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Um pessimismo (mui) pouco trágico:

Cioran lido por Cl. Rosset


Rodrigo Inácio R. Sá Menezes

“Sou um covarde, não posso suportar o sofrimento


de ser feliz.”
Para penetrar alguém, para conhecê-lo verdadeiramente,
basta-me ver como reage a estas palavras de Keats. Se
não compreende no ato, inútil continuar.

CIORAN, Aveux et anathèmes (1987)

A alegria pura, aquela que nenhuma sombra de reserva


encobre, é, facilmente, suspeita de frivolidade, ainda
que seja o sentimento mais profundo, ou também de
vulgaridade, ainda que seja o sentimento mais nobre.
Cioran resume muito bem a reticência geral em
relação à alegria quando escreve: ‘É necessariamente
vulgar tudo o que está isento de algo minimamente
fúnebre’. A esta fórmula oporei, por minha parte,
outra exatamente inversa: é eminentemente nobre o
que não se mistura com nada de fúnebre, sequer
minimamente.

ROSSET, Alegria: a força maior (1983)

O que Savater parece não ter levado muito a sério em seu Ensayo – a saber, a
necessidade metafísica de Cioran, a atualidade do seu drama religioso, mas também
o alcance de um pessimismo metafísico que nenhum ceticismo saberia disfarçar –
não escapou ao olhar severo de outro interlocutor pioneiro na tradição dos estudos
cioranianos – ele que também conheceu Cioran pessoalmente, e de quem se tornaria um
grande amigo: o filósofo francês Clément Rosset (1939-2018). Num ponto, Rosset e Gabriel
Marcel concordam: a obra de Cioran é de um pessimismo fúnebre, de um niilismo
dissolvente (sem entrar no mérito do valor poético-estético que ela possui, suas virtudes
estimulantes e revigorantes, diria mesmo paradoxalmente afirmadora, todo o contrário de
“pessimismo”, “niilismo”, etc.). Já falamos um pouco da recepção de Le mauvais démiurge por
Marcel. Quanto a Rosset, muito embora tenha encontrado em Cioran a mesma companhia
alegre e calorosa, a sua filosofia trágica – tal como exposta em livros como Lógica do pior
(1971), Alegria: a força maior (1983) e O princípio de crueldade (1988) – tem o mérito de estabelecer
certas divisas e balizas conceituais que evidenciam a distância que separa Cioran do trágico
puro, dir-se-ia “ortodoxo” (os aspectos não-trágicos, anti-trágicos, ou pseudo-trágicos do seu
pensamento).
Se Rosset, a partir da sua filosofia trágica, não reconhece senão o acaso (hasard) como
aquilo que existe fundamentalmente, Cioran pende, por sua vez, para a constatação de certa
necessidade1 de base, anterior ou concomitante ao acaso (que ele não nega), mas ao qual não
confere (como Rosset) uma posição hierárquica fundamental e um valor absoluto.i O acaso,
para Cioran, é segundo a necessidade, não primeiro em relação a ela: acaso “acontecimentual”
(événementiel), encontro, efeito contingente de uma série causal determinada: o acaso como
produto da Queda (no caso, a de Adão mas também – sobretudo – da Criação-Queda)2, Zufall
em alemão.ii Ademais, pensar-dizer necessidade é pensar-dizer “ser” (algo que “é”
necessariamente uma existência dada e constituída); dizer “ser” é dizer “natureza” (o que
existe em si e por si, kata physeos, “naturalmente”, “por natureza”), é dizer também “mundo”
(a totalidade constituída do que existe, o conjunto do existente, “aquilo que é o caso” no
dizer de Wittgensteiniii).
Ora, Cioran fala em termos de “natureza”, mesmo que o faça apenas para expor o
seu caráter disfuncional e inconsistente: a natureza “doente”; ele constata a existência de um
“mundo”, ou ainda, para empregar uma terminologia mais sua, “a Criação”: paradigma teísta
que, não obstante, tem negadas pelo autor romeno toda causa e finalidade racionais, a ideia-
valor do “bem” enquanto axis mundi. Desqualificado o (bom) Criador, subsiste a ideia de uma
(má) Criação; mediante a “morte de Deus”, o problema (originariamente teológico) do mal
(teodiceia) não fica por isso resolvido; pelo contrário, mostra-se tão mais persistente e tão
obsedante quanto já não há transcendência pela qual colocá-lo em perspectiva (in the bigger
picture). Não postulasse certa realidade ontológica ao homem, ao mundo e aos fenômenos
que nos dizem respeito, Cioran manter-se-ia um pensador puramente trágico (e cético),
limitando-se, como Rosset, a reconhecer o acaso como única realidade. A partir do momento
em que constata existências, desvela imediatamente o seu pessimismo, pois só as afirma para
negar a sua consistência, o seu dever-ser, o seu “direito ontológico” à existência. Se o trágico
é heraclitiano entre os pré-socráticos (devir absoluto), o pessimista por sua vez seria
anaximandriano (dualismo apeiron-peras); a existência, processo de individuação, é uma
transgressão, uma infração, um “pecado” contra a unidade e o anonimato de uma
preexistência harmônica e perfeita; A morte é o seu desfecho ao mesmo tempo justo e
injusto, tudo segundo a “divina” Necessidade.
Se não há senão o acaso e, assim sendo, se nada existe (“ser”, “natureza”, “mundo”
constituído) que possa ser interpretado e avaliado (bom ou mal, justo ou injusto, merecido
ou imerecido, etc.), não há nada do que se queixar, nenhuma falta que lamentar. A
consequência “lógica” do pensamento trágico é então, segundo Rosset, a graça imanente
(não teologicamente concebida) de uma alegria injustificada, indeterminada e irracional, uma
“louca” – dionisíaca – alegria: beatitude. Aí onde o filósofo trágico afirma o “totalitarismo” da
Alegria causa sui (Force majeure; “força maior” da existência), o seu “regime do tudo-ou-nada”,iv

1
Em francês, nécessité em sentido forte, numa acepção lógica e onto-lógica, conforme distinto de besoin,
também “necessidade”, porém, num sentido mãos brando, mitigado, como de algo prescindível e não vital.
A “necessidade metafísica” do homem é nécessité (mais do que simplesmente besoin) métaphysique. Não
apenas a necessidade metafísica enquanto aspiração, anseio (besoin), mas também enquanto condição
ontológica necessária de ser indivíduo, finito, mortal, etc.
2
Tomo a fórmula (Creation-Fall), tão sintonizada com o pensamento de Cioran, de Harold Bloom: “A
informação gnóstica tem duas consciências básicas: primeiro, a separação, e mesmo alienação, de Deus,
que abandonou este cosmo, e segundo, a localização de um resíduo de divindade no eu mais interior do
gnóstico. Esse eu mais profundo não faz parte da natureza, nem da história: é destituído de matéria ou
energia, e portanto não faz parte da Criação-Queda, que para o gnóstico constituem um em mesmo fato.”
BLOOM, Harold, Presságios do milênio: anjos, sonhos e imortalidade, p. 29.
Cioran afirma a opressão de afetos como o ennui (“tédio”, “fastio”) e a melancolia, e o seu
regime (penoso) do tudo-ou-nada. Não que esse “epígono de Jó” não experimentasse a
charmosa joie de vivre, mas, segundo ele, a consciência da infelicidade é a verdadeira medida
da lucidez de um ser, de sua posição no registro do Incurável: é por isso que “a vida só é
tolerável pelo grau de mistificação que se põe nela”. (Breviário de Decomposição) A questão se resume,
pois, a decidir se há alguma aliança possível entre a lucidez e a alegria. Quanto a isto, vale citar o
relato de um conhecido em comum, Roland Jaccard, amigo de Cioran e de Rosset, a respeito
de uma conversa que tivera com este último:
Nós falávamos de Cioran, de quem ele me dizia, com sua insolência habitual, que considerava
um homem agradável, mas seus livros um pouco “scrogneugneu”.3 Eu não entendo,
acrescentava, como ele pode se comprazer com uma música tão bordélica quanto a de
Brahms.v O seu lado “música cigana” me dá nos nervos. Evocou também o livro que
preparava para publicar: La force majeure. Ele pretendia abordar, num post-scriptum que se
intitularia “Le mécontentement de Cioran” [O descontentamento de Cioran], a questão mais
grave colocada, segundo ele, pelo autor de Silogismos da amargura: há uma aliança possível
entre a lucidez e a alegria?vi
Para Rosset, essa aliança não é apenas possível, ela é tragicamente necessária. No
capítulo final de Alegria: a força maior, que trata do tema da beatitude em Nietzsche, Rosset
contrapõe o sempiterno descontentamento de Cioran à joie (tragique) de vivre que seria, no
melhor espírito nietzschiano (Amor fati), o signo de uma existência autêntica, pois afirmadora,
aprobatória, perfeitamente satisfeita com “nada”, ou antes, com o puro acaso do devir. Não
é o caso de Cioran. Para o pensador romeno, o caráter derrisório da existência – em vista do
qual toda “tentação de existir” é uma tentação niilista, volúpia da dispersão e da dissolução
– faz de toda realidade “uma realidade nata-morta e de todo presente um tempo já póstumo”:
eis, para Cioran, lido por Rosset, “o aspecto mais imediatamente vistoso e doloroso dessa
incurável pobreza da existência, de sua incomensurável ‘pequenez’. –”vii Dir-se-ia que o
Cioran apresentado em A Força Maior é demasiado trágico comparado à fisionomia
pessimista que se delineará a partir da contraposição que faremos do pensamento de Cioran
à filosofia trágica proposta em Lógica do Pior. Muito embora seja a expressão de um
pessimismo indisfarçável, o mécontentement de Cioran exprimiria no fundo certa sabedoria da
lucidez vizinha do trágico. Daí ele ser saudado como “um dos raros pensadores a ter
conservado completamente o espírito claro e a cabeça fria”, e como (corroborando a opinião
de Savater) “um dos únicos filósofos de nossa época, se não o único, que não pode ser
suspeito de religiosidade.”viii Acolhendo dialeticamente as interpretações de tão renomadas
figuras (Savater, Cioran), reafirmamos todavia a viabilidade de pensar e compreender a
categoria do religioso (de onde uma suposta “religiosidade”) em Cioran num sentido em que
ele próprio a empregaria (e emprega abundantemente nos Cahiers), e que acolhe, sem
contradizê-los, os testemunhos de Savater e Rosset: o religioso como transcendência radical
do existencial (ainda que se trate de uma transcendência na imanência), relação do existente
com o absoluto, o totalmente outro, Deus ou o Nada, experiência temerária e dramática
(hamletiana) dos limites entre ser e não-ser, eu e não-eu, finito e infinito, tempo e eternidade.
Não obstante, um religioso-secular, enquanto o êxtase místico (ou musical) é gestado
cotidianamente, na penumbra da alma, até irromper de súbito para transtornar a ordem
habitual das coisas Não nos esqueçamos, a propósito do apelo religioso (místico) heterodoxo
de Cioran, destas palavras de Kierkegaard, em Temor e Tremor: “Porque aquele que lutou
contra o mundo, foi grande triunfando do mundo, o que combateu consigo próprio foi

3
Jargão (inform.): “rabugento”, “reclamão”, “intratável”.
grande pela vitória que alcançou sobre si – mas aquele que lutou contra Deus foi o maior de
todos.”ix Cioran lutou contra o mundo, contra si próprio, contra Deus. Trata-se de tirar as
conclusões práticas a partir de evidências formais: estamos falando de um espírito lírico-
contemplativo, um metafísico do fragmento e um pensador existencial-religioso, um místico
das catacumbas gnósticas na fronteira entre o Oriente e o Ocidente, cuja obra comunica os
suspiros e gemidos do espírito em face de uma transcendência infinita que o abisma e o
esmaga, a kierkegaardiana síncope da liberdade que faz o homem estremecer e tropeçar diante
não mais do “muro do dado” (Rosset), mas de abismos de infinita (im)possibilidade, desse
nada primal que gera aniquilando e aniquila gerando, “o contrário convergente e dos
divergentes nascendo a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia.” (Heráclito)
É verdade, como diz Rosset a propósito da descrença de Cioran, que “o
conhecimento do desastre não incita muito à complacência”,x não é favorável a nenhuma
crença e nenhuma ideologia. Mas o que talvez tenha escapado a ele, a Savater e outros
intérpretes, é que para Cioran, e isto podemos verificar em seus textos, o conhecimento do desastre
é também o conhecimento (a lucidez) como instrumento paradoxal de libertação,4 mais ou
menos como o que diz Hölderlin: “Lá onde está o seu maior perigo, está também a sua
salvação.”
Cioran é um negador contumaz e, enquanto tal, afirmador das contradições vitais, da
flutuação e da indeterminação entre a lucidez e as glândulas: “asceta equívoco” (Breviário),
“sábio enxertado num leproso” (Des larmes et des saints), “Buda de pacotilha” (Silogismos),
místico embriagado pela “tentação de existir”... Negando, ele afirma uma dualidade
intransponível, um estado de divisão e separação, a existência de algo como (para recorrer à
metáfora de Rosset) um “muro do dado”,xi que pode (e deve) ser negado. Um revoltado
metafísico, ao passo que o trágico rossetiano não reconhece nada contra o que se revoltar
(nenhuma existência, ser, natureza, mundo constituído). Toda negação supõe algo a ser
negado – em última instância, o mundo. “Há coisa mais vil do que dizer sim ao mundo? [...]
Podemos viver como os outros e no entanto esconder um não maior que o mundo: é o
infinito da melancolia... [...] Quem não espalha à sua volta uma vaga irradiação fúnebre, e não
deixa ao passar um rastro de melancolia vindo de mundos longínquos, esse pertence à
subzoologia e, mais especificamente, à história humana.” (Breviário) A realidade (“infernal”)
é insuportável; a verdade (inumana, desumana), um “pesadelo”, um “veneno”. O autor do
Breviário aparentaria, neste ponto, certo ar de família com Gerard de Nérval, que escreveu:
“Hipocondria melancólica. É um mal terrível: faz ver as coisas tais como são.”xii É impossível
alegrar-se do que se sabe, diria o hipocondríaco cioraniano. Em O princípio de crueldade, o
filósofo francês evoca mordazmente certa figura anônima, um de seus conhecidos:
Um depressivo de minhas relações exprime habitualmente sua queixa sob uma forma
comparável e altamente significativa, embora essa possa parecer apenas uma absurda
tautologia: queixando-se, não somente de que a existência seja, a seus olhos, horrível, mas
ainda e sobretudo de que ele tenha razão de considerá-la como tal. Não somente a verdade
é horrível, declara geralmente em suas crises de abatimento, mas além disso é verdade que
ela o seja – ela é efetivamente horrível. Em sua, ele admitiria, a rigor, que a realidade fosse triste;
em compensação, o que o abate e, a seus olhos, passa dos limites é um tormento suplementar
decorrente da ideia de que uma verdade triste é, ao mesmo tempo, e por cúmulo de

4
De onde toda uma teoria (ou esboço dela), fragmentariamente elaborada e comunicada ao longo da obra
de Cioran, da libertação (délivrance em francês, moksha em sânscrito) possível, e portanto uma soteriologia
heterodoxa (cripto-gnóstica), na contramão da tese de Joseph Acquisto, autor de The Fall Out of
Redemption, de que o pensamento de Cioran seria resolutamente a-soteriológico.
infelicidade, uma verdade verdadeira – ou ainda, o que quer dizer o mesmo, que uma
realidade penosa é também, e por cúmulo de crueldade, uma realidade real.xiii

E uma vez que o “depressivo” anônimo não cessa de fazer uma “distinção abusiva
entre ‘verdade’ e ‘verdade verdadeira’, ou ‘realidade e realidade real’5”, assim (prossegue
Rosset, insolente como sempre) ele afirma que “vê tudo pelo lado pior mas acrescenta que
tem razão de ver tudo pelo lado pior, deveria acrescentar ainda que pensa ter razão de ter
razão, uma vez que tem razão de pensar que tem razão, e assim por diante.”xiv Natureza
ansiosa, “paranoica” (Rosset, como Savater, agencia este conceito psicanalítico, ainda que de
forma mais sutil): grande pessimista, e um fatalista incorrigível; desconta nas ideias os seus
desgostos; experimenta com o mito e com a teologia: necessita-os para compreender-se. O
que mais o incomoda, e o que leva Rosset a aproximá-lo, de uma só vez, do sádico, do
masoquista, do paranoico e do pessimista, não é que o sofrimento seja aos seus olhos
intolerável, mas simplesmente que seja. A dor é: eis o grande, o verdadeiro problema, a
obsessão que faz do pessimista um “paranoico” à sua maneira. “A grande dor do paranoico
seria a de considerar que a dor ‘não é’: o que acarretaria a impossibilidade de falar dela, de
tornar-se dela o lógico. Enfim, a afirmação da dor é sobretudo a afirmação de um ‘ser’”.xv
Por fim, não reconhecendo nenhuma necessidade ontológica (nenhum “ser”, nenhuma phýsis
e nenhum “mundo” constituído), o trágico rossetiano nega à dor, ao mesmo tempo, todo
estatuto ontológico de ser-verdadeiro: “se há trágico, não há dor”.xvi Para Cioran, por sua
vez, ecoando o Alles Leben Leiden ist de Schopenhauer (o dukkha do budismoxvii), só a dor
existe, nada é mais verdadeiro, e universal, do que ela; apenas ela – a Dor – poderia dizer Ego
sunt (“Eu sou”): “Não é Deus, mas a Dor que desfruta das vantagens da ubiquidade.”
(Silogismos da amargura)
Eis toda a paranoia, argumenta Rosset: nenhuma necessidade de discutir um suposto
“Malvado Celestial” (Savater) que seria a causa eficiente dos nossos tormentos íntimos,
demasiado intrínsecos. Pensamento trágico e pessimismo se distinguem, pois, pelo seu
conteúdo, ou, mais precisamente, pelo fato de que o pessimismo se dá um conteúdo
enquanto que o pensamento trágico é a negação mesma de todo conteúdo (digamos, a dor).
Diferem também, segundo Rosset, por sua intenção: “Constatação, resignação, sublimação
mais ou menos compensatória são aqui as palavras da sabedoria pessimista”, enquanto que
a sabedoria trágica descobre-se “incapaz de erigir uma constatação (salvo a da
impossibilidade de constatação: constatação única da filosofia trágica, que não é sem
importância); e não busca nem uma sabedoria ao abrigo da ilusão, nem uma felicidade ao
abrigo do otimismo.”xviii O pessimismo supõe uma constatação de alcance metafísico e um
juízo de valor moral. E uma confissão: uma profissão de fé ontológica na existência do mundo.
Todo pessimista seria um espírito moralizante da vida, um idealista e um “revoltado
metafísico”, um insatisfeito incapaz de aprovar o devir, que devém e “acontece” como uma
dádiva do acaso, sem justificativas nem expectativas. “Para o homem incapaz de superar a
sua tristeza, e isso é próprio do homem moral, toda forma de pensamento e de ideologia que
lhe permita viver supõe necessariamente, como condição, uma aquisição de perspectiva em
relação ao real.”xix Uma visão de mundo gnóstica, como qualquer outra cosmovisão, não faz
senão desempenhar a função de um olhar em perspectiva sobre o real, por um ângulo oblíquo
e rico em potencial hermenêutico.

5
Distinção que Cioran faz textualmente em Écartèlement, em sintonia com o budismo: “verdade
verdadeira” (paramartha) e “verdade de erro”, ou “velada” (samvriti).
Em Le monde et ses remèdes [O mundo e seus remédios], um de seus primeiros livros
(1964), Rosset analisa a psicologia do pessimismo, o seu modus operandi. O pessimista
promove uma relação necessária de causa e efeito entre a dor, uma falta que a precede e o
castigo que lhe sucede, ou antes, que coincide com a própria dor. Assim, ele conta explicar
ou interpretar a dor em termos de algo que não é a dor mesma, em sua mudez “idiota”, isenta
de significação: o sofrimento é em si mesmo a prova viva tanto da falta quanto do castigo;
“porque se o acontecimento que não houvesse devido ser, em todo caso, se produz, é que
apesar de tudo teve de ser, e a ideia de pecado e de falta é a única explicação possível. Estamos
aqui nas fontes mesmas da noção de culpabilidade, que se revela como uma tentativa de
negar o sofrimento tentando deduzi-lo de uma causalidade, de um pecado, sem os quais este
sofrimento não se teria produzido.”xx Mas o fato é que ele infelizmente se produziu, diria o
pessimista, e portanto deve ter uma causa, deve produzir-se a partir de algo, um princípio obscuro
qualquer. Existir é condescender com a dor, e a consciência da infelicidade é ao mesmo
tempo a causa e o efeito dessa penosa condição; a consciência como fatalidade, “castigo”,
“maldição”, “fatalidade” provocada por um “ato de insubordinação” imemorial (já podemos
ver aonde nos leva essa fabulação, a La chute dans le temps ou a Le mauvais démiurge). Eis a
grande tentação, a necessidade irreprimível de Cioran: buscar (ou inventar) significados,
justificativas, hipóteses hermenêuticas para as suas dores e para o fato bruto de existir,
chegando mesmo a promover a Dor ao estatuto de um absoluto, a fazer dela um sinônimo
da existência.
Eis que a aprovação incondicional da existência, sem pretextos nem subterfúgios,
supõe “ou a pura inconsciência – tal como a do porco de Epicuro, único à vontade a bordo
enquanto a tempestade que se desencadeia angustia tripulação e passageiros –, ou uma
consciência que fosse capaz, ao mesmo tempo, de conhecer o pior e de não ser mortalmente
afetada por tal conhecimento do pior”.xxi No rigor da sua filosofia trágica, Rosset diria que
Cioran – tempestuoso, dramático – demonstra ser mortalmente afetado: de onde sua
insistência em maldizer a consciência (uma “doença”; “mais do que o espinho, o punhal na
carne”), a sua concepção luciferina da lucidez e essa nostalgia irresistível de um absoluto
anterior à “Queda no tempo”, a constatação de que o exercício da vida e o conhecimento da
vida são incompatíveis, etc. Cioran retrucaria: se o saber não lhe parece tão penoso assim, é
porque não o levaste às últimas consequências, não o penetraste a fundo, não experimentaste
certos abismos... Enfim, não posso lhe emprestar minhas sensações. Ora, a lucidez cioraniana
parece situar-se a meio caminho, em algum ponto intermediário e variável, entre o ceticismo
e um pessimismo ontológico tão mais brutal quanto não sistemático. Não esqueçamos que
Cioran é um grande leitor – e herdeiro – de Schopenhauer, com cuja Metafísica da Vontade
mantém profundas afinidades, a despeito de toda sistemática. As suas filosofias seriam, na
leitura que Rosset faz delas, não propriamente trágicas, mas antes filosofias do absurdo, e por
isso mesmo (mais ou menos) pessimistasxxii (o mesmo valendo para as filosofias de
Kierkegaard, Chestov e Unamuno, a “tradição do pensamento humilhado” segundo Camus).
Nenhum absurdo, nenhuma contradição, nenhum pessimismo entra na lucidez trágica
conforme a delimita o autor de Lógica de pior. Nenhuma insuficiência: “O trágico, considerado
de um ponto de vista antropológico, não está numa ‘falta de ser’, mas numa ‘plenitude de
ser’: o mais duro dos pensamentos sendo, não se acreditar na pobreza, mas saber que não há
‘nada’ que falte.”xxiii Complementando essa reflexão de Lógica do pior, vale a pena citar a
seguinte passagem d’O princípio de crueldade, contrapondo-as:
Esta última faculdade, de saber sem sofrer – com este saber – dano mortal, está situada
absolutamente fora do alcance das faculdades do homem – a menos, é verdade, que nela se
misture alguma assistência extraordinária, que Pascal chama de graça e que chamo, quanto a
mim, a alegria. Com efeito, o conhecimento constitui para o homem uma fatalidade e uma
espécie de maldição, já reconhecidas no Gênese (“Não provarás da árvore da ciência”): sendo
ao mesmo tempo inevitável (impossível ignorar inteiramente o que se sabe) e inadmissível
(impossível igualmente admiti-lo inteiramente), ele condena o homem, isto é, o ser que se
aventurou no reconhecimento de uma verdade à qual é incapaz de fazer frente [...] a uma
sorte contraditória e trágica – trágica no sentido em que o compreende por exemplo Vladmir
Jankélévitch (“a aliança do necessário e do impossível”). O que há de mais agudo e de mais
notório no que se chama a condição humana parece-me residir precisamente nisto: ser
munida de saber – diferentemente dos animais ou dos objetos inanimados – mas ao mesmo
tempo ser desprovida dos recursos psicológicos para fazer face a seu próprio saber [...]. Dir-
se-ia que um programador divino e universal, a menos que se trate apenas do acaso das coisas
como sugere Epicuro, cometeu aqui um erro de base, endereçando uma informação
confidencial a um terminal incapaz de recebê-la, de dominá-la e de integrá-la a seu próprio
programa: revelando ao homem uma verdade que ele é incapaz de admitir, mas também, e
infelizmente, muito capaz de entender.xxiv

Adivinha-se o jogo, a que visa essa argumentação: uma paródia, uma provocação, e
um desafio a aprovar a existência em todos os seus aspectos, mesmo os mais terríveis. Ela
remete a certas divisas trágicas estabelecidas por Nietzsche, por exemplo, em Ecce homo: após
afirmar que “Deus é uma resposta grosseira, uma indelicadeza para conosco, pensadores”,xxv
subterfúgio de doente ressentido, o porta-voz de Zaratustra anuncia a sua célebre fórmula
para a grandeza no homem – Amor fati: “Nada querer diferente, seja para trás, seja para a
frente, seja em toda a eternidade. Não apenas suportar o necessário, menos ainda ocultá-lo
– todo idealismo é mendacidade ante o necessário – mas amá-lo...”xxvi É preciso amar o
necessário, a necessidade em si. Pelo balanço geral da sua obra, Cioran não vai muito para
esse lado: não há nada na necessidade que nos motive a amá-la, muito pelo contrário. A
máxima nietzschiana foi curiosamente reformulada por Paulo Piva para adaptá-la ao autor
de Silogismos da amargura: “Odium fati”.xxvii Rosset tem suas razões em julgar Cioran pessimista
demais. Para o pensador francês, como para Nietzsche antes dele, Cioran (como ademais
todo pessimista, de Schopenhauer a Mainländer) seria um “idealista” recalcado ou mitigado.
Onde o filósofo trágico não vê senão o puro acaso como plenitude, o pessimista parece
preender um nada que ele sente como sendo algo, um vazio que demanda ser preenchido;
uma desordem que não deixa de ser má ordem; uma natureza, muito embora “antinatural”,
voltada contra si mesma, natureza perversa, doente; um mal triunfal, tão antigo quanto o bem.
Especula, interpreta, filtra, querendo ou não; pensa em termos de causa e finalidade, reflete
sobre os primeiros princípios e os fins últimos. É a partir dessa necessidade de fabulação que
se pode apreciar a pertinência de textos como La chute dans le temps, Le mauvais démiurge, ou a
lenda gnóstica que abre Écartèlement. O que há em comum, fundamentalmente, entre eles, é
a imaginação poética e o recurso mito-lógico a grandes narrativas (ficções) fundadoras. A
propósito, cumpre salientar que a metáfora tecno-informática de Rosset é mais sutil, e
fecunda, do que a alegoria do “Malvado Celestial” de Savater em referência ao demiurgo
gnóstico. Menos antropomórfica, ela cai como uma luva no sentido de esquematizar a
natureza do drama metafísico do ser humano lançado na existência e imbuído de um
conhecimento que o debilita e compromete a sua vitalidade mesma. Ela encena, sobre o pano
de fundo da imaginação, certa fabulação gnóstica da queda da alma no mundo material, da
“estranheza” da mensagem que a faz despertar, e do caráter dramático dessa experiência. O
“programador divino universal” não é necessariamente malvado, mas apenas incompetente,
ineficaz, o que só torna o dualismo gnóstico mais sutil, e mais irreverente: devemos
compreendê-Lo, solidarizar-nos Dele, perdoá-Lo mesmo (ideia familiar a Cioran: a
superioridade, ou no mínimo o pé de igualdade, da criatura em relação ao Criador/demiurgo).
Uma vez que carrega a potencialidade de tornar-se consciente, logo dividida contra si mesma,
a vida para o autor de Écartèlement, é – mistério ou absurdo, em todo caso – um erro de base,
um desvio, “ruptura, heresia, abolição das normas da matéria. E o homem, em relação à vida,
é heresia em segundo grau, vitória do individual, do capricho, aparição aberrante, animal
cismático que a sociedade – soma de monstros adormecidos – pretende reconduzir ao caminho
reto.” (HU: 95)
Voltando-nos, pois, ao Princípio de crueldade: se restavam dúvidas de que é Cioran que
Rosset tinha em mente ao referir-se ao “depressivo” de suas relações, será então uma enorme
coincidência que, algumas linhas adiante, o autor romeno seja nominalmente citado,
comparado aí, em matéria de pessimismo, ao poeta italiano Giacomo Leopardi.xxviii Cioran e
Leopardi tendem a pensar que o ser humano tem necessidade de algo que é nada, o que não
configura exatamente um erro do desejo, o desejo de algo que não existe, mas o drama
constitutivo de um animal paradoxal por natureza: de onde a imaginação de um alhures que
conteria o que falta no mundo, ou a chave para o seu acesso; uma ficção qualquer, uma ilusão
salutar, santo remédio para a consciência da infelicidade, no caso da impossibilidade de
esquecer(-se). A existência é tão miserável que não há motivos para não estar triste. Por isso, escreve
Cioran, “quando me lembro que os indivíduos são apenas gotas de saliva que a vida cospe, e
que a vida mesma não vale muito mais em comparação com a matéria, dirijo-me ao primeiro
bar que encontro com a intenção de nunca mais sair dele.” (SA: 102) E, em Do inconveniente
de ter nascido, ele afirma: “A verdade reside no drama individual” (IN: 98). Como suportar
a vida? E, sobretudo, como suportar-se em meio a uma lucidez infernal? Que a existência
seja, deva ser um drama, um mal, isso já é em si uma interpretação, uma valoração e uma
inferência de alcance metafísico; uma problematização indevida, uma armadilha psicológica,
dirá Rosset, o efeito de um engano que leva o pessimista a buscar justificações para o seu
pessimismo arbitrário. O real é irrespirável, ou, nas palavras de Cioran: “O Real me dá asma”
(SA: 33). Se a recusa da interpretação é o que difere a filosofia trágica de todas as demais
filosofias, pessimistas ou otimistas, como argumenta Rosset, então Cioran abandona o
trágico cada vez que se aventura no terreno da especulação metafísica ou teológica.
Contradição insolúvel: o homem tendo necessidade de algo que é nada. [...] É bem fácil, uma
vez chegado nesse ponto, desviar em direção a uma interpretação não trágica do trágico, ou
seja, de deixar o trágico para não mias a ele retornar: basta interpretar o “nada” que
caracteriza o desejo humano como um “objeto faltante”. [...] Outra formulação dessa
questão: a falta que falta ao desejo para definir seu objeto deve ser relacionada à
inacessibilidade do objeto ou à incapacidade do sujeito em definir seu próprio desejo? Ou
ainda: pensamento não trágico, ou pensamento trágico? No primeiro caso, com efeito, o
mundo se vê duplicado em outro mundo (seja ele qual for), logo o mundo não contém todos
os objetos, falha-lhe pelo menos um – aquele do desejo; existe pois um “alhures” que contém
a chave do desejo (que “falta” ao mundo). [...] No segundo caso, o que falta ao desejo não é
um objeto, mas uma existência: o desejo é necessidade – de nada. Não há outra coisa senão
“aquilo que existe” onde se alojaria o objeto inacessível do desejo, pois o desejo propriamente
dito não remete a nenhuma satisfação possível ou pensável. Donde a inutilidade da metafísica
aos olhos do pensador trágico: para que fabricar “outra coisa”, se não se tem, em definitivo,
nada para aí colocar?xxix

Talvez seja que Cioran, temerário, tenha aspirado (ou estivesse fadado, por uma espécie de
“milagre negativo” ou de um “favor da natureza demente”) a algo humanamente
inconcebível, impossível, e que poder-se-ia classificar, clinicamente, da ordem do sumamente
“patológico”: experimentar a alegria e a tristeza juntas, indistintamente, como uma única
experiência, pura e impura, fortificante e desalentadora, leve e pesada, salutar e penosa.
“Quando esgotamos os pretextos que incitam à alegria ou à tristeza, conseguimos vivê-las,
ambas, em estado puro: nos igualamos assim aos loucos…” (SA) Mas talvez seja que essa
absurda mistura, à beira da loucura, acabe resultando, ela mesma, uma triste experiência, tão
mais triste quanto verdadeira, do ponto de vista da lucidez (sempre segundo Cioran), uma vez
que “só a impureza é sinal de realidade” (BD). À máxima omnibus laetitiis laetum [Alegre com
todas as alegrias] que Rosset faz sua, Cioran responderia: “Alegre com todas as alegrias e
todas as tristezas; minhas tristezas são alegres, e minhas alegrias, tristes.” Para concluir,
reiterando a distância entre a filosofia trágica do nietzschiano Rosset e o pessimismo
metafísico-religioso de Cioran (e não meramente “existencial”, como quer Joshua Dienstag),
este aforismo, do Breviário, sobre a “Gênese da tristeza”:

Não há insatisfação profunda que não seja de natureza religiosa: nossos fracassos provêm de
nossa incapacidade para conceber o Paraíso e aspirar a ele, como nossos mal-estares da
fragilidade de nossas relações com o absoluto. “Sou um animal religioso incompleto, padeço
duplamente de todos os males” – adágio da Queda, que o homem se repete para consolar-
se. Ao não consegui-lo, recorre à moral, decide seguir, expondo-se ao ridículo, seu conselho
edificante. “Resolve-te a não estar mais triste”, lhe responde esta. E ele se esforça por entrar
no universo do Bem e da Esperança… Mas seus esforços são ineficazes e antinaturais: a
tristeza remonta à raiz de nossa perdição…, a tristeza é a poesia do pecado original…

i “Falar do acaso como um conceito trágico próximo do silêncio proíbe falar do acaso a partir de referenciais

constituídos (séries de acontecimentos) ou pensados (ideia de necessidade). Se já há ‘alguma coisa’ a partir do que,
somente, pode produzir-se a eventualidade do acaso, não poderia ser questão de acaso no sentido trágico do termo. [...]
Será necessário pois distinguir entre um acaso segundo a necessidade (e as séries causais) e um acaso primeiro em
relação à necessidade.” ROSSET, Clément, Lógica do pior, p. 82-3.
ii IDEM, Ibid., p. 85.

iii “O mundo é tudo que é o caso. O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas” – eis as duas proposições iniciais

do Tractatus, em que “o que é o caso” se diz was der Fall ist, implicando portanto a noção de causalidade e ao mesmo
tempo negando o puro acaso trágico, segundo Rosset. WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-philosophicus, 1-1.1, p.
135.
iv “Uma das marcas mais seguras da alegria é, para empregar um qualitativo com ressonâncias desagradáveis sob vários

aspectos, seu caráter totalitário. O regime da alegria é o do tudo ou nada: não há alegria senão total ou nula (e
acrescentarei, antecipando o que virá a seguir, que só há alegria a um só tempo total e de certo modo nula). [...]
Imediatamente se notará – e esta é a primeira das três objeções às quais gostaria de responder antes de continuar – que
esse tipo de ‘vago n’alma’ da alegria, assim definida, corresponde literalmente a seu exato contrário: o vago n’alma
romântico, que tende à melancolia e à tristeza. Não bastaria protestar aqui que são duas disposições de espírito
indiferentes e diametralmente opostas, pois a semelhança formal é tão evidente que chama a atenção: exatamente como
o homem alegre é incapaz de dizer o motivo de sua alegria e natureza daquilo que o enleva, o melancólico não sabe
precisar o motivo de sua tristeza nem a natureza daquilo que lhe falta, exceto que sua melancolia, repetindo Baudelaire,
é sem fundo e o que lhe falta não figura no registro das coisas existentes” ROSSET, Clément, Lógica do pior, p. 7, 9-
10.
v Para Rosset, “é da essência da música ser alegre. Proposição aparentemente escabrosa, pois a opinião contrária

seguramente a mais recorrente. [...] Uma frase de Serge Rachmaninov – “a música é filha do pesar” – resume um
diagnóstico ancestral e perene. [...] É bastante singular que a alegria, seja ela de ordem musical ou não, deva ser
incessantemente defendida contra uma tendência insistente do espírito humano em não ver nela senão um sentimento
agradável, mas, no final das contas, de importância desprezível, algo que não se poderia realmente levar a sério, quando
ela é, talvez, a única coisa do mundo que pode, racionalmente, pretender tal honra. A alegria pura, aquela que nenhuma
sombra de reserva encobre, é, facilmente, suspeita de frivolidade, ainda que seja o sentimento mais profundo, ou
também de vulgaridade, ainda que seja o sentimento mais nobre. Cioran resume muito bem a reticência geral em relação
à alegria quando escreve: ‘É necessariamente vulgar tudo o que está isento de algo minimamente fúnebre’. A esta
fórmula oporei, por minha parte, outra exatamente inversa: é eminentemente nobre o que não se mistura com nada de
fúnebre, sequer minimamente” ROSSET, Clément, Alegria: a força maior, p. 53, 55-6.
vi JACCARD, Roland, Cioran et compagnie, p. 100.

vii ROSSET, Clément, Alegria: a força maior, p. 96-7.

viii IDEM, Ibid., p. 97.

ix KIERKGAARD, Søren Aabye, Temor e Tremor, in Col. “Os Pensadores”, p. 118.

x ROSSET, Clément, Alegria: a força maior, p. 97.


xi IDEM, El mundo y sus remedios, p. 13.
xii IDEM, O princípio de crueldade, p. 16.
xiii IDEM, Ibid., p. 18.

xiv IDEM, Ibid., p. 18-9.

xv IDEM, Lógica do pior, p, 25.

xvi “As figuras paranoicas da falta para com os outros ou da falta para com Deus, não são senão variações, entre outras,

do tema original da atribuição do caráter trágico do que existe a um ‘alhures’ em relação à existência. ‘Alhures’ que
resume bem precisamente ao mesmo tempo o desconhecimento do trágico e o reconhecimento do lugar onde se elabora
a gênese da ideia de ‘dor’. Pois os dois temas – dor e trágico – são indissociavelmente unidos por uma relação de
exclusão: se há trágico, não há dor.” IDEM, Ibid., p. 21-23.
xvii “«O que é impermanente é dor; o que é dor é não-eu. O que é não-eu não é meu, eu não sou isso, isso não é o eu.»

(Samyutta Nikaya) O que é dor é não-eu. É difícil, impossível estar de acordo com o budismo neste ponto, ademais
capital. Para nós, a dor é tudo o que há de mais si-mesmo (soi). Que estranha religião! Vê dor por toda parte e, ao
mesmo tempo, a declara irreal. Eu aceito a dor, não poderia passar sem ela, e não posso, em nome da piedade (como o
faz o Buda), recusar a ela todo estatuto metafísico. O budismo assimila a aparência à dor, confunde-os mesmo. De fato,
a dor é o que dá uma dimensão, uma profundidade, uma realidade à aparência.” (Cs: 129)
xviii ROSSET, Clément, Lógica do pior, p. 23.

xix IDEM, El mundo y sus remedios, p. 96.

xx IDEM, Ibid., p. 132-3.

xxi IDEM, O princípio de crueldade, p. 21.

xxii “Lógica do dado, a filosofia pessimista culmina, num segundo tempo, numa filosofia do absurdo da qual

Schopenhauer permanece, hoje, ao mesmo tempo o inspirador e o representante mais original. De maneira geral, a
ligação entre a filosofia do dado e a filosofia do absurdo é imediata, desde que o pensamento do dado se prive – como
é o caso em Schopenhauer – de todo o vínculo metafísico ou teológico. Que haja aí ordenação do dado é a absurdidade
maior, uma vez que não há ninguém para ter dado. A ordem da vontade schopenhaueriana é então desordem, a
explicação, pela vontade, muda, a constituição do mundo, absurda: causalidade sem causa, necessidade sem
fundamento necessário, finalidade sem fim são suas mais notáveis características.” IDEM, Lógica do pior, p, 22.
xxiii IDEM, Ibid., p. 44.

xxiv IDEM, O princípio de crueldade, p. 21-2.

xxv NIETZSCHE, Friedrich, “Por que sou tão inteligente?”, §1, Ecce homo, p. 33.

xxvi
IDEM, §10, Ibid., p. 49.
xxvii PIVA, Paulo Jonas de Lima, “Odium fati: Emil Cioran, a hiena pessimista”, in Cadernos Nietzsche, no 13, 2002.

xxviii “Leopardi analisa admiravelmente, em uma passagem de seu Zibaldone, esta inadequação e contradição necessária

que opõe o exercício da vida ao conhecimento da vida: ‘Não se pode expor melhor o horrível mistério das coisas e da
existência universal (...) do que declarando insuficientes e mesmo falsos, não somente a extensão, o alcance e as forças,
mas os próprios princípios fundamentais de nossa razão. Esse princípio, por exemplo – sem o qual desmoronam toda
proposição, todo discurso, todo raciocínio, e a eficácia mesma de poder estabelece-los e concebê-los como verídicos –
, esse princípio, dizia, segundo o qual uma coisa não pode ser e não-ser ao mesmo tempo, parece absolutamente falso
quando se consideram as contradições palpáveis que existem na natureza. Ser efetivamente e não poder de nenhuma
maneira ser feliz, e isto por impotência inata, inseparável da existência, ou melhor: ser e não poder não-ser infeliz, são
duas verdades tão demonstradas e certas no que diz respeito ao homem e a todo vivente quanto pode sê-lo qualquer
verdade segundo nossos princípios e nossa experiência. Ora, o ser unido à desgraça, e unido a ela de modo necessário
e essencial, é uma coisa diretamente contrária a si mesmo, à perfeição e a seu fim próprio que é somente a felicidade,
uma coisa que se arruína a si própria, que é sua própria inimiga. Portanto o ser dos viventes está em uma contradição
natural essencial e necessária consigo mesmo’ (Zibaldone, ed. francesa, “Le temps qu’il fait”, pp. 91-92). Cioran
resume brevemente o mesmo pensamento em um aforismo de A tentação de existir: ‘Existir equivale a um protesto
contra a verdade.’” ROSSET, Clément, O princípio de crueldade, p. 23-24.
xxix ROSSET, Clément, Lógica do pior, 42-3.

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