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Receita de Miojo

por Rubem Penz


Miojo (não que eu veja muita necessidade em esclarecer) está para o macarrão
instantâneo assim como a Gilette está para a lâmina de barbear, a Bic para a caneta
esferográfica, o Bombril para a esponja de aço e o Nescau para o chocolate solúvel:
marca que se transforma no próprio produto. É quase sinônimo de refeição
improvisada, precária, pouco substanciosa e nada balanceada. Apelamos para um Miojo
quando não queremos nos dar ao trabalho de fazer coisa melhor, quando desejamos
investir o mínimo possível, quando mais interessa a impressão de saciedade do que a
nutrição em si, enfim, quando a prioridade é outra. Por isso, é magnificamente
significativo o uso de uma receita de Miojo em uma redação bem pontuada no ENEM,
como foi evidenciado por toda a imprensa. Mais uma de nossas mazelas.

ENEM (não que eu veja muita necessidade em esclarecer) é a sigla do Exame Nacional
do Ensino Médio. Em outras palavras, um vestibular – e vestibular virou qualquer
exame ou prova classificatória que ordena candidatos por desempenho. Seu objetivo é
compor em um só certame a classificação dos estudantes que pleiteiam vagas no
ensino superior federal, ainda que no momento se esteja “apenas” pressionando as
Universidades a adotá-lo em detrimento aos seus vestibulares. Com base nos
resultados do ENEM, também se quer conhecer a fotografia do nosso estudante, saber
como está seu desempenho, suas qualidades e, quem sabe, carências.

Como esse papo está muito sério, vou descontrair oferecendo a vocês uma receita de
Miojo: se você deseja uma educação improvisada e sem se dar ao trabalho de fazer
coisa melhor; investindo o mínimo possível e mais interessado na impressão de
ensino do que na aprendizagem em si; enfim, quando estiver na cara que a prioridade
é outra, abra um pacote governamental de soluções instantâneas (tipo Medida
Provisória). Dê poucos minutos e uma carga gigantesca de redações para um corretor
avaliar centenas ou milhares de textos, despeje um tempero oficial e sirva para a
população. Esse artifício vai mascarar a fome por qualidade e oferecer saciedade
por melhores índices estatísticos (principalmente na hora da campanha eleitoral).

Voltando ao tema da crônica, já descontraídos, não vejo o que surpreende tanto as


pessoas quando redações com boas notas no ENEM aparecem na imprensa com receita de
macarrão, hino de clube, poucas linhas de texto ou erros ortográficos. Nossa
educação virou Miojo faz muito tempo, pedindo perdão ao honesto prato instantâneo
que, ao contrário das ilusões políticas, entrega ao consumidor exatamente o que
promete. Para ingerir ingredientes de alto nível como excelência em matemática,
ciências, línguas, história e literatura, quando não o refinado senso crítico, só
pagando. E caro. Para o povo, macarrão de três minutos e pozinho para dar sabor.
Caso faltem vitaminas, proteínas e sais minerais mais adiante, ponha a culpa no
professor, digo, no cozinheiro.

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