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ISSN ELETRÔNICO 2316-3828

Dossiê

UM DEBATE ACERCA DA ORIGEM DA GEOGRAFIA ESCOLAR NO BRASIL

Maria Adailza Martins de Albuquerque 1

RESUMO
Este trabalho tem como objetivo discutir a origem lhar com temáticas relativas à Geografia escolar,
da Geografia escolar brasileira, buscando reconfi- na busca de compreender a contribuição das pro-
gurar o papel das províncias neste processo e nos víncias do Nordeste na constituição histórica dessa
contrapor a posição de autores que estabeleceram disciplina no século XIX.
como marco de origem dessa disciplina a fundação
do Colégio Pedro II. Para dar continuidade a pes- Palavras-chave
quisa que pretendemos construir para fundamentar
a nossa posição discutiremos a possibilidade de Origem da Geografia Escolar. Fonte Histórica. Rede
criação de uma rede de pesquisadores para traba- de Pesquisa.

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ABSTRACT RESUMEN
This paper aims to discuss the origin of the schooling Este trabajo tiene como objetivo discutir el origen de
Geography in Brazil, trying to reconfigure the role of la escuela Brasileño de Geografía, tratando de reconfi-
the provinces in this process and to contrast the po- gurar el papel de las provincias en este proceso y para
sition of authors who have established as the origin contrastar en la posición de los autores que se han es-
of this discipline the founding of Pedro II School. To tablecido como el origen de esta disciplina de la funda-
continue the research that we plan now and to build ción de Colégio Pedro II. Para continuar la investigaci-
to support our position we will discuss the possibility ón que tenemos previsto construir para apoyar nuestra
of creating a network of researchers to work with the- posición vamos a discutir la posibilidad de crear una
mes related to school Geography, seeking to unders- red de investigadores para trabajar temas relacionados
tand the contribution of the northeastern provinces con la Geografía escolar, buscando entender la contri-
in the historical development of this discipline in the bución de las provincias del noreste en el desarrollo
nineteenth century. histórico de esta disciplina en el siglo XIX.

Keywords Palabras clave

The origin of schooling Geography. Historical Source. Origen de la Geografía Escolar. Las Fuentes Históri-
Net Research. cas. Red de Investigación.

Um debate necessário: a origem da


Geografia escolar no Brasil
Há algum tempo se tem estabelecido que a ori- tionamentos importantes que tem como eixo central
gem da Geografia escolar brasileira se deu com a um ponto de vista teórico. Assim, algumas questões
fundação do Colégio Pedro II, em 1837, na cidade do se evidenciam: 1 discutir a centralização do olhar
Rio de Janeiro (ROCHA, 1996). Entretanto, em publi- sobre história da educação brasileira, especialmen-
cações recentes temos discutido a definição dessa te o enfoque que se destina a Geografia escolar, ou
data como um marco histórico único que estabelece seja, é preciso contar essa historia a partir de outros
a origem dessa disciplina. A nossa proposição não lugares e não somente pensá-la a partir do centro,
tem sido questionar a data em que se estabeleceu ou seja, do Município da Corte, como era conhecida
a institucionalização dessa disciplina para o ensino a cidade do Rio de Janeiro, no Império; 2 – Atentar
secundário no referido Colégio – com um currículo para um debate sobre fontes históricas, tão necessá-
que trazia valores europeus de civilização e progres- rio à pesquisa sobre a disciplina escolar e 3 – Discu-
so, um modelo francês de educação, organização das tir o que pensamos sobre a atuação do Colégio Pedro
disciplinas de humanidades, entre outras caracterís- II, dos cursos preparatórios, dos liceus fundados nas
ticas – mas sim, trazer para o debate alguns ques- províncias do país, em um período em que não havia

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efetivamente um sistema nacional de ensino e que Desse modo, este texto se propõe a trazer a
os conflitos entre as províncias e o poder central era baila um debate que temos feito no Grupo de Pes-
uma realidade latente. quisa Ciência, Educação e Sociedade - GPCES na
Universidade Federal da Paraíba – UFPB, especial-
A ideia de uma história contada a partir da peri- mente com os nossos orientandos de graduação e
feria não corresponde aqui a perspectiva da História pós-graduação; com professores da rede pública
vista de baixo (SHARPE, 1992), pois não é este o nos- que participam dos grupos de estudos; com nossos
so propósito. Apesar de querermos dar voz e trabalhar alunos das disciplinas Prática de Ensino de Geo-
com documentação pouco consultada, quando se grafia, no Curso de Geografia e Metodologia do
busca compreender a história dessa disciplina, não Ensino de Geografia, no Curso de Pedagogia e as
trabalharemos aquela perspectiva teórica, de “os de disciplinas ofertadas nos Programas de Pós-Gra-
baixo”, visto que a documentação com a qual traba- duação em Geografia e em Educação. Assim, temos
lhamos também era fruto das relações de dominação, feito um grande esforço na busca de construir uma
também foram implementadas pelo Estado e, portan- perspectiva teórica que nos possibilite contar uma
to, representava o interesse de uma classe dominante história da Geografia escolar a partir de um enfo-
na época e não das classes subalternas. Entretanto, é que da periferia, ou seja, a partir das descobertas
importante ressaltar que essa classe dominante tinha que temos feito nas nossas pesquisas, levando em
interesses que muitas vezes conflitavam com o poder consideração os debates que a própria História, e
central, de forma que é preciso conhecer melhor essa em especial, a História da Educação tem feito nos
relação e como ela pode ter afetado ou não a educa- últimos anos.
ção nas províncias e quais as contribuições dadas pe-
las províncias para a História da Educação brasileira Já é conhecido que trabalhamos em uma pers-
e, mais especificamente, aquelas que foram dadas pectiva da história das disciplinas escolares a partir
pela Geografia escolar. de autores como Chervel (1990) e Goodson (1990) e
que esse referencial nos possibilita compreender a
Outra questão diz respeito a alguns debates que a escola como espaço de produção do conhecimento
História vem fazendo há algum tempo e que precisa- escolar (ALBUQUERQUE, 2010; 2011; 2011a). Além
mos nos aproximar dele, tendo em vista, que recorre- disso, partimos do pressuposto de que as disciplinas
mos a essa área do conhecimento para conseguimos escolares apresentam certa autonomia e, por isto,
compreender historicamente o papel da Geografia es- não podem ser vistas como simples reprodução do
colar. Dai a necessidade de nos aproximarmos de um conhecimento acadêmico ou mesmo como uma sim-
debate feito desde a Escola dos Annales e vem toman- plificação desse. Desse modo, para compreender o
do novos rumos com as contribuições da História cul- papel das disciplinas escolares é necessário conhe-
tural. Assim, alguns questionamentos orientarão esse cer o seu percurso histórico e é nesta perspectiva
texto: Que percurso temos feitos como historiadores que hoje desenvolvemos o nosso trabalho na UFPB.
de uma disciplina escolar? Como temos escrito essa Assim, desde que chegamos aqui, em 2005, o nos-
história? Como temos lidado com as fontes? Como te- so esforço tem sido o de conhecer as contribuições
mos lidado com o tempo histórico? Visando trazer este da Geografia escolar nordestina na constituição da
debate recorreremos ao nosso percurso como pesqui- Geografia escolar brasileira.
sadora e as dificuldades encontradas. Assim, aprovei-
taremos para fazer um balanço dos últimos sete anos Com este intuito conseguimos aprovar projetos
a que temos nos dedicado a pesquisa sobre Geografia em editais, formar grupos de estudos, envolvermos
escolar na UFPB. em pesquisas alunos da graduação, da pós-gradua-

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ção e professores da rede pública da Paraíba e de Geografia(s) escolar(es) no século XIX:


outros estados nordestinos, como Ceará, Pernam-
buco e Rio Grande do Norte. Estamos montando um conhecemos os conteúdos trabalhados?
acervo virtual com a localização de livros didáticos
de Geografia que se encontram em bibliotecas da No X Encontro Cearense de História da Educação e
Paraíba e Pernambuco; esse também contará com III Encontro Cearense de Geografia Escolar – Cultura,
o catálogo elaborado com obras didáticas de Geo- Educação, Espaço e Tempo, realizado na Universida-
grafia que se encontram espalhadas nas bibliote- de Estadual do Ceará, no ano de 2011, fomos provo-
cas dos Institutos Históricos e Geográficos de todos cadas, mesmo sem a nossa presença, sobre o fato de
os Estados do Nordeste, este último projeto, feito termos, em diversos momentos questionado o marco
com apoio institucional do CNPq, a partir do edital histórico de origem da Geografia escolar no Brasil, em
universal – Educação. Esse acervo virtual possibi- 1837, com a fundação do Colégio Pedro II e afirmar-
litará aos pesquisadores em geral fazerem buscas mos que a Geografia tem origem anterior a esta data
e evitar viagens dispendiosas a procura de fontes e que poderia ter origem na Paraíba. O argumento es-
de pesquisas, muitas vezes raras. Ainda com este tabelecido para negar a nossa hipótese era que fazía-
intuito montamos uma biblioteca do livro didático mos tal afirmação nos baseando apenas em relatórios
que conta com obras de todas as disciplinas esco- de províncias.
lares, no GPCES. Essa tem recebido acervo a partir
de doações, como também temos comprado obras. Isto não foi nenhuma novidade para nós, pois o
Neste momento estamos organizando uma rede de marco de origem estabelecido a partir da fundação do
pesquisa que contará com alunos e professores de Colégio Pedro II já tem se tornado quase que uma tese
vários estados nordestinos e que tocará projetos aceita por todos que estudam a Geografia escolar, de
mais articulados entre as instituições de pesquisa modo que questioná-lo é como se estivéssemos que-
dessa região. Diante de um quadro nacional que brando um marco pronto e acabado. Sobre a provoca-
pouco tem valorizado a pesquisa na área de ensino ção feita queremos apontar para alguns pontos que
de Geografia, acreditamos que o nosso esforço não justificam o nosso posicionamento: primeiramente,
tem sido em vão, o que nos anima a ponto de rece- é importante discutir com que ideia de educação tra-
bermos o próximo Encontro Nacional de Prática de balhamos para falar de um período quando a escola
Ensino de Geografia – ENPEG na nossa instituição não tinha as mesmas características das atuais; o se-
no ano de 2013. gundo, refere-se a questão das fontes históricas, será
que vamos contar a história da Geografia escolar nos
Ainda queremos esclarecer que os recursos que baseando somente nos documentos “oficiais” e au-
temos recebido para pesquisas sobre Geografia es- torizados? E, por último, vamos discutir essa origem
colar, em geral, são oriundos do comitê de Educação tendo como referência somente o centro geográfico
e não do de Geografia no CNPq. Isto é dito aqui em do poder imperial brasileiro? Estes questionamentos
forma de desabafo, visto que formamos o maior orientarão este trabalho.
número de profissionais para trabalharem como
docentes das escolas brasileiras, entretanto, não Gondra e Schueler (2008), ao fazer uma sínte-
temos no Comitê de Geografia do CNPq nem um es- se sobre a história da educação brasileira nos oito-
paço onde colocarmos as nossas pesquisas, é como centos, advertem que a noção de educação a que se
se não existíssemos ou como se a Geografia escolar recorre geralmente nesse campo do conhecimento
não necessitasse de pesquisa. Fosse um acessório tende a compreendê-la somente a partir das ações
para a produção acadêmica. institucionais mesmo quando outras formas, não ins-

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titucionalizadas de educação, também compunham documento oficial para comprovar a criação dessa ca-
esse processo. Além disso, ressaltam os autores deira ele existe, como se pode observar a seguir:

“[...] a heterogeneidade das forças educativas e inicia- Legislação Informatizada - Decreto de 7 de Junho de
tivas específicas que elas organizam no vasto território 1831 - Publicação Original
que se pretende unificar, sendo esta uma das funções Decreto de 7 de Junho de 1831
atribuídas à educação que passa a se processar nas esco- Crêa diversas cadeiras de instrucção secundaria na ci-
las. Com isto também vale chamar a atenção para as ini- dade da Parahyba.
ciativas criadas, pelo aparelho do Estado, pelas Igrejas, A Regencia Provisoria, em Nome do Imperador o Se-
empresários, filantropos e agentes da intelectualidade nhor D. Pedro II, Tem Sanccionado, e Manda que se
como médicos, juristas e militares, por exemplo. (p. 11). execute a Resolução seguinte da Assemblea Geral:
     Art 1º Haverão na cidade da Parahyba uma cadeira
de rhetorica, geographia, e elementos de historia, ou-
A partir desta afirmação podemos aferir que a tra de philosophia racional, e moral, e outra de fran-
escola aparece no Brasil com formas distintas e que cez.
mesmo assim, cumpriam o papel de educar parte da      Art 2º O Presidente da respectiva Provincia, em
população brasileira. Não podemos marcar a história Conselho, proverá as sobreditas cadeiras, e txará inte-
rinamente os ordenados dos Professores , guardando
da Geografia escolar somente por aquilo que foi esta- acerca de uma outra cousa o disposto nos arts 3º , 7º,
belecido como uma “escola modelo”, com um currícu- e 8º , da Lei de 15 de Outubro de 1827, que creou as
lo organizado em disciplinas das humanidades, com escolas de primeiras letras.
sequência de séries ou anos, com adoção de livros di-      Art 3º Ficam revogadas todas as disposições em
contrario.
dáticos e atlas geográficos. Pois outra(s) geografia(s)      Manoel José de Souza França, do Conselho do
escolare(s) já haviam sido trabalhadas, inclusive a mesmo Imperador , Ministro e Secretario de Estado
partir da relação professor aluno. Ou será que iremos dos NEgocios da Justiça, encarregado interinamente
definir como escola somente o modelo que hoje en- dos do Imperio, o tenha assim entendido, e faça exe-
cutar.
tendemos como tal, ou seja, uma instituição organiza- Palacio do Rio de Janeiro, em sete de Junho de mil oi-
da a partir das características supracitadas? Isto seria tocentos trinta e um, decimo da Independencia e do
mesmo anacronismo, pois a escola, ao longo de sua Imperio.
história se configurou de diferentes maneiras. MARQUEZ DE CARAVELLAS.
NICOLAO PEREIRA DE CAMPOS VERGUEIRO
FRANCISCO DE LIMA E SILVA
O modelo de Cadeiras Isoladas (PINHEIRO, 2002), Manoel José de Souza França.
não pode ser compreendida como escola? As institui- (Coleção de Leis do Império do Brasil - 1831, Página 8
ções privadas que foram criadas especialmente para Vol. 1. Rio de Janeiro, 1875)
oferecer cursos preparatórios, também não podem
ser consideradas escolas? Será que somente podemos Outra questão deve ser ressaltada, neste mes-
nos espelhar no modelo de escola que temos hoje? É mo período outras províncias, localizadas no atual
disso que estamos falando. Nordeste, também criaram cadeiras isoladas de Ge-
ografia: um ano antes na província de Pernambuco,
A Geografia foi efetivamente uma cadeira isolada na cidade de Olinda; no mesmo ano na província do
criada na cidade da Paraíba, no ano de 1831, confor- Maranhão, na cidade de São Luiz e dois anos posterio-
me se pode comprovar na legislação a seguir, portanto res, na província do Piauí, na cidade de Oeiras (ALMEI-
cinco anos antes da criação do Colégio Pedro II. Não DA, 1989 apud SILVA, 2012). A partir desses dados é
considerar este dado para pensarmos a história des- necessário levantar pelo menos um questionamento,
sa disciplina é querer negar deliberadamente o papel o que estava ocorrendo naquele momento, seja no
das províncias nesse processo. E se é necessário um centro ou na periferia do poder, para que todas estas

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províncias atentassem para a criação de cadeiras iso- nologia e História, saindo esses conteúdos da ca-
ladas dessa disciplina? deira de retórica2.

Segundo Silva (2012) a partir do ano de 1831, Com a constatação de que os conteúdos de Ge-
para que o aluno ingressasse no Curso Jurídico de ografia eram já estudados pelos paraibanos, assim
São Paulo e Olinda os exames exigiam habilitação como alunos de outras províncias do Nordeste, des-
em Geografia, além de outras disciplinas. Este de o ano de 1831, com a criação da cadeira isolada
pode ser um caminho, já trilhado por Vania Vlach de Geografia, outra questão se evidencia, quais eram
(2004) quando advoga que a origem da disciplina os interesses dessa classe dominante e ou dos inte-
também tem relação com os cursos preparatórios lectuais nordestinos para estabelecer tal disciplina
para ingresso no ensino superior. Além da exigên- em suas escolas secundária províncias? Podemos
cia da habilitação em Geografia, não podemos afirmar que havia uma relação direta entre a data de
esquecer, que naquele momento haviam debates criação da cadeira e a exigência dessa disciplina nos
profundos sobre a constituição do Império e con- exames, tendo em vista o interesse da classe domi-
flitos significativos entre o centro e as províncias nante paraibana em ver o nome de seus filhos na lista
e, entre liberais e conservadores, constituindo um de aprovados para o ingresso nos ensino superior. A
jogo que vinha resultando em transformações sig- necessidade de criação da referida cadeira advém da
nificativas do ponto de vista do poder e com con- necessidade de se aprender conteúdos necessários ao
sequência para a educação. ingresso no ensino superior.

A implantação do Ato Adicional de 1834 im- É sabido que grande parte dos filhos da classe
plementa uma descentralização, segundo Haidar dominante nordestina estudava em suas residências,
(2008) uma pseudodescentralização com consequ- com preceptores que os acompanhavam até a idade
ência para a educação. Em algumas províncias nor- de poderem sair de casa e continuar seus estudos nas
destinas, apesar da falta de condições financeiras capitais das províncias, em especial naquelas onde
para projetos educacionais, foram criadas escolas os cursos superiores de Medicina, Direito ou mesmo
secundárias antes mesmo da fundação do Colégio a carreira Militar eram oferecidos, pois somente ai os
Pedro II. É nesse interim que foram fundados o alunos poderiam fazer os exames para ingresso no en-
Ateneu, no Rio Grande do Norte, em 1835; O Lyceu sino superior. Os seus estudos secundários, tanto com
Provincial da Parahyba e o Liceu da Bahia, em 1836. os preceptores quanto nas escolas de suas províncias,
Segundo a mesma autora, esses Liceus funciona- não eram certificados, pelo menos em um primeiro
vam sem uma organização serial das disciplinas, momento, o que lhes exigia uma certificação.
se configurando como uma reunião de Cadeiras
Isoladas. Assim, em documentação consultada por Tal certificação para o ingresso no ensino superior
Pinheiro (2008) é possível observar que o primeiro era feito inicialmente a partir dos exames realizados
currículo desta escola na Paraíba era composto pe- por professores peritos naquela matéria e que fos-
las seguintes disciplinas: Latim, Francês, Filosofia sem professores dos Cursos Jurídicos ou de Medicina.
e Retórica e que nesta última, eram ensinados con- Com a fundação do Colégio Pedro II, os alunos que
teúdos de Geografia, Cronologia, História e Poéti- concluíssem os sete anos de escolaridade nesta ins-
ca. Ainda segundo o mesmo autor, no ano de 1838, tituição, receberiam o título de Bacharel e poderiam
como resultado de embates sobre a organização do
estabelecimento foram criadas mais duas cadeiras 2 Como se pode observar destacamos os documentos referentes à Paraí-
ba, por ser esta província a que temos nos dedicado mais especificamente
específicas, a de Inglês e outra de Geografia, Cro- em nossas pesquisas e que temos acesso aos documentos de época.

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ingressar nos cursos superiores sem a necessidade de Desse modo se pode compreender que tais institui-
prestar tais exames. Entretanto, para os alunos que ções apresentavam currículos distintos tendo em vista
não faziam parte deste seleto número de estudantes que se prestavam a projetos e a objetivos diferentes, o
os exames continuaram sendo obrigatórios. Vale res- que nos possibilita afirmar que é necessário conhecer
saltar que mesmo parte dos alunos do Colégio Pedro tais currículos para melhor compreendermos as dife-
II, também se valiam desses exames, pois caso fos- rentes geografias trabalhadas nessas instituições.
sem aprovados, abandonavam os estudos no referido
Colégio e ingressariam mais rapidamente no ensino Diante deste apanhado de informações, podemos
superior. Esta era uma prática recorrente, tendo em inferir que a cadeira isolada de Geografia que criada
vista que era pequeno o número de alunos finaliza- na Paraíba, assim como aquelas criadas nas demais
vam seus estudos naquela instituição. províncias do Nordeste, exatamente no mesmo ano de
1831, em que esta disciplina passa a compor uma das
Com isto os alunos que estudavam nos liceus pro- exigências do exame preparatório, ou seja, tem rela-
vinciais, nas escolas privadas ou ainda nos cursos ção com o estabelecimento de um “currículo” a ser
preparatórios, oferecidos pelas instituições de ensi- cumprido, ou seja, os exames. Desse modo, podemos
no superior, tinham que se deslocar para realizar tais mesmo advogar que as exigências estabelecidas a ní-
exames nas cidades onde eles eram ofertados. vel nacional não eram desprezadas pela intelectuali-
dade ou mesmo pela elite econômica da Paraíba e de
Segundo Haidar (2008) esses exames foram sen- outras províncias nordestinas.
do modificados ao longo do século XIX, devido a de-
núncias de favorecimento de alunos; do desleixo dos É nesta perspectiva que compreendemos que
professores nos cursos preparatórios; das acusações uma Geografia era ensinada nestas instituições e
de os professores desses cursos não cumprirem com provavelmente tinha como norteador curricular
suas obrigações, entretanto, oferecerem aulas parti- os conteúdos estabelecidos para os tais exames.
culares com os mesmos objetivos de formar alunos Entretanto, até agora não encontramos uma
para ingressarem nos tais exames, além de outros documentação que comprove exatamente esse currí-
problemas, com a pouca seriedade desses exames. culo, a seleção de conteúdos e os compêndios adota-
dos. Entretanto é possível afirmar que essa Geografia,
Haidar (2008) ainda ressalta o fato de que esses exigida para os exames, era mais comum aos estudan-
exames terminavam funcionando como “currículos” tes do ensino secundário brasileiro do que aquela le-
que orientavam a estrutura do ensino secundário, en- cionada no Colégio Pedro II, tendo em vista que neste
tretanto, esse não seguia uma estrutura regular, se- estabelecimento o número de alunos matriculados não
riada e não tinha articulação com o ensino primário, era maior do que o número de alunos matriculados
ou seja, não funcionava como uma continuidade. O em todos os liceus, escolas privadas e escolas avulsas
ensino secundário funcionava como uma preparação existentes no país. Outro fato é que o Colégio Pedro II,
para o ingresso no ensino superior, ou seja, como uma diferentemente das outras formas de escola existentes,
passagem. Acrescenta ainda Gondra; Schueler: não tinha como objetivo somente a passagem para o
ensino superior, visto que aquele curso formava Bacha-
“Colégios, liceus, aulas isoladas e cursos de prepa- réis e não somente estudantes secundaristas.
ratórios tinham prestígios sociais diversos e visavam
a objetivos pedagógicos diferentes, distinguindo-se
nitidamente em suas organizações didáticas, na Outra questão ainda deve ser ressaltada, é neces-
preparação e nas condições de trabalho de seus pro- sário compreender melhor o alcance do poder do Co-
fessores”. (2008, p. 126). légio Pedro II e entender que esse poder não se dissipa

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efetivamente pelo país uniformemente, pois o fazer Como conhecemos o currículo do Pedro II, que está
pedagógico, mesmo hoje, não cumpre efetivamente o bem documentado e temos acesso a ele na obra de Ven-
que se estabelece em lei, imagina naquele momento chia e Lorenz (1998) nos falta efetivamente encontrar
quando a demora para a efetivação de uma normati- os currículos detalhados que eram adotados nos liceus,
zação era muito maior. Por isto, é necessário conhecer escolas privadas e cursos preparatórios, muitos deles
como a Geografia escolar se estabeleceu e verificar o fundados antes mesmo do Pedro II. Outra análise ainda
que estamos denominando Geografia escolar. precisa também ser feita é descobrir efetivamente se o
Colégio Pedro II tinha alguma influência nos currículos
Tendo em vista esta perspectiva é que afirmamos a das escolas localizadas nas províncias e se teve, a par-
necessidade de conhecermos melhor a Geografia que tir de quando isto passou a ocorrer. Pois grande parte
era lecionada nas escolas secundárias e compará-la da literatura sobre esta escola tende a mostrá-la como
aquela estabelecida para o Colégio Pedro II. Somente modelo. Daí sim, podermos verificar que tipo de influ-
com esta análise é que se poderá indicar efetivamente ência ela tinha sobre as demais escolas do Império.
qual era a Geografia escolar mais divulgada no país,
aquela que realmente chegava a maioria dos alunos Este é um dos intuitos pelo qual estamos hoje nos
do Império, para não incorrermos no risco de aceitar mobilizando para formar uma rede de pesquisadores
a data de institucionalização dessa disciplina naquela de Geografia escolar do Nordeste, de forma que pos-
instituição, como a data de origem dessa disciplina, samos trabalhar em uma perspectiva regional, com
pois como vimos a Geografia escolar é anterior à fun- uma articulação mais ampla do que aquela estabele-
dação do Colégio Pedro II. cida para cada um em seus estados isoladamente.

O que se coloca agora como desafio é fazer um tra- Nesta perspectiva teremos que trabalhar com fontes
balho que demanda a organização de uma equipe inte- primárias, tendo em vista necessitarmos de documenta-
rinstitucional que possibilite o contato com fontes que ção para compreender melhor esta geografia difundida,
se encontram em lugares diferentes, assim teremos que especialmente logo após a independência. As fontes
ampliar a área de abrangência da pesquisa para empre- secundárias poderão nos encaminhar na busca de tais
endermos uma análise comparativa. Essa análise poderá documentos tendo em vista que existe hoje no Nordeste
nos mostrar apontamentos importantes, visto que essas um número significativo de grupos de pesquisa que traba-
escolas secundárias tinham objetivos distintos. Chervel lham com História da Educação e que podem nos oferecer
(1990) aponta exatamente para esta questão, ou seja, caminhos para as nossas buscas. Acreditamos que será
uma disciplina passa por transformações de acordo com necessário nos articularmos com tais grupos para conse-
os seus objetivos em um determinado período. guirmos compreender o percurso dessa disciplina escolar.

Considerações finais
Os questionamentos que apresentamos sobre a últimos anos junto ao GPCES, na UFPB e que tem
origem da disciplina escolar Geografia e a propo- contribuído de forma sistemática com um trabalho
sição de constituição de uma rede de pesquisado- de organização de acervo que tem possibilitado
res para trabalhar com a Geografia escolar no Nor- a pesquisadores de diferentes lugares realizarem
deste são frutos de debates que realizamos nos seus trabalhos.

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A necessidade dessa rede vem se configurando brir tais currículos, tendo em vista que se há difi-
desde algum tempo, quando passamos a observar a culdades para encontrar os documentos de Liceus,
dificuldade em encontrar documentos referentes a que são instituições públicas e que existem até os
uma província quando nos estabelecemos em outra. dias atuais, imagina aqueles referentes a outros ti-
Pois, as fontes históricas referentes ao centro do po- pos de instituições que não existem mais, e outras
der, especialmente no Centro Sul do país, tiveram que devem ter tido existência efêmera, entretanto,
seus destinos melhor organizados, se encontram em se procurarmos na região como um todo, será possí-
museus, em grandes bibliotecas, em instituições que vel encontrar em escolas privadas mais antigas, em
tem como propósito a guarda e divulgação desses. En- escolas públicas que guardaram documentação,
tretanto, nas províncias do Nordeste esse mesmo pro- assim como em instituições destinadas a este fim.
cedimento nem sempre ocorreu, de forma que a docu- O certo é que a busca feita por um grupo de pes-
mentação, especialmente a escolar foi, muitas vezes, quisadores terá maiores possibilidade de sucesso
jogada fora ou se encontra em instituições sem con- do que o trabalho realizado somente por um pes-
dições de guarda. Em outros casos essas instituições quisador junto com seus orientandos em um único
até apresentam condições de guarda, entretanto, tais estado da federação.
documentos ainda não foram digitalizados e somente
podem ser consultados in loco, o que nos obrigaria É com o objetivo de discutir a pesquisa sobre Geo-
a um trabalho imenso de catalogação em cada uma grafia escolar no Nordeste e constituir essa rede de
dessas instituições em todos os estados do Nordeste. pesquisadores que estamos organizando na UFPB,
em conjunto com a Universidade Federa de Campina
Como pretendemos realizar uma pesquisa com- Grande – UFCG e a Universidade Estadual da Paraíba
parativa entre os currículos dos liceus, escola pri- - UEPB o Encontro Regional de Prática de Ensino de
vadas e cursos preparatórios e aquele estabelecido Geografia - EREPEG, que será realizado em João Pes-
para o Colégio Pedro II, necessitaremos incialmen- soa, no ano de 2011. É a partir da constituição des-
te fazer um grande levantamento nas províncias sa rede que daremos início a pesquisa que tanto nos
para encontrar referências aos currículos dessas estimula neste momento, ou seja, conhecer a contri-
escolas para em seguida fazer a comparação. En- buição das províncias nordestina na constituição da
tretanto, conhecemos as dificuldades para desco- Geografia escola brasileira.

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Interfaces Científicas - Educação • Aracaju • V.2 • N.2 • p. 13-23 • Fev. 2014


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1 Doutora e professora da Universidade Federal da Paraíba. Email: dada-


martins@ig.com.br

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