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CENTRO REGIONAL UNIVERSITÁRIO DE ESPÍRITO SANTO DO

PINHAL – UNIPINHAL –
FACULDADE DE DIREITO DA FUNDAÇÃO PINHALENSE DE
ENSINO

REDUÇÃO DA IDADE PENAL: Análise dos critérios, posições


favoráveis e contrárias

Espírito Santo do Pinhal/SP


– 2021 –
ESTER SANTOS DA ROCHA

REDUÇÃO DA IDADE PENAL: Análise dos critérios, posições


favoráveis e contrárias

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Direito do Centro Regional
Universitário de Espírito Santo do Pinhal/SP
como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Professor Orientador(a): Dianne Florence


Brando Junqueira

Espírito Santo do Pinhal/SP


– 2021 –
Ester Santos da Rocha

REDUÇÃO DA IDADE PENAL: Análise dos critérios, posições favoráveis e


contrárias

Monografia aprovada em _____/_____/_____ como requisito parcial para


obtenção do título de Bacharel no curso de graduação em Direito no Centro
Universitário de Espírito Santo do Pinhal/SP.

Banca Examinadora:

Orientador: Prof. Dianne Florence Brando Junqueira

__________________________________________________
Professor(a) Membro

__________________________________________________
Professor(a) Membro

__________________________________________________
Professor(a) Membro
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
Epígrafe
RESUMO

A produção normativa no Brasil é positiva. Em outros termos a Lei é a fonte


primário do Direito e a Constituição é o farol para produção legislativa. Em que
pese este caráter hermético, a produção legislativa deve se atentar as vozes das
ruas, produzindo leis que estejam de acordo com as aspirações e os anseios da
nação. Porém, este processo de “leitura” não pode ser momentâneo e deve se
atentar ao próprio conjunto de normas já existentes. Caso de grande debate, a
redução da idade penal é assunto sempre presente em ambientes jurídicos e
acadêmicos. Trata-se de uma reinvindicação de determinada camada da
sociedade, rechaçada por outra parcela e que sempre aflora quando um menor
se envolve em algum caso de repercussão nacional. Este trabalho propôs uma
apresentação jurídico histórica do conceito de criança e adolescente, como o
Estado brasileiro trata os menores de 18 anos e como a atual legislação entende
a idade penal. Ademais, compilou-se impressões contrárias e favoráveis a
redução da idade penal, com ênfase a um caso concreto que veio a pontuar o
debate. Ao final, deixasse impresso a entendimento que qualquer modificação
legislativa deve vir de um processo jurídico, embasado na lei e proposto após
um debate nacional que compreenda a importância do tema.

Palavras-chave: menoridade penal. direito da criança e do adolescente. ECA.


criminalidade. direito.
ABSTRACT

Normative production in Brazil is positive. In other words, the Law is the primary
source of Law and the Constitution is the beacon for legislative production.
Despite this hermetic character, the legislative production must pay attention to
the voices in the streets, producing laws that are in accordance with the
aspirations and aspirations of the nation. However, this “reading” process cannot
be momentary and must pay attention to the set of already existing norms. A case
of great debate, the reduction of the criminal age is a subject always present in
legal and academic environments. It is a claim of a certain layer of society,
rejected by another portion and that always surface when a minor gets involved
in some case of national repercussion. This work proposed a historical legal
presentation of the concept of child and adolescent, how the Brazilian State treats
minors under 18 years of age and how current legislation understands the
criminal age. Furthermore, contrary and favorable impressions of the reduction
of the penal age were compiled, with emphasis on a specific case that came to
punctuate the debate. At the end, the understanding that any legislative change
must come from a legal process, based on the law and proposed after a national
debate that understands the importance of the subject, was printed.

Keywords: criminal minors. rights of children and adolescents. ECA. crime. right.
LISTA DE SIGLAS

art. Artigo
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
CC Código Civil
CF Constituição Federal
CF/88 Constituição Federal de 1988
CP Código Penal
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
nº número
NCPC Novo Código de Processo Civil
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
§ Parágrafo
p. Página
s/p Sem página
PEC Proposta de Emenda à Constituição
SAN Serviço de Assistência do Menor
STJ Superior Tribunal de Justiça
STF Supremo Tribunal Federal
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.............................................................................................. 11

2. EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE....... 13


2.1 Conceito jurídico de Criança e Adolescente................................................ 16
2.2. Código Penal no Império e o trato para com o menor infrator................... 16
2.3. Código Mello Matos de 1927..................................................................... 18
2.4. Evolução legislativa e o ECA...................................................................... 20

3. MENORIDADE PENAL NO BRASIL E EM OUTROS PAÍSES.................... 24


3.1. O menor e a Criminalidade......................................................................... 24
3.2. Como outros países lidam com a menoridade penal................................. 25
3.3. A matriz positiva do Direito Brasileiro......................................................... 28

4. MENORIDADE PENAL, A CONSTITUIÇÃO E ARGUMENTOS................. 30


4.1. Corrente favorável à redução da menoridade penal.................................. 30
4.2. Corrente favorável à manutenção da menoridade penal............................ 32
4.3. Caso Champinha e a Mídia como poder paralelo...................................... 34

5. CONCLUSÃO................................................................................................ 36

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................. 37
11

1. INTRODUÇÃO

A criminalidade sempre esteve presente na sociedade humana. O Código


Penal é um modelo, uma utopia a orientar os atos que atentem contra a pessoa, a
sociedade e façam lacear o tecido de unidade nacional.
Qualquer que seja a lei, traz consigo este caráter proibitivo e modulador; porém,
em uma democracia, a lei, em sentido que modula, também deve estar atenta aos
anseios e inspirações daquele conjunto humano. Tanto é assim que a medida em que
a sociedade se desenvolve há a revogação de leis e a promulgação de novos institutos
que passam a validar novos arranjos. Portanto, a lei positiva, tal como preexistem em
nosso ordenamento, é a fonte imediata do Direito, mas a própria lei, em momento
anterior a sua promulgação e agregação ao ordenamento, passa por uma modulação
legislativa preparatória para espelhar aquilo que vem da sociedade.
A redução da menoridade penal, neste sentido, é tema sempre pertinente. Há
no Brasil atual uma tendência na opinião pública por um maior combate à
criminalidade e uma reformulação da lei penal e processual penal que possibilitem
punições mais rigorosas, inclusive com ênfase no tratamento dos atos infracionais,
que passariam a ser considerados crimes, levando a efetiva prisão de menores de 18
anos.
Longe das discussões sociológicas e psicossociais, fenômenos extravagantes
ao Direito, aqui optou-se por discutir os aspectos jurídicos da redução da menoridade.
Há um ordenamento jurídico vigente que deve ser cumprido. A Constituição Federal é
clara ao consagrar a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal, a
primazia do Estado, do interesse coletivo, bem como do melhor interesse da criança
e do adolescente.
Mesmo sentido, a Segurança Pública, por mandamento constitucional, também
é dever do Estado. Mas, a criminalidade na tenra idade é um caso de polícia sempre?
As questões são mais abrangentes e partem muitas vezes de premissas pobres que
levam em conta a pox populi muitas vezes guiada por uma mídia imparcial interessada
em promover agendas, sem levar em consideração o caráter orgânico de composição
de uma legislação nacional, que, como dito acima, deve partir de uma discussão nas
casas representativas do povo, com ouvidos sim, nas ruas, mas tendo-se sempre
como norte a Lei.
12

Diante deste fato, insurge-se o questionamento da possibilidade da redução da


idade penal no Brasil; e para que se encontre uma posição sólida sobre o tema da
redução da menoridade penal, foi proposto neste trabalho uma análise sobre a
evolução dos direitos da criança e do adolescente, conhecendo os conceitos que
envolvem o tema, perpassando-se pelo período imperial, o Código Penal de 1927 e
as leis especiais vindouras, tudo para melhor compreender como o Direito percebe a
participação dos menores no mundo da criminalidade.
Por fim, serão apresentados os argumentos contrários e favoráveis à redução
da maioridade penal, a luz da Constituição da República de 1988, do ECA, trazendo
a baila o caso Champinha para melhor oportunizar uma análise quanto a natureza
jurídica do tema e como, por muitas vezes, o julgamento social perturba o bom
andamento da Justiça.
13

2. A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

A criança e o adolescente ganharam um papel de protagonismo após a


promulgação da Constituição da República de 1988, sobretudo pela mudança de
paradigma consagrada por aquela Carta Maior.
Se anteriormente, no Estado Liberal, a propriedade e os direitos patrimoniais
eram o principal foco do direito como um todo, a consolidação do Estado Democrático
de Direito reveste o direito de humanidade, fazendo com que o foco, desta feita, seja
destinando ao cidadão, incluindo as crianças e adolescentes.
Não por coincidência o Estatuto da Criança e do Adolescente foi publicado em
1990, apenas dois anos após a Constituição entrar em vigor.
No decurso do século XX, grandes foram as mudanças na sociedade.
Contudo, o ordenamento jurídico civilista nacional, e seu ramo no Direito de Família,
em especial o ramo destinado a proteção da criança e do adolescente, pouco
avançou.
Foi a Constituição de 1988 que:

[...] absorveu essas transformações e adotou uma nova ordem de valores,


privilegiando a dignidade da pessoa humana, realizando verdadeira
revolução no Direito de Família, a partir de três eixos básicos [...] a entidade
familiar é plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição. O
segundo eixo transformador encontra-se no § 6º do art. 227. É a alteração do
sistema de filiação, de sorte a proibir designações discriminatórias
decorrentes do fato de ter a concepção ocorrido dentro ou fora do casamento.
Já a terceira grande revolução situa-se nos artigos 5º, inciso I, e 266, § 5º. Ao
consagrar o princípio da igualdade entre homens e mulheres, derrogou mais
de uma centena de artigos do Código Civil de 1916 (GONÇALVES, p. 33,
2017).

O novo texto constitucional pavimentou o caminho de outras transformações


nos institutos jurídicos referentes ao Direito de Família, abrindo um leque de
possibilidades quase irrestrito (SOUZA e DIAS, 2001).
Além do mandamento constitucional, onde se observa ser absoluta a
prioridade dos direitos da criança e do adolescente (art. 227 da CF/88), foi inserido ao
direito pátrio a Convenção Internacional dos Direitos da Criança – elaborada pelas
Nações Unidas em 1989. Desde modo, desde 1990, deve-se respeitar o ditame do
art. 3.1 da mencionada convenção, o qual traz em seu bojo a expressão “interesse
maior da criança”, o qual deve nortear as relações jurídicas envolvendo os infantes. É
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por força da convenção que se adota o princípio do melhor interesse da criança


(MACIEL, 2016).
O princípio do melhor interesse da criança não é uma recomendação de um
instituto internacional ao direito pátrio, é uma diretriz determinante nas relações da
criança e do adolescente com os pais, a família, a sociedade como um todo e o
Estado. Acerca disto, Teixeira (2003), de modo a consagrar a aplicação do princípio
nos diplomas legais e explica:

[...] o teor desse novo dispositivo consagra situações jurídicas conhecidas e


também abre espaço para novas formulações já em construção,
especialmente a socioafetiva cabível em ‘outra origem (et. al. TEIXEIRA,
2003, p. 17).

Nesta ótica, o desafio é converter a parcela infanto-juvenil da população em


sujeitos de direito, deixando-os de considera-los objeto passivo, dando-lhes o status
de titulares de direitos juridicamente protegidos. Esta visão está descrita nos artigos
4º e 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8.069/90:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder


público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância
pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com
a proteção à infância e à juventude.
[...]
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que
ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais
e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas
em desenvolvimento (BRASIL, 2021).

É o princípio do melhor interesse um espelho do caráter integral da orientação


doutrinal dos direitos da criança e do adolescente em relação com a doutrina dos
direitos humanos em sentido amplo. Desta forma, com base na natureza dos
princípios, inexiste supremacia de um sobre os outros, devendo, em eventual colisão,
agir pelo balanceamento dos interesses em cada caso concreto. Assim, sendo a
criança e o adolescente, parte da comunidade humana:
15

[...] seus direitos não se exerçam separada ou contrariamente ao de outras


pessoas, o princípio não está formulado em termos absolutos, mas que o
interesse superior da criança é considerado como uma ‘consideração
primordial. O princípio é de prioridade e não de exclusão de outros direitos ou
interesses. De outro ângulo, além de servir de regra de interpretação e de
resolução de conflitos entre direitos, deve-se ressaltar que nem o interesse
dos pais, nem o do Estado pode se considerado o único interesse relevante
para a satisfação dos direitos da criança (BRRUÑOL, 1997, p.8).

Em concordância com todo o exposto, pode-se dizer que a estrutura da família


frente ao direito mudou, não é mais um edifício hierárquico, piramidal, onde a criança
e o adolescente se encontravam na base da edificação. Hoje, o olhar jurídico enxerga
a estrutura da família como um círculo, onde no centro se alojam os filhos e cuja
periferia da parabólica é lotada pelas relações com seus genitores, os quais orbitam
aquele centro. Em anos mais recentes, contudo, outro desenho de família brota no
mundo jurídico, este com aspecto estelar, também se alocando o menor no centro da
matriz, sobre o qual convergem relações biológicas e sociais com os genitores de
modo conjunto ou separadamente, inserindo-se ai realidades como crises e
separações conjugais (PEREIRA, 2004).
Finalizando, o princípio revê a ordem de prioridades. Se antes os litígios entre
filiação biológica e a socioafetiva (ou não biológica), advindas da posse de estado de
filiação, o exercício do Direito pendia para a primeira orientação, vislumbrando o
interesse dos pais biológicos como fator determinante, raramente emitindo decisões
e pareceres favoráveis aos interesses do menor. De algum modo, isto se alinhava a
visão de família tradicional, hierárquica, onde o poder dos pais sob os filhos era
natural, uma hegemonia com base consanguínea legítima. Menos que um sujeito de
direitos, o menor era visto como objeto em disputa. A nova orientação do direito trás
os filhos como protagonistas, a predominância do interesse do menor norteará a
decisão do magistrado, o qual decidirá se a realização pessoal da criança e do
adolescente estará mais bem garantida com os pais biológicos ou não biológicos. De
todo modo, a convivência familiar deve terá seu local de relevância, constitutiva da
posse do estado de filiação, sendo ela a prioridade absoluta do menor (CF/88, art.
227).
Tanto mais, é importante salientar que nem sempre toda essa importância foi
destinada a essa classe da população. Antes de adentrar nos aspectos históricos é
importante que se compreenda o conceito de criança e adolescente.
16

2.1. Conceito jurídico de Criança e Adolescente

É importante, para fins de análise dentro do âmbito do Direito, que se


esclareça as definições sobre os termos criança e adolescente dentro do mundo
jurídico, pois, como vem se mostrando neste estudo, é na lei onde repousa o
entendimento necessário a aplicação do Direito.
Neste sentido, o Estatuto da Criança e adolescente, criado pela lei 8.069 de
1990, considera o menor de 12 como criança e aquele compreendido entre 12 e 18
anos como adolescente, e ainda prevê a possível aplicação do Estatuto em pessoa
que estejam na faixa dos 18 aos 21 anos, para casos expressamente previstos em lei,
mas sem lhes destinar a nomenclatura de adolescente:

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze
anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos
de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente
este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. (BRASIL,
2021).

Portanto não pode haver dúvida quanto ao conceito jurídico de criança. Não
há análise de estrutura corpórea, intelectual, conceitos abstratos de criação, gênero,
localidade de nascimento. Criança e adolescente são identificados na lei por suas
idades de nascimento e tudo estranho a isto não deve ser levado em consideração na
análise de um ato infracional em detrimento a um delito penal. A apuração dos fatos,
em fase processual própria e que respeito o rito devido, aí sim, trará luz aos
acontecimentos passiveis de reprimenda.

2.2. Código Penal no Império e o trato para com o menor infrator

No período imperial a preocupação dos governantes se fazia a respeito das


infrações cometidas pelas crianças e adolescentes, assim nesta realidade foi instituído
o Código Penal do Império em 1830. O Código Penal do Império, no seu artigo 10,
inciso I previa inimputabilidade aos menores de 14 anos, com uma ressalva no artigo
13:
17

Art. 10.º Também não julgarão criminosos:


1.º Os menores de 14 anos.
[...]
Art. 13.º Se se provarem que os menores de 14 anos, que tiverem cometido
crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhido á casas de
correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não
exceda á de dezessete anos (BRASIL, 2021).

Entende-se que caso fosse verificado que o menor de 14 anos, que praticasse
algum crime e tivesse sabedoria, discernimento do ato que estava a cometer, este
deveria ser recolhido a uma casa de correção. Era chamado Critério Biopsicológico –
resulta da fusão dos dois anteriores. Diante da presunção relativa de imputabilidade,
conjuga os trabalhos do perito e do magistrado, analisando se, ao tempo da conduta,
o agente era capaz de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com
esse entendimento. É o critério adotado pelo Direito Penal, conforme se verifica no
art. 26 do ECA. No que toca aos menores de 18 anos, foi adotado o critério biológico.
Ainda sobre o Código Crimina de 1830, Francisco Pereira de Bulhões
Carvalho explica a diferenciação em classes dos menores:

O nosso Código Criminal de 1830 distinguia os menores em quatro classes,


quanto à responsabilidade criminal: a) os menores de 14 anos seriam
presumidamente irresponsáveis, salvo se provasse terem agido com
discernimento; b) os menores de 14 anos que tivessem agido com
discernimento seriam recolhidos a casas de correção pelo tempo que o juiz
parecesse, contanto que o recolhimento não excedesse a idade de 17 anos;
c) os maiores de 14 e menores de 17 anos estariam sujeitos às penas de
cumplicidade (isto é, caberia dois terços da que caberia ao adulto) e se ao
juiz parecesse justo; d) o maior de 17 e menor de 21 anos gozaria da
atenuante da menoridade (CARVALHO, 1977, p. 312).

E de grande valia ressaltar que os maiores de 14 anos e menores de 17 anos


respondiam pelos crimes, suas penas eram estipuladas em 2/3 (dois terços) da pena
dos adultos, em caso de cumplicidade. E os jovens entre 17 anos e 21 anos recebiam
atenuantes de menoridade.
Ficava a cargo do juiz decidir sobre os aspectos subjetivos, como o
discernimento ou não em relação ao ato criminal ou a cumplicidade junto aos adultos.
Durante este período, o Estado é alertado sobre a situação dos menores
abandonados ou expostos. Para solucionar o problema, o Brasil passa a adotar uma
prática advinda da Europa, conforme explica Andréa Rodrigues Amin:
18

No século XVIII aumenta a preocupação do Estado com órfãos e expostos,


pois era prática comum o abandono de crianças (crianças ilegítimas e filhos
de escravos, principalmente) nas portas das igrejas, conventos, residências
ou mesmo pelas ruas. Como solução, importa-se da Europa a Roda dos
Expostos, mantidas pelas Santas Casas de Misericórdia (AMIN, 2010. p. 5).

Tal recurso foi adotado mais como um meio de proteção a quem abandona
que dali em diante poderia fazer anonimamente e seria um meio a proteção à criança
propriamente dita.
Além das penas mais severas, pode perceber também uma grande
preocupação em relação aos cuidados com os menores um fato inovador nunca
precedido pelas legislações brasileiras. Afirma neste sentido Carlos Eduardo Barreiros
Rebello:

A preocupação com o menor na nova legislação ficou evidente na nova


legislação, na medida em que foram desenvolvidas políticas em cinco pontos
fundamentais, quais sejam: a imputabilidade absoluta; o tratamento
diferenciado para os menores infratores; os lugares especiais para o
recolhimento das crianças; a vadiagem infantil e o próprio comportamento
sexual das meninas (REBELLO, 2010. p. 24).

No ano de 1890 um novo Código foi criado, já sob a égide da República. Era
o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, que em seu texto foi mais rigoroso com
os menores, ao passo que somente os menores de 9 anos seriam inimputáveis. O
menor entre nove e quatorze anos deveria ser avaliado pelo magistrado para
avaliação da sua capacidade de discernimento, mas inegavelmente era presente a
sua relativa responsabilidade.
Nota-se pela análise de datas e conceitos uma preocupação do legislador em
estabelecer critérios para não punir atos praticados por menores de idade como
medida de proteção da própria comunidade, visto que a infração cometida por
menores de 14 anos, por certo, deriva de um conjunto muito superior ao edifício
meramente punitivo do Direito Penal, carecendo de uma análise caso a caso, mas
nunca procedendo-se com uma punição.

2.3. Código Mello Mattos de 1927

Com o golpe de 1889 e a instauração da República, houve uma mudança de


paradigma e uma nova constituição foi promulgada. Vários temas foram ganhando
maior visibilidade na sociedade, como os direitos das crianças e adolescentes.
19

Já no início do século começa a se perceber a mudança na forma de se


visualizar os direitos da criança e adolescente, como exemplo é importante mencionar
um projeto de lei de 1912, que propõe o afastamento dos direitos da criança e
adolescente da área penal:

Em 1912, o Deputado João Chaves apresenta projeto de lei alterando a


perspectiva do direito de crianças e adolescentes, afastando-o da área penal
e propondo a especialização de tribunais e juízes, na linha, portanto, dos
movimentos internacionais da época (AMIN, 2010, p. 6).

A proposta era inovadora, criar tribunais e juízes especializados nos direitos


da criança e do adolescente, entretanto este fato não ocorreu de imediato.
A discussão à época levou a construção de uma Doutrina do Direito do Menor,
que teve como basilar o binômio da carência/delinquência. O entendimento era de que
a delinquência era fruto da pobreza, não importando outros fatores. Era como se
dissessem que a infância pobre significava a infância criminosa, o que delineou
também a Doutrina da Situação Irregular (AMIN, 2010).
A primeira codificação destinada exclusivamente para crianças e
adolescentes foi editada no Brasil em 1927, conhecido como Código Mello Mattos, em
homenagem ao autor do texto que originou a Lei (PAES, 2013).
O Brasil, em 1927, ainda estava sob a égide do Estado liberal e vivendo uma
grave crise econômica e social, que também afligia ao mundo como um todo. Já existia
um movimento mundial acerca da consolidação do Estado Social, sendo o México o
primeiro país a adotar esse paradigma em sua Constituição em 1917, seguido da
Alemanha em 1919. O Brasil se abria a essa nova possibilidade, tendo em vista que
se inspirava na Alemanha para embasar o seu sistema jurídico (HORTA, 2003).
A Constituição social no Brasil só surgiu em 1934, mas em 1927 havia o
questionamento se o Estado deveria intervir em maior quantidade na vida social de
seus cidadãos, condição essa contrária ao Estado Liberal.
Entretanto, o Código de Menores foi instituído para oferecer proteção e
punição os menores abandonados ou delinquentes, conforme seu artigo 1º:

Art. 1º O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver


menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente ás
medidas de assistência e proteção contidas neste Código (BRASIL, 2021).
20

O conteúdo que advinha do Código de Menores era oriundo da situação social


vivida no país. Os direitos e deveres da criança e adolescente eram vistos e tratados
como problemas sociais e não somente como direitos a serem ofertados e
resguardados.
A partir da publicação do Código de Menores, o enfoque já não era mais só
penal, a questão social ganhou espaço, passando o Estado a adotar um papal mais
assistencialista, inclusive com a criação do Juizado de Menores. Neste sentido afirma
Wilson Donizeti Liberati:

Essa ‘ação social’ do Juízo de Menores foi considerada um ‘diferencial’ entre


os magistrados, que preferiam desempenhar uma função mais voltada para
o ‘social’, cuja prática permaneceu vigorosa até a promulgação do Estatuto
da Criança e do Adolescente, que privilegiou o aspecto jurídico (LIBERATI,
1991. p. 31).

Esta ideia de focar nos males sociais, substancialmente ganhou força em uma
sociedade ainda revestida de muitos preconceitos e que vinha de uma abolição da
escravidão dos povos negros ainda recente, complementada pela imigração em
massa de europeus pobres, o que acabou ajudando na favelização de muitas cidades
e o surgimento de uma classe de excluídos muitas vezes vista como nociva a
sociedade, de maneira que o fator social muitas vezes se sobrepunha a lei.
No caso dos menores, isto também foi levado em consideração e a
delinquência juvenil era vista como um problema econômico, enfrentado em colônias
agrícolas para reeducação.

2.4 Evolução legislativa e o ECA

A Constituição de 1937 insere mais ainda os direitos da criança e adolescente


na área de cunho social. O Código Penal de 1940, ainda em vigor, trouxe uma
importante inovação qual seja a inimputabilidade ao menor de 18 anos, utilizando-se
exclusivamente do critério biológico, sem nenhum tipo de imputabilidade ao menor,
mesmo se houver a presença do discernimento (ZAFFARONI, 2004).
Em 1941 é criado o SAM – Serviço de Assistência do Menor, para atender aos
menores que cometiam delitos e carentes. Os cuidados do Estado com a infância
passaram a se manifestar na forma de internações e quebra do regime de convivência
21

familiar, substituindo-o por vínculos institucionais com foco na correção e não do afeto,
ainda que o afastamento da família fosse completo (AMIN, 2010).
Iniciou-se no Brasil uma discussão acerca do modelo de tutela da criança e
adolescente, já sob a égide da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948
e da Declaração dos Direitos da Criança de 1959, com o cunho de ajustar a atuação
do Estado, sobretudo com relação ao afastamento das famílias. Contudo, após o
Golpe Militar de 1964, essa discussão foi interrompida. Muitas eram as críticas ao
SAM, que culminaram com a sua extinção. Neste sentido afirma Andrea Rodrigues
Amin:

A década de 60 foi marcada por severas críticas ao SAM que não cumpria e
até se distanciava do seu objetivo inicial. Desvio de verbas, superlotação,
ensino precário, incapacidade de recuperação dos internos foram alguns dos
problemas que levaram à sua extinção em novembro de 1964, pela Lei nº
4.513 que criou a FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor.
(AMIN, 2010, p. 7).

A FUNABEM apresentava uma proposta assistencial progressista, o que na


prática era mais um instrumento de controle dos militares. Propagandas eram
veiculadas sobre o grande trabalho realizado pela FUNABEM, convidando os pais
inclusive para enviar seus filhos para o local.
Em 1967 voltou a vigorar o sistema de imutabilidade misto, com a lei 5.228,
que trouxe novamente a redução da maioridade, desta vez para 16 anos, desde que
houvesse o discernimento. Desta forma o menor entre 16 e 18 anos poderia ser
responsabilizado por um crime, desde que presente a sua capacidade de entender o
ato que cometera (AMIN, 2010).
Em 1979 foi aprovado um novo Código de Menores, sob as mesmas diretrizes
do anterior, sempre penalizando os menores carentes. A Lei 6.697/79, que trouxe
como novidade a condição do menor em situação irregular, conforme o Art. 2º da
referida Lei:

Para os efeitos desse Código, considera-se em situação irregular o menor:


I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: falta, ação ou omissão
dos pais ou responsável para provê-las;
II – vítima de castigos ou maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos
pais ou responsável;
III – em perigo moral, devido a: encontrar-se de modo habitual, em ambientes
contrários aos bons costumes; exploração em atividades contrárias aos bons
costumes;
22

IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos


pais ou responsável;
V – com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária;
VI – autor de infração penal (BRASIL, 2021).

É interessante perceber uma preocupação maior do Estado em não somente


punir por infrações, mas também criar uma situação de proteção em diversos casos
em que o ato prejudicial não advém propriamente do menor.
Em 1988, com a promulgação da Constituição da República, uma nova visão
sobre os direitos da criança e adolescente. A mudança é principalmente estrutural, o
que anteriormente era considerado um problema social passa a ser parte integrante
da sociedade, como os adultos com direitos e deveres.
O Estado sai do papel de repressor apenas e assume a posição, juntamente
com a família e a sociedade, de proteção integral à criança e ao adolescente
assegurando-lhes diversos direitos como saúde e educação, conforme o art. 227.
Tanto mais, o art. 228 da Constituição atesta ser penalmente inimputáveis os menores
de dezoito anos:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às normas da legislação especial (BRASIL, 2021).

Há, portanto, no bojo da lei máximo do país, uma vedação expressa ao


tratamento penal da criança e do adolescente, que devem se sujeitar a legislação
especial pertinente a sua condição de inimputáveis.
Em 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA ganha assento na
legislação pátria. Com inspiração direta da Constituição de 1988 e dos princípios
basilares do Estado Democrático de Direito, o ECA defende que o menor antes dos
18 anos não atingiu ainda o seu pleno desenvolvimento, e que por essa razão é dever
do Estado, da família e da sociedade oferecer e garantir a proteção a ele (BR ASIL,
2021).
Há também a previsão no ECA da inimputabilidade penal ao menor de 18
anos (BRASIL, 2021). Vários são os artigos do ECA que demonstram a sua inspiração
23

no Estado Democrático de Direito e a sua ruptura com os Códigos de Menores


anteriores que eram puramente repressivos:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.


[...]
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais (BRASIL, 2021).

Estes são alguns exemplos do alcance que atualmente versam os direitos da


criança e do adolescente. Outras importantes inserções foram às nomenclaturas
trazidas para a realidade da criança e adolescente. Quando é cometido algum ato
ilegal pelo jovem, o nome não se iguala aos nomes dos crimes dos maiores de 18
anos. Caso uma criança ou adolescente subtraia um item de outra pessoa, não
comete o furto propriamente dito, comete Ato Infracional equiparado a furto
(FERREIRA, 2008).
Portanto, os atos ilegais da criança e adolescente ganham a alcunha de Ato
Infracional. E o maior de 18 anos que comete um crime recebe em contrapartida uma
pena, no caso da criança e adolescente recebe como resposta ao Ato Infracional uma
medida socioeducativa.
24

3. MENORIDADE PENAL NO BRASIL E EM OUTROS PAÍSES

O ordenamento jurídico brasileiro está em constante mudança, entretanto


alguns institutos jurídicos permanecem consolidados, assim como e o caso da idade
penal a ser considerada no julgamento de indivíduos.
Inúmeras transformações sociais ocorrem no Brasil mesmo assim a idade
para a imputabilidade permanece inalterada, 18 anos. E natural frente aos gravíssimos
problemas com relação à violência vividos no Brasil hoje, que se façam algumas
perguntas sobre maneiras para sanar este problema.
Quando um dos causadores da violência e menor de idade existe uma
sensação de impunidade, visto que não e possível imputar de maneira alguma as
penas do nosso Código Penal em vigência como forma de punição aos crimes
cometidos, sendo utilizado como parâmetro somente o que está previsto no ECA.
Com o pensamento de diminuição da violência muitos propõem a redução da
maioridade penal como forma de punir os menores que cometem crimes, e também
coibir preventivamente o cometimento de ilícitos penais, conforme as normas do
Código Penal. É de suma importância que se compreenda alguns aspectos que
envolvem a redução da maioridade penal.

3.1. O menor e a Criminalidade

De início e importante entender quais fatores incentivam o menor a entrar no


mundo do crime. Sabe-se que o Brasil tem proporções continentais em seu território,
o que ajuda a fomentar também a enorme disparidade social nos grandes centros e
também nas cidades interioranas.
O primeiro aspecto que pode ser citado como um dos incentivadores dos
menores na criminalidade é justamente essa diferença social e de renda das famílias.
Com a modernidade e globalização um jovem brasileiro hoje pode utilizar os
mesmos produtos que um jovem europeu, a indústria do consumo e da propaganda
insere no jovem a ideia de que ele só e considerado dos padrões atuais se ele possuir
determinados produtos ou utilizar determinada marca.
25

Este fato gera a ideia na cabeça dos menores de classe baixa, que uma das
formas mais fáceis para conseguir comprar tais produtos e entrando para a
criminalidade.
Obviamente, existem exceções e que está não é uma justificativa a quem
comete crimes, mas infelizmente tal fato está elencado como um dos fatores da
criminalidade do menor.
Em muito dos casos, a família que deveria ser a base já se encontra
corrompida, o que e extremamente grave, devido a importância da família na formação
do menor, por esta razão tanto a CF de 1988 quanto o ECA trazem bastante este
tema. Neste sentido afirma Luciano Alves Rossato:

O Estatuto eleva ao nível de direito fundamental a convivência familiar e


comunitária. O fundamento está na consideração da criança e do adolescente
como pessoas em desenvolvimento, e que imprescindem de valores éticos,
morais e cívicos, para complementarem a sua jornada em busca da vida
adulta. Os laços familiares têm o condão de manter crianças e adolescentes
amparados emocionalmente, para que possam livre e felizmente trilhar o
caminho da estruturação de sua personalidade (ROSSATO, 2014, p. 162-
163).

Os pais, portanto, tem o papel de oferecer aos filhos todo o apoio necessário
para sua formação, tais como vestuário adequado, alimentação condizente, moradia
digna, possibilidade de frequentar a escola bem como todo apoio afetivo possível.
O apoio dos pais oferece à criança a segurança e a tranquilidade para um
crescimento sem o pensamento, pelo em tese, em atos que desvirtuem o que
aprendem em casa.
A frustração por não poder ter um produto da melhor marca não os levará à
criminalidade, o que não se pode dizer de um menor que vive em uma família sem
estrutura mínima de apoio em todos os sentidos.
Outro fator que contribui para a entrada do jovem na criminalidade são os
entorpecentes. Em muitos casos os menores já nascem em um ambiente voltado à
utilização e ao tráfico de drogas, fazendo com que aquele clima seja habitual em sua
vida, e mais uma vez é importante o papel da família, conforme assevera Danielle
Barbosa e Thiago de Souza:

Afora isso, é na primeira etapa da vida que são apreendidos os valores


humanos e as regras da vida em comunidade, sendo certo que a família, por
configurar a ponto primeira que vincula a criança à selva social, revela um
grandioso papel na educação e instrução do indivíduo. Uma boa influência
26

familiar auxilia na compreensão, pela criança, do que é social e moralmente


correto ou censurável. Diversamente, um indivíduo que cresce em um
ambiente corrompido por drogas, crime e prostituição demonstrará vastas
dificuldades em se desvencilhar da marginalização, posto que a formação de
sua personalidade, definida como esteio da estruturação de sua organização
psicológica, restará prejudicada (BARBOSA; SOUZA, 2013. p. 38).

Um jovem, que está caminhando para a adolescência e, portanto, em


processo de transformação, muitas vezes é envolvido pelo tráfico de drogas, seja pelo
desconhecimento da abrangência dos seus atos ou ainda pelo “encanto” nutrido pelos
traficantes de grande repercussão. Para quem nasce em exposição social, dentro das
favelas, o traficante que consegue obter tudo o que quer é o verdadeiro herói para as
crianças.
A baixa qualidade na educação do Brasil é outro fator que expõe o jovem a
criminalidade. Entende-se que e um problema cíclico em que o menor não encontra
em casa a educação ou o apoio dos pais e não encontra na escola uma educação de
base de qualidade. Um claro descumprimento ao artigo 227 da Constituição da
República de 1988, pois, é também dever do Estado assegurar a criança e ao
adolescente a educação e outros direitos legais (BRASIL, 2021).
É, assim, essencial deixar destacado algumas das causas da criminalidade
da criança e do adolescente para que se tenha a compreensão exata de que a redução
da maioridade pode não ser um meio plenamente eficaz para a efetiva diminuição da
criminalidade do menor.

3.2. Como outros países lidam com a menoridade penal

Empresta-se do Ministério Público do Paraná (2017), análise pormenorizada


da situação penal dos menores de 18 anos em alguns países de matriz jurídica
semelhante a nacional, bem como de países anglo-saxões onde o direito
consuetudinário impera.
A começar pela Alemanha, o menor começa a ser responsabilizado pelos
seus atos infracionais aos 14 anos. Não se trata de uma maioridade penal e sim do
início das medidas contra esses atos. Os menores entre 14 e 18 anos na Alemanha
são regidos por um conjunto de medidas socioeducativas, quando cometem atos
infracionais. Este sistema é bastante parecido com o brasileiro, inclusive nas
nomenclaturas.
27

Uma particularidade do sistema alemão é a possibilidade do jovem entre 18 e


21 anos ter seu ato incluído nas regras do direito peal infanto-juvenil, a depender do
estudo de discernimento a ser realizado.
Na Argentina, por seu turno, a possibilidade de penalização menor começa
aos 16 anos, que segundo o art. 75 da Constituição Argentina pode levar o menor as
penitenciárias em caso de infração. A idade penal tradicional é aos 18 anos.
A Áustria também apresenta um sistema misto que prevê a aplicação da Lei
da Justiça Juvenil aos menores de 14 a 19 anos e a maioridade é atingida aos 19
anos. E dos 19 anos aos 21 anos as penas são atenuadas.
No sistema Belga é tutelar e não permite a responsabilização antes dos 18
anos. Mas há a possibilidade de algum tipo de responsabilização através da revisão
da inimputabilidade em caso de cometimento de alguns delitos específicos, como os
de trânsito.
No Canadá a idade possível para as sanções ao menor se dá aos 12 anos, e
é possível que, dependendo da gravidade do ato cometido, a partir de 14 anos o
menor receba uma pena aplicável aos adultos. A maioridade penal tradicional ocorre
aos 18 anos.
Os Estados Unidos são um pouco mais conservadores. Na maioria dos
estados deste país os jovens a partir de 12 anos podem ser submetidos às mesmas
sanções dos adultos. É importante salientar que devido a enorme autonomia dos
estados membros estes podem cada um à sua maneira, determinar a forma como a
legislação penal pode ser aplicada aos menores. Em alguns casos os menores a partir
dos 10 anos já podem ser penalizados e a maioridade tradicional ocorre aos 16 anos.
A França apresenta um sistema muito parecido com o já adotado no Brasil.
Os adolescentes entre 13 e 18 anos possuem uma inimputabilidade relativa, quando
verificado ausente o seu discernimento para o cometimento da infração penal.
Caso seja confirmado que o menor possui condições plenas de avaliar a
abrangência dos seus atos é aplicada a pena com uma diminuição obrigatória até os
16 anos. Na faixa de idade entre 16 e 18 anos a diminuição ou não da pena fica a
critério do juiz.
Na Inglaterra é fixada a idade penal aos 10 anos embora a pena privativa de
liberdade só possa ser imposta aos 15 anos. Há uma divisão de categorias para os
infratores, dos 10 aos 14 anos e dos 14 aos 18 anos. Nesta última faixa de idade as
penas são aplicadas em quantidade diferenciada em relação aos adultos.
28

O Japão estipula a sua maioridade penal aos 21 anos, embora possua uma
ampla legislação sobre a delinquência dos menores (MPPR, 2017). A Rússia define
que a maioridade penal se dá aos 16 anos para todos os delitos. Tratando-se de
delitos graves os menores a partir de 14 anos já podem ser penalizados.
Analisando os números apresentados pode-se perceber que a maioria dos
países ainda tem como base a idade penal tradicional dos 18 anos. Grande parte dos
países mencionados é signatária ou ratificaram a Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança, que recomenda que os jovens menores de 18 anos sejam tratados
de maneira diversa aos adultos.
Percebe-se ainda que existem sistemas mistos onde, a depender da
gravidade do ato cometido, há punições semelhantes aos adultos para os menores
infratores. O Brasil, com seu sistema atual, encontra-se em conformidade com a
maioria dos países e também com a Convenção sobre os Direitos das Crianças.

3.3. A matriz positiva do Direito Brasileiro

Como se viu, cada país assimila a posição social que norteia o processo
legislativo e produz uma lei, seja ela positiva ou por vias de julgados, familiar aquilo
que está impresso no conjunto de símbolos unificadores da nação.
O presente estudo vem demonstrando que o processo de construção do
Direito no Brasil é necessariamente positivista, ou seja, a Lei é a fonte primeiro do
Direito. É da além que advém as decisões judiciais e é lei que sempre irá ministrar e
dosar a aplicação do Direito.
Hoje, tomou-se por premissa que crimes de maior comoção social sejam
julgados pelas massas. Isto se dá por fatores diversos, como o aumento da
criminalidade, as modificações sociais, um ambiente de corrupção muitas vezes vinda
de cima para baixo e que afeta a moral como um todo.
Tudo isto é pertinente em uma discussão, mas nada disto é factual ao Direito.
A aplicação da deve se atenta a norma. A produção da norma, esta sim, como já dito
anteriormente, deve estar sensível ao momento da nação, mas o legislador tem meios
jurídicos para proceder com as mudanças quistas pela maioria.
O processo eleitoral ainda é a melhor solução para a demanda das ruas. A
população elege seus representantes e estes respeitam o sufrágio das ruas votando
em medidas desejadas pela maioria. O processo democrático advém deste respeito a
29

ordem vigente, sendo desnecessário ao processo o lançar de opiniões pautadas em


uma defesa liberal do indivíduo, ou uma defesa social dos excluídos.
A democracia não representa grupos, ela se assenta a representatividade
suprapartidária, em locais onde repousem direitos e garantias que independem de
ideologias.
Assim, se hoje existe todo um corpo legal que veda a aplicação da lei penal a
criança e ao adolescente, cabe apenas apontar os prós e contras de uma possível
mudança legislativa.
30

4. MENORIDADE PENAL, A CONSTITUIÇÃO E ARGUMENTOS

A redução da maioridade penal é tema recorrente nas discussões de juristas,


estadistas e sociedade civil em geral. O aumento da violência, sobretudo nos grandes
centros, incentiva, os especialistas e pensadores sobre o tema, a buscar soluções e
maneiras de coibir e amenizar os índices de criminalidade.
Os jovens estão cometendo infrações cada vez mais com menos idade, seja
pela exposição social aos que residem em locais com alto índice de criminalidade,
seja pela percepção dos grandes infratores maiores de idade em utilizar da
inimputabilidade penal dos menores.
Cumpre aos atores sociais a percepção se uma eventual redução da
maioridade penal teria o condão de realmente diminuir os índices de criminalidade.
Porém, a questão não é tão simples, para muitos juristas a redução da maioridade
penal vai de encontro às cláusulas pétreas constitucionais enquanto para outros não
há na constituição um impeditivo para a redução da maioridade penal. É importante
analisar ambos os pontos de vista.

4.1. Corrente favorável à redução da menoridade penal

Kleber Martins de Araújo traz magistério no sentido de afirmar que as medidas


sócias educativas serviriam quase como um incentivo ao menor infrator, vez que são
menos gravosas e tem outra natureza, se comparas as penas:

A insignificância da punição, certamente, pode trazer consigo o sentimento


de que o "o crime compensa", pois leva o indivíduo a raciocinar da seguinte
forma: "É mais vantajoso para mim praticar esta conduta criminosa lucrativa,
pois, se eu for descoberto, se eu for preso, se eu for processado, se eu for
condenado, ainda assim, o máximo que poderei sofrer é uma medida
socioeducativa. Logo, vale a pena correr o risco". Trata-se, claro, de criação
hipotética, mas não se pode negar que é perfeitamente plausível (ARAÚJO,
2003, p. 77).

Deixando um pouco de lado o aspecto social e adentrando ao direito, há


autores que afirmam que o artigo 228 da Constituição não é um direito fundamental,
pois, na visão dos mesmos, o rol de direitos fundamentais é taxativo e está unicamente
elencado no artigo 5º. Guilherme de Souza Nucci acompanha este pensamento:
31

Pela primeira vez, inseriu-se na Constituição Federal matéria nitidamente


pertinente à legislação ordinária, como se vê no art.228: “São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial”. No mesmo prisma encontra-se o disposto neste artigo do Código
Penal. A única via para contornar essa situação, permitindo que a maioridade
penal seja reduzida, seria por meio de emenda constitucional, algo
perfeitamente possível, tendo em vista que, por clara opção do constituinte,
a responsabilidade penal foi inserida no capítulo da família, da criança, do
adolescente e do idoso, e não no contexto dos direitos e garantias individuais
(Capítulo I, art. 5º, CF). Não podemos concordar com a tese de que há direitos
e garantias humanas fundamentais soltos em outros trechos da Carta, por
isso também cláusulas pétreas, inseridas na impossibilidade de emenda
prevista no art. 60, §4º, IV, CF (NUCCI, 2014, p. 282).

Para o autor simplesmente não existem direitos previstos em outros trechos


da Constituição, afirmação que subsidiaria a modificação do artigo 228 da Carta
Magna. Rogério Greco guarda posição similar:

Apesar da inserção no texto de nossa Constituição Federal referente à


maioridade penal, tal fato não impede, caso haja vontade política para tanto,
de ser levada a efeito tal redução, uma vez que o mencionado art. 228 não
se encontra entre aqueles considerados irreformáveis, pois não se amolda ao
rol da cláusulas pétreas elencadas nos incisos I a IV, do §4º, do art. 60 da
Carta Magna. A única implicação prática da previsão da inimputabilidade
penal no texto da Constituição Federal é que, agora, somente por meio de
um procedimento qualificado de emenda, a maioridade penal poderá ser
reduzida, ficando impossibilitada tal redução via lei ordinária (GRECO, 2010,
p. 281).

O único argumento que apresentam para a não consideração do artigo 228


como um direito fundamental é o fato de não estar presente no artigo 5º. No
entendimento desta corrente não foi intenção do constituinte originário elevar a
condição da inimputabilidade penal para direito fundamental, tão somente extrair de
uma lei ordinária um artigo para dificultar a sua alteração.
O posicionamento daqueles que são favoráveis à redução da maioridade
penal está baseado em dois pilares principais qual seja a possibilidade de
mensuração, pelo menor de 18 anos e maior de 16, na mesma medida, dos atos
infracionais cometidos e ainda a ausência de impeditivo constitucional tendo em vista
afirmarem tratar-se o artigo 228 de uma mera disposição constitucional e não de um
direito fundamental.
Existe hoje a PEC 115/2015 que está pronta para a pauta na comissão, para
que seja aprovada, mas que desde 2019 aguarda anunciação de um relator. Devido
ao fato de a lei ser mais branda com relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente
e a Constituição Federal. A PEC propõe alteração no Artigo 228 da CF, para a redução
32

da maioridade penal. Aprovando a emenda constitucional, também ocorreram


alterações com base na punibilidade do menor de 18 anos e maior de 16 com base
no ECA.

4.2. Corrente favorável à manutenção da menoridade penal

Os principais defensores desta tese têm em mente a compreensão de


aspectos intrínsecos da Constituição de 1988. A Constituição da República adota,
quanto a sua classificação de estabilidade, o modelo rígido, em que o processo de
alteração da Carta Maior é dificultado. Qualquer alteração na Constituição é
resguardada por extrema burocracia e rigidez.
Uma alteração na Carta Magna deve ser feita através de um procedimento
especial, com aprovação de 3/5 dos membros do Congresso Nacional, em votação
com dois turnos nas duas casas, conforme o art. 60, §2º da CRFB/88.
Contudo existem algumas matérias que, nem mesmo observado esse
procedimento especial, podem ser objeto de alteração por parte do constituinte
derivado. Tratam-se temas previstos no artigo 60, § 4º da Constituição da República:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:


[...]
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais (Brasil, 2021).

As cláusulas pétreas servem para manter a lisura constitucional e evitar a sua


corrosão. Nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo
Gustavo Gonet Branco:

O significado último das clausulas pétreas esta em prevenir um processo de


erosão da Constituição. A cláusula pétrea não existe tão-só para remediar
situação de destruição da Carta, mas tem a missão de inibir a mera tentativa
de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução e de apelos
próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro (MENDES;
COELHO; BRANCO, 2008, p. 218-219).

Percebe-se que a intenção do constituinte originário era de manter um eixo


ideológico na Constituição brasileira e este pensamento está assentado diretamente
33

na intenção de manter intactos algumas ideias fundamentais pertencentes ao Estado


Democrático de Direito. Sepúlveda Pertence explica que a proteção constitucional não
ocorre sobre o artigo literalmente mais sim sobre o núcleo que ele protege:

As limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, §4º da


Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da
respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do
núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege
(PERTENCE apud PEREIRA, 2011).

Interessa a essa pesquisa especialmente o inciso IV, do art. 60 do texto


constitucional, isto porque os direitos e garantias individuais não podem ser alvo de
alteração constitucional. Sobre essa afirmação outro questionamento pode ser
suscitado. Somente o Art. 5º da Carta Maior enuncia os direitos fundamentais?
A celeuma ocorre porque no entendimento de diversos autores, juristas e até
mesmo do STF, outros artigos esparsos no texto constitucional enunciam direitos e
garantias fundamentais. Neste sentido afirmam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:

O Supremo Tribunal Federal decidiu que não, entendendo que a garantia


insculpida no art. 60, §4º, IV, da CF alcança um conjunto mais amplo de
direitos e garantias constitucionais de caráter individual dispersos no texto da
Carta Magna. Nesse sentido, considerou a Corte que é garantia individual do
contribuinte, protegida com o manto de cláusula pétrea, e, portanto,
inasfastável por meio de reforma, o disposto no art. 150, III, “b”, da
Constituição (princípio da anterioridade tributária), entendendo que, ao
pretender subtrair de sua esfera protetiva o extinto IPMF (imposto provisório
sobre movimentações financeiras), estaria a Emenda Constitucional n.º
3/1993 deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60,
§4º, IV da Constituição da República (PAULO; ALEXANDRINO, 2008. p.
186).

Isso significa que o rol estampado no artigo 5º é meramente exemplificativo e


não se exaure em si, que fortalece outro entendimento, desta vez no campo penal.
Versa o artigo 228 da Constituição de 1988 sobre inimputabilidade penal ao menor de
18 anos: “Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às normas da legislação especial” (BRASIL, 2021). Alguns autores consideram que o
referido artigo não traz somente uma simples norma constitucional, mas um direito
fundamental pertencente aos menores de 18 anos.
34

4.3. Caso Champinha e a Mídia como poder paralelo

Há ainda um último tópico a ser discutido. A aplicação do Direito no caso


concreto.
O Direito advém de uma estrutura lógica proposta e aprovada por homens
para um em situações específicas. A individualização da pena e a liberdade de
julgamento do juiz estão inseridas dentro desta perspectiva de aplicação da norma,
sendo que cada caso é um universo a ser enfrentado pela norma.
Neste sentido, o caso Champinha, de enorme repercussão no Brasil, acaba
por eclipsar as discussões acerca da redução da menoridade penal, pois parte-se do
pressuposto que o caso em concreto deve avalizar o Direito, em clara confusão de
premissas, pois nunca a parte pode abarcar o conjunto. O caso Champinha é parte
da aplicação do Direito, não o oposto.
Relembrando o ocorrido, pegam-se recortes de reportagens para explicar o
caso:

Champinha ficou conhecido nacionalmente por ter participado do brutal


assassinato do casal de namorados Felipe Silva Caffé, 19, e da Liana Bei
Friedenbach, 16, em novembro de 2003, no município de Embu-Guaçu, na
região Metropolitana de São Paulo. Liana Friedenbach foi violentada várias
vezes e depois assassinada a facadas. O crime chocou o país. Além de
Champinha, outros quatro homens participaram do crime. Todos foram
condenados pela justiça e presos.
[...]
Em maio de 2007, Champinha chegou a fugir da Unidade 1 do Complexo Vila
Maria. Acabou detido no mesmo dia, após sua própria família avisar a polícia
de seu paradeiro.
Em um laudo psiquiátrico de médicos da Secretaria de Estado da Saúde, que
a reportagem teve acesso, a conclusão é que o comportamento de
Champinha "se mantém imprevisivel em relação à agressividade verbal ou
física. E que é recomendável um ambiente assitido com segurança 24 horas
e sistema de saúde multidisciplinar".
O advogado Ari Friedenbach, pai de Liana, questiona: "Se durante 17 anos
os laudos de psiquiatras e médicos forenses atestaram que ele pode reincidir
novamente e que não está apto a voltar à sociedade, como a juíza pode
decidir pela liberação dele, ou envio para algum serviço de saúde onde não
esteja detido?". Ele afirma que, se a juíza assume a responsabilidade por
ignorar laudos que dizem que ele não tem condições de voltar a viver em
sociedade, ela deverá ser responsabilizada.
Segundo a Defensoria Pública de São Paulo, no entanto, não foi decidida ou
determinada a liberação de qualquer interno na ação relacionada à Unidade
Experimental de Saúde onde Champinha está internado. Também diz que
não há nenhuma decisão judicial determinando o fechamento da unidade.
Já a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo destacou que o caso segue
em segredo de justiça e por esse motivo não poderia prestar informações.
A Secretaria de Estado da Saúde explicou que mantém a Unidade
Experimental de Saúde única e exclusivamente para cumprir uma
determinação do Poder Judiciário. E que a pasta é, portanto, vítima de uma
35

decisão arbitrária e que destoa da política de Saúde Mental do SUS (Sistema


Único de Saúde).
De acordo com a nota, a inclusão dos adolescentes na Unidade Experimental
"não decorre de uma vontade do Estado de São Paulo, mas sim em
cumprimento de determinações judiciais e, muitas vezes, de requerimentos
apresentados pelo Ministério Público".
Pontua ainda que a própria Secretaria de Estado da Saúde não tem
governabilidade sobre o equipamento, e sim a Justiça, sendo de pleno
interesse da pasta o seu encerramento, com pleito inclusive de apoio do
Ministério Público e da Defensoria Pública para garantir a liberação judicial
dos internos e sua reinserção social (TEIXEIRA, 2021).

O assassinato dos jovens, os métodos empregados por Champinha, os


reiterados laudos que atestam sua condição de sociopata, nada disto entra na
discussão da menoridade penal.
Champinha, além de menor, é pessoa perigosa ao convívio social, que deve
continuar em tratamento nos centros de saúde do Estado, onde não poderá causar
dano aos demais e a si mesmo. É um caso de tratamento constante, que deve ser
acompanhado periodicamente para manter algum tipo de possibilidade de reinserção
social, pois, respeitando-se também o ordenamento vigente, não há de se falar em
cárcere perpetuo no Brasil.
Contudo, a questão é de saúde pública e a manutenção do infrator em casa
de tratamento de saúde, não já dito, não se confunde com as discussões pela redução
da idade penal.
O conjunto probatório contido nos autos aponta para a morte dos jovens. A
sociedade, bradando por Justiça, pensa na condenação, sem compreender que o rito
processual a ser utilizado não é de caráter penal e que, por este motivo não haverá
uma condenação de natureza penalista.
A mídia, neste sentido, funciona em eixo dialético como promotora de
agendas e canal de reverberação da opinião pública. Seu compromisso não está na
busca de uma Justiça equitativa, mas na audiência, no termômetro do momento, nos
números do IBOPE e nos percentuais de lucro.
Maior audiência, mais anunciantes, maior volume de investimentos, melhores
produtos, mais público... É um ciclo do capital em busca de mercado, não podendo o
vil jogo de interesses nortear as decisões.
Champinha é um exemplo da falência de um modelo de sociedade. Um menor
com problemas de saúde que nunca recebeu a devida atenção dos agentes públicos
e que cometeu uma atrocidade. Tudo é pesar, mas uma discussão nestes termos não
é jurídica.
36

5. CONCLUSÃO

Com base na pesquisa realizada entende-se que com base na Carta Magna
que está em vigência no país nos dias atuais, e impossível a redução da maioridade
penal sem ofensa ao texto constitucional.
Sabe-se que o Brasil adota como paradigma de Estado o Democrático de
Direito, que tem como fundamentos a defesa da dignidade humana e a proteção aos
direitos fundamentais.
Por mais que muitos autores sejam favoráveis a redução da maioridade penal,
esta vai contra os direitos e garantias resguardados pela constituição.
Hoje se tramita a PEC para alteração da Constituição Federal, a qual alteraria
o Art. 228 que traz em seu enunciado um direito fundamental da criança e do
adolescente frente ao Estado, de não ser processado penalmente antes dos 18 anos,
por conta de sua condição inerente de evolução mental incompleta, portanto direito
fundamental oriundo de sua natureza humana propriamente dita.
Compreende-se que as razões que levam diversos autores a questionar a
redução da maioridade penal, como um redutor da violência e da criminalidade, mas
que se contrapõem a Constituição de maneira frontal e veemente.
Conclui-se, desta forma, pela impossibilidade da redução da maioridade penal
no Brasil, por ofensa ao artigo 228 da Constituição, que traz em seu enunciado direito
fundamental do menor de 18 anos, impassível de alteração ainda que por Emenda à
Constituição por se constituir clausula pétrea.
Mesmo sentido, ficou precificado que a opinião pública participa do debate
público, mas não é legisladora. Há um ordenamento vigente é a natureza positiva do
Direito no Brasil exclui a possibilidade de exceções e julgamentos pautados no
momento.
Casos como Champinha servem mais para demonstrar a falência das
instituições de que para se discutir a redução da idade penal.
Por fim, hoje, imperando a Constituição de 1988, qualquer modificação legal
deverá seguir os ritos constitucionais no parlamento, carecendo um debate nacional
sério que possa referendar uma mudança para cima ou para baixo.
37

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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