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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ

CENTRO DE TECNOLOGIA E URBANISMO


CURSO DE ENGENHARIA CIVIL – TERESINA

CRISTÓVÃO TIAGO SILVA BRITO

AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE DE REGULARIZAÇÃO DAS VAZÕES DO AÇUDE


PETRÔNIO PORTELA, NO MUNICÍPIO DE SÃO RAIMUNDO NONATO - PI

TERESINA – 2015
CRISTÓVÃO TIAGO SILVA BRITO

AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE DE REGULARIZAÇÃO DAS VAZÕES DO AÇUDE


PETRÔNIO PORTELA

Trabalho de conclusão de curso apresentado


ao Curso de Engenharia Civil da
Universidade Estadual do Piauí como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Engenharia Civil.

Orientador: Prof. MSc. Roberto José Amorim


Rufino Fernandes

TERESINA – 2015
AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE DE REGULARIZAÇÃO DAS VAZÕES DO AÇUDE
PETRÔNIO PORTELA

CRISTÓVÃO TIAGO SILVA BRITO

Trabalho de Conclusão de Curso de Engenharia Civil da Universidade Estadual do


Piauí (UESPI), como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Engenharia
Civil.

Aprovado em: _____/______/________

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________
Prof MSc Roberto José Amorim Rufino Fernandes
Orientador

____________________________________________
Examinador 1

____________________________________________
Examinador 2
AGRADECIMENTOS

A meus pais, Francisco das Chagas Marques de Brito e Francinete de


Jesus Silva Brito, pelo incentivo e apoio em todos os momentos.
A minha irmã Ana Karolinne da Silva Brito pela amizade e auxílio tanto no
campo acadêmico como pessoal.
Aos familiares, de uma forma geral, que contribuíram para essa conquista,
sempre me incentivando e dando o suporte necessário naquilo que era possível.
Aos professores do curso de Engenharia Civil pelos conhecimentos
compartilhados, pela dedicação e empenho em formar profissionais competentes e
íntegros. Em especial, a meu orientador, professor Roberto José Amorim Rufino
Fernandes, sempre paciente e solícito.
Aos colegas de classe, pela motivação constante, que contribuíram em
tornar prazerosa toda a caminhada ao longo da graduação.
RESUMO

BRITO, Cristóvão Tiago Silva. Avaliação da capacidade de regularização das


vazões do Açude Petrônio Portela. (Monografia de Conclusão de Curso):
Graduação em Engenharia Civil. Universidade Estadual do Piauí, 2015.

A água é um recurso abundante no Brasil. No entanto, sua má distribuição espaço-


temporal acaba por gerar situações de déficit hídrico em algumas regiões e em
determinados períodos do ano. Nesse sentido, a Engenharia deve agir de forma a
solucionar conflitos entre seus diversos usos, gerenciando da melhor forma este
recurso. O problema é especificamente grave na região nordeste do país, onde as
chuvas são escassas e concentradas em um curto período do ano. É nesse lugar que
órgãos do governo como o DNOCS vêm atuando, principalmente com a construção
de reservatórios de acumulação. Inúmeras barragens foram erguidas, a maioria delas
dimensionadas a partir de técnicas de regionalização de dados hidrológicos, uma vez
que a falta de tais informações é uma realidade. Ressalta-se que esse procedimento
pode inviabilizar o dimensionamento mais adequado do barramento e gerar
imprecisões na avaliação da capacidade de regularização das vazões liberadas e,
consequentemente, na disponibilidade hídrica dos trechos de rios perenizados. O
açude Petrônio Portela é um exemplo. Construída no estado do Piauí em 1996, a
barragem nunca encheu totalmente, indicando um superdimensionamento. Propôs-se
neste trabalho uma nova abordagem, avaliando as vazões afluentes a partir do
balanço hídrico e utilizando-se como dados de entrada o volume acumulado ao longo
do tempo que é monitorado pelo DNOCS. Essas vazões foram estendidas por meio
de um modelo chuva-vazão e, em seguida, foi feita a simulação do comportamento do
reservatório utilizando o modelo em rede de fluxo ACQUANET (MODSIM). Deste
modo, avaliou-se o desempenho da barragem no horizonte da simulação e definiu-se
para as garantias de fornecimento mais recorrentes uma vazão passível de ser
regularizada, sendo 1,538 m³/s para 90%.

Palavras chave: Açude Petrônio Portela, Disponibilidade hídrica, Vazão regularizada


ABSTRACT

BRITO, Cristóvão Tiago Silva. Evaluation of regulating capacity of the flow of Weir
Petronio Portela. (Monograph of completion.): Undergraduate Civil Engineering.
Piauí State University, 2015.

Water is an abundant resource in Brazil. However, its poor spatial and temporal
distribution ends up causing hydraulic deficit in some areas and at certain times of the
year. On this point, the engineering must act to solve conflicts between the various
uses, managing in the best possible way this resource. The problem is particularly
severe in the northeast of the country where rainfall is scarce and concentrated in a
short period of the year. Is in this place that government agencies as DNOCS have
been working mainly with the construction of storage reservoirs. Numerous dams were
built, most of them sized from hydrological data regionalization techniques, since the
lack of such information is a reality. It should be emphasized that this procedure may
go against appropriate dimensioning of the dams and generate inaccuracies in
assessing regulatory capacity of liberated flows and consequently the water availability
of perennial rivers stretches. The Petronio Portela dam is an example. Built in the state
of Piauí in 1996, the dam was never completely filled, indicating an over dimensioning.
This work proposes a new approach, evaluating the inflows from the water balance
and using the accumulated volumes through the time that is monitored by DNOCS, as
input data. The inflows was extended by a rain-flow model and the behavior of the
reservoir were simulated using ACQUANET flow network model (MODSIM). Thus, the
dam’s performance was evaluate in a simulation horizon, and it was defined, for the
guarantees of supply more frequent, one outflow with the possibility to be regularized,
with 1,5 m³/s to 90%.

Keywords: Dam Petrônio Portela, water availability, regularized flow


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capacidade de armazenamento per capita no mundo 21


(m3/habitante).
Figura 2 – Reservatórios de grande porte construídos no Nordeste. 22

Figura 3 – Desenho esquemático do modelo SMAP, versão mensal. 27

Figura 4 – Representação das variáveis presentes no balanço hídrico de um 31


reservatório.
Figura 5 – Hidrografia da Bacia do Canindé. 40

Figura 6 – Vista geral da barragem Petrônio Portela 43

Figura 7 – Variação do volume acumulado no Açude Petrônio Portela. 44

Figura 8 – Curva cota x área e cota x volume do açude Petrônio Portela. 45

Figura 9 – Configuração do sistema adutor do Garrincho. 46

Figura 10 – Linha de tendência: Precipitação na bacia e posto de São 49


Raimundo Nonato (942028)
Figura 11 – Hidrogramas para o período de calibração do modelo SMAP 51

Figura 12 – Hidrograma de vazões geradas para período de janeiro de 1964 53


a dezembro de 2000
Figura 13 – Esquema da rede de fluxo adotada no software Acquanet. 54

Figura 14 – Comportamento do reservatório obtido em simulação para 56


garantia de 90%.
LISTA DE FÓRMULAS

Fórmula 1 – Cálculo do volume do reservatório superficial fictício 28

Fórmula 2 – Cálculo do volume do reservatório subterrâneo fictício 28

Fórmula 3 – Cálculo da evapotranspiração pelo modelo SMAP 28

Fórmula 4 – Cálculo do teor de umidade do solo pelo modelo SMAP 28

Fórmula 5 – Cálculo da recarga do reservatório submerso pelo modelo SMAP 28

Fórmula 6 – Cálculo do escoamento de base pelo modelo SMAP 28

Fórmula 7 – Cálculo da taxa de defasagem do escoamento básico 28

Fórmula 8 – Cálculo do escoamento superficial segundo modelo SMAP 29

Fórmula 9 – Cálculo do volume inicial do reservatório superficial fictício 29

Fórmula 10 – Cálculo do volume inicial do reservatório subterrâneo fictício 29

Fórmula 11 – Cálculo da vazão afluente ao reservatório segundo SMAP 29

Fórmula 12 – Equação simplificada do equilíbrio das massas no balanço 30


hídrico
Fórmula 13 – Fórmula detalhada do balanço hídrico 31

Fórmula 14 – Cálculo da vazão afluente pelo balanço hídrico 35


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Principais reservatórios do Piauí 23


Quadro 2 – Limites dos parâmetros do modelo SMAP 29
Quadro 3 – Evapotranspiração Potencial mensal e diária médias na estação 41
meteorológica de Caracol
Quadro 4 – Precipitações registradas no posto São Raimundo Nonato 42
(942028)
Quadro 5 – Série calculada de vazões afluentes ao açude Petrônio Portela 47
Quadro 6 – Coeficientes de Thiessen para os postos de influência na bacia 49
de contribuição.
Quadro 7 – Vazões afluentes calculadas (m³/s) 51
Quadro 8 – Prioridades consideradas 54
Quadro 9 – Volumes característicos do reservatório 55
Quadro 10 – Vazão regularizada para diferentes garantias 55
Quadro 11 – Vazão regularizada, segundo Leão (2008), para diferentes 57
garantias
Quadro 12 – Vazão regularizada, segundo SEMAR (2010b), para garantia de 57
90%
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

2VA – “Duas vezes o volume afluente anual”


ANA – Agencia Nacional de Águas
CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do
Parnaíba
CPRM – Serviço Geológico do Brasil
DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
EMATER/PI – Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Piauí
FUNCEME – Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos
IDEPI – Instituto de Desenvolvimento do Piauí
INMET – Instituto Nacional de Meteorologia
IOCS – Inspetoria de Obras Contra as Secas
MRF – Modelagem em rede de fluxo
Rsolo - Taxa de umidade do solo – Reservatório superficial fictício
Rsub – Reservatório subterrâneo fictício
SDR/PI – Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural do Piauí,
SEMAR – Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos
SIRAC – Serviço Integrado de Assessoria e Consultoria LTDA
SMAP – Soil Moisture Accounting Procedure
SSD – Sistema de suporte à decisão
U.S.A. – United States of America (Estados Unidos da América)
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13

1.1. OBJETIVOS ..................................................................................................... 15

1.1.1. Objetivo Geral ............................................................................................. 15

1.1.2. Objetivos Específicos .................................................................................. 15

1.2. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO .................................................................... 16

2. REFERENCIAL TEÓRICO.................................................................................... 17

2.1. DISPONIBILIDADE HÍDRICA .......................................................................... 17

2.2. RESERVATÓRIOS .......................................................................................... 19

2.3. MÉTODOS DE DIMENSIONAMENTO DE RESERVATÓRIOS ....................... 24

2.3.1. Método de Rippl ........................................................................................ 24

2.3.2. Método de Aguiar ...................................................................................... 24

2.3.3. Método do 2va .......................................................................................... 25

2.4. MODELO CHUVA-VAZÃO ............................................................................... 26

2.5. EQUAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO ............................................................... 30

2.6. MODELO DE SIMULAÇÃO DE RESERVATÓRIOS ........................................ 32

3. METODOLOGIA ................................................................................................... 35

3.1. AVALIAÇÃO DAS VAZÕES AFLUENTES A PARTIR DO BALANÇO HÍDRICO


DO RESERVATÓRIO .............................................................................................. 35

3.2. CALIBRAÇÃO DE UM MODELO CHUVA-VAZÃO. ......................................... 36

3.3. GERAÇÃO DE SÉRIE PSEUDO-HISTÓRICA DE VAZÕES AFLUENTES ..... 37

3.4. AVALIAÇÃO DA VAZÃO REGULARIZADA ..................................................... 37


4. APLICAÇÕES E RESULTADOS .......................................................................... 39

4.1. CARACTERÍSTICAS DA ÁREA DE ESTUDO ................... ..............................39

4.1.1. Características da bacia............................................................................ 39

4.1.2. Aspectos da barragem Petrônio Portela ................................................... 42

4.2. DETERMINAÇÃO DAS VAZÕES AFLUENTES AO BARRAMENTO .............. 45

4.3. CALIBRAÇÃO DO MODELO CHUVA-VAZÃO SMAP E GERAÇÃO DE SÉRIE


MAIS EXTENSA DE VAZÕES AFLUENTES AO RESERVATÓRIO ......................... 48

4.4. AVALIAÇÃO DA VAZÃO REGULARIZADA ..................................................... 54

5. CONCLUSÕES ..................................................................................................... 59

6. SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS ................................................... 61

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 62
13

1. INTRODUÇÃO

A água é indispensável para a vida e para o desenvolvimento das


atividades humanas. Com o crescimento populacional, houve um aumento
significativo e crescente do seu consumo exigindo cada vez mais dos mananciais,
tornando-se este um dos fatores relacionados a problemas de escassez hídrica e
consequentes conflitos de uso, bem como eventuais perdas ambientais e sociais.
Com o intuito de minimizar futuros problemas, é necessário um
planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos. Entretanto, para bem gerenciar
é necessário conhecimento, seja das demandas hídricas, seja quanto à avaliação
mais precisa da disponibilidade hídrica, tanto superficial, de mais fácil acesso, quanto
subterrânea.
Investimentos para aumento da disponibilidade natural também são
necessários, especialmente em regiões carentes de recursos hídricos, como é o caso
da porção da região Nordeste do Brasil que apresenta clima semiárido. Caracterizada
por rios intermitentes, tal região apresenta em sua grande parte disponibilidade hídrica
superficial natural nula, já que os rios secam no período de estiagem, alguns todos os
anos, outros nas secas mais severas. A construção de grandes reservatórios de
acumulação permite uma regularização plurianual das vazões, criando uma
disponibilidade hídrica artificial imprescindível para a sobrevivência das populações
locais e o desenvolvimento socioeconômico da região como um todo.
A utilização da açudagem para reduzir e dirimir os impactos das secas
recorrentes foi impulsionada com a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas
(IOCS) em 1909, alçada a Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
(DNOCS) por decreto presidencial em 1945. Além disso, o dimensionamento
hidrológico das barragens nordestinas sofreu um incremento técnico considerável a
partir de 1930 com estudos desenvolvidos pelo Engenheiro do DNOCS Gonçalves
Aguiar, que estabeleceu fórmulas empíricas para o dimensionamento do lago, das
estruturas de descarga e para avaliação da vazão regularizada (CBDB, 2011).
Centenas de barragens dos mais variados portes foram construídas no
Nordeste, a maioria com participação do DNOCS. No Piauí foram construídos 215
reservatórios artificiais com capacidade para armazenamento de cerca de 9.377 hm³.
Destes, apenas 20 reservatórios possuem volume superior a 10hm³, correspondendo
14

a 92,7% do montante hídrico acumulado no estado. Os maiores, em ordem crescente


de volume estimado de acumulação são: Piaus com 104,51 hm³; Bocaina com 106,00
hm³; Petrônio Portela com 181,00 hm³; Pedra Redonda com 216,00 hm³; Algodões II
com 247 hm³; Jenipapo com 248,00 hm³; Piracuruca com 250 hm³; Poço de Marruá
com 293,16 hm³; Salinas com 385,00 hm³ e Boa Esperança com 5.085,00 hm³
(SEMAR, 2010a).
Devido à precariedade das informações hidrológicas no Estado do Piauí, a
maioria das barragens foi dimensionada a partir de métodos de regionalização
hidrológica, ocasionando imprecisões na avaliação de sua capacidade de
regularização e, por conseguinte, na disponibilidade hídrica dos trechos de rios
perenizados.
A barragem Petrônio Portela, na região de São Raimundo Nonato, é um
exemplo clássico. Foi construída pela Secretaria de Obras do Estado do Piauí em
convênio com o DNOCS entre 1984 e 1996, com 181 milhões de m³ de capacidade
de acumulação. A barragem ainda não apresentou sangria nos 18 anos após sua
inauguração, o que parece indicar um superdimensionamento.
Diversos estudos apresentam valores divergentes quanto à vazão
regularizada pela barragem Petrônio Portela. Como não há estações fluviométricas a
montante da barragem, tais estudos utilizaram outras bacias como fonte de dados
para a regionalização hidrológica e geração das pseudovazões afluentes, dado
essencial para avaliação de seu comportamento e do volume passível de ser
regularizado.
Propõe-se, neste estudo, uma nova abordagem para o problema, avaliando
as vazões afluentes a partir do balanço hídrico, utilizando-se como dados de entrada
o volume acumulado ao longo do tempo que é monitorado pelo DNOCS. A série
“observada” será expandida a partir da utilização de um modelo chuva versus vazão
devidamente calibrado. Tal série de longa duração se constituirá nos dados de entrada
de um modelo de simulação de reservatórios, permitindo aferir com maior precisão a
vazão regularizada pelo açude bem como a frequência esperada de vertimento.
Tais informações são de extrema importância para o correto gerenciamento
do açude, importante manancial em uma das regiões que mais sofrem com as secas
no estado e fonte hídrica do Sistema Adutor do Garrincho. O sistema é responsável
pelo abastecimento de aproximadamente 56.000 habitantes das cidades de São
15

Raimundo Nonato, Coronel José Dias, São Lourenço, Dirceu Arcoverde, Bonfim do
Piauí, Várzea Branca, Anísio de Abreu, Jurema, São Braz do Piauí e o povoado
Tranqueira.

1.1. OBJETIVOS

1.1.1. Objetivo Geral


Avaliar a vazão regularizada do açude Petrônio Portela, localizado em São
Raimundo Nonato/PI, bem como a frequência esperada de vertimento, a partir de
dados de monitoramento dos volumes acumulados no açude executado pelo DNOCS.

1.1.2. Objetivos Específicos


i) Compilar os dados hidrológicos existentes quanto ao açude Petrônio Portela
e sua bacia de contribuição (volumes acumulados, precipitação média e
dados climatológicos);

ii) Efetuar o balanço hídrico do reservatório no período monitorado para


estimar as vazões afluentes;

iii) Calibrar um modelo chuva-vazão com a série de vazões afluentes obtidas e


gerar uma série mais longa a partir do monitoramento pluviométrico
disponível;

iv) Simular o comportamento do reservatório em um modelo específico para tal


fim, obtendo a vazão regularizada para diversas garantias;

v) Avaliar a adequação do dimensionamento do reservatório quanto à


frequência esperada de vertimentos.
16

1.2. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Este trabalho está organizado em cinco capítulos resumidos a seguir:


i) Introdução – o presente capítulo, introduz o tema do trabalho, explicita os
objetivos e informa sobre a organização do mesmo;

ii) Referencial teórico – apresenta uma discussão sobre a disponibilidade


hídrica em geral, o uso de reservatórios em regiões semiáridas, a
importância da avaliação da vazão regularizada para a gestão dos recursos
hídricos e conceitos relacionados a dimensionamento de reservatórios,
modelos chuva-vazão e modelagem de simulação;

iii) Metodologia – discute as técnicas utilizadas para o atendimento aos


objetivos, especialmente quanto à realização do Balanço Hídrico, a
utilização do Modelo SMAP, do tipo chuva-vazão, e o uso do modelo
Acquanet para a simulação do comportamento do reservatório;

iv) Aplicação e Resultados – caracteriza o reservatório Petrônio Portela e sua


bacia de contribuição, bem como apresenta a aplicação da metodologia
proposta, contemplando, ainda, os resultados obtidos;

v) Conclusões – traz as principais conclusões obtidas no estudo e sugere


desdobramentos e novos estudos que podem ser realizados sobre o tema
desenvolvido.
17

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. DISPONIBILIDADE HÍDRICA

A importância da água para a sobrevivência do homem já é reconhecida


desde as civilizações primitivas. Os nômades e as primeiras comunidades procuravam
viver próximo aos rios e assim suprir necessidades vitais como a dessedentação,
alimentação e higiene (BRANCO, 2006). Atualmente, a demanda de água advém
basicamente das atividades industriais, da agricultura, e do consumo humano. A
indústria utiliza 20,3% da água consumida pelo homem, seja como matéria prima, na
remoção de impurezas, geração de vapor ou na refrigeração de equipamentos. Cerca
de 9,5% são utilizados no ambiente doméstico, seja na alimentação, dessedentação
ou higiene. Mas a atividade responsável pelo maior consumo da água é a agricultura,
com cerca de 70,2% (CHRISTOFIDIS, 2008).
Considera-se que a quantidade de água no mundo, aproximadamente
1.386 milhões de km³, tenha se mantido constante durante os últimos 500 milhões de
anos apesar de que as quantidades estocadas em diferentes reservatórios alteram-se
substancialmente (SHIKLOMANOV, 1998 apud EMBRAPA, 2001). Estudos afirmam
que, desse montante, 97,5% formam os oceanos e, portanto, são impróprios para a
utilização direta pelo homem a não ser para transporte e como fonte de alimento. Dos
2,5% restantes, 68,9% formam as calotas polares, 29,9% constituem as reservas
subterrâneas, 0,9% são relativos à umidade do solo e aos pântanos e apenas 0,3%
formam os rios e lagos (BRANCO, 2006).
Além de ser abundante em todo o planeta, a água apresenta a
característica de ser renovável, por meio de um mecanismo natural de constante
movimento, o chamado ciclo hidrológico. Nesse processo duas variáveis constituem
a gênese das águas; a precipitação e a evapotranspiração (BRANCO, 2006). A
energia solar e a transpiração dos organismos vivos transformam parte da água
presente nos oceanos e continentes em vapor que sobem à atmosfera, se condensam
e formam as nuvens. Sob a ação da gravidade ocorre a precipitação da água
atmosférica em forma de chuva, neblina e neve, alimentando novamente os rios, a
umidade do solo e as reservas subterrâneas (REBOUÇAS, 1997).
O termo água denota, geralmente, ao elemento natural, desvinculado de
qualquer utilização. Já o termo recurso hídrico considera a água como um bem
18

econômico. Assim, “nem toda a água da Terra é, necessariamente, um recurso


hídrico, na medida em que seu uso ou utilização nem sempre tem viabilidade
econômica” (BRANCO, 2006, p. 9).
Da mesma forma, a disponibilidade hídrica não representa toda a água
disponível em um sistema. Este conceito está mais relacionado à parcela de água que
pode ser explorada pelo homem sem que haja desequilíbrio ou comprometimento da
reserva. Para Vieira (1999 apud SEMAR, 2010a, p. 80) a disponibilidade hídrica
corresponde “à quantidade máxima de água, efetivamente disponível, de forma
duradoura e permanente”. Leão (2008, p. 92) argumenta que esta definição “passa
pelo emprego das chamadas vazões de referências, que indicam a quantidade de
água produzida na bacia que pode ser esperada, estando atrelada a uma garantia (ou
probabilidade) de ocorrência”.
Em relação às águas superficiais, a disponibilidade hídrica dependerá da
capacidade de regularização natural do rio ao longo do ano, pois este apresenta
descarga sazonal e comportamento variável. Em rios intermitentes haverá períodos
em que não será possível atender às demandas e, portanto, será necessária a
regularização dos deflúvios por meio da construção de um reservatório de acumulação
(TUCCI, 1997). Segundo SEMAR (2010a), nesses casos, a disponibilidade
anteriormente nula passará a corresponder à própria vazão regularizada.
De maneira geral, a situação em relação aos recursos hídricos do Brasil é
considerada confortável, frente ao panorama global. A descarga média anual em seus
rios oferece algo em torno de 38 mil m³/hab/ano enquanto a demanda é da ordem de
300 m³/hab/ano. No entanto, se levarmos em conta a sintonia existente entre a
distribuição de tais recursos e a localização das demandas, o estigma da escassez
fica caracterizado. Cerca de 80% de sua disponibilidade hídrica estão concentrados
na região hidrográfica Amazônica, onde se encontra o menor contingente populacional
e valores reduzidos de demandas consultivas (ANA, 2013; REBOUÇAS, 1997). Dados
da Agência Nacional de Águas (ANA), dispostos no relatório da conjuntura dos
recursos hídricos no Brasil de 2013 afirmam que, no país, a média das precipitações
anuais (obtidos entre os anos de 1961 a 2007) é de 1.761 mm, variando de
aproximadamente 500 mm em faixas do semiárido Nordestino à 3.000 mm na região
Amazônica.
19

A sazonalidade das precipitações também deve ser considerada. Enquanto


há abundancia e regularidade de chuvas na região hidrográfica Amazônica,
concentrando-se nos meses de novembro a maio, na região Nordeste os valores
médios anuais de chuva podem ocorrer num só mês ou se distribuir de forma irregular
nos 3 ou 5 meses do período chuvoso, com coeficiente de variação superior a 45%
(REBOUÇAS, 1997). Essa expressiva irregularidade espaço-temporal das
precipitações aliada a uma elevada insolação anual, que pode chegar a três mil horas,
caracterizam o domínio do semiárido e lhe impõem secas periódicas e cheias
frequentes dos rios intermitentes.
De fato, as condições climáticas do Nordeste brasileiro podem,
relativamente, dificultar a vida, exigir sacrifícios e maior racionalidade no uso dos
recursos hídricos. Não podem servir de justificativa, no entanto, para o conformismo
da seca na região. Leão (2008) afirma que conflitos existentes envolvendo a água não
são devidos apenas à pequena disponibilidade, mas também ao gerenciamento da
mesma. Para Rebouças (1997, p. 128), o que mais falta no semiárido Nordestino é
“determinado padrão cultural que agregue confiança e melhore a eficiência das
organizações públicas e privadas envolvidas no negócio da água”.
Nesse sentido, a construção de reservatórios - ou açudes – representou,
desde os primórdios da colonização, a principal alternativa para transpor na dimensão
do tempo as águas precipitadas com extrema variabilidade intra e interanual na região
(SARMENTO, 2007). Estas obras monumentais desempenham importante papel na
gestão dos recursos hídricos, contribuindo para garantir a oferta de água às diversas
atividades humanas (ANA, 2013).

2.2. RESERVATÓRIOS:

A variabilidade das chuvas reflete na variabilidade da vazão dos rios.


Assim, surgem situações de déficit hídrico natural quando a vazão do curso d’água é
insuficiente para atender determinada demanda ou situações onde há excesso de
água, causando grandes inundações. Para reduzir os efeitos dessas oscilações e
aproveitar de forma mais eficaz os recursos hídricos superficiais disponíveis é
necessária adoção de técnicas para regularizar o despejo natural dos rios.
20

Para isso, o homem intervém na natureza por meio da construção de


reservatórios superficiais, ou açudes com capacidade de regularização plurianual.
Estes são capazes de compensar as deficiências hídricas no período seco liberando
parte da água armazenada nos períodos chuvosos, exercendo um efeito de
regularização das vazões naturais. Dessa forma, é possível garantir a oferta de água
para as diversas atividades humanas mesmo em épocas de estiagem (ANA, 2013).
Por outro lado, os reservatórios também podem promover o amortecimento das ondas
de cheia, servindo de proteção para as áreas a jusante do barramento (BARBOSA
JÚNIOR, 2007).
Pode-se entender como vazão regularizada, aquela vazão constante, ou
firme, liberada por um reservatório. Normalmente ela é associada a garantias de
ocorrência, ou permanência, que varia em função do uso. Para o Nordeste brasileiro,
considerando a grande irregularidade das precipitações, são necessárias garantias
entre 80% a 95% (LEÃO, 2008). Asfora e Cirilo (2005) afirmam que quanto maior a
garantia requerida para um determinado uso da água, menor será a disponibilidade
hídrica. Empreendimentos que necessitam de garantias menores podem explorar
melhor a sazonalidade das vazões, enquanto aqueles mais exigentes estão sujeitos a
disponibilidades mais restritas, havendo uma complementariedade entre
disponibilidade e uso.
Os principais fatores que determinam a possibilidade de regularização de
um reservatório são a capacidade máxima de acumulação de água e sua série de
vazões afluentes (LEÃO, 2008). Dessa forma, a máxima vazão regularizável seria a
média das vazões afluentes, porém, quanto mais variável em torno da média elas
forem, menor a capacidade de regularização.
Nesse sentido, é necessário confrontar a vazão de retirada prevista com as
vazões naturais do curso d’água sempre que houver o interesse em aproveitar o
recurso hídrico de determinada fonte. Se as vazões naturais forem significativamente
maiores que as demandadas em todas as épocas do ano, não há necessidade de
regularização de vazão, salvo em situações onde é recomendado o controle das
cheias e/ou do transporte de sedimentos. Por outro lado, se a vazão a ser retirada for
maior que a mínima do curso d’água, será necessário controle do fluxo natural do rio.
Essa avaliação também deve levar em conta aspectos geoambientais e socioculturais,
tendo em vista alcançar e garantir a qualidade de vida da sociedade, a qualidade do
21

desenvolvimento socioeconômico e conservação das reservas ecológicas (BARBOSA


JUNIOR, 2007; REBOUÇAS, 1997).
No Brasil, a utilização de barragens vem acontecendo desde os primórdios
da colonização, principalmente na região Nordeste. Atualmente o país armazena uma
média de 3.607m³ de água por habitante, indica ANA (2013). O valor é superior ao
encontrado em muitos continentes como demonstra a Figura 1.

Figura 1 – Capacidade de armazenamento per capita no mundo (m3/ habitante).


Fonte: ANA (2013)

A barragem mais antiga que se tem notícia em território nacional foi


construída possivelmente no final do século XVI onde hoje é área urbana de
Recife/PE, mas somente por volta de 1900 que elas passaram a ser mais amplamente
difundidas. No ano de 1877 uma grande seca, que durou três anos, castigou o
Nordeste e expulsou de forma trágica um terço da população do Ceará, um dos
estados mais atingido. Três anos depois, o então imperador D. Pedro II nomeou uma
comissão para avaliar medidas mitigadoras à seca. As principais recomendações
foram a construção de barragens e estradas para o litoral. Isso marcou o início do
planejamento de grandes reservatórios no Brasil (CBDB, 2011).
Em 1909 foi criado a IOCS – Inspetoria de Obras Contra as Secas através
do decreto 7.619 de 21 de Outubro do mesmo ano pelo então Presidente Nilo
Peçanha. O órgão, considerado a primeira instituição federal com atuação no
Nordeste, foi mais tarde denominado DNOCS – Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas e atuou veementemente no combate (ou convívio) à seca no
semiárido (CBDB, 2011)
22

Desde então, já foram construídos 254 reservatórios com capacidade igual


ou superior à 10hm³ em seis estados do Nordeste: Bahia; Ceará, Paraíba,
Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte, dispostos conforme apresentado na Figura
2 (ANA, 2013).

Figura 2 – Reservatórios de grande porte construídos no Nordeste.


Fonte: ANA (2013)

Em relação ao Piauí, a FUNCEME – Fundação Cearense de Meteorologia


e Recursos Hídricos detectou a existencia de 197 reservatórios artificiais com área de
espelho d‘água a partir de cinco hectares. Em seu trabalho, realizado em 2008, o
23

órgão utilizou imagens de satelite e elaborou um levantamento sobre os espelhos


d’água do estado com maiores dimesões. Dados da SEMAR já apontavam, em 2003,
a existencia de 215 reservatórios artificiais que totalizavam 9.377.745.427 m³ de água
armazenada (SEMAR, 2010a).
O Quadro 1 mostra as maiores barragens construidas no Piauí, todas com
capacidade superior a 10 hm³:

Quadro 1 – Principais reservatórios do Piauí.


Capacidade
Reservatório Bacia Município Rio Barrado
(hm³)
Riacho
Cajueiro I Canindé Jaicós 15
Tanquinho
Cajazeiras Canindé Pio IX Condado 24,7
Ingazeiras Canindé Paulista Canindé 25,72
Barreiras Canindé Fronteiras Catolé 52,8
Bocaina Canindé Bocaina Guaribas 106
S. Raimundo
Petrônio Portela Canindé Piauí 181
Nonato
Conceição do
Pedra Redonda Canindé Canindé 216
Canindé
Jenipapo Canindé S. João do Piauí Piauí 248
Salinas Canindé S. Fco do Piauí Salinas 385
Estreito Canindé Padre Marcos Boa Esperança 19,35
Poço de Marruá Canindé Patos Itaim 293,16
Piaus Canindé São Julião e Pio IX Marçal 104,51
Bezerros Longá José de Freitas Bezerro 11
Caldeirão Longá Piripiri Caldeirão 54,6
Corredores Longá Campo Maior Jenipapo 63
Piracuruca Longá Piracuruca Piracuruca 250
Mesa de Pedra Potí Valença Sambito 55
Algodões II Gurguéia Curimatá Curimatá 247
Poços Itaueira Itaueira Itaueira 43
Difusas
Boa Esperança Barragens Boa Guadalupe Parnaíba 5.085,00
Esperança
Fonte: SEMAR (2010a).
24

2.3. MÉTODOS DE DIMENSIONAMENTO DE RESERVATÓRIOS

2.3.1. Método de Rippl


Os primeiros estudos de técnicas para dimensionamento de reservatórios
ocorreram por volta do século XIX e baseavam-se unicamente em fórmulas empíricas.
Em 1883 acontece um grande avanço metodológico com os trabalhos de Rippl, que
propôs em seu método, conhecido como diagrama de massa, o uso das séries
históricas dos deflúvios médios afluentes para aferir o volume requerido pelo
reservatório capaz de regularizar tais deflúvios. Sua metodologia pode ser descrita
pelos seguintes passos (CAMPOS e STUDART, 2001):
 Selecionar a série histórica de vazões fluviais afluentes ao reservatório;
 Traçar o diagrama de massas, colocando no eixo das ordenadas os valores
acumulados dos volumes afluentes e no eixo das abcissas o tempo;
 Traçar a linha de demandas, ligando a origem dos eixos ao ponto mais
extremo do diagrama de massas;
 Traçar paralelas à linha de demanda nos pontos mais afastados nos lados
superiores e inferiores;
 A diferença vertical entre as duas paralelas é considerada igual à
capacidade requerida pelo reservatório para regularizar a média das vazões
afluentes.

Esse método apresenta bons resultados para o dimensionamento de


reservatórios em regiões de clima temperado onde o regime pluviométrico é bem
determinado e as perdas por evaporação são pequenas (CAVALCANTE FILHO,
2007). Em regiões semiáridas a técnica não se mostrou adequada devido à dificuldade
de obter resultados satisfatórios utilizando apenas series históricas de vazões em um
local onde elas são extremamente variáveis e até inexistentes alguns meses do ano
(CAVALCANTE FILHO, 2007; CAMPOS e STUDART, 2001).

2.3.2. Método de Aguiar


Em 1937 os trabalhos do engenheiro Francisco Gonçalves Aguiar
representaram um marco científico no dimensionamento de açudes (CAVALCANTE
FILHO, 2007). Seu processo também foi concebido empiricamente e baseava-se “na
25

hipótese da capacidade requerida por um reservatório depender fundamentalmente


da média e do desvio padrão dos deflúvios anuais” (CAMPOS e STUDART, 2001, p.
2).
O engenheiro atuou no DNOCS nas primeiras décadas do século passado.
Em seu trabalho, intitulado “Estudo Hidrométrico do Nordeste Brasileiro”, elaborou
uma conceituada análise hidrológica de caráter determinístico que serviu de base para
estudos posteriores de hidrologia e dimensionamento de açudes por várias décadas
(CBDB, 2011).
Aguiar consubstanciou curvas de rendimento ajustadas com dados
coletados ao longo de 20 anos em bacias do semiárido cearense (SARMENTO, 2007).
Seu processo segue as seguintes etapas (CAMPOS e STUDART, 2001):
 Ordenar as séries de chuvas anuais de forma crescente;
 Separar a série ordenada em duas partes iguais: as maiores precipitações
formam a série de máximas e as menores formam a série de mínimas;
 Calcular a média das chuvas da série de máximas (Hmax);
 Calcular a média das chuvas da série de mínimas (Hmin);
 Considerar a capacidade do reservatório igual ao volume escoado
estimado, aplicando-se a fórmula polinomial de chuva x deflúvio ao valor de
Hmax;
 Calcular o volume regularizado pelo reservatório aplicando-se a fórmula
polinomial a Hmin.

2.3.3. Método do 2VA


As fórmulas de Aguiar representavam uma alternativa prática para o
dimensionamento de açudes no Nordeste brasileiro (SARMENTO, 2007), no entanto,
tiveram pouca aplicação na região. Os técnicos do DNOCS optaram por utilizar a
fórmula do 2VA que considera a capacidade requerida pelo reservatório sendo igual
a duas vezes o volume afluente médio anual. O modelo consiste em (CAMPOS e
STUDART, 2001):
 Selecionar a precipitação média no local de construção da barragem;
 Estimar o deflúvio médio anual pela fórmula polinomial de Aguiar;
 Fazer a capacidade igual a 2VA.
26

O valor histórico dos trabalhos desenvolvidos até então são indiscutíveis,


mas a partir da década de 1960 passaram a ser substituídos por métodos mais
modernos. As simplificações advindas do empirismo foram substituídas por processos
que consideravam o comportamento aleatório dos deflúvios (CAMPOS e STUDART,
2001).
O comportamento estocástico das vazões já era conhecido desde 1927
conforme descrito nos trabalhos de Sudler (1927). Ele criou séries sintéticas
escrevendo em cartas os valores das vazões anuais observadas e embaralhando-as
para obter, assim, diferentes sequencias de vazões. Embora limitado, este método
representou um grande avanço perante as metodologias aplicadas, representando o
primeiro modelo verdadeiramente estocástico de geração de vazões. No entanto, foi
somente com o advento do computador e dos métodos numéricos que esse
comportamento passou a ser levado em conta no dimensionamento de barragens
(CAMPOS e STUDART, 2001).
Atualmente é impraticável a consideração do empirismo no
dimensionamento de açudes. Sarmento (2007) ressalta que tal fato pode resultar em
problemas ambientais e desperdícios de recursos em algumas bacias.
Modelos matemáticos do tipo chuva-vazão já são utilizados a mais de três
décadas e são capazes de conter as grandes dificuldades na rede fluviométrica do
semiárido, onde as séries de vazão são curtas e cheia de falhas. Eles são capazes de
criar series de vazões pseudo-históricas longas suficientes para serem utilizadas
estatisticamente (SARMENTO, 2007).

2.4. MODELOS CHUVA X VAZÃO

A escassez de dados hidrológicos dificulta a implantação de medidas de


planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos (SANTOS et al., 2011). Assim,
os modelos chuva-vazão aparecem como uma ferramenta de auxílio na tentativa de
compensar essas limitações, na medida em que são capazes de gerar dados
sintéticos de vazão para um lugar com pequena série de dados observados,
estendendo-os e corrigindo eventuais falhas (ALEXANDRE et al., 2005).
Esses modelos possuem diversos parâmetros que caracterizam a bacia,
porém que não podem ser estimados por medidas diretas, com é o caso da taxa de
27

infiltração e do tipo de solo. Assim, Capon et al. (2011) destacam a importância da


calibração dos parâmetros como etapa fundamental na aplicação do modelo.
Há dois métodos de ajuste: o manual e o automático. No processo manual
é aplicada a técnica conhecida como tentativa e erro. Os parâmetros são modificados
até que o hidrograma calculado se aproxime do hidrograma observado, dentro de uma
precisão aceitável. Esse método pode ser bastante demorado e extenuante,
principalmente se o usuário tiver pouca experiência. É preferível, então, usar o método
automático, mais cômodo, rápido e eficiente (TUCCI, 1998 apud CAPON et al. 2011).
Um modelo chuva-vazão simples com ampla aplicação em território
brasileiro é o SMAP (Soil Moisture Accounting Procedure), desenvolvido por Lopes,
Braga e Conejo em 1981, baseando-se na experiência com modelos anteriores, como
o Stanford Watershad IV e o Mero. Foi apresentado no International Symposium on
Rainfall-Runoff Modeling realizado em Mississippi, U.S.A. e publicado pela Water
Resourses Publications em 1982 (LOPES, 1999).
Inicialmente o modelo foi concebido para intervalo de tempo diário e
posteriormente ampliado para versões horária e mensal, sofrendo-se algumas
modificações em sua estrutura (LOPES, 1999).
Dentre outros modelos chuva-vazão utilizados no país além do SMAP estão
o Modelo Hidrológico Auto Calibrável – MODHAC, o IPH2 e o Topmodel.
A estrutura esquemática da versão mensal do modelo SMAP está
representada na Figura 3.

Figura 3 – Desenho esquemático do modelo SMAP, versão mensal.


Fonte: Lopes(1999)
28

A técnica do SMAP mensal procura representar o armazenamento e o fluxo


hídrico em uma bacia por meio de dois reservatórios fictícios, que representam o solo
e o aquífero e cujas variáveis de estado são atualizadas mês a mês da forma (LOPES,
1999):
Rsolo (i+1) = Rsolo (i) + P - Es - Er - Rec (1)
Rsub (i+1) = Rsub (i) + Rec - Eb (2)

onde: Rsolo (i+1), Rsolo (i) – taxa de umidade do solo, representa o reservatório
superficial (nível atual e anterior respectivamente); Rsub (i+1), Rsub (i) – Reservatório
subterrâneo (nível atual e anterior respectivamente); P – Precipitação; Es –
Escamento superficial; Er – Evapotranspiração real; Rec – Recarga do reservatório;
Eb – Escoamento de base.
O modelo considera para cada evento de chuva um balanço de massa.
Parte da precipitação é destinada ao escoamento superficial (Es), do que sobra, uma
parte é evaporada (Ep) e outra (P - Es - Ep) vai para o reservatório do solo onde a
umidade será atualizada ao longo do tempo por meio da evapotranspiração (Er)
(SEMAR, 2010b).
Er = Ep * Tu (3)
Tu = Rsolo / Sat (4)

sendo: Tu – Taxa de umidade do solo; Ep – Evapotranspiração potencial; Rsolo –


Taxa de umidade do reservatório (nível atual); Sat – Capacidade de saturação (nível
máximo).
A outra saída do reservatório superficial é a recarga para o reservatório
subterrâneo através da capacidade de campo. Assim:
Rec = Rsolo * Tu^4 * Crec (5)

onde: Crec – Coeficiente de recarga;


No reservatório subterrâneo, o nível de água é constantemente defasado
segundo uma taxa (K), que gera o escoamento de base (Eb):
Eb = Rsub * (1 - K) (6)
K = (K1)^N (7)
29

sendo: K1 – Constante de recessão para intervalo diário; N – Número de dias do novo


intervalo de tempo.
O escoamento superficial é determinado por:
Es = P * Tu^Pes (8)
em que: Pes – Parâmetro que controla o escoamento superficial.
Ressalta-se, ainda, os valores iniciais de algumas variáveis do processo:
Rsolo (1) = Tuin . Sat (9)
Rsub (1) = Ebin * 86,4 / ( Ad * ( 1 – K ) ) (10)

onde: Tuin – Teor de umidade inicial; Ebin – Vazão básica inicial; Ad – área de
drenagem (em km²).
E finalmente, o cálculo da vazão é dado por:
Q = (Eb +Es) * Ad / 86,4 (11)

Ressalta-se que, com exceção da área de drenagem, todas as demais


variáveis trabalhadas pelo modelo SMAP estão em mm.
O procedimento de cálculo começa com a introdução dos dados de
entrada, que são a precipitação mensal (P em mm), a evapotranspiração potencial
mensal (Ep em mm), a área da bacia drenada (Ad em km²), a constante de recessão
(K) e o teor de umidade inicial (Tuin). Já os parâmetros a serem calibrados são o
parâmetro de escoamento superficial (Pes), a capacidade de saturação do solo (Sat)
e o coeficiente de recarga (Crec) (ALEXANDRE et al., 2005).
Segundo Lopes (1999), as faixas de variação aceitáveis para os
parâmetros foram obtidas através de estudos em diferentes regiões de bacias
brasileiras, estando reproduzidas no Quadro 2.

Quadro 2 – Limites dos parâmetros do modelo SMAP.

Variável Sat Pes Crec K


Mínimo 400 0,1 0 1
Máximo 5.000 10 70 6
Fonte: Lopes (1999)
30

Capon et al. (2011, p. 9) destacam que os parâmetros “teor de umidade


inicial” (Tuin) e “vazão básica inicial”, este último determinado pela “constante de
recessão” (k), são variáveis de inicialização do modelo e portanto dependem do
período em que ele será inicializado. Para o autor:
Quando o modelo é utilizado para extensão das séries de vazões em um
período com apenas dados de precipitação, os primeiros valores gerados
pelo modelo ficam comprometidos, porém os demais logo se ajustarão às
condições válidas, sendo consistentes.
Alexandre et al. (2005) acrescentam que o modelo SMAP possui uma
estrutura relativamente simples, com número de parâmetros reduzidos e relacionados
a características físicas da bacia. Além disso, em regiões com solos rasos e
embasamento cristalino, o parâmetro coeficiente de recarga subterrânea “Crec” pode
ser considerado zero. Isso justifica a aplicação do modelo em regiões do semiárido
Nordestino.

2.5. EQUAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO

O bom entendimento do balanço hídrico permite ao engenheiro avaliar e


planejar o uso da água de forma consciente e sustentável (BARBOSA JÚNIOR, 2007).
Em termos quantitativos, este mecanismo pode ser concebido por meio de uma
equação baseada no princípio da conservação das massas, a equação da
continuidade. Em um determinado sistema, a água que entra menos a água que sai é
igual à variação de volume para um dado tempo. O resultado é a quantidade liquida
de água que permanece disponível no sistema para utilização. De forma geral, pode
ser escrita da seguinte forma (SEMAR, 2010b):
dV/dt = E – S (12)

em que: dV/dt representa a variação do volume armazenado num dado tempo, “E”
são as entradas e “S” as saídas. Há três aplicações correntes para a equação do
balanço hídrico; em bacias hidrográficas de grandes áreas de drenagem, no
escoamento superficial direto e em corpos d’agua como rios, lagos e reservatórios
(BARBOSA JÚNIOR, 2007). Nos reservatórios, em particular, o cálculo do balanço
hídrico é vital para avaliar a manutenção do volume do reservatório, principalmente se
houver interesse na retirada de água para atividades como abastecimento humano e
31

irrigação. Nesse sentido, conforme ilustra a Figura 4, a Equação 12 pode ser reescrita
como se segue (TOMAZ, 2010):
ΔV = P + Ro + Vb - I - E - ETo - Ov - Ou (13)

sendo:
 ΔV = Variação do volume no tempo de um mês (m³/mês)
 P = Volume precipitado na superfície da água (m³/mês)
 Ro = Volume referente ao escoamento superficial ou runoff da área que
cai na represa (m³/mês)
 Vb = Volume referente a vazão base que chega à represa (m³/mês)
 I = Infiltração da água no solo na represa (m³/mês)
 E = Evaporação na superfície líquida da represa (m³/mês)
 ETo = Evapotranspiração de referência na superfície liquida para plantas
emergentes da represa (m³/mês)
 Ov = Overflow, isto é, volume que sairá da represa (m³/mês)
 Ou = Volume retirada para outros fins, tal como irrigação (m³/mês)

Figura 4 – Representação das variáveis presentes no balanço hídrico de um


reservatório.
Fonte: Adaptado de Tomaz (2010)

É importante ressaltar que a quantificação dessas variáveis sempre


envolve erros de medida e interpretação. Os valores reais de evaporação e infiltração
raramente são mensurados e é comum o uso de fórmulas empíricas em suas
32

determinações. Além disso, a variação no armazenamento sempre é obtida pela


observação do nível da água e da umidade do solo, o que pode proporcionar
divergências em relação ao valor real de acordo com a interpretação do observador.
Também, é comum que ocorra a eliminação de um ou outro termo dependendo da
situação (BARBOSA JÚNIOR, 2007).

2.6. MODELO DE SIMULAÇÃO DE RESERVATÓRIOS

Em ambiente de múltiplos usos, o conhecimento das necessidades das


diversas demandas e das disponibilidades hídricas é fundamental para uma boa
eficiência no uso da água, tema de grande preocupação entre órgãos gestores de
todo o país. Entretanto, incertezas hidrológicas, a grande variação das demandas e o
grande número de variáveis que representam os processos físicos, químicos e
biológicos, impõem elevado nível de complexidade à análise dos sistemas de recursos
hídricos (CARVALHO et al., 2009). Desse modo, a utilização de ferramenta de
modelagens computacional torna-se fundamental no auxílio à tomada de decisão e na
tentativa de conciliar interesses conflitantes (ROBERTO, 2002).
Leão (2008) destaca a existência de duas classes de modelos destinados
à análise de sistemas de recursos hídricos: otimização e simulação.
A otimização é indicada quando o interesse é encontrar a alternativa que
melhor consente a um objetivo predeterminado (ROBERTO, 2002). Nesse método, os
aspectos do projeto são considerados em uma função objetivo em que se buscam
soluções ótimas ou famílias de soluções ótimas, geralmente obtidas por programação
linear, programação não-linear ou programação dinâmica (LEÃO, 2008).
No caso da simulação o objetivo não é encontrar a melhor solução, mas
sim verificar o comportamento do sistema sujeito a diferentes cenários (LEÃO, 2008).
É uma técnica de modelagem empregada para simular o comportamento de um
sistema no computador, utilizando descrições algébricas ou matemáticas para
reproduzir suas características (ROBERTO, 2002).
Dentre os principais usos dos modelos de simulação hidrológica está o
dimensionamento de reservatórios, avaliação da capacidade de regularização,
definição das regras de operação dos sistemas e definição de critérios para alocação
de água entre vários usuários.
33

Dentre os modelos computacionais existentes, destaca-se a modelagem


em rede de fluxo (MRF), que alia aspectos dos modelos de simulação e de otimização,
podendo incorporar as características estocásticas das vazões de entrada
(ROBERTO e PORTO, 1999 apud ROBERTO, 2002). Leão et al. (2007) acrescenta
que a modelagem em fluxo além de possibilitar a redução do espaço de decisão a um
conjunto de soluções viáveis, também pode ser otimizada por meio de programação
linear.
O MODSIM é um exemplo clássico. Foi inicialmente desenvolvido pelo Dr.
John Labadie da Universidade do Estado do Colorado (CSU) em metade dos anos
1970 e tem sido utilizado em diversas partes do mundo (MIRANDA, 2011). A partir
dele, vários outros modelos foram sendo aprimorados, como o ModSimP32 e o
Acquanet.
No final do século XX uma equipe liderada pelo Prof. Dr. Rubem La Laina
Porto da Universidade de São Paulo - USP, desenvolveu uma interface gráfica para o
MODSIM, inicialmente chamada de MODSIMLS. Tal ferramenta computacional
evoluiu, incorporando novas ferramentas, incluindo as rotinas de otimização de fluxo,
passando então a se chamar Acquanet e convertendo-se em um sistema de suporte
à decisão (SSD). A nova versão apresenta uma interface gráfica em ambiente
Windows de comunicação amigável com o usuário, armazenando todas as
informações em bancos de dados, garantindo mais eficiência ao modelo (LEÃO et al.,
2007; CARVALHO et al., 2009).
Por ser um modelo de fluxo, o Acquanet representa os sistemas de
recursos hídricos por meio de nós e arcos. Os nós representam início de um trecho
de rede, junção de dois trechos, pontos de entrada ou de demanda e reservatórios.
Os arcos são os elos de ligação entre os nós, representam linhas de fluxo do sistema
hídrico, definidos no sentido do escoamento de montante a jusante, simulam canais,
adutoras, trechos de rios e estruturas semelhantes (LEÃO et al., 2007; ALVES et al.,
2006).
O sistema agrupa automaticamente uma série de funções comuns na
simulação de bacias hidrográficas sem que o usuário tenha que se preocupar em
programa-las. Leão (2008), citando Azevedo et al. (1997), apresenta as principais
delas:
34

 É possível colocar quantos nós de demanda forem necessários para levar


em conta as demandas na bacia. O modelo atenderá a estas demandas
respeitando uma prioridade atribuída pelo usuário, que pode variar de 1 a
99 (em que o valor unitário é a maior prioridade).
 A operação dos reservatórios é feita utilizando-se o conceito de volume
meta ou nível meta, ao qual se atribui uma prioridade. Assim, sempre que
o volume armazenado for menor que o volume meta, o reservatório
poupará água desde que as outras prioridades da rede sejam menores.
O volume armazenado acima do nível meta é livre para atender a
quaisquer demandas por menores que sejam suas prioridades;
 As perdas por evaporação dos reservatórios são levadas em conta por
meio de processo iterativo;
 O modelo faz o balanço água superficial - água subterrânea, desde que
sejam fornecidas as características do aquífero.
Além de ser de fácil entendimento e manuseio, o sistema também
contempla a vantagem de facilitar a simulação de vários cenários diferentes. Isso
acontece porque, pra cada simulação, só será necessária a mudança das prioridades
das demandas e/ou do nível de armazenamento dos reservatórios. Simultaneamente
o sistema dá maior liberdade aos tomadores de decisão quando à alocação da água
entre os setores conflitantes (LEÃO et al., 2007).
Além disso, dentre as diversas possibilidades de saída de resultados, é
apresentado um quadro resumo com a garantia de atendimento das demandas, dentre
outros, que facilita sobremaneira a avaliação da vazão regularizada associada a uma
certa garantia de fornecimento.
35

3. METODOLOGIA

Para a determinação da vazão regularizada em um reservatório a partir do


monitoramento do volume armazenado propõe-se a seguinte metodologia,
apresentada passo-a-passo.

3.1. AVALIAÇÃO DAS VAZÕES AFLUENTES A PARTIR DO BALANÇO


HÍDRICO DO RESERVATÓRIO

Como discutido no item 2.5 (p. 30), a variação do volume de água


acumulado em um reservatório é função das diversas entradas e saídas de água no
sistema hídrico. Considerando que as vazões afluentes ao reservatório sejam
desconhecidas mas as demais variáveis de interesse sejam monitoradas ou
estimadas com precisão adequada, pode-se calcular as vazões de entrada
trabalhando-se a Equação 13 da seguinte forma:
Qa = Vol(i+1)/Δt – Vol(i)/Δt – (P – EV).Am/Δt + Qs (14)

onde: Qa é a vazão afluente total (superficial + escoamento de base) em m³/s; Vol é


o volume acumulado em m³, no início (i) e no final (i+1) do período de tempo analisado;
(Δt) é o intervalo de tempo considerado em s; P é a lâmina total precipitada sobre o
espelho d’água em m; EV é a lâmina total evaporada, considerando a evaporação
direta do espelho d’água e a evapotranspiração das plantas aquáticas; Am é a área
média do espelho d’água no intervalo de tempo analisado em m²; e Qs representa a
vazão efluente no período, soma das vazões vertidas, liberadas para jusante pela
tomada d’água e infiltrada em m³/s.

Para aplicar o balanço hídrico é necessário, portanto, coligir a maior


quantidade de informações hidrometeorológicas possível. No caso do Estado do
Piauí, seriam consultados:
 O DNOCS, para obtenção de informações sobre o volume armazenado e,
eventualmente, as vazões sangradas e/ou liberadas, além de características
do reservatório como capacidade máxima e curvas cota x área e cota x volume;
36

 O INMET, Instituto Nacional de Meteorologia, para obtenção de dados de


precipitação e evaporação;
 O Serviço Geológico do Brasil – CPRM, a Agência Nacional de Águas – ANA e
a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí –
SEMAR/PI para obtenção de dados de precipitação próximo ao lago e na bacia
de contribuição;
 O Instituto de Desenvolvimento do Piauí – IDEPI, a Secretaria Estadual de
Desenvolvimento Rural do Piauí – SDR/PI, Instituto de Assistência Técnica e
Extensão Rural do Piauí – EMATER/PI e a concessionária estadual de
saneamento, Águas e Esgotos do Piauí S. A. – AGESPISA, dentre outros
usuários de água, para avaliar as vazões efluentes, caso o barramento não
disponha de monitoramento na válvula dispersora, ou para avaliar o consumo
ao longo do perímetro do espelho d’água.

3.2. CALIBRAÇÃO DE UM MODELO CHUVA-VAZÃO

Como o período de monitoramento dos reservatórios é geralmente curto, é


recomendável ajustar um modelo chuva-vazão às vazões afluentes obtidas a partir do
balanço hídrico. Com o modelo calibrado, poderá ser feita a geração de uma série
pseudo-histórica mais longa, garantindo uma melhor precisão quando da avaliação da
vazão regularizada.
O processo de calibração consiste em se definir valores para os parâmetros
do modelo utilizado de forma a se obter uma série de vazões geradas a partir dos
dados de precipitação e evapotranspiração da bacia que melhor reproduza a série de
vazões afluentes obtidas belo balanço hídrico (LOPES, 1999).
Além do desenvolvimento temporal das vazões, é importante avaliar se o
modelo consegue reproduzir adequadamente as principais estatísticas da série
“observada”, especialmente a média e o desvio padrão. É comum também a utilização
de índices de ajuste entre as séries gerada e observada, como é o caso do coeficiente
de correlação (r) e o coeficiente de determinação (r²).
37

3.3. GERAÇÃO DE SÉRIE PSEUDO-HISTÓRICA DE VAZÕES AFLUENTES

Dispondo-se de séries mais longas de precipitação média da bacia, é


possível, a partir do uso do modelo chuva-vazão calibrado, gerar uma série mais longa
de vazões afluentes. Quanto mais longa esta for, melhor permitirá avaliar sua
variabilidade temporal, informação imprescindível para uma melhor caracterização da
vazão regularizada.
Para a determinação da vazão média sobre a bacia de contribuição ao
reservatório é necessário a identificação dos postos pluviométricos existentes, para
os quais deverá ser realizada a análise de consistência e o preenchimento das falhas.
SEMAR (2010b) empregou para tal mister o método do Vetor Regional, alegando que
o mesmo permite a realização de ambas as finalidades.
Dentre as diversas metodologias para a determinação da precipitação
média, o método dos polígonos de Thiessen é o mais empregado (SEMAR, 2010b).
O método consiste na determinação da área de influência de cada posto pluviométrico
pelo critério da maior proximidade. A precipitação média da bacia determinada a partir
da média ponderada dos valores registrados em cada posto utilizando a área de
influência como fator de ponderação (TUCCI, 1993).
A evapotranspiração potencial pode ser estimada a partir de equações
empíricas ou por meio de medições diretas, como é o caso dos lisímetros, ou indiretas
a partir de evaporímetros (TUCCI, 1993). Em diversas regiões é possível obter os
dados de evaporação em tanques classe A ou em evaporímetros de Piche junto ao
INMET.

3.4. AVALIAÇÃO DA VAZÃO REGULARIZADA

Dispondo-se de uma série longa de vazões afluentes e de dados


intrínsecos ao reservatório, como capacidade de acumulação, variação do volume
com a profundidade (curva cota x volume) e da variação da área do espelho d’água
com a profundidade (curva cota x área), bem como de informações climatológicas
sobre as lâminas médias precipitadas e evaporadas diretamente do lago, é possível
38

se avaliar a vazão regularizada pelo reservatório a partir da simulação de seu


comportamento.
Segundo Leão (2008), define-se uma vazão constante a ser liberada,
simula-se o comportamento do reservatório e identifica-se o grau de atendimento à
vazão indicada. Assim, a vazão regularizada com 90% de garantia será aquela vazão
que será plenamente atendida em 90% do tempo simulado. Nos 10% restantes, serão
verificadas falhas no atendimento da demanda, que podem ser parcial ou mesmo
integral. Assim, identificando-se o número de meses em que não foi possível atender
à vazão demanda, é possível identificar o seu grau de atendimento.
Em geral se trabalha com as garantias de 100%, 95%, 90% e 80%, sendo
que o valor de 90% é o normalmente empregado para a emissão da Outorga de Direito
de Uso, um dos instrumentos do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos (LEÃO, 2008).
39

4. APLICAÇÕES E RESULTADOS

4.1. CARACTERÍSTICAS DA ÁREA DE ESTUDO

4.1.1. Características da bacia


O reservatório Petrônio Portela barra o rio Piauí e está inserido na bacia
hidrográfica do rio Canindé, uma das doze unidades hidrológicas de âmbito estadual
definidas pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos (SEMAR, 2010a).
A bacia do Canindé, por sua vez, é uma sub-bacia do rio Parnaíba, estando
localizada na porção sudoeste do estado do Piauí entre as coordenadas 5°38' e 9°34'
de latitude sul e entre 40°55' e 43°25' de longitude a oeste de Greenwich
(ANA/SEMAR, 2002; LEÃO, 2008). A região abrange uma área aproximada de 79.733
km² e está quase que integralmente inserido na área de abrangência oficial do
semiárido, definida pelo Ministério da Integração Nacional mediante portaria nº 89, de
março de 2005 (LEÃO, 2008).
A hidrografia da bacia, representada pela Figura 5, é formada
principalmente pelo rio Canindé e os seus afluentes, destacando-se os rios Itaim, na
margem direita, e Piauí na margem esquerda, todos eles intermitentes. Na Figura 5
também é apresentada a localização da barragem Petrônio Portela na bacia.
O rio Canindé nasce no município de Paulistana, fronteira com o estado de
Pernambuco nos domínios do embasamento cristalino da Serra dos Dois Irmãos.
Apresenta curso orientado para noroeste e passa por 31 municípios piauienses antes
de desaguar no rio Parnaíba na altura da cidade de Amarante.
O rio Itaim também tem sua nascente no município de Paulistana na
Chapada do Araripe, fronteira com Pernambuco. Está situada a 700 m de altitude a
pouco mais de 12 km da nascente do rio Canindé. Os dois rios correm paralelos até
se encontrarem 190 km a frente no município de Oeiras.
Já o rio Piauí nasce na cidade de Caracol, junto à fronteira do estado da
Bahia, no sopé da Serra das Confusões. Em seu percurso passa por 17 municípios
entre eles São Raimundo Nonato e Coronel José Dias. Em São José do Peixe recebe
um importante afluente, o rio Fidalgo, e segue até desembocar no rio Canindé, a cerca
de 7 km de Francisco Ayres.
40

Barragem Petrônio
Portela

Figura 5 – Hidrografia da Bacia do Canindé.


Fonte: (ANA/SEMAR, 2002)

O clima na região é semiárido, com chuvas mal distribuídas e de caráter


torrencial que definem duas estações: uma seca denominada regionalmente de verão
que normalmente começa em meados de maio, quando as chuvas começam a se
tornar raras, e se estende até outubro. A outra estação é conhecida como inverno e
apresenta uma maior concentração de chuvas, estendendo-se entre os meses de
novembro à abril (LEÃO, 2008; CODEVASF, 2006).
As precipitações anuais são bem baixas variando de 600 mm à 1.200 mm,
com maior intensidade no período do “inverno”. O clima propicia o desenvolvimento
de uma vegetação de transição caatinga-cerrado e vegetação de caatinga arbórea e
arbustiva (CODEVASF, 2006).
41

Nesse ambiente, está inserida a barragem Petrônio Portela, que controla


uma área de cerca de 6.488 km², representando, portanto, 8,1% da área da bacia do
rio Canindé. A estação meteorológica de Caracol, mantida pelo Instituto Nacional de
Meteorologia – INMET (código sinótico 82976, código nacional 943010), é a mais
próxima da barragem, indica uma evapotranspiração potencial média anual de 2.280,8
mm distribuídos mensalmente conforme mostrado no Quadro 3.

Quadro 3 – Evapotranspiração Potencial mensal e diária médias na estação


climatológica de Caracol.
Mês Mensal (mm) Diária (mm)
Jan 124,8 4,03
Fev 104,0 3,71
Mar 100,5 3,24
Abr 112,6 3,75
Mai 148,7 4,80
Jun 215,7 7,19
Jul 264,9 8,54
Ago 288,9 9,32
Set 298,6 9,95
Out 278,0 8,97
Nov 208,3 6,94
Dez 135,8 4,38
Fonte: INMET

Em relação à precipitação, o posto pluviométrico em operação mais


próximo da barragem é o de São Raimundo Nonato (código nacional 942028), de
responsabilidade da Agência Nacional de Águas – ANA e operado pelo Serviço
Geológico do Brasil – CPRM. A estação pluviométrica entrou em operação em agosto
de 2004, passando a ser também telemétrica em fevereiro de 2011. Os valores
mensais registrados no período de setembro de 2004 a maio de 2014 estão
apresentados no Quadro 4. A precipitação média anual no período foi de 543,4 mm,
sendo o mês de março aquele que apresenta o maior valor médio mensal, 108,3 mm,
o que representa 20,3% do acumulado anual.
42

Quadro 4 – Precipitações registradas no posto São Raimundo Nonato (942028).


Ano Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Anual
2004 - - - - - - - - 0,0 11,4 107,8 15,6 -
2005 85,9 103,4 67,0 27,5 27,2 7,3 0,0 0,0 0,0 0,0 44,9 50,7 413,9
2006 0,0 144,5 68,0 58,5 11,5 0,0 0,0 0,0 0,0 107,3 37,1 63,3 490,2
2007 7,0 173,9 5,3 29,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 23,0 68,5 307,2
2008 53,6 85,9 235,3 168,0 9,7 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 124,3 23,2 700,0
2009 152,8 148,3 105,3 237,2 25,8 0,0 0,0 0,0 0,0 80,0 0,0 164,3 913,7
2010 98,0 6,0 158,5 167,2 30,5 30,6 0,0 0,0 0,0 32,0 27,2 206,2 756,2
2011 61,8 128,3 216,9 94,4 5,4 0,0 0,0 1,8 0,0 45,2 20,6 37,1 611,5
2012 18,5 41,1 28,6 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 59,0 14,6 161,8
2013 109,5 0,0 40,0 85,2 0,0 0,0 0,7 0,0 0,0 12,3 48,9 239,4 536,0
2014 14,5 84,0 158,1 55,1 0,0 - - - - - - - -
Média 60,2 91,5 108,3 92,3 11,0 4,2 0,1 0,2 0,0 28,8 49,3 88,3 543,4
Fonte: ANA/CPRM

4.1.2. Aspectos da barragem Petrônio Portela


A Barragem Petrônio Portela localiza-se no Rio Piauí na altura do Município
de São Raimundo Nonato, a cerca de 502 km da cidade de Teresina. O acesso ao
barramento pode ser feito através da rodovia federal BR-343 até a chegada em
Floriano, onde deve-se seguir pela rodovia estadual PI-140 até a cidade de São
Raimundo Nonato, em seguida pega-se uma estrada vicinal, no sentido de São João
do Piauí, e em aproximadamente 20 km chega-se à barragem com coordenadas
geográficas 9,00289º S e 42,4247º O.
A região é caracterizada geologicamente por dois domínios distintos: as
rochas cristalinas do embasamento pré-cambriano constituídos de gnaisses, filitos,
mármores, quartzitos, xistos e granitos; e as coberturas sedimentares do fanerozóico
formados por arenitos, areias, argilas, cascalhos e lateritas (BRASIL, 2014).
As obras de construção da barragem se iniciaram em 1984 e só encerraram
em 1996, 12 anos depois. Os processos construtivos ficaram por conta da Construtora
Lourival Sales Parente LTDA, que era acompanhada pela empresa SIRAC (Serviço
Integrado de Assessoria e Consultoria LTDA), empresa prestadora de serviço à
Comissão de Fiscalização da Secretaria de Infraestrutura do Estado do Piauí.
O arranjo geral da barragem inclui um barramento principal, duas barragens
auxiliares, projetadas nos pontos de fuga da bacia hidráulica localizados nas
ombreiras direita e esquerda, um vertedouro e uma tomada d’água implantada na
43

ombreira esquerda. Possui uma capacidade total de 181.248.096,00 m³, coroamento


com 986,00 m de extensão, 9,00 m de largura e 308,30 m de cota. A Figura 6
apresenta uma vista geral do barramento principal e do sangradouro, além de mostrar
a válvula dispersora em operação.

Figura 6 – Vista geral da barragem Petrônio Portela.


Fonte: http://saoraimundononato.pi.gov.br/conteudo/361/turismo

O DNOCS é o órgão encarregado de fazer o monitoramento desta e de


outras 24 barragens no estado do Piauí. Em seu acervo foram encontrados dados de
volume acumulado no lago da barragem Petrônio Portela desde dezembro de 2001.
Ressalta-se que os valores são estimados, tendo em vista que o reservatório não
dispõe de réguas linimétricas. Além disso, o monitoramento no período não é
sistemático, com a informação às vezes sendo gerada mensalmente, e às vezes com
intervalo de vários meses. A Figura 7 apresenta a variação do volume do lago no
período monitorado pelo DNOCS. Como se pode observar, o maior volume alcançado
foi da ordem de 160 hm³, tendo sido observado em abril de 2004. A partir de maio de
44

2011 é verificada uma redução constante dos volumes acumulados, evidenciando o


longo período de seca que o estado do Piauí vem atravessando.

Figura 7 – Variação do volume acumulado no Açude Petrônio Portela.


Fonte: (DNOCS)

A barragem tem uma altura máxima de 36,7 m (cota de coroamento


308,30). Quando cheia, a bacia hidráulica é da ordem de 2.106 ha. As relações cota
x área e cota x volume estão representadas graficamente na Figura 8.
O vertedouro da barragem é do tipo soleira espessa e tem 300 m de largura,
cota de 304,00 m e lâmina máxima de 3,00 m. A tomada d’água, responsável por
liberar para jusante a água captada no lago, tem diâmetro de 800 mm e 170,00 m de
extensão, dispondo de comportas de controle à montante e de válvula dispersora de
vazão à jusante.
45

25000000 200000000
180000000
20000000 160000000
140000000

Volume (m³)
15000000 120000000
Área (m²)

100000000
10000000 80000000
60000000
5000000 40000000
20000000
0 0
270 275 280 285 290 295 300 305 310
Cota (m)
ÁREA VOLUME

Figura 8 – Curva cota x área e cota x volume do açude Petrônio Portela.


Fonte: DNOCS

O açude Petrônio Portela conta ainda com um sistema de abastecimento


das populações próximas, o Sistema Adutor do Garrincho. O projeto, realizado em
2003 e inaugurado em 2006, previa o abastecimento direto de nove municípios, além
de vários distritos inseridos em suas proximidades e apresentava uma população de
projeto da ordem de 56.000 habitantes (ENGESOFT, 2003). Além das nove cidades
(São Raimundo Nonato, Coronel José Dias, São Lourenço, Dirceu Arcoverde, Bonfim
do Piauí, Várzea Branca, Anísio de Abreu, Jurema e São Braz do Piauí), a adutora
abastece diversos povoados ao longo de sua extensão, como a comunidade de
Tranqueira, conforme pode ser visto na Figura 9. Ressalta-se, ainda, que o sistema
adutor do Garrincho é constituído também por dois sistemas independentes: Caracol
e Fartura, que abastecem suas respectivas cidades homônimas.

4.2. DETERMINAÇÃO DAS VAZÕES AFLUENTES AO BARRAMENTO

Tendo em mãos os dados físicos de armazenamento no reservatório, as


vazões demandadas pelo Sistema Adutor do Garrincho e os valores de precipitação
(tomados iguais ao do posto São Raimundo Nonato) e evaporação (considerados o
da estação climatológica Caracol) sobre o lago em um mesmo período, fez-se o
balanço entre as massas conforme Equação 14 para obtenção de uma série de
vazões afluentes entre 2004 e 2014.
46

Figura 9 – Configuração do sistema adutor do Garrincho.


Fonte: (AGESPISA)

Para auxílio foi elaborada uma planilha do software Microsoft Excel 2013,
programa computacional de fácil acesso com uma interface intuitiva e excelente em
montagem de planilhas eletrônicas e execução de cálculos, inclusive com construção
de gráficos. Foram realizados uma sequência de cálculos sucessivos do balanço
hídrico considerando os intervalos de cálculo como o tempo entre as medições do
volume do reservatório. Ao final, para cada intervalo estimado, obteve-se um valor
representante da vazão afluente. Esse valor, na maioria das vezes, envolvia mais de
um mês, portanto, para calcular a vazão mensal foi necessário ponderar os valores
obtidos considerando o peso igual ao número de dias contido naquele intervalo.
É importante salientar que as vazões aduzidas para abastecimento das
populações pelo Sistema Adutor do Garrincho não foram consideradas em seus
valores reais. O sistema não conta com dispositivo macromedidor e, portanto, para
efeito de cálculo, foram considerados valores médios e constante ao longo do tempo,
conforme indicações da AGESPISA.
47

Sabe-se que, inicialmente, a captação de água acontecia pela ação de


duas bombas funcionando simultaneamente, capazes de recalcar 128,47 l/s. Com o
passar do tempo, as tubulações foram sendo desgastadas e a forte pressão, aliada
ao material inadequado das canalizações (fibra de vidro) tornavam as rupturas
frequentes. Na tentativa de conter essas constantes interrupções, pouco tempo após
o início de funcionamento do sistema, uma bomba foi desligada e permaneceu assim
até meados de março de 2014, quando a canalização anterior foi substituída por uma
nova de ferro fundido.
Assim, considerou-se no cálculo do balanço hídrico a vazão demandada
constante igual a 128,47 l/s entre agosto de 2006 (período de inauguração do sistema)
e maio de 2007 e entre março e maio de 2014 (Período após a substituição da
canalização). Nos demais intervalos considerou-se vazão constante de 75 l/s, que,
segundo a AGESPISA, seria a vazão média fornecida por uma única bomba em
operação.
Simplificações como essa, a desconsideração da infiltração no solo e a
utilização de valores imprecisos de volume acumulado no reservatório, fornecidos pelo
DNOCS, resultaram em alguns valores de vazão negativos. Nestes casos, eles foram
consideradas iguais a zero.
O Quadro 5 apresenta as séries de vazões médias mensais obtidas a partir
do balanço hídrico realizado.

Quadro 5 – Série calculada de vazões afluentes ao açude Petrônio Portela (m³/s).


Ano Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Anual
2004 - - - - - - - - - 0,339 0,128 0,050 -
2005 0,558 0,199 3,794 2,126 2,126 0,975 0,712 0,159 0,831 0,260 0,040 0,000 0,982
2006 0,000 0,000 5,945 5,553 1,000 0,669 0,715 0,046 0,000 0,000 0,000 0,000 1,161
2007 0,000 8,730 0,883 0,240 0,055 0,135 0,060 0,115 0,167 0,022 0,000 0,000 0,867
2008 0,881 0,392 5,422 11,907 2,028 0,685 0,769 0,404 0,760 0,375 0,000 0,000 1,969
2009 0,760 0,982 2,071 4,014 1,414 0,888 0,892 0,518 0,000 0,000 0,000 0,000 0,962
2010 0,000 0,000 0,369 1,699 2,137 2,137 2,137 1,999 0,000 0,000 0,339 0,508 0,944
2011 0,508 1,025 3,088 3,815 1,258 0,767 0,782 0,787 0,210 0,000 0,000 0,000 1,020
2012 0,000 0,038 0,370 0,191 0,007 0,419 0,628 0,188 0,052 0,032 0,142 0,073 0,178
2013 0,000 0,000 0,000 1,218 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 1,380 1,380 0,332
2014 0,356 0,000 1,998 0,791 - - - - - - - - -
Média 0,306 1,137 2,394 3,155 1,114 0,742 0,744 0,468 0,224 0,103 0,203 0,201 0,899
48

Como pode ser observada, a vazão média anual no período seria de 0,899
m³/s, indicando um volume afluente anual médio de 28,35 hm³. É possível observar,
ainda, que os anos de 2012 e 2013 foram extremamente secos, especialmente 2012,
onde a vazão média do ano, 0,178 m³/s, representa 19,8% do valor médio do período
integral.

4.3. CALIBRAÇÃO DO MODELO CHUVA-VAZÃO SMAP E GERAÇÃO DE


SÉRIE MAIS EXTENSA DE VAZÕES AFLUENTES AO RESERVATÓRIO

A crônica deficiência de dados fluviométricos na região Nordeste obriga


hidrólogos e estudiosos a utilizarem modelos que permitem a extensão desses dados
para que se possa estudar fenômenos hidrológicos de determinado lugar. O SMAP a
nível mensal, por exemplo, consegue criar uma vasta série de dados exigindo a
calibração de parâmetros com pares de dados observados de vazão e precipitação
sobre a bacia de apenas 2 a 5 anos (SEMAR, 2010b).
A calibração de um modelo chuva-vazão exige como dado de entrada
séries concomitantes de vazão e de precipitações médias observadas na bacia de
contribuição. Na bacia hidrográfica da barragem foram identificados 15 postos
pluviométricos com influência na área, dispondo de séries de dados consistidos e
preenchidos pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Piauí para o
período de 1964 a 2000.
Como a maioria dos postos dispõe de dados apenas até 2000, foi
necessário avaliar a relação entre a precipitação média da bacia, calculada pelo
método dos polígonos de Thiessen, e as precipitações registradas em São Raimundo
Nonato no mesmo período (posto pluviométrico 942005). Essa correspondência foi
definida por meio de uma linha de tendência (Figura 10), traçada com o auxílio do
Microsoft Office Excel, que também exibiu tal relação matematicamente através de
uma equação.
Assim, pôde-se utilizar as séries do posto com dados mais recentes em
São Raimundo Nonato (posto pluviométrico 940228) para estimar quanto choveu na
bacia no período de outubro de 2004 a abril de 2014 e calibrar o modelo SMAP. Os
postos trabalhados para a determinação da precipitação média e seus respectivos
coeficientes definidos pelo método de Thiessen estão listados no Quadro 6.
49

y = -1,7425E-08x4 + 1,7389E-05x3 - 5,7428E-03x2 + 1,3947x + 2,4953


400,0 R² = 8,598468E-01
Precipitação na bacia de influência (mm)

350,0

300,0

250,0

200,0

150,0

100,0

50,0

0,0
0,0 100,0 200,0 300,0 400,0 500,0 600,0

Precipitação em São Raimundo Nonato (mm)

Figura 10 – Linha de tendência: Precipitação na bacia e posto de São Raimundo


Nonato (942028).

Quadro 6 – Coeficientes de Thiessen para os postos de influência na bacia de


contribuição.
Posto Coeficiente de
pluviométrico Área (m²) Thiessen
842002 940.995,94 0,000145
842003 203.104.402,43 0,031305
842009 239.059.259,58 0,036846
942000 879.825.869,64 0,135608
942001 521.492.846,30 0,080378
942002 197.286.466,39 0,030408
942003 955.526.269,73 0,147276
942004 552.086.774,72 0,085094
942005 681.127.197,97 0,104983
942022 413.564.617,70 0,063743
942023 38.049.852,00 0,005865
942025 502.012.459,30 0,077376
943000 622.879.513,98 0,096005
943010 252.774.478,49 0,038960
943012 428.267.309,03 0,066009

Para calibração do modelo SMAP foram consideradas, portanto, a série de


vazões afluentes ao reservatório estimadas pelo balanço hídrico (Quadro 5) e a série
50

de precipitação média da bacia, determinada a partir das precipitações registradas em


São Raimundo Nonato (posto 942028) (Quadro 4) e pela relação mostrada na Figura
10, no período de outubro de 2004 à abril de 2014.
O modelo chuva-vazão foi processado através de planilhas eletrônicas do
Microsoft Office Excel disponível no site da Escola Politécnica da USP – Departamento
de Engenharia Hidráulica e Ambiental1. No entanto, as imprecisão dos dados de
entrada impossibilitaram um bom ajuste. Enquanto os subsídios fornecidos pelo
DNOCS são estimados, já que a barragem não possui régua linimétrica, as
informações da AGESPISA também são imprecisas, visto que não há dispositivo
macromedidor na adutora, nem um acompanhamento em relação às retiradas e
interrupções de fornecimento.
Como mostra a Figura 11, não foi possível representar adequadamente o
comportamento da série pseudo-histórica de vazões. Observa-se que não há uma boa
relação entre as precipitações da bacia e as supostas vazões observadas, com os
maiores valores de vazão ocorrendo em períodos de pequena precipitação (início da
série) e, também, o contrário, baixas vazões observadas em períodos onde
supostamente a precipitação seria maior (parte central da série). Tal fato parece
corroborar a baixa qualidade dos dados de entrada, conforme discutido anteriormente.

14,0 0
50
12,0
100
10,0
Precipitação (mm)
150
Vazão (m³/s)

8,0
200
Precip mensal 250
6,0
Vazão calculada 300
Vazão observada 350
4,0

400
2,0
450
0,0 500
Tempo (meses)

Figura 11 – Hidrogramas para o período de calibração do modelo SMAP.

1
http://200.144.189.97/phd/
51

Tendo em vista a dificuldade de calibração, procurou-se, então, preservar


as estatísticas principais da série pseudo-histórica de vazões, média e desvio padrão,
buscando, por meio de tentativa e erro, valores para os parâmetros que gerassem
uma menor diferença entre os montantes calculados e observados. Assim, mesmo a
calibração não sendo ideal, estaria ao menos se representando da melhor forma
possível o rendimento hídrico médio da bacia. Os valores dos parâmetros do modelo
que geraram os resultados mais satisfatórios foram os seguintes:
 Sat = 2300;
 Pes = 3,832;
 Crec = 0.
Com tais parâmetros chegou-se a uma vazão média de 0,910 m³/s, valor
idêntico ao da série pseudo-histórica, e um desvio padrão calculado de 1,74 m³/s
contra o valor de 1,73 m³/s para a série “observada”.
Para a geração da série mais extensa de vazões utilizou-se também a
planilha disponibilizada pela Universidade de São Paulo. Como dados de entrada
foram utilizados a série de precipitações médias da bacia, encontradas pelo método
de Thiessen no período de 1964 a 2000, as médias mensais de evaporação e os
parâmetros calibrados. A série de vazões afluentes obtida está reproduzida no Quadro
7, enquanto a Figura 12 mostra o comportamento das vazões e das precipitações ao
longo do tempo. A vazão média anual no período corresponde a 2,801 m³/s, o que
representa um volume afluente anual médio à barragem de 88,32 hm³.

Quadro 7 – Vazões afluentes calculadas (m³/s)


ANO Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez MÉD
1964 12,268 18,069 8,886 14,823 0,885 0,123 0,046 0,145 0,000 0,763 1,363 1,337 4,892
1965 2,382 3,141 10,433 25,288 2,693 0,182 0,048 0,000 0,025 0,586 1,276 0,508 3,880
1966 3,081 7,560 8,814 14,668 0,622 0,095 0,000 0,000 0,043 0,262 1,552 2,326 3,252
1967 1,780 6,540 12,212 12,510 1,434 0,883 0,018 0,000 0,144 0,266 2,366 5,056 3,601
1968 1,543 10,623 20,269 5,652 0,278 0,011 0,000 0,002 0,029 0,398 2,876 2,200 3,657
1969 4,525 4,063 12,691 0,753 0,239 0,870 0,000 0,022 0,026 0,186 0,593 1,985 2,163
1970 5,056 2,388 3,684 0,552 0,000 0,041 0,000 0,000 0,000 0,362 1,319 0,503 1,159
1971 1,086 2,721 4,458 11,994 0,022 0,140 0,007 0,037 0,064 0,368 1,434 0,946 1,940
1972 1,381 2,186 2,690 2,847 1,023 0,013 0,000 0,020 0,061 0,090 1,349 3,152 1,234
1973 1,643 4,161 8,889 9,277 4,739 0,074 0,227 0,024 0,555 2,034 1,775 2,734 3,011
1974 6,275 13,216 49,648 66,480 9,036 0,645 0,031 0,059 0,026 2,995 6,495 5,490 13,366
1975 5,252 12,78 22,3 27,08 1,712 0,41 1,61 0,01 0,008 1,967 1,68 1,451 6,355
52

Quadro 7: Continuação – Vazões afluentes calculadas (m³/s)


ANO Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez MÉD
1976 1,485 6,174 2,189 3,182 0,502 0,004 0,000 0,022 0,282 1,594 2,910 0,971 1,610
1977 6,288 1,388 3,638 9,478 1,966 0,257 0,002 0,000 0,673 0,124 1,160 6,706 2,640
1978 3,854 8,326 21,398 11,774 8,897 1,180 0,743 0,000 0,000 0,309 2,162 2,537 5,098
1979 9,784 20,578 9,232 14,955 1,788 0,000 0,003 0,003 0,000 1,456 3,011 3,132 5,328
1980 8,796 41,320 5,827 5,097 0,000 0,000 0,000 0,000 0,071 0,176 2,410 5,791 5,791
1981 4,942 0,809 15,171 6,254 0,016 0,000 0,000 0,089 0,007 0,261 0,879 0,590 2,418
1982 1,898 1,414 3,555 2,683 0,001 0,002 0,004 0,006 0,261 0,173 0,023 0,295 0,859
1983 1,320 1,074 2,065 1,089 0,006 0,000 0,006 0,000 0,002 0,026 0,326 0,505 0,535
1984 0,421 0,530 3,273 4,131 0,131 0,000 0,000 0,015 0,160 0,601 0,348 0,364 0,831
1985 5,748 4,185 9,497 29,320 2,875 6,383 0,014 0,136 0,169 2,496 2,054 12,309 6,266
1986 5,568 10,938 18,765 10,497 0,527 0,000 0,000 0,031 0,007 1,657 0,254 2,059 4,192
1987 1,374 0,658 5,913 2,570 0,513 0,012 0,000 0,006 0,047 0,124 0,552 0,866 1,053
1988 1,068 1,561 4,604 5,097 0,026 0,025 0,000 0,003 0,012 0,258 0,196 2,377 1,269
1989 1,764 2,359 7,071 2,545 2,238 0,733 0,011 0,029 0,187 0,326 1,196 8,700 2,263
1990 0,826 4,562 2,406 1,160 0,636 0,000 0,001 0,003 0,085 0,239 0,184 0,722 0,902
1991 2,336 1,753 5,978 1,996 0,161 0,000 0,000 0,000 0,001 0,009 0,329 0,573 1,095
1992 5,299 5,933 0,300 0,817 0,391 0,000 0,000 0,000 0,028 0,050 1,080 1,401 1,275
1993 1,260 0,921 1,587 1,667 0,120 0,000 0,000 0,000 0,035 0,393 0,429 0,603 0,585
1994 2,403 5,605 4,757 3,011 0,124 0,010 0,000 0,000 0,000 0,004 0,103 0,276 1,358
1995 0,755 2,795 2,431 4,464 1,772 0,000 0,000 0,000 0,000 0,181 0,745 1,018 1,180
1996 0,705 2,404 3,137 4,608 1,363 0,002 0,000 0,000 0,000 0,185 1,813 0,539 1,230
1997 4,759 2,453 29,193 13,197 0,458 0,018 0,000 0,000 0,041 1,624 1,034 2,472 4,604
1998 3,880 3,524 3,309 0,595 0,319 0,000 0,000 0,000 0,000 0,053 1,190 0,628 1,125
1999 1,059 2,034 5,493 0,062 0,046 0,000 0,000 0,000 0,030 0,152 0,103 0,277 0,771
2000 0,774 1,527 1,759 2,744 0,398 0,000 0,075 0,000 0,031 0,032 0,560 2,012 0,826
Med 3,369 6,007 9,122 9,052 1,296 0,327 0,077 0,018 0,084 0,616 1,328 2,308 2,800
53

80,0 0,0

70,0
50,0

100,0
60,0
150,0

Precipitação (mm)
50,0
Vazão (m³/s)

200,0
40,0 250,0

30,0
300,0
Precipitação mensal

Vazão calculada
350,0
20,0
Vazão média 400,0
10,0
450,0
0,0 500,0
Tempo (meses)

Figura 12 – Hidrograma de vazões geradas para período de janeiro de 1964 a dezembro de 2000.
54

4.4. AVALIAÇÃO DA VAZÃO REGULARIZADA

O SSD Acquanet foi utilizado para a avaliação do comportamento do


reservatório e determinação das vazões capazes de serem regularizadas frente a
diferentes garantias. Para isso, criou-se uma rede de fluxo simplificada considerando
um reservatórios e dois nós de demanda: a vazão regularizada (Qreg) e um dispositivo
de segurança para evitar que os sangramentos mascarem a vazão regularizada
(Dreno), conforme esquema da Figura 13.

Figura 13 – Esquema da rede de fluxo adotada no software Acquanet.

Foi estabelecido como volume meta para a barragem o valor de 100% de


sua capacidade, entretanto com uma prioridade menor que a demanda representativa
da vazão regularizada, definida como máxima. Assim, todas as vezes que houver
excesso hídrico, ele será destinado ao armazenamento do reservatório, mantendo-o
cheio sempre que possível. O último nó deve receber uma demanda bastante elevada
e uma prioridade extremamente baixa pois sua finalidade é apenas absorver os
excessos que o reservatório não é capaz de armazenar. Assim, as prioridades
adotadas no presente trabalho são as apresentadas no Quadro 8 abaixo.

Quadro 8 – Prioridades consideradas.


Prioridades
Qreg 1
Petrônio Portela 50
Dreno 90
55

Definidas as prioridades e informadas as vazões afluentes, as relações


cota-área-volume, as lâminas médias evaporadas e os volumes característicos do
reservatório (Quadro 9), iniciou-se o processo de determinação das vazões
regularizadas. Para todas as simulações, o volume inicial foi considerado igual à
metade de sua capacidade.

Quadro 9 – Volumes característicos do reservatório.


Açude Petrônio Portela
Volume Máximo (Mm³) 181,200
Volume Mínimo (Mm³) 27,190
Volume Inicial (Mm³) 90,600

Foram realizadas diversas simulações com diferentes demandas para a


obtenção daquelas que atendessem às garantias requeridas. Em cada uma buscou-
se a máxima vazão que permitisse uma falha de atendimento igual ou imediatamente
inferior à garantia testada. Assim, para a vazão com 95% de garantia, por exemplo,
as falhas deveriam se estender a no máximo 5% do tempo. Os resultados encontrados
estão mostrados no Quadro 10.

Quadro 10 – Vazão regularizada para diferentes garantias.


Vazão Regularizada
Q100 (m³/s) 1,018
Q95 (m³/s) 1,299
Q90 (m³/s) 1,538
Q85 (m³/s) 1,726
Q80 (m³/s) 2,021

É importante destacar o comportamento do açude ao longo do tempo de


simulação, onde nos primeiros anos de modelagem apresentou um reabastecimento
bem mais eficiente comparado à parte final. Tal fato é decorrente da série de vazões
calculadas, que apresenta valores muito pequenos nos anos finais da série, como
pode ser observado na Figura 12.
Para a garantia de 90%, por exemplo, o açude chegou a encher em 25
meses no período de Janeiro de 1964 à dezembro de 1981, e apresentou apenas um
momento de leve baixa entre o fim de 1970 e o início de 1974. Na parte final da
56

simulação o reservatório encheu apenas em 3 meses, contrastando com os 44 que


permaneceu com seu volume mínimo. A Figura14 mostra esse comportamento.

Figura 14 – Comportamento do reservatório obtido em simulação para garantia de


90%.

Não existem informações suficientes para afirmar se tal período mais crítico
quanto à magnitude das vazões é decorrente de variações naturais ou se refletem
efeitos de mudanças climáticas, de origem natural ou antrópicas. SEMAR (2010b)
destaca evidências de que a variabilidade das vazões ao longo do tempo pode ocorrer
pelas próprias características fisiográficas da bacia e climáticas da região.
57

Estudos anteriores já haviam investigado as vazões regularizadas para


barragens do Piauí. Leão (2008) estudou a bacia do Canindé como um todo e modelou
uma rede de fluxo considerando cinco reservatórios da região (Petrônio Portela,
Bocaina, Pedra Redonda, Salinas e Jenipapo). Por outro lado, o Plano Estadual de
Recursos Hídricos do Estado do Piauí fez seu estudo em todo o estado do Piauí,
analisando a vazão regularizável para 90% de garantia nas 20 principais barragens
existentes (SEMAR, 2010b). Os Quadros 11 e 12 mostram os respectivos resultados
dos autores para as mesmas barragens da bacia do Canindé.

Quadro 11 – Vazão regularizada, segundo Leão (2008), para diferentes garantias.


Pedra Petrônio
Barragem Bocaina Jenipapo Salinas
Redonda Portela
Q100 (m³/s) 1,016 1,151 0,528 1,252 1,943
Q95 (m³/s) 1,520 1,850 0,850 2,020 3,350
Q90 (m³/s) 1,910 2,865 1,080 2,750 4,50
Q85 (m³/s) 2,234 3,343 1,259 3,265 5,077
Q80 (m³/s) 2,492 3,650 1,482 3,675 5,640

Quadro 12 – Vazão regularizada segundo SEMAR (2010b) para garantia de 90%.


Pedra Petrônio
Barragem Bocaina Jenipapo Salinas
Redonda Portela

Q90 (m³/s) 1,50 1,62 3,30 2,22 1,96

Leão (2008) calibrou o modelo chuva-vazão CN-3S regionalizando as


séries observadas dos deflúvios com base nos dados do posto fluviométrico mais
próximo. Assim, as barragens de Salinas e Bocaina aproveitaram as vazões obtidas
no posto de Maria Preta e as demais aproveitaram os deflúvios de Pedra Redonda.
Além disso, as precipitações utilizadas no processo foram as médias mensais de cada
bacia calculadas pelo método de Thiessen.
SEMAR (2010b), por sua vez, utilizou o mesmo modelo chuva-vazão
adotado neste trabalho. No entanto, assim como Leão (2008), procedeu com a
regionalização dos parâmetros segundo dados do posto fluviométrico mais próximo
de cada barragem. No caso de Petrônio Portela, foram adotados os dados observados
no posto de Maria Preta. A simulação do comportamento do açude foi realizada
58

utilizando o Programa SIMRES desenvolvido pelo Departamento de Engenharia


Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (CAMPOS et.al., 1999 apud
SEMAR, 2010b).
Apear dos três trabalhos terem apresentados resultados diferentes, todos
seguiram metodologias validadas na literatura e, portanto, todos são aceitáveis. Este
estudo, no entanto, tende a apresentar os valores mais prudentes, pois as vazões
afluentes ao reservatório foram encontradas pelo balanço hídrico e não pela
regionalização de bacias vizinhas. Além disso, um resultado mais conservador
representa menos riscos quanto ao funcionamento do sistema.
59

5. CONCLUSÕES

O Brasil é um país reconhecidamente abundante em recursos hídricos. No


entanto a má distribuição espacial e temporal da água impede um abastecimento
duradouro de todas as comunidades. Isso se agrava se for considerado o descaso por
parte das populações e seus representantes na medida em que o desenvolvimento a
todo custo é colocado à frente da natureza. Dessa forma o elemento outrora
abundante torna-se raro e o estigma da escassez fica caracterizado.
O Nordeste brasileiro é uma das regiões mais atingidas e é lá que a
engenharia deve concentrar seus esforços a fim de combater essa deficiência
anunciada.
Nesse sentido, a construção de reservatórios de acumulação vem ajudando
a mitigar o problema desde o seu reconhecimento, nos primórdios da colonização do
país. Mas somente com a criação do DNOCS em 1909, inicialmente intitulado
Inspetoria de Obras Contra as Secas, que elas passaram a ser amplamente
difundidas.
Ressalta-se a contribuição do engenheiro Gonçalves Aguiar, que
desenvolveu seu método de dimensionamento dos reservatórios empiricamente e
deixou uma importante obra que serviu de base para vários outros trabalhos. O
método do 2VA, por exemplo, que foi amplamente difundido e utilizado por um longo
tempo no órgão.
Atualmente, o advento dos computadores, cada vez mais acessíveis e
rápidos no processamento de informações, tornou tais métodos obsoletos. O
comportamento estocástico dos deflúvios passou a ser considerados em substituição
aos métodos empíricos. Isso trouxe maior rapidez, e economia das obras hídricas,
visto que os métodos anteriores exibiam uma tendência a superdimensioná-las.
O açude Petrônio Portela é um exemplo, a barragem tem cerca de 18 anos
e nem nas mais rigorosas cheias conseguiu atingir sua capacidade máxima.
Em virtude da carência de dados hidrológicos, foi necessário o auxílio de
um modelo de simulação do tipo chuva-vazão para gerar uma série pseudo-histórica
de deflúvios suficientemente longa para ser usada estatisticamente. O modelo
escolhido foi o SMAP, que determinou a série procurada mediante uma manobra de
60

ajuste já que a precariedade das informações disponíveis para o desenvolvimento do


trabalho impossibilitou um bom resultado inicial na calibração dos parâmetros.
É importante destacar a utilização do balanço hídrico no reservatório para
a determinação das vazões observadas necessárias no processo de calibração. Além
deste dado, a modelagem ainda carece de dados observados de chuva e
evapotranspiração potencial temporalmente coincidentes.
A metodologia seguiu com a análise do comportamento do reservatório,
representado por uma rede de fluxo, com o auxílio do SSD Acquanet. Foram testadas
as vazões de referências mais usuais, Q80, Q85, Q90, Q95 e Q100, verificando-se a
capacidade do reservatório em atendê-las.
O modelo definiu uma conduta curiosa em relação à frequência dos
vertimetos, sendo muito mais frequentes na primeira metade da análise em relação à
parte final. Esse desempenho sugere uma alteração no comportamento hídrico da
região, que talvez tenha passado por mudanças climáticas ou ainda a existência de
erros proveniente das aproximações nos dados de entrada.
Os procedimentos mostraram ser possível a liberação de 1,018 m³/s para
uma garantia de 100% no fornecimento, 1,299 m³/s para 95%, 1,538 m³/s para 90%,
1,726 para 85% e 2,021 m³/s para 80%. Tais resultados contrastam com os
apresentados por outros autores como LEÂO (2008) e SEMAR (2010b). Embora os
três trabalhos tenham apresentados valores distintos, todos estão coerentes, uma vez
que as metodologias seguiram passos diferentes, mas todos reconhecidamente
válidas na literatura. Além disso, há uma elevada dificuldade em mensurar o
comportamento hidrológico devido às grandes quantidade e variabilidade das
variáveis envolvidas.
61

6. SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS

Com base no trabalho desenvolvido e objetivando auxiliar pesquisas futuras


na área de gestão de recursos hídricos, apresenta-se a seguir algumas sugestões de
trabalho:

• Desenvolver simulações em regiões com características hidrológicas diferentes


da considerada no presente estudo, buscando relacionar os resultados de cada
trabalho com suas respectivas regiões;

• Estudar o mesmo reservatório utilizando modelos de simulação chuva-vazão e/ou


de simulações hidrológicas distintos, comparando os resultados obtidos e
avaliando a funcionalidade dos métodos.

• Avaliar o comportamento hídrico na bacia em questão para o mesmo período que


possa justificar as oscilações de volume do reservatório resultantes na simulação
do software Acquanet.
62

REFERÊNCIAS

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