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Feita a convite dazvvt, a nova série do artista
DENILsoN BANIwA mostra uma invasão de ícones
da cultura pop em fotografias oitocentistas de
povos indígenas. Numa inversão de perspectivas,
Baniwa comenta com humor e ironia os processos
de expropriação histórica a que os indígenas
foram submetidos.
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FINJAM SUE NÃO ESTOU AOUI! ..ELE ESTÁ NOS FOTOGRAFANDO,

A primeira vez que me lembro de ser ESTÁ ROUBANDO NOSSA ALMA."

fotografado por alguém que não conhecia, Essa frase, que conheci na cidade grande

foi para performatizar uma mentira: fingir em forma de anedota, também é um erro
que aquele senhor, um cosplay de Indiana de paralaxe, dessa vez colonial. Um erro de
observação causado pelo desvio óptico a partir
Jones, não estava ali, com uma lente 50 mm
mirando nossos corpos como se fôssemos a do ângulo de visão do observador estrangeiro.
capa da próxima Vogue, pedindo várias poses Do ponto de vista de quem está de fora,
"naturais".'Ajam naturalmente." olhando por uma janela colonial, não é
possível compreender o todo; então, no meio
disso tudo, algo se perde ou é amputado.
vÁRIos cLIquEs, vÁRIAs PosEs.
MUITO OBRIGADO, VOCÊS SÃO LINDOS. Anga ou sangawa significa tanto medida
Nunca mais ouvi falar do Indiana Jones de tempo, vestígio, índice, retrato, fotografia,
com sotaque alemão, jamais soube o que como espírito ou alma. Imaginei que o
foi feito daqueles registros. Talvez numa roubo da alma, então, não se referia talvez ao
página daNational Geographic, com a espírito metafísico, mas à captura dos direitos
manchete: "Fotógrafo alemão se aventura à própria imagem e narrativa. Ninguém
pela Amazônia selvagem e registra tribos assinou a autorização de uso de imagem,
e animais maravilhosos". Alles klar! como eu não assinei quando fui fotografado.
E, apesar de a fotografia ser apenas um \.
fantasma do que já fomos no momento do .,
OLHA O PASSARINHO... clique, ela ainda possui nossos corpos, ,,
Meu primeiro contato com fotografia foi aprisionados por uma ficção. Após a morte,
com uma máquina Love com filme acoplado a fotografia é esse espectro que nos assombra
e descartável. Foi amor à primeira vista; na sala de estar, trazendo saudades ou alegrias.
com ela, pude assassinar toda a comunidade,
clique após clique, até acabar a munição.
Falling in loye. rJm amigo da família
levou a máquina para Manaus, para revelar
o fllme e ampliar as fotografias. Meses depois,
as tão esperadas fotos chegaram - todos os
fotografados estavam com a cabeça cortada.
Erro de paralaxe. Engraçado e tétrico.
Motivo de risos dos mais jovens e de ira
dos mais velhos. Uma parte deles havia
sido roubada. Decapitação fotográfica.
Registros descartáveis, como a Love.
LUZ, CÂMERA E AçÃot CAIXA MÁGICA!
O primeiro filme de que me recordo foi Não me lembro quando descobri que cinema
Álien, o oitauo passageiro. Não deve ter sido é fotografia, mas foi genial saber que são
o primeiro, mas foi o que me marcou. fotos agrupadas em sequência e que, quando
Tive pesadelos, um medo irracional de uma passadas rapidamente, dão a ilusão de
coisa que eu nunca tinha visto antes - movimento. Nossos olhos nos enganam,
alienigena assassino de pessoas inocentes. e o cérebro ajuda. Isso me fascinou. Então é
isso. É possível roubar a alma em várias fotos
Não vi no cinema, longe disso. O filme é de
e, depois, juntar tudo e revivê-la, com
1979, e só fui ter contato com ele dez anos
movimentos e voz. Um poder de criação digno
depois. Naquela época, eu mal havia sido
de um deus - criar do zero uma vida, uma
apresentado a uma Philco preto e branco
história. E, nela, vilões, heróis, mocinhos e
de rz polegadas - acho que eram essas as
bandidos, vilãs, heroínas, mocinhas, bandidas
características desse aparelho alienígena
e qualquer coisa que desejássemos. Ao mesmo
que pousara na comunidade. A mesma que
tempo, apagaÍ a vida de quem serviria como
me apresentou Fernando Collor e Lula.
modelo para essa criação. Não importa se
Assisti aAlien num desses horários dedicados
alguém é pescador ou professoq posso matá-lo
a filmes, logo após um dos debates políticos
com a câmera e, depois, dar-lhe vida
pela presidência do país. Toda a comunidade
novamente, na qual ele pode ser um cirurgião
se reunia para ver o futuro do Brasil em frente
plástico ou um aviadoq conforme o poder
de uma televisão minúscula, em preto e
de quem edita as imagens. A fotografia é um
branco, com mais fantasmas e ruídos que
homicídio doloso, em que há a intenção de
o filme e o país. O futuro chegou, e não é
matar, e o álibi é a ressurreição a partir do
melhor que o passado.
ângulo de visão do observador que se esconde
atrás das lentes. Eu matei, mas ressuscitei.

A fotografia nos dá o direito de matar e, com


o morto-vivo, construir uma narrativa que
caiba nos nossos interesses. Um fantasma
numa casca de sais de praamffZffi*futt.
---"%-*

0 mundo ocidental imagina ataques


alienígenas que destroem gentes e
cidades porque Íoi isso que fez a0 l0ng0
dos tempos, e teme um revide histórico.
CINEMA PARADISO! INVENçÃO DA TRADIçÃOI
Comecei a rever alguns filmes antigos. E, tão E, mesmo que a fotografia seja uma cópia
animado quando Totô de posse do projetor da realidade, ainda assim é uma mentira.
de películas, fui descobrindo a morte de alguns E é mentindo ou ocultando verdades que
velhos conhecidos meus. Agora já não acho criamos tradições. É com erros de paralaxe
que o xenomorfo Alien era o vilão. Ele estava e colagens de imagens que construímos a
Iá na sua aldeia, tranquilo, vivendo seu cotidiano, História,às vezes com boa vontade para
quando chegaram naves que, para ele, eram ajudar e acidentalmente cortando vozes, e
alienÍgenas e comecaram a perturbar o modo noutras propositalmente apontando a objetiva
de vida dele e de seus parentes. e enquadrando apenas o que nos atrai.

Assim como a metáfora da chegada de alienígenas Imagino a arte indígena como direito de
que destroem o modo de vida humano ou de resposta e direito de ficcionar também uma
como o progresso avanca pelo que é natural e história do Brasil, por isso, trago metáforas
acaba revivendo um monstro que a humanidade rasuradas de ícones que nos acostumamos
não conhecia, esse é basicamente o processo a ter em nosso lar, emolduradas por telas de
de colonização que vivemos neste território. televisão, salas de cinema e celulares. Unir
Nós, indígenas, somos aqueles que impedem a realidades tão distantes da compreensão
civilização de avancar para dentro dos lugares colonizadora é provocar um debate sobre
ainda não destruídos pela exploração. apropriação, direitos de imagem e reprodução,
em que o guaraná é o original Sateré-mawé
Penso que o King Kong retirado de suas terras
eapipocaéguarani.
para ser exibido como troféu e aberração bem
poderia ser os tupinambás enviados à Europa E, agora, finjam que não estou aqui e
para exibição em pracas públicas; o Godzilla, curtam o fillr,e. lll
o Monstro do Lago, o Kraken bem podem
ser representâções do que acontece quando
o progresso decide avancar para dentro das
florestas, dos rios e dos ecossistemas. O mundo
ocidental imagina ataques alienígenas que
destroem gentes e cidades porque foi isso que
fez ao longo dos tempos, e teme um revide
histórico. Pois, para os diversos povos originários
deste planeta, um dia os alienígenas foram
o mundo ocidental.

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