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Anais do XI Congresso e XVII Encontro da Associação Brasileira

Veterinários de Animais Selvagens – ABRAVAS


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Novembro de 2008 – Santos/SP
Uso do chá da casca do cajueiro (Anacardium occidentale L.) como cicatrizante e
antiinflamatório em primatas não-humanos mantidos pelo Centro Nacional de
Primatas (CENP).

Silva L.C.S., Muniz J.A.P.C, Silva K.S.M., Santos J.M.T., Ferreira P.R., Castro P.H.G.
& Silva R.M.L.

Centro Nacional de Primatas, BR 316 Km 07, Ananindeua, PA 67030000, Brasil.


E-mail: luanacss@yahoo.com

Introdução: A utilização das plantas medicinais tem acompanhado a evolução do ser


humano ao longo do tempo, contudo o seu inicio não está totalmente esclarecido
(Marinho et al. 2007). Estes autores ainda sugerem que o descobrimento das
propriedades curativas das plantas se deu de maneira meramente intuitiva ou por meio
da observação dos animais que quando enfermos procuravam nas ervas a cura para suas
doenças. Nas últimas décadas assistiu-se um crescente interesse nesta área pelo mundo
ocidental, consistindo assim em uma ajuda e complemento para o tratamento médico
convencional (Araújo et al. 2007). Tanto na medicina humana como na medicina
veterinária, observa-se também um maior interesse por parte dos profissionais no uso da
fitoterapia e outras terapias alternativas, embora ainda sejam escassos os trabalhos
científicos nesta área. Um dos motivos para o aumento no uso de ervas em terapias
decorre do baixo custo dos medicamentos em relação aos fármacos alopáticos
tradicionais (Almeida et al. 2006, Silva et al. 2007). A fitoterapia, terapêutica milenar,
está inserida na chamada etnoveterinária a qual é a ciência que envolve a opinião e o
conhecimento das práticas populares usadas para o tratamento ou prevenção de
moléstias nos animais (Almeida et al. 2006). Para o uso dessa terapia deve-se ter
garantia de segurança com relação aos efeitos adversos como toxicidade, interações
medicamentosas, contra-indicações, mutagenicidade e uma demonstração experimental
da eficácia da planta medicinal (Araújo et al. 2007). No entanto, na atualidade, tem-se
notado a ausência de regulamentação e controle de qualidade apropriado para a
comercialização de diversos fitoterápicos, o que acarreta no uso indiscriminado das
ervas baseado na crença da ausência de implicações podendo assim levar a uma série de
efeitos colaterais, como: reações alérgicas e efeitos tóxicos em vários órgãos (Marinho
et al. 2007). O Brasil, por possuir a maior diversidade de flora do mundo, com cerca de
um quarto de todas as espécies vegetais conhecidas (Marinho et al. 2007), é um país
com altíssima potencialidade nesse campo, apesar disso, menos de 1% dessas espécies
foram analisadas até o momento (Araújo et al. 2007). Dentre as espécies conhecidas
com finalidade alimentar e terapêutica citam-se o cajueiro-roxo ou cajueiro-comum
(Anacardium occidentale L.) e supostamente Anacardium occidentale L. var., ou
cajueiro precoce, os quais são árvores nativas do Brasil, da família das anacardiáceas,
cultivada nas regiões Norte e Nordeste do país (Silva et al. 2007), em que os estados do
Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte respondem por 95% da produção brasileira de
castanha (Lima et al. 2001). Esta última é considerada o fruto de tal árvore, e a parte
carnosa ligada a esta, é o chamado pedúnculo floral hipertrofiado, ou também conhecido
como pseudofruto, e ambos são consumidos não somente pelas suas qualidades
gustativas, mas principalmente pelo seu valor nutritivo, devido ao seu alto teor de
vitamina C, vitamina A, proteínas, carboidratos e compostos fenólicos (Cavalcante et al.
2006). Pode-se encontrar na literatura diversas atividades farmacológicas devidamente
comprovadas da utilização desta árvore como um todo, tais como ação antiflamatória,
cicatrizante (Silva & Andrade 2005, Almeida et al. 2006), antioxidante, antidiabética e

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inibidor da enzima acetilcolinesterase (Silva et al. 2007). Mota (1982) descreve uma
ação antiflamatória dos taninos obtidos da casca do cajueiro de cerca de cinco vezes
maior do que a do ácido acetilsalicílico. Olajide et al. (2004) descreveram o uso popular
de tal erva no tratamento de doenças inflamatórias na Nigéria acarretando numa redução
da síntese de prostaglandinas na vesícula seminal em bovinos. Existem relatos
científicos de que o pseudofruto do cajueiro possui atividades antibacterianas,
antifúngicas, antitumorais, antiinflamatórias e antimutagênicas (Cavalcante et al. 2006).
Mais recentemente, foi descrito que o extrato hidroalcoólico do cajueiro produz uma
significante atividade antimicrobiana in vitro sobre as linhagens de Staphylococcus
aureus de origem humana hospitalar, resistentes e sensíveis a meticilina. Além disso,
sabe-se que o extrato do cajueiro, em altas concentrações, também possui efeito frente a
bactérias gram-negativas, como: Proteus morgani, Pseudomonas aeruginosa,
Escherichia coli e Salmonella typhi, bem como sobre espécies de Streptococcus sp.
(Silva et al. 2007). Estes autores descreveram ainda que tal característica pode ocorrer
devido à presença de compostos como taninos e alcalóides na planta, rompendo dessa
forma a parede celular bacteriana e inibindo os sistemas enzimáticos da mesma. Araújo
et al. (2007) relatam que a presença desses taninos confere ao cajueiro atividades
adstringentes, antiinflamatórias e hemostáticas importantes. Sendo que a decocção das
cascas e a infusão das folhas são empregadas como tônico, antidiabético e
antiinflamatório. O objetivo deste trabalho foi descrever a utilização do chá da casca do
cajueiro como cicatrizante e antiflamatório em ferimentos de primatas não-humanos
contribuindo assim na preservação do conhecimento popular do uso de plantas
medicinais no que diz respeito às suas características terapêuticas.

Material e Métodos: Desde 2005 o Centro Nacional de Primatas (CENP), localizado


na cidade de Ananindeua (PA), vem utilizando o chá da casca das duas espécies de
cajueiro existentes, como forma de auxílio cicatrizante e antiflamatório no tratamento
complementar de alguns casos de ferimentos ocasionados em primatas não-humanos,
principalmente, devido a brigas intraespecíficas entre indivíduos mantidos no mesmo
recinto. O seu modo de uso se dá através da fervura da casca da árvore até formação de
um chá de coloração castanha escura e, após a limpeza do ferimento do animal com
solução fisiológica a 0,9%, procede-se a imersão do membro lesionado no chá mantido
em temperatura morna. O tempo de permanência do membro submerso, ou asseio,
ocorreu em, aproximadamente, 5 a 10 minutos diariamente, dependendo da gravidade
da lesão, realizando-se tal manobra uma a duas vezes ao dia. Ressalta-se que foram
administrados conjuntamente antiinflamatórios e antibióticos sistêmicos receitados para
cada caso. Os casos descritos neste trabalho ocorreram em dois indivíduos adultos da
espécie Aotus azarai infulatus (macaco-da-noite), durante trinta dias, sendo um macho e
uma fêmea, ambos apresentando lesões de continuidade no dorso, três machos adultos
da espécie Cebus apella (macaco-prego), durante setenta e cinco dias, sendo que estes
se apresentavam com ferimentos nos membros pélvicos e torácicos decorrentes de briga,
e um macho adulto da espécie Alouatta belzebul belzebul (guariba) que possuía lesão
em região de metatarso direito devido à automutilação, sendo a manobra utilizada por 3
meses continuamente. As feridas eram avaliadas diariamente a cada novo curativo
realizado em cada animal.

Discussão e Conclusão: Com a utilização do chá de casca de cajueiro como auxiliar no


tratamento dos animais, pôde-se notar uma interferência favorável e maior rapidez no
processo cicatricial em relação à medicação convencional alopática utilizada em
exemplares das mesmas espécies que apresentavam ferimentos similares aos animais

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deste relato. Foi observada uma potencialização na retração das bordas do ferimento
com formação de tecido cicatricial e restauração da integridade tecidual na pele dos
animais citados neste trabalho. Os resultados corroboram com os relatos de Mota
(1982), Silva & Andrade (2005), Almeida et al. (2006), Cavalcante (2006) e Schirato et
al. (2006) que descreveram as propriedades antiflamatórias e cicatrizantes do cajueiro.
Sendo que estes últimos autores citaram um favorecimento no sistema imune do animal
quando da utilização de polissacarídeos obtidos da goma do cajueiro, evento este que
também estaria atuante no presente relato com o uso da casca do cajueiro. Assim, é de
suma importância relatar o potencial medicinal do uso deste vegetal no tratamento de
feridas em primatas não-humanos, visto ser uma planta altamente presente no país e que
pode ser utilizada de forma sustentável, ressaltando ser indispensável a busca pela
conservação das espécies com potencial medicinal, haja vista a ameaça de redução
paulatina das florestas tropicais. Para contribuir com este intuito, esforços e publicações
neste âmbito devem ser realizados para documentar a utilização medicinal destas
plantas antes que sejam extintos os ensinamentos e práticas de uso destas como
fitoterápicos, os quais devem ser repassados a cada geração.

Referências: Almeida K.S., Freitas F.L.C. & Pereira T.F.C. 2006. Etnoveterinária: A
fitoterapia na visão do futuro profissional veterinário. Revista Verde de Agroecologia e
Desenvolvimento sustentável Grupo Verde de Agricultura Alternativa (GVAA), Revista
Verde (Mossoró – RN – Brasil), 1(1):67-74 – Araújo E.C, Oliveira R.A.G., Coriolano
A.T., Araújo E.C. 2007. Uso de plantas medicinais pelos pacientes com câncer de
hospitais da rede pública de saúde em João Pessoa (PB). Revista Espaço para a Saúde,
8(2):44-52 – Cavalcante A.A.C.M., Leite A. S. & Rübensam S.M.G. 2006. Compostos
fenólicos, carotenos e vitamina C na atividade antioxidante do suco de caju e da cajuína.
I Congresso de Pesquisa e Inovação da Rede Norte Nordeste de Educação Tecnológica
Natal, RN – Lima A.C., Santos R.A., Almeida F.A.G. & Bandeira C.T. 2001.
Estimulantes químicos na extração da goma de cajueiro (Anacardium occidentale L.).
Revista Ciência Rural, 31(3):409-415 – Marinho M.L., Alves M.S., Rodrigues M.L.C.,
Rotondano T.E.F., Vidal I.F., Silva W.W. & Athayde A.C.R. 2007. A utilização de
plantas medicinais em medicina veterinária: um resgate do saber popular. Rev. Bras. Pl.
Med, 9(3):64-69 – Mota M.L.R. 1982. Estudo antiinflamatório e análise química da
casca da Anacardium occidentale L. João Pessoa: Curso de Pós-Graduação em Química
e Farmacologia de Produtos Naturais da UFPB, 184f. Dissertação de Mestrado –
Olajide O.A., Mutallib A.A., Aduragbenro A.D.A., Makinde J.M. 2004. Effects of
Anacardium occidentale stem bark extract on in vivo inflammatory models. Journal of
Ethnopharmacology, 95(2-3):139-142 – Schirato G.V., Monteiro F.F.M., Silva F.O.,
Filho J.L.L., Leão A.M.A.C. & Porto A.L.F. 2006. O polissacarídeo do Anacardium
occidentale L. na fase inflamatória do processo cicatricial de lesões cutâneas. Revista
Ciência Rural, 36(1):149-154 – Silva A.J.R.& Andrade L.H.C. 2005. Etnobotânica
nordestina: estudo comparativo da relação entre comunidades e vegetação na Zona do
Litoral - Mata do Estado de Pernambuco, Brasil. Acta Bot. Bras. 19(1):45-60 – Silva
J.G., Souzal I.A., Higino J.S., Siqueira-Júnior J.P., Pereira J. V., Socorro M. & Pereira
V. 2007. Atividade antimicrobiana do extrato de Anacardium occidentale Linn. em
amostras multiresistentes de Staphylococcus aureus. Revista Brasileira de
Farmacognosia, 17(4): 572-577.

Termos de Indexação: Anacardium occidentale L., cicatrizante, antiflamatório,


primatas não-humanos.

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