadeiro. 312 Ao
cotejarmos a regra de suspensão dos direitos políticos em razão de
condenação criminal definitiva com a “inelegibilidade”, temos que, embora tais
institutos não se confundam ambos tratam de restrições de direitos políticos,

308
PINTO JÚNIOR, Nilo Pereira. Op. Cit., p. 68-69. O autor afirma que a ética é a argamassa
que une as relações entre Direito e Política.
309
Ibid., p. 67.
310
Ressalta-se que o Direito Penal consiste numa legião de regras de proibição cuja
deliberação pela transformação destas em condutas típicas vem a proteger valores
essencialmente éticos na vida coletiva. O Direito penal tem função ético- social. MASSON,
Cleber. Op. Cit., p. 10.
311
MIRANDA, Jorge Miranda. Direito Eleitoral. Coimbra: Almedina, 2018, p. 120.
312
Ibid., p. 114.

99
sendo que a primeira é muito mais abrangente do que a inelegibilidade, eis que
atinge a capacidade eleitoral como um todo (ativa e passiva), enquanto essa
última recai somente sobre a capacidade eleitoral passiva 313 314.
Visto isso, tem-se que, no próprio ordenamento jurídico brasileiro, há
possibilidade de restrição da capacidade eleitoral passiva, sem
necessariamente atingir a capacidade eleitoral ativa – como é caso dos
analfabetos - mas isso não ocorre, pelo menos no Brasil, quando se trata da
restrição em decorrência de condenação criminal definitiva.
Nos EUA, a inelegibilidade, assim como demonstrado com relação à
capacidade eleitoral ativa, também se dá de forma diferenciada a depender do
disposto no ordenamento jurídico de cada Estado. No Texas e em Ohio, por
exemplo, a regra é de que quem for condenado por crime qualificado perde o
direito de ocupar cargos públicos e não mais o recupera. Situação semelhante
ocorre em Illinois, local em que o Código Eleitoral condiciona a elegibilidade ao
transcurso de determinado prazo após o cumprimento da penalidade criminal
imposta a indivíduo.315

313
No mesmo sentido: Acórdãos do TSE número 12.371/92 e 22.014/2004. TRIBUNAL
SUPERIOR ELEITORAL DO BRASIL. CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. REGISTRO DE
CANDIDATO. MINISTERIO PUBLICO. RECURSO. PRECLUSAO. INOCORRENCIA.
INELEGIBILIDADE. DIREITOS POLITICOS. FILIACAO PARTIDARIA. CF, ART. 14,
PARAGRAFO 3, V; ART. 15, V; ART. 37, PARAGRAFO 4. LEI COMPLEMENTAR N. 64/90,
ART. 1, I, "C". I - LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO PARA RECORRER, HAJA OU
NAO FORMULADO IMPUGNACAO ANTERIORMENTE, DADA A SUA CONDICAO DE
FISCAL DA LEI E DA CONSTITUICAO (CF, ART. 127; LEI COMPLEMENTAR N. 64/90, ART.
3; CPC, ART. 499, PARAGRAFO 2). II - DA NORMA INSCRITA NA ALINEA "C", DO INCISO
I, DO ART. 1, DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90 NAO DECORRE SUSPENSAO DOS
DIREITOS POLITICOS, SENAO A PERDA, PELO ESPACO DE TEMPO ALI INDICADO, DA
CAPACIDADE DE SER VOTADO, OU NO IMPEDIMENTO TEMPORARIO DA CAPACIDADE
ELEITORAL PASSIVA, CONTINUANDO O INDIVIDUO, ENTRETANTO, COM A
CAPACIDADE ELEITORAL ATIVA (DIREITO DE VOTAR) E DE PARTICIPAR DE PARTIDOS
POLITICOS, AFIM DE OBTER FILIACAO PARTIDARIA. III - A PERDA OU SUSPENSAO DOS
DIREITOS POLITICOS PREVISTA NO ART. 15, V, DA CONSTITUICAO, EM RAZAO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, NOS TERMOS DO ART. 37, PARAGRAFO 4, DA MESMA
CARTA, SOMENTE PODERA OCORRER NUM "DUE PROCESS OF LAW", MESMO
PORQUE OS DIREITOS POLITICOS SAO DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVIDUO E
NINGUEM PODE TER DIREITO SEU ATINGIDO A NAO SER NUM DEVIDO PROCESSO
LEGAL (CF, ART. 5, LIV, LV). IV - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. BRASIL.
Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 9611, Acórdão de. Relator(a) Min.
Carlos Velloso, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27/08/1992). Disponível em:
http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia. Acesso em: 09 set. 2019.
314
BARRETO, Rafael. Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva 2012, p. 60. No mesmo sentido:
CERQUEIRA, Thales Tácito Ponte Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila Medeiros de
Albuquerque Pontes Luz de Pádua. Tratado de Direito Eleitoral. Tomo IV. São Paulo: Premier
Máxima, 2008, p. 192.
315
TELLES, Olívia Raposo da Silva. Direito Eleitoral Comparado – Brasil, Estados Unidos,
França. São Paulo: Saraiva 2009, p. 193-195. Esclarece a autora que nas Constituições da

100
Já na França, tem-se que a maioria dos crimes tipificados no Código
Penal tem como pena acessória a interdição dos direitos políticos – direito de
voto e elegibilidade – porém, esta pena acessória depende de ser decretada
pelo juízo criminal no corpo da respectiva decisão condenatória. Para além
disso, há no Código Penal francês gradações da interdição de direitos políticos,
316
a depender se estiver se tratando de contravenções, delitos ou crimes.
Neste passo, o artigo 14, §9º, da Constituição Federal do Brasil,
estabelece a possibilidade de restrição ao direito de sufrágio passivo
(elegibilidade), restando expresso no dispositivo em análise que a regra tem
como finalidade a proteção da probidade administrativa.317
No Brasil, o Acórdão 106/2002, oriundo do Tribunal Regional Eleitoral
Do Estado de Rondônia, foi um divisor de águas no sentido de promover o
debate entre a doutrina nacional quanto ao momento de exigência da análise
da moralidade e da vida pregressa do candidato. A referida decisão levanta a
importância da função pública exercida pelos detentores de mandato popular,
e, portanto, a necessidade de que haja exigência quanto aos candidatos
possuírem qualidades mínimas para concorrerem a um mandato, prevenindo,
desta forma, a banalização do pleito eleitoral.318
Para Tiago Conceição, ao analisar o direito de sufrágio, enquanto núcleo
dos direitos políticos – portanto, direito político estritamente considerado –
afirma que o voto é ato estatal e não tem, de forma isolada, maior
respercussão política, o que não se pode falar no caso do direito de ser votado.
Para o mesmo autor, a restrição de direitos fundamentais em razão de
condenação criminal frente à elegibilidade, é uma restrição de maior
importância.319

maior parte dos outros estados norte americanos, a inelegibilidade é indireta, já que para ser
elegível é necessário ser eleitor, sendo que, na maior parte dos estados norte americanos -
conforme, inclusive já demonstrado no item anterior – a condenação criminal gera perda da
capacidade eleitoral ativa.
316
Ibid., p. 359.
317
Art. 14, § 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de
sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de
mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições
contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego
na administração direta ou indireta. BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 set. 2019.
318
PINTO JÚNIOR, Nilo Pereira. Op. Cit., p. 71.
319
CONCEIÇÃO, Tiago. Op. Cit., p. 212-213.

101
Esta afirmação, a partir de uma análise comparativa da restrição em
ambas as faces do direito de sufrágio – votar e ser votado – é tão verdadeira
que, o próprio Poder Constituinte originário, no art. 14 da CRFB/88 expõe
possibilidades de haver restrições de direitos políticos fundamentais quanto ao
direito de candidatar-se aos cargos políticos (inelegibilidades) no plano
infraconstitucional, ressaltando que tal lei deva ter quórum qualificado (lei
complementar), o que não faz para o direito de votar.
Neste passo, podemos observar, inclusive, alteração relativamente
recente na Lei Complementar nº 64/1990 (Lei de Inelegibilidades) – alterada
pela Lei complementar n 135/2010 (Lei da ficha limpa), que passou a tornar
inelegível um indivíduo a partir de uma condenação criminal por órgão
colegiado competente, dispensando, portanto, o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória para que se efetive a restrição do direito de
candidatar-se a um cargo político no Brasil.320
A Lei Complementar federal do Brasil nº 135/2010 denominada de lei da
Ficha Limpa é originária de um projeto de lei de iniciativa popular fruto de
aproximadamente 1,3 milhões de assinaturas. Referida norma, ao dar nova
redação à Lei Complementar nº 64/1990, instituiu hipóteses de inelegibilidades
adicionais voltadas à proteção da probidade e da moralidade administrativa no
exercício do mandato, tudo nos termos do §9º do artigo 14 da Constituição da
República Federativa do Brasil.
O conteúdo da lei da ficha limpa, por óbvio que conflita com interesses
particulares de muitos detentores de cargos políticos, pelo que se pode inferir
que o fato da referida lei ter sido de iniciativa popular atribuiu-lhe uma força
simbólica quando do julgamento acerca da constitucionalidade da mesma no
Supremo Tribunal Federal, tendo prevalecido por maioria de votos o
entendimento a favor de sua constitucionalidade.321 322
. A Lei acabou por ser
aplicada nas eleições ocorridas no Brasil no ano de 2012.

320
Vale dizer que a alteração legislativa se deu por projeto de lei de iniciativa popular,
especialmente em razão de tantas notícias de corrupção no Brasil, bem como frente a demora
para que os processos criminais alcancem seu trânsito em julgado.
321
Ações Declaratória de Constitucionalidade números 29 e 30 e Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 4578. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC 29. Relator: Ministro
Luiz Fux. 16/02/2012. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2243342. Acesso em: 11
set. 2019. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC 30. 29/06/2012. Relator: Ministro Luiz Fux.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2243411.

102
Portanto, a partir da vigência e declaração de constitucionalidade de tal
norma infraconstitucional restritiva de direitos políticos (elegibilidade), resta
demonstrado que os deveres de honestidade e eficiência são os pilares
fundamentais da probidade administrativa, pelo que, o cometimento de
qualquer infração penal que tenha como fundamento a proteção de tais bens
jurídicos, seria incompatível com a conduta de um futuro representante político,

Acesso em: 11 set. 2019. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4578. Relator: Ministro Luiz
Fux. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4054902. Acesso
em: 11 set. 2019.
322
A lei da ficha limpa alcançou grande repercussão no Brasil em razão de sua aplicabilidade
para impedir Luiz Inácio Lula da Silva (ex-ocupante do cargo político de Presidente da
República Federativa do Brasil - período de 2002 a 2010) de se candidatar novamente para
concorrer ao cargo de Presidente da República, filiado ao Partido dos Trabalhadores, nas
eleições presidenciais ocorridas no Brasil em outubro de 2018. DECISÃO: O presente recurso
extraordinário foi interposto contra acórdão que, emanado do E. Tribunal Superior Eleitoral está
assim ementado (fls. 6.145/6.148): “DIREITO ELEITORAL”. REQUERIMENTO DE REGISTRO
DE CANDIDATURA (RRC). ELEIÇÕES 2018. CANDIDATO AO CARGO DE PRESIDENTE DA
REPÚBLICA. IMPUGNAÇÕES E NOTÍCIAS DE INELEGIBILIDADE. INCIDÊNCIA DE CAUSA
EXPRESSA DE INELEGIBILIDADE. 1. Requerimento de registro de candidatura ao cargo
de Presidente da República nas Eleições 2018 apresentado por Luiz Inácio Lula da Silva
pela Coligação „O Povo Feliz de Novo‟ (PT/PC do B/PROS). 2. A LC nº 64/1990, com redação
dada pela LC nº 135/2010 („Lei da Ficha Limpa‟), estabelece que são inelegíveis, para
qualquer cargo, „os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou
proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de
8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a
fé pública, a administração pública e o patrimônio público; (...) 6. de lavagem ou
ocultação de bens, direitos e valores (...)‟. (art. 1º, I, alínea „e‟, itens 1 e 6). 3. O candidato
requerente foi condenado criminalmente por órgão colegiado do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, pelos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) e
lavagem de dinheiro (art. 1º, „caput‟ e V, da Lei nº 9.613/1998). Incide, portanto, a causa
de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea „e‟, itens 1 e 6, da LC nº 64/1990, com
redação dada pela Lei da Ficha Limpa. (…) 7.2. Do ponto de vista material, tampouco há
razão para acatar a recomendação. O Comitê concedeu a medida cautelar por entender
que havia risco iminente de dano irreparável ao direito previsto no art. 25 do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que proíbe restrições infundadas ao direito
de se eleger. Porém, a inelegibilidade, neste caso, decorre da Lei da Ficha Limpa, que,
por haver sido declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e ter se
incorporado à cultura brasileira, não pode ser considerada uma limitação infundada à
elegibilidade do requerente. Em consulta aos registros processuais que o E. Tribunal
Superior Eleitoral mantém em sua página oficial na “Internet”, constatei que essa Alta
Corte judiciária deferiu, por unanimidade, em substituição ao ora recorrente (Lula da
Silva), “o pedido de registro de candidatura de Fernando Haddad ao cargo de Presidente
da República” (Processo nº 0601171- -07.2018.6.00.0000). Observo, por oportuno, que a
decisão em causa, proferida pelo E. Tribunal Superior Eleitoral, transitou em julgado em
28/09/2018. Vê-se, desse modo, que se registra, no caso ora em exame, típica hipótese
de prejudicialidade, motivada pela superveniência de fato processualmente relevante,
impeditiva do exame da pretensão recursal deduzida por Lula da Silva. Sendo assim, e
tendo em consideração as razões expostas, julgo prejudicado o presente recurso extraordinário
(CPC, art. 932, III). Publique-se. Brasília, 01 de outubro de 2018. BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. RE 1159797/DF. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 01/10/2018.
Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ARE1.159.797DFDeciso.pdf. Acesso
em: 11 set. 2019.

103
o que justificaria a inelegibilidade do infrator quando condenado criminalmente
por tais crimes que afrontem a probidade administrativa323.
O ato de ímprobo está diretamente ligado à corrupção e,
consequentemente, desvirtua os princípios da ordem jurídica e acarreta
prejuízos à administração pública, caracterizado pela obtenção de vantagens
patrimoniais indevidas a expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções
e empregos públicos, pelo tráfico de influências nas esferas da administração
Pública e pelo privilégio de grupos em detrimento de interesses da
sociedade.324
No Brasil, por exemplo, os atos de improbidade administrativa estão
definidos na Lei Federal nº 8429/92 em três categorias: a) enriquecimento
ilícito, b) lesão ao erário; c) atos atentatórios ao princípio da administração
pública. Vale dizer que a sentença condenatória por improbidade administrativa
tem natureza civil, mas gera sanção na órbita penal, cível e política. 325
No caso da condenação por improbidade administrativa, diferentemente
da condenação em ação penal, deve haver na própria petição inicial da Ação
de Improbidade Administrativa o pedido pela condenação em suspensão dos
direitos políticos sob pena de infringir o princípio da congruência na esfera
processual.326
O mesmo não ocorre nos casos das ações de natureza penal, tendo em
vista que, nestes casos, a suspensão dos direitos políticos não tem natureza
de penalidade propriamente, mas sim, de efeito imediato do trânsito em julgado
da condenação.327

323
GOMES, José Jairo. Op. Cit., p. 103-130. Neste sentido vale colacionar o conceito de
improbidade da pelo referido autor: “A improbidade consiste na ação desvestida de
honestidade, de boa-fé e lealdade para com o ente estatal, compreendendo os atos que,
praticados por agente público, ferem a moralidade administrativa”
324
PINTO JÚNIOR, Nilo Pereira. Op. Cit., p. 64. Nesta linha de raciocínio quanto a
incompatibilidade da condição de representante política com certas condutas tidas como
crimes, é importante salientar a lição do referido autos no sentido de que “O Estado
democrático de Direito é fundado na ética, portanto, a partir do momento que os agentes
públicos abandonam os preceitos da moralidade, configura-se, materialmente, a improbidade
administrativa”.
325
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Da perda e suspensão dos direitos políticos. Revista de
informação legislativa. Brasília, A. 139, jul-set 1998, pp. 203-216. Disponível em:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/403/r139-19.pdf?sequence=4. Acesso em:
09 set. 2019.
326
PINTO JÚNIOR, Nilo Pereira. Op. Cit., p. 65.
327
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DO BRASIL. ELEIÇÕES 2018. AGRAVO
REGIMENTAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO FEDERAL. INDEFERIMENTO.
RECURSO ORDINÁRIO. FUNGIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA CRIMINAL

104
Ou seja, enquanto nas condenações por improbidade administrativa o
que define a aplicação da suspensão dos direitos políticos é a sentença judicial
- isto é, o gozo dos direitos políticos passa a depender da análise e
interpretação do magistrado competente para julgar a ação de improbidade
administrativa - no caso das sentenças penais condenatórias, conforme
entendimento majoritário, até então, dos Tribunais brasileiros, o magistrado só
faz reproduzir na sentença uma regra constitucional, independente de pedido
do autor da ação penal, já que, neste caso, a suspensão de direitos políticos,
repise-se não tem caráter de penalidade, mas de efeito imediato da
sentença.328
Tem-se, portanto, que a restrição de direito de sufrágio na perspectiva
da elegibilidade – do direito de ser votado – foi totalmente referendada no
ordenamento jurídico brasileiro a partir da lei da ficha limpa. Desde a vigência

TRANSITADA EM JULGADO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. CONDIÇÃO DE


ELEGIBILIDADE. ART. 15, III, DA CF. AUSÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA.
FUNDAMENTOS. NÃO IMPUGNAÇÃO. SÚMULA Nº 26/TSE. DESPROVIMENTO. 1. É
inviável o agravo que não ataca todos os fundamentos da decisão agravada. Súmula nº
26/TSE. 2. Quanto à alegação de ausência de intimação para exercer o contraditório sobre a
impugnação oferecida pelo Parquet, verifica–se que não houve, no caso vertente, impugnação
ao registro de candidatura pelo MPE, mas somente a emissão de parecer na condição de
custos legis. Desse modo, não há falar em abertura de prazo para o candidato se manifestar
sobre o aludido parecer. 3. No caso vertente, o próprio candidato trouxe aos autos o acórdão
referente à condenação criminal e a certidão com o respectivo trânsito em julgado que deram
ensejo à suspensão de seus direitos políticos, após regular intimação. 4. A decisão
monocrática do relator, em que indeferido o registro do candidato, foi exarada com fulcro no art.
52 da Res.–TSE nº 23.548/2017, diploma normativo que rege especificamente os registros de
candidatura nas eleições 2018. Segundo o referido instrumento normativo, o relator poderá
decidir monocraticamente os pedidos de registro de candidatura nos quais não tenha havido
impugnação. 5. O colegiado do TRE/DF confirmou o indeferimento do registro de candidatura
no julgamento dos aclaratórios, recebidos como agravo regimental, nos quais o candidato
apresentou suas razões de maneira ampla, abordando, inclusive, as teses ventiladas no
recurso especial. 6. In casu, o registro foi indeferido na Corte de origem, porquanto o
candidato, ora agravante, foi condenado pela prática dolosa de crimes de lesão corporal e de
ameaça em violência doméstica, descritos nos arts. 129, § 9º, e 147 do Código Penal,
conforme acórdão transitado em julgado em 10.4.2018. Segundo consta do acórdão regional, a
pena ainda não foi cumprida. 7. Para a incidência do art. 15, III, da CF, é irrelevante a
espécie de crime, a natureza da pena, bem como a suspensão condicional do processo,
conforme iterativa jurisprudência desta Corte Superior. O aludido dispositivo
constitucional é autoaplicável, sendo efeito automático do trânsito em julgado do
decreto condenatório criminal. Precedentes. 8. Quanto ao impedimento de praticar qualquer
ato de campanha determinado pelo Tribunal em 4.10.2018 e sua eventual caracterização como
abuso de direito, evidencia–se a prejudicialidade do tema ante a impossibilidade de obtenção
de provimento judicial eficaz, haja vista a realização do pleito em 7.10.2018. Assim, eventual
caracterização de prática ilícita deverá ocorrer na seara adequada, caso necessário. 9. Agravo
regimental desprovido. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº
060108893. Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: PSESS - Publicado
em Sessão, Data 13/11/2018). Disponível em:
http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia . Acesso em: 9 set. 2019.
328
Idem.

105
de tal legislação federal, qualquer indivíduo que, prima facie, contasse com tal
direito (elegibilidade), ao cometer ilícitos penais e ser julgado culpado por
órgão colegiado competente, torna-se um cidadão incompatível com o
exercício da representação política.
Nestes casos de cometimento de ilícitos, mormente os ligados à
improbidade administrativa, a restrição do direito fundamental de ser votado –
de se lançar candidato - encontra guarida na proteção dos interesses da
comunidade coletiva, na medida em que afasta um infrator da lei penal da
condução direta dos negócios públicos da sociedade, impedindo que o mesmo
gerencie orçamentos públicos, ocupe posições privilegiadas para fins de tráfico
de influências, tenha ingerência na confecção de leis que ditarão regras de
convivência na sociedade.
Logo, para ser um representante do povo, e em razão da coisa pública
que este estará a gerir, bem como, da própria imagem que o mesmo deve
preservar ao ocupar um cargo-eletivo, é necessário que sua vida esteja
eticamente moldada, exigindo-se certo decoro para que ocupe o cargo político
e o exerça de forma compromissada com a coisa pública e com a própria
sociedade.
Para além da necessidade que tem um candidato a cargo político de
ostentar um padrão ético de conduta, temos que o condenado em pena de
prisão efetiva enfrentaria algumas impossibilidades em face da ausência da
liberdade de locomoção e de comunicação que obstariam o exercício de um
cargo político que, por óbvio, não teria como cumprir as atribuições atinentes à
representação nestas condições. Esta é uma questão prática que se impõe
como argumento relevante para justificar a restrição ao exercício do direito de
sufrágio passivo329.
Diante destas premissas quanto à necessidade de decoro e do direito de
ir e vir, em toda sua amplitude, para o exercício da representação, é que se
tem como indispensável uma análise diferenciada quanto à aplicação de
restrições ao direito de sufrágio em suas duas faces – votar e ser votado,

329
MARRAFON, Marco; ROBL, Ilton Norberto Filho. Direito fundamental ao sufrágio passivo e
princípios democráticos da probidade e da moralidade: análise constitucionalmente adequada
das Leis Complementares nº. 64/1990 e nº. 135/2010. In: Revista Eletrônica Direito e
Política. n.13. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI,
Itajaí, v.13, n.3, 3º quadrimestre de 2018. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica,

106
principalmente em relação à restrição de direito de sufrágio, na sua dimensão
passiva, o condenado em pena de prisão efetiva enfrentaria algumas
impossibilidades em face da ausência da liberdade de locomoção e de
comunicação que obstariam o exercício do seu cargo político que, por óbvio,
não teria como ser realizado nestas condições. Esta é uma questão prática que
se impõe como argumento relevante para justificar a restrição ao exercício do
direito de sufrágio passivo.
Neste aspecto, a questão posta é se em determinadas situações,
poderiam as razões que levaram a condenação criminal que não se revestirem
de carga desabonatória suficiente, fundamentar de forma ética-racional uma
suspensão dos direitos políticos em sua generalidade, inclusive seu núcleo
essencial quanto ao direito de votar.330
E, é por este motivo que nem sempre a interpretação e aplicação do
dispositivo constitucional em estudo que conduza a esta generalidade pode ser
inquestionável. Isto porque, ainda que se trate de regra constitucionalmente
definida, se faz necessária a busca por uma aplicação proporcional da mesma
frente aos próprios preceitos da Constituição.331

330
CONCEIÇÃO, Tiago. Op. Cit., p. 181.
331
Ibid., p. 182.

107
CAPÍTULO 3 - A SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DO
CONDENADO CRIMINAL

3.1. A PROPORCIONALIDADE E A RAZOABILIDADE COMO


TÉCNICAS NECESSÁRIAS PARA APLICAÇÃO DE RESTRIÇÃO DE
DIREITO FUNDAMENTAL

A restrição de um direito fundamental constitucionalmente consagrado


necessita de uma fundamentação dogmática e legitimação suficiente para a
sua ocorrência, justamente porque restringir um direito fundamental consiste
numa intervenção do Poder Público que reduz ou exclui as possibilidades de
exercício e disposição de um direito com valor constitucional.332
Nos termos da Constituição brasileira, em relação ao regime jurídico das
restrições aos direitos fundamentais, não existe uma norma explícita que defina
a situação jurídica que se delineia em torno do tema, mas é possível deduzir
algumas premissas diante da supremacia das normas de direitos fundamentais
e da imperativa proteção constitucional conferida a tais direitos.333 334
Se em uma norma constitucional se identifica uma restrição de um
direito fundamental com redução do seu conteúdo, como já mencionado no
caso analisado neste estudo, é preciso que exista também um fundamento
constitucional que permita a distinção entre uma restrição legítima e uma
violação inconstitucional do direito fundamental restringido335. Em outras
palavras, dada a relevância e força jurídica de uma ação restritiva de direito
fundamental, seja constitucional ou infraconstitucional, o fundamento para tanto
deve estar também no próprio texto da Constituição336.
Para além disso, a natureza da conduta estatal que reduza o conteúdo
constitucional de um bem jurídico protegido exige mecanismos para controle

332
NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit., p. 767.
333
MENDES, Gilmar Ferreira. O limite dos limites. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO,
Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. Cit., p. 348.
334
Ao contrário do exemplo brasileiro, na Constituição Portuguesa os limites de restrição são
previstos no seu próprio texto, por exemplo no âmbito do artigo 18º, nº 2, que garante que “a lei
só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na
Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos”. NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit, p. 71.
335
NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit., p. 639.
336
Idem.

108
deste enfraquecimento do âmbito de proteção da norma que afete o conteúdo
do direito fundamental de forma desvantajosa.337
É assim que a ponderação de bens se apresenta como uma das
soluções para fundamentar a aplicação de uma restrição de direito fundamental
e fazer a sua conformidade e adequação constitucional. Nas lições de Jorge
Reis Novais, o conflito entre a realização de um interesse de liberdade
resguardado por um direito fundamental sem reservas que colide diretamente
com a realização de outro interesse também protegido juridicamente, só
consegue ser solucionado por meio da ponderação dos bens em causa338.
No caso brasileiro, a Constituição da República não estabelece uma
norma que defina expressamente a possibilidade de ponderar os bens que ela
mesma resguarda. A metodologia da ponderação de bens não se origina
exatamente de uma norma explícita constitucional. Todavia é inevitável que se
recorra à utilização do método, intuitivamente necessário para sopesar bens
dentro de um ordenamento jurídico que naturalmente está sujeito às tensões
entre as suas normas.339
Nessa linha, a ponderação se coloca como um componente do regime
geral dos direitos fundamentais e orienta tudo relativo à sua aplicação,
especialmente em relação ao controle jurídico do Estado quanto às restrições
aos direitos, liberdades e garantias porque retira seu fundamento na dignidade
da pessoa humana, na liberdade, autonomia, igualdade e justiça340.
Recorrer à ponderação de bens nas restrições aos direitos fundamentais
não pode ser, entretanto, uma resposta absoluta, pelo que se deve levar em
conta situações como: os parâmetros utilizados, a competência para realização
e, especialmente, de que modo e qual o alcance da ponderação para se
constituir uma metodologia adequada na aferição da constitucionalidade das
restrições aos direitos fundamentais341.
Nesse sentido, considerando o âmbito das restrições às normas
constitucionais de direitos fundamentais, os procedimentos de ponderação são
inevitáveis já que estas normas não são compreendidas como definitivas, mas

337
Idem.
338
Ibid, p. 640.
339
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 73-74.
340
ALEXANDRINO, José de Melo. Op. Cit., p. 172.
341
NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit. 2010, p. 640.

109
como enunciados a priori em que a compreensão do caso está condicionada a
uma ponderação inevitável de razões e princípios contrários que também são
considerados na Constituição342.
Uma decisão de ponderação não pode deixar de observar todas as
valorações constitucionais, o que significa que deve estar em conformidade
com os princípios da igualdade, da proibição do excesso ou
proporcionalidade343, “da razoabilidade, da proteção da confiança, da
determinabilidade da restrição e da reserva de lei”344.
É por isso que as restrições devem observar os limites aos limites dos
direitos fundamentais. Sob este aspecto, a legitimidade da restrição conduz à
observância da sua justificação formal e material conferida por um limite que se
conecta à restrição, de modo que todas as restrições aos direitos fundamentais
devem, portanto, preencher determinados critérios constitucionais tanto formais
quanto materiais para observar os limites aos limites dos direitos
fundamentais345.
A ideia é de que a atividade limitadora do Estado deve ser também uma
atividade que é limitada. As hipóteses que autorizam a intervenção do Estado
são limites para alargar a função de proteção formal e material conferida aos
direitos fundamentais.346
As restrições devem respeitar, nesse sentido, princípios gerais que
incluem o princípio da proibição do excesso e a sua dimensão de
proporcionalidade, razoabilidade e determinabilidade, além de outros como o
da reserva de lei e igualdade. Não convém nesta investigação a realização de
um estudo pormenorizado de cada uma dessas vertentes como princípios na
sua função de limite aos limites, pelo que se opta pela discussão em torno do

342
Ibid, p. 641-642.
343
No contexto continental europeu e sul-americano há quem use "proporcionalidade" e há
quem opte por "proibição do excesso". Trata-se de uma simples preferência estética ou há
mais do que isso? Há quem considere as duas expressões sinónimas, utilizando-as
cumulativamente, ou preferindo uma, mas também há quem lhes atribua significados distintos.
[...] A orientação mais difundida é no sentido de considerar proporcionalidade e proibição do
excesso conceitos sinónimos84 - podendo ser usados indiferentemente ou até
cumulativamente -, ou parcialmente sinónimos”. CANAS, Vitalino. Op. Cit., p. 41.
344
Ibid, p. 724.
345
Esta expressão surgiu na tradição alemã quando da Lei Fundamental de Bonn, de 23 de
maio de 1949 e tinha a finalidade de elencar os entraves normativos que restringem a
possibilidade de serem os direitos fundamentais alvos de limitação. DUQUE, Marcelo Schenk.
Curso de Direitos Fundamentais: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014,
p. 282.
346
CARVALHO, Osvaldo Ferreira de. Op. Cit., p. 358.

110
princípio da proibição do excesso ou proporcionalidade e do princípio da
razoabilidade347.
Em relação ao princípio da proporcionalidade, existe uma vinculação
entre este e a noção de justiça na sua dimensão material, de moderação e
também de racionalidade ao ser utilizado como modelo de aferição da
legitimidade e conformação constitucional de atos administrativos, legislativos e
judiciais348.
Nas lições de Vitalino Canas o princípio da proporcionalidade se
comporta como um:
[…] princípio geral de direito, constitucionalmente consagrado,
conformador dos actos do poder público e, em certa medida,
de entidades privadas, de acordo como qual a limitação
instrumental de bens, interesses ou valores subjectivamente
radicáveis se deve revelar idónea e necessária para atingir os
fins legítimos e concretos que cada um daqueles actos visam,
bem como axiologicamente tolerável quando confrontada com
esses fins349.

O fundamento deste princípio está, como alega Robert Alexy, nos


direitos fundamentais350. Em torno da questão, Vitalino Canas defende que o
princípio da proporcionalidade está assentado na ideia de justiça e dignidade
humana. Ou seja, considera que circunstâncias injustas ou que promovam de
qualquer meio a degradação da pessoa humana são desproporcionais 351.
O princípio da proporcionalidade, portanto, é a base que fundamenta a
aferição de legitimidade constitucional das restrições assegurando que estas
devem decorrer do próprio conteúdo constitucional. Logo, sendo observado o
princípio da proibição do excesso na sua dimensão da proporcionalidade, é
possível, à primeira vista, restringir ou limitar um direito fundamental desde que
respeitados os valores constitucionais352.

347
NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit. 2010, p. 728.
348
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais:
uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da
teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 312.
349
CANAS, Vitalino. O princípio da proibição do excesso na conformação e no controle de
atos legislativos. Coimbra: Almedina, 2017, p. 591.
350
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução Carlos Bernal Pulido.
2ª ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos e Constitucionales, 2007, p. 92.
351
CANAS, Vitalino. O princípio da proibição do excesso na conformação e no controle de
atos legislativos. Coimbra: Almedina, 2017, p. 355.
352
CANAS, Vitalino. Op. Cit., p. 65.

111
Diante de um direito fundamental que é restringido, apesar de ser
possível que o seja ou pela própria Constituição ou pelos poderes constituídos,
não se pode afirmar prontamente que toda restrição é constitucionalmente
adequada. Para tanto, é preciso que se faça uma análise a partir dos critérios
estabelecidos nos subprincípios da proporcionalidade, o que definirá de forma
segura a restrição como válida353.
A discricionariedade do Constituinte quanto à sua liberdade de
conformação que afete de forma desvantajosa direitos fundamentais deve, em
analogia, ser levada em consideração não só pelo legislador
infraconstitucional, mas também pelo legislador constituinte, com o controle do
princípio da proporcionalidade sobre a opção política de restringir direitos. 354
O controle que aqui se fala tem a ver com a fundamentação, por meio do
exame da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido
estrito para aferir se as restrições aos direitos fundamentais possuem
conformidade com o Estado Constitucional.355
Num primeiro momento, analisa-se o dever de adequação que é o
primeiro que afere se a restrição é ou não proporcional. Este dever indica
basicamente que a restrição no caso concreto deve se dar através do meio
mais adequado, útil e capaz de alcançar o resultado pretendido, de modo que
não se exige de maneira absoluta que este meio seja apto desde logo de o
produzir. Nessa linha, a restrição de direitos fundamentais só é admissível
quando justificável pela produção de um efeito socialmente desejável 356.
Compreender a adequação do meio utilizado tem a ver com o princípio
da eficiência porque condiciona o legislador a atuar de forma a produzir o
resultado mais eficaz, bem como, vincula a atividade do julgador nesse sentido.
Dessa forma, caso o meio utilizado não passe no teste da adequação
por não ser apto a alcançar uma finalidade constitucional desejável, a limitação
ou a restrição é prontamente constatada como inadequada357.

353
FREITAS, Luiz Fernando Calil. Direitos Fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007. p. 205.
354
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de
constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª ed. Brasília: Brasília
Jurídica, 2003, p. 90.
355
Idem.
356
PULIDO, Carlos Bernal. Op. Cit., p. 324.
357
CANAS, Vitalino. Op. Cit, p. 577.

112
Uma vez analisada e atendida a adequação, passa-se ao exame do
dever de necessidade ou da indispensabilidade do meio menos restritivo
empregado, esta se baseia na ideia de que o legislador, ao impor uma restrição
de direito fundamental, tem o dever de escolher o meio menos gravoso dentre
qualquer outro meio igualmente capaz de produzir o resultado pretendido 358.
Na hipótese em que seja verificado que o meio escolhido para fins de
restrição de direitos fundamentais não é aquele com menor grau de
prejudicialidade ao direito fundamental, ou seja, não é o mesmo indispensável
para o alcance do fim pretendido pelo legislador, tem-se uma afetação
considerada desproporcional.359
Nesse sentido, é relevante discutir a ideia de que a medida desvantajosa
pode ser indispensável para conservar o direito fundamental afetado e a sua
alteração por outra medida menos gravosa pode ser impossível. A necessidade
da intensidade da restrição tem que ser, diante disso, devidamente
comprovada porque ofende a proporcionalidade quando existe possibilidade de
utilizar meio menos restritivo que forme resultado melhor ou igual ao que causa
uma afetação maior ao direito fundamental360.
Por outro lado, verificada que a medida é adequada e necessária, a
operação da ponderação ascende a explorar a proporcionalidade em sentido
estrito. Neste ponto, a análise recai em uma relação custo-benefício
comparando o resultado obtido pelo emprego do meio restritivo eleito e o dano
a direitos fundamentais361.
A adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito
constituem, portanto, a tríade da ponderação, as quais devem ser analisadas
sucessivamente obedecendo esta ordem.
Vale salientar que a adequação e a necessidade se diferenciam do
critério da proporcionalidade em sentido estrito, pelo fato de que as duas
primeiras residem no respeito às possibilidades fáticas do meio utilizado e os
outros meios possíveis enquanto que a proporcionalidade em sentido estrito se

358
NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit, p. 741.
359
Na opinião de Barak Aharon a necessidade é o subprincípio em que se baseia toda a
construção da proporcionalidade, em AHARON, Barak. Proportionality: Constitutional
Rights and their limitations. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 337.
360
CANAS, Vitalino. Op. Cit. p. 206.
361
ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 92.

113
relaciona com as possibilidades jurídicas do meio que foi eleito, as quais são
examinadas considerando o resultado da sua utilização362.
Assim, a proporcionalidade em sentido estrito é o processo de
ponderação propriamente dito e consiste em equilibrar os benefícios e
prejuízos advindos do emprego de uma determinada medida. A dimensão da
proporcionalidade em sentido estrito engloba, portanto, as situações cujos
sacrifícios recíprocos não podem ser evitados, tornando imprescindível a
utilização do mecanismo da ponderação363.
Desse modo, uma restrição a direitos fundamentais só pode ser
conformada com a Constituição na hipótese em que é justificada pela
importância da satisfação do princípio que se implementa por meio da medida
restritiva.
Portanto, a proporcionalidade em sentido estrito tem como finalidade
garantir a distribuição do ônus da restrição de forma igualitária, ou seja,
promover a efetividade entre o grau de afetação do direito fundamental e a
relevância da realização do princípio contrário a este e que é utilizado como
justificativa para a restrição de direitos fundamentais.
Compara-se então o direito fundamental que se restringe com o direito
fundamental ou princípio da Constituição que se pretende efetivar por meio da
medida restritiva, determinando assim a proporcionalidade no sopesamento do
atendimento à finalidade da restrição e o prejuízo que dela advém364.
Nesse sentido, a adequação e necessidade referem-se às possibilidades
fáticas e a proporcionalidade em sentido estrito às possibilidades jurídicas, o
que justifica sua utilização no processo de resolução do conflito entre
princípios. Tendo essas premissas como ponto de partida, Robert Alexy
enuncia a lei da ponderação por meio da seguinte fórmula: “quanto mais alto é
o grau do não cumprimento ou prejuízo de um princípio, tanto maior deve ser a
importância do cumprimento do outro”365.
A verificação da legitimidade da norma restritiva de direito fundamental
pode ser realizada tomando o princípio da proporcionalidade, como restou
exposto acima, mas também, a partir do princípio da razoabilidade.

362
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. Cit. p. 346.
363
Idem.
364
CARVALHO, Osvaldo Ferreira de. Op. Cit., p. 431.
365
Ibid, p. 92-93.

114
Jorge Reis Novais propõe a razoabilidade, assim como a
proporcionalidade, como limite aos limites dos direitos fundamentais. Nessa
linha, defende que a restrição a um direito fundamental é considerada
desrazoável sempre que “a relação apurada entre a gravidade do sacrifício
imposto pela restrição e a relevância das razões que a justificavam” não
estivesse enquadrada num contexto de equilíbrio366.
Há também uma outra dimensão da razoabilidade em relação aos limites
de restrição aos direitos fundamentais que corresponde a “imposição, dever ou
obrigação restritiva da liberdade na exclusiva perspectiva das suas
consequências na esfera pessoal daquele que é desvantajosamente afectado
pela restrição”367.
Esta é a demonstração de que uma restrição pode ser razoável tanto em
abstrato quanto em concreto quando se impõe a relevância do sacrifício
colocado e a sua relação com a necessidade de realizar a finalidade que se
quer atingir. Contudo, ela própria pode ser uma restrição inaceitável para
quem a sofre por motivos ligados à subjetividade. A restrição nesta hipótese
coloca os sujeitos afetados numa situação desrazoável 368.
Nesse sentido, colaciona-se aqui o entendimento de Jorge Reis Novais
que assume que o controle de razoabilidade possui uma forma individual de
apreciação, na medida em que, mesmo que haja razoabilidade em
determinada norma restritiva em abstrato, isso não significa que a mesma não
possa ser aplicada de forma excessiva, grave ou injusta - e portanto, carente
de razoabilidade - no caso concreto369.
Logo, o controle de razoabilidade pode ser aplicado tanto para a lei
restritiva em abstrato quanto nas intervenções concretas, ou seja, também é
dirigido às opções feitas pelo próprio legislador, pelos juízes e pela
Administração tal como o controle da proporcionalidade370.
De outra banda, quanto à verificação da legitimidade de uma norma
restritiva de direito fundamental, não se vislumbra semelhança entre o controle
de proporcionalidade e o de razoabilidade.

366
NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit., p. 765.
367
Idem.
368
Idem.
369
Ibid, p. 767.
370
Ibid, p. 768.

115
A distinção entre os dois pressupõe que na proporcionalidade há a
relação de causalidade entre o meio utilizada e a promoção de um estado de
coisas, ou seja, o meio escolhido para alcançar o fim deve se verificar
adequado, necessário e proporcional. Quando a proporcionalidade é utilizada
como método de aferição da constitucionalidade das normas restritivas de
direitos fundamentais, revela-se na sua desenvoltura a análise da relação entre
os fins perseguidos e os meios utilizados nos atos legislativos, administrativos
e judiciais, exigindo maior racionalidade na aplicação de uma restrição a direito
fundamental.371
Na razobilidade, por sua vez, trata-se de não ultrapassar os limites
daquilo que é juridicamente aceitável372. Está de forma intrínseca conectada a
noção de bom senso e sua aplicação se dá no âmbito da interpretação das
normas jurídicas quando considera que aquelas que envolvem condutas
desarrazoadas devem ser excluídas.
Neste aspecto, aferir a razoabilidade de uma norma restritiva de direito
fundamental depende dos fundamentos invocados no caso concreto, pois a
razoabilidade se relaciona com a relevância das razões utilizadas para justificar
a restrição em análise373.
Para fins de controle de razoabilidade será analisado o grau de afetação
que a medida restritiva causa na esfera subjetiva de quem é afetado pela
restrição, ou seja, a razoabilidade abrange circunstâncias pessoais
374
compreendidas no caso concreto .
A razoabilidade assume uma dimensão valorativa subjetiva frente à
circunstância em que a restrição de direito fundamental é imposta ao indivíduo
numa perspectiva particular a partir de uma orientação do Estado Democrático
de Direito. Já quanto à proporcionalidade da restrição, o limite se estabelece
em relação à finalidade perseguida pelo ato restritivo, numa análise das
situações jurídicas375.
Em suma, na razoabilidade a ideia daquilo que é razoável está sujeita a
371
BRAGA, Valeschka e Silva. Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Curitiba:
Juruá, 2004. p. 125.
372
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. São Paulo: Editora Malheiros, 2003, p. 102-103.
373
NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit., p. 769.
374
BRAGA, Valeschka e Silva. Op. Cit.. p. 125.
375
Neste aspecto a autora afirma que a proporcionalidade avalia a congruência entre os meios
utilizados e a finalidade. BRAGA, Valeschka e Silva. Op. Cit., p. 126

116
variação justamente porque depende do sentimento e valor que se atribui no
senso comum de uma sociedade em um determinado momento, porque tem a
ver com a valoração dos atos públicos, sem ter uma “operação objetiva”, mas
sim intuitiva para definir a razoabilidade de determinado ato376.
Em sentido oposto, a proporcionalidade busca estabelecer critérios
mais objetivos e predefinidos, devendo o aplicador colocar na balança e
efetivamente ponderar os interesses em questão para optar pela forma menos
desproporcional de se restringir um direito.
O que interessa para esta investigação é conceber que tanto a proibição
do excesso quanto a razoabilidade são limites colocados pela Constituição de
maneira que nenhuma forma de restrição a direitos fundamentais se justifique
quando onere de forma excessiva ou desrazoável o titular do direito
fundamental atingido377.
Por fim, destaca-se que os parâmetros que se apresentam para o
exame de legitimidade da restrição aos direitos fundamentais devem ser
baseados nos valores do Estado democrático de Direito com fundamentos
capazes de justificar a relevância da finalidade que o ato do Poder Público
pretende alcançar diante da restrição de um direito fundamental.

3.2. A SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DO CONDENADO


CRIMINAL NA JURISPRUDÊNCIA E A PROPORCIONALIDADE

Como até então exposto, o sufrágio universal que permeia a maioria dos
ordenamentos jurídicos democráticos ocidentais a partir do século XX admite
restrições, desde que não sejam infundadas, ou seja, que estejam em
conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Neste sentido, Stuart Mill, enquanto defensor da ampliação do direito de
sufrágio ao maior número de cidadãos possível, acerca deste tema já afirmou
que restringir o direito de sufrágio de forma injustificada acarretaria uma
exclusão compulsória de parte da população de seu direito de representação,
e, além disso, independente de qualquer outra consideração, afirma ser uma
injustiça pessoal negar a qualquer um – a menos que fosse para prevenir

376
Ibid., p. 127.
377
CARVALHO, Osvaldo Ferreira de. Op. Cit., p. 397.

117
males maiores - o direito de participação política, ou seja, “o direito elementar
de ter voz na condução dos assuntos que lhe interessam tanto quanto aos
outros cidadãos”.378
Quando se coloca uma condicionante para a restrição de determinado
direito fundamental, o que se está a exigir é um juízo de proporcionalidade para
que tal restrição de opere de maneira legítima e esteja em harmonia com
determinado ordenamento jurídico cujos pilares de sustentação sejam a
democracia e os direitos fundamentais.

3.2.1. A JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL ACERCA DA SUSPENSÃO


DOS DIREITOS POLÍTICOS DO CONDENADO CRIMINAL E A
PROPORCIONALIDADE

No continente europeu a questão da restrição ao direito de sufrágio


ativo do condenado criminalmente é tema que vem sendo discutido a mais de
uma década, inclusive na Corte Europeia de Direitos Humanos.
Em que pese a Convenção Europeia de Direitos Humanos tenha
silenciado quanto ao direito de sufrágio em sua redação original, o Protocolo
Adicional trouxe em seu artigo 3º o direito de participação política sem
referenciar expressamente qualquer tipo de restrição.379
Em rápido retrospecto acerca do alargamento da capacidade eleitoral
ativa em um país europeu, tem-se, por exemplo, que a legislação eleitoral
inglesa já chegava a uma ideia de sufrágio universal com as reformas de 1832,
1867 e 1884. Em 1919 admitiu o voto feminino e em 1948 aboliu a
representação especial dos graduados universitários.380

378
MILL, John Stuart. Considerações Sobre o Governo Representativo. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 1981, p. 87-92. Afirmou o autor: “(…) é absolutamente necessário,
dentro da concepção estendida e elevada do bom governo, que o sufrágio seja o mais
largamente distribuído.”
379
ARTIGO 3° da CEDH - Direito a eleições livres - As Altas Partes Contratantes obrigam - se
a organizar, com intervalos razoáveis, eleições livres, por escrutínio secreto, em condições que
assegurem a livre expressão da opinião do povo na eleição do órgão legislativo. Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem. Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Disponível
em: https://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf. Acesso em: 05 de março de
2019.
380
RAPOSO, Vera Lúcia Carapeto. Op. Cit., p. 89. Esta autora afirma que foi exatamente em
1918, por força do “Representation of The People Act” que as mulheres inglesas conquistaram
o direito de voto, salientando que só as mulheres com mais de 30 anos, e desde que fossem
proprietárias ou esposas de proprietários com renda familiar anual mínima estipulada ou que

118
Curiosamente, foi também no Reino Unido que surgiu o caso
emblemático de discussão acerca da legitimidade de restrição dos direitos
políticos em razão de condenação criminal, que resultou no restabelecimento
dos direitos de participação política de um indivíduo sujeito a sanção penal
condenatória (Caso HIRST x Reino Unido).
Em razão de ser um caso emblemático (leading case), vale alguns
apontamentos: por força do Representation of the People act 1983381, nenhum
indivíduo que estivesse encarcerado – provisório ou condenado – poderia votar
enquanto durasse a sua pena.382
Jonh Hirst foi condenado por homicídio, e, em nenhum momento do
seu encarceramento lhe foi permitido o direito de voto, tudo em consonância
com a legislação do Reino Unido.383 Em virtude dessa restrição, depois de
percorridas as instâncias jurisdicionais internas do Reino Unido visando a
garantia do direito de voto, Hirst apelou para a Corte Europeia de Direitos
Humanos, em 2001.384
Em 2003, numa primeira audiência da câmara, o Tribunal Europeu
considerou que a proibição geral de votar aos presos, à época existente no
ordenamento jurídico do Reino Unido, é desproporcional, na medida em que
atingia um grande número de pessoas, independentemente da gravidade dos
delitos por elas cometidos.385

possuíssem qualquer tipo de qualificação é que poderiam votar. Mas isso já foi um avanço, ao
passo que nas eleições do mesmo ano, oito milhoes e meio de mulheres votaram. Apenas 10
anos mais tarde é que foi igualado no Reino Unido o critério etário para exercer o direito de
voto independente do gênero, ou seja, as mulheres passaram a votar aos 21 anos, como
também era a regra para os homens na mesma época.
381
A autora esclarece que o Reino Unido baseou-se na Seção 3 da Representação do povo de
1983 que prevê. EASTON, Susan. Electing the Electorate: The problem of prisioner
Disenfranchisement. In: The Modern Law Review, Vol. 69, nº 3, May 2006 (London, UK). (1) A
convicted prisioner during the time that he is detained in penal institution in pursuance of is
sentence... is legally incapable of voting at any parliamentary or local election...”
382
Idem.
383
Idem.
384
NASPOLINI, Samira H Dal Farra & SILVEIRA, Valdimir Oliveira. O Direito Internacional dos
Direitos Humanos e a margem nacional de apreciação: tendências da Corte Européia. In:
Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito PPGDDir/UFRGS. Volume XI.
Número 1. Porto Alegre, 2016, p. 80-92. Disponível em: https://doc-00-bk-apps-
viewer.googleusercontent.com/viewer/secure/pdf/3nb9bdfcv3e2h2k1cmql0ee9cvc5lole/61ka6n5
dd89veoin0m8qe6dlistfb6s5/1569447300000/lantern/*/ACFrOgChQxN2XDqrjuUb4oAVhFP628
3CrOCb4BQKe12EhtHsbdTsrNkYDkZ76P8RmlUuABxlbtW2IU8hJga5rtkaRXZoTegJrZiy9DV_V
OpIGKjjUeYtUvHpSbU76hVlLgTCG53SJw_XgR6xJV?print=true. Acesso em: 25 set. 2019.
385
EASTON, Susan. Electing the Electorate: The problem of prisioner Disenfranchisement. In:
The Modern Law Review, Vol. 69, nº 3, May 2006 (London, UK).

119
O argumento que imperou naquele momento foi que para haver
restrição, era preciso que houvesse justificativa, de modo que a proibição
automática pelo simples fato do indivíduo estar preso condenado ou provisório,
não justificava a proibição do voto.386
Em abril de 2005 a Corte Europeia de Direitos Humanos assentou que
a proibição - a qual englobava 48 (quarenta e oito) mil presos na época –
estava em descompasso com a garantia de eleições livres no país prevista no
art 3º do Protocolo número 1 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.387
A Corte, mantendo o que já mencionado em 2003, apontou que a
proibição do direito de voto não pode ser generalizada, e que o país, ao
impedir todos os condenados presos de votar, sem qualquer critério, estava
infringindo o artigo 3º, do Protocolo nº 1 da Convenção Europeia de Direitos
Humanos no qual existe a obrigação dos Estados-membros de realizar eleições
livres, em intervalos razoáveis, por meio do voto secreto, em sufrágio universal.
Ou seja, é esta norma que assegura o direito fundamental da livre expressão
de opinião das pessoas na escolha dos seus representantes.388
O Tribunal europeu reconheceu não ser o direito de voto absoluto, e,
portanto, qualquer restrição a tal direito, dada a sua fundamentalidade, tem que
se apoiar num motivo legítimo, como, por exemplo, o critério etário – limite
mínimo de idade para votar como uma restrição legítima.389 390
Sobre os argumentos levantados pelo governo do Reino Unido, para a
existência da regra de proibição automática ao direito de voto dos presos –
quais sejam: prevenir o crime, sancionar a conduta dos prisioneiros, aumentar
a responsabilidade cívica, impor uma pena adicional e incentivar a conduta
cidadã – o Tribunal Europeu além de considerá-los arbitrários, pontuou que o
governo não demonstrou de que modo tal proibição do direito de voto era
necessária e adequada para a efetivação de tais objetivos, portanto, estaria
fora da margem de apreciação possível391.392

386
Idem.
387
Idem.
388
NASPOLINI, Samira H Dal Farra; SILVEIRA, Valdimir Oliveira. Op. Cit., p. 80-92.
389
Idem.
390
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Hirst X Reino Unido (Aplication nº
74025). Julgamento em 06 de outubro de 2005. Disponível em:
https://hudoc.echr.coe.int/eng#{"appno":["74025/01"],"itemid":["001-70442"]} Acesso em: 25
set. 2019.
391
NASPOLINI, Samira H Dal Farra; SILVEIRA, Valdimir Oliveira. Op. Cit., p. 80-92.

120
Em novembro de 2010, o Tribunal Europeu julgou caso semelhante
(Greens e MT X Reino Unido). Dois indivíduos presos no Reino Unido, a quem
foi negado o direito de voto, e que levaram a matéria à Corte Europeia, onde
ficou constatada a falta de alteração do ordenamento jurídico daquela nação
quanto à restrição de direitos políticos de presos, mesmo após o julgamento
emblemático do caso Hirst.393
Deste modo, sob os mesmos argumentos do caso anterior, considerou
que a legislação britânica fere o art. 3º do Protocolo 1 da Convenção
Americana de Direitos Humanos. Daí ter sido o Reino Unido obrigado a
apresentar propostas legislativas que demonstrassem a adequação da
legislação eleitoral daquele país ao que foi construído na decisão do Caso
Hirst.394 395 396
Já no caso Frodl X Austria, em abril de 2010, observou-se uma
diferença com relação ao caso Hisrt, haja vista que, na legislação da Áustria
havia previsão de que, para existir a proibição de voto, o prisioneiro teria que
ter pena maior do que um ano em crime doloso.397
No caso da Áustria, embora não sendo uma proibição tão genérica
como a existente no Reino Unido, a Corte Europeia considerou não haver na
legislação austríaca atacada, qualquer relação entre o delito cometido com a
proibição de participação nas eleições, o que era necessário para justificar a
restrição, conforme o que já tinha ficado decidido no caso Hirst398. Ou seja, a

392
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Hirst X Reino Unido (Aplication nº
74025). Julgamento em 06 de outubro de 2005. Disponível em:
https://hudoc.echr.coe.int/eng#{"appno":["74025/01"],"itemid":["001-70442"]} Acesso em 25 set.
2019.
393
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Greens and M.T. X Reino Unido
(Aplications nºs 60041/2008 e 60054/2008). Julgamento em 11 de abril de 2011. Disponível
em: http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-101853 Acesso em: 25 set. 2019.
394
Idem.
395
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Hirst X Reino Unido (Aplication nº
74025). Julgamento em 06 de outubro de 2005. Disponível em:
https://hudoc.echr.coe.int/eng#{"appno":["74025/01"],"itemid":["001-70442"]} Acesso em
25/09/2019.
396
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Frodl X Austria (Aplication nº
20201/2004). Julgamento em 04 de outubro de 2010. Disponível em:
http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-98132 Acesso em: 25 set. 2019.
397
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Firth e outros X Reino Unido
(Aplications nºs 47784/2009, 47806/2009, 47812/2009, 47818/2009, 47829/2009,
49001/2009, 49007/2009, 49033/2009 e 49036/2009). Julgamento final em 15 de dezembro de
2014. Disponível em: http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-146101. Acesso em: 25 set. 2019.
398
NASPOLINI, Samira H Dal Farra & SILVEIRA, Valdimir Oliveira. Op. Cit., p. 80-92.

121
legislação austríaca, quanto à restrição da capacidade de sufrágio ativo,
carecia de um juízo de proporcionalidade efetivo.
De outra banda, vale citar caso não semelhante oriundo da Itália
(Scoppola X Itália) em maio de 2012. Neste, a Corte Europeia considerou não
ter ocorrido a violação do artigo 3º do Protocolo n.º 1, em razão de que, na
legislação italiana, apenas condenados por determinadas infrações contra o
Estado ou Sistema Judicial, ou então, a pelo menos três anos de prisão, é que
perdem o direito a votar.399
Diante de tal regra, a Corte entendeu não estar estabelecida, naquela
nação, uma proibição geral (“blanket ban”), e, tampouco, injustificada, pelo que
decidiu que a restrição ao direito de votar não pode ser simplesmente aplicada
de maneira geral, devendo ser situação possível de ser encaixada na margem
de apreciação.400 Vislumbra-se, portanto, um posicionamento linear da Corte, já
que, também no presente caso analisou a existência de proporcionalidade
entre o ato praticado e a norma restritiva, e, uma vez constatada a existência
de tais critérios em dispositivos legais do ordenamento jurídico italiano, acaba
por decidir na mesma linha de raciocínio do caso Hirst.
A Corte Europeia ainda julgou os seguintes casos acerca da proibição
do direito de voto aos condenados: Soyler X Turquia (setembro de 2013)401;
Anchugov e Gladkov X Rússia (julho de 2013)402 403
; Murat Vural X Turquia
(outubro de 2014)404 e Kulinski e Sabev X Bulgária (julho de 2016)405.

399
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Scopola X Itália (Aplication nº 126/05).
Julgamento em 22 de maio de 2012. Disponível em:
https://hudoc.echr.coe.int/eng#{"appno":["126/05"],"itemid":["001-111044"]} Acesso em: 25 set.
2019.
400
Idem,
401
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Soyler X Turquia (Aplication nº
29411/2007). Julgamento em 20 de janeiro de 2014. Disponível em:
http://hudoc.echr.coe.int/eng-press?i=001-126350. Acesso em: 24 set. 2019.
402
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Anguchov and Gladkov X Russia
(Aplication nº 11157/2004 e 15162/2005). Julgamento em 04 de julho de 2013. Disponível em:
https://hudoc.echr.coe.int/eng#{"fulltext":["ANCHUGOV"],"itemid":["002-7644"]} Acesso em: 24
set. 2019.
403
Idem.
404
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Murat Vural X Turquia (Aplication nº
9540/2007). Julgamento em 21 de outubro de 2014. Disponível em:
http://hudoc.echr.coe.int/eng-press?i=003-4910740-6007139 Acesso em: 25 set. 2019.
405
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Kulinski e Sabev X Bulgária (Aplication
nº 63849/2009). Julgamento em 21 de outubro de 2016. Disponível em:
http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-164959 Acesso em: 25 set. 2019.

122
Em todos estes, considerou que as respectivas legislações internas
dos Estados-membros, quando da regulamentação da proibição do direito de
voto a fizeram de forma generalizada, não demonstrando identidade entre a
conduta praticada pelo agente e a restrição ao direito de voto, de modo que,
desta forma afrontam também o artigo 3º do protocolo número 1 da Convenção
Europeia de Direitos Humanos.
Dentre as situações submetidas à apreciação do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos quanto á restrição de direitos políticos do condenado
criminal, vale destacar o Caso Anchugov e Gladkov X Rússia (julho de 2013),
tendo em vista que a CEDH, mesmo diante de uma restrição aos direitos
políticos imposta por norma constitucional, considerou em sua decisão que tal
norma deveria ser revista na medida em que não estava de acordo com a
proporcionalidade, já que impõe uma restrição indiscriminada dos direitos
políticos dos condenados criminalmente.406 407
Vale ressaltar que, em razão da natureza constitucional da norma
russa posta em cheque pela Corte, constou da decisão da CEDH que estaria
aberto ao governo russo a possibilidade de explorar todas as formas possíveis
de garantir o cumprimento da Convenção, inclusive por uma forma de processo

406
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Anguchov and Gladkov X Russia
(Aplication nº 11157/2004 e 15162/2005). Julgamento em 04 de julho de 2013. Disponível em:
https://hudoc.echr.coe.int/eng#{"fulltext":["ANCHUGOV"],"itemid":["002-7644"]} Acesso em: 25
set. 2019.
407
Idem. Quanto ao direito de votar nas eleições parlamentares, o Tribunal constatou que
Artigo 32.º, n.º 3, da Constituição, ao abrigo do qual A. Anchugov e Gladkov tinham sido
privados do seu direito de voto, aplicados automaticamente e indiscriminadamente a todos
prisioneiros, independentemente da duração da sentença e independentemente da natureza ou
gravidade de sua ofensa ou de suas circunstâncias individuais. Embora o Tribunal estivesse
disposto a aceitar que a restrição de direitos dos condenados prosseguiram os objetivos: de
reforçar a responsabilidade cívica e o respeito pelo Estado de direito, bem como assegurar o
bom funcionamento da sociedade civil e do regime democrático, não poderia aceitar o
argumento do Governo sobre a proporcionalidade das restrições imposta tanto a Anchugov
como a Gladkov. Além disso, o Tribunal rejeitou o argumento do Governo de que este caso era
essencialmente diferentemente dos casos contra outros países nos quais o Tribunal havia
abordado a questão da privação de direitos, uma vez que a restrição dos direitos de voto dos
condenados estava prevista na Constituição - a lei básica da Rússia adotada após uma
votação nacional - em vez de um ato de parlamento. A CEDH sublinhou que todos os atos de
um Estado-membro estão sujeitos a exame sob a Convenção, independentemente do tipo de
medida em questão. Além disso, nenhum material relevante foi fornecido à Corte, mostrando
que uma tentativa tinha sido feita para ponderar o interesse concorrente ou para avaliar a
proporcionalidade de uma proibição geral dos direitos de voto dos presos condenados. O
Tribunal concluiu, portanto, que, apesar da margem de manobra, eles tiveram que decidir sobre
tais assuntos, tendo em vista que as autoridades russas haviam ido longe demais ao aplicar
uma restrição automática e indiscriminada acerca de direitos políticos dos prisioneiros
condenados.

123
político, ou ainda, interpretando a Constituição Russa em harmonia com a
Convenção.408
A partir da análise dos casos acima, nota-se que a Corte Europeia vem
julgando de uma maneira lúcida, linear e não contraditória, aplicando aos
demais casos concretos a ela submetidos, o mesmo entendimento no
julgamento proferido no caso Hirst, inclusive, diferenciando o que é, e o que
não é uma proibição geral (“blanket ban”), tornando este “leading case” um
marco na ampliação da abrangência dos direitos políticos, fundamentado na
necessidade de atendimento à proporcionalidade para fins de restrição de
direitos fundamentais, inclusive os direitos políticos, pelo menos no que se
refere às nações Europeias.
Ainda sobre o debate acerca de possibilidade de restrições de direitos
políticos fundamentais nas Cortes de outros países, podemos citar o caso
“August and Another X Electoral Commission and Others” em que a Corte
Constitucional da África do Sul declarou inválida a ação da Comissão Eleitoral
daquele país que excluía todos os presos do processo eleitoral. Vale dizer que
a questão debatida na África do Sul não envolve regra constitucional, de modo
que o fundamento utilizado pela Corte foi pela incompetência da Comissão
eleitoral em estabelecer restrição ao direito de voto dos condenados
criminalmente naquele país.409
Ocorre que, o Parlamento Sul Africano passou a restringir a
capacidade eleitoral ativa dos nacionais a partir de uma emenda ao “Electoral
Act” em 2003. Porém, em 2004, tal disposição foi questionada na Corte Sul-
africana (Home Affairs X National Institute for Crime Prevention), e, por
conseguinte, declarada inválida e inconstitucional. 410 411
Vale dizer que eram três os argumentos do governo sul africano a
sustentar a referida regra: necessidade de limitar a categoria de presos para os

408
Idem.
409
CONSTITUCIONAL COURT OF SOUTH AFRICA. August and Another X Electoral
Comission. Julgamento em 01 de abril de 1999. Disponível em:
https://collections.concourt.org.za/handle/20.500.12144/2071 . Acesso em: 26 set. 2019.
410
CONSTITUCIONAL COURT OF SOUTH AFRICA. Minister of Home Affairs X National
Institute for crime Prevention. Julgamento em 03 de março de 2004. Disponível em:
https://collections.concourt.org.za/handle/20.500.12144/2233 . Acesso em: 26 set. 2019.
411
AFRICA CRIMINAL JUSTICE REFORM FACTSHEET. The right of prisioners to vote in
Africa. Disponível em: https://acjr.org.za/resource-centre/fact-sheet-17-prisoners-vote.pdf.
Acesso em: 26 set. 2019.

124
quais deveriam ser tomadas medidas especiais, questões logísticas para
viabilizar a participação nas eleições pelos presos, e ainda, que o governo,
frente a alta taxa de criminalidade no país, tinha que reprovar inequivocamente
o cometimento de crimes, sob pena de ser considerado um governo permissivo
de condutas criminosas.412
A maioria dos membros da Corte da África do Sul entendeu pela
invalidade e inconstitucionalidade da regra atacada, asseverando que o
governo não poderia se valer de questões de estrutura e logísticas da
administração pública, tais quais as alegadas, para restringir direitos políticos
fundamentais, tampouco poderia justificar uma regra restritiva do direito de
sufrágio para fins de melhoria da imagem do governo.413 414
Mais uma vez, observa-se a exigência por parte de uma Corte
Constitucional de um juízo de proporcionalidade para fins de restrição de
direitos políticos fundamentais, de modo que, uma vez constatada a
desproporcionalidade das justificativas para fins de restrição, é a regra restritiva
considerada inválida ou inconstitucional, e, portanto, afastada do ordenamento
jurídico.
Ainda sobre a proibição do direito de voto no plano internacional, na
América do Norte, vale apontar o caso Sauvé X Canadá, o qual já foi
referenciado no capítulo anterior desta investigação, mas que ainda merece
uma larga exposição. 415
No Canadá, a lei de eleições de 1985, em seu artigo 51, negava o
direito de voto aos condenados por um período de prisão de dois anos ou mais,
sustentada em ideias de preservação de promoção da responsabilidade
cívica.416
O Supremo Tribunal Federal do Canadá considerou que tal
entendimento não era suficiente para que se proibisse os condenados de votar,

412
Idem.
413
Idem.
414
Idem.
415
CANADA. Supreme Court of Canada. Sauvé v. Canada (Attorney General), [1993] 2 S.C.R.
p. 438. Disponível em: http://www.canlii.org/en/ca/scc/doc/1993/1993canlii92/1993canlii92.pdf .
Acesso em: 9 set. 2019. No mesmo sentido SANGUINÉ, Odone. Preso provisório deve
participar de eleições. Consultor Jurídico em 27 de julho de 2012. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2012-jul-27/odone-sanguine-preso-provisorio-direito-participar-
eleicoes. Acesso em: 07 set. 2019.
416
Idem.

125
dada a inexistência de uma ligação legítima entre os objetivos da medida e a
restrição ao direito de voto, enfatizando, inclusive, que a legitimidade da lei tem
origem no direito de todos a votar, concluindo que tal proibição ia em sentido
inverso aos princípios democráticos (igualdade, inclusão, participação).417
Na decisão do Supremo Tribunal do Canadá foi registrado que apontar
o infrator como indigno desrespeita a dignidade da pessoa humana, bem como
que a medida de proibição do direito de voto não estava ligada à culpa ou dano
causado por ele quando do cometimento do crime.418
Para aquela Suprema Corte Canadense tal proibição não satisfazia o
retributivismo, tampouco, atendia os objetivos da punição, já que a restrição ao
direito de voto não demonstrava qualquer relação com a reabilitação do
condenado, e nem com a dissuasão de que ele não voltasse a delinquir. 419
Em ampla pesquisa no site da referida Corte Interamericana, constata-
se que não há discussão sobre as restrições impostas pelos estados-membros
a seus nacionais quanto à capacidade eleitoral ativa. Ou seja, até a conclusão
da presente investigação, não foi submetido àquela Corte qualquer questão
com a finalidade de discutir a restrição do direito ao sufrágio em sua
modalidade ativa (direito de voto) do condenado criminalmente.
Mas o mesmo não ocorre quanto à restrição da capacidade eleitoral
passiva em decorrência de condenação criminal, senão vejamos a discussão
no caso López Mendoza X Venezuela com sentença de 01 de setembro de
2011.420
No referido caso paradigma submetido à Corte Interamericana de
Direitos Humanos o objeto principal da demanda consiste no fato de que a
restrição de direitos políticos imposta ao condenado criminal López Mendonza
foi aplicada através de um processo administrativo e não judicial, além de que,
não teria sido razoável e nem proporcional a medida restritiva, constando de

417
EASTON, Susan. Op. Cit., p. 80-92.
418
CANADA. Supreme Court of Canada. Sauvé v. Canada (Attorney General), [1993] 2
S.C.R. p. 438. Disponível em:
http://www.canlii.org/en/ca/scc/doc/1993/1993canlii92/1993canlii92.pdf Acesso em 9 set. 2019.
419
Idem.
420
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso López Mendoza vs.
Venezuela. Disponível em: http://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_233_esp.pdf.
Acesso em: 9 set. 2019.

126
forma enfática na decisão da CIDH a necessidade de proporcionalidade entre o
ato ilegal e a medida restritiva imposta.421
Por fim, a CIDH entendeu por bem que o objeto e a finalidade do Pacto
de São José da Costa Rica é o devido respeito aos direitos humanos pelos
Estados-Partes que a ele se submetem, pelo que a restrição de direitos
fundamentais, e dentre estes incluído o direito de sufrágio, deve se dar na
menor medida possível. Aponta, inclusive, apontando que está o intérprete
obrigado a considerar os regulamentos a favor do mais amplo respeito aos
direitos humanos em obediência ao princípio “pro homine” previsto no artigo 29
da Convenção Americana de Direitos Humanos.422 423
Devido a abertura das normas de direitos fundamentais, como é o caso
das normas atinentes aos direitos políticos, a simples cognição do direito
legislado, por vezes, não oferece muita coisa, pelo que o jurista não pode
renunciar à cognição e ao manuseio da jurisprudência, tal qual acima
demonstrado.424

3.2.2. PANORAMA JURÍDICO-POLÍTICO BRASILEIRO ACERCA DA


SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DO CONDENADO CRIMINAL

No Brasil, assim como em outros países – como é o caso dos EUA – a


condenação criminal com trânsito em julgado tem como consequência
imediata, por força de regra constitucional (art. 15, III, da CRFB), a suspensão

421
Idem. Vide trecho da decisão no item 136: “Respecto a la alegada falta de correspondência
entre la sancion principal y las sanciones interdictivas, el Estado indicó que em la imposición de
la sanción”entendida como um todo, es que debe exteriorizarse o motivarse la relación que
existe entre el hecho antijurídico y la sanción interdictiva a imponer.”
422
Idem.
423
Artigo 29. Normas de interpretação. Nenhuma disposição desta Convenção pode ser
interpretada no sentido de: a. permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o
gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior
medida do que a nela prevista; b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que
possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo
com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados; c. excluir outros direitos e
garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa
de governo; e d. excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza. COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em:
https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm Acesso em : 23 set.
2019.
424
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

127
dos direitos políticos, ou seja, uma vez condenado em processo que não caiba
mais recurso, o indivíduo perde o direito de votar e de elegibilidade, enquanto
durarem os efeitos da condenação.
Como já restou demonstrado no segundo capítulo da presente
investigação, o próprio texto constitucional brasileiro ao tratar do assunto traz
expressamente a vedação da cassação aos direitos políticos – até pela
fundamentalidade de que se revestem tais direitos. Porém, enumera, no
mesmo dispositivo (art. 15 da CRFB), situações excepcionais em que poderá
haver a perda ou a suspensão destes direitos, dentre elas – e destacada no
presente estudo - a condenação criminal transitada em julgado, enquanto
durarem seus efeitos (art. 15, III, da CRFB/88).425 426 427
Numa análise superficial, a regra constitucional supra tem aparente
conformidade com o disposto no artigo 23 da Convenção Americana de
Direitos Humanos, já estudado alhures. Como vimos, tal pacto – do qual o
Brasil é signatário428 – aponta a condenação criminal transitada em julgado
como possibilidade de fundamentar restrição aos direitos políticos.

425
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos
casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art.
5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
426
Embora a Constituição não faça distinção entre perda e suspensão dos direitos políticos,
englobando as duas situações num mesmo artigo, existe diferença entre os dois institutos de
privação dos direitos políticos. Perda configura a privação definitiva dos direitos políticos e se
dá pelo cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado e pela recusa de
cumprir obrigação a todos imposta. De outro vértice, suspensão é a privação temporária dos
direitos políticos, em decorrência da incapacidade civil absoluta; da condenação criminal
transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; e da improbidade administrativa. SILVA,
Claudio Alves da. Aspectos da restrição constitucional ao voto do conscrito. Disponível
em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/ o-do-conscrito.. Acesso em: 04 de ago. de 2019.
427
PINTO FERREIRA. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
Vale esclarecer que perda e suspensão, além de terem significados semânticos distintos, no
âmbito jurídico, geram efeitos também diversos. No caso de perda, perde-se também a
nacionalidade, enquanto que, quando o caso é de suspensão não há esse efeito, ocorre, na
verdade, a perda da cidadania ativa. Ou seja, o indivíduo não perde a condição de cidadão, de
“homem da cidade” como sujeito de direitos e obrigações, a ele só é aplicada a impossibilidade
do exercício dos direitos políticos até que, por quaisquer dos motivos dispostos no Código
Penal Brasileiro, nos termos dos arts. 107 e 109 do Código Penal brasileiro vigente e Lei de
Execução Penal Brasileira (art. 109, da Lei nº 7210/1984), cessem os efeitos da sentença
penal condenatória.
428
Através do Decreto número 678 de 06 de novembro de 1992, foi promulgada no Brasil a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de
novembro de 1969. BRASIL. Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992. Brasília:

128
Como também já analisado no capítulo anterior ao tratarmos,
especificamente, da regra restritiva de direitos políticos fundamentais contida
no art. 15, III, da Constituição Federal de 1988, esta disposição constou de
todas as Constituições já editadas pela República Federativa do Brasil.
Ocorre que, em pesquisa aos arquivos da Assembleia Nacional
Constituinte brasileira de 1987, que deu origem à Constituição Federal de
1988, observou-se a existência de discussão acerca do tema da suspensão
dos direitos políticos das pessoas condenadas criminalmente, restando
reproduzido na Constituição Federal de 1988 texto semelhante ao constante
em Constituições brasileiras anteriores.429 430
Vale mencionar que, quando das tratativas da Assembleia Nacional
Constituinte, houve uma proposta de emenda ao texto que seria a Constituição
de 1988 em favor da garantia do direito de voto (capacidade eleitoral ativa) aos
condenados criminalmente cuja justificativa se assentava no fato de que o art.
38 do Código Penal brasileiro vigente prevê que o preso conserva todos os
seus direitos não atingidos pela perda da liberdade, de modo que devem as
autoridades respeito à sua integridade física e moral.431
Embora tal emenda tenha recebido parecer favorável, a suspensão dos
direitos políticos voltou ao anteprojeto da CF de 1988 sob o argumento
proferido pelo Relator Bernardo Cabral quanto a dificuldades logísticas de
condução dos presos às urnas, bem como, quanto a identificação de quais
presos poderiam ou não exercer a capacidade eleitoral ativa.432
Ou seja, em uma discussão sem qualquer profundidade, principalmente
no que se refere a critérios jurídicos, o Poder Constituinte originário, frente às
possíveis dificuldades estruturais fez a opção pela manutenção da regra tal e
qual já disposta em Constituições brasileiras anteriores, cujo texto, se

Congresso Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm.


Acesso em: 11 de setembro de 2019.
429
BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Anteprojeto de Constituição. Brasília: Centro
Gráfico Do Senado Federal, volume 75, 1987. P. 194-196. Disponível em:
www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-75.pdf. Acesso em:
25 set. 2019.
430
BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Anteprojeto de Constituição. Brasília: Centro
Gráfico Do Senado Federal, volume 76, 1987. Disponível em:
www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-76.pdf. Acesso em:
25 set. 2019.
431
Idem.
432
MIRANDA, João Vitor Silva. Op. Cit., p. 134. A Emenda foi rejeitada pela Comissão por 60
votos contrários, 19 votos a favor e 1 abstenção.

129
interpretado literalmente, aponta para uma restrição de direito político
fundamental de forma genérica e indiscriminada.
A partir da análise das tratativas da Assembleia Nacional Constituinte
brasileira de 1987, destaca-se que a motivação do Poder Constituinte brasileiro
para restringir a capacidade eleitoral ativa não está ligada a necessidade de
que o corpo eleitoral tenha que obedecer um determinado padrão ético e
moral, mas, pura e simplesmente a questões de ordem prática para o deslinde
das eleições.
Mesmo com a vedação da emenda supramencionada ainda na fase
pré-constituinte, já na vigência da Constituição Federal de 1988, houve
algumas tentativas de alteração do dispositivo constitucional em estudo (art.
15, III, da CFRFB), quais sejam:
1) Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 486 de 1997 que
excluiria o inciso III do artigo 15, sob a justificativa de efetivação dos princípios
democráticos de participação política dos indivíduos nos negócios públicos da
nação, e, ao mesmo tempo, incluía um parágrafo quarto ao art. 14, de modo
que a condenação criminal com trânsito em julgado passaria a ser motivo de
inelegibilidade (suspenderia apenas a capacidade eleitoral passiva), mas a
mesma foi arquivada;433
2) Com o mesmo conteúdo da PEC 486 de 1997, foi feita nova
proposta de emenda que assumiu o número 022 de 2002, a qual além de ser
embasada na ampliação do alcance da cidadania ativa, considerava a referida

433
BRASIL. Câmara Dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº: 486/1997.
Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/169673. Acesso em : 19 set.
2019. A PEC 486 de 1997 tinha como Ementa “Altera dispositivos da Constituição Federal,
dispondo sobre os direitos políticos dos cidadãos condenados por crimes”. O texto da proposta
está disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD09AGO1997.pdf#page=10
Acesso em: 19.09.2019. Vale citar um trecho da proposta: “Um regime que se baseia na
participação política generalizada é particularmente penoso para os que são excluídos da
participação. Isto porque a própria multiplicação de demandas por parte dos que se podem
fazer ouvir desvia a atenção do sistema político para as demandas políticamente vocalizadas e
toma menos relevantes, por excluídas dos processos político-eleitorais, as demais vozes. No
caso dos presos, portanto, é razoável supor que, enquanto eles não se puderem fazer ouvir no
cenário político, suas necessidades ficarão em segundo plano. Na história constitucional
brasileira, normas e justificações de duas ordens foram usadas para a exclusão dos
presidiários do exercício dos direitos políticos. Uma vertente justificou a exclusão com
considerações de ordem prática. Seu argumento fundamental é o de que o Estado não tem
condições de garantir a correção de processos eleitorais que transcorram em penitenciárias ou
que exijam o transporte em larga escala de presidiários para os locais de votação. O tipo de
norma constitucional em que se concretiza esta corrente de pensamento caracteriza-se por
explicitar o tipo de pena que criaria dificuldades para o processo eleitoral. O art. 8° da
Constituição Política do Império do Brasil, de 1824. exemplifica norma deste tipo

130
restrição em uma penalidade adicional aos condenados, e também foi
arquivada;434
3) Já a PEC número 65 de 2003, além do exposto nas duas anteriores,
possibilitaria o voto facultativo dos presos, mantendo a sua inelegibilidade –
sobre esta proposta de emenda, que também foi arquivada, vale dizer que o
Relator na defesa da mesma, apontou a existência de uma proibição geral, já
que atinge a todos os condenados da mesma forma, independente do delito e
de sua gravidade bem como da natureza da pena, e ainda apontava dúvidas
no sentido desta generalidade estar de acordo com a aplicação justa de uma
“penalidade”.435 436 437
4) A PEC número 453 de 2018 propõe a inclusão de um parágrafo
único no artigo 15, no qual constará a manutenção dos direitos políticos
àquelas pessoas condenadas criminalmente e que tiveram suas penas
substituídas por restritivas de direitos.438 439

434
BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº: 22/2002. Disponível
em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/50274 .Acesso em: 19 set.
2019. Ementa da PEC 22 de 2002: Altera os artigos 14 e 15 da Constituição Federal, para
permitir o voto dos presos. Foi arquivada em 13.03.2003. Vale citar trecho do parecer da CCJ:
“No plano material, igualmente, verifica-se que se trata de proposta visando à alteração do
Texto Constitucional quanto a direitos in dividuais. Entretanto, o faz no sentido de sua
ampliação, não para limitá-los. Desse modo, não há que falar em ofensa às chamadas
cláusulas pétreas, os limites materiais à reforma da Constituição. Quanto ao mérito, a proposta
nos parece oportuna e conveniente. Com efeito, a pena a ser assinalada a um autor de ilícito
penal deve bastar-se em si mesma. Não faz sentido infligir sempre ao cidadão, a pena
acessória, a suspensão de direitos políticos. Apenas quando o Juiz ou o Tribunal
assinalar, expressamente, como pena acessória, a suspensão ou perda dos direitos
políticos, deve o cidadão ser impedido de votar. A regra, a nosso juízo, deve ser a
limitação da pena ao que decidiu o Juiz ou o Tribunal, quando esta for pena de prisão ou
de prisão e multa. Hoje, tem-se como pena acessória o impedimento do exercício do direito do
voto.” (grifo nosso). O texto do parecer disponível em:
https://legis.senado.leg.br/diarios/BuscaDiario?codDiario=1411&paginaDireta=10681#diario
Acesso em 19 set. 2019. Da leitura de tal trecho tem-se que, uma vez aprovada esta emenda,
restaria afastada a proibição geral para suspender a capacidade eleitoral ativa de um cidadão
condenado criminalmente, e o juízo de proporcionalidade para fins de restrição dos direitos
políticos ficaria nas mãos do Poder Judiciário.
435
MAIA, Franklin Alves Maia. Op. Cit., p. 62-63.
436
BRASIL. Senado Federal. Disponível em:
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/60853. Acesso em 19 set. 2019.
A proposta número 65 tendo tido aprovação da Câmara de Constituição, Justiça e Cidadania
do Congresso Nacional, a mesma não foi em frente, prevalecendo o texto originário da
Constituição sem qualquer alteração, por conseguinte, mantendo a restrição ao direito de voto
ao condenado criminalmente. Esta PEC foi arquivada em definitivo em 10 jan. 2011.
437
A tal proibição geral levantada pelo relator na proposta de Emenda Constitucional estar em
desconformidade com a aplicação justa de uma penalidade/restrição de direito fundamental se
coaduna com os argumentos manejados pela jurisprudência da Corte Européia de Direitos
Humanos desde o julgamento do caso Hirst X Reino Unido, conforme exposto em item acima.
438
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume I. Parte Geral. 23ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2017, p. 676-686. O Código Penal brasileiro possibilita que o juiz promova

131
O relatório para a propositura da emenda constitucional supra é
enfático no sentido de que os efeitos extrapenais da sentença não podem ser
mais severos que a pena aplicada ao delito, de modo que, uma vez condenado
criminalmente em pena restritiva de direito, o indivíduo sequer estaria preso,
pelo que não haveria empecilho ao exercício do direito político. 440
Conclui a parlamentar relatora da proposta, que o motivo a tornar
inviável o exercício dos direitos políticos seria o recolhimento em casa penal,
pelo que não subsistiria razão para a suspensão dos direitos políticos de quem,
apesar de condenado, não estivesse inicialmente sujeito a uma pena privativa
de liberdade.441 Em parecer proferido pelo Conselho Nacional de Política

a substituição da pena privativa de liberdade inicialmente aplicada por penas restritivas de


direito, devendo observar para fins desta substituição a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e conseqüências do
crime, bem como ao comportamento da vítima, de modo que estabeleça conforme seja
necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Para tanto, precisam ser
observados alguns requisitos, quais sejam: 1) pena aplicada inicialmente não pode ser superior
a quatro anos independente da natureza do crime. E, sendo crime culposo, não há limite de
quantidade de pena para fins de substituição, 2) O delito não pode ter sido cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa, independente de serem condutas dolosas ou culposas, 3)
O réu não pode ser reincidente em crime doloso, 4) Prognose de suficiência da substituição a
ser feita pelo magistrado na sentença condenatória, para avaliar a culpabilidade, os
antecedentes, conduta social, personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstancias do fato. Tais requisitos estão previstos no art. 44 do Código Penal Brasileiro, in
verbis: Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de
liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o
crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena
aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como
os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
439
BRASIL. Câmara Dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº: 486/1997.
Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/169673. Acesso em 19 set.
2019. Até a conclusão da presente investigação a PEC está, com parecer aprovado, na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal do Brasil.
440
BRASIL. Câmara Dos Deputados. O texto completo da PEC nº 453 de 2018 está disponível
em:https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1764011&filena
me=Parecer-CCJC-12-06-2019 . Acesso em 19.09.2019. Vale citar trecho do voto da relatora
da PEC: “Sobre as limitações materiais, não se vislumbra na proposta de emenda à
Constituição em análise nenhuma tendência para abolição da forma federativa do Estado, do
voto direto, secreto, universal e periódico, da separação dos Poderes ou dos direitos e
garantias individuais, tendo sido respeitado o núcleo expresso no § 4º do art. 60 do Texto
Constitucional. A alteração apresentada não se afigura incompatível com os demais princípios
e normas fundamentais que alicerçam a Constituição vigente. Em verdade, a proposição
amplia a possibilidade de exercício dos direitos políticos, em consonância com o
espírito de proteção dos direitos e garantias fundamentais que orientou o constituinte de
1988, por garantir que condenados por sentença penal transitada em julgado sujeitos a
penas restritivas de direitos mantenham o exercício de seu direito cívico de participação
no processo político do País.” (grifo nosso).
441
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. O texto completo da PEC nº 453 de 2018 está
disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1764011&filename=
Parecer-CCJC-12-06-2019 . Acesso em: 19 set. 2019. Vale citar trecho do voto da relatora da

132
Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça (CNPCP-MJ) do Brasil, ficou
muito evidente que a situação dos presos (condenados e provisórios) no Brasil
é periclitante, de modo que há diversas carências nas penitenciárias que
precisam ser revistas pelo Estado, e que, sendo negado ao preso o direito de
voto, a eles é negado, de forma automática, o direito de participação nas
políticas públicas e de representação, prejudicando, por conseguinte, o
atendimento de quaisquer dos anseios dessa população carcerária.442 O
referido Conselho, através do dito parecer, estava também a promover apoio à
PEC número 65, reforçando na sua argumentação jurídica as questões
apresentadas pelo relator da proposta de emenda constitucional – como a não
observância do princípio da individualização da pena, e a aplicação da
restrição a qualquer condenado, independentemente da natureza da pena, da
gravidade do delito e sua ligação com impossibilidade de exercer os direitos
políticos.
A posição do CNPCP-MJ com relação à matéria restou clara no
parecer, que veio também com a finalidade de promover apoio na luta em favor
do estabelecimento desse direito de voto aos presos condenados. 443 Porém,
com o arquivamento da proposta de emenda, o referido parecer não logrou
êxito.
Não se pode perder ainda de vista que as penas podem ser privativas
de liberdade e restritivas de direitos, sendo que ambas são decorrentes de uma
sentença criminal, a qual, após o trânsito em julgado, independente da
natureza da pena, tem gerado a suspensão dos direitos políticos ao
condenado.

PEC: “Sobre as limitações materiais, não se vislumbra na proposta de emenda à Constituição


em análise nenhuma tendência para abolição da forma federativa do Estado, do voto direto,
secreto, universal e periódico, da separação dos Poderes ou dos direitos e garantias
individuais, tendo sido respeitado o núcleo expresso no § 4º do art. 60 do Texto Constitucional.
A alteração apresentada não se afigura incompatível com os demais princípios e normas
fundamentais que alicerçam a Constituição vigente. Em verdade, a proposição amplia a
possibilidade de exercício dos direitos políticos, em consonância com o espírito de
proteção dos direitos e garantias fundamentais que orientou o constituinte de 1988, por
garantir que condenados por sentença penal transitada em julgado sujeitos a penas
restritivas de direitos mantenham o exercício de seu direito cívico de participação no
processo político do País.” (grifo nosso)
442
Parecer sobre voto do Preso – Processo número 08001.00226972001-11. Consultor
Jurídico. Disponivel em: http://www.conjur.com.br/dl.pdf.. Acesso em: 6 set. 2017.
443
Idem.

133
Causa estranheza o fato de um indivíduo, ainda que condenado
criminalmente, mas que esteja cumprindo regularmente a sua pena restritiva de
direito e se valendo da regularidade de sua rotina (ambiente de trabalho,
residência, família, frequência a lugares públicos, utilização de serviços
públicos, pagamento de tributos entre outros), fique também privado de exercer
seu direito de voto, como ocorre atualmente no Brasil.
Diante de tal cenário, resta clara a nocividade da proibição geral do
direito de voto, já que, porque um cidadão que está em gozo de todos os seus
direitos, inclusive a liberdade, fica proibido de exercer o direito de voto em
razão de cometimento de qualquer crime, inclusive um de menor potencial
ofensivo?
Tal questão, atualmente é objeto da Proposta de Emenda à
Constituição do Brasil nº 453 de 2018 em trâmite no Congresso Nacional
Brasileiro – conforme exposição supra, mas, paralelamente, ainda vem sendo
levada à discussão nos Tribunais brasileiros.
Em termos jurídicos, no Brasil, como já afirmado alhures, a restrição
dos direitos políticos em razão de condenação criminal definitiva tem, em
primeira análise, amparo no artigo 23 do Pacto de São José da Costa Rica,
bastante explorado em item acima.
Ocorre que, em que pese na literalidade de tal dispositivo específico
do Pacto haja permissão para que se restrinja o direito ao sufrágio dos
condenados criminalmente, isto não significa necessariamente que a
Convenção Americana esteja dispensando o estado-membro de se valer do
juízo de proporcionalidade e de razoabilidade para aplicação da restrição de
direito político fundamental.
A afirmação acima, é ainda ratificada quando da análise do artigo 23 do
Pacto de São José da Costa Rica em cotejo com o art. 25 do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos444, do qual o Brasil também é

444
Artigo 25 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – “Todo cidadão terá o direito
e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem
restrições infundadas: a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou
por meio de representantes livremente escolhidos; b) de votar e de ser eleito em eleições
periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que
garantam a manifestação da vontade dos eleitores; c) de ter acesso, em condições gerais de
igualdade, às funções públicas de seu país. (grifo nosso) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 10 out. 2019.

134
signatário445, tendo em vista que este último, com relação aos direitos de
cidadania é bem claro no sentido de que não podem ser estes restringidos de
maneira infundada, ou seja, impõe a proporcionalidade para fins de restrição.
Logo, mesmo afirmando que qualquer legislação interna, inclusive
constitucional, de estado nacional que tenha aderido a tal convenção encontre
guarida para efetuar tal restrição frente ao disposto no artigo 23, a partir de
uma análise do sistema jurídico adotado pelo Brasil através de tratados
internacionais acerca de direitos fundamentais, qualquer restrição a tais direitos
não deve ser aplicada sem um juízo de proporcionalidade.
A partir de tais colocações quanto à possibilidade de existirem
argumentos jurídicos capazes de causar questionamentos acerca da aplicação
do dispositivo constitucional em análise – art. 15, III, da CRFB de 1988 – a
matéria entrou em discussão nos Tribunais brasileiros.
A partir da vigência da Constituição do Brasil de 1988, o dispositivo em
referência (art. 15, III) que prevê a suspensão dos direitos políticos em
decorrência de condenação criminal definitiva foi primeiramente analisado no
âmbito das Cortes Superiores pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), através do
Recurso Ordinário nº 12.043, quando o Ministro Relator assentou que o art. 15,
III, não poderia ser interpretado de forma generalizada para fins de aplicação a
qualquer crime, esclarecendo que a aplicação do referido artigo se daria nos
casos em que existisse obstáculo material para que o indivíduo exercesse os
seus direitos políticos, no caso, o recolhimento no sistema penitenciário. 446

445
O Congresso brasileiro aprovou o texto do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
de 1966 por meio do Decreto Legislativo n° 226, de 12 de dezembro de 1991 cujo texto do
referido decreto na íntegra está Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 10 out. 2019.
446
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - RECURSO - ELEICOES MUNICIPAIS - ACESSO AO
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. AINDA QUE O RECURSO VERSE INELEGIBILIDADE, O
ACESSO AO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DAR-SE NA VIA ESTREITA DO RECURSO
ESPECIAL. O QUE SE CONTEM NOS INCISOS III E IV DO PARAGRAFO 4 DO ARTIGO 121
DA CONSTITUICAO FEDERAL PRESSUPOE DECISAO A ENVOLVER ELEICOES
FEDERAIS OU ESTADUAIS, NAO SE APLICANDO AS ELEICOES MUNICIPAIS.
(…) DIREITOS POLITICOS - SUSPENSAO - CONDENACAO CRIMINAL - SURSIS -
AFASTAMENTO DA RESTRICAO - FUNDAMENTOS DIVERSOS. TEM-SE COMO
DESCABIDA A INCIDENCIA DO PRECEITO EXTRAVAGANTE DO INCISO III DO ARTIGO
15 DA CONSTITUICAO FEDERAL, QUANDO A MAIORIA ASSIM E FORMADA, EMBORA
COM DISPERSAO DE FUNDAMENTOS, A SABER: UMA CORRENTE NO SENTIDO DE
SOMENTE RECONHECER A SUSPENSAO QUANDO OS EFEITOS DA SENTENCA
CRIMINAL ALCANCAM A CUSTODIA DO CONDENADO; OUTRA AFASTANDO-A DIANTE
DA SUSPENSAO CONDICIONAL DA PENA E A TERCEIRA TENDO-A POR IMPROPRIA
POR NAO RECONHECER NO PRECEITO APLICACAO IMEDIATA. PRECEDENTES,
DENTRE OUTROS; RECURSO N. 11.589 - CLS. 4A - SAO PAULO, CUJO ACORDAO FOI

135
O próprio relator, por ocasião do julgamento de tal recurso, questionou
que a simples leitura do dispositivo constitucional em comento dava ensejo à
várias interpretações que restaram grafadas na ementa do acórdão, quais
sejam: 1) Uma corrente no sentido de somente reconhecer a suspensão
quando os efeitos da sentença criminal alcançam a custódia do condenado; 2)
Outra afastando-a diante da suspensão condicional da pena; 3) E a terceira
tendo-a por imprópria por não reconhecer no preceito aplicação imediata. E por
este motivo – existência de variabilidade de interpretações – deveria ser
adotada a restrição menos gravosa ao direito fundamental envolvido. 447
O Supremo Tribunal Federal brasileiro, por sua vez, ao analisar a
questão pela primeira vez na vigência da Constituição Federal de 1988 quando
do julgamento do Recurso Extraordinário 179.502-6 São Paulo, firmou
entendimento, por maioria, de que a suspensão dos direitos políticos prevista
no art. 15, III, da CRFB deveria ser aplicada de maneira automática ao trânsito
em julgado da sentença.448
Da análise dos votos proferidos por todos os Ministros no julgamento
do referido recurso, restou claro que os argumentos colocados nos votos da
maioria vencedora, ainda que com certas especificidades, em suma,
asseveram a preocupação do Constituinte Originário com critérios éticos a
serem aferidos quando do exercício dos direitos políticos, inclusive no que se
refere à capacidade eleitoral ativa – direito de voto.449 450

PUBLICADO NO DIARIO DA JUSTICA DE 20 DE MAIO DE 1994, A PAGINA 12.321;


RECURSO N. 11.298 - CLS. 4A - SAO PAULO, CUJO ACORDAO FOI PUBLICADO NO
DIARIO DA JUSTICA DE 21 DE OUTUBRO DE 1994, A PAGINA 21.445; RECURSO N.
11.706 - CLS. 4A - SAO PAULO, CUJO ACORDAO FOI PUBLICADO NO DIARIO DA
JUSTICA DE 18 DE NOVEMBRO DE 1994, A PAGINA 31.431, NOS QUAIS FUNCIONEI
COMO REDATOR DESIGNADO, E RECURSO N. 12.043 - CLS. 4A - MINAS GERAIS,
RELATOR E EMINENTE MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI, CUJO ACORDAO FOI
PUBLICADO DA SESSAO DO DIA 04 DE AGOSTO DE 1994. BRASIL. Tribunal Superior
Eleitoral Recurso Especial Eleitoral nº 11663, Relator(a) Min. Marco Aurélio, Publicação: DJ
- Diário de justiça, Data 10/03/1995, Página 4915. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia Acesso em: 21 set. 2019.
447
Idem.
448
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n.º 179502-6. Relator(a) Min.
Moreira Alves. DJ: 31/05/95. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=224548. Acesso em: 21
set. 2019.
449
Idem. Este posicionamento apontado pela maioria dos Ministros do STF encontra guarida
também nas lições de outros doutrinadores, como: MARQUES, Frederico. Tratado de Direito
Penal. 2º edição, vol. 3, São Paulo: Saraiva, p.161-162, MIRANDA, Pontes de. Comentários à
Constituição de 1967. Tomo IV. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 569. FRAGOSO,
Heleno Paulo. Lições de Direito Penal – A Nova Parte Geral. 12ª ed., São Paulo: Forense,

136
Por outro lado, os votos divergentes apontavam, em suma, que a
restrição de direitos políticos não poderia se dar de forma automática, já que,
assim estaria em desacordo com a razoabilidade e com a proporcionalidade,
conferindo igual tratamento a qualquer condenado criminal, independente do
delito cometido e da natureza da pena aplicada.451
Em que pese o TSE tenha se posicionado primeiramente pela
inaplicabilidade imediata do dispositivo constitucional em comento, apontando
que o mesmo exigiria regulamentação no âmbito infraconstitucional para que
surtisse efeitos,452 tal entendimento foi modificado no âmbito do próprio TSE

1990, p. 364. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira


de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 134. CRETELLA, José Junior. Comentários à
Constituição de 1988, Vol. II. São Paulo: Forense, 1989, p. 1.121-1.122. MENDES, Antônio
Carlos. Introdução à Teoria das Inelegibilidades. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 86-87.
450
MIRANDA, João Vitor Silva. Op. Cit., p. 374. Neste aspecto, conforme demonstrado acima
quando da demonstração das razões do relator da Assembleia Nacional Constituinte brasileira
de 1987 para manutenção do texto dispositivo em comento, vimos que o mesmo foi mantido
não por critérios éticos, mas sim por questões de estrutura e logística.
451
EMENTA: - Condição de elegibilidade. Cassação de diploma de candidato eleito vereador,
porque fora ele condenado, com trânsito em julgado, por crime eleitoral contra a honra, estando
em curso a suspensão condicional da pena. Interpretação do artigo 15, III, da Constituição
Federal. - Em face do disposto no artigo 15, III, da Constituição Federal, a suspensão dos
direitos políticos se dá ainda quando, com referência ao condenado por sentença criminal
transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena. Recurso
extraordinário conhecido e provido.RE 179502, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal
Pleno, julgado em 31/05/1995, DJ 08-09-1995 PP-28389 EMENT VOL-01799-09 PP-01668.
Neste sentido, vale citar um trecho do voto de divergência proferido pelo Ministro Marco Aurélio
no RE 179. 502-6 São Paulo: “… E divergi de S. Exª tendo em vista o alcance do disposto no
art. 15, III, Constituição federal. Levo em conta, em primeiro lugar, que em jogo está um direito
inerente à cidadania e que, portanto, devo emprestar aos preceitos legais e constitucionais
limites não elásticos, mas sim estritos, observando, rigorosamente, os limites estabelecidos
nestes preceitos… não posso conferir a este dispositivo este alcance, pois seria reconhecer o
paradoxo.” Disponível em:
http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28SUSPENS%C3O+DOS+D
IREITOS+POL%CDTICOS+CONDENADO+CRIMINAL+SEP%DALVEDA%29&base=baseAcor
daos&url=http://tinyurl.com/y2zxmdhd Acesso em: 10 set. 2019.
452
DIREITOS POLITICOS - SUSPENSAO - CONDENACAO CRIMINAL - "SURSIS" -
AFASTAMENTO DA RESTRICAO - FUNDAMENTOS DIVERSOS. TEM-SE COMO
DESCABIDA A INCIDENCIA DO PRECEITO EXTRAVAGANTE DO INCISO III DO ARTIGO 15
DA CONSTITUICAO FEDERAL, QUANDO A MAIORIA ASSIM E FORMADA, EMBORA COM
DISPERSAO DE FUNDAMENTOS A SABER: UMA CORRENTE NO SENTIDO DE SOMENTE
RECONHECER A SUSPENSAO QUANDO OS EFEITOS DA SENTENCA CRIMINAL
ALCANCAM A CUSTODIA DO CONDENADO; OUTRA AFASTANDO-A DIANTE DA
SUSPENSAO CONDICIONAL DA PENA E A TERCEIRA TENDO-A POR IMPROPRIA POR
NAO RECONHECER NO PRECEITO APLICACAO IMEDIATA. BRASIL. Recurso Especial
Eleitoral nº 11589, Tribunal Superior Eleitoral. Relator(a) Min. Carlos Velloso, Publicação: DJ
- Diário de justiça, Data 20/05/1994, Página 12321). Disponível em:
http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia Acesso em: 20 out. 2019.
AGRAVO - SUSPENSAO DE DIREITOS POLITICOS. CONDENACAO PELO ARTIGO 299 DO
CODIGO ELEITORAL. CONCESSAO DO "SURSIS". OPOSICAO DESTE COM A
SUSPENSAO DOS DIREITOS POLITICOS. ARTIGO 15, III, DA CONSTITUICAO. PRECEITO
QUE EXIGE REGULAMENTACAO. PRECEDENTES DO TSE (ACORDAOS NS. 11.298,
11.589, 12.043 E 12.044). PROVIMENTO DO AGRAVO E DO RECURSO. BRASIL. AGRAVO

137
após a decisão do STF nos autos do Recurso Extraordinário 179.502-6 São
Paulo (Acórdão publicado no Dário de Justiça de 08.09.1995). Ou seja, em
atendimento aos ditames oriundos da Suprema Corte brasileira, o Tribunal
Superior Eleitoral proferiu decisão nos autos da Consulta nº 388-DF no sentido
da autoaplicabilidade do dispositivo constitucional em exame,453 o que gerou
vários precedentes e vem até então prevalecendo naquela Corte eleitoral
especializada do Brasil.454

DE INSTRUMENTO nº 12537, Tribunal Superior Eleitoral., Relator(a) Min. Torquato Jardim,


Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 08/09/1995, Página 28474). Disponível em:
http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia Acesso em: 20/10/2019.
453
RECURSO ORDINARIO E RECURSOS ESPECIAIS. CONDENACAO CRIMINAL
TRANSITADA EM JULGADO. SURSIS. CF, ART. 15, III. AUTO-APLICABILIDADE.
INTEMPESTIVIDADE. 1. A CF, ART. 15, III, E AUTO APLICAVEL (RE Nº 179.502, REL. MIN.
MOREIRA ALVES, DJ DE 08.09.95). 2. DEVE-SE INDEFERIR O REGISTRO DE CANDIDATO
CONDENADO POR SENTENCA TRANSITADA EM JULGADO, MESMO QUE ESTEJA EM
CURSO A SUSPENSAO CONDICIONAL DA PENA. PRECEDENTES. 3. RECURSO
ORDINARIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO E RECURSOS ESPECIAIS NÃO
CONHECIDOS. BRASIL. Recurso Ordinário nº 311. Tribunal Superior Eleitoral. Relator(a)
Min. Edson Vidigal, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 29 set. 2019). Disponível
em: http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia Acesso em: 20/10/2019.
Observa-se que no item 1 da ementa do acórdão fica descrito que o Tribunal Superior Eleitoral
assume novo posicionamento com relação à matéria no sentido de ser o art. 15, III, da CRFB
auto-aplicável em razão do julgado pelo STF no RE Nº 179.502, de relatoria do Ministro
MOREIRA ALVES, DJ DE 08.09.95.
454
RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 060094076 - TERESINA – PI, Relatoria do Ministro
Luiz Roberto Barroso. DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS
ELEITORAIS. ELEIÇÕES 2018. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE DEPUTADO
ESTADUAL. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. SUSPENSÃO DOS
DIREITOS POLÍTICOS. PENA DE MULTA. PARCELAMENTO ADIMPLIDO. FILIAÇÃO
PARTIDÁRIA. VALIDADE. POSTERIOR QUITAÇÃO INTEGRAL DO DÉBITO.
DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Recursos especiais eleitorais interpostos contra
acórdão que, acolhendo embargos de declaração, deferiu o registro de candidatura do
recorrido ao cargo de deputado estadual nas Eleições 2018. 2. Recurso especial interposto por
Carlos André Pereira Santos não conhecido, já que protocolizado após o trânsito em julgado da
decisão que indeferiu seu registro de candidatura, quando inequivocamente não ostentava
mais a condição de candidato. 3. A condenação criminal transitada em julgado pelo crime
de injúria (arts. 326 e 327, III, do Código Eleitoral), com a aplicação exclusiva de pena de
multa, acarreta a suspensão automática dos direitos políticos, nos termos do art. 15, III,
da Constituição. Precedentes. 4. Nos termos da Súmula nº 9/TSE, "a suspensão de direitos
políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento
ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos". No
entanto, durante o período em que o condenado permaneceu em dia com o parcelamento da
multa que lhe fora imposta, a suspensão de seus direitos políticos não produz efeitos. 5.
Interpretação contrária prejudicaria aquele que optasse pelo parcelamento da multa - que é
faculdade prevista em lei -, criando uma distinção desarrazoada em relação aos que fizessem o
pagamento à vista. 6. Recurso especial interposto por Carlos André Pereira Santos não
conhecido. Recurso especial interposto pelo Ministério Público Eleitoral a que se nega
provimento, mantendo-se o deferimento do registro de candidatura do recorrido. BRASIL.
Recurso Especial Eleitoral nº 060094076, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso,
Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 19/12/2018). Precedentes: RO Nº 174 (RO)
- SP, Ac. Nº 174, DE 02/09/1998, Relator(a) Min. Eduardo Alckmin, RESPE Nº 13861 - GO, Ac.
Nº 13861, DE 14/11/1996, Relator(a) Min. Ilmar Galvão; RESPE Nº 14119 - SP, Ac. Nº 14119,
DE 02/10/1996, Relator(a) Min. Francisco Rezek; RESPE Nº 14219 - RS, Ac. Nº 14219, DE
02/10/1996, Relator(a) Min. Eduardo Ribeiro; RESPE Nº 13053 - RN, Ac. Nº 13053, DE

138
Mesmo diante do posicionamento das Cortes Superiores brasileiras, a
questão da autoaplicabilidade da regra contida no art. 15, III, da CRFB –
aplicação de forma indistinta quanto a gravidade do crime, do regime e da
natureza da pena aplicada – ainda gerou controvérsias em decisões judiciais
no Brasil, de modo que a mesma matéria voltou a ser objeto de apreciação
pelo plenário do Supremo Tribunal Federal do Brasil em 08 de maio de 2019 no
Recurso Extraordinário 601.182 oriundo de Minas Gerais, sob a relatoria do
Min. Marco Aurélio de Melo.
Para fins de esclarecimentos acerca do caso, vale dizer que se trata de
um indivíduo residente no estado de Minas Gerais, condenado por uso de
documento falso que, uma vez condenado por tal crime, em razão de
preencher requisitos objetivos e subjetivos teve sua pena privativa de liberdade
substituída por restritiva de direitos, e, não havendo mais recursos, a sentença
transitou em julgado.455
Já em fase de execução da pena, insurgiu-se o condenado, por meio
do recurso de apelação criminal (autos número 1.0027.03.015048-9/001), pela
manutenção dos direitos políticos do mesmo, apontando inexistência de
incompatibilidade entre a natureza da pena aplicada (pena restritiva de direito)
e o pleno exercício dos direitos políticos. 456
Neste caso, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais no Brasil,
quando do julgamento do recurso de Apelação Criminal supramencionado,

11/09/1996, Relator(a) Min. Ilmar Galvão. Disponível em:


http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia Acesso em: 20/10/2019.
455
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. APELAÇÃO CRIMINAL - USO DE
DOCUMENTO FALSO - AGENTE QUE ADQUIRIU CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO
FALSA - ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DE TAL CIRCUNSTÂNCIA - DOLO DO TIPO
- DELITO CARACTERIZADO - SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS -
INCOMPATIBILIDADE AFASTADA - RECURSO PROVIDO EM PARTE. 'O dolo, no delito do
art. 304 do CP, é genérico, e consiste na vontade deliberada de usar o documento com a
consciência de sua falsidade. No uso de documento falso, o que exclui o dolo é a total
ignorância da falsidade, não sendo este o caso dos autos, em que a ré viajou de um estado a
outro para adquirir a carteira, sequer adentrando ao DETRAN local e nem feito quaisquer
exames. ' 'Tendo em vista que, com fulcro no art. 44 do CP, foi concedida ao increpado a
substituição da sanção corporal pelas restritivas de direitos, não se vislumbra qualquer
incompatibilidade em relação ao pleno exercício dos seus direitos políticos, cuja relevante
importância só permite o tolhimento em situações que materialmente os inviabilizem. BRASIL.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Criminal n.º 1.0027.03.015048-9/001. Relator:
Des. Eduardo Brum. Disponível em:
https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=E9
064A469C39734B34FBD8EE1338414F.juri_node1?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasP
orPagina=10&numeroUnico=1.0027.03.015048-9%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar.
Acesso em: 05 nov. 2019.
456
Idem.

139
entendeu por não aplicar a suspensão dos direitos políticos disposta no art. 15,
III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em razão de ter
havido substituição da pena privativa de liberdade por pena de restritiva e
direito, o que, para aquele Tribunal, não justifica que indivíduo condenado
criminalmente, e que sequer seria encarcerado, fique privado do gozo dos
seus direitos políticos.457
Portanto, no âmbito do estado de Minas Gerais, a Corte estadual
(Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais) acolheu os fundamentos
apresentados pelo condenado criminal e afastou a aplicação do art. 15, III, da
CRFB, considerando que tal dispositivo só deve ser aplicado aos casos em que
a situação fática de privação da liberdade (prisão, recolhimento em
estabelecimento penitenciário) inviabilizem o exercício dos direitos políticos. 458
Frente à decisão do Tribunal estadual de Minas Gerais, o Ministério
Público, através de Recurso Extraordinário, levou o caso ao STF, alegando que
o texto constitucional não faz qualquer diferença com relação a que tipo de
condenação criminal promove a suspensão dos direitos políticos, motivo pelo
qual, mesmo a condenação não tendo gerado a privação da liberdade,
persistiria a aplicação imediata do dispositivo constitucional em estudo no
sentido de privar o indivíduo dos direitos políticos. Ainda como argumento
recursal, o parquet aponta que a suspensão dos direitos políticos para aqueles
que infrinjam a lei se faz imperiosa, de modo que tais indivíduos não podem
interferir na estrutura estatal através do voto.459
O Ministro Marco Aurélio de Melo, relator do recurso acima apontado
no STF, entendeu que qualquer decisão no presente caso irradiaria para um
enorme número de casos no Brasil extrapolando os limites do processo em

457
Idem.
458
Idem.
459
BRASIL, Recurso extraordinário. RE 601.182 RG/MG. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28SUSPENS%C3O+D
OS+DIREITOS+POL%CDTICOS+DO+CONDENADO+CRIMINAL%29&base=baseRepercussa
o&url=http://tinyurl.com/y2j32ab2 Acesso em: 11 set. 2019. Já foi tema 370 da Repercussão
Geral no STF. Antes da declaração da Repercussão Geral havia outros recursos
extraordinários junto ao STF discutindo a mesma matéria, como é o caso do RE 938.347
AGR/SP oriundo do estado de São Paulo, no qual, diversamente do caso em que foi
proclamada a Repercussão Geral, neste, o recorrente é o condenado criminal que busca
reforma de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual considerou que a
Constituição Federal de 1988, quando trata de suspensão de direitos políticos de condenados
criminalmente, não faz qualquer diferença se a condenação é a uma pena privativa de
liberdade ou restritiva de direito.

140
específico, de modo que o STF, como guardião maior da Constituição Federal,
teria que se pronunciar acerca da aplicabilidade da suspensão dos direitos
políticos prevista constitucionalmente nos casos que o indivíduo seja
condenado em pena restritiva de direito. E diante do exposto, admitiu a
repercussão geral no presente caso.460
Em 08 de maio de 2019, o referido Recurso Extraordinário foi levado ao
Plenário para julgamento, sendo o voto proferido pelo Ministro Relator no
sentido de manter a decisão do Tribunal estadual de Minas Gerais, por
considerar que a regra contida no art. 15, III, da CRFB não pode ter alcance
irrestrito, de modo que quando não se tratar de condenado recolhido à prisão,
pela própria natureza da pena aplicada, a condenação não deve interferir no
que se refere à suspensão de direitos políticos, sob pena de construirmos um
cenário incoerente no qual o indivíduo que preenchesse determinados
requisitos para fins de substituição de sua pena privativa de liberdade por
penas restritivas de direito, a princípio, ganharia um certo benefício - ao ter
sua pena restituída pela restritiva de direitos e se manter em liberdade –
porém, ao mesmo tempo , perderia, ainda que temporariamente, sua
capacidade eleitoral, atributo este inerente à sua cidadania, por meio do qual o
indivíduo não teria como interferir na estrutura estatal, restando impedido do
direito de votar. 461
Questiona o Ministro relator se a compreensão de que a norma em
comento é autoaplicável é fruto de interpretação socialmente aceitável da
referida regra, concluindo, por conseguinte, que os direitos políticos restariam

460
BRASIL, Recurso extraordinário. RE 601.182 RG/MG. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/
/paginador.4. Acesso em: 13 set. 2019.
461
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL.
SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. AUTOAPLICAÇÃO. CONSEQUÊNCIA IMEDIATA
DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. NATUREZA DA
PENA IMPOSTA QUE NÃO INTERFERE NA APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO. OPÇÃO DO
LEGISLADOR CONSTITUINTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A regra de
suspensão dos direitos políticos prevista no art. 15, III, é autoaplicável, pois trata-se de
consequência imediata da sentença penal condenatória transitada em julgado. 2. A
autoaplicação independe da natureza da pena imposta. 3. A opção do legislador constituinte foi
no sentido de que os condenados criminalmente, com trânsito em julgado, enquanto durar os
efeitos da sentença condenatória, não exerçam os seus direitos políticos. 4. No caso concreto,
recurso extraordinário conhecido e provido. BRASIL, Recurso extraordinário. RE 601.182
RG/MG. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28SUSPENS%C3O+D
OS+DIREITOS+POL%CDTICOS+DO+CONDENADO+CRIMINAL%29&base=baseRepercussa
o&url=http://tinyurl.com/y2j32ab2. Acesso em: 13 set. 2019.

141
inviabilizados apenas pelo recolhimento do condenado ao cárcere, sob pena de
se abrir caminho para o rompimento com o princípio da proporcionalidade.462
Tal voto, foi acompanhado pela Ministra Rosa Weber que, numa
exaustiva exposição dos fundamentos de seu voto afirma que o art. 15, III, da
CRFB, aponta que, para o deslinde da questão, antes de tudo, o pressuposto
institucional norteador da resposta reside no fato de prevalência da
Constituição brasileira, que instituiu um Estado Democrático de Direito pela
busca da máxima efetividade dos direitos políticos, sendo os direitos políticos
espécie de direitos fundamentais.463
Num argumento esclarecedor a Ministra afirma que o art. 15, III, da CF
de 1988 é endereçado ao legislador , e, se num primeiro momento encerra
uma vedação – proíbe cassar direitos políticos por motivos diversos dos
constantes no referido dispositivo – depois disso, concede uma autorização
para fins de perda ou suspensão de direitos políticos apenas naquelas
hipóteses dispostas na Constituição, de modo que, numa interpretação
sistemática do referido dispositivo pode ser aferido que a restrições aos direitos
políticos nele dispostas não possuem autoaplicabilidade, de modo que a
aplicação da restrição nele contida decorreria de ordem prática resultante
destas464, ou seja, a regra constitucional enuncia uma possibilidade que só se
tornaria aplicável a depender de motivação constante da própria sentença
condenatória, sendo exigido do magistrado que observasse os requisitos
objetivos e subjetivos do fato, e ainda, que a aplicação da restrição restasse
apenas aos casos de maior gravidade.465 466

462
Idem.
463
Trecho do voto: “Penso que não pode a democracia – e os direitos subjetivos que são
condição para a sua efetividade - ser tratada, juridicamente, como conceito meramente
abstrato, ideal vago ou simples retórica, sem densidade semântica e normativa apta a
determinar, na vida prática da República, os modos de funcionamento do Estado e de
relacionamento entre as instituições e os poderes.” Idem.
464
Idem.
465
BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 5 ed. Atualizada. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 613. No voto da Ministra a mesma faz referência a doutrina do Professor
Cezar Bittencourt, que, também foi consutado no desenvolvimento da presente investigação,
quando foi verificado que o posicionamento do referido foi feito ao comentar o art. 92 do Código
Penal Brasileiro, que trata dos efeitos específicos da condenação criminal, como por exemplo,
a inabilitação para dirigir, e não especificamente sobre a regra constitucional objeto do
presente trabalho científico.
466
MIRABETE, Julio Frabrini. Código Penal Interpretado. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.698.
Tal qual apontado na nota anterior com relação ao Professor Cezar Bittencourt, a Ministra
também citou o Professor Mirabete para fins de fundamentar a necessidade de motivação de
perda de direito político, sendo que, também ao consultar a referida obra foi verificado que o

142
A Ministra ainda conclui apontando que, só estariam ressalvados da
necessidade de que a aplicação da restrição constasse da sentença, as
situações em que o ordenamento jurídico, através de norma infraconstitucional,
fixasse a aplicação da restrição de forma automática a determinados delitos.467
Por outro lado, a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal brasileiro,
em sessão plenária ocorrida em 08 de maio de 2019, consideraram que o
artigo 15, III, da Constituição brasileira é claro quanto à referida proibição tanto
para o direito de sufrágio ativo quanto passivo, de modo que não se depreende
do texto do referido dispositivo constitucional, qualquer tipo de ligação entre tal
suspensão dos direitos políticos dos condenados e os delitos por eles
praticados, nem pelo tempo de pena que foram submetidos, gravidade das
ações dos agentes, tampouco pela natureza da pena a eles atribuída (se
restritiva de direitos ou privativa de liberdades).468
Vale mencionar que o Ministro Luiz Fux apenas votou com a
divergência para fins de dar provimento ao Recurso Extraordinário em questão
em razão da natureza do crime do caso concreto – uso de documento falso –
por este se encontrar dentre os previstos na Lei Complementar nº 64 de 1990,
como aqueles em que o réu terá seus direitos políticos suspensos. Porém, no
corpo de seu voto, ele acompanha os argumentos da Ministra Rosa Weber no
sentido de que a regra constitucional em estudo não goza de autoaplicabilidade

autor assim dispôs ao comentar o art. 92 do Código Penal Brasileiro que trata de efeitos
específicos da condenação criminal, como por exemplo, a inabilitação para dirigir, e não
especificamente sobre a regra constitucional objeto do presente trabalho científico.
467
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL.
SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. AUTOAPLICAÇÃO. CONSEQUÊNCIA IMEDIATA
DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. NATUREZA DA
PENA IMPOSTA QUE NÃO INTERFERE NA APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO. OPÇÃO DO
LEGISLADOR CONSTITUINTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A regra de
suspensão dos direitos políticos prevista no art. 15, III, é autoaplicável, pois trata-se de
consequência imediata da sentença penal condenatória transitada em julgado. 2. A
autoaplicação independe da natureza da pena imposta. 3. A opção do legislador constituinte foi
no sentido de que os condenados criminalmente, com trânsito em julgado, enquanto durar os
efeitos da sentença condenatória, não exerçam os seus direitos políticos. 4. No caso concreto,
recurso extraordinário conhecido e provido. BRASIL, Recurso extraordinário. RE 601.182
RG/MG. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28SUSPENS%C3O+D
OS+DIREITOS+POL%CDTICOS+DO+CONDENADO+CRIMINAL%29&base=baseRepercussa
o&url=http://tinyurl.com/y2j32ab2. Acesso em: 15 set. 2019.
468
Idem.

143
e necessita de norma infraconstitucional que balize a sua aplicação à luz da
razoabilidade e da proporcionalidade.469
A partir do julgamento de tal recurso pelo STF, ficou evidente que, pela
segunda vez, a matéria objeto da presente investigação foi interpretada, por
maioria, pela Corte Suprema do Brasil, sem se levar em consideração em
nenhuma das vezes, tanto a necessidade de se aferir a razoabilidade e a
proporcionalidade da restrição disposta no própria texto constitucional, quanto
ao fato de que o sufrágio tem duas faces (ativa e passiva), as quais, para fins
de restrição também devem contar com análise de forma diferenciada. Ao fim e
ao cabo, o STF, quando afirma a autoaplicabilidade do art. 15, III, da CF,
atribuiu generalidade na aplicação de uma regra constitucional restritiva de
direito político fundamental.
Constata-se, portanto, que o texto constitucional brasileiro prevê a
possibilidade de suspensão dos direitos políticos do condenado criminal por
sentença transitada em julgado, e, muito embora outros Tribunais brasileiros
tenham suscitado a necessidade de se conferir proporcionalidade à aplicação
do dispositivo, como foi o caso da decisão do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais acima mencionado, quando da apreciação da matéria pelo Supremo
Tribunal Federal, este conferiu autoaplicabilidade a tal regra, interpretando-a
como uma restrição genérica (uma espécie de proibição geral) com relação aos
direitos políticos do condenado criminal com sentença transitada em julgado.
Não se pode perder de vista que, sob o aspecto político, a restrição dos
direitos políticos do condenado criminal disposta na Constituição brasileira, da
forma como foi interpretada pelo Supremo Tribunal Federal impede que esta
população condenada tenha qualquer intervenção na escolha de
representantes – inclusive aqueles que estão cumprindo pena restritiva de
direitos.
E ainda, que com relação aos indivíduos encarcerados, acaba por
impedir que os mesmos apresentem propostas de políticas públicas voltadas à

469
Trecho do voto: “Sob este prisma, é importante que seja levado em consideração o papel do
legislador democraticamente eleito na definição de standards gerais e abstratos a balizarem a
atuação jurisdicional na atividade interpretativa e na aplicação das leis à luz da razoabilidade e
da proporcionalidade.”

144
situação carcerária nacional e todas as situações, muitas vezes degradantes,
que circundam a condição dos indivíduos encarcerados.470 471

3.3. CRÍTICA À AUTOAPLICABILIDADE DA RESTRIÇÃO DE DIREITO


DE SUFRÁGIO NO BRASIL EM RAZÃO DE CONDENAÇÃO CRIMINAL
DEFINITIVA

Como já foi dito, embora todas as Cartas Constitucionais anteriores


trouxessem a regra restritiva de suspensão de direitos políticos do condenado
criminalmente, a Constituição Federal brasileira de 1969 – imediatamente
anterior à Constituinte vigente – não conferia autoaplicabilidade para tal regra,
inclusive apontando de forma expressa que a suspensão de direitos políticos
só ocorreria por força de decisão judicial.472
A partir do que ordena o dispositivo em comento (art. 149, da
Constituição brasileira de 1969) podemos observar que a Carta Magna anterior

470
MAIA, Franklin Alves Maia. O Direito de voto do Preso no Brasil como forma de
ressocialização. 1 ed. Pará de Minas, MG: Editora Virtual books, 2014, p. 59. O referido autor
ainda afirma que essa deficiência acaba por fomentar a verdadeira lacuna entre o que está
previsto na Lei de Execução Penal brasileira e o que o estado realmente realiza no âmbito do
sistema carcerário do Brasil. Afirmando ainda que no Brasil “não se investe onde não há
visibilidade política”, o que, diante da proibição do direito de voto dos condenados afasta cada
vez mais uma melhoria, por parte do estado, com relação a esta parcela da população.
471
ALEIXO, Jose Carlos Brandi. O voto do analfabeto. In: Revista de Informação legislativa: v.
18, n. 71 (jul-set de 1981). Em seu artigo que trata da restrição dos direitos políticos ao
analfabeto, ALEIXO cita DEUTSCH “Declarou a propósito KARL DEUTSCH, talvez não sem
algum excesso: "Se só os alfabetizados têm direito a voto, para que votarão para melhores
escolas nas regiões onde há maior índice de analfabetismo? Em outras palavras, a única forma
de acabar como o analfabetismo é dar o direito de voto aos principais interessados no assunto:
os analfabetos"”. Neste aspecto, fazemos aqui um comparativo entre os analfabetos e os
condenados criminalmente, para partirmos a questão: nas regiões em que há grande
quantidade de indivíduos com direitos políticos suspensos em razão de condenação criminal,
como poderão estes eleger representantes que tratem das questões que circundem a situação
de condenado criminal, seja ele preso ou livre?
472
O Título II – Da declaração de Direitos tem o Capítulo II – Direitos Políticos no qual se insere
o art. 149 que trata da possibilidade de suspensão de tais direitos. Art. 149. Assegurada ao
paciente ampla defesa, poderá ser declarada a perda ou a suspensão dos seus direitos
políticos. § 1º O Presidente da República decretará a perda dos direitos políticos :a) nos casos
dos itens I, II e parágrafo único do artigo 146; b) pela recusa, baseada em convicção religiosa,
filosófica ou política, à prestação de encargo ou serviço impostos aos brasileiros em geral; ou
c) pela aceitação de condecoração ou título nobiliário estrangeiros que importem restrição de
direito de cidadania ou dever para com o Estado brasileiro. § 2º A perda ou a suspensão dos
direitos políticos dar-se-á por decisão judicial: a) no caso do item III do artigo 146; b) por
incapacidade civil absoluta, ou c) por motivo de condenação criminal, enquanto durarem
seus efeitos. § 3º Lei complementar disporá sôbre a especificação dos direitos políticos,
o gôzo, o exercício a perda ou suspensão de todos ou de qualquer dêles e os casos e as
condições de sua reaquisição. BRASIL, [Constituição (1969)]. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 set. 2019.
472
PINTO JÚNIOR, Nilo Pereira. Op. Cit., p. 71.

145
a de 1988 exigia decisão judicial para fins de imposição da suspensão dos
direitos políticos ao condenado criminal.
Acerca desta questão, o Supremo Tribunal Federal brasileiro se
manifestou à época – ainda na vigência da Constituição Federal de 1969473 –
no sentido de que, embora constasse tal dispositivo do texto constitucional,
caberia à lei complementar dispor sobre quais delitos implicariam a suspensão
de direitos políticos, de modo que a eficácia da regra constitucional restritiva
restava limitada à existência de uma legislação complementar
infraconstitucional474 475. Legislação esta que não chegou a ser publicada sob a
égide daquela Carta Constitucional e sobre a qual se esperava o juízo de
proporcionalidade do legislador para aplicação da regra restritiva de suspensão
de direitos políticos.476
Ou seja, muito embora a Constituição de 1969 já tivesse previsão para a
suspensão dos direitos políticos em razão de condenação criminal, o próprio

473
Redação original da Constituição Federal de 1967, que foi alterada pela Emenda
Constitucional de 1969.
Art 144 - Além dos casos previstos nesta Constituição, os direitos políticos:
I - suspendem-se:
a) por incapacidade civil absoluta;
b) por motivo de condenação criminal, enquanto durarem seus efeitos;
II - perdem-se: (...)
§ 1º - No caso do nº II deste artigo, a perda de direitos políticos determina a perda de mandato
eletivo, cargo ou função pública; e a suspensão dos mesmos direitos, nos casos previstos
neste artigo, acarreta a suspensão de mandato eletivo, cargo ou função pública, enquanto
perdurarem as causas que a determinaram.
§ 2º - A suspensão ou perda dos direitos políticos será decretada pelo Presidente da
República, nos casos do art. 141, I e II, e do nº II, b e c, deste artigo e, nos demais, por
decisão judicial, assegurando-se sempre ao paciente ampla defesa. (grifo nosso). BRASIL,
[Constituição (1967)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso
Nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67EMC69.htm Acesso em: 10 out.
2019.
473
PINTO JÚNIOR, Nilo Pereira. Op. Cit., p. 71.
474
DIAS. José Orlando Lara. A suspensão de direitos políticos decorrente de sentença
penal condenatória transitada em julgado. Disponível em: http://apps.tre-
sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes-impressas/integra/2012/06/a-suspensao-
de-direitos-politicos-decorrente-
de/indexef7f.html?no_cache=1&cHash=c5a940294da1c8a9cf174197a123a318 Acesso em: 24
nov. 2019.
475
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal n.º 204, Relator (a) Min. Thompson Flores.
DJ: 24/05/1972. Disponível em: http://stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/098_1.pdf..
Acesso em: 24 nov. 2019 e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal n.º 225. Relator
(a) Min. Xavier de Albuquerque. DJ: 08/06/1977. Disponível em:
http://stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/105_2.pdf.. Acesso em: 24 nov. 2019.
476
Acerca da Ponderação pré-normativa vide: GARCIA, Emerson. Interpretação
Constitucional – a resolução das conflitualidades intrínsecas da norma constitucional.
São Paulo: Atlas, 2015, p. 537.

146
texto constitucional impôs que isto deveria se dar por meio de decisão judicial
477
nos termos do parágrafo segundo do art. 149.
Para além disso, ao interpretar o mesmo dispositivo, a Corte Suprema
do Brasil, atenta ao parágrafo terceiro do referido art. 149, firmou entendimento
no sentido de que a aplicação do mesmo estaria condicionada a uma
legislação complementar infraconstitucional. Com esta decisão, o STF, sob a
égide da Constituição de 1969, reconheceu a necessidade de que a suspensão
dos direitos políticos do condenado criminal passasse pelo crivo da
proporcionalidade, o que seria feito pelo legislador infraconstitucional, o qual,
por sua vez, poderia fazer um sopesamento para estabelecer em que tipo de
condenações tal suspensão deveria ser aplicada, isso, repise-se, levando em
consideração a natureza e gravidade do crime cometido, a pena aplicada, bem
como, seu regime de cumprimento.478 479
Ocorre que, em 1988 sobreveio uma nova ordem constitucional no
Brasil e que se encontra atualmente vigente. A Constituição Federal de 1988
traz a previsão, em seu artigo 15, de situações de perda e suspensão dos
direitos políticos, e especificamente em seu inciso III, estabelece a suspensão
dos direitos políticos no caso de condenação criminal transitada em julgado,
enquanto durarem os seus efeitos480.
No texto constitucional vigente não houve qualquer imposição expressa
condicionando a restrição de direitos políticos a uma legislação
infraconstitucional, o que acabou por levar a matéria a discussão nos tribunais
brasileiros, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

477
BRASIL, [Constituição (1969)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 set. 2019.
478
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal n.º 204, Relator (a) Min. Thompson Flores.
DJ: 24/05/1972. Disponível em: http://stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/098_1.pdf.
Acesso em: 24 nov. 2019 e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal n.º 225, Rio de
Janeiro. Rel. Ministro Xavier de Albuquerque. Julg. 8.06.1977. Disponível em:
http://stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/105_2.pdf. Acesso em: 24 nov. 2019.
479
DIAS. José Orlando Lara. A suspensão de direitos políticos decorrente de sentença penal
condenatória transitada em julgado. Disponível em: http://apps.tre-sc.jus.br/site/resenha-
eleitoral/revista-tecnica/edicoes-impressas/integra/2012/06/a-suspensao-de-direitos-politicos-
decorrente-de/indexef7f.html?no_cache=1&cHash=c5a940294da1c8a9cf174197a123a318
Acesso em: 24.11.2019
480
BRASIL, [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Congresso Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 set. 2019.
480
PINTO JÚNIOR, Nilo Pereira. Op. Cit., p. 71.

147
Em razão da relevância de tais discussões foi traçado, no item anterior
da presente investigação, tanto um panorama político quanto jurídico acerca
dos debates em volta do dispositivo em comento (art. 15, III), ficando
evidenciado que o STF, por todas as vezes em que foi acionado para se
pronunciar acerca da questão na vigência da Constituição de 1988, deu uma
interpretação literal e genérica ao dispositivo em análise e, por conseguinte,
conferiu autoaplicabilidade ao art. 15, III, da CF de 1988.
Em termos práticos, isso significa que, ao interpretar o dispositivo, o
STF, ainda que de forma não unânime, impõe uma restrição de direitos
políticos fundamentais a qualquer condenado criminal com sentença transitada
em julgado, independente da análise da proporcionalidade.
Para aquela Corte, a suspensão dos direitos políticos com fundamento
no art. 15, inciso III, da Constituição Federal tem como pressuposto,
exclusivamente, o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória. Isto
quer dizer, por um lado, que não é possível a imposição da suspensão dos
direitos políticos do acusado antes do trânsito em julgado, pois afrontaria o
princípio constitucional da presunção de inocência (art. 52, inc. LVII), como,
aliás, já decidiu o Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Por outro lado, a partir
desta interpretação, a suspensão dos direitos políticos é de efeito automático
da condenação criminal transitada em julgado, independentemente de qualquer
requerimento do Ministério Público ou de expressa declaração na sentença
penal condenatória481.
Levando em consideração que a autoaplicabilidade da regra restritiva
acima foi conferida através de uma atividade interpretativa, vale dizer que
interpretar é extrair o significado, o sentido de uma norma jurídica. Por meio da
interpretação o sentido normativo do texto é revelado, e a materialização do
mesmo se dá quando da aplicação deste sentido ao caso concreto.482
Na hipótese em que a norma assuma inúmeras interpretações, a que
deve ser aplicada é aquela que estiver mais compatível com a Constituição. Ou
481
DIAS. José Orlando Lara. A suspensão de direitos políticos decorrente de sentença penal
condenatória transitada em julgado. In: RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 6, n. 1
(jan./jun. 1999). Disponível em: http://apps.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-
tecnica/edicoes-impressas/integra/2012/06/a-suspensao-de-direitos-politicos-decorrente
de/indexef7f.html?no_cache=1&cHash=c5a940294da1c8a9cf174197a123a318. Acesso em: 24
nov. 2019.
482
GUIMARÃES, Arianna Stagni. A importância dos princípios jurídicos na Interpretação
Constitucional. Editora LTR: São Paulo, 2003, p. 62.

148
seja, dentre duas interpretações de uma norma, deve prevalecer a que esteja
mais próxima e em conformidade com a Constituição.483
A individualização do conteúdo das normas constitucionais envolve a
interpretação pelos julgadores dos significantes postos no texto e, a partir
deles, deve-se selecionar os significados a que se atribuirão a imperatividade
das normas constitucionais. O intérprete deve se guiar pelo significado mais
adequado a garantir a potencialidade do texto, induzindo a norma a atender a
funcionalidade que se destina, de maneira que a restrição da sua eficácia deve
buscar ser sempre a menor possível. 484
Neste sentido, primeiramente, é preciso realizar a individualização dos
significantes que serão interpretados no seu sentido linguístico. Depois, é
preciso harmonizar o significado com as outras normas para evitar uma
interpretação contraditória a fim de garantir de forma direta a coerência dentro
do sistema. Por fim, o que se pretende afirmar é que o intérprete deve
identificar dentre os significados possíveis recolhidos na norma, aquele que
tem mais afinidade com as demais normas existentes na Constituição485.
Para tanto, os princípios da interpretação constitucional exercerão um
papel primordial que reside na busca por respostas com fundamentação
racional, baseadas em parâmetros constitucionais, que garantam transparência
e sindicabilidade às decisões e legitimidade na argumentação jurídica 486.
Para o interesse deste estudo, vale destacar alguns princípios de
interpretação constitucional que se tornam relevantes na obtenção de uma
decisão judicial legítima no que se refere a interpretar a norma restritiva de
direitos políticos fundamentais disposta na Constituição brasileira, quais sejam:
o princípio da interpretação conforme a Constituição, o princípio da unidade da
Constituição, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais e,
por último, o princípio da proporcionalidade.

483
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 291. Sobre o tema importante colacionar que: “o princípio
da proporcionalidade, abraçado assim ao princípio da interpretação conforme a Constituição,
move-se, pois, em direção contrária a esse entendimento e ao invés de deprimir a missão do
legislador ou a sua obra normativa, busca jurisprudencialmente fortalecê-la, porquanto na
apreciação de uma inconstitucionalidade o aplicador da lei, adotando aquela posição
hermenêutica, tudo faz para preservar a validade do conteúdo volitivo posto na regra normativa
pelo seu respetivo autor”.
484
GARCIA, Emerson. Op. Cit., p. 494.
485
Ibid, p. 521.
486
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 6ª edição, São Paulo: Atlas,
2016, p. 380.

149
O princípio da interpretação conforme à Constituição tem como
pressuposto a unidade e ausência de contradições na ordem jurídica,
implicando que a atividade interpretativa seja feita em conformidade com a
Carta Magna, esta enquanto conjunto de normas que regem um Estado 487. Por
isto consiste em reputar que as normas superiores na hierarquia do sistema
jurídico sejam elementos fundamentais na individualização tanto do conteúdo
das normas constitucionais, quanto das infraconstitucionais488.

Para além disso, o princípio da interpretação conforme se liga com a


ideia de que é necessária a integração da realidade com o processo de
interpretação, ou seja, o juiz assume a interpretação da Constituição não só na
esfera pública, mas também na realidade da sociedade489.

Sobre este aspecto, tem-se que reconhecer que a Constituição participa


de um processo evolutivo e de mudança ao longo do tempo implica na
necessidade de percepção do intérprete acerca da realidade social, o que, por
conseguinte, é fator relevante na legitimação das decisões judiciais.

Em se tratando da natureza jurídica atribuída ao princípio da


interpretação conforme, esta se coloca, como uma verdadeira decorrência do
sistema metodológico da interpretação sistemático-teleológica490. Basicamente
a noção reside na ideia de que a Constituição se insere num conceito de
sistema, que não permite a interpretação isolada e individual da norma sem se
considerar toda a estrutura constitucional491.

Desse modo, o princípio da interpretação conforme a Constituição se


traduz numa atividade hermenêutica que define, dentro das possibilidades da

487
QUEIROZ, Cristina M. M. O princípio da interpretação conforme à Constituição. Questões e
perspectivas. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. 2010, Ano VII,
p. 314.
488
GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador.
Contributo Para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas. 2.ª ed.
Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 406.
489
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e Procedimental da
Constituição. Porto Alegre: Fabris Editor, 2002, p. 31.
490
RENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1997, p. 296.
491
Os resultados interpretativos por meio da utilização deste preceito são inúmeros, como
leciona Jorge Miranda, “desde a interpretação extensiva ou restritiva à redução (eliminando os
elementos inconstitucionais do preceito ou do ato) e, porventura, à conversão (configurando o
ato sob a veste de outro tipo constitucional)”. MIRANDA, Jorge. Contributo Para uma Teoria
da Inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 250.

150
norma, o elemento semântico de acordo com o texto constitucional enquanto
unidade, ou seja, tal princípio impõe ao intérprete que exclua todos os sentidos
que possam ser atribuídos a determinada norma e que sejam contrários à Lei
Fundamental enquanto sistema. Por conseguinte, o intérprete deve optar pela
prevalência da interpretação que represente a realidade e sistemática
constitucional.

Na mesma linha de raciocínio, o princípio da unidade da Constituição


tem como objetivo evitar contradições entre as normas constitucionais e impõe
ao intérprete a obrigação de analisar a Constituição como um todo em busca
de harmonizar os possíveis espaços de tensão entre as normas que deverão
ser concretizadas, levando em conta que as normas constitucionais são, na
verdade, preceitos inseridos num ordenamento jurídico sistemático, integrando
normas e princípios que devem estar harmonizados e coerentes entre si 492.

Assim, o princípio da unidade também impõe ao intérprete examinar o


caso concreto visando o equilíbrio entre as normas, o que se alcançará
especialmente na metodologia da ponderação de bens e valores que estas
resguardam, bem como, no equacionamento entre os fins que se pretendem
atingir e os meios empregados para tanto, sempre levando em consideração os
fundamentos do Estado de Direito dispostos na própria Constituição.

O princípio da máxima efetividade, por sua vez, se prende com a


consumação dos efeitos normativos na realidade social, razão pela qual
também é denominado de princípio da eficácia social da norma, o que significa
dizer que a norma para ser eficaz deve, além de gerar efeitos jurídicos, ser
efetivamente cumprida no plano social493.

É nesta linha que o princípio é concebido como a atribuição do sentido


de maior eficácia a uma norma constitucional e convocado quando se tratam
de proteção contra restrições excessivas e a promoção de direitos
fundamentais, no sentido de que a individualização semântica da norma de
direito fundamental deve se voltar para o entendimento que garanta a extração
da maior eficácia possível aos direitos fundamentais494.

492 a
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5 edição. Coimbra: Almedina, p. 1207.
493
SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 66.
494
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. Cit., p. 1208.

151
O princípio da máxima efetividade das normas constitucionais visa uma
interpretação da norma jurídica disposta na Constituição num sentido que
conceba maior eficácia possível, de maneira que o intérprete deve considerar
todo o conteúdo da norma sem desconsiderar qualquer ideia que faça parte do
preceito constitucional, ou seja, é papel do intérprete levar em consideração
todos os elementos integrantes de uma norma constitucional para alcançar o
melhor resultado na aplicação da mesma, o que, de forma simultânea, não
significa fazer prevalecer uma interpretação literal, ampla e genérica da norma,
de modo a desvirtuar os fins para os quais existe a Constituição, mormente se
a interpretação mais lata esteja dissonante da defesa do indivíduo, e de
qualquer de seus direitos fundamentais.495

Assim, pelo princípio da máxima efetividade das normas constitucionais,


o entendimento do intérprete deve perseguir o significado que garanta (e não
aquele que afaste) a efetividade das normas constitucionais496, inclusive o seu
melhor alcance social. Neste sentido, quando o artigo 15, inciso III da
Constituição restringe os direitos políticos fundamentais, atribuir a esta norma
maior eficácia não é lhe garantir a aplicação do respectivo texto de forma literal,
mas sim, de maneira que esteja em harmonia com a promoção da dignidade da
pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil497, e nesse aspecto, promover direitos fundamentais.

Ainda com relação aos recursos metodológicos de interpretação das


normas constitucionais, temos a proporcionalidade, que, como já dito em outros
itens dessa investigação, apesar de não constar de forma expressa no texto
constitucional brasileiro, já ocupa papel de princípio implícito relevante na
jurisprudência nacional para fins de interpretação da Constituição brasileira.
Em que pese Malmstein trazer a proporcionalidade como princípio de
interpretação constitucional, Emerson Garcia, ao se pronunciar sobre o tema,
afirma a relação estabelecida entre proporcionalidade e interpretação

495
GUIMARÃES, Arianna Stagni. A importância dos princípios jurídicos na Interpretação
Constitucional. Editora LTR: São Paulo, 2003, p. 52.
496
GEBRAN Neto, João Pedro. A Aplicação Imediata dos Direitos e Garantias Individuais: a
busca de uma exegese emancipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 125.
497
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

152
constitucional como sendo de conteúdo e continente, ou seja, a
proporcionalidade funciona como um método no processo interpretativo 498.
No âmbito da interpretação, portanto, o critério da proporcionalidade é
tópico, o que significa dizer que se volta para a justiça do caso concreto e é um
mecanismo eficaz para apoiar e fundamentar as decisões judiciais que
precisam optar por uma solução ao refletir acerca das vantagens e
desvantagens e constatar se há excesso na relação entre meios e fins 499.
Nesta linha de raciocínio, é importante ressaltar que cabe ao intérprete
identificar todos os detalhes em torno da norma em análise, inclusive para
ponderar os bens e valores protegidos por ela no plano conceitual. A ideia é
que haja uma associação entre interpretação constitucional e
proporcionalidade de modo que o intérprete, ao solucionar o caso concreto,
assim o faça a partir do que seja necessário adequado e, por óbvio,
proporcional500.
Ainda numa aproximação da interpretação constitucional com a
proporcionalidade, é importante dizer que esta última se encontra
intrinsicamente ligada com o princípio da Unidade da Constituição porque
deve, além de tudo, considerar a preservação da unidade e da coerência da
ordem jurídica501.
Isto é relevante porque se os enunciados interpretados forem analisados
de forma isolada, podem resultar em interpretações fora do contexto
constitucional, afastando-se, inclusive, de seus fundamentos, e, portanto,
ensejando na possibilidade de assumirem um cariz desproporcional conforme o
significado atribuído comprometa a coerência do sistema, sendo necessário
que o resultado da interpretação seja sistemático, e dessa forma, obedeça a
unidade constitucional502.
O princípio da proporcionalidade se coloca neste aspecto como um
mecanismo de interpretação, especialmente nas situações em que o caso
concreto exige a análise de restrições de direitos fundamentais. Não quer dizer
que a proporcionalidade seja um critério material de decisão, mas funciona

498
GEBRAN Neto, João Pedro. Op. Cit., p. 318.
499
Ibid., p. 290.
500
Ibid, p. 505.
501
Idem.
502
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 290.

153
como suporte para estabelecer uma direção procedimental para a busca da
solução do caso concreto503.
A proporcionalidade, no contexto da sua operação de ponderação se
traduz pela análise comparativa de algo de modo a indicar qual resultado
prevalece e, nessa esteira, assume grande importância no processo
interpretativo porque, se valendo da proporcionalidade, o intérprete identifica os
diferentes planos de conflito e escolhe as grandezas que devem prevalecer ou
os bens que devem ou não ser restringidos, de modo que, durante o processo
é necessário delinear os potenciais significados e optar qual será atribuído à
norma, como resultado da individualização da norma de decisão no caso
concreto504.
Delimitar a previsão normativa de um direito fundamental restringindo
um interesse ou bem fundamental exige do intérprete uma tarefa cuidadosa
para se alcançar o adequado sentido diante da harmonização constitucional 505.
Neste passo, o julgador deveria considerar a proporcionalidade para
chegar a uma conclusão que fundamente o controle da atuação estatal
restritiva de direitos fundamentais no enquadramento de um Estado de Direito.
Vale ressaltar que, especialmente, com relação às restrições aos direitos
fundamentais, recorrer à proporcionalidade apresenta-se como um mecanismo
adequado para a interpretação, na medida em que esta visa coibir qualquer
tipo de excesso na relação de meios empregados e fins atingidos506.
Numa linha que se relaciona com os métodos interpretativos, apurar a
adequação de uma restrição de direito fundamental deve envolver a
metodologia da proporcionalidade numa verdadeira consideração comparativa
entre as vantagens e desvantagens de uma restrição, tendo em conta também
os bens jurídicos protegidos507.
Assim, para aferir a legitimidade de dispositivos normativos que
restringem direitos fundamentais deve ser utilizada a proporcionalidade, que
tem como objetivo proibir o excesso das normas restritivas ao assumir uma
diminuição do âmbito do direito fundamental, sem que, repita-se, seja

503
Idem.
504
Ibid, p. 317.
505
NOVAIS, Jorge Reis. Op. Cit., p. 640.
506
Ibid, p. 341.
507
Ibid, p. 764.

154
necessário, adequado e proporcional508. A ideia é de que qualquer norma
restritiva só será legítima quando se revele proporcional509.
A proporcionalidade está ligada a ideia de justiça material510, de
equilíbrio e de racionalidade ao ser utilizada como parâmetro de verificação da
legitimidade constitucional de normas e decisões judiciais (conexão
racional)511.
Portanto, enquanto mecanismo de interpretação, a proporcionalidade é
necessária quando da avaliação e apreciação pelo Supremo Tribunal Federal
de medidas restritivas de direitos fundamentais. Isso porque é a
proporcionalidade que equacionará os fins visados e os meios empregados
para aplicação de uma restrição de direito fundamental. Logo, estruturar
qualquer decisão que interprete uma regra restritiva, mesmo que a norma
interpretada seja constitucional, deve observar a proporcionalidade para fins de
harmonização da regra restritiva com os fundamentos da própria Constituição,
mormente a dignidade da pessoa humana. É através da proporcionalidade que
se verifica a existência de uma finalidade, um meio e uma relação de
causalidade entre as duas coisas. O exame desta relação entre interesses e
bens é utilizado como critério estrutural para determinar o conteúdo dos direitos
fundamentais que vinculam o legislador512.
Não é por acaso que em um dos exemplos dados em item anterior no
capítulo II da presente investigação, a Corte Europeia, ao interpretar norma
restritiva de direitos políticos em razão de condenação criminal apontou a
existência de afronta por parte de tal regra constitucional russa ao art. 3º do
Protocolo número 1 da CEDH, mesmo se tratando de regra imposta na Carta
Magna Russa pelo Poder Constituinte originário (Anchugov e Gladkov X Rússia

508
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. São Paulo: Revista dos Tribunais,
v. 798, 2002, p. 24.
509
COUTINHO, Luís Pereira. Sobre a justificação das restrições aos direitos fundamentais. Vol.
I. In: Separata de Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia. Coimbra:
Coimbra Editora, 2010, p. 559.
510
CANAS, Vitalino. O princípio da proibição do excesso na conformação e no controle de
atos legislativos. Coimbra: Almedina, 2017, p. 357.
511
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e direitos fundamentais:
uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da
teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 312.
512
PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidade y los derechos
fundamentales: el principio de proporcionalidade como critério para determinal el
contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 2ª ed. Madrid:
Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. 2005, p. 535.

155
– julho de 2013). Vale dizer que o referido julgamento tem como precedente o
caso Hirst X Reino Unido, também estudado no capítulo anterior.
Na Rússia, a questão da suspensão dos direitos políticos do condenado
criminal não foi analisada sob o crivo da proporcionalidade e isso por julgarem,
internamente naquele país, que o fato desta restrição ter natureza
constitucional impedia qualquer discussão sobre sua legitimidade. Ocorre que,
sendo a matéria levada à apreciação da Corte Europeia de Direitos Humanos,
mais uma vez – como ocorreu em outros casos acima demonstrados – a
restrição genérica de direito fundamental foi rechaçada por ser considerada
desproporcional, e isso em razão da necessidade de que qualquer restrição de
direito fundamental esteja condicionada ao crivo da proporcionalidade, ainda
que a regra seja imposta pelo Constituinte originário513.
Vale dizer que o reconhecimento de direitos fundamentais no Direito
Comunitário é reflexo da maior significação que vem sendo dada a esta
espécie de direitos, o que, por conseguinte atribui uma importância cada vez
maior à Convenção Europeia de Direitos Humanos e à jurisprudência do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos, mesmo ela não sendo uma norma
geral de Direito Internacional, e, portanto, não possuindo preferência
hierárquica às normas dos países europeus. 514
Ainda assim, não se pode dizer que a inexistência desta hierarquia
modifique substancialmente o significado objetivo dos direitos nela contidos,
permitindo uma intercomunicabilidade entre os direitos nacionais (de cada
estado-parte da União Europeia) com os direitos europeus propriamente. Nesta
linha, a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos contribui na
determinação do conteúdo e alcance dos direitos fundamentais nas
Constituições dos Estados-partes.515 E, neste aspecto, pelo que já foi

513
EUROPEAN COURT OF HUMANS RIGHT. Caso Anguchov and Gladkov X Russia
(Aplication nº 11157/2004 e 15162/2005). Julgamento em 04 de julho de 2013. Disponível em:
https://hudoc.echr.coe.int/eng#{"fulltext":["ANCHUGOV"],"itemid":["002-7644"]} Acesso em 24
set. 2019.
514
HESS, Konrad. Op. Cit., p. 26. O autor comenta ainda que não subsiste uniformidade no
tratamento dos direitos fundamentais entre as nações por reconhecer que o conteúdo e
significado de direitos fundamentais depende de fatores extrajurídicos (peculiaridades locais,
culturais, históricas) para cada Estado.
515
O autor comenta ainda que não subsiste uniformidade no tratamento dos direitos
fundamentais entre as nações por reconhecer que o conteúdo e significado de direitos
fundamentais depende de fatores extrajurídicos (peculiaridades locais, culturais, históricas)
para cada Estado. Idem.

156
demonstrado, elegeu a proporcionalidade como fator necessário a ser
analisado para fins de restrição de direitos políticos.
Portanto, como demonstrado acima, a restrição de direito político
fundamental em razão de condenação criminal de forma genérica – sem
observância do princípio da proporcionalidade - já se encontra totalmente
rechaçada pela Corte Europeia de Direitos Humanos desde o julgamento do
caso Hirst e seguintes, colacionados no capítulo II, em que foi firmado
precedente no sentido de impossibilitar restrições de direitos políticos
fundamentais de forma genérica (Blanket Ban).
Todas as decisões judiciais internacionais colacionadas na presente
investigação acerca de restrição de direitos políticos em razão de condenação
criminal, justificam a possibilidade de controle judicial de atos do Poder
legislativo, e até mesmo do Poder Constituinte originário ( como no caso russo
levado à apreciação do Tribunal Europeu), por meio da proporcionalidade, na
medida em que analisaram a compatibilidade e a necessidade de
harmonização das regras restritivas internas com os valores de defesa dos
direitos fundamentais existentes nas cartas constitucionais de cada país e nas
convenções internacionais.
Ou seja, para fins de verificação de excesso nas regras restritivas de
direitos políticos fundamentais, diante de normas restritivas genéricas, ao se
valerem da proporcionalidade, foi sendo verificado pelas Cortes a necessidade
de equacionar os meios empregados pelos estados ao restringirem uma regra
de direitos fundamental com a finalidade de restringir tais direitos, de modo que
apenas quando se chegar num equilíbrio nesta relação é que restará
demonstrada a legitimidade da norma restritiva.
Toda essa construção jurisprudencial - que se iniciou na Corte Suprema
do Canadá e restou sedimentada na Corte Europeia de Direitos Humanos com
o Caso Hirst - se valendo do princípio da proporcionalidade, reclama a
existência de uma justificativa adequada para que se opere uma restrição de
direito político fundamental, as quais são denominadas “objetivo legítimo” (no
caso Hisrt) e de “objetivo apremiante e sustentável” (no caso Sauvé).516

516
Neste aspecto Marshal faz uma dura crítica à maioria dessas decisões no sentido de que as
mesmas, em que pesem façam a exigência de proporcionalidade para fins de restrição de
direitos políticos, não estabelecem os tais critérios racionais para estabelecer efetivamente a

157
Porém, indo de encontro a toda a jurisprudência internacional
colacionada na presente investigação, o Supremo Tribunal Federal do Brasil,
diante de uma norma constitucional genérica restritiva de direito fundamental
(art. 15, III) conferiu a mesma autoaplicabilidade. Na prática, tal interpretação
dada pelo STF confere generalidade à aplicação do referido dispositivo
constitucional, logo, em total descompasso com a proporcionalidade ou
proibição do excesso para fins de restrição dos direitos políticos, já que em
nenhum momento, nas decisões proferidas pelo STF, foi levantada a
necessidade quanto à observância de limites aos limites de restringir direitos
fundamentais.
É necessário deixar claro que, tal como vimos no primeiro item do
presente capítulo, os motivos que levaram o Poder Constituinte originário a
regulamentar a restrição de direitos políticos do condenado criminal, enquanto
durasse o cumprimento da pena, foram de ordem estrutural – dificuldade
logística para que fossem realizados pleitos eleitorais dentro das
penitenciárias, e mais, classificar quais presos teriam seus direitos políticos
resguardados e quais não poderiam ter. Portanto, não se vislumbrou nos anais
da Assembleia Nacional Constituinte qualquer argumento jurídico para a
restrição.
Ocorre que, quando da justificativa apresentada pelo Supremo Tribunal
Federal para conferir autoaplicabilidade ao art. 15, III, da CF de 1988, foi
levantado que o intuito do Poder Constituinte originário era estabelecer um
critério ético aos cidadãos, de modo que tal requisito restava imposto tanto
para restrição da capacidade eleitoral ativa (voto) quanto para a capacidade
passiva (lançar-se candidato)517.

proporcionalidade. MARSHALL, Pablo. Sufragio y proporcionalidad: una analisys critica de la


jurisprudencia sobre la privación del derecho a sufragio. In: Estudios Constitucionales, año
17, n. 1, 2019. pp. 265-320. Disponível em:
file:///F:/TESE%20MESTRADO/TESE%20DE%20MESTRADO%20FDUL/Proporcionalidade%2
0e%20Sufrágio%20-%20MARSHAL.pdf. Acesso em: 23 nov. 2019.
517
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n.º 601182/MG. Relator: Ministro Marco Aurélio.
Julgado em 14.05.2019. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=2
687885&numeroProcesso=601182&classeProcesso=RE&numeroTema=370. Acesso em: 25
nov. 2019. O Ministro Alexandre de Morais, ao inaugurar a divergência com o Ministro Relator,
foi enfático no sentido de que a ratio do Poder Constituinte originário, neste caso, é de ordem
ética.

158
Neste aspecto, a crítica reside no fato de que além da Suprema Corte
brasileira ter decidido se utilizar de justificativas diferentes do que as do Poder
Constituinte Originário para legitimar a aplicação da norma de forma genérica,
apenas se ateve a uma interpretação literal da norma constitucional.
Tal qual se pronunciou o Ministro Marco Aurélio, relator do RE
6011827/MG, quando consideramos que o dispositivo em estudo é
autoaplicável, isto significa que será imposta uma restrição de direitos políticos
fundamentais de forma indiscriminada – portanto, genérica – a um grupo
indeterminado e indeterminável de indivíduos que tenham cometido qualquer
tipo de delito previstos na legislação penal brasileira, abrindo espaço para que,
ao se falar de restrição de direitos fundamentais, seja possível romper com o
princípio da proporcionalidade, haja vista a inexistência de uma margem de
apreciação mínima para aplicação da restrição, bem como, ausência de
conexão racional entre a conduta do agente e a restrição de direitos políticos a
ele imposta.518
Na verdade, esta ausência da margem de apreciação e da conexão
racional entre os meios empregados e a finalidade a ser atingida, por si só,
revelam a necessidade que o dispositivo constitucional objeto da presente
investigação, enquanto regra restritiva de direitos fundamentais, tem, de ser
interpretado à luz do princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, uma vez submetida a referida discussão ao STF, a
maioria dos Ministros da referida Corte Constitucional ignoraram a necessidade
quanto análise de proporcionalidade numa regra restritiva, posicionando-se no
sentido de prevalência do texto literal da Constituição, e, ao mesmo tempo,
sem levar em consideração que a interpretação constitucional precisa ser
concebida a partir dos fundamentos dispostos na Carta Magna, como a
dignidade da pessoa humana.
Não se pode alegar desconhecimento por parte da Corte suprema
brasileira com relação à jurisprudência internacional colacionada na presente
investigação, já que no voto do Ministro Edson Fachin resta citado o caso Hisrt
X Reino Unido e, por conseguinte, a necessidade de aplicação da
proporcionalidade para fins de restrição de direitos políticos. Porém, no mesmo

518
Idem.

159
voto, apesar da menção acerca de tal precedente internacional, não restou
claro os motivos do posicionamento do referido Ministro quando resolve
acompanhar a divergência e apontar que a regra constitucional é autoaplicável,
ou seja, ignorando a necessidade de que fosse submetida ao crivo da
proporcionalidade.519
Para além disso, conforme foi demonstrado acima, para que se alcance
decisões legítimas por meio da interpretação Constitucional, o intérprete deve
estar atento à realidade social, de modo que a Constituição seja analisada a
partir de um processo evolutivo e de mudança ao longo do tempo, porém, os
Ministros que ignoram a necessidade de verificação da proporcionalidade para
fins de interpretação da regra restritiva de direitos políticos fundamentais,
também o fazem com base em decisão do mesmo Tribunal brasileiro proferida
a quase vinte (vinte) anos atrás, ignorando, inclusive, todo um levante
progressista das Cortes internacionais – como se pôde ver na jurisprudência
colacionada – quanto a necessidade de ser aferida a proporcionalidade para
fins de restrição de direitos políticos fundamentais.

519
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n.º 601182/MG. Voto: Ministro Edson Fachin. DJ:
14.05.2019. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/768192392/recurso-
extraordinario-re-601182-mg-minas-gerais/inteiro-teor-768192401. Acesso em: 25 nov. 2019.

160
CONCLUSÃO

Na perspectiva de considerações finais acerca da presente investigação,


propõe-se uma sequência de conclusões dos estudos desenvolvidos em cada
capítulo, conforme se passa a expor.
No primeiro capítulo, podemos concluir que os direitos políticos são
direitos fundamentais e, portanto, gozam de caracteres próprios da
fundamentalidade, dentre os quais se destaca a universalidade.
O núcleo essencial dos direitos políticos é o direito universal de sufrágio,
que alcança todos os indivíduos independente de sexo, raça, credo ou
convicção filosófica.
O breve histórico dos direitos políticos, no mundo e no Brasil, revela o
caráter dinâmico do alcance de tais direitos, haja vista a evolução de um direito
marcado por restrições e reservado a uma parcela pequena da população
(privando, por exemplo, mulheres e indivíduos economicamente vulneráveis de
votar e serem candidatos a cargos políticos) para um direito político universal.
A partir do histórico dos direitos políticos também fica clara a fragilidade
dos argumentos para a privação destes direitos de participação a determinados
grupos de indivíduos, argumentos estes que foram sendo derrotados à medida
da evolução do conceito de cidadão enquanto sujeito de direitos.
Portanto, no âmbito de determinado ordenamento jurídico, o sufrágio
será considerado restrito ou universal a depender do grau de restrição a ele
dado, o que estará diretamente relacionado com a aproximação das regras
daquele ordenamento aos ideais democráticos.
Nesse cenário, a característica-princípio da universalidade do sufrágio,
que é também um caracter dos direitos fundamentais de uma maneira geral, se
impõe efetivamente nas sociedades ocidentais a partir do século XX, quando
tais direitos passaram a exigir que qualquer tipo de restrição só ocorra quando
acompanhada de uma argumentação legitimamente democrática que a
justificasse.
Ainda no primeiro capítulo, observou-se que o direito de sufrágio,
enquanto núcleo essencial dos direitos de participação política, possui duas
facetas: o direito de voto (capacidade eleitoral ativa) e o direito de se lançar
161
candidato (capacidade eleitoral passiva). Nesse sentido, a distinção se faz
necessária, porque a partir dela é possível observar que para cada uma das
faces deste direito podem haver justificativas diferentes para o estabelecimento
das restrições.
Encerra-se, neste primeiro capítulo pela existência de uma relação direta
entre Direitos Políticos com a Democracia e a Cidadania desde a antiguidade
clássica, partindo de uma premissa existente à época de que cidadão era o
detentor de direitos políticos, e, como tal, gestor de uma sociedade
democrática de forma direta.
Com o advento do instituto da representação, os Direitos Políticos, a
Democracia e a Cidadania continuaram interligados. Porém, a “gestão” passou
a estar nas mãos dos eleitos pelos cidadãos, de forma que o direito de sufrágio
se divide em dois lados, sem dissociar o direito de participação da ideia da
cidadania e da democracia, que passa a ser exercida de maneira
representativa.
Se por um lado, a democracia passou para um estágio de maior
complexidade a partir do instituto da representação, a cidadania, a partir do
século XX, também assumiu novas feições que não se restringiram somente ao
exercício de direitos políticos, mas sim, como a qualidade de um sujeito de
direito a ter direitos, de modo que eventual restrição de direitos políticos não
desnatura a qualidade de cidadão de um indivíduo, apenas interfere na sua
capacidade eleitoral ativa e passiva.
Para além disso, nessa perspectiva de identidade entre cidadão e
pessoa humana, um número maior de indivíduos alcança o status de cidadão
ativo, reforçando a ideia de universalidade do sufrágio que norteia as regras
relacionadas aos direitos políticos, o que, por conseguinte, concretiza o
princípio democrático. Logo, tem-se que “democracia”, “cidadania” e “direitos
políticos”, na medida de sua evolução afetam e são afetados uns para com os
outros de forma direta.
No segundo capítulo, a partir do estudo das restrições dos direitos
políticos, enquanto direitos fundamentais, restou evidenciado que a regra
estabelecida no art. 15, III, da Constituição da República Federativa do Brasil
tem natureza de restrição de direito fundamental estabelecida diretamente no
texto da Carta Magna brasileira.

162
Diante de tal conclusão, com base em normas internacionais,
esclareceu-se que ainda que os direitos políticos sejam fundamentais, há
determinadas situações em que os mesmos podem ser restringidos, restando
consignado especificamente na Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de San José da Costa Rica) - ratificada pelo Brasil através do Decreto
nº 562 de 22 de julho de 1922 – que a condenação criminal é uma das
possibilidades em que a restrição de tais direitos pode ser operada.
No mesmo capítulo, também notou-se que a situação objeto da presente
investigação é polêmica, não por se tratar de restrição em razão de
condenação criminal, mas sim, por se tratar de restrição em razão de
condenação criminal de forma genérica e sem uma justificativa legítima para tal
generalidade, de modo que independentemente do crime, do quantum e da
natureza da pena e do regime de cumprimento da mesma, é imposta uma
restrição de direito político fundamental como efeito automático da sentença
penal condenatória.
Para fins comparativos, foram traçados breves comentários acerca das
demais situações em que a Convenção de Direitos Humanos possibilitou a
restrição de direitos políticos fundamentais. Verificou-se, nesse sentido, a
existência de justificativa plausível para estas circunstâncias, como, por
exemplo, aconteceu com a exigência do grau de instrução do indivíduo para
exercício do direito político. Neste caso, o próprio ordenamento jurídico
brasileiro diferencia a exigência de grau de instrução a depender se se trata do
exercício do direito de voto – conferindo possibilidade de votar ao analfabeto –
ou do exercício do direito de se lançar candidato – situação em que é exigido
um determinado grau de instrução, de modo que analfabetos não podem se
lançar candidatos por questões atinentes a dificuldades no exercício da gestão
dos negócios públicos.
A pesquisa revelou também que em alguns países há restrição aos
direitos políticos em grau mais elevado (como no caso dos EUA), bem como,
há países em que se constata uma estrita obediência à proporcionalidade para
fins de restrição a direitos políticos (a exemplo do Canadá).
De forma mais específica, ao realizar o estudo da restrição do direito de
sufrágio, enquanto núcleo essencial dos direitos políticos ficou evidente a
necessidade de tratarmos a restrição do direito de voto de forma diferente da

163
restrição do direito de se lançar candidato – o que não foi feito no art. 15, III, da
CRFB - haja vista que, embora o indivíduo tenha um dever cívico quando
escolhe um representante, a responsabilidade de um cidadão ao ser eleito para
um cargo político é bem maior, pois, em nome de uma expressiva parcela de
indivíduos que o escolheu, o mesmo exercerá efetivamente a gestão dos
negócios públicos, o que exige valores éticos mais evidentes do que para mero
exercício da capacidade eleitoral ativa, inclusive para proteção da própria
sociedade representada.
Ademais, as atribuições do cargo político impõem uma rotina não
conciliável com a reclusão em estabelecimento penitenciário, o que, por si,
justificaria a restrição da capacidade eleitoral passiva de qualquer indivíduo
condenado a pena de detenção e reclusão sem possibilidade de substituição
por restritivas de direito, não se podendo afirmar o mesmo sobre o direito de
voto.
Nota-se, portanto, que o tratamento indiferenciado por parte do Poder
Constituinte Originário quanto às duas faces do direito de sufrágio (capacidade
eleitoral ativa e passiva) denota generalidade da regra que torna frágil a
demonstração de uma justificativa legítima para que se restrinjam direitos
políticos de forma tão abrangente.
Para além do já demonstrado até aqui, o capítulo III descortina um
levante na jurisprudência internacional, especialmente em decisões reiteradas
da Corte Europeia de Direitos Humanos a partir do Caso Hirst X Reino Unido,
no que se refere a necessidade de ser aferida a proporcionalidade quando da
aplicação de uma restrição de direito político fundamental.
Sobre os casos julgados pela CEDH, apresentados na presente
investigação, merece destaque o Anchugov e Gladkov X Rússia (julho de
2013), em que a Corte foi enfática no sentido de que a regra originária da
Constituição russa ao restringir direitos políticos é desprovida de
proporcionalidade e, ainda que carregue o status constitucional, deve ser
adequada sob o crivo da proporcionalidade.
Diante deste panorama, muito embora o Brasil não esteja vinculado a
tais decisões tomadas pelos Tribunais de outros países, tampouco pelas
decisões da CEDH, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
traz os Direitos Fundamentais enquanto valores e, justamente por esta razão,

164
tem-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão
Geral no Recurso Extraordinário 601182 oriundo de Minas Gerais, conferindo
autoaplicabilidade ao art. 15, III, da CRFB de 1988 se mostra na contramão da
teoria dos direitos fundamentais, primeiramente por ignorar a existência de
duas facetas do direito de sufrágio (votar e ser eleito) a serem tratadas de
forma distinta para fins restritivos, e, mais ainda, por possibilitar aplicação
genérica de uma regra restritiva de direito fundamental que se impõe a
qualquer condenado criminal, independentemente do crime, da natureza da
pena e do respectivo regime de cumprimento.
Vale dizer que a condenação criminal apenas impõe responsabilização
do indivíduo pelo ilícito penal praticado, cerceando sua liberdade de
locomoção, restando os demais direitos fundamentais protegidos, razão pela
qual se pode afirmar que para a restrição destes também se fazem necessárias
justificativas legítimas.
Além disso, nos votos dos Ministros do STF que sustentaram a decisão
vencedora – pela autoaplicabilidade do dispositivo constitucional – em nenhum
deles foi enfrentada a questão da proporcionalidade da medida, restando os
argumentos das decisões vencedoras detidos na natureza constitucional da
norma, o que, por si só, lhe conferiria autoaplicabilidade.
Outra questão importante sobre a interpretação dada pelo STF se refere
aos fundamentos pelos quais o Poder Constituinte Originário teria colocado tal
norma no texto constitucional. Segundo os termos da decisão do STF, conferir
autoaplicabilidade à norma se coaduna com a vontade do Constituinte
originário em impor um critério ético para fins de exercício dos direitos políticos.
Contudo, comprovou-se na presente investigação, por meio da análise
dos Anais da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, que a motivação para
a regra de suspensão dos direitos políticos em razão de condenação criminal
permanecer na Constituição de 1988 tem fundamento na dificuldade logística
do Estado para possibilitar o direito de voto aos indivíduos encarcerados, não
sendo naquele momento de discussão política sequer mencionado a questão
da elegibilidade, até porque, uma vez impedido de votar, automaticamente o
indivíduo tem sua elegibilidade prejudicada.
Logo, parece ter desnaturado o argumento fático do STF com relação à
vontade do legislador, não havendo argumentação jurídica suficiente para

165
sustentar o critério ético como fundamento de uma restrição de direitos
políticos fundamentais de forma genérica, ignorando para tal a observância aos
princípios de interpretação constitucional como o princípio da interpretação
conforme, o da unidade da Constituição, da máxima efetividade da mesma, e,
especialmente, o princípio da proporcionalidade.
Constatou-se, ainda, que embora a regra contida no art. 15, III, da CF de
1988 seja genérica, a Suprema Corte brasileira já teve várias oportunidades
para interpretá-la em conformidade com os direitos fundamentais possibilitando
que o legislador infraconstitucional graduasse, através do critério da
proporcionalidade, os delitos em que a regra restritiva deveria ser aplicada.
Convém dizer que a interpretação pela autoaplicabilidade do dispositivo
se ateve a argumento meramente positivistas, dispensando a regra restritiva do
crivo da proporcionalidade, e, em linha de consequência, não levou em
consideração os direitos fundamentais enquanto valores que sustentam a
Carta Magna vigente para impor limites aos limites.

166
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