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SERMÃO DA SEXAGÉSIMA (PADRE

ANTÓNIO VIEIRA)
O Sermão da Sexagésima é, talvez, um dos seus sermões mais
famosos. Pregado na Capela Real, em Lisboa, em Março de 1655, abre
a série de quinze volumes dos sermões de Padre Vieira, servindo de
prólogo, ao mesmo tempo que encerra uma arte de pregar, inspirada
pela dialéctica conceptista, indo contra os excessos gongóricos.

Espécie de profissão de fé da oratória conceptista, nele o pregador


examina as condições indispensáveis para que faça fruto a palavra de
Deus. Para isso, Padre Vieira traça paralelos com a parábola bíblica do
semeador. Essa parábola pode ser encontrada no Livro de São Lucas.

"Do trigo que deitou à terra o semeador uma parte se logrou, e três se
perderam. E por que se perderam estas três? A primeira perdeu-se,
porque a afogaram os espinhos; a segunda, porque a secara as pedras;
a terceira porque a pisaram os homens, e a comeram as aves. Isso é o
que diz Cristo; mas notai o que não diz." Padre António Vieira, em "O
Sermão da Sexagésima."

O orador utiliza-se de passagens bíblicas estreitamente vinculadas às


ideias que procura expor. Diante do público, o orador consegue atingir os
fiéis de modo directo e insinuante. Estes, seduzidos pelo entrelaçamento
das odeias, tomados de surpresa pela avalanche diabética, deixam-se
facilmente conduzir pelo orador. Utilizando uma linguagem simples,
inteligente e filosófica, digna de Sócrates e Platão, Padre Vieira envolve
o ouvinte, fazendo-o chegar às conclusões que ele almeja, ou seja, à
verdade dos textos religiosos. Com toda a sedução de sua retórica, o
resultado é um só: o ouvinte assimila a mensagem do pregador.
Além das parábolas bíblicas, Padre Vieira utiliza jogos de ideias geniais
("Para um homem se ver a si mesmo são necessárias três coisas: olhos,
espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de
olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de
luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos.") para, logo
em seguida, associá-los ao seu objectivo religioso ("Que coisa é a
conversão de uma alma senão entrar um homem dentro de si mesmo, e
ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária
luz, e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho que é a
doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre
com os olhos, que é o conhecimento. Ora, suposto que a conversão das
almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus,
do pregador, e do ouvinte; por qual deles havemos de entender que
falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de
Deus?")
No Sermão da Sexagésima, Padre Vieira conduz o ouvinte, através da
associação da parábola do semeador, até a conclusão de que, se a
pregação/ semeadura falha, isso é devido a alguma falha do
pregador/semeador, nunca da palavra de Deus ("Sabeis cristãos, por que
não faz fruto a palavra de Deus? Por culpa dos pregadores"). Visto que,
a palavra de Deus, mesmo que semeada em pedras, espinhos e má
terra, ou seja, pregada para maus ouvintes, sempre acaba provocando
algum efeito ("Os ouvintes ou são maus ou são bons, se são bons, faz
neles grande fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça
neles fruto, faz efeito.").

Análise
Parte I

O Padre Vieira pregou sobre a parábola do semeador, texto que se


encontra no evangelho de Mateus no capitulo 13: 1-9, 19-23:

Naquele dia, saiu Jesus e sentou-se à beira do lago. Acercou-se dele,


porém, uma tal multidão, que precisou entrar numa barca. Nela se
assentou, enquanto a multidão ficava à margem. E seus discursos foram
uma série de parábolas. Disse ele: Um semeador saiu a semear. E,
semeando, parte da semente caiu ao longo do caminho; os pássaros
vieram e a comeram. Outra parte caiu em solo pedregoso, onde não
havia muita terra, e nasceu logo, porque a terra era pouco profunda.
Logo, porém, que o sol nasceu, queimou-se, por falta de raízes. Outras
sementes caíram entre os espinhos: os espinhos cresceram e as
sufocaram. Outras, enfim, caíram em terra boa: deram frutos, cem por
um, sessenta por um, trinta por um...

... Ouvi, pois, o sentido da parábola do semeador: quando um homem


ouve a palavra do Reino e não a entende, o Maligno vem e arranca o que
foi semeado no seu coração. Este é aquele que recebeu a semente à
beira do caminho. O solo pedregoso em que ela caiu é aquele que
acolhe com alegria a palavra ouvida, mas não tem raízes, é inconstante:
sobrevindo uma tribulação ou uma perseguição por causa da palavra,
logo encontra uma ocasião de queda. Terreno que recebeu a semente
entre os espinhos representa aquele que ouviu bem a palavra, mas nele
os cuidados do mundo e a sedução das riquezas a sufocam e a tornam
infrutuosa. A terra boa semeada é aquele que ouve a palavra e a
compreende, e produz fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um.

Como bom orador que era, Vieira tenta conquistar a docilidade se seu
auditório com um discreto elogio, também chama a tenção para a
importância do tema pelo fato de ter viajado tão longe para pregar para
eles:

E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse
hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado com o
pregador! Ouçamos o Evangelho, e ouçamo-lo todo, que todo é do caso
que me levou e trouxe de tão longe.

Segue falando sobre os pregadores que pregam em sua própria pátria, e


os pregadores que pregam em pátrias diferentes. Fala também sobre os
diversos tipos de dificuldades que os pregadores enfrentam e sobre a
necessidade de serem perseverantes para superar as dificuldades.

Argumentos:

1.A citação de passagens bíblicas, no caso em questão a que se


encontra no livro de Ezequiel cap.1, que fala sobre animais que não
olham para trás. Assim como esses animais os pregadores não podem
desistir. Também cita Marcos 16:15, texto em que Jesus manda os
apóstolos evangelizarem toda criatura.
2.O exemplo dos missionários no Maranhão que sofreram, por amor ao
evangelho:

Mas ainda a do semeador do nosso Evangelho não foi a maior. A maior é


a que se tem experimentado na seara aonde eu fui, e para onde venho.
Tudo o que aqui padeceu o trigo, padeceram lá os semeadores. Se bem
advertirdes, houve aqui trigo mirrado, trigo afogado, trigo comido e trigo
pisado. Trigo mirrado: Natum aruit, quia non habebat humorem; trigo
afogado: Exortae spinae suffocaverunt illud; trigo comido: Volucres caeli
comederunt illud; trigo pisado: Conculcutum est. Tudo isto padeceram os
semeadores evangélicos da missão do Maranhão de doze anos a esta
parte. Houve missionários afogados, porque uns se afogaram na boca do
grande rio das Amazonas; houve missionários comidos, porque a outros
comeram os bárbaros na ilha dos Aroãs; houve missionários mirrados,
porque tais tornaram os da jornada dos Tocatins, mirrados da fome e da
doença, onde tal houve, que andando vinte e dois dias perdido nas
brenhas matou somente a sede com o orvalho que lambia das folhas.
Vede se lhe quadra bem o Notum aruit, quia non habebant humorem! E
que sobre mirrados, sobre afogados, sobre comidos, ainda se vejam
pisados e perseguidos dos homens: Conculcatum est! Não me queixo
nem o digo, Senhor, pelos semeadores; só pela seara o digo, só pela
seara o sinto. Para os semeadores, isto são glórias: mirrados sim, mas
por amor de vós mirrados; afogados sim, mas por amor de vós afogados;
comidos sim, mas por amor de vós comidos; pisados e perseguidos sim,
mas por amor de vós perseguidos e pisados

Parte II

Na parte II, Vieira dá prosseguimento à introdução da mensagem,


explicando o significado da parábola do semeador.
Ele encerra essa parte II, com a proposição da mensagem. A proposição
é uma declaração simples do assunto abordado, tem a finalidade de
mostrar aos ouvintes o tema principal da mensagem. Geralmente tem
uma sentença interrogativa, a resposta à essa questão é o eixo sobre o
qual os tópicos do sermão vão girar. Vieira usa esse recurso com
verdadeira maestria:
Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos
pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como
é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre em si e
se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que se
desengane. Que é isto? Assim como Deus não é hoje menos
omnipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que
dantes era. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de
Deus tem hoje tantos pregadores, porque não vemos hoje nenhum fruto
da palavra de Deus? Esta, tão grande e tão importante dúvida, será a
matéria do sermão. Quero começar pregando-me a mim. A mim será, e
também a vós; a mim, para aprender a pregar; a vós, que aprendais a
ouvir.

Parte III

Vieira finalmente entra no corpo do sermão, fala que existem três


agentes na pregação, Deus o ouvinte e o pregador. Desses três apenas
um é responsável pelo sucesso na pregação, o pregador.
Argumentos:

Não pode ser o ouvinte porque a Palavra de Deus tem o poder de


convencer qualquer tipo de ouvinte:
É tanta a força da divina palavra, que, sem cortar nem despontar
espinhos, nasce entre espinhos. É tanta a força da divina palavra, que,
sem arrancar nem abrandar pedras, nasce nas pedras. Corações
embaraçados como espinhos corações secos e duros como pedras, ouvi
a palavra de Deus e tende confiança! Tomai exemplo nessas mesmas
pedras e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora
resistem ao semeador do Céu; mas virá tempo em que essas mesmas
pedras o aclamem e esses mesmos espinhos o coroem.

Deus não pode ser o culpado porque Ele é infalível. Essa é uma
declaração de fé defendida no concílio de Tridentino. Vieira usa
novamente (como em todo o sermão), a parábola do semeador para
ilustrar a pregação do evangelho comparando-a com o semear. As
causas são terrenas, as pedras, os caminhos, os espinhos. O Céu
sempre ajuda sendo com sol ou chuva.

Parte IV

Vieira segue falando sobre a culpa do pregador. Cita cinco qualidades


importantes do pregador: a pessoa que é, a ciência, a matéria, o estilo e
a voz. Passa então a falar sobra cada uma dessas qualidades.
A pessoa. O pregador prega não apenas aos ouvidos com suas palavras,
prega também aos olhos com suas atitudes. Mas as pessoas são falhas
e esse não pode ser o principal problema.

Parte V

O estilo. Segundo Vieira o estilo dos pregadores de sua época era ruim.
O pregador deve ter um estilo simples e natural.

Argumentos:

O céu (natureza) foi o primeiro pregador. Cita o salmo 19, que diz que
“os céus declaram a glória de Deus e o firmamento proclama a obra de
suas mãos...”
O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os
que não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem.
O rústico acha documentos nas estrelas para sua lavoura e o mareante
para sua navegação e o matemático para as suas observações e para os
seus juízos. De maneira que o rústico e o mareante, que não sabem ler
nem escrever entendem as estrelas; e o matemático, que tem lido
quantos escreveram, não alcança a entender quanto nelas há. Tal pode
ser o sermão: -- estrelas que todos vêem, e muito poucos as medem.

Parte VI

A matéria, o sermão deve ser focalizado num único tema, muitos


pregadores pregavam (e pregam), sobre vários temas diferentes, isso
apenas confunde os ouvintes. Fala sobre a estrutura dos sermões e com
domínio do assunto resume a arte homilética:
Há-de tomar o pregador uma só matéria; há-de defini-la, para que se
conheça; há-de dividi-la, para que se distinga; há-de prová-la com a
Escritura; há-de declará-la com a razão; há-de confirmá-la com o
exemplo; há-de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as
circunstâncias, com as conveniências que se hão-de seguir, com os
inconvenientes que se devem evitar; há-de responder às dúvidas, há-de
satisfazer às dificuldades; há-de impugnar e refutar com toda a força da
eloquência os argumentos contrários; e depois disto há-de colher, há-de
apertar, há-de concluir, há-de persuadir, há-de acabar. Isto é sermão,
isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.

Argumentos:

1.Ele cita uma metáfora sobre a árvore e suas diversas partes que
exemplifica a estrutura de um bom sermão:

Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas,
tem flores, tem frutos. Assim há-de ser o sermão: há-de ter raízes fortes
e sólidas, porque há-de ser fundado no Evangelho; há-de ter um tronco,
porque há-de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste tronco
hão-de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas
nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos hão-de ser
secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão-de ser
vestidos e ornados de palavras. Há-de ter esta árvore varas, que são a
repreensão dos vícios; há-de ter flores, que são as sentenças; e por
remate de tudo, há-de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há-de
ordenar o sermão. De maneira que há-de haver frutos, há-de haver
flores, há-de haver varas, há-de haver folhas, há-de haver ramos; mas
tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo
são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é
sermão, são maravilhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são versas.
Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores, não é
sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser; porque não há
frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, à que podemos chamar
«árvore da vida», há-de haver o proveitoso do fruto, o formoso das flores,
o rigoroso das varas, o vestido das folhas, o estendido dos ramos; mas
tudo isto nascido e formado de um só tronco e esse não levantado no ar,
senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare semen. Eis aqui
como hão-de ser os sermões, eis aqui como não são. E assim não é
muito que se não faça fruto com eles.

2.Cita Aristóteles e Túlio, filósofos gregos e professores de retórica.


Citam também grandes pregadores da história da Igreja que deixaram
sua marca usando esse método: S. João Crisóstomo, de S. Basílio
Magno, S. Bernardo. S. Cipriano, S. Gregório S. Gregório, Santo António
de Pádua e S. Vicente Ferrer.

Parte VII

Nessa parte Vieira fala sobre a falta de ciência dos pregadores. O


pregador deve buscar conhecimento e originalidade ao invés de imitar
outros pregadores. O pregador que não possui ciência apenas imita os
pregadores que ouviu, já os que tem ciência podem pregar de uma forma
original.

Argumentos:

1.Faz uma metáfora comparando a pescaria com a pregação. Segundo


Vieira os apóstolos pescavam com as próprias redes.
2.Fala também sobre as línguas de fogo que foram vistas sobre os
apóstolos no dia de Pentecostes quando eles foram baptizados com o
Espírito Santo (Atos cap.2), referindo-se a forma diferente que eles
tinham de pregar:

Porque não servem todas as línguas a todos, senão a cada um a sua.


Uma língua só sobre Pedro, porque a língua de Pedro não serve a
André; outra língua só sobre André, porque a língua de André não serve
a Filipe; outra língua só sobre Filipe, porque a língua de Filipe não serve
a Bartolomeu, e assim dos mais. E senão vede-o no estilo de cada um
dos Apóstolos, sobre que desceu o Espírito Santo. Só de cinco temos
escrituras; mas a diferença com que escreveram, como sabem os
doutos, é admirável.
Parte VIII

Vieira segue a mensagem falando da voz. Seria ela a causa do fracasso


de muitos pregadores? Segundo ele, a voz não é uma causa importante,
isso porque uns tem a voz fraca outros a voz forte, e isso varia também
pelo estilo do pregador.

Argumentos:

Cita a Bíblia que fala de Jesus como alguém que prega sem bradar e
João Batista que bradava no deserto.

Vieira encerra essa parte levantando uma questão que aponta para o
desfecho do sermão, e a principal causa da falta de fruto que a pregação
teve em seus dias:

Em conclusão que a causa de não fazerem hoje fruto os pregadores com


a palavra de Deus, nem é a circunstância da pessoa: Qui seminat: nem a
do estilo: Seminare; nem a da matéria: Semen; nem a da ciência: Suum;
nem a da voz: Clamabat. Moisés tinha fraca voz; Amós tinha grosseiro
estilo; Salamão multiplicava e variava os assuntos; Balaão não tinha
exemplo de vida; o seu animal não tinha ciência; e contudo todos estes,
falando, persuadiam e convenciam. Pois se nenhuma destas razões que
discorremos, nem todas elas juntas são a causa principal nem bastante
do pouco fruto que hoje faz a palavra de Deus, qual diremos finalmente
que é a verdadeira causa?

Parte IX

Segundo Vieira os pregadores não pregam a Palavra de Deus. Isso


porque eles mudam o sentido do texto, se mudam o sentido pregam suas
próprias palavras. O pregador não deve impor significados ao texto,
usando a Bíblia para defender suas ideias. Deve sim extrair do texto o
real significado.

Argumentos:

Para argumentar e exemplificar, ele cita a tentação de Cristo, texto que


encontra-se no evangelho de Mateus no capítulo 4:6-8. O diabo muda o
sentido do que está escrito querendo levar Jesus ao suicídio, O Senhor
confronta Satanás com uma interpretação verdadeira das escrituras:
O demónio transportou-o à Cidade Santa, colocou-o no ponto mais alto
do templo e disse-lhe: Se és Filho de Deus, lança-te abaixo, pois está
escrito: Ele deu a seus anjos ordens a teu respeito; proteger-te-ão com
as mãos, com cuidado, para não machucares o teu pé em alguma pedra
{Sl 90,11s}. Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o
Senhor teu Deus {Dt 6,16}.

Segundo Vieira, a mudança de sentido do que está escrito, transforma a


Palavra de Deus em palavras da pessoa que está falando, se homem
palavra de homem, se demónio palavra de demónio.

Parte X

Nessa última parte, Vieira fala que um dos maiores problemas é os


pregadores terem medo de cair em descrédito. Ficam adulando o povo
em vez de pregar as verdades divinas. Diz que o bom sermão não é
aquele que faz os ouvintes se sentirem bem, e sim aquele que faz os
ouvintes se sentirem mal e reflectirem sobre suas vidas para que
busquem o perdão dos pecados:

Argumentos:

1.Para argumentar ele cita o maior pregador e teólogo da história da


Igreja, Apóstolo S. Paulo, que sempre ensinou que o pregador deve
pregar: “com infâmia ou com boa fama”, e também: “se eu contentasse
aos homens não seria servo de Cristo”.
2.Argumenta também citando o exemplo de um médico que não se
preocupa se o tratamento do doente é doloroso, e sim com o efeito
benéfico desse tratamento, o importante é a recuperação do paciente.

Vieira faz a conclusão de sua mensagem com uma aplicação prática,


encerra a parte X chamando a atenção dos ouvintes para a
responsabilidade do pregador que prestará contas a Deus, e convida as
pessoas para se santificarem:

Advirtamos que nesta mesma Igreja há tribunas mais altas que as que
vemos: Spectaculum facti sumus Deo, Angelis et hominibus. Acima das
tribunas dos reis, estão as tribunas dos anjos, está a tribuna e o tribunal
de Deus, que nos ouve e nos há-de julgar. Que conta há-de dar a Deus
um pregador no Dia do Juízo? O ouvinte dirá: Não mo disseram. Mas o
pregador? Vae mihi, quia tacui: Ai de mim, que não disse o que convinha!
Não seja mais assim, por amor de Deus e de nós.
Estamos às portas da Quaresma, que é o tempo em que principalmente
se semeia a palavra de Deus na Igreja, e em que ela se arma contra os
vícios. Preguemos e armemo-nos todos contra os pecados, contra as
soberbas, contra os ódios, contra as ambições, contra as invejas, contra
as cobiças, contra as sensualidades. Veja o Céu que ainda tem na terra
quem se põe da sua parte. Saiba o Inferno que ainda há na terra quem
lhe faça guerra com a palavra de Deus, e saiba a mesma terra que ainda
está em estado de reverdejar e dar muito fruto: Et fecit fructum
centuplum.

Considerações finais

O sermão da sexagésima é um exemplo do estilo sofisticado da época


do Barroco. Ele contém um riquíssimo ensinamento cristão, mas pode
ser apreciado também por pessoas de religiões diferentes, ou até mesmo
sem religião. Isso porque a sua qualidade literária é algo admirável. É um
clássico, e como todo clássico merece ser lido e relido. O Padre António
Vieira não marcou apenas o seu tempo, a influência de suas palavras
tem um impacto muito forte, principalmente para aqueles que são
amantes da arte de pregar.

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