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114 Revista FEPAL - Setembro de 2002 - Mudanças e permanências

Artigos clássicos

Processo e não-processo no trabalho analítico


Madeleine Baranger, Willy Baranger e Jorge Mom

A "talking cure", denominada por Anna O. e descoberta por Freud, se expandiu e se


diversificou ao extremo durante nosso século. Nosso propósito, nas linhas que se seguem, não
pretende sintetizar a vasta literatura existente a respeito, mas sim marcar alguns pontos que
nos parecem definir o processo analítico. Pensamos que o progresso que pode se realizar em
psicanálise tem que surgir do estudo da experiência clínica em suas fronteiras, em seus
obstáculos, em seus fracassos. Por ele centramos nossa busca no não-processo analítico, nos
lugares onde o processo tropeça ou se detém. Isso nos levou a propor a introdução de alguns
termos : "campo", "baluarte", "segunda olhada". Quando o processo tropeça ou se detém, o
analista só pode interrogar-se acerca do obstáculo, englobando em uma segunda olhada a si
mesmo e ao seu analisando, à Edipo e à Esfinge, em uma visão conjunta : isso é o campo. O
obstáculo involucra a transferência do analisando e a contratransferência do analista, e propõe
problemas tremendamente confusos. A detenção do processo nos introduz totalmente no que é
seu movimento, isto é, na temporalidade que lhe é circunstancial. Se o processo tem que
seguir adiante, qual o nosso recurso para consegui-lo? Em última instância, não pode ser
senão um recurso de palavra levando a um insight. Isto, a sua vez, nos conduz à descrição
desta dialética particular do processo analítico como alternância de momentos de processo e
não-processo, como trabalho de superação de obstáculos, trabalho que determina seu fracasso
ou seu sucesso.

1.0 campo analítico e o baluarte

Nada que possa ocorrer num tratamento analítico pode ser considerado de forma
independente da situação analítica, que funciona como um fundo de relativa permanência em
relação a formas que mudam (em termos gestálticos). Este fundo está constituído por um
contrato ou um pacto, explícito em vários aspectos, entre analista e analisando.
O pacto analítico tem aspectos formais - bem conhecidos - aspectos funcionais e
aspectos estruturais, ou, se quisermos, podemos falar de aspectos fenomênicos e trans-
fenomênicos da situação estabelecida pelo pacto.
A hierarquização dos aspectos formais e de sua inter-relação, propõe diversos
problemas, e também sabemos que certos aspectos formais incidem sobre a própria
funcionalidade: por exemplo, a duração fixa ou variável das sessões condiciona dois tipos
muito distintos de processo analítico.

* Baranger, Madeleine; Baranger, Willy; Mom, Jorge. Proceso y no proceso en el trabajo analítico. Rev. Psicoanal., v.39,
n.4, p.527-49, 1982.
** Associação Psicanalítica Argentina.
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No funcional, cabe realçar que o pacto estabelece uma assimetria de base: um dos
pactuantes será o analista, o outro o analisando, sem que nenhuma inversão de funções possa
ter lugar.
No estrutural, enfatizaremos a "regra fundamental" como definitória do processo
analítico. Nisto, o conceito lacaniano de "sujeito suposto saber" - como implícito na regra
fundamental — parece esclarecedor. A regra fundamental localiza o analista não só num
plano imaginário como sabendo de antemão quem é na realidade o paciente e como é seu
destino, mas coloca-o também como escuta e intérprete comprometido com a verdade de tudo
o que o paciente associará ou vivenciará. Sobretudo, abre de par em par as portas da
transferência.
Numa tentativa de diferenciar entre os aspectos fenomênicos circunstanciais da
situação analítica e sua estrutura transfenomênica, sentimos em oportunidade anterior a
necessidade de incluir em sua descrição a noção de "campo", expressa em várias descrições
de Freud ("campo de batalha", "tabuleiro de xadrez").
A estrutura instituída pelo pacto está destinada a permitir um determinado trabalho
tendente a um processo: a experiência comprova que, mais além das resistências cujo
vencimento constitui precisamente o trabalho analítico, se produzem inevitavelmente
situações de obstrução do processo: nessas circunstâncias, é como se nos impusessem as
idéias de campo.
Em outras palavras: dentro da estrutura funcional onde tem lugar o processo, se
produzem detenções que envolvera em forma distinta a ambos pactuantes e que, se as examinar-
mos, evidenciam que foram criadas outras estruturas adventícias que interferem no fun-
cionamento da estrutura de base.
A experiência da supervisão com muitos colegas (de principiantes a veteranos) nos
mostra que, nestes momentos, se perdia a assimetria básica do pacto analítico e que
predominava outra estruturação, muito mais simétrica, na qual o "vínculo" inconsciente do
analista com o analisando se convertia em cumplicidade involuntária contra o processo
analítico.
Isto nos deu a idéia de transportar a experiência da supervisão aos tratamentos que
cada um realiza, quando obstruídos. De fato, todos o fazemos espontaneamente toda vez que
se apresenta um obstáculo mais além das resistências acostumadas do analisando. Nestes
momentos, damos uma "segunda olhada" que faz surgir ante nossos olhos a situação analítica
como campo que nos envolve a nós mesmos, na medida que nos desconhecemos.
Cada um de nós dispõe, caso haja formulado ou não, de uma espécie de dicionário
contra-transferencial próprio (vivências corporais, fantasias de movimentos, aparição de
determinadas imagens, etc.) que marca os movimentos em que um abandona a atitude de
"atenção flutuante" e passa à segunda olhada, perguntando-se sobre o que está ocorrendo na
situação analítica como campo.
Estes indicadores contratransferenciais que provocam a segunda olhada, nos levam a
dar-nos conta da existência, dentro do campo, de uma estrutura imobilizada que entorpece ou
paralisa o processo. Chamamos essa estrutura de "baluarte".
Ela se caracteriza por não aparecer nunca diretamente na consciência de ambos
participantes, manifestando-se tão somente por efeitos indiretos: provém de uma cum-
plicidade entre ambos protagonistas na inconsciencia e no silêncio para proteger um
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engate que não deve ser desvelado. Isso desemboca numa cristalização parcial do campo,
numa neoformação constituída ao redor de uma montagem fantasmática dividida que implica
zonas importantes da história pessoal de ambos participantes, e que atribui a cada um, um rol
imaginário estereotipado.
Às vezes o baluarte fica como um corpo estranho estático, enquanto o processo segue
aparentemente seu curso. Em outras situações, invade completamente o campo e restando
toda funcionalidade ao processo, transforma o campo, em sua totalidade, num campo
patológico.
Incluiremos alguns breves exemplos para ilustrar o conceito de baluarte:
Um paciente perverso manifesto. Se comporta como "um bom paciente", cumpre com
os aspectos formais do pacto, não apresenta resistências manifestas, não progride. As sessões
em certo período se apresentam como um agregado de toda a "Psychopathia Sexualis" de
Krafft-Ebing. O analista "nunca viu ninguém com tantas perversões juntas". O baluarte se dá
aqui entre um analisando exibicionista e um analista fascinado-horrorizado, "voyeur"
obrigado complacente do desabrochar perverso.
Um analisando, veterano em uma quantidade de tratamentos analíticos.
Aparentemente, cada sessão proporciona o fruto de alguma "descoberta": em realidade, não
acontece nada. O analista está embelezado pela sutileza do analisando ao descrever seus
estados internos, o que regozija seu próprio talmudismo. Até que se dá conta de que, enquanto
estão ambos brincando com suas investigações, o analisando está colocando, cada mês, o total
de seus honorários a prazo fixo (especulando com o atraso no pagamento). A análise deste
baluarte revela uma montagem fantasmática compartida: uma velha vingança solapada do
analisando contra seu pai avarento, e a compulsão culposa do analista que se coloca no lugar
do pai enganado.
Exemplo de um baluarte que invadiu o campo. Um paciente psicopata grave. O
analista está aterrorizado, temendo a agressão física homicida do analisando, sem poder
interromper o tratamento nem continuá-lo. A fantasia nodular do baluarte é a do paciente
como torturador num campo de concentração, e a do analista como vítima torturada e
impotente. A formulação consciente desta manipulação no analista provoca a desaparição do
terror. Ambas histórias individuais convergem na criação deste campo patológico.

Estes exemplos poderiam se multiplicar infinitamente. Mostram, não somente a


interação entre a transferência do analisando e a contratransferência do analista, mas também,
além disso, a criação de um fenômeno de campo que não poderia produzir-se senão entre este
analista e este analisando. Se trata de algo que poderíamos expressar metaforicamente como
um "precipitado". Mas deve-se entender previamente sobre a transferência e a
contratransferência, e sobre sua relação com a identificação projetiva.

2. Uma selva de problemas: transferência-contratransferência-identificação


projetiva

Como é natural, a descoberta da transferência por Freud levou-o a uma série de


aprofundamentos e ampliações do conceito que culminou numa representação quase "pan-
transferencialista" do processo analítico, como substituição da neurose inicial e
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natural do paciente por uma neurose artificial na transferência que se resolveria neste lugar.
Quanto à contratransferência, sabe-se que Freud não lhe dedicou, nem de longe, uma
atenção tão sustentada como à transferência. Inclusive atualmente, muitos autores analíticos
consideram a contratransferência como um fenômeno desnecessário, mas bem perturbador,
resto indevido da neurose do analista não suficientemente "curada".
Com o trabalho pioneiro de Paula Heimann e de Enrique Racker, quase contem-
porâneo do primeiro, a contratransferência apareceu não somente como um fenômeno
universal tão constante como a transferência, mas também como um instrumento
imprescindível do trabalho analítico.
Com a descoberta por Melanie Klein da identificação projetiva, a teoria da trans-
ferência se encontra profundamente modificada. Também se modifica a teoria da con-
tratransferência, mesmo que essa última conseqüência não tenha sido buscada pela própria
Melanie Klein.
A tendência de M. Klein de ampliar ao extremo a extensão do conceito de iden-
tificação projetiva, com o qual a transferência chega a comparar-se no final à uma iden-
tificação projetiva continuamente em ação, leva-a a definir o movimento da sessão analítica
como uma sucessão de identificações projetiva e introjetivas facilitadas pela atividade
interpretativa do analista.
Era grande a tentação de querer chegar a uma teoria unificada da transferência, da
contratransferência e da identificação projetiva. Bastaria admitir que o campo criado pela
situação analítica é constituído como um campo transferencial-contratransferencial formado
sobre a base de identificações projetivas cruzadas e recíprocas do analista e do analisando.
Assim, a funcionalidade assimétrica deste campo apontaria em cada momento a desfazer pela
interpretação as estruturações simbióticas originadas nas identificações projetivas. De fato,
nos demos conta de que uma definição semelhante só poderia aplicar-se, e nem sequer com
muita exatidão, a estados extremamente patológicos do campo: um campo caracterizado por
uma simbiose insuperável entre ambos participantes, ou pelo parasitismo aniquilante do
analista pelo analisando. A simplificação e unificação da teoria desembocava, não numa
maior coerência, mas num achata-mento. Atualmente, pelo contrário, nos parece
imprescindível diferenciar os fenômenos, já que o tratamento correto que podemos dar-lhes na técnica,
depende desta diferenciação.
Por ora, não podemos nos contentar em definir a transferência como o conjunto das
vivências e pensamentos do analisando em relação com seu analista, nem a con-
tratransferência como o que pensa e sente o analista com respeito a seu paciente, porque tal
definição apagaria não somente o que é estruturalmente determinado pelo pacto analítico,
senão, além dessa estrutura de base, apagaria também categorias transferenciais ou
contratransferenciais que nos indicam as prioridades e modalidades do trato interpretativo.
Por exemplo, certas matizes das manifestações transferenciais de um analisando, em
determinado momento, nos indicam um rodeio quase obrigado pela história deste: "Eu sonhei
que tinha quatro anos e você era meu pai..." etc, e outras manifestações podem ir por outro
curso.
Trata-se aqui de um dos muitos casos em que a coerência teórica funciona contra uma
prática coerente.
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Dentro do conjunto de fenômenos que poderiam ser chamados transferenciais na


acepção mais ampla da palavra, teremos que diferenciar uma série de categorias básicas:
Tudo o que no analisando responde à posição estrutural do analista e à sua função que
não tem a ver essencialmente com projeções do analisando e pode, às vezes ser confundido,
por engano, com um processo de idealização de sua parte.
As transferências momentâneas e variantes que correspondem às estruturações
sucessivas do campo e não exigem forçosamente interpretação, salvo se a transferência se
converte em resistência.
A transferência repetitiva e estruturada, basicamente inconsciente, à qual Freud se
referia com o conceito de "neurose artificial" e que constitui sempre um objetivo privilegiado
da aclaração interpretativa. Dito de outro modo: a forma específica em que o analisando situa
o analista na estrutura de seu complexo de Édipo, ou em que projeta sobre ele as figuras de
seus objetos primários de amor, de ódio, de identificação.
As transferências por identificação projetiva (usando este termo de M. Klein no
sentido específico que dado por ela quando descobriu esse mecanismo). Este tipo de
transferência se distingue dos demais pelas manifestações contratransferenciais muito
definidas que o acompanham, e intervém de forma determinante na constituição da
patologia do campo. Exige a interpretação.
As categorias que usamos habitualmente para diferenciar as formas de transferência
(transferência positiva - transferência erótica - transferência negativa) são na verdade
descritivas e fundamentam-se nos matizes afetivos do amor e do ódio (o amor sem um fim
diretamente sexual, que é necessário para o pacto; o amor diretamente erótico encobrindo o
ódio, na transferência erótica; o ódio em suas mil formas de transferência negativa). Notar-se-
á que a categorização que propomos fundamenta-se não sobre o fenomênico e sim sobre as
estruturas envolvidas, retomando a indistinção de Lacan entre transferência simbólica e
transferência imaginária, e ao mesmo tempo a transferência repetitiva de Freud e a
transferência produto da identificação projetiva de M. Klein. Esta última diferenciação apela a
dois esquemas referenciais: o primeiro, de Freud, implica necessariamente à história do
sujeito, enquanto o de M. Klein não a situa em primeiro plano, porém não a nega. Não
pensamos, entretanto, que se trate de dois conceitos alternativos que expressem o mesmo
objeto, mas sim de formas e estruturas distintas da transferência. A simplificação aparente
abordada por M. Klein em sua concepção da transferência equiparada à projeção-introjeção ou
à identificação projetiva e introjetiva tem por resultado a idéia de um paralelismo entre a
transferência positiva e negativa, com uma urgência maior de interpretar (o que para M. Klein
equivale a dissolver) as manifestações da transferência negativa na medida em que expressa
os núcleos patogênicos. Percebe-se imediatamente a reviravolta de M. Klein a respeito de
Freud: para este, o amor de transferência como condição do trabalho analítico, implica
determinar um claro privilégio à transferência positiva (não "erótica") sobre a transferência
negativa, quer dizer, um não-paralelismo entre as duas formas, implicando a idéia de que não
funcionam da mesma maneira e contrapondo-se uma à outra, mas sim de maneira distinta: não
se trata de cara e coroa de uma mesma moeda, mas sim de moedas de distinto valor.
Quanto à contra-transferência, os programas nos são apresentados de maneira distinta,
mesmo que se faça mais necessária, entretanto, a discriminação. Temos que
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adotar como idéia reitora que a contra-transferência não é o inverso da transferência, não
somente porque Freud estudou muito a primeira e pouco a segunda, mas sim por razões
estruturais.
Se tomamos como eixo o lugar de onde o analista fala como tal — para instituir e
manter o enquadre, para interpretar — quer dizer, em termos lacanianos, o registro simbólico,
e este outro lugar (afastando-nos desta vez de Lacan) onde o analista está com sua atenção
flutuante e a porta aberta a seu inconsciente com aparelho de ressonância, sentamos um
princípio de assimetria que nos parece constitutivo da situação analítica. A contra-
transferência aparece aqui como distinta da transferência não somente por sua intensidade
menor, por seu caráter mais instrumental, mas sim por responder a uma posição estrutural
distinta.
Por função, e desde o início, o analista está comprometido com a verdade e abstinência
de toda outra coisa atuada com o analisando. Não se trata no processo analítico de nenhuma
operação formalizável mediante um sistema de computação, mas sim de uma situação onde o
analista está comprometido em carne, inconsciente e osso. Isto intrinsecamente, e não pela
mera contingência de que o analista escuta e reage: implica que vai-se tratar de uma contra-
transferência coibida em sua manifestação e condenada a um desabrochar interno nele. Esta
posição estrutural do analista define certos limites entre os quais a atenção "flutua" sem
fundir-se, e o trabalho do analista se realiza com a primeira olhada, sem que o campo apareça
como tal. Seria errôneo a nossos olhos definir esta contra-transferência estrutural em termos
de identificação projetiva porque isto apagaria a diferença entre aspectos muito contrastantes e
de conseqüências opostas da contra-transferência.
Chegamos nesta via de discriminação a isolar várias formas de contra-transferência:
O que provêm da própria estrutura da situação analítica e da posição e da função do
analista no processo.
As transferências do analista sobre o paciente que, se não se estereotipam, fazem
normalmente parte do processo (sei que esta analisanda não é minha filha e que devo estar
atento à minha propensão de pensar que seja).
As identificações projetivas do analista em relação ao analisando e suas reações às
identificações projetivas deste. Estes fenômenos são os que provocam as estruturações
patológicas do campo, exigem uma segunda olhada para ele, e um tratamento interpretativo
prioritário. Também podem produzir os fenômenos freqüentes que costumamos denominar
"microdelírios contra-transferenciais".
Na selva de fenômenos complexos, às vezes mistos e confusos, que constituem a
transferência e a contra-transferência, certas idéias nos permitem traçar como avenidas que
podem nos orientar. A primeira consiste em opor os aspectos constitutivos e os aspectos
constituídos da transferência e da contra-transferência. Esta oposição que marca Lacan
quando se refere ao "sujeito suposto saber", não é estranha ao pensamento analítico habitual,
pelo menos em alguns de seus aspectos. Está sustentando todas as descrições que Freud nos
deixou sobre a técnica que ele mesmo inventou, está implícita em todos os trabalhos que
recalcam a oposição entre enquadre e processo, é a base da própria idéia de uma interpretação
analítica (se a interpretação não viesse de um lugar diferente do lugar do material associativo,
de onde tiraria seu poder?); é o que nós mesmos tentamos expressar com a idéia do marco
estrutural e funcional da situa-
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ção analítica. Sua perda momentânea é a que alguns kleinianos descrevem como "reversão da
perspectiva".
Nem todos os fenômenos de transferência e nem todos os de contra-transferência
correspondem ao mesmo modelo, aos mesmos mecanismos, nem devem ser tratados da
mesma forma.

3. O processo analítico e seu tempo

Nas múltiplas metáforas que Freud usou para descrever o processo analítico, algumas
têm uma referência direta à história, por exemplo, a história bélica da invasão de um território
por um exército inimigo (a neurose),e de sua reconquista pelo treinamento psicanalítico;
outra, a metáfora arqueológica da reconstrução, através de escavações, das camadas
sobrepostas de restos de distintas cidades edificadas e destruídas num mesmo lugar e em
épocas distintas. Outras metáforas não têm relação direta com o tempo nem com a história: a
metáfora escultural ("via di porre", "via di levare"), a metáfora telefônica, a metáfora
cirúrgica. E, entre as duas séries, está a metáfora enxadrista. É evidente que nenhuma dessas
metáforas, tomada isoladamente, esgota o conceito que Freud tinha do processo analítico, e
que a escolha de uma ou umas às custas de outras envolve uma simplificação - ou seja, uma
diminuição — do conceito original. Tampouco podemos dizer que Freud tenha mudado de
opinião quanto ao problema que nos interessa, mas sim que cada uma destas metáforas
expressa uma faceta de um problema muito complexo.
De todo jeito, até seus dois grandes últimos escritos técnicos, Construções em Análise
e Análise terminável e interminável, a história do sujeito constitui uma dimensão essencial do
que tem que desvelar em uma psicanálise.
Isto desprende-se dos primeiros descobrimentos de Freud sobre a memória: a
tendência de Freud de definir o inconsciente como o reprimido, a repressão tendo seu efeito
básico num esquecimento de situações traumáticas. O recurso do processo analítico define-se
então como uma repetição transferenciai cuja interpretação permite uma recordação do
reprimido e sua eventual elaboração.
O que ocorre depois de Freud? O sentido da história tende a perder-se em dois
caminhos aparentemente opostos.
O primeiro se baseia, em parte, em algumas metáforas de Freud (a telefônica, a
cirúrgica, etc); e também na idéia freudiana de que tudo se joga na transferência, quer dizer,
no presente; e na afirmação de Freud (mal entendida) de que no inconsciente não rege a
categoria da temporalidade. Fora esta base freudiana, esta posição tende a comparar a
psicanálise às "ciências da natureza", ou experimentais, nas quais a história não tem lugar. O
expoente mais radical desta posição poderia ser Henry Ezriel quando afirma que a psicanálise
é uma "ciência a-histórica", mas veríamos a mesma tendência em Bion e outros.
A segunda tendência, sem excluir o recurso à história individual do sujeito, tende a
diluí-la nas vicissitudes de um desenvolvimento cujas fases foram descritas pela psicologia
evolutiva. Aí se origina uma quantidade de mal entendidos, seja que os analistas tratem de
harmonizar o esquema das fases evolutivas da libido descritas por Karl Abraham, enrijecendo
as indicações de Freud neste sentido, com as observações expe-
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rimentais da psicologia evolutiva, seja tratando de submeter as hipóteses analíticas ao


testemunho de uma observação experimental (R. Spitz versus M. Klein, por exemplo). Em
ambos os casos o prejuízo básico está em acreditar que a psicanálise está em continuidade
com a psicologia evolutiva e que forçosamente as descrições têm que coincidir se são
verdadeiras. Este prejuízo sacrifica o conceito freudiano de história individual e, em
particular, o conceito de "Nachtràglichkeit", segundo o qual, ao invés de um acontecimento
constituir-se em causa determinante de uma série de acontecimentos ulteriores, este
acontecimento inicial não tem sentido se não em virtude dos acontecimentos ulteriores. Se
alguém leva a sério esta expressão de Freud ("Nachtrâglich"), a descontinuidade da
psicanálise com toda classe de psicologia evolutiva não pode deixar de impor-se como
evidente. O que, naturalmente, não implica nenhuma crítica de princípio aos resultados da
psicologia evolutiva. Implica, sim, numa crítica ao conceito contraditório de um enfoque
"histórico-genético" tal como vemos formulado em certos autores (D. Rapaport, M. Gill e
outros).
As discussões de antes e de agora para saber se o processo analítico se desenvolve e
deve desenvolver-se no "aqui e agora" da situação transferencial da sessão, ou se tende à
recuperação de lembranças, nos parecem passar por alto a dialética propriamente freudiana da
temporalidade. Se o trabalho analítico é possível, é porque o sujeito e analista pensam que a
exploração do passado permite a abertura do porvir, é porque as séries complementarias não
constituem um determinismo mecânico, é porque se pode sair, pela interpretação, do eterno
presente atemporal das fantasias inconscientes. O movimento progressivo e o movimento
regressivo acontecem de forma conjunta e se condicionam reciprocamente.
Não equipáramos a exploração do passado e a regressão, mesmo que ambos os
fenômenos ocorram muitas vezes simultaneamente. Explicar o passado equivale de certo
modo a revivê-lo, e isto põe em jogo formas de sentir e níveis de organização psíquica
pretéritos. Quase todos os autores estão de acordo em admitir que a regressão é uma dimensão
necessária do trabalho analítico. Por isso a regularidade das sessões e sua duração uniforme
criam um ato temporal fixo que permite o desabrochar dos fenômenos regressivos Pensamos
que uma das funções mais delicadas do analista é regular o nível no qual o trabalho analítico
pode realizar-se sem que o analisando se perca na regressão. Sabemos que tal regulagem não
é sempre realizável e que se produzem regressões indevidas apesar de nossos esforços, em
forma de surtos psicóticos. Entre o escolho da falta de regressão, que tenderia transformar a
análise num mero processo intelectual, e o excesso de regressão, no qual o analisando se
confundiria em estados psicóticos, está a área da "regressão útil", na qual podemos navegar
sem perigo.
Por isso uma justa apreciação da função da regressão no tratamento analítico é tão
importante. Existe em certas tendências analíticas a idéia de que a regressão constitui em si o
fator terapêutico essencial. Estes autores consideram a situação analítica como destinada a
fazer ressurgir, em estado de regressão, fases mais e mais remotas da existência do
analisando. Teoricamente, esta atitude equivale a buscar mais e mais atrás na infância do
sujeito o fator patogênico determinante, a promover a revivência destas situações mal vividas
no passado. O ressurgimento da simbiose inicial com a mãe, do trauma de nascimento, da
relação primitiva com o pai, das posições esquizo-paranóide e depressiva da lactação, o
afloramento dos "núcleos psicóticos" seria a condição
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imprescindível de um verdadeiro progresso. Daí nasce a ilusão, tantas vezes desmentida pelos
feitos, de que basta alcançar, seja por meios farmacológicos, seja favorecendo
sistematicamente a regressão analítica, as situações arcaicas patogênicas para produzir um
progresso. Mas esquece-se que a revivência de um trauma não serve de nada se não se
complementa com uma elaboração, se o trauma não se reintegra no curso de uma história, se
não se diferenciam as situações traumáticas iniciais da vida do sujeito e o mito histórico de
suas origens. Esta elaboração necessária descarta o afã mágico de poder encurtar mediante um
curto-circuito a duração do processo analítico.
A discussão por Freud das idéias de Otto Rank acerca do trauma de nascimento e das
conclusões técnicas derivadas por ele sobre esta teoria (o trauma de nascimento como base de
toda a patologia ulterior, e sua elaboração no tratamento permitindo "curas rápidas" pela
economia do processo analítico) expressa em forma prototípica as críticas que poderíamos
fazer a várias tentativas ulteriores na mesma direção que a de Rank.
O tempo da sessão é um parêntesis que suspende o tempo da vida, um tempo sem
pressa, que às vezes parece fechar-se num presente atemporal ou em um tempo circular, e às
vezes dá lugar a acontecimentos repetidos ou novos. Na realidade é uma experiência
privilegiada para observar diretamente a gênese da temporalidade e da história. O processo
analítico re-escreve em certa medida a história do sujeito ao mesmo tempo que muda seu
sentido. O momento em que podemos observar esta mudança, em que ocorrem
simultaneamente a re-assunção de um pedaço de história e a abertura de um porvir, é o
momento do insight.
O trabalho analítico se joga no aqui e agora e no passado, como uma dialética entre a
temporalidade fechada e repetitiva da neurose e do destino e a temporalidade aberta do
insight.

4. O recurso do processo analítico: interpretação e insight

Ninguém levantará nenhuma dúvida: o recurso específico do processo analítico é a


interpretação. O analista faz muitas coisas fora interpretar: mantém o domínio, com
delicadeza ou sem, o enquadre; elege o ponto que deve ser interpretado; ensaia internamente
hipóteses, etc.
Desde o início, Freud descreve o recurso do processo como uma dialética: a
interpretação se necessita quando a "livre" associação do analisando tropeça com um
obstáculo que expressa o surgimento de uma resistência dentro dele. O modelo destes
momentos fecundos do processo seria então: resistência-interpretação-lembrança.
A medida que o procedimento analítico vai desbordando os limites da memória e do
esquecimento, o obstáculo vai adquirindo novas formas, e a resolução interpretativa provoca
efeitos mais amplos que reunimos baixo a palavra insight.
Dois enigmas nos são apresentados então: qual é este estranho poder da palavra
interpretativa ? Em que consiste o insight, seu resultado ?
O primeiro enigma nos é esclarecido de alguma maneira, se diferenciarmos dois
aspectos deste poder: o primeiro se refere à palavra em si, ao fato de falar, de interpretar ou de
associar; o segundo à palavra como portadora de sentidos, como expressando "o que alguém
quer dizer".
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Desde os trabalhos clássicos de Luisa Alvares de Toledo, sabe-se que a palavra, ade-
mais de seu valor semântico, adquire, e muito particularmente no trabalho analítico, um valor
concreto de ação fantasiada: atirar flechas ou pedras, envenenar, amamentar, acariciar, etc.
Isto bastaria para descartar toda equiparação da interpretação analítica com uma tradução,
porém com uma tradução simultânea. Inclusive se considerarmos somente seu valor
semântico, a interpretação do analista se parece um pouco aos encantamentos de um aprendiz
de bruxo, e evoca toda classe de demônios afora os que se quis chamar. Dentro da polissemia
das palavras e dos enunciados, muitas vezes resulta problemático saber, entre os sempre
múltiplos sentidos do que dizemos, qual foi o sentido eleito, e entendido pelo analisando.
Cada um sabe por experiência que, em certos tratamentos, o analisando entende
sistematicamente algo distinto - ou inclusive oposto - ao que quisemos dizer, e sabemos
também, si voltarmos a pensar em nossas interpretações, que muitas vezes esta foi muito mais
significativa do que quisemos conscientemente transmitir, e que algum de seus segundos
sentidos é que foi realmente operativo. Assim, alguém fala destas "invenções
significantes...que são a única coisa capaz de curar". Pode haver interpretação quando
inventamos algo, quando nosso trabalho se aproxima ao do poeta, quando conseguimos passar
mais além da linguagem utilitária, meio de comunicação. Nisto o elemento de surpresa resulta
indispensável.
Toda interpretação, onde há pronúncia e onde há escuta, é necessariamente
polissêmica. Seria um erro crasso (não poucas vezes cometido) pensar que a precisão da inter-
pretação, precisão que resulta fundamental em qualquer enunciado científico (porém uma
interpretação no processo analítico não é um enunciado científico: sua "verdade" reside em
outro lugar), nos permite evitar as confusões implícitas na polissemia dos enunciados.
Pensamos, ao contrário, que a busca da precisão teórica pelo analista na formulação
das interpretações, vai diretamente contra o que pedimos ao analisando: associar — na
medida do possível - "livremente". Teríamos, então, que distinguir dois momentos do ato da
interpretação: os momentos de busca, semelhantes ao que fazem as crianças camponesas para
caçar grilos (arranham o solo com uma pá em frente à toca do grilo; este, curioso, sai da toca,
momento propício para enjaulá-lo). Em nosso processo, este "enjaular" seria o segundo
momento da interpretação: um aspecto do inconsciente sai à luz e é capturado por novos
significados; se produz então uma coincidência entre analista e analisando sobre um sentido
da interpretação. O primeiro momento joga sobre a ambigüidade e a polissemia; o segundo os
reduz momentaneamente.
Que o poder analítico da palavra resulta estranho, é evidente para nós pelo motivo que,
na literatura, se descreve de duas maneiras diametralmente opostas. Uns fazem-no em seu
vértice de ruptura, referindo-se em última instância à "via di levare" de Freud. Analisar
significa, etimologicamente, desligar, desatar, romper algum "falso enlace", "revelar um auto-
engano, destruir uma ilusão ou uma mentira: Dora, a "alma bela", se faz de vítima inocente
das tramóias familiares, e Freud a revela como cúmplice inconsciente deles. Outros, e
Melanie Klein mais que ninguém, concebem-no como um poder de unificação e de
integração: reduzir as clivagens, permitir a síntese do objeto, ampliar e enriquecer o Eu. O
próprio Freud, desde o modelo inicial (resistência-interpretação-lembrança), concebe o poder
da palavra interpretativa como permitindo a recuperação de um pedaço reprimido da história.
O "levare" da interpretação permi-
124 Revista FEPAL - Setembro de 2002 - Mudanças e permanências

te um "porre" a partir de outro lugar (do inconsciente do analisando).


No movimento do processo analítico, ruptura e integração se dão conjuntamente, sem
que o analista tenha nenhuma necessidade de agregar farinha de seu próprio saco. O estranho
poder da interpretação - entre outras coisas - consiste em desligar-nos do poder estranho de
certas palavras capturantes em nosso destino. É mérito de Lacan tê-lo enfatizado, mas isto não
se detém neste poder: tem maior alcance, tal como Lacan mesmo o reconheceu a partir de
1963, ao introduzir a idéia de um trabalho analítico possível com palavras acerca do objeto
"a", quer dizer, de algo indizível, mais além das palavras. Finalmente, se queremos situar em
alguma parte o limite (para nós) da contribuição de Lacan, temos que traçá-lo no momento
onde a "segunda olhada" é imposta. Concordamos com ele em reconhecer que o trabalho
analítico não consiste no esgotamento a todo custo das "flanelas imaginárias" (ou das
vivências regressivas que se dão entre duas pessoas sem contato físico) porém não se limita a
um poder de rompimento. O recurso está no poder evocador da palavra à medida em que
suscita o insight.
Se quisermos ser fiéis à descrição de nossa experiência, não podemos evitar a
obrigação de discriminar duas categorias dentro do que chamamos insight.
Naturalmente esta categorização leva a descrever duas formas limites idealmente
distintas do insight, quando a realidade nos apresenta mais amiúde formas mistas. A primeira
corresponde ao que Freud descreveu como levantamento da repressão e emergência
consciente do reprimido. Neste caso relativamente simples, o analista não está implicado na
resistência do analisando, mas sim como tela transferência em sua capacidade ou dificuldade
em entender e interpretar este momento preciso do processo. O mesmo enfoque unipessoal do
insight se pode manter, mesmo com maior dificuldade, em caso de redução de uma clivagem.
A segunda categoria do insight não pode aparecer a não ser quando o analista recorre à
"olhada em direção ao campo", quer dizer, quando se produz um impedimento da dinâmica do
campo e uma paralisação de seu funcionamento, o que mostra a presença de algum baluarte.
Neste caso, o processo interpretativo é mais complexo; aponta primeiro ao fato que o
analisando se dê conta da existência do baluarte através de seus efeitos mais conspícuos:
detenção do processo, estereotipia do relato, vivência de que "não acontece nada". Do qual se
pode passar à estereotipia dos papéis recíprocos atribuídos pelo analisando a ele mesmo e ao
analista e a suas fantasias que contribuem para a estruturação do baluarte, com suas raízes na
história pessoal do sujeito. Este esfarelamento do baluarte implica na devolução ao analisando
de seus aspectos situados no analista por identificação projetiva, sem que seja necessária
nenhuma "confissão contratransferencial". Isto apagaria a assimetria estrutural e funcional do
campo, introduziria confusões intermináveis no analisando e deslocaria o analista de sua
função específica.
A ruptura do baluarte significa uma redistribuição dos aspectos de ambos participantes
envolvidos na estruturação deste baluarte, porém a redistribuição se dá de maneira distinta em
cada um deles: uma recuperação consciente e calada no caso do analista; consciente e
manifesta no caso do analisando.
Podemos caracterizar o baluarte como um fenômeno simbiótico, à medida em que
ambos participantes da situação analítica utilizam transferências e identificações projetivas e
praticam de forma recíproca "roques" do sujeito e do objeto. Toda ruptura
Processo e não-processo no trabalho analítico Madeleine Baranger, Willy Baranger y Jorge Mom 125

de baluarte se apresenta, portanto, como uma de-simbiotização. A pedra de toque que nos
mostra que a ruptura aconteceu reside na mudança de vivências, tanto do analista quanto do
analisando, na restituição do movimento no campo, na compreensão do obstáculo no
momento de superá-lo, na passagem espontânea do analista da segunda olhada à primeira
olhada, que corresponde a um trabalho analítico funcionando sem outra resistência que a do
próprio analisando.
A forma extrema do baluarte se manifesta numa patologia do campo e do processo que
poderíamos descrever, mais além da simbiose, como parasitismo. Este se revela em seu
aspecto contratransferencial: o analista se sente como "habitado" pelo analisando, presa de
uma preocupação que desborda as sessões (pode ser pelo medo de uma atuação auto-
destrutiva ou delitiva do analisando, a iminência de um "surto" psicótico, ou a outras
situações menos dramáticas). Tais situações parasitárias (equivalentes a micro-psicoses no
campo analítico) costumam desembocar, seja numa ruptura violenta da situação analítica, seja
em sua re-canalização por redução das clivagens e devolução das identificações projetivas do
analisando.
Nem todos os campos analíticos chegam a estes extremos patológicos, porém todos
tendem a criar baluartes, como está implicado no conceito freudiano de "neurose na
transferência".
O recurso do processo analítico aparece, portanto, como constituído pela produção de
resistências e baluartes e sua correspondente dissolução interpretativa criadora do insight.
Tal descrição deve muito ao trabalho clássico de James Strachey, "Natureza da ação
terapêutica da psicanálise", a sua idéia, enraizada na observação clínica direta, de que o
recurso do processo reside em certos momentos de "interpretação mutativa", nos quais toda a
situação se une — passado e presente, transferência e realidade, vivência e compreensão - e se
desune mediante a interpretação discriminativa produtora da mutação do insight. Alguns
detalhes aparte, sobre os quais não podemos coincidir (a idéia, retomada de Rado, da posição
do analista como superego auxiliar, e outras), o que, a nossos olhos, faltava à descrição de
Strachey era levar em consideração a participação efetiva e afetiva (e não somente
interpretativa) do analista neste processo, coisa da qual Michael Balint tinha, ao contrário,
uma consciência muito aguda e que expôs em muitas obras ulteriores, sem formulá-la,
entretanto, em termos de campo.
Os momentos fecundos da interpretação e do insight marcam o processo analítico que
Pichon-Rivière descrevia como "processo em espiral", expressando com esta imagem a
dialética do processo na temporalidade. "Aqui, agora, comigo", tende-se dizer, ao qual
Pichon-Rivière agrega "Como lá e antes, com outros" e "Como mais adiante em outra parte e
em forma distinta". Se trata de uma espiral onde cada volta retoma a volta anterior desde outra
perspectiva, e que não tem começo absoluto nem fim determinado. A superposição das curvas
da espiral ilustra esta mistura de repetição e não repetição que se observa nos acontecimentos
característicos do destino de uma pessoa, este movimento conjunto de aprofundamento dentro
do passado e construção do futuro que caracteriza o processo analítico.

5. Dialética do processo e do não-processo

Nem todos os analistas conseguiram se dar conta de que o processo analítico é


126 Revista FEPAL - Setembro de 2002 - Mudanças e permanências

um artifício. Nem as advertências mais claras de Freud (a metáfora militar, na qual explica
que o processo de reconquista não se joga nos mesmos lugares onde se livraram as batalhas da
invasão; a metáfora enxadrística, onde explica que, aparte das aberturas e dos finais, as
jogadas intermediárias são imprevisíveis) podem valer contra a tendência de pensar o
processo analítico segundo um modelo "naturalista" (gestação de um feto - crescimento de
uma árvore). O não-paralelismo do processo patogênico e do processo analítico é a nós
imposto como uma evidência de partida. Se os analistas puderam falar de uma "cura típica",
de "variantes da cura típica", de "fases" determinadas da cura, é porque têm uma idéia pré
concebida do desenvolvimento de um tratamento, como parte de seu esquema referencial.
Esta idéia funciona como um leito de Procusto e determina o curso efetivo de bom número de
tratamentos, excetuando-se os casos nos quais o paciente se nega a cumprir com as fases pré
estabelecidas.
Não podemos evitar, nem tampouco devemos renunciar à nossa função de "direção da
cura": somos parte integrante do processo, e esse processo é, essencialmente, intersubjetivo.
Isto não quer dizer que possamos nem devamos usar esta função de direção em forma
arbitrária. Somos vítimas de uma "idéia incurável", a idéia de cura (J.B.Pontalis), porém o que
devemos fazer é não nos equivocar acerca da própria natureza de nosso trabalho e aceitar,
sem que nos provoque o sentimento de um escândalo intelectual, o fato da enorme variedade
dos processos analíticos positivos.
Tomando um exemplo: pensamos que a descrição por M. Klein da "posição
depressiva" como momento concreto de um processo analítico (o analisando, mediante a
interpretação de sua angústia de perseguição, aproxima seus objetos perseguidores e
idealizados, unifica as partes clivadas de seu próprio "self", se dá conta de sua participação no
conflito, experimenta tristeza e esperança, etc.) formula uma estrutura repetidas vezes
observada nos tratamentos, um momento de mudança e de progresso. Se erigirmos esta
descoberta em regra geral, tomando o acesso à posição depressiva como pauta básica para
avaliar um tratamento analítico, buscamos (como aprendizes de Procusto) que todo
tratamento alcance esta meta. Inclusive podemos chegar à idéia (manifestamente repreendida
com a experiência) de que "quem não chora não se cura", e ainda, pensando no analista, que
"o que não chora não cura".
Como as macacas de arame coberto de pele que a psicologia animal utiliza em alguns
experimentos sobre a criação de macaquinhos, o analista "programado" com um prejuízo
acerca do processo analítico "fabrica", se puder, pacientes ortopédicos mais ou menos
semelhantes a um ser humano "curado".
O que resta, então? A incerteza total? Caricatura aparte, dispomos de indicadores da
existência de um processo, ou de um não-processo, em um tratamento analítico, e é uma sorte
que levemos em consideração estes indicadores, mesmo se não cabem em nosso esquema
referencial teórico.
Não vamo-nos referir aqui aos indicadores mais freqüentemente mencionados, tais
como o desaparecimento de sintomas neuróticos manifestos, ou os progressos realizados pelo
analisando em distintas esferas de sua existência (acesso a um maior prazer genital, relação
mais harmoniosa com os demais, maior rendimento em seu trabalho, aquisição de novas
atividades sublimatórias, etc), não porque desestimemos sua importância, mas porque
constituem conseqüências mais distantes do processo e não sua expressão imediata e
essencial.
Processo e não -processo no trabalho analítico Madeleine Baranqer, Willy Baranger Jorge Mom 127

Os indicadores da existência do processo e os do não-processo não se correspondem


exatamente como o positivo e o negativo, como o verso e o reverso de um mesmo desenho.
Aqui também nosso afã de simetria teórica poderia nos enganar.
Fica-se às vezes surpreendido ao constatar que o indicador inicial descrito por Freud da
existência de um processo analítico - a recuperação de lembranças esquecidas (reprimidas)
pelo analisando - tenha caído em desuso em muitas descrições do processo. Será que se dá por
descontado? Será que muitos se esquecem da memória? Será que o "hic et nunc et mecum" se
converte em prejuízo e apaga a temporalidade? Pensamos ao contrário que o vencimento da
amnésia infantil continua sendo um indicador valioso da existência de um processo, e que, ao
contrário, a persistência da amnésia infantil especialmente prolongada marca um topo do
processo e corresponde muitas vezes a um episódio psicótico da infância do qual o sujeito se
recuperou apagando uma parte de sua história e de uma restrição de sua pessoa.
A liberdade de acesso às lembranças da infância anda junto com a possibilidade de
associar livremente, isto é, com a riqueza do relato, o fácil acesso às distintas áreas da
existência do sujeito, a variabilidade das linguagens utilizadas por ele para se expressar, em
particular sua possibilidade de usar a linguagem dos sonhos para permitir-se e permitir-nos o
acesso ao seu inconsciente.
A fluidez do discurso não bastaria para indicar a presença de um processo analítico se
não fosse acompanhada de uma circulação afetiva dentro do campo. A alternância dos
momentos de bloqueio e dos momentos de mobilização afetiva, o surgimento de uma gama
ampla de vivências e emoções concordantes com o relato, a transformação dos afetos
transferenciais e contratransferenciais nos indicam a presença do processo. Este indicador,
entretanto, não basta por si só para comprovar a existência do processo: muitas vezes o
movimento afetivo se reduz a uma simples agitação, e a permeabilidade afetiva se transforma
em inconsistência. A vivência pura não cura, contrariamente ao que parecem acreditar alguns
psicoterapeutas não analíticos partidários das técnicas de sacudimento psicológico em voga
dentro de certos ambientes. Só a convergência de ambos indicadores (variação do relato e
circulação afetiva) nos informa cabalmente acerca da existência do processo. No enfoque da
circulação afetiva, a categorização das distintas formas de angústia relatada por M. Klein
(angústia persecutória, depressiva, confusional) nos proporciona uma bússola sem nenhum
valor. A dialética entre produção e resolução da angústia e as transformações qualitativas
desta, marca o processo.
Se nossa descrição do recurso do procedimento analítico é exata, a aparição e a
freqüência dos momentos de insight constituem por lógica nosso indicador mais valioso.
Porém, ainda nos falta diferenciar o insight verdadeiro e o pseudo-insight destinado pelo
sujeito a auto-enganar-se e a enganar-nos acerca de seu progresso. A série de "descobertas"
está destinada nestes casos a encobrir a ausência de processo.
O insight verdadeiro se acompanha de uma nova abertura da temporalidade, muito
particularmente na dimensão do futuro: o processo em curso começa a ter metas, aparecem
projetos e sentimentos de esperança. A temporalidade circular da neurose se abre em direção
ao futuro.
Mas um dos indicadores mais importantes do progresso é o trabalho ativo que realiza o
analisando cooperando com o analista: um esforço de sinceridade até o limi-
128 Revista FEPAL - Setembro de 2002 - Mudanças e permanências

te do possível; de escutar o analista e dizer-lhe tanto "sim" como "não", de deixar-se regressar
e progredir. Isto se faz patente quando o analisando nos diz: "Na última sessão, encontramos
algo interessante", e nós compartimos esse sentimento.
Algumas manifestações do não-processo analítico são mais complexas de se descobrir
que as do próprio processo: afora as múltiplas formas de impedimento, o não-processo se
manifesta pela aparência de todos os indicadores positivos do processo, utilizados para
dissimular sua inexistência. O não-processo vale como disfarce de todos os indicadores
positivos do processo (colaboração que na realidade é submissão, insight que é pseudo-
insight, circulação de lágrimas de crocodilo, etc), com o qual o analisando pensa "conformar"
o analista evitando perigos maiores.
Estes disfarces se denunciam a si mesmos como tais por seu caráter estereotipado, com
o qual convergem com os indicadores do não-processo. O perigo intrínseco de todo
tratamento psicanalítico é a estereotipia (do relato, dos sentimentos, dos papéis específicos,
das interpretações). Quando esta estereotipia se disfarça de movimento, algo fica
estereotipado: o tipo de angústia que se vem manifestando ou encobrindo. Em sua forma mais
simples e evidente a estereotipia se revela em certos momentos dos tratamentos nos quais o
processo se transformou num tipo de movimento circular que os analisandos podem expressar
com a metáfora da Nora: o burro dando voltas é o paciente com seus antolhos, pensando que
caminha e voltando sempre ao mesmo ponto.
Como é factível pensar, a Nora não envolve somente o analisando, podemos imaginar
(recordar?) o analista dando voltas ao redor de suas próprias teorias sem encontrar o modo de
romper o círculo, nem para ele mesmo, nem para o analisando.
O não-processo, em certos casos, pode expressar-se sob a forma de um movimento
aparentemente bem encaminhado: são estes tratamentos que "caminham sobre trilhos", onde o
analisando vem pontualmente, associa, escuta, aprova a interpretação, inclusive gratifica o
analista com resultados terapêuticos bem visíveis, dando-lhe a impressão de um trabalho útil.
No analista o sinal de alarme pode ser que "este tratamento anda demasiado bem", juntamente
com o sentimento de que "aqui não acontece nada". Geralmente o indício que desperta a
segunda olhada no analista é a tendência à eternização do tratamento, e o despertar no
analisando de uma intensa angústia frente à mera idéia, largada pelo analista a título de globo
de ensaio, de que "o analista tem um término".
As situações subjacentes são de índole muito diversa, mas todas possuem em comum a
existência de um "baluarte", no sentido estrito. Pode ser, por exemplo, um "campo perverso"
encoberto (que descrevemos alguma vez) onde a atividade propriamente analítica serve de
tela a uma satisfação perversa do analisando (voyeurista, masoquista, homossexual,
etc).Também pode ser um pacto anti-morte, sustentado na fantasia do analisando de que,
"enquanto estou em análise, não morro" e na fantasia correspondente do analista, "se o
interrompo, ele morre".
O mesmo que o não-processo pode encobrir-se com a aparência do processo, o pro-
cesso pode realizar-se em forma sub-reptícia. Tais processos sub-reptícios se observam às
vezes com analisandos que têm fortes obstáculos internos a seu próprio progresso, ou que
querem exercer uma velha vingança contra seus objetos primários, ou que temem, mani-
festando sua melhora, atrair sobre si a ira dos Deuses ou algum contragolpe do Destino.
O processo se realiza por resolução sucessiva dos obstáculos que se opõem a seu
Processo e não-processo no trabalho analítico Madeleine Baranger, Willy Baranger y Jorge Mom 129

movimento: estes são conhecidos, mas nem todos correspondem aos mesmos mecanismos.
Estes obstáculos podem ser entendidos como resistências se adotamos a definição da
resistência que formula Freud em "A Interpretação dos Sonhos": "Tudo o que perturba a
continuação do trabalho é uma resistência".
Dentro das resistências, conhecemos muito bem as que classicamente expressam as
defesas do Eu ou as alterações do Eu. Qualquer analista medianamente experimentado sabe
categorizá-las e possui os recursos técnicos para enfrentá-las. Constituem o material de nossa
compreensão e interpretação, são um elemento intrínseco do processo, parte dialética do
mesmo. Sua resolução é nosso trabalho cotidiano.
Mais graves são as resistências que, mais além de um obstáculo - previsível e
conhecido - colocam em sério perigo o trabalho analítico, comprometem o processo e podem
chegar a interrompê-lo, a desvirtuá-lo e finalmente podem desembocar num resultado
completamente oposto ao procurado. Claro, estão na mesma escala que as resistências
"clássicas"; se escalonam, diríamos, a partir das resistências clássicas, por ordem de
gravidade, até chegar a um polo extremo entre estes fenômenos: o comumente chamado
"resistência incoercível", o "impasse", e finalmente a reação terapêutica negativa. Muitos
textos analíticos empregam estes termos como equiparáveis ou superpostos. Pensamos,
entretanto, que um uso mais preciso da terminologia seria útil em vista das implicações
técnicas.
A diferença essencial destes processos com as resistências clássicas reside na sua
intensidade e durabilidade. Não são elementos do processo que aparecem e se resolvem dando
lugar a outros movimentos; são obstáculos muito mais estáveis, duradouros, aos que se agrega
em forma manifesta a incapacidade relativa ou total do analista para dar conta deles e resolvê-
los. O analista está muito mais envolvido, e a gravidade do fenômeno está dada precisamente
por esse feito que o analista se torna impotente para controlá-lo. Pensamos que o que
chamamos "baluarte" é subjacente a todos esses fenômenos: não se podem entender senão em
termos de campo.
Fala-se normalmente do par resistência-contraresistência. Este par é o que leva ao
baluarte: uma colusão entre resistências do paciente e resistências do analista, que
entendemos como uma formação cristalizada dentro do campo que estanca a dinâmica deste.
Analista e analisando dão voltas ao redor de um obstáculo sem poder integrá-lo ao processo.
A chamada "resistência incoercível", vista numa perspectiva unipessoal, é uma
resistência que tende a tornar-se crônica e pode chegar a interromper o processo. Se prolonga-
se por muito tempo, chega à situação que atualmente se denomina "impasse". No impasse, o
analista se sente implicado tecnicamente. Busca em vão o recurso técnico que permita
resolver a situação de estancamento. O impasse se resolve com os acting do paciente, que
abandona o tratamento, o do analista, que tende a fazer inovações técnicas. Contudo, às vezes
o analista encontra o recurso que lhe permite resgatar-se e resgatar ao paciente, e se o
tratamento se interrompe por obra de um dos dois participantes, o paciente vai geralmente
conservando os ganhos obtidos até esse momento. Por outra parte, a situação de impasse se
pode produzir em qualquer momento de um tratamento analítico.
A reação terapêutica negativa - e esta é a primeira diferença com o impasse, se
recordamos Freud — não tende a acontecer num começo de análise, mais sim depois de
130 Revista FEPAL - Setembro de 2002 - Mudanças e permanências

certo tempo e num tratamento aparentemente exitoso. É uma resposta negativa a ganhos
efetivos do paciente frente a interpretações que o analista considera adequadas: o paciente
começa a desandar aceleradamente o caminho recorrido para chegar finalmente a uma
situação de suicídio ou acidente suicida. Em geral, não interrompe o tratamento, mas se aferra
à ele até o desenlace catastrófico. Pode-se pôr fim ao impasse sem maior catástrofe; a reação
terapêutica negativa é por definição catastrófica.
Pensamos que um signo patognomônico da reação terapêutica negativa é a parasitação
do analista com o paciente. O analista não está somente preocupado cientificamente ou
tecnicamente, ou ainda afetivamente pelo paciente, como no impasse, mas se sente totalmente
invadido pelo paciente. O impasse pode corresponder ao que se chama às vezes neurose de
transferência—contratransferência. A reação terapêutica negativa pode ser entendida como
psicose de transferência-contratransferência: analista e analisando chegam a conformar uma
"folie à deux". Precisamente por ser o polo extremo na escala dos obstáculos que se
apresentam no processo psicanalítico, nos aparece muito mais claramente como produto
específico do campo analítico. A partir do exame deste polo extremo, é que podemos entender
que, em maior ou menor grau, o analista está envolvido como participante ativo em todos os
fenômenos que se manifestam como obstáculos graves ao processo analítico. Neste sentido
sustentamos que a todos estes obstáculos, o que é subjacente é um baluarte.
Com sua definição do procedimento analítico como repetição da neurose inicial e
resolução desta neurose no nível da transferência, Freud marcava os dois pólos da repetição
na técnica: como inércia ou "entropia" primeiro, como momento do processo ou parte do
progresso em segundo término. A introdução do conceito de campo enfatiza uma dupla
situação da compulsão repetitiva, em cada um dos participantes do processo. O analista
também tem suas formas de repetir: pode entrar em colusão com o analisando, capturado
inconscientemente na fantasia do campo, pode entrar nas estereotipias do analisando quando
transforma suas sessões num ritual, pode tentar romper a repetição por medidas de força: será
esta a chave para entender a patologia de certas inovações técnicas, certas "terminações"
indevidas da análise? Mas talvez a forma mais dissimulada da repetição no analista se refere a
sua clausura em seu próprio esquema referencial, sobretudo se este adquiriu um certo grau de
sistematicidade e racionalização e tende a conformar uma rotina. O ideal do analista poderia
ser o furão menor, que nunca sai do lado que o esperam, ou o anel escondido do jogo.
Mais rígido é o esquema referencial do analista, mas se encontra propenso a aceitar o
papel do "sujeito suposto a saber", isto é, se torna cúmplice da estereotipia paralisante do
processo. Por isto é recomendável que transitemos por múltiplos esquemas, fazendo sem
ecleticismo confusional nossa própria colheita de vários deles: a clínica é mais variada que
nossos esquemas e não nos recusa as oportunidades de inventar.
Como procedimento anti-repetição e anti-estereotipia, a análise tem constantemente
que lidar com os baluartes que vêm-se criando e tratar de desfazê-los a medida que se criam.
Estes baluartes se apresentam como extremamente proteiformes, alguns pouco cristalizados,
outros duros e paralisantes para o analista. Há processo a medida que se vão detectando os
baluartes e vão-se desfazendo-os. Neste sentido os dois aspectos da interpretação (ruptura e
integração) aparecem claramente complementários.
O baluarte sempre renasce em formas renovadas; é a manifestação clínica mais
Processo e não-processo no trabalho analítico Madeleine Baranger, Willy Baranger y Jorge Mom 131

conspícua da compulsão repetitiva, isto é, da pulsão de morte. Como tal, o baluarte, quando se
reduz, expressa o triunfo do processo sobre nossa carga tanática intrínseca -outrora chamada
"viscosidade da libido" -, e esta vitória, por momentânea que seja, constitui talvez o mais
essencial da alegria que nos proporciona o trabalho analítico.

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