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Alavarce 97
Alavarce 97
ALAVARCE, CS. A ironia e suas refrações: um estudo sobre a dissonância na paródia e no riso
[online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 208 p. ISBN 978-85-
7983-025-9. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.
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O riso
De Aristóteles a Schopenhauer
Esses efeitos do uso do riso aventados por Cícero são muito per‑
tinentes. De fato, qualquer um que provoque o riso com seu dis‑
curso é agraciado com a simpatia e a admiração daqueles que o
ouvem. Assim, Cícero propõe o uso do risível, mas para alcançar
objetivos sérios. E salienta a necessidade de se observar o contexto,
percebendo a conveniência ou não do riso, ou seja, adaptando sua
utilização a determinadas situações.
Objetivando sempre enfatizar a seriedade do risível, Cícero ain‑
da compara as atividades de um orador e de um bufão. De acordo
com ele, “o bom orador tem sempre uma razão para empregar o ri‑
sível, enquanto os bufões e mimos fazem troça o dia todo e sem ra‑
zão” (apud Alberti, 1999, p.59). Não há dúvida, portanto, de que
Cícero enfatiza o emprego do riso visando à satisfação do orador
em relação a seu discurso. O riso acrescentaria, pois, aos discursos
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têm seu turno, o qual advém por mudanças súbitas [...]. Eles, como se
a coisa fosse firme e perdurável e esquecendo os acidentes que ocorrem
ordinariamente, se envolvem com várias calamidades. Se cada um
pensasse fazer todas as coisas de acordo com seu poder, certamente se
sustentaria em uma vida certa e tranquila, conhecer‑se‑ia a si mesmo,
[...] contentando‑se com as riquezas da natureza. [...] Eis o que me dá
matéria de riso. Ó homens insensatos, vocês são bem punidos de sua
loucura, avarice, insaciabilidade, [...] e de fazerem do vício virtude.
(Apud Alberti, 1999, p.76)
Como louco, ele não tem a medida do bem e do mal; como sábio,
está acima do bem e do mal e conclama os homens à sensatez, ao mes‑
mo tempo em que receita o riso como remédio para todos os males,
inclusive o da loucura. (1999, p.77)
sência ideal. É esse hiato entre a existência e a essência que provoca o riso,
essa defasagem permanente entre o que somos e o que deveríamos ser.
O riso brota quando vemos esse buraco intransponível, aberto sobre o
nada e quando tomamos consciência dele. É a desforra do diabo, que
revela ao homem que ele não é nada, que não deve seu ser a si mesmo,
que é dependente e que não pode nada, que é grotesco em um universo
grotesco. (2003, p.112, grifos nossos)
Há certos atos que parecem estranhos aos animais, mas que não
são o que há de mais elevado no homem, como a brincadeira e o riso; e
qualquer um que julgue a natureza humana estima que, se esses atos
são do homem, são o que há de mais ínfimo nele.
a música e a matéria para o riso são duas espécies de jogo com ideias
estéticas ou também com representações do entendimento, pelas quais
enfim nada é pensado e as quais só podem deleitar pela sua alternân‑
cia, e contudo vivamente. [...] a vivificação em ambas é simplesmente
corporal, embora elas sejam suscitadas por ideias do ânimo, e que o
sentimento de saúde constitui por um movimento das vísceras corres‑
pondente àquele jogo o todo de uma sociedade despertada para um
deleite tão fino e espirituoso. (Kant, 2005, p.177)
É digno de nota que em todos esses casos o riso tem de conter sempre
algo que num momento pode enganar; daí que se a aparência termina em
nada, o ânimo rememora‑o para tentá‑lo ainda uma vez e assim, através de
uma rápida sucessão de tensão e distensão, ricocheteia de um lado a outro
e é posto em oscilação. [...] de modo que o pulmão expele o ar a intervalos
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O riso deve ser alguma coisa desse tipo, uma espécie de gesto social.
Pelo medo que inspira, o riso reprime as excentricidades, mantém cons‑
tantemente vigilantes e em contato recíproco certas atividades de or‑
dem acessória que correriam o risco de isolar‑se e adormecer;
flexibiliza enfim tudo o que pode restar de rigidez mecânica na super‑
fície do corpo social. (Bergson, 2001, p.15)
crianças não comerem tudo, etc. Aqui, sim, o riso irrompe, como
resultado de um embate entre a razão e a realidade concreta.
Trata‑se, mais uma vez, do risível como produto da incon
gruência entre nossos conceitos e aquilo que Schopenhauer desig‑
nou “modo concreto ou intuitivo” de apreensão do mundo. Não
podemos esquecer, ainda, que esse riso é também fruto da percep‑
ção de um sujeito e que, como um riso sério, tem um propósito. Há
alguns aspectos interessantes que merecem comentário. Se anali
sado superficialmente, o esquete “Como educar seu filho na favela”
aparenta insensibilidade e indiferença em relação aos problemas
enfrentados pelos menos favorecidos socialmente.
De fato, é curioso observar a reação das pessoas diante dessa
peça. Há sempre um grupo que não vê razão alguma para rir, asso‑
ciando o esquete a uma espécie de “humor negro”. Na verdade,
para alguns estudiosos, não há nada que atrapalhe mais o aconteci‑
mento do risível do que o sentimentalismo. Henri Bergson nos so‑
corre nesse momento. Segundo ele, “o riso não tem maior inimigo
que a emoção” (2001, p.3). E continua: