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A IMAGEM E SUAS LEITURAS NA PAISAGEM.

UMA OBSERVAÇÃO
SOBRE A PRODUÇÃO DE CINEMA EM PERNAMBUCO E SUAS LEITURAS
GEOGRÁFICAS1

Pietro Renato Felix de Queiroz2


Aluno da graduação em Geografia – UFPE
pietrofelix.196@gmail.com

INTRODUÇÃO

Em meio às diversas formas de manifestações no território brasileiro algumas


destacam-se pela originalidade e proposta reflexiva partida do seu discurso.
Direcionamos esse asterisco para as manifestações imagéticas sobre o espaço.
Especificamente, sobre as expressões provocadas pelo cinema, instrumento
recorrentemente utilizado para manifestações da cultura no espaço e provocador de
sensações em torno daqueles que a acompanham como insurreições de sujeitos em torno
do espaço. Diante de tal contexto, revela-se através do uso de técnicas sobre a imagem
em movimento leituras sobre a paisagem fílmica a qual nos portaremos em refletir
poeticamente e politicamente sobre os recursos da imagem sob o espaço geográfico.
Na paisagem, conceito bastante debatido por diversas frentes do pensamento
geográfico, consideramos os aspectos morfológicos de sua composição, sob a
perspectiva da renovada geografia cultural, a presença de incontáveis símbolos
presentes na morfologia da paisagem, portanto, possibilitando imersões em geografias
presentes em todo lugar (COSGROVE, 2004). A partir de tal premissa, podemos
considerar a paisagem geográfica como um elemento visual por abranger o conjunto de
sentidos inerentes a capacidade humana de compreensão do espaço. Todavia, os
elementos visuais que diagnosticam a paisagem geográfica refletem um estado ou

1
Trabalho desenvolvido a partir da pesquisa individual do autor, assim como das atividades
desenvolvidas no Cineclube LECgeo, projeto de extensão vinculado ao LECgeo/UFPE (Laboratório de
Estudos sobre Espaço, Cultura e Política) sob coordenação do Prof. Dr. Caio Augusto Amorim Maciel.
2
Bolsista PIBIC/CNPq/UFPE e membro do LECgeo/UFPE. Desenvolve a pesquisa “A paisagem urbana
do Recife no olhar do cinema pernambucano: um estudo das imagens pela geografia cultural”.
condição na paisagem ali observada, sendo assim uma imensa gama de imagens no
espaço geográfico.
Então, percebendo as visualidades sobre a paisagem, nota-se inúmeras leituras
sobre este elemento tão importante para a geografia. Das primeiras pinturas rupestres,
que serviam de indicações de presença humana nos espaços pré-históricos, diversas
manifestações de recurso imagético surgiram para representar ou indicar ações sob a
dinâmica espacial. Dos mapas artísticos, utilizados em guerras antigas a filmes, a
geografia é visualizada da ação individual, refletida nas representações, até o seu
processo de criação no que tange a reprodução do espaço. Assim, temos na paisagem
uma extensão da experiência ontológica do que se observa, influenciada a partir das
representações e manifestações culturais incorporadas por cada indivíduo, tendo no olho
seu principal recurso de captação dos sentidos visíveis.
Neste sentido, encontramos uma “sociedade inundada pela produção de
imagens” (MACIEL, 2004, p. 37), o que nos indica uma vasta produção de imagens
propiciada com a intensa reprodução tecnológica de dispositivos imagéticos. Sendo
assim, considera-se que:
A imagem desperta interesse na geografia uma vez que
sua emergência e interpretação seriam elementos produtores e
diferenciadores da cultura, instituindo territórios que são ao
mesmo tempo um estímulo à ação humana sobre a natureza e
um exemplo de constituição identitária, incluindo perspectivas
como as de classe e demais divisões sociais (MACIEL;
GONÇALVES; PEREIRA, 2012, p. 06).

Portanto, com esse “mundo de imagens’ percebidos sobre a paisagem,


destacamos a produção de cinema realizada em Pernambuco nos últimos anos, mais
especificamente do período da retomada do cinema brasileiro até hoje. A produção de
cinema em Pernambuco é hoje, considerada por diversos críticos da produção
cinematográfica brasileira como a produção mais consistente no campo da reflexão e
estética adotada para seus diversos trabalhos3. Para além do próprio desenvolvimento

3
Vide por exemplo recente matéria no site UOL sobre a indicação, pelo governo brasileiro, de O Som ao
Redor para concorrer ao Oscar 2013: “Nos últimos 12 meses, as produções do estado ganharam mais
como produto, o cinema realizado em Pernambuco permite dialogar com temas
universais, transpondo a barreira do nacionalismo, característica presente em outras
fases do cinema mundial e fortemente presente na cultura do recente ciclo
pernambucano. Assim, podemos afirmar que essa nova safra do cinema feito em
Pernambuco ultrapassa as fronteiras nacionais e regionais, no que tange os elementos
presentes na obra de arte, ao discutir temas complexos em escalas macroespaciais
(FRANÇA, 2003).

Assim sendo, a produção de filmes realizados em Pernambuco nos instiga a


investigação sobre o poder que a imagem exerce enquanto representação sobre a
paisagem e de que modo os seus autores enquanto produtores dessas imagens se
relacionam com o espaço geográfico e estabelecem as suas marcas na paisagem.

OBJETIVOS

A busca por compreensões em torno de símbolos na paisagem recifense através


de obras de arte vem sendo constante diante da vasta produção de imagens surgidas em
Recife durante o último decênio. Contudo, como instrumento de comunicação de massa
e de alto poder reflexivo, o cinema em Pernambuco possui como característica um
caráter autoral, divergindo da lógica mercadológica de produção e distribuição de
filmes no território brasileiro, e, consequentemente, vem recebendo menções honrosas
em diversas partes do mundo por assumir de maneira comprometida os princípios que
uma obra de arte tem sobre a sociedade. E a geografia com tudo isso? Na geografia,
alguns trabalhos vêm sendo realizados sobre a relação do cinema com geografia sob

destaque ao conquistar vários prêmios dos festivais mais importantes do Brasil. "O Som ao Redor", de
Kléber Mendonça Filho, foi o vencedor do Prêmio Redentor da Première Brasil, no Festival do Rio 2012,
"Era uma vez eu, Verônica", de Marcelo Gomes, e "Eles Voltam", de Marcelo Lordello, dividiram o
Candango de Melhor Filme no Festival de Brasília. A conquista mais recente foi de "Tatuagem", estreia
de Hilton Lacerda na direção, que ficou com o Kikito de Melhor Filme no Festival de Gramado deste
ano”.
Fonte: http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2013/09/20/disputar-vaga-no-oscar-da-valor-ao-filme-
diz-diretor-de-o-som-ao-redor.htm, acessado em 10/10/2013.
diferentes perspectivas4, de modo que o campo estudo nesta temática mostra-se fértil no
que tange as representações iconográficas sobre a o espaço geográfico. Ressalta-se que
o estudo objetiva discutir e analisar obras da cinematografia pernambucana que tragam
os elementos da cidade em sua narrativa, provocando uma discussão em torno da
paisagem urbana do Recife. Ainda, propõe-se um estudo de imagens calcado nas bases
teóricas do campo da geografia cultural que compreendemos como melhor referente
teórico para o estudo sobre imagens na geografia.

METODOLOGIA

Partimos do pressuposto pensado e aplicado para o estudo analisar filmes que


compõem a cinematografia pernambucana capaz de elucidar a análise sobre a paisagem
urbana da cidade do Recife.

Filmes que discutem a cidade perfazem uma marca na recente cinematografia


pernambucana, uma vez que estas reflexões partem da relação do autor (diretor do
filme) com o meio ao qual ele habita, no caso dessa pesquisa, a cidade.
Consequentemente, são numerosas as contribuições que exprimem a relação entre a
obra e a cidade, partindo de inúmeras variantes quando nos referimos à estrutura
narrativa das obras, nos possibilitando uma imersão nos estudos cinematográficos de
modo a colaborar para a compreensão geográfica em torno do espaço fílmico e suas
nuances. Todavia, temos nos materiais iconográficos (filmes, fotografias, vídeos,
matérias de jornais, etc.) um precioso contingente de documentos de pesquisa
(LOIZOS, 2008) para o desenvolvimento do estudo aqui escrito além da revisão
bibliográfica consultada durante o percurso da investigação no que consiste em uma
ampla pesquisa que envolva os seguintes campos do conhecimento: geografia, cinema e
estudos de imagem. Para tanto, o aporte teórico necessário para o percurso da
investigação consiste na bibliografia produzida pelo campo da geografia cultural, a
partir da sua renovação, na década de 1970, por pensadores como Denis Cosgrove

4
Ver trabalhos de AZEVEDO (2009), MAIA FILHO (2008), COSTA (2005) e OLIVEIRA JÚNIOR
(2012).
(2004), Paul Claval (1999), dentre outros. Ainda, refletindo sobre os conceitos pensados
para o norte desta pesquisa, compreendemos como elemento de importância maior a
utilização e apropriação do conceito de paisagem sob a perspectiva da geografia
cultural.

Cosgrove (2004,2008) nos permite pensar sobre os elementos presentes nas


paisagens humanas e, assim, encontrarmos as geografias existentes nestas paisagens
cotidianas. Uma ideia chave em seu pensamento é que a paisagem consiste em uma
maneira de ver socialmente circunscrita. Podemos dizer que, com esta contribuição,
Cosgrove nos legitima quando propomos a análise geográfica da paisagem em obras
cinematográficas, advertindo, porém, que a geografia se encontra também nas formas
menos visíveis de representação. Portanto, o aparato fílmico nos remete a sua reflexão.

Já na contribuição de Berque sobre o conceito de paisagem destaca os elementos


para a análise em Geografia Cultural, Paisagem como Marca (aquilo que fica registrado
no espaço) e Paisagem como Matriz (o que as coisas registradas no espaço nos
conduzem a ver), sobretudo nas relações entre sociedade e natureza. Uma paisagem
cinematográfica fica obviamente “impressa” na mente dos espectadores, passando a
partir daí a imprimir novos modos de ver, usar e valorizar o espaço representado pelo
filme, num processo contínuo. Vale considerar a paisagem como objeto de estudo em
todas as ciências humanas e sociais como ressalta o próprio autor.

“Neste sentido, todas as ciências humanas e sociais têm a


ver com o estudo da paisagem do ponto de vista cultural. Se ela
deve se alimentar de sua contribuição (em diversos graus,
segundo a especialização de cada um), a geografia cultural,
certamente, não tem a pretensão de fazer a síntese de todas essas
abordagens (nem tampouco de monopolizar o objeto
“paisagem”) (p. 87)”.

Ainda, utilizamos como aporte teórico sobre o estudo da paisagem a coletânia de


seis ensaios sobre paisagem e geografia apresentados por Jean-Marc Besse (2006), e
aqui referenciada como mais uma bibliografia basilar do projeto. Uma ideia importante
em Besse, que recupera várias correntes do pensamento, é que a paisagem não se
resume a uma representação, estando imbuída das especificidades (pessoais,
profissionais, de classe) daqueles que a representam. Neste sentido, as representações
paisagísticas buscam expressar uma fisionomia do mundo, uma morfologia existente no
território, estando apoiada nas habilidades e valores de quem as constroem e interpretam
– a aplicação ao universo das paisagens cinematográficas é, assim, bastante útil.

RESULTADOS PRELIMINARES

Até o presente momento, buscamos analisar a obra cinematográfica em sua


totalidade. Da origem do argumento até a distribuição do filme para o mercado e
festivais. Por quê a totalidade da produção? Compreendemos que para a produção
cinematográfica o processo do argumento é de suma importância para o produto final,
pois é nele que surgem as primeiras ideias em torno do que virá a ser filmado e se
constitui como texto passando por uma lapidação durante o roteiro. Ainda, durante todo
o processo de produção, compreendemos o processo de filmagem colabora
substancialmente no processo fílmico, uma vez que cada enquadramento obtido pelo
autor se refere a uma intencionalidade partida de suas leituras e vivências no espaço.
Ainda, sobre a posição dos quadros, podemos nos reportar aos padrões de intenção na
definição dos quadros (BAXANDALL, 2006) ao observarmos os posicionamentos de
câmeras para cada tomada de cena. Ou seja, para cada tomada existe uma
intencionalidade em volta. Não precisamos nos restringir apenas ao cinema, outros
exemplos já foram estudados pela geografia assim como por outras áreas do
conhecimento. O debate em torno das reproduções imagéticas por parte da geografia é
amplo, e para este projeto nos pautaremos em torno da leitura dessas imagens por parte
do cinema.

Quando pensamos nos atributos contidos na paisagem, compreendemos a leitura


em torno da paisagem como uma leitura simbólica (COSGROVE, 2004), significada de
vários elementos da cultura de uma sociedade. No caso do cinema, os filmes até agora
analisados nos possibilitam observar enquanto pesquisador e espectador as simbologias
eminentes na paisagem urbana da cidade e suas tensões imbricadas na narrativa.
Construindo, portanto, um mapa cinematográfico do Recife através dessas imagens
icônicas proporcionadas pelo cinema.

É importante salientar que para o nosso caso, o estudo sobre a paisagem


geográfica inserida no espaço fílmico (leia-se cinema feito em Pernambuco) propõe uma
série de indagações no que concerne o debate entre geografia x cinema, atribuindo
acepções oriundas do campo da geografia cultural quando se tenta compreender a
espacialidade da cultura. Todavia, percebe-se que o cinema, nesta perspectiva, possibilita
a compreensão do papel da memória e dos diferentes imaginários geográficos na criação
das imagens de lugar à na construção das paisagens culturais (AZEVEDO, 2009). Isso
leva em conta o olhar do realizador e sua gama de valores disponíveis em sua cultura, ou
referentes ideológicos (BERDOULAY, 2012), na construção da narrativa, refletindo
diretamente no comportamento do espectador enquanto consumidor do produto cultural
(TURNER, 1997).

Para tanto, o percurso que adotamos até o momento como atividade de campo
que consiste no acompanhamento de obras lançadas durante o ano de 2013 pela
cinematografia pernambucana, através de festivais de cinema ou lançamentos no circuito
comercial de exibição. Nisso, percebemos da observação do público o estranhamento e
reconhecimento de si dentro de algumas filmografias produzidas em Pernambuco. Ainda,
de acordo com certos momentos, a recepção ultrapassa os limites do reconhecimento do
outro chegando a momentos de euforia, caso visto no curta “Em Trânsito” (2013).
Consideramos a ocasião como momento marcante na discussão em torno de um projeto
de cidade. Certa vez que o próprio autor, o diretor Marcelo Pedroso, tenha em sua
filmografia filmes que remetam a discussão política, a ocasião marca como ponto central
a discussão em torno da cidade. Ainda, percebemos que a maneira como a imagem
reverbera nas pessoas através dos dispositivos sensoriais que o cinema oferece repercute
diretamente com a sua atuação enquanto sujeito da cidade. Portanto, nos evidencia cada
vez mais o que Turner se refere ao cinema como prática social quando presenciamos tais
situações vividas durante o trabalho de campo. Podemos relacionar esse tipo de
observação aos estudos de comunicação de massa e relacioná-los a reprodução do espaço
geográfico por compreendermos o papel da imagem como mediador do moderno e do
retrógrado, ou seja, a imagem legitima o discurso do seu autor de acordo com o contexto
histórico ao qual se reproduz a imagem e a sua intencionalidade.

Então, conclui-se que tais formas de representações em torno da paisagem por


parte dos diversos atores coadunam com o que pensamos sobre paisagem cultural. A
paisagem cultural existe de fato como um conjunto de crenças e atitudes carregada de
significados pelas práticas sociais (WYLIE, 2007, p.110-111), dentre as quais pode ser
incluído o ato de fazer e assistir filmes sobre certo território. Como afirma Wylie, um
discurso da paisagem em dado lugar e época vai permitir e endossar certas maneiras de
comportamento, percepção, descrição e representação, ao mesmo tempo em que vai
censurar ou prescrever outras maneiras de lidar com o espaço. Os filmes sobre/feitos em
Recife podem ser tomados, por conseguinte, enquanto discursos que tentam estabelecer e
dialogar com paisagens culturalmente endossadas ou contestadas. Como exemplo, o
filme Praça Walt Disney tece uma crítica ácida à morte dos espaços públicos pela
impossibilidade de acolher os habitantes, aprisionados no padrão arranha-céu e
automóvel, presente em áreas de alto padrão aquisitivo. A mesma questão reaparece em
Recife Frio, com o acréscimo do shopping center na equação.
Destarte, com o desvendar dos estudos de cinema em torno da paisagem e
justapor às teorias provindas da geografia encontramos interessantes estudos realizados
pelos pesquisadores Denilson Lopes (2010, 2013) e Andréa França (2003,2010) que
problematizam uma questão inerente à produção audiovisual mundial: as
territorializações e paisagens no cinema. Diante desta discussão percebemos ao olhar os
filmes que fazem parte do corpus desta pesquisa paisagens ditas por Lopes,
transculturais, por agregarem hibridismos em sua conjunção da cultura mundial. De
acordo como Lopes a paisagem ultrapassa o âmbito do espaço local percebido, mas
dialoga diretamente com as relações de poder existentes em diferentes países. A
paisagem sonora contemporânea e a boa recepção dos filmes estudados em outras
paragens (inclusive no âmbito internacional) reforçam essa tese. Ainda, ao pensarmos a
paisagem transcultural pensada por Denilson Lopes, encontramos embasamento
necessário com o dizer de França (2003) quando pensa a fronteira não apenas como
demarcadora e separadora dos espaços, mas como criadora de novos espaços:

O cinema inventa espaços de solidariedade


transnacionais, espaços que ensejam uma espécie de adesão
silenciosa. O cinema tem a potência de acentuar a singularidade
de uma comunidade de diferentes. (FRANÇA, 2003, p. 25).

Todavia, ao pensarmos essas paisagens transculturais no contexto da geografia,


mais especificamente na geografia cultural, nos atrevemos a reafirmar o pensamento de
Caio Maciel (2012) ao asseverar sobre o poder que as imagens têm de evocar a
diversidade e a estabilidade dos contratos sociais acordados em espaços públicos;
portanto, podem ser consideradas metonímias geográficas, imagens de um consenso
possível, senão ideal. Ainda, essa hipótese de antecipações cognitivas via paisagens
simbólicas (metonímicas) se apoia na capacidade dos indivíduos inscreverem seu
cotidiano em esferas territoriais mais vastas que o lugar, do mesmo modo que são
capazes de partir de recortes mais amplos para integrar os espaços imediatos da
existência. A noção de paisagem permite-nos captar que uma das mais fortes
determinações semânticas do imaginário geográfico reside na seleção de certos atributos
do mundo ao redor: tais predicados são colocados em primeiro plano e acabam mesmo
por designar inteiramente a realidade ao qual querem se referir. Assim, esse
procedimento mental metonímico indica de modo claro que as paisagens mobilizadas
através de diversas sensibilidades e narrativas podem ser consideradas enquanto
esquemas de antecipação cognitiva do real. Do mesmo modo, isto nos ajuda a relativizar
o potencial “manipulador” de paisagens simbólicas e obras fílmicas, uma vez que a
retórica sempre envolve disputas, debates e contestações, de modo que as plateias
jamais serão totalmente passivas diante da persuasão da imagem. Filmes como Um
Lugar ao Sol usam desse potencial geossimbólico de paisagem icônicas para debater
questões que, profundamente plantadas no Recife, transcendem seu território (no caso,
podemos citar o arranha-céu, a beira-mar, os grandes panoramas urbanos vistos de
muito alto, o interior de apartamentos de pessoas endinheiradas, etc.).

Para isso, com a diversa gama de discussões em torno do artefato imagético


enquanto produto de uma sociedade, compreende-se que as etapas até aqui pesquisadas
propiciam um complexo debate no que tange à espacialidade da cultura e a partir dos
dispositivos de comunicação, inúmeras são as tensões disseminadas na cultura de massa
em torno da paisagem. O cinema não se exclui desse grupo, ao contrário, se insere com
papel importante por se caracterizar como produto de experiência coletiva e ao mesmo
tempo pessoal. Portanto:

A realidade vista nos filmes geralmente nos remete a


interrogar a questão paisagística, não importando qual conotação
discutida. Como em alguns casos, o cidadão, vivente do espaço
urbano, só percebe esta paisagem ao seu entorno quando se
depara com representações dessa paisagem em dispositivos de
massa, como o cinema. Portanto, o cinema ao mesmo tempo em
que constitui-se como prática social, reflete novos olhares
quanto à reprodução do espaço em suas narrativas, conduzindo
através de dispositivos sensoriais (imagem, som) percepções
daquele espaço que, em alguns momentos, é diluído pelo
espectador, fruto da reprodução intensa do espaço (BARBOSA e
QUEIROZ, 2013, p. 18).

E nessa condição, encontramos na geografia um imenso campo para


visualização e percepções sobre a instâncias da imagem. Qual a sua intencionalidade?
Qual o seu contexto para sua produção? E com o cinema, percebe-se através da
imagem-movimento os recursos disponíveis na contação da história, sem perder o seu
caráter crítico e poético.

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MASCARO, Gabriel. Avenida Brasília Formosa. [Filme-Vídeo]. Produção de Gabriel


Mascaro, direção de Gabriel Mascaro. Recife, 2010. Digital, 85 min. Documentário.
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