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A TEOLOGIA DO REINO DE DEUS CONFORME MATEUS 13

Alunos
Waldenilton Cunha Pereira1
Daniel Martins Licá2
Francisco Victor Maciel Miranda Calvet3

Orientador
Antônio Augusto Lopes Ferro4

Resumo: O presente artigo tem como objetivo expor uma breve análise de Mateus
13, que narra as principais parábolas acerca do Reino dos Céus. A centralidade do
tema deste capítulo está na ação do Reino dos Céus e sua relação com o tempo
apocalíptico. O capítulo também traz o contexto de uma comunidade cristã que nasce
sendo constituída principalmente por judeus que guardavam para si a Palavra de
Deus, com uma linguagem peculiar do seu autor. Tais características tornam o
capítulo 13 detentor do discurso central de Jesus neste Evangelho, no qual se
encontra o precioso tesouro do Reino de Deus. Logo, um estudo dele favorece a
transmissão da pregação de Jesus e o discipulado para os cristãos da atualidade.

Palavras-chave: mateus; parábolas; reino dos céus; comunidade mateana.

Abstract: This article aims to expose a brief analysis of Matthew 13, which tells the
main parables about the Kingdom of Heaven. The centrality of the theme of this chapter
is in the action of the Kingdom of Heaven and its relation with the apocalyptic time. The
chapter also brings the context of a Christian community that was born consisting
mainly of Jews who kept the Word of God to themselves, with a peculiar language of
its author. Such characteristics make chapter 13 the holder of the central discourse of
Jesus in this Gospel, in which the precious treasure of the Kingdom of God is found.
Therefore, a study of him favors the transmission of Jesus' preaching and discipleship
for Christians today.

Keywords: mateus; parables; kingdom of heaven; matean community

1 INTRODUÇÃO

O apóstolo Mateus, como todo autor, escreveu os ensinamentos do Mestre


Jesus possuindo uma intenção. Para que se possa compreender o Evangelho e as
parábolas propostas, é necessário considerar todo o panorama teológico presente na
obra. O autor, o destinatário, a linguagem, o contexto textual e a época em que foi

1
Graduando em Bacharel em Teologia pelo Centro de Estudos Bet-Hakam
2
Graduando em Bacharel em Teologia pelo Centro de Estudos Bet-Hakam
3
Graduando em Bacharel em Teologia pelo Centro de Estudos Bet-Hakam
4
Bacharel em Teologia pelo SPRBC e História Licenciatura pela UEMA; Professor de Teologia do
Centro de Estudos Bet-Hakan
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escrito são pontos imprescindíveis que ajudam captar a mensagem que Mateus
estava querendo transmitir e a concepção religiosa que pretendia formar nos seus
leitores.
Primeiramente, o que chama a atenção do livro de Mateus é que ele ocupa o
primeiro lugar dentre os Evangelhos, embora não tenha sido escrito primeiro no que
diz respeito à datação. Percebe-se que recebeu uma preferência e isso se deu
especialmente por causa da popularidade e grande aceitação dos escritos por parte
da comunidade cristã da época.
O Evangelho de Mateus foi escrito, segundo o senso comum, primordialmente
em grego e detém mais discursos de Jesus do que o Evangelho de Marcos, por
exemplo. Além disso, acomoda em sua estrutura, majoritariamente, as ações de Jesus
narradas. Possui textos similares a Marcos e Lucas, e também passagens que não
estão presentes em nenhum dos outros dois Evangelhos, sendo definidas como
patrimônio específico do apóstolo Mateus.
O nome “Mateus” é mencionado apenas no primeiro Evangelho, em
contrapartida, o chamado de Levi, o publicano, está presente nos livros de Mateus,
Marcos e Lucas. Por esta razão, levanta-se a dúvida se o apóstolo Mateus citado nos
Evangelhos seria o mesmo autor do primeiro sinótico. O fato dos outros Evangelhos
não o citarem de forma clara, gera certa estranheza e faz com que alguns
pesquisadores concluam que o próprio autor tenha corrigido seu nome.
Muito provavelmente Mateus era um judeu rabino convertido ao cristianismo,
que se tornou um pastor de pessoas bem preparado tecnicamente e dedicado a
ensinar aos irmãos os ensinamentos de Jesus. Isto em razão de sua capacidade de
escrever dominando as Escritas antigas e em conformidade com sua intenção de
evangelização.
Entende-se que o maior objetivo de Mateus era apresentar Cristo como o pleno
cumprimento da Lei de Moisés. Ligado a isso, os estudiosos concordam que em Mt
13:52 onde diz: “Todo escriba que se tornou discípulo do Reino dos Céus é
semelhante ao proprietário que do seu tesouro tira coisas novas e velhas”, Mateus
estava evidenciando sua autoria.
O Evangelho de Mateus foi escrito para uma comunidade de judeus cristãos e
isso é comprovado por vários fatores apontados no próprio livro. Dentre eles, o fato
de o autor demonstrar zelo pelas tradições judaicas e pela Lei. Ainda, o livro possui
expressões de caráter tipicamente nacionalistas como o termo “gentios”, que era
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habitualmente utilizado pelos judeus para se referirem àqueles que não faziam parte
da mesma fé dos judeus.
Ademais, a passagem de Mt 10:5-6 deixa claro que a missão dos discípulos é
intermediada pelos israelitas. O erudito Brown (2012, p. 311), analisando a identidade
dos destinatários do evangelho mateano, elenca que “a interpretação mais plausível
é a de que evangelho de Mateus foi endereçado a uma Igreja, no início, fortemente
judaico-cristã, cuja composição se tornou progressivamente gentia. Acerca disso, o
teólogo neotestamentário Blomberg, também comenta que:
As evidências externas nos ajudam a confirmar nossa suspeita de que
Mateus escreveu em particular para os cristãos judeus. Mas a maioria dos
testemunhos afirma apenas que Mateus escreveu “aos hebreus”, embora
seja ocasionalmente sugerido um lugar na Palestina (ver Ireneu, Contra
Heresias 3.1.1; Eusébio, História Eclesiástica 3.24.5-6; Jerônimo, Homens
Ilustres 3). (BLOMBERG, 2009, p. 176).

Havia também, nessa comunidade, a presença de cristãos de origem


helenística, que participavam da corrente “anomista”, cuja ideia acerca da Lei era o
oposto do pregado pelo evangelista. Isso o leva a destacar com veemência a
importância da Lei Mosaica, como se vê em Mt 5;17-18. E por fim, há indícios de uma
comunidade laxista, com base nos capítulos 18 e 24. Portanto, vemos que essa
comunidade matina se concentrava na região da Antioquia da Síria, respaldado no
versículo 24 do capítulo 4, onde afirma que a fama de Jesus se espalhava pela Síria.
O erudito neotestamentário Blomberg (2009, p. 176) comentando sobre a
origem do evangelho de Mateus, afirma que “os estudiosos modernos sugerem com
frequência a Síria, em especial sua principal cidade, Antioquia, quase um sétimo
judaico. De qualquer modo, o cristianismo judeu sempre foi mais forte na parte oriental
do império.” O estudioso neotestamentário Raymond Brown, também, seguindo esse
mesmo pensamento, elenca que:
A opinião majoritária liga Mateus à Síria, especificamente a Antioquia. Em Mt
4,24 acrescenta-se “Síria” à descrição marcana da expansão da atividade de
Jesus. 0 primitivo e judaico Evangelho dos Nazarenos, ligado a Mateus (ver
n. 84), circulava na Síria. 0 argumento, tirado do uso que Mateus faz do grego,
de que deveríamos supor uma cidade síria porque 0 aramaico era falado na
zona rural, é incerto; um ambiente urbano, porém, pode estar implícito no uso
da palavra “cidade”, presente vinte e seis vezes no evangelho, em
contraposição a “povoado”, que aparece quatro vezes. (BROWN, 2012, p.
311).

Existe o consenso de que este Evangelho tenha sido escrito depois dos anos
70 d.C., uma vez que menciona a destruição do templo e o incêndio da cidade em Mt
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22:7, fato que aconteceu também em 70. Porém, ainda não havia acontecido a
expulsão dos cristãos da sinagoga como descrito em Jo 9:22, resultado do conflito da
comunidade com o judaísmo rabínico. Logo, sugere-se uma data anterior ao ano 90,
concluindo, assim, que possa ter sido escrito por volta dos anos 80.
Comentando sobre a provável datação do evangelho mateano, o teólogo
neotestamentário Brown postula que:
Tais descrições seriam inadequadas se Mateus tivesse sido escrito somente
duas ou três décadas depois de 30/33 d.C. Provavelmente, melhor argumento
para uma data pós-70 seja a dependência de Mateus em relação a Marcos,
um evangelho comumente datado do período entre 68 e 73. Tudo isso faz de
80-90 d.C. a datação mais plausível; os argumentos, porém, não são exatos,
de modo que, pelo menos uma década em cada direção deve ser consentida.
(BROWN, 2012, p. 317).

2 A TEOLOGIA BÍBLICA MATEANA

O erudito Brown (2012) entende que a teologia bíblica do Evangelho de Mateus


deve ser analisada a partir da cristologia, eclesiologia e apocalíptica. Assim, todo
evangelho dever ser lido através dessa tríade.
Em se tratando da cristologia, portanto, Jesus é apresentado pelo evangelho
mateano como o Messias prometido pelos profetas veterotestamentários, por isso,
vemos que o seu evangelho se inicia com linhagem de Jesus até Davi.
Vejamos, portanto, o que o erudito neotestamentário Brown diz acerca desse
pensamento:
No livro do gênese de Mateus, novo ato criador dá origem ao Messias, de um
modo que relaciona de maneira singular com Deus. No entanto, Jesus é
também Filho régio de Davi porque José, da casa de Davi, reconhece-o como
filho ao receber Maria, sua mulher, e ao dar um nome à criança. Destarte,
José, um judeu zeloso e observante da Lei (Mt 1,19), torna-se realizador do
plano de Deus, que teve início há muito tempo, quando Abraão gerou Isaac.
Esse primeiro capítulo de Mateus diz aos leitores quem Jesus é Messias,
único concebido do Espírito Santo, Emanuel ou “Deus conosco”) e como isso
aconteceu. (BROWN, 2012, p. 317).

Notamos também, que Jesus está sempre apresentado como se fosse um


“novo Moisés” na sua origem, isso fica claro na sua fuga para o Egito e na matança
das crianças inocentes por Herodes. Jesus também é visto como o verdadeiro
intérprete da Lei Mosaica, conforme podemos observar no sermão da montanha, uma
espécie de “Novo Moisés”, que é tanto o libertador de Israel por ser da semente
davidica, quanto o verdadeiro intérprete da Lei em analogia com Moisés. Quanto a
isso, o erudito neotestamentário Blomberg comenta que:
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Assim como Moisés, Jesus tem uma infância cercada de milagres; causa
confusão entre os governantes da terra; sobrevive, enquanto crianças de sua
idade são massacradas e refaz a viagem do Êxodo, indo para o Egito e
retornando (c. 1—2). Ele permanece no deserto quarenta dias e quarenta
noites em sua preparação para o ministério e então apresenta o seu ensino
programático no alto de um monte (c. 4—5). (BROWN, 2012, p. 317).

Acerca da eclesiologia, observamos que a comunidade de judeus cristãos, que


compunha os leitores originais do evangelho de Mateus perpassa por todo evangelho,
mostrando como eles se tornaram herdeiros do Reino de Deus, assumindo o lugar do
Israel incrédulo. Assim, vemos que a comunidade mateana vivia na tensão
escatológica do “já-ainda-não”.
Quanto à apocalíptica mateana, o teólogo neotestamentário Brown (2012)
afirma que o aparecimento de Jesus é uma mudança radical na história
acompanhados por sinais miraculosos, sua morte e ressurreição, portanto, a
comunidade mateana estava já vivendo o início do “escaton” divino, daí o motivo dos
sinais apocalípticos preditos por Jesus em Mateus 23-24.

2.1 Os sermões mateanos

Notamos que o evangelho mateano nos apresenta cinco grandes discursos que
servem de transição para as narrativas de milagres. Temos, então, o sermão da Lei
(Mt 5-7), o sermão missiológico (Mt 10), o sermão do Reino (Mt 13), o sermão
eclesiástico (Mt 18) e o sermão apocalíptico (Mt 24-25). Quanto a estrutura literária
dos sermões mateano, o teólogo neotestamentário Blomberg postula que:
A intenção de Mateus de que esses cinco principais sermões de Jesus
fossem vistos como discursos unificados, intercalados em sua narrativa
histórica, fica clara pela repetição do refrão com que termina cada um dos
sermões: “Havendo Jesus concluído essas palavras...” (7.28; 11.1; 13.53;
19.1 e 26.1 — este último versículo acrescenta “todas” antes de “essas
coisas”). (BLOMBERG, 2009, p. 167).

Assim, nesse tópico comentaremos brevemente os quatro sermões, antes de


chegarmos a analisar o sermão parabólico do Reino, preparando assim o terreno para
o nosso estudo.

2.1.1 O Sermão da Montanha

O discurso do Monte verificamos que é o cerne do ensinamento de Jesus no


evangelho de Mateus. O intuito de Mateus é apresentar Jesus como o verdadeiro
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mestre de Israel, comparando-o com Moises. Ele, então, não veio para revogá-la e
sim para cumpri-la e lhe dá um novo significado.
A partir daí, então, vemos que o evangelho mateano tem o intuito de mostrar à
sua comunidade de judeus cristãos, qual deve ser a verdadeira relação deles agora
com a lei mosaica e como ela ganha verdadeiro sentido em Jesus. Portanto, o Sermão
da Montanha visa apresentar a Jesus como o “novo Moisés”, mas também, mostrar o
que é a essência da lei como gravada nos corações dos salvos.
Comentando sobre o significado teológico do sermão da montanha e como o
Jesus mateano é apresentando nesse bloco literário do evangelho mateano, o teólogo
neotestamentário Brown afirma que:
Mais do que qualquer outro mestre de moralidade, o Jesus mateano ensina
com exousia, isto é, com poder e autoridade divinos, e, mediante esse
revestimento de poder, torna possível urna nova existência. Existem paralelos
entre Moisés e o Jesus de Mateus (c. 4—5) [...] O ensinamento ético do novo
legislador (Mt 5,17-48) constitui uma admirável seção, não somente pelo
modo segundo qual Mateus elabora a compreensão cristã dos valores de
Jesus, mas também por sua cristologia implícita. O Jesus mateano apresenta
a exigência de Deus não descartando a Lei,15, mas pedindo uma
observância mais profunda que alcança a razão pela qual aquela foi
formulada, ou seja, “ser perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt
5,48). (BROWN, 2012, p. 269-270).

2.1.2 O Sermão Missionário

O segundo grande sermão no evangelho de Mateus se encontra no capítulo


10, no qual, podemos intitulá-lo de “sermão missionário”. Nessa unidade literária,
vemos que Jesus ordena aos seus discípulos a pregar as boas-novas do Reino,
primordialmente, aos judeus. Ele, então, investiu seus discípulos de autoridade para
realizar sua missão. O erudito neotestamentário Brown comentando acerca do
significado teológico do sermão missionário de Mateus 10, entende que:
A conclusão mateana do discurso (Mt 10,40-42) amplia essa correlação para
aqueles a quem Jesus envia: quem os recebe, recebe a ele, e quem recebe
Deus que enviou. Desse modo a missão dos discípulos comporta a extensão
da salvação de Deus para todos. (BROWN, 2012, p. 275).

Vemos, então, que no sermão missionário, os discípulos devem saber onde


devem ir (v.5b-6), o que devem pregar (v.7), o que devem fazer (v.8) e o que devem
levar (v.9-10). Refletindo sobre o significado teológico do sermão missionário de
Mateus 10, o comentarista neotestamentário Carson, então, afirma que:
Na verdade, a linguagem de Mateus sugere que os Doze se tornaram um
grupo conhecido um tanto mais cedo. Essa comissão foi, ao mesmo tempo,
um estágio do treinamento e preparação dos que, depois de Pentecoste,
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conduziriam o primeiro impulso da igreja novata. Doze foram escolhidos,


provavelmente uma analogia às doze tribos de Israel (cf. também o conselho
de doze em Qumran; 1QS 8.1 ss.), e eles apontam para a renovação
escatológica do povo de Deus (veja comentário sobre 19.28-30). A autoridade
que os Doze receberam os capacitou a curar e a expulsar “espíritos [lit.,
‘impuros’] malignos” — espíritos em rebelião contra Deus, hostis aos homens
e capazes de infligir, direta ou indiretamente, dano mental, moral e físico.
(CARSON, 2010, p. 283).

2.1.3 O Sermão Eclesiológico

Vemos que Mateus 18 refere-se ao discurso eclesiástico, visando como deve


ser a nova postura dos cristãos dentro da comunidade mateana. Esse discurso é
marcado, portanto, pela responsabilidade que todos da comunidade mateana devem
ter com a acolhida do irmão, pela santificação mútua e pela prática do perdão, que
perpassa grande parte do discurso de Mateus 18.
Portanto, o erudito neotestamentário Brown, refletindo sobre o significado
teológico do sermão missionário nos informa que:
Essa coleção de ensinamentos éticos algo disparatada, em grande parte
dirigida anteriormente aos discípulos de Jesus, tem recebido uma perspectiva
que a faz surpreendentemente apta para uma Igreja estabelecida, tipo de
Igreja que somente Jesus de Mateus menciona. [...] Esse capítulo pretende
assegurar que tais valores não suprimem os valores de Jesus. Para os
leitores que lutam com os problemas da Igreja hoje, esse pode ser mais útil
dos discursos de Mateus (Mt 16,18). (BROWN, 2012, p. 275-286).

Assim, podemos ver que esse discurso eclesiológico trata do verdadeiro


discipulado cristãos, tanto para com os de “dentro” da comunidade mateana, quanto
para com os de “fora” que a perseguia.

2.1.4 O Sermão Apocalíptico

Chegamos, portanto, ao último discurso registrado pelo evangelho mateano.


Trata-se do sermão apocalíptico que pode ser dividido em três grandes partes: A
primeira parte, refere-se a vinda do Filho do Homem e dos sinais cósmicos (cf. Mt
24.29-31); a segunda parte, aparece a grande exortação a vigilância (cf. Mt 24.26-36)
e a terceira parte, refere-se ao julgamento final dos ímpios e a salvação dos justos.
(cf. Mt 25.46).
Comentando sobre a importância teológica do discurso apocalíptico proferido
pelo Jesus mateano e suas implicações para a própria comunidade, o erudito
neotestamentário Raymond Brown afirma que:
O admirável princípio de que veredicto será pronunciado com base no
tratamento dispensado aos excluídos é a última advertência do Jesus
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mateano aos seus seguidores e à Igreja, reclamando um comportamento


religioso bem diferente tanto daquele dos escribas e fariseus, criticados no
capítulo 23, quanto daquele de um mundo que dá mais atenção ao rico e ao
poderoso. (BROWN, 2012, p. 295).

Discutindo, também, sobre o significado do sermão apocalíptico no evangelho


de Mateus e suas implicações teológicas para a comunidade mateana, o erudito
neotestamentário Carson elenca que:
Em minha compreensão do discurso do monte das Oliveiras, os discípulos
pensam na destruição de Jerusalém e no fim escatológico como uma única e
complexa rede de eventos. Isso explica a forma de sua pergunta. Jesus
adverte que haverá adiamento antes do fim — adiamento caracterizado pela
perseguição e tribulação de seus seguidores (w. 4-28), mas com uma
demonstração particularmente violenta de julgamento na queda de Jerusalém
(w. 15-21; Mc 13.14-20; Lc 21.20-24). [...] As perguntas dos discípulos são
respondidas, e o leitor é exortado a aguardar o retorno do Senhor e, no meio
tempo, viver de forma responsável, fiel, compassiva e corajosa enquanto o
Mestre está fora (24.45—25.46). (CARSON, 2010, p. 575-576).

Entendemos, portanto, que esse sermão apocalíptico mateano tem como


objetivo mostrar a sua comunidade que o tratar de Deus com o povo judeu se findou
com a rejeição de Jesus como o Messias de Israel e com a destruição do templo de
Jerusalém no ano 70 d.C.
Sendo assim, a comunidade mateana, ao olhar para o discurso escatológico no
monte das Oliveiras, deve se colocar agora no lugar do verdadeiro povo de Deus e,
portanto, anunciar o evangelho aos gentios de todas as nações até o retorno de Cristo.

3 O SERMÃO PARABÓLICO DE MATEUS 13

3.1 Definindo parábolas

No entendimento popular, as parábolas são conhecidas como as palavras de


Jesus de forma geral. Através delas, os mistérios de Deus se tornavam de fácil
compreensão para os mais simples. Todas elas transmitem uma narrativa de ficção,
com elementos do cotidiano do ouvinte, trazendo uma mensagem escondida em seu
enredo, relacionada com a realidade e o contexto em que foram contadas. O
comentarista neotestamentário Cheung, então, define parábola no uso bíblico, da
seguinte forma:
A palavra grega para parábola é parabole – ela é uma palavra grega
composta que significa “colocar de lado”. No uso bíblico, uma parábola
compara ou contrasta uma realidade natural com uma verdade espiritual. E
assim, quando lendo os Evangelhos, algumas vezes você verá Jesus dizendo
tais coisas como: “O Reino dos céus é como...” (Mateus 13:24), ou “Com que
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se parece o Reino de Deus? Com que o compararei?” (Lucas 13:18).


(CHEUNG, 2003, p. 4).

As parábolas carregam conteúdos internos, que dizem respeito ao sentido


delas, sobre os quais somente os integrantes do movimento de Jesus tinham acesso.
Ademais, o significado que elas possuem são atemporais, possibilitando que pessoas
captem ensinamentos de Cristo para suas vidas até hoje. O erudito neotestamentário
Snodgrass definindo o objetivo do uso de parábolas como gênero literário
neotestamentário, elenca que:
Se o significado é o valor atribuído a um conjunto de relações, as parábolas
proporcionam novos conjuntos de relações que nos capacitam (ou nos
forçam) a ver as coisas de uma maneira inteiramente novas. As parábolas
funcionam como lentes que faz com que enxerguemos e corrijamos a
distorção da nossa visão. Elas permitem que, vejamos aquilo que, de outra
forma, não veríamos, e pressupõe que devamos olhar e ver uma realidade
específica. (SNODGRASS, 2010, p. 33).

Sendo assim, as parábolas são capazes de oferecer uma diversidade de


interpretações exegéticas possíveis próximas do sentido original pretendido pelo
autor. O erudito neotestamentário Joachim Jeremias, comentando acerca da definição
de parábolas, nos elenca um conceito bem interessante, assim nos diz:
Elas constituem uma peça primitiva da rocha da tradição. Reconhece-se de
modo geral, que as imagens se imprimem mais fortemente na memória do
que ideias abstratas. Com referência particularmente às parábolas de Jesus,
acresce que elas refletem exatamente e com especial nitidez a boa-nova de
Jesus, o cunho escatológico da sua pregação, a seriedade do seu apelo a
conversão, bem como o seu conflito com o farisaísmo. (JEREMIAS, 1986, p.
7).

É claro que, nem todos tinham acesso à interpretação das parábolas,


podendo saber o sentido real e claro das suas mensagens. O autor relata que Jesus
contava as parábolas para a multidão, porém, por vezes, revelava a interpretação
delas somente para seus discípulos. Como diz o texto, pois somente a eles “foi dado
conhecer os mistérios do Reino dos Céus” (Mt 13:11).

3.2 As parábolas do Reino e suas implicações teológicas

Conforme os comentaristas neotestamentários Fabris e Barbaglio (2014, p.


208), o sermão parabólico contido no capítulo 13 de Mateus possui a seguinte
estrutura:
1-3a: Introdução
3b-23 – I parte
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3b-9: parábola do semeador;


10-17: indicação do porquê do uso das parábolas;
18-23: explicação da parábola do semeador.
24-50 – II parte
24-30: parábola do joio;
31-32: parábola do grão de mostarda;
33: parábola do fermento;
34-35: indicação do porquê do uso das parábolas;
36-43: explicação da parábola do joio;
44-46: parábola do tesouro e da pérola;
47-50: parábola da rede;
51-52: Conclusão.

O estudioso neotestamentário Blomberg, quanto a relação literária entre as


parábolas do reino de Mateus 13 e o objetivo da mensagem delas para as
comunidades mateanas, ele elenca que:

O capítulo 13 foi por muito tempo considerado como um momento decisivo


do evangelho de Mateus. Diferentemente do capítulo das parábolas em
Marcos (c. 4), Mateus divide o capítulo de maneira uniforme: uma metade se
refere às narrações em público, dirigidas às multidões, e a outra, às
comunicações em particular aos discípulos (13.1-35; 36-52). De modo
progressivo, Jesus vai classificando seus ouvintes em “estranhos” e “íntimos”.
A polarização se amplia na continuação de seu ministério, conforme a
rejeição que sofre entre os judeus abre caminho para seu ministério com os
gentios e para uma doutrina que rompe os limites da convenção e do território
judaicos (13.53— 14.36; 15.1— 16.20). (BLOMBERG, 2009, p. 168).

Tendo dito isso, é possível analisar as parábolas de forma mais minuciosa. A


primeira é a Parábola do Semeador, que não segue o mesmo esquema das outras.
Esta parábola possui mais detalhes e elementos que chamam a atenção dos ouvintes;
pois lançar a semente à beira do caminho, ou em terreno pedregoso, ou em meio aos
espinhos não eram as técnicas corretas utilizadas na semeadura. Nota-se que a
intenção de Jesus era falar a respeito de algo que ia além das práticas agrícolas
daquela época.
O sentido de lançar a semente em locais impróprios ao plantio pode significar
que o semeador pretendia aproveitar todo o espaço possível. Sabendo que a semente
é a Palavra de Deus e o semeador é Jesus, que transmite essa missão aos discípulos,
podemos concluir que a parábola nos aponta que a função da Igreja é pregar a Palavra
em todos os lugares. Refletindo sobre o significo teológico da parábola do semeador,
o exegeta neotestamentário Carson, brilhantemente, comenta:
A parábola dos solos não só diz que o avanço do reino é lento e com variadas
respostas à proclamação desse reino, mas implicitamente desafia os ouvintes
a se perguntar que tipo de solo eles são. Aqueles cujo coração está
11

endurecido e que perderam o pouco que fizeram não participam do reino


messiânico, do qual estiveram à procura, e para esses, a parábola é uma
sentença de condenação. Os que têm ouvido para ouvir, a quem mais é dado,
percebem e vivenciam o alvorecer da era messiânica; e para esses, a
parábola transmite os mistérios do reino. Nas respostas variadas dadas ao
desafio das parábolas, o ato de julgamento de Deus e sua autorrevelação em
Jesus são vistos acontecendo exatamente da mesma maneira que os vários
“solos” respondem à “semente”, a mensagem sobre o reino. (CARSON, 2010,
p. 366-367).

Dado o contexto de perseguição que a comunidade enfrentava naquela época,


juntamente com a morte do Mestre, a mensagem parabólica quer passar que a maior
parte daqueles que ouvem a palavra não frutificam, gerando naturalmente a
expectativa de uma pequena colheita. No entanto, quando a semente cai em boa terra,
ela frutifica e rende de “um a cem, outro a sessenta e outro a trinta” (Mt 13:8).
A segunda parábola é a do Joio e do Trigo. Esta é patrimônio próprio do
Evangelho de Mateus e muito provavelmente foi colocada para substituir a parábola
da “semente que cresce por si só” de Marcos.
O elemento usado para captar a atenção dos ouvintes é o fato de alguém
possuir sementes de uma erva daninha, ou seja, o joio. Dado o fato dessa posse ser
inútil, o significado desse elemento aponta para uma intenção maligna de causar
prejuízo. O erudito neotestamentário Mounce, comentando intrigantemente, sobre a
interpretação e o significado teológico da parábola do Joio e do Trigo dentro da
estrutura literária de Mateus 13, elenca que:
O inimigo, como logo descobriremos, é o diabo. À semelhança da parábola
do semeador, em que o trigo semeado ao longo do caminho é comido pelos
pássaros, Satanás é quem obstrui o crescimento do reino. Ele é “o inimigo”
(echthros no v. 39 é qualificativo) que prejudica ferozmente “ao homem que
semeia boa semente no seu campo” (v. 24). O “joio” que “o inimigo” espalhou
secretamente no campo de Deus são todos os que se parecem de alguma
forma com os seguidores de Jesus, cuja fidelidade, entretanto, será tornada
conhecida no dia da colheita. (MOUNCE, 1991, p. 141).

Portanto, Jesus quer comunicar que o poder das trevas guerreia contra o Reino
de Deus para desvirtuar os homens da vontade divina e que a comunidade deve
combater esse mal para que o Reino seja estabelecido. Outro elemento importante da
parábola é que não pertence à comunidade a função de realizar o juízo escatológico
para os considerados infiéis, mas somente a Deus e aos anjos.
A colheita no Antigo Testamento é símbolo de juízo final, segundo os textos
veterotestamentários dos profetas Isaías 9:2-3 e Oseias 6:11. Quanto a relação
12

teológica entre as parábolas do Semeador e a do Joio e Trigo, o comentarista bíblico


Carson também postula que:
A parábola do semeador mostra que embora, agora, o reino faça seu caminho
em meio a corações insensíveis, a pressões conflitantes e, até mesmo, ao
fracasso, ele produzirá uma colheita abundante. Mas deve-se perguntar se o
povo do Messias deve separar imediatamente a colheita do joio; e a parábola
seguinte responde negativamente: haverá um adiamento na separação até a
colheita. (CARSON, 2010, p. 373).

A parábola seguinte é a do Grão de Mostarda que está relacionada com a


Parábola do Fermento, contida no versículo posterior. Mateus faz da primeira parábola
o discurso principal, já Marcos faz isso com a segunda. Muitos estudiosos consideram
as duas parábolas gêmeas, pois possuem o mesmo sentido na mensagem central. O
comentarista neotestamentário Carson analisando o porquê Jesus ter explanado a
parábola do Grão de Mostarda aos seus discípulos, comenta que:
Agora, podemos entender por que Jesus escolheu a semente de mostarda.
Para ele, não era essencial enfatizar a grandeza do reino futuro; poucos
duvidariam disso. Para ele, era mais importante encontrar uma metáfora
enfatizando o começo minúsculo do reino. (CARSON, 2010, p. 375).

As duas parábolas, então, pretendem expor que o Reino de Deus, embora


pareça pequeno de imediato, o seu final é grandioso. Também é possível entender
que a morte de Jesus aparentou fracasso e uma insignificância à sua missão, porém,
a sua ação a longo prazo é enorme e o futuro do Seu Reino é glorioso. Refletindo
sobre a interpretação teológica da parábola do Grão de Mostarda, o comentarista
bíblico Tasker nos afirma que:
[...] uma vez que o reino já criou raízes em alguns corações, é forçoso que se
sigam resultados. A inevitabilidade do crescimento do que parece um
princípio muito pequeno chegando a um resultado aparentemente fora de
toda a proporção com ele, é a verdade exposta na parábola do grão de
mostarda (31,32). Além disso, a presença do domínio real de Deus está
destinada a penetrar o ambiente mau em que se exerce, tão eficazmente
como o fermento penetra e transforma a farinha em que é posto (33).
(TASKER, 1986, p. 110).

O simbolismo da árvore pode ser entendido como o resultado da pregação dos


apóstolos, que traria os gentios para a conversão ao cristianismo, como os ramos da
árvore que antes era uma pequena semente germinada. Da mesma forma, o fermento
colocado na massa traz o sentido de inclusão para a comunidade. Logo, ninguém
deve ser desprezado, pois até o menor membro, somado aos outros, tem importância
para fazer a comunidade crescer.
13

As próximas parábolas também são relacionadas entre si por possuírem o


mesmo significado, são elas do Tesouro e da Pérola e fazem parte do patrimônio
próprio do livro de Mateus. A escolha dos elementos para compor essa parábola se
deu pelo motivo de que quando havia guerra, era habitual enterrar tesouros para
mantê-los seguros.
Ainda, a lei da época garantia que, comprando uma propriedade, tudo o que
estivesse naquele terreno se tornava pertencente à pessoa que o comprou. Na
Parábola da Pérola, uma pessoa vende algo que possui para comprar algo mais
valioso, ou seja, é a regra de mercado.
Analisando o significado teológico das parábolas do Tesouro e da Pérola dentro
da seção parabólica de Mateus 13 e a relação literária entre elas, o comentarista
bíblico Carson intrigantemente elenca que:
Quando o homem compra o campo com tal sacrifício, ele possui algo muito
mais valioso que o preço pago (cf. 10.39). O reino dos céus é infinitamente
mais digno do custo do discipulado, e os que sabem o local onde está o
tesouro, abandonam alegremente tudo o mais a fim de garanti-lo. [...]
Portanto, Jesus não está interessado no esforço religioso nem em afirmar que
alguém pode “comprar” o reino, ao contrário, ele diz que a pessoa cuja vida
toda foi dedicada às “pérolas” — toda a herança religiosa dos judeus? — ao
compreender o verdadeiro valor do reino quando Jesus o apresenta, trocará
alegremente tudo o mais para o seguir. (CARSON, 2010, p. 388-387).

Fica nítida a mensagem por trás da história, o Reino dos Céus é o tesouro mais
precioso do que qualquer outro. Aqui, todos os estudiosos concordam que o sentido
está em que o Reino possui valor incomparável, ao ponto que o homem que o
encontra torna-se capaz de vender tudo o que tem para adquiri-lo. Comentando sobre
isso, o comentarista bíblico Hendriksen nos diz que:
A essência da parábola consiste em que o reino do céu, alegre
reconhecimento do governo de Deus no coração e na vida, inclusive a
salvação para o presente e para o futuro, para a alma e finalmente também
para o corpo, o grande privilégio de assim ser transformado em benção para
outros para a gloria de Deus, tudo isso é um tesouro tão inestimavelmente
precioso que aquele que o obtém se predispõe a entregar por ele tudo quanto
possa interferir em sua obtenção. É o tesouro supremo, porque satisfaz
plenamente as necessidades do coração. Ele produz paz e satisfação interior.
(HENDRIKSEN, 2001, p. 104-105).

Assim, até mesmo a pérola sendo o bem mais caro do mundo antigo, o
vendedor de pérolas precisou vender todas as que tinha para comprar esta única. O
tesouro e a pérola são o Reino dos Céus revelado em Jesus, através de sua pessoa
e suas obras. O objetivo é fazer o ouvinte refletir se desejará adquirir este tesouro ou
14

não. Acerca desse fluxo de argumento sobre o significado teológico das parábolas do
Tesouro e da Pérola, o comentarista neotestamentário Mounce comenta que:
As duas próximas parábolas ocorrem somente em Mateus (vv. 44-46). Ambas
salientam o mesmo ponto básico, de que o reino dos céus tem tão grande
importância e valor, que tudo mais deve ser sacrificado a fim de podermos
entrar nele. [...] O reino dos céus tem valor supremo. Quando nós o
encontramos (“e dele nos apossamos integralmente”), abrimos mão com
máxima alegria de tudo aquilo que faz concorrência ao reino, em nossa vida,
e desse reino fazemos nossa maior possessão. (MOUNCE, 1991, p. 144-
145).

A última é a Parábola da Rede, que contém um sentido escatológico bem claro.


Nela não há uma comparação direta do Reino de Deus com nenhum dos seus
elementos, embora ela inicie com a frase “O Reino dos Céus é semelhante...”. Não é
possível afirmar com certeza que o Reino é semelhante à rede, no entanto, entende-
se que a ideia da parábola pertence ao Reino. O exegeta neotestamentário Carson
comentando sobre a relação escatológica da Parábola da Rede, elenca que:
A principal preocupação da parábola não é o reino consumado (o qual, em
Mateus, poderia inspirar o tempo futuro — “O Reino dos céus é ainda como”)
nem o reino inaugurado (“O Reino dos céus também é como”), mas a situação
que existe no fim da era. E, mais uma vez, o reino e a igreja não devem ser
equiparados. (CARSON, 2010, p. 388-387).

Portanto, notamos que esta parábola tem afinidade com a parábola do joio, pois
seus sentidos são semelhantes. As duas tratam da existência de bons e maus no
mundo e da separação que haverá no escathon entre eles. Por meio dessa
mensagem, a comunidade deve ter a convicção de que o juízo escatológico
acontecerá e que somente Deus e os seus anjos o realiza.
O que, porém, a diferencia da parábola do joio é que não há uma explicação
do destino dos bons como na parábola anterior, apenas a recompensa dos maus: a
fornalha. E também não há o pedido à paciência, apenas a garantia da separação que
ocorre após a pesca. O comentarista neotestamentário Hendriksen, comentando
sobre isso, nos afirma que:
Assim também, o evangelho da salvação fornecido por Deus por meio da fé
em Cristo está constantemente “pescando” os homens (Lc 5.10). Entretanto,
nem todos aqueles que entram no reino, em sua manifestação visível – para
todos os propósitos práticos, poderíamos dizer: nem todos os que entram na
igreja visível – são verdadeiramente salvos. Isto se fará evidente no grande
dia do juízo, quando os anjos haverão de separar os perversos dos justos.
(HENDRIKSEN, 2001, p. 108).
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Ademais, pode-se compreender que a rede equivale à função missionária da


comunidade, que ao lançar a rede, precisa recolher todo tipo de peixe. A comunidade
não deve ter a pretensão de ser perfeita, pois a perfeição só será alcançada após a
separação dos bons e maus, algo que acontecerá apenas no final dos tempos, feita
por Deus. Refletindo sobre o significa teológico da parábola da Rede, o comentarista
neotestamentário Mounce afirma que:
Agora o reino dos céus é comparado a uma grande rede de pescar que colhe
enorme quantidade de peixes de vários tipos. Os peixes são arrastados à
praia, onde os bons são separados e colocados em cestos, enquanto os
maus são jogados fora. [...] Assim como os peixes são separados na
parábola, da mesma forma as pessoas serão separadas no final dos tempos.
Este é o ensino central da parábola. Ela não foi criada e pronunciada com o
objetivo de ensinar que “o apelo do Evangelho não faz discriminação de
classe, posição, riqueza ou pobreza, ofício ou profissão”, embora aqueles
elementos, naturalmente, sejam verdadeiros também. (MOUNCE, 1991, p.
144-145).

Como conclusão, pode-se relacionar esta parábola com as duas anteriores, em


que os bons são aqueles que decidiram vender tudo o que tinham para comprar o
tesouro do Reino. Em contrapartida, os maus são aqueles que se fixaram aos seus
bens e rejeitaram um tesouro mais valioso, portanto, serão condenados no julgamento
final.
Mateus, portanto, finaliza o discurso deixando sua assinatura ao afirmar: “Por
isso, todo escriba instruído acerca do reino dos céus é semelhante ao pai de família,
que tira do seu tesouro coisas novas e velhas.” (v. 52).
Em outras palavras, o discípulo de Jesus é sábio quando examina a lei com os
novos critérios estabelecidos pelo Reino de Deus, sem desconsiderar aquilo que é
antigo. Pois, Jesus é o cumprimento da lei, bem como a ruptura e a continuidade do
Antigo Testamento com o Novo Testamento.
Após essa explanação do discurso parabólico, chegamos à conclusão que o
capítulo 13 de Mateus vai muito além do que um agrupamento de histórias narradas
por Jesus. Em linhas mais profundas, ele trata da dinâmica do Reino de Deus
implantado por Jesus, em sua pessoa e sua obra.
Portanto, o que cabe aos exegetas contemporâneos é extrair dele mensagens
para a realidade atual sem mudar a finalidade que o evangelista tinha quando o
escreveu.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comunidade primitiva vivia um contexto completamente diferente da igreja


atual, porém, o evento principal do cristianismo é o mesmo para ambas: a ressurreição
de Jesus. Por meio de sua ressurreição, os discípulos puderam observar que o Reino
anunciado por Ele não seria implantado pela força, mas sim pela sua pessoa e sua
obra.
O Reino de Deus incorporou os discípulos em uma realidade contemporânea e
em uma realidade escatológica, visto que, esse Reino não pode ser entendido apenas
com uma perspectiva vindoura. Pois, enquanto o Reino não se estabelece de forma
plena como será no fim dos tempos, compete à igreja uma espera ativa pela sua
chegada, tornando este Reino efetivo na sociedade. Logo que, o Reino só pode ser
pleno quando transcender os limites do tempo e espaço.
O funcionamento do Reino está implícito no discurso parabólico de Mateus 13,
pois assim como o semeador lançava sementes em vários tipos de solos, a igreja não
deve limitar a quem direcionar sua pregação, mas ao contrário, deve semear até em
terrenos onde aparenta não ser provável dar frutos. Isso sustenta a ideia de não
esperar o estabelecimento do Reino de forma passiva.
Ademais, não compete à igreja o julgamento de quem é “bom” e de quem é
“mau”, ou da separação do joio e do trigo, uma vez que, correria o risco de colher
prematuramente o trigo por engano. Mas à igreja é pedido paciência, cabendo a ela
retirar coisas novas e velhas do tesouro. Atualmente, é comum desacreditar de igrejas
pequenas com pouca quantidade de fiéis, no entanto, a parábola do grão de mostarda
e do fermento nos confrontam. Justamente aquilo que parece irrisório, carrega um
grande valor no Reino.
Sendo assim, quando nos vestimos com os óculos do evangelho de Cristo
Jesus, passamos a enxergar as parábolas do reino de Deus como verdadeiro tesouros
preciosos para nós, que nos leva a nos despir de toda avareza, entendendo que as
riquezas desse mundo são passageiras diante das riquezas espirituais que o Senhor
Jesus nos ensina nessas parábolas do reino.
Portanto, precisamos revisitar as parábolas do reino ditas pelo grande e maior
mestre de todos os tempos, o Senhor Jesus, registrada pela comunidade mateana,
pois elas sempre terão mensagem de encorajamento, perseverança e discipulado em
meio a tantas provações que as comunidades cristãs contemporâneas enfrentam.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BLOMBERG, Craig L. Introdução aos Evangelhos. São Paulo: Vida Nova, 2007.

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Comentário Bíblico São Jeronimo: Novo Testamento e Artigos Sistemáticos.
São Paulo: Paulus & Academia Cristã, 2011.

CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. São Paulo: Shedd Publicações, 2010.

CARSON, D.A; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento.
São Paulo: Vida Nova, 1997.

CHEUNG, Vicent. As parábolas de Jesus. São Paulo: Editora Vida, 2003.

HENDRIKSEN, Willian. Comentário do Novo Testamento: Mateus. Vol. 2. São


Paulo: Cultura Cristã, 2003.

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2006.

KEENER, Craig. Comentário Histórico-cultural do Novo Testamento. São Paulo:


Vida Nova, 2017.

MOUNCE, Robert H. O novo comentário bíblico contemporâneo: Mateus. São


Paulo: Editora Vida, 1991.

SNODGRASS, Klyne. Compreendendo todas as parábolas de Jesus. Rio de


Janeiro: CPAD, 2010.

TASKER, R.V.G. Mateus: Introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1986.

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