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EXPEDIENTE

Primeira Igreja Batista em Divinópolis-MG


Pastor-Presidente: Pr. Tarcísio Farias Guimarães

Área Ministerial de Formação Cristã


Pr. Petrônio Almeida Borges Júnior

PALAVRA VIVA
Revista de estudos bíblicos para jovens e adultos.
Publicação semestral.

Coordenação Editorial Pr. Petrônio Almeida Borges Júnior

Supervisão Geral Pr. Tarcísio Farias Guimarães

2021 – Ano IV – Nº 01
Evangelho de Mateus – Jesus é o Deus presente para sempre

Autor Pr. Petrônio Almeida Borges Júnior

Revisão
Metodológica Profª Thaís Paiva Porto de Souza
Teológica/Didática Profº Fabiano Nogueira Cortez
Teológica/Ortográfica Pr. Tarcísio Farias Guimarães

Capa Gabriel Cortez

Filiada à Convenção Batista Brasileira,


Convenção Batista Mineira
e Associação das Igrejas Batistas do Oeste de Minas

Telefone: (37)3222-9664 | (37)3221-1910


Endereço: Rua Pernambuco, 454 - Centro. Divinópolis / MG | 35.500-008
E-mail: pibdiv@hotmail.com | Site: www.pibdiv.org
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO

1 MATEUS: O EVANGELHO DO REINO..............................................................04

2 A CHEGADA DO REI-MESSIAS (1:1-2:23)........................................................13

3 O INÍCIO DO MINISTÉRIO (3:1-4:25)..............................................................23

4 A VIDA NO REINO DE DEUS (5:1-7:29)...........................................................33

5 O PODER EXTRAORDINÁRIO (8:1-9:34)..........................................................43

6 A MISSÃO DOS APÓSTOLOS (9:35-11:1)........................................................50

7 A REJEIÇÃO DOS RELIGIOSOS (11:2-12:50; 13:53-16:12)..............................59

8 AS PARÁBOLAS DO REINO (13:1-52).............................................................68

9 IGREJA: A COMUNIDADE DO MESSIAS (16:13-19:02)...................................78

10 O CONFRONTO COM OS RELIGIOSOS (19:3-23:39).......................................89

11 A CONSUMAÇÃO DO REINO (24:1-26:1a)...................................................100

12 A MORTE DO MESSIAS-SERVO (26:1b-27:56)..............................................111

13 A RESSURREIÇÃO DO REI-MESSIAS (27:57-28:20).......................................122

REFERÊNCIAS
APRESENTAÇÃO

O Evangelho de Mateus é o primeiro livro que encontramos no Novo


Testamento. O seu conteúdo é indispensável para quem deseja conhecer a origem
do Cristianismo e sua mensagem. Jesus Cristo é o grande tema do Evangelho de
Mateus, que é conhecido como “O Evangelho do Reino”.
Nesta Revista, a partir daquilo que Deus permitiu a Mateus conhecer,
estudaremos a natureza, a identidade e a missão de Jesus. O reconhecimento de
Jesus como o Messias esperado por Israel e providenciado à humanidade, bem
como do Reino que Ele implantou em sua vinda à habitação dos homens, é o alvo
que tencionamos atingir ao final do estudo de 13 lições.
Mais uma revista de estudos bíblicos é entregue à Igreja de Cristo por meio
do trabalho educacional realizado pela Primeira Igreja Batista em Divinópolis. A
partir do diagnóstico empreendido pela Área Ministerial de Formação Cristã,
quatro membros da nossa Igreja trabalharam para fazer chegar às suas mãos esse
conteúdo e, em oração, acompanharão o compartilhamento das verdades eternas
aqui veiculadas e revisadas.
O autor das lições, a quem somos muito gratos e por quem oramos
incessantemente, é o Pr. Petrônio Almeida Borges Júnior, obreiro que integra a
Equipe Pastoral da nossa Igreja. Graduado em Teologia, Letras e Educação Cristã,
ele tem servido ao Senhor junto à sua esposa, Anamaria Borges, e suas duas lindas
filhas, Mariana e Poliana Borges. Seu Ministério tem sido marcado pelo ensino
bíblico e didático, com anúncio persistente de que “é chegado o Reino de Deus
sobre vós” (Mateus 12:28).
Com entusiasmo e gratidão ao Senhor Jesus Cristo,

Pr. Tarcísio Farias Guimarães


Lição 01
MATEUS: O EVANGELHO DO REINO

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Conhecer as principais “Livro da genealogia de Segunda Mt 1:1-17


informações sobre o Jesus Cristo, filho de
Terça Mt 5:1-12
Evangelho de Mateus, Davi, filho de Abraão”.
especialmente o Quarta Mt 9:35-38
(Mateus 1:1)
propósito para o qual foi
escrito. Quinta Mt 16:13-20

Sexta Mt 27:33-44

Sábado Mt 28:16-20

INTRODUÇÃO

O Novo Testamento é um testemunho de que o único Deus Vivo e


Verdadeiro revelou-se plenamente na pessoa histórica de Jesus de Nazaré. Assim
como acontece no Antigo Testamento (AT), afirma que há um só Deus e d’Ele vem
a salvação. Agora, revela que, em Jesus Cristo, o próprio Deus Encarnado veio
para que a humanidade encontrasse a vida na restauração do relacionamento
com Ele e, assim, pudesse desfrutar da libertação do pecado e de todas as formas
de opressão. Para melhor compreender esta verdade, o estudo do Evangelho de
Mateus é indispensável. A posição ocupada por este livro na abertura do Novo
Testamento é, em si mesmo, um fato histórico que confirma esta relevância. Por
isso, J. Vernon McGee (2020, p.4) destaca aquilo que o cético francês Ernest
Renan disse sobre este Evangelho: “o livro mais importante da cristandade - o
livro mais importante que já foi escrito”. O Evangelho de Mateus é, portanto, um
documento primitivo de suma importância para o estudo bíblico e válido também
como fonte histórica primária sobre a pessoa e a obra de Jesus Cristo.

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O APÓSTOLO EX-PUBLICANO

O Evangelho de Mateus é anônimo, sem assinatura. Mas a tradição


confiável mais antiga (Séculos II a VII) é unânime em conectá-lo ao Apóstolo
Mateus (que é o mesmo Levi, filho de Alfeu), um ex-publicano (Mt 9:9-13).
Estudiosos modernos admitem ser plausível a hipótese de Mateus ter compilado
documentos primitivos contendo discursos de Jesus e narrado a história de
acordo com sua experiência. Ele teria sido escrito em língua semita (Hebraico ou
Aramaico) e, depois, traduzido para o grego por membros de uma igreja local.
Contudo, “apesar de existirem outras teorias mais recentes sobre a autoria de
Mateus, não há razão convincente para duvidar dessa tradição eclesiástica
antiga” (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1270).

O publicano era um coletor de impostos que trabalhava sob comissão para


as autoridades romanas (Mc 2:19; Lc 5:27; Mt 9:9) e, comumente, acrescentava
uma sobretaxa (muitas vezes exorbitante) para manter a sua margem de lucro. Os
cobradores de impostos referidos no Novo Testamento (NT) geralmente não eram
os detentores dos contratos fiscais em si, mas contratados subordinados que
eram frequentemente moradores locais. Uma vez que trabalhavam para Roma
(mesmo indiretamente), eram vistos como traidores de seu próprio povo e, por
isso, hostilizados. De fato, o sistema oferecia muitas oportunidades de
desonestidade e ganância, ambas frequentemente associadas a coletores de
impostos locais (NET BIBLE, 2020). Mateus chegou a possuir uma condição
financeira privilegiada ao tempo em que se encontrou com Jesus. Sinal disso foi o
banquete oferecido ao Mestre e seus amigos em sua casa (como podemos
conferir em Mt 9:9; Mc 2:13-14 e Lc 5:27-28).

Embora Mateus tenha usado o Evangelho de Marcos como base (661


versículos em comum) ou, pelo menos, a mesma fonte. O material, que é peculiar
apenas ao Evangelho de Mateus não deixa dúvida de que o seu autor tenha
conservado informações em detalhes que foram vividas exclusivamente por ele
(CHAVES, 2002, p. 29). Depois, o livro foi posto na forma grega pela comunidade
que o recebeu. O texto foi, então, transmitido, preservando o nome original,
assim como chegou até os nossos dias (CHAVES, 2002, p.23). Esta compreensão
em nada invalida a inspiração do Evangelho, antes a fortalece, por mostrar a ação

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da multiforme graça de Deus, usando de todos os meios para que a verdade
bíblica fosse proclamada.

QUANDO E ONDE?

Mateus escreveu seu Evangelho em um período próximo aos


acontecimentos ligados à guerra judaico-romana que culminou com a destruição
do templo de Jerusalém. Havia nesta época uma forte expectativa da chegada de
um messias político, descendente do rei Davi, com poderes militares capazes de
destituir a dominação pagã sobre os judeus. Esse Messias guerreiro seria também
um grande profeta e mestre religioso que, por meio da nação de Israel,
governaria o mundo trazendo a paz e a prosperidade às nações.

A utilização do termo “igreja” em Mateus demonstra um uso consolidado


por conta da circulação das epístolas paulinas. Esta constatação torna provável
que o livro tenha sido escrito no início da década de 70 do primeiro século, sendo,
portanto, posterior aos escritos do apóstolo Paulo. Contudo, muitos biblistas
concordam que não faria sentido a ênfase judaica do livro para uma comunidade
cristã depois da destruição do Templo e da cidade de Jerusalém. Dessa forma,
eles dataram Mateus para antes do ano 70 d.C., mais provavelmente entre 60 e
68 d.C. (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDOS, 2016, p.1270). Embora as evidências
para as duas posições estejam equilibradas na pesquisa acadêmica, cremos ser
mais provável que o Evangelho de Mateus tenha sido escrito na década de
sessenta, depois do Evangelho de Marcos (que deve ter sido escrito pouco depois
da década de quarenta)

O local de composição de Mateus pode ser suposto a partir das suas


evidências internas, ou seja, as referências que o próprio texto faz aos fatos da
época. Eventos como a perseguição aos cristãos por Nero (64 d.C.) e a
perseguição desenvolvida por Diocleciano na década de 90 d.C., ambos
imperadores romanos, não aparecem explicitamente no texto, o que pode indicar
que o autor estava longe de Roma quando escreveu. Além disso, os pais da igreja
enfatizaram, como lembramos acima, a origem semita deste evangelho.

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O uso da linguagem semita, na maioria das vezes sem tradução ou
explicação, demonstra que ele escreveu para um contexto judaico:

5:22 – rhaka, em grego; uma transliteração do aramaico; vazio, i.e., sem


sentido; cabeça-oca; termo de repreensão usado entre os judeus na época;

6:24 – mammonas, em grego; outra transliteração; Mâmon; personificação


da riqueza em oposição a Deus;

27:6 – A expressão traduzida como Campo de Sangue é indicada por Lucas


em Atos 1:19 como uma palavra em língua local (hebraico ou aramaico –
aceldama)

Por isso, a Palestina seria, naturalmente, o lugar aceito como origem, mas
considera-se mais especificamente o litoral da Síria devido às evidências
linguísticas. A ausência de qualquer indicação da identidade dos seus
destinatários pode significar que o autor redigiu seu Evangelho no contexto da
própria igreja destinatária. A cidade provável para se encontrar uma comunidade
cristã de origem judaica na época era Antioquia da Síria (BÍBLIA BRASILEIRA DE
ESTUDOS, 2016, p.1271).

ESQUEMA 01 – Autoria, datação e local de escrita do Evangelho de Mateus

A tradição antiga mais confiável


atribui ao Apóstolo Mateus (também
chamado de Levi);

Antes do ano 70 d.C. (pouco depois


do Evangelho de Marcos começar a
AUTOR
circular);
DATA
Palestina (mais especificamente o
LOCALda Síria);
Litoral

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O TEMA CENTRAL

O assunto principal de Mateus é a chegada do Reino de Deus entre os


homens. “Mateus é chamado de ‘Evangelho do Reino’ visto que a preocupação
central do livro é apresentar Jesus Cristo como o Messias prometido a Israel, para
implantar o Reino de Deus ente os homens” (CHAVES, 2002, p.17). Para Mateus,
este Reino já havia chegado na pessoa de Jesus. Por meio do emprego de títulos
referentes à sua natureza, identidade e missão, o evangelista o apresenta como
humano e divino, Salvador e Senhor.

Os principais títulos usados foram: Cristo (Mt 1:1; 16:16), Filho de Davi, Filho
de Deus (8:29; 27:54) e Filho do Homem (8:20; 26:2); este último, preferido por
Jesus ao falar de si mesmo em terceira pessoa. Segundo Irênio Silveira Chaves
(2002, pp.36-37), Mateus faz uso deste título em três categorias: a sua condição
terrena (Mt 8:20), a sua condição como Servo Sofredor (17:12;22) e a perspectiva
escatológica (Mt 24:30; 25:31; Dn 7:13). Messias (em hebraico, Mashiach) ou
Cristo (em grego, Christos), contudo, é o título mais importante usado por Mateus
para identificar Jesus, considerando como pano de fundo o messianismo,
indispensável para entender o pensamento judaico ao tempo do seu ministério
terreno.

Mateus ensinou aos judeus do seu tempo que o Messias era o Rei (Mt 2:2;
27:29), Filho de Davi, que veio inaugurar o Reino de Deus (3:2; 4:17). Este reino,
que já foi inaugurado na primeira vinda de Jesus, será manifestado plenamente
na sua volta, no fim dos tempos. O Reino de Deus (em grego, Basileia) é a esfera
do domínio de Deus desde aqui até a eternidade, com a esperança de intervenção
futura de Deus (24:14). A entrada nesse Reino se dá através do arrependimento,
que representa a adoção de uma nova ética que Jesus veio ensinar (4:17).

Este Reino é chamado por Mateus de “Reino dos céus”. Sobre o uso da
expressão “Reino dos Céus”, preferida por Mateus (32 vezes), em vez de “Reino
de Deus” (4 vezes), pode tratar-se apenas de uma escolha estilística tendo em
vista os destinatários judeus e a observância do terceiro mandamento, que
ordenava não tomar o nome de Deus em vão (Êx 20:7). “Comparando o uso nos
demais evangelhos sinóticos (Marcos e Lucas), a preferência entre um termo ou

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outro não é relevante. Trata-se da mesma realidade e possui o mesmo significado
em qualquer situação” (CHAVES, 2002, p.39).

A ESTRUTURA DO EVANGELHO

Embora não tenha sido o primeiro a ser escrito, seus temas proporcionam
uma excelente transição entre o Antigo e o Novo Testamento, mostrando que a
vida e o ministério de Jesus cumprem as profecias e as expectativas a respeito do
Reino de Deus. “Dessa forma, Mateus faz o papel de ‘meio de campo’,
estabelecendo transição entre o AT e o alvo final de Deus na história da redenção
da humanidade em Jesus Cristo” (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1269).

O Evangelho de Mateus foi estruturado em torno do seu objetivo didático


de ensinar os judeus sobre o propósito messiânico de Jesus, de ser o Salvador de
todos os homens, indistintamente. Por isso, Jesus é apresentado como “Mestre”
que provoca grande admiração (Mt 7:28-29) quando apresenta sua interpretação
da Lei. Muito além de um simples Mestre, Jesus é apresentado como o Profeta
com autoridade superior ao próprio Moisés, através de quem o povo hebreu
recebera a Lei (5:22). Como Moisés, Jesus saiu do Egito, passou pelas águas do
batismo e ficou no deserto por quarenta dias; depois, vai até o topo de uma
montanha para transmitir o seu ensino.

Mateus está mostrando que Jesus era aquela figura prometida que seria
maior do que Moisés (Dt 18:15). Ele libertaria Israel da escravidão, daria um novo
ensino divino, salvaria o povo dos seus pecados e estabeleceria uma Nova Aliança
entre Deus e seu povo (THE BIBLE PROJECT, 2020). As cinco partes principais do
livro apontam para Jesus como um Mestre ao lado dos cinco livros de Moisés,
sendo assim, a nova autoridade da Aliança que vai realizar a história do
Pentateuco (Torah, em hebraico: Instrução).

A estrutura do livro está baseada nestas cinco claras seções, que são
concluídas com cinco grandes discursos ou longos blocos de ensino de Jesus:

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 O sermão do monte, que trata da ética do Reino (caps. 5-7);
 O sermão de comissionamento dos discípulos (cap. 10);
 A sequência de parábolas do Reino, que trata da soberania do Senhor
(cap. 13);
 O sermão da humildade, que apresenta disciplinas eclesiásticas (cap. 18);

E o sermão escatológico, que trata do juízo de Deus e da consumação futura


do Reino (caps. 23-25) (BRUCE, 2008, p. 1071).

O evangelista usou uma fórmula para sinalizar essas unidades e fazer a


transição de cada discurso: “Quando Jesus acabou de proferir estas palavras” (ou
declaração semelhante) em 7.28; 11.1; 13.53; 19.1; 26.1.

O PROPÓSITO DO TEXTO

Para entender o propósito de um Evangelho, precisamos primeiro


compreender o que é, de fato, um Evangelho. Os Evangelhos não devem ser
definidos como obras biográficas e sim como testemunhos. E Mateus não estava
interessado, tampouco, em escrever uma biografia de Jesus. Ele quis mostrar que
Jesus é o Messias prometido, esperado pelos judeus, para realizar aquilo que o
homem não pode fazer por si, que é a salvação eterna (CHAVES, 2002, pp. 25-26).

Mateus escreveu com o objetivo de provocar uma mudança na perspectiva


messiânica limitada a um senhor guerreiro e ensinar que Jesus era o verdadeiro
Messias porque, conforme as profecias do AT, veio para demonstrar a
misericórdia de Deus sobre a humanidade, sendo o Servo Sofredor. A cruz,
contraditoriamente, seria o seu maior testemunho de poder e realeza. Tendo em
mente a esfera do cristianismo judaico, Mateus apresentou Jesus como o
cumprimento das esperanças do AT. Isso fica evidenciado no uso da expressão
“para que se cumprisse o que o Senhor declarou pelo profeta” (1:22; 2:15; 17; 23;
4:14; 8:17; 12:17; 13:25; 21:2; 27:9). A cristologia do Evangelho de Mateus (como
o evangelista ensinou sobre Cristo) revela a intenção de Deus de que todos os
povos sejam alcançados pela sua salvação (Mt 28:19). Esta visão escandalizaria
qualquer contemporâneo da paixão e morte de Jesus. Por isso, o Evangelho de

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Mateus causou tanto impacto nas primeiras comunidades cristãs. Era a revelação
de Deus sobre o Seu Filho, contrariando todas as expectativas.

CONCLUSÃO

O Evangelho de Mateus é o testemunho do apóstolo ex-publicano sobre seu


Mestre Jesus Cristo, o Rei Messias que veio para inaugurar o Reino dos Céus.
Mateus quis mostrar que Jesus é a continuação e a realização de toda a história
bíblica sobre Deus e Israel. Para o evangelista, Jesus é o Messias da linhagem de
Davi (2 Sm 7:1-29), um novo mestre de autoridade superior a Moisés (Dt 18:15) e
que, sobretudo, Ele é Deus conosco (Emanuel, em Hebraico - Is 7:14) (BIBLE
PROJECT PORTUGUÊS, 2020).

Ele escreveu entre judeus, na linguagem dos judeus, uma mensagem


universal: o Salvador chegou. Apresentou as boas novas do Reino para todos,
mostrando como o Senhor cumpriu tudo que sobre Ele fora profetizado e como
ele convida todas as nações para conhecerem o seu ensino sobre o
relacionamento que Deus quer ter com todos os que creem. Desta forma, Deus
estava cumprindo as suas promessas do passado, de uma aliança sustentada pela
sua graça, e demonstrando todo poder ao encarnar na história humana para
trazer a salvação. O mais extraordinário, apresentado logo na introdução da obra,
é o agir de Deus a partir das histórias de fraquezas e fracassos do seu próprio
povo.

Hoje, não é mais possível, não há mais necessidade e nem temos


autorização para escrever outro Evangelho. Mateus nos ensina, no entanto, que
devemos viver e anunciar o Evangelho do Reino. Através do arrependimento e da
fé, entramos nesta nova dimensão da vida e assumimos a ética vivida e ensinada
por Jesus. Ele está vivo e voltará para consumar o seu Reino Eterno. Até lá, somos
comissionados a levar esta boa notícia a todos os povos. “E será pregado este
evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então,
virá o fim” (Mt 24:14).

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QUESTÕES PARA ESTUDO

1) O estudo da Bíblia no seu contexto histórico e linguístico anula a sua


compreensão como Palavra Inspirada e Inerrante?

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______________________________________________________________

2) O que é um “Evangelho” e qual o seu propósito?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

3) Mateus pode ser devidamente compreendido sem considerar o fator da fé


em Jesus Cristo como “Filho de Deus”?
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______________________________________________________________

4) Mateus escreveu no Evangelho o seu testemunho pessoal do encontro com


Cristo. Qual é a importância do testemunho pessoal do cristão hoje?
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5) Mateus pode ser datado de acordo com o cumprimento de profecias de


Jesus. Qual é a importância do cumprimento de profecias bíblicas para a
nossa fé?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

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Lição 02
A CHEGADA DO REI-MESSIAS

Objetivo da lição Texto devocional Leituras diárias

Compreender que a “Eis que a virgem Segunda Mt 1:1-17


chegada de Jesus como conceberá e dará à luz
Terça Mt 1:18-25
Messias foi o um filho, e ele será
cumprimento da chamado pelo nome de Quarta Mt 2:1-12
promessa divina de Emanuel (que quer
salvação. dizer: Deus conosco)” Quinta Mt 2:13-15
(1:23)
Sexta Mt 2:16-18

Sábado Mt 2:19-23

INTRODUÇÃO

Mateus começa o Evangelho apresentando a genealogia de Jesus Cristo


como filho de Abraão e filho de Davi (1:1; 1-17;22-23). Quando narra como o
nascimento aconteceu, comenta que foi o cumprimento da profecia sobre a vinda
do Emanuel (Is 7:14). Depois, informa que Maria, sua mãe, estava prometida em
casamento a José, mas, antes de se unirem, achou-se grávida pelo Espírito Santo.
Eles não tiveram relações até que Jesus nascesse. José pretendia anular o
casamento secretamente para não expor Maria à desonra pública. Conhecendo a
lei acerca do adultério (Lv 20:10; Dt 22:22-27), ao deixar de fazer a denúncia, José
estava protegendo Maria da morte por apedrejamento. Mas, um anjo do Senhor
ordenou que a recebesse como esposa. O anjo disse que o Espírito Santo havia
gerado um menino que deveria ser chamado de Jesus, porque seria o Salvador
(1:18-25).

O segundo capítulo registra que Jesus nasceu nos dias do rei Herodes, mais
especificamente quando magos do Oriente chegaram a Jerusalém. Eles foram
informados que Belém era a cidade profetizada para o nascimento (Mq 5), sendo
conduzidos até o lugar onde estava Jesus por uma estrela e, ao chegarem,
adoraram o menino (2:1-12). Depois que os magos partiram, José foi avisado por

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um anjo, em sonho, para fugir com o menino e sua mãe para o Egito, onde ficou
até à morte de Herodes. Mateus viu nesse fato o cumprimento da profecia
descrita em Oséias 11:1 (1:13-15). Herodes mandou matar todos os meninos
menores de dois anos, de Belém e dos arredores, segundo o tempo informado
pelos magos (2:16-18). Este fato, segundo Mateus, cumpriu de forma tipológica a
profecia de Jeremias (Jr 31:15). Depois da morte de Herodes, o anjo apareceu
novamente a José ordenando-o que voltasse a Israel, para a região da Galiléia.

O PRÓLOGO DE MATEUS

O prólogo é o texto preliminar ou introdutório que antecede uma obra ou


documento. Nesta espécie de apresentação, o autor revela sua intenção autoral.
No caso de um Evangelho, aquilo que o autor tinha em mente quando foi
inspirado por Deus; quais os temas principais antecipados ao narrar os episódios.
No Evangelho segundo Mateus, o prólogo antecipa uma característica literária da
obra: a ênfase apocalíptica. Literatura apocalíptica, tecnicamente, significa um
estilo literário que trata da antecipação do reinado de Deus na história, em
sobreposição aos poderes humanos. Neste sentido, Mateus é um Evangelho
apocalíptico.

O prólogo de Mateus está em 1:1-25. No versículo 1, Jesus é apresentado


como Cristo (em grego: Christos; tradução do hebraico Mashiach). Cristo não é,
como muitos podem pensar, o sobrenome de Jesus; o termo significa “ungido” e é
o título de Jesus como Profeta, Sacerdote e Rei, pois, entre os judeus, profetas,
sacerdotes e reis eram ungidos ao entrar em seus cargos. O nome “Jesus” (Iesous,
em grego) possui um jogo de palavras em hebraico: Yeshu’a (Jesus) e Yoshu’a (ele
salvará), significando assim: “Javé é Salvação”. Jesus, em hebraico, é o mesmo
que Josué (Y ̂ehowshuwa). Ele é “filho de Davi” (2 Sm 7:11b-16) e “filho de
Abraão” (Gn 12:1-3); o Rei-Messias descendente de Abraão e da linhagem de
Davi, que representaria todo o povo de Israel e reinaria eternamente sobre todas
as nações. Ele é a alternativa ética, política e cultural, mas, sobretudo, espiritual
para todos os governos humanos marcados pelo pecado e mal.

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ESQUEMA 02 – Significado do nome “Jesus Cristo”

Iesous, em grego; Y ̂ehowshuwa, em hebraico;


JESUS "Javé é a Salvação".

Christos, em grego; Mashiach, em hebraico;


CRISTO "Ungido".

A expressão “livro da genealogia” (v.1), usada por Mateus no prólogo,


remete ao livro do Gênesis (2:4; 5:1; 10:1, 11:10, 11:27), para declarar que o
nascimento de Jesus é a continuidade da história da Salvação que começa com a
criação, passa pela queda e, por meio da família de Abraão, restaura a
humanidade ao propósito divino original. Uma genealogia na antiguidade oriental
tinha por função destacar a importância de uma pessoa por meio de poder e
influência dos seus antepassados. A questão central era a legitimidade. As
dinastias reais usavam genealogias para legitimarem um reinado atual. Mas, “a
Bíblia como um todo não poupa seus personagens. Longe de idealizar o ser
humano, a Bíblia é categórica em revelar os pecados até mesmo dos seus
principais nomes. Isso contraria a tendência literária da antiguidade, de exaltar os
soberanos” (COM TEXTO, 2020).

Conhecendo este processo de criação literária, Mateus, no caso de Jesus,


usa de ironia, por mesclar pessoas abençoadas, mas que cometeram sérios
desvios éticos: reis maus, muitas mulheres, inclusive uma prostituta (Raabe). O
próprio Abraão poderia ser considerado uma pessoa indigna por seu passado
idólatra. Mas, o que chama mesmo a atenção é o número de mulheres citadas
(Tamar – Gn 38:6; Raabe – Js 2:1; Rute – Rt 1:4; Bate-Seba – “da que fora mulher
de Urias” – 2 Sm 11:3), todas com questões étnicas e sexuais envolvidas em suas
histórias. A intenção do evangelista parece clara: Jesus é o Messias para as
nações! Ele carrega toda essa história e, como redentor divino e humano, começa
a sua obra a partir da sua própria origem genealógica, revertendo todos os danos
causados pelos seus antepassados. Através da atuação graciosa de Deus, a
história do povo retratada na linhagem do Messias é redimida. Para o biblista Luiz

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Sayão (2020), “A história da salvação é construída a partir dos cacos da história
humana”.

William Barclay (1984, p.16) comenta que a genealogia do Evangelho de


Mateus trata-se de uma lista mnemotécnica, ou seja, de maneira fácil de
memorizar. Ele explica que esta lista foi organizada em três grupos de quatorze
nomes cada uma. Além disso, Mateus fez uso de consoantes com valor numérico.
O nome ‘Davi’ em hebraico é composto de três consoantes, D W D, que
correspondem a 4, 6 e 4, respectivamente, cuja soma é 14, número de gerações
em cada uma das três listas, legitimando sua origem divina e humana, messiânica
e real.

Estes três grupos representam três etapas da história judaica. A primeira


etapa termina com Davi, o maior dos reis dos judeus; a segunda, com o exílio da
Babilônia, a vergonha e o desastre da nação israelita; a terceira etapa vai a Jesus
Cristo, quando a tragédia se transforma em bênção (BARCLAY, 2020). Walter
Baptista (1984, p.10) concorda com essa interpretação que associa as três etapas
com a história espiritual da humanidade:

(1) O ser humano nasce para a grandeza (Gn1:27). Nasceu para ser rei (Sl
8:4).

(2) O ser humano perde sua grandeza. Em vez de rei, torna-se escravo do
pecado. É a tragédia.

(3) O ser humano recupera sua grandeza em Jesus Cristo.

O NASCIMENTO DO REI-MESSIAS

Ainda no contexto do prólogo, que compreende todo o primeiro capítulo,


Mateus narra o nascimento do Rei-Messias como cumprimento da promessa de
Isaías 7:14. No contexto original desta profecia de Isaías, Deus desafiou o rei Acaz
a pedir um sinal. O rei recusou e preferiu confiar na aliança política com os
assírios, que acabaram subjugando a nação. Mesmo assim, o sinal foi dado: uma
mulher jovem e solteira teria um filho descendente do rei Davi; ele seria o

17
Emanuel (Is 7:14; 8:8,10). Nas profecias subsequentes de Isaías, essa promessa
foi, finalmente, aplicada ao futuro rei davídico que um dia governaria a nação.

O termo hebraico Ìalmah, usado pelo profeta para referir-se à esposa do rei,
significa mulher jovem, podendo ser solteira ou casada. A Septuaginta, mais
antiga versão grega do Antigo Testamento, usou o termo partenós, que significa
virgem, dando espaço para a aplicação a Maria (Mt 1:23). Mas, o centro da
narrativa é o nascimento milagroso, por ação sobrenatural do Espírito Santo,
afirmado como pressuposto e confirmação da divindade do Messias. A concepção
sobrenatural de Cristo pelo Espírito Santo (v.20) garantiu que ele nascesse sem
pecado. Maria, portanto, não precisava ser imaculada para gerar Jesus santo. O
fato de ser gerado pelo Espírito Santo é o principal no texto; a gravidez de Maria
ainda virgem é um fato secundário, muito embora também seja um milagre. O
Novo Testamento apresenta Maria como mãe de Jesus e lhe dá destaque como
serva de Deus que foi agraciada com esta missão especial. A sua posição nos
evangelhos exige da igreja respeito e admiração, nada além disso. Ela fazia parte
da humanidade pecadora e necessitava igualmente de salvação (Lc 1:47), não
sendo capaz de interceder nem fazer mediação entre Deus e os homens (1Tm
2:6).

A veneração à figura de Maria na tradição católica romana representa um


desvio do sentido original deste texto, por afirmar que ela deveria ser
necessariamente santa e sem pecado original para poder conceber o Salvador e
que permanece eternamente virgem (Maria teve outros filhos, conforme Mc 6:3).
Como estamos demonstrando, este tipo de doutrina não encontra nenhuma base
linguística ou teológica na obra de Mateus (como também em todo o Novo
Testamento). Dogmas católicos da Imaculada Conceição (1854) e da Assunção de
Maria (1950), assim como as supostas epifanias ou aparições de Maria, como
Aparecida, são apenas as crenças mais populares. Contudo, esta heresia é tão
perigosa que alguns teólogos católicos de linha feminista chegam ao absurdo de
afirmar ser Maria a própria “encarnação do Espírito Santo”, o lado feminino de
Deus (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1274).

No entanto, o peso dessa profecia messiânica estava no nome “Emanuel”


como verdadeiro “Filho de Davi”, cujo nascimento traria libertação ao povo.

18
Mateus é o único autor em todo o Novo Testamento que identifica Jesus,
explicitamente, como Emanuel (Is 7:14). A palavra grega Emmanouel significa
“Deus conosco” e comunica o fato de que Jesus era Deus unido com o homem,
estabelecendo sua habitação entre nós, uma ideia semelhante à do evangelista
João: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”, ou seja, armou sua tenda entre
os homens (Jo 1:14). Para Mateus, o título Emanuel também define o ministério
de Jesus, que declara em suas próprias palavras: “e eu estarei convosco todos os
dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28:20). Os eruditos da Bíblia Brasileira de
Estudo (BBE) concordam que os textos de 1:23 e de 28:20 são a moldura dentro
da qual os detalhes do Evangelho de Mateus devem ser entendidos. Eles lembram
que o Cristo Emanuel nascido da virgem Maria é o mesmo Cristo ressurreto e o
Emanuel da Grande Comissão. É aquele que dá profundo significado à vida de seu
povo, e este, em todas as esferas do mundo, deve viver para proclamá-lo e
glorificá-lo.”. (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016).

O MESSIAS PARA TODA A HUMANIDADE

No Novo Testamento são encontrados muitos “Herodes”, que podem ser


considerado um título aplicado à dinastia de Herodes, O Grande (que reinou de 37
a.C a 4 a.C). Este é o rei referido por Mateus (2:1). Ele era idumeu, descendente
de Esaú. Foi governante romano da palestina, em uma região equivalente à
dimensão geográfica do reino davídico. A arqueologia recente confirma a sua
existência (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016). Herodes aparece apoiado pelos
sacerdotes e escribas, formando um conluio entre o poder religioso (sacerdotes),
ideológico (escribas) e político. Em todo o segundo capítulo, percebemos a ênfase
do autor na adoração dos magos do Oriente em oposição à indiferença dos
sacerdotes e escribas e à perseguição do rei Herodes.

Jerusalém ficou perturbada com a chegada de uma caravana de magos (em


grego, magoi) vindos do Oriente. É provável que esses magos fossem estudiosos
de astrologia, membros de uma classe sacerdotal da Pérsia ou da Babilônia. São
gentios que devem ter conhecido a esperança messiânica por ocasião do exílio
dos hebreus na Babilônia. Podem estar na mesma categoria dos sábios e magos

19
de Daniel 1:20 e 2:2. Alguns deles eram conselheiros dos reis. A tradição oriental
fala em doze. Na Idade Média surgiu a ideia de que eram três, certamente por
causa dos presentes ofertados: ouro, incenso e mirra. Esta tradição advém da
interpretação de textos como Salmos 68:29 (“os reis te trarão presentes”). De
qualquer forma, é intrigante que eles tenham ido adorar o rei dos judeus (v.2).
Mateus está mostrando para a sua comunidade de judeus convertidos que Deus
também age entre os gentios pagãos, que estão fora da aliança com Israel. O
próprio fato de Jesus ser direcionado à Galiléia depois do retorno do Egito
comunica a intenção do autor em apresentar aos judeus o Messias como Salvador
de todos os povos.

Os três presentes podem ser uma referência a Jesus como rei, sacerdote e
profeta. Ouro para um rei, incenso para um sacerdote, mirra para quem vai
morrer (BARCLAY, 1984, p. 36). Os eruditos do Comentário Bíblico Nova Versão
Internacional (NVI), por outro lado, destacam a utilidade desses presentes na fuga
para o Egito como uma providência divina: “O ouro pagou os custos da viagem, o
incenso e a mirra, fáceis de carregar e com bons preços no Egito, supriram as suas
primeiras necessidades lá” (BRUCE, 2008, p.1555). O Filho de Deus identificado
profeticamente com Israel (Is 49.3), recapitulou a história do seu povo (2.15), indo
também ao Egito.

ESQUEMA 03 – Significado dos presentes dos magos no nascimento de Jesus

OURO para um rei


Rei (ouro, para sua condição humana)

INCENSO para um sacerdote


Sacerdote (incenso, para a adoração)

MIRRA para quem vai morrer


Salvador (mirra, para a sua morte)

Deus estava conduzindo a humanidade para a salvação, usando também


elementos da natureza. A estrela (v.2) parou (vv.9-10). Esta foi uma ação
extraordinária de Deus, impossível de entender pela ciência. Este fato mostra aos

20
leitores modernos que uma postura racionalista diante da Bíblia, negando o
milagre, nunca chegará à compreensão do seu sentido original: Deus age de
forma extraordinária na natureza, nos poderes terrenos e na vida das pessoas.

Os magos “prostraram-se e adoraram” o Rei nascido (vv.10-11). Mateus


registra a alegria daqueles homens ao verem, novamente, a estrela que os guiava
e a adoração que oferecem quando encontram o menino Deus. O fato de Jesus
ser adorado pelos magos destaca a divindade de Cristo e a universalidade do
Evangelho, pois os seus primeiros adoradores não eram judeus. A ignorância do
rei Herodes, em contraste com o conhecimento ocultista dos magos, foi
confrontada com a autoridade das Escrituras. Os próprios sacerdotes e escribas,
que estavam alheios ao acontecimento central da história do seu povo,
confirmaram o cumprimento literal da profecia de Miqueias 5:2, que apontava
para Belém, uma pequena vila a 10 Km de Jerusalém, como o lugar do nascimento
do Rei-Messias.

Deus está no controle da história da salvação, não apenas na encarnação do


Messias, mas na supervisão de toda a sua vida. A fuga para o Egito (2:13-15)
significou a identificação do Messias com a escravidão do povo de Deus no
passado. Os teólogos brasileiros da BBE, ao comentarem este texto, lembram que
o lugar de sofrimento passou a ser lugar de refúgio para o Emanuel. Enquanto
isso, a terra prometida e dada por Deus a seu povo tornou-se um lugar onde a
vida do Filho de Deus estava em risco. O massacre de todas as crianças do sexo
masculino abaixo de dois anos foi uma tragédia que não parece fazer sentido
(2:16-18). Mas Mateus viu naquele acontecimento horrendo o cumprimento da
profecia de Jeremias 31:15. O choro das mães que tiveram os filhos brutalmente
assassinados antecipava o choro de Maria e das outras mulheres diante da cruz
(BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1276).

Ao regressar do Egito com sua família (2:19-23), José se estabelece na


Galiléia, onde Jesus cresce até atingir a maioridade. Durante este período, de
cerca de trinta anos, Jesus viveu como um judeu comum, em uma vila humilde,
dedicando-se de maneira honrosa ao trabalho e à família. Ele foi simplesmente
um “nazareno” (2:23), termo profético que faz uma possível alusão a Is 11:1 (em
hebraico, netser; renovo), mas também pode referir-se à condição humilde do

21
Messias, como Servo Sofredor (Is 40-55), já que Nazaré era uma cidade
desprezível naqueles dias. Jesus é Deus que veio para identificar-se com o
sofrimento humano. Tanto Nazaré quanto toda a Galileia, região historicamente
oprimida, representam este sofrimento em todas as suas dimensões.

CONCLUSÃO

O nosso estudo dos primeiros dois capítulos de Mateus foi orientado pelo
tema central da obra, apresentado na primeira lição: Jesus é o Rei-Messias para
toda a humanidade. O prólogo do Evangelho deixa essa mensagem bastante clara
como um convite para os leitores. Por isso, a narrativa do seu nascimento e da
infância tem o seu acento na pessoa de Jesus que, com toda a sua vida, é uma
manifestação do amor e do poder de Deus. A comunidade para a qual Mateus
dirigiu primeiramente este livro estava sendo ensinada sobre a missão de
compartilhar esta mensagem para todos os povos.

Somos profundamente edificados quando descobrimos que Deus conduz o


processo da salvação agindo em cada pessoa, mas também na história e no
universo. Este Deus Salvador que se encarnou para cumprir o seu plano eterno de
amor vela pela Sua Palavra, que é infalível. Pelo estudo atento e cuidadoso da
Bíblia, podemos conhecer o caminho da salvação trazida pela presença de Deus a
pessoas impuras e fracassadas. Por isso, diante de um mundo que reage com ódio
ou indiferença ao Rei-Messias, devemos nos prostrar humildemente e adorá-lo
como Salvador.

22
QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Na genealogia de Jesus, qual é o significado da presença de não-judeus e


pessoas consideradas impuras pelos judeus?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

2) Que exemplos podem ser extraídos do texto (caps. 1 e 2) para comprovar a


condução de Deus no processo da salvação na vida de pessoas, na história e
na natureza?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

3) À luz da experiência dos magos, podemos afirmar que o conhecimento


bíblico é indispensável para a salvação?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

4) Que atitudes da sociedade atual podem ser classificadas como


manifestações de ódio ou indiferença a Jesus?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

5) Identifique no texto (caps. 1 e 2) versículos que confrontam a veneração a


Maria, tão comum no Brasil.
______________________________________________________________
______________________________________________________________

23
Lição 03
O INÍCIO DO MINISTÉRIO MESSIÂNICO

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias


Conhecer os fatos “E eis uma voz dos céus, Segunda Mt 3:1-12
decisivos da preparação que dizia: Este é o meu Terça Mt 3:13-17
de Jesus para o ministério Filho amado, em quem Quarta Rm 6:1-14
terreno e a importância me comprazo” (Mt Quinta Mt 4:1-11
para a igreja hoje. 3:17) Sexta Gn 3:1-24
Sábado Mt 4:12-25

INTRODUÇÃO

Como vimos até aqui, o Evangelho de Mateus apresenta Jesus como o rei
messiânico. Os primeiros dois capítulos dão conta de como o seu nascimento e
sua infância revelam o plano de amor de Deus em resgate da humanidade perdida
no pecado. Nos capítulos 3 e 4, Mateus dá um salto cronológico na vida pessoal
de Jesus e passa a apresentá-lo como adulto. Esta escolha literária do evangelista
Mateus comunica que os fatos concernentes à sua infância, adolescência e
juventude não são relevantes ou prioritários para a revelação bíblica e sim o
relato de seu ministério (CHAVES, 2002).

O Capítulo 3 começa com a aparição de João Batista pregando o


arrependimento e o reino dos céus no deserto da Judeia. O seu batismo era
condicionado à confissão de pecados e sua pregação confrontava os líderes
religiosos e políticos. Ele também deu testemunho do Cristo, batizando-o no
Jordão, quando aconteceu uma manifestação da Trindade Santa: o Espírito Santo
foi visto em forma de pomba e a voz do Pai afirmou ser Jesus o Seu Filho Amado.
Depois de batizado, segundo o capítulo 4, Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto
para ser tentado pelo Diabo. Após a vitória sobre o tentador, Jesus iniciou o seu
ministério de ensino, pregação e cura na Galileia, onde vocacionou os seus
primeiros discípulos. Mateus identificou neste fato o cumprimento da profecia de
Isaías 9:1-2. Desta forma, a preparação para o ministério de Jesus como Messias
teve como pontos decisivos a pessoa e a obra de João Batista, seu precursor, o

24
batismo e a tentação como afirmação e teste da Sua identidade e missão, e o
começo, propriamente dito, ao lado dos seguidores mais próximos.

O PRECURSOR

No tempo da chagada de João Batista (entre 27 e 29 d.C.), a Antiga Aliança,


baseada na identidade étnica e na Lei de Moisés, em uma espécie de
“espiritualidade genética”, era um modelo esgotado. As sucessivas derrotas
políticas e militares criaram uma tremenda frustração no meio do povo. João
apareceu quatrocentos anos depois do início do “silêncio profético”, período
chamado de intertestamentário ou interbíblico. O Comentário Bíblico Africano
(CBA) explica que a renovação espiritual esperada em seu tempo não seria mais
“uma fuga do Egito, um retomo do exílio na Babilônia ou uma libertação da
dominação política romana. Seria a libertação de todos os povos do mundo de um
cativeiro maior: a escravidão ao pecado e a Satanás” (ADEYEMO, 2010, p.1141).

A origem de João Batista não interessou aos propósitos do evangelista


Mateus (como o foi para Lucas – 1:5-25;57-80). Ele já aparece caracterizado como
um profeta por sua indumentária, alimentação e vida no deserto, assemelhando-
se Elias (Mt 11:13-14; Mc 9:11-12), o profeta severo que repreendeu a idolatria
no tempo de Acabe, rei de Israel (1 Reis 21:17-24). Seu modo de vida simples e
jeito rude de se vestir era próprio de homens que viviam nos desertos e não nos
palácios, simbolizando o desprezo pelo status quo. Trataremos sobre a relação
entre João Batista e Elias na Lição 07, quando refutaremos a doutrina espírita da
reencarnação.

Elias pregava o arrependimento como João Batista viria a fazer (Lc 3:8),
advertindo acerca do julgamento divino sobre o seu povo e a iminência da
instalação do Reino de Deus, em conformidade com as profecias de Isaías 40:3 e
Malaquias 4:5,6. Mesmo pertencendo a uma família sacerdotal descendente de
Arão (Lc.1:5), João renunciou a tudo para encarnar esta mensagem. O precursor
do Messias, com seu estilo de vida radical, estava denunciando a centralidade do
Templo (“no deserto” – v.1), a superioridade dos religiosos (“vestes de pelos de
camelo e um cinto de couro” – v.4), e a opressão da corte de Herodes

25
(“gafanhotos e mel silvestre” – v.4). Sua permanência no deserto, suas roupas e
sua comida representavam uma ação profética contra a estrutura religiosa e
política estabelecida.

Fariseus e saduceus eram grupos religiosos que surgiram no judaísmo no


período intertestamentário. Esses líderes judeus foram duramente repreendidos
por João (vv.7-10), por orgulharem-se da ascendência abraâmica (v.9 – filhos de
Abraão) e confiarem na justiça própria. Eles foram chamados de “raça de víboras”
por tentarem fugir do fogo do julgamento divino futuro, como os répteis no
deserto, e não produzirem “frutos de arrependimento” (v.8), ou seja, mudança
ética e social (Lc 3:11-14). Indiferente a esta denúncia profética, a elite religiosa
aproximava com a intenção de conquistar a simpatia do povo, uma vez que a
população de Jerusalém, da Judeia e da região do Jordão afluía até João Batista e
confessava os pecados para ser batizada (v.5).

A Bíblia Brasileira de Estudo (2016, p.1278) define assim estas duas seitas
judaicas:

 FARISEUS - fariseus formavam um grupo leigo que ensinava a obediência


rígida à Lei escrita de Moisés bem como a observância das tradições orais de
interpretação e aplicação dessa lei. Eles criam na ressurreição dos mortos.
 SADUCEUS - eram, principalmente, da elite sacerdotal e dominavam o
Sinédrio, a assembleia dos líderes de Israel. Eles rejeitavam a ideia de
ressurreição dos mortos e eram mais influenciados por ideias gregas.

João compreendia a sua missão como aquele que deveria “preparar o


caminho do Senhor” (v.3). Na antiguidade, viajar era muito perigoso. O povo
trilhava por rastros e poucos tinham acesso a algum animal de carga. Os poucos
caminhos pavimentados eram de uso exclusivo dos reis, os “caminhos reais”.
Quando o rei precisava fazer uma viagem a uma determinada cidade, primeiro
enviava-se uma mensagem para que os habitantes do lugar preparassem o
caminho. João Batista atualizou o sentido da profecia de Isaías que estabelece a
ligação entre “no deserto” e “preparai o caminho”, referências ao retorno do
povo após o exílio babilônico. Contudo, agora o “Senhor” aponta para o próprio

26
Filho de Deus, que traria o julgamento final para salvar os piedosos e destruir os
ímpios.

A mensagem de João Batista se fundamenta no conceito de “reino do céu”


(v.2). Esta expressão corresponde a “reino de Deus” em Marcos e Lucas. Como
Mateus foi um texto escrito para judeus, o evangelista levou em conta a proibição
de usar o nome de Deus em vão (Êx 20). A mensagem é a mesma: o Deus que
havia se revelado como rei nos Salmos e nos Profetas, estava chegando na pessoa
do Messias para implantar um reino de justiça e paz. Para entrar nesse reino, João
lembrava da necessidade de arrependimento (“arrependei-vos”, do hebraico:
shub - dar a volta; em grego: metaneo – mudar a mente). Este arrependimento
seria demonstrado pela confissão de pecados (v.5-6). Os profetas anteriores
foram a voz de Deus em meio a uma sucessão de impérios; agora, João Batista era
a voz de Deus clamando no deserto para libertar o povo do império do pecado. O
batismo com água seria um sinal do juízo vindouro (vv.11-12), quando o Messias
batizaria os justos com o Espírito Santo e os impenitentes com fogo.

O BATISMO

O batismo de Jesus representou a sua identificação com a mensagem de


João Batista bem como um exemplo para os seus discípulos. Ele não tinha
pecados para confessar, mas com este gesto consciente, mostrou que aprovava e
apoiava o ministério de João Batista, que estava de acordo com a vontade de
Deus. Diante da humildade de João, que se considerava indigno para fazê-lo, Jesus
declarou que aquele ato servia para “cumprir toda a justiça de Deus” (Mt 3:15),
ou seja, cumprir os requisitos da Lei, visto que ele era “nascido debaixo da Lei” (Gl
4:4). Mais tarde ele também dirá que não veio “destruir a Lei, mas cumprir” (Mt
6:17). Ele estava disposto a ser fiel a Deus em tudo e oferecer a sua vida sem
pecado como sacrifício pelo perdão dos pecados. Com o batismo, portanto, Jesus
inicia seu ministério terreno com uma espécie de unção simbólica para o exercício
da sua função sacerdotal.

O batismo passou a ser incorporado ao cristianismo, pelo próprio Jesus,


posteriormente (Mt 28:19). Esta ordenança tem valor simbólico para aquele que

27
crê e recebe Jesus Cristo como Salvador e Senhor. Significa que ele morreu para o
mundo e nasceu para uma nova vida com Deus. Isto quer dizer que o batismo
acompanha a decisão pessoal de seguir a Cristo. Em todas as circunstâncias, a
Bíblia mostra o ato do batismo como consequência de dois fatos importantes: a
decisão de receber Jesus e a confissão pública da fé em Jesus como Salvador e
Senhor. Somente pessoas capazes de compreender o significado do ato deve ser
batizado. Por este entendimento, os Batistas historicamente nos levantamos
contra o pedobatismo, o batismo de crianças. Além do ensino por trás do símbolo,
a própria forma do batismo sugerida no texto (“saiu logo da água” – v.16)
comunica o seu significado profundo de transformação espiritual experimentada
através da fé (como foi ensinado por Paulo em Rm 6).

No ato do batismo de Jesus acontece uma teofania, uma manifestação da


triunidade divina envolvendo elementos da natureza. Era a Trindade Santa
presente na obra de Jesus na Terra. Ouve-se a “voz de Deus” (Mt 3:17) como Pai
declarando do céu que Jesus é o “Filho Amado” em quem Ele se alegrava, cuja
identidade e missão estava sendo afirmada. A palavra traduzida por “filho” aqui
(em grego, agapētos) é, muitas vezes, usada como “pertencente a alguém que é o
único de sua classe, mas ao mesmo tempo é particularmente amado e estimado"
(NETBIBLE, 2020). O Espírito Santo foi visto descendo do céu “como pomba”
(v.16). A pomba era uma ave considerada limpa para os judeus e usada como
oferta pelos pobres. Mateus já havia deixado claro que Jesus foi concebido pelo
Espírito Santo (1:18). O batismo era o sinal externo do preenchimento interno do
Espírito.

A TENTAÇÃO

Depois da afirmação da sua identidade e do comprometimento com a


missão de Salvador, Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto para ser tentado (Mt
4:1). O deserto judaico é uma área geográfica que se estende das montanhas da
Judeia a oeste até o Mar Morto ao leste, conhecido por sua paisagem áspera e
desolada. Esse acidente geográfico surge na narrativa como um lugar apavorante
e associado ao mal. Ali, Satanás tenta desviar Jesus da missão dada por Deus e

28
testa a sua resolução pessoal quanto à identidade afirmada pelo Pai. Ele usa uma
condicionante: “se tu és o Filho de Deus” (v.4;6). Uma vez vencida a tentação e
aprovado como Messias, Jesus inicia seu ministério. Esta experiência real de Jesus
transformou-se em um poderoso ensino cristão: Deus permite o sofrimento na
vida cristã para provar a fé dos crentes, mas Ele é sempre fiel para não permitir
que a situação usada para o teste extrapole a capacidade de suportar (1 Co
10:13).

O período que Jesus passou no deserto (v.2 – “quarenta dias”) preparou o


caminho da era messiânica. Os quarenta dias também nos lembram o período
que Moisés passou no monte Sinai (Êx 34:28), onde jejuou e recebeu os Dez
Mandamentos. Jesus é o novo Moisés que traz o cumprimento da Lei de Deus,
transmitida por Moisés e pelos profetas (5:17-20). Naquele tempo de extrema
angústia e solidão, em total dependência de Deus, Jesus enfrenta o adversário
que se levantou várias vezes e de muitas maneiras em seu ministério, o Diabo (em
grego: diabolos – acusador), que também é chamado tentador (v.3 - peirazo –
aquele que testa a fé ou incita a pecar) e Satanás (v.10 - satanas - adversário).
Agora, não apenas como o Novo Moisés, mas como o Novo Adão, ele assume o
lugar de toda a humanidade caída. Como Paulo ensinará depois, Adão prefigurava
Jesus, que haveria de vir e, naquilo em que o primeiro homem desobedeceu,
Jesus, pela sua obediência, justificaria todos os que cressem (Rm 5:12-21).

Os eruditos do CBA analisaram este texto apontando as possibilidades de


interpretação das tentações de Jesus. Enquanto alguns sugerem que elas
mostram Jesus como o verdadeiro israelita que venceu onde Israel falhou (Dt
6:16; 8:1-20), outros alegam que as tentações revelam que tipo de Messias Jesus
foi: nem milagreiro nem revolucionário político. Estes estudiosos ainda lembram
que muitos leem esta passagem como um exemplo que ensina os seguidores de
Jesus a lidarem com as tentações. Jesus foi tentado a usar o poder espiritual para
suprir necessidades físicas (vv.3-4 – transformar pedras em pães), a demonstrar
Seu poder de forma sensacionalista (vv.5-7 – atirar-se do pináculo do templo) e a
usar o poder político em benefício próprio (vv.8-11 – possuir os reinos do mundo)
(ADEYEMO, 2010, p. 1143).

29
Luiz Sayão, renomado biblista e hebraísta brasileiro, entende que esta
tentação aconteceu no nível mental, na forma de propostas. Jesus respondeu à
primeira declarando ser sustentado pela Palavra de Deus (Dt 8:3); a segunda foi
respondida com o compromisso de submissão à vontade de Deus (Dt 6:16); a
terceira, com a ordem de retirar-se e a convicção de que deveria adorar a Deus
através do sofrimento da cruz (Dt 6:13). Sayão ainda lembra que as três tentações
usaram ou distorceram a Palavra de Deus e que foram vencidas com a própria
Palavra de Deus. Sobre este fato, ele cita Antônio Vieira, no Sermão da
Sexagésima, de 1655: “As palavras de Deus, pregadas no sentido em que Deus as
disse, são palavras de Deus; mas pregadas no sentido em que nós queremos, não
são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Demônio” (SAYÃO, 2020).

O INÍCIO DO MINISTÉRIO

Jesus tinha saído da região da Galileia para a região desértica da Judeia,


onde aconteceu o seu batismo e a tentação. Quando soube da prisão de João
Batista (v.12; Mt 14:3-4), voltou à região da Galileia, fixando-se na cidade de
Cafarnaum (v.13), contrariando, assim, as estratégias megalomaníacas de líderes
da igreja de hoje, que jamais trocariam a metrópole pela província, a capital pelo
interior. Como João estava impedido de continuar pregando e batizando no
deserto, Jesus inicia seu ministério chamando os seus primeiros discípulos para
auxiliarem-no nessa tarefa. Pedro e André foram encontrados trabalhando, assim
como, logo em seguida, encontrou Tiago e João. A proposta era transformar rudes
e simples pescadores de peixes em corajosos “pescadores de homens” (v.19) para
o reino de Deus.

Assim, Jesus inicia um ministério de ensino e pregação da mensagem de


arrependimento com demonstração de poder sobrenatural, atraindo pessoas da
Galileia e toda a região, em cumprimento da profecia de Isaías (9:1-2). Em Jesus, o
reino de Deus estava “próximo” (em grego, eggiken – chegou, aproximou-se no
tempo e no espaço). Aquele era, como foi confirmado por todo o Novo
Testamento, ponto central da história (Gl 4:4), quando Deus começaria a reinar
efetivamente no mundo a partir do coração dos homens. As tarefas (v.23-25) de

30
ensinar (didaskon), pregar (kerysso) e curar (therapeuon) autenticavam o
ministério messiânico de Jesus e representam uma antecipação da eternidade (Ap
21:1-8).

ESQUEMA 04 – Definições das tarefas ministeriais do Messias

MINISTÉRIO MESSIÂNICO

Ensinar (didaskon). Revelação Pregar (kerysso). Chegada do Curar (therapeuon).


do real sentido da Lei de Reino de Deus. Demonstração de poder para
Moisés. Ética do Reino de Arrependimento e fé como provar a autenticidade como
Deus. portas de entrada. Messias.

Irênio Silveira Chaves relaciona estas bases ministeriais de Mateus 4:23, que
são ensino, pregação e cura, com Mateus 9:5 e entende que, aqui, Mateus
“apresenta aos líderes de sua comunidade, o propósito de dar continuidade a esse
ministério tríplice de Jesus entre os homens. Creio até que se constitui em um
desafio para os pastores e líderes cristãos de hoje, de concentrar os esforços do
ministério nessas três áreas de atuação” (CHAVES, 2002, p.63). As curas realizadas
por Jesus serviram para autenticar a sua messianidade bem como a autoridade
concedida por Ele aos apóstolos. Na história bíblica, somente em dois outros
momentos, no Êxodo com Moisés e no início da monarquia com Elias e Eliseu,
esta quantidade de curas foi registrada. Hoje, Deus continua curando pessoas
milagrosamente, de acordo com Sua vontade e propósito. No entanto, as curas
divinas não são mais necessárias para autenticar o ensino e a pregação da igreja,
uma vez que o cânon das Escrituras está completo. O ministério de cura em uma
igreja local deve ser entendido de maneira mais ampla, através do cuidado entre
os irmãos a da assistência aos necessitados.

31
CONCLUSÃO

A preparação para o ministério terreno de Jesus foi composta de


experiências decisivas que até hoje marcam a vida cristã e a igreja. João Batista
era a pessoa com o perfil ideal para ser o precursor, pois seu próprio estilo de vida
propunha o rompimento imediato com o mundo e acendia a chama da esperança
da chegada do reino de Deus. Quando Jesus foi apresentado às multidões,
identificado com o batismo e a mensagem de João, o terreno estava preparado
para o seu ministério de ensino, pregação e cura. Mas, primeiro foi necessário
passar pelo teste da sua identidade como Filho de Deus e demonstrar toda a
convicção necessária para a sua trajetória até à cruz. Mas ele venceu o tentador e
a morte para revelar sua plena autoridade sobre todas as coisas.

Hoje, diante de tantos desafios e tentações, vivendo em meio a uma


corrupção generalizada, em todos os sentidos, devemos ter a coragem de João
Batista para denunciar o pecado, tanto pessoal quanto estruturalmente. É certo,
porém, que assim como até mesmo o Senhor foi tentado, também seremos
testados de muitas maneiras em nosso processo de santificação. Mas fomos
chamados para seguir e servir; não devemos olhar para trás. Assim como nosso
Salvador veio até nós, identificou-se com a nossa condição de perdidos, devemos
responder com gratidão, oferecendo todo o nosso ser a ele.

32
QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Qual é a importância de João Batista e seu ministério como precursor de


Jesus?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

2) Por que Jesus foi batizado e o que este fato representa para a vida cristã?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

3) Qual é o ensino cristão contido no episódio da tentação de Jesus após o seu


batismo?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

4) Qual é a importância do estudo bíblico para a vitória sobre a tentação?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

5) Quais são as tarefas principais do ministério de Jesus e qual é a importância


destas para a igreja?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

33
Lição 04
A VIDA NO REINO DE DEUS

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Compreender a “Bem-aventurados Segunda Mt 5:1-16


mensagem básica do os humildes de
Terça Mt 5:17-48
Sermão do Monte espírito, porque
sobre a verdadeira deles é o reino de Quarta Mt 6:1-24
espiritualidade cristã Deus” (Mt 5:3)
Quinta Mt 6:19-34
bem como os seus
desafios. Sexta Mt 7:1-13

Sábado Mt 7:15-29

INTRODUÇÃO

A primeira seção narrativa de Mateus (1:1-4:25) começou com a origem


genealógica do Messias e o cumprimento de profecias do Antigo Testamento, do
seu nascimento ao início do ministério público. Como foi possível demonstrar na
lição introdutória, o paralelo estabelecido por Mateus entre Moisés e Jesus
explica por que o livro foi estruturado em cinco partes principais. São cinco
discursos que representam os cinco livros de Moisés (em grego, Pentateuco; em
Hebraico: Torah) e revelam Jesus como o Mestre que veio para restaurar a aliança
de Deus com seu povo.

Estudaremos hoje o primeiro discurso (5:1-7:29), conhecido como o


“Sermão do Monte”. Ele é formado por uma coletânea de ensinos de Jesus,
repetidos em diversas ocasiões, que Mateus habilmente organizou para reunir em
um só lugar. O texto sugere (5:1) que Jesus se afastou da multidão e dirigiu-se
apenas aos seus primeiros discípulos (4:18-22), mas é possível que a multidão
tenha assistido a tudo. Mateus descreve o momento em que Jesus, estando na
região de Cafarnaum, sobe a uma encosta do mar da Galileia (e não uma grande
montanha) e apresenta o manifesto do reino messiânico, com lições práticas de

34
como deve viver aquele que entra no Seu reino. A entrada nesse reino, conforme
a pregação de João Batista (3:2) e do próprio Jesus (4:17), se daria através da
porta do arrependimento.

O Mestre não estabelece novas leis, mas as condições ou fundamentos para


a vida no Reino de Deus. Seguindo o costume dos sábios e rabinos da época,
como símbolo de autoridade, Ele assentou-se e começou a ensinar (em grego,
edidasken) uma nova interpretação da Lei. Mais do que uma definição estatutária
ou um código moral, foi o chamado para um novo estilo de vida, extensivo a
todos os que ouvem a voz do Mestre, renunciam sua própria vontade e priorizam
a obediência à vontade de Deus. Neste ensino foi estabelecida qual é a ética e a
espiritualidade do Reino de Deus.

UM NOVO RELACIONAMENTO COM DEUS

O Sermão do Monte começa com as “bem-aventuranças”, as qualidades a


serem exigidas de todos aqueles que entram no reino através do arrependimento.
Descrevem um estilo de vida, uma caminhada, não para ser salvo, mas para os
salvos, que são capacitados por Deus quando abrem os seus corações para
receberem as bênçãos por Ele oferecidas. Sobre a expressão “Bem-aventurados”
(em grego, makarioi), Irênio Silveira Chaves destaca que Jesus a teria pronunciado
no mesmo sentido de ashrei (em hebraico – Salmos 1 e 119), que tem o sentido
de marchar, andar, conduzir em linha reta (CHAVES, 2002, p.67). Diferente,
portanto, do sentido de “felicidade”, nas traduções mais comuns. Os bem-
aventurados são aqueles que foram abençoados por Deus no caminho de viver e
proclamar o Reino. Eles já desfrutam, no presente, daquilo que viverão
plenamente na eternidade.

É possível dizer que todos os conceitos expressos nas bem-aventuranças


encontram base em textos do Antigo Testamento. Desta forma, Jesus não estava
trazendo uma novidade, mas a aplicação correta daquilo que havia sido dito por
Moisés, pelos Salmos e pelos Profetas; as verdades esquecidas que apontavam
para uma verdadeira espiritualidade marcada pelo amor a Deus e ao próximo, em
contraste com uma religião legalista e morta. Os estudiosos que editaram o
Comentário Bíblico NVI também destacam que há um contraste entre o Sermão e

35
a promulgação da Lei no Sinai: “A Lei começa com os Dez Mandamentos, que
estabelecem as leis fundamentais que governam o comportamento daqueles que
começariam um relacionamento de aliança com Deus. As Bem-aventuranças são
dirigidas àqueles que mostram por meio da sua vida que já satisfizeram as
exigências do decálogo” (BRUCE, 2008, p.1569).

Outro aspecto a considerar é o fato de que todas as bem-aventuranças (que


incluem misericórdia, pureza, pacificação e perseguição) estão interligadas e seus
resultados envolvem o desfrutar da presença de Deus na eternidade. Elas são
mais do que um código de ética; tratam do perfil e do caráter do cristão,
contrastando com os valores transitórios do mundo. Por isso, os “pobres de
espírito” (em grego, ptokoi to pneumati), símbolos de dependência absoluta de
Deus, estão na primeira bem-aventurança. Para Walter Baptista, esta seria uma
referência aos anawin (em hebraico: aquele que se curva), os “pobres de Deus”
(BAPTISTA, 1994, p.15). A intenção de Jesus em começar com esta qualidade foi
contrastar os cidadãos dos céus com os religiosos, que se consideravam
superiores às pessoas comuns, confiavam nas próprias obras e estavam satisfeitos
com a justiça própria.

ESQUEMA 05 – Bem-aventuranças – significado e relação com o AT (adaptado de


BARNET, 2010, pp.26-28)

Os humildes de espírito
O reconhecimento da pobreza espiritual é a condição para receber o Reino de Deus - Is
57:15; 66:2;
Os que choram
Choro de arrependimento que demonstra um coração contrito diante de Deus - Is 6:5;
Os mansos
Consequência natural de quem é humilde de coração - Sl 37:11;
Os que têm fome e sede de justiça
Desejo intenso de praticar a justiça moral (Sl 42:1-2) e social (Am 8:4-6);
Os misericordiosos
Cuidar dos necessitados com os próprios recursos (Sl 41:1-4; Mq 6:8);
Os limpos de coração
Apego à verdade e transparância de caráter (Sl 24:4; 51:10);
Os pacificadores
Promover a paz e a reconciliação (Sl 34:14; 122:6-8); 36
Os perseguidos
Sofrer perseguição decorrente do discipulado cristão (Sl 44:22; Jr 15:15);
A ÉTICA SUPREMA DO REINO

Estes religiosos são representados no livro pelos escribas e fariseus que,


embora fossem rigorosos quanto à obediência à Lei, não eram sinceros em sua fé.
Mesmo assim, a interpretação que eles faziam da lei exercia grande influência
sobre os judeus da época. Jesus, por sua vez, afirmou que seu ministério não
estava em oposição à lei mosaica (v.17 – “Não penseis que vim revogar a Lei ou os
Profetas”) nem era contrário à Palavra de Deus como um todo, mas se opunha à
prática legalista que foi implantada no judaísmo de seu tempo. Ele veio para
preencher ou completar (em grego, pleroo – tornar cheio; preencher até o topo)
cada uma das suas exigências (“vim para cumprir”). Contudo, sua interpretação
não era literal. Obedecer externamente aos mandamentos não era suficiente para
Ele. Importava mais a intenção do coração.

Com este objetivo, Jesus apresentou uma série de antíteses à interpretação


dos religiosos (“eu, porém, vos digo” – vv.21-22; 27-28; 31-32; 33-34; 38-39; 43-
44) e uma nova compreensão do que seria homicídio, adultério, divórcio,
juramento e vingança, por exemplo. A Lei fora dada a Moisés para conduzir o
povo de Deus a uma vida de santidade. Agora, Jesus reafirma a permanência
eterna da Lei como caminho para a perfeição, não apenas na dimensão moral,
mas no amor. Luiz Sayão comenta que a interpretação radical de Jesus tinha a
intenção de revelar que era impossível obedecer a Deus sem depender
absolutamente d’Ele (SAYÃO, 2020). Aqueles que são bem-aventurados por
receberem o reino em seus corações, marcham neste mundo passageiro, sendo
aperfeiçoados no amor de Deus (Mt 5:48), sendo até mesmo capazes de amar os
inimigos (vv.43-48).

Este é o padrão supremo de vida no Reino de Deus: a perfeição. Padrão este


que não representa uma nova ordem jurídica para a sociedade, como uma
constituição, mas uma cultura pessoal determinada pela vontade de Deus, que
servirá de exemplo para a vida social. O discurso de Jesus humilha o ser humano
em sua incapacidade de satisfazer as exigências de Deus e do seu reino, a não ser

37
pela vida e obra do Messias (SAYÃO, 2020). Somente pela ação sobrenatural do
Espírito Santo somos capacitados a cumprir as condições de permanência no
relacionamento com Deus. Por isso, o caminho para a vida no reino deve começar
na humildade (5:3) e tem como alvo o amor (5:44). Nesta direção, os discípulos
são desafiados a desistirem da justiça própria e da vida meramente religiosa, a
humilharem-se diante de Deus e exercitarem a dependência total, agindo sempre
motivados pelo amor.

A VERDADEIRA ESPIRITUALIDADE

No capítulo 6, Jesus continua seu discurso contrastando a vida no reino com


a religiosidade morta. Para o Senhor, a ênfase deveria estar na motivação por trás
da prática religiosa, o que realmente move o coração e prova se Deus é
prioridade. Depois de se concentrar no caráter do cristão (cap. 5), Ele menciona
agora três práticas espirituais que devem fluir naturalmente da vida do discípulo:
esmolas (vv.2-4), oração (vv.5-15) e jejum (vv.16-18). Mostra que, se alguém faz a
coisa certa, mas com a motivação errada, buscando o reconhecimento pelos
homens, suas boas obras perdem valor diante de Deus (“Guardai-vos de exercer a
vossa justiça diante dos homens” – v.1).

A palavra “hipócrita” (em grego, hypokrites – ator, profissional dos palcos)


foi muito usada por Jesus, principalmente para se referir aos falsos religiosos em
geral e, em especial, aos fariseus, que deveriam ser exemplos para o povo, mas
descumpriam este propósito. A BBE resume o confronto ético de Jesus com os
fariseus, lembrando que eles baseavam sua espiritualidade na tradição dos
homens, com o foco na letra da lei, o cumprimento literal. Era uma ética do
exterior, preocupada com o fazer, cujo padrão era o homem considerado santo
na visão dos próprios homens. Para Jesus, a vida no reino não era apenas de
aparência ou para impressionar multidões. Deveria ser baseada na Palavra de
Deus, interpretada em seu significado mais profundo: o espírito da Lei. Era uma
ética do interior, preocupada com o ser, cujo padrão era o próprio Deus (BÍBLIA
BRASILERIA DE ESTUDO, 2016, p.1286).

38
Por isso, Jesus ensina que a oração deveria ser no “quarto secreto” (6:6). A
palavra tameion (em grego), além de um quarto privado, designa também a
dispensa, um recinto secreto que ficava na parte mais íntima da casa para que os
suprimentos ficassem protegidos dos ladrões e animais selvagens. Essa câmara de
provisões não possuía janelas e era a única parte da casa do agricultor da época
que podia ser trancada. Era a ilustração mais adequada para o sentido de “teu
Pai, que vê em secreto”, porque ninguém poderia entrar nem olhar. Jesus estava,
assim, estabelecendo a diferença entre a oração sincera e a oração dos fariseus,
realizada nas praças e nas sinagogas. O próprio Mestre deu exemplo aos seus
discípulos, ao se retirar com frequência para lugares isolados do assédio da
multidão a fim de conversar com o Pai (BÍBLIA BRASILERIA DE ESTUDO, 2016,
p.1287).

A oração ensinada por Jesus (6:9-15), conhecida como “Pai Nosso”, é um


modelo de oração, mas também de vida. O discípulo não deveria orar com a
intenção de manipular a vontade de Deus, como faziam os adeptos das religiões
pagãs (v.7-8). Os gentios, praticantes de falsas religiões, com motivação egoísta,
faziam verdadeiras apresentações teatrais em público até alcançarem o transe, de
modo irracional e mecânico, para agradar aos deuses e impressionar o público.
Eles usavam de “vãs repetições”, que eram mantras ou chavões reprovados por
Jesus, que ensinou uma oração e um estilo de vida centrados na vontade de Deus,
marcados pela sinceridade, realizados de forma consciente e espontânea,
baseados em um relacionamento pessoal com Deus como “Pai”.

UMA NOVA POSTURA DIANTE DA VIDA

Quando a oração modelo se torna um modelo de vida, o discípulo


compreende que mudanças no comportamento moral, nos usos e costumes, não
significam necessariamente uma transformação verdadeira do ser. Embora o
procedimento seja importante, para Deus, que “vê” nossa atitude antes de
“ouvir” nossas palavras; importa mais a postura espiritual diante d’Ele. A oração
deve expressar o temor de pecar contra Deus e contra o semelhante, através da
tentação, por isso, suplica o livramento do mal (v.13). A confissão gera

39
transformação interior. Novos pensamentos, palavras e atos têm origem nesse
processo. Mas o princípio estabelecido por Jesus, de receber o perdão divino
apenas quando perdoamos nossos devedores (6:12), eleva o nível de exigência do
discipulado ao máximo. Para o Mestre, a ausência de perdão demonstra a
ausência de transformação. Somente quem se reconhece pecador e agradece o
perdão recebido, pode, em total dependência, oferecer perdão. Quem não
perdoa, não conhece o perdão.

Para Jesus, uma das fontes de tentação está na relação com o dinheiro. O
discípulo é desafiado a assumir uma postura diante dos bens materiais na qual o
seu coração não seja dominado pelo desejo de possuir sempre mais, de acumular
e confiar nos “tesouros sobre a terra” (v.19). O problema para a espiritualidade
não é possuir ou não o dinheiro, mas qual é a relação do coração com o dinheiro;
é possível ter recursos e não ser escravizado pelos bens materiais. O teste do
dinheiro na espiritualidade é o serviço; usar o dinheiro ou servir ao dinheiro. Jesus
deixou claro que não é possível “servir a dois senhores” (v.24), e que é necessário
decidir-se entre Deus e Mamom (em aramaico, riqueza personificada em
oposição a Deus). Com este ensino, Jesus estava confrontando a religião dos
escribas e fariseus, uma religião baseada no discurso. Em seu comentário em
áudio Rota 66, Luiz Sayão explica que a hipocrisia religiosa é desmascarada pela
atitude dos religiosos diante dos bens materiais e dos compromissos do cotidiano.
Segundo ele, religiosos normalmente usam prosperidade material como evidência
de santidade pessoal; por esta visão de mundo, vivem sempre ansiosos, escravos
do dinheiro (SAYÃO, 2020).

A vitória sobre a ansiedade, portanto, passa pela liberdade diante da


transitoriedade da vida e do apego materialista. Devemos, no entanto, ponderar
que preocupação como sinônimo de responsabilidade e planejamento mínimo é
incentivada na Bíblia. O livro de Provérbios, por exemplo, traz uma crítica severa à
preguiça (Pv 6:6; 21:25; 26:15). Mas, a palavra traduzida como ansiedade ou
preocupação (em grego, merimnao; estar ansioso; estar preocupado com
cuidados) também pode significar a tentativa de controle sobre a vida e o mundo.
Seria a ansiedade em seu estado doentio. Jesus está ensinando que uma
espiritualidade sincera vence a ansiedade por confiar na bondade de Deus. A
postura correta diante da vida é saber do valor que se têm para o Criador, que

40
cuida dos pássaros e das plantas, e sabe de todas as necessidades dos seus
servos. Por esta razão, a oração do discípulo deve expressar confiança no sustento
diário e contínuo de Deus e não no acúmulo de bens materiais e poder humano.
Para vencermos a ansiedade, devemos confiar plenamente em Deus e priorizar o
serviço a Ele. A prioridade do seguidor de Jesus está no relacionamento pessoal
com Deus e no serviço ao Seu Reino (v.33).

OS FRUTOS DA VIDA NO REINO

Com esta nova postura diante da vida, o discípulo de Cristo é ensinado a


praticar uma espiritualidade eficiente, que implica em atitude prática e não em
mero ritual. No capítulo 6, Jesus criticou a falsa religião, que era legalista e só
gerava morte; agora, no capítulo 7, Ele propõe uma espiritualidade que gere
frutos de vida no reino. Neste capítulo, encontramos uma crítica ao julgamento
injusto, a valorização da oração e a ênfase na prática das Suas palavras. Estes
frutos de vida demonstram prudência e não insensatez. Com a vida guiada por
esta prática, o discípulo estaria provando que a Palavra de Jesus é insubstituível
como critério de avaliação da vida espiritual.

Jesus proíbe o julgamento hipócrita, que não considera o próprio pecado e


exige do outro o que não se está disposto a viver. Este julgamento é resultado de
uma religiosidade falsa, que prejudica os relacionamentos humanos. A palavra
“julgar” (em grego, krino - 7:1) significa criticar, dar opinião sobre o certo e o
errado. O risco desta prática é esconder-se nos próprios pecados e refugiar-se no
legalismo. Ao corrigir o irmão, segundo Jesus, devemos agir com moderação e
tolerância. Jesus critica o julgamento indevido, pelos padrões equivocados, como
os fariseus faziam. O julgamento de quem está espiritualmente doente não tem
validade para o Mestre.

O único critério aprovado para julgamento no Reino de Deus é aquele que


considera os frutos: “pelos frutos os conhecereis” (7:20). Foi desta maneira que
Jesus ensinou os seus discípulos a julgarem os “falsos profetas” (vv.15-20), que
agiam disfarçados, mas influenciavam o povo com uma religiosidade exterior e
limitada ao ritual. Por isso, o critério de avaliação da vida no reino é a ética. O

41
procedimento fala mais alto do que palavras e a imagem social. Os falsos profetas
“dizem” que demonstram poder espiritual (“hão de dizer-me” – v.22), mas servem
a Deus apenas da boca para fora (“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! –
v.21). Luiz Sayão destaca que nem mesmo demonstração de poder espiritual
serve como autenticação da espiritualidade do Reino; o extraordinário não supera
o ordinário (SAYÃO, 2020).

No final do discurso, Mateus informa sobre a reação dos ouvintes. A


autoridade de Jesus, que deixou as multidões maravilhadas (v.28-29), residia no
fato de que Ele ensinava com base na sua própria autoridade, a mesma de Deus
ao entregar a Lei a Moisés, e não como a dos profetas e rabinos, que a
interpretavam apenas (BRUCE, 2008). Isso explica a hostilidade dos líderes
religiosos e as perguntas posteriores acerca da autoridade (21.23), a exigência de
sinais (12.38; 16.1) e a controvérsia acerca da tradição (9.14; 12.2; 15.1,2). Com
base nesta autoridade, o Sermão do Monte é concluído por Jesus com o contraste
entre o praticante e o não-praticante. Aquele que obedece às palavras de Jesus,
constrói a sua vida sobre a “rocha” (vv.24-25) e estará seguro diante das
tempestades da vida, que prefigura e, de certo modo, antecipa o Juízo Final. A
expressão traduzida por “e as pratica” (v.24 – em grego, autos poieo) sugere não
um ato isolado, mas uma vida inteira de obediência.

CONCLUSÃO

A importância deste discurso de Jesus no Evangelho de Mateus é tamanha


que, como diz acertadamente o Pr. Carlos McCord, não estamos tratando do
“Sermão do Monte”, mas da “Vida no Monte”. Neste resumo das palavras de
Jesus, encontramos o suficiente para compreendermos o estilo de vida de quem
entra no reino de Deus através da fé e do arrependimento. Uma vida pautada por
uma ética suprema – os valores do reino – e uma dependência absoluta – a
pobreza de espírito. A verdadeira espiritualidade que tem Deus como alvo e que
começa na humilhação do homem. Uma espiritualidade que representa vitória
sobre o materialismo e a ansiedade e que pode ser comprovada por frutos de
obediência à Palavra Eterna do Senhor Jesus Cristo.

42
Seria impossível viver de acordo com as elevadas exigências éticas do
Sermão do Monte não fossem a presença e o poder de Jesus na vida do discípulo
pelo Espírito Santo. Por isso, humildade e amor são as marcas principais da
verdadeira espiritualidade cristã; ser humilde para receber e amar,
compartilhando tudo que recebe de Deus. As riquezas materiais deste mundo
passageiro não são o tesouro do coração de uma pessoa que vive com esta
postura. Aquele que confia no controle de Deus sobre todas as coisas e sacrifica
seus próprios interesses para viver de acordo com a justiça divina, vence a
ansiedade. Desta forma, o discípulo obedece à Palavra de Deus e frutifica como
verdadeiro cidadão do Reino dos Céus.

QUESTÕES PARA ESTUDO

1) É possível viver de acordo com as elevadas exigências éticas do Sermão do


Monte?
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2) Quais são as marcas principais da verdadeira espiritualidade cristã?


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3) Qual é a postura adequada do cristão diante das riquezas materiais?


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4) Como o cristão pode vencer a ansiedade?


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5) Qual é o principal fruto esperado na vida de um cidadão do Reino de Deus?


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43
44
Lição 05
O PODER EXTRAORDINÁRIO DO MESSIAS

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Relacionar o poder “Ide, porém, e aprendei o Segunda Mateus 8:1-13


extraordinário que significa: Misericórdia
Terça Mateus 8:14-22
demonstrado por Jesus quero e não holocaustos;
na realização de milagres pois não vim chamar Quarta Mateus 8:23-34
com o seu chamado justos, e sim pecadores
radical para o [ao arrependimento]”. Quinta Mateus 9:1-13
discipulado que deixa
(Mateus 9:13) Sexta Mateus 9:14-22
apenas as opções de
segui-lo ou rejeitá-lo. Sábado Mateus 9:23-34

INTRODUÇÃO

Mateus apresentou a essência do ensino de Jesus no Sermão do Monte


(capítulos 5 a 7), que revelou a verdadeira espiritualidade e a ética do Reino de
Deus. Agora (capítulos 8 e 9), introduz mais uma seção narrativa mostrando como
o Mestre comprovou Sua autoridade messiânica através do Seu ensino e da
operação de milagres. A vida no Reino, que foi ensinada com autoridade, é agora
experimentada de forma concreta na vida de pessoas doentes e oprimidas pelo
mal. São dez milagres relatados em três grupos.

No primeiro, as curas de um leproso, do servo de um centurião e da sogra


de Pedro (8:1-15) revelam o poder messiânico acima da religião. No segundo,
Jesus acalma uma tempestade, cura dois endemoninhados e um paralítico (8:23-
9:8) para demonstrar poder sobre a natureza e o mal. No terceiro grupo, a cura
de uma mulher hemorrágica, a ressurreição de uma menina, a cura de dois cegos
e de um mudo endemoninhado (9:18-34) provam Seu poder sobre a vida e a
morte.

No meio dessas histórias, foram inseridos relatos que trazem as exigências


do chamado de Jesus para quem quisesse segui-lo e a crescente resistência dos

45
líderes religiosos que se opunham tenazmente ao Seu ministério (8:16-22; 9:9-
17). O que Mateus está ensinando nesse trecho é que as pessoas só
experimentam verdadeiramente o poder da graça de Cristo quando O seguem e
se tornam Seus discípulos; quando escolhem posicionar-se humildemente diante
do poder sobrenatural do Messias que, além de realizar milagres, pode salvar do
pecado e da morte eterna.

PODER ACIMA DA RELIGIÃO (8:1-17)

As multidões estavam constatando que a autoridade de Jesus também se


expressava por meio de obras poderosas. A primeira sequência de milagres, que
se encontra em Mateus 8:1-17, atesta que Jesus era o Messias prometido, o
Salvador cheio de compaixão para com os que sofrem. Mas, estes três milagres
representavam um escândalo para os religiosos. Jesus tocou em um leproso (v.3)
e em uma mulher (v.15), e ainda se aproximou de um homem pagão (v.6). Os
milagres não foram realizados apenas para demonstrar poder, mas serviram de
sinais que ensinavam sobre Sua personalidade e Sua obra. Eram gestos de amor
que escandalizavam o ritualismo e o legalismo dos fariseus, grupo religioso mais
ferrenhamente contrário a Jesus. O verdadeiro Messias seguia, assim,
demonstrando que o poder curador de Deus estava n’Ele, enquanto os religiosos
não O compreendiam e se distanciavam cada vez mais.

Em Israel, o leproso era rejeitado, oficialmente impuro e excluído da


sociedade (Lv 13:45-46). Jesus demonstrou seu respeito à Lei (como em 5:17-20)
e orientou o homem a procurar o sacerdote para restaurar sua condição social,
mas não se limitou ao ritualismo e ultrapassou os limites da interpretação
legalista com um gesto de amor. Ele estava, com isso, cumprindo o espírito da Lei.
No caso da cura do servo de um centurião romano, a fé de um homem pagão foi
elogiada por Jesus como maior do que a encontrada em Israel. Este episódio
serviu tanto provar o cumprimento de profecias antigas sobre a conversão de
gentios (Is 49:12; 59:19; Ml 1:11) quanto para anunciar a chegada da alegria do
Reino dos céus, da qual participavam os estrangeiros. Outro milagre desta
sequência é a cura da sogra de Pedro. Embora não tenha sido o único milagre

46
realizado na ocasião, mereceu destaque de Mateus, provavelmente por se tratar
de uma mulher.

Os eruditos do CBA lembram que “nos dias de Jesus, a segregação era


baseada na religião (os judeus menosprezavam os gentios), no poder (os romanos
menosprezavam os povos conquistados) e no gênero (os homens menosprezavam
as mulheres)” (ADEYEMO, 2010, p.1154). Quando a igreja concentra sua vida na
autoridade de Jesus, acima de qualquer outra pessoa ou programa, ou até de si
mesma, rompe com as barreiras do preconceito e da discriminação vigentes na
sociedade em função do pecado.

Esta passagem é encerrada (8:16-17) com o relato da expulsão de demônios


e a cura de todos os doentes que foram levados até Jesus. Para Mateus, estas
curas eram a manifestação do Seu amor mas, ao mesmo tempo, o sinal claro de
que n’Ele se cumpriam as profecias do Antigo Testamento, notadamente sobre o
Servo Sofredor, como em Isaías 53:4 – “Certamente, ele tomou sobre si as nossas
enfermidades e as nossas dores levou sobre si” (ARA).

PODER SOBRER O MAL (8:18-9:8)

Uma grande multidão seguia a Jesus atraída pelos milagres. Mas, muitos
não estavam preparados para segui-lo prontamente, como é o caso de dois
discípulos que apresentaram desculpas para cuidarem dos seus interesses (8:18-
22). Mateus pode ter inserido este relato aqui para indicar que, já no início do
ministério de Jesus, havia pouca seriedade por parte de muitos que O seguiam. O
Evangelho ensina que, para seguir a Cristo, é necessário renúncia e disposição
para obedecer aos Seus ensinos e engajar-se no serviço cristão. Irênio Silveira
Chaves chama a atenção, no entanto, para o que ele entende ser a maior
renúncia exigida do cristão, a saber: a do orgulho de quem pensa que pode
resolver tudo sozinho e colocar-se no lugar de Deus (CHAVES, 2002, p.76).

Os discípulos que decidiram seguir Jesus com lealdade, foram postos à


prova quando Jesus acalmou a tempestade demonstrando Sua divindade no
controle sobre a natureza (8:23-27). Mateus registra esta revelação do poder

47
miraculoso de Jesus para ensinar que, aqueles que aceitam o desafio de segui-lo,
podem estar seguros de que nem mesmo as forças da natureza podem limitar a
Sua autoridade divina. Aprendemos com este episódio o que diz aquela canção
infantil tão conhecida: “com Cristo no barco, tudo vai muito bem”, de autoria de
Josué Barbosa Lira. Contudo, mesmo já tendo testemunhado vários milagres, os
discípulos temeram a tempestade; faltou-lhes fé e coragem, por isso foram
repreendidos, por causa da pequenez da sua fé. De todo modo, aquele milagre
abriria suas mentes para o fato de que estavam diante do Cristo, o Senhor de
tudo.

Este mesmo poder sobre a natureza já havia sido demonstrado também na


expulsão de demônios, quando “ele meramente com a palavra expeliu os
espíritos” (8:16). Os antigos entendiam que doença, seres maus e tempestades
eram manifestações de poder espiritual (SAYÃO, 2020). No caso da possessão
demoníaca, tratava-se da invasão do corpo humano por espíritos malignos, com a
intenção de controlar a vida da pessoa e, por fim, destruí-la. Jesus reconheceu
esta realidade espiritual e autenticou Seu ministério messiânico pela libertação
desta opressão diabólica, curando as enfermidades físicas e espirituais. Em
Mateus 8:28-34, encontramos o milagre da cura de dois endemoninhados
gadarenos. Há uma diferença entre doença mental e escravidão por um poder
espiritual. O texto relata que os dois homens viviam em sepulcros e que os
demônios, ao saírem deles, entraram em porcos e morreram afogados no mar.
Antes disso, os próprios espíritos malignos reconheceram a autoridade de Jesus
como “Filho de Deus”. Claramente estamos, neste caso, diante de um exorcismo e
não da cura de uma enfermidade física.

Este segundo bloco de narrativas de milagres encerra-se com o poder de


Jesus sendo provado através do perdão de pecados (9:1-8). Estando em
Cafarnaum, diante do gesto de solidariedade de amigos que trouxeram um
paralítico até Ele, Jesus declarou que os seus pecados estavam perdoados antes
mesmo de dizer para ele se levantar e andar. Isto foi um escândalo para os
religiosos, que consideraram a declaração como blasfêmia e tentativa de usurpar
prerrogativas divinas. Aumentava, assim, a ruptura entre eles e Jesus. Mas, o
propósito do Mestre com o perdão dos pecados era mostrar que a necessidade
espiritual é maior do que a física e que Ele era o próprio Deus, que trazia a cura

48
completa, física e espiritual. Nem toda doença física é consequência do pecado
(Jo 9:2-3). Nesse caso em particular, Jesus percebeu que as duas coisas estavam
ligadas e que o homem precisava da libertação dos seus pecados, além da cura
física da paralisia.

PODER SOBRE A VIDA E A MORTE (9:18-34)

O terceiro bloco de milagres narrados por Mateus inclui a resolução de


problemas considerados pelos judeus como insolúveis: a morte, a cegueira e a
mudez. Esses milagres serviram para difundir ainda mais a fama de Jesus por toda
parte. Esta seção começa com o pedido do chefe de uma sinagoga, chamado
Jairo, para que Jesus ressuscitasse a sua filha. Enquanto se dirigia para a casa
onde estava a menina, uma mulher que sofria com uma hemorragia o tocou e foi
curada imediatamente. Jesus ressuscitou a filha de Jairo e partiu daquela
localidade. Quando já estava em casa, curou dois cegos que o seguiam pelo
caminho. Depois, curou um mudo endemoninhado. Essa demonstração de poder
sobre a vida e a morte acirrou a rejeição dos fariseus, que continuavam
disseminando a desconfiança e a descrença da multidão sobre o ministério
messiânico de Jesus.

O poder extraordinário de Jesus foi experimentado por uma sociedade


presa a tradições religiosas, divisões entre pessoas consideradas abençoadas e
aquelas que eram julgadas malditas; muitas também permaneciam cativas de
superstições. Jairo rompeu com a expectativa do povo e humilhou-se aos pés de
Jesus (v.18), crendo que Ele poderia trazer de volta a vida da sua preciosa filha.
Era uma autoridade religiosa reconhecendo que nem mesmo a sua posição de
membro mais respeitado daquela comunidade era eficaz contra a terrível morte.
Paralelamente, a mulher hemorrágica tocou a borda do manto de Jesus (v.20), no
meio da multidão, com uma fé ainda envolvida em superstição, porque ainda cria
no poder espiritual das vestes de quem obedecia à Lei (Nm 15.38; Dt 22.12).
Mesmo assim, recebeu a cura de maneira imediata e inexplicável. Já a cura dos
dois cegos, milagre exclusivo do Evangelho de Mateus, ressalta a fé excepcional
dos dois homens que chamaram Jesus pelo título messiânico de “Filho de Davi”
(9:27). O Comentário Bíblico NVI lembra que o fato de receberem a visão prova

49
que eles creram (v. 28,29), e que esse é o único caso em que a cura é
condicionada totalmente à fé e confiança da pessoa curada (BRUCE, 2008).

Este exemplo extraordinário de fé contrasta com as experiências anteriores.


O ensino do Evangelho neste ponto recai sobre o poder do Messias. Mesmo
quando a fé ainda não era amadurecida o suficiente, ou continuava presa a
barreiras sociais e religiosas, Jesus agia poderosamente; não transformava apenas
as circunstâncias, mas, prioritariamente, as pessoas que ainda lutavam com suas
próprias contradições. Esta é a conclusão a que chegou William Barclay. Ele
comentou que a pessoa não deve esperar para ir até Jesus somente quando as
motivações, a fé ou mesmo a teologia forem perfeitas. Nem devemos julgar
aqueles que vão até Jesus em condições dignas de correção no momento. Mas,
“quando estivermos na presença d’Ele, seremos aceitos como estivermos e
convertidos no que deveríamos ser” (BARKLAY, 1984).

CONCLUSÃO

Mesmo diante de todos estes milagres, os fariseus levantavam-se de


maneira ainda mais dura contra Jesus e Seu ministério, chegando a acusá-lo de
expulsar demônios “pelo maioral dos demônios” (9:34). Mas, o Mestre jamais
negociou a radicalidade do Seu chamado. Até mesmo quando um escriba, que
gozava de uma posição social privilegiada, aproximou-se na tentativa de tornar-se
discípulo, Ele não abrandou as exigências nem fez promessas materiais (8:19). Por
outro lado, chamou um publicano, Mateus, e fez dele um apóstolo (9:9), para
escândalo dos religiosos. Estes, repudiavam Sua amizade com “publicanos e
pecadores” (9:11), que eles consideravam impuros por não cumprirem as
formalidades da tradição judaica.

Jesus aproveitava estas oportunidades para deixar claro que viera


justamente para buscar e salvar aqueles que reconheciam o seu pecado e se
arrependiam: “Ide, porém, e aprendei o que significa: misericórdia quero e não
holocaustos”; pois não vim chamar justos, e sim pecadores [ao arrependimento]”
(9:13). Esta era uma referência ao Seu ministério como o cumprimento da
profecia de Oséias 6:6. Diante do que vimos nestes dois capítulos, concordamos

50
com a conclusão de Luiz Sayão (2020), que diz: “Diante do poder total e
extraordinário de Jesus, restava apenas a decisão radical de segui-lo ou rejeitá-lo.
A experiência com o poder de Jesus não permite neutralidade ou insensibilidade; a
sua presença é extraordinária e exige uma decisão”.

QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Segundo o ensino do Evangelho de Mateus, uma pessoa pode ser salva


experimentando apenas curas ou exorcismos, mesmo que sejam realizados
por Jesus?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

2) Por que Jesus fez questão de demonstrar que Seu poder estava acima de
regras e limites da religião?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

3) Por que os religiosos do tempo de Jesus rejeitaram, de forma tão ferrenha,


o Seu ministério?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

4) Por que era necessário que Jesus demonstrasse poder sobre as doenças
incuráveis, sobre os espíritos malignos e sobre a morte?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

5) Quais são as exigências de Jesus para que uma pessoa se torne seu
discípulo?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

51
Lição 06
A MISSÃO DOS APÓSTOLOS

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Conhecer a instrução de “Quem vos recebe a Segunda Mateus 9:35-38


Jesus aos doze mim me recebe; e
Terça Mateus 10:1-15
apóstolos para o quem me recebe
cumprimento da missão aquele que me Quarta Mateus 10:16-23
e compreender como a enviou” (Mateus
igreja hoje pode servir 10:40) Quinta Mateus 10:24-33
com a mesma
Sexta Mateus 10:34-42
motivação e estratégia.
Sábado Mateus 28:16-20

INTRODUÇÃO

O Antigo Testamento deixa claro que somente Deus poderia realizar os


milagres que Jesus realizou. Como vimos na lição anterior, ao apresentar o
Messias curando os doentes, expulsando demônios e ressuscitando mortos,
Mateus reivindica que Jesus é o próprio Deus Encarnado. O evangelista continua
defendendo esta tese no capítulo 10 enquanto apresenta a continuidade do
ministério messiânico através de discípulos enviados como apóstolos. Chegamos
assim ao segundo grande discurso de Jesus. Falando diretamente a estes
discípulos mais achegados, o Mestre explica o que deveria ser feito (dar
continuidade ao Seu ministério), as dificuldades a serem enfrentadas, os
estímulos para o ministério, a disposição que eles deveriam demonstrar e as
recompensas que o exercício fiel de seu serviço lhes traria (ESCRITURA EM FOCO,
2021). Com a chegada do Reino implantado pelo Messias, oposição e perseguição
são inevitáveis. Mas, a verdade do Evangelho desse Reino é a única capaz de
revelar o caminho da salvação; e, diante da Verdade do Evangelho, sempre será
preciso aceitar ou rejeitar. Este desafio persiste no século XXI, quando os
verdadeiros cristãos enfrentam a oposição daqueles que ignoram os

52
ensinamentos de Jesus, mas são enviados a eles demonstrando compaixão,
mesmo sob o risco de serem ridicularizados e até mortos.

A NECESSIDADE DE MISSIONÁRIOS

Em Mateus 9:35, encontramos um resumo do ministério de Jesus (como em


4:23). São três ações que também definem o ministério prioritário da igreja hoje:
ensinar (em grego, didasko – explicar, dar instrução), pregar (kerusso, no original;
ser um arauto, proclamar) e curar (therapeuo – restaurar a saúde). A igreja é uma
comunidade terapêutica, que proclama e ensina a Cristo como Salvador e Senhor.
Ela deve priorizar o espiritual sem esquecer as necessidades da pessoa como um
ser integral. Foi para a missão de resgatar estas pessoas que o Messias enviou os
Seus doze apóstolos. Pessoas carentes são apresentadas como uma “colheita”.
Diante da urgência de resgatá-las, Jesus rogou ao “Senhor da Seara” (vv.37-38)
que enviasse mais trabalhadores. O abandono dos líderes interessados apenas em
si mesmos, a confusão generalizada por falta de ensino verdadeiro e as
necessidades, tanto físicas quanto espirituais, são apresentados por Mateus como
o motivo do envio dos apóstolos.

Mateus não tem dúvida de que Jesus é Deus que veio para cuidar,
pessoalmente, do Seu rebanho. A ‘metáfora do pastor’ era muito significativa
para os judeus em toda a sua história e mesmo no tempo de Jesus. Esta figura é
aplicada aos principais líderes, como Moisés, Josué e Davi, e ao próprio Deus,
enquanto as ‘ovelhas sem pastor’ servem para ilustrar o povo de Israel
abandonado pelos maus líderes (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1298). O
mundo hoje continua carente de cuidado e direção. O aumento das religiões e a
diversidade de doutrina dentro das religiões provocam uma desorientação
generalizada e um apego místico a qualquer nova mensagem. Por conta disso,
ideologias políticas estão sendo elevadas ao nível religioso. Mas, como o Estado
ou qualquer tipo de promoção humana não são capazes de conferir sentido pleno
à vida, as pessoas acabam afundando ainda mais em frustração e desespero.

A compaixão do Messias (v.36), diante do sofrimento do povo, serve como


modelo supremo para a missão da igreja. A palavra usada em grego comunica o
sentido de ‘ser movido pelas entranhas’ (splagchnizomai), pois pensava-se que as

53
vísceras eram a sede do amor e da piedade. Esta era a palavra mais forte da
língua grega para expressar a piedade que alguém pode experimentar por outro
ser humano (BARCLAY, 1984). Podemos dizer que todo o ministério de Jesus foi
movido pelo amor visceral que Ele conhecia na relação eterna com o Pai e com o
Espírito Santo, o amor eterno que é a essência divina. Assim, Ele não via números
e estatísticas, como o Império Romano fazia para auferir seus lucros escorchantes.
Ele via cada pessoa com suas necessidades e angústias, sofrendo como “ovelhas
que não têm pastor” (v.36). Sentia compaixão íntima por suas dores e tristezas,
sua fome, suas doenças, seu desespero.

OS MISSIONÁRIOS ESCOLHIDOS

Jesus compartilhou com um grupo estabelecido de doze seguidores,


chamados inicialmente de discípulos (aprendizes), a Sua missão messiânica.
Depois, eles seriam chamados de apóstolos (enviados). A missão deles é
apresentada como uma solução prática para a necessidade de trabalhadores
expressa por Jesus em sua oração anterior. Por isso, foram enviados para realizar
as mesmas obras que Ele vinha realizando nos capítulos 8 e 9. Tanto a missão
quanto a mensagem são as mesmas, especialmente no que concerne à
reconciliação com Deus: “e, à medida que seguirdes, pregai que está próximo o
reino de Deus. Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli
demônios” (10:7-8). Quando Mateus usa o termo grego apóstolos, quer significar
um representante ou emissário investido de toda a autoridade daquele que os
enviou. Esta é a única passagem neste Evangelho onde a palavra ocorre.

No Novo Testamento, “apóstolo” não é um título que confira status, e sim


uma descrição de tarefa. O apóstolo não é maior que o pastor ou o diácono.
Apenas exerce uma função diferente na missão da igreja. Hoje, a mesma
autoridade dada aos apóstolos para curar, expulsar demônios e ressuscitar
mortos (v.8) continua sobre a igreja; não sobre indivíduos específicos, mas em
cada crente fiel. Para guiar a igreja, a autoridade conferida a eles, hoje, encontra-
se nas Escrituras Sagradas. Além disso, não existem mais apóstolos com as
mesmas credenciais daqueles, simplesmente porque não existem mais

54
testemunhas oculares do ministério, da ressurreição e da ascenção de Jesus (At
1:21-22). Os apóstolos de hoje são os ‘missionários’, aqueles que estão na linha
de frente da obra missionária. Toda igreja é apostólica quando se mantém fiel ao
ensino bíblico e obediente à comissão de evangelizar as nações.

Mateus não dá detalhes do chamado de cada apóstolo (Mc 3:13-15; Lc


6:13), porém, informa especificamente seus nomes (10:2-4). O grupo era diverso.
Simão Pedro é o primeiro da lista devido à sua importância entre os demais. O
próprio Mateus tinha se vendido aos dominadores da pátria; Simão, o zelote, era
um nacionalista radical, capaz de matar e morrer pela liberdade da nação. Eram
homens comuns. Não possuíam riquezas, formação acadêmica ou posição social.
Todos eles haviam sido unidos após o encontro transformador com o Messias e
comissionados a uma mesma tarefa: expandir o Reino de Deus na Terra.

William Barclay (1984) comentou que “Estes homens singelos, sem um pano
de fundo ou origem social destacada, provenientes de distintas esferas da fé,
eram as pedras fundamentais sobre as que se construiria a Igreja. Homens e
mulheres comuns constituem o material sobre o qual está fundada a Igreja de
Cristo”. Já os estudiosos do CBA notaram a importância do número doze como
símbolo da nova ordem que sucederia as doze tribos de Israel, não no sentido
político ou geográfico, mas como veículo para as bênçãos de Deus ao mundo,
tarefa originariamente dada a Abraão (Gl 3:7). (ADEYEMO, 2010, p.1174).

AS INSTRUÇÕES PARA A MISSÃO

Na expressão “dando-lhes as seguintes instruções”, o termo ‘instrução’ (em


grego, paraggellas autois) comunica o sentido de comando ou ordem militar.
Jesus falou como o general de um exército ou como um rei enviando seus
embaixadores. Os apóstolos foram enviados, prioritariamente, à “casa de Israel”,
assim como o próprio Messias: “Eu fui enviado apenas às ovelhas perdidas de
Israel” (15:24). Eles não deveriam ir aos gentios nem aos samaritanos (v.5).
Limitar as viagens étnica e geograficamente, durante o Seu ministério, fazia parte
da estratégia de ensino do Mestre. A Galileia estava mais aberta à mensagem do
Evangelho (Mateus 4:12-17) e os discípulos estavam familiarizados com os seus

55
patrícios judeus. Mas a ordem não era permanente. O próprio evangelista se
encarrega de deixar isso claro, ao encerrar sua obra com a comissão de todos os
discípulos a todas as nações (28:19-20). Ele também anotou a profecia de Jesus
sobre o Evangelho sendo pregado a todas as nações (24:14) antes do fim do
mundo e o mundo inteiro reunido diante d’Ele para que todos sejam julgados
(25:32).

Eles deveriam ir com pressa e, por isso, sem o peso da bagagem. Sua
mensagem e a autorização para curar lhes foram concedidas gratuitamente,
portanto, os serviços prestados (v.9) seriam oferecidos igualmente de graça. Além
disso, contariam com a hospitalidade daqueles que recebessem a mensagem (v.
10). Eles também foram, por isso, orientados a dispensar o uso de bolsas (os
cintos serviam como uma bolsa ou carteira). Uma única túnica bastaria (algumas
pessoas carregavam uma extra - Mc 6.9). O mesmo princípio da túnica extra
deveria ser aplicado às sandálias e ao bordão. Jesus estava proibindo o conforto
desnecessário. Sobre os versículos 8-15, os estudiosos do Comentário Bíblico NVI
destacam que estamos aqui diante de princípios e não de regras. Paulo, por
exemplo, mesmo sendo apóstolo, se esforçou em levar consigo um companheiro
de viagem de posição semelhante (Mc 6.7) mas, ao menos em Corinto, fez
questão de não aceitar a hospitalidade de ninguém (1Co 9.12; 2Co 11.9; 12.13) e
de trabalhar pelo seu próprio sustento” (BRUCE, 2008, p.1581).

O Reino de Deus sempre provoca divisão entre quem recebe e quem rejeita.
Os apóstolos foram instruídos a oferecerem, gratuitamente, a mensagem e o
poder do Evangelho, mas as bençãos ou maldições dele resultantes seriam
condicionadas ao recebimento ou à rejeição. ‘Sacudir os pés’ (v.14) era um gesto
simbólico de desprezo ao sair de uma região gentílica, considerada impura. Ao
rejeitar os discípulos enviados por Jesus, aquelas casas ou localidades se
tornavam iguais às cidades gentílicas e merecedoras de juízo mais rigoroso do que
o reservado para “Sodoma e Gomorra” (v.15). William Barclay (1984) explica esta
associação às cidades de Sodoma e Gomorra lembrando que aquelas cidades,
antes da sua destruição, foram culpadas de uma grave violação das leis da
hospitalidade (Gênesis 19:1-11). Elas também tinham rechaçado os mensageiros
de Deus, os anjos, contudo, não tiveram a oportunidade de conhecer diretamente

56
ao Cristo e sua mensagem. É por isso que seu destino no dia do julgamento será
menos trágico que o das cidades e aldeias da Palestina (BARCLAY, 1984).

A PERSEGUIÇÃO AOS MISSIONÁRIOS

Os apóstolos foram enviados como “ovelhas no meio de lobos” (10:16). A


honra do apostolado incluía o sofrimento, assim como o Mestre sofreu. Eles
deveriam ser “prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (v.16),
ou seja, terem astúcia sem malícia, possuírem a ‘sabedoria prática’ que Paulo
tinha quando reivindicou os direitos da cidadania romana em Filipos (At 25:11).
Tanto o Estado (v. 17-19), representado por tribunais judaicos e gentílicos, quanto
a própria família (v.21), se levantariam em oposição e perseguição contra os
apóstolos. Homens sem temor a Deus (“odiados de todos” – v.22) os julgariam
injustamente. Mas, a missão se desenrolaria de modo sobrenatural, porque os
apóstolos contavam com a presença e o socorro do “Espírito do Pai que fala por
vós” (v.20). Este princípio serve para a igreja hoje, mas deve ser aplicado com
sabedoria e honestidade. Em situações de urgência, não devemos confiar em
raciocínios e métodos humanos. Por outro lado, isso não pode ser usado como
desculpa para a falta de preparo daqueles que são responsáveis pela pregação e
ensino.

A expansão do Reino, através dos discípulos, apontava para o evento


escatológico final: “até que venha o Filho do Homem” (v.23). Associar este evento
com a destruição de Jerusalém pelos romanos no ano 70 d.C. é uma interpretação
frágil. A referência deve ser relacionada a eventos que começaram naquela
época, mas apontam para o futuro (SAYÃO, 2020). A interpretação mais
adequada, portanto, deve considerar tanto a ressurreição e ascenção como o
envio do Espírito no Pentecostes, assim como a Segunda Vinda de Cristo.
Contudo, diante do contexto de uma perseguição que estava por se iniciar
naquele tempo, Jesus faz uma promessa: “aquele, porém, que perseverar até ao
fim, esse será salvo” (v.22). Jesus não diz aqui que atingiremos a salvação apenas
pela perseverança, tampouco afirma que quem não perseverar não será salvo. Ele

57
apenas aconselha seus fiéis a perseverar porque existe uma esperança”
(ADEYEMO, 2010, p.1175).

Os sofrimentos são parte inerente da atividade missionária. O próprio


Mestre foi perseguido e odiado. Por isso, “basta ao discípulo ser como o seu
mestre” (10:25). Uma das ofensas que mais feriram o coração de Jesus foi ouvir
dos líderes religiosos da época que Ele realizava milagres pelo poder de Belzebu
(v.25), termo grego para a expressão hebraica Baal-Zebub (“senhor das moscas” –
2Rs 1:2), uma referência bíblica a Satanás. Se o próprio Filho de Deus sofreu tão
grave blasfêmia, o que poderiam esperar os Seus seguidores? Jesus nunca pediu
que Seus discípulos fizessem algo que Ele mesmo não tenha feito. No entanto,
devem ter coragem, pois Deus é quem faz justiça (10:26-31). Quando em missão,
eles não deveriam temer ao Diabo nem aos opositores humanos (v.26); somente
a Deus, que conhece a motivação de todos e está no controle de todas as coisas.
Ele cuida até mesmo dos pardais e tem contados todos os fios de cabelo da nossa
cabeça (v.29-30).

Tanto a missão quanto a resposta a ela são inescapáveis. Confessar ou negar


(v.32) significa assumir uma posição diante do Rei que chegou. O Reino de Deus
exige um compromisso radical de vida, uma entrega total. Um elevado nível de
exigência que divide até o ambiente familiar. Amar a Cristo e segui-lo
integralmente, tornará secundários todos os outros vínculos pessoais. Foi neste
sentido que Jesus disse: “não vim trazer paz, mas espada” (v.34-36). Embora Ele
tenha vindo trazer a paz do homem com Deus, com o próximo e consigo mesmo
(João 14:27; 16:33), Sua presença resulta, inevitavelmente, em um choque
teológico, ou seja, o conflito entre a adoração ao Único Deus Verdadeiro e a
permanência na idolatria. Por isso, discípulo é aquele que “toma a sua cruz” (v.38
– primeira referência à cruz em Mateus), que assume a posição de um criminoso
condenado, disposto a enfrentar vergonha e desprezo. Esta missão, contudo,
torna-se milagrosamente possível e recompensadora. A maior recompensa de um
discípulo enviado como apóstolo é ser um representante do próprio Senhor. Este
relacionamento de intimidade foi declarado por Jesus: “quem vos recebe, recebe
a mim” (v.40).

58
Comparando com Marcos 13:9-13, em que Jesus apresenta o mesmo ensino
no contexto de sinais de proximidade de Sua segunda vinda, os v.17-22
pressupõem uma missão mais extensa em termos de tempo e espaço do que a
viagem missionária que os apóstolos estavam realizando (BÍBLIA BRASILEIRA DE
ESTUDO, 2016, p.1300). Além disso, os registros de perseguição no ministério
deste período são bastante limitados (v.6). Desta forma, as palavras de Jesus,
reunidas por Mateus, podem ter sido pronunciadas quando enviou os Seus
discípulos a pregar pela primeira vez juntamente com as palavras que lhes
comunicou depois da ressurreição, quando os enviou a todo mundo (BARCLAY,
1984). Aqui temos, pois, não só palavras do Jesus da Galileia, mas também do
Cristo Ressuscitado, o mesmo Messias, apenas em estágios diferentes do Seu
ministério e de preparação dos Seus enviados. Desta forma, a “missão dos doze”
mantém uma relação de sentido com a passagem conhecida como “A Grande
Comissão” (28:16-20), o ponto mais alto do comissionamento evangélico.

CONCLUSÃO

Para a expansão do Reino que viera inaugurar, Jesus comissionou doze dos
Seus discípulos como apóstolos, para realizarem a obra que Ele havia começado:
ensinar, pregar e curar. Os apóstolos receberam autoridade para esta missão e
deveriam ser motivados pela mesma compaixão do Mestre. Embora fossem
perseguidos, deveriam estar seguros da recompensa de identificarem-se com os
sofrimentos e a glória do Messias. Assim como o Senhor, devemos rogar a Deus
por vocacionados aos campos distantes, mas pedir para que cada crente
demonstre que é salvo através de uma ardente compaixão pelos perdidos.
Enquanto ‘falsos apóstolos’ hoje buscam ser recompensados materialmente, a
igreja deve permanecer no firme propósito de seguir a Cristo mesmo em meio à
perseguição crescente em todo o mundo. Em cada ambiente no qual Deus nos
permitiu estar presentes e atuar, devemos ‘tomar a nossa cruz’ como símbolo do
compromisso radical de quem foi enviado com o privilégio de representar o
Senhor Jesus Cristo.

59
60
QUESTÕES PARA ESTUDO

1) É possível ser, verdadeiramente, um salvo e não sentir compaixão pelos


perdidos?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

2) Qual é a importância de orar pedindo que Deus desperte vocacionados?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

3) Existem apóstolos na igreja de Cristo hoje?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

4) Qual é a maior recompensa de se obedecer ao chamado de Cristo para


evangelizar?
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______________________________________________________________

5) Qual é a importância de conhecer e apoiar a igreja perseguida?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

61
Lição 07
A REJEIÇÃO AO MESSIAS

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Conhecer os motivos “Vinde a mim, todos os Segunda Mateus 11:2-30


que levam à rejeição que estão cansados e
Terça Mateus 12:1-21
a Jesus bem como o sobrecarregados, e eu
perfil das pessoas que vos aliviarei”. (Mateus Quarta Mateus 12:22-50
O aceitam como 11:28)
Salvador. Quinta Mateus 13:53-14:33

Sexta Mateus 14:34-15:20

Sábado Mateus 15:21-16:12

INTRODUÇÃO

Nesta lição voltaremos a atenção para as narrativas do Evangelho de


Mateus que apresentam a rejeição sofrida por Jesus. Escolhemos abordar este
tema com passagens que estão antes (capítulos 11:2-12:50) e depois (13:53-
16:12) do terceiro grande discurso messiânico, as parábolas do Reino, que
estudaremos na próxima lição.

Após o envio dos apóstolos e do discurso de comissionamento deles


(capítulo 10), o evangelista segue sua obra mostrando que o Reino dos céus já
está presente. Jesus já havia anunciado a Sua mensagem (capítulos 5-7) e
manifestado o poder de Deus (capítulos 8-9). Ele concentrou Seu ministério na
Galileia, próximo de Nazaré, Sua cidade. Ali, Ele foi duramente rejeitado no
ambiente religioso de Seu tempo por aqueles que testemunharam os Seus sinais,
mas não abriram o coração para Deus.

A reação a Ele foi composta por dúvida, no caso de João Batista, por
neutralidade e frustração da parte de Sua própria família, e de oposição ferrenha
vinda dos líderes de Israel, principalmente os fariseus e os escribas, que O

62
consideravam herege e blasfemador. Mas, o Mestre não se mostrou surpreso
com essas reações e seguiu desenvolvendo Seu ministério na direção da cruz.

Nem mesmo os incontáveis milagres realizados por Ele foram suficientes


para despertar a fé salvadora naqueles que O seguiam interessados apenas em
bênçãos materiais. Mesmo assim, enquanto era desprezado ou perseguido,
muitos O aceitaram, especialmente pobres e estrangeiros. À medida em que se
arrependiam e criam n’Ele como o Messias, tornavam-se Seus discípulos e
passavam a sofrer junto com Ele.

A DÚVIDA DE JOÃO BATISTA

João Batista já havia dado testemunho de Jesus por ocasião do batismo (Jo
1:29). Ele compartilhava de um ponto de vista popular acerca do Messias que O
esperava como Juiz (3:1-10). O profeta pode ter se decepcionado com o fato de
Jesus ter escolhido ser primeiro um agente de misericórdia. No contexto
miserável da prisão, cansado e desanimado, com o sentimento de esperança
adiada, ele vacilou na fé. No que parece ser o sentido mais natural e instrutivo do
texto (A CAMBRIDGE BIBLE FOR SCHOOLS AND COLLEGES, 2020), duvidou e
enviou mensageiros em busca de confirmação (11:2-6). Jesus respondeu à dúvida,
citando indiretamente Isaías 29:18,19; 35:5,6; 61:1 e falando em termos de
manifestação de poder e anúncio do Evangelho aos pobres.

Mateus registrou, ainda (v.7-15), o testemunho de Jesus sobre o Batista de


acordo com a profecia de Malaquias 3:1, confirmando o que havia sido dito sobre
si mesmo (Mateus 3:3). Para Jesus, ele era o derradeiro dos profetas (11:13); o
“maior dos nascidos de mulher” (11:11). Como último mensageiro da Antiga
Aliança, ele remontava ao primeiro dos grandes profetas, Elias (Ml 4:5). O
espiritismo ignora esta relação ministerial entre Elias e João Batista para enganar
as pessoas com o ensino maligno da reencarnação. João Batista era Elias no
propósito e no estilo do seu ministério, o último profeta confirmando toda a
profecia, desde o primeiro.

63
Mateus informaria depois (14:1-12) como Herodes Antipas, rei da Galileia e
da Pereia, mandou matar João Batista a pedido de Herodias, mulher de Felipe,
seu irmão, porque o profeta condenou o incesto do rei com ela. Nesse contexto,
aprendemos com o evangelista que a rejeição do rei galileu a Jesus era pela
crença de que João Batista havia ressuscitado e voltado como um messias. Para o
tirano, esta seria a única explicação para os seus poderes miraculosos (14:1-2). A
rejeição a João Batista também era uma rejeição ao Messias, do qual ele era o
precursor. Por esse motivo, Jesus já havia criticado, em outra ocasião, a atitude
incoerente dos religiosos, que rejeitaram tanto a João (“Tem demônio” – 11:18)
quanto a Ele (“glutão e bebedor de vinho” – 11:19). Como bem resumiu William
Barclay (1984), “Ao ascetismo de João chamavam loucura; à sociabilidade de
Jesus chamavam falta de moralidade. Em uma ou outra forma, sempre tinham
algo que criticar. O fato concreto é que quando a gente não quer escutar a
verdade, encontrará com muita facilidade alguma desculpa para não a escutar”.

A REJEIÇÃO DO POVO E DA PRÓPRIA FAMÍLIA

Diante de multidões compostas por pessoas consideradas ‘impuras’ pelos


religiosos, Jesus exerceu Seu ministério marcado por compaixão e graça. Por duas
vezes multiplicou pães e peixes. Na primeira vez, (14:13-21), o Mestre havia se
retirado de barco para um lugar deserto, mas, “sabendo-o as multidões, vieram
das cidades seguindo-o por terra” (v.13). Ali, cinco mil homens foram
alimentados. Se fossem contadas mulheres e crianças, o total de pessoas poderia
ser entre quinze e vinte mil. Esse foi um milagre que serviu para mostrar aos
galileus que Jesus era o Novo Moisés. O livro de Números (11:1-9) descreve como
Deus usou Moisés para sustentar o povo no deserto com o Maná.

Sobre a segunda multiplicação (15:32-39), Mateus registra que “o povo se


maravilhava ao ver que os mudos falavam, os aleijados recobravam saúde, os
coxos andavam e os cegos viam. Então, glorificavam ao Deus de Israel” (15:31).
Jesus sentiu compaixão dessa gente que permanecia com Ele por três dias (v.32).
Mais uma vez Mateus usa a palavra grega splagchnizomai, movido pelas

64
entranhas. Todos testemunharam mais um milagre messiânico quando quatro
mil, contando apenas homens, comeram e se fartaram.

Os discípulos estavam recebendo uma formação intensa e completa; o


ensino era prático. Eles já haviam testemunhado o poder de Jesus ao alimentar as
multidões e, agora, enfrentariam os próprios temores e superstições. Jesus andou
sobre o lago de Genesaré (14:22-33) ao ir ter com eles no barco. Eles pensavam
ser um ‘fantasma’. Naquela região, era comum se acreditar na aparição de
espíritos (v.26). Pedro chegou a andar sobre as águas, talvez na tentativa de
demonstrar sua fé, mas, depois de atentar para o vento e afundar, foi acudido por
Jesus (v.28-32). Por fim, os discípulos O reconheceram como o “Filho de Deus”
(v.33), mas a dificuldade de crer ainda não estava de todo superada, como
veremos por ocasião da crucificação. Quando chegaram na outra margem, toda a
circunvizinhança afluiu para a localidade a fim de serem curados os enfermos.
Mateus destaca que todos os que conseguiram ‘tocar’ suas vestes ficaram sãos
(v.36).

Todos estes milagres foram realizados por Jesus para comprovar Sua
natureza divina e para servir de sinal messiânico diante do povo. Contudo, o povo
ficou preso apenas nos milagres como simples demonstração de poder e não
entendeu que estava diante do Verdadeiro Deus. Isso pode explicar o motivo pelo
qual a rejeição ao Messias não foi apenas por parte dos religiosos, mas também
do povo das “cidades impenitentes” Corazim, Betsaida e Cafarnaum (11:20-24).
Mateus deixa claro que o Reino já estava no meio deles com sua mensagem e
poder, mas não houve o necessário arrependimento (v.20). Por isso, aquela
população estaria debaixo de maior rigor no julgamento do que cidades
estrangeiras como Tiro e Sidom, Sodoma e Gomorra. Em momento posterior
(12:43-45), Jesus explicaria que experimentar cura física, ou até mesmo libertação
do poder de demônios, não significava salvação. A pessoa liberta de um espírito
imundo voltaria a ficar sujeita ao Diabo, se a sua ‘casa’ (v.44), o seu coração, não
fosse preenchido pelo Espírito Santo. Uma vez que a pessoa recebe a mensagem
de Cristo, é necessário abrir o coração imediatamente, por se estar diante de uma
nova realidade.

65
A intenção de Jesus era enfatizar a importância de uma decisão pessoal
diante da Sua revelação como Messias. Por isso, quando procurado por Sua
família, afirmou que aquele que faz parte do Seu Reino são “mãe e irmãos” dele
(12:49-50). O Seu ensino na sinagoga de Nazaré causou admiração por causa da
sabedoria e do poder; os conterrâneos se perguntavam: “não é este o filho do
carpinteiro?” (13:55). O evangelista Marcos acrescenta que tamanha foi a
incompreensão dos familiares de Jesus a ponto de chegarem a considerá-lo “fora
de si” (Marcos 3:21). Já Mateus fez uma nota que carece de explicação: “não fez
ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles” (58). O poder de Jesus não
dependia da fé das pessoas, mas não era mais proveitoso nem benéfico fazer
sinais messiânicos naquela região; não faria sentido realizar sinais para corações
endurecidos (SAYÃO, 2020).

A REJEIÇÃO DOS LÍDERES RELIGIOSOS

Os escribas e fariseus, mesmo depois de verem tudo o que Jesus havia feito
até então, ainda lhe pediram um sinal (12:38-45), isto é, um milagre que os
convencesse. Era uma “geração má e adúltera” (v.39), equiparada aos idólatras do
Antigo Testamento. O único sinal a ser dado a eles seria o de Jonas: assim como o
profeta estava praticamente morto, mas foi restaurado à vida, o Filho do homem
ressurgiria “do coração da terra”. O Messias só seria reconhecido
incontestavelmente com a morte e ressurreição. Em outro momento, associados
aos saduceus, os fariseus ainda insistiriam no pedido de “um sinal vindo do céu”
(16:1). Quando isso aconteceu, os próprios discípulos já estavam contaminados
com o “fermento”, ou seja, a doutrina deles (16:6) e, por isso, foram repreendidos
pelo Mestre (16:7-12).

Os fariseus, que eram legalistas e literalistas, interrogaram Jesus sobre a


obediência dos discípulos aos costumes judaicos (15:1-20). Com base na tradição
dos anciãos, eles aplicavam ao ato normal de comer pão no dia a dia as normas
referentes à purificação do sacerdote no momento do sacrifício, segundo Êxodo
30:19 e 40:12 (BIBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1358). Na visão deles,
portanto, os discípulos estavam cerimonialmente impuros por não lavarem as

66
mãos. Jesus respondeu denunciando a transgressão que eles praticavam diante
do mandamento de honrar os pais (Ex 20:12; 21:17; Lv 20:9), quando se
recusavam a ajudar os pais porque afirmavam que suas propriedades haviam sido
dedicadas a Deus, mas continuavam a usá-la para benefício próprio. Era a Lei
sendo descumprida por causa da tradição dos mestres da Lei.

Para Jesus, o que contamina é o que sai da boca (“maldade” – v.18-20); a


preocupação com detalhes cerimoniais era uma fuga dos compromissos éticos e
morais diante de Deus. O princípio da Lei como superior a qualquer tradição será
a base do confronto de Jesus a estes líderes (como veremos na Lição 10) aos quais
Ele chamou de “hipócritas” (15:7), evocando a profecia de Isaías 29:13. Por fim,
eles seriam julgados, “arrancados” da presença de Deus (15:13).

Mateus registrou também outra questão que exemplifica o motivo da


rejeição dos fariseus a Jesus. Os discípulos de Jesus foram criticados pelos
fariseus por colherem espigas em um dia de sábado (12:1-8). Em resposta, o
Mestre lembrou da experiência de Davi e seus companheiros (1 Sm 21:1-6)
quando comeram “os pães da propiciação” (v.4) e dos sacerdotes (Nm 28:9-10)
que violavam o sábado no templo (v.5). Agora, como “Senhor do sábado” (v.8),
em pé de igualdade com Deus, ao “Filho do homem” cabia decidir como esse dia
deveria ser utilizado. O princípio que ele estabelecia para a sua aplicação era o da
superioridade da misericórdia sobre os sacrifícios (v.7). No passado, fora instituído
como tempo necessário de descanso e adoração. No tempo inaugurado por Ele
para a implantação do Seu reino, revelava que alimentar famintos ou socorrer
doentes não contradiziam o mandamento.

Com a cura de um homem da mão atrofiada, Jesus denunciou a contradição


dos fariseus, pois eles faziam o bem a animais naquele dia santificado, mas o
negavam a um necessitado. Luiz Sayão (2020) explica que o sábado fazia parte da
teologia da criação. Jesus era “Senhor da Criação”. Ele não quebrou o sábado, e
sim as regras acrescentadas pelas tradições que extrapolavam a Lei; não havia
proibição para fazer o bem. Mesmo assim, a partir daquele momento, os fariseus
“conspiravam contra ele, sobre como lhe tirariam a vida” (v.14).

67
Quando Jesus curou um endemoninhado cego e mudo (12:22-37), diante
dessa manifestação do poder de Deus (v.28) que provava a chegada do Seu Reino,
os fariseus O acusaram novamente de fazer isso pelo poder de Belzebu, como já
haviam feito (9:34). Para eles, Jesus estava possuído pelo “chefe dos demônios”,
Satanás, e, por isso, conseguia expulsar os demônios mais fracos. Deste ponto em
diante, Jesus passa a dirigir-se a eles de forma mais dura e decisiva: “Quem não é
por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha” (v.30). Ele revelou,
então, que a blasfêmia contra o Espírito Santo (v.31) era o pecado sem perdão,
pois a boca fala do que está cheio o coração (v.34). Se alguém rejeita a
comprovação de que Jesus era o Messias e o testemunho inquestionável do
Espírito Santo sobre Sua obra, com resistência permanente, estaria, assim,
rejeitando o perdão de Deus e provando que ainda não recebeu o Espírito de
Deus (SAYÃO, 2020).

A ACEITAÇÃO DOS HUMILDES

A graça de Deus expõe as contradições do ser humano. Rejeitado que foi


pelos Seus, o Messias veio a ser reconhecido e recebido, contraditoriamente, por
estrangeiros, como Mateus registrou em 15:21-28. Jesus havia se retirado com os
discípulos para as regiões de Tiro e Sidom (atual Líbano) e encontrara-se com uma
mulher cananéia. Ela reconheceu Jesus como “Filho de Davi” (v.22). A mulher,
também identificada como siro-fenícia, suplicava pela cura da filha
“horrivelmente endemoninhada”. Ela se posicionou diante de Jesus como “os
cachorrinhos que comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos” (v.27).
Enquanto isso, os próprios discípulos se mostraram confusos sobre o que fazer
diante do pedido de uma estrangeira. Jesus declarou que viera para a “casa de
Israel” (15:24), prioritariamente por causa da expectativa escatológica judaica,
mas, ao socorrer aquela mulher, mostrou a todos que o Seu Reino tinha um
alcance universal.

Nessas linhas narrativas tão dramáticas, Mateus contrasta a rejeição dos


líderes religiosos, do povo e da própria família de Jesus com a aceitação daqueles
que, humildemente, reconheceram sua necessidade espiritual urgente e O

68
acolheram como Senhor e Salvador (11:25-30). Eram os “pequeninos”, seguidores
humildes do Messias, aos quais o Pai havia revelado a verdade sobre a missão do
Seu Filho. Os “sábios e entendidos” (escribas e fariseus) impunham pesados
fardos sobre eles; eram as interpretações distorcidas da tradição dos anciãos.
Estavam cansados e sobrecarregados e, agora, podiam, finalmente, encontrar
descanso para suas almas. A eles foi dirigido o convite mais terno e encantador de
todos, o convite da salvação: “vinde a mim” (v.28). Era um convite a Ele, Sua
pessoa e obra, como o “Servo sofredor” que viera para carregar a nossa cruz
(Isaías 42:1-4).

Aqueles que aceitarem este sublime convite também devem “tomar” o jugo
e “aprender” com a mansidão e a humildade do Mestre. O foco desse chamado é
o aprendizado com a vida e o ensino de Jesus. Ele oferecia um jugo suave e um
fardo leve porque primeiro Ele trilhou o caminho da obediência à vontade de
Deus, o caminho da humilhação, da cruz. Quando exigia do discípulo que O
seguisse, prometia alívio e libertação de toda sorte de opressão. Os religiosos
rejeitaram a Jesus porque eram orgulhosos e hipócritas, não reconheciam o
próprio pecado e ainda ostentavam uma espiritualidade falsa. Se recusavam em
reconhecer que a verdadeira mudança aconteceria de dentro para fora.

CONCLUSÃO

Mateus iniciou o Evangelho afirmando que Jesus era o Messias (1:1; 23;
3:16-17). Jesus comprovou este testemunho com o Seu ensino (caps. 5-7) e
demonstrando poder extraordinário (8-9). A rejeição a Jesus, pelos líderes
religiosos e pelo povo das cidades onde operou mais milagres, foi motivada pela
frustração diante da expectativa criada: João Batista O esperava como o juízo
imediato; O povo esperava libertação política de Roma; Os religiosos O avaliaram
a partir da tradição dos mestres da Lei. Esta rejeição não gerou nenhuma surpresa
em Jesus. Ele direcionou Seu ministério para aqueles que eram humildes a ponto
de reconhecerem que a maior opressão era o pecado e a maior libertação era
experimentar a salvação de Deus. Seus milagres não seriam suficientes para
convencer quem estava preso às próprias expectativas ou ao próprio orgulho. Os

69
humildes O receberam como o Messias e decidiram seguir com Ele no caminho da
cruz.

70
QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Por que João Batista duvidou de Jesus?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

2) Por que Jesus foi rejeitado pelos Seus próprios familiares e conterrâneos?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

3) Por que os líderes religiosos rejeitaram Jesus como Messias?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

4) Qual é o principal motivo que leva uma pessoa a rejeitar Jesus?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

5) Qual é o perfil da pessoa que aceita Jesus como Salvador?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

71
Lição 08
AS PARÁBOLAS DO REINO

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Compreender por que “para que se cumprisse Segunda Mateus 13:1-9


Jesus ensinou por o que foi dito por
Terça Mateus 13:10-23
parábolas, qual é a intermédio do profeta:
mensagem e aplicação abrirei em parábolas a Quarta Mateus 13:24-30
delas para a igreja hoje. minha boca; publicarei
coisas ocultas desde a Quinta Mateus 13:31-35
criação do mundo”.
Sexta Mateus 13:36-43
(Mateus 13:35)
Sábado Mateus 13:44-52

INTRODUÇÃO

Conforme o ministério de Jesus prosseguia, Mateus informa sobre a divisão


inevitável: aceitação e rejeição. Aqueles que o aceitaram como Messias, creram
nos seus milagres e comprometeram-se com os seus ensinos. Por outro lado,
aqueles que o rejeitaram, não creram nele nem se arrependeram dos seus
pecados. Vários líderes religiosos passaram a vê-lo como um herege. Isso
aconteceu porque Jesus apontou claramente como eles viviam uma
espiritualidade falsa. Neste contexto de oposição, o Mestre apresentou o seu
terceiro bloco de ensinamentos no qual revela a natureza do reino dos céus. Foi
um discurso na forma de um conjunto de parábolas. Elas explicam por que o Rei
Messias havia chegado e não estava reinando triunfalmente em Jerusalém. Ele
tinha sido rejeitado tanto religiosa quanto politicamente. Mas, o Reino de Deus
demonstraria ter valor supremo e não deixaria de se estabelecer mesmo diante
de todas as barreiras levantadas (BIBLE PROJECT PORTUGUÊS, 2020).

72
AS PARÁBOLAS COMO MÉTODO DE ENSINO

Parábola (em grego, parabole; do verbo paraballo - comparar) significa


colocar coisas semelhantes, postas lado a lado, para estabelecer comparação e
tirar ensinamento. A parábola é uma figura de linguagem na qual uma verdade
moral ou espiritual é ilustrada por uma analogia derivada de experiências
cotidianas. Elas possuem verossimilhança, ou seja, semelhança com a realidade.
Na série de parábolas no capítulo 13, Jesus usa imagens familiares como solo,
sementes, aves, espinhos, pedras, sol, trigo, joio, semente de mostarda,
fermento, tesouro escondido e uma pérola.

O método de ensino parabólico envolve o ouvinte em um mistério. Ele


distingue quem tem interesse e decide aproximar-se para aprender mais de
quem, orgulhosamente, despreza o que está sendo ensinado. Desse modo, os
ouvintes manifestavam qual era a prioridade de suas vidas. Por isso, Jesus,
normalmente, falava por meio de parábolas às multidões e explicava o seu
significado somente para os discípulos.

As parábolas de Jesus podem ser divididas em dois tipos (BRUCE, 2008, p.


1085):

1) parábolas que surgem de um pano de fundo definido e oferecem uma


resposta à situação (a maioria se encaixa neste modelo);

2) parábolas completas em si mesmas sem um pano de fundo citado além


do contexto geral do ministério de Jesus (como estas do capítulo 13).

O OBJETIVO DAS PARÁBOLAS

O Mestre adotou as parábolas como seu método de ensino por excelência.


Seu objetivo, com isso, era confirmar a rejeição ou a aceitação, que tinham como
consequências eternas o relacionamento com Deus ou a separação definitiva
dele. O pano de fundo desse conjunto de parábolas do capítulo 13 é o crescente
conflito entre Jesus e as autoridades que resistiam à sua mensagem (ADEYEMO,
2010, p.1180). Para William Barclay, este é um capítulo muito importante dentro

73
da estrutura geral do evangelho por assinalar uma mudança definitiva no
ministério de Jesus. Ele deixa de pregar nas “sinagogas” e passa a pregar “à beira-
mar”. (BARCKLAY, 1984).

Jesus não era mais bem-vindo nas sinagogas e, portanto, pregava em campo
aberto, na praia e nas casas. Neste sentido, Warren Wiersbe sugere que as
expressões “saindo Jesus de casa” (v.1) e “à beira-mar” poderiam ter significado
para Mateus mais do que, simplesmente, lugares. Segundo ele, o evangelista
pode ter usado o termo “casa” como referência à “casa de Israel” (Mateus 10:5);
já o mar seria uma referência às nações gentílicas do mundo (Isaías 60:5;
Apocalipse 17:5).

As parábolas de Mateus 13 são chamadas de “parábolas do reino” e foram


propostas em perspectiva judicial, para revelar o relacionamento misterioso de
Deus com Israel. Elas respondem à pergunta sobre a entrada no reino de Deus. Os
fariseus ensinavam que a simples herança genética de Abraão ou a mera
nacionalidade judaica permitiriam um acesso imediato ao reino. Contrariando
essa teologia, Jesus ensinou que seria necessário apropriar-se da condição de
cidadão do reino através de uma postura e disposição pessoal representados pela
fé e pelo arrependimento. Os outros evangelhos sinóticos concordam com esta
visão sobre o juízo de Deus manifesto pelo método parabólico: “para que, vendo,
vejam e não percebam” (Marcos 4:12; Lucas 8:9,10). Quem aceitava a Palavra
com humildade, recebia as bênçãos do Reino; dos arrogantes e incrédulos, até a
parcela que possuíam seria tirada (v.12).

Ao esclarecer por que falava às multidões por parábolas, segundo Mateus,


Jesus citou Isaías 6:9,10. Com esta referência profética, o Mestre explicitava que a
dureza do coração dos seus ouvintes o fazia ensinar de modo que eles não
entendessem. Contudo, devemos ressaltar que este ato soberano da parte do
Senhor não anula a responsabilidade exigida do ser humano. “A soberania de
Jesus em impedir que as pessoas cheguem ao conhecimento e sejam salvas
harmoniza-se como a responsabilidade do homem que fecha ele mesmo as portas
do Reino para si em função de sua rejeição do jeito divino de resolver os
problemas.” (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1306). Era Deus,
soberanamente, decidindo revelar “os “mistérios do reino dos céus” (13:11) em

74
cumprimento à profecia de Salmos 78:2 – “Abrirei os lábios em parábolas e
publicarei enigmas dos tempos antigos” (passagem citada por Mateus em 13:35).

Ele se preocupava em ensinar seus discípulos longe das multidões que os


seguiam (13:1-2). As parábolas eram contadas na presença da multidão, enquanto
as explicações eram dirigidas somente aos discípulos (13:10,36). A eles era
revelado o mistério do Reino que já estava presente na pessoa e obra do Messias.
Somente aqueles que o experimentavam, poderiam entender os seus mistérios.
As verdades que permaneceram ocultas desde a criação do mundo, foram
reveladas àqueles que, humildemente, receberam o Filho de Deus feito homem
em Nazaré da Galiléia.

Como Deus Presente no meio do seu povo, o Messias era, a um só tempo,


graça e juízo. Os orgulhosos (Mateus 11:25) não poderiam usar como desculpa
para o seu julgamento o uso das parábolas como método de ensino; as parábolas
não impediam ninguém de conhecer a verdade. Ao contrário, estimulavam o
interesse em aprender: “Quem tem ouvidos [para ouvir], ouça” (13:9). A multidão
que seguia a Jesus por interesse meramente material ou por simples curiosidade,
mas não demonstrava desejo sincero de entrar no Reino de Deus, nunca
aprofundavam a compreensão do ensino recebido. “Isso servia para filtrar os
ouvintes, e somente aqueles que buscavam a Jesus com sinceridade eram guiados
ao conhecimento dos mistérios do reino do céu” (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO,
2016, p.1349). No Evangelho de João, Jesus deixa claro que a condição para
conhecer profundamente a sua doutrina era a disposição para obedecer a Deus
(João 7:17) e que não podia crer, verdadeiramente nele, quem glorificasse a
homens em lugar do Deus Único (5:44).

A INTERPRETAÇÃO DAS PARÁBOLAS

Em geral, a parábola apresenta uma ideia única, embora as ideias


subordinadas e os muitos personagens (e suas ações) possam expandir e
desenvolver este pensamento inicial. A vida, a mensagem e o ministério de Jesus
jamais devem ser esquecidos na hora de aplicar uma parábola à vida cristã hoje.
Segundo os eruditos do Comentário Bíblico NVI, a interpretação correta das

75
parábolas de Jesus deve manter-se equilibradamente entre os extremos da
alegorização, isto é: empregar sentido espiritual a todos os detalhes da história; e
a análise moderna, que reduz a mensagem a apenas um tema central impossível
de ser descoberto sem a orientação do Espírito Santo. A verdade está entre os
extremos. Uma parábola tem somente uma mensagem, mas muitos dos seus
detalhes são contribuições para o seu significado. Sempre que o contexto indicar
o significado, é relativamente fácil distinguir entre o núcleo da história e o cenário
necessário que não tem influência sobre a aplicação. “Na coleção do cap. 13, não
há contexto, e por isso a interpretação se torna muito mais difícil; temos de ser
muito cuidadosos com o que descartamos como cenário” (BRUCE, 2008, p.1085).

Com isso em mente, não deveríamos concordar com a interpretação das


parábolas deste capítulo como um bloco fechado que contém uma mensagem
escatológica, ou seja, como ensino sobre o futuro. Tem sido comum pensar que
os “mistérios do Reino dos céus” (Mateus 13:11) significam o período entre o
início do ministério de Jesus e sua segunda vinda. Warren Wiersbe, por exemplo,
propõe a análise deste capítulo considerando que o reino messiânico se iniciou
com a disseminação da Palavra nos dias de Jesus e continua até o fim desta era:
“Essas parábolas delineiam o desígnio de Deus e a oposição de Satanás durante
esta era” (WIERSBE, 2009, p.55). Obviamente, Jesus intentou revelar
conhecimento sobre todo o seu reino, incluindo a era da igreja. Mesmo assim,
reduzir a mensagem a uma perspectiva futura, exige uma alegorização exagerada,
isto é: explorar cada detalhe, de cada parábola, em busca de um código sobre o
futuro.

Os estudiosos da BBE concordam que as parábolas, apesar de estarem entre


as passagens bíblicas mais apreciadas pelos cristãos, estão entre as mais
“maltratadas” pelos intérpretes, por atribuírem a elas significados que Jesus não
quis dar. Estes eruditos aconselham a adoção de alguns cuidados a serem
considerados na interpretação deste gênero textual:

1) “Procurar compreender os costumes e o estilo de vida dos tempos


bíblicos;
2) Entender a situação em que a parábola foi contada;

76
3) Descobrir o propósito ou a ideia central da parábola a partir do seu
contexto;
4) Interpretar os detalhes da história apenas na medida em que eles
contribuem para enfatizar ou destacar a ideia principal das parábolas;
5) Usar o bom senso para fazer distinção entre os elementos da parábola
que possuem significado especial e outros que são apenas detalhes
incidentais;
6) Observar a reação explícita ou implícita dos ouvintes;
7) Confirmar sua conclusão sobre o tema principal da parábola por meio de
um ensino bíblico explícito.” (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.
1349)

A MENSAGEM CENTRAL DE CADA PARÁBOLA

A Parábola do Semeador (ou A Parábola dos Solos)

Na parábola do semeador, ou dos solos (13:1-9), as sementes caem em


diferentes terrenos: beira do caminho, pedras, espinhos e boa terra. Cada um
deles simboliza a situação do coração, um estágio de abertura ou
amadurecimento. A “Palavra” não volta vazia (Isaías 55: 11); ela é a “boa
semente” (Marcos 4:14). Contudo, a mesma palavra produz vários efeitos de
acordo com o modo como é recebida. Na explicação da parábola (13:18-23), Jesus
apresenta os motivos da rejeição da mensagem do Reino e o resultado da sua
aceitação:

 beira do caminho – falta de entendimento e indisposição para obedecer;


 pedras – superficialidade na fé e falta de compromisso;
 espinhos – mente dividida ou dominada por preocupações e prazeres;
 boa terra – compreensão e disposição para obedecer; frutificação na fé.

São, basicamente, três tipos de resultado: nenhum, algum e muito. Outro


aspecto importante desta parábola foi destacado pelo Pr. Luiz Sayão, em seu
comentário bíblico em áudio Rota 66: “Os tipos de rejeição não servem somente
para diferenciar entre pessoas salvas e perdidas. Mesmo os salvos podem

77
experimentar estágios de maturidade espiritual diferentes ao longo da carreira
cristã” (SAYÃO, 2020).

As Parábolas do Joio e do Trigo e da Rede

Aprendemos, por mais uma parábola, que o joio (do grego: zizania), uma
espécie de “trigo bastardo”, foi semeado ao lado do trigo verdadeiro (v.24-30).
Seu grão, além de não alimentar, é tóxico, produz náuseas e tem efeito narcótico
(BAPTISTA, 1984, p.34). Ele permanecerá emaranhado ao trigo durante o
crescimento e a diferença na coloração (será mais escuro) só poderá ser
percebida na fase final do ciclo vital, sendo impossível separá-los antes da
colheita. Os servos do proprietário precisaram exercitar a paciência e esperar o
momento apropriado para separar joio de trigo. Na explicação (v.36-43), Jesus
ensina que não é possível separar o bem e o mal, quem o recebe e quem o rejeita
no contexto da implantação do Reino, na era presente. Está posto pelo Mestre
um impedimento de julgar pela aparência e uma séria advertência sobre o
cuidado no exercício da disciplina eclesiástica. O Pr. Walter Baptista observa que
há nesta pequena história uma percepção muito realista de que a Igreja de Cristo
está composta daquilo que Agostinho chamou um ‘corpus mixtum’ (corpo misto).
Contém o bom e o mau, que serão separados no final quando se dará o Juízo. “A
igreja ainda não é perfeita, não é 100% pura, e não é tarefa primordial dos
discípulos limpá-la no sentido de alcançar esse nível. É um alvo impossível na
manifestação terena do reino” (BAPTISTA, 1994, p.34).

Esta parábola, também chamada de “O joio no campo”, só é encontrada em


Mateus. Ao lado da parábola da rede, apresenta uma ênfase escatológica, pois
reflete sobre a natureza presente do Reino à luz da “consumação do século”
(v.39;49). Com a vinda de Jesus, já havia chegado o Reino de Deus, embora de
modo invisível. Mesmo assim, enquanto o Reino não for consumado, o poder
maligno hostil procurará misturar-se à Igreja para influenciá-la a partir de dentro.
Quando chegar o dia final de julgamento, Deus mesmo separará os “filhos do
reino” dos “filhos do maligno” (13:38). Falando para uma audiência composta, em
grande parte, por pescadores, Jesus lança mão da imagem da “pesca de arrastão”,

78
quando a rede recolhia todo tipo de peixe que era separado na praia (v.47-48).
Segundo William Barclay, a parábola afirma que chegará o momento da
separação em que se enviará os bons e os maus a seus respectivos destinos. Mas
essa separação, por mais segura que seja, não é tarefa do homem, mas, sim, de
Deus. “De maneira que nosso dever consiste em aceitar a todos os que desejem
vir, e não julgar nem separar, a não ser deixar o julgamento final a Deus que é o
único que pode fazê-lo” (BARCLAY, 1984).

As Parábolas do Grão de Mostarda e do Fermento

Com as Parábolas do Grão de Mostarda e Fermento (v.31-33), o Mestre


pretendeu ensinar que o seu Reino cresceria mesmo diante da oposição. Apesar
do início frágil e limitado, possuía poder incontrolável. A grandeza futura do Reino
já estava presente potencialmente, e isso deveria servir de encorajamento para
que os discípulos aguardassem o seu crescimento com paciência. O pequeníssimo
grão de mostarda dava origem a uma árvore capaz de aninhar muitos pássaros.
Uma pessoa que confia integralmente em Cristo e a Ele permanece leal até à
morte, pode ser usado para transformar toda uma sociedade. O fermento possui
um poder transformador invisível. Bilhões de pessoas já foram transformadas de
dentro para fora a partir do encontro de fé com Jesus. Contudo, o Reino de Deus,
embora destinado ao triunfo, não toma a forma política do mundo.

As Parábolas do Tesouro Escondido e da Pérola de Grande Valor

Com mais duas parábolas lançadas em conjunto, Jesus passa de objetos de


pequeno valor (solos, semente, fermento) para coisas de alto valor (tesouro,
pérola). O reino dos céus é retratado por algo belo, valioso e infinitamente mais
compensador do que qualquer outra coisa. Através das Parábolas do Tesouro
Escondido e da Pérola de Grande Valor (v.44-46), o Mestre ensinou que vale a
pena sacrificar-se pelo Reino. Quando o Reino é descoberto pelo coração que
recebeu a mensagem, sua prioridade e suas elevadas exigências são reveladas. A
reação imediata para quem encontra o tesouro, ou a pérola, é “deixar tudo”. A
expressão “transbordante de alegria” (13:44) merece o lugar central nas duas
parábolas gêmeas. A renúncia de tudo era apenas uma consequência. A

79
experiência do apóstolo Paulo é uma viva ilustração destas parábolas no Novo
Testamento (Filipenses 3:7-8).

80
CONCLUSÃO

Na conclusão do seu discurso, Jesus compara o discípulo que entendeu


“todas essas coisas” (v.51) que ele ensinou por meio de parábolas com um escriba
devidamente instruído sobre o Reino do céu. Um escriba era alguém que conhecia
tão bem o Antigo Testamento que era capaz de copiar e expor o seu conteúdo.
Era um mestre da Lei que, à semelhança de um chefe de família, oferecia “coisas
novas e velhas” (v.52) da sua despensa aos familiares e hóspedes. Após
aprenderem com Jesus, os discípulos seriam capazes tanto de expor a revelação
do Antigo Testamento (coisas velhas) quanto a do Novo Testamento (coisas
novas). Estavam preparados para discernir o que havia sido revelado a Israel e
que apontava para Cristo.

O estudo das parábolas deste capítulo serviu para compreendermos melhor


a relação entre o Antigo e o Novo Testamento. Aprendemos que o objetivo de
Jesus, ao ensinar por parábolas, foi revelar a natureza do reino de Deus que havia
chegado em sua pessoa e ministério. Elas representam o posicionamento do
Messias diante da rejeição a Ele. Com elas, fica estabelecido o princípio: para
conhecer a Jesus é necessário aceitar o convite de ir até Ele com fé, mudar a
mentalidade e segui-lo até à morte. Por outro lado, assim como o próprio Deus
iniciou a implantação do seu Reino na Terra, assumindo a vida simples de um
galileu do primeiro século, este Reino prosperaria em meio à oposição e
atravessaria a história triunfando sobre o mal. Quando a semente da Palavra
encontra o terreno fértil de um coração receptivo, o Reino começa invisível, mas,
poderosamente, exibe sua trajetória de transformação. Enquanto aguardamos o
dia da colheita final, seguimos, pacientemente, imitando o Mestre que, ainda
hoje, diz: “Vinde a mim” (Mateus 11:28).

81
QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Qual é o objetivo de Jesus ao ensinar por parábolas?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

2) Qual princípio não pode ser esquecido na interpretação das parábolas?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

3) Como a parábola do semeador pode ser aplicada à vida cristã?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

4) O que aprendemos, com a parábola do joio no campo, sobre a disciplina na


igreja?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

5) O que as parábolas ensinam sobre a necessidade de apropriação pessoal da


salvação?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

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Lição 09
IGREJA: A COMUNIDADE DO MESSIAS

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Compreender o que é a “Porque, onde Segunda Mateus 16:13-28


igreja, o que ela estiverem dois ou três
Terça Mateus 17:1-13
representa no mundo e reunidos em meu
como se deve viver nela. nome, ali estou no meio Quarta Mateus 17:22-27
deles”. (Mateus 18:20)
Quinta Mateus 18:1-9

Sexta Mateus 16:10-22

Sábado Mateus 18:23-35

INTRODUÇÃO

O quarto grande discurso de Jesus, também conhecido como o “Sermão da


Humildade”, situa-se na parte central do evangelho. Já foi possível para Mateus,
até aqui, apresentar a chamada (4:18-22) e o envio (10:1-4) dos primeiros
discípulos, que depois tornaram-se apóstolos. Além disso, o evangelho expôs a
distinção entre os que rejeitaram e os que aceitaram Jesus como o Verdadeiro
Messias. Antes do confronto final com os religiosos que influenciavam o povo
contra ele, o Mestre ensina sobre a entrada e a condição de vida na comunidade
do Reino, que passou a ser conhecida, a partir deste momento, e através do Novo
Testamento, pelo termo “igreja”. Estudaremos nesta lição como se forma a igreja,
o que ela representa na terra e como os seus membros são desafiados e
capacitados a viver.

A ENTRADA NA IGREJA

Jesus planejou a conclusão da primeira etapa do seu ministério


programando um retiro espiritual em Cesareia de Felipe, a 70 Km de Jerusalém. A
partir daquele momento, o Mestre concentrou-se mais nos apóstolos, enquanto
83
sofria maior oposição dos religiosos, o que culminaria com a sua morte em
Jerusalém. Uma vez reunido com os Doze, perguntou sobre a opinião popular
acerca da sua identidade. Os discípulos apresentaram um relatório: o povo
associava Jesus aos profetas (Elias, João Batista, Jeremias). Quando Jesus inquiriu
os próprios discípulos, Pedro os representou e respondeu que Ele era “o Cristo, o
Filho do Deus vivo” (16:16). O Mestre, então, aprova a confissão dos apóstolos
representados por Pedro como sendo revelação do “Pai que está nos céus” (v.17)
mas, na sequência, ao predizer sua morte e ressurreição, repreendeu duramente
a Pedro por tentar dissuadi-lo desse propósito.

Neste contexto, o próprio Senhor define o que é a igreja e quem dela


participa. A ideia contida na expressão ekklesia (Grego – três únicas vezes nos
evangelhos – 16:16; 18:17) é de povo de Deus, e não uma assembleia política,
como era comum na cultura grega. O Mestre deu eco à voz das profecias do
Antigo Testamento. A palavra utilizada por Jesus deve ter sido qahal (em hebraico
ou seu equivalente em aramaico), termo usado para toda a congregação de Israel
(como em Sl 107:32). A igreja tem o seu fundamento espiritual na pessoa e obra
de Cristo; não deve basear-se na opinião popular, mas na revelação de Deus, na
sua obra salvífica e poderosa através da encarnação do Filho Eterno. Cada
membro da igreja é convocado pelo Senhor a confessá-lo (Mt 10:32).

Uma igreja deve ser formada por pessoas que foram convertidas a Cristo,
que confessam publicamente Jesus como Senhor e Salvador, dando testemunho
da sua regeneração, sendo biblicamente batizadas, para adorarem a Deus,
viverem em comunhão e fazerem discípulos em todo o mundo. A partir da
afirmação de um dos discípulos, Pedro, Jesus pôde estabelecer a sua igreja.
Aquela confissão (16:16) acerca de quem era Jesus tem servido como base para
que Deus realize um projeto maior para a salvação de todo homem. “E a igreja de
Jesus hoje é o conjunto daqueles que concordam com a afirmação de Pedro e
professam a fé em Jesus Cristo, aquele que foi enviado por Deus para dar a sua
vida em resgate dos perdidos, com o fim de ser Senhor” (CHAVES, 2002, p.94).

84
O QUE A IGREJA REPRESENTA

Uma vez que a pessoa se torne discípulo de Jesus e entre na igreja pela
porta da conversão, deverá ser preparada a viver sob a sombra da cruz. Assim
como Pedro e os fariseus, o povo esperava um rei com poder político e militar,
uma interpretação de Salmos 2 e Daniel 2. Mas Jesus ensinava segundo os temas
do profeta Isaías, segundo o qual o rei messiânico sofreria e morreria pelos
pecados do próprio povo (Isaías 53). Walter Baptista observa que “Isaías 53 é o
background de Mateus 16:13-23. Jesus Cristo estende seu reino sobre o povo
pelos caminhos profundos do sofrimento e da morte. Essa é a sua grande
comissão”. (BAPTISTA, 1984, p.40). Nos versículos seguintes, Mateus registra as
palavras de Jesus sobre o preço do discipulado: “Se alguém quer vir após mim, a
si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (v.24). O Reino do Messias
funciona por um caminho diferente: perder a si mesmo é ganhar a vida (v.26). A
renúncia do mundo, por causa de Cristo, é o único caminho para a salvação.
Contudo, a igreja que trilha o caminho da cruz também reflete a glória de Deus no
mundo em trevas.

Paradoxalmente, depois de chamar os discípulos a morrerem por Ele, Jesus


afirma que “de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam vir o Filho
do Homem no seu reino” (v.28). Os estudiosos do Comentário Bíblico NVI
concordam que o Mestre se referia aqui à transfiguração (relatada nos versículos
seguintes) como antecipação da ressurreição. Antes de experimentarem a morte,
os discípulos (Pedro, Tiago e João) viram Jesus transfigurado (em grego,
metamorphou – mudar de forma, transformar) diante deles (17:1-8). A glória do
Reino foi revelada, antecipadamente, aos discípulos, quando eles viram Jesus ao
lado de Moisés e Elias; era como um trailer da vida futura (SAYÃO, 2020).
Interpretações equivocadas desta passagem, sugerem a permissão para a
consulta aos mortos.

O Espiritismo, por exemplo, procura explorar, ao máximo, estes pontos mais


complexos da narrativa, facilmente compreendidos à luz de passagens
doutrinárias, como Hebreus 9:27 – “E, assim como aos homens está ordenado
morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo”. Ademais, Elias foi arrebatado
(2 Reis 2:11) e uma tradição antiga dá conta de que o corpo de Moisés

85
desapareceu (Judas 9). Os discípulos compreenderam, depois, que o ministério
preparatório de Elias havia se cumprido na vinda de João Batista (v.10-13). Moisés
e Elias representam a Lei e os Profetas, enquanto Jesus é o cumprimento de
ambos e estava sendo glorificado pelo Pai como preparação final para o Calvário:
“Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi” (v.5). A declaração
que havia inaugurado o ministério (Mateus 3:17), agora autenticava o seu êxito.

Pedro propôs que se fizessem “três tendas” (v.4): para Jesus, Moisés e Elias
no monte, mas, juntamente com os outros discípulos, caíram atemorizados diante
da glória (v.6). Jesus ordenou que se erguessem para continuarem no caminho da
missão. Ao descerem para o vale, depararam-se com um jovem possesso,
identificado como “lunático” (v.15); provavelmente ele sofria ataques epiléticos.
Na antiguidade, as doenças eram descritas de maneira fenomenológica; como se
manifestavam. Acreditava-se na interferência das fases da Lua em transtornos
mentais (CHAVES, 2002, p.96).

Embora não seja correto generalizar, dizendo que todo problema


psiquiátrico é resultado de possessão demoníaca, a Bíblia nos informa que
Satanás sempre agiu no mundo e, naquele caso específico, usava a enfermidade
para oprimir o jovem e sua família. Os discípulos perguntaram o motivo de não
terem conseguido expulsar o demônio. Jesus respondeu que foi pela pequenez da
fé deles. A fé não determina a vontade de Deus, mas é o canal para a
manifestação do seu poder de “mover as montanhas” (v.20), expressão proverbial
rabínica que significava “fazer o impossível”.

A igreja experimenta a glória de Deus no monte da transfiguração para


cumprir a sua missão no vale das trevas espirituais. Warren Wiersbe comenta que
“Não podemos ficar para sempre no monte de glória com o Rei; temos de descer
para o vale da necessidade no qual Satanás opera. ‘Pelo véu’ e ‘fora do arraial’
são duas coisas essenciais para a vitória” (WIERSBE, 2009, p.70). O poder
necessário para a missão não está no monte enquanto acidente geográfico, mas
na presença de Jesus (“Então, eles, levantando os olhos, a ninguém viram, senão
Jesus” – v.9). Com esse poder, é possível lutar com a fé, exercitada na oração e
no jejum (v.21), contra os poderes do inferno.

86
Depois da primeira viagem missionária (Mateus 10:1-42), parece que os
discípulos estavam tão convencidos da vitória que não dependiam tanto de Deus.
Jesus, mais uma vez, os confronta com a predição de sua morte e ressurreição (a
primeira está em 16:21-23). E, mais uma vez (17:22-23), a perplexidade diante do
sofrimento futuro (“Eles o matarão” – v.23) os impediu de perceber também a
ressurreição (“e ao terceiro dia ressuscitará” – v.23). A glória que era natural para
Cristo deveria ser misturada com a humilhação da cruz: as duas deveriam ficar
juntas. Seus discípulos também deveriam enfrentar a cruz para conquistar a
glória. “Qualquer teologia que negue que os discípulos de Jesus devam sofrer é
problemática e se opõe à vida terrena de Jesus, aos ensinamentos bíblicos e à
experiência humana” (ADEYEMO, 2002).

COMO VIVER NA IGREJA

O quarto dos cinco grandes discursos de Jesus em Mateus (18:1-19:2), trata


da vida diária na comunidade dos discípulos, que é centrada em “Cristo, o Filho do
Deus vivo” (16:16). Este sermão é construído em torno do tema do
relacionamento entre os discípulos, que deve ser baseado na rejeição ao orgulho
e na promoção da humildade. Ele estava com os discípulos na casa de Pedro em
Cafarnaum, e começou a dar instruções sobre os relacionamentos e a liderança na
comunidade do Reino, em resposta a ciúmes e competições por proeminência em
seu ministério (Marcos 9:33-37; Lucas 9:46-48).

O ensinamento começa com um questionamento sobre quem era “o maior


no reino dos céus” (v.1). Os discípulos provaram ter a mentalidade comum da
época sobre posição social e poder. O entendimento de que Jesus havia
privilegiado Pedro (na transfiguração ou no pagamento do imposto – 17:24-27),
dando-lhe a liderança da igreja (16:13-23), pode ter acirrado a disputa por
prestígio. Jesus apresenta, então, uma criança (do grego: paidion) como exemplo
de humildade e dependência de Deus, sem obsessão pelo poder.

A crianças são pecadoras; não são puras por natureza (Salmos 51:5). Mas
elas são dependentes de quem delas cuida, recebem de outros o que necessitam.
Uma vez participantes da igreja, o discípulo deve abandonar a autossuficiência e

87
aprender a depender de Deus. Para entrarem na igreja e viverem nela segundo o
padrão de humildade, é necessário passar pela “conversão” (v.3 – em grego,
strepho; usado no sentido metafórico: mudar a mente, mudar interiormente;) da
ambição por poder e prestígio para o serviço abnegado. A direção do Reino é a
glória, mas o caminho é a cruz.

Por outro lado, uma vez pertencente à comunidade do Reino, é sumamente


importante evitar “fazer tropeçar” (v.6) os novos convertidos. Esta é uma
advertência de Jesus aos que podem levar outros a perderem a fé, isto é: induzir à
apostasia. Estudiosos alertam para o fato de que a psicologia moderna tem
mostrado que não satisfazer os padrões de uma criança pode causar prejuízos
psíquicos e espirituais duradouros; o mesmo se aplica a muitos recém-
convertidos: “Há aqueles que nunca se converteram em virtude da conduta ímpia
dos crentes, e há muitos aleijados espirituais por causa de suas primeiras
impressões da igreja” (BRUCE, 2008, p.1089). Além disso, ninguém deve ser
desprezado na comunidade. A parábola da ovelha perdida (10-14) foi proposta
aqui (diferente de Lucas 15:3-7), não sobre os pecadores perdidos de fora, mas
para crentes novos na fé, escandalizados dentro da igreja.

O sermão prossegue com Jesus ensinando como se deve lidar com o irmão
em pecado – “se teu irmão pecar contra ti” (v.15). A expressão “contra ti” não
está presente em todos os manuscritos antigos. Esta omissão pode estar
indicando que o pecado, independentemente da situação em que ocorra, não
deve ser tratado com indiferença (BRUCE, 2008, p.1089). O processo de
confrontação do pecado, na chamada “regra de Jesus”, passa por três estágios:
pessoal, testemunhal e público. A iniciativa de buscar deve ser de quem se sentiu
ofendido, evitando, ao máximo, contudo, o desconforto e a publicidade. Caso a
abordagem pessoal não seja suficiente, testemunhas (duas ou três) devem
verificar a validade da acusação e a atitude do transgressor. Este processo pode
terminar com a exclusão do faltoso, uma vez que não haja arrependimento.
Mesmo após um afastamento inevitável, ainda se considerará quem pecou como
“pagão e publicano” (v.17), ou seja, campo missionário e alvo do amor da igreja.

O objetivo da disciplina será sempre a restauração do pecador e a


preservação da unidade da igreja. Quando esse processo é cumprido, a

88
reconciliação revela que o ministério da igreja na terra cumpre a vontade de Deus
nos céus (“terá sido ligado” – v.18). Esta harmonia da igreja com o céu
(“concordarem” – v.20) confirma a autoridade concedida por Deus. Neste sentido,
“onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles”
(18:20). Estas palavras do Senhor servem como encorajamento para os pequenos
grupos de cristãos espalhados pelo mundo. Contudo, o foco está na seriedade e
na aplicação correta na disciplina. Aqueles que se engajam nesse processo podem
ter certeza da presença de Cristo. A expressão “em meu nome” (em grego, eis to
onoma) em uma tradução mais literal pode significar “por causa de”, “no
interesse de”, “para a possessão de” (BRUCE, 2008, p.1090). Sendo assim, não
será a mera reunião de pessoas, em qualquer quantidade, que garantirá a
presença divina, mas a reunião daqueles que pertencem ao Senhor e cumprem a
Sua vontade.

A igreja local (sentido da palavra nas duas ocorrências de 18:17) é uma


manifestação visível, embora imperfeita, do reino messiânico. Os conflitos são
inevitáveis, mas não devem ser acumulados. Para isso, o perdão é indispensável.
O próprio Jesus enfrentou rejeição e ofensa, mas exige uma postura, diante da
vida, que é rara – o perdão. Pedro perguntou sobre quantas vezes deveria
perdoar. Os rabinos fixaram o número em três vezes, no mesmo dia, na presença
de testemunhas. Pedro deve ter pensado em sete como o número da perfeição,
mas foi limitado em sem alcance (v.21). Jesus ensinou que a perfeição não estava
no número, mas no poder divino. Por isso, propôs o impossível: “setenta vezes
sete” (v.22).

Sabemos que foi assim por causa da parábola do credor incompassivo (v.23-
35). O servo que foi perdoado de uma dívida de 10.000 talentos, não perdoou seu
conservo que devia 100 denários. Um talento equivalia a 6.000 denários. Um
denário era o salário correspondente a um dia de trabalho braçal. O servo sem
compaixão deveria trabalhar 200.000 anos para pagar ao rei, mas não perdoou
uma dívida possível de ser paga em menos de meio ano (BÍBLIA BRASILEIRA DE
ESTUDO, 2016, p.1316). Essa é uma ilustração da nossa dívida impagável diante
de Deus por causa dos nossos pecados. Jesus retoma o princípio ensinado na
oração modelo (Mateus 6:14-15). Recusar ter misericórdia e compaixão por

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alguém é prova de que não se recebeu e não se entendeu a misericórdia de Deus.
A marca distintiva da igreja é o perdão.

CONCLUSÃO

A igreja é a comunidade do Messias, formada pelo povo do Messias, todos


aqueles que o reconhecem como Rei Glorioso, que veio primeiro para morrer em
nosso lugar e depois vencer a morte. Pedro e os demais apóstolos lançaram o
fundamento da igreja ensinando que Jesus era o Rei Messias. Assim como eles,
todos nós somos chamados a nos identificarmos com o Rei Glorioso que se fez
“Servo Sofredor”. A igreja é uma comunidade de convertidos, pessoas que foram
transformadas de orgulhosos em humildes. A igreja é a comunidade que pratica o
sermão da humildade, o ensino de Jesus sobre ser como criança, sobre a
restauração dos que caem por suas fraquezas, sobre o perdão como um dom
sobrenatural de Deus. Por tudo isso, a igreja não é uma instituição, não se limita a
um prédio, não pode ser reduzida a um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica). A igreja é a comunhão local de pessoas regeneradas, comprometidas em
obedecerem aos mandamentos de Jesus e a segui-lo todos os dias até à morte,
crendo na esperança da ressurreição.

TÓPICO EXTRA – A ROCHA E AS CHAVES

“tu és Pedro e sobre esta pedra” (16:18)

As declarações de Jesus em Mt 16:16-19 têm sido alvo de intensas disputas


teológicas ao longo da história. O catolicismo romano usa estas palavras há
séculos, para fundamentar o papismo e a suposta autoridade da igreja para salvar
pecadores. Nada menos errado e prejudicial. Contudo, a refutação desta heresia
romana não deve prescindir de uma acurada exegese (análise do sentido original
das palavras).

90
Comentando este texto, William Barclay (1984) observa que há
interpretações diferentes para a palavra “rocha”, usada por Jesus nesta
passagem. As três principais são estas:

1) A rocha significa o próprio Jesus.


2) A rocha é a revelação recebida por Pedro.
3) A rocha é Pedro.

As duas primeiras opções são, tradicionalmente, defendidas pelos


protestantes. Warren Wiersbe (2020, p.67), ao apoiar a primeira, lembra que
Jesus disse que era a “Pedra”, ao referir-se a Is 28:16 como uma profecia
messiânica; e que o próprio Pedro usaria esta profecia mais tarde, no mesmo
sentido (1 Pe 2:4-8). Obviamente, o próprio Deus se revelou como a “Rocha de
Israel” (Dt 32:4;15; Dn 2:45; Sl 18:2) e como Deus Encarnado, na pessoa histórica
de Jesus de Nazaré, e nunca deixou de ser a “Rocha da Salvação”. A segunda
posição é intermediária, e considera que a confissão de Pedro (“Tu és o Cristo; o
Filho do Deus Vivo” – v.16), recebida por revelação divina, é o fundamento da
igreja e deve ser compartilhada por todos os seus participantes.

Em divergência às duas interpretações mais comuns entre os evangélicos,


Barclay defende que, no texto em análise, Pedro é a rocha em sentido especial,
como primeira pessoa a receber a revelação divina: a primeira pedra posta pelo
“edificador da igreja”, figura com a qual o próprio Senhor se identifica (“edificarei
a minha igreja” – v.18). “É como se Jesus houvesse dito a Pedro: Pedro, você é o
primeiro a compreender quem sou eu; portanto é a primeira pedra. E nos séculos
por vir, qualquer que fizer o mesmo é outra pedra que se acrescentará ao edifício
da igreja” (BARCLAY, 1984).

Em grego, “Pedro” (petros) e “rocha” (petra) são diferentes. Isso permite


um jogo de palavras onde “Pedro” estaria ligado ao pronome “tu” e à rocha
indicada pelo demonstrativo “esta”, como referência à revelação vinda de Deus.
Contudo, ficou demonstrado, já no final do século XIX, que Jesus falava aramaico
(BRUCE, 2008, p.1088). Nesta língua semita, a palavra Kepha (usada em ambos os
gêneros) serve tanto para Pedro quanto para rocha. Levando este conhecimento
em consideração, Luiz Sayão explica que a leitura natural do texto propõe que
Kephas (nome de Pedro em aramaico, dado por Jesus – Jo 1:42) seja a Rocha

91
(SAYÃO, 2020). A tradução, considerando um original aramaico, deveria ser:
“Você é Pedro, a Rocha, e sobre esta Rocha...” Por isso, Sayão conclui que, Pedro,
representando os apóstolos (“Mas vos?” – Mateus 16:15), é o fundamento da
igreja por ter recebido a revelação; isso não dá base para a sucessão apostólica,
porque a autoridade é colegiada e não particular (SAYÃO, 2020).

Continua sendo heresia do catolicismo romano usar este texto (Mt 16:18),
isoladamente, para afirmar que Pedro foi o primeiro papa, ou para defender a
infalibilidade papal. Para refutar esta falsa doutrina, basta seguir a leitura do
texto. Após anunciar que sua missão como Messias seria cumprida através do seu
sacrifício, Pedro, sob influência satânica, repreendeu Jesus e foi por Ele
repreendido como “pedra de tropeço” (v.23), por não entender o caminho de
Deus e reduzir a obra salvadora a um projeto político. Ademais, a vida familiar de
Pedro não se enquadraria no perfil imposto pela Igreja de Roma nem mesmo para
um padre. Mateus registra que Jesus curou a sogra de Pedro (8:14-15) e Paulo
lembra que aquele apóstolo se fazia acompanhar por esposa (1Co 8:5).

“Dar-te-ei as chaves do reino dos céus” (16:18)

Este deve ser o ponto principal da refutação protestante à invenção católica


de que Pedro foi o primeiro papa: Pedro é a pedra como representante dos
apóstolos que, juntamente com os profetas, constituem o fundamento da igreja
(Ef 2:20). Em At 2:14-41, 8:14-25 e 10:23-48, Pedro foi o precursor da expansão
do Reino entre judeus, samaritanos e gentios. “Isso não significa em absoluto
concordar com a posição católica romana que vê Pedro como o primeiro papa e
muito menos com a doutrina da infalibilidade papal” (BÍBLIA BRASILEIRA DE
ESTUDO, 2016, p.1312). Ele mesmo deixa isso claro para os apóstolos e
presbíteros reunidos em Jerusalém, quando discutiam a evangelização dos
gentios, que “há muito, Deus me escolheu dentre vós para que, por meu
intermédio, ouvissem os gentios a palavra do evangelho e cressem” (At 15:7). Mas
a essa altura, Paulo já havia assumido a dianteira na evangelização mundial (At
13;14), “abrindo as portas do Reino” e levando o evangelho “até os confins da
terra” (At 1:8).

92
Neste sentido, a afirmação “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus” (16:18)
será interpretada em relação com Mateus 18:18, onde todo o colégio apostólico
(e depois toda a igreja) recebe a mesma autoridade: ligar ou desligar as pessoas
no Reino. Isto não significa que a igreja determina quem entra ou não no Reino;
ela reconhece, com base na Palavra de Deus e no poder do Espírito, aqueles que
já foram ligados ou desligados no céu (“terá sido ligado/desligado nos céus” –
v.19). As “chaves” entregues a Pedro e aos apóstolos são uma referência à
evangelização do mundo. O evangelista João expressa a mesma compreensão
teológica, quando registra as seguintes palavras do Cristo Ressurreto aos
apóstolos: “Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos
retiverdes, são retidos” (Jo 20:23). O Evangelho é a boa notícia do perdão de Deus
em Cristo. Evangelizar é anunciar que a porta do perdão já está aberta para quem
crê e se arrepende.

QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Qual é o significado da palavra “igreja”?


______________________________________________________________
______________________________________________________________

2) Como refutar a heresia católica da infalibilidade papal à luz de Mateus


16:13-23?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

3) Por que a criança foi apresentada por Jesus como modelo para os seus
discípulos?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

4) Como aplicar a “regra de Jesus” para resolução de conflitos (Mateus 18:15-


20)?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

93
5) O que Jesus quis ensinar quando disse para os discípulos perdoarem
“setenta vezes sete”?
______________________________________________________________
______________________________________________________________

94
Lição 10
O CONFRONTO COM OS RELIGIOSOS

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Compreender a visão de “Quem a si mesmo se Segunda Mateus 19:1-30


Jesus sobre o Reino de exaltar será humilhado;
Terça Mateus 20:1-34
Deus e porque ele e quem a si mesmo se
condenou a hipocrisia humilhar será Quarta Mateus 21:1-27
religiosa. exaltado”. (Mateus
22:12) Quinta Mateus 21:28-46

Sexta Mateus 22:1-46

Sábado Mateus 23:1-39

INTRODUÇÃO

Jesus ensinou sobre a natureza do seu “reino invertido” através de


parábolas (Mt 18). O reino messiânico inverte todos os sistemas humanos de
valores. Nesse reino, ganha honra quem serve, perdoa-se os inimigos e a
verdadeira riqueza está na doação. Por isso, a igreja é uma comunidade de
convertidos, pessoas que foram transformadas pelo poder do Messias. Nesta
lição, veremos como esta visão do Reino de Deus entrou em disputa com a
interpretação dos líderes religiosos e como estes foram confrontados, sobretudo
pela hipocrisia.

Jesus entrou em Jerusalém cavalgando em um jumento e, imediatamente,


começou uma purificação do Templo contaminado pela doutrina dos líderes na
nação. Como Rei de Israel, Ele afirmou sua autoridade divina e desafiou a posição
dos religiosos, que ficaram profundamente ofendidos. Eles tentaram encurralar
Jesus no debate público e envergonhá-lo, mas fracassaram e decidiram matá-lo. O
choro de Jesus sobre Jerusalém, após o confronto com os religiosos, revela a sua
profunda tristeza com a rejeição que recebeu e as severas consequências sobre
aquela geração e sobre a humanidade ao longo da história. Será útil, então,

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estudarmos agora a visão desse reino invertido, a autoridade divina do Messias e
a condenação da hipocrisia religiosa.

O REINO INVERTIDO

A esta altura do Evangelho de Mateus, Jesus está a caminho de Jerusalém,


seguindo na direção Sul, da Galileia para a Judeia (Mt 19:1-2). A comparação com
as narrativas de Lucas e João permitem entender que o Mestre já havia feito este
percurso antes. Desta vez, Ele segue para a conclusão do seu ministério
messiânico sendo acompanhado por uma grande multidão (v.2). Mateus relata
alguns episódios que serviram para que Jesus tratasse de assuntos ainda não
aprofundados, como a família e as riquezas. Enquanto apresentava o reino de
forma mais nítida, ficava mais evidente o conflito com as autoridades judaicas.

A questão do divórcio revelou que os fariseus não eram uma seita unida. A
pergunta sobre o motivo permitido para o divórcio (em torno da interpretação de
Dt 24:1) mostra que eles pertenciam aos dois grupos rivais de Hillel, liberal, e
Shammai, conservador e mais popular. Toda a discussão teológica ganhou grande
repercussão por causa de Herodes Antipas, o tetrarca, que se divorciou para se
casar com Herodias, ex-esposa de seu irmão Filipe. Esse casamento, como vimos,
levou João Batista à morte (14:9-11). Jesus, porém, foi além do rabinato da época,
e até mesmo da Lei, lembrando do princípio espiritual do casamento, a sua lei
original: “tornando-se os dois uma só carne?” (v.5). A teologia da criação deveria
reger o casamento. Moisés concedeu a carta de divórcio como “permissão”
apenas por causa da “dureza de coração” (v.8). Contudo, a regra divina, reforçada
por Jesus, está no perdão e na reconciliação possíveis a um coração sensível e
obediente ao mandamento do amor. Desta forma, Jesus enfatiza o casamento ao
ensinar que o divórcio é um remédio amargo para o adultério sem
arrependimento e perdão. Luiz Sayão (2020) vê uma possível relação entre as
crianças como modelo de humildade (v.13-15) e o orgulho dos maridos que
exploravam, levianamente, os preceitos mosaicos. “O Deus que institui o
casamento é o mesmo que valoriza a humildade que garante um bom
relacionamento”, afirma Sayão (2020).

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Os fariseus introduziram a questão do divórcio para “experimentarem” (v.3)
Jesus e depois o acusarem de defender uma posição contrária à de Moisés. Esta
estratégia continuaria sendo usada de forma cada vez mais agressiva. Outras
situações, no entanto, foram aproveitadas por Jesus, para revelar mais
profundamente a sua visão do Reino de Deus. Um “jovem” (somente Mateus
identifica assim), rico e muito importante (talvez ocupasse uma posição oficial –
Lc 18:18;23), perguntou o que era necessário fazer para ser salvo. Após insistir
que cumpria os mandamentos, aquele homem foi desafiado por Jesus a vender
todos os seus bens, distribui-los com os pobres e segui-lo. O jovem “retirou-se
triste, por ser dono de muitas propriedades” (v.22). Considerava-se como alguém
religiosamente perfeito, mas amava demasiadamente o dinheiro e, por isso, não
confiava, completamente, em Deus.

O Mestre já havia ensinado que não era possível servir a Deus e às riquezas
(Mt 6:24), agora Ele afirma que “um rico dificilmente entrará no reino dos céus”
(19:23). A expressão “passar um camelo pelo fundo de uma agulha” (v.24) causou
espanto nos discípulos porque significa que é impossível para alguém que confia
nas riquezas “alcançar a vida eterna” (v.16). A crença popular dava conta de que,
quanto mais riquezas uma pessoa possuísse, mais abençoado seria por Deus. As
riquezas em si não são o problema, mas o quanto elas escravizam o ser humano.
O fascínio das riquezas está no poder materializado, que se torna um ídolo. O
coração humano tem fraqueza por ídolos. Mas, o poder de Deus é capaz de salvar
o rico e, pelo mesmo motivo (idolatria), salvar a todos; existem pobres dominados
pelos bens ou por outros meios de escravidão.

Pedro, mais uma vez representando os discípulos, pergunta sobre “que


recompensa, teremos nós” (19:27) no futuro reino messiânico. Isso fez com que
Jesus propusesse mais uma parábola do Reino de Deus (20:1-16), na qual explicou
a advertência de que “muitos primeiros serão últimos; e os últimos, primeiros”
(19:30). Todos os trabalhadores da vinha receberam, indistintamente e
independentemente de serem últimos ou primeiros. Com esta parábola, o Mestre
também falou aos religiosos que se consideravam justos, deixando claro que a
salvação não está condicionada ao esforço, mas é um ato da graça de Deus; e
Deus não deve nada a ninguém.

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Neste contexto, a morte e a ressurreição do Messias foram preditas pela
terceira vez (20:17-19). O sacrifício de Jesus seria a expressão máxima da sua
graça para todos, independente das riquezas ou da religiosidade. Pelo padrão do
mundo, poder e violência governam. Mas, todos os grandes reinos do passado,
neste padrão, estão sepultados. Os discípulos ainda não haviam compreendido
assim. Ficaram indignados (20:24) quando a mãe de Tiago e João pediu uma
posição de destaque para os filhos. Contrariando a expectativa dos próprios
discípulos, Jesus declarou que, no reino invertido, o verdadeiro líder é quem serve
mais (20:28).

A AUTORIDADE DIVINA DO MESSIAS

A última viagem de Jesus para Jerusalém aconteceu depois de ter Ele


revelado aos discípulos sua identidade messiânica (16:13-23) e de ter predito por
três vezes a sua morte e ressurreição (16:21-23; 17:22-23; 20:17-19). Para Ele,
não havia conflito entre ser o “Filho de Deus” e o “Servo Sofredor” que devia
morrer pela salvação da humanidade. Com a chegada a Jerusalém, iniciou-se a
semana da paixão.

A partir daqui, Mateus volta a intensificar as citações de profecias do AT. A


entrada triunfal, por exemplo, foi o cumprimento da profecia de Zacarias 9:9, que
previa a vinda de um rei triunfante, mas humilde, “montado em um jumento”. Era
o “Filho de Davi” (Mt 21:9), chegando na cidade do rei para herdar o seu trono. A
multidão, porém, o reconhece apenas como “profeta Jesus, de Nazaré da Galileia”
(Mt 21:11). Luiz Sayão (2020) lembra que “O Rei Humilde, modelo de liderança
servil, contrastava com o padrão de monarquia na antiguidade, cuja ostentação e
formalismo comunicavam majestade e poder”.

A chegada de Jesus alvoroçou a cidade. A multidão o saudava com ramos,


cantando o Salmo 118:25-27, que era entoado por ocasião da Páscoa (CHAVES,
2002, p.102). “Hosana” (do grego, hosanna – sê propício; salva!) representava o
reconhecimento de que Ele era a esperança de salvação. Mais tarde, esta mesma
multidão, influenciada pelos líderes religiosos, pedirá a sua crucificação. Esta

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guinada começou quando sua autoridade foi questionada, o que se deu a partir
da purificação do templo (21:12-17), em cumprimento à profecia de Isaías 56:7.

Jesus conhecia as profecias e poderia ter forçado situações para o seu


cumprimento proposital; para chegarmos a esta conclusão, deveríamos admitir
que Ele era mentiroso ou louco. Mas, os discípulos o teriam rejeitado, caso não
tivessem testemunhado a sua ressurreição, quando Ele pôde, então, declarar que
“toda a autoridade me foi dada nos céus e na terra” (Mt 28:17). Exercendo esta
autoridade, o Mestre demonstrou indignação contra a mercantilização da fé e
profetizou juízo sobre o templo em uma provável referência à sua destruição pelo
imperador romano Tito, no ano 70 d.C. (SAYÃO, 2020). Os cambistas expulsos por
Jesus, inflacionavam o valor dos animais usados nos sacrifícios, explorando os
peregrinos pobres que vinham de lugares distantes.

Tanto a expectativa teológica quanto a posição política dos religiosos judeus


estavam ameaçadas por Jesus. Ele rejeitou o padrão de uma espiritualidade de
formal e hipócrita. Confrontou, com a necessidade de arrependimento, aqueles
homens considerados irrepreensíveis. O motivo da rejeição deles foi o orgulho;
eram uma “figueira sem fruto” (v.18-22), um símbolo da rejeição de Israel ao
Messias. Mas, o endurecimento deles levaria ao juízo severo de Deus. Indignados
com a adoração recebida das crianças e aprovada por Jesus no templo, os
sacerdotes questionaram a sua autoridade (v.23-27). O Mestre, todavia, usando
de um refinado bom humor, expôs a contradição deles com uma pergunta sobre o
batismo de João. Quando admitiram que não eram capazes de julgar, estavam
confessando a incompetência do Sinédrio, composto por eles, a mais alta
instância religiosa e política de Israel.

Jesus passou, então, a explicar a sua autoridade através de mais parábolas


do Reino de Deus. Com a parábola dos dois filhos (v.28-32), que ilustra a atitude
de Israel (filho que se comprometeu e não foi), o Mestre afirma que os publicanos
e as prostitutas precederão os religiosos no Reino. Na Parábola dos Lavradores
Maus (v.33-46), os funcionários representam os profetas e o filho, o Messias. Aqui
foi evocada a profecia de Salmos 118:22-23, sobre a rejeição da pedra de esquina
(v.42). Os sacerdotes e fariseus entenderam que a destruição predita por Jesus se
referia a eles (v.44) e decidiram prendê-lo, mas não conseguiram por causa da

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multidão (v.45-46). Com a Parábola das Bodas, um banquete de casamento ilustra
a vida no reino futuro do Messias (v.22:1-14). Enquanto a elite religiosa o rejeita,
pessoas desprezíveis para a sociedade recebem o convite e são incluídos no
relacionamento com Deus em plenitude. Mateus 22:7 – “incendiou a cidade” –
pode ser uma predição da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C. (CHAVES, 2002,
p.104). O homem que não estava vestido com veste nupcial foi expulso do
casamento (v.11-13). Os convidados recebiam roupas apropriadas; o homem
rejeitou por orgulho. Esta é uma figura para os religiosos que rejeitaram o
Messias (SAYÃO, 2020).

Grupos que rivalizavam entre si (saduceus, fariseus e herodianos), com


apoio dos escribas (peritos na interpretação da Lei) uniram-se para colocar Jesus
em contradição, dando início aos planos para matá-lo. Os fariseus, que lideravam
os demais grupos nesta empreitada, formavam uma organização poderosa e
influente por representar uma tradição de mais de dois séculos de interpretação
oral da Lei, a “tradição dos anciãos” (Mt 15:2). Esta tradição foi codificada na
Mishná e na Gemara, resultando no que se chama de Talmude (BAPTISTA, 1994,
p.41). Contra Jesus, eles chegaram até mesmo a se unirem aos herodianos, um
partido rival, para tentarem encontrar o Mestre em alguma contradição (Mt
22:15-16).

Os discípulos dos fariseus e os herodianos fizeram uma pergunta capciosa


sobre a questão do tributo a César. O Mestre percebeu a intenção deles,
disfarçada de falsos elogios, e confrontou-lhes a hipocrisia. Na oportunidade, Ele
ensinou que os judeus tinham responsabilidade diante de Deus e do Estado (v.21).
Os governos humanos possuem legitimidade como autorizados por Deus. Nem
todo imposto é justo e nem todo governo é correto. Mas, a implantação do Reino
dos céus não deve ser pela revolução política. Nenhum governo deve receber
apoio incondicional do cristão, mas a regra deve ser a obediência civil, com limites
estabelecidos por Deus, a exemplo da proclamação da mensagem do Reino.

Uma vez que a tentativa com os herodianos fracassou, os saduceus, que


eram o partido formado pela classe rica e dominante, levantaram uma questão
através de um enigma, para ridicularizarem a crença na ressurreição (eles usaram
Dt 25:5,6 - a lei do levirato). Os saduceus eram liberais e helenizados,

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reconheciam apenas o Pentateuco como Escritura válida e atribuíam a
ressurreição a uma invenção posterior dos anciãos (BÍBLIA BRASILEIRA DE
ESTUDO, 2016, p.1372). Nisso, erram rivais dos fariseus, continuadores da
tradição dos anciãos. Jesus, por sua vez, afirmou a ressurreição, exortando-os a
conhecerem mais as Escrituras. Além de usar o próprio Pentateuco (Êxodo 3:6)
para dizer que Deus é “Deus de vivos”, confirmou a existência dos anjos (v.30-32).
As multidões ficaram maravilhadas. Nesta passagem, também aprendemos que,
embora entremos no céu com corpo que será físico e espiritual, não haverá
casamento, porque a função da procriação é desta realidade terrena, não fazendo
parte da nossa essência (SAYÃO, 2020). Seremos “como os anjos dos céus” neste
sentido (v.30).

A última tentativa dos religiosos foi através (v.34-40) de um perito na Lei,


provavelmente um escriba, cuja especialidade era a aplicação detalhada da Lei
(halakah, em hebraico) de Moisés (BRUCE, 2008, p.1093). Ele foi enviado para
questionar Jesus sobre o principal mandamento. Os fariseus haviam descoberto,
no Pentateuco, 248 preceitos afirmativos e 365 proibições, perfazendo um total
de 613 mandamentos, mas reforçavam o valor dos dez principais (CHAVES, 2002,
p.106). Jesus respondeu com o primeiro mandamento, que é amar a Deus sobre
todas as coisas (Dt 6:5), e acrescentou o mandamento complementar de amar ao
próximo (Lv 19:18). Estes dois, para Jesus, compunham “o grande mandamento”.
Desta forma, ele enfatizou que a essência da Lei é o amor. Pelo amor, todos os
mandamentos são obedecidos. O legalismo prende-se ao mandamento e não
atenta para o propósito.

Jesus aproveitou para interrogar os fariseus sobre de quem o Cristo seria


filho (v.41-46). Eles respondem que era de Davi, demonstrando a expectativa de
que o Messias fosse um guerreiro, um libertador do povo. Jesus citou um salmo
de Davi, no qual ele chama o Messias de “Senhor” (Sl 110:1). O Messias não seria
apenas descendente do rei, nem mesmo um novo rei. Ele seria o próprio Senhor
(do grego, kurios; título dado a Deus e ao Messias). Era tanto “Filho de Davi”
quando “Filho de Deus”. Quando todos viram que, até mesmo os especialistas na
Lei ficaram sem resposta, ninguém mais ousou fazer-lhe perguntas.

101
A CONDENAÇÃO DA HIPOCRISIA RELIGIOSA

Em todas as situações de confronto, Jesus reduziu os seus opositores ao


silêncio. Eles tentaram colocá-lo contra César e contra Moisés. Além disso,
queriam envergonhá-lo diante da multidão. Suas estratégias para condená-lo
haviam fracassado. No entanto, mesmo demonstrando domínio das Escrituras,
sua morte foi inevitável. O seu sacrifício fazia parte do plano eterno de Deus e Ele
estava consciente disso. No embate final com os religiosos, Mateus registra, na
verdade, dois discursos finais de Jesus (23:1). O primeiro (23:2-39), dirigido às
multidões, e o segundo (24:1-25:46), aos seus discípulos. Ambos constituem o
quinto grande sermão do Mestre (CHAVES, 2002, p.107). Na próxima lição,
estudaremos a segunda parte, chamada de “Sermão Escatológico”.

Jesus ainda estava no templo quando proferiu uma série de lamentos a


respeito da nação de Israel, representada pelos escribas e fariseus. O Mestre não
estava atacando a Lei ou o seu ensino, mas a forma como esses líderes a aplicava
à vida (23:3). Eles queriam ser mestres, mas não davam exemplo. Viviam a
filosofia popular do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. E, além de
dizer e não fazer, eles eram hipócritas e buscavam o reconhecimento dos homens
(como vemos em Mt 6). Gostavam de ser chamados de mestres, guias e até de
pais. Os filactérios e as franjas (v.5) simbolizavam uma espiritualidade
inconsistente e sem sinceridade. Filactérios eram caixinhas de couro que
guardavam um minúsculo pedaço de papiro ou pergaminho com um verso da
Escritura; as franjas ficavam na borda do talit (hebraico), um manto que cobre o
fiel no culto judaico (BAPTISTA, 1994, p.43).

Além da formalidade e do exibicionismo religioso, eles criavam dificuldades


para que o povo praticasse a Lei com suas interpretações rigorosas. O mais grave
estava no fato de recusarem a conversão, o princípio da humilhação diante de
Deus, declarado por Jesus no início do primeiro sermão (Mt 5:3) e reforçado
agora: “e quem a si mesmo se humilhar será exaltado” (23:12). Jesus condenou a
tendência de acomodar a vida espiritual a uma mera religião que, por isso, torna-
se destrutiva. Todos temos a tendência do autoengano, pela sedução da imagem
positiva na comunidade. Isso revela o desejo disfarçado de poder.

102
Por isso, às autoridades judaicas, representadas pelos fariseus, Jesus dirigiu
a mais terrível e extensa denúncia do NT. Através de sete “ais”, seu objetivo foi
expressar a preocupação de Deus com o seu povo e o desejo de que ele se
arrependesse. A palavra grega usada pelo evangelista (ouai), representa uma
mistura de ira e dor que prevê uma iminente tragédia (BAPTISTA, 1994, p.43). São
sete advertências, ou denúncias, que podem ser assim identificadas:

Primeiro Ai (v.13-14) – Contra o impedimento do acesso ao Reino dos céus e


contra a exploração ao pobre. Eles substituíam a essência da Lei, o amor, por
regras humanas; isso revelava a disposição em desobedecer ao espírito da Lei.
Eles também aproveitavam estas regras para explorarem os pobres (viúvas)
através dos serviços religiosos. O v.14 não consta nos melhores manuscritos do
Evangelho de Mateus, mas está presente em Marcos 12:40.

Segundo Ai (v.15) – Contra o proselitismo. Para ostentarem santidade,


buscavam a todo custo fazer convertidos ao judaísmo. Estrangeiros, atraídos pelo
conceito de um Deus único e da valorização da família, eram vacinados contra o
Evangelho do Reino através da saturação de detalhes legais do farisaísmo.

Terceiro Ai (v.16-22) – Contra a ganância e os falsos juramentos.


Exploravam as diferenças ente os tipos de juramento para aparentarem
santidade, enquanto escondiam suas intenções materialistas.

Quarto Ai (v.23-24) – Contra o legalismo. Deixavam de lado o essencial e


prendiam-se ao que era irrelevante, na tentativa de fugirem da responsabilidade
com a fé, a justiça e a misericórdia.

Quinto Ai (v.25-26) – Contra a moralidade superficial. Este ai amplia a crítica


ao legalismo e denuncia a falsidade de quem prioriza a decência e a pureza
exterior acima da santificação e da pureza de coração, ou seja, a confusão de
prioridades.

Sexto Ai (v.27) – Contra a resistência em reconhecer o próprio pecado e mal.


No auge dos dois ais anteriores, Jesus condena a tendência de esforçar-se para
parecer piedoso com a intenção de esconder a podridão da natureza caída.

103
Sétimo Ai (v.29-30) – Contra a falsa veneração aos profetas (ou contra
matar os profetas). Os fariseus e seus seguidores tinham grande dificuldade em
reconhecer os pecados dos seus ancestrais. Com isso, tentavam justificar a sua
própria geração.

Neste trecho (23:13-33), Jesus usou sete vezes a palavra “hipócritas”,


quatro vezes “guias cegos”, três vezes “insensatos e cegos” e uma vez “serpentes,
raça de víboras” (como João Batista em 3:7), mostrando que, aos olhos de Deus, o
espírito que dominava os escribas e fariseus é completamente abominável. As
palavras mais duras de Jesus foram dirigidas aos religiosos. A religião hipócrita
traz condenação porque perde a perspectiva do Reino de Deus, que é baseado na
graça. A graça transforma o coração e muda de dentro para fora, enquanto a falsa
religiosidade representa uma tentativa de santificar-se de fora para dentro,
degenerando-se em patologia da fé.

A terrível sentença, proferida em 23:35,36, parece apontar para a


destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., e que atingiu parte da “presente
geração” (v.36) com grande impacto (ADEYEMO, 2010, p.1203). Todos os
mártires, desde Abel (Gn 4:8), até Zacarias (2Cr 24:20-22), seguindo a cronologia
da Bíblia Hebraica, seriam vingados por Deus. Os líderes religiosos seriam
culpados de todas as mortes, sendo que a geração deles terminaria por praticar o
maior de todos os crimes: a entrega do próprio Messias aos romanos (v. 32).
Mesmo assim, o coração pastoral de Jesus ainda ofereceu amor à cidade rebelde
(23:37), a qual representava toda a nação. Neste momento, o Mestre prepara os
discípulos para ouvirem sobre a esperança da restauração futura, na sua Segunda
Vinda. O sentido da expressão “já não me vereis” (v.39) é escatológico, e significa
que eles não o veriam mais na posição de Messias de Israel. Contudo, ainda
haveria um reconhecimento futuro por parte de Israel (SAYÃO, 2020).

CONCLUSÃO

Ao entrar no Reino de Jesus através da conversão, somos chamados a


praticar valores antagônicos a este mundo contaminado pelo pecado e dominado
pelo mal. A religião não acontece no vácuo e manifesta os valores apodrecidos do

104
mundo. Ainda hoje, Jesus continua ameaçando a religiosidade superficial,
marcada pela falsidade. Por isso, uma vez salvos pela graça, devemos viver pela
graça. Devemos reconhecer a autoridade de Jesus em nossa vida como Senhor
Absoluto e submeter a Ele todas as áreas do viver: a família, as finanças, a
cidadania, o ministério e tudo mais. No Reino invertido de Jesus, o líder é quem
serve, os humilhados são exaltados e a hipocrisia é condenada. Neste Reino, a Lei
Perfeita de Deus é obedecida por gratidão ao Seu Amor demonstrado na cruz. O
amor a Deus e ao próximo dispensa rituais e formalidades, mas exige toda a
obediência, toda a dedicação, todo o nosso ser.
QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Por que a visão de Jesus sobre o Reino de Deus causou o espanto até
mesmo dos seus próprios discípulos?
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______________________________________________________________

2) Segundo Jesus, o que uma pessoa precisava fazer para entrar no Reino de
Deus?
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______________________________________________________________

3) Por que Jesus representou uma ameaça à religião oficial da sua época?
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______________________________________________________________

4) Para Jesus, qual é a essência da Lei?


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5) Por que Jesus condenou tão severamente a hipocrisia?


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105
106
Lição 11
A CONSUMAÇÃO DO REINO

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Conhecer os sinais “Passará o céu e a Segunda Mateus 24:1-14


indicados no Sermão terra, porém as minhas
Terça Mateus 24:15-31
Profético e compreender palavras não passarão”.
como deve ser a Quarta Mateus 24:32-51
(Mateus 24:35)
preparação do cristão
para o tempo do fim. Quinta Mateus 25:1-13

Sexta Mateus 25:14-30

Sábado Mateus 25:31-46

INTRODUÇÃO

Os líderes religiosos da nação de Israel rejeitaram o caminho oferecido por


Jesus para um Reino pacífico e causaram a própria morte, tomando o caminho da
revolta contra Roma. No confronto definitivo com escribas e fariseus, Jesus
profetizou este juízo divino através da destruição de Jerusalém e seu Templo
(23:34-36). Este, porém, ainda não seria o fim da história. O Messias, vindicado
através da Sua ressurreição, retornaria para estabelecer o seu Reino sobre todas
as nações, na Nova Jerusalém. Enquanto isso, os discípulos deveriam permanecer
alertas e comprometidos em anunciar Jesus e o seu Reino em todo o mundo
(BIBLE PROJECT PORTUGUÊS, 2020). Nesta lição, estudaremos o quinto e último
grande discurso do Mestre (24:1-25-46), conhecido como Sermão Profético,
Escatológico ou do Monte das Oliveiras1. Ele foi proferido em um momento
adiantado da cronologia da vida de Jesus, na semana da sua crucificação, depois
que Ele deixou o Templo pela última vez. Seu ensino, neste sermão, versa sobre a

1
Mateus 24 e 25 são textos fundamentais da Escatologia, área da Teologia que estuda o futuro à luz da
Bíblia. Esta doutrina foi tema de uma edição da Revista Palavra Viva, publicada pela PIB em
Divinópolis, e os capítulos que estudaremos nesta lição ocuparam 05 lições.

107
consumação do Reino, que começou com o início da era cristã e culminará com os
acontecimentos do fim: a Grande Tribulação, a Vinda do Filho do Homem e o
Juízo Final

A PERSPECTIVA DUPLA

O sermão escatológico foi motivado por uma pergunta feita pelos discípulos
a respeito da profecia de Jesus sobre a destruição do Templo (23:34-29): “Dize-
nos quando sucederão estas coisas e que sinal haverá da tua vinda e da
consumação do século” (v.3). Jesus estava passando as noites no Monte das
Oliveiras e ali ministrava seus ensinos, particularmente, aos seus discípulos. Eles
queriam saber (1) quando aconteceriam “estas coisas” (a destruição do Templo) e
(2) que sinal haveria da “consumação do século” (culminando com a Segunda
Vinda).

Existem três posições básicas sobre a interpretação desse discurso (BÍBLIA


BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1325):

1) Todo o capítulo 24, ou a maior parte dele, trata, exclusivamente, da


destruição de Jerusalém (nesse caso, a vinda do Filho do Homem em
24:30 se refere à sua exaltação no céu);
2) Todo o sermão trata da Segunda Vinda de Cristo;
3) O sermão combina referências à destruição de Jerusalém com predições
sobre a Segunda Vinda de Cristo, de tal modo que, em alguns trechos, é
difícil saber do que Jesus está falando.

Estamos suficientemente convencidos de que esta última posição deve ser


adotada. Jesus trata desses dois assuntos, sem fazer distinção clara entre eles,
dando a entender que a destruição de Jerusalém seria um prenúncio do Juízo
Final. Estes assuntos, portanto, estão relacionados entre si. Outro elemento que
corrobora esta posição é o estilo literário predominante no texto. Este discurso
pode ser considerado um “pequeno apocalipse”.

O apocalipse era o estilo característico de épocas de tensão nacional em


Israel. O Evangelho de Mateus é um evangelho apocalíptico (como vimos no

108
estudo do seu prólogo – Lição 2). Durante os últimos duzentos anos antes de
Cristo, foi produzida uma grande variedade de textos deste tipo, especulando
sobre o fim catastrófico do mundo que envolveria um julgamento radical do povo
e a criação de uma nova ordem das coisas. A profecia feita neste estilo olha para
eventos distintos do futuro sob um mesmo ponto de vista: o controle de Deus na
história e seu juízo definitivo sobre o mal; juízo este associado à vinda do Messias.
A linguagem utilizada pelos escritores era a dos sonhos e pesadelos. Jesus
profetizou na linguagem que os seus contemporâneos poderiam mais facilmente
entender (BAPTISTA, 1994, p.47).

A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO E O PRINCÍPIO DAS DORES

Após o lamento sobre Jerusalém, o evangelista Mateus registra uma


imagem emblemática: “Tendo Jesus saído do templo, ia-se retirando” (24:1). Uma
imagem que simboliza o juízo de Deus sobre Israel, e que abria caminho para a
igreja e sua missão como cerne da obra de Deus no mundo. A partir daquele
momento, ficava para trás o judaísmo com o seu sistema de sacrifícios.

A destruição completa do templo, uma construção magnífica, é simbolizada


pela frase hiperbólica “não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada”
(24:2). Essa profecia cumpriu-se no ano 70 d.C. Aquele era o terceiro templo
construído no mesmo lugar. O primeiro fora construído por Salomão e destruído
pelos babilônios; o segundo, por Zorobabel, com o apoio dos persas; o terceiro,
por Herodes, o Grande, e chamava a atenção por seu tamanho e sua beleza. O
historiador judeu Flávio Josefo descreve este Templo recoberto de todos os lados
de espessas placas de ouro. Sua construção havia começado 50 anos antes e só
foi concluída 06 anos antes da sua destruição pelo general Tito (mais tarde
coroado Imperador de Roma) (ADEYEMO, 2010, p.1204).

Os romanos destruíram o templo por motivos políticos, numa tentativa de


reprimir a insurreição judaica que começou em 66 d.C., mas há também um
motivo religioso para a destruição: Deus já havia rejeitado a adoração realizada
ali. Muito tempo antes, Miqueias (Mq 3:12) e Jeremias (Jr 7:12-14) profetizaram a
destruição do Templo de Salomão, que ocorreu em 587 a.C. Mas, a adoração em

109
Jerusalém se tornara uma pedra de tropeço para os judeus, pois, havia uma falsa
segurança por causa da insensibilidade ao pecado. Jesus era maior que o templo
e, depois de sua vinda, o Templo já não era mais necessário. Por isso, “os cristãos
devem concentrar-se na edificação do reino de Deus, em vez de erguer edifícios
que tomem o lugar do verdadeiro objeto de nossa adoração: o próprio Deus”
(ADEYEMO, 2010, p.1204).

Dois tipos de sinais que aconteceriam antes do fim podem ser identificados
logo no início do sermão (CHAVES, 2002, p.109): 1) sinais do cotidiano e 2) sinais
da proximidade do fim. Os sinais do cotidiano, chamados por Jesus de “princípio
das dores” (24:4-8), caracterizam a vida humana desde os tempos antigos: engano
religioso, guerras, fomes. “Dores de parto” era um termo técnico da época para
referir-se aos sofrimentos que precederiam o estabelecimento do Reino
messiânico (BRUCE, 2008, p.1096). Os outros sinais indicam que o fim se
aproximava, mas só seriam percebidos pelos participantes do Reino: perseguição
aos fiéis, conflitos entre os crentes (escândalos, traições e enganos), esfriamento
do amor por causa do aumento da iniquidade e o avanço da pregação do
Evangelho em todo o mundo (24:9-14).

A GRANDE TRIBULAÇÃO

A declaração “sereis atribulados”, associada ao termo “nações” (v.9), aponta


para a história da expansão da igreja no mundo, enquanto “será pregado este
evangelho do reino por todo o mundo” (v.14). Desta forma, alguns ensinos teriam
aplicação imediata (fim da era judaica) e outros, aplicações posteriores (fim da era
cristã), sendo que a primeira é símbolo da segunda (BAPTISTA, 1994, p.48). A
destruição do Templo estava em primeiro plano na mente dos discípulos
(conforme Lc 21:20-24) e não pode ser secundária na interpretação do sermão,
mas o interesse principal é com as últimas coisas e com a glória futura do Filho do
Homem.

Na continuidade do discurso, o Mestre faz referência ao período chamado


de “grande tribulação” (v.21). Neste momento, são feitas citações conscientes de
Dn 9:27; 11:31 e 12:11. A expressão “abominação desoladora”, baseada em

110
Daniel 11:31, tem como pano de fundo a ação de Antíoco Epifânio que, em 168
a.C., edificou um altar dedicado a Zeus e ofereceu um porco como sacrifício no
Santo dos Santos. Alguns estudiosos acreditam que a profecia teve cumprimento
definitivo em 70 d.C., quando o general romano Tito saqueou o templo. Todavia,
com base em textos como 2Ts 2:4, muitos propõem ser melhor entender que a
profecia se refere ao anticristo e ainda aguarda cumprimento. Como temos
defendido, é provável que se refira aos dois fatos (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO,
2016, p.1375). Se for desta forma, estaríamos diante do que a Teologia chama de
profecia de duplo cumprimento.

A agonia das grávidas e das lactantes (v.19), tentando fugir dos soldados
romanos que sitiavam Jerusalém, foi projetada com referência à grande
tribulação. Por outro lado, o conselho para que “os que estiverem na Judeia,
fujam para os montes” (v.16), pode sugerir uma interpretação tipológica de
referência futura ao anticristo no templo a ser reconstruído (SAYÃO, 2020). Há
divergência entre os estudiosos sobre a “grande tribulação” como um período
específico ou a intensificação do sofrimento ao longo da história, culminando com
a Volta de Cristo (o autor assume esta última posição). Deve haver concordância,
contudo, de que o sofrimento alcançará proporções nunca experimentadas (“não
tem havido e nem haverá jamais” - v.21) e que aponta para o clímax de alcance
mundial (“assim como o relâmpago que sai do oriente e se mostra no ocidente” -
v.27).

A VINDA DO FILHO DO HOMEM

O sermão segue com o Mestre ensinando que, “em seguida à tribulação


daqueles dias” (v.29), acontecerá a vinda do Filho do Homem (v.30),
correspondente à consumação do Reino. A palavra traduzida por “vinda” (em
24:3) é o termo grego Parousia, que significa presença ou chegada. Já a expressão
“Filho do Homem” é uma referência a Dn 7:13.

Os judeus dividem o tempo em duas eras: a presente e a vindoura. A atual,


por ser má, não tem possibilidade de reforma pelos meios humanos; apenas a
intervenção direta de Deus pode fazê-lo, quando, então, se iniciará a idade

111
vindoura. Entre essas duas épocas está o Dia do Senhor. A descrição da Segunda
Vinda no Sermão Profético, usou termos e imagens do AT relativas a este Dia Final
(Sf 1:14-18; Jl 2:30-31; Is 13:10-13). Ganha relevo, também aqui, a diferença entre
a primeira e a segunda vinda. Na primeira, pequeno, humilde, servo sofredor. Na
segunda, “sobre as nuvens”, com “glória e majestade”, Rei de toda a Terra, diante
de quem todos se prostrarão (Fp 2:10) em todos os lugares (BAPTISTA, 1094,
p.46-47).

Depois de sinais envolvendo os relacionamentos problemáticos entre os


homens, dos falsos profetas e do esfriamento da fé, como vimos no “princípio das
dores”, agora aparecem sinais cósmicos de que o fim se aproxima. Toda a criação
divina tem relação com a parousia porque Deus não age sem a ordem natural.
Isto reforça que há uma harmonia entre o mundo moral e o físico, razão pela qual
uma crise nas atividades humanas pode gerar uma resposta na natureza. Por isso,
a morte e a ressurreição de Jesus Cristo provocaram a criação de “um novo céu e
uma nova terra” (Ap 21:1). (Nas próximas lições veremos como a morte e a
ressurreição do Senhor foram acompanhadas de sinais na natureza).

A tensão entre a iminência e a demora da Segunda Vinda foi uma


preocupação que acompanhou os primeiros cristãos e tem sido uma marca
predominante da profecia bíblica (CHAVES, 2002, p.110). Muitas vezes, a Volta de
Cristo pareceu ser iminente. A queda de Jerusalém e a destruição do Templo foi
um desses grandes eventos. Mas, a humanidade tem sido confrontada com
eventos menores, porém igualmente decisivos. O saque a Roma, em 410 d.C., e a
Reforma Protestante no Século XVI, também foram atos de juízo divino no mundo
(BRUCE, 2008, p.1096). Todos esses acontecimentos são um chamado à vigilância
(v.42 – “vigiai”, do grego gregoreuo).

O TEMPO DO FIM

Para falar da vigilância necessária, por não ser possível saber o tempo do
fim, o Senhor usa a Parábola da Figueira, árvore que se destaca no inverno da
Palestina mais do que outras, em virtude da sua secura e ausência de folhas. O
aparecimento das primeiras folhas é um sinal seguro da primavera. Para o

112
observador atento, os sinais da Segunda Vinda serão igualmente claros quando
forem dados (BRUCE, 2008, p.1096). As palavras do Senhor jamais passaram; são
mais reais que os céus e a terra; elas serão cumpridas (24:35). Isso não significa
que será possível saber “a respeito daquele dia e hora”. A afirmação de que só o
Pai sabe quando acontecerá (v.36) atesta o fato de que Jesus era
verdadeiramente humano e verdadeiramente divino.

A expressão central de todo o sermão, que oferece a chave para a sua


interpretação é “esta geração” (v.34). Nesta altura, o Mestre afirma que a
referida geração não passaria sem que os sinais e acontecimentos se cumpram. O
termo “geração” tem sido alvo de intenso debate entre os exegetas. Estas são as
possibilidades de interpretação (NET BIBLE, 2020):

1) os contemporâneos da profecia; geração que viveu entre os anos 33 e 70


d.C.;

2) a nação de Israel (é questionável que o termo grego genea tenha este


significado);

3) a geração do cumprimento da profecia; que vê os sinais do fim (v.30).

Levando em conta a tensão entre o “já” e o “ainda não”, ou seja, a


inauguração do Reino com a Encarnação e a sua consumação com a Segunda
Vinda, como encontramos em todo o NT (Rm 8:18; Cl 3:4; 1Jo 3:2), o escopo da
profecia não deve ser limitado nem ao passado nem ao futuro. Luiz Sayão (2020)
assegura que a expressão “esta geração” não pode ter sentido cronológico, mas
significa “geração humana” em toda a sua extensão na história até o tempo do
fim. Vale aqui a lembrança da dupla perspectiva apocalíptica, para a qual dois ou
mais eventos podem ser interpretados em associação, sem que um anule ou
esgote o outro. Quem olha para dois cumes de montanhas distantes, estando um
atrás do outro, parece vê-los juntos, embora estejam muito afastados. Na
perspectiva do Mestre, o juízo de Deus visto na destruição do Templo de
Jerusalém tinha por trás o Juízo Final.

PARÁBOLAS ESCATOLÓGICAS

113
Através de parábolas escatológicas, o Mestre está confirmando que os
eventos profetizados se cumprirão com certeza, mas que apanhará os insensatos
de surpresa como nos dias de Noé. Enquanto Noé anunciava o juízo vindouro, as
pessoas conduziam normalmente suas vidas sem considerar a possibilidade da
intervenção divina (v.38 – “comiam, bebiam, casavam-se”). Ao contrário, todos
devem estar preparados para receber o Senhor a qualquer momento (v.37-44).

Os servos devem ser encontrados realizando a obra com fidelidade, em


todo o tempo. Os dons e as capacidades de cada um, juntamente com as
oportunidades de serviço, devem ser usados com responsabilidade e ousadia. A
comparação com o dono de casa vigilante (v.42-44), alerta para a
imprevisibilidade da parousia. A imagem do ladrão da noite também foi usada por
Paulo (1Ts 5:2), Pedro (2 Pe 3:10) e João (Ap 3:3; 16:15).

A Parábola do Bom Servo e do Mal (v.45-51) é uma exortação à diligência e


à prudência. Em nosso tempo, uma sociedade permissiva, na qual tudo é
considerado normal e aceitável, nutre o pensamento de que “Meu senhor se
demora” (v.48). Mas devemos considerar a lei da semeadura e a certeza de que o
Dia do Juízo chegará, por isso, é necessário preparação com conhecimento e
vigilância.

Na Parábola das Dez Virgens (25:1-13), prudentes e néscias, a ênfase


também recai sobre a preparação para a Volta de Cristo – “noivo” (v.1). A vida
eterna é apresentada como um banquete de casamento. Naquele contexto
cultural distinto, as candeias alimentadas por óleo representam a prudência. O
v.13 encerra a parábola, reforçando a ideia de vigilância por conta da
impossibilidade de se saber o tempo do fim.

A Parábola dos Talentos (v.14-30) faz um contraste entre as atitudes do


servo bom e fiel e as do servo mal e negligente, movido pelo temor. O dia do juízo
é apresentado como um acerto de contas. A interpretação dos talentos como
galardão não contempla a dureza do julgamento (SAYÃO, 2020). Os talentos são
sinais da graça recebida; resultados da salvação. O foco central do servo mal, que
via apenas a severidade do senhor (v.24-25), demonstra que ele não conhecia a
graça.

114
O GRANDE JULGAMENTO

Na última parte do sermão, foi retomada a linguagem apocalíptica para


falar, agora, do Grande Julgamento das nações reunidas diante do Senhor (25:31-
46). Na verdade, o texto enfatiza os indivíduos das nações. O tempo e o modo
deste julgamento não importam, pois estamos diante de princípios imutáveis.
Apenas importa saber que chegará o ponto final da história.

O Mestre faz uma comparação: “como o pastor separa dos cabritos as


ovelhas” (v.32). Era comum encontrar em Israel ovelhas e bodes sendo criados no
mesmo pasto (CHAVES, 2002, p.112). Os ímpios irão “para o castigo eterno,
porém os justos, para a vida eterna” (v.46). O Rei das Nações julgará cada
indivíduo, tomando como critério a resposta dada à sua graça por meio da ação
de cuidado com os “meus pequeninos irmãos” (v.40). Os “pequeninos” no
Evangelho de Mateus designam os discípulos (10:42; 18:6,10,14). Cristo os enviou
sem comida e sem provisão (10:9-10), e eles foram perseguidos, até mesmo
presos. Rejeitar algum desses irmãos é o mesmo que rejeitar ao próprio Cristo
(25:45).

Esta passagem causa perplexidade em muitos por fazer parecer que o


julgamento se baseia em atos de caridade, o que entra em conflito com a
doutrina da salvação pela graça mediante a fé. Mas, tanto os salvos quanto os
condenados ficam surpresos com o veredito do Filho do Homem. Os salvos foram
transformados pela graça de Deus, de tal modo que ajudaram os necessitados
espontaneamente, sem segundas intenções para ganhar pontos diante do
Senhor; os condenados nunca teriam negado ajuda a Jesus, mas o rejeitaram
quando Ele veio ao seu encontro na pessoa dos pequeninos (BÍBLIA BRASILEIRA
DE ESTUDO, 2016, p.1328). Justos (no sentido de justificados) e ímpios (pecadores
impenitentes) são separados como aprovados (que não lembram da ação) e
reprovados (que não lembram da omissão).

115
116
CONCLUSÃO

O fim do quinto e último grande discurso de Jesus está em 26:1, e é


indicado pela seguinte frase: “Tendo Jesus acabado todos estes ensinamentos”
(Como os quatro primeiros sermões - 7:28; 11:1; 13:53; 19:1). Esta sentença aqui
marca também o fim do ministério público de Jesus. O evangelista Mateus quer
lembrar-nos as palavras ditas pouco antes da morte de Moisés (“Tendo Moisés
falado todas estas palavras - Dt 32:45). Quando terminou de ensinar, Moisés
seguiu para a morte, e o mesmo aconteceu com Jesus. Essas palavras servem de
introdução à narrativa da paixão de Cristo (ADEYEMO, 2010, p.1206).

A melhor perspectiva para a interpretação do Sermão Profético é aquela


que vê o seu cumprimento no passado, no presente e no futuro. Os sinais
indicados pelo Mestre começaram a ser revelados ainda no início da era cristã,
mas prosseguiram sendo vistos ao longo da história e reserva seu desfecho para a
Volta de Cristo, com a consumação do seu Reino. Desde que o Templo de
Jerusalém foi destruído no ano 70 d.C., a geração humana aguarda o tempo do
fim. E cremos que o sinal mais claro da chegada deste tempo é a evangelização de
todas as etnias. Enquanto isso, devemos nos manter em vigilância, cumprindo a
missão de proclamar Cristo a todos.

117
QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Com que perspectiva devemos interpretar o Sermão Profético? Passado,


futuro ou os dois? Justifique.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

2) Como interpretar a expressão “esta geração” de Mateus 24:34?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3) Qual o sinal mais claro da aproximação do fim dos tempos e da Volta de


Cristo?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4) Qual critério será aplicado no Julgamento Final para separação de justos e


ímpios?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

5) Como o cristão deve se portar tendo a certeza da Volta de Cristo sem,


contudo, saber quando acontecerá?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

118
Lição 12
A MORTE DO MESSIAS-SERVO

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Compreender que a “Sabeis que, daqui a Segunda Mateus 26:1-25


morte de Jesus teve um dois dias, celebrar-se-á
Terça Mateus 26:26-56
significado substitutivo e a Páscoa; e o Filho do
que foi o cumprimento Homem será entregue Quarta Mateus 26:57-75
das profecias do AT. para ser crucificado”.
(Mateus 26:2) Quinta Mateus 27:1-26

Sexta Mateus 27:27-44

Sábado Mateus 27:45-66

INTRODUÇÃO

Depois de ter sido chamado para ser apóstolo e experimentado uma


transformação radical, Mateus se vê diante de um novo desafio: dar testemunho
de quem era Jesus. A pergunta ainda persiste e muitos continuam paralisados
pela dúvida ou mergulhados em confusão: seria Ele mártir ou revolucionário?
Místico ou profeta? Um louco elevado, politicamente, à condição de divindade ou
o próprio Deus Encarnado? A narrativa da crucificação do Evangelho de Mateus
procura mostrar porque os cristãos adoram um Deus-Homem que foi morto de
forma tão humilhante. A crucificação surpreendeu a todos e quebrou todas as
expectativas: o Filho de Deus foi morto pelos pecadores!

Jesus era Deus entre os homens, defende Mateus. Sua morte provou sua
humanidade, mas também Sua divindade. Era necessário, todavia, mostrar,
historicamente, como Jesus morreu sendo inocente e como aqueles que o
executaram tiveram uma culpa real, ainda que, mesmo assim, cumprissem o
plano divino. O Evangelho de Mateus, este documento de valor incalculável, é um
testemunho de que a morte e a ressurreição de Jesus, como eventos inseparáveis,
constituíam o único modo de salvar a humanidade.

119
Assim como nos primeiros capítulos, neste ponto do seu enredo, o
evangelista aumenta o número de referências ao AT com o objetivo de mostrar
que a morte de Jesus não foi uma tragédia ou um fracasso, mas o cumprimento
surpreendente das antigas promessas proféticas. Para o evangelista, Jesus é o
Messias Servo mencionado por Isaías 53. Ele foi rejeitado pelo seu próprio povo,
julgado em vez de julgar, e morreu em consequência dos pecados deles.

“O FILHO DO HOMEM SERÁ ENTREGUE PARA SER CRUCIFICADO”

Os líderes religiosos já haviam decidido matar Jesus (12:14; 21:45-46), e


apenas buscavam uma oportunidade na qual não precisassem se expor ou causar
comoção naqueles que o seguiam desde a Galileia. O Mestre, por sua vez, já havia
predito, por três vezes, a sua morte (16:21-23; 17:22-23; 20:17-19). Desta vez, Ele
anuncia que “o Filho do Homem será entregue para ser crucificado” (26:2),
fazendo uma referência indireta, porém consciente, do Salmo 2:2 sobre a
conspiração das autoridades contra o Messias (26:3). O uso absoluto do verbo
“entregar” (do grego, paradidomi), sem especificar o autor da ação,
provavelmente indica a compreensão de que Ele não seria entregue por Judas ou
pelo Sinédrio, mas pelo propósito soberano de Deus, do qual Ele estava
consciente (Jo 10:11;17-18) enquanto desenvolvia seu Ministério (BÍBLIA
BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1329).

Mateus é o único evangelista a demonstrar que Jesus sabia ser aquela a sua
última páscoa. Um evento anunciado como preparatório foi a unção em Betânia
(26:6-13). O Evangelho de João (12:1-3) informa que Maria, irmã de Lázaro e
Marta, ungiu Jesus antes da “Semana da Paixão”. Mateus e Marcos não indicam
quem teria sido a mulher (v.7) que, possivelmente, se inspirou no ato de Maria.
De todo modo, o episódio contrasta o ódio mortal dos líderes religiosos judeus e a
traição de Judas com o amor e a devoção dessa mulher. Ou, então, a fim de
associar a conspiração para matar Jesus com sua unção antecipada para a
sepultura (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1377). Aquele gesto, de tão
significativo, seria contado em todo o mundo onde o Evangelho fosse pregado
(26:13).

120
Em contraste com a devoção da mulher, Judas propôs aos principais
sacerdotes um acordo para entregar Jesus. Este é o Judas Iscariotes, escolhido por
Jesus para ser apóstolo (Mt 10:4) e constituído tesoureiro do grupo (Jo 12:6). O
nome Iscariotes significa habitante de Queriote (Js 15:25). Ele traiu Jesus por uma
quantia paga como indenização por um escravo ferido (Êx 21:32), equivalente a
120 denários (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1330). O caráter complexo
do traidor e o silêncio do NT sobre a sua real motivação, sempre abriram espaço
para conjecturas. Pode ter sido a avareza (Mt 26:15) ou a amargura por Jesus não
ter implementado de forma política o Seu reino messiânico. É possível que ele
não esperasse a condenação à morte e sim que a prisão fosse o estopim de uma
revolução (27:3). No final das contas, o ato foi inspirado pelo próprio Satanás, que
veio a possuí-lo (Lc 22:3; Jo 13:2;27).

“ISTO É O MEU SANGUE, O SANGUE DA NOVA ALIANÇA”

O traidor foi anunciado durante a última refeição de Jesus com os


discípulos. Os preparativos, em segredo, para aquele último encontro, deveriam
evitar que Judas agisse cedo demais. Jesus demonstrou perfeita consciência e
controle da situação ao orientar os discípulos nesta tarefa. A maneira como eles
iriam conseguir o local da reunião era a mesma que usaram para conseguir a
jumenta com seu jumentinho quando da entrada triunfal em Jerusalém (21:2-3).
As providências antecipadas tornaram possível garantir o tipo de dependência
(descrito em Mc 14:15), mesmo com as grandes multidões de peregrinos em
busca de acomodação. A tradição diz que o dono da casa pode ter sido o pai de
João Marcos (At 12:12). A sala superior desta casa, tradicionalmente chamada de
“cenáculo”, deve ter sido o lugar onde depois aconteceu o Pentecostes (At 2).

A Páscoa (pessach, em hebraico; pascha, em grego) era a principal festa do


judaísmo, que acontecia entre os meses de março e abril; uma das mais antigas
festas religiosas da história, com, aproximadamente, 3500 anos. O nome faz
referência ao sacrifício do cordeiro pascal, que era oferecido por causa da
libertação do povo de Israel da escravidão no Egito (Êx 12:1-28). A última páscoa

121
de Jesus com os discípulos aconteceu entre os anos 29 e 30 d.C., na tarde do
quarto dia da última semana, início do quinto dia (CHAVES, 2002, p.115).

Jesus estava reclinado (do grego, anakeimai) em uma mesa baixa, com um
recipiente onde o pão era embebido em molho. O traidor estava presente, mas
não permaneceu no momento da instituição da Ceia do Senhor (Jo 13:30).
Durante a refeição, o pão sem fermento (matzah, em hebraico) era colocado
sobre a mesa em uma espécie de bolsa contendo três partes. O pedaço do meio
era quebrado e uma das metades (afikoman, sem tradução) era escondida e
trazida depois da refeição. Na tradição dos anciãos, esta parte poderia significar
Isaque ou os Levitas. De qualquer forma, era símbolo de sacrifício. O sentido mais
profundo é a revelação de Deus como Pai, Filho e Espírito Santo (SAYÃO, 2021).
Quando Jesus disse “Este é o meu corpo” (26:26), Ele tinha de volta nas mãos o
afikoman.

O vinho era compartilhado em quatro cálices, simbolizando santificação,


libertação, redenção e louvor (segundo Êx 6:6-7). O terceiro copo, chamado de
“cálice de bênção” (1Co 10:16), significava redenção e passou a representar o
próprio sangue de Jesus. Este cálice foi repartido antes de cantarem parte do
Hallel (v.30), uma coleção de hinos messiânicos (Sl 114-118). Mas o Senhor,
propositalmente, não concluiu o ritual da Páscoa Judaica. O quarto copo,
simbolizando o louvor, ficou reservado para a plenitude da salvação no Reino
Consumado em Sua Segunda Vinda (26:29) (BRUCE, 2008, p.1098). O significado,
totalmente novo, instituído por Jesus, ficou evidente para os apóstolos.

A partir daquele momento, a aliança, antes mantida através do sangue de


animais, seria definitivamente substituída por uma “nova aliança” (26:28),
conforme profetizada por Jeremias (31:31-34). O livro de Hebreus apresenta Jesus
como o último mediador entre Deus e os homens (Hb 9:15), e sua morte foi o
sacrifício que eliminou todos os sacrifícios (Hb 9:26). A primeira ceia, portanto,
apontava para a cruz; todas as outras olham para trás, quando a salvação de
muitos (Mt 20:28) foi alcançada, e para frente, quando esta salvação será
celebrada na eternidade. Os detalhes da antiga história da Páscoa, a amargura da
escravidão, o sacrifício do cordeiro da Páscoa e a libertação do Egito, constituíram
o cenário no qual Jesus se apresentou como o novo Cordeiro Pascal (26:26-28). O

122
simbolismo é poderoso e chegou a nós na forma do culto da Ceia Memorial (1Co
11:23-26), a Páscoa Cristã (ADEYEMO, 2010, p.1192).

“VEREIS O FILHO DO HOMEM... VINDO SOBRE AS NUVENS DO CÉU”

A traição de Judas não foi um fato isolado, tanto que os demais discípulos se
escandalizaram com a prisão, a morte e o julgamento do Mestre, mesmo tendo se
comprometido a não o abandonarem (26:35). Pedro, Tiago e João foram
escolhidos pelo Senhor para vigiar com Ele, em um momento de agonia no qual a
sua alma estava “profundamente angustiada até a morte” (26:38). O lugar de
oração, Getsêmani (palavra de origem aramaica), significa lagar ou prensa de
azeite. Os discípulos não resistiram ao sono. Sozinho, Jesus orou e submeteu-se à
vontade do Pai, entregando sua vida, voluntariamente, às mãos dos pecadores
(26:45).

Judas chegou acompanhado de soldados armados para prenderem Jesus,


traindo-o com um beijo. Neste momento, todos os discípulos fugiram (26:56).
Depois da condenação pelo Sinédrio, Judas, “tocado de remorso” (27:3), “foi
enforcar-se” (27:5). Pedro, por sua vez, havia seguido Jesus de longe (26:57-58)
até à casa do sumo sacerdote Caifás. Ali, negou a Jesus por três vezes,
desprezando-o e chegando a amaldiçoá-lo. Quando se lembrou, contudo, do aviso
dado por Jesus (uma profecia, na verdade – Zc 13:7), chorou amargamente
(26:75). Pedro é o exemplo da fragilidade de quem confia em si mesmo. Todavia,
diferentemente de Judas, experimentou arrependimento, e não apenas remorso.
Por isso, experimentou a restauração através do amor do Senhor (Jo 21:15-19).

O sentido mais profundo da paixão é que Jesus entregou-se, livremente,


para salvar os pecadores. Dessa forma, Ele não deve ser alvo de pena, mas de
glorificação. O Senhor sofreu um julgamento duplo, por judeus e romanos,
completamente injusto e desqualificado, na calada da noite. Mas não devemos
pensar em Jesus como uma simples vítima do sistema religioso e político. Em todo
o tempo, Ele se manteve convicto da missão que recebera e para a qual havia se
preparado durante toda a vida. Os sacerdotes haviam procurado, em vão,

123
testemunhas falsas. As duas que conseguiram, repetiram apenas o que Jesus disse
sobre a destruição e reedificação do santuário em três dias (Jo 2:19).

Caifás, o sumo sacerdote, sabia que a acusação não seria suficiente, por
isso, lançou mão da estratégia final: induzir o Senhor a dizer que era “o Cristo, o
Filho de Deus” (26:63). O seu nascimento sobrenatural, seu poder extraordinário,
sua vida sem pecado e a autoridade do seu ensino já haviam provado isso. Mas,
Jesus sabia que toda aquela encenação (“Eu te conjuro pelo Deus Vivo” – v.63) era
apenas para justificar o veredito previamente definido. Segundo a lei dos
saduceus, usada no julgamento, um acusado não poderia ser obrigado a fazer o
juramento exigido apenas de testemunhas. Mesmo assim, Jesus confirmou sua
identidade e disse mais: “vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-
Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (26:64).

“CAIA SOBRE NÓS O SEU SANGUE”

A Palestina estava debaixo da autoridade romana. Os romanos permitiam


que os judeus usassem suas leis para julgarem. O evangelista Lucas registra (Lc
23:2) que os sacerdotes acrescentaram acusações políticas. Jesus foi preso por
uma força policial armada composta de soldados romanos, a guarda do Sinédrio e
os servos do sumo sacerdote. A prisão foi arbitrária e desnecessária, porque o
Senhor nunca esboçou violência (26:55). Até este fato, no entanto, foi registrado
por Mateus como cumprimento de profecia (Jó 19:13; Sl 88:9).

Caifás, que já havia decidido condenar Jesus à morte (João 11:49-53),


rasgou as vestes como sinal de repúdio e sentenciou Jesus por blasfêmia. Segundo
as regras rabínicas, os juízes deveriam rasgar as roupas diante de uma prova de
blasfêmia. O Sinédrio, a Suprema Corte Religiosa, tinha poder apenas para
formular acusações, não para julgar. A pena requerida na acusação de blasfêmia
deveria ser o apedrejamento (Lv 24:16). Em seguida, outra irregularidade foi
registrada por Mateus: a permissão de Caifás para que Jesus fosse ridicularizado e
agredido.

124
Cuspir em alguém era o insulto mais degradante dentro da cultura judaica
(26:27). O ódio destes religiosos foi motivado pela recusa de Jesus em seguir a
tradição dos seus antigos mestres, e por confrontá-los em sua hipocrisia. Eles,
então, transformaram a questão em guerra religiosa e assumiram a
responsabilidade sobre a morte do Senhor. Luiz Sayão (2020) lembra, contudo,
que o responsável legal foi o Império Romano, mas que, espiritualmente, foram
os nossos pecados, porque Jesus havia dito sobre a sua vida que “ninguém a tira
de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou” (Jo 10:18). A autoridade de
entregar e reaver a própria vida foi um mandato recebido do Pai.

A preocupação de Roma era apenas política. Jesus era considerado um


agitador que foi entregue pelas autoridades judaicas a Pilatos, procurador
romano, uma espécie de governador de toda a região da Judeia e Samaria. Ele
sabia que os religiosos entregaram o Senhor por inveja e hesitou em confirmar a
sentença, chegando a propor a troca de Jesus por Barrabás, um revolucionário,
membro do partido dos zelotes, preso por crime de sedição e condenado à morte
por crucificação. Antes, Pilatos perguntou a Jesus se Ele era o “Rei dos judeus”.
Foi a oportunidade para que o Messias proclamasse, diante do representante das
nações pagãs, que Ele era o descendente de Davi, que fora anunciado nas
profecias antigas: “Tu o dizes” (27:11), que significa “é como dizes”.

Mas o político romano não estava apto para compreender um tipo de


realeza pela servidão. Daquele momento em diante, o silêncio de Jesus provocou
grande admiração em Pilatos (27:4). Nesta segunda parte do julgamento, Mateus
destaca o impasse em relação ao sangue de Jesus. Judas já havia reconhecido que
era sangue inocente (26:6). Os sacerdotes recusaram as trinta moedas de prata
como oferta pelo mesmo motivo (26:6). Pilatos, por sua vez, lavou as mãos
(27:24). Então, o evangelista registra a reivindicação da responsabilidade por
parte do povo: “Caia sobre nós o seu sangue” (27:26). Neste ponto, o leitor do
Evangelho de Mateus é lembrado do significado do nome “Jesus”, dado pelo anjo
no anúncio do Seu nascimento: “Ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt
1:21). Por fim, Pilatos absolve Barrabás e ordena a crucificação de Jesus. O Rei do
Universo, dono de todo o poder, humilhou-se diante de homens iníquos, como
servo humilde, para ser morto em nosso lugar.

125
Os soldados, antes da crucificação, não apenas açoitam Jesus (27:26) como
também escarnecem dele, cobrindo-o com um manto escarlate, pondo em sua
mão um caniço e na cabeça uma coroa de espinhos. Todo o destacamento se
reuniu para este espetáculo, certamente todos os que estavam presentes dentre
os 600 homens que compunham a coorte (do grego, speria). Jesus foi considerado
por eles como mais um fanático galileu, um impostor que pretendia ser rei dos
judeus. Ele foi alvo de brincadeiras, cuspido e espancado covardemente (26:27-
31). Aquele que tinha à sua disposição milhares de anjos (26:53), submeteu-se à
vergonha sem proferir uma única palavra.

Em seu livro “A Cruz de Cristo”, John Stott (1998) afirma que, após
examinarmos Pilatos, Caifás, Judas e seus associados, os sacerdotes, o povo e os
soldados, a quem os evangelistas parecem apor a culpa pela crucificação,
constatamos que usa-se o mesmo verbo: paradidomi (grego), traduzido por
entregar ou trair. Jesus havia predito que seria entregue. Judas o entregou aos
sacerdotes, e estes o entregaram a Pilatos que, por fim, o entregou aos soldados
para o crucificarem. Para Stott, devemos conservar estes dois modos
complementares de olhar para a cruz. No nível humano, Ele foi entregue por
pecadores; no nível divino, o Pai o entregou para morrer pelos pecadores. O
apóstolo Pedro uniu estas duas verdades em Pentecostes: “sendo este entregue
pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o
por mãos iníquas” (At 2:23).

“EIS QUE O VÉU DO SANTUÁRIO SE RASGOU... DE ALTO A BAIXO”

Depois de uma noite sem dormir, do cansaço depois de um dia pesado, os


interrogatórios, a condenação injusta, o espancamento, os açoites, um verdadeiro
circo de horrores, Jesus agora caminha para o Monte Calvário (em latim, calva
significa caverna) ou Gólgota (em aramaico, galgata significa caveira). A trave
vertical da cruz já se encontrava no local da crucificação. Jesus está levando o
patibulum (em latim), a viga horizontal. Simão de Cirene (norte da África) foi
obrigado pelos soldados a carregar esta viga (27:32). Já na cruz, o Senhor foi
insultado em linguagem profética do AT (Sl 26:8-9; Is 53:12) por ter sido

126
“contado” entre os malfeitores. Os próprios ladrões que o ladeavam, repetiam os
mesmos impropérios (27:44). Ele foi exposto, publicamente, como amaldiçoado
por Deus (Gl 3:13; Dt 21:22-23). Sobre a sua cabeça, puseram escrita a acusação:
“Este é Jesus, o Rei dos Judeus” (27:37).

O Evangelho de Mateus usa a designação de “rei” oito vezes para referir-se


a Jesus Cristo (2:2; 21:5; 25:24,40; 27:11,37,42). Para os blasfemadores, a cruz era
a prova de que essa reivindicação messiânica era falsa. Também presente ali, o
Diabo usava as zombarias para fazer a última investida contra Jesus, na hora da
sua maior fraqueza, procurando fazer o Messias desistir da obra da redenção no
último momento: “É rei de Israel, desça da cruz e creremos nele” (27:42). As
primeiras tentações do deserto são repetidas de maneira ainda mais incisivas (Mt
4:2-8).

Antes de morrer, no entanto, Jesus recitou um salmo messiânico (Sl 22:1),


que mostrava como Ele se sentia profundamente abandonado por Deus, naquele
momento em que carregava sobre si os pecados da humanidade: “Eloí, Eloí, Lamá
sabactani?” (Aramaico) (Mt 27:46). Parte do mistério da expiação (doutrina
bíblica que ensina a substituição dos pecadores por Jesus), este abandono do Pai,
é o ápice do sofrimento do Filho. A razão desta citação messiânica feita por Jesus
(Sl 22:1) permanecerá insondável, mas podemos relacioná-la com o cálice da ira
de Deus sobre o pecado (Mt 20:22; 26:39,42,44). Em seguida, o Senhor clamou
outra vez e “entregou o espírito” (27:50).

Mateus registra que a morte de Jesus foi acompanhada de alguns


fenômenos sobrenaturais, entrelaçados com naturais, no estilo apocalíptico:
começou com um período de trevas desde o meio-dia até às três da tarde, o véu
do Templo se rasgou, houve terremotos e mortos ressuscitaram. O evangelista
está dizendo com isso que a morte de Jesus foi cósmica no seu significado e em
suas consequências. Abalou o mundo, os céus e a própria eternidade (BAPTISTA,
1994, p.53). Os soldados reconheceram, enfim, que Jesus era o “Filho de Deus”
(27:54).

O véu mencionado aqui pode ter sido o que separava o Lugar Santo do
Lugar Santíssimo, ou aquele que impedia que os adoradores olhassem para

127
dentro do Lugar Santo quando as portas do Templo estavam abertas. Com base
em aspectos teológicos, a primeira opção parece mais provável (BRUCE, 2008,
p.1102). Esta posição pode ser confirmada por Êx 26:31-33. O fato de ter-se
rasgado de alto a baixo, significa que Jesus ofereceu o sacrifício definitivo, do Céu
para a Terra, pelos nossos pecados (Hb 7:26-27).

Com a morte de Jesus, temos acesso à presença de Deus e não é mais


necessário que um sumo sacerdote entre no Santo dos Santos para expiar os
pecados do povo (Hb 9:1-12; 10:19-20). A leitura e meditação dos Evangelhos, em
associação com a Epístola aos Hebreus, tem levado cristãos católicos romanos a
reconhecerem a grave heresia de se perpetuar um sistema sacerdotal no
cristianismo. Trocar o sacerdotalismo judaico por outro, supostamente cristão, é
renegar o significado e os efeitos do sacrifício de Cristo. Enquanto isso,
lamentavelmente, cristãos evangélicos abandonam a fé do NT e voltam-se para o
cerimonial do AT, como caminho para alcançarem a bênção divina. Este é o caso
da Igreja Universal do Reino de Deus, a mais conhecida representante do
neopentecostalismo no Brasil, que construiu um “Templo de Salomão” no bairro
do Brás em São Paulo, distante de Jerusalém e distante do Deus revelado em
Jesus Cristo.

CONCLUSÃO

Mateus quis mostrar, através da historicidade do seu relato, que a morte de


Jesus era o cumprimento irrefutável das profecias do AT. Embora tenha envolvido
vários atores, Judas, Pedro, os sacerdotes, os soldados, Pilatos e os ladrões, o
drama da morte enfatiza a soberania e a voluntariedade de Jesus em todo o
processo. Tamanha convicção humana só seria possível com poder divino. Era o
Deus Encarnado, que havia entrado na história para entregar-se por seu povo e
por toda a humanidade. Antes mesmo da morte, já na Ceia Memorial, Jesus
deixou claro que a esperança de libertação definitiva da opressão, sobretudo do
pecado, seria realizada em seu sacrifício. Mas, quem, afinal, matou Jesus? O amor
de Deus e sua disposição em salvar pecadores, moveu Jesus até à cruz. Ali, por
obediência ao Pai e amor por nós, Ele se entregou. Por isso, somente somos

128
salvos quando reconhecemos que, no ápice do seu sofrimento, Jesus estava
assumindo o nosso lugar.

QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Qual é o objetivo do evangelista Mateus ao narrar a morte e a paixão de Cristo


com tamanha riqueza de detalhes históricos?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

2) Qual é o sentido da afirmação “o Filho do Homem será entregue para ser


crucificado” (26:2)?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3) Como Jesus deixou claro para os discípulos, durante a celebração no Cenáculo,


qual é o novo sentido da Páscoa?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

4) Quem assumiu a responsabilidade sobre o sangue de Jesus no Seu


julgamento?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

5) Segundo Mateus, qual é o ápice do sofrimento de Jesus na cruz?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

129
Lição 13
A RESSURREIÇÃO DO REI-MESSIAS

Objetivo da Lição Texto Devocional Leituras diárias

Conhecer as provas da “Ele não está aqui; Segunda Mateus 27:57-66


ressurreição de Jesus e a ressuscitou, como tinha
Terça Mateus 28:1-10
sua importância para a fé dito. Vinde ver onde ele
cristã. jazia”. (Mateus 28:6) Quarta Mateus 28:11-15

Quinta Mateus 28:16-20

Sexta Atos 1:6-14

Sábado 1 Coríntios 15:1-58

INTRODUÇÃO

O Evangelho de Mateus chega ao fim com uma reviravolta surpreendente.


Estamos no último capítulo (Mt 28). A cena da crucificação terminou com o corpo
de Jesus sendo colocado em um túmulo. Mas os discípulos descobriram, no
domingo de manhã, que o túmulo estava vazio e que as pessoas começaram a ver
Jesus vivo dentre os mortos. O evangelista, agora, narra a Sua ressurreição, Sua
aparição a vários discípulos e uma última ordem do Rei que venceu a morte para
os seus súditos: a Grande Comissão. Ele envia os seus discípulos para todas as
nações com as boas novas de que Ele é o Senhor; e de que, qualquer um, pode se
unir ao Reino sendo batizado e seguindo seus ensinamentos. Ecoando de volta
até o seu nome Emanuel, Deus conosco (Mt 1:23), as últimas palavras de Jesus
para os seus discípulos são: “E eis que estou convosco todos os dias até a
consumação dos séculos” (28:20). É uma promessa da presença de Jesus até o dia
em que Ele finalmente retornará (BIBLE PROJECT PORTUGUÊS). Desta forma, o
bloco iniciado com o Sermão Profético (24-25) é concluído com as narrativas da
morte e ressurreição, afirmando a autoridade suprema do Messias. A prova
máxima desta autoridade é a ressurreição.

130
O CORPO FOI SEPULTADO

Um discípulo de Jesus, revelado por Mateus apenas no final do Evangelho,


ofereceu um túmulo novo, de sua propriedade, para o sepultamento do Mestre;
seu nome era José de Arimateia. Ele foi mencionado por todos os Evangelhos (Mt
27:57; Mc 15:43; Lc 23:50-51; Jo 19:38) e é descrito como amigo de outro judeu
ilustre, chamado Nicodemus, que o ajudou na empreitada (Jo 19:38-42). O
destaque dado por Mateus ao fato de José ser “rico”, tem como objetivo remeter
o leitor judeu, imediatamente, a Isaías 53:9-12 e convencê-lo de que o seu relato
estava baseado nas profecias do AT.

José de Arimateia pediu a Pilatos o corpo de Jesus para sepultá-lo antes do


início do sábado, demonstrando lealdade pessoal como discípulo, mas também
em consideração à lei de Deuteronômio 21:23. Uma tradição essênia dava conta
de que o crucificado pelos motivos alegados contra Jesus deveria ser sepultado no
mesmo dia de sua morte (CHAVES, 2002, p.120). Antes de ser depositado no
sepulcro, uma gruta artificial, o corpo de Jesus foi enrolado em um lençol de linho
contendo perfumes e especiarias. Warren Wiersbe (2009, p.105) acredita que
“sem dúvida, José de Arimateia e Nicodemus eram crentes, ou não teriam se
sujado na Páscoa ao sepultar o corpo de Jesus”. Ele observa ainda o cuidado de
Deus Pai, em não permitir que mãos inimigas tocassem o Seu Filho depois que Ele
se fez pecado para salvar a humanidade.

Os sacerdotes e fariseus solicitaram a Pilatos a guarda do corpo (27:62). Eles


convenceram o governador, usando como pretexto o suposto perigo de embuste
por parte dos discípulos. No fundo, os fariseus, que criam na ressurreição e
haviam testemunhado o poder extraordinário de Jesus, sabiam que um milagre
poderia acontecer e, por isso, solicitaram, além de soldados, um selo para a pedra
que fechava o sepulcro (v.66). Os religiosos que tramaram a morte de Jesus, por
supostamente violar o sábado (12:14; Mc 3:6), agora estão num dia de sábado,
reunidos diante do procurador gentio Pilatos, para pedirem a guarda do túmulo
de Jesus (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDO, 2016, p.1334). São as contradições da
religião corrompida pelo orgulho. Mas, sem querer, a providência para guardar o
sepulcro preparou a evidência mais completa da ressurreição.

131
O SEPULCRO ESTÁ VAZIO

Os eventos ligados à ressurreição começaram “no findar do sábado” (28:1),


o que pode corresponder ao início da noite de sábado ou ao início do dia
seguinte, bem cedo, isto é, “ao entrar o primeiro dia da semana”. A expressão “ao
entrar” (em grego, epiphosko) significa raiar, clarear, amanhecer; denota os
primeiros sinais do raiar do dia de domingo. Os romanos chamavam o primeiro
dia da semana de prima feria (Latim), a primeira feira. Jesus havia morrido no final
da sexta-feira e ressuscitou no “terceiro dia”, como havia prometido (Mt 16:21;
17:23; 20:19). Os judeus sabiam dessa promessa (27:64). O método judaico
contava os três dias envolvidos (sexta, sábado e domingo) desde a crucificação
(SAYÃO, 2020).

Mateus registra que, na manhã de domingo, “houve um grande terremoto”


(28:2). Mas, a ressurreição não aconteceu naquele momento. O fenômeno
aconteceu porque um anjo rolou a pedra, para deixar o sepulcro aberto e, assim,
permitir que, tanto os guardas quanto as mulheres, testemunhassem o sepulcro
vazio (v.2). Jesus já havia ressurgido dos mortos, cumprindo sua promessa (16:21;
17:22-23; 20:17-19; 26:32). A ressurreição em si não teve testemunhas, que viram
apenas o túmulo vazio e os lençóis no lugar onde estava o corpo (Jo 20:6-7). Jesus
não precisava que lhe abrissem o túmulo para que saísse, assim como não
precisou que as portas da casa onde os discípulos estavam escondidos fossem
destrancadas para que Ele entrasse (Jo 20:19). O evento da ressurreição
transcende as vestes no túmulo, o sepulcro lacrado e os guardas armados (BRUCE,
2008, p.1103).

Os soldados desmaiaram de medo quando viram o anjo (v.3-4). Assim como


no primeiro capítulo, quando Mateus registrou que um anjo anunciou a José que
Maria havia concebido do Espírito Santo (1:18-20), agora, no último capítulo, mais
uma vez um anjo anuncia a ressurreição às mulheres (28:5-6). A presença do anjo
indica que a vitória sobre a morte foi a realização antecipada do Dia do Senhor,
possível de ser conhecida apenas por revelação. Mais uma vez, Mateus ancora
seus relatos com a experiência e as promessas do AT (Gn 16:7ss; 22:11-18; Jz
6:11ss; 13:3ss).

132
O CRISTO RESSURETO FOI VISTO

Nem todos os discípulos de Jesus haviam fugido depois da Sua prisão. As


mulheres permaneceram fiéis até o fim. Estas mulheres “vinham seguindo a Jesus
desde a Galileia. Para o servirem” (27:55). Os seus nomes são declinados pelo
evangelista: “Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mulher de
Zebedeu” (v.56). Elas acompanharam todo o drama até o momento final do
sepultamento (v.61). Prepararam óleos e especiarias, mas só puderam
embalsamar o corpo na manhã de domingo. Parece que Maria Madalena e a
outra Maria (28:1) velaram à beira do sepulcro e só se afastaram por causa do
sábado. As narrativas dos demais evangelistas indicam que as outras mulheres
podem ter se juntado a elas pela manhã do domingo (CHAVES, 2002, p.121).

Mateus registra o grande privilégio concedido a essas mulheres: elas foram


as primeiras pessoas a verem o sepulcro aberto e foram enviadas por um anjo
para anunciar a ressurreição aos outros discípulos. Mas isso não foi tudo; o
próprio Jesus veio ao encontro delas permitindo ser adorado, encorajando-as e
enviando-as, pessoalmente, com a missão de proclamar a sua ressurreição (28:9-
10). Este relato causou um impacto tremendo no mundo deste então. As
mulheres, que eram desvalorizadas pela cultura da época, foram transformadas
pelo próprio Cristo Ressurreto em suas primeiras testemunhas.

UM FALSO EVANGELHO FOI INVENTADO

O Sinédrio continuou empenhado na tentativa de apagar qualquer centelha


de fé em Jesus. Já haviam se valido da traição (Mt 26:14-16), da ilegalidade e da
injustiça (27:24) e, agora, tentam calar a verdade através do suborno (28:12). Os
guardas do sepulcro não eram apenas mercenários. Eles também temiam por
suas próprias vidas. Deus estava usando esta conspiração para tornar a prova da
ressurreição ainda mais retumbante. Eles teriam de admitir que haviam dormido
em serviço. Isso seria equivalente ao suicídio. Mas, se estavam dormindo, como

133
poderiam saber que os discípulos haviam roubado o corpo. Se viram o roubo, por
que não deram o alarme?

Ao recuperar a consciência, os soldados correram para contar aos principais


sacerdotes o que havia acontecido e aceitaram o suborno. Pilatos,
provavelmente, também foi subornado para acreditar na história (28:14), que não
pode ser sustentada (ADEYEMO, 2010, p.1195). Neste momento nasceu o “falso
evangelho”, o evangelho que nega a ressurreição de Cristo. Em nosso tempo,
cresce, assustadoramente, quantidade de notícias falsas, conhecidas como “fake
news”, notícias de cunho sensacionalista, com o objetivo de difamação, obtenção
de lucro ou influência política. Os soldados de hoje são aqueles que pregam um
“gospel fake”, o evangelho da mentira anunciado por pessoas soberbas e
gananciosas. A ressurreição de Cristo é o que distingue o Verdadeiro Evangelho,
porque a experiência com o Cristo Ressurreto gera conversão (os soldados
continuaram mercenários), adoração (os soldados adoravam o dinheiro) e
verdade (os soldados espalharam mentiras).

OS DESCRENTES DEVEM SER REFUTADOS

O principal argumento dos descrentes contra o fato da ressurreição é que


ninguém viu Jesus ressuscitando como, por exemplo, os judeus viram a Lázaro
saindo do túmulo e creram (Jo 11:44-45). Mas, as provas da ressurreição
dispensam a necessidade de uma visão do exato momento da ressurreição. Nem
mesmo se faz necessária a compreensão de como isso foi possível antes de o anjo
remover a pedra. De qualquer forma, viram o sepulcro vazio. E isto é um fato.

Quem seria capaz de remover uma pedra que pesava em torno de duas
toneladas? Por que um anjo desceria do céu para fazer isso se Jesus não houvesse
ressuscitado ou se estava por ressuscitar? Além disso, como as aparições
poderiam ser explicadas? Maria Madalena, Pedro, João, Tomé, todos os apóstolos
(Jo 20-21) e os discípulos de Emaús (Lc 24) são algumas testemunhas oculares do
Cristo Ressurreto. O Apóstolo Paulo afirma que Cristo “foi visto por mais de
quinhentos irmãos de uma só vez” (1Co 15:6).

134
Mesmo diante de tantas evidências, os descrentes ainda apresentam
alternativas que precisam ser refutadas (SAYÃO, 2020):

1) Os documentos cristãos primitivos são distantes da época


Evangelho de Marcos – baseado no testemunho do Apóstolo Pedro (1Pe
5:13) foi escrito entre as décadas de 40 d.C. e 70 d.C.;
2) Os discípulos erraram o túmulo
Não havia mais de um túmulo protegido por soldados;
3) O corpo de Jesus foi roubado
Este não é um argumento plausível. Quem teria roubado? Os romanos?
(não se interessavam); os judeus? (temiam o movimento em torno de
Jesus); os discípulos? (a pedra pesava 2 ton; as faixas, 40 Kg; o crime era
castigado por Roma; soldados estavam armados; um selo romano
protegia a pedra);
4) Foi uma alucinação dos discípulos
Por que tantos disseram ter visto? Por que tanto tempo depois?
Quinhentas pessoas tendo a mesma alucinação ao mesmo tempo? Para a
Psicologia, uma alucinação coletiva desta natureza é mais difícil de
acontecer do que o retorno de alguém de entre os mortos.
5) A morte de Jesus foi aparente
Ninguém sobreviveria à tortura sofrida por Jesus e depois conseguiria
sair sozinho do túmulo.
6) Foi uma mentira inventada pelos discípulos
Por que alguém morreria por uma mentira, sabendo que é uma mentira?
Todos os apóstolos foram perseguidos e mortos por pregarem a
ressurreição (João foi exilado).

A ressurreição é um fato histórico, o evento que transformou a vida dos


próprios discípulos, como vemos em Atos dos Apóstolos (At 1:8; 2:1-4; 14ss; 40ss;
3:1-8; 11ss; 4:7ss). A existência da igreja e sua continuidade depois da primeira
geração de apóstolos, com milhares de conversões já nos primeiros anos (At 2:41;
4:4), a conversão de sacerdotes (At 6:7) e do apóstolo Paulo (At 9:1ss; 1Co 15) são
evidências contundentes da ressurreição. “Com a ressurreição de Jesus, já
começou o futuro da criação, o Cristo ressurreto traz as chagas como sinais da
crucificação, sendo ele mesmo o supremo sinal do amor de Deus. Sem a
ressurreição de Jesus Cristo, não há fé na igreja, não há pregação e menos ainda

135
salvação” (BAPTISTA, 1994, p.58). A ressurreição é o alicerce da fé cristã. Se Jesus
não houvesse ressuscitado, continuaríamos em nossos pecados (1Co 15:17) e a
morte não seria derrotada (Hb 2:14).

O VERDADEIRO EVANGELHO DEVE SER PREGADO

O Cristo ressurreto comissionou pessoalmente Seus discípulos. Para melhor


entendermos o relato da Grande Comissão, devemos tomar o termo “irmãos” em
28:10 (em grego, adelphos), no sentido mais amplo do que os Onze (28:16)
(BRUCE, 2010, p.1103), que permaneceram em Jerusalém, onde se encontraram
com Jesus (Jo 20:19;26). Desta forma, podemos identificar esta aparição na
Galiléia com 1 Co 15:6. A comissão foi dada aos Onze, como representantes da
Igreja que viria a se formar. Mateus omite, propositalmente, as demais aparições
(na Judéia), exceto a que atestou a ressurreição porque, para o evangelista, a
Galileia representava a separação da Igreja Cristã de tudo o que era antigamente
representado por Jerusalém (BRUCE, 2008, p.1103).

Tudo, até aqui, no Evangelho de Mateus, convergiu para este momento.


Jesus já está entronizado como Senhor da História (28:18), revela sua autoridade
(em grego: exousia) como único mediador entre Deus e os homens (1Tm 2:5),
comunica sua missão universal aos discípulos e os assegura de sua presença
contínua. Exousia significa poder absoluto e está em consonância com a profecia
de Daniel 7:13,14. A vitória sobre o pecado e a morte conferiu-lhe esta
autoridade. Este poder está na base da ordem de “fazer discípulos” (em grego:
matheteuo – único verbo no modo imperativo em toda a passagem).

O resumo da Grande Comissão de Jesus para a igreja, que consiste em fazer


discípulos de todas as nações, ajudando-os a andarem como Ele andou e a se
tornarem, cada dia mais, parecidos com o Mestre, está em três ações
fundamentais (BÍBLIA BRASILEIRA DE ESTUDOS, 2016, P.1335):

136
(1) ir por todo o mundo, transpondo todo tipo de fronteiras, em busca
dessas pessoas;

(2) batizar os novos discípulos, integrando-os na igreja, o corpo de Cristo; e

(3) ensinar os novos discípulos a vivenciar, de modo integral, o evangelho do


Reino de Deus, que Jesus veio ensinar”

O Evangelho de Mateus é um recurso extraordinário, concedido por Deus à


Igreja Cristã, para o cumprimento desta missão. Neste livro, aprendemos que
ninguém fica indiferente a Jesus. Ou a pessoa o segue e coloca-se debaixo dele
como um súdito, ou torna-se inimiga dele. Na perspectiva de Mateus, Jesus é
aquele que foi prometido aos judeus, esperado como Libertador de seu povo.

Para o evangelista, o verdadeiro judaísmo continua com Cristo Jesus. Mas,


este judaísmo perde a singularidade étnica e torna-se a religião daqueles que
creem que Jesus Cristo é Salvador e Senhor. Mateus também amplia a perspectiva
que se tem do Jesus Histórico. Ele não veio apenas como um profeta ou como um
religioso, mas veio para ser o Rei do Universo. “Aquele pregador da palestina, que
por nascimento tem direito ao trono de Israel, quer colocar o mundo inteiro aos
seus pés. Ele quer ser o Senhor de tudo e de todos. Desta forma, seguir a Cristo,
para Mateus, é colocar-se debaixo do seu senhorio em todas as esferas da vida”
(ESCRITURA EM FOCO, 2021).

CONCLUSÃO

Na Igreja Cristã, nada teria o mínimo sentido, os cultos ou ministérios, nem


mesmo o Natal ou a Páscoa, sem esta demonstração de poder que comprova a
identidade de Jesus, o “Filho de Deus”. Grandes líderes mundiais da história estão
mortos; somente o Cristianismo reivindica a ressurreição daquele que considera
sua origem. Toda a vida cristã e todo o ministério da igreja baseiam-se no poder
da ressurreição. A própria experiência de salvação foi resumida pelo Apóstolo
Paulo em termos de confissão do senhorio de Cristo e de fé na sua ressurreição:
“Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que
Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Rm 10:9). E mesmo
permanecendo como um mistério, a ressurreição é um fato que mudou a História

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e continua mudando histórias. Mudou para sempre a vida das mulheres, cujo
testemunho não era confiável, mas foram as primeiras porta-vozes da nova vida
trazida pela ressurreição. Desde então, crentes anunciam a descrentes, com
provas históricas e com a transformação de suas próprias vidas, que Jesus é o
Cristo.

QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Para Mateus, o que a ressurreição de Jesus prova?


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2) O fato de ninguém ter visto Jesus ressuscitando, invalida o Evangelho?


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3) Qual é a importância de as mulheres terem sido as primeiras a verem o


Cristo Ressurreto?
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4) Como refutar os descrentes na ressurreição de Jesus?


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5) Quais são as tarefas fundamentais da Grande Comissão?


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REFERÊNCIAS

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