Você está na página 1de 283

ESPIRITO

DA
ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
Pé. Pedro Batista Gimet, 0. F, M.

ESPIRITO
DA ORDEM TERCEIRA
FRANCISCANA

TRADUÇAO
DE
M. NEVES

1944
EDITORA VOZES Ltda PETRÔPOLIS, R. J.
RIO OE JANEIRO — SAO PAULO
N I H I L O 8 S T A T
FR. FREDERICUS VIER, O. F. M.

IMPRIMATUR
POR COMISSÃO ESPECIAL DO
EXMO. E REVMO. SR. BISPO DE
NITERÓI, D. JOSÉ PEREIRA ALVES.
PETRÓPOLIS. 20 DE JANEIRO DE
1944. FREI ATICO EYNG, O. F. M.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS


ADVERTÊNCIA
O presente livro não precisa de recomendação. E*
uma das obras clássicas da espiritualidade irancísca-
na aplicada à Ordem Terceira.
Quero, todavia, lembrar aos meus irmãos terceiros
que, apesar de ter sido escrita há cêrca de quarenta
anos, ela é de flagrante atualidade e se ajusta, como
de encomenda, aos problemas de nossos dias, E* que,
por um dêsses fenômenos de reversão, irequentes na
História, o nosso tempo está se deirontando com os
mesmos casos e questões que estiveram em foco no
fim do século passado e que hoje se reproduzem em
circunstâncias quase idênticas, embora, em geral, com
mais premente acuidade e em proporções muito mais
largas.
No que diz o Autor, por exemplo, a respeito da
Maçonaria, basta que entendamos laicismo ou, mais
explicitamente, conforme o caso, liberalismo, comu­
nismo, totalitarismo, para ver quão vivas e oportu­
nas são as suas observações, quanto se adaptam ao
estado da sociedade em que vivemos e, portanto, quan­
to são atuais e de incessante eficácia os remédios que
oferece contra êsses males a propagação da Ordem
Terceira Franciscana.
Evidentemente não há, nem podia haver, neste li­
vro nenhuma referência à Ação Católica organizada,
que ainda não existia quando êle foi escrito. isto, po­
rém, não lhe diminui em nada o vàlor e a importân­
cia. Porque a Ordem Terceira e a Ação Católica não
são instituições que se opõem, mas que se completam
reciprocamente. A Ordem Terceira ê, por sua nature­
za, uma auxiliar prestantíssima da Ação Católica, co­
mo a Ordem Primeira Franciscana sempre foi, em tô-
da parte, auxiliar valiosíssima da Hierarquia da Igre­
ja. A Ação Católica é a executora oficia/ das obras
em que a Hierarquia a faz participar; ao passo que a
Ordem Terceira é a formadora de instrumentos aptos
àquela tarefa, isto é, de católicos fervorosos, dedica­
dos, ávidos de perfeição cristã. A Ação Católica é a
obra capital dos nossos d/as; mas a Ordem Terceira
6 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANÀ
Franciscana ê a inspiradora mais eficaz do espirito
necessário à animação daquela obra. Não foi sem mo­
tivo que o Santo Padre Pio XI deu à Ação Católica
universal para seu Padroeiro a S. Francisco de Assis,
fundador das Três Ordens Franciscanas.
Em todo êste livro, mas principalmente em sua úl­
tima parte, que trata das "Obrigações da Ordem",
encontrarão os terceiros conselhos precisos, convin­
centes e oportunos para se tornarem, pela observân­
cia exata e inteligente de sua Regra, não só írancis-
canos verdadeiros como principalmente ótimos católi­
cos, sinceros e ativos, como os visa formar a sua Or­
dem, Seguindo-os fielmente poderão todos tornar-se
dignos filhos do Santo que a Igreja denominou "vir
catholicus et totus apostolicus”: o homem católico e
apostólico por excelência.
jE* disto que o mundo hoje mais precisa — de ho­
mens católicos, mas católicos até a medula, católicos
sem mescla de espirito mundano, catóiicos no cora­
ção, no pensamento, na ação, católicos em tôdas as
ocasiões de suas vidas,W E ê a nos tornarmos tais
*

que nos urge com persuasiva eloquência o presente


livro.
Petrópolis, 1943, lesta de N. Senhora dos Anjos.
■ Mesquita Pimentel.
APROVAÇAO
DO REVMO. PADRE GERAL DOS FRANC2SCAN0S
Caríssimo e Revmo. Padre:
Acabo de ler o relatório dos examinadores do vosso
estudo. sôbre o Espirito da Ordem Terceira Fran-
ciscana.
“O autor — dizem êles — expõe com lucidez o
espírito da Ordem Terceira, convidando os seus mem­
bros à perfeição e à transformação que devem exer­
cer na sociedade. As suas asserções estão baseadas
nas Encíclicas de Leão XIII para cujas referências
êle chama a atenção."
Depois dêste elogio, caríssimo e reverendíssimo Pa­
dre, aprovo de boa vontade o vosso excelente traba­
lho e o recomendo a todos os nossos Terceiros como
uma das boas leituras espirituais a fim de se compe­
netrarem do espírito da sua santa vocação, para a
sua própria santificação e para que se tornem após­
tolos pelo exemplo.
Vosso Amigo dedicado em N. Senhor
(assinado) Luís de Parma, Min. Gen.
Roma, 19 de novembro de 1893, festa de Sta. Isabel
da Hungria.
PREFÁCIO DO AUTOR
Há cêrca de doze anos, cedendo a muitas instân­
cias, decidimo-nos a publicar em brochura os artigos
sôbre o Espírito da Ordem Terceira que tinham sido
publicados na “Revista Franciscana”.
Era nossa intenção, e ainda o é, comunicar às al­
mas dos Terceiros o espirito do nosso seráfico Pai,
tão eminentemente evangélico, e transmitir-lhes a sua
chama, ateada no Coração dAquele que veio trazer o'
fogo à terra para ofervorar os homens no amor do
Pai Celestial. (Lc 12, 49.)
Se, com efeito, compreenderem o dom de Deus, na
graça que os impeliu a entrar na Ordem Terceira, se
viverem de modo mais conforme ao espírito do que
à letra das suas obrigações, muito simples quanto ao
lado material, hão de atrair novos recrutas para a
Ordem Terceira, realizando assim as esperanças de
Leão XIII que pôde dizer: “Trabalhemos com S. Fran­
cisco; quem é Terceiro, é cristão e tem garantida a
salvação." Primeiro um, depois .dez, depois mil —
pouco a pouco, com o auxilio da Ordem Terceira se
difundirá por tôda parte uma fôrça regeneradora.
Além da edição inglesa, precedida do belo prefácio
do Cardeal Vaughan, Arcebispo de Westminster, de
veneranda memória, as três edições francesas desta
obra esgotaram-se rapidamente, fazendo-nos crer que
o nosso trabalho correspondia a uma necessidade e
que Deus atendera aos >nossos votos, pelo menos em
parte.
Não nos descuidamos, nesta obra, do lado social
da Ordem Terceira: as palavras animadoras do su­
cessor de S. Francisco, impressas no frontispício da
obra, testemunham em seu favor.
Mas apenas esboçamos o assunto, e deixamos cam­
po livre a um tratado muito interessante e prático
sôbre a influência eminentemente social que a Ordem
Terceira pode e deve ter na época atual.
Felizmente, está ao alcance de todos o material
para êste trabalho, porque, nestes últimos anos, hou­
ve uma série de Congressos da Ordem Terceira, sob
10 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

as vistas e com a aprovação inspiradora de Leão XIII.


Não nos referiremos senão aos que se efetuaram em
Val-des-Bois, em Paray, em Novara (Itália), em Li-
moges, em Reims, em Nimes, em Tolosa e até em
Roma. Tudo o que se disse, escreveu, discutiu nestes
diversos Congressos, são outros tantos estudos inte­
ressantes e práticos, são esforços generosos levando
gradualmente a efeito a realização do programa social
de Leão XIII, delineado particularmente na sua En-
cíclica Rerum Novarum.
Nunca insistiremos bastante no ponto que trata da
santificação individual do Terceiro, convencido que é
coisa prática ter princípios e que não há ação social
durável que não seja baseada na ação interior do es­
pirito de Deus. E’ do coração que tudo parte, e é
preciso que os nossos atos exteriores estejam de con­
formidade com os esforços, partindo de dentFo; se
não fizermos isto, seremos "como o metal que soa,
ou como o sino que retine." (1 Cor 13, 1.)
Também as palavras de S. S. Pio X, membro da
Ordem Terceira Franciscana, cujo protetor oficial êle
quis ser, lembram-nos claramente que a santificação
individual é base indispensável para qualquer tentati­
va séria da Ordem Terceira em prol da regeneração
da sociedade. No dia 30 de outubro de 1904, dizia
Sua Santidade & delegação dos Terceiros romanos, re­
unidos no Vaticano: "Obedecendo em todos os pontas
ao ensino e à direção da Santa Igreja, reformou Fran­
cisco a sociedade, enaltecendo a castidade, inflaman­
do os corações com o amor de Deus e do próximo,
dando o exemplo na prática da virtude.” E’ assim que
os Terceiros devem continuar a obra do seu Pai Se­
ráfico na sociedade, a fim de restaurá-la em Cristo.
Tornar-se melhor cristão e melhor católico, tirar
dos seus princípios de fé tôda a direção da sua vida
—• primeiro da vida privada, depois da vida pública,
— tal deve ser o objetivo do Terceiro desejoso de mi­
litar sob o estandarte de S. Francisco. As tradições
da Ordem, os exemplos a imitar, a nova seiva inje­
tada em todo o seu ser, tudo o conduzirá a êste efeito.
Tal a idéia principal dêste nosso estudo; e foi o que
nos mereceu um testemunho precioso que pedimos li-
PREFACIO DO AUTOR ll

cença para transcrever aqui, porque numa palavra


põe em evidência o fim que nos propusemos neste
trabalho. No dia 21 de fevereiro de 1900, Monsenhor
Hedley, Bispo de Cardiff na Inglaterra, honra do
Episcopado inglês e glória da Ordem beneditina a que
está filiado, nos escrevia estas linhas: "O vosso-livro
não será útil somente aos Terceiros, mas sim a to­
dos os católicos, pois é exposição completa do espiri­
to do Evangelho, ao mesmo tempo comedido e pene­
trante.”
Dividimos o nosso modesto trabalho em quatro par­
tes, inspirando-nos na incomparável doutrina de
Leão XIII:
1.* — A Ordem Terceira, verdadeiro regresso ao
primitivo espirito da Igreja.
2.* — A Ordem Terceira tomando extensiva ao
mundo a vida religiosa.
3 * — A Ordem Terceira contraposta à Maçonaria.
4.* — As- obrigações da Ordem Terceira.
Digne-se nosso Pai Seráfico S. Francisco aceitar
a homenagem da nossa boa vontade. Digne-se, sobre­
tudo, a Santíssima Virgem comunicar a estas poucas
páginas um sópro de vida, que transmita aos nossos
leitores conhecimento melhor e maior amor a Nosso
Senhor Jesus Cristo.
4t * *

Damos em tradução' o Prefácio que o Cardeal


Vaughan, Arcebispo de Westminster, escreveu para
a edição inglêsa de “O Espirito da Ordem Terceira”,
cujas provas quis rever e corrigir êle mesmo. Ficarão
assim os nossos leitores tanto melhor preparados para
entrarem na corrente de idéias que vamos desenvol­
ver nesta obra.
Pusemos no fim, como um apêndice, a Constituição
"Misericors Dei Filius”, base da nossa obra. Encon-
trar-se-á ai também o catálogo completo das Indul­
gências e Privilégios, remodelados e aumentados de­
pois da publicação do ato pontifício de 30 de maio
de 1883.
32 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

Enfim, terminamos o Apêndice com uma exposição


sumária da Ordem Terceira que em rápido exame tra­
ta da origem, dos fins, das obrigações e das vantagens.
Assim seja o nosso humilde trabalho particular­
mente útil aos nossos Padres Terceiros dando-lhes a
compreensão dos seus desígnios para que, nas confe­
rências que fizerem, possam dar à Ordem Terceira
a sua verdadeira fisionomia!
Sobretudo, possa o voto de S. S. Pio X, manifesta­
do por S. Emcia. o Cardeal Secretário do Estado,
tornar-se realidade consoladora: “Sua Santidade dese­
ja que êste trabalho fecundado pela graça celestial
consiga reunir os fiéis, agrupando-os, e sempre em
maior número, junto do Baluarte da salvação cristã!*'
Como, 19 de março de 1905, dia da Festa do glo­
rioso Patriarca São José.
O AUTOR.
PREFÁCIO (1)
Escvito por S. Emcia. o Cardeal Vaughan, Arcebispo de
Westminstcr, para a edição inglesa de O Espírito da Or­
dem Terceira.
(The Spirit of ttae Third Order of St Francis, London,
Catbolic Truth Society, $9 Southwarth Bridge Road. S. E.)
A Regra da Ordem Terceira de S. Francisco é um
esqueleto que precisa ser coberto de carne viva e ani­
mado de sôpro interior. Como todas as Regras com­
postas por êste Santo, é concisa e simples em extre-i
mo. Sua eficácia, beleza e perfeição encontram-se to­
das no espírito que a informa; e não é outro êste es­
pírito senão o do Pai Seráfico.
Esta Regra tal qual nos foi legada por S. Francis­
co e a Santa Sé, presume a presença e cooperação
dos Religiosos Franciscanos na altura da sua mis­
são, que sejam homens profundamente compenetrados
do espírito de S. Francisco, a fim de estabelecerem
com ela uma Regra viva de vida cristã. Aqueles que
seguem a Regra da Ordem Terceira almejam encon­
trar ai, cada um conforme o seu estado, um meio mais.
certo de atingir a perfeição, perfeição esta que não
consiste só na observância de certas práticas exterio-
1) A importância dêste estudo não escapará a ninguém.
E* um Príncipe da Içreja que se digna desdobrar-nos o seu
pensamento quanto a Ordem Terceira, interpretando tam­
bém o do seu augusto chefe Leão XIII* Esta palavra apos­
tólica será aceita com a submissão e respeito devidos e
produzirá nas almas dos Terceiros» como esperamos, os sa­
lutares efeitos com que contava o seu ilustre Autor. Co­
mo o seu predecessor, o Cardeal Manning, S* Emcia* o
Cardeal Vaughan era fervoroso Terceiro. Herdeiro não so­
mente do título, mas igualmente do seu zelo pelos Inte­
resses de Deus e da Igreja» deu provas de amor de predi­
leção pela classe operária e pelos deserdados deste mundo.
Amor que lhe Inspirou a fundação da sociedade "Social
Union", cujos membros, pertencendo ás classes abastadas
de Londres, esforçam-se por ter "o conhecimento do po­
bre", para conduzi-lo a Deus. A sua missão ê procurar
os miseráveis e auxiliá-los não só com esmolas, mas so­
bretudo com bons tratos, com os seus conselhos e luzes*
Quando foi publicada a Enciclica "Auspicato”, Mons.
Vaughan, então Bispo de Salford, dirigiu aos seus dioce­
sanos uma belíssima carta episcopal sôbre a missão de 3*
■t Francisco de Assis na sociedade contemporânea*
14 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

res de devoção, mas no espírito interior. E’ o espíri­


to que vivifica. Nosso Santo Padre Leão XIII, imi­
tando neste ponto alguns dos seus predecessores, nos
cita S. Francisco como cópia perfeitíssima de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Deus o mandou ao mundo no dé­
cimo terceiro século para reformar uma sociedade tô-
da entregue à corrupção e ao materialismo, pondo-lhe
sob as vistas, sem paliativo algum, o tipo incamado
do Evangelho.
Ora, a nossa sociedade atual agoniza atacada dos
mesmos males, e por êste motivo Leão XIII convi­
da os fiéis a volverem os olhos para o Pobre de Assis,
persuadido que êste Santo com a influência do seu es­
pírito, que é o mesmo de Jesus Cristo, terá bastan­
te poder sôbre as almas para renovar o mundo.
E’ fora de dúvida que a Regra da Ordem Terceira,
não terá esta virtude de levar os homens à santidade
da vida cristã, se não fôr interpretada segundo o es­
pírito do seu Fundador. O presente volume, fruto da
experiência de um filho de S. Francisco, encerra a in­
terpretação completa dêste espírito em relação ao en­
sino e às máximas da Santa Igreja. A leitura dêste
livro instruirá o cristão sôbre os fins da Ordem Ter­
ceira e sôbre o ideal elevado que todo verdadeiro Ter­
ceiro deve esforçar-se por atingir praticamente. Tam­
bém o ajudará a compreender como tinha razão Leão
XIII quando afirmava categoricamente que, em se tra­
balhando resoiutamente na restauração da Ordem Ter­
ceira de S. Francisco e na sua difusão pelo mundo,
contribuir-se-á muitíssimo para o bem da Igreja e da
sociedade.
Dirigia o Papa estas palavras aos Srs. Bispos: “Pro­
curai tornar apreciada e querida do povo a Ordem
Terceira. Cuidai que os diretores de consciências ex­
pliquem a sua natureza, mostrem como ela é acessí­
vel a todos, como foi distinguida com favores precio­
sos, qual a imensa vantagem para os indivíduos e pa­
ra a sociedade nos lugares onde prosperar." O San­
to Padre afiança que os triunfos espirituais alcan­
çados pelos Terceiros no décimo terceiro e décimo
quarto séculos podem-se obter também hoje, com o
retomo ao espírito e à Regra do humilde S, Francisco.
PREFACIO 15

Aqui fazemos três observações para as quais cha­


mamos atenção. A primeira é que a Ordem Terceira
não é uma associação ou confratemidade, mas sim
uma Ordem verdadeira. Está bem determinado êste
ponto num dos capítulos dêste livro, e para o qual
chamamos a atenção do leitor.
A segunda é ser um dos traços característicos de
tôda Ordem religiosa a união dos membros entre si
pela oração e particularmente pela reza em comum
do ofício divino. Se um secular, pertencendo à Ordem
Terceira, não puder rezar o breviário ou p Ofício da
Santíssima Virgem, deve então rezar o Ofício dos
doze Padre-Nossos, Ave-Marias e Glória ao Padre.
Por outro lado dizer-se ao Terceiro que a Regra obri­
ga à reza diária dos doze Padre-Nossos e- Ave-Marias,
não será motivo para excitar o interêsse ou provocar
entusiasmo, embora ninguém desconheça o valor do
Padre Nosso e da Ave Maria. Mas o Terceiro que
está compenetrado do espirito da Ordem Terceira e
que tiver meditado o primeiro capítulo da última par­
te desta obra, compreenderá logo a verdadeira signi­
ficação do Ofício dos Padre-Nossos; verá por que se
determinou o número de doze e os rezará então com
devoção esclarecida e com fervor.
Em terceiro lugar a influência dos Terceiros na so­
ciedade estará na razão direta do grau de perfeição
cristã que tiverem alcançado. A Constituição Mise-
ricors Dei Filius refere-se aos Terceiros agrupados em
Fraternidades. Existem Terceiros isolados, sem dúvi­
da, mas é a vontade da Santa Sé que se reunam for­
mando quanto possível fraternidades, a fim de se tor­
narem mais fortes. A sua influência se irradiará, dês­
te modo, mais longe e poderão ser empregados, com
mais facilidade, nas diversas obras paroquiais, cujo
fim é promover a causa da grande Fraternidade ca­
tólica, Fraternidade esta que deve conter em seu seio
os fiéis de tôdas as classes e condições. A organi­
zação, a vida e o espirito dos Terceiros devem ser
sempre como os de uma Fraternidade, pois a Ordem
Terceira foi fundada por S. Francisco para fazer par­
te da sua grande família de Frades, conhecida na
História. Ora, é justamente para tratar de restabele-
16 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

cer esta Fraternidade comum entre os católicos que


vamos nos ocupar. Quando a Inglaterra era católi­
ca, havia na sociedade, como sempre haverá, distin­
ções de classes; e, entretanto, ai também existia uma
Fraternidade católica, na qual se achavam reunidos
o rico e o pobre, o sábio e o ignorante. Era uma ver­
dadeira Fraternidade, conquanto nem. sempre tivesse
o nome.
A Inglaterra tem caminhado, nos três últimos sé­
culos, para um estado semelhante ao paganismo, es­
tado que se gradualmente'vai tornando em ódio e em
verdadeira hostilidade entre as diferentes classes da
sociedade, afastando-nos cada vez mais do ideal cris­
tão de uma Fraternidade cristã. Levantou-se entre o
rico e o pobre, o operário e o capitalista, o homem
culto e o homem sem educação, insuperável barrei­
ra, que os traz separados, em atitude egoista e hos­
til; destrói-se assim a obra do Cristianismo, cuja di­
vina missão era criar q espirito de Fraternidade uni­
versal entre os discípulos de Jesus Cristo.
Torna-se aqui então aparente qual a missão ca­
racterística dos Terceiros de S. Francisco. Êles não
devem agir como sendo especialmente democratas, co­
mo conservadores ou liberais, como radicais ou socia­
listas e sobretudo não se devem intimidar com as di­
ferentes denominações que se lhes der segundo as
circunstâncias. (2) O próprio demônio as designaria
por qualquer dêstes nomes, se com isto pudesse con­
seguir estorvá-los ou desanimá-los. Seja o Pobre de
Assis o seu único guia e prossigam no caminho indi­
cado por Nosso Senhor. Éle ensinará a ser manso e
humilde de coração, a procurar fazer o bem a todos,
principalmente aos que participam da mesma fé, a
praticar a doutrina das bem-aventuranças, pois que
não temos aqui morada permanente e almejamos uma
outra futura.
Digamos ainda uma vez com Leão XIII: “Os ho­
mens unidos pelos laços da Fraternidade amam-se
2) Para compreender estas palavras á prccfso saber que
os partidos políticos na Inglaterra não diferem muito, co­
mo em França e noutros países, quanto à doutrina reli­
giosa e social.
PREFACIO 17

mutuamente e têm o devido respeito para com os po­


bres e indigentes que são a imagem de Jesus Cristo.
A questão de relações entre ricos e pobres que tanto
preocupa os economistas será perfeitamente regula­
da, uma vez estabelecido e confirmado que os pobres
não são menos dignos do que os ricos, que êstes de­
vem ter misericórdia e generosidade para com aquê-
les, e os pobres devem saber ficar contentes com a
sua sorte e com os seus trabalhos, pois nem uns nem
outros foram feitos para êstes bens efêmeros, e todos
devem ir ao céu: uns pela paciência, e outros pela
liberalidade.''
Faz-se neste momento um apêlo especial aos cató­
licos do nosso País, convidando-os a empreender a re­
generação das massas, porque elas se afastaram do
Cristianismo durante os três séculos de domínio pro­
testante. A obra da União social católica é sobretudo
uma obra franciscana. Trata-se com efeito de esforço
organizado, atualmente por católicos abastados, para
cuidarem dos seus correligionários ao sairem da es­
cola, atraindo-os para uma Fraternidade cristã univer­
sal. Dividem-se êles em duas categorias principais:
os moços entre treze e vinte anos, e aquèles que, mais
velhos, já estiverem à testa de uma casa ou forem
chefes de família.
Não nos iludamos: a reforma da sociedade com ba­
se cristã, a reedificação do grande corpo com os prin­
cípios vivificantes do Evangelho, é árdua empresa que
demanda tempo e paciência. O que foi destruído e
derrubado em três séculos de esforços contínuos, não
se pode reconstruir com os esforços de uma só ge­
ração. Deus exige de cada um o cumprimento da ta­
refa designada a cada vida humana. Será a recom­
pensa na proporção dos esforços, do amor e da per­
severança. Não tenhamos outro fito senão averiguar
cs resultados visíveis. Entretanto, em matéria de re­
sultados, pode-se afirmar que geralmente os mais só­
lidos e mais duradouros ficam às vezes invisíveis aos
nossos olhos, ao passo que são superficiais aqueles
que chamam a nossa atenção.
Espirito da O T — 2
16 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
Tal é a nobre tarefa designada pelo Soberano Pon­
tífice aos Terceiros de S. Francisco: trabalbar em
união com o Clero e com todos os servos de Deus na
reconstrução da sociedade, baseada em plano verda­
deiramente católico.
Sirva esta obra de manual para iniciá-los no es­
pírito da sua Regra, reunindo e fortalecendo-os nas
suas laboriosas emprêsas; possa enfim inspirar-lhes
generosidade verdadeiramente cristã e perseverança
nos seus nobres esforços!
Herbert, Cardeal Vaughan.
Dia da Festa de S. Francisco, 4 de outubro de 1899.
INTRODUÇÃO GERAL (1)
VISÃO DE S. BOAVENTURA CONFIRMADA POR UMA
PALAVRA DE LEÃO XIIL — FRANCISCO, "O ANJO
QUE TRAZ O SINAL DE DEUS VIVO." — SUA MIS­
SÃO NOS ÚLTIMOS TEMPOS DO MUNDO. — A SUA
OBRA NÃO É INDIVIDUAL. — FRANCISCO, "O HO­
MEM CATÓLICO” POR EXCELÊNCIA. SUAS RE-
GRAS. A APLICAÇÃO DO EVANGELHO. — O MUNDO
PERDE-SE PELA INCREDULIDADE OU PELA DEVO­
ÇÃO SUPERFICIAL. — REGRA DA ORDEM TERCEI­
RA, ARCA DE SALVAÇÃO.

O Seráfico Doutor S. Boaventura tinha ido a Sta.


Maria doa Anjos, para descansar ai nos prazeres da
contemplação. Meditava um dia sobre esta passagem
do Apocalipse: “E vi outro anjo que subia do lado
do nascer do sol, tendo o sinal do Deus vivo; e cla­
mou em alta voz aos quatro anjos a quem fôra dado
o poder de fazer mal à terra e ao mar, dizendo: Não
façais mal ã terra e ao mar, nem às árvores, até que
assinalemos os servos do nosso Deus nas suas testas.”
(Apoc 7, 2-3.)
0 Santo pôs-se a orar e conjurou o Senhor a lhe
mostrar quem era êsse anjo de que fala S. João, En­
tão uma voz lhe faz conhecer que êsse anjo não é
outro senão S. Francisco de Assis, o homem assina­
lado com os estigmas do divino Redentor e mandado
sobretudo ao mundo para chamá-lo à penitência. (2)
Na sua bula Ite et vos ia vineam meam, dirá mais
tarde Leão X: "Bem cedo de manhã, ao levantar do
sol, o Pai de família enviou para cultivar sua vinha
êsse anjo que vem do Oriente tendo o sinal do Deus
vivo, o bem-aventurado S. Francisco." Não se deve,
pois, concluir que Francisco teve a missão especial de
completar o número dos eleitos e fortalecer nos úl­
timos combates aqueles que se vierem alistar sob a sua
.bandeira?
1) O que vem a seguir foi publicado na "Revista Fran-
cfscana" de agosto de 1883, sob o título: "Algumas refle­
xões sõbre a Ordem Terceira Franciscana a propósito da
Constituição "Misericors Dei Filius".
2) Ver “Bartolomeu da Pisa" e o prólogo da "Legenda
de S. Francisco” por S. Boaventura. Consultar também
“L'Auréole Séraphique”, de 14 de julho. ■
%•
20 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

Estas reflexões nos parecem corroboradas pela Cons­


tituição Misericors Dei Filius, que Leão XIII publi­
cou acerca da Ordem Terceira Franciscana, e que
tem em mira pôr, sobretudo ao alcance do povo, a
Instituição de S. Francisco de Assis, a fim de reuni-los
em batalhões compactos sob o estandarte da Igreja
para os regenerar pelo espírito cristão. Já antes, na
Enciclica Aaspicato, o mesmo Papa celebrara as gló­
rias do humilde FranciscÕ. O pensamento e a emo­
ção teceram, neste notável documento, magnífica co­
roa para ser deposta sôbre o túmulo glorioso do Pa­
triarca de Assis, na ocasião do seu sétimo centená­
rio; neste documento, repetimos, o Soberano Pontí­
fice apresenta ao mundo a Francisco por modelo pa­
ra se imitar.
Os séculos XIII e XX têm muita analogia entre si.
E já que o espírito de S. Francisco salvou o século
XIII, poderá também salvar o XX__Qual é êste es­
pírito? — E’ o espírito do próprio Jesus Cristo. Na
sua Constituição Misericors Dei Füius, Leão XIII,
para bem dizer, tira a conclusão dos princípios que
expôs na Enciclica Auspicato. Salientando maravilho­
samente o espírito da Regra franciscana, procura sim­
plificar o lado material desta Regra, para torná-la
mais acessível às multidões.
Quando se vê a insistência com que procura au­
mentar os batalhões que lutam sob as ordens de S.
Francisco, dir-se-ia que o Vigário de Jesus Cristo ou­
viu a voz do Pai de família que, querendo ter cheia
a sala do festim, manda finalmente o seu servo pe­
los caminhos e cercas: "Força todo o mundo a en­
trar” — compelie intrare. (Lc 14, 23.) Dir-se-ia que
antes da destruição que precederá ao fim do mundo,
êle realiza, no momento oportuno, a vontade dAquele
que, pelo seu anjo Francisco, quer assinalar os eleitos?
Ah! não nos compete, certamente, determinar o dia
e hora dêste tempo que só Deus conhece. Também não
temos a pretensão de fazer exclusoes. Se Francisco
de Assis foi e permanece o sustentáculo da Igreja,
sabemos e proclamamos que Domingos de Gusmão o
foi do mesmo modo, que a milícia dominicana e as
outras Ordens Terceiras muito mereceram da Igreja,
INTRODUÇÃO GERAL 21
realizando a -obra particular que lhes foi atribuída.-
Também sabemos que independente destas Institui*
ções que nasceram sob o influxo celestial, o cristia­
nismo aplicado diretamente às almas contém em si
“Redenção copiosa”, a que Jesus Cristo veio trazer
ao mundo e cujo salutar influxo produz heróis e santos.
Da mesma forma sabemos quantas forças “a asso­
ciação1* confere a quem quer que se proponha alcan­
çar algum desígnio difícil. Dá-se com uma "associa­
ção” o mesmo que com uma fornalha, quando se lhe
aproxima matérias combustíveis: separadas, queimam
apenas; reunidas, abrasam-se e lançam chamas vivas
e fortes. Vis única íortior — a união faz a fôrça; a
experiência no-lo diz e depreende-se da própria na­
tureza das coisas. Eis por que formam-se, mesmo ao
seio das grandes associações, outras associações se­
cundárias, propondo-se cada uma o seu fim especial
com uma energia tanto mais poderosa, quanto mais
restrita fôr a associação. Para agir é preciso que se
vejam, entendam, aproximem uns dos outros.
Isto é conhecido; e também que a Ordem Terceira
Franciscana, a primeira instituída com esta forma ori­
ginal e poderosa, é de tôdas as Ordens Terceiras a
que atraiu maior solicitude dos Pontífices romanos;
foi a que exerceu na Igreja maior influência, a que
mai3 Santos deu ao céu. Deus serve-se sempre da
fraqueza para confundir a fôrça; a funda de Davi,
humilde pastor, é que derruba o orgulho dos novos
Golias.
Mas por que tem êste poder sobrenatural a Ordem
Terceira Franciscana?
Seria preciso perguntar Àquele que é o Senhor abso­
luto e o Dispensador de todos os dons e que pode tor­
nar uma palha a mais poderosa alavanca + * +

Além dêste lado puramente sobrenatural, que no


fundo ê o mais importante nas obras divinas, quem
estudar seriamente a Regra da Ordem Terceira de
S. Francisco, fica admirado da uniformidade e da pro­
fundeza de idéias que aí se vêem do principio ao fim.
0 seráfico Legislador não faz "obra pessoal”, atua
em largos horizontes; sobretudo aí, êle dá-se a co­
nhecer como o homem católico e todo apostólico que
22 ORDEM TERCEIRA FRAN CISCANA

a Igreja saúda no dia da sua Festa: Franciscus vir


catholicus et totas apostolicus. (3) file viu, magoado,
apagar-se e cair em desuso o espirito e as usanças
da Igreja primitiva. Êle acolhe-os na sua Regra, faz
com êles um molde, uma fôrma viva na qual lança
as almas que vêm ter a êle, a fim de reproduzirem
com mais fidelidade a Jesus Cristo.
Diz-se, com muita razão, que os dois extremos se
tocam. Nós também diremos que os cristãos dos úl­
timos tempos devem estender as mãos aos fiéis da
Igreja primitiva pela identidade de convicções e de
coragem, que ameaça alguma possa deter, nenhuma
ironia intimidar, nenhuma perseguição abater. Com
efeito, não serão os combates, que a Igreja terá de
sustentar no fim dos tempos, menos violentos que as
formidáveis lutas dos primeiros cristãos; pelo contrá­
rio, as ultrapassarão em fôrça e furor, segundo a pa­
lavra do divino Mestre: "Porque naquele tempo ha­
verá aflição tão grande que desde que há mundo até
agora não houve nem haverá outra semelhante.” (Mt
24, 21.)
Se o espirito cristão, pois, atuando com tôda a fôr­
ça e plenitude, foi necessário aos mártires para ven­
cer o furor dos carrascos e a ironia dos filósofos pa­
gãos, quanto mais será êle necessário para repelir os
ataques infernais que “desarmariam os próprios elei­
tos — diz o Salvador’— se não se lhes abreviassem
aquêles dias?” (Ibid„ 22.) Pois, êste espírito cristão
que se opõe ao espírito do mundo, é espírito de peni­
tência, de desprendimento e de submissão humilde às
autoridades legitimas; a Ordem Terceira Francisca-
na tem a missão especial de o conservar, desenvol­
ver e divulgar pelo povo.
"A principal causa dos males que nos acabrunham
e dos perigos que nos ameaçam — diz Leão XIII na
Constituição Misericors Dei Filias — é o abandono
das virtudes cristãs. Os homens não poderíam reme*
diar a uns e desviar-se de outros, senão com a con­
dição de estimularem os indivíduos e a sociedade a
3) 1.' Antífona das I Vésperas de S. Francisco. Brevíá-
rio romano-seráfico.
INTRODUÇÃO geral 23

voltar a Jesus Cristo que pode salvar perpetuamente


aos que por Èle mesmo se chegam a Deus. (Keb 7,
25.) Tôdas as Regras franciscanas têm o fito prin­
cipal da observância dos preceitos de Jesus Cristo, ten­
do-se o seu santo Instituidor unicamente proposto
fazer com êste modo de viver uma escola onde se
possam exercer cuidadosamente as virtudes cristãs...
Seguramente as duas Ordens franciscanas devotadas
à prática das grandes virtudes requerem objeto mais
perfeito e mais divino; mas estas duas Ordens não
são acessíveis senão a um pequeno número. A Ordem
Terceira, pelo contrário, foi instituída para as multi­
dões, e tanto os monumentos do passado como as ex­
periências presentes demonstram de quanto poder dis­
põe para tornar os costumes puros, íntegros e reli­
giosos."
Dizem que o cristianismo perde-se pela incredulida­
de e pelas pequenas práticas de devoção. Isto é bem
verdadeiro. Não nos vamos ocupar com aqueles que
repudiaram a fé; referimo-nos somente aos cristãos in­
consequentes. Ah! como são êstes numerosos! Sim,
são em grande número os que o Apóstolo estigma­
tizou tão bem com estas palavras de tão surpreen­
dente realidade: “Mais amigos dos deleites do que.de
Deus." <2 Tim 3, 4.)
E, entretanto, confessam-se, comungam com fre­
quência, tomam parte nas boas obras, vão a tôdas
as romarias. Não deixa isto de ser bom, mas não
basta. Experimentaram algum dia, seriamente, jejuar
e fazer as abstinências prescritas pela penitência cris­
tã? Não procuram dispensa por razões fúteis? Com­
padecem-se dos sofrimentos da Igreja e não têm co­
ragem de sacrificar um baile, um sarau, um-banque­
te que talvez ocorra em ocasião de penitência rigo­
rosa. Compram, consentem que introduzam em casa
jornais anticristâos de todos os matizes, onde as mais
caras convicções são vilipendiadas e onde se arrasta
na -lama aquilo que mais amam e respeitam. A fé é
para èles vago sentimentalismo. Sendo fracos demais
para subjugarem de todo as suas paixões, não é para
admirar que essa.fé se eclipse com as-suas relações
mundanas, quando, ao invés, deveria ela aparecer em
24 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
todos os seus atos, quando se deveria afirmar sem
fraqueza como sem jactância; quando lhes deveria
inspirar sacrifícios que as circunstâncias exigem e
que constituem o pedestal humano da obra divina,
empreendida no mundo por Deus e para a qual Êle
se digna servir-se de nós.
O sucessor de S. Pedro notou diminuição do es­
pírito cristão, "essa disposição generosa da alma que
procura o que é difícil e árduo e cujo símbolo è a
cruz” (4); êle viu rebaixarem-se os costumes gerais,
substituir-se o dever pelos prazeres, e no lugar da
verdadeira piedade introduzirem-se não sei que apa­
rências de virtude, sem as energias e a realidade fe­
cunda que a caracterizam. Ao mundo necessitado êle
apresenta a Francisco de Assis, o porta-estandarte
da cruz de Jesus Cristo, o estigmatizado do Alver-
ne; e a seguir, em documentos públicos e solenes, êle
incita os católicos a se alistarem sob a sua bandeira,
para combaterem os combates do Senhor.
À primeira vista parece que a Constituição Mise-
ricors Dei Filius vem trazer grandes modificações à
primeira Regra da Ordem Terceira. Mas no fundo é
nula a modificação. E’ verdade que diminui as práti­
cas de penitência; mas já estavam dispensados a maio­
ria dos Terceiros, "o que não se podería fazer — diz
Leão XIII — senão em detrimento da disciplina
comum.”
Por outro lado, e mais do que nunca, insiste o So­
berano Pontífice no espírito da Ordem Terceira. De­
ve examinar-se seriamente o que êle diz das quali­
dades requeridas para a admissão, sobre a simplici­
dade do vestuário, o afastamento dos espetáculos, a
frugalidade nas refeições, a confissão e comunhão men­
sais, a santificação e conservação da família, a ne­
cessidade de viver em paz e de trabalhar para a paz
dos outros, a vigilância nas palavras, o exame de
consciência obrigatório todas as noites, a assistência
cotidiana à S. Missa, a esmola, a visita anual às Fra­
ternidades, "alma e centro indispensável de todo o
bem verdadeiro e duradouro”; ver-se-á então que a
4) Enciclica “Auspicato”.
INTRODUÇÃO GERAL' 25

Ordem. Terceira apresenta-se, mais do que nunca, a


todos os católicos de boa vontade como verdadeira Or­
dem, com poder incomparável de transformação cris­
tã para o indivíduo, para a família e para a sociedade»
Compenetremo-nos das vistas do grande Pontífice,
cujo olhar profundo mediu tôda a extensão do mal so­
cial, mas cuja grande fé descobriu o remédio enér­
gico que ainda nos pode salvar e curar.
Tornemos a Ordem Terceira conhecida, o seu espí­
rito, a sua fôrça santificante; procuremos tomá-la po­
pular, pela irradiação de caridade sob tõdas as for­
mas e pelo exemplo de vida irrepreensível. Pela Or­
dem Terceira voltaremos com eficácia ao catequismo
e ao Evangelho, contribuindo assim fortemente, ca­
da um na sua esfera, para a salvação dêste mundo
que se perde pelo culto brutal do ouro e do prazer
e pelas meias medidas de uma religião incompleta e
sem solidez.
Peçamos mais do que nunca a Francisco de Assis,
“êste anjo vindo do nascente”, que nos assinale a fron­
te com o sinal da cruz, para termos coragem inven­
cível na profissão da fé católica, em meio da dissolu­
ção de costumes e rebaixamento dos caracteres, que
marcam nossos tempos modernos. A Revolução e a
Maçonaria combatem sob o estandarte de Lúcifer; ês­
te “assinala com o distintivo da besta” (Apoc 19, 20)
àqueles que dobram o joellio diante do deus do século.
Quanto a nós, apliquemo-nos em seguir áquêle que
nos diz eloquentemente, mais com o exemplo do que
com as palavras: “Rogo-vos, pois, sejais meus imi­
tadores como também eu o sou de Cristo” (1 Cor 4,
16): imitemos a humildade, a penitência, a submis­
são de S. Francisco, o seu amor pela Igreja, o seu
afeto pelo Papa, a sua devotação aos pequeninos e
aos pobres.
Reformando-nos a nós mesmos, teremos trabalhado
praticamente na conversão do mundo.
PRIMEIRA PARTE

A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO


E A
VOLTA AO FERVOR DA IGREJA PRIMITIVA
PRÓLOGO
VISTA GERAL. — GÊNESE DOS ATOS DE LEÃO XIII:
A REFORMA DO MUNDO BASEADA NA REFORMA DO
INDIVÍDUO. O INDIVÍDUO REFORMADO PELA
VOLTA AO EVANGELHO. — VISÃO DE INOCÊNCI0 III.
— O QUE AS REGRAS FRANCISCANAS REALIZARAM
NO SÉCULO XIII PODEM AINDA HOJE REALIZAR. —
SERÃO REUNIDAS POR ELAS TÔDAS AS BOAS VON­
TADES E SEIVA EVANGÉLICA MAIS ABUNDANTE VI-
VIFICARÃ AS OBRAS.

Lançando Leão XIII um olhar perscrutador sòbre a


sociedade, viu-a privada da vida de Deus. Mas como
ressuscitar um morto? Para essa obra seria necessá­
rio um milagre. Ora, o milagre obtém-se pela oração.
Maria é a “onipotente suplicante”. Eis por que em di­
versas Encíclicas o Santo Padre chama a catolicidade
inteira aos pés do trono de Maria.
Mas orar não é tudo. “Aquête que nos criou sem
nós, não nos salvará sem nós.” Não salvará Deus a
sociedade, se ela não quiser; e como a sociedade é
composta de indivíduos, o Soberano Pontífice quer
prosseguir antes de tudo na reforma destes. Refor­
mando-se o indivíduo, reforma-se a família, reforma-
se o casamento, reforma-se a educação, o capitalista
e o proletário se reformarão, a sociedade reformar-
se-á; ela poderá contrapor uma barreira ao trabalho
do laicismo, subterrâneo, destruidor, satânico, que se
faz por tôda parte e em grande escala. Eis aí tôda
a gênese dos atos pontifícios de Leão XIII, digno da
divisa que lhe foi atribuída: Lumen in caelo.
E como fazer-se a reforma do indivíduo? — Pela
volta ao Evangelho, ao espírito do cristianismo, ao
fervor das primitivas eras da fé. Por êste motivo, o
Soberano Pontífice, na sua Encíclica Auspisato con-
cessum est, na sua Constituição Misericors Dei Filius,
e na sua Encíclica Uumanum genus sobre a Maço-
naria, e também com recomendações incessantes, apre­
sentou a Ordem Terceira de S. Francisco a todos os
católicos de boa vontade como o meio mais eficaz
de reagir contra o espirito mundano e fazê-los voltar
à forte piedade da Igreja primitiva.
30 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

E' necessário remontar ao passado, relembrar a mis-


são de Francisco de Assis, a oportunidade da sua obra
e as analogias que existem entre os séculos XIII e o
XX, no mal e no remédio a se opor ao mal.
Uma noite, dormindo o Papa Inocêncio III no palá­
cio de S. João de Latrão, viu em sonho a Basílica
em perigo de ruir, quando surge um homem que sus­
tenta com os seus ombros as muralhas. Êste homem,
coberto com os andrajos da pobreza, não era outro se­
não Francisco de Assis.
Atravessava então a Igreja uma crise terrível.
No tempo das Cruzadas, o luxo e a corrupção orien­
tais tinham penetrado a Europa cristã. A simonia e
devassidão desolavam o santuário; pretensos reforma­
dores denunciavam o escândalo, aproveitando-se des­
sas desordens para introduzir na Igreja o cisma e a
heresia; os povos se sublevavam; reinava por tôda par­
te a guerra, a anarquia, rios de sangue eram derra­
mados; e no meio das guerra3 intestinas, os turcos
ameaçando invadir a Europa inteira para arvorar o
crescente sôbre as ruínas do cristianismo. O que fo*
ram então S. Francisco e a sua primeira Ordem? —
Jesus Cristo e os Apóstolos voltados à terra, o Evan­
gelho "praticado deveras”, o espírito evangélico re­
novado e infiltrado nas massas.
Francisco fundou uma segunda Ordem que terá a
missão de orar nas alturas da penitência e da con­
templação, para êstes pacíficos conquistadores.
Mas o impulso dado por Francisco de Assis ao sé­
culo xm não parou aí,
"Não se imagina — diz Leão XIII (Encidica Auspi­
ca to) — com que ardente simpatia, com que impe­
tuosidade precipitava-se a multidão para Francisco.
Por tôda parte aonde ia, era seguido por grande con­
curso de povo, e não raro acontecia^ quando estava
nas aldeias e também nas cidades, virem pessoas de
todas as condições pedir-lhe admissão na sua Ordem."
£' conhecido o entusiasmo com que as multidões
se alistaram sob o estandarte da Ordem Terceira e
o proveito que tiraram. Os Terceiros espalharam-se
por tôda parte e constituíram o fermento divino que
lèveda a massa. Sempre mai3 numerosos, puderam na
PRÓLOGO 31

Itália frustrar os maus intentos de Frederico II, Im­


perador da Alemanha, que nessa época fazia guerra
encarniçada à Santa Sé; a tal ponto, que o chanceler
dêste príncipe, assustado com esta instituição que des-
bastava as fileiras de todos os partidos, queixou-se ao
seu senhor que a obra de Francisco de Assis tinha
concorrido mais para derrubar o seu partido no Mi-
lanês, do que poderíam fazer numerosos exércitos. De
sorte que pola sua obra foi o Seráfico Francisco a
providência e o sustentáculo da Igreja no século XIII
e ao mesmo tempo o grande regenerador do mundo.
O efeito produzido pelo Patriarca de Assis, já o
disse uma vez o Vigário de Jesus Cristo, pode repe-
tir-se em nossa época que tem tantas analogias com
o século XIII. Nós temos as 'mesmas desordens dêsae
século XIII excetuando a brutalidade e selvageria
cruel. (1) A urbanidade de maneiras, fruto de vinte
séculos de cristianismo, dá idéia enganadora da ver­
dadeira situação. Não temos como então a franque­
za no mal que determinava grandes reações e gran­
des santidades. Estamos longe de ter a fé viva que
existia então por tôda parte e semeava remorsos nos
campos dos crimes.
A fé esvai-se... Parece não estamos longe da épo­
ca de que fala Nosso Senhor; “Quando vier o Filho
do Homem, julgais vós que achará Êle alguma fé na
terra?” (Lc 18, 8.) Educa-se a mocidade sem Deus.
A idade madura só se ocupa com os negócios. De­
pois de se ter esquecido de Deus durante a vida in­
teira, a velhice, nos umbrais da eternidade, esquece-
lhe cuidar de si mesma. E o que são, diante de tantos
males, a maioria dos homens, tidos por cristãos? Um
mixto de princípios mundanos e de práticas religio­
sas. Sofrem de incapacidade. Assim a fé, como a se­
mente do Evangelho, cai no caminho; e, quando se
pen3ã que está confiada à boa terra, muitas vêzes caiu
em “terreno pedregoso e coberto de espinhos”.
Sem dúvida existe na sociedade — à semelhança do
viajante do Evangelho que jazia no caminho, despo-
1) Tivesse o Autor escrito hoje (1&43Í! e nem essa ex­
ceção teria de abrir em sua analogia.
32 ORDEM TERCEIRA FRANCISCÀNA

jado pelos ladrões, crivado de feridas, meio morto,


semivivo relicto (Lc 10, 30) — ainda algum resto de
vida. Nunca faltaram santos à Igreja de Deus; ain­
da existem católicos dignos do nome; existem Padres
santos, Religiosos cheios de fervor; há obras, esfor­
ços generosos, heróicos mesmo, de muitos. Mas é pre­
ciso coligar tôdas estas vontades. Quem o fará? Quem
as reunirá para fecundá-las e fortalecê-las, em vir­
tude da própria união? Ainda uma vez o Papa apre­
senta a todos os católicos de boa vontade a Ordem
Terceira de S. Francisco qual meio o mais eficaz para
a regeneração individual e coesão, necessárias para
resistir ao mal e saber tirar todo o bem possível.
Aí nos êle diz com o Apóstolo: “Não vos confor­
meis com êste século” (Rom 12, 2), mas restabelecei
em vós o espírito da vossa primeira vocação; voltai
ao espírito cristão. Mostrai-vos, ao século presente
que se tornou pagão, como os primeiros cristãos diante
do paganismo romano.
Capitulo I
A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO
E A
VOLTA AO ESPÍRITO DE AFASTAMENTO
DO MUNDO
EM QUE CONSISTE ÊSTE AFASTAMENTO. — O BEM-
AVENTURADO JACOFONE DA TO Dl NUMA SALA. —
SABER ATUAR DE MODO DIFERENTE DO MUNDO.
— SEPARAR-SE DOS OUTROS, DIVERGIR DOS OU­
TROS. — SINGULAR 12AR-SE, SE FOR PRECISO, QUAN­
DO OS PRINCÍPIOS ASSIM O EXIGIREM. — O QUE
NOS PREGA O HABITO DA ORDEM TERCEIRA.

0 espirito dos primeiros cristãos era de afastamen­


to do mundo, dos seus costumes e máximas. Tinham
ouvido esta palavra de Nosso Senhor: "Não vim tra-
zer-lhe paz, mas a espada + + í Porque vim separar”
(Mt 10, 34); e esta outra de S. João: "Não ameis ao
mundo nem ao que há no mundo. Porque tudo o que
há no mundo é concupiscência da carne, concupiscên-
cia dos olhos, soberba da vida.” (1 Jo 2, 15.) Tam­
bém constituía o nome de cristão o motivo principal
que alegavam os Padres da Igreja primitiva para afas­
tar os fiéis dos perigos do século. "Somos cristãos!
— dizia Tertuliano; — eis aí por que não vamos ao
teatro.” Esta austeridade de princípios, que não ex­
clui os prazeres legítimos e divertimentos honestos,
é necessária hoje mais do que nunca. Em nossos dias
é impossível ao cristão ser fiel à sua bandeira, se não
estiver resolvido a mil separações.
Deve afastar-se da Maçonaria que enleia o mundo
inteiro numa rêde forte e astutamente organizada;
separação que será difícil em certas circunstâncias e
em certos meios, e que os propagadores de "liberda­
de e fraternidade” castigarão lançando o boicote ao
seu comércio e indústria pelo isolamento que se fará
em tômo da sua pessoa, pelos sarcasmos que se ja-
Espírlto da O T — 8
Ã4 ORbEM TERCEIRA FRANCISCANA

mala acabarão. Deve fugir da indiferença geral, da


incredulidade, ora polida, ora grosseira. E' preciso en*
frentar generosamente as tempestades da opinião e
a tirania do maldito “respeito humano". Devem evi­
tar-se leituras malsãs, romances escandalosos, realis­
tas, que inundam o mundo em todos os sentidos; es-
S&3 f&lhas anticristãs que transpiram ódio a Deus e
ao Padre e que se alimentam só de escândalos; os jor­
nais mundanos, que têm a desgraça de serem apre­
ciados por grande maioria, jornais tanto mais perigo­
sos quanto pertencem a todos os matizes e a todos
os princípios.
A cristã dos nossos dias deve afastar-se, e às suas
filhas, do luxo que tudo invade, das modas insensa­
tas que parecem ter um só fito, o de parodiar a obra
de Deus; deve evitar os decotes indecentes, as reuniões
levianas, os bailes públicos, que a sociedade organi­
za para socorrer o que há mais lamentável e grandio­
so também nas grandes dores públicas, “com as con­
dolências da dansa."
O Bem-aventurado Jacopone da Tódi entrou certo
dia numa sala magnífica cheia de gente; vendo o
luxo do vestuário das pessoas que aí estavam, os di­
vertimentos com que se entretinham, lançou em tõrno
de si um olhar de espanto; depois exclamou como
se estivesse fora de ei: “Noaso Senhor é um louco,
a Virgem Santíssima uma louca, os Apóstolos são
loucos, todos 03 Santos que estão agora no céu são
uns loucos!” Os assistentes ficam atônitos com estas
palavras. Perguntam ao homem de Deus por que mo­
tivo fala assim. “Nosso Senhor — replica o Bem-aven­
turado, — a Virgem Santíssima e todos os Santos en­
traram no céu pela via dos sofrimentos; enquanto vós
tencionais lá entrar seguindo o caminho dos prazeres
e divertimentos. Ou aquêles foram loucos, ou sois vós
os loucos."
A ironia do Santo não podería ser aplicada a tan­
tos católicos incoerentes com as suas convicções reli-
gioflaa? Apesar de tôda a aua religião, não têm êlea a
ESPIRITO DE AFASTAMENTO DO MUNDO 36
coragem de sacrificar um baile, um sarau, um espe­
táculo, nem mesmo no tempo consagrado especialmen­
te à penitência pela Igreja. Não lhes pergunteis por
que deixam entrar em suas casas tal e tal jornal, que
solapa os princípios cristãos, imiscui-se em todos os
assuntos, falam de coisas fúteis e escabrosas e logo
a seguir de coisas graves, põe a blasfêmia ao lado
do louvor, as torpezas de um baile de máscaras ao
lado da descrição de festas religiosas. Chamam êles de
exagero a austeridade do Evangelho. Inconsequentes
consigo mesmas, são coerentes em se tratando do seu
amor pelo bem-estar. “Os tais não são da linhagem
daqueles, por quem a salvação veio a Israel." (1 Mac
5, 62.) Quando muito saberão salvar o seu cofre.
Voltemos ao espírito de “separação" do mundo que
animava a Igreja primitiva e que constituía um lêvedo
de regeneração e de santidade no meio da corrupção
do império romano. Deve êle animar os Terceiros de
S. Francisco e resume-se nestas palavras da sua Re­
gra: simplicidade de vestuário e mobílias; mesa fru­
gal ; afastamento dos espetáculos perigosos; interdição
de todos os jornais anücristãos, quer o sejam aber-
tamente ou insidiosamente.
Tôdas estas obrigações, devemos dizê-lo, não são
para o Terceiro de obrigação absoluta, senão no que
diz respeito ás imposições da lei de Deus; entretanto
são-lhe lembradas incessantemente pelo seu hábito re­
ligioso. Ouviu-o do representante de S. Francisco no
dia da veatiç&o: “Que o Senhor te dispa do velho
homem e dos seus atos e que Ele desvie teu coração
das pompas do século que renunciaste no dia do ba­
tismo." (Ritual da Ordem Terceira.) Este hábito re­
ligioso, que de si constitui muda pregação, veste o
peito do trabalhador, do pai e da mãe de famitia;
cobre o peito do soldado, do valente capitão e dos
grandes dêste mundo. Padres, Bispos e Cardeais jul­
gam-se honrados de o trazer. Pio IX e Leão XIII
usavam-no sob a batina branca. 0 mesmo fazem seus
sucessores. Reis, Rainhas, Príncipes, homens ilustres
s*
86 ORDEM TERCEIRA FRANCI3CANA
nas artes, na literatura, nas ciências, realçadas pe­
lo gênio em tôdas as suas demonstrações, ufanam-se
de poderem trajar a libré do Pobre de Assis.
Mas não vos esqueçais: noblesse oblige, 0 vosso há­
bito vos está sempre pregando a separação do mun­
do. Desvencilhai-vos do mundo, e lembrai-vos destas
palavras que vos foram dirigidas ao receberdes o há­
bito: "Caríssimo Irmão, recebe a luz de Jesus Cristo
como símbolo da tua imortalidade, a fim de que, mor­
to para o mundo, vivas para Deus.” (Ritual da Or­
dem Terceira.)
Capitulo II

A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO


E A
VOLTA AO ESPIRITO DE PENITÊNCIA
AUSTERIDADE DOS PRIMEIROS CRISTÃOS. — PENI­
TENCIAS DA PRIMEIRA REGRA DA ORDEM TER­
CEIRA. ELAS FORAM SINGULARMENTE DIMI-
NUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO DE LEÃO XIII; RA-
ZAO DEMAIS PARA SER FIEL AOS PRECEITOS DA
IGREJA CONCERNENTES AO JEJUM E ABSTINÊNCIA.
— USAR DA INFLUÊNCIA E DAR EXEMPLO PARA
A PRATICA DÊSTES PRECEITOS. ESPIRITO DE
PENITÊNCIA.

O espírito dos primeiros cristãos era um espírito


de penitência. (1) Vigílias, jejuns e abstinências consti­
tuíam o elemento dos fiéis da primitiva Igreja. O es­
petáculo do Calvário, na sua cruel realidade e influên­
cia forte sôbre as almas, alentava-os para o céu. Sa­
tisfazer às exigências dos sentidos, era para êles pe­
noso encargo.
Estes rigores da Igreja primitiva que foram 'dimi­
nuindo ao suceder dos séculos, recolheu-os o Seráfi­
co Francisco na sua Regra, para conservar no catoli­
cismo almas fortemente temperadas pela penitência,
idôneos para grandes coisas; destarte quis perpetuar,
com a sua família religiosa espalhada nos quatro can­
tos do mundo, um lêvedo sobrenatural de abnegação,
que, misturado à massa, fôsse capaz de preservá-la do
contágio do vício e vivificá-la nas santas energias da
virtude. De forma que, no século XIH, a Regra fran-
ciscana pôde reivindicar uma grande parte de ação
no despertar do espírito cristão que foi e sempre se­
rá sinônimo de abnegação.
Na sua Constituição Misericors Dei Filius, o Vigá­
rio de Jesus Cristo diminuiu grande parte das obri­
gações materiais dos filhos de S. Francisco concer-
1) Voltaremos mais adiante a este importante assunto dà
penitência, quo será considerado sob outro ponto de vista*
38 ORDEM TERCEIRA FRAJÍCISCANA

nentes & penitência: excetuando dois jejuns particula­


res fixados nas vigílias de S. Francisco e da Ima­
culada Conceição; outras obrigações não há senão as
que foram impostas pela lei comum de penitência
cristã.
Aí se reconhece bem o espírito prático do grande
Papa. A abstinência e o jejum são, infelizmente, le­
tra morta para grandíssimo número de cristãos. Mui­
tos que se chegam aos Sacramentos e que não têm
razão suficiente que - os dispense da lei, esquivam-se
com demasiada facilidade das mortificações impostas
pela Igreja, sob o pretexto especioso de exigências
de posição, enfraquecimento geral dos nervos, etc.
Admite-se que a saúde dos homens de hoje não é ge­
ralmente tão forte como a dos de outrora; eis o mo­
tivo por que a Igreja reduziu extraordinariamente o
rigor dos seus jejuns.
Mas por outro lado não é verdade que a saúde se
estrague mais quando nada se recusa aos apetites dos
sentidos? Os excessos da mesa têm feito mais vitimas
do que o ferro mortífero: PIus occidit gula quam
gladius.
■ Digamos, de passagem que se inventou um siste­
ma curioso de desculpas, cujo fim é fugir de mui­
tas responsabilidades: "fraqueza dos nervos, agitação
nervosa”. Duvido muito que êste pretexto tenha acei­
tação perante o tribunal de Deus com o efeito de su­
primir ou diminuir o purgatório de muitos. Quantas
mães de família, cristãs aliás, são as primeiras a dis­
pensar os filhos da abstinência, pela razão que de­
vem auxiliar o crescimento, prevenir uma doença, e
o que mais seja? Certamente a Igreja não é um car­
rasco; ao contrário é Mãe, e Mãe carinhosa; por isso
mesmo quer que os filhos procurem observar as leis
e delas não se julguem dispensados senão quando fôr
bem provado que a penitência material está acima
das suas fôrças.
Proceder de modo diferente não será causa de já
cedo insinuar-se a sensualidade nos corações que de-
•• ESPIRITO DE PENITENCIA sa
- c
veríam ser preparados pela fôrça temperada de ter­
nura? e aos quais, todavia, se poupam -com extremo
cuidado todo esfôrço, sofrimento, sacrifício? Tempe­
ramentos criados e acostumados à moleza, nunca se­
rão caracteres fortes. Nossos antepassados jejuavam
é nós não jeju amos. Somos, acaso, mais fortes do
que êles? nossos braços mais robustos do que os seus?
Ah! são 03 divertimentos, é a falta de abnegação, que
nos matam, e disto nos cão capacitamos...
Outro abuso. Tendo-se dispensa que deixou de ser
legítima, porque cessaram os motivos que a ocasio­
naram, demora-se a voltar à lei, se é que se a ela
volta. Não são êstes fatos esporádicos; infelizmen­
te é a pintura fiel dos nossos costumes cristãos do
século vigésimo. Tem-se bastante saúde para dançar
noites inteiras, com vestuários nocivos à saúde do cor­
po e da alma; toma-se parte em tódas as caçadas e
tôdas as partidas; e não se tem bastante fórça para
fazer abstinência uma vez por semana. Católicos que
se dizem praticantes, convidando-se mutuamente a
banquetes durante a S. Quaresma, pedem dispensa da
lei da Igreja com escandalosa unanimidade. De boa
mente fariam êles revisão do Evangelho, para daí ris­
car a lei da penitência, porque não se adapta aos
seus gostos.
E’ preciso voltar à penitência cristã. Como o sal
conserva a carne, assim a penitência conservará o
nosso, corpo e as nossas almas, na comparação tão
bem achada do Bem-aventurado Frei Egidio.
A Ordem Terceira de S. Francisco, chamada por
excelência a Ordem Terceira da Penitência, deve con­
tribuir em larga escala para renovar na Igreja a mor­
tificação cristã. Eis por que Leão XIII, com o gran­
de senso que caracteriza os atos emanados da Cadeira
de S. Pedro, dispensa os Terceiros dos jejuns que não
estão determinados nas leis gerais da Igreja, a fim
de concentrar na observância das prescrições da pe­
nitência cristã tôda a sua fidelidade, "trazendo-os
dêstç modo para- a prática, tornando-as de novo po­
40 ORDEM TERCEIRA FRAN CISC ANA

pulares pelo crescimento das suas fileiras em tódas


as classes da sociedade/’
Elogia-os, entretanto, se se conformarem com as
disciplinas e as prescrições da Regra primitiva- A
exemplo do Papa incitamos os Tçrceiros a se esfor­
çarem quanto possível por atingir o nível antigo de
sacrifícios e de abnegação. Assim se aproximarão me­
lhor do fervor dos primeiros séculos; servirão os in­
teresses de Nosso Senhor que procura por tôda parte
vítimas que desagravem as ofensas feitas ao seu Pai
e propinem às almas os frutos da sua Paixão; adian-
tar-se-ão com segurança na via espiritual, cujos pro­
gressos são em proporção dos sacrifícios que se
fizerem.
Seja qual fôr a medida das suas mortificações ex­
teriores, jamais esqueçam que — se a penitência es­
piritual, desacompanhada de judiciosa penitência cor­
poral, não é muitas vêzes senão “alma sem corpo”,
isto é, penitência incompleta — a penitência corpo*
ral sem a espiritual é um “corpo sem alma”. Tan­
tos meios, tantas ocasiões de mortificação estão ao
vosso alcance, caros Terceiros, e não pensais em tal!
Como se o lado prosaico da vossa existência impe­
disse o serdes sublimes diante de Deus nas pequeni­
nas ocorrências de cada dia! —
Uma doença, companheira vossa inseparável desde
anos, uma enfermidade secreta, um estado doentio
que vos dá o merecimento do sofrimento sem os be­
nefícios da compaixão, um caráter difícil na convi­
vência de família, — o qual vos a Providência deu,
sempre misericordiosa mesmo quando castiga com pro­
vações que o tempo não diminui — os excessos de
atividade humana, a curiosidade, a vivacidade, a in­
disposição que se devem recalcar: são outras tantas
penitências, outras tantas cruzes talhadas para vós
desde a eternidade pela mão de nosso Pai celestial,
e que descansar querem sobre os vossos ombros para
centuplicar os vossos merecimentos, duplicando em­
bora o fardo desta vida da qual já se disse que “tem
o tédio por fundamento”.
ESPIRITO DE PENITENCIA 41

Não podeis jejuar corporalmente: todos podem sem


exceção praticar o jejum espiritual. Definiram-no as­
sim: Jejunet pes, jeju.net língua, jejunet manus. Fa­
zei jejuar a "vossa língua” tão ávida de palavras,
tão ávida de criticas e de reflexões que ferem as san­
tas delicadezas da caridade, se é que não vão além;
fazei jejuar "a vossa mão” pondo toda a energia no
cumprimento do dever, penoso como fôr; fazei jejuar
“o vosso pé” pela pureza da intenção que traz de­
finitivamente todos os vossos passos para Deus e para
Deus unicamente. Que em cada um dos atos tão nu­
merosos da vossa existência, como na própria existên­
cia considerada ao todo, seja Deus o “vosso ponto
de partida" e o "vosso têrmo". Tereis praticado o
jejum espiritual e tereis merecido que os anjos, que
o próprio Senhor, venham-vos oferecer as consolações
da alma, êste maná delicioso que é a partilha dos
corações generosos.
Nada mais verdadeiro do que esta palavra de S. João
da Cruz: “O homem desceu do trono da inocência pe­
la escada do prazer; não pode lá voltar senão pela
escada do sofrimento.”
Capitulo III

A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO


E A
VOLTA AO ESPÍRITO DE FÊ ESCLARECIDA
IGNORÂNCIA RELIGIOSA DOS NOSSOS DIAS EM CON­
TRASTE COM A Ffi DOS PRIMEIROS CRISTÃOS, ES­
CLARECIDA E ALIMENTADA PELA LEITURA DA ES­
CRITURA SAGRADA. — MUITOS CATÓLICOS PRATI­
CANTES DESCONHECEM A DOUTRINA RELIGIOSA.
— PARA SER CRISTÃO COMPLETO DEVE O TER­
CEIRO SER INSTRUÍDO NA SUA RELIGIÃO. — PRES­
CRIÇÕES DA REGRA SOBRE ESTE PONTO. — SIM­
PLES CATECISMO; CATECISMO DESENVOLVIDO; PA­
LAVRA DE DEUS. — O TERCEIRO DEVE SER BOM
PAROQUIANO; DEVE ASSISTIR DE PREFERÊNCIA A
MISSA DE PREDICA. — OS NOSSOS CONHECIMEN­
TOS DOUTRINAIS DEVEM TORNAR-NOS MAIS ESPI­
RITUAIS; DESENVOLVER A DELICADEZA DA NOSSA
CONSCIÊNCIA.

0 espirito doa primeiros cristãos era um espirito


de reflexão. Um célebre estadista disse: “O que faz
mais falta em nossos tempos, depois da atenção, ê o
respeito." O Espirito Santo já o dissera antes dêle:
“Inteiramente desolada está a terra, porque não há
nenhum que isto considere no seu coração." (Jer
12, 11.)
Só se tem senso e reflexão para as coisas palpá­
veis e que não vão além das coisas comezinhas da vi­
da material; também é grande em tôda parte a igno­
rância religiosa. Não há convicções profundas, porque
não se toma o trabalho de estudar a religião e refle­
tir. Dai a falta de princípios e por conseguinte pou­
cos caracteres, porque, como bem o disse Guizot, “a
fôrça dos princípios faz a fôrça das ações".
Tais não eram os primeiros cristãos. Os "Atos" nos
dizem que êles perseveraram na doutrina dos Apósto­
los. (At 2, 42.) Que quer isso dizer?. Ouviam com
a maior assiduidade os ensinamentos da fé, rumina­
vam-nos em espirito, meditavam-nos em o coração,
digeriam-nos em seu procedimento: eram assim a fé
viva e ativa. “Sois sem. mancha e sem refólho, como
ESPIRITO DE FÊ ESCLARECIDA 48

filhos de Deus — lhes dizia S. Paulo, — irrepreen­


síveis no meio de uma nação depravada e corrompi­
da, onde vós brilhais como astros no mundo.*' (Filip
2, 15.) Tinham convicções religiosas e profundas, pe­
las quais estavam dispostos a tudo sacrificar. Confor­
mando-se com a recomendação do Príncipe dos Após­
tolos, estavam "aparelhados sempre para responder a
todo o que pedisse razão daquela esperança que nêles
havia." (Ped 3, 15.)
Sabe-se com que razões luminosas os mártires de
tôdas as idades, de ambos os sexos e de todas as con­
dições, refutavam as objeções dos cônsules que pre­
tendiam matar a fé nos seus espíritos, para não pre­
cisar matar-lhes os corpos. Sem dúvida, realizava-se
nêlos esta promessa de Jesus Cristo: "E vós sereis le­
vados por meu respeito à presença dos governado­
res e dos reis, para lhes servirdes a êles e aos gen­
tios de testemunho, E quando vos levarem, não cui­
deis como ou o que haveis de falar; porque naquela
hora vos será inspirado o que haveis de dizer, pois
não sois vós os que falais, mas o Espírito do vosso
Pai é o que faia em vós.” (Mt 10, 18.)
Mas também as suas bôeas falaram da abundância
do coração, e certamente não teriam dado a vida por
um princípio que apenas fôsse sentimentalismo vago
do espírito. Quantos mártires dos quais se poderia di­
zer o que a Igreja nos conta de S. Cecília, na come­
moração litúrgica de sua Festa. "A gloriosa virgem
trazia sempre o Evangelho de Jesus Cristo sôbre o
coração; também não cessava, nem de dia nem de
noite, os seus coióquios divinos e a sua oração." No­
te-se a relação que há entre a leitura assídua que S. Ce­
cília fazia do Evangelho e as suas incessantes pre­
ces. Oramos pouco, oramos mal, oramos sem fruto,
somos incapazes de fazer boa oração, porque nos mo­
vemos no vácuo espiritual, num estado vago, indefi­
nido, que paralisa os nossos esforços; porque as nos­
sas orações não têm o seu ponto de partida em con­
vicções fortes, sempre entretidas. Vamos & fonte: leia­
mos o Evangelho. A leitura assídua do Evangelho
transportar-nas-á aos pés de Jesus Cristo, através dos
vinte séculos que nos separam da sua vida mortal;
44 ORDEM TEfcCEIRA FRANCISCANA

reconstituir-nos-á todos oa mistérios da sua vida e da


sua morte; êates gravar-se-ão melhor em nossa ima­
ginação, a nossa inteligência terá um alimento soli­
do, o nosso coração mais facilmente alcançará o seu
objeto* (1)
Mas voltemos ao nosso assunto* A ignorância reli­
giosa 4 grande em nossa época, mesmo era grande nú­
mero de pessoas piedosas que, por causa da sua edu­
cação e instrução recebidas, deveríam, parece-me, co­
nhecer melhor a sua Religião* Com que sustentam o
espírito e o coração? Com mil livrinhos, como os que
há em abundância em nossos tempos: onde não se en­
contra senão sentimentalismo, onde a idéia é pobre,
cujo único mérito é ser atraente para certa classe de
leitores, mas não para um espirito sério. Estas al­
mas superficiais conhecem tôdas as lendas piedosas,
o histórico de tôdas as pequenas devoções — aliás
excelentes quando praticadas no espírito da Igreja;
1) Não insistiremos nunca demais na leitura da Escritu­
ra Santa em geral, e do Evangelho em particular* sob a
direção dos Pastores e dos Padres. Nenhum meio há mais
eficaz para conhecermos c amarmos a Jesus Cristo. Com
a Santíssima Eucaristia* o Evangelho é a rigueza do cris­
tão, que deve sentir-se exilado na terra. Nao nos esque­
çamos do título do capítulo nono do IV livro da "Imitação"
e dos ensinamentos que encerra: "O Corpo de Jesus Cris­
to e a Santa Escritura são necessários à alma fiel."
Por outro lado, como não pode a Escritura Sagrada ser
traduzida em língua vulgar sem certas condições prescri­
tas pela Igreja, aconselhamos Vivamente aos Terceiros a
não lerem indiferente mente todas as traduções da Bíblia
ou do Evangelho, e a consultarem a este respeito os seus
diretores ou confessores. Quem não está habituado desde
a infância ã leitura do Evangelho, a cie o Evangelho às
vêzes pouco interessa, Devemos lê-lo com perseverança;
peçamos à oração a chave das dificuldades que aí possa­
mos encontrar; inler roguem os, se fôr preciso, aquele que
os tá encarregado das nossas almas; e o Evangelho será
o encanto da nossa vida, Tomar-se-á “o tema favorito"
das nossas meditações e o nosso predileto e excelente li­
vro de leitura espiritual.
Na data de 13 de dezembro de 1895, concedeu Leão XIII
uma indulgência de 300 dias a todos aqueles que lerem
com piedade e devoção* durante um quarto de hora, nos
Santos Evangelhos. Indulgência plenária, nas condições or­
dinárias, è concedida a quem fizer esta leitura todos os
dias, durante um mês. Estas indulgências são aplicáveis
ás almas do purgatório,
ESPIRITO DE FÉ ESCLARECIDA 45

mas se forem inquiridos sobre a doutrina cristã, sô-


bre os mistérios de Jesus Cristo, sôbre os privilégios
de Maria, respondem com bastante confusão e sem exa­
tidão. Não têm convicção propriamente dita, ao revés,
muito "sentimentalismo”. Não me admira esta palavra
pronunciada por um Bispo dos nossos tempos: “O
mundo perde-se pela incredulidade e devoçõezinhas.”
“No mais — dia o P. Largent — os vossos conhe­
cimentos dilataram-se; êles têm, se posso dizê-lo, a
idade da vossa razão; e no que trata do único neces­
sário, ficaram talvez na infância. Têm apenas a ida­
de da vossa primeira Comunhão, se é que chegam a
tê-la! Lembrai-vos ainda de todas as fórmulas que
então sabiei9? Compreendeis como então o sentido
delas? Daí vem o perigo de tantas leituras; elas vos
encontram desarmados. Aprendei de novo uma religião
que respeitais, que amais sem a conhecer bastante;
para que esta divina Mãe (a Igreja), ultrajada por
detratores indignos, não tenha, ao menos, a se quei­
xar de ser ignorada pelos próprios filhos.”
O Terceiro deve ser no mundo o cristão completo,
o católico inteiriço. Ora, não poderá ser tal se não
tiver da sua religião conhecimentos proporcionados
à sua condição, à sua inteligência, à sua educação, à
missão que deve cumprir. E como estes conhecimen­
tos devem ser alargados, sob pena de diminuírem e
se enfraquecerem, importa que êle estude os mistérios
da Fé. Não nos referimos a estudos profundos, neces­
sários ao Padre, que tem o ofício de doutor das al­
mas; falamos de estudo relativo, conforme as cir­
cunstâncias das pessoas, dos tempos e dos lugares.
Depreende-se isto da própria Regra. O Seráfico Pai
abre-a nestes têrraos: “Que todos aquêles que forem
admitidos à observância dêste modo de vida sejam,
antes da sua admissão, submetidos a um exame aten­
to sôbre a Fé católica e obediência à Igreja Roma­
na; e, se no procedimento e crença forem firmes e
sãos, quanto a êste ponto, poderão ser admitidos e
recebidos sem receio nesta Instituição.” Na sua Consti­
tuição Misericors Dei Filias, exige Leão XIII esta fé,
professada plenamente e regulada de conformidade
com as doutrinas da Igreja Romana, Mãe e Mestra
46 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

de tôdas as igrejas, como condição indispensável para


a Admissão, a chave que deve abrir as portas à Or­
dem Terceira Franciscana: “E‘ proibido admitir-se...
um membro * * * do qual não seja notória a exata prá-
tica da Fé católica e provada a submissão à Igreja
Romana e à Sé Apostólica.'1 Se Leão XIII não fala
em termos formais do exame da Fét exigido no tex­
to de S. Francisco, se já caiu em desuso este exame
em certos lugares, onde há outros meios de se conhe­
cer e provar a convicção dos postulantes a respeito
da Fé católica, não deixa de ser verdade que, em
todos os textos, está mencionada a necessidade de ter
o Terceiro noções suficientes da sua Religião, exatas
e conformes com a santa doutrina e as tradições da
Igreja Romana. Esta condição não será realizada, se
não houver convicções religiosas. Também convicção
pressupõe reflexão assídua, e a reflexão pressupõe o
estudo, como á chama pressupõe o seu alimento.
Mas que alimento dar & nossa Fé?
Na sua Constituição Miserícors Dei Fiiius, Leão XIII
proíbe aos Terceiros qualquer leitura que lhes possa
fazer mal: “Êles não devem consentir que entrem em
suas casas livros e jornais que possam afetar de al­
gum modo a virtude e proibirão estas leituras aos seus
subordinados." E* verdade que o espírito não pode
jejuar, tem atividade e necessidade de conhecimen­
tos e de distrações que é preciso satisfazer. O que pôr
no lugar desses jornais levianos, ímpios, dêsses ro­
mances, dêsses livros que atacam a Fé com fúria, re­
vistas de formato grande ou pequeno que blasfemam
aquilo que ignoram? Leituras recreativas sem dúvida,
leituras divertidas que não atacam a Fé nem os cos­
tumes; mas que sejam também leituras substanciais,
capazes de alimentar as nossas crenças e de nos su­
gerir a palavra oportuna para dissipar tantos precon­
ceitos que se nos deparam no caminho, e fazer calar
tantas blasfêmias que têm campo livre, porque não
se sabe refutá-las. Repassemos o nosso catecismo, o
livro de ouro, onde, segundo o pensamento de Bossuet,
a sabedoria eterna transformou-se em leite para sus­
tentar os filhos. Façamos a leitura dêle uma vez ou
outra; tomarão corpo as, nossas noções religiosas, às
ESPIRITO DE FE ESCLARECIDA 47
vêzes confusas; êle as consolidará. Tudo se fiz para
tirar o catecismo das crianças e para fazê-lo desapa­
recer da escola. Voltemos ao catecismo, para reapren-
dê-lo, ensiná-lo aos nossos filhos, aos nossos criados;
e se tivermos vagar e alguma inteligência, se tiver­
mos em nossos corações uma centelha de amor por
Jesus e de zêlo para as almas, tornemo-nos catequis-
tas; ponhamo-nos às ordens dos nossos Vigários, dos
nossos Pastores, para levar o ensino do catecismo ao
casebre do pobre, à oficina, às águas-furtadas, por
tôda parte onde houver ignorância para instruir, uma
primeira Comunhão para preparar, obstáculos a afas­
tar. Oh! como estas palavras do Espírito Santo ser­
vem para os catequistas dos nossos dias, em tõda a
sua fôrça consoladora: “Os que tiverem ensinado a
muitos o caminho da justiça, êsses luzirão como as
estrelas por tôda a eternidade.** (Dan 12, 3.)
Temos tempo a nosso dispor e suficiente cultura in­
telectual? Estudemos nas nossas horas sérias, so­
bretudo aos domingos, o catecismo comentado e argu­
mentado, para que se alarguem os horizontes dos nos­
sos conhecimentos e crescerá a nossa fé, ao espetá­
culo das suas encantadoras belezas e das admiráveis
correspondências com as nossas aspirações e as nos­
sas necessidades. Leiamos com amor o catecismo do
Concilio de Trento, que é exposição clara, completa
e magistral da doutrina católica. Perguntemos a um
Padre esclarecido, aos nosso3 Pastores, a um homem
sério, quais os outros livros ao nosso alcance que
melhor possam servir para aprofundarmos a nossa
Fé. Sobretudo é preciso ler o Evangelho; que êle te­
nha o lugar de honra em nossas meditações e em
nossas leituras. Peçamos ao Espírito Santo que nos
abra o entendimento (Lc 24, 45), que nos inflame de
amor pelo “belo** e pela "verdade** que decorrem des­
ta fonte. Fossamos, interrompendo a leitura, excla­
mar: “Oh! como é belo, oh! como é bom__" Tan­
tas vêzes fazemos esta exclamação diante de um qua­
dro que nos encanta ou quando uma harmonia nos
faz exultar de prazer. Oxalá pudéssemos sentir as
mesmas alegrias e experimentar a mesma admiração
à leitura da Escritura Sagrada, carta divina que o céu
4S ORDEM TERCEIRA FRAN CISCAN A

mandou à terra — disse um santo Padre, — para entre­


vermos Deus; porque tudo quanto está escrito, para
o nosso ensino está escrito; a fim de que pela pa­
ciência e consolação das Escrituras, tenhamos espe­
rança. (Rom 15, 4.) Os primeiros cristãos “perseve-
ravam na doutrina dos Apóstolos/* E nós também ou­
çamos assiduamente a palavra de Deus que nos é dis­
pensada pelo ministério doa Padres.
"A fé transmite-se pelo ouvido”, diz S. Paulo. (Rom
10, 17.) A palavra divina anunciada do alto dos nos­
sos púlpitos cristãos, qualquer seja a sua forma ou
merecimento humano, é o veículo da doutrina angéli­
ca, o meio de renovar e de fortalecer as nossas con­
vicções religiosas, meio ao alcance de todos, tanto do
ignorante como do sábio, do pobre como do rico. Nós
sabemos com que devoção ouvia o nosso Seráfico Pai
esta Palavra. Escreveu-se de Santa Clara que ao ou-
vi-la, colhería ela rosas nos espinheiros. Sigamos o
seu exemplo. “Seja de ouro ou de barro o canal —
dizia nosso Irmão, o Santo Cura de A rs, — ê sem­
pre igualmente boa a água que conduz." Isto quer
dizer que a palavra do Padre tem sempre direito à
nossa veneração e à nossa docilidade. Seja ela sim­
ples, vulgar, sem arte, até defeituosa no ponto de vis­
ta humano, a verdade divina digna-se incarnar-se de
qualquer modo sob as roupagens da impotência hu­
mana. Dizei-me se desprezais a Jesus, sob pretêxto
que £Ie está completamente oculto sob as aparên­
cias do pão e do vinho na Eucaristia, para dar-se
a nós do modo mais íntimo, fazendo-nos, todavia, pas­
sar pela provação da Fé? Antes pelo contrário, por­
que Jesus Cristo na Eucaristia fêz o “nada”, se ouso
dizer, Êle deve ser “tudo*’ para nós, deve encantar
todo o nosso amor. Assim, respeitemos a palavra do
Padre, apesar dos possíveis defeitos da forma, por­
que é e sempre será o invólucro da verdade divina.
O Terceiro de S. Francisco deve ser por excelên­
cia o bom paroquiano. Não deve ir atrás dos sermões
da moda. A predica, a simples prédica da fregue­
sia, deve ter para êle uma atração que os anos não
diminuam. Quanto mais simples e áustera fôr a pa­
lavra de Deus, melhor entrada terá na sua alma, ai
ESPIRITO DE FE ESCLARECIDA 49

deixando impressões mais duradouras. Deve assistir,


se puder, ao catecismo de perseverança: será o meio
de edificação das almas, de tornar a aprender aquilo
que tanto se esquece ao contacto do mundo e seus
preconceitos; de saber melhor o que deve ensinar aos
outros em muitas ocasiões: aos filhos, aos criados,
a todos os que a Providência confiou à sua solicitu­
de. Não se esqueça que as almas vulgares são leva­
das só pelas aparências e pela forma; são atraídas
pelo disfarce e pelo exagêro. As grandes almas, pelo
contrário, preferem a naturalidade e as coisas sim­
ples. Assim compreendamos a Palavra de Deus, e for­
memos juntos uma legião de cristãos sérios, conven­
cidos, esclarecidos por essa Religião forte que não
deve ser diminuída pelas devpçõezinhas, boas no fun­
do, mas que por mal entendida piedade são preferi­
das à Religião sólida e essencial.
Acrescentarei tuna reflexão mais. Algumas almas
há que nunca poderão ter senão a fé "do carvoeiro”.
Gente sem descanso, sem instrução, sem tempo, po­
de apenas seguir o que lhe foi ensinado; é incapaz
de analisar a luz divina que a cerca. Há alguns anos
apenas, tinha sido condenado à morte um humilde
cristão de Cochinchina por não querer trair sua Fé.
Os pagãos zombaram da sua ignorância e incapaci­
dade em responder às objeções que se lhe faziam con­
tra a natureza do seu Deus, da sua obstinação, so­
bretudo, em querer morrer por um Deus que êle não
sabia definir. Êle respondeu: "Numa família onde são
numerosos os filhos, têm alguns a inteligência desen­
volvida, outros estão apenas na adolescência, outros
são ainda pequenos, mas todos amam ao Pai, apesar
de não o conhecerem todos igualmente. 0 mais ve­
lho saberá dar informações sôbre a sua pessoa, sô-
bre o seu caráter, sôbre os motivos que tem de amá-
lo. Quanto aos pequeninos, até ignoram o seu nome.
O que sabem é que êle é o Pai, que os ama, e é por
esta razão também que lhe retribuem o amor con­
fiando nêle com uma ternura nunca enganada.”
Sim, Deus é fiei à sua palavra; e para exaltar os
humildes, fará milagres, quando fór necessário. Mas
o provérbio “Ajuda-te que Deus te ajudará” sempre
Eaplrtto da O T — 4
60 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

aeri a lei geral, e o orvalho do céu não dispensará nun­


ca o lavrador de dar à terra o suor da aua fronte.
Assim, pela fôrça da fé e pelas convicções firmes
sempre renovadas, deve ser o Terceiro, a exemplo dos
primeiros fiéis, um homem refletido. Mas essa refle­
xão êle a deve exercer não somente sôbre o dogma,
na medida das suas faculdades intelectuais; deve tam­
bém, deve sobretudo exercê-la no tocante à moral,
e, falando mai3 claro, sôbre a sua consciência indi­
vidual, onde existem, já por intuição, tôdas as pres­
crições da lei divina. S. Francisco exige que os seus
filhos façam todos os dias o exame de consciência.
£le quer que todos os dias se ponham em presença
de Deus e de si mesmos, que furtem um instante às
ocupações da vida e ao turbilhão do mundo, para se
examinarem sôbre a' grave questão que deve ter pri­
mazia sôbre tôdas: “a salvação**. Quem em nossos
dias procura refletir em proveito da sua alma? Quem
considera, na prática, sua alma de alguma importân­
cia; ela, entretanto, que domina tôdas as coisas e só
é dominada por Deus? Só se cuida do que está pa­
tente, só se concebe o que entra pelos olhos.
Voltemos ao exame de consciência; é preciso fazê-
lo tôdas as noites, sob as vistas do crucifixo, antes de
terminar o nosso dia e irmos descansar. Não nos con­
tentemos só com orações de viva voz, que às vêzes
não dão a Deus nada de nós mesmos. Penetremos,
pela reflexão, no mundo da Fé; organizemos a nos­
sa vida tendo em vista Deus e a eternidade’; não nos
queixemos dos poucos instantes que é preciso dar to­
dos os dias para êste negócio grave. O exame de
consciência nos leva aos pés dAquele que "sonda os
corações e as entranhas” (SI 7, 10), que "julga as
justiças", que julgará os vivos e os mortos. O exame
de consciência faz-nos perscmtar o nosso coração, des­
vendando os nossos pecados, fraquezas e tendências;
assim nos premune contra as surpresas da morte sú­
bita, nos alenta e nos dispõe a todos os sacrifícios,
nos iembra praticamente as verdades últimas das quais
disse o Espírito Santo: “Em tôdas as tuas obras, lem-
bra-te dos teus novíssimos e nunca jamais pecarás."
(Ecli 7, 40.)
Capitulo IV
A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO
E A
VOLTA AO ESPÍRITO DE ORAÇÃO
A ORAÇAO DOS PRIMEIROS CRISTÃOS. — S. FRAN-
crsco QUER RECONDUZIR OS SEUS FILHOS AO PRI­
MITIVO FERVOR. — O OFICIO. — NAO SE ENVER­
GONHAR DA ORAÇAO EM PUBLICO. — ORAÇAO EM
COMUM NA FAMÍLIA. — A ORAÇAO POR EXCELEN-
CIA: COMUNHÃO FREQUENTE, — MISSA COTIDIANA.

O espírito dos primeiros cristãos era um espírito de


oração. — Tinham-se conformado com esta recomen­
dação do Apóstolo aos Efésios: “Enchei-vos do Espí­
rito Santo, falando entre vós mesmos em salmos, em
hinos e canções espirituais, cantando e louvando o Se­
nhor em vossos corações." (Ef 5, 18-19.) Conta-nos
Tertuliano que os cristãos dos primeiros tempos ti­
nham por hábito rezar de. joelhos; que desempenha­
vam êstes piedosos exercícios três vêzes por dia, à
têrça, à sexta e à nona hora; que rezavam com as
mãos estendidas em forma de cruz, selando com o
beijo de paz a oração que termina com a palavra “ale­
luia”. Sabemos também que nos séculos seguintes iam
os fiéis de dia e de noite às igrejas, para tomarem
parte nas preces públicas dos seus Padres quando re­
zavam o Oficio divino. Inspirando-se nestes usos pri­
mitivos que êle quis perpetuar na sua vasta família
espiritual, o Seráfico Francisco impõe a todos os fi­
lhos a obrigação de um ofício, que tornou muito leve.
Quem não tiver tempo nem bastante instrução para
adotar o Breviário, como o rezam os Padres e os Re­
ligiosos, pode rezar o Ofício da Santíssima _Virgem
ou mesmo os doze Pater, Ave e Gloria que Leão XIII,
na sua Constituição Misericors Dei Filias, dá como
equivalente do Ofício.
Reparta pelas horas do dia esta oração da Regra,
à qual a Igreja confere a dignidade de oração ofi­
cial e pública. Que o vosso Ofício, qualquer seja a
sua forma, seja a cadeia de ouro que vá prendendo,
4*
S2 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
enlaçando, tôdas as vossas horas e oa vossos minu­
tos, as vossas ocupações e distrações, as vossas tris­
tezas e as vossas alegrias, para com elas fazerdes um
hino que esteja ainda cantando aos ouvidos de Deus
quando os vossos lábios calarem. Que nunca pelo há­
bito se torne enfadonho. Que a presença de Deus im­
peça a precipitação e os escolhos da monotonia. Que
a união com Jesus Cristo o levante até Deus como
o eco da própria voz e como nuvens de incenso.
O século XX é um século que se envergonha da ora­
ção, quando ela quer subir do coração aos lábios. A
Regra franciscana reage contra o respeito humano que
vai secar a graça na sua fonte; ela prescreve a oração
antes e depois da refeição. Foi sempre costume da
Igreja primitiva, como se depreende das epístolas de
S, Paulo, onde vemos que todos os que divergiam na
questão de saber se tais ou tais alimentos eram per­
mitidos, todos estavam de acôrdo quanto à ação de
graças. (Rom 14, 6.)
Pode dizer-se dos primeiros cristãos que cada uma
das suas casas era um templo cujo pontífice era o
pai 'de família. Para êles a oração em comum tinha
a mesma importância que a mesa em comum; consi­
deravam a primeira tão necessária como a segunda.
Êles bem sabiam que a participação da mesma refei­
ção é o laço que mais une a família; igualmente a
participação de todos à mesma oração é o meio mais
eficaz, e ao mesmo tempo a melhor salvaguarda, da
união das almas e dos corações. O liberalismo inva­
diu um grande número de católicos modernos. Êles
querem a oração em particular, têm antipatia pela
oração em comum; como se a participação do mes­
mo dever de religião nos devesse envergonhar!
Não o esqueçamos nunca: se a sociedade deve a
Deus homenagens públicas: pois que constitui um cor­
po moral criado pelo próprio Deus, e se o primeiro
dos deveres é a oração em público, a família, ainda
mais diretamente criada por Deus e constituindo a so­
ciedade pela multiplicação de si mesma, não pode,
não deve abster-se de honrar a Deus, como família.
Ora a oração em eomum é o ponto de encontro de
tóda a família, sob as vistas do Pai celestial, “do qual
ESPIRITO DE ORAÇAO 08

tôda paternidade toma o nome noa céua e na terra.”


(E£ 3, 15.) Possam os nossos Terceiros '‘introduzir”
esta oração onde não é conhecida, “restabelecer” a
sua prática onde deixou de ser usada, Façam isto,
entretanto com o jeito e a doçura que tem o privilé­
gio de tornar leve o jugo da religião; saibam esperar
o momento favorável; procedendo assim estarão no
espirito da sua Regra e muito terão merecido de Je­
sus Cristo, cujo Reino devemos dilatar, interiormente
e exteriormente, “à custa dos nossos braços e do suor
do nosso rosto".
Esta oração em comum traz em si a sua própria
recompensa. Faz resplandecer, aos olhos dos filhos e
dos criados, uma luz divina na fronte dos pais e dos
amos. Consagra a autoridade, enobrece a obediência,
é bálsamo para mil dores comuns, é o encanto do pre­
sente, premune as almas contra as surprêaas do fu­
turo. No coração do moço e da moça que tiverem mo­
mentos de fraqueza e de esquecimento, produzirá re­
morsos que talvez um dia levantarão o que estava
caído e conduzirá ao bem o que se tinha afastado dêle.
Assim realizarão os Terceiros esta palavra de Leão
XIII: "Nas suas famílias devem os Terceiros esforçar-
se por dar o bom exemplo, na prática dos exercícios
de piedade e das boas obras."
Mas a mais excelente de tôdas as orações, a que
engrandece e transforma o homem, aquela que o “pre­
serva" do mal e o “conserva" no bem, aquela, cuja
“promessa” ou apenas “lembrança” basta para o man­
ter sob o jugo da virtude, é a Comunhão. Os primei­
ros cristãos faziam-na tôdas as vêzes que assistiam
à celebração dos Santos Mistérios. E quando previam
não poder descer tão cedo às catacumbas, ao saírem
das assembléias, levavam para o Santuário do lar do­
méstico uma provisão de hóstias consagradas, privi­
légio tão justamente merecido que a disciplina dos
primeiros tempos concedia à sua Fé e ao seu valor.
Eles podiam desafiar o martírio. Não havia dia em
que Jesus Cristo não se desse a êles na intimidade
iuebriante da Comunhão. Não havia dia em que não
estivessem prontos a se darem a Êle, derramando o
sangue ou aceitando o mais cruel martírio.
64 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
A Regra franciscana não se esquece destas tradi*
ções e exemplos. Bem longe disto; impõe a^lei da Co­
munhão mensal; e através da letra da lei é fácil adi­
vinhar-se o espírito. A Comunhão do mês não é limite
para o nosso fervor, é apenas limite da nossa tibie-
za. Comunguemos todos os dias, se fôr possível; pelo
menos vivamos de tal modo que mereçamos receber
todos ps dias o divino beijo de Jesus à alma fiel. Foi
fazendo-se carne que o Filho de Deus veio assenho-
rear-se de nós; nós, ao nosso turno, devemos apos­
sar-nos d Ele pela carne. Esta carne eucaristica que,
ao invés da carne humana, vivifica o espírito, é nos­
so bem e nossa propriedade; o Batismo nos dá êsse
direito. Usemos o mais possível dos direitos do nos­
so Batismo, comamos êste Pão dos filhos; e em nos­
sas mãos, feitas para a luta, Êle colocará espada oni­
potente para subjugarmos os nossos inimigos.
Jesus se dá a nós pela Comunhão, e a Comunhão
nos vem pela S. Missa: ide todos os dias à Missa, se
não puderdes ir à Comunhão; a “Regra” vos obriga
tanto quanto as circunstâncias o permitirem. Ah! sim,
descei da vossa mansarda, da vossa oficina, dos vos­
sos armazéns ou dos vossos salões, para as “catacum­
bas" da reflexão, do afastamento do mundo, da co­
municação com Deus, que são as “igrejas”. Acedei aos
convites de Jesus Cristo, que vos chama ao seu Cal­
vário renovado todos os dias; e voltareis depois às
vossas ocupações, simples ou grandes, prosaicas ou
sublimes, com princípios divinos que divinizarâo tô-
das as situações que tiverdes na existência; ireis co­
mo sempre para os trabalhos, para a agitação, para
tôda sorte de privações, mas não estareis sós, sereis
dois: Deus “e vós".
Capítulo V

A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO


E A.
VOLTA AO ESPÍRITO DE FÔRÇA
INTREPIDEZ DOS PRIMEIROS CRISTÃOS DESCRITA
POR BOSSUET REBAIXAMENTO DOS CARACTE-
RES. — OS TERCEIROS DEVEM SER OUTROS TAN-*
TOS "SOLDADOS DE CRISTO E NOVOS MACABEUS”.
— A ORDEM TERCEIRA, "ARSENAL" DE FORÇA CRIS­
TA: Ê UMA "ASSOCIAÇÃO"; UMA “REGRA"; UMA "ES­
COLA DE FE COMPROVADA". — NO MEIO DOS ES­
CÂNDALOS DO MUNDO, NAO DEVE DESFALECER A
NOSSA FE.

O espirito dos primeiros cristãos era um espírito


de fôrça. Bossuet exclamava em linguagem inimitável:
“Quando viu a Igreja cristãos dignos do nome? Foi
quando perseguida, foi quando lia em todos os postes
sentenças pavorosas contra os seus filhos, e quando
os via em tôdas as fôrcas, e sacrificados em tôdas as
praças públicas para a glória do Evangelho. Nesse
tempo havia cristãos na terra; havia homens fortes
que, endurecidos nas prescrições e nos contínuos alar­
mes, tinham o glorioso hábito de sofrerem para Deus.
files criam ser demasiada delicadeza para os discípu­
los da cruz procurar os prazeres dêste mundo e do
outro. Considerando a terra um exílio, para êles na­
da era melhor do que sair dela o mais depressa possí­
vel. Era então sincera a Piedade, porque ainda não
era uma arte; não tinha ainda aprendido o segredo
das acomodações com o mundo, nem a servir ao trá­
fico das trevas. Simples e ignorante como era, só olha­
va para o céu, ao qual provava a sua fidelidade por
incansável paciência.’*
O que somos em comparação desses heróis dos pri­
meiros séculos? Ouçamos também a águia de Meaux:
“Agora uma longa paz tera corrompido as coragens
másculas. O mundo penetrou na Igreja. Quiseram co­
locar Jesus Cristo ao lado de Belial; e desta indigna
mistura, que raça produziu, enfim? Uma raça mixta
e corrompida, semi-cristãos, cristãos mundanos e se-
66 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

culares; uma piedade bastarda e falsificada, que con­


siste em palavriado e exterioridades contrafeitas * #■ f

Oh! piedade da moda, vem ter comigo, que te expe­


rimente. Eis que se levanta uma tempestade; uma
perda de fortuna, um insulto, uma desgraça, uma doen­
ça. O quê! não te susténs mais, piedade sem fôrça
e sem fundamentos? Ah! eras apenas vão simulacro
da piedade cristã; eras ouro falso que brilha ao sol,
mas que não resiste ao fogo, mas que desaparece no
cadinho * +■Cristãos, se forem necessários os sofrt-
*

mentos para sustentar o cristianismo, o Senhor nos


resütua os tiranos, restitua os Domicianos e os Neros."
Os mil recursos do progresso material, as necessi­
dades fictícias que se criaram em consequência, enfra­
queceram as energias. A fôrça existe hoje só nas má­
quinas e nos instrumentos de combate; desapareceu
dos' caracteres. O oportunismo substituiu os princí­
pios; vivemos de expedientes, de idéias confusas; e,
infelizmente, pode-se dizer de muitos cristãos que
êles se servem de Deus de preferência a servirem a
Deus. Quereis ser fortes, no meio da dissolução que
vos cerca e vos entristece? Entrai para a Ordem Ter­
ceira de S. Francisco; sobretudo assimilai o seu es­
pírito. No século XIII e nos séculos seguintes reuniu
os homens de fé e de coragem; forneceu, quando ne­
cessário, soldados e heróis contra os Turcos, e os Reis
e Imperadores que oprimiam as consciências. Os Ter­
ceiros mereceram muito da Igreja e do Papado, de­
nominando-os Gregório IX com justiça: "Soldadas do
Cristo e novos Macabeus".
A Ordem Terceira é uma “associação”. Ora, “a união
faz a fôrça". Demais, sendo a Ordem Terceira uma
associação externa, “noblesse oblige". Se professardes
esta Instituição sem vanglória como também sem pe­
jo, estais comprometidos, sois forçados a dar o exem­
plo sob todas as suas formas. Sereis homens de ca­
ráter, usareis dignamente do nome de cristão e das
responsabilidades decorrentes.
A Ordem Terceira é tuna "regra”. Como tal, ela
disciplina a vontade, refreia os êrros da natureza, fi­
xa as inconstàncias do espírito humano, distila gota
ESPIRITO DE FORÇA I-
67

a gota sacrifícios sôbre a vida inteira. Eia produz a


fÕrça.
A Ordem Terceira é antes de tudo escola de “Fé
esclarecida”, de “Fé comprovada"; exige dedicação in­
violável à cadeira de S. Pedro: eia a fonte de tôda
a coragem. Aqueles que não conhecem a Religião se­
não de modo vago, não na praticam senão com tibie-
za. Não lastimemos o enfraquecimento dos caracte­
res, digamos antes que nos faltam princípios, que no3
faltam convicções, e estamos com a verdade. Em vez
da clara luz do “sim”, não temos senão um “talvez"
nublado e nevoento. Não sabemos “querer” — diz
o Cardeal Pio, — porque falta-nos saber “ver".
Estai firmes na Fé, portai-vos varonilmente e for­
talecei-vos. (1 Cor 14, 13.) Nada nos deve desanimar,
nem mesmo os insucessos humanos da causa divina
que servimos. Pobres de nós! levamos para as obras
de Deus as nossas idéias entreitas e mesquinhas. Da­
mos tanto, queremos receber outro tanto, e logo a
seguir. Quisêramos assistir ao triunfo da Igreja que,
nos parece, ter já preparado e desejado suficiente­
mente. Paciência! Os séculos são edifício esplêndido,
construído pela mão de Deus, cujo plano realizar-se-á
mau grado, para não dizer, pelo meio de todos os obstá­
culos. Cada geração é camada sobreposta a outra ca­
mada no edifício. E nós, fazendo parte de tai cama­
da, quisêramos ser o remate da obra divina; e não
cuidamos que as nossas idéias, se fôssem aceitas por
Deus, abreviariam e encurtariam a obra. Fiemo-nos
mais no divino Arquiteto. Tornemo-nos somente pedra
escolhida e polida pelo cinzel das provações que não
nos faltam; e um dia, no seio da eterna bem-aventu-
rança, no próprio seio de Deus, gozaremos, enleva­
dos, do conjunto, e não será essa a menor das nossas
alegrias. '
“Mas — dir-me-eis, — somos um punhado, um pe­
quenino número, a lutar contra o mal e os maus.”
Ainda assim, coragem! Fôssemos apenas dois para
dar-no3 as mãos pela causa de Deus, no meio que
nos circunda, seremos nós o protesto do principio
contra a sua violação, e o mal triunfante não pre­
valecerá contra o bem aniquilado.
BS ORDEM TERCEIRA FR ANCISC ANA

Contam que um dia o Senado de Roma foi ao en­


contro de um general vencido para felicitá-lo de não
ter desesperado da República, Não devem as proba­
bilidades de insucesso humano da nossa causa nunca
diminuir o nosso ardor. Jamais desesperemos de Deus;
e quando desaparecer a imagem dêste mundo, Deus
nos dirá como disse a Abraão, que esperou contra
tôda a esperança; "Eu sou o teu Protetor e a tua pa­
ga infinitamente grande." (Gn 15, 1.)
Capítulo VI

A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO


E A
VOLTA AO ESPIRITO DE CARIDADE
CARIDADE SUBLIME DOS PRIMEIROS CRISTÃOS;
DESPOJAMENTO EM PAVOR DOS NECESSITADOS:
DEVE O EXEMPLO DELES INSPIRAR O TERCEIRO.
— O QUE DIZ LEÃO XIII DA AÇÃO DA ORDEM TER-
CEIRA A FAVOR DA CARIDADE E DA PAZ PÚBLI­
CAS. — "FRATERNIDADE" SENHA ENTRE NOS E PA­
RA OS DE FORA. — RICOS E POBRES. — S. PEDRO
DE ALCÂNTARA E O CAVALEIRO ESPANHOL. —
"TORNEMO-NOS MELHORES E O MUNDO IRA ME­
LHOR."

O espirito dos primeiros cristãos era um espirito


de caridade. Deus, dizia o Apóstolo a Timóteo, "não
nos deu um espírito de pusilanimidade, mas de forta­
leza e de Caridade.*' (2 Tim 1, 7.) Consultemos os
Atos dos Apóstolos, e vejamos como os primeiros cris­
tãos, pela prática da caridade, desconhecida do pa­
ganismo, são para os Terceiros exemplo a imitar:
“Todos os que criam estavam unidos e tinham tôdas
as coisas em comum.” (At 2, 44.) A exemplo deles,
devem os Terceiros gostar de se reunir. Devem ser
fiéis à reunião do mês e a tôdas as assembléias por
motivo de Missa, visitas, retiros. Devem gostar de se
reunir debaixo do Estandarte ou da Cruz da Ordem
Terceira, nos funerais dos Irmãos ou das Irmãs; “to­
dos” se reunam aí, quanto possível, ricos e pobres. Fa­
rão caridade às almas do purgatório, serão o exem­
plo da sua Paróquia, chamarão as almas para a Or­
dem Terceira, estreitarão, sobretudo, os laços que de­
vem uni-los entre si.
Mas "tudo entre êles era comum”. Assim tiveram
os primeiros cristãos a vida em comum; viveram no
mundo como religiosos e, segundo o dizer de S. Je-
rônimo, de S. Agostinho e de S. Basüio, colocaram
dêste modo os fundamentos da vida religiosa própria-
60 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

mente dita. E’ verdade que as circunstâncias e a si­


tuação em que vivem os cristãos do XX século não
são as mesmas. De resto, multidão de almas, designa­
das por vocação especial, deixam o mundo para consti­
tuírem santas legiões e levarem a vida em comum
em tôda a sua perfeição. Não deixa de ser verdade
que o Terceiro de- S. Francisco deve aproximar-se dês-
te ideal da Igreja primitiva no que fôr compatível
com os deveres do seu estado e da situação que tem
na vida. O Terceiro é "o religioso no mundo”: êle
nunca se convencerá bastante disto. Não tem um há­
bito pobre e austero, que lhe prega a simplicidade
cm tudo, o desprendimento da terra, a necessidade
da mortificação? Se, antes de entrar na Ordem Ter­
ceira, não se despojar de todos os seus bens como
o religioso chamado a viver no claustro, deve fazer
o seu testamento em tempo oportuno. Lembrar-se-á
que é peregrino na terra, não tem aqui morada per­
manente; deve servir-se da sua fortuna e dos seus
bens, como quisera tê-lo feito no momento de pres­
tar contas ao Juiz supremo. Mas voltemos ao texjto sa­
grado. (At 2, 32-35.)
Do Terceiro que vive no mundo não se exige a su­
blimidade de desapego e de caridade que é a par­
tilha do Irmão Menor, depois de ter sido praticada
pelo3 primeiros fiéis. Mas no que fôr possível, deve
ser santamente predigo no cumprimento de tôdas as
boas obras. Deve dar, todos os meses, a coleta das
esmolas, na medida das suas posses, para as obras,
para os pobres e para os diversos encargos da Fra­
ternidade, lembrando-se destas palavras de S. Pau-
lo: ''Aquele que semeia pouco, também segará pou­
co; e aquele que semeia em abundância, também se­
gará em abundância. Cada um dê como propôs no
coração, não com tristeza, nem como por fôrça; por­
que Deus ama o que dá com alegria.” (2 Cor 9, 6-7.)
Notemos estas palavras: "Repartia-se por êles em par­
ticular, segundo a necessidade que cada um tinha.”
(At 4, 35.) Organizemos a nossa generosidade, com
ESPIRITO DE CARIDADE 61

prudência, procuremos saber a quem a fazemos, so­


bretudo quando se trata de dar socorros para os de
fora do nosso circulo.
Entretanto, lembremo-nos que tratando-se de Cari­
dade, antes pecar pelo "excesso*' do que por “omissão".
Assim os primeiros cristãos, plantaram no mundo
os germes de Caridade para os miseráveis de tôda
sorte, de respeito para tôdas as condições, de mise­
ricórdia para todos os infortúnios, germes que, pou­
co a pouco, com modo brando e insinuante deviam
fazer desabrochar novos costumes sociais e mudar o
espírito público. No testemunho de Leão XIII, a Or­
dem Terceira de S. Francisco auxiliou grandemente
o desenvolvimento do espírito cristão em as nações
e nas multidões. “Era uma grande fôrça para o bem
público — diz o Pontífice na sua Encíclica Auspicato,
— esta corporação de homens, que, seguindo as vir­
tudes e as regras do seu Fundador, esforçavam-se
quanto podiam por restabelecer no Estado a honesti­
dade dos costumes cristãos. Muitas vêzes a sua in­
tervenção e o seu exemplo serviram para apaziguar
e até extirpai* rivalidades de partido; para arrancar
as armas das mãos dos furiosos; para fazer desapa­
recer s causas dos processos e das disputas; para
arranjar meios de consolar os miseráveis e os aban­
donados; para reprimir o luxo, sorvedoro das for­
tunas e instrumento de corrupção. E’ verdade quan­
do se diz que a paz doméstica e a tranquilidade pú­
blica, a integridade dos costumes e da benevolência,
o bom emprego e conservação do patrimônio, que são
as melhores bases da civilização e da estabilidade dos
Estados, tudo brotou de uma raiz: da Ordem Tercei­
ra dos Franciscanos; e a Europa deve em grande
parte a S. Francisco a conservação dêstes bens.”
Eis aí o que fêz a Ordem Terceira nos séculos pas­
sados. 0 que não fará nos dias de hoje! Sem a Fé,
desaparece a Caridade, o egoismo contrai os corações,
reina a discórdia por tôda parte: nas famílias, nos
partidos, às vêzes nas melhores associações. Não se-
62 ORDEM TERCEIRA. FRANCISCANA

ria isto uma prova da que o nosso cristianismo está


degenerado, pois que vamos de encontro à palavra de
Jesus Cristo: “Nisto conhecerão todos que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros." (Jo 13,
35.) Para escapar ao dilúvio de ódios e discórdias,
em vez de adotar uma fingida polidez, que só salva
as aparências e faz do mundo uma vasta comédia
em muitos atos, entremos na Ordem Terceira de S.
Francisco, como numa arca de salvação; formemos
fraternidades: já o nome de Fraternidade, dado por
S. Francisco a cada grupo de Terceiros, nos diz que
a Caridade é o fundamento indispensável da sua Or­
dem, que os seus discípulos devem considerar-se uns
aos outros como Irmãos e filhos de uma mesma casa.
Na sua Regra da primeira Ordem, o Seráfico Pai diz
aos Irmãos Menores: “Previno e exorto aos meus Ir­
mãos que não desprezem nem julguem as pessoas que
virem vestidas com luxo e cores vivas e as que pro­
curam escolher comidas e bebidas delicadas; mas que
cada um juigue-se e despreze-se a si mesmo." (Cap.
II.) Assim também devem os Terceiros evitar opiniões
mesquinhas, estreitas, exclusivas que os façam julgar
menos favoravelmente as associações, as obras e as
pessoas alheias à Ordem Terceira e desprezar as con­
gregações e os ofícios da sua Paróquia. Que confusão'
causaria ver pessoas mais estritamente obrigadas do
que as outras à humildade, i simplicidade e Caridade
cristã, serem as primeiras a pecar contra estas vir­
tudes e a arrogarem-se patente de impecabilidade,
a exemplo do fariseu que se colocava acima de todos
os outros homens, e que o Evangelho profligou aspe­
ramente e com tanta justiça nas suas páginas imortais!
Na sua Regra da Ordem Terceira, S. Francisco na­
da tem tanto a peito como a caridade. Também, nos
vinte capitulos de que consta, são sete consagrados
a proteger e a aumentar esta virtude, cimento indis­
pensável de toda vida cristã e religiosa, e cuja ausên­
cia acarreta tantos males, Sle quer que se evitem a
todo preço processos e discórdias, que sempre se pro-
ESPIRITO DE CARIDADE 63
cure decidir amigavelmente as questões; é principal­
mente por êste motivo que êle institui a visita às fra­
ternidades, ou a presença nas Congregações francis-
canas, em certas épocas determinadas, de um Supe­
rior, obrigado por ofício a conhecer as desavenças
e fazê-las cessar com a sua autoridade respeitada por
todos,
Mas esta Caridade não deve concentrar-se exclu­
sivamente na Ordem Terceira. Onde quer que haja
discórdia deve o Terceiro esforçar-se em apaziguá-la,
sendo o traço de união entre os corações. "Bem-aven­
turados os mansos”, está escrito, "porque serão cha­
mados filhos de Deus.” Foi no grande intento de pa­
cificação universal, de união à Igreja e ao Papa, Vi­
gário de Jesus Cristo que S. Francisco estabeleceu
a Ordem Terceira. Diz-nos a História que o sucesso
coroou a sua obra. Trabalhemos nós também, a exem­
plo dos nossos Santos predecessores, cimentando os
corações na Fé e no amor da religião. Para isto, de­
mos o exemplo da Caridade; sejamos escrupulosos na
observância e na prática desta virtude; e se, neste
ponto, cairmos em falta grave, devemos obrigar-nos
a penitência severa. "Se, pois, a luz que em ti há
são trevas, quão grandes não serão essas mesmas
trevas!” (Mt 6, 23.) Inspirai-vos no código da Cari­
dade que especifica o pensamento do Evangelho nas
diferentes circunstâncias da vida. Seja a Regra fran-
ciscana a regra da vossa vida. Operários, homens do
povo, ela vos patenteará o exemplo daqueles que san­
tificou até o heroísmo na humildade da vossa condi­
ção. Ricos, homens influentes, ela vos comunicará al­
guma coisa do espírito de Francisco de Assis; fará
de vós sublimes servidores dos pobres e dos operá­
rios, tirando-vos a soberba, e não vos deixando se­
não as vantagens de uma condição que vos permite
contribuir para a felicidade de outrem. Assim a ques­
tão social em vez de resolver-se na lama e no san­
gue, terá a sua solução na reunião ao pé da Cruz, a
riqueza descendo pela Caridade e a pobreza subin­
do pela confiança e pelo respeito.
64 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

Oh! Deus, restituí-nos, pela Ordem Terceira, o vos­


so espirito, restituí-nos o espírito da Igreja primiti­
va, que era o Vosso espírito, em tôda a plenitude de
ação; e tudo será criado, e renovareis a face da ter­
ra. (SI 103, 30.)
Quanto a nós, não percamos o tempo em lamenta­
ções estéreis sôbre a desgraça dos tempos, nem em
teorias magníficas que na realidade não são praticá­
veis, não produzindo frutos pessoais e constantes. Um
dia, conversando um cavaleiro espanhol com S. Pe­
dro de Alcântara, pôs-se a fazer mil invectivas contra
o seu século. "Meu Amigo — disse-lhe o homem de
Deus, com o perfeito bom senso, característico dos San­
tos, — sois pai de família, chefe da vossa casa; obri­
gai aí a observância da lei de Deus em tôda a per­
feição, pelo direito da autoridade e do exemplo. E
já que a família é a sociedade em ponto pequeno, se
todos fizerem outro tanto, estará salvo o mundo."
Esta doutrina do Santo já foi definida por um ve­
lho provérbio alemão em palavras que mais do que
nunca devem ser a nossa norma de procedimento:
“Tornemo-nos melhores, e o mundo irá melhor."
SEGUNDA PARTE

A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO


E A
EXTENSÃO DA VIDA RELIGIOSA NO MUNDO
Capítulo X

COMO A ORDEM TERCEIRA COMUNICA


AS GRAÇAS DA VIDA RELIGIOSA
NAS DIVERSAS SITUAÇÕES DA EXISTÊNCIA
DEFINIÇÃO DO ESTADO RELIGIOSO POR S. TOMAS.
— PELA SUA REGRA, O TERCEIRO ALIA A VIDA NO
MUNDO A VIDA RELIGIOSA. — A ORDEM TERCEI­
RA E O PADRE; A ORDEM TERCEIRA E O CELI­
BATO EM GERAL; A ORDEM TERCEIRA SEMENTEI­
RA DE VOCAÇÕES RELIGIOSAS; ELA E COMPENSA­
ÇÃO PELAS VOCAÇÕES PERDIDAS. — A ORDEM TER­
CEIRA CONSAGRA A VIRGINDADE, A UNIÃO CON­
JUGAL, A VIUVEZ, O ARREPENDIMENTO. - ELA
ADAPTA-SE A TODAS AS CONDIÇÕES. - APELO
VEEMENTE DO BEM-AVENTURADO ÂNGELO DE
CHIVASSO EM FAVOR DA ORDEM TERCEIRA.

Segundo a doutrina de S. Tomás, é o Religioso um


homem que por estado “tende à perfeição do amor1'
de Deus ou da caridade, pondo em prática os três
conselhos evangélicos, de pobreza, de castidade e de
obediência, às quais êle se ligou por votos que fazem
da sua vida imolaçao perpétua e total. Ora, diz S.
Francisco de Sales, o cristianismo de onde se tiram
todas as ilações conduz à vida religiosa.
Os Terceiros tiram dos seus princípios de Fé, das
suas promessas do Batismo, tôdas as deduções lógi­
cas: eis por que são religiosos no mundo. Sem dúvi­
da não fazem os votos religiosos propriamente ditos:
nada na sua Regra os obriga, sob pena de pecado mes­
mo venial; mas em risco de desmerecer do seu espí­
rito e da graça da Ordem Terceira, é preciso que, no
mundo, no meio dos negócios, no meio do turbilhão
dos interesses terrestres, êles tenham em mira o ideal
da vida religiosa que levam em tôda a perfeição os
habitantes do claustro; é preciso aproximar-se dêles
o mais possível, com discrição, conformando-se com
as circunstâncias. Nisto consistirá para êles o penhor
da salvação. Para alcançar com segurança a meta não
se precisa visar mais alto? “Raras vêzes acontece —
diz Gerson, — cumprirem os homens rigorosamente
5*
68 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

os preceitos da lei divina, se não realizarem, as obras


que ultrapassem o têrmo da obrigação, e se não in­
troduzirem na sua vida alguma coisa dos conselhos
evangélicos.” Sem a Ordem Terceira se perderíam mui­
tos cristãos; com a Ordem Terceira salvar-se-ão e
eievar-se-ão bem alto na perfeição cristã, que é obri­
gatória para todos, segundo esta palavra de Jesus
Cristo: “Sêde perfeitos como também vosso Pai ce­
lestial é perfeito.” (Mt 5, 48.)
"O exemplo, a prática e os milagres de S. Fran­
cisco agitaram a Europa. Em plena corrupção e anar­
quia, tinham imprimido um grande impulso univer­
sal para o claustro, e de tôdas as camadas sociais
saíam almas generosas que se refugiavam sob o seu
estandarte ou sob o da sua gloriosa filha Santa Cla­
ra. Os clérigos e os simples fiéis, presos pelos laços
sagrados ou pelas obrigações de estado, afligiam-se
por não poderem seguir o movimento geral que arras­
tava os povos para a solidão. Vinham consultar o
santo Patriarca sobre o modo de viverem crístãmen-
te no século: pediam-lhe uma regra de vida traça­
da por sua mão, a fim de caminharem com mais se­
gurança na via da perfeição evangélica. S. Francisco
prometeu-lhes cpmpor uma regra que - os satisfizesse
e que lhes permitisse gozar da paz do claustro, sem
sair do mundo. Cumpriu o que prometera e foi para
êsses que instituiu a sua terceira Ordem, ou Ordem
Terceira." (1)
"A vida religiosa — acrescentaremos com Lacor-
daire, — foi dêste modo introduzida no lar domés­
tico e à cabeceira do leito nupcial. Povoou-se o mun­
do de moças, de viuvas, de esposas que traziam em
público as insígnias de uma Ordem religiosa, cingin-
do-se às suas práticas na intimidade dos lares... Já
não se julgava ser preciso fugir do mundo para se
elevar até a imitação dos Santas; qualquer quarto po­
dia tomar-se cela, e qualquer casa, tebaida. A histó­
ria desta instituição é uma das mais belas coisas que
se podem ler. Tem produzido Santos em tôdas as gra-
1) Vida de S. Francisco, pelo R. Pe. Leopoldo de Chéran-
ci, M- C.
AS GRAQAS DA VIDA RELIGIOSA 69
dações da vida humana, desde o trono até o escabêlo
do operário, com tal abundância que podia fazer in­
veja ao deserto e ao claustro.” (2) Aquilo que a Or­
dem Terceira fêz no tempo de S. Francisco, fêz de­
pois e fá-lo-á ainda; põe a vida religiosa ao alcance
de tôdas as almas de boa vontade, desejosas de per­
feição. Tôdas as classes, todas as posições são aí san­
tificadas e obtêm como que um remate consagrando
a obra feita pela graça e secundada pela cooperação
do homem. A Ordem Terceira adapta-se admiravel­
mente'ao Padre que, já pelo fato da sua vocação, “es­
tá em estado tendente & santidade”. Sentindo-se ha­
bitualmente aquém das suas obrigações, que proveito
não tirará de uma Regra que todos os dias o con­
vida a aproximar-se sempre mais da meta; uma Re­
gra que ê prolongamento da vida religiosa no mundo
e que constitui “um estado tendente à santidade”. As­
sim perto da meta, da qual a sua fraqueza sem­
pre o afasta, encontra o Padre o caminho que o re­
conduz incessantemente.
Sendo religioso "duplamente”, como que reforçado
pela Ordem Terceira, encontra o Pastor das almas
poderoso auxilio no seu isolamento; levanta os cora­
ções acima da terra, na proporção em que dela o afas­
tarem a renúncia dos bens e a penitência inspiradas
pelo amor: virtudes que o exemplo tão comunicati­
vo de S. Francisco infiltra eficazmente, nas almas, e
que constituem, verdadeiraraente, a graça da sua Or­
dem Terceira.
“Com a sua vida religiosa, a Ordem Terceira pre­
serva o Celibato, estado perigoso para a salvação e
nocivo à sociedade se não houver piedade sincera e
sólida que o sustenha.” (3) Desenvolve tesouros de
dedicação no celibatário, beneficiando não somente
o estreito círculo da família que tiver, mas também
a grande família das obras católicas, os pobres e os
abandonados.
A Ordem Terceira desenvolve, conserva, amadure­
ce as vocações religiosas. E* ao mesmo tempo com-
2) Vida de S. Domingos,
3) A Ordem Terceira, Remédio Social, pelo Revmo. Pe.
Alfredo, Capuchinho.
70 ORDEM TERCEIRA FRANCI5CANA

penaação divina para muitas inspirações que nunca


serão satisfeitas» e para muitas almas o ponto de es­
pera para situação melhor e para noviciado de vida
ainda mais perfeita que, ao primeiro apêlo de Deus,
se expandirá sob o influxo de uma graça mais forte.
A Ordem Terceira é compensação misericordiosa
concedida às vocações que falharem, para as almas
que numa hora de desânimo e covardia sacudirem
o jugo da perfeição. Por mais que tenham posição re­
gularizada, dificilmente reprimirão o secreto remorso
que nem o tempo nem as mudanças de meio conse­
guem suprimir. Pois bem! A Ordem Terceira apode­
ra-se deste remorso e o transforma em fonte de hu­
mildade e de “confiança inquebrantável", que se vai
perder no oceano da Misericórdia divina. Para estas
almas arrependidas dará ela ensejo de fazer melhor
um "remendo" com a agulha da cruz na trama inter­
rompida dos primeiros desígnios de Deus sôbre elas.
A Ordem Terceira é para a “virgem" que vive no
mundo o que o carvalho é para a hera: um apoio, uma
direção, o meio de centuplicar os resultados de uma
vida que não está presa a afeições terrestres, mas que»
consagrada sinceramente a Deus, torna-se universal
nos seus reflexos de mais pura edificação, zêlo mais
poderoso, caridade mais ampla. Ã cabeceira do leito
nupcial é a Ordem Terceira uma escola de respei­
to recíproco, de fé que vê as coisas considerando-as
em Deus mais do que no próprio ponto de vista, de
autoridade sabiamente exercida e ternamente aceita.
Quantas almas há por ai, presas desde a mocidade
a um jugo que nunca foi do seu agrado, voltam-se
para S. Francisco certas de encontrar sob o hábito
da penitência a paz e a felicidade que pediram ao
mundo debalde. Elas não tiveram desilusão. O con­
vento veio a elas, já que não puderam ir para êle.
A Ordem Terceira satisfaz às suas mais altas aspira­
ções, compensando-as ao mesmo tempo da tirania da
sua posição; é uma nesga de céu nesse mundo de per­
plexidades e de sofrimentos; uma escola de inviolá­
vel fidelidade a Deus e aos homens: a Deus, apesar
dos seus aparentes abandonos: aos homens, apesar das
suas infidelidades muitas vêzes, infelizmente, bem
AS GRAÇAS DA VIDA RELIGIOSA 71

reais. A Ordem Terceira preenche o vácuo que se fêz


em tôrno da esposa que perdeu o espôso. Mantendo
e desenvolvendo a religião da saudade que se esvai
tão depressa ao contacto dos prazeres mundanos, uti­
lizando para Deus e para as obras essa chama do
coração que não pode ficar sem alimento, essa ati­
vidade que se perdería inutilmente, essa ternura qué,
não se inclinando mais para a terra, mais se eleva­
rá para Deus.
Todo o mundo sabe que, pela Ordem Terceira, a
vida religiosa sentou-se no trono: Luís de França, Fer­
nando de Castela, Isabel da Hungria, como tantos ou­
tros, foram Terceiros; ninguém o ignora.
A Ordem Terceira Francíscana leva a vida religio­
sa para a usina, a fábrica, a loja do artífice. Eleva
à altura das virtudes religiosas a simplicidade, o tra­
balho, a obediência ao patrão, a perseverança, ás vê-
zes tão cruel, na penúria e nas privações de tôda es­
pécie. O que invejaria o operário terceiro às mais
severas Ordens penitentes, nas múltiplas ocasiões de
imolar-se a Deus? Nós diremos mesmo que a Ordem
Terceira, assim como o Evangelho, tem predileção pe­
lo operário, pelo humilde casebre, que, mais do que
os outros, têm necessidade de apoiar a sua fidelidade
e a sua coragem num grande socorro de Deus. Não
sabemos, de resto, que os dois primeiros Terceiros,
o bem-aventurado Luquésio e a sua companheira Bo-
nadona, foram dois negociantes? Até as próprias al­
mas marcadas com o ferrete do vicio diante do mun­
do, às vêzes tão severo e tanto'mais porque precisa
para si mesmo de misericórdia maior; até as mesmas al­
mas transviadas, muitas vêzes mais desgraçadas do
que culpadas, até as novas Margaridas de Cortona,
purificadas e já bem experimentadas, trazem a sua
contribuição de generosidade e de penitência à Or­
dem Terceira. Elas vêm ai sugar uma nova seiva que
faz desabrochar as mais belas flores de virtudes numa
nova primavera.
Não poderiamos termipar melhor estas reflexões
do que por estas palavras extraídas de um discurso
do bem-aventurado Ângelo de Chivasso sôbre a Or­
dem Terceira: "Oh! santíssima Regra, como são cul-
72 ORDEM TERCEIRA FRAN Cl SCANA
pados os que vos desprezam! Oh! perfeitíssima Re­
gra, como são cegos os que vos criticam! Oh! Regra*
fonte de todo o bem, que castigo não merecem aque­
les que murmuram contra as vossas prescrições! Pre­
guiçosos, e negligentes, o que fazeis, pois? Para que
adiar? O que esperais?” Concluía o seu discurso o san­
to Missionário com estas palavras r “Não há ninguém
que não podendo entrar na primeira ou na segunda
Ordem de S. Francisco, não possa ao menos entrar na
“Terceira” e assim merecer que a paz e a misericór­
dia de Deus descansem nêle.” (4)
Possam os Terceiros promover com eficácia a pro­
pagação da Ordem Terceira, tão ardentemente dese­
jada pelo bem-aventurado Ângelo de Chivasso e com
tanta perseverança solicitada pelo Vigário de Jesus
Cristo! Possam êles conquistar, pelo exemplo de uma
vida solidamente piedosa e pelo santo contágio de ca­
ridade a tôda prova, uma multidão de almas para as
várias necessidades e situações diversas, e que coloca­
das nas diferentes gradações da escada social, desde a
loja do artífice até o palácio do rico, possam difundir
no mundo o Reino de Jesus Cristo!
4) Ver o tomo II, página 71, da "Auréola Seraphica",
l,1 edição.
Capitulo II

A ORDEM TERCEIRA
E A
POBREZA, CASTIDADE E OBEDIÊNCIA
1.* "POBREZA": A VIDA DO TERCEIRO, ECO DA VI­
DA FRANCISCANA NO MUNDO; DOUTRINA DE S- BER-
NARDINO; COMO A REGRA DESENVOLVE A POBRE- 1
ZA EM ESPÍRITO, — 2.° "CASTIDADE" CONJUGAL E
INDIVIDUAL; A REGRA DA ORDEM TERCEIRA, RE­
GRA DE CASTIDADE PELO LADO "POSITIVO" E PELO
LADO "NEGATIVO". — 3.* "OBEDIÊNCIA" A TÔDAS AS
AUTORIDADES LEGITIMAS, REALÇADA PELA GRAÇA
DA ORDEM TERCEIRA; OBEDIÊNCIA A REGRA; AOS
SUPERIORES; AO VISITADOR.

O Religioso, já temos dito, é um homem que, por


estado, tende à perfeição do amor de Deus, pondo em
prática os três conselhos evangélicos de pobreza, de
castidade e de obediência. Vejamos como a Ordem
Terceira de S. Francisco introduziu êstes conselhos
na vida prática.
“Pobreza”. — 0 Terceiro não está ligado por voto
à pobreza, mas deve praticar no mais alto grau o
desapêgo dos bens, o espírito de pobreza. Êle é no
mundo o eco da vida franciscana; ora “a pobreza” é
a essência da vida seráfica.
Houve três grandes lutas na criação, diz S. Bemar-
dino de Sena: a luta do “orgulho”, personificada pelos
anjos rebeldes; a luta da "carne” contra o espírito
que teve por desfecho o dilúvio; depois, houve so­
bretudo a luta da avareza, a “coucupiscência dos
olhos”; e foi para combater com vantagem êste te­
mível inimigo, que o Filho de Deus desposou a Po­
breza com o seu cortejo de privações, desde a lapa de
Belcm até a cruz do Calvário. E’ por isto que inspira
aos Santos heróicas renúncias e que suscitou na sua
Igreja uma Ordem de mendigos voluntários, cuja mis--
são é perpetuá-Lo até o fim dos tempos “na sua po­
breza, na sua humildade e no seu Evangelho”. (1) Sem
I) Primeira Regra de S. Francisco, cap. XII.
74 ORDEM TERCEIRA. FRANCISCANA

dúvida reinam no mundo a impureza e o orgulho, e


não é. sobretudo, o bezerro de ouro o seu deus prefe­
rido? O dinheiro, o amor do dinheiro faz os Judas do
santuário; êle explica essa febre de progresso mate­
rial que arrasta a sociedade para longe do progresso
moral, longe de Deus; êle é a causa dessas revoluções,
dessas revoltas e dessas greves tão amiudadas em nos­
sos dias, que nos fazem tremer pelo futuro do inundo.
"A raiz de todos os males é a avareza.” (1 Tim 4, 10.)
Aqui são homens poderosos que apertam os cordões
da bôlsa; o operário, o povo, é para êles a máqui­
na humana de produzir ouro. Ali, são os operários e
o povo que se voltam contra os poderosos e os ricos,
reclamando a sua parte.
Filhos de S. Francisco, devemos remar contra esta
torrente de cobiça, com duas forças contrárias; pelo
nosso exemplo, ainda mais do que pelas palavras, de­
vemos reagir contra ésse amor desmedido do ouro.
O Terceiro não pode, como o Irmão Menor, praticar
o completo desapego. Em compensação deve exerci-
tar-se ao desprendimento em todos os hábitos da sua
vida. Deve ser simples no seu mobiliário, simples no
vestuário, simples nos seus gostos; deve pôr em prá­
tica a frugalidade nas refeições, sobretudo dar à cari­
dade aquilo que cortar ao sensualismo. Eis por que o
Seráfico Pai obriga-o, na coleta mensal de esmolas,
a repartir os seus bens com os seus Irmãos pobres.
Obriga-o a fazer o seu testamento em tempo útil, a
fim de, considerando-se morto para o mundo, aca­
bar de vez com as questões internas que se dão or­
dinariamente nas famílias e ca sociedade, quando al­
guém morre intestado.
“Castidade”. — A Ordem Terceira, como visão do
céu e regulador divino, vem à cabeceira do leito nupcial
para daí afastar a infidelidade e os prazeres estéreis;
para conservar no mundo e na Igreja os cristãos cada
dia mais raros, e a quem se pode aplicar, generali­
zando, estas palavras dos nossos Livros Santos; “A
incontaminada, que não conheceu tálamo com delito,
terá o seu fruto, quando se atender às almas san­
tas.” (Sab 3, 13.) Compete aos Terceiros de S. Fran­
cisco, dilatando as suas fileiras cada vez mais no san-
POBREZA, CASTIDADE E . OBEDIÊNCIA 75
to estado do Matrimônio, reagir contra esta praga so­
cial que torna desertos 03 lares, diminui as nações;
estraga a infância, considerando-a não uma herança,
um tesouro que se multiplica fazendo-a valer, mas
um ídolo que se incensa.
Uma das causas dêste flagelo que se estende por tô-
da parte é o apêgo desordenado aos bens dêste mun­
do. Muitos pais receiam que a terra lhes venha a fal­
tar debaixo dos pés: os filhos são em proporção com
o capital, como se a Providência fôsse uma palavra
vã. Ainda se o número de filhos estivesse na propor­
ção do capital! Mas não, são os mais ricos às vêzes
os mais culpados; e em milhares de casas onde os ce­
leiros regorgitam de tudo, onde não há nada a de­
sejar quanto ao confôrto, não há lugar para um bêr-
ço... Pelo desapêgo das coisas da terra que atrai, na
medida da nossa fé, a confiança em Deus, o aban­
dono à sua Providência, guarda o Terceiro no casa­
mento a castidade fecunda, o que arrancou ao coração
do Sábio estas palavras de admiração: “Oh! quão for­
mosa é a geração casta em sua claridade! pois é imor­
tal a sua memória, porquanto é honrada assim dian­
te de Deus como diante dos homens/' (Sab 4, 1.)
Não há somente a castidade conjugal, há ainda a
castidade individual. Uma e outra são decorrentes da
observância inteira dos mandamentos de Deus. O Ter­
ceiro, fiel & sua vocação, tem duplo dever neste ponto.
Se os preceitos divinos são a regra de tôda a vida cris­
tã, constituem também os primeiros estatutos da as­
sociação a que pertence. Êle considera os mandamen­
tos de Deus “a arca de salvação”, no meio das más
doutrinas que afluem de todos os lados e vão avul-
tando desmedidamente a corrupção no coração dos ho­
mens, corrupção que já encontra aí disposição dema­
siada. Ele tem a coragem da virtude; não se enver­
gonhará, como faziam no século de Voitaire, da fide­
lidade aos laços do Matrimônio; não se envergonha­
rá de entrar numa sala, de figurar no mundo com a
sua esposa, símbolo e salvaguarda de castidade fe­
cunda. Ele é e será sempre mais “sem murmurações,
sem dúvidas, sem nota e sem refolhos, como filhos
de Deus, irrepreensíveis no meio de uma nação de-
76 ORDEM TERCEIRA FRANClSCANA

pravada e corrompida, onde vós brilhais como astros


no mundo.” (Fílip 2, 15.)
A Regra de S. Francisco é uma regra de “castida­
de”, tanto pelo lado “negativo” como pelo lado "po­
sitivo”. Pelo lado "negativo", ela ordena fugir dos
teatros e dos bailes perigosos, “reino oficial da im­
pureza”. Obriga ao afastamento do mundo, tanto quan­
to êsse afastamento fôr compatível com a posição de
cada um; porque o mundo, tanto pelos discursos co­
mo pelos exemplos e aplausos, é uma “atmosfera tôda
saturada de impureza”. Ela proibe as leituras levia­
nas e frívolas, “alimento secreto de impureza”, ve­
neno lento que se insinua nas veias e nas artérias pa­
ra corromper tudo. Ela proíbe o luxo, “incentivo de
impureza”. A Regra da Ordem Terceira é uma regra
de “penitência”. Protege com ela a castidade, cercan­
do-a com o seu mais necessário baluarte da mortifi­
cação cristã, praticada com tato e inteligentemente,
mesmo em pleno século XX; mau grado todos os pre­
conceitos correntes e as apoteoses do prazer.
O divino Mestre disse: “Vigiai e orai para que não
entreis em tentação.” (Mt 24, 41.) O lado “negativo”
da Regra francíscana é para nós um plano de vi­
gilância e pelo qual nos devemos guiar: “Vigiai”. O
lado “positivo” é a prece incessante que ê precise fa­
zer para pelejar contra os próprios instintos, contra
a carne, contra Satanás e os seus ardis armados à cas­
tidade: "Vigiai e orai”. O que é o ofício, a assistên­
cia à S. Missa, a Comunhão, o exame de consciência,
a oração que santifica a mesa, impedindo que ela
seja estimulante para o sensualismo? O que é a prá­
tica das boas obras indicadas na Regra, senão o co­
mentário e seguimento destas palavras: "Orai para
que não entreis em tentação?” E' sobretudo a S. Co­
munhão que faz dizer ao Terceiro esta palavra de
S. Inês: “O amor de Jesus Cristo torna-me casta, o
seu contato purifica-me, unida a file sou pura.”
"Obediência”, — Obedecendo à lei de Deus e da
Igreja assim como às obrigações de estado, cinge-se
o Terceiro a uma Regra que lhe revela os intuitos de
Deus para com éle. Unido pelo espírito, pelo cora­
ção, pela imitação a Jesus Cristo, protótipo e autor
POBREZA, CASTIDADE E OBEDIÊNCIA 77

de tôda a santidade, deve o Terceiro apropriar-se esta


exclamação do divino Coração: "A minha comida é
fazer a vontade dAquele que me enviou." (Jo 4, 34.)
"Eu sempre faço o que é do seu agrado." (Jo 8, 29.)
1* Deve o filho de S. Francisco, ante3 de tudo, le­
var para a sociedade a sua qualidade de “Religioso
no mundo’', na obediência que deve ao cônjuge, aos
pais, aos patrões, a tõdaà as autoridades particulares
ou públicas, reflexo da Autoridade divina. Que dife­
rença se, esforçando-se para ser “santo", deixasse de
ser “honesto"! Que monstruosidade se, à medida que
pensa aproximar-se de Deus, se arrogasse o direito de
tudo censurar, de tudo criticar, de tudo citar em juízo
no seu tribunal; se, multiplicando as suas devoções,
êle fôsse menos dedicado para com aqueles que me­
recem os seus cuidados e a sua obediência!
2° O Terceiro deve obedecer a todas as prescrições
da sua Regra.
3.® Aceitar com submissão e respeito os conselhos
do Diretor e dos Superiores da Ordem Terceira.
4.° Apresentar-se ao Padre Visitador e dar-lhe con­
ta do modo como observa a Regra. Assim como as
Comunidades religiosas das Ordens têm Superiores
maiores, encarregados de fazer em épocas determi­
nadas a visita canônica, assim também a Ordem Ter­
ceira de S. Francisco, que é a vida religiosa no mun­
do, tem a sua “visita anual”. S. Francisco dá-lhe tão
grande importância para conseguir os fins da sua
obra, que consagra a êste ponto um capítulo inteiro
da sua Regra; e Leão XIII insiste tanto mais, na sua
Constituição, sobre a importância e a necessidade des­
ta visita, quanto modificou, em certos pontos secun­
dários, a Regra da Ordem Terceira.
5.® O Terceiro, na sua condição normal, faz parte
de uma Fraternidade, a qual consta de um Diretor,
de um Superior e do seu Discretório. Mão tem só re­
gras escritas, tem-nas também "vivas” na pessoa da­
queles que foram encarregados de velar sôbre o seu
procedimento. Aí, como na vida religiosa, o cargo
de Superior pode apresentar-se com o inevitável cor­
tejo de imperfeições humanas, de manias, de êrros,
de falta de educação, e mais o resto. Quantos moti-
78 ORDEM TERCEIRA FRANCISCÀNA

vos de merecimento para os que calcando aos pês o


respeito humano e partilhando & "loucura" da crua,
aceitam, com espírito de fé e discretamente, as difi­
culdades e as provações desta direção obrigatória.
Tanto para o Terceiro como para o Religioso, está ai
o ponto difícil em muitas circunstâncias; mas tam­
bém aí está o merecimento. Se, pela virtude da po­
breza, sacrifica-se tâda a fortuna, senão de fato, pelo
menos de intenção; se, pela castidade, imola-se o cor­
po; pela obediência imola-se a vontade, as repugnân-
cias, os caprichos. E’ êste o sacrifício por excelência,
í. é, tanto è glorioso para Deus, como meritório para
o homem.
Depois destas considerações, temos o direito de di­
zer: Na verdade, “a Ordem Terceira de S. Francisco
é a vida religiosa no mundo".
Capitulo IIX

A ORDEM TERCEIRA E A VIDA EM COMUM


O ESTADO NORMAL DA ORDEM TERCEIRA Ê A FRA­
TERNIDADE. PODER DA ASSOCIAÇAO PARA O
BEM E O AFOSTOLADO PELO EXEMPLO. — O QUE
O CONVENTO É PARA O RELIGIOSO, DEVE SER A
FRATERNIDADE PARA O TERCETRO. — A ORDEM
TERCEIRA NAO E SIMPLES DEVOÇÃO, Ê "UM ESTA­
DO DE VIDA”. — EM VEZ DE EMBARAÇAR AS OBRAS,
FAZ COM ELAS UMA BELA SÍNTESE; TRANSMITE-
LHES SEIVA EVANGÉLICA MAIS ABUNDANTE.

Se o “estado religioso" é úm estado de perfeição


em relação à vida cristã, é evidente que a "vida em
comum” ê a perfeição do estado religioso.
As vantagens gerais de "associação” oa vida re­
ligiosa são dar mais perfeição à prática dos conselhos
evangélicos, criar famílias espirituais, auxiliar pela
emulação o desenvolvimento das virtudes; obter pelo
contacto e atrito dos caracteres, a provação e o me­
recimento; formar legiões e estabilizar o estado pú­
blico da perfeição.
0 que a associação ou comunidade é para as Or­
dens religiosas propriamente ditas, a Fraternidade o
é para o Terceiro; è para êle o equivalente da vida em
comum que levam os habitantes do claustro. Sem dú­
vida é possível ser alguém Terceiro sem pertencer a
uma "Fraternidade”; mas, por outro lado, é a “Fra­
ternidade” o estado normal do Terceiro; e se, para al­
cançar esta vantagem de muita importância, fôr pre­
ciso vencer certas repugnâncias, certas dificuldades
de se pôr em contacto com todo o mundo, direi mais
do que nunca ser o caso de aplicasse êste provérbio:
“As coisas valem o que custam”.
Já notaram com razão que, na sua Constituição
Misericors, não se ocupa Leão XIII senão com os Ter­
ceiros reunidos em Fraternidades. E* que o Santo Pa­
dre deseja fazer da Ordem da Penitência um dique,
uma barreira, “aos males que nos acabrunham e aos
80 ORDEM TERCEIRA FRANClSCANA

perigos que nos ameaçam”. “A Ordem Terceira — diz


ainda — foi instituída para as multidões." E' êsse,
de resto, o espirito da Regra de S. Francisco tal qual
foi confirmada por Nicolau IV. A fim de correspon­
der à vontade do Soberano Pontífice, farão os Di­
retores todos os esforços para estabelecer uma Fra­
ternidade e os Terceiros isolados deverão empregar
zêlo, prudência e perseverança, para que o grão de
mostarda que trazem em si, torne-se-árvore vigoro­
sa e benéfica para o país onde vivem. (1)
“Se o Terceiro fervoroso (2), considerado indivi­
dualmente, pode exercer em torno de si uma influên­
cia tão santa, qual não será a influência, a ação exer­
cida por muitos Terceiros fervorosos reunidos em Fra­
ternidades? Eis por que, em tal paróquia, é a Ordem
Terceira verdadeira potência para atrair à Igreja e
para fazer prosperar as obras católicas. Em tal ci­
dade é ela que dá maior contingente dos que passam
a noite diante do Santíssimo Sacramento; nesta outra,
ela organiza as Comunhões cotidianas, as Vias Sacras
perpétuas; ainda noutra arranja somas consideráveis
para a Propagação da Fé, para a Santa Infância, para
o Óbolo de S. Pedro, etc. Em outras prega eloquente­
mente com o perfume de caridade e de piedade ema­
nado das suas reuniões públicas; em mais outras, dá
o exemplo da dedicação na assistência material e mo­
ral que presta em tômo de si. Conheço uma cidade
onde a morte de uma Terceira é um acontecimento
que preocupa o público de modo salutar: a defunta
é velada de noite e de dia pelas Irmãs que não ces­
sam de orar em tôrno dos seus restos mortais. Elas
tôdas vão à sepultura, e a cidade inteira assiste & pas­
sagem do préstito; quando o caixão baixa ao túmulo,
tôdas de joelhos, com os braços em cruz, rezam a es­
tação do Santíssimo Sacramento; o público retira-se
•sempre comovido com êstes testemunhos de carida-
1) Regra Seráfica, 3.* edição, p. 273.
2) Resumo do relatório da Ordem Terceira, lido na as­
sembléia dos Diretores, em Londres, pelo Revmo. Pe. Oto,
-mão Menor.
A VIDA EM COMUM 81

de fraternal... Conheço uma outra cidade pequena


onde a Fraternidade foi recrutada entre as grandes
damas. Um mês depois da sua fundação morria uma
pobre operária Terceira; grande impressão no dia se­
guinte, quando se viu o humilde caixão acompanha­
do pela elite da sociedade. — Eis a verdadeira Fra­
ternidade! — ouvia-se de todos os lados.”
Assim, pois, se não vive o Terceiro em comunida­
de no estrito sentido, vive numa Fraternidade; e a
Fraternidade é para êle o “convento”. Ele faz o no­
viciado de uma Regra que tem os seus estatutos e
comentários autorizados. Faz a profissão desta Regra
que é a de todos os seus confrades. Ele entra num
exército em que todos militam sob a mesma bandei­
ra e usam o mesmo uniforme. Neste exército se en­
contra um quadro já formado: é a hierarquia da Fra­
ternidade unida à Primeira Ordem por elos de auto­
ridade autêntica e estabelecida legalmente. São os
mesmos encontros na igreja, centro da Fraternida­
de, onde se fazem as reuniões. São os mesmos exer­
cícios, assembléias, Missas, funerais, oficios, ritos,
usanças próprias da Ordem; são os mesmos bens. Ca­
da Terceiro traz a sua cotização, por menor que se­
ja, e todos fazem conjuntamente as mesmas obras.
Não é esta uma imagem expressiva da vida em comum
dos primeiros cristãos, no que fõr compatível com as
diversas exigências do mundo e da família? Por outro
lado, a Ordem Terceira de S. Francisco tem suas tra­
dições e sua História. Ora, o que é tudo isto, senão
manifestação múltipla da vida em comum, perfeição
e irradiação da vida religiosa propriamente dita?
É, pois, a Ordem Terceira a vida religiosa no mun­
do, e o eco da vida em comum que levam em tôda
a sua perfeição os habitantes do claustro. A Ordem
Terceira não é uma “devoção”. Uma devoção só tem
o intuito de honrar especialmente um mistério, ou
certas práticas a cumprir. A Ordem Terceira é “um
estado de vida”; ela tem uma Regra bastante larga
para acomodar-se com tôdas as condições, bastante
Espírito da O T — 6
82 ORDEM TERCEIRA FRANClSCANA

vigorosa para levar à perfeição da vida cristã as al­


mas de boa vontade; uma Regra entretanto que a
nada obriga sob pena de pecado mesmo venial, nos
pontos em que os preceitos não dependem das leis
de Deus e da Igreja. Assim, em todas as ocasiões
deve o Terceiro considerar: Como me comportarei,
□a qualidade de "religioso no século e filho de S.
Francisco?...” quando fizer tal compra, em tal mi­
núcia do vestuário, à mesa, na sociedade, nos diverti­
mentos, ao trabalho, nos sofrimentos, nas alegrias, no
leito de dor, na saúde, no sucesso, nos reveses? Pos­
sa êle ser fiel à sua senha! Esta prática o tomará
cristão completo, perfeito, irrepreensível na conside­
ração dos homens e no tribunal de Deus. Criou-se
"uma união católica” para enfeixar tôdas as obras
católicas, para cimentá-las, dirigi-las, fortalecê-las
umas às outras.
Num outro ponto de vista, no ponto de vista espi­
ritual, que é a parte de alma e de Deus por excelên­
cia, parece-nos, sobretudo depois das reiteradas exor­
tações do Vigário de Jesus Cristo, que a Ordem Ter­
ceira de S. Francisco deveria ser a moldura da vida
seriamente cristã. Em vez de atrapalhar, põe cada
dever, cada obra, no seu lugar; anima tudo com nova
vida; introduz por tôda parte nova seiva: a seiva re­
ligiosa, exuberante de vida cristã; ê o remate, tra-.
zendo a multiplicidade a uma uoidade mais fecunda.
Ah! por que não é a Ordem Terceira melhor com­
preendida? Sem dúvida há muitos que, generosos para
com Nosso Senhor, e considerando: "Palavra do Pa­
pa, palavra de Deus”, militam sob a sua bandeira;
mas quantos cristãos, quantas associações piedosas
põem de quarentena a Ordem Terceira e dizem quan­
do a inspiração as solicita: "Tu irás até aí, mas não
além,” Possam tantos católicos, que a Ordem Tercei­
ra deseja tornar "ainda mais católicos”, não ter me­
do de um meio de santificação tão eficaz e ao seu
alcance; não ver a Ordem Terceira através das im­
perfeições inevitáveis ou manias de certos Terceiros;
t ■ ■■ *• +mm V V AUh V M

nunca considerar a Ordem Terceira imbuída do espí


rito de partido que se serve de Deus em vez de sei
vi-Lo: mas o espírito cristão em tôda a sua pleni
tude; o espírito evangélico na sua humildade, simpli
cidade e penitência; o espírito católico em tôda a sui
força; o espírito paroquial na submissão e dedicaçãi
aos Pastores das almas.
A todos os cristãos “em evidência no mundo1'
que estão à testa das obras recomendamos que refli
tam sõbre estas palavras de .Leão XIII aos Bispo
do universo: "Esforçai-vos por tornar conhecida e es
timada em seu valor a Ordem Terceira; cuidai qu
os encarregados de velar pelas almas ensinem cuida
dosamente o que ela é, quanto é acessível a todos
quais os privilégios que tem para a salvação das al
mas, e que utilidade proporciona aos indivíduos e :
sociedade em geral__Exortamos vivamente os fiêí
a inscreverem-se nesta santa milícia de Jesus Cristo
e praza a Deus que as populações cristãs acudam
Regra da Ordem Terceira com tanto ardor e em tã
grande número, como outrora afluíam pressurosas a
apêlo do próprio S. Francisco!" (3)
3) Encíclica "Auspicato”.
Capitulo IV

A ORDEM TERCEIRA
E A PERFEIÇÃO DO AMOR DE DEUS
O QUE Ê O AMOR DE DEUS. — ELE DEVE-NOS DES­
APEGAR DOS BENS DESTE MUNDO, DOS SENTIDOS,
DA VONTADE PRÓPRIA: E O SEU LADO "NEGATIVO".
— OS SEUS EFEITOS "POSITIVOS" ENCERRADOS
NESTAS PALAVRAS: AMARAS O SENHOR, TEU DEUS,
DE TODO O CORAÇAO, DE TÔDA A TUA ALMA, DE
TODAS AS TUAS FORÇAS, E DE TODO O TEU EN­
TENDIMENTO. — O AMOR DE S. FRANCISCO PARA
COM DEUS. — COMO A REGRA DA ORDEM TERCEI­
RA DESENVOLVE NA ALMA A CARIDADE DIVINA.

à “vida religiosa", já o dissemos, é um estado em


que o homem tende & perfeição do amor de Deus
pela prática da pobreza, da castidade e da obediên­
cia. 0 “amor de Deus” — que palavra, que tesouro!
Esta palavra bastava para fazer exultar o nosso Pai
S. Francisco, serafim da terra. O amor de Deus é,
com efeito, o que se propõe a lei; é a raiz indispen­
sável de tôda virtude “viva", a fonte do merecimen­
to; com êle "tudo é lucro” para o céu, sem êle nada
se tem. O amor de Deus, “a graça santificante”, diz
S. Boaventura, nos dá Deus e nos dá a Deus: é o
céu já começado na terra.
A verdadeira vida é “amor” e a vida cristã é o ver­
dadeiro amor: o amor de Deus em Jesus Cristo e por
Jesus Cristo, Deus tornado “visível, amável e imu­
tável”, nas profundas palavras do Seráfico Doutor.
Ora, a vida religiosa é a perfeição da vida cristã; e,
nós já o dissemos, a vida religiosa, para as pessoas
presas nos laços do século, é a Ordem Terceira.
O Terceiro deve dizer a si mesmo muitas vêzes:
“Quero alcançar a perfeição do amor de Deus. Foi
para êste fim que me alistei nas fileiras do Serafim
de Assis."
_0 Terceiro deve ser “pobre”: pobre nas suas afei-
ções, pobre por desprendimento, pobre .na acepção
PERFEIÇÃO DO AMOR DE DEUS 85
amorosa e generosa da pobreza, das privações, ou es­
tado quase semelhante. Se alguma coisa lhe falta de­
ve pôr Deus no lugar, segundo a tocante idéia do
Seráfico Doutor: Êle basta-se a si mesmo, por que
não lhe bastaria também!
O Terceiro deve ser “casto", com a castidade con­
veniente ao seu estado; porque Deus é o autor de
tôdas as condições, do "matrimônio" como da "virgin­
dade". Ora a castidade eleva-nos acima da terra, pu­
rifica as nossas afeições; põe sentinela vigilante à
porta da imaginação, da memória, do espírito, para
nada deixar entrar, demorar-se ainda menos, que man­
che ou deslustre.
A "obediência" nos despoja de tôda a nossa von­
tade, assim como a castidade nos separa de algum
.modo do nosso corpo, e como a pobreza nos despren­
de dos nossos bens e dos nossos desejos.
Ora, o que é tudo isto senão "a libertação" da
alma, o deserto criado em tôrno de nosso coração?
Quem agora construirá o edifício, quem povoará, quem
fará nascer flores na solidão? O amor de Deus. O fi­
lho de S. Francisco, "planta privilegiada transplan­
tada pela mão de Deus no jardim do amor", segundo
as palavras de Jesus a Santa Margarida de Corto-
na (1), deve fazer com êste preceito evangélico a re­
gra da sua vida. "Amarás ao Senhor, teu Deus, de to­
do o teu coração e de tôda a tua alma, e de todas as
tuas fôrças e de todo o teu entendimento." (Lc 10,
27.) Deus não pede senão amor, porque o amor ê tudo
e tudo resume. “E' o sinal que Êle é o nosso Deus
— diz Bossuet; — é o tributo que Êle exige; é o si­
nal da sua magnificência e infinita grandeza; porque
os que de nada precisam, não desejam senão serem
amados. Então, quando não se pode dar nada, tira-se
do coração em pagamento o amor." (2)
"Amarás o Senhor”. Amá-Lo-ás porque Êle te pos­
sui como teu soberano Mestre. Não é dÊle que tiras
1) Vida. de Santa Margarida» pelo seu Confessor, cap* VHL
2) Bossuet» 3** Sermão de Páscoa» parte II,
86 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

a existência? o movimento e a vida? Não é Êle que


te sustém, a todos os instantes, com a sua mão oni­
potente? Não é Êle que te concede gota a gota a
vida, impedindo assim a todo o momento de recaíres
em o nada donde saíste?
Tu amá-Lo-ás porque Êle é o “Senhor”; mas tu
amá-Lo-ás também porque Êle é Deus, tu amá-Lo-ás
por Êle mesmo, porque Êle vive de si mesmo e por
si mesmo. Êle é a soberana perfeição na unidade e
simplicidade infinitas da sua essência: tu amá-Lo-ás
porque Êle é a beleza incriada, a bondade por exce­
lência, a fonte necessária de tôdas as alegrias que
inundam o céu e a terra.
“Tu amarás o Senhor, teu Deus”, amá-Lo-ás so­
bretudo porque Êle é “teu”, porque te pertence. Só
Deus pode dar-se “todo a todos e a cada um”, sem
partilha, e sem diminuição de si mesmo. 0 sol na
posição em que está acima da terra dá igualmente a
todos e a cada um tôda a sua luz e todo o seu calor;
ilumina, aquece a cabana do pastor, a mansarda do
pobre, tanto quanto a mansão do rico e o palácio dos
reis; o aumento dos homens não aumentaria o seu
foco, assim como a diminuição dêles não o diminui­
ría. Imagem imperfeita da infinita intimidade em que
vive Deus em relação a cada uma das nossas almas!
Mas se o Senhor, se Deus é “teu” na criação com
que deu-te a ti mesmo, segundo a palavra de um san­
to Doutor, o que dizer da sua incamação pela qual
Êle se deu a si mesmo a ti? O Filho de Deus fêz-se
homem para ser o "teu” Deus por excelência, até a
morte, e a morte da cruz; até a efusâo da última go­
ta do seu sangue; até os excessos da Eucaristia, do
tabemáculo, do cibório, onde há para ti, cada dia,
uma hóstia, que é Êle inteiramente e que O faz pas­
sar ao âmago do teu ser, para tornar-se a vida da
tua vida, o amor do teu amor. Ah! como não amar
o Senhor, teu Deus!
"De todo o teu coração”. Pelo coração, S. Agosti­
nho, S. Boaventura e os Padres entendem a fé, co-
PERFEIÇÃO DO AMOR DE DEUS 67

ração da religião, raiz de nossa justificação. A fé nos


faz imolar o espirito. “Ela inclina — diz S. Bernar-
dino, — a cabeça do espirito humano, que é a inte­
ligência, para que êle adore e venere o Deus de tõda
majestade. E assim como a inteligência é, no espíri­
to humano, a primeira das potências, também as suas
operações que são a fé, o culto, a religião, devem ser
as primeiras entre as virtudes. Ela é, pois, a virtude
primeira e inicial, e como que a suprema honra pres­
tada ao Deus Altíssimo.” (3) Que o amor nos incite
a dar a Deus tôda a fé de que somos capazes com
a sua graça; que o amor anime essa fé; êle convertê-
la-á um dia na evidência da visão de Deus contem­
plado eternamente. ,
“De tõda a tua alma, de tôdas as tuas forças”. Não
há partilhas, nem diminuição. Não devemos nada re­
ter “de nós em nós mesmos”, diz o Seráfico Padre,
a fim de que Aquele que se deu inteiramente a nós,
nos receba também inteiramente. (4) Não demos, pois,
a Deus só uma parte da nossa alma, só uma parte
das nossas forças; porque, aquela que reservássemos
ao mundo não voltaria para Deus, e á que destinás­
semos a Deus, Deus rejeitá-la-ia. “A alma, as forças
da alma”, designam a vontade e a sua energia. Nosso
amor por Deus não deve ser vago sentimentalismo,
um sonho poético; deve traduzir-se em fatos, incar-
nar-se em atos perseverantes, sobrenaturais como a
graça que os antecipa. E' preciso amar a -Deus “com
o suor dos nossos rostos e com a fõrça dos nossos
braços”, segundo a palavra, tão justa de S. Vicente
de Paulo.
“De todo o teu entendimento". Devemo-nos lembrar
dos benefícios de Deus que formam a trama da nossa
existência: benefícios gerais, benefícios particulares,
dons temporais, graças espirituais, socorros do céu
adaptados às nossas disposições, às nossas diversas

3> S. Berna rdi no, Serm. de Fide.


4) Cartas aos Padres da Ordem.
88 ordem: terceira franciscana

situações, em tôdas as épocas da nossa vida. A memó­


ria do coração é a gratidão por excelência.
A exemplo de Francisco de Assis, vejamos a Deus
em tôda parte. S. Boaventura escreveu dêle: “Em tu­
do o que é belo êle contemplava a suprema beleza;
e, nos traços impressos nas criaturas, êle por tôda
parte buscava o seu Bem-amado, fazendo de tudo es­
cada para atingir Aquêle que é o objeto adequado,
único digno de todos os nossos desejos. Esta fonte
de tôda a bondade, derramada como um rio em cada
criatura, êle a experimentava com um sentimento de
devoção extraordinária, e, como se se achasse no meio
de concêrto celestial, na harmonia das qualidades e
das funções que lhes distribui a Providência, êle exor­
tava todos os sêres a louvar o Senhor."
Por tôda parte também, a exemplo do Padre Se­
ráfico, devemos viver sob os olhos de Deus; dizer-nos
que Êle está mais em nós do que nós estamos em
nós mesmos; que vivemos debaixo da sua mão e no
seu coração; e assim como nenhum dos nossos movi­
mentos escapa k sua divina ciência, nenhum dos nos­
sos afetos, nenhum dos nossos atos deve ser rouba­
do ao seu amor. +

Compenetremos do amor de Deus todos os pensa­


mentos do nosso espirito, as lembranças da nossa me­
mória, as afeições do nosso coração, as resoluções
da nossa vontade, direi até os movimentos do nos­
so, corpo. De tôdas estas partes do nosso ser, anima­
das, coordenadas por um principio simples e único,
“a alma", façamos um concêrto único entoado à gló­
ria de Deus e que diga sem cessar: “Amor!”: amor
na primavera da vida como no seu declínio; amor,
na felicidade assim como sôbre a cruz; amor em nos­
sas tibiezas como nas alegrias. A Regra da Ordem
Terceira deve-nos conduzir a isto: tanto pelo lado
“negativo”, que é o desprendimento do mundo, a mor­
tificação da carne, o desapêgo de tudo; como pelo
lado “positivo” que é a prática da oração, da Comu-
PERFEIÇÃO DO AMOR DB DEUS 89
nhão, do cumprimento de tôda a justiça para com
Deus e para com os homens.
Mas não nos esqueçamos: só no .céu teremos a
perfeição do amor. Na terra devemos procurar essa
perfeição, aproximar-nos dela o mais que nos fôr pos­
sível; há mister de nunca dizer: E’ bastante. Quem
não adianta, recua. O amor de Deus é uma chama so­
brenatural que pela própria tendência procura con­
sumir tudo o que fôr carnal, terrestre, puramente hu­
mano, para elevar sôbre estas cinzas e estas ruínas
o suntuoso edifício da graça santificante, em tôda a
fidelidade aos planos de Deus sôbre nós, edifício cujo
remate será o paraíso. Portanto, sempre avante; não
ponhamos obstáculos às devastações desejáveis e sem­
pre maiores desta preciosa chama. Esqueçamo-nos do
que já fizemos para só pensarmos no que resta a
fazer.
Ponhamos a Deus, ponhamos o amor de Deus em
nossas intenções, em nossos atos mais comuns, mais
tranquilos, mais insignificantes aos olhos do mundo;
pensando "que um grão de amor de Deus vale mais
do que uma porção de crimes", esforcemo-nos pela
prática do santo Amor por consolar e indenizar o
Coração , de Jesus, nosso Mestre adorável, de tantos
ultrajes e amarguras com que o saciam incessante­
mente.
Capítulo V

A ORDEM TERCEIRA E O ZÊLO PELAS ALMAS


JESUS CRISTO. O RELIGIOSO POR EXCELÊNCIA, O
DOM DE DEUS AO MUNDO, E TAMBÉM O DOM DO
MUNDO A DEUS. — PELA PRÁTICA DO ZÊLO, O TER­
CEIRO DEDICA-SE A SALVAÇÃO DAS ALMAS. — BE­
LO PENSAMENTO DE LUIS VEUILLOT. — NÃO £ A
PREDICA O ÚNICO MEIO DE PRATICAR O ZÊLO: O
BOM EXEMPLO, A ORAÇÃO, A PRÁTICA DAS BOAS
OBRAS. — ZELO DO SERÁFICO PATRIARCA. — O QUE
PODE O TERCEIRO ABRASADO DE ZÊLO PELA CASA
DE DEUS.

Jesus Cristo, “o Religioso de Deus Padre”, segun­


do a palavra do venerando Sr. Olier, é o dom do mun­
do a Deus, do mundo cujo fruto mais magnífico Êle
é, o único fruto digno a todos os respeitos do di­
vino Proprietário. Jesus Cristo é também o Dom de
Deus ao inundo, porque Êle não poupou o seu próprio
Filho, “mas por nós todos o entregou”. (Rom 8, 32.)
Assim também o Religioso, dom do mundo a Deus,
dizimo pago pelo mundo ao Soberano Mestre, é por
excelência o dom de Deus ao mundo.
Montesquieu pôde dizer, depois de S. Agostinho, que
a religião cristã é tão bem feita para a felicidade,
mesmo temporal, das sociedades, que não trabalharia
melhor neste sentido, se fôsse êsse o seu único fim.
Assim também a vida religiosa, em tôdas as suas for­
mas, contribui poderosamente para o bem-estar dos
povos, encarado sobretudo pelo seu lado moral. £ não
foi, de fato, escolhendo a pobreza por esposa terna­
mente amada que Francisco de Assis tornou-se o ben­
feitor sublime der pobre e do operário? E um S. Vi­
cente de Paulo, com a sua vida religiosa, série de
acampamentos volantes em todos os campos de bata­
lha da dor e do sofrimento, não mereceu muito dos
homens e de Deus? E assim por diante, todos os fun­
dadores de Ordens, mesmo aqueles, sobretudo aqueles
que mais se entregaram à solidão, à oração, à imola-
O ZÊLO PELAS ALMAS ■ 91

ção interior, constituiram o contrapêso dos pecados


do mundo.
Pois bem! O Terceiro, Religioso no mundo, é e de­
ve ser o dom de Deus ao mundo "na prática do zêlo”.
O amor de Deus, em perfeição cada vez maior, fará
dêle um foco sempre ardente. Ora, o que a irradia­
ção é para a fornalha, o raio para o sol, o canal para -
a fonte, o que ê num incêndio o vento que ativa a
chama, é “o zêlo" para Deus. Pela prática do zêlo,
deve o Terceiro cooperar para a realização dos de­
sígnios “dAquele que quer que todos os homens se
salvem, e que cheguem a ter o conhecimento da ver-.
dade”. (Tim 2, 4.) "Vós conheceis — disse Luís
Veuillot — plantas cujas sementes têm asas; e quan­
do chega a estação, basta o menor vento para que as
sementes voem longe; e onde elas caem, nasce uma
planta que não tarda a produzir outras sementes ala­
das. Mas árvore alguma produz tão abundantes se­
mentes como a alma enlevada no amor de Deus; e
semente alguma tem tão poderosas asas e possui ger­
mes tão vivazes como ela. Eis por que não deveis
desanimar e não digais nunca que estais estéreis; pon­
de-vos ao serviço de Deus; Deus servir-ae-á de vós;
e na vossa pobreza de merecimentos, podereis merecer
por muito tempo pelas obras daqueles que uma de
vossas ações, que uma de vossas palavras tiver co­
movido."
Nem todo o mundo pode ser "pregador”, mas to­
dos podem trabalhar eficazmente para a salvação das
almas. Invejais a felicidade daqueles que anunciam
a palavra de Deus? Contentai-vos em pô-la em prá­
tica; sede um "sermão vivo"; assim luza a vossa luz
diante dos homens, que êles vejam as vossas boas
obras, e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.
(Mt 5, 16.)
Vós podeis ao sair de uma oração, de uma Comu­
nhão, que vos encheram de Jesus, manifestar, numa
palavra oportuna, os transportes da vossa alma, dizer
tudo o que sentistes e quiçá o que vistes. Podeis fazer
92 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

melhor do que dizer Jesus; podeis "ser Jesus": Jesus


no cuidado em fazer bem tôdas as coisas, em obser­
var com atenção as minúcias dos vossos deveres, em
reprimir os vossos arrebatamentos, o vosso primeiro
movimento. Que pena, que inconsequência, se fordes
anjo na igreja, e em casa espírito inquieto, invejo­
so, desagradável, mesquinho, impertinente com os vos­
sos subordinados, criados e filhos! Não seria zêlo mas
inconsequência; e incitarieis as almas a se afastarem
de Deus, da religião, da piedade, a despeito de to­
do o vosso esforço para aproximá-las dÊle. O vosso
zêlo deve ser "prático”, e o bom exemplo é o seu
pouto de partida necessário, o seu terreno indispen­
sável. Não vos esqueçais destas palavras da Regra:
“Devem os Terceiros nas suas familias esforçar-se por
dar o bom exemplo, e entregar-se aos exercícios de
piedade e ás boas obras."
Vós não podeis pregar mas podeis atuar, podeis
orar. A oração é a alma do zêlo. Antes de atuar por
Deus sobre as almas, é preciso agir pelas almas so­
bre Deus. Antes de resolver-se em chuva benéfica,
deve o vapor elevar-se ao céu. O que não podemos
com a oração, “êsse poder do homem sobre a oni­
potência de Deus?" “Aqueles que oram — escreveu
Donoso Cortez, — fazem mais para o mundo do que
os que combatem; e se o mundo vai de mal a pior,
é porque há mais batalhas do que preces.” O nosso
tempo é propício à oração. De todos os lados há pres­
ságios de grandes tempestades, de guerras, de con­
flitos terríveis de povos contra povos; e com isto vão-
se também os princípios; não há homens; a Maçona-
ria está onipotente; não parece estarmos em véspe­
ras da grande catástrofe que deve pôr termo a tô­
das as outras?
Filhos de S. Francisco, oremos. "Em nós certamen­
te •— lemos nos Paralipômenos — não há tantas for­
ças que possamos resistir a esta multidão que vem
sobre nós; mas como não sabemos o que devemos
fazer, por isso não nos fica outro recurso mais que
O ZÊLO PELAS ALMAS 63

voltarmos para ti, 6 Deus, os nossos olhos.” (2 Par


20, 12.)
Oremos. São tantos os meios que temos de orar;
a oração mental de todos os dias; o oficio que se
subdivide pelas diversas horas do dia, para melhor
impregná-las com a sua fôrça suplicante; a Missa
cotidiana, solicitada pelo Seráfico Padre e tão forte-
mente recomendada na Constituição Mtsericors Dei
Filius; a Comunhão frequente, cotidiana, que está no
espirito da nossa Regra. Não; não nos faltam meios
de prender as almas com a rêde de ouro das nos­
sas orações e das nossas súplicas. Saibamos somen­
te servir-nos delas com o espirito de fé e a confian­
ça em Deus que nada consiga demover.
Mas à oração, acrescentemos a "ação”. O que não
fizeram os santos Terceiros, desde o Patriarca de
Assis até os nossos tempos, para propagar no mundo
o Reino de Deus, para salvar as almas resgatadas à
custa do Sangue de Jesus Cristo? Fidelidade aos de­
veres de estado; serviços prestados à sociedade, à
Pátria, & Igreja, pátria das pátrias; obras múltiplas,
reunindo no seio da caridade tôdas as necessidades
para satisfazê-las, todos os sofrimentos para mitigá-
los; leproaárioa, hospitais, orfanatos, asilos oferecidos
ao arrependimento e à inocência; os Terceiros de S.
Francisco tudo tentaram, tudo praticaram no decurso
dos séculos; foram êles os precursores, os preparado­
res da admirável caridade que utilizou as invenções,
as descobertas, as centralizações modernas para se
estender sôbre tôdas as gradações das necessidades;
caridade que tem as mais meigas e doces represen­
tantes na Irmã de S. Vicente de Paulo e na Irmã-
zinha dos Pobres.
Não há que admirar! Francisco que eletrizou o sé­
culo Xin e que ainda tem ação sôbre o mundo, ti­
nha comunicado aos homens uma centelha da chama.
que o consumia, da caridade que, em vão, fê-lo pro­
curar o martírio de sangue três vêzes, desejoso que es­
tava de ver novos eleitos, germinarem dêsse sangue
94 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

para a fé católica e para glória do céu. Ouvi o Será­


fico Doutor: "Francisco, êste pobre de Jesus Cristo,
não possuía senão duas coisas que pudesse dar li­
vremente: o seu corpo e a sua alma. Mas tal era a
oferenda continua que dêles fazia pelo amor de Je­
sus Cristo, que a todos os tempos, de algum modo,
êle imolava o seu corpo pelo rigor dos jejuns, e a
sua alma pelo ardor dos desejos. No exterior, no ves-
tibulo do templo, era um perpétuo holocausto; no
templo mesmo, o perfume do incenso não cessava de
elevar-se até o Senhor. A sua devoção, pois, subia a
Deus tão ardente quanto a sua afetuosa simpatia es­
tendia-se às criaturas participantes da natureza hu­
mana e da graça. Porque, se a sua ternura e piedade
o uniam tão intimamente a tôdas as criaturas, a pon­
to de tratá-las de irmãos e irmãs, não admira que a
caridade o tornasse ainda mais irmão daqueles que
são criados à imagem do Criador e resgatados pelo
seu Sangue. Êle não seria considerado Amigo de Je­
sus Cristo, se não zelasse pelas almas que Êle resga­
tou. Êle dizia que não havia nada acima da salva­
ção das almas, e esta palavra — Jesus Cristo dignou-
se morrer na cruz para a salvação das almas — bas­
tava ao seu coração e à sua fé para dar a justa me­
dida da importância do zelo. Dai o seu fervor na ora­
ção, a fôrça que desenvolvia no púlpito, e daí a aten­
ção escrupulosa em dar o bom exemplo. Se, às vêzes,
o repreendiam pelas excessivas austeridades, êle res­
pondia que era dado aos outros como modêlo I f“Se*

eu falar — dizia êle, — a língua dos homens e dos


anjos, se não tiver a caridade no meu coração, e se
não der ao próximo bom exemplo, de pouco sirvo pa­
ra os outros e sou inútil a mim mesmo."
Filhos de S. Francisco, trilhai os caminhos do vos­
so Pai. Uma grande alma exclamava um dia: "Ser
apóstolo, ser salvador, eis a única felicidade que me
prende à vida." Podeis ser “salvadores" a pouco custo.
Aproveitai do vosso poder, porque os braços de Sa­
tanás, os homens escandalosos, não perde o tempo.
O ZÊLO PELAS ALMAS 95
Dai o bom exemplo, sêde para todos e por tôda parte
"o bom perfume de Jesus Cristo”: sêde-o pelo espe­
táculo de uma vida honesta, essencialmente cristã, so­
lidamente piedosa, que evita tanto a- negligência como
os exagêros do ardor religioso, inspirados antes pelo
temperamento do que pela ação da graça, sempre
calma e constante em si mesma. Imitai, de resto, os
exemplos que se patenteiam aos vossos olhos e que
estão tão proporcionados às vossas forças.
Vêde esta Terceira, modesta como a humildade, man­
sa como o divino Mestre, ativa como o zêlo. A Pro­
vidência talvez lhe tenha partido todos os laços, tÔ-
das as cadeias que a prendiam à vida: foi para mul­
tiplicar as suas boas obras e alargar o horizonte da
sua caridade. Ela tornou-se a verdadeira Filha do
r

Patriarca de Assis, a vista do cego, o pé do coxo,


a mãe dos órfãos, a consolação dos que sofrem. A
sua obra de predileção é a manutenção dos altares
materiais, e dos “altares vivos”, os futuros Padres,
que se pouco a pouco vão educando nesses asilos da
piedade e da ciência que se chamam "grandes e pe­
quenos seminários”. Ela vai por tôda parte onde hou­
ver ignorância para esclarecer. Ao Padre que vê, com
pungente tristeza, a criança do povo subtraída à sua
influência, tão necessária no ponto de vista moral e
religioso, ela diz: “Eis-me aqui”; fêz-se catequista.
Assim, pela mão da caridade, a verdade torna a en­
trar em muitas inteligências, às quais era estranha
ou inimiga. Os dias sucedem-se, os anos passam, a
morte vem; e então somente, no vácuo que deixará
essa existência, escondida na humildade e sob o véu
do anonimato, compreender-se-â. o que é o zêlo.
O zêlo reveste-se de tôdas as fisionomias. Neste
filho de S. Francisco pela Ordem Terceira, neste pai
de família, neste operário cristão que encontrou aos
pé3 do Crucifixo e na lembrança da oficina de Nazaré
a solução do probleme social, o zêío encontra tun dos
seus melhores soldados.
96 ORDEM ‘ TERCEIRA FRANCISCANA

Por tôda parte é apóstolo êste modesto cristão. Éle


o ê em sua própria casa primeiro que tudo, pela re­
ligião amável, bem entendida, ingênuo como uma crian­
ça, firme como um soldado, que se impõe a todos: à
espôsa, aos filhos, aos operários que participam do
mesmo trabalho; a todos os que entram e saem des­
sa casa habitada pela honestidade e pelo respeito na
simplicidade dos costumes. Êste operário é apóstolo
na fábrica, onde nunca fala fora de propósito, quando
se cala, o seu silêncio é circunspecto; os seus atos sem­
pre comedidos e temperados com alegria, grão de in­
censo que dissipa muitos miasmas, falam melhor do
que se discursasse.
Êle é apóstolo no círculo católico, onde se desvela
por todos e onde não foge dos encargos penosos, on­
de sabe deixar cair oportunamente, como gota de or­
valho na flor que fenece, uma palavra de consolo
que desafoga ura coração apertado pelo abandono nes­
sa atmosfera de egoísmo que se chama o mundo. Êste
homem do povo, que faz o bem sem alarido, que fá-lo
mesmo inconsciente, passa por tôdas as misérias, tô-
das as tentações, todos os meios, protegido pelo seu
zêlo como por poderosa armadura. Fica-se espantado
de ver nos seus lábios sorriso tão puro como da crian­
ça no meio de seduções' que abalariam outras cora-
gena. Ah! compreende-se por que Ozanam, querendo
fazer cristãos todos os moços de Paris que tivessem
instintos religiosos, tentou fazer dêles apóstolos. Nós
também experimentemos sinceramente, lealmente, de
modo prático salvar as almas, e salvaremos a nossa
alma.
Capítulo VI

A ORDEM TERCEIRA É UMA ORDEM


VERDADEIRA
DECLARAÇÕES DA SANTA SÊ, ESPECIALMENTE DE
BENTO XIII E DE LEÃO XIII. COMO NA VIDA
CRISTA E NO EVANGELHO HA LUGAR, NA ORDEM
TERCEIRA, PARA A INICIATIVA PESSOAL, DESDE A
SIMPLES VIRTUDE CRISTÃ ATÉ O HEROÍSMO DO
DEVER E DA SANTIDADE. — COMO ENTRETER E
AUMENTAR A PRIMEIRA CHAMA. — IMITAR O FER­
VOR CRESCENTE DO SERÁFICO PAI.

Êste Instituto seráfico não é, como se podería crer,


uma simples associação piedosa ou confraria; é uma
“Ordem verdadeira e propriamente dita”, que asse­
gura às pessoas retidas no século os benefícios espi­
rituais da vida religiosa, facilitando-lhes, numa certa
medida, as práticas e as virtudes dessa vida. Bento
XIII, na Constituição Paternae Sedis, de 10 de outu­
bro de 1725, exprime-se assim:
Para nos opormos &s calúnias dos detratores des­
ta santa Ordem, seguindo neste ponto o exemplo dos
nossos predecessores que a aprovaram, confirmaram
e louvaram altamente, Nós julgamos e declaramos que
esta mesma Ordem sempre foi e que ainda é santa, me­
ritória e conforme à perfeição cristã, que ela consti­
tui uma Ordem verdadeira e propriamente dita... in-
teiramente distinta das Confrarias, pois que tem a sua
Regra particular aprovada pela Santa Sé, seu Novi­
ciado, sua Profissão e um Hábito duma certa forma,
segundo a prática das outras Ordens, tanto religio­
sas como militares.”
Êste Instituto participa ao mesmo tempo da vida
monástica e da vida do século; e os seus membros
ainda que seculares, devem ser assimilados aos Reli­
giosos. E’ o que declara o mesmo Papa, Bento XIII,
na sua bula Ad nostram audientiam, publicada em 1728.
Espírito da O T — 1
38 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
“Êstes Terceiros — diz o mesmo Pontífice, — ain­
da que seculares, devem ser assimilados aos Religio­
sos, pois que o seu Instituto foi estabelecido por S.
Francisco, sob o nome de Oráem Terceira; que ela
foi aprovada pela Santa Sé, e enriquecida com um nú­
mero considerável de graças e de privilégios, outrora
confirmados por Nós mesmo, na Constituição Pater-
nae Sedis; donde se depreende que, nas cerimônias re­
ligiosas, esta terceira Ordem deve ter a precedência
sôbre tôdas as confrarias leigas.”
Na sua Constituição Mhericors Dei Filias, em que
são mitigadas algumas das obrigações da Regra, o
Papa Leão XIII declara formalmente que não quer
mudar coisa alguma da natureza dêste Instituto. “Não
se creia — disse êle, — que se tenha tirado qual­
quer coisa da natureza íntima da Ordem que quere­
mos conservar na sua integridade e sem alteração.”
Todavia, como nesta Constituição serve-se muitas
vêzes o Papa das palavras “associação, sociedade”,
algumas pessoas acreditaram que, no pensamento do
Santo Padre, a Ordem Terceira era agora assimila­
da a uma simples “confraria”. Mas numa audiência
concedida em 17 de julho de 1883, aos Superiores
maiores da Ordem, o Soberano Pontífice exprimiu-se
nestes têrmôs: “Algumas pessoas pensaram, depois da
recente Constituição Misericors Dei Filius, que a Or­
dem Terceira seria agora considerada simples confra­
ria e associação. Tal não é a nossa intenção; como
nós o declaramos, a natureza e o espirito dêste Insti­
tuto permanecem; ela não ê simples congregação,
continua sempre uma Ordem verdadeira." (1)
A Ordem Terceira é como a vida cristã. Ora, as-
sim como a vida cristã, mais ou menos bem prati­
cada, conduz a maior ou menor santidade, também a
Ordem Terceira comunica a graça da vida religiosa,
desenvolvimento da vida cristã, na proporção em que
o homem se conforma ao seu espírito. Assim também
lí Ordem Terceira Seráfica, segundo a Constituição ''Mi­
sericors Dei Filius", pelo Revmo. Pe. Leon.
UMA ORDEM VERDADEIRA se
como a multidão de cristãos indignos em nada pre­
judicam à excelência da vida cristã, uma multidão de
Terceiros que só fossem religiosos no hábito, nada
poderíam furtar ao poder santificante que possui a
Ordem Terceira.
Pode-se comparar ainda a Ordem Terceira com o
Evangelho. Adaptando-se à generalidade dos cristãos,
não deixa o Evangelho de conter tipos de perfeição
sublime que nem todos poderíam atingir. Assim, aci­
ma do nível comum, ao qual devem chegar todos os
seus membros, deixa a Ordem Terceira margem li­
vre para as aspirações mais sublimes, para todos os
devotamentos, para a participação cada ves mais abun­
dante da vida religiosa: vida de pobreza, de casti­
dade, de obediência e de total consagração a Deus.
Agora nos seja permitido, dirigir-nos diretamente
aos Terceiros para dizer-lhes: "Qual era o vosso in­
tuito quando vos colocastes sob o estandarte de S.
Francisco? Foi para ganhar muitas indulgências, para
rezar mais longas preces, para proporcionar-vos um
certo luxo de vida espiritual? Não, tal não foi a vossa
intenção. Vós quisestes ser Religioso no mundo; e a
vida religiosa, vós o sabeis, é um estado em que se
tende à perfeição da caridade, do amor de Deus. S.
Francisco encantou-vos, atraíu-vos com o seu ardente
amor por Deus, a sua ingênua ternura por todas as
criaturas de Deus, sua imensa caridade para as al­
mas resgatadas pelo Sangue do Homem Deus. Que
prejuízo para vós, que inconsequência, se, à medida
que decorrerem os anos e vos afastarem do dia da vos­
sa tomada de hábito e da vossa profissão, fósseis vos
esfriando para Deus; se a oração fôsse perdendo ca­
da vez mais do seu atrativo para vós; se a tibieza vos
encontrasse cada vez mais enfastiado, desanimado, can­
sado; se o vosso Ofício fôsse rezado com menos fer­
vor; se vos dispensásseis com facilidade e por mo­
tivo fútil da santa Comunhão; se cumprisseis com
maior imperfeição os vossos deveres de estado; se a
vossa religião se tornasse cada vez menos amável,
7*
100 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

porque o vosso mau humor voa domina de mais a


mais!
Deus nos diz: “Eu sou o Senhor e não me mudo.'*
(Mal 3, 6.) Não mudemos também, ou antes não mu­
demos senão para melhorar.
Mas, direis, quais são os meios que devemos usar
para manter em nós um desejo sempre eficaz de ten­
der à perfeição e à santidade? Perguntai muitas vêzes
a vós mesmos por que entrastes na Ordem Terceira.
Comportai-vos todos os dias como no dia em que a
abraçastes. Recomeçai todos os dias o vosso trabalho,
a vossa tarefa como se nada tivésseis feito até aqui.
Pouco tempo antes de morrer, o nosso Seráfico Pai di­
zia àqueles que rodeavam o seu leito de dor: "Até aqui
nada fizemos. Eia, ao trabalho!" A exemplo dêle ten­
de continuamente diante dos olhos um desígnio: um
vicio a extirpar, uma virtude a ganhar, um grau su­
perior de virtude a alcançar.
Enfim, estimai cada vez mais a Ordem Terceira, o
vosso hábito, a vossa Regra, o vosso ofício, as vos­
sas reuniões; não com estreiteza de vistas, que não
vê nada além de si mesmo, mas com a intenção de
vos tornar mais cristão, mais católico, melhor paro-
quiano, mais fiel ao dever, qualquer que seja êle. Deus
aí encontrará a sua glória, e o próximo melhor
exemplo.
TERCEIRA PARTE
A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO
E A MAÇONARIA
Capitulo I

DUAS BNCtCLICAS CÉLEBRES


I. ENCICLICA "HUMANUM GENUS”. — DUAS CIDADES.
— ORIGEM DA MAÇONARIA. — NEGAÇÃO DA IGRE­
JA, DE JESUS CRISTO, DA SS. TRINDADE, DE DEUS.
— CONSEQUÊNCIAS: NEGAÇÃO DO PECADO ORIGI­
NAL; DIVORCIO. SECULARIZAÇAO DA ESCOLA, LAI-
CIZÃO DO PODER. II. ENCICLICA * AUSPICATO' :
A ORDEM TERCEIRA, CONTRAPESO DA MAÇONARIA.

Monsenhor de Segur disse: “A Ordem Terceira é


para a Igreja o que é a Maçonaria para a Revolução.”
Depois das afirmações solenes e reiteradas do So­
berano Pontífice, deve esta palavra do ilustre Prela­
do passar a axioma. Fácil nos será convencer-nos da
oposição que existe entre a Ordem Terceira e a Ma­
çonaria, e ver como a primeira é o remédio e o antí­
doto da segunda. Será o objeto deste novo estudo. Não
poderiamos começá-lo melhor do que fazendo curtas
reflexões sôbre as duas Encíclicas pontifícias em que
o Vigário de Jesus Cristo fala ex professo da Maço-
naria e da Ordem Terceira.
I. Enciclica Humanam genus sôbre a seita maçâni-
ca. — Há duas cidades» disse S. Agostinho, e dois
amores deram nascimento a estas duas cidades. A ci­
dade terrestre procede do amor de si mesmo levado
até o desprezo de Deus; a cidade celestial procede do
amor de Deus, levado até o desprizo de si mesmo.
A incarnação mais surpreendente da cidade do mal,
nos tempos modernos, é a Maçonaria com .tôdas as
associações que a ela se prendem. A Maçonaria não
é todo o mal (como a Ordem Terceira de S. Fran­
cisco que lhe ê oposta não é todo o bem, muito lhe
falta); mas é a sua forma mais visível, sua fôrça mais
bem organizada. Os gnósticos, naturalistas dos pri­
meiros séculos, os albigenses, naturalistas e socialis­
tas da Idade Média, os templários decaídos parecem
ser os antepassados dos maçãos. O verdadeiro pai é
Fausto Socin, nascido em Sena em 1444. (1)
I) Ver o trabalho sôbre a Maçonaria de Monsenhor Fava,
Bispo de Grcnobla.
104 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

Pelos fins que prossegue, pelos mistérios com que


se cerca, os meios que emprega: astúcia, violência, ne­
gação, fascinação, corrupção, é a Maçonaria uma insti­
tuição contra a natureza e reprovada pela simples ra­
zão. Ela esforçou-se, esforça-se todos os dias, em
amontoar ruínas e demolições na ordem sobrenatural
e na ordem natural, com uma atividade e ódio in­
compreensíveis. Entremos nos pormenores.
Todo o esforço das heresias, tanto modernas co­
mo antigas, vai à negação de Jesus Cristo, do dogma
da Incarnação, em si mesmo e nas suas consequên­
cias. Lutero, o grande hcresiarca dos tempos moder­
nos, quis Jesus Cristo sem a Igreja; ora a Igreja guar­
da intacta a noção de Jesus Cristo, conserva Jesus
Cristo na integridade da sua doutrina e do seu Corpo
Mistico, como Maria, a Mãe do Salvador, conservou
Jesus Cristo no seu corpo natural, e o pôs ao abri­
go das perseguições de Herodes. Contemporâneo dês-
te heresiarca, Socin foi o Lutero político, ele foi di­
reito ao alvo sempre visado por Satanás: negou a di­
vindade de Jesus Cristo, e a Bíblia êle a considerava
um livro magnífico onde é ensinada uma sabedoria
sublime.
Como é fácil ver-se, os Renan modernos não têm
o merecimento da invenção; êles apenas renovam, com
as flores e as graças do estilo, velhos sofismas, mais
velhos que Socin, mais velhos que Ario, inventados
por Satanás, o pai da mentira, inimigo declarado de
Jesus Cristo e da sua Cruz.
A negação de Jesus Cristo é o naturalismo. Tal
foi o crime de Lúcifer, que fê2 uma arma com as
perfeições da sua. natureza para resistir ao próprio
Deus. Êste crime, Lúcifer o comete em tôdas as he­
resias de um modo mais ou menos ostensivo; mas pa­
rece que êle quer ostentar, no fim das heresias, uma
audácia cada vez mais ativa e astuciosa, no prosse­
guimento daquilo que foi o ponto de partida da sua
campanha contra Deus:, a insurreição contra Jesus
Cristo e a ordem sobrenatural, da qual Jesus Cristo
é o "alfa e o õmega”.
Satanás inspirou à Maçonaria os seus desígnios ho­
micidas; a Maçonaria é o braço direito de Satanás
_ DUAS ENCÍCLICA3 CELEBRES 106
sob o veludo da civilização e do progresso moderno.
Vós negais Jesus Cristo, maçãos; com maior razão
negais a Igreja, que é a sua continuação, a sua ação
visível. E’ preciso expulsar a Igreja,, exilá-la, diminui-
la, separá-la do corpo social, do qual ela quer ser a
alma. “Separação da Igreja e do Estado!" Eis o vos­
so programa e a vossa senha, enquanto se espera o
pior. No fundo, quereis matar a Igreja e, para isto,
instruídos com a experiência de muitos séculos, de
tudo fazeis armas, sobretudo da legalidade e do opor­
tunismo, do oportunismo que sabe esperar para me­
lhor dirigir os seus golpes. Suprimida a Igreja para
melhor suprimir Jesus Cristo, o que será de Deus?
A SS. Trindade passará a ser uma mera palavra, quan­
do muito um sonho magnífico.
Tais são as ruínas feitas pela Maçonaria na or­
dem sobrenatural. E o que dizer das que ela acumu­
la na ordem natural?
Nosso Deus vivo, “Uno e Trino”, suprimido, O Deus
solitário dos deístas, mais ou menos indiferente à
obra das suas mãos, não subsistirá muito tempo. Êle
nao encontrou favor diante de uma grande parte das
lojas modernas. O “grande Arquiteto do Universo” não
é mais do que velha fórmula, fórmula gasta.
Para a Maçonaria, o pecado original é apenas um
mito. Aos seus olhos a natureza humana é perfeita,
e secundar as suas tendências é o que se tem de me­
lhor a fazer. Daí êsse dilúvio de jornais imorais, es­
sas produções pornográficas, romances que transpiram
corrupção, teatros dos quais o pudor foi expulso; daí
mil esforços da Maçonaria para obter o prazer sob
tôdas as suas formas.
Para a Maçonaria o casamento é um contrato co­
mo os outros, rescindivel por consequência. Também
produziu o grande escândalo do "divórcio”, quase por
tõda parte legalizado, graças aos manejos e & inicia­
tiva dos maçãos: escândalo que descristianiza a fa­
mília; fá-la-retroceder vinte séculos atrás, para ati­
rá-la em tôdas as lamas do paganismo mais sensual;
faz dêle uma união fortuita,' fazendo-se hoje, desfa­
zendo-se amanhã. A mocidade, os filhos... oh! a Ma­
çonaria quer arrancá-los a todo o preço da tutela da
106 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

Igreja. Com uma atividade que parece frenesi, com


os seus manuais cívicos, os seus batalhões e os seus
palácios escolares, ela quer resolutamente dar às ge­
rações futuras uma educação sem Deus; é êsse seu
fito, o mais imediato, o mais prático, o de maiores
consequências; ela não o esconde, gaba-se disto.
Para a Maçonaria o poder vem da multidão e não
de Deus; por conseguinte o que o povo faz hoje, pode
desfazer amanhã. Quem não vê nesse principio a por­
ta aberta a tôdas as ruínas, à comuna e à pilhagem?
A Maçonaria oficial pode não querer tais excessos.
Entretanto êles estão encerrados nos seus princípios;
e se ela não acabou tõda a sua tarefa de demolição,
é preciso atribuir-se & Providência, que vela ainda aõ-
bre as Nações, assim como à virtude da religião cris­
tã que não pode ser aniquilada; “depois também à ação
dos homens que, formando a parte mais santa das
Nações, recusam submeter-se ao jugo das sociedades
secretas, e lutam com coragem contra as suas empre­
sas insensatas."
Eis ai o mal, o grande mal social. Para curá-lo, o
Papa quer antes de tudo que se denuncie a Maço­
naria, e que se propague, principalmente entre os ho­
mens, por discursos e escritos, o conhecimento da re­
ligião.
Depois disto, o Papa põe em primeira linha a Or­
dem Terceira de S. Francisco como o meio mais efi­
caz de reação contra os princípios da seita maçônica,
na liberdade, igualdade e fraternidade verdadeiras.
Conduzindo os seus adeptos ao amor de Jesus Cristo,
ao devotamento à Igreja e à prática das virtudes cris­
tãs, é a Ordem Terceira contrapeso à Maçonaria.
II. Encí clica Auspicato sôbre S. Francisco e a Or­
dem Terceira. — Nesta Encíclica o Soberano Pontífice
enumera tôdas as propriedades do remédio, que êle
apenas indica, na sua encíclica contra a Maçonaria.
Deus fêz as Nações suscetíveis de cura, e as Nações
voltam à salvação quando voltam a Jesus Cristo. Ora,
esta volta opera-se quando Deus tira dos seus tesou­
ros um homem único, um Santo escolhido entre to­
dos, que dará o impulso para êste movimento ne-
cessãno.
DUAS ENCICLICAS CÉLEBRES 107
No século XIII, foi êste homem S. Francisco. A
Providência proporciona entre a existência dêle e a
de Jesus Cristo analogias extraordinárias. Francisco
rodeia-se de discípulos, aos quais dã por Regra o Evan­
gelho na sua pureza austera. Ã riqueza que o mun­
do procura com frenesi, ele opõe a prática da pobre­
za evangélica; à libertinagem, a penitência; & auto­
ridade social batida em brecha, a obediência; à au­
toridade doutrinai da Igreja desconhecida, a fé em
tôda a sua ortodoxia e inviolável afeto à Cadeira de
S. Pedro. A luta reina entre os pobres e os ricos: Fran­
cisco reconcilia-os, reunindo sob o seu estandarte tô-
das as condições, todos os estados. De Francisco, co­
mo do divino Mestre, pôde-se dizer esta palavra evan­
gélica: “Eia aí vai após êle todo o mundo.” (Jo 12,
19.) Há grandes analogias entre o século XIII e o XX.
Aos mesmos males oponhamos os mesmos remédios.
Doze apóstolos salvaram o mundo e triunfaram dos
Césares. Não considereis a condição da maioria dos
Terceiros; não digais: Não há senão mulheres velhas,
operárias, operários, gente de pouca monta. Com po­
brezinhos e humildes Terceiros, arvorando o estandar­
te do santo Nome de Jesus, deu João Capistrano o
golpe mortal, sob os muros de Belgrado, na potência
turca. Deus servir-se-á sempre "daqueles que não são
para destruir os que são.” (1 Cor 1, 28.)
Seria prestar -honras ao orgulho combatê-lo com ar­
mas iguais; é preciso que êle seja derrotado por aqui­
lo que menos receia e que mais despreza. A Maçona-
ria está por tôda parte. Para fazer-lhe frente, dila­
temos a Ordem Terceira. “Um, depois dois, depois cin­
co, depois cem, depois mil”, disse Leão XIII. Seja es­
ta a nossa senha!
Capitulo II

A ORDEM TERCEIRA ATRAI OS HOMENS


AO AMOR DE JESUS CRISTO
ODIO DE JESUS CRISTO, DISTINTIVO DA MAÇONA-
RIA. — ELA ESTA TÔDA NESTE GRITO DOS JUDEUS:
“NÃO QUEREMOS QUE ÊSTE SEJA O NOSSO REI!” —
COMO DEVE O TERCEIRO, EM DESFORRA, FAZER
DA SUA VIDA ECO DA PALAVRA DO APOSTOLO: “E’
NECESSÁRIO QUE ÊLE REINE!'* — CONHECIMENTO
DE JESUS CRISTO ADQUIRIDO SOBRETUDO PELA
LEITURA DOS SANTOS LIVROS. — IMITAÇÃO DE JE­
SUS CRISTO. — DECLARAR-SE EM TUDO E EM TÔDA
PARTE POR JESUS CRISTO.

**E' preciso — diz Leão XIII na sua Encíclica sô-


bre & Maçonaria, — é preciso ser muito zeloso em
propagar e afirmar a Ordem Terceira. Tal, com efei­
to, como foi estabelecida pelo seu autor, consiste tò-
da nisto: Atrair os homens ao amor de Jesus Cristo,
ao amor da Igreja, à prática das virtudes cristãs."
O ódio a Jesus Cristo é o caráter peculiar da Ma­
çonaria. O grito dos Judeus deicidas; "Não queremos
que Êste seja o nosso Rei" (Lc 19, 14), os maçãos
o exclamam incessantemente; exclamam-no por tô-
da parte, com mais ou menos audácia; e às palavras
acrescentam fatos.
Êles querem furtar Jesus Cristo à criança, secula-
rizando a educação cristã que foi com tanta justiça
resumida numa palavra profunda: "Ensinar Jesus Cris­
to é a instrução tôda"; "Formar Jesus Cristo é tô-
da a educação."
Êles querem furtar Jesus Cristo ao soldado, tiran­
do-lhe o ministério do Padre; aos doentes, aos infeli­
zes que morrem todos os dias às centenas nos hospi­
tais públicos, tirando-lhes o crucifixo, consolador de
todos os sofrimentos, a Irmã de Caridade, os socor­
ros da religião, o sorriso de Jesus à alma que dei­
xa as tristezas do exílio e do pecado para compare­
cer diante dAquele "que julga as justiças".
Êles querem furtar Jesus Cristo à sociedade, à fa­
mília, ao indivíduo, tirando-lhes o Padre que é Jesus
AMOR DE JESUS CRISTO 109

Cristo atuando e o cristianismo em ação. Secar na


fonte as vocações sacerdotais, rarefazê-las, fazer-lhes
respirar a corrupção no seu auge, para transformar
o anjo em demônio; não é êsse o plano urdido pela
Maçonaria desde muitos anos? Não falamos dos Bar-
rabás, dos assassinos, dos comunistas que a Maço­
naria reabilitou, enquanto mandava para o exílio e
para a cruz tantos Religiosos que justamente tiveram
o privilégio de ser o primeiro alvo de tantas per­
seguições e de tantas cóleras furibundas, porque a sua
vocação santa e os seus votos faziam de cada um
dêles uma imagem fiel, um representante visível do
grande Separado do mundo, do grande Consagrado a
Deus: Jesus Cristo.
A êste grito: “Não queremos que Êste seja o nos­
so Rei”, o Terceiro de S. Francisco deve contrapor
estoutro grito que saiu do peito do grande Apóstolo:
“E1 necessário que Èle reine.” (Cor 15, 25.)
Pela leitura e reflexão do Terceiro, deve Jesus Cris­
to reinar sôbre a sua “inteligência”. Se os primeiros
cristãos eram maravilhas de santidade, é que a fisio­
nomia de Jesus Cristo refletia-se no seu rosto em tô-
da a frescura da sua originalidade divina. 0 nosso
cristianismo está embotado porque medeiam vinte sé­
culos entre Jesus Cristo e nós. Jesus Cristo é para
nós já demais personagem histórica, tão afastado de
nós quanto o é a época da sua vida mortal. Pela lei­
tura e reflexão aproximemo-nos dEIe, transponhamos
a distância que nos separa da sua vida mortal; pro-
curemo-Lo no presépio, na oficina, nas suas jornadas
evangélicas, no seu ministério público, na sua intimi­
dade, na Ceia, no Calvário; e êsses contornos vagos
desaparecerão, assim como êsses princípios embota­
dos que constituem o cristianismo de um número de­
masiado grande de católicos.
Terceiros de S. Francisco, lêde a Escritura Sagra­
da, lê de sobretudo o Evangelho, numa tradução apro­
vada pela Igreja; lêde uma página dêle em família,
todos os dias se fôr possível; que esta leitura santa
e santificante consagre as vossas noitadas no lar do­
méstico; derramando ai perfume de piedade que di­
latará as vossas almas e aumentará a alegria do co-
lio ORDEM TERCEIRA FRANClSCANA

ração. “A maioria dos filhos da Igreja — disse Hen­


rique LasSerre — não conhecem do livro divino se­
não fragmentos, sem ordem lógica ou cronológica, re­
produzidos no livro de Missa, nas festas e nos do­
mingos do ano; e não guardam senão algumas cita­
ções particulares que ocorrem mais frequentemente
do que outras nos lábios dos pregadores e nas obras
de piedade, e aquelas acabam forçosamente por entrar
na memória e fazer parte, por assim dizer, do domí­
nio público."
“E entretanto — nota S. Crisóstomo — é dever
de todos os cristãos de ler assiduamente estes livros
sagrados. Não basta não ignorar o que êles contêm,
deve meditá-los para colher dêles a virtude secreta.
Para que vos servirá ouvir explicações que não ces­
samos de vos dar seguidamente, se tomardes inúteis
os nossos esforços, descuidando de tomar conhecimen­
to, de antemão, lendo constantemente êstes mesmos
livros que são o assunto das nossas práticas? Faltan­
do o vosso concurso, não ficará de todo estéril o nos­
so trabalho? Sabei que êstes escritos não nos foram
dados para serem vãos ornamentos em nossas biblio­
tecas, mas a fim de imprimirmos em nós mesmos as
suas lições salutares... Quisera que pelo hábito de
os ler ficásseis compenetrados dêles."
E‘ preciso que Jesus Cristo reine sôbre o “coração”
do Terceiro. Falando dos eleitos que gozam da visão
de Deus, disse Sto. Tomás esta palavra profunda:
“Êles tornam-se aquilo que veem", id quod vident
fiunt, Se vemos Jesus Cristo na leitura constante do
Evangelho, temperada de reflexões e de orações, tor-
nar-nos-emos outros Cristos; realizaremos em nós mes­
mos esta observação que fazia S. Jerônimo sôbre Ne-
pociano: “Êle tinha feito do seu coração a biblioteca
de Jesus Cristo; reproduzia nos atos a página que
acabara de ler.”
Para que nos serviría conhecer a Jesus Cristo, se
não O amássemos, se não O imitássemos? “Ninguém
é cristão —— diz S. Cipriano, *—- se pela santidade de
vida não se esforçar por igualar o Cristo, na me­
dida que o permitir a fraqueza humana.” “Se for­
des cristão — diz S. Gregório de Nissa, — imitai a
AMOR DE JESUS CRISTO lll
Jesus Cristo; que o vosso nome, longe de ser coisa
vazia e vã, tenha tôda a sua significação; enchei tôda
a medida dêste nome com obras condignas.”
Hoje, mais do que nunca, o Terceiro cristão com­
pleto deve ser o Evangelho vivo, concretizado, a dou­
trina, tôda a doutrina expressa pelos fatos. Muito
mais; assim como Jesus Cristo, segundo o ensinamen­
to de S. Boaventura, foi Deus tornado visível, amável
e imitável, deve o Terceiro ser Jesus Cristo imitá-
vel, amável e visível. Êle deve ser Jesus Cristo para
Deus, na adoração e na oração; para o próximo na
edificação e no bom exemplo; para si mesmo, nos
atos de vida irrepreensível diante de Deus e dos ho­
mens, e podendo dizer com o seu divino Modelo: "Qual
de vós me arguirà de pecado?” (Jo 8, 46.) E’ pre­
ciso que Jesus Cristo reine nas famílias dos Tercei­
ros; é preciso que, no meio da corrupção universal,
sejam os Terceiros uma geração casta e crente, achan­
do nos seus princípios de fé a regra dos costumes.
Às escolas sem Deus, sem catecismo, devem contrapor
uma educação inteiramente cristã. Ao sinal de sal­
vação, o Crucifixo, símbolo de tanto amor e de so­
frimento, devem dar em tôda parte o lugar de honra:
na sala de visitas, se possuírem uma; nos seus quar­
tos, nas suas oficinas. Devem persignar-se antes e
depois de tôdas as refeições. E’ preciso que Jesus
Cristo penetre cm tôda parte. Assim se realizará êste
preceito da Regra: “Nas suas famílias, esforçar-se-ão
os Terceiros em dor o bom exemplo, entregando-se
aos exercícios de piedade e às obras de zêlo.”
“Mas graças a Deus — exclama o grande Apósto­
lo, — que sempre nos faz triunfar em Jesus Cristo,
e que por nosso meio difunde 0 conhecimento de Je­
sus Cristo; porque nós somos diante de Deus o bom
odor de Cristo, nos que se salvam, e nos que pere­
cem; para uns, na verdade, cheiro de morte, e para
outros cheiro de vida para a vida.” (2 Cor 2, 14-16.)
Filhos de S. Francisco, não vos enganeis, não vos
contenteis em adorar a Jesus Cristo na igreja, na sa-
cristia ou na ante-sacristia; sêde dÊle em tôda par­
te; sêde dÊle em todos os tempos; sêde dÊle, mau
grado a coalísão tramada contra a sua Pessoa por
112 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
tôdas as impiedades do dia. Não foi file mesmo quem
disse: "Porque, se nesta geração adúltera e pecadora
se envergonhar alguém de mim e das minhas pala­
vras, também o Filho do Homem se envergonhará
dêle quando vier na glória de seu Pai acompanhado
dos santos Anjos." (Mc 8, 38.) Seríeis covardes se
desprezásseis um Amigo no infortúnio. Seríeis covar­
des não reconhecendo a Jesus Cristo, porque file tor­
nou-se "impopular".
Que importa, de resto, ao cristão sincero, ao cató­
lico inteiriço, ser o vencido de um dia? file tentará o
impossível, se preciso fôr, de preferência a transigir
com a consciência e com a fé, aceitará a perseguição,
não recuará diante do exílio; e a sua última palavra,
sob o punhal que o traspassar, será o grito da alma
que espera ao invés de tôda a aparência e de tôda
humana esperança: Deus "não morre"!
Capítulo III
AMOR DA ORDEM SERÁFICA POR JESUS CRISTO
LUTERO INCLINOU-SE DIANTE DE S. FRANCISCO DE
ASSIS. — O PAI SERÁFICO, FOCO DE AMOR COMU­
NICATIVO POR JESUS. — DEVOÇÃO AO PRESÉPIO
E AO CAMINHO DA CRUZ; AFIRMAÇÃO PRATICA DA
DIVINDADE DE JESUS CRISTO. — CULTO DO NOME
DE JESUS. — MARIA HONRADA POR CAUSA DE JE­
SUS, PRINCIPALMENTE NO MISTÉRIO DA SUA IMA­
CULADA CONCEIÇÃO.

Lutero procurou macular aa mais belas glórias do


Catolicismo, mas não ousou tocar em S. Francisco de
Assis. Diante desta fisionomia tão simpática quão so­
brenatural, Francisco de Assis, Lutero calou a sua
üngua viperina. Aquêle que Lutero respeitou, incré­
dulos e racionalistas decantaram e ainda hoje o fa­
zem. Com a sua divina poesia, com os seus gestos
cavalheirescos e a sua ternura inefável para com to­
do ser criado, o Seráfico Francisco exerce sôbre tô-
das as almas de todos os séculos uma influência es­
pantosa que se traduz por maravilhas de santidade
e de amor em todos os estados de vida. No anzol
do celestial pescador, é Francisco de Assis um boca­
do divino para atrair os corações ao conhecimento
e ao amor de Jesus Cristo, fundamento da vida cristã.
A Igreja chama Francisco de Assis de Seráfico. E'
porque êle é um vasto foco de amor, aceso ao con­
tacto do Coração de Jesus para irradiar por todos os
lados. Mas, se ilumina aquêles que estão longe, como
não o fará aos que estão perto: à sua imensa Famí­
lia que deve durar até o fim dos tempos, segundo a
promessa formal de Jesus Cristo. De resto, está aí
a História para dizer a todos que a santidade dos
Fiihos deste grande Patriarca, colocados pela Igreja
sôbre os altares, está assinalada por ternura simples,
confiante e ingênua por Jesus .Cristo e pelas almas.
“Uma das grandes necessidades da nossa época —
disse o célebre pregador irlandês, Pe. Burke — não
Eapirito da Q T — 8
114 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

é tanto a fé como a ternura e o amor a Jesus Cristo.”


Ora, segundo a palavra do santo abade Lacombe de
Chartres: “As almas ternas para com Nosso Senhor
são raras.” E, entretanto, ao ódio profundo, que ani­
ma os maçãos contra Nosso Senhor Jesus Cristo, de­
vemos contrapor os ardores de amor comunicativo,
cujo alimento seja a generosidade; nossas tradições
de Família, nossos deveres de Terceiro, corroboram
aqui as obrigações do cristão.
A Ordem de S. Francisco tem duas grandes devo­
ções: o Presépio e o Calvário. Ora, o que são o Pre­
sépio e o Calvário, senão a adoração, o amor da po­
breza e do sofrimento, em contraposição ao confor­
to e ao prazer que a Maçonaria aconselha com tena­
cidade, e se ousamos dizer, faz propaganda como se
fôra o seu caixeiro viajante? O que são o Presépio
e o Calvário senão a mais franca afirmação e a mais
autêntica da divindade de Jesus Cristo? Vós, livres-
pensadores, vós o denominais adorável quando Êle sub­
juga as massas; é que diante da sua fisionomia sôbre-
humana vos confessais ofuscados. Para nós Ele é
igualmente adorável e adorado no Presépio, nos bra­
ços de sua Mãe, nos vagidos da infância e nas igno­
mínias do Calvário. E' que para nós a sua grandeza
está nÊle mesmo... Êle é Deus.
Sabe-se como o Seráfico Francisco introduziu na
Igreja a devoção ao Presépio; e como a sua Ordem
tem sobretudo a missão de redizer ao mundo o mis­
tério da Cruz, na expressão da sua pobreza, do seu
sofrimento, da sua austera e sublime simplicidade.
Eis por que a Igreja confiou aos Irmãos Menores a
guarda dos Lugares Santos. Desde seis séculos, cada
polegada de terreno lhes custa um mártir. Não im­
portai Éles são fiéis à sua missão de anunciar ás al­
mas Jesus e Jesus "crucificado”.
^Um dos recursos mais eficazes desta missão é, sem
duvida, aconselhar o Caminho da Cruz ou Via Sacra;
e o Caminho da Cruz, sabe-se, são os Lugares Santos
transportados perto de tôdas as almas que querem
AMOR DA ORDEM SERAFlCA lis

lembrar-se do Calvário. O Caminho da Cruz é bom


para todoa; é também para a senhora no século, para
a mulher da sociedade, que êle prepara para os de­
veres austeros da maternidade e para a prática do
zêlo pelas almas.
O caminho da cruz é a grandeza dos pequenos, a
fórça dos fracos, o livro do ignorante, o consôlo de
todos que sofrem. Terceiros de S. Francisco, e vós so­
bretudo, pais de família, chefes de oficina, homens do
povo que carregais o pêso do dia e do calor, não dei­
xeis a vossas espòsas, a vossas filhas, a vossas mães
cristãs, todo o encargo de continuar, sobre o Calvá­
rio da lembrança, a missão consoladora das filhas de
Jerusalém chorando sôbre Jesus. ‘Sereis assim uma
demonstração viva da divindade de Jesus Cristo. Não
somente houve predição da Cruz, mas também foram
anunciadas as lágrimas que ela faz derramar e a
compun&ão que por tôda parte desperta. O Caminho
da Cruz percorrido em espírito é a realização des­
ta profecia: "E eu derramarei sôbre a casa de Davi
e sôbre os habitantes de Jerusalém um espírito de
graças e de preces, e êles porão os olhos em mim, a
quem traspassaram. — E chorá-Lo-ão com pranto co­
mo se chora um filho único, e terão dfile um senti­
mento como se costuma ter na morte de um primo­
gênito. Naquele dia haverá um grande pranto em Je­
rusalém e a terra chorará; e tôdas as famílias chora­
rão.” (Zac 12, 10-14.)
Formou-se em nossos tempos uma sociedade tendo
por fim fazer desaparecer de tôda parte o nome de
Deus: das conversas, da literatura, de todos os há­
bitos da vida. Terceiros de S. Francisco, oponde-vos
a êste terrível mal, efeito de um ódio infernal, no
seu paroxismo, pelo culto do Nome de Deus. Ora, o
nome próprio de Deus Homem, o seu nome autênti­
co chegado até nós, é Jesus. Estava reservado à Or­
dem Seráfica dar corpo à devoção dêste divino No­
me e de propagá-lo na Igreja a despeito das calúnias
e dos esforços contrários. S. Bernardino de Sena foi
i*
us ORDEM TERCEIRA FRANClSCANA

por excelência o arauto imortal do Nome de Jesus.


Coisa admirável! Sena que viu nascer S. Bernardi-
no, o cantor incomparável de Jesus e de sua Mãe,
vê nascer, um século mais tarde, a Socin, o fundador
da Maçonaria. Apoiando-se sobre os princípios subver­
sivos de Lutero, èle negou a inspiração da Bíblia e
da divindade dAquele de que está cheia cada página
da mesma: Nosso Senhor Jesus Cristo. Deus parece
comprazer-se nestes contrastes que são para nós um
ensinamento. £les dizem-nos que êste mundo é o mun­
do da luta e do combate; que o bem e o mal tocam-
se; que as duas cidades avizinham-se. Ao lado de
Satanás, que dá o grito de revolta: “Não obedece­
rei”, há sempre Miguel e os seus anjos com o grito
de reunir: “Quem é como Deus”?
Unamo-nos com Jesus Cristo pela invocação assídua
do seu Nome, verdadeiro exorcismo sempre ao nosso
alcance, nessas horas de trevas em que parece estar
o inferno desencadeado na terra. Comunhões frequen­
tes: é o supremo interesse de Jesus e das nossas al­
mas, Reparemos dêste modo os sacrilégios, os escân­
dalos, as profanações espantosas, repulsivas, que inspi­
ra a Maçonaria animada pelo inferno. Ouçamos to­
dos os dias a S. Missa; afirmemos que Jesus Cristo
está sempre vivo, vinde procurá-Lo todos os dias no
Santo Sacrifício, para em seguida tê-Lo durante to­
do o dia. Respeitemos o Padre, tenhamos a devoção
do Padre, assim como tinha o Seráfico Pai. Êle dizia:
“Eu quero honrar os Padres, eu quero temê-los e amá-
los como a meus Mestres. E não quero considerar os
pecados deles, porque vejo nêles o Filho de Deus, e
que neste mundo não vejo outra forma palpável do
Filho de Deus altíssimo que não sejam o seu sagrado
Corpo e o seu precioso Sangue, que os Padres consa­
gram e que só êles administram aos outros.”
Amemos a Maria que nos deu e conservou a Jesus.
Lembremo-nos que a Ordem de S. Francisco sustentou
para honra de Jesus Cristo as prerrogativas da sua
Mae, com ardor nunca desmentido e com perfeita or-
AMOR DA ORDEM SERAFICA 117
todoxla, antecipando de longa data a proclamação do
dogma da Imaculada Conceição. Para honrar a Je­
sus Cristo veneremos a Maria também nós; unamo-
nos a ela para refletir em nós a semelhança de Je­
sus, para melhor sustentar o choque das últimas lu­
tas, reservadas aos Amigos da Cruz. Maria é Mãe
daqueles que combatem por seu Filho. Ora, o sorri­
so e os cuidados de uma mãe, que, no campo de ba­
talha, o coração do soldado moribundo debalde es­
pera, serão o nosso privilégio; eletrizando a nossa co­
ragem, embalarão a nossa agonia.
Enfim rezemos o nosso Ofício de cada dia, em união
com Jesus Cristo, com as intenções que animavam
a sua oração, no tempo da sua vida mortal, e ainda
O animam agora que está assentado à direita do Pai.
No meio de tôdas as blasfêmias, e de tôdas as nega­
ções que repetem em côro os inimigos da Cruz, nos
fará exclamar mil vêzes por dia, do fundo do cora­
ção : Viva Jesus!.
Capítulo IV

A ORDEM TERCEIRA ATRAI OS HOMENS


AO AMOR DA IGREJA
ESPIRITO EMINENTEMENTE CATÓLICO DOS PRIMEI*
ROS TERCEIROS. — QUER-SE BANIR A IGREJA DE
TODA PARTE: PROCUREMOS RETÊ-LA NO MEIO DE
NOS. — A BOCA DA IGREJA Ê O PAPA. — DEVOÇÃO
DE S. FRANCISCO PELO PAPA. — O SEU ESPIRITO
COMUNICOU-SE AQUELES QUE MILITAM SOB O SEU
ESTANDARTE. — OBEDIÊNCIA, RESPEITO, AMOR AO
PAPA.

A cidade do mal sempre atacou a cidade de Deus


que é a Igreja. Os imperadores alemães, os muçulma­
nos, os albigenses, atacaram-na com raiva infernal na
Idade Média, Sabe-se o que então fêz para a Igreja
a Ordem Terceira de S. Francisco. "Apenas fundada
— diz o autor da "Regra Seráfica", — esta Ordem
estendeu-se maravilhosamente e invadiu todos os de­
graus da hierarquia social. Os Terceiros viam-se em
tôda parte: na côrte, no exército, nos cargos públi­
cos, em tôdas as profissões honestas; e êstes cris­
tãos generosos e dedicados cumpriam sem afetação e
sem respeito humano os deveres da sua Regra, assim
dando a todos o exemplo da perfeição própria ao
estado secular."
Leão XIII disse por sua vez: "Os membros da Or­
dem Terceira sempre mostraram o mesmo grau de
piedade e de coragem na defesa da religião católi­
ca; se estas lhes custaram o ódio dos maus, ao me­
nos lhes valeram a estima dos sábios e dos bons, que
é a coisa mais honrosa e a única a pretender-se. E
tendo mesmo o nosso predecessor Gregório IX elo­
giado publicamente a sua fé e coragem, não hesitou
em protegê-los com a sua autoridade e em conferir-
lhes o título elogioso de Soldados do Cristo e de No­
vos Macabeus.” (1)
Terceiros de S. Francisco, deveis ser, outrossim, em
pleno século vinte, soldados de Jesus Cristo e novos
1) Encíclica “Àtupicato”,
AMOR' DA IGREJA 110

Macabeus, Não ignorais que no declínio da nação ju­


daica, a família dos Macabeus tomou a si, como he­
rança sagrada, a devotamento à lei de Moisés, ao cul­
to de Deus; e cada ataque contra o povo de Israel
encontrou nêles heróis à altura da provação. Como os
Macabeus, sêde os soldados de Jesus Cristo; defen­
dei a Igreja, sua espôsa; rodeai-vos com uma barrei­
ra intransponível dc sacrifícios, de orações, de esfor­
ços e de heroísmo, se preciso fôr.
Os maçãos trabalham para destruir a Igreja. "Se­
paração da Igreja e do Estado": eis aí o seu grito de
guerra! Vós guardareis a Igreja, ligando-vos a ela
mais fortemente do que nunca. Em Emaús os discí­
pulos disseram a Jesus que lhes aparecera sob o as­
pecto de um peregrino: "Fica em nossa companhia,
porque é já tarde.” (Lc 24, 29.) Obriguemos a Igre­
ja a ficar conosco; forcemo-la pelas nossas santas
importunações a não abandonar o nosso solo fecundo
para ir fecundar outros, em nosso detrimento; prome­
tendo-lhe derramar sôbre os outros povos, menos pri­
vilegiados que nós, a superabundância de graças que
ela verter em nossas almas. Faz-se tarde e as trevas
da noite estendem-se sôbre o mundo # * 4

Apoiemos a Igreja de todos os modos. Se tendes


filhos, ensinai-lhes o respeito pela Igreja. Pedi a Deus
que inspire a um dêles o desejo de ser Padre, ser
Missionário. Assim dareis à Igreja mais um capitão;
e êste capitão recrutará novos soldados; e êstes no­
vos soldados irão plantar a bandeira da pátria, o es­
tandarte da fé católica em novas terras. Orai pela
Igreja; pela Igreja, rezai o vosso Ofício, bem con­
vencidos que a vossa hora de ofício é a vossa hora de
guarda, a vossa hora de sentinela sôbre as muralhaB
da Cidade Santa. Isaias diz-vos em têrmos formais:
"Sôbre os teus muros, ó Jerusalém, pus guardas; êles
não se calarão jamais nem em todo o dia nem em
tôda a noite. Vós os que vos lembrais do Senhor, não
vos caleis, e não estejais em silêncio diante dÊle até
que estabeleça e ponha a Jerusalém (figura da Igreja)
por objeto de louvor na terra.” (Is 62, 6.)
Sim, caros Terceiros, orai pela Igreja, vossa Mãe.
Ela gerou-vos para a vida da graça, ela sôbre vós
120 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

vela pelo ministério dos seus Padres, - ela nutre-voa


com o leite da sua doutrina, ela serve-vos o vinho
generoso dos Sacramentos; desde o bêrço até o tú­
mulo, não há uma fase na vossa vida que ela não
santifique e que ela não dirija para o alvo supre­
mo de tôda existência humana: o. céu. Sm compen­
sação, dai à Igreja a vossa pena, a vossa palavra,_o
vosso dinheiro, a vossa influência, a vossa dedicação
sob tôdas as formas, e, qualquer que seja a vossa
posição, o exemplo da vossa vida. Mais do que nun­
ca a Igreja resume-se e concretiza-se para nós no
Papa; no Papa, bôca da Igreja, Vigário de Jesus
Cristo, elo da Hierarquia sagrada, sendo ao mesmo
tempo a sua fonte. Não é aqui o lugar de expor os
fundamentos da nossa devoção ao Papa. Limitar-
nos-emos em citar o exemplo do Seráfico Pai de quem
sois filhos e cujas tradições quereis seguir. "Em tô­
das as coisas — diz em resumo um douto e piedoso
escritor — Francisco de Assis, que sabia ir direito
ao alvo, praticou a submissão e obediência à Igreja
Romana, sede do Vigário de Jesus Cristo sôbre a ter­
ra; e êle glorificava-se de inculcá-las aos seus filhos
até a morte.” Assim êle inicia a sua Regra aos Irmãos
Menores: "O Irmão Francisco promete respeito e obe­
diência ao Papa Honório e aos seus sucessores canô-
nicamente eleitos e à Igreja Romana.” Tinha o cos­
tume de dizer que não se podia fundar coisa alguma
estável, em matéria de Ordens religiosas, sem o con­
sentimento e a aprovação do Soberano Pontífice.
Nós sabemos todos como os seus atos correspon­
deram às palavras. Diversas vêzes recorreu o Pai Se­
ráfico ao Papa para obter a confirmação da sua Re­
gra, se bem que ela tivesse sido ditada por Jesus Cris­
to em pessoa, e que nenhuma lei expressa o obrigas­
se a êste ato. Êle recorreu ao Papa para obter licen­
ça de ir com os seus Irmãos propagar a fé entre os
infiéis e de pregá-la aos fiéis; tinha, entretanto, sa­
bido, por revelação divina, que êle era destinado a
êste ministério apostólico. Recorreu ao Papa para obter
a célebre indulgência da Porciúncula, concedida pri­
meiro de viva voz por Jesus Cristo e sua divina Mãe;
e depois, recorreu uma segunda vez para determina-
AMOR DA IGREJA 121

ção da época, já indicada pelo próprio Salvador. Fran­


cisco solicitou ao Papa a licença de representar nas
igrejas a cena do mistério do Presépio; e era apenas
simples prática de devoção. A inspiração divina fê-lo
pedir ao Papa, para a sua Ordem, um Cardeal Pro­
tetor contra os vexames e calúnias que iam acome­
tê-lo. A Regra composta para a sua admirável imi-
tadora e filha, Clara de Assis, assim como também a
Regra da Ordem Terceira, principiam por ato de res­
peito e de profunda submissão à Igreja Romana, mãe
e senhora das outras Igrejas.
Em suma, o Pai Seráfico não diz uma palavra, não
dá um passo, não toma disposição alguma, que não
seja assinalada de submissão c devoção ao Papa. E‘
a esta devoção que se deve atribuir principalmente o
êxito das suas grandes e vastas empresas para a gló­
ria de'Deus, o bem da Igreja, a salvação do próximo:
o rápido estabelecimento da sua Ordem e a sua pro­
pagação universal; a sua manutenção através dos sé­
culos e as suas numerosas reformas, sob a mão pode­
rosa da Igreja que, desde a sua instituição, a defen­
deu e protegeu com tanta solicitude.
O espírito do Pai perpetuou-se nos filhos. “E' um
fato digno de nota — diz um historiador protestante,
— que em tôda parte vêem-se os Franciscanos fazerem
parte da escolta do Papa." Por que admirar-se? "O
Papa é a pedra angular da Igreja de Jesus Cristo.
Desligar-se do Papa é desligar-se da Igreja; e re­
nunciar à Igreja é renunciar ao próprio Jesus Cris­
to, do qual ela é órgão": tal foi, sob a mão do car­
rasco, a profissão de fé de S. Nicolau Pick, ilustre
chefe dos mártires de Górcum, por excelência márti­
res do Papado assim como da Eucaristia.
Obedeçamos ao Papa; êle é o' doutor infalível da
verdade, e, pode-se dizer, o termômetro sempre exato
da Fé.
Respeitemos o Papa. O Papa é Jesus Cristo na ter­
ra; é como "Sacramento" vivo que encerra a verdade
prática, a verdade aplicada às dificuldades que sur­
gem, aos problemas que são propostos. O Papa, co­
mo a Igreja, da qual êle é a expressão na sua mais
elevada potência, é tuna extensão mil vezes abençoa-
132 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
da da incamação do Filbo de Deus, dêste Jesus “cheio
de graça e de verdade” (Jo 1, 14) e que, pela Igreja,
nos faz participantes da sua plenitude.
Amemos o Papa. Se êle é o nosso chefe, êle é tam­
bém nosso Pai; e antes de confiar-nos a êle, Jesus
exigiu do mesmo, na pessoa de Pedro, um triplo amor,
um amor no grau superlativo. E’ o amor que lhe abriu
as portas do aprisco, onde Pastores e cordeiros para
sempre ficarão sob o seu santo cajado. (Jo 21, 15-17.)
Amemos o nosso Pai por nossa vez; demos-lhe o ouro
da nossa bôlsa; demos-lhe sobretudo o ouro dos nos­
sos corações, com a inteira submissão das nossas in­
teligências ao seu ensinamento infalível.
Capitulo .V
A ORDEM TERCEIRA
DEVE ATRAIR TODOS OS HOMENS
À PRATICA DAS VIRTUDES CRISTÃS
CONSEQUÊNCIAS DA NEGAÇÃO DO PECADO ORIGt-
NAL: A ORDEM NATURAL SOFRE TANTO COMO A
ORDEM SOBRENATURAL. — APOTEOSE DO SENSUA­
LISMO. A PENITÊNCIA Ê O SEU ANTÍDOTO.
S. FRANCISCO MANDADO COMO OS APÓSTOLOS PA­
RA PREGAR A PENITÊNCIA. — A ORDEM TERCE r-
RA, REGRA DE PENITÊNCIA

Negando o pecado original, a Maçonaria ensina que


a natureza humana é perfeita, que tôdas as suas ten­
dências são excelentes, e que segui-las é o que se
tem de melhor a fazer. Às palavras acrescenta fatos:
o conforto da vida, teatros de onde se haniu o pudor,
romances perigosos, imprensa leviana, escritos por­
nográficos; não há nada que não invente a Maço­
naria e não espalhe com atividade extraordinária pa­
ra que o homem encontre o seu paraíso na embria­
guez dos sentidos.
Observemos que ao invés das reivindicações dos
direitos dos homens, a Maçonaria faz valer despoti­
camente os seus, procurando escravizá-los de todo:
"Encontram-se sectários na Maçonaria — diz o Papa,
— que sustentam ser preciso empregar sistematica­
mente todos os meios de saturar a multidão de ví­
cios e de corrupção; bem certos de tê-los dêste modo
inteiramente nas suas mãos e de fazê-los servir de
instrumento para a realização dos seus mais audazes
projetos." Os romanos degenerados que só pediam duas
coisas, "pão e circo", aceitavam tôdas as servidões.
Com êstes princípios que consideram o vício e a
virtude consequências de temperamento, de meio, de
preconceitos, de fanatismo; produtos naturais "como
o açúcar e o vítríolo", adivinha-se facilmente o que
fica sendo a honestidade humana. "Passemos sob si-
124 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

lêncio — diz o Papa — as virtudes sobrenaturais que


ninguém pode praticar nem adquirir a menos de um
dom especial de,Deus; virtudes de que é impossível
encontrar vestígios naqueles que fazem profissão de
ignorar desdenhosamente a redenção do gênero hu­
mano com tôdas as suas consequências.”
O mais desenfreado sensualismo é a consequência
necessária, a moral indispensável e legítima da nega­
ção de Deus e da ordem sobrenatural. Ora, o sensua­
lismo reina por toda parte, tornou-se um realismo
terrível; realismo 11a literatura, nas artes, nos hábi­
tos da vida. O progresso moderno que centuplicou o
gôzo e suprimiu na mesma proporção o esforço, acar­
reta por tôda parte o prazer sensual com a rapidez
do vapor. O sensualismo penetra por tôda parte: na
família, onde se foge aos encargos e responsabilida­
des da paternidade, porque custa; na criança, ídolo
às vêzes “terrível” da família; no povo como na classe
elevada; até procura invadir o santuário. Hoje, não
se sabe mais querer, querer apesar de tudo, querer
mau grado tôdas as dificuldades. E neste ponto, quan­
tos conservadores, quantos católicos, quantos homens
da Igreja, de tôdas as categorias, precisam dizer o
mea culpa!
Em que ponto difere a prática dêles da teoria dos
próprios maçãos; e num sentido, como são mais cul­
pados pois que pecam em plena luz? Ora, para esta
sociedade que vai para a ruína completa, devemos
nós, filhos do Estigmatizado do Alverne, na medida
das nossas humildes fôrças, restituir os princípios do
cristianismo resumido nesta palavra: "abnegação”.
O cristianismo é o reino da virtude na universali­
dade das suas relações e exigências. Ora, é impos­
sível praticar a virtude sem esforço; o nosso divino
chefe nos ensina em termos formais: "Se alguém quer
vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz
cada dia, e siga-me.” (Lc 9, 23.)
Abnegação é uma palavra já por demais genera­
lizada. O homem de sociedade faz valer a sua abne-
PRATICA DAS VIRTUDES CRISTAS 120

gação e tem-na a seu modo. A pessoa possuída de


paixão violenta tem abnegação transviada; por exem­
plo: o ambicioso, o vingativo, o amante desesperado,
capazes doa maiores sacrifícios para satisfazerem a
febre que os devora.
Para nós cristãos, reveste-se a abnegação da sua
verdadeira forma, da sua fisionomia completa, na vir­
tude da "penitência”. A penitência diz-nos que fomos
concebidos no pecado; que foi preciso nada menos que
o Sangue de um Deus para lavar as nossas iniqui-
dades; e que somente pela mortificação aplicaremos
em nós a virtude fecunda dêsse Sangue.
Os Apóstolos atiraram esta palavra, esta virtude
da- penitência na corrupção do império romano gan­
grenado; e o lêvedo fêz fermentar a massa e operou-
se uma criação nova. S. Francisco caminha nas pega­
das dêles. Ã corrupção dos costumes, trazida princi­
palmente pelo contacto da Europa cristã com o Orien­
te mergulhado no mais terrível sensualismo, êle con­
trapõe o Evangelho em tôda a sua austeridade. Não
há fraquezas nas suas práticas; são empolgantes de vi­
gor e de ousadia de forma, temperada por imensa ter­
nura pelos almas. Êle e os seus discípulos são a pe­
nitência em ação. Segundo a observação de Tomás
de Celano, êles se julgam chamados a pregar um Evan­
gelho de "penitência”.
Ah! é que a penitência é a virtude na sua expres­
são sangrenta, mas necessária. Ela nos impõe o de­
ver como reparação para um passado vazio de Deus
e que já está bem cheio de nós mesmos. Ela nos guar­
da de sobreaviso no presente. Ela previne as funestas
surpresas do futuro. À consciência prática da falta
original e dás suas consequências deploráveis, que o
despertar das paixões não deixa de excitar em nós,
ela acrescenta os meios eficazes de não recair no
mesmo estado, fazendo-nos-remar contra a corrente.
Se o Evangelho é um Evangelho de penitência, a
Ordem Terceira, como o seu nome o indica, é a Or­
dem da Penitência. Para que tôdas estas prescrições,
126 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
para que êstes jejuns, abstinências, para que a fuga
do mundo e das assembléias ruidosas, bailes e teatros
ücenciosos, para que esta proibição escrupulosa de tu*
do o que podería ser para as paixões sempre vivazes,
apesar de sempre subjugadas, a faixa que determi­
na a explosão? Para que êste exame minucioso de tô-
das as faltas do dia, prescrito pela Begra franciscana?
Todas as prescrições baseiam-se sôbre esta convicção
que o homem pecou, que precisa de expiação; que a
expiação é para êle, ao mesmo tempo, uma satisfa­
ção dada a Deus, e um remédio necessário que deve
tomar em doses contínuas. Sem isto, ficaria asfixiado
pelas exalações da sua parte inferior e pela atmos­
fera ambiente, tôda saturada de sensualismo.
Terceiros de S. Francisco, possais compenetrar-vos
cada vez mais dêste espírito de penitência, que está
em oposição ao espírito maçônico e ao espírito mun­
dano! Vós sereis então a luz das almas, e o sal da
terra: a Ordem Terceira terá feito de vós cristãos
completos.
Capítulo VI

A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO


E A LIBERDADE
A LIBERDADE É A POSSE DE SI MESMO NA ORDEM.
— SUBMETER A CARNE AO ESPÍRITO; O ESPIRITO
A FÉ; A FÉ AO AMOR DE DEUS. — TAL Ê O DESÍGNIO
DO EVANGELHO; TAL É, NO FUNDO, O DESÍGNIO DA
ORDEU TERCEIRA. -

"Que esta associação — diz o Papa, falando da


Ordem Terceira na sua Encíclica Humanum genus, —
que esta associação faça todos os dias novos progres­
sos. Entre as numerosas vantagens que dela se pode
esperar, há uma que tem a primazia sôbre tôdas as
outras: esta associação é uma verdadeira escola de li­
berdade, fraternidade e igualdade, não da maneira
absurda como entendem os maçãos, mas tais como
Jesus Cristo quis enriquecer o gênero humano e co­
mo S, Francisco as pôs em prática.”
Como é que a Ordem Terceira de S. Francisco pro­
duz a liberdade? "Nós referimo-nos aqui à liberdade
dos filhos de Deus — continua o Papa, — em nome
da qual recusamos obedecer a êstes senhores iníquos
que se chamam Satanás e as más paixões.” A liber­
dade é a posse de si mesmo na ordem; é a carne su­
jeita ao espírito, o espírito à fé, a fé a Deus.
A liberdade é, antes de tudo, o reino do espírito sô-
bre a carne, e acabamos de ver o que para isto faz
a Ordem Terceira. A Ordem Terceira é uma lei de
penitência proporcionada a todos os estados. O seu ver­
dadeiro nome é a "Ordem Terceira da Penitência”.
Sem a penitência, êste contrapêso sobrenatural que
Deus nos deu para equilibrar a nossa natureza de­
caída, não observaríamos a lei natural, a carne triun­
faria do espírito. Porque tudo cansa neste mundo,
até a virtude. Por mais perfeita que seja a pêndula,
os seus pesos inclinam-se de per si para a terra, e
acaba parando se não derdes corda regularmente. Ora,
a penitência é a mola da nossa vida moral; e con­
forme ela se afrouxar mais ou menos, na mesma pro-
128 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
porção rebaixar-se-á a vida do espírito. Ao mtuido
materializado clamou a Virgem de Lurdes três vêzes:
"Penitência! Penitência! Penitência!" Ao mundo ma­
terializado, o Vigário de Jesus Cristo, eco fiel de Ma­
ria Imaculada, disse três vêzes com voz solene: “En­
trai para a Ordem Terceira da Penitência.” Êle dis­
se-o na sua Encíclica Auspicato; êle repetiu-o na sua
Constituição Miserícors Dei Filius; êle repete-a ain­
da na sua Encíclica Humanum genus. Eis o primeiro
grau da nossa liberdade.
Eis aqui o segundo: sujeita a carne ao espírito,
é preciso submeter o espírito à fé. “Não creiais —
disse Bossuet — que o homem seja só levado pela in-
temperança dos sentidos. A intemperança do espírito
não ê menos tentadora. Como a outra ela também
tem prazeres secretos e irrita-se com a proibição. O
soberbo crê elevar-se acima de tudo e acima de si
mesmo, quando se eleva, ao que lhe parece, acima
da religião que tanto tempo venerou; põe-se em o nú­
mero das pessoas desiludidas; insulta no coração aos
espíritos fracos que só acompanham os outros sem
quererem pensar por si mesmo, tomando-se assim
o único objeto das suas complacências, fazendo de si
mesmo-um deus.” A penitência é a disciplina da car-
ne; a fé é a disciplina do espírito. Tudo aí é lógico:
Deus existe, Ele pode revelar-se; file revelou-se em
Jesus Cristo e por Jesus Cristo; e Jesus Cristo é con­
tinuado pela Igreja; e a cabeça e a voz da Igreja é
o Papa. Eis aí os nossos princípios e as nossas con­
vicções, eis aí a nossa fé.
Mas nós vivemos numa época em que é preciso
ter coragem para crer. Em certos meios não basta ter
coragem, ê preciso heroísmo. Por outro lado poucos
são capazes dêste heroísmo e desta coragem. Eis por
que o respeito humano faz tantas vítimas.
A Ordem Terceira de S. Francisco deve reagir con­
tra essas crenças que se esquivam por interesse e por
mêdo: conseguirá isto procurando reunir as almas em
grupo. A Maçonaria não é forte senão pela união;
esta união ela funda e corrobora com tôdas as des-
uniões que suscita: desunião da família pelo divórcio
e pelo que prepara o divórcio; desunião do pai com
A LIBERDADE 129

a mãe e os filhos nos divertimentos e nas distrações


da vida; desunião de tôdas as associações que não
se prendam à Maçonaria, por corporações operárias
estranhas ao seu espírito; desunião da Igreja sobre­
tudo, da Igreja que é, mau grado tôdas as mentiras
dos seus inimigos, a maior escola de liberdade. A Ma­
çonaria é fiel à sua senha: “Dividir para reinar”.
Ela ê mestra consumada na arte de isolar o homem
de todos os laços que poderíam prender o seu cora­
ção, a sua alma, a sua atividade, o próprio corpo. De­
pois disto, denominaram crime a abnegação crístã,
dizem que ela nos mutilai Não, ela não nos mutila;
ela só arranca o joio do campo, os galhos secos da
árvore, enquanto que a Maçonaria corta a árvore e
põe tõda a colheita no fogo. Ela traz na verdade a sua
marca de fábrica: vê-se bem que o seu inspirador ocul­
to é “o homicida desde o princípio". (Jo 8, 44.)
A cidade do mal une-se para a negação; sejamos
unidos para a afirmação dos verdadeiros princípios.
Sem dúvida não precisamos sair do cristianismo para
encontrarmos a gente de bom tom e a melhor socie­
dade. Que sociedade é comparável à Igreja Católica?
Interroguemos o seu passado e presente! Mas tam­
bém quantos cristãos honorários, que só têm de cris­
tão o nome; que apenas dão a cotização anual de
uma Missa ouvida todos os domingos talvez. E como
são raros os membros verdadeiramente ativos em
certos meios: meios populares, meios aristocráticos,
meios burgueses, meios industriais, meios burocráticos.
Ora, é preciso unirem-se para reagir contra a cor­
rente; mas não é possível essa união senão num acor­
do aceito por todos, numa convenção precisa e prá­
tica. Unamo-nos no terreno do cristianismo, que a
Ordem Terceira determina e aplica nas minúcias da
vida pelas suas regras, seu espírito e suas tradições.
Homens de boa vontade, sois apenas dois, três, quatro
num lugar onde tudo transpira indiferença, para não
dizer ódio contra a religião; uni-vos não somente
' numa convenção que regula certos atos exteriores,
certos atos de caridade, a visita, o apostolado dos po­
bres, por exemplo; uni-vos ainda numa convenção que
vos empolgue vivamente, no íntimo da vossa alma.
Espírito da O T — 9
130 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
Hoje menos que nunca deveis contentar-vos com obras
e programas. Quantas misérias, quanta3 divisões, quan­
tas divergências deploráveis se dão! Que resultados
medíocres depois de tantos reclames, prospetos e anún­
cios! Certamente não seremos nós que diremos mal
das obras; tudo o que fôr católico, aceitamos de bom
grado, e queremos promover com tôda a nossa alma
e com todas as nossas fôrças. Mas nós dizemos que
não bastam as obras; que o operário destas obras
não deve ser menor do que o efeito que produz; que
antes de tudo deve ser sincero, de acôrdo com os seus
princípios, cristão da gema, digamos a palavra. Ora,
a Ordem Terceira auxilia muito neste ponto: o Papa
di-lo e torna a dizê-lo, a história testemunha-o, a ex­
periência confirma-o de todos os modos.
A disciplina da carne é a penitência; a disciplina
do espírito é a fé; a disciplina da fé ê a união com
Deus pela graça santificante sempre, entre tida em
nós. Ora, a observação fiel dos mandamentos de Deus
e da Igreja ê o alimento necessário desta graça. Je­
sus Cristo disse-o: “Se alguém me ama guarda a mi­
nha palavra.” (Jo 14, 23.) “Se tu queres entrar na vi­
da, guarda os mandamentos.” (Mt 19, 17.) Muitos ca­
tólicos esquecem na prática as palavras do soberano
Mestre. Para êles é a religião um sistema aplicado;
é um programa exterior, um rótulo que faz bom efei­
to, onde talvez a política tem a sua parte. £ depois
como não ser religioso? A religião ê uma tradição
de família; têm-se mulher e filhos cristãos; foi-se edu­
cado por Padres; vai-se à Missa, faz-se mesmo a Pás­
coa. Nisto consiste tôda a religião para um grandís­
simo número; se não é a fé sem as obras, é a fé sem
a totalidade das obras. Ora, está escrito: “Qualquer
que tiver guardado tôda a lei, e faltar em um só pon­
to, fêz-se réu de ter violado todos.” (Tgo 2, 10.) Daí
para nós a obrigação de observar todos os preceitos
graves da lei divina sem nenhuma exceção, sob pena
de decair desta feliz liberdade com que Jesus Cristo
nos presenteou pela sua paixão e morte.
O que são os regulamentos em relação à lei, é a
Ordem Terceira em relação aos mandamentos da lei
de Deus e da Igreja.
Capitulo. VII

A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO


E OS MANDAMENTOS DE DEUS,
SALVAGUARDA DA LIBERDADE
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS MANDAMENTOS DE
DEUS E DA IGREJA, ENUMERADOS UM DEPOIS DO
OUTRO, E CONFRONTADOS COM A REGRA DA OR­
DEM TERCEIRA. — A OBEDIÊNCIA A DEUS, FUNDA­
MENTO DA LIBERDADE. ESCRAVIDÃO POR ES-
CRAVIDAO, NÓS PREFERIMOS CURVAR A FRONTE
DIANTE DE DEUS DO QUE DIANTE DO DEMÔNIO,
ACEITAR A DIREÇÃO DA IGREJA DE PREFERÊNCIA
A OBEDECER À SENHA DE UM CHEFE DE FILA
AS VÊZES DESCONHECIDO.

Nós já o dissemos, a liberdade é a posse de si mes­


mo na ordem; é a carne sujeita ao espírito, o espíri­
to à fé, a fé a Deus. Vimos também como a Ordem
Terceira nos ajuda a dominar a carne pela penitên­
cia, o espírito pela fé. Resta-nos ver como, pela obser­
vação fiel dos mandamentos de Deus e da Igreja, que
ela tem a missão de promover, a Ordem Terceira sub­
mete a fé a Deus, tornando-a completa, fazendo-a rei­
nar sôbre o coração do homem tanto quanto sôbre a
inteligência. Para isto, basta enumerar ps mandamen­
tos de Deus e da Igreja e confrontar com as diferen­
tes prescrições da Regra da Ordem Terceira,
"A um só Deus adorarás e amarás perfeitamente.”
— A Ordem Terceira é um estado superior de fé, de
esperança, de caridade; três virtudes que nos levam a
aderir à verdade de Deus, à sua misericórdia e ao seu
amor, de conformidade com o belo pensamento de
S, Eoaventura. Cl) Pelo ofício cotidiano, pela Missa
cotidiana, pela Comunhão frequente e outros atos re­
ligiosos, prescritos pela Regra, vivem os Terceiros ha­
bitualmente na adoração e no amor de Deus, prin-
1) Breviloquium, pars V, cap. IX, n.® 4.
132 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

eípio e têrmo ao mesmo tempo de tôdas as nossas obri­


gações morais.
“Não jurarás, em vão o nome do Senhor teu Deus.
— Não levantarás falso testemunho contra o teu pró­
ximo.” — "Êles devem evitar cuidadosamente os jura­
mentos na conversa — diz S. Francisco na primeira
Regra da Ordem Terceira; — se por acaso algum
dentre êles deixar escapar por inadvertência um ju­
ramento, assim como acontece àqueles que falam mui­
to, deve à noite do mesmo dia, no momento em que
repassar no espírito as ações do dia, rezar três vêzes
a oração dominical em expiação dêsses juramentos
irrefletidos.”
“Guardarás os domingos, servindo devotamente a
Deus.” — Os Terceiros devem ter o culto do domin­
go e observá-lo com uma fidelidade escrupulosa. E’
preciso que não se diga que só os protestantes guar­
dam o dia do Senhor. Sob pena de desmerecer dá sua
vocação que os torna “a luz do mundo e o sal da
terra”, os filhos de S. Francisco devem protestar, nos
limites da prudência e do possível, contra o uso de
tantas licenças que atenuam a força da lei, e fazem
passar os católicos por “infiéis” ao ver dos heréticos.
Não é bastante não trabalhar no dia do domingo; é
também preciso santificar êsse dia pela oração, pelas
reflexões graves, pela leitura, assistência aos ofícios
da paróquia, pela assistência à Missa de prédica par­
ticularmente. A Ordem Terceira não destról o espíri­
to de família; pelo contrário é o seu mais seguro
auxiliar, reagindo contra os bailes, os espetáculos in­
decentes e todos os perigos fascinadores que arrancam
o homem e a mulher de si mesmos para fazê-los vi­
ver fora da familia e da realidade das coisas, num
turbilhão, numa vertigem que fazem de tantas exis­
tências outros tantos romances em muitos volumes.
Pela supressão de tôdas as sociedades perigosas e de
passatempos às vêzes tão pecaminosos, cria a Ordem
Terceira o descanso no santo dia do domingo; e o seu
espirito quer que êste descanso seja santificado pela
OS MANDAMENTOS DE DEUS 133

oração, pela visita às igrejas e aos doentes, membros


sofredores de Jesus Cristo, e também pela assistência
aos ofícios das paróquias.
Algumas passagens da primeira Regra nos fazem
compreender o pensamento do santo legislador sôbre
o espírito paroquial: “Que os Irmãos e as Irmãs re­
zem todos os dias o Ofício canônico. Quando não fo­
rem à “igreja", terão o cuidado de rezar o Padre Nosso
e o Glória ao Padre. Durante a quaresma de S. Mar-
tinho e na grande Quaresma, terão o cuidado de as­
sistir às Matinas das paróquias onde residirem, se não
forem impedidos por alguma causa razoável... Re-
tirar-se-á algum dinheiro da Fraternidade para fazer
uma oferenda à igreja onde estão reunidos, Que to­
dos sejam fiéis à observância do silêncio durante a
celebração da Missa e durante a prédica. Que todos
sejam atentos à oração e ao ofício.”
“Honrarás pai e mãe para viveres longos anos.” —
A Ordem Terceira respeita todos os laços legítimos
e, em vez de desuni-I03, torna-os mais fortes, pren­
dendo-os no respeito e no espírito de fé. As convicções
sobrenaturais que conserva e desenvolve na alma
dos seus adeptos, têm por efeito corroborar todos os
deveres de ordetn natural, considerados à luz de uma
fé robustecida dêste modo; elas realçam tôda a au­
toridade legítima, especialmente a autoridade do pai
e da mãe, a primeira autoridade depois da de Deus,
ou melhor, a primeira a participar da autoridade do
próprio Deus. Mas, se a Ordem Terceira incita os in­
feriores à obediência, também lembra aos que ocupam
cargos os seus mais sagrados deveres: “Que cada um
se lembre de exortar a sua própria família a servir
bem a Deus.” Esta palavra diz muita coisa. Lembra
aos chefes de oficina, aos patrões, aos proprietários,
aos don'os, às donas de casa, que êles têm, além da
sua indústria, do ofício e dos campos a explorar para
a terra, tesouros vivos para valorizar para o céu: são
as almas dos seus operários, dos seus criados e cria­
das. Antes de tudo, devem-lhes o exemplo da religião
134 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

e a prática da caridade sincera, que estenda o man­


to da família sôbre as necessidades dos domésticos e
servidores, assim como também sôbre as dos filhos.
“Lembre-se cada um de exortar a própria família
a servir bem a Deus.*' Aviso sobretudo aos pais e mães.
Neste século em que a autoridade perdeu tanto do seu
prestígio, é preciso que êles não abdiquem. Neste sé­
culo em que mil necessidades fictícias foram criadas,
é preciso que êles eduquem os filhos com austerida­
de temperada de ternura. Neste século em que a im­
piedade e a Maçonaria se esforçam em tôdas as na­
ções do inundo para que a educação seja separada de
Deus e do ensino do catecismo, êles não devem recuar
diante de nenhum sacrifício para dar aos filhos a
ciência de Deus. Cuidarão, por conseguinte, que
essa educação seja dada por mestres zelosos, que con­
formem a sua vida e o seu ensino ao Evangelho de
Jesus Cristo, do qual o catecismo não é senão o ma­
nual prático. A cruzada dos católicos contra o ensino
sem Deus deve encontrar nos pais Terceiros os seus
mais cautelosos e mais preparados soldados.
“Não serás homicida de fato ou de desejo." —
Êste mandamento proibe ao homem de matar injusta-
mente ao seu irmão. Ora, há um homicídio de que
se pode tornar culpado com o gládio de dois gumes,
da maledicência e da calúnia. Ai de nós! Devemos
dizê-lo? Éste gládio pode sair de lábios tintos com
o Sangue de Jesus Cristo na prática da Comunhão
frequente; lábios cheios de mel rançoso de devoção
mal entendida, que na realidade não passa de fel mui­
to amargo, o mais amargo de todos.
Na Regra que deu aos Terceiros, mostra-se S. Fran­
cisco antes de tudo cioso desta caridade que, êle bem
o sabe, pode desvanecer-se ao mínimo sôpro. Dos vin­
te capítulos de que se compõe a -sua primeira Regra,
seis são consagrados, direta ou indiretamente, à guar- 1
da da caridade. Só o enunciado destes capítulos prova
com que solicitude o Pai Seráfico queria, segundo a
palavra de S. Paulo, “conservar a unidade de espírito
OS MANDAMENTOS DE DEUS 139

pelo vínculo da paz" (Ef 4, 3): Cap. VII. — Que oa


Irmãos não usem armas ofensivas; Cap. IX. — Que
aquêles que têm direito façam o testamento; Cap. X.
*— Como é preciso restabelecer a paz entre os Irmãos
e os estranhos à Fraternidade; Cap. XI. — Qual de-
ve ser o procedimento quando forem molestados; Cap.
XIV. — Dos Irmãos doentes e defuntos; Cap. XVII.
— Evitar processos quer entre Irmãos, quer com
outros.
Quanto benefício resultaria para a sociedade da
difusão da Ordem Terceira. Com as famílias, corpo*
rações, diversas comunidades fariam uma verdadeira
"Fraternidade”, o "cor tmum ef anima una” dos pri­
meiros cristãos.
"Não serás luxurioso quer de corpo quer de con­
sentimento.” — Pela penitência, cuja prática acon­
selha; pelo afastamento das sociedades demasiado pe­
rigosas; pela vigilância cristã que mantém sempre
de sobreaviso, sobretudo pelo espírito de oração e pe­
la Comunhão frequente que não cessa de promover,
auxilia a Ordem Terceira muitíssimo os* seus adeptos
a realizarem este preceito do Apóstolo: "Conserva-te
a ti mesmo puro.” (Tim 5, 22.) Ela contribui para
preservar o casamento dos prazeres estéreis, torren­
te destruidora desencadeada sôbre a sociedade por
aquele que desde o principio é o homicida de tudo que
traz o sinal de Deus. E o que a Regra franciscana
fêz no passado para reprimir êste mal, no presente
o opera, e não quer outra coisa no futuro senão ope­
rar em mais vasta escala.
"Os bens de outrem não tomarás nem reterás em
consciência. —- Os bens de outrem não cobiçarás para
tê-los injustamente." — Quem não admiraria aqui o
espírito prático do santo Fundador! Se bem que fa­
vorecido pelos mais maravilhosos dons e vivendo con­
tinuamente numa sublime contemplação, êle determi­
na os elementos da moral com uma precisão e vigor
que fazem compreender bem que a Ordem Terceira
não é mais do que a exata observância da lei de Deus,
136 ORDEM TERCEIRA FRAN Cl SCANA

assim como a lei de Deus não é outra coisa senão a


promulgação da lei natural.
No capítulo II da sua primeira Regra, êle diz ao
candidato ao hábito: “Terá cuidado, no caso de ser
detentor de bens alheios, de satisfazer à sua dívida,
quer em dinheiro a vista, quer dando aos seus cre­
dores uma caução equivalente; terá igualmente cuida­
do de reconciliar-se com o próximo. Depois de ter exe­
cutado tôdas estas obrigações, e que tiver decorrido o
espaço de um ano, se alguns Irmãos discretos o jul­
garem digno disto, será admitido à profissão.”
No capítulo VI, depois de ter falado das três Co­
munhões obrigatórias nas festas do Natal, Páscoa e
Pentecostes, o Seráfico Pai acrescenta: “Mas terão
cuidado de se reconciliarem com o próximo e de resti-
tuírem o bem alheio.” O santo Patriarca tinha o bom
senso da fé. Lembrava-se desta palavra do divino
Mestre: “Se tu estás fazendo a tua oferta diante do
altar, e te lembrar aí que teu irmão tem contra ti al­
guma coisa, deixa ai a tua oferta diante do altar e
vai-te reconciliar primeiro com teu irmão; e depois
virás fazer a tua oferta.” (Mt 5, 23-24.) Antes de
acompanhar os passos de Jesus Cristo, tinha dito Za-
queu: "Eu darei aos pobres a metade dos meus bens;
e naquilo em que tiver defraudado alguém, pagar-
Iho-ei quadruplicado.” (Lc 19, 8.) Quem não admira
a unidade da obra divina! Bem se vê que o Autor da
graça é também o da natureza; que a graça vem em
socorro da natureza; e que seria tão insensato pre­
tender ser piedoso sem honestidade natural, como se­
ria absurdo querer construir uma cidade no ar.
“Ouvirás Missa aos domingos e igualmente nos dias
santos. — Santificaras as festas que forem de man­
damento.” — Já dissemos de que modo contribui a
Ordem Terceira para a santificação do dia do Senhor.
Mencionaremos apenas êste trecho da primeira Regra
confirmada por Leão XIII: “Devem todos os Irmãos
e Irmãs com saúde ouvir a Missa todos os dias no lu-
OS MANDAMENTOS DE DEUS 137

gar da sua residência! se o puderem fazer co­


modamente."
"Confessarás todos os pecados pelo menos uma vez
por ano. — Receberás o teu Criador humildemente
pelo menos na Páscoa." — Os Terceiros são obrigados
à Comunhão mensal; o espírito da Ordem Terceira
e o exemplo dos Santos incitam poderosamente e pra­
ticamente à Comunhão de todos os dias. E exigin­
do a Comunhão frequente grande pureza de consciên­
cia, requer ao mesmo tempo a prática da Confissão
frequente.
"Não comerás carne às sextas-feiras. — Jejuarás
nas Têmporas, Vigílias e em tôda a Quaresma." —
A abstinência e o jejum eram letra morta para um
grandíssimo número de católicos. Leão XIXI quis pô-
los de novo em prática e em honra, pela Ordem Ter­
ceira. Eis por que, conquanto elogiando aquêles qu0
têm bastante generosidade e que têm bastante saúde
para se conformarem com a antiga disciplina, o Papa
suprimiu os antigos jejuns da Regra, para tanto mais
insistir na penitência que a lei da Igreja prescreve.
Os dois jejuns que êle inovou para as vigílias de S.
Francisco e da Imaculada Conceição lembram, de res­
to, aos Terceiros o rigor primitivo que aumentava
consideravelmente a lei comum, chamando-os assim
a se aproximarem dela o mais possível, se não pela
observância material, pelo menos pelo espírito de pe­
nitência de mais a mais desenvolvido.
Não nos esqueçamos que Maria dava em Ia Saíette
a medida exata da religião de um grande número
de católicos: “Êles blasfemam como demônios, co­
mem carne às sextas-feiras como cães." Esta lingua­
gem pode ofuscar a nossa delicadeza moderna, ver­
niz reluzente de uma sociedade corrompida. Tanto pior
para elaí Não merece consideração, prevaricando sem
medida.
Assim a Regra franciscana em relação à honestida­
de natural e a lei de Deus, é um muro de defesa,
um anteparo protetor. Dilatando as suas fileiras na
138 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

sociedade, na cidade e no campo, por entre os secula­


res, o Clero, a classe elevada e a inferior, só quer
a Ordem Terceira formar um imenso exército de cris­
tãos sérios, voltados à pureza do Evangelho, ao es­
pírito sem mescla da primitiva Igreja. E como os
votos do Batismo, aos .quais se tirando as últimas
consequências, levam ao claustro, conforme o pensa­
mento já citado de S. Francisco de Sales, assim tam­
bém os mandamentos de Deus observados na perfei­
ção, com o auxílio da Regra frandscana, conduzem
à vida religiosa, mesmo no mundo. Eis aí para nós a
"verdadeira liberdade”.
Nós católicos, nós filhos, de S. Francisco, glorifi-
camo-nos da nossa liberdade, e fazemo-la consistir em
possuirmos a nós mesmos na ordem: submetendo a
carne ao espírito, o espírito à fé, a fé a Deus, pela
observâneia dos mandamentos. Esta servidão é uma
realeza: "Servir a Deus ê reinar; portanto, esta ser­
vidão é uma glória, porque ê grande glória seguir ao
Senhor.” (Ecli 23, 38.)
Vós zombais de nós, Senhores maçsos, chamais-nos
de escravos, de vassalos. Ah! sois vós quem nos lan­
çais a pedra. Qual de nós é escravo? Ao entrar nas
lojas maçônicas, vós vos comprometeis a coisas va­
gas, incertas, se não fordes senão do comum dos mor­
tais. E' ao demônio que vos vendeis, se fordes das lo­
jas ocultas; a Deus preferis Satanás, macaco de Deus.
Eu vos lastimo.
Zombais da nossa docilidade ao Padre. Apesar das
suas fraquezas pessoais, é para nós o Padre o repre­
sentante de Deus. Não é o homem que nós vemos nêle,
é Deus, o próprio Deus. E vós, a quem obedeceis?
A um amotinador que não conheceis e que não vereis.
E* preciso fazer greve, deixar morrer de fome mu­
lher, filhos, velhos pais! E consentis nisto. Pagam-
vos as greves, talvez? E então como, ó homens que
vos dizeis livres e altivos, não vos queima as mãos
êste dinheiro? Vendeis o vosso último suspiro; aim,
para com prazer-vos com um chefe de fila, consentis
OS MANDAMENTOS DE DEUS 13S
de antemão na profanação do vosso túmulo, na deso­
lação de uma família inteira desonrada. Não ousais
aceitar trabalho de um católico reconhecido por tal;
os vossos repudiar-vos-iam. Não ousais pôr os filhos
numa escola francamente cristã, desejando fazê-lot en­
tretanto. Escravos da opinião, enojais-me com a vossa
pretensa liberdade.
Zombais dos nossos rosários, escapulários, procis­
sões; e o que dizeis dos vossos aventais, das vossas
iniciações cabal ísticas, dos vossos quartos forrados de
preto com as ossadas em aspas? o que dizeis de tôdas
as perguntas e respostas equivalentes, tôlas, ridículas,
risíveis, quando não são nojentas e satânicas? Ridi­
cularizais a nossa docilidade ao Evangelho; e acredi­
tais no primeiro jornal que aparece, imprensa desca­
rada e obscena. Escravidão por escravidão, eu prefi­
ro a minha à vossa; prefiro uma servidão que me
honra a uma servidão que me avilta. Um filho não
se desonra de obedecer a sua mãe. A Igreja é para
mim uma mãe, Deus é meu Pai, e Jesus Cristo meu
Irmão. Orgulho-me de obedecer-Lhes, O parapeito que
me impede de cair na torrente que corre em baixo,
não estorva a minha liberdade; e se as asas são um
pêso para o corpo do pássaro, não é menos verdade
que com as asas é que êle se eleva em liberdade pelo
espaço e se arroja para o azul dos céus.
Tal é a nossa liberdade, “a liberdade com que Je­
sus Cristo nos fêz livres”. (Gál 4, 31.) Viva a liber­
dade cristã! Viva a Ordem Terceira Franciscana que,
segundo a palavra do Papa, tão bem conserva e des­
envolve esta santa liberdade!
Capitulo VIII
A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO
PRODUZ A VERDADEIRA IGUALDADE
IGUALDADE NA VARIEDADE DAS CONDIÇÕES. —
ANALOGIA ENTRE AS DIVERSAS PARTES DO CORPO
HUMANO E OS DIFERENTES MEMBROS DA SOCIE­
DADE. — NO PONTO DE VISTA DA FÊ. OS HOMENS
FAZEM UMA SÕ COISA COM A VONTADE DIVINA,
VONTADE “DIRETA", OU "QUE SOMENTE PERMITE”.
— SÃO IGUAIS ENTRE SI.

A Ordem Terceira Francisçana, diz o Papa, ê uma


verdadeira escola de igualdade. Nós falamos da igual'
dade que, estabelecida sôbre os fundamentos da jus­
tiça e da caridade, não visa suprimir tôdas as distin­
ções entre os homens, mas fazer da variedade das
condições e dos deveres da vida uma admirável har­
monia, e um concêrto maravilhoso, do qual aprovei­
tam naturalmente os interesses e a dignidade da vi­
da civil.
“Se considerarmos que todos os homens são da mes­
ma raça e da mesma natureza, e que todos devem
chegar ao mesmo fim último, e se considerarmos os
deveres e direitos que decorrem desta origem e des­
tino idênticos, não há dúvida que sejam todos iguais.
Mas como êles não têm todos os mesmos recursos
de inteligência e que diferem uns dos outros, já pe­
las faculdades do espírito, já pelas energias físicas;
como existem entre êles mil distinções de costumes,
gostos, caracteres, nada repugna tanto à razão como
querer reduzi-los todos à mesma medida e estabele­
cer nas instituições da vida civil uma igualdade rigo­
rosa e matemática. Assim como a perfeita constitui­
ção do corpo humano resulta da união e do conjunto
dos membros que não têm todos a mesma forma nem
as mesmas funções, mas cuja feliz associação e har­
monioso concurso dão ao organismo a sua beleza plás­
tica, a sua fôrça e aptidão para prestar os serviços ne­
cessários; assim também se encontra no seio da socie­
dade humana uma variedade quase infinita das suas
A VERDADEIRA IGUALDADE 141
partes dissemilhantes. Se fossem tôdas iguais entre
si e livres de agir à sua vontade, cada uma por sua
própria conta, não havería nada mais disforme dò que
uma tal sociedade. Se, pelo contrário, por uma sábia
hierarquia de merecimentos, de gostos, de aptidões,
cada uma delas concorrer para o bem geral, vereis
levantar-se diante de vós a imagem de uma socie­
dade bem ordenada e de conformidade com a na­
tureza."
Eis o que nos ensina a razão. A fé, pelo seu tur­
no, nos diz que Deus “fêz o pobre e o rico, que file
humilha e que eleva". (2 Rs 2, 7.) A fé nos diz que
a igualdade dos homens consiste no cumprimento da
vontade divina, direi na equação da vontade com a
vontade divina, que é “uma" na multiplicidade das
suas manifestações exteriores. A fé nos diz que os
homens, fazendo como que uma só coisa com a von­
tade de Deus, estão todos no mesmo pé de igualda­
de, segundo o princípio que duas coisas iguais a uma
terceira são iguais entre si. O homem chamado por
Deus a empunhar o cetro da realeza, e aquêle que
deve passar a vida inteira na dependência, o rico que
deve distribuir os bens dêste mundo aos que estão
dêles desprovidos, e os pobres que recebem a subsis­
tência das liberalidades do rico, estão todos na or­
dem de Deus, na sua vontade. São todo3 iguais entre
si pelo fato que todos representam igualmente o pa­
pel que lhes atribuiu o plano da divina Providên­
cia, e que a fidelidade aos desígnios de Deus os iden­
tifica com a vontade divina.
■r

O rei tiraniza o súdito; o súdito rebela-se sem ra­


zão contra o rei; o rico fecha a mão ao pobre; o po­
bre rouba ao rico: são êsses fatos comuns na histó­
ria dêste mundo, barreiras aparentes desta igualda­
de que resulta do cumprimento da ordem de Deus.
Mas através de tôdas as injustiças de que está cheio
o mundo, a fé diz ao cristão que todos oa homens
são também iguais nÍ3to: que podem, seguindo o
exemplo de Deus, “tirar o bem do mal". O súdito
pode tirar o bem da tirania do rei pela coragem e
pelas justas reivindicações provocadas, por esta mes­
ma tirania; o rei subindo ao cadafalso pode tirar o
142 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
bem da revolução que o mata, pelo heroísmo e san­
tidade de sua morte. Não, para o cristão fiel, nada
aqui na terra é o efeito do acaso. ÊLe sabe que os
acontecimentos que exaltam a uns e rebaixam a ou-
> tros, são ordenados pela causa primeira e pelo Diri­
gente Soberano. Para êle, o grande bem, o único bem
do homem, é o cumprimento da vontade divina: tam­
bém nada no mundo pode roubar-lhe a grande ale­
gria de conformar-se, de minuto em minuto, com as
ordens desta Vontade, cuja ternura pelo ente frágil,
que se chama bomem, se acha no fundamento das
suas mais misteriosas operações. Eis ai por que nin­
guém é mais digno, ninguém mais calmo na sua hu­
milde altivez do que "o homem que se põe às ordens
de Deus”.
Assim era aquêle jovem pastor, a quem o rei per­
guntou um dia quanto ganhava para guardar os seus
rebanhos: “Senhor — respondeu o pastor, — guar­
dando o meu rebanho ganho ou perco tanto como
vós; pois que vós e eu, à frente do reino ou à fren­
te do rebanho, ganhamos ou perdemos o céu.”
Como é que a Ordem Terceira produz a verdadeira
igualdade? Excitando na alma dos seus adeptos uma
plenitude de fé, uma irradiação sempre mais viva
dessa luz divina que faz ver, no seu justo valor, os
homens, as coisas, os acontecimentos, as mais clamo­
rosas diferenças: diferenças de que a sabedoria hu­
mana “sempre curta em algum ponto” aproveita para
escandalizar-se e atirar pedras à face da divina Pro­
vidência.
Dando à alma uma plenitude de fé, a Ordem Ter­
ceira produz nela estas convicções práticas sôbre a
igualdade; convicções que são, em última análise, o
fundamento da verdadeira igualdade. Desconcertada
pelas desigualdades que abundam na vida, deverá es­
ta igualdade, definitivamente, encontrar a sua me­
lhor força nas raizes que plantar na consciência e
nas esperanças de um porvir onde, nas ruínas das
grandezas e das riquezas humanas, só escapará o me­
recimento diante de Jesus Cristo, o Filho de Deus.
Desprezando todos os prejuízos do mundo, não veio
Êle aqui na terra, rodeado de miséria, votado ao tra-
A VERDADEIRA IGUALDADE U3

balho e ao sofrimento, para mostrar e fundar a ver­


dadeira “igualdade”?
A Ordem Terceira Franciscana deve dar a pleni­
tude da fé: deve também ser no mundo uma irra­
diação da vida religiosa. Ora, no claustro reina a mais
completa igualdade numa justa hierarquia de direi­
tos e de deveres. O humilde Irmão converso, que é
o pé e a mão dos seus Irmãos, é tão útil na sua es­
fera, diante de Deus e da Comunidade, como o que
está à testa e comanda em nome de Deus. Se o Supe­
rior está mais elevado do que ele, aos olhos do mun­
do, não é em suma, na casa de Deus, senão o teto
que protege os moradores, pondo-os ao abrigo das
tempestades, das tormentas, dos cuidados, das tenta­
ções e dos embaraços do século. Terceiros de S. Fran­
cisco, vós formais tantas Comunidades quantas Fra­
ternidades estabeleceis. Lembrai-vos que tudo é gran­
de na casa de Deus; que o que serve vale tanto co­
mo o que é servido, que as superioridades são apenas
servidões, sempre muito penosas; que custará um mais
demorado purgatório àqueles que se tiverem furta­
do aos trabalhos e procurado as honras. Que reine
entre vós uma santa igualdade, para serdes não so-,
mente uma só família nas vossas reuniões e na igre­
ja, mas por tõda parte onde estiverdes e onde vos en­
contrardes. Não seja, entretanto esta igualdade con­
fusão. Respeitai tôdas as superioridades que estive­
rem no vosso caminho: superioridade de encargo, de
caráter, de talento, até mesmo de riqueza; porque
são tôdas emanações da superioridade de Deus; e por
tôda parte onde se mostrar Deus, é preciso pôr-se
de joelhos. Mas que aqueles que representam mais par­
ticularmente a Deus, não se esqueçam de se abaixar
para quem quer que a êíes se incline, a exemplo dAque-
le que “sendo rico se fêz pobre por nosso amor*’. (2
Cor 8, 9.)
Terceiros de S. Francisco, não sejais religiosos so­
mente no vosso meio; sêde-o com todos. Considerai
o mundo, a vossa casa, a vossa família, como outras
tantas comunidades mais ou menos vastas onde ten­
des um ofício distinto a cumprir. Tanto mais ama­
reis a situação que vos fizeram os homens, as coisas,
144 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

os acontecimentos, instrumentos dóceis e quase sem­


pre inconscientes da Vontade divina. Gostareis mais
da vossa posição, nada invejareis, porque já que es­
tais cumprindo as ordens de Deus, “tudo é igual pa­
ra vós”.
A Ordem Terceira de S. Francisco produz a igual­
dade, porque dá a plenitude de fé e porque eleva os
mínimos atos da existência, dando-lhes, por assim di­
zer, a consagração da vida religiosa. Devo acrescen­
tar: porque o seu característico distintivo é produ­
zir amor pelo pobre e pela pobreza; ao rico, o amor
do pobre; ao pobre, o amor e o culto da sua pobreza.
Éste simples enunciado nos conduz naturalmente a es­
ta Fraternidade fundada por S, Francisco a exem­
plo de Jesus Cristo, pela missão providencial que rea­
liza, aproximando o rico do pobre, elevando o pobre
aos seus próprios olhos. El' o que vamos ver.
Capítulo IX

A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO


PRODUZ A VERDADEIRA FRATERNIDADE
CARIDADE DE S. FRANCISCO PARA COM OS HO­
MENS. — SUA INFLUÊNCIA SOBRE O SÉCULO XIII.
— A NECESSIDADE DA CARIDADE MAIS URGENTE
DO QUE NUNCA. — FRANCISCO PROVÊ A ISTO PELA
INFUSÃO DO SEU ESPIRITO NOS CORAÇÕES. — O
QUE ÊLE FEZ COM A SUA ORDEM PARA ELEVAR
O POBRE E A POBREZA. — OS TERCEIROS PODEM
CONTINUAR ESSA BELA MISSÃO NA POSIÇÃO EM
QUE SE ACHAM.

“Francisco — diz o Papa na sua Encíclica Auspi-


cato — abraçava os homens todos nos amplexos de
caridade inefável; mas êle queria particularmente aos
pobres e aos pequeninos, de 3orte que parecia com-
prazer-se sobretudo com aquêles que os outros costu­
mam evitar ou desprezar... orgulhosamente. Eis aí
por que êle bem mereceu desta Fraternidade, pela qual
Jesus Cristo, restaurando e aperfeiçoando, fez com
todo o gênero humano uma família colocada sob a
autoridade de Deus, Pai comum de todos. Compreen­
de-se facilmente que imensos serviços prestou a insti­
tuição de S. Francisco, já de per si tão salutar, e tão
oportuna para os tempos... Era uma grande força
para o bem público esta corporação de homens que,
guiando-se pelas virtudes e pelas regras do seu fun­
dador, aplicavam-se, na medida das suas forças, para
fazer reviver no Estado a honestidade dos costumes
cristãos. Jà muitas vêzes a sua intervenção e exem­
plo serviram para apaziguar e mesmo para termi­
nar rivalidades de partidos; arrancar as armas das
mãos dos furiosos; fazer desaparecer as causas de
processos e disputas; procurar consôlo para a miséria
e o abandono; reprimir o luxo, sorvedouro de fortu­
nas e instrumento de corrupção. E’ bem verdade quan­
do se diz que a paz doméstica e a tranquilidade pú­
blica, a integridade dos costumes e a benevolência,
parecem brotar da raiz que é a Ordem Terceira Fran-
Espírlto da O T — 10
146 ORDEM TERCEIRA FRANCISC AN A

ciscana; e a Europa deve, em grande parte, a Fran­


cisco a conservação destes bens—”
Leão XÍH continua nestes têrmos: 'Hoje que os
fautores e propagadores do naturalismo multiplicam-
se, aprovando a violência e a sedição do povo, ami-
mando a cobiça do proletário, abalando os alicerces
da ordem civil e doméstica, compreendereis perfeita-
mente, venerabilíssimos Irmãos, que há motivo para
se esperar muito das instituições franciscanas remo­
deladas no seu primitivo estado, Se elas florescerem,
também florescerão a fé, a piedade, e a honestidade
de costumes. Os homens, unidos pelos laços da frater­
nidade, amar-se-âo e terão para os pobres e para os
indigentes, que são a imagem de Jesus Cristo, o res­
peito devido. Enfim a questão das relações entre os
ricos e os pobres, que tanto preocupa os economistas,
será perfeitamente regulada, pelo fato estabelecido e
averiguado de que a pobreza tem a sua dignidade;
que o rico deve ser misericordioso e generoso; o po­
bre, contente com a sua sorte e com o seu trabalho:
já que nem um nem outro foram criados para êstes
bens transitórios, e que um deve ir para o céu peia
paciência, o outro pela liberalidade. Tais são as ra­
zões que temos desde muito a peito de incitar a to­
dos, quanto possível, à imitação de Francisco de
Assis.”
Esta imitação do Seráfico Patriarca já tem pro­
duzido maravilhas de caridade e de fraternidade que
só querem se repetir, semelhantes aos frutos de uma
árvore fecunda reproduzindo-se pelas suas sementes.
Francisco vive ainda nos seus filhos. Êle mandou-os
desde mais de sete séculos, aos quatro cantos do mun­
do, levar o benefício da fraternidade cristã aos povos
que viviam nas trevas do êrro. Êstes intrépidos Ir­
mãos Menores abordaram as mais inóspitas plagas,
tingiram-nas com o seu sangue; resistiram à tirania
e à opressão; com à eloquência da pobreza e da abne­
gação, advogaram junto do rico a causa do operário
e do pobre. “Não, o povo nunca teve maiores servido­
res do que os homens que lhes ensinaram a bendizer
a sua sorte, que tomaram leve a enxada no ombro
A VERDADEIRA FRATERNIDADE MT

do lavrador e que fizeram brilhar a esperança no tu-


gúrio do tecelão.” (1)
Ao ver do Seráfico Patriarca, “o pobre, sendo o
espelho fidelíssimo de Jesus e de sua Mãe” (2), trans­
mitiu essa impressão, essa visão de fé a todos os her­
deiros do seu espírito. Luquésio, o seu filho mais ve­
lho na Ordem Terceira, dá tudo o que ganha aos po­
bres; e depois de tudo ter dado, faz-se mendigo por
amor deles. Não tendo pão nem roupas a dar, vai S.
Pascoal Baitão colher flores, não querendo que seu
amigo o pobre volte com as mãos vazias. S. Diogo
chora porque não pode socorrê-los. S. Maria Fran-
cisca das Cinco Chagas, sem mais recursos, não acha
nada melhor para oferecer a Deus por êles do que
uma sangrenta disciplina. S. Isabel da Hungria empre­
ga no alívio dos pobres as rendas de todo o seu rei­
no; faz-se mãe dèles, pensa as suas mais nojentas
chagas com incrível ternura; ela fica sendo, para os
séculos vindouros, o tipo da caridade. S. Luís, rei de
França, que usou o burel franciscano debaixo da púr-
pura real, serve os pobres à sua própria mesa e de
joelhos beija-lhes os pés. Seria preciso citar a His­
tória tôda da Ordem para dizer o que no seu seio pro­
duziu a imitação do Seráfico Francisco, o mais deses­
perado amante da pobreza e o servo do pobre por ex­
celência. Seria preciso mencionar todas as campa­
nhas levadas a efeito pelos filhos dêste grande ami­
go do pobre contra a usura e oa usurárioa.
Ah! Francisco na verdade bem mereceu, segundo a
palavra do Papa, dessa fraternidade que Jesus Cristo,
a caridade incarnada, veio fundar na terra e cimen­
tar com o seu Sangue. Desposando a pobreza, ele diz
ao que é desprovido de tudo, que isso não é mal tão
grande; que a Providência vela sôbre êle; e que pode
com a sua miséria fazer riqueza de merecimentos. Êle
ensina ao artífice a estar contente com a sua sorte, a
preservar sua virtude e a dos filhos pelo trabalho e
humildade de condição; humildade semelhante às ener­
gias secretas do estrume que nem com os pés se quer
1) Frederico Ozanam, "Ob Poetas Franciacanoa".
2) "Opera S. Franç.” Colloq. XXVI.
IO*
14$ ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

tocar e que faz germinar flores e frutos. Francisco de


Assis dá especialmente lição aos ricos. Êle diz-lhes
que se, a seu exemplo, não podem despojar-se de tudo
para tudo dar ao pobre e constituir um tesouro no
céu, devem dar de boa vontade ao pobre, e reconhe­
cer, através dos andrajos que o cobrem, um herdeiro
do mesmo trono, um irmão em Jesus Cristo, o pró­
prio Jesus Cristo escondido, para na pessoa dêle so­
licitar as mil delicadezas de-uma caridade sempre de
sobreaviso. Tais são os sentimentos que todos os dias
suscitam numa multidão de corações o amor e a imi­
tação de um dos maiores discípulos da caridade do
Homem Deus, Francisco de Assis, nosso Pai.
Possam os numerosos Terceiros, alistados sob a sua
bandeira, nunca abandonar essas tradições de fa­
mília, que serão o seu merecimento diante de Deus,
mais ainda do que a sua glória aos olhos dos homens.
Devem-se lembrar todos os dias que foram chamados
a criar e a desenvolver no mundo numerosas e vas­
tas Fraternidades. Não desanimem por ser em pe­
queno número em certos meios; que a humildade de
condição não lhes tire a ambição de sonhar e de ten­
tar grandes coisas pelo amor de Jesus Cristo, obede­
cendo e deferindo aos legítimos Pastores. As palavras
“liberdade, igualdade, fraternidade” encontram-se es­
critas nos muros e infelizmente não significam na prá­
tica senão "sujeição, destruição, ódio”.
Quanto a nós, gravemos estas três grandes coisas
em nossos corações. Sejamos "livres” de todo peca­
do, de todo remorso, de tôda ansiedade, produtos do
amor próprio. Procuremos no cumprimento da vontade
de Deus, que põe cada um no seu lugar, esta “igual­
dade” cristã na conformidade com a vontade divina
que nos iguala uns aos outros. Sobretudo pratiquemos,
pelos atos mais do que pelas palavras, esta "frater­
nidade” verdadeira, baseada na submissão do pobre
e na caridade do rico, no encontro do pobre e do rico
ao pé da Cruz de Jesus Cristo.
QUARTA PARTE
AS OBRIGAÇÕES DA ORDEM TERCEIRA
Capitulo I

O OFÍCIO
POR QUE DEU S, FRANCISCO UM OFICIO AOS TER­
CEIROS. — PELO OFÍCIO ELES ASSOCIAM-SE A PRE­
CE POBLICA DA IGREJA. — 05 12 PADRE-NOSSOS,
AVE-MARIAS E GLORIA AO PADRE SAO UM VERDA­
DEIRO OFICIO. OS FINS DO OFÍCIO SEGUNDO
S. BOAVENTURA — OFICIO EM COMUM. — O OFICIO
E A VISITA. — CONSELHOS PRÁTICOS PARA BEM
DESEMPENHAR-SE DO OFICIO.

“Os Terceiros eclesiásticos que rezarem o Ofício di­


vino todos os dias, não tem outra obrigação neste sen­
tido. Os leigos que não rezarem nem o Ofício canô­
nico nem o Ofício pequeno da Santíssima Virgem, de­
vem rezar todos os días doze Padre-Nossos, Ave-Marias
e Glória ao Padre, a menos de não terem impedimen­
to de doença.”
O santo Fundador, considerando os Irmãos e Irmãs
desta Ordem particuiarmente consagrados ao serviço
de Deus e votados por estado à prática das virtudes
religiosas no meio do século, dá-lhes o preceito de
rezarem todos os dias o Ofíeio divino; associa-os ao
culto de louvor que os Religiosos prestam todos os
dias ao Senhor. Os membros da Ordem Terceira têm,
pois, a preciosa vantagem de unirem as suas vozes
a essa voz universal, harmonia maravilhosa que se
eleva de tôdas as partes do mundo, e que a Igreja ofe­
rece incessantemente ao Altíssimo, pelo Clero e pelas
corporações monásticas. Rezando o Ofício divino, não
é mais o Terceiro que reza, é a Igreja que reza pela
sua bôea: e como èsta gloriosa Espôsa de Cristo não
pode deixar de ser atendida, não se deve duvidar do
poder e da eficácia desta oração. E’ o que fêz dizer
a S. Liguori que uma só oração do Ofício divino va­
le mais do que cem outras orações inspiradas por uma
devoção particular.
“Os seculares que não rezarem nem o Ofício canô­
nico nem o da Santíssima Virgem, devem, de confor­
midade com a Constituição Misericors, rezar doze Pa­
dre-Nossos, Ave-Marias e Glória ao Padre.” O próprio
1» ORDEM TERCEIRA FRANCI3CANA

Papa Leão XIII declarou qual era o seu pensamento


quando fêz esta modificação. No dia 7 de julho de
1883, os Superiores Gerais da Ordem Seráfica foram
admitidos à audiência do Soberano Pontífice. Falando
da Ordem Terceira, o Papa disse-lhes entre outras
coisas: “Para as pessoas que não puderem rezar o
Ofício divino, Nós prescrevemos apenas doze Padre-
Nossos, Ave-Marias e Glória ao Padre; a saber: cin­
co para Matinas; um para Laudes; um para cada uma
das quatro Horas Menores, Prima, Têrcia, Sexta e Noa;
e dois para Vésperas e Completas.”
“Como se vê, seriam os Terceiros seculares dignos
de louvor no pensamento do Santo Padre, se pudes­
sem, como faz um grande número deles, rezar o
Ofício divino ou pelo menos o da Santíssima Virgem;
mas não são obrigados pela Constituição de S. S. Leão
Xm, senão ao Ofício pequeno dos Padre-Nossos.” (1)
Assim, pelo Oficio, são os Terceiros associados à pre­
ce pública da Igreja. Mas qual é a razão desta pre­
ce pública? Vai-nos responder S. Boaventura:
“O Espirito Santo quis que fôsse estabelecido na
Igreja o Ofício divino por cinco razões:
Primeira razão. — Para associar os homens aos
anjos do céu e aplicá-los, sôbre a terra, aos santos
concêrtos que os puros espíritos entoam no mais alto
dos céus, à glória do Senhor, diante do qual estão con-
tinuamente.
Segunda razão. — O Oficio divino foi estabelecido
para testemunhar a Déus o nosso reconhecimento por
tudo o que Êle tem feito em nosso favor; e para san­
tificar, todos os dias, pela oração as mesmas horas
em que Êle consumou os seus mais tocantes mistérios.
Foi no meio da noite (“Matinas") que Jesus Cristo
nasceu da Virgem Maria; foi de manhã (“Laudes”)
que Êle compareceu diante do juiz que o condenou;
foi ao nascer do dia (“Prima”) que Êle ressuscitou
de entre os mortos; foi na terceira hora (“Tércia”)
que Êle foi flagelado e que mais tarde o seu Espirito
desceu sôbre os discípulos; foi na sexta hora (“Sexta”)
que Êle foi crucificado; foi na nona hora (“Noa”)
que Êle foi morto por nós sôbre a cruz; foi à noite
1) Tirada da Regra Seráfica, 2.* edição, p. 222.
O OFICIO 193
("Vésperas") que, estando à mesa com os seus Após*
tolos, instituiu o seu Augusto Sacramento; e foi na
hora de “Completas" que Êle foi posto no túmulo.
A Santa Missa, que também celebramos, não renova
somente o mistério da Paixão, mas nos faz também
gozar da presença de Jesus Cristo; ela no-Lo dá co­
mo alimento sob as espécies eucarísticas. Ora, se é
justo que conservemos a lembrança de todos êstes
favores, não será conveniente celebrá-los todos os dias
em horas determinadas? Também o profeta Isaías di­
zia: "Eu lembrar-me-ei das misericórdias do Senhor;
cantarei o louvor do Senhor por todos os bens que o
mesmo Senhor nos deu.” (Is 68, 7.)
Terceira razão. — Os santos Ofícios foram insti­
tuídos para entreter em nós a devoção e reanimar sem
cessar o fogo do amor de Deus que, por causa da
nossa covardia, ou das nossas outras ocupações, fica­
ria sujeita a extinção. Também Deus dizia a Moisés:
"Sempre no altar estará ardendo fogo que o sacer­
dote conservará, aplicando-lhe todos os dias pela ma­
nhã lenha." (Lv 6, 12.) O altar é o nosso coração;
o fogo perpétuo é o fervor do espirito que jamais
deve arrefecer em nós; a lenha destinada a entreter
o fogo são as orações, as adorações e os louvores
que todos os dias dirigimos a Deus. O profeta ex­
clamava; "Bendizei o Senhor em todo tempo; seu
louvor estará sempre na minha boca.” (SI 33, 2.)
Quarta razão. — O Ofício divino foi instituído no
interesse dos simples fiéis que não sabem determinar
certas horas para a oração. O Ofício divino contribui
muito a dar-lhes gosto pela oração.
Quinta razão. — O Oficio divino dá à religião cris­
tã o esplendor e o brilho que ela merece. Os judeus,
os gentios, os hereges, reunem-se em público; êles têm
os lugares de reunião onde executam cerimônias pro­
fanas, celebrando com pompa os seus sacrílegos mis­
térios; e os cristãos, que possuem as verdades eter­
nas e os augustos Sacramentos do Filho de Deus, não
devem também reunir-se para celebrá-los e honrá-los!
Não prestariam ao seu Criador os louvores de que é
digno! Em todos os tempos trabalhamos para Deus;
mas na hora do Oficio, estamos em presença de Deus;
154 ORDEM TERCEIRA PRANCISCAIÍA
estamos em comunicação com Êie; nós falamos-Lhe
e Êie fala-nos; imploramos as suas misericórdias, pe­
dimos o seu auxilio.” (2)
Mas entremos em algumas minudências práticas.
Pedimos aos nossos Terceiros para não rezarem o
seu Ofício de uma só vez, mas de distribui-lo pelas
diversas horas do dia. Matinag e Laudes, ou as ora­
ções que corresponderem a esta parte do Ofício, de­
vem ser rezadas ordinariamente na véspera, de noite
ou de manhã muito cedo; as Horas Pequenas de ma­
nhã; Vésperas e Completas de tarde.
Entretanto as pessoas que rezarem o Ofício dos Pa­
dre-Nossos, e que acharem mais conveniente rezar de
uma só vez, já porque não podem fazer de outro mo­
do, já porque assim estão menos sujeitas a se esque­
cerem, podem continuar dêsse modo.
As pessoas que têm o hábito de rezar o Ofício
da Santíssima Virgem, ou mesmo o grande Ofício,
podem algumas vêzes não ter tempo de satisfazerem
à sua prática habitual, a menos que não rezem as
orações "a galope”. Neste caso aconselhamos que re­
zem os doze Padre-Nossos, Ave-Marias e Glória ao
Padre, nos dias em que as suas ocupações ou fadiga
excessiva os expuser a se desempenharem mal do Ofi­
cio, no modo em que o rezarem ordinariamente. To­
dos os Terceiros sem exceção devem dar preferência
ao Ofício a tõdas as outras devoções particulares. Isto
é: Se não puderem com facilidade, em certas cir­
cunstâncias, desempenhar-se de tõdas as práticas or­
dinárias de devoção, orações de confrarias, etc., de­
vem dispor do tempo de modo que rezem o seu Ofí­
cio de Terceiro, ao menos os doze Padre-Nossos, Ave-
Marias e Glória ao Padre, nem que sacrifiquem as ou­
tras orações. Lembrar-se-ão que a Ordem Terceira não
ê uma simples associação, mas sim uma Ordem Re­
ligiosa; e que a principal obrigação das Ordens re­
ligiosas ê o Ofício.
Seria desejável que os Terceiros pudessem dizer jun­
tos o seu Ofício. Independente do hábito que existe
2) S. Boaventura, "De se alis Ser&phim", cap, VII. Damos
aqui em substância a doutrina do Seráfico Doutor.
0 OFÍCIO 165
num grande número de Fraternidades, de rezarem pu­
blicamente uma parte do Ofício, noa dias de reunião,
seria bom que os Terceiros, morando na mesma ca­
sa, por exemplo, se reunissem em determinada hora
para juntos cumprirem êsse dever, que deve ser caro
a todos. Esta prática torná-los-ia mais conformes com
a vida religiosa e seria, para o seu fervor um novo
penhor de esperança. Não prometeu Nosso Senhor que
“onde se achassem dois ou três congregados em seu
nome £le ai estaria no meio dêles?” (Mt 18, 20.)
Quando o Terceiro se dispõe a cumprir o dever da
Visita, que é a sua prestação de contas ao Visitador
mandado pelos Superiores da Ordem, deve ser o seu
primeiro cuidado examinar-se com tôda atenção so­
bre o modo como rezou o seu Ofício. Um Terceiro que
tiver o hábito de faltar a esta obrigação, ou que pelo
menos o rezar com desleixo, ou em horas irregulares,
levado mais pelo capricho do que pelos deveres do seu
estado (êstes últimos são sempre boa desculpa dian­
te de Deus e da consciência), êste Terceiro só tem
de Terceiro a aparência; não tem o seu coração. A
Ordem Terceira é para êle uma confraria acrescentada
às outras confrarias, e não essa dilatação de vida
cristã que se chama vida religiosa. Geralmente, quan­
do o Oficio tem sido rezado convenientemente, o Visi­
tador pode de antemão dizer que tõdas as outras obri­
gações foram cumpridas; e é raro êle modificar esta
primeira impressão.
Antes de começar o Ofício, devemo-nos recolher um
momento, nem que seja alguns segundos. Ponhamo-
nos na presença de Deus, e lembremo-nos que a ora-
çao ê uma graça sempre nova, que a possibilidade de
rezar é a maior misericórdia que foi concedida à nos­
sa fraqueza. Não existe no dia uma hora que não
seja assinalada por algum benefício geral de Deus,
uma hora que não tenha para nós envolvida em si
uma graça particular, sendo-nos dadas as parcelas do
tempo -para comprarmos outros tantos merecimentos
para a eternidade. Por nossa vez unamo-nos a Deus,
sempre que pudermos, pela cadeia de ouro da oração,
a fim de repetir-Lhe o nosso reconhecimento perse­
verante e expor-Lhe as nossas incessantes necessidades.
Capítulo II *

A MISSA COTIDIANA
O SACRIFÍCIO DA MISSA £ O MESMO DA CRUZ. —
SACRIFÍCIO DE JESUS CRISTO, MONTANHA DE DUAS
VERTENTES. — MESMA VITIMA, MESMO SACERDO­
TE. — GLORIA QUE A MISSA RENDE A DEUS- — DIS­
TANCIAS QUE JESUS ATRAVESSA TODOS OS DIAS
PARA VIR ATÊ NOS; SAIBAMOS FAZER UM SACRI­
FÍCIO PARA IR TER COM ÊLE. — O QUE SE DEVE
FAZER QUANDO NÃO SE PODE ASSISTIR TODOS OS
DIAS A MISSA. — ADORAÇÃO, CONTRIÇÃO, AÇÃO DE
GRAÇAS E PETIÇÃO. — O QUE DIZIA DO OFICIO E
DA MISSA S. JOS£ DE CUFERTÍNO.

“Que os Terceiros assistam todos os dias à Missa,


se o puderem comodamente." (1) Estas palavras da
Constituição Miseiicors Dei Filius são o eco fiel da
primeira Regra da Ordem Terceira, em que S. Fran­
cisco exorta os seus filhos a ouvirem a Missa todos os
dias, convencido que o altar ê o centro da religião,
o sol que deve alumiar e fecundar tôda a vida se­
riamente cristã.
O sacrifício da Miasa é o mesmo do Calvário, com
esta única diferença que o sacrifício da Cruz foi um
sacrifício sangrento, oferecido uma só vez nesse rito
e que satisfaz plenamente por todos os pecados do
mundo; enquanto que o sacrifício do altar é um sa­
crifício não sangrento; um sacrifício que pode ser sem­
pre repetido e que foi instituído para aplicar a cada
uma das nossas almas os méritos reparadores de Jesus
Crucificado.
Se o sacrifício sangrento do Calvário foi o instru­
mento da nossa Redenção, o sacrifício não sangrento
da Missa faz-nos apoderar-nos e aplicar em nós este
instrumento. Um abriu-nos o tesouro dos merecimentos
de Jesus Cristo; o outro dá-nos o uso incessante dêste
tesouro.
Não façam objeção com estas palavras de S. Paulo:
“Cristo foi uma só vez imolado para tirar os peca-
1) Constituição "Mtserlcors Del Filius".
A MISSA COTIDIANA 157
dos de muitos’' (Heb 9, 28); nem estas outras: “Com
uma só oferenda consumou para sempre aos que tem
santificado." (Heb 10, 14.) Evidentemente só há um
sacrifício no estrito sentido da palavra. Mas no sa­
crifício de Jesus Cristo, cujo ponto culminante por
assim dizer foi o Calvário, Deus ajuntou todos os
merecimentos do seu Filho, desde a primeira lágrima
vertida no presépio de Belém até a última gota de
Sangue derramada no Calvário. Neste sacrifício de Je­
sus Cristo, cordeiro sem mácula, "que foi imolado
desde o principio do mundo” (Apoc 13, 8), Deus viu
e contou tôdas as Missas que deviam ser oferecidas
até o fim dos séculos; e que, como outros tantos inú­
meros canais, devem conduzir até as almas mais afas­
tadas do Calvário, pelo tempo e pelo espaço, o Sangue
divino derramado por cada uma delas. De todos êsses
merecimentos, de tôdas essas humilhações, de todos
êsses aniquilamentos eucarísticos, de tôdas essas Mis­
sas celebradas, desprende-se um resultado divino, um
só e mesmo sacrifício divino, oferecido desde o prin­
cípio até o fim do mundo, aos olhos deste Deus que
sustém na mão poderosa as duas extremidades dos sé­
culos; dêste Deus para quem "mil anos aos seus olhos
são como o dia de ontem que passou." (SI 89, 14.)
O sacrifício de Jesus Cristo é uma montanha de
duas vertentes, cujo cimo está coroado com a Cruz.
Na vertente que Éle subiu antes de chegar ao cume,
onde devia deixar-se pregar no instrumento do su­
plício o Filho de Deus, à medida que adiantava-se,
foi de grau em grau dando os seus merecimentos que
chegaram ao auge quando foi levantado da terra;
e agora pelo sacrifício dos nossos altares, o Sangue
derramado na cruz, corre pela outra vertente; vai
para tôdas as almas que procurarem a sua ação be­
néfica, e não cessará de correr até o fim dos tem­
pos. Assim é realizada esta profecia de Malaquias:
"Desde o nascente do sol até o poente é o meu Nome
grande entre as gentes, e em todo lugar se sacri­
fica e se oferece ao meu nome uma oblação pura."
(Mal 1, 11.) Não há na realidade senão um sacrifí­
cio, o Sacrifício da Cruz; não há também senão um
Sacerdote no estrito sentido, Jesus Cristo, o Pontífice
158 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
eterno, segundo a ordem de Melquisedeque. Mas assim
como o astro da noite, em vez de perder o seu bri­
lho, porque está escoltado por um número prodigio­
so de estrelas, pelo contrário mais majestoso e mais
belo parece; assim Jesus Cristo realça o esplendor
do seu sacerdócio, associando a Êle uma multidão de
sacerdotes secundários, marcados com um sêlo divi­
no e realmente separados da multidão. Todavia por
mais elevada que seja a missão dos seus eleitos, con­
siste a sua dignidade sobretudo em ser condição in­
dispensável para-a repetição não sangrenta do sacri­
fício de Jesus Cristo. Sacerdotes da lei nova, êles po­
dem morrer: Jesus Cristo muda apenas de vestes; e
no meio das gerações que passam e se sucedem, Êle
ficará o único Sacerdote eterno.
Os protestantes itudem-se de modo singular, quan­
do dizem que cós, católicos, não fazemos bastante caso
dos merecimentos de Jesus Cristo; que Jesus Cristo
não é bastante “a nossa via” para ir ao Pai. E o que
fazemos, pois, com o sacrifício da Missa? Nós obede­
cemos ao divino Salvador que disse dêste sacrifício:
“Fazei isto em memória de mim.” (Lc 22, 19.) Por­
que sem um Calvário continuo, os homens esqueceríam
o Deus do Calvário, teriam dÊle conhecimento trun­
cado, imperfeito. O que nós fazemos? Lembramo-nos
continuamente de modo prático que não há salva­
ção senão na cruz; a cruz trazida atê o dia de ho­
je, que já começou e que vem renovar os nossos de­
veres e os nossos combates. Nós nos lembramos tam­
bém que, assim como os tesouros de vida encerrados
em Adão, nosso primeiro pai, não teriam vindo até
nós, sem o canal das gerações sem número que nos
precederam; do mesmo modo o Sangue de Jesus Cris­
to, o novo Adão, não nos banharia com a plenitude
dos suas divinas energias, sem o canal sempre cheio
do sacrifício da Missa, que o faz chegar até nós, sob
todos os horizontes e em todo lugar. O que nós fa­
zemos? Vamos unir-nos, vamos prender-no3 a Jesus
Cristo na realidade da sua presença eucaristica, para
que exponha, em nosso nome, a seu Pai a nossa ado­
ração, a nossa, contrição, as nossas ações de graça e
as nossas petições. Vamos revestir-nos com os mere-
A MISSA COTIDIANA 169

cimentos de Jesus Cristo, e em seguida apre3entamo-


nos diante de Deus, como Jacó apresentou-se diante do
seu Pai Isaque, depois de se ter revestido da seme­
lhança do seu irmão Esaú. (Gên 28, 27-29.) E assim
pela Missa Jesus Cristo é, na palavra do Apóstolo,
"sabedoria” de Deus que nos inspira, "justiça" que
nos preserva, "santificação” que nos transforma, "re­
denção” que nos liberta. (1 Cor 1, 39.)
Caros Terceiros, se tivésseis certeza que Jesus vos
esperava num lugar determinado, numa distância mais
ou menos considerável da vossa casa, ah! com que
alegria, com que confiança, com que diligência vos
apressarieis a ir ter com Êle! Levantar meia hora
mais cedo, despachar 6 que tivésseis a fazer, econo­
mizar o tempo, para não deixar escapar a vossa in­
comparável fortuna, seria para vós a coisa mais fácil
do mundo. Se fosse preciso farieis o impossível para
ir ao encontro desejado. Pois bem; Jesus espera-vos
todos os dias no altar. Ide tôdas as manhãs à Mis­
sa, se tiverdes tempo e os meios. O general dc 1& Ro-
chejaquelln fazia às vêzes muitas léguas para não per­
dê-la uma vez por semana. “Eu considero — dizia êle,
— que é a primeira e a melhor ocupação de um gen-
tHomero. O homem de trabalho, o jornaleiro, pode
nos dias de semana, a seu modo, tomar parte no Sacri­
fício: êle oferece-o à sua própria custa, regando a ter­
ra com o seu suor. Mas quando prouve a Deus que
não fôsseis trabalhador da terra, e quando se com­
preende a Redenção que Jesus Cristo operou com o
seu Sangue, o minimo que se pode fazer é tôdas as
manhãs associar-se ao Sacrifício que Êle renova por
nós.” E acrescentava: “Não tenho merecimento por
assistir à Missa; porque, se me acontece faltar, sinto-
me envergonhado e descontente comigo durante todo
o dia; parece-me que desmerecí da minha condição,
e sinto necessidade de fazer ato de reparação, para
que Deus me perdoe e também para que eu perdoe
a mim mesmo.”
E se o bom Deus, caros Terceiros, vos fêz nascer
na condição de trabalhador da terra, operário, cria­
do, e se tiverdes a possibilidade de ouvir a. Missa to­
dos os dias ou quase todos os dias, com algum in-
160 ■ ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA '

cômodo, ah! aproveitai. Se aí forem numerosos os


fiéis em roda do altar, aumentai o número dêles com
a vossa presença. E de certo, não ê conveniente que
os Terceiros de S. Francisco se deixem ultrapassar
em fervor! E se estiver deserta a igreja, se o altar
estiver desolado, porque lhe falta o seu mais belo
ornamento que é uma assistência recolhida, ah! ca­
ros Terceiros, uni-vos para ir fazer companhia ao
Padre no altar; fazei florescer o deserto que o cerca
e que muitas vêzes o acabrunha; quando êle exclamar
vibrante: “Sursum corda", “os corações ao alto”, este­
jais prontos a responder: “Assim os temos para o
Senhor!”
Que se não puderdes ir todos os dias à Missa, man­
dai todos os dias o vosso coração ao altar pelo vos­
so Anjo da Guarda. Pedi-lhe de deixar cair sôbre êle
uma gota, uma gotazinha do Sangue de Jesus; e es­
ta gota mudar-se-á para vós em torrente de graças,
num rio de bênçãos e de forças para êsse dia em que
talvez vos espera o imprevisto, em que será preciso
sofrer muito, em que uma cruz se apresta a vos cair
sôbre os ombros surpreendidos; em que mesmo vos
está reservada uma grande alegria: mas alegria, fora
das influências do Sangue de Jesus, levar-vos-ia à dis-
sipação, à tibieza, ao pecado...
Quando no meio do vosso campo, das vossas ocupa­
ções domésticas, no fundo da oficina, no leito de dor
em que a noite teve para vós tôdas as ansiedades do
dia, quando ouvirdes o sino anunciar que Jesus Cristo
desceu ainda uma vez ao altar, para ai renovar o seu
Sacrifício, oh, entregai tôda a vossa alma à oração,
seja ela curta mas fervorosa, e que esta prece, fa­
zendo-vos atravessar a distância, vos transporte ao
pé do altar, sôbre as asas da fé e do amor.
Quando tiverdes a felicidade de assistir à S. Missa,
não deixeis de vos unir a Jesus Cristo, a Vitima in­
visível e o eterno Pontífice. Ao começar o Ofertório,
aniquilai-vos com Jesus diante da majestade de Deu3,
que vos penetra de todos os lados, no sentimento de
adoração profunda. Do Ofertório à Elevação, pedi ain­
da uma vez perdão, pelo Sangue de Jesus, pelos pe­
cados e infidelidades da vossa vida; fazei com eles
• A MISSA COTIDIANA lfll

um feixe, e lançai-os no coração ardente da Vítima


para que aí se consumam cada vez mais, Da Eleva­
ção à Comunhão, pedi a Jesus para apresentar ao Fai
o vosso reconhecimento pelas graças sem número que
formam o tecido da vossa vida. Enfim da Comunhão
ao fim da Missa, pedi a Jesus, com santa ousadia,
pedi-Lhe para vós e para os outros, as graças mais
apropriadas às vossas necessidades e às necessidades
das pessoas, cujos interêsses vos são caros. Sobretu­
do, ao sair da S- Missa, em que tiverdes oferecido a
Deus o sacrifício às expensas de Jesus Cristo, lembrai-
vos que o dia deve ser um Calvário em que é preciso
oferecer a Deus o sacrifício às vossas expensas, na
fidelidade aos deveres do vosso estado e na prática
das ações ordinárias.
Um dia, um Bispo piedoso perguntava a S. José de
Cupertino quais os meios para fazer no seu Clero uma
salutar reforma. O Santo respondeu-lhe: "Monsenhor,
usai de tôda a vossa influência para obter dos vossos
Padres que rezem o breviário com fervor e que cele­
brem a Santa Missa com piedade; fareis déles todos
outros tantos Santos."
Caros Terceiros, sêde fiéis em rezar bem o vosso
Ofício e em assistir todos os dias à S. Missa com de­
voção corajosa; que nunca vos detenham nem a ari­
dez, nem os sacrifícios. Caminhareis então com passo
rápido na via que conduz a Deus.
Capítulo III

A COMUNHÃO
LETRA E ESPIRITO DA REGRA. — COMUNHÕES FER­
VOROSAS E FREQUENTES DO SERÁFICO PAI. —
OBJEÇÕES: ESTOU DEMASIADAMENTE OCUPADO;
DEVERIA OBSERVAR-ME MELHOR; SER MAIS RE­
GULAR; NÃO SINTO NADA; NAO VEJO OS MEUS PRO­
GRESSOS DE UMA COMUNHÃO A OUTRA; EU SOU
INDIGNO; O MEU CONFESSOR NAO M& FALA NAS
MINHAS COMUNHÕES.

“Os Terceiros devem todos os meses aproximar-se


da Santa Mesa." (1) E’ preciso não deixar passar um
mês sem que o Terceiro vá renovar as forças no ban­
quete da Eucaristia. Não é bastante: através do ex­
terior da letra que fixa um limite à tibieza, que di­
fere e omite as Comunhões pelo mais fútil motivo, é
preciso ver o desejo do Seráfico Pai e o espírito da
Igreja convidando as almas à Comunhão frequente.
A Eucaristia ê para as nossas almas o que o ali­
mento material é para nosso corpo. Ora, nós não nos
contentamos de comer com raros intervalos, uma vez
por mês ou uma vez em quinze dias. Todos os dias,
diversas vêzes no dia, assimilamos o alimento mate­
rial sob pena de nos enfraquecermos e de morrer de
fome; assim também não nos devemos contentar de
receber a Comunhão com raros intervalos. No pão
“supersubstancial” do Evangelho e que se deve pedir
a Deus todos os dias, muitos Padres e Doutores vêem
a Comunhão sacramental. Ora, diz S. Ambrósio: “Por
que assimilais só uma vez por ano um pão que pedis
a Deus, e que Deus vos concede todos os dias!” S. Boa-
ventura escreveu do Seráfico Pai: “O sacramento do
Corpo do Senhor o abrasava de fervor tal que o tras-
passava todo inteiro; êle ficava em admiração e êxta­
se diante de uma condescendência tão terna e de uma
caridade tão solícita. Comungava frequentemente e
com tanta devoção que os outros afervoravam-se ven-
1} Constituição "Míaericors Del Fillua”,
A COMUNHÃO 163
do-o preso de embriaguez espiritual e às vêzes em êx­
tase, depois de ter recebido o Cordeiro Imaculado.” (2)
B nós também devemos comungar muitas vêzes com
a condição de imolarmos todos os dias a Nosso Senhor
as nossas repugnâncias, os defeitos do nosso cará­
ter; tudo o que der a outrem motivo de descrédito
para a religião e para as pessoas admitidas frequen­
temente ao sagrado banquete. “Tenho ocupações de­
mais para comungar muitas vêzes’’, dizeis. Admitamos
que hã ocupações absorventes que impeçam a um gran­
de número de Terceiros o acesso à santa Mesa todos
os dias da semana. Há deveres "estritamente" de es­
tado que devem passar antes de tudo, mesmo antes da
Comunhão frequente; mas, por outro lado, se o amor
de Nosso Senhor fosse mais forte, mais ardente no
vosso coração, oh! vós, que vos prevaleceis das vossas
ocupações e encargos para recusar o convite que vos
ê feito, saberieis em caso de necessidade fazer sa­
crifícios para receber o dom de Jesus de modo mais
frequente.
Para comungar mais vêzes eu precisaria “pôr um
freio à mundanidade”, precisaria "modificar o meu
caráter”, precisaria "guardar melhor a minha lín-
gua «i . Não há nada mais razoável do que isto. Mas
t I f

para receber Nosso Senhor mais uma vez no Sacra­


mento da sua ternura, não merece que se faça algu­
ma violência? E o esforço feito não é amplamente com­
pensado com uma visita do divino Mestre?
“Eu deveria levar uma vida regular, levantar-me
cedo.” Que graça seria a vossa, se a perspectiva da
Comunhão frequente fôsse bastante poderosa sôbre a
vossa fé para vos levar a essa regularidade de vida!
E depois, não poderieis levantar-vos um pouco mais
cedo para ir receber Aquêle que de manhã e de noi­
te, do despontar da aurora ao pôr do sol, como no
meio da noite, está detido no Tabernáculo pelo vosso
amor; e suspira pelo momento em que a riqueza da
sua graça virá suprir à .pobreza dos vossos mereci­
mentos?
2) Legenda S. Francisci, c&p, IX.
11*
164 ORDEM TERCEIRA FKANCISGANA '
“Mas eu não sinto nada!" Quantas almas ficam
estacionárias porque não sentem nada em matéria de
devoção sensível, e sentem terror por causa de peca­
dos já acusados, já perdoados, mas que talvez dei­
xassem na sensibilidade da alma resquícios que os
faz reviver num momento dado! Tomem coragem, es­
tas almas e conformem-se escrupulosaroente à direção
que lhes é dada, mesmo quando não possam compreen­
der o por quê. A estas almas diremos com S. Fran­
cisco de Sales: “Tudo isto se dá em vós do lado dos
sentidos e na parte do vosso coração que não está
inteiramente à vossa disposição. Na verdade, é preciso
não deixar a Comunhão por causa dêste escrúpulo, por­
que nada sacudirá melhor o vosso espírito do que o
seu rei; nada o aquecerá tanto como o seu sol; nada
o suavizará tanto como o seu bálsamo.” (3)
“Mas eu não vejo os progressos que faço de uma
Comunhão à outra.” Não é necessário que os vejais,
êsses progressos; pelo contrário, é bom que esquecen­
do-vos do que fizestes e não cuidando senão do que
vos resta a fazer, vos humilheis cada vez mais diante
de Nosso Senhor, e que vos entregueis todos os dias
á obra da vossa santificação e da vossa perfeição com
generosidade nova. Entretanto evitai enganar-vos a
vós mesmos; fugí de ir à Comunhão frequente com as
disposições que desagradassem ao olhar puríssimo de
Jesus, sob pretêxto que tendes boas disposições. Jesus
não nos pede a perfeição; Êle bem sabe de que lama
somos todos feitos; mas exige o esforço, quer que
sejamos caridosos, pede que não demos mau exemplo.
Vêem-se almas admitidas todos os dias à Santa Me­
sa que, da manhã à noite, estão de olhos abertos para
as imperfeições do próximo e sobretudo com a bôca
aberta a tôda sorte de conversas e de críticas, se não
absolutamente mas pelo menos temperadas, de aze­
dume e de amargura. Outras, "anjos” na igreja, não
são nada disto na sua família; e depois de anos e anos
de Comunhão frequente, cotidiana talvez, são tão pou­
co caridosas, tão pouco dóceis, como se nada tives­
sem recebido dá misericórdia de Nosso Senhor. Deus
3)‘Certa a aua sobrinha Madame de Valbonne.
A COMUNHÃO 166

preserve as nossas Fraternidades destas pessoas incoe­


rentes, com. idéias falsas e estreitas, sem consciência
do seu caráter insuportável e mau; sempre prontas
para ir à Mesa Santa, e incapazes de se fazerem vio­
lência, de guardarem um segredo, de calarem uma
reflexão amarga, uma observação pouco caridosa; olhos
de lince para os outros, olhos de toupeira para os
próprios defeitos 1
“Mas eu me sinto indigno de receber Nosso Senhor
muitas vêzes,” Se estiverdes decidido a evitar o pe­
cado e a fugir das ocasiões de pecado, se fordes ca­
ridoso, sobretudo, ou se faltando à caridade, souber­
des reconhecer o vosso êrro e humilhar-vos diante de
Deus e, se fôr necessário, diante dos homens, se não
guardardes ódio nem antipatia voluntária no vosso
coração, se os vossos deveres de estado o permiti­
rem, se o vosso Confessor consentir, ah! ide, pois,
muitas vêzes à S. Comunhão. Isto não é propriamen­
te prêmio concedido ao vosso valor, mas um remédio
indicado para a nossa fraqueza; é o sorriso de Jesus
à nossa alma no meio das tristezas; é a sua mão
estendida para nos levantar das nossas imperfeições;
é o seu Coração, o seu divino Coração, sempre aberto
ao nosso pobre coração. Não o esqueçamos, o divino
Salvador não veio a êste mundo para os que estão
com saúde, mas sim para os doentes e para os fracos,
com a condição, todavia, que êles não fechem de pro­
pósito os olhos sôbre a sua doença e que se deixem
tratar pelo Médico, isto é, pelo Padre, o Padre que
os Santos Padres chamam de outro Jesus Cristo.
“Mas o meu Confessor não se ocupa multo com
as minhas comunhões, não me diz nada a êste res­
peito!" O vosso Confessor não vos fala da Comunhão
frequente4*4 talvez não mereçais ainda êste favor,
talvez não sejais ainda bastante sincero para convos-
co e com os outro3. Seja como fôr, deveis tomar a
dianteira; perguntai-lhe se não seria conveniente mul­
tiplicar as vossas Comunhões. Quando uma mãe se
esquece da hora da refeição da sua família, os filhos
bem sabem reclamar, até sabem insistir. Fazei o mes­
mo com o Padre que, a exemplo de S. Paulo, deve
ser “a nutriz” das almas; reclamai dêle êsse Pão dos
166 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
Anjos que êle manuseia todos os dias no santo altar
com as suas mãos consagradas; e se êle quiser expe­
rimentar-vos, se adiar a felicidade que solicitais, "ten­
de paciência na humildade’1; mas não deixeis de re­
frescar-lhe, de tempos em tempos, a memória nesse
assunto das vossas Comunhões. Tereis assim o mere­
cimento da simplicidade, da humildade e da obediência.
Ah! sim, caros Terceiros, ide ter muitas vezes com
Nosso Senhor; sejamos fiéis à união em seu Coração
que se chama a Mesa Santa; que as nossas imper­
feições, quando são apenas efeito da nossa fraque­
za, não nos devem deter. Fiemo-nos na misericórdia
do divino Mestre; entreguemo-nos ao seu amor. O
Doutor Seráfico também chama a Santa Comunhão
um "contrato” pelo qual Jesus Cristo nos dá o seu
amor e pelo qual nós Lhe damos o nosso. Renove­
mos muitas vêzes êsse contrato, ratifiquemo-lo todos
os dias, se fôr possível; vivamos pelo menos de tal
modo que possamos comungar todos os dias.
Capitulo IV
PREPARAÇÃO PARA A COMUNHÃO
O QUE a A COMUNHÃO. — NAO DIGAMOS: "UMA
COMUNHÃO DE MAIS OU DB MENOS, O QUE IMPOR­
TA!" — IMITAR A MULTIDÃO ALIMENTADA MILA-
GROSAMENTE PELO SALVADOR: "SUSPIRAR" POR
ELE; SENTAR-SE "NA PAZ”; SENTAR-SE NO CHAO,
"NA HUMILDADE”. — EXEMPLO DE S. LUIS GONZA­
GA. — NAO DEIXAR O TABOR DA COMUNHÃO SENÃO
PARA TORNAR A SUBIR AO CALVÁRIO DOS NOSSOS
SOFRIMENTOS E TENTAÇÕES COTIDIANAS; NAO ES­
TAMOS SOS!

S. Catarina de Gênova perguntava um dia a Nos­


so Senhor qual a medida da sua caridade pelos ho­
mens. “Se soubesses quanto amo uma alma — res­
pondeu o divino Mestre, — seria, a última coisa que
conhecerías nesta vida, porque morrerías de amor no
mesmo instante.” Ora, a Comunhão é o ponto culmi­
nante do amor de Jesus Cristo; S. Bernardo chama-a
“o Amor dos amores". E não é uma vez de passa­
gem, caros Terceiros, que Jesus nos convida à Mesa
Santa; é todos os dias, é tantas vezes quantas as nos­
sas necessidades exigirem e que o nosso Confessor
permitir.
Ora uma Comunhão a mais é tuna imensa graça
que recebeis; é uma nova visita do Esposo da vossa
alma; é uma nova união de Jesus com o vosso ser,
com o vosso pensamento, vossa memória, vossas afei­
ções, vossos sofrimentos e vossas alegrias. Mais uma
Comunhão é um novo testemunho de amor e de reco­
nhecimento que demonstrais a Jesus; é um tesouro
de novos merecimentos que vão aumentar a vossa
glória por tôda a eternidade nas proporções só de
Deus conhecidas: maravilhas muito reais que se ope­
ram mesmo no meio da mais desoladora aridez. E en­
tretanto, esta aridez faz com que cogiteis que bem
se pode tirar dessas Comunhões precedidas de con­
tínuas distrações, até no momento em que a campai­
nha do altar vos avisa que é preciso ir para a Mesa
Santa; e que ainda continuam, depois até o fim da
168 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
ação de graças. Mas o divino Mestre não precisa do
vosso sentimentalismo; a fé diz-voa, quando mais vos
aniquilardes pelo seu amor e para o seu amor, o sor­
riso dÊle fixa-se sobre vós com mais complacência do
que nunca.
Não digais, caros Terceiros: “Que importa uma Co­
munhão de mais ou de menos?” Não vos consoleis tão
facilmente de uma Comunhão que tiverdes omitido
por vossa culpa; darieis prova de fé muito fraca e de
amor muito tibio; e quando a Comunhão fôsse sem­
pre para vós uma graça de primeira ordem, mesmo
à custa de desoladora impotência, não seria então se­
não rotina aborrecida, tarefa enfadonha. Correspon­
derieis mal ao amor de Jesus Cristo, que costuma ro­
dear as suas operações %
de trevas salutares.
O divino Salvador revelou um dia a S. Margarida
de Cortona que tinha concedido ao seu Confessor um
grau extraordinário de glória' no céu, porque tinha-
lhe aconselhado a Comunhão frequente. (1) Com efei­
to, o supremo interêsse de Jesus Cristo é que se co­
mungue. Êle desejou, ainda deseja ardentemente que
aceitemos o dom magnífico da sua ternura. Caros
Terceiros, atendei aos seus desejos que são todos pa­
ra o vosso bem; mas também preparai-vos para & Co­
munhão com essa fé e religião profunda que exige
um tão augusto mistério de amor.
Conheceis a história da multiplicação dos pães, re­
ferida por S. Marcos. Uma multidão.numerosa, não
tendo o que comer, tinha seguido o Salvador no de­
serto. “Tenho grande compaixão dêste povo, porque
já há três dias que está comigo, e não tem que co­
mer; se eu o deixar ir em jejum para suas casas, des­
maiarão no caminho, porque alguns dêles vieram de
longe.*’ E seus discípulos responderam-Lhe: "Donde
poderá alguém fartar a êstes de pão aqui no deserto?”
Jesus disse-lhes; "Quantos pães tendes?" E êles dis­
seram: "Cinco e dois peixes.” Tomando Jesus os cinco
pães e dois peixes, deu graças, partiu-os, e deu-os a
seus discípulos, para que lhos se«■vissem; e êles servi-
ram-nos. E tinham uns poucos peixiuhos, e Êle aben-
1) Vida da Santa escrita pelo eeu Confessor, cap. IV.
PREPARAÇÃO PARA A COMUNHÃO 169
çoou-os, e mandou que também lbos apresentassem.
E comeram e fartaram-se e levantaram do sobejo dos
pedaços sete alcofas. E eram os que comeram quase
quatro mil e despediu-os. (Mc 6, 35-44.) Esta vida é
um deserto em que também se encontram todos os pe­
rigos de um campo de batalha. Sem a Comunhão, tão
bem representada pelo pão multiplicado nas mãos de
Jesus e distribuído pelo ministério dos seus discípulos
e sacerdotes, sem a Comunhão, caros Terceiros, somos
muito fracos, muito abandonados, sujeitos à sedução,
à queda; mas com a Comunhão nos revestimos de
Jesus com a fôrça do próprio Deus; e as nossas ten­
tações, nossas diversas provações, em vez de nos aba­
terem, darão novo alimento à nossa generosidade e
aos nossos merecimentos.
Já temos reparado na ação espantosa exercida por
Jesus sobre todo o povo? Sua palavra cheia de auto­
ridade, sua doce majestade, sua perfeição em todas
as coisas, a bondade do seu coração, a beleza sõbre-
humana do seu rosto onde se reflete um pouco a sua
divindade: tudo isto penetrou de amor e entusiasmo
esta multidão, a ponto de se esquecerem dos interes­
ses materiais e das necessidades da vida: Temos nós
reparado na união íntima entre o extraordinário afe­
to de todo o povo para com Jesus, e a compaixão
de Jesus por este mesmo povo? Do mesmo modo, terá
o Salvador compaixão de nós na Comunhão, se suspi­
rarmos por Sle, se não com atrativo sensível, pelo me­
nos com todo o ardor da nossa vontade. Conta-se de
S. Luís Gonzaga que chegava-se todos os domingos à
Santa Mesa e que dividira o seu tempo com o fito na
Eucaristia, de modo que consagrava à ação de graças
os três dias seguintes & sua Comunhão semanal, e à
preparação os três dias que a precediam. "Tenho com­
paixão de ti — podia dizer Jesus a êste angélico
Santo, como fazia ao povo no deserto, — porque há
três dias que almejas estar comigo." E nós façamos
também da santa Comunhão o centro da nossa vida.
Em tôdas as circunstâncias perguntemos a nós mes­
mos:. O que faria o divino Salvador se estivesse no
meu lugar? — e façamos assim. E1 preciso ler o Evan­
gelho, meditar as suas palavras tão fecundas, os seus
170 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
•--••íjstj
exemplos ainda mais fecundos, e Jesus será para nós
familiar; viveremos dÊle e para Êle; teremos consciên­
cia da sua presença em nós, como temos consciência
da presença de um amigo que não pode viver sem
nós. A indecisão do nosso espírito desaparecerá, e es­
tando o objeto do nosso coração mais determinado,
com mais fôrça tenderemos para Êle.
Antes de alimentar a multidão com o pão mila­
groso, Jesus Cristo mandou ‘'que se assentassem no
chão". Em geral tomamos sentados as nossas refei­
ções, porque, estando à vontade, torna-se mais fácil
a digestão. Também devemos sentar-nos quando nos
preparamos à Santa Comunhão. O que quer isto di­
zer? Precisamos Libertar a alma de todo o apêgo des­
ordenado às criaturas, de tôda preocupação, dos inú­
meros pensamentos inconstantes, volúveis, que pertur­
bam a paz do coração. Não nos devemos examinar,
além do devido, quanto às nossas disposições inte­
riores. Quando o nosso Confessor consente, é preciso
irmos a Jesus, não faltar a uma só Comunhão, seja
qual fôr o pretexto. Sobretudo desbastemos do nosso
espirito tôda idéia de afastamento, de antipatia para
com os nossos irmãos. Quanto mais calmas e límpidas
forem as águas de um lago, tanto melhor refletirão
o esplendor e as belezas da margem e do céu.
Jesus "mandou à gente que se assentasse no chão."
Estas palavras "que se assentasse no chão” dizem-nos
que, antes de ir comungar, é preciso que nos humilhe-,
mos profundamente diante de Deus. Quantos pecados
temos cometido, quantos deveres negligenciado, quan­
tas ações boas e louváveis em si e na opinião dos
homens foram manchadas e estragadas pelas nossas
preocupações de amor próprio! Digamos a nós mes­
mos com o Seráfico Doutor: Eis que Êle te vai ser­
vir de alimento, Aquêle cujo nome nem mereces pro­
nunciar. Eis que Êle te vai admitir à sua mesa euca-
rística, Aquêle cuja justiça te deveria condenar a sen­
tares para sempre à mesa infernal, cujas iguarias são
os tormentos... Sim, sejamos humildes, e dir-se-á de
nós, da visita de Jesus à nossa alma, como da visita
dÊle ao publicano Zaqueu, que se humilhara sincera-
PREPARAÇAO PARA A COMUNHÃO 171

mente e dera satisfação eficaz de todos os seus êrros:


“Hoje entrou a salvação nesta casa.” (Lc 19, 9.)
Depois que o povo se tinha alimentado e satisfeito
milagrosamente, Jesus “mandou a gente para casa”.
Depois da Comunhão, Jesus manda-nos para casa, pa­
ra os nossos deveres, nossos desgostos, nossas tenta­
ções de todos os dias; mas não estamos sós, Jesus
está conosco; e com Jesus o que receamos? Depois da
Comunhão Jesus nos manda para a nossa vida habi­
tual. Por mais prosaica que ela. seja, não nos esque­
çamos que Deus a destinou para caminho da nossa
salvação e até da nossa perfeição.
E se por culpa nossa enveredarmos por um cami­
nho que não seja o nosso, e' do qual não podemos
mais sair, a Comunhão fará com que tiremos daí o
melhor partido possível; será o melhor meio de dar­
mos reparação pelos desígnios de Deus que tivermos
quebrado. Sim, voltemos ao nosso Calvário, depois de
termos descansado no Tabor das consolações. Que im­
porta termos a nossa vida cheia de pequenas cruzes
aborrecidas, aborrecidas mesmo em razão da sua in­
significância; que importa não serem os nossos sacri­
fícios conhecidos dos homens... Jesus Cristo está no
centro dos nossos corações; por Jesus Cristo, felici­
dade do paraiso, podemos transportar o céu para o
purgatório das nossas provações, e fazer de tôda a nos­
sa vida uma ação de graças, que não se interrom­
perá jamais.
Capitulo V

A CONFISSÃO
CONFISSÃO FREQUENTE. — O PADRE S OUTRO JE­
SUS CRISTO NO SANTO TRIBUNAL. — REPRIMIR O
ACANHA MENTO. ESPIRITO SOBRENATURAL.
NAO FAZER A CONFISSÃO MAQUINA DE DIREÇÃO. —
CONFESSAR-SE MAIS PARA SE LIVRAR DO PECADO
DO QUE DA PERTURBAÇÃO QUE ELE DEIXA EM NOS.
— CONSERVAR A PAZ A DESPEITO DOS ESQUECI­
MENTOS E DISTRAÇÕES INVOLUNTÁRIAS, MESMO
NO MOMENTO DA CONFISSÃO E DA ABSOLVIÇÃO.

"Os Terceiros confessarão os seus pecados uma vez


por mês”, diz Leão XIII, na sua Constituição Mise-
ricors Dei Filius. Os que amam. verdadeiramente a
Nosso Senhor e tiverem tempo, não se devem conten­
tar com uma só confissão mensal. Procurarão o tri­
bunal da penitência uma vez em quinze dias e mes­
mo uma vez por semana, a fim de terem maior pu­
reza e todos os recursos sobrenaturais contidos na
absolvição do Padre. Talvez caístes, caro Terceiro?
Tornastes-vos culpado de uma falta grave por sur-
prêaa de momento? Depois de mil sacrifícios feitos
por Nosso Senhor, tivestes a desgraça de cometer um
pecado mortal? Mergulhai-vos então no banho da Pe­
nitência, feito dos merecimentos de Nosso Senhor, do
seu suor, das suas lágrimas, do seu Sangue.
Não receeis abrir-vos ao Padre, médico sobrenatural
da vossa alma. 0 Padre no santo tribunal é mais do
que um homem; é Jesus ao vosso alcance, é Jesus es­
tendendo-vos a mão para levantar-vos e abrindo-vos o
seu Coração para abrigar a vossa fraqueza. Que o aca-
nhamento não vos feche os lábios. Não digais: “O
que vai pensar de mim o Confessor. Já há cinco, seis,
dez anos que me confesso a êle e nunca tive causa
grave a declarar; e hoje vou mostrar-lhe a alma sob
um novo aspecto, vou revelar-lhe falta que me
faz enrubescer só ao pensar!1' Nunca, caro Terceiro,
digais tais palavras. Isto seria mil vêzes desastroso
para a vossa alma, seria mil vêzes preferível não vos
confessar. Se não tiverdes coragem de ir ao vosso
Confessor ordinário, procurai outro; mas desembara-
A CONFISSÃO 173

çai-vos do fardo que vos acabrimha. Se tiverdes a ver­


dadeira humildade, fareis ainda mais. Não vos en­
vergonhareis de ir ter com o. mesmo Confessor que
talvez vos considere um santo; que, ao menos, vos
tem em grande conta e não vos tem poupado louvo­
res em diversas circunstâncias. Não, não vos enver­
gonheis de ir a êle; ou melhor, procurai vencer essa
vergonha, sêde heróico, comparando esta confusão pas­
sageira que é pouca coisa com a confusão que vos
cabería no julgamento final.
Há pessoas piedosas que se confessam regularmen­
te e que continuam em estado de pausa espiritual,
bem semelhante à tibieza, se já não fôr tibieza bem
característica. Estas pessoas, diz o Pe. Faber, vão-se
confessar mais para estímulo do que para terem absol­
vição dos seus pecados. Falta-lhes resolução na vida
espiritual; fazem apenas esforços incompletos que não
persistem e que de nada servem. Desanimadas, enfas­
tiadas, não sabendo examinar-se com retidão, vão, in­
gênuas, buscar uma palavra amável do seu Confes­
sor, para recuperarem o bom humor; e muitas vêzes,
é èste o único lucro das suas confissões. Entretanto,
se estas pessoas têm as disposições indispensáveis pa­
ra receberem a absolvição, não adiantam no caminho
de Deus, porque não têm bastante generosidade pessoal
no serviço de Jesus Cristo.
Muitas pessoas preocupam-se singularmente com a
opinião que o Confessor faz delas. Não frequentando
a sociedade, desinteressando-se do mundo, até despre-
zando-o, constituem todavia o centro da sua vida a di­
reção espiritual e o seu diretor. O sobrenatural é ven­
cido pelo natural facilmente neste .caso. Receando di­
minuir-se na estima daquelé que escolheram para ser
o seu Pai, estima que se diminuísse ou acabasse ser-
lhe-ia mil vêzes mais insuportável do que tuna calúnia
grosseira que lhe viesse de fora, elas cuidam ciosa­
mente de nada dizer que lhes possa trazer o que re­
ceiam acima de tudo. Suas acusações serão boas, su­
ficientes apenas para que não sejam consideradas nu­
las ou sacrílegas; mas em tudo que não fôr de estri­
ta necessidade, quanta diplomacia, às vêzes inconscien­
te e também às vêzes servida por espírito admiravel-
174 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
mente fecundo e sutil! diplomacia nas expressões, no
torneado das frases, na expressão e no resto... Ora,
diz o Pe. Faber: “Er muito difícil ter ao mesmo tem­
po tanta diplomacia e verdadeira contrição.”
Outras consideram a absolvição do Padre, a Con­
fissão sacramental, uma máquina de direção. Vão pro­
curar o Padre para serem perdoadas, mas sobretudo
para serem ouvidas. Ter direção é bom, excelente, às
vezes necessário. Mas entre ausência absoluta e pro­
posital de direção, e uma direção que é só perda de
tempo para o penitente e o Confessor, vai uma gran­
de distância. Ora, dá-se essa perda de tempo quando
se vai procurar o Padre para ensejo de conversação
agradável e piedosa, que torna a alma mais orgulho­
sa e mais vazia do que antes; quando se vai ter com
o Padre mais para ser ouvido do que para ouvir; quan­
do a direção desenvolve essas divagações da imagi­
nação e essas análises de si mesmo, inúteis e estéreis;
quando, à medida que se adianta nesse método de di­
reção, se afasta da família, dos deveres de estado, da
humildade, da caridade, da paciência. Que Deus livre
as nossas Fraternidades destas almas que se julgam
em plenas águas espirituais, e sobretudo querem ser
consideradas assim; que imaginam estar no caminho
do terceiro céu, e que na realidade estão no cami­
nho do orgulho e da loucura. A direção é excelen­
te; mas não deve servir de manto para o orgulho,
e sobretudo não fazer com ela passa-tempo de vida
desocupada; seria perder o tempo e desperdiçar o do
ministro de Deus. A direção é excelente; mas não
se deve servir da absolvição sacramental como de mo­
tivo para estar com repetições, minúcias inúteis, his­
tórias intermináveis em que entra em grande parte
a vaidade e o amor próprio, palavras que são em de­
trimento da Confissão e do Confessor. Deus conceda
a todos os nossos Terceiros franqueza e brevidade
nas coisas da confissão e da direção!
Enfim, outras pessoas se vão confessar mais para
se libertar do pêso de deixar o pecado, do que pelo
pecado mesmo. Cometeram uma falta mais grave do
que de costume, ou pelo menos receiam tê-la come­
tido, Ei-las a se mortificarem, até perdem o sono.
A CONFISSÃO 178
Para se verem livres do pesadelo, vão depressa & bus*
ca do Padre, depois de terem feito a vapor um pre­
paro que, em rigor, é apenas suficiente. Na realidade
procuraram o confessionário, mais para sossegar o
espírito agitado do que para acalmar a cólera do
Altíssimo, mais para se desembaraçar do que para pe­
dir perdão a Deus. Caros Terceiros, não sejais dêsses
injustos; cedei o passo a Deus, tende uma intenção
mais pura; vossas confissões serão tanto melhores e
mais fecundas em resultados duradouros.
Quando vos dispuserdes & Confissão, examinai se­
riamente a vossa consciência, mas não vos analiseis
miudamente. Em geral as pessoas piedosas dão de­
mais para o exame e pouco para a contrição. E en­
tretanto a contrição é o principal; é ela que na falta
de pecados presentes, recai sôbre os pecados passados
para de novo mergulhá-los no Sangue de Jesus. Ela
inspira assim um arrependimento cada vez mais vivo
pelas faltas já perdoadas; incita a alma a perseguir
os resquícios e as raizes do pecado maldito, a comba­
ter com mais pertinácia e mais proveito o pecado do­
minante; ^ sobretudo quando êsse defeito é a impaciên­
cia, a falta de caridade, a moleza, a apatia espiritual.
Antes de vos ajoelhardes aos pés do Padre, pro­
curai conhecer se lhe trazeis um coração realmente
contrito; e então, ae no momento da absolvição, o vos­
so espírito estiver distraído, não tenhais cuidado, por­
que a contrição estará virtualmente em vós ainda que
pareça adormecida. Por outro lado, depois de um exa­
me de consciência conveniente (sobretudo se tiver-
des consagrado a êsse fim o tempo determinado pelo
Confessor), não vos inquieteis demasiado, quando vos
esquecerdes de uma porção de coisas que afluíam à
vossa imaginação, mais do que à vossa consciência,
no momento do exame; porque não penseis que as
vossas confissões sejam inúteis e incompletas, porque
as vossas palavras não exprimam bem o grau da vos­
sa impressão. Uma palavra diz muita coisa ao Con­
fessor... Enfim, que seja a Confissão para todos
não fonte de escrúpulo, mas sim de graças e obra pri­
ma da misericórdia de Jesus, assim .como a Eucaris­
tia é a obra prima do seu amor.
Capitulo VI

O EXAME DE CONSCIÊNCIA
COM DEMASIADA FACILIDADE O OMITEM. — A VIDA
ESPIRITUAL CONSISTE EM CONHECER-SE A SI MES­
MO E COMBATER-SE. — FAZER TODOS OS DIAS COM
OS NEGÓCIOS DA ALMA O QUE FAZ O NEGOCIAN­
TE PRATICO QUE TEM EM DIA A SUA ESCRITURA­
ÇÃO. — "MAS NÃO POSSO FIXAR O MEU ESPIRITO!"
— MÉTODO DE EXAME- — IMPOR A SI MESMO UMA
PENITÊNCIA PELAS INFRAÇÕES. — O QUE FAZER
A NOITE QUANDO SE TIVER OFENDIDO A DEUS GRA­
VEMENTE DURANTE O DIA

Não é raro encontrar-se na Visita anual de uma


Fraternidade a quase totalidade dos membros que a
compõem, fiéis às diferentes prescrições da Regra con­
cernente ao Ofício, ao uso do santo hábito, à fideli­
dade às reuniões mensais, jejuns, Comunhões. Todas
estas prescrições e muitas outras ainda são obede­
cidas com a maior pontualidade. Mas hà um ponto da
Regra que não é praticado tao geralmente: quero fa­
lar do exame de consciência. Perguntais a um Ter­
ceiro: "Tendes sido fiel êste ano ao vosso exame de
consciência?” Ele muitas vêzes vos responderá: "Meu
Pai, devo confessar que tenho culpas neste ponto. Mui­
tas vêzes tenho faltado a êle; muitas vêzes o fiz às
pressas; e depois, estou de tal modo cansado, à noi­
te, quando chega o momento do exame, que não sei
ligar duas idéias; isto produz em mim um estado vago,
penoso, que me tira a coragem."
E entretanto, sem o exame de consciência, não há
seriamente vida espiritual. A vida espiritual, com efei­
to, resume-se nestas duas palavras: “Conhecer-se a
si mesmo e emendar-se.” Ora, sem exame, ê impos­
sível conhecer-se a fundo, impossível conhecer-se pra­
ticamente e passar do conhecimento das faltas ao co­
nhecimento mais delicado e mais preciso dos defeitos.
E entretanto são raros os cristãos que dão a êsse exa­
me a importância que merece. Como a gente das tre­
vas é mais prudente do que os filhos da luz! O nego­
ciante sabe organizar bem a sua indústria; antes de
O EXAME DE CONSCIÊNCIA 177
empreendê-la, já calculou tôdas as probabilidades de
perda e de ganho, porque não quer estar na incerte­
za, e tem razão: saber donde se vem e para onde se
vai é a primeira condição de sucesso, que não se quer
abandonar ao imprevisto e ao acaso.
Já que falamos do negociante, continuemos a com­
paração. Assim como êle tôdas as noites, antes de re­
pousar, fecha-se no silêncio do seu gabinete para dar
o balanço exato das despesas e dos lucros, do mesmo
modo nós, antes de nos deitarmos, devemo-nos exa­
minar sinceramente para conhecermos O bem que te­
mos feito e o mal que cometemos durante êsse dia
que se e3tà terminando. O simples bom senso convida-
nos a fazer todos os dias êste exame prático da nos­
sa vida moral; a fé incita-nos ainda mais vivamente;
e a nossa Regra francíscana, que determina com pre­
cisão os deveres gerais da vida cristã, impõe-nos a
obrigação desta análise de nós mesmos. Na primeira
Regra da Ordem Terceira, S. Francisco faz menção
especial dela, e na sua Constituição Misericors Dei Fi-
Jius Leão XIII relembra a obrigação dêste dever.
P

Caros Terceiros, deveis obedecer de boa vontade e


não vos queixar dos dois ou três minutos que exige
de vós êsse exame cotidiano, E' preciso confessar-se,
não é nada divertido procurar examinar-se quando não
é para lisonjear o amor próprio; quando pelo contrá­
rio se trata de atacá-lo até nos seus mais recônditos
recessos. Ninguém gosta de sentir-se culpado perante
Deus, quando aos olhos dos homens é irrepreensível,
e ver que a vaidade, a ostentação, estragam as nos­
sas melhores ações, essas que mais elogios nos pro­
porcionam. Mas deixar-nos deter por essas repugnân-
cias seria pouco lógico da nossa parte; seria ter uma
religião só de exterioridades, ser um "sepulcro caia­
do". “E’ o sinal dos eleitos — diz S. Gregório, Papa,
— introduzir-se na consciência para ai averiguar quais
os inimigos domésticos que lhes fazem mal; é aí,
perante o olhar da alma, que recapitulam aquilo que
devem chorar; é aí que procuram descobrir aquilo que
o olhar do Juiz severo podería desvendar; é aí que
padecem tantos suplícios quantos são os que -receiam
merecer; e nesse julgamento interior não falta nada
Espírito da O T - lí
178 ORDEM TERCEIRA FRANCISC ANA
para representar tôdas as partes do juízo supremo:
a consciência acusa-os, a razão julga-os, o temor acor­
renta-os, a dor tortura-os.”
Não tenhamos mêdo de olhar de frente, e não imi­
temos a pessoa aleijada que aborrece acima de tudo
ver-se ao espelho. Mas o que digo eu? São em pe­
queno número as pessoas que tenham essa repulsão
tão acentuada. O espelho permite-lhes corrigir, ate­
nuar o irreparável ultraje da natureza e dos anos. Que
pesar sentem por não dissiparem as suas deformida­
des à fôrça de as mirarem! O que para elas não ê
possível, para nós é muito possível. Oiharmo-nos de
frente, não temer sustentar §3se olhar da consciência,
aguçado pelo remorso muitas vêzes, iluminado pela
fé, dilatado em muitas circunstâncias por uma inspi­
ração especial, é para nós o meio soberano de fazer
desaparecer da nossa alma a deformidade do pecado.
Talvez digais: "Graças a Deus, não é êsse o meu
caso. Desejo bem conhecer todos os meus pecados,
tôdas as minhas imperfeições, tôdas as minhas ten­
dências infelizes: mas é-me impossível ter recolhimen­
to, e quando quero examinar-me, é tudo confusão,
uma misturada que não rae deixa ver coisa alguma,
ou vejo mal o que faço.” Sois incapaz de estar reco­
lhido no vosso exame, muito provavelmente porque
não estivestes nada recolhido durante o dia. Não há
que admirar! As almas que vivem habitualmente re­
colhidas e na presença de Deus queixam-se de ver fu­
gir êsse recolhimento e êsse sentimento da divina
presença, quando querem aplicar-se diretamente à ora­
ção. Isto não surpreende. Deus mesmo procurou-as
durante o dia e soube encontrá-las, elas bem o sen­
tem; agora Ele quer ser procurado por elas na ora­
ção; Êle humilha-as, fazendo-lhes ver tôda a diferen­
ça que existe entre as antecipações diretas da sua
graça e os esforços difíceis da própria vontade. Mas
voltemos ao nosso assunto: se as almas que vivem
habitualmente na presença de Deus e na prática do
recolhimento, confessam-se impotentes e dissipadas,
quando chega o momento “regular” do exame e da
oração, o que pensar de vós, caros Terceiros, que vi­
veis sempre sem pensar em vós mesmos? Ides à Mis-
o exame: de consciência 179
sa, comungais, rezais o vosso ofício, o vosso rosário,
fazeis ainda mais, taivez mesmo façais muito mais.
Mas tôdas estas coisas são atos separados; o reco*
lhimento, a união verdadeira com Deus, resultante da
humildade e da generosidade, não vem cimentar estes
atos, prendê-los uns aos outros, para fazer com êles
um edifício, onde se acha na grande variedade das
linhas a unidade do desenho.
Compreendeis a santidade sob a forma de atos múl­
tiplos. Não a compreendeis bastante sob a forma de
unidade de vistas, de pureza de intenção, que só bus­
ca a Deus, a sua vontade e a ordem da sua Provi­
dência, na família, nos trabalhos caseiros e negócios,
tanto quanto no recolhimento de uma igreja; num re­
creio como no silêncio da oração. Caros Terceiros,
considerai melhor as coisas no ponto de vista divi­
no, vêde Deus em tôdas as coisas, pensai menos em
vós mesmos, e nas satisfações do amor próprio, cujos
múltiplos e recônditos desígnios prejudicam & sim­
plicidade de intenção. Então, fazendo menos, nas prá­
ticas e atos, na realidade fareis mais; digerireis me­
lhor o pouco que tiverdes feito; o recolhimento será
o principal ponto; e êste recolhimento, crede bem,
não será nada concentrado, não porá peias às vos­
sas idéias e não pesará na vossa imaginação: será
uma compreensão de Deus, calma, serena em tôdas as
coisas, que vos dará melhor idéia dessas coisas.
E’ ao ar e à luz que tudo vêdes; sem ar e sem luz
nada verieis. Deus é o ar e a luz da alma; o ponto de
vista de Deus desembaraça, alarga a vista, abrange
imensos horizontes, e ao mesmo tempo reduz tôdas
as coisas à unidade e à simplicidade divinas. Admi­
tamos que tendes o hábito do recolhimento; e entre­
tanto, chegado o momento do exame, sois impotente
para ver e fixar um pensamento. Não seria resul­
tante de falta de método? Um filho de S. Francis­
co chamado a viver sob as vistas de Deus, com alegria
e simplicidade como o Seráfico Pai, dificilmente com­
preenderá uma santidade feita com método. Entretan­
to é necessário um certo método, particularmente tra­
tando-se do exame de consciência.
12*
ISO ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
Quando fizerdes o vosso exame da noite, caros Ter­
ceiros, passai em revista “os vossos pensamentos, as
vossas palavras, as vossas ações”; vêde se fostes re­
preensíveis e quantas vêzes o tendes sido. Ou então
lembrai-vos quais as pessoas com quem' falastes, os
lugares onde estivestes, as visitas que recebestes ou
que tiverdes feito, e quais as vossas ocupações. E se
não vos examinais, em outro momento do dia, acêrca
do vosso defeito dominante, depois de ter feito no exa­
me geral à noite as contas gerais das vossas ações
do dia, deitai um olhar sôbre êste defeito dominante,
a causa real de tôdas as vossas infidelidades, e que na
vossa alma corresponde ao que é o escapamento para
um vaso de licor precioso.
Não exageremos as dificuldades do exame. Somente
um pouco de boa vontade, sobretudo um pouco de
perseverança na nossa boa vontade; e aquilo que era
quase impossível, tornar-se-á mesmo fácil. Não é ne­
cessário eternizar-se neste exame; dois ou três minu­
tos bastam, na média, para cumprir seriamente esta
prestação de contas que se faz a si mesmo. Muitas vê­
zes, e para muitas pessoas bastam menos de dois ou
três minutos para se desempenharem dêste dever. De
qualquer modo sejamos fiéis ao nosso exame de
consciência. Se, apesar de todos os nossos esforços,
continuamos a ver tudo confuso e até a não ver na­
da, não nos agastemos, não fiquemos despeitados; hu-
milhemo-nos simplesmente perante Deus por mais es­
ta impotência, que vem acrescentar a soma de tõdas
as nossas outras impotências. Depois, se durante o dia
nos tornássemos culpados dalguma falta notória, lo­
go ela se apresentaria à nossa memória, mesmo se
déssemos ao nosso exame apenas alguns instantes fur­
tivos. Se, depois de um dia sobrecarregado de ocupa­
ções previstas e imprevistas, tivermos o corpo e o es­
pírito cansados, acabrunhados de fadiga, façamos uma
oração muito curta; rezemos simplesmente um Padre
Nosso e uma Ave Maria com os atos de Fé, Esperan­
ça e Caridade; mas reservemos um minuto para o nos­
so exame de consciência.
O EXAME DE CONSCIÊNCIA 181

Não basta fazer idéia exata das infidelidades, é


preciso fazer penitência delas, pedir perdão a Deus,
fazer propósito de não recair nelas.
Primeiro nos devemos impor uma penitência pelas
transgressões que tivermos cometido. O que seria da
lei, numa nação, se não houvesse castigos decretados,
contra aquêles que a transgridem? O Código civil re­
quer o Código penal; a verificação das nossas faltas
reclama um castigo. No exame da consciência deve­
mos impor-nos uma penitência de acôrdo com o nú­
mero ou a gravidade das nossas faltas. Rezar uma
Ave Maria, beijar o chão uma ou mais vêzes, segundo
o número das nossas infidelidades, e, se tivermos sido
mais esquecidos do que de costume, obrigarmo-nos a
rezar algumas orações com os braços em cruz, dar uma
esmola a um pobre ou então impor-nos um ato que
nos repugne, como dizer uma palavra graciosa a uma
pessoa cujo caráter serve de provação para nós: eis
aí outros tantos meios de praticar a penitência.
Uma vez determinado o nosso castigo, não nos es­
queçamos de fazer um bom ato de contrição; e para
torná-lo mais eficaz, ajuntemos em pensamento, de
modo geral, todos os nossos pecados passados, deitan­
do um olhar rápido para os pontos principais da nos­
sa iniquidade pessoal. Nossa dor de ter ofendido a
Deus despertar-se-á e constituirá uma corrente^ onde
mergulharemos as infidelidades do dia que está ter­
minando. Se não descobrirmos nada ou quase nada
nesse exame da noite, sempre poderemos fazer um
ato de contrição das nossas faltas já acusadas e per­
doadas; terá sido bem empregado o nosso tempo e o
nosso exame não ficará sem resultado.
Façamos propósito de não recair tão facilmente
nas mesmas infidelidades, faltas de caridade, palavras
arrebatadas, egoismos, suscetibilidades, etc... Mas, pa­
ra sermos sinceros, lembremo-nos que estas infide­
lidades nos fazem dizer estas palavras: "Meu Deus,
tenho extremo pesar de Vos ter ofendido; proponho-
me neste momento com o auxílio da Vossa santa gra­
ça não recair.” Veremos, no dia seguinte, pelo nosso
proceder, se a nossa dor foi "extrema”, e se o nosso
propósito foi "firme”. .
182 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
Pecamog gravemente? O exame de consciência fa­
rá com que solicitemos a intercessão da Virgem San­
tíssima, a graça de um perfeito ato de contrição que
nos restabelecerá na amizade de Deus, antes que o so­
no se apodere de nós; lembrar-nos-á praticamente a
necessidade de ir logo confessar-nos e triunfar de tô-
da timidez.
Seja qual fôr o estado da nossa alma, o exame co­
tidiano, se fôr feito regularmente e seriamente, será
para nós fonte inesgotável de conhecimento de nós
mesmos e de esforços contra-nós mesmos: por conse­
guinte um testemunho de real adiantamento no cami­
nho de Deus.
Capitulo VII

DO EXAME PARTICULAR
COMBATER O DEFEITO DOMINANTE. — NECESSIDA­
DE DE CONHECE-LO PARA ADIANTAMENTO NA VI­
DA ESPIRITUAL. — MEIOS DE CONHECE-LO. — COM­
BATE-LO PRATICAMENTE; DE MODO SOBRENATU­
RAL; SEM DESANIMAR; COM PERSEVERANÇA,

Na Regra da Ordem Terceira não se trata do exame


de consciência senão de modo geral. Este exame ge­
ral de consciência basta afinal para o Terceiro, se
êle quiser cingir-se estritamente às suas obrigações.
Mas, se fôr zeloso do seu adiantamento espiritual,
não se contentará só com isto; fará todos os dias o
seu exame particular. O exame particular, muito re­
comendado por todos os mestres da vida espiritual,
tem em vista sobretudo o "defeito dominante".
Cada um tem o seu defeito dominante, caros Ter­
ceiros, isto é, um defeito que tem primazia sôbre to­
dos os outros, que é na maioria dos casos a conse­
quência do temperamento, que é mesmo o reverso da
medalha nas mais excelentes naturezas. Êste defeito
é na prática a origem de quase tôdas as nossas fal­
tas, da maioria dos pecados veniais que cometemos,
é o obstáculo mais real e o mais sério para o nosso
adiantamento no caminho da perfeição.
Na qualidade de cristãos, sois chamados à perfei­
ção. Nunca vos esqueçais destas palavras de Nosso
Senhor: “Sêde perfeitos como vosso Pai celeste é per­
feito.” (Mt 5, 48.) Mas, como Terceiros, as vossas
obrigações são ainda muito maiores. Vós sois, segun­
do a palavra do Evangelho, ura fermento misturado
à massa para fazê-la fermentar. Deus quer-vos no.
meio do mundo; deveis ser & luz dêste mundo mer­
gulhado nas trevas, deveis ser o sal da terra. E de­
pois, digamos com Santa Teresa, já que Nosso Se­
nhor tem tantos inimigos e tão poucos amigos verda­
deiros, não seria para desejar-se que todos que O
amam procurem amá-Lo ainda mais? Ora, dareis pro­
va de amor para com Nosso Senhor fazendo frutificar
184 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
a graça da Ordem Terceira; e fareis frutificar & gra­
ça da Ordem Terceira, se vos ocupardes realmente
da vossa perfeição, seja qual fôr o estado em que a
Providência de Deus vos tiver colocado. Mas será im­
possível ser bem sucedido na obra da perfeição sem
um combate seriamente esforçado contra a paixão do­
minante, fonte inesgotável da maioria das nossas
faltas.
Ninguém poderá combater a sua paixão dominante,
se não a conhecer de antemão. Quereis, caros Tercei­
ros, conhecer bem ao certo o vosso ponto fraco? aque­
le pelo qual o demônio vos procura agarrar, ou então
levar ao pecado mortal, ou então fazer cometer o
pecado venial; ou pelo menos perturbar a vossa alma
e semear assim a imperfeição em todos os vossos ca­
minhos, em detrimento do bom exemplo ao próximo e
da glória divina?... Pedí a Deus, em oração fervoro­
sa e frequentemente, que vos dê a conhecer êsse de­
feito dominante. Pedí também a vosso Pai espiritual,
que tem a graça de estado para ler no fundo do vosso
coração. Interrogai a vossa própria consciência; es­
tudai o vosso temperamento; lembrai-vos das faltas
que de costume levais ao tribunal da penitência; ave-
riguai o que é que mais vos impressiona. Auxiliados
por todos êstes meios e animados de boa vontade, Deus
não permitirá que vos enganeis no conhecimento do
obstáculo que mais se opõe à vossa perfeição.
Uma vez bem definido o vosso defeito dominante,
deveis combatê-lo e combatê-lo sempre;
1,* "Praticamente". — O exame particular é o que
há de mais prático. Êate exame far-se-á com vanta­
gem todos os dias, e a hora certa, tanto quanto pos-
sivel. Caros Terceiros, podeis escolher a hora que vos
fór conveniente. Ou então fareis o vosso exame parti­
cular no meio do dia: momento favorável pelo moti­
vo de já terdes tido ocasião de combater o vosso de­
feito dominante, nas diversas circunstâncias e con­
junturas que puderem ter-se dado desde o comêço do
dia; e depois de terdes averiguado, em plena bata­
lha, as vossas vitórias e as vossas derrotas, podereis
melhor orientar-vos no resto do dia. Ou, então, será
à noite; depois do vosso exame geral das diversas
DO EXAME PARTICULAR 186
faltas do dia» consagrareis um minuto ao exame es­
pecial do vosso defeito dominante. Ou ainda, se tiver­
des o feliz hábito de fazer um pouco de meditação
ao cair da noite, começareis êste salutar exercício,
interrogando-vos sôbre a vossa paixão dominante. Se­
rá um bom meio de restabelecer a ordem na vossa
alma, de despertar um sentimento prático de contri­
ção e de humildade, e de assim dispo-la para o santo
comércio que a meditação deve estabelecer entre Deus
e vós.
O exame particular deve principalmente versar sô­
bre o vosso principal defeito, ou então sôbre a vir­
tude que mais necessitais. Por conseguinte deveis, na
ocasião, deixar tudo dc parte, para concentrar nesse
ponto tôda a atenção e todo o esfôrço da vossa alma.
Se, por exemplo, combateis o amor próprio, vêde em
que o amor próprio teria inspirado os vossos pensa­
mentos, as vossas palavras, as vossas ações, e mesmo
em que teria contribuído o amor próprio para as vos­
sas omissões. Vosso defeito dominante é a dissipação
do espírito; vêde se passastes uma hora sem pensar
uma vez pelo menos em Deus, elevando até Êle o vos­
so coração; vêde quantas horas passastes assim sem re­
lembrar por ato positivo o sentimento da presença
divina em vós. Se procurais adquirir humildade ou
então mansidão, dizeis que se passam dias sem ver
alguém e que assim o vosso exame nem sempre pode
ser prático. Quer vejais muita gente ou não, consi­
derai se deixastes passar muito tempo, por exemplo,
duas horas, sem fazer um ato interior de humildade
que vos dará disposição para o ato efetivo de hu­
mildade que devereis cumprir oportunamente. Ou en-t
tão se fôr questão de mansidão, examinai se omitis­
tes durante o dia as diversas orações jaculatórias pa­
ra obter de Deus uma caridade verdadeira; ou então,
ainda, considerai se, ao lembrar-vos mais ou menos
frequentemente da pessoa que vos fôr mais antipática,
fizestes ato de caridade interior, assim como uma curta
prece a Deus em favor dessa pessoa. Fazendo assim,
evitareis o escolho do estado "incerto e indeterminado”.
Neste exame particular, enumeremos as imperfei­
ções e as faltas que são a consequência do nosso de-
186 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
feito dominante. Façamos a êste respeito um bom
ato de contrição; depois devemos impor-nos tuna pe­
nitência prática, mais ou menos severa segundo o grau
e o número das nossas faltas. As seguintes palavras
de Cassiano, numa das suas conferências, acharão ai
a sua melhor aplicação: “No combate que devemos
travar com os nossos vícios, é preciso examinar aque­
le que fôr mais temível e dirigir contra ête tõda a
nossa atenção e todos os nossos esforços. E' contra
êsse inimigo que é preciso lançar, como se fossem
dardos, as nossas mortificações diárias, os nossos sus­
piros, gemidos, as nossas virtudes, as nossas medi­
tações. Dirijamos sem cessar a Deus as nossas súpli­
cas e as nossas lágrimas, a fim de obter paz e vitória;
porque é impossível triunfar de uma paixão sem pri­
meiro persuadir-nos que não poderemos ser vitoriosos
com as nossas próprias fôrças, e sim com o socorro
de Deus.”
2.* Deveis combater o defeito dominante "de um
ponto de vista sobrenatural”. — Muita gente piedo­
sa aflige-se muito mais por se sentir imperfeita e
sobretudo por parecer imperfeita aos olhos dos ou­
tros do que por magoar o Coração de Deus. Se for­
des arrebatado, por exemplo, se não podeis censurar,
com justiça ou não, sem exceder-vos nas palavras:
quase tudo o que fizerdes será estragado pela fôrça
impulsiva do primeiro movimento. Ora, quando ficais
só, nos vossos momentos graves, será a vossa primei­
ra impressão um sentimento de despeito contra vós
mesmo, um sentimento de vergonha à vista desta im­
perfeição pessoal do vosso caráter, que quisêreis ver
brilhando com todo o esplendor, e que vêdes tão des-
lustrado na consideração dos outros por velhas imper­
feições que vão aumentando em vez de diminuir.
Cuidado, atenção convosco! de outro modo seriam os
vossos esforços apenas um requinte de amor próprio.
Nos vossos insucessos, aparentes ou reais, no com­
bate travado contra a paixão dominante, possa a
consciência prática do pouco que podeis sozinho e à
vista da vossa objeção no considerar dos outros, pro­
duzir em vós um sentimento de alegria tõda sobre­
natural; convencidos que muitas vêzes a fraqueza hu-
DO EXAME PARTICULAR 187

milde honra a Deus, e que a fôrça orgulhosa O desonra


sempre.
3." Deveis combater o vosso defeito dominante “com
humildade pacifica”. — S. Francisco de Sales escrevia
& uma senhora: “Não è possível assenhorear-vos tão
depressa da vossa alma, e que a governeis tão abso­
lutamente, logo da primeira vez. Contentai-vos de obter
de tempos em tempos alguma pequena vantagem so­
bre a vossa paixão inimiga. E' preciso suportar os
outros, mas primeiro é preciso tolerar-se a si mes­
mo e ter paciência por ser imperfeito. Se acontecer
cometerdes algum ato aborrecido, humilhai-vos doce­
mente diante de Deus e esforçai-vos por consolar a
vossa alma; dizei-lhe: Eia, coragem, demos um passo
errado; vamos agora andar direito, e cuidado.” O mes­
mo Santo escrevia à abadessa de Port-Royal, falan­
do dela na terceira pessoa: “Vede, querida Filha, sois
demasiado severa com a pobre rapariga; é preciso não
repreendê-la tanto, já que ela é bem intencionada.
Dizei-lhe que, por muito que tropece, nunca deve as-
sustar-se nem despeitar-se contra si mesma. Antes con­
sidere Nosso Senhor que, no alto do céu, a observa
como um Pai a seu filho que, ainda fraquínho, a
custo firma os seus passos, e lhe diz: Devagar, meu
filho; — e se cai, o anima dizendo: Não foi nada,
não chores; — depois, chega-se a êle e estende-lhe a
mão. Se esta filha fõr uma criança humilde e que sa­
be bem que é criança, não se assustará por ter caído
porque não cai de muito alto.”
4.* Deveis combater o vosso defeito dominante “com
perseverança”. — Referindo-se ao amor próprio, dizia
o mesmo Santo: “Seremos felizes se êle morrer um
quarto de hora antes de nós.” “O amor de si mesmo
— disse Bossuet ■— chega às vêzes a extinguir com­
pletamente o amor de Deus; mas pela constituição da
justiça de Deus nesta vida, o amor de Deus não con­
segue extinguir inteiramente o amor próprio.”
Por conseguinte, caros Terceiros, nunca deveis de­
por as armas no combate ao defeito dominante, que
é sempre “o amor próprio" em uma das suas múltiplas
formas. Esquecei-vos dos esforços que já fizestes, para
só pensar nos esforços que ainda deveis fazer. Pouco
188 ORDEM TERCEIRA FRANCI3CANA
tempo antes da morte, dizia o nosso Seráfico Pai aos
Irmãos reunidos: “Até esta hora, nada temos feito;
A obra, pois.” E nós também, caros Terceiros, ponha­
mos mãos à obra.
Não demos tréguas ao nosso defeito dominante, per­
seguindo-o até nos seus mais recônditos e impenetrá­
veis recessos. Não nos desanimem as dificuldades da
luta e o aparente insucesso dos nossos esforços; fa-,
remos muito, se todos os dias fizermos um pouco;
quando tivermos faltado à generosidade, faremos re­
paração com humildade. E se nos voltarmos para Nos­
so Senhor, mais solícitos pelos seus interêsses em
nós do que pelo interesse do nosso amor próprio nÊle,
Êle acabará por viver em nossa alma completamente,
e por fazer de nós o centro de muitas operações mi­
sericordiosas em tômo de nós.
Capitulo VIII

O QUE Ê PRECISO OBSERVAR NAS REFEIÇÕES


TEMPO CONSIDERÁVEL CONSAGRADO AS EXIGÊN­
CIAS DA VIDA ANIMAL. — COMO 9E PODE SANTIFI­
CA-LO. — AS REFEIÇÕES DÂO OCASIAO DE PRATICAR
A MORTIFICAÇÃO E A AMABIL.IDADE. — ORAÇÃO AN­
TES E DEPOIS DAS REFEIÇÕES. — TANTAS CRIATU­
RAS A CONTRIBUÍREM PARA O NOSSO PÃO MATE­
RIAL! — ESTE PÃO NÃO E SENÃO O SÍMBOLO DE
OUTRAS GRAÇAS DE ORDEM SUPERIOR.

"Guardarão frugalidade nos alimentos e na bebida;


antes e depois das refeições, invocarão a Deus com
piedade e reconhecimento." — A cama e a mesa absor­
vem. uma parte mais ou menos considerável do nosso
dia. Ora, um ano compõe-se de 365 dias; e a nossa
vida compõe-se de anos mais ou menos longos, de
sorte que as exigências da vida animal tomam-nos
afinal muito tempo. Por outro lado, está na ordem
da Providência que tomemos alimentos e descanso pro­
porcionados ás nossas necessidades. O essencial para
nós, que temos fé e que queremos viver da fé, é tor­
nar sobrenatural esse lado material da nossa existên­
cia, conformando-nos com esta recomendação do Após­
tolo: "Logo que vós comais ou bebais, ou façais qual­
quer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus."
(1 Cor 10, 31.) Somos obrigados a isto tanto mais
que pela nossa qualidade de Terceiros aspiramos à
perfeição da vida cristã no mundo.
Falemos agora das refeições. Elas são para nós
uma ocasião de praticar um grande número de virtu­
des que, aparentemente, não exigem esfõrço heróico,
consideradas noa pormenores da vida doméstica, mas
nem por isto são menos preciosas como merecimen­
to e edificação.
Em todos os tempos sempre houve homens, e os bá
também em nossos dias, que viveram para comer, em
vez de comerem para viver. S. Paulo disse dêles uma
palavra enérgica de verdade: “gente cujo deus é o
ventre." (Fil 3, 19.) Isto não deve admirar. Se não
100 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

se encontra o prazer em Deus, vai-se encontrá-lo em


gozos inventados, às vêzes brutais; assim como os olhos
não podem passar sem luz, também o homem não po­
de dispensar a felicidade. Mesmo as pessoas espiri­
tuais, isto é, aqueles que dão primazia a Deus sobre
tôdas as coisas, têm às vêzes reações naturais, tanto
mais terríveis por terem sido muito tempo reprimi­
das sob o jugo. A êstes impõe-se a mortificação tanto
quanto aos outros. Um autor espirituoso disse com
muito acêrto: "Os homens de letras comem bem por
distração, os comerciantes por ostentação, os médicos
por sedução e os devotos são levados para aí por
"compensação".
Caros Terceiros, S. Francisco não nos consideraria
seus discípulos se, de propósito, fôssemos procurar,
numa mesa de finas iguarias, compensação à solidão
relativa em que nos encerramos; aos prazeres perigo­
sos do mundo que desprezamos; às obras de zêlo que
temos por dever espalhar em tôrno de nós! A sua
Regra, já o sabemos, ê como o Evangelho, de que é
aplicação meticulosa, uma Regra de “Penitência1’. E’
verdade que foi singularmente modificada na sua for­
ma exterior por Leão X1IX, desejoso de fazê-la pe­
netrar por tõda parte, para ao mesmo tempo introduzir
em tôda parte o espírito cristão. Em vez do jejum
durante todo o Advento e tôdas as sextas-feiras do ano,
e da abstinência de tôdas as quartas-feiras, o Papa
suprimiu tôdas as outras penitências da Regra, e con­
servou apenas dois jejuns especiais, um na véspera
da Imaculada Conceição e outro na véspera de S. Fran­
cisco. Mas se a letra mudou, o espírito ficou, e os Ter­
ceiros devem para o futuro ter em tôdas as abstinên-
cias e em todos os jejuns prescritos pela Igreja, ge­
nerosidade e cuidado que os torne na sociedade, na
medida que permitir a saúde, um modelo de penitên­
cia e de obediência. Demais, e é êste o nosso ponto de
partida, devem ter sobriedade na comida e na bebida.
Pôr em prática a sobriedade é contentar-se com ali­
mentação simples; não exceder-se na quantidade de
alimentos, suficiente para sustentar as fôrças. Quer
dizer isto que a sobriedade exclui rigorosamente da
mesa do Terceiro tudo o que não seja de necessidade
O QUE E PRECISO OBSERVAR NAS REFEIÇÕES 191
absoluta, e que proibe, em regra geral, tudo o que se
assemelhar a festa, por exemplo, quando se convida um.
amigo ou se quer solenizar certos dias? Nosso Pai
S. Francisco não pensava assim. Quando estamos à
mesa, caros Terceiros, devemos moderar um certo ar­
dor de apetite, uma certa precipitação bem natural em
comermos o que nos é oferecido. Reergamos os nos­
sos espíritos, levantemos a nossa intenção. Digamos a
nós mesmos que tomamos a nossa refeição em obe­
diência à ordem de Deus. As vê2es nos humilhamos
ao lembrarmos que, sendo chamados a nos alimentar
com o Pão dos Anjos, nos sujeitamos a tomar alimen­
tos que são comuns a todos os animais. Não nos es­
queçamos: se a graça de Deus não nos preservasse
do pecado mortal, e se a morte nos tivesse ferido,
quando tivéssemos a desgraça de cometer a nossa pri­
meira falta grave, seríamos condenados para sempre,
para sempre sentados à mesa da justiça divina, cujas
iguarias são os tormentos. Êste pensamento modera­
rá o ardor da sensualidade, nos levará à mortifica­
ção. Filhos de S. Francisco, consideremos a mesa co­
mo ura altar sôbre o qual devemos oferecer a Deus
um sacrifício, em que servirá de vítima o nosso ape­
tite, mas não sem o grão de sal da discreção que de­
ve acompanhar tôdas as nossas oferendas.
Muitas pessoas têm por hábito nunca deixar pas­
sar uma refeição sem se imporem uma leve privação;
despercebida dos convivas, por causa da sua insigni­
ficância, mas muito bem observada pelo olhar de Deus.
Esta pequena mortificação é, na realidade, coisa de­
masiado pequena para excitar o amor próprio, sen­
do uma insignificância; mas nesse pouco há muito amor
de Deus; e êste amor avultando tudo o que tocar,
essas pessoas encontrarão nesta prática de sacrifício,
à mesa, uma fonte de abundantes merecimentos.
Há tantas maneiras de mortificar-se às refeições!
Ocupando-se com as necessidades do vizinho à direita
e â esquerda, em vez de cuidar de si, eis uma morti­
ficação do apetite que vale tanto como outra qual­
quer. Se estiverdes inclinado à tristeza, á melancolia,
talvez mesmo alimentais um secreto despeito contra
alguma das pessoas presentes? Pelo amor de Deus
m ORDEM TERCEIRA FRAKCISCANA
e do próximo, convidado a participar da intimidade
da mesma refeição, procurai alegrar-vos; sêde amá­
vel, dizei uma pilhéria que excite a alegria e entre­
tenha a cordialidade!
Um dia, Santa Teresa, de volta de longa viagem
que tinha empreendido para estabelecer uma funda­
ção, percebeu que as religiosas, suas filhas, não tinham
a alegria de costume no recreio, e para a qual ela
contribuía em não pequena escala. “O que tendes, mi­
nhas filhas?” — perguntou a reformadora do Carme-
lo, tão cheia de bom senso. “Minha Mãe — respon­
deu uma delas, — nós prometemos a Nosso Senhor,
durante a vossa ausência, nada dizer que pudesse per­
turbar de leve o nosso recolhimento.” “Pobres filhas
— disse com finura Santa Teresa, — sois bastante
t&las por natureza, não o sejais pela graça!”
Se vos servirem de um prato que não é do vosso
gôsto, e sois a dona de casa, o vosso primeiro movi­
mento é ralhar, chamar a contas a criada, ficar de
mau humor, mau humor êsse que durará, às vezes, to­
do o tempo da refeição e talvez todo o dia. Contende-
vos! Podeis fazer uma observação, mas fazei-a com
calma. Esperai, se fôr preciso, o momento favorável;
e acima de tudo, Ierabrai-vos que é esta uma ocasião
preciosa de mortificação para a vossa vivacidade na­
tural, tanto e mais talvez do que o apetite. “Parece-
me — diz S. Francisco de Sales, no seu admirável li­
vro da Introdução à Vida Devota, -—• que devemos
ter grande reverência pela palavra, que o nosso Sal­
vador e Redentor Jesus Cristo disse aos seus discípu­
los: Comei o que vos servirem. (Lc 10, 8.) — Eu creio
que é maior virtude comer sem escolher o que se vos
apresenta, e na mesma ordem em que fôr apresenta­
do, quer seja do vosso gôsto, quer não seja, do que
sempre escolher o pior. Porque ainda que pareça mais
austera esta maneira de proceder, a outra tem, to­
davia, mais resignação; porque assim não se renuncia
somente ao seu gôsto, mas ainda à sua escolha; e
não é pequena austeridade sujeitar o seu gôsto ao de
outrem e às diversas circunstâncias, já porque esta
austeridade não aparece, não incomoda pessoa alguma,
e é especialmente própria à vida civil. Rejeitar uma
O QUE £ PRECISO OBSERVAR NAS REFEIÇÕES 103
*

vianda e pedir uma outra, beliscar, bulir em todos os


pratos, nunca achar nada bem preparado, nem bas­
tante asseado, fazer caretas a cada novo prato, isto
demonstra coração mole e atento só às comidas e aos
petiscos."
“Antes e depois das refeições invocarão a Deus
com piedade e gratidão", diz a Constituição Miseri-
cors. O Seráfico Pai tinha dito: “Rezarão uma vez
a oração dominical, antes do jantar e antes da ceia;
depois da refeição a rezarão de novo, acrescentando:
Deo gratias" Conquanto Leão XIU não mencionas­
se senão em geral a oração antes e depois das prin­
cipais refeições, os Terceiros farão bem de se confor­
marem com a letra da primeira Regra. Qual a ora­
ção mais oportuna do que Padre Nosso? O Padre
Nosso resume tôdas as outras orações; com ela invoca­
mos o Pai celestial que “enche todo animal de bên­
çãos". (SI 144, 16.) Lembra-nos que somos todos mem­
bros de uma única e mesma família; faz-nos pedir
para nós e para o nosso próximo o pão material, ne­
cessário aos nossos corpos, o pão supersubstancial da
Eucaristia necessário às nossas almas, e o pão da
glória com que se alimentam os anjos no festim ce­
leste, onde o próprio Deus é representado no santo
Evangelho, indo de eleito a eleito e servindo-os en­
quanto lhes proporciona o alimento divino à capaci­
dade de cada natureza e no grau dos merecimentos.
(Lc 12, 37.) De resto, êste costume de rezar o Pa­
dre Nosso antes e depois da refeição remonta aos tem­
pos apostólicos, e esta usança conservou-se no Bene-
dicite e Graças que rezam as Comunidades religiosas
e que se acham no fim do breviário.
Seja como fôr, sejamos fiéis à oração antes e de­
pois das refeições; e, em regra geral, não deixemos de
fazê-la ostensivamente: daí depende a edificação de
uma multidão de almas. Menos do que nunca, pode­
mos esconder a bandeira das nossas convicções reli­
giosas por causa do respeito humano: Mais do que
nunca deve todo o católico ser soldado; ora, envergo­
nhando-se O soldado do seu uniforme, pode vir a ser
um traidor, e não merece fazer parte do exército. Se
uma circunstância tôda excepcional nos obriga certa
Espirito da O T — 13
1W . ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
vez a não fazer & mesa o sinal exterior de religião que,
afinal, não é ordenado em parte alguma sob pena de
pecado, mesmo venial, não nos esqueçamos de elevar
o nosso coração a Deus e de dirigir-Lhe a homenagem
da nossa gratidão.
Quanto amor da parte de Deus existe nesse pedaço
de pão com que nos vamos alimentar! Quantas cria­
turas a darem a sua contribuição antes que êsse ali­
mento cotidiano .tenha sido pôsto à nossa mesa. Os
ventos, a chuva, a neve, o sol, o suor -e o cultivo do
homem tiveram que passar sobre estes grãos de trigo,
multiplicados por um milagre da natureza e que, an­
tes de nos sustentar, tiveram que passar por trans­
formações tão diversas. Éste pão material é assim pa­
ra nós um símbolo tocante da Providência de Deus,
para com cada um de nós; lembra-nos tôdas as gra­
ças de ordem superior, que temos recebido da mesma
mão liberal; o pão da palavra divina que tantas vê-
zes fartou a nossa inteligência; o pão da Eucaristia,
que nutriu os nossos corações com a substância do
próprio Deus; tantos outros socorros e inspirações di­
ferentes que se sucedem sem interrupção durante todo
o tempo da nossa vida, prelúdio da grande graça que
será o remate de tôdas as outras: o céui “Bem-aven­
turado o que comer o pão no Reino de Deus.” (Lc
14, 15.)
Quereis, caros Terceiros, dar testemunho a Deus da
vossa gratidão de um modo ainda mais expressivo?
Aproveitem aos pobres as economias que tiverdes sub­
traído á sensualidade, pela sobriedade da vossa mesa.
Encontram-se humildes operários Terceiros que sabém
repartir com os mais pobres do que êles; pobres do­
nas de casa que, com prodigios de economia e de
ordem, fazem a caridade com os sacrifícios da sua
pobreza. Êles nada perdem com isto!
Possam 03 Terceiros ricos não ficarem aquérh de
tais exemplos; porque “o coração do pobre é um al­
tar", e a esmola que ai depositarmos é o incenso, da
nossa gratidão; exala-se por si e sobe para o céu.
Capítulo XX

O BOM EXEMPLO
O TERCEIRO DEVE SER O CRISTÃO MODELO. — A
SUA REGRA KAO E OUTRA COISA SENÃO O EVAN­
GELHO. — FUGIR DO LUXO. DOS ESPETÁCULOS PE­
RIGOSOS, DOS JOGOS QUE SAO PRATICAS ILÍCITAS;
DAS DANÇAS QUE A VIRTUDE REPROVA. — DE QUE
JORNAIS 2 PRECISO ABSTER-SE. — EVITAR PALA­
VRAS INCONVENIENTES. — PRATICAR A CARIDADE
SOBRETUDO NO LAR DOMESTICO.

Segundo o dizer do Apóstolo, todo cristão é obri­


gado a dar o exemplo ao seu próximo no que' é bom
para a edificação. (Rom 15, 2.) Com o rebaixamento
geral dos costumes e enfraquecimento dos principios,
esta obrigação impõe-se hoje com novo vigor a quem
quiser trabalhar para a vinda de Jesus Cristo. Deve
sobretudo obrigar ao Terceiro, cuja vocação é de ser
no mundo um cristão modelo e, se nos é permitido
dizer, uma aplicação viva das regras do Evangelho.
Sem dúvida, a Regra da Ordem Terceira trata primei­
ro que tudo do homem interior; mas também requer
que o exterior seja a imagem fiei de um interior mo­
delado sôbre a divina imagem de Jesus Cristo, que
é por excelência o Homem afastado do mundo e con­
sagrado a Deus. Ora o Terceiro dará bom exemplo,
se fôr fiel às prescrições da sua Regra; prescrições
que determinam e fixam com precisão o procedimen­
to no servir-se das coisas dêste mundo e nas relações
com o próximo.
Antes de entrarmos nas minúcias,'importa notar que
não há nada nas Regras franciscanas que não este­
ja no Evangelho. Mas o Evangelho é letra morta para
os que vivem fora da sua influência, e é muito mal
praticado por um número incalculável de católicos.
Ora, promulgando a Regra da Ordem Terceira adapta­
da para as necessidades das multidões, fêz Leão XIII
como que uma nova promulgação dos preceitos do
Evangelho cujo guardião infalível e apóstolo é o Papa.
lí*
106 ORDEM TERCEIRA. FRANCISCANA
Oa Terceiros devem, pois, ter todo o cuidado e gló­
ria em se conformar melhor com o Evangelho pela
Ordem Terceira. Com isto reformar-se-ão a si mes-
mos santificarão as suas famílias e as suas diversas
relações; e terão assim contribuído na sua esfera a
levar a sociedade a Jesus Cristo, que é para ela, as­
sim como para o indivíduo,' “o Caminho, a Verdade
e a Vida’*. (1)
Lemos na Constituição Miserico rs Dei Filius: "Os
membros da Ordem Terceira devem abster-se de tudo
-que se parecer com luxo e requintes de elegância, e
cada um conforme a sua posição seguirá as regras da
modéstia.”
“S. Paulo — diz S. Francisco de Sales — quer que
as mulheres piedosas (é preciso dizer-se outro tanto
.dos homens) vistam-se com roupas decentes, adornan­
do-se com pudicícia e sobriedade.
Ora, a decência do vestuário e dos outros ornamen­
tos depende do material, da forma e do asseio. Quan­
to ao material e ao feitio da roupa, considera-se o
decoro nas diversas circunstâncias de tempo, de ida­
de, de qualidade, de sociedade, de ocasião. Quanto à
limpeza exterior, ela representa de algum modo a
honestidade interior. Sêde asseada, Filotéia: nunca te­
nhais nada em desalinho e mal arranjado no vosso
trajar. Er desprezar aqueles com quem se conversa
apresentar-se com trajes desagradáveis; mas evitai as
afetações, vaídades, curiosidades e ornatòs. Procurai
sempre, na medida do possível, a simplicidade e mo­
déstia, que é sem dúvida o maior ornamento da bele­
za e a melhor desculpa da fealdade.”
1) Nos dois capítulos que tratam do bom exemplo, nos
inspiraremos principalmente da doutrina de S. Francisco
de Sales, tão devoto do Seráfico Pai; tomaremos mala do
um empréstimo à sua admirável “Introdução à Vida De­
vota". Constituindo-o Doutor da Igreja, quis a Santa Sé
fazer dêle o guia prático da "piedade" que êle compreen­
deu tão bem e cuja compatibilidade com todos os estados
e com todas as posições da vida Sle demonstrou, numa
linguagem Inimitável de graça e unção comunicativas.
O BOM EXEMPLO 197
Na sua Regra para os Irmãos Menores, obrigados
por vocação a uma pobreza muito especial, depois de
ter determinado o feitio e a qualidade do vestuário,
que deve ser de tal natureza que o asseio não seja
incompatível 'com a roupa de estamenha”, acrescenta
o Seráfico Pai: “Aviso a meus Irmãos e exorto-os
a não desprezarem e não julgarem as pessoas que vi­
rem vestidas com luxo, côres vistosas, e que são exi­
gentes nas comidas e bebidas; mas antes julgue-se ca­
da um a si mesmo e se despreze." Os Terceiros po­
dem-se aproveitar destas palavras que, ainda não lhe
tendo sido dirigidas, nem por isto manifestam menos
o espírito do seu Pai.
Terceiros zelosos, cheios de azedume e de idéias aca­
nhadas, não suportam que se ultrapasse o limite de
pobreza e simplicidade que êles determinaram. Não
querem ver que aquilo que seria luxo para a sua con-'
dição, é apenas decência para a condição de outrem;
que, julgando pelas aparências, acusam de ser munda­
no aquele que talvez seja mais desprendido dé tudo
e mais pobre diante de Deus do que êles próprios.
Talvez essa pessoa seja a primeira a lastimar no seu
coração as circunstâncias que a obrigam a certos re­
quintes de elegância, a que se sujeita muito contra
a vontade. E mesmo quando sejam idênticas as con­
dições, podem ser tão diversas as circunstâncias, di­
versas pela diferença de marido, de estado, de rela­
ções, etc. “Cada um julgue e despreze-se a si mesmo",
diz o Seráfico Pai. Seja êste o proceder dos Tercei­
ros quando, comparando-se com os outros ou com­
parando os outros entre si, fizerem apreciações des­
aprovadas pela verdadeira pobreza que deve ser "se­
ráfica”, isto é, temperada pelo amor fraternal.
“Os Terceiros devem evitar com a máxima vigilân­
cia as danças, os espetáculos perigosos e banquetes
dissolutos."
Devem fugir, como da peste, das companhias peri­
gosas; sobretudo quando a intimidade da mesa, jun­
to ao calor da conversa, provocar, nas salas super-aque-
108 ORDEM TERCEIRA FRANCI3CANA

cidoB, discursos que a fé e os bons costumes desapro­


varem. Sob pretêxto de que não receiam mais os ar-
rebatamentos e as ilusões da mocidade, não se esque­
çam da sentença dos nossos Livros Santos, que es­
tigmatiza a presunção a que a natureza de convivên­
cia secreta com o mal podería levá-lo: "O que araa o
perigo perecerá nele” (Ecli 3, 27.) “Filho, foge do pe­
cado como à vista de uma cobra.” (Ecli 21, 2.)
O que dizer-se dos jogos de azar, cujo atrativo ino­
cente não é mais o lucro e sim prática ilícita, uma
paixão, uma necessidade, alimento de cobiça febril!
Os jogos, ruína de tantas fortunas, fonte de lágrimas
para tantas esposas, fonte de miséria para os filhos
nascidos na opulência, e que serão condenados a men­
digar o pão tôda a vida porque o pai desnaturado
deixou-se arrastar a um quarto de hora de prazer!
Êstes jogos condenados pela razão, estigmatizados pela
fé, como poderia «w Terceiro permitir-se a sua prá­
tica? um discípulo de S. Francisco que faz profis­
são de ordem, de mortificação, de desapego, de co-
medimento em tudo?
O grande rei S. Luís, sabendo que o Conde de Anjou,
seu irmão, e Messer Gualter de Nemours jogavam,
levantou-se, apesar de bem doente, e foi cambalean­
do & sala dêles; e chegando ai pegou nas mesas, da­
dos e tuna parte do dinheiro, atirou-os pela janela
no mar, ficando furioso com êles. A santa e casta Su-
sana falou a Deus da sua inocência: "Vós sabeis, ó
Senhor! que nunca conversei com jogadores.” (2)
Os espetáculos perigosos não devem tentar o Ter­
ceiro que está seriamente resolvido a praticar o Evan­
gelho. Êle sabe que em nossa época, o teatro, eco de
uma literatura materialista e de costumes públicos
clamorosamente opostos ao Evangelho, é, em geral,
“corrompido e corruptor'*; que, não existindo o pe­
rigo talvez na peça que se represente, todavia aí exis­
te muitas vêzes, fascinador, irresistível, nessa socie­
dade de tanta gente vestida com pouca decência, e com
2) Introdução à vida devota.
O BOM EXEMPLO 199
vistas, file sabe que a Igreja sua mãe está de luto;
intenções equívocas, que aí vão para verem e serem
que a religião é perseguida, que Jesus Cristo, seu
Mestre bem-amado é arrastado às gemônias. Também
êle se abaterá de ir ao teatro, quanto fõr possível, co­
mo se absteria de alimentos que julgasse poder enve­
nenar o sangue.
O que dizer-se das danças? "As danças e- os bailes
— diz S. Francisco de Sales — são, por natureza, coi­
sas indiferentes; mas, na maneira comum como se faz
êste exercício, é bastante inclinado para o lado do mal,
e por conseguinte cheio de perigo e de risco. São sem-
re & noite; o que facilmente leva a acidentes gra-
Çes uma matéria já de si muito suscetível de mal;
e obrigam a prolongadas vigílias, depois das quais se
perdem as manhãs dos dias seguintes e, por conse­
guinte, o meio de as dedicar ao serviço de Deus.
Numa palavra, é sempre loucura mudar o dia em noi­
te, a luz em trevas, as boas obras em folguedos. Ca­
da um leva ao baile vaidade à porfia; e a vaidade
é uma tão grande disposição para as más afeições
e para os amores perigosos e censuráveis, que são
facilmente engendrados pelas danças. Eu digo das dan­
ças, Filotéia, o que dizem os médicos dos cogumelos:
os melhores não prestam; e eu vos digo que os me­
lhores bailes não são nada bons."
Vamos prevenir aqui uma objeção. Há, na socieda-"
de, pessoas animadas de boa vontade, que apreciam
a Ordem Terceira e quereríam entrar para ela; mas
imaginam que seriam excluídas, por causa de certas
toilettes que são obrigatórias na posição que ocupam,
ou então por causa de certos bailes ou espetáculos
aos quais não podem deixar de assistir por motivos
sérios. Diremos então a essas pessoas que a Ordem
Terceira não exige delas senão uma piedade seriamen­
te compreendida e praticada; e nas ocasiões em que
a prudência cristã as obrigar a assistir a um espetá­
culo ou a uma dança, a fim de serem a proteção e o
Anjo da Guarda do marido, de um filho ou de uma
200 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
filha, não Berá a Regra que as proibirá de lá irem.
E' preciso, entretanto, confessar que, neste terreno
das exceções, o passo é escorregadio, e que é fácil to­
mar-se gôsto inconscientemente, supondo tratar-se de
obrigação autorizada...
A estas pessoas diremos que consultem um homem
de juízo e sensato e procedam de conformidade com
a decisão dêle. Sobretudo, dirijam-se ao Senhor com
fervorosa oração, para que file renove em seu favor,
se fõr necessário, o milagre dos três israelitas na
fornalha, transformando-lhes a chama devoradora em
um orvalho de graças. “Eu fui consolado — diz S,
Francisco de Sales, — lendo, na vida de S. Carlos
Borromeu, que tinha condescendências com os suíços,
em certas coisas para as quais êle era, entretanto, mui­
to severo; e que S. Inácio de Loiola, sendo convidado
a jogar, aceitou. Quanto a Santa Isabel de Hungria,
ela jogava e dançava às vêzes, quando estava em re­
uniões festivas, de nenhum interesse para a sua de­
voção, mas a tinha tão enraizada na alma, que, à
semelhança dos rochedos que circundam o lago de
Riete crescem, apesar de batidos das vagas, assim
crescia a devoção dela no meio das pompas e das vai-
dades às quais a expunha a sua condição; os grandes
fogos propagam-se com o vento, mas os pequenos apa­
gam-se, se não forem resguardados.”
“Os Terceiros não devem deixar entrar em suàs
casas livros e jornais que possam de leve prejudicar
a virtude, e proibirão a sua leitura aos seus subor­
dinados.”
Caros Terceiros, tende todo cuidado em conformar-
vos com esta recomendação da vossa Regra, Que nun­
ca um mau livro, seja êle qual fôr, passe a soleira das
vossas casas. Um mau livro tolerado em vossa casa,
que mau exemplo seria da parte de um filho de S.
Francisco! Seria talvez um germe de morte para um
filho, uma filha, um criado; e Deus pedír-vos-ia con­
tas das suas almas no dia “em que são julgadas as
justiças”.
O BOM EXEMPLO 201
Não tomeis assinaturas também de jornais irreli­
giosos, imorais ou apenas levianos. Não sejais do nú­
mero desses tôlos, dêsses inconsequentes que declamam
contra as devastações da má imprensa e das doutri­
nas que apregoa, e que são os primeiros a sustentar
e a alimentar essa má imprensa com ò seu tostão
cotidiano. Seria dar mau exemplo. Sêde santamente
rigorosos na questão de maus livros e jornais, que
atacam os vossos princípios; transmití essa inflexili-
dade de idéias às pessoas sobre quem tiverdes influên­
cia salutar: assim poreis obstáculos contra êsse dilú­
vio universal de maus escritos que já amontoaram
muita ruína.
“Não devem nunca os Terceiros prestar juramento
senão em caso de necessidade. Evitarão dizer pala­
vras desonestas e gracejos de mau gosto.”
A boa educação desaprova que se esteja, por qual­
quer motivo, fazendo afirmações categóricas. A pie­
dade, que deve ser a fina flor da verdadeira polidez,
detesta estas asseverações que indicam falta de res­
peito para consigo mesmo e para com os outros, e a
desonra de Deus; sobretudo quando o seu nome três
vêzes santo é chamado em testemunho, sem discerni­
mento e discrição. Nada de juramentos inúteis, pois!
O Terceiro deve ainda evitar cuidadosamente ser
autoritário e pretensioso sobretudo em matéria de de­
voção. Falai sempre com reverência e devoção —
diz ainda o nosso amável doutor; — não com ares de
superioridade e afetação, mas com espírito de mansi­
dão, de caridade e de humildade, distilando quanto
souberdes o mel delicioso da devoção e das coisas di­
vinas, ora para uns, ora para outros; pedindo a Deus
no recôndito da vossa alma que derrame êste santo
orvalho no coração daqueles que vos amam. Absten-
de-vos cuidadosamente de proferir palavras desones­
tas; porque mesmo quando não fôr má a vossa in­
tenção, os que as ouvem podem entendê-las de outro
modo. Se não cogitamos no mal, o maligno pensa
muito, e serve-se sempre secretamente destas más pa-
203 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

lavras para ferir o coração de alguém. Mas quanto


aos trocadilhos que se fazem na intimidade com ale*
gria modesta e com chiste — são permitidos na boa
sociedade. Somente é preciso não resvalar da alegria
honesta para a zombaria. Pois, a zombaria provoca
o riso pelo desprêzo do próximo; mas a alegria pro­
voca o riso com liberdade simples, franqueza confian­
te e familiar, aliada à gentileza de palavras.'*
“Os Terceiros devem ter o cuidado de manter entre
si e com os outros a caridade e a benevolência. De­
vem-se esfbrçar por apaziguar discórdias onde quer que
estiverem.**
Entre si, os Terceiros devem constituir um só co­
ração e uma só alma. Seria um muito mau exemplo,
o espetáculo de uma Fraternidade em que houvesse
discussões e divisões, cabalas e espirito de partido, in­
vejas, tagarelices, tudo o que, numa palavra, autori­
zasse os mundanos a citar êste verso já demais
célebre; “Na alma dos devotos poderá haver tanto fel?"
Sêde unidos entre vós, caros Terceiros, mesmo se
para adquirir esta graça fôr preciso fazer sacrifí­
cios recíprocos às expensas de amor próprio ferido.
Não consintais que o rancor subsista no vosso cora­
ção. Se vos ofenderem, sêde os primeiros a procurar
reconciliar-vos com aquèle que vos tiver ofendido, ou
antes para fazê-lo reconciliar-se convosco. Proceden­
do dêste modo, com tato e prudência, obtereis a ami­
zade dos vossos Irmãos, e edificareis o próximo gran­
demente; e se o sucesso da reconciliação não corres­
ponder à sinceridade da vossa diligência, não será
por isto menor o vosso merecimento diante de Deus.
“Amai o vosso próximo, mas sobretudo aqueles que
Deus quer que ameis de preferência’’, isto é, aquêles
com quem tendes convivência, pais, amigos, vizinhos,
tôdas as pessoas com quem tiverdes trato diariamen­
te. “E não basta ter a doçura do mel com os estra­
nhos, mas também a doçura do leite com os criados
e vizinhos próximos; pois muito erram os que na rua
parecem anjos, e em casa diabos.”
O BOM EXEMPLO 203

Não vós esqueçais que a primeira caridade começa


por casa, e que a Regra quer que deis às vossas res­
petivas famílias o melhor de vós mesmos: "Nas suas
famílias devem os Terceiros esforçar-se por dar o bom.
exemplo." Por isto, pedí a Deus o dom de bem guar­
dar a vossa língua; exercitai-vos com esforços coti­
dianos, até vos terdes asaenhoreado de tão temível
instrumento, quando mai usado, mas tão poderoso pa­
ra o bem, quando dela se serve devidamente. "Não
há pior maneira de maldizer do que dizer demais —
escreve' ainda S. Francisco de Sales. — Quando se dis­
se menos do que se deve, é fácil acrescentar; mas de­
pois de ter falado demais, é difícil desdizer-se."
Se observardes a caridade, se vos fartardes dêste
licor celestial, mil vezes mais doce do que o néctar,
fareis com que transborde sobre os outros, por uma
destas graças preciosíssimas que Nosso Senhor con­
cede às almas que, amando-O sem medida, amam ao
próximo sem limites, a seu bel prazer. Por tôda par­
te onde fordes levareis a paz; tereis a graça de es­
tado para vos insinuardes, à maneira dos anjos, "com
movimentos doces e graciosos" nos corações que vos
repelem; atraireis uns para os outros pela influên­
cia misteriosa de Jesus "vivendo em vós"; e assim pas­
sareis pelo mundo, nas vossas famílias, nas vossas
paróquias, dando o bom exemplo, espalhando o bom
perfume de Jesus Cristo e chamando o próximo ao
seu conhecimento e ao seu amor,
. Capitulo X
FAZER BEM TÕDAS AS COISAS
FAZER BEM TODAS AS COISAS, MEIO DE SANTIDA­
DE AO ALCANCE DE TODOS. — FICAR NO SEU LU­
GAR. — CUMPRIR NA PERFEIÇÃO A MISSÃO QUE
NOS CONFIOU A PROVIDÊNCIA. — A VIDA, MESMO
PARA OS HERÓIS DE SANTIDADE, CONSTA SOBRETU­
DO'DE ATOS COMUNS. ■— UTILIDADE E VALOR DOS
SOFRIMENTOS PEQUENOS. — PROCEDER COM CAL­
MA. — SER IRREPREENSÍVEL EM TUDO.

"Nas suas famílias os Terceiros devem-se esforçar


por dar o bom exemplo, praticando os exercícios de
piedade e as boas obras.” (1)
Há um meio de bom exemplo sempre ao nosso al­
cance e ao alcance de todos: é a perfeição das nossas
ações ordinárias. Por outro lado, a perfeição das nos­
sas ações ordinárias depende da idéia que fazemos
da sua importância. Só temos uma coisa a fazer nes­
te mundo: cumprir a vontade de Deus. Ora, a von­
tade de Deus não se julga petos tempos, lugares ou
empregos: ela mesma é a sua própria medida. Crian­
do Deus o corpo do homem, destinou a cada membro
o seu lugar e as suas funções distintas no organis­
mo todo; e é evidente que a perfeição das diversas
partes do corpo consiste em não sair desta econo­
mia providencial. O mesmo dá-se conosco. Seremos
santos, se ficarmos em nossa vocação e se cumprir­
mos as nossas obrigações com fidelidade perseverante.
A uma multidão de cristãos que queria deixar o
mundo para seguir as suas pegadas, respondia o Se­
ráfico Pai: "Permanecei onde estais. Foi Deus quem
quis as vossas obrigações; fugir aos vossos deveres
de estado seria afastar-vos da santidade, alvo das
vossas inspirações. Entrai somente na Ordem que eu
fundei para as pessoas forçadas a ficar no mundo;
dareis assim aos vossos deveres de e3tado e até às
1) Constituição *fMisericoni Dsl FUlus'1,
FAZER BEM TODAS AS COISAS 205

vossas menores ações de todos os dias a consagração


da vida religiosa.”
Quando a senhora Jaquelina pediu ao Seráfico Pai
para entrar num convento, disse-lhe S. Francisco:
"Senhora, tendes dois filhinhos menores confiados à
vossa solicitude e sois necessária à educação dêles.
Querer furtar-vos aos vossos deveres sagrados seria
ir de encontro à consciência. Convido-vos a fazer um
convento da vossa casa e a levar no mundo a vida re­
ligiosa; e para auxiliar-vos, minha tençao é de vos
dar o hábito da Ordem Terceira que eu instituí jus­
tamente para as pessoas desejosas de chegarem, no '
mundo, à santidade."
Deve ser para vós, caros Terceiros, grande consôlo
poder dizer: Para ser agradável a Deus, não é neces­
sário deixar a minha posição; basta que dedique a
Deus todos os meus atos, e Êle tomará nota de tudo.
S. Francisco de Sales escrevia um dia a uma pessoa
que êle dirigia: “As idéias dos mundanos embara­
lham-se sempre em nossos pensamentos. Na casa de
um príncipe vale menos ser bicho de cozinha do que
gentilomem camarista; mas na casa de Deus os bi­
chos de cozinha são muitas yêzes mais dignos, por­
que ainda que andem sujos é pelo amor de Deus e
para cumprir a sua vontade; e esta vontade dá valor
às nossas ações, não ás aparências." Não é, com efei­
to, esta vida um vasto cenário onde Deus quis que
cada homem representasse um papel distinto de con­
formidade com o plano da sua Providência 1
Ora, assim como o ator que no palco representa
prímorosamente o papel de camponês, é cem vêzes mais
aplaudido do que aquêle que representa mal o papel
de rei; do mesmo modo, no tribunal supremo os aplau­
sos de Deus e dos anjos nos serão concedidos, não
pelo que tivermos feito, mas pela maneira como o
tivermos feito. "Não considereis absolutamente — diz
S. Francisco de Sales — as coisas que fizerdes pelo
lado material, mas Aquêle que as ordena e a honra
que têm, apesar de pequeninas, de serem determi-
206 ORDEM TERCEIRA FRANCI3CANA

nadas por Deus, de estarem na ordem da sua Pro­


vidência, e assim dispostas pela sua sabedoria; numa
palavra, sendo elas agradáveis a Deus e como tais
reconhecidas, para quem serão desagradáveis?” O que
nos desconcerta algumas vêzes, é a comparação que
fazemos das nossas ocupações,'que nos parecem tão
fúteis, tão prosaicamente ordinárias, com as ações ex­
traordinárias dos Santos. Não refletimos que Deus
não considera, a importância, a aparência das coisas,
mas o motivo que as produziu; e que num ato muito
simples, muito comum, repetido cem vêzes ao dia, po­
de haver a pureza de intenção, submissão à vontade
de Deus, que nem sempre se encontram no mesmo
grau numa ação extraordinária, feita, entretanto, pa­
ra Deus e inspirada pelo seu amor.
E depois não estejamos a considerar, se tal ou tal
Santo que invejamos realizou algumas centenas ou
milhares de atos extraordinários como: orações, pe­
nitências ou zêlo; êle fêz milhões e milhões de atos
semelhantes aos nossos, porque um dia, tanto para
os Santos como para nós, é composto de numerosas
minudências. Ora, há sete dias na semana, trezentos
e sessenta e cinco dias no ano, e a vida consta de al­
guns anos. Portanto, para os Santos, como para nós,
deve consistir o segredo da santidade na prática das
ações ordinárias. Também não devemos pensar em
negociar a nossa salvação por atacado; é preciso cuidar
sobretudo das minúcias. Se soubéssemos economizar o
tempo, teríamos com que nos enriquecer ainda, e com
mais segurança; pois, de que serviría o orgulho numa
vida simples, humilde e comum? Assim como um bor-
dador, segundo a comparação do Pe. Saint-Jure, cuida
de bem dispor os fios e os tecidos que entram na con­
fecção de um manto real, também nós devemos fazer
bem as nossas ações ordinárias que são outros tan­
tos fios de ouro com que tecemos o vestido de gló­
ria de que nos revestiremos no céu. Tudo o que fôr
concernente à pureza de intenção, & união com Je­
sus Cristo, à graça santificante, não será, com efei-
FAZER BEM TODAS AS COISAS 307

to, transformado em ouro? Ora, nada mais fácil do


que dar êsse toque a todos os nossos atos; sobretudo
àqueles que consideravamos ninharias, se não fôsse a
grande bondade de Deus que os recebe das mãos da
nossa fidelidade, para elevá-los, por assim dizer à
glória da sua vontade que os ordenou.
Com uma tal consagração e tão espantosa trans­
formação não admira o resultado extraordinário de
cada um dos nossos atos. Um copo de água fria dado
a um pobre pelo amor de Deus, aumenta a glória
acidental de Deus mesmo, a alegria do céu, a soma dos
nossos merecimentos; dar-nos-á mais um grau de gló­
ria pessoal que se estenderá por tôda a nossa eter­
nidade. £! dizer que tais atos podem ser multiplicados
em nossa existência tanto como os flocos de neve cain­
do na terra num dia rigoroso de inverno! Oh! bonda­
de de Deus! '
E depois, lima ação ordinária bem feita, por cau­
sa da Comunhão dos Santos, talvez seja, nos desígnios
do Senhor, o motivo que o determine a conceder a
tal justo a graça da perseverança, a tal pecador a
graça da conversão e que vá desviar tal ou qual ca­
lamidade pública. Que magníficas perspectivas paten­
teadas ao nosso zêlo!... S. Gregório o Grande, quan­
do ainda era apenas Abade, deu esmola a um pobre
que se apresentou à porta do seu convento. Mais tar­
de, sendo Papa, tomou o hábito de admitir todos os
dias doze pobres à sua mesa. Ora, aconteceu uma vez
serem os convivas em número de treze. Como S. Gre­
gório se queixasse disto ao seu capelão, assegurou-
lhe êste que não via senão doze, assim como os ou­
tros assistentes. O homem de Deus percebeu então
qué um dos treze pobres mudava muitas vezes de cara.
Tomando-o de parte, levou-o ao seu gabinete e per­
guntou-lhe quem era: “Eu sou — replicou o estran­
geiro — aquêle pobre a quem deste esmola quando
éreis apenas Abade. Ora sabei que sou um anjo do
céu, e que, em recompensa desta ação, o Senhor resol­
veu elevar-vos ao soberano pontificado. Ainda mais,
mandou-me para vós, a fim que esteja continuamente
208 ORDEM TERCEIRA FRANCI3CANA

ao vosso lado e que Lhe leve as vossas preces.” De­


pois desta aparição, S. Gregório caiu de joelhos e
cheio de gratidão exclamou: “Senhor, se por uma
ação tão pequenina, me elevastes ao auge das digni-
dades humanas, qual será a recompensa destinada, se
eu fizer maiores esmolas e se observar os vossos san­
tos mandamentos?”
Se Deus paga com tanta magnificência um ato mui­
to comum, que fazemos com prazer, por bondade na­
tural, e que fazemo3 com prazer ainda maior porque
pusemos a Deus no motivo mesmo do ato; o que
pensar dos mil aborrecimentos inerentes ã vida domés­
tica e da recompensa que nos trazem, quando os su­
portarmos pelo amor de Deus? S. Francisco de Sa­
les escrevia a uma abadessa, a propósito das anil con­
trariedades de que está semeada a vida: “Eu sei, mi­
nha cara Irmã, que os pequeninos desgostos são mais
aborrecidos por serem em maior quantidade e mais
importunos do que os grandes, e os domésticos mais
do que os estranhos.” E’ admirável a sua “Introdu­
ção à Vida Devota”, que nunca se recomendará bas­
tante a quem quiser levar uma vida de mansidão, de
humildade e bem equilibrada, essa ciência sobrena­
tural de matizes que tão dificilmente se pode ter em
tôda a plenitude e cujas particularidades práticas nos
dá o nosso caro Doutor nesse livro e as quais men­
cionaremos aqui.
"Suportai com mansidão as pequeninas injúrias, os
pequenos incômodos, as perdas de pouca importância,
que todos os dias acontecem, porque pelo meio destas
pequenas ocasiões, empregadas com gôsto e amor, ga­
nhareis inteiramente o Coração de Deus e o torna­
reis todo vosso. Estas caridadezinhas cotidianas, uma
dor de cabeça, uma dor de dentes, um defluxo, uma
impertinência do marido e da mulher, um copo que
se quebra, um desprêzo ou um arrufo, a perda de
umas luvas, de um anel, de um lenço; o pequeno in­
cômodo de se deitar cedo e de se levantar cedo para
rezar, para comungar; o pequeno vexame de fazer cer-
FAZER BEM TODAS AS COISAS 209
tas práticas de devoção publicamente: em suma, tô-
das estas contrariedades aceitas com amor, contentam
extremamente a bondade divina, a qual por um sim­
ples copo de água prometeu um mar de felicidades aos
seus fiéis; e porque estas ocasiões apresentam-se a to­
do o momento, são um grande meio de acumular mui­
ta riqueza espiritual, empregando-as bem.”
Não basta, por exemplo, ser fiel aos deveres ordi­
nários: “é preciso cumprí-los bem"; e não se cumpre,
inteiramente bem, senão sabendo bem dominar-se.
Há boas almas, muito bem intencionadas que nunca
chegarão à perfeição da vida espiritual, porque não
se decidem a proceder com calma. Esbaforidas, inquie­
tas no cumprimento dos mais piedosos deveres, ante­
cipam, por previsão e ansiedade, os limites do mo­
mento presente, preocupados com o que se vai se­
guir. Assim perturbadas, dão-se em parte ao presen­
te, em parte ao futuro, cansando-se, estaf ando-se des-
raedidamente. Dir-se-ia que a vida delas consiste em
passar de uma coisa à outra, com a maior rapidez
possível. Daí as impaciências quando alguém as inter­
rompe; daí a falta de calma, indecisão, esforços febris
que deslustram a virtude, a tornam suspeita a quem
não souber distinguir as boas intenções na imperfei­
ção dos atos. As naturezas impressionáveis, deve-se
confessar, têm muito que lutar para refrearem a sua
vida e o seu ardor; mas se elas se unirem ao divino
Mestre com perseverança, se se arraigarem na hu­
mildade, e se souberem "suportar com paciência as
suas próprias imperfeições", Jesus renovará para elas,
um dia, o milagre que acalmou o mar agitado.
Não nos esqueçamos que os anjos ocupam-se no ser­
viço de Deus com cuidado e diligência, e entretanto
desconhecem o desassoasêgo: Éles movem-se em Deus
— diz S, Boaventura (2); — e por tôda parte onde
vão, levam consigo o céu. Imitemos êstes espíritos ce­
lestes, tanto quanto depender da nossa fraqueza. Es­
tejamos "ocupados”. Lembremo-nos que a chuva pe-
2) Breviloqulum, para II, cap. VIU, n.* 2.
Espírito da O T — II
210 ORDEM TERCEIRA ■ FRANCISCANA

netra na terra e que as torrentes a devastam. Revis­


tamos cada um de nossos atos com a modéstia e a
mansidão de Nosso Senhor, e dirão de nós como dÊle:
“Ele tudo tem feito bem”, e milagres de conversão
ou de bom exemplo, que farão “ouvir os surdos e fa­
lar os mudos”, vtrao coroar êste apostolado das nos­
sas ações ordinárias, executadas com suavidade. (Mc
7, 37.) .
Quereis possuir esta calma tão invejável, quereis
impregnar de Deus cada um dos vossos atos e em­
bebê-los de 'graça edificante que repousará o olhar
dos vossos Irmãos? Ouvi ainda S. Francisco de Sales:
“Fazei como as criancinhas que se agarram com uma
das mãozinhas aos pais e com a outra colhem mo­
rangos ou araoras pelo caminho. Assim também apa­
nhando e manuseando as coisas dêste mundo com uma
das vossas mãos, segurai-vos com a outra à mão do
Pai celestial, voltando-vos para Êle uma vez ou outra
para ver se Êle aprova os vossos trabalhos domésticos
ou as vossas ocupações. E sobretudo tende cuidado
de não deixar a sua mão e a sua proteção, pensando
apanhar ou colher mais; porque se Êle vos abandonar,
correreis o risco de bater com o nariz no chão. Que­
ro dizer, aninha Filotéia, que estando com as vossas
ocupações e negócios ordinários, que não necessitam
de atenção tão forte e tão urgente, considereis mais
a Deus do que aos negócios. E quando forem os ne­
gócios de tão grande importância que exijam tôda a
vossa atenção para serem bem feitos, olheis para Deus
uma vez ou outra... e Deus trabalhará convosco,
em vós e por vós, e o vosso trabalho será seguido de
consolações.”
Tratando da decência no trajar, o mesmo santo Dou­
tor exprime-se dêste modo: “Quanto a mim quisera que
o meu devoto ou minha devota fôasem sempre os
mais bem vestidos da reunião, mas os menos vistosos
e afetados.” Caros Terceiros, obrigados como sois a
dar o bom exemplo em tôrao a vós, imaginai que o
Pai Seráfico vos dirigisse estas palavras; "Para mim,
. FAZER BEM TODAS AS COISAS 211

quisera que o Terceiro ou Terceira fossem o melhor


pai e & melhor mãe de família, o mais amável esposo,
a esposa de gênio mais igual, os filhos mais respei­
tosos, os amigos mais sinceros, os melhores criados,
os mais indulgentes patrões, os cidadãos mais patrio­
tas, a gente de sociedade mais amável, os mais agra­
dáveis, os mais santamente atraentes da reunião."
Tudo isto podeis ser, se aceitardes a ordem da Pro­
vidência que vos é dada com amorosa docilidade; se
souberdes encerrar-vos na prisão dos vossos deveres
de estado, alegrando-a com ar, luz e flores; se a vos­
sa religião fôr amável e suave, energicamente fiel ao
dever, baseada no esquecimento da vossa pessoa e na
completa dedicação do vosso ser aos outros pelo amor
de Deus. “E' preciso permanecer no barco em que se
está, para fazer o trajeto desta vida para a outra, e
que aí se esteja de boa vontade e com amabilidade;
porque, ainda que algumas vêzes não tenhamos sido
postos aí pela mão de Deus e sim pela dos homens,
depois de si estarmos, Deus quer que aí fiquemos,
e portanto é preciso aí estar de bom grado e des­
cansado."
Terminemos estas considerações com uma outra ob­
servação do amável e santo Doutor: “Deus quer que
o sirvais como sois, e pelos exercícios convenientes
ao vosso estado, e pelos atos decorrentes dêle; e nesta
persuasão, é preciso amar ternamente o vosso estado
e os deveres próprios, pelo amor dAquele que assim
o quis. Mas atendei, não penseis nisto somente de
passagem; é preciso cogitar bem dentro do vosso co­
ração, e pela lembrança e particular atenção tornar
benvinda e deliciosa esta verdade ao vosso espirito;
e crêde, tudo o que fõr contrário a êste parecer será
amor próprio."
Capitulo XI

O TESTAMENTO
PRECEITO DA REGRA. — CERTA GENTE TEM TAN­
TO MÊDO DE FAZER O SEU TESTAMENTO, COMO
OUTROS DE RECEBER A EXTREMA UNÇÃO. — CON­
SELHOS PRÁTICOS. — O QUE NOS ENSINA O LIVRO
DA MORTE. — O TEMPO NAO EXISTE SENÃO PARA
A ETERNIDADE.

"Aqueles que puderem fazer o testamento devem fa­


zê-lo em tempo útil.” (1)
Os Irmãos Menores puseram em prática êstes con­
selhos do divino Mestre: "Se queres ser perfeito, vai,
vende o que tens e dá-o aos pobres, e terás um te­
souro no céu; depois vem e segue-me.” (Mt 19, 21.)
Não é da ordem da Providência que o Terceiro, par­
ticipante da vida do mundo, seja obrigado a êste des­
prendimento absoluto. Mas a sua Regra o obriga a fa­
zer, se puder, o seu testamento. Citemos as palavras
do primeiro texto: "Todos aqueles a quem a lei per­
mitir, devem fazer o seu testamento, ordenando e dis­
pondo dos seus bens dentro dos três meses que se
seguem imediatamente à entrada na Ordem, a fim
de que nenhum entre êles corra o risco de morrer
intestado. Com esta prescrição, o Seráfico Pai lem­
bra aos seus filhos do século que o pensamento da
morte deve desprendê-los antecipadamente do que pos­
suem; "que usem dêste mundo como se não usassem”
(1 Cor 8, 31); que êles são apenas um canal bené­
fico que deve transmitir com fidelidade o que recebeu
* na fonte. Ora, há Terceiros que têm quase tanto mê-
do de fazer o testamento como certa gente de receber
a Extrema Unção. Entretanto, nem a Extrema Unção
nem o testamento fazem morrer. Pelo contrário, po­
dem retardar a morte tirando os cuidados da última
hora; e sempre a tornam mais tranquila e mais suave.
Muitas vêzes se tem mêdo de fazer o testamento,
porque se prevê alguma mudança, ou numerosas mo­
dificações a fazer aí mais tarde.
1) Constituição “Miserlcors Del Flllus".
O TESTAMENTO 213

Para os que têm êsse receio, faremos observar que


todo testamento é suscetível de modificação, e que so­
mente é válido “o último testamento". Fazemos notar
que não é raro encontrarem-se Terceiros que não com­
preendem o alcance da palavra "desprendimento". Se
lhe disserdes: "Estais bem desprendido de tudo o que
possuís?” Êles vos responderão: "Não podería desfa­
zer-me do pouco que tenho e dá-lo para as boas obras,
porque apenas chega-me para viver." Estes Terceiros
devem saber que se pode guardar o que se possui e
ser ao mesmo tempo verdadeiramente desprendido,
quando se usa dos seus bens na ordem da prudência,
que é o da Providência divina. Nesta mesma ordem
de idéias, não deve o Terceiro imaginar que é obri­
gado pela Regra a fazer o seu testamento em favor
de obras pias. Sem dúvida, deve fazer a parte do po­
bre o mais que puder; sustentar, quanto possível, pela
liberalidade dos legados, as instituições católicas que
só vivem dos donativos espontâneos dos fiéis. Deve
pensar, sobretudo, no seu interêsse espiritual, e, por
princípio, não contar com a gratidão dos herdeiros
na questão de Missas para o repouso de sua alma.
Mas deve conformar-se primeiro que tudo com as re­
gras do direito natural, e fazer o testamento sem de­
trimento sério para aquêles que êle .tem obrigação
moral de sustentar pela distribuição dos seus bens.
Na sua Encíclica Auspicato, Leão XIII diz que a Or­
dem Terceira muito merece da sociedade, por ter in­
fluenciado no "bom uso e conservação do patrimônio".
Inspirando-se nas regras da sabedoria, e, se fôr neces­
sário, nos conselhos de um homem sério e imparcial,
contribuirão os Terceiros, na sua humilde esfera, para
manter nas famílias um bem-estar relativo, condição
de estabilidade.
Neste artigo da Regra nos compenetramos do pen­
samento do Seráfico Patriarca, quanto ao desapêgo
que o Terceiro deve praticar vivendo no mundo. O
Terceiro deve considerar-se aqui na terra como via­
jante e estrangeiro, não só em teoria mas praticamen­
te. Se não puder tudo deixar e dar aos pobres, é pre­
ciso que no meio dos bens e gozos deste mundo te­
nha a alma desprendida e livre num corpo espiri-
214 ORDEM TERCEIRA FRANC1SCANA

tualizado pela mortificação. 0 pensamento da morte,


longe de assustá-lo, deve sorrir-lhe como amiga. E'
a morte, com efeito, que nos libertará da triste pos­
sibilidade de pecar; desatará os nossos laços; unir-
nos-á a Jesus Cristo, nosso divino Chefe, para não
mais nos separarmos dÊle. Sem dúvida tem a morte
um lado misterioso que desperta agonias, um efeito
de vingança divina que nos inspira terror. Há almas
que não têm apêgo a coisa alguma aqui na terra,
senão o que fôr da ordem da Vontade divina, e que
entretanto, diante de túmulo avistado ao longe, sen­
tem um terror que a custo dominam. Êste temor ê
para elas purificação misericordiosa, um purgatório
antecipado, que lhes dará mais cedo a vista de Deus
e aumento de glória eterna na visão beatífica. Entre­
tanto, deve-se dizer em geral, que aos pés da cruz
de Nosso Senhor tornou-se a morte para nós melhor
do que a vida; e que devemos todos desejar morrer
olhando de frente o mistério da morte com as suas
múltiplas surpresas. Será para nós o segredo de vi­
ver a verdadeira vida, no momento da morte.
Contam que Descartes tinha um crânio em cima
da mesa de trabalho e que referindo-se a êle dizia:
i(Áqui estão os meus livros!” Caros Terceiros, seja a
morte sempre para vós um livro aberto; e, dêsse li­
vro, deveis tirar a direção da vossa vida. Quereis fa­
zer em regra o vosso testamento? no espírito de Deus,
de modo que satisfaça as aspirações da vossa alma,
as necessidades do coração e as regras da prudência?
Consultai o livro da morte. Quereis viver na abastança
ou pelo menos no conforto sem que perca a vossa al­
ma a energia ao contacto das comodidades da vida ma­
terial? Consultai o livro da morte. Se fordes pobre ou
de poucos meios, consultai o livro da morte: êle vos
dirá onde se encontra a compensação que reclama o
vosso coração ávido da verdadeira riqueza. Estais pa­
ra tomax decisão importante, em negócio cujos resul­
tados quereis assegurar? Trata-se da vossa vocação,
do estabelecimento dos filhos? Consultai o livro da
morte, e a decisão que vos der será sempre a melhor
resposta para a dificuldade presente.
o testamento 21B
Consultemos o livro da morte, quando se abrirem
túmulos em redor de nós e se fecharem sôbre o que
possuímos de melhor na vida. S. Francisco de Sales
escrevia a uma mãe que estava para perder o filho:
“Ah! se nós pudéssemos ler o coração bem preso à
santa' e bem-aventurada eternidade, (diriamos a to­
dos os nossos amigos) ide, caros amigos, ide ao Ser
eterno, Â hora que determinar o Rei da eternidade;
nós aí iremos ter depois de vós. E já que o tempo no3
é dado só para isto, e que o mundo é povoado para
povoar o céu, quando para lá formos, cumprimos todo
o nosso destino." A abadessa de Port-Royal êle escre­
via estas belas palavras: “À medida que Deus vai cha­
mando a si, um a um os tesouros que o nosso cora­
ção possuía aqui na terra, isto é, tudo o que afeiçoáva-
mos, também vai chamando o nosso coração. — E já
que não tenho mais pai na terra — dizia S. Fran­
cisco — direi mais francamente: Padre nosso que es­
tais no céu. — Coragem, minha querida filha, tudo
é nosso, e nós pertencemos a Deus."
Capitulo XII
PRATICA EXTERIOR DA CARIDADE
O QUE DIZ A REGRA. DO AUXILIO AOS POBRES E
DOENTES. — COMO IMITAR O EXEMPLO DOS PRI­
MEIROS CRISTÃOS. — VISITA AOS DOENTES. — EM­
PENHO BM PEDIR E RECEBER OS OLTIMOS SACRA­
MENTOS. — VISITAS EM GERAL: IMITAR MARIA NO
MISTÉRIO DA VISITAÇÃO: CARIDADE SOBRENATU­
RAL; DESINTERESSADA; DISCRETA; EFICAZ.

"Devem pôr em comum — diz a Regra, — cada


um segundo as suas posses, uma quantia, para au­
xiliar os Confrades mais pobres, sobretudo em caso
de doença, ou para o serviço ou dignidade do culto."
A caridade não se contenta com boas palavras, vi­
ve de realidade, incama-se nos atos de generosidade.
Os primeiros cristãos depunham aos pés dos Apósto­
los todos as bens de que pudessem dispor, a fim de
serem repartidos de conformidade com as necessida­
des de cada um dos membros da comunidade cristã.
Os Terceiros de S. Francisco, jã o dissemos, devem re­
produzir o espirito da Igreja primitiva; devem mes­
mo continuar êsses costumes, enquanto forem compa­
tíveis com a prudência. Praticamente falando, o Ter­
ceiro que vive na sociedade não pode despojar-se
de todos os seus bens; e está na ordem da Providên­
cia que, pela economia, simplicidade de gostos e pela
indústria, êle defenda e aumente o patrimônio da fa­
mília, base da sua estabilidade. Por outro lado não
se deve esquecer de consagrar à caridade uma boa
parte do que puder cortar nos divertimentos: "Aque­
le que semeia pouco, também segará pouco; e aquê-
le que semeia em abundância também segará em abun­
dância." (Cor 9, 6.)
“Os Ministros — diz ainda a Regra, — deverão
visitar o Terceiro doente ou mandarão junto dêle al­
guém para cumprir êste dever de caridade."
Os Terceiros constituem uma família: devem, pois,
ser sinceramente unidos entre si. Os Terceiros for­
mam um corpo: ora, não é possível haver no corpo
um membro que esteja padecendo, sem que se ressin­
tam os outros membros. Logo a visita aos doentes
deve ser para todos um dever sagrado. Sendo ao mea-
PRATICA EXTERIOR DA CARIDADE 217
mo tempo obra de misericórdia corporal e espiritual,
é fonte de consolação para o que está sofrendo, fon­
te de edificação para o próximo, e de merecimentos pa­
ra quem a praticar. Mas aqui, assim como na prática
de tôdas as. virtudes, deve a discrição ser o guia do
nosso proceder. Há, pode haver casos diferentes, tan­
tas distinções, tantas circunstâncias diversas! O que
é permitido nem sempre convém fazer-se, e o ótimo é
às vêzes inimigo do bem. Compete ao Diretor e aos
que estão com êle à testa da Fraternidade decidir
neste assunto o que seja mais vantajoso na prática
e em relação à diversidade dos casos.
“Em caso de doença grave, deverão avisar os doen­
tes para que recebam em tempo oportuno os últimos
Sacramentos.”
A graça da Ordem Terceira, não o esqueçamos, de­
ve ser de preferência uma graça especial de renún­
cia; renúncia de tudo e de todos, na medida da Von­
tade divina; renúncia até mesmo da vida. Isto não
impedirá o Terceiro de ter uma religião cordata e
amável, de amar o que deve amar; de cuidar de tudo
que deva assegurar o bom êxito dos negócios domés­
ticos, entregando-se à Providência com a confiança
duma criança que se atira aos braços da mãe. Mas
a graça da Ordem Terceira deve fazer aceitar a mor­
te, quando ela se apresentar, com rosto sereno, sub­
missão completa ao decreto do céu; e até com a ale­
gria do cativo que vê aproximar-se a sua libertação.
Também quando lhe anunciam que a sua última hora
é chegada, e lhe propõem receber os. últimos Sacra­
mentos, exclamará como o Salmista: "Eu me alegrei
nisto que me foi dito: Ã casa do Senhor iremos.”
(SI 121, 1.)
A propósito da visita aos doentes, é bom dizer-se
algumas palavras sôbre as visitas em geral. Ora, que
melhor modêlo podemos colocar sob as vistas dos
Terceiros do que o da Virgem Imaculada, a Padroei­
ra celeste, no mistério da Visitação?
Em primeiro lugar, a visita que Maria Santíssima
fêz a Santa Isabel, sua prima, foi inspirada pelo Es­
pírito Santo. Não são inspiradas pelo Espírito de
Deus as pessoas a quem se refere S. Paulo: “Elas
218 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
acostumam-se a andar de casa em casa, não somen­
te feitas ociosas, mas também palreiras e curiosas,
falando o que não convém.” (1 Tim 5, 13.) Antes de
deixar o lar para ir fazer visitas, deve o Terceiro per­
guntar a si mesmo se elas são de utilidade bem com­
provada, se elas não estorvam os deveres de estado,
a vigilância doméstica, a lei do trabalho. Deve fazer-
se esta pergunta: Que faria a Virgem Santíssima, que
faria o próprio Jesus Cristo, se estivesse em meu lu­
gar? Quando se tratar duma tentativa de cujo resul­
tado dependa o seu futuro ou o da sua familia, do
adiantamento espiritual ou de vantagem temporal, di­
rija a Deus uma prece fervorosa, para Lhe pedir que
inspire e disponha tódas as coisas, para suplicá-Lo
de tomar as guias da conversa que se vai travar. No
mistério da Visitação, vemos uma superiora visitar a
inferiora, com sentimento de profunda humildade. Te­
nhamos humildade em nosso trato. Acabará afinal por
vencer a má vontade, deixará atrás de si um perfu­
me de edificação, que derramará o bom perfume de
Jesus Cristo.
Nada de palavras ociosas e inúteis em vossas visi­
tas. Segundo contam, as conversas de Maria e de sua
santa prima eram assinaladas pelo cunho da sabedo­
ria, a efusão de almas cheias de Deus. Não falemos
muito. E quando falarmos de Deus, não sejamos en­
fadonhos, servindo-nos de fórmulas já conhecidas, com
ares de moralizador, o que causará aos ouvintes irri­
tação ou provocará o riso. Maria de Âgueda dizia de
Nossa Senhora que ela falava pouco, mas que as suas
palavras eram de grande peso. Imitemos a prudência
de nossa Rainha celestial; e não precisaremos dizer
das nossas visitas: “Cada vez que estive no meio dos
homens, voltei menos homem.”
Maria vai ter com a sua prima Isabel, para exer­
cer junto dela atos de caridade, os mais engenho­
sos. Sejam as nossas visitas outros tantos atos desta
virtude celestial, que com tanto sucesso estende o
Reino de Deus sôbre a terra. Não nos contentemos
com amar o próximo aó com palavras; amemo-lo com
a prática das boas obras e delicadas atenções inspi­
radas pela verdadeira piedade.
Capitulo XIII

CARIDADE PARA COM OS DEFUNTOS


PALAVRAS DE NOSSO SENHOR A S. MARGARIDA
DE CORTONA. — A JERUSALÉM CELESTIAL EDIFI-
CADA COM ALMAS: O FURGATORIO, ESTALEIRO DO
CÉU. — CASTIGO DE PRíVAÇAO DA VISTA DE DEUS.
— CASTIGO DOS SENTIDOS. — DEVERES DE REGRA
CONCERNENTE AOS DEFUNTOS. — FAZER NAS MAOS
DA VIRGEM SANTÍSSIMA “O ATO HERÓICO" EM FA­
VOR DAS ALMAS DO PURGATÓRIO. — CAMINHO DA
CRUZ. — MISSA COTIDIANA. — ALEGRIA QUE DEVA
AO CEU UMA ALMA LIBERTA DO PURGATÓRIO.

Nosso Senhor disse um dia a S. Margarida de Cor-


tona: "Dize a meus Irmãos Menores que se lembrem
dos defuntos. As almas que esperam e sofrem no pur­
gatório são em tal multidão que os homens podem
apenas imaginar." (1) Belas e consoladores palavras!
São estimulo para a nossa esperança, deixando-nos
entrever que o número dos eleitos, entre os que fo­
ram batizados, é considerável; são também um apêlo
à nossa compaixão em favor de tantas almas, mem­
bros sofredores de Jesus Cristo.
Conta-se do templo de Jerusalém, glória de Salo­
mão e maravilha do mundo, que não se ouviu, du­
rante a sua construção, nem o ruído do martelo, nem
o do machado. (3 Rs 6, 7.) Os seus diversos mate­
riais, trabalhados em separado com a maior exatidão,.
foram simplesmente superpostos sob a direção de há­
beis arquitetos; e o templo assim elevava-se majesto­
so e digno da admiração dos séculos. Ora, há um tem­
plo esplêndido que Deus mesmo constrói com as al­
mas, pedras vivas que ocupam cada uma o seu lugar
predestinado, mas que não ocupam definitivamente
senão depois de terem sido completamente lavradas
e cinzeladas, e quando tôdas as asperezas humanas
tiverem desaparecido da sua superficie. Este templo
é o céu, diz S. Boaventura, cuja idéia expusemos; mas
no céu, como no templo de Jerusalém, tudo deve che- m

1) Vida de S/ Margarida escrita pelo seu Confessor,;


cap. vir.
220 ORDEU TERCEIRA FRANCISCAJMA
gar perfeito e proporcionado: nem o ruído do cinzel,
nem o do martelo devem de forma alguma perturbar
a sua divina harmonia.
Qual será a oficina deste céu em que nada impu­
ro ou imperfeito pode entrai*? Esta oficina é o pur­
gatório. E quais são os sofrimentos do purgatório?
Há os de duas espécies: a privação de Deus e a pe­
na sensível.
O pecado, seja êle qual fôr, mesmo venial, afasta
mais ou menos de Deus, segundo o grau mais ou me­
nos considerável da sua malícia. Deus, por sua vez,
afasta-se da alma e êste afastamento é o mais ter­
rível dos suplícios. Estar separado de Deus, já é um
inferno para a alma danada que odeia, diz Leonar­
do de Pôrto-Maurício. E o que será, pois, para uma
alma que é tôda amor? Que sente, com sentimento
entranhado,. que Deus é para ela infinitamente mais
do que o esposo para a esposa, o filho para o pai, a
mãe para a filha, a luz para os olhos e o ar para os
pulmões? Só com um furtivo olhar, ao sair da vida,
para o reflexo das perfeições divinas, mirando-se na
humanidade santa de Jesus Cristo, seu Juiz, esta al­
ma, segundo o dizer de S. Catarina de Gênova, sen­
te despertar-se nela sentimentos tais de amor que
todos os amores profanos reunidos parecem indigna
paródia; e êste amor leva-a para Deus, seu fim, com
força e arrojo tal que os mais rápidos agentes do mun­
do material apenas dão uma fraca idéia! Os negó­
cios não absorvera mais esta alma! Desapareceram
os prazeres; todas as coisas que, no mundo, eram
para ela diversão desvaneceram-se como um sonho,
logo no primeiro passo para a eternidade. Ei-la só daí
por diante; faz-se a mais completa solidão em tômo,
por tôda parte o vácuo terrível a circunda. Ela arre-
meça-se para Deus com tôda a impetuosidade de uma
flecha atirada por um arco violentamente retesado.
Trabalho perdido! o inexorável braço da justiça divi­
na a repele para essa prisão em que os meses são
anos, os anos séculos: tanto parece longa a espera para
o amor, tanto enleva fazendo desfalecer a alma de que
êle se apoderou, e cuja vida é, muito mais do que an­
tes a alma era a vida do corpo.
CARIDADE PARA COM OS DEFUNTOS 221

Porque se afastou e demorou-se pelo pecado venial


no caminho que a conduzia a Deus, a alma detida no
purgatório vê, pela ordem adorável da justiça divina,
Deus afastar-se dela por sua vez e retardar a sua
admissão no céu. Mas se esta alma deteve-se assim
na sua carreira para Deus, foi porque descansou mais
do que era necessário nas criaturas; por isto mesmo
o fogo, criatura de vingança, a retém no seu cadinho,
esperando que Deus dela se compadeça. Quem poderá
dizer a intensidade desta chama? O tempo de mere­
cer não existe mais; também não é mais possível dar
satisfação; mas o que os teólogos chamam ‘'satis-
passio", isto é, um castigo adequado, igual à ofensa;
e como em todo o pecado, mesmo venial, há uma ma­
lícia como que participante do infinito, em razão do
Deus infinito que se ultraja, há, pode-se dizer, algu­
ma coisa de infinito na punição desta falta. Mas co­
mo é que o fogo, substância material, atua sôbre a
alma, substância espiritual? Ouçamos S. Bemardino
de Sena: "Se o nosso corpo não é acessível à dor se­
não porque-a alma o toma sensível; e se há certas
partes do corpo mais sensíveis do que as outras, co­
mo a cabeça e o coração, porque a alma lhes comu­
nica uma faculdade especial de sentir, o que seria se
fôsse ferido diretamente o princípio da sensação! Ora,
é 0 que acontece no purgatório, por um mistério da
justiça divina.”
Depois disto, caros Terceiros, como podemos consi­
derar bagatela o pecado venial, sob o pretêxto que
não nos vai custar a condenação eterna como o peca­
do mortal? O que! serão bagatelas as mentiras, a
vaidade, as maledicências, as distrações voluntárias,
os assomos fugazes de raiva, as vivacidades não re­
freadas, aq tibiezas, as restrições, a apatia no servi­
ço de Deus! Bagatela, o que só pode ser lavado no
Sangue de Jesus Cristo, o que ofende o Coração de
Deus! O que mancha a alma e pode, de falta em fal­
ta, levá-la ao pecado grave, ao pecado mortal! Baga­
tela o que é expiado no purgatório com o que há de
mais cruel, o afastamento de Deus, e o que há de mais
insuportável, a ação inteligente da chama vingado­
ra! Somos, às vêzes, infelizmente muito instruídos na
222 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
ciência, que serve à nossa covardia e ao nosso egoís­
mo, de distinguir os pecados veniais dos mortais. In­
delicados, mercenários, é possível que amemos a Deus,
ò próprio Amor, somente o indispensável para estar
ao abrigo da sua cólera!...
Mas voltemos ao purgatório. Devemos ser os salva­
dores de tantas almas benditas que ai estão detidas:
os interêsaes de Deus exigem-no, os interésses do pró­
ximo reclamam-no, o nosso próprio interêsse pede-o:
A Regra estabelece como dever para os Terceiros do
lugar e para os estrangeiros presentes, assistir às exé­
quias dos confrades defuntos e rezar para o alívio
dessas almas o tèrço do Rosário. '*0 Padre, durante
a Missa, e 03 seculares também, na Comunhão que
fizerem, devem, se fôr possível, rezar pelo eterno des­
canso dos confrades defuntos.”
Mas não deve limitar-se a isto a nossa dedicação
para com as benditas almas do purgatório. Se amar­
mos verdadeiramente a Nosso Senhor, será para nós
a idéia do purgatório pensamento dominante e fecundo
para a nossa vida espiritual. Aumentando o nosso ódio
ao pecado, mesmo venial, e nosso amor pela pureza
e santidade de Deus, ésse pensamento tornar-nos-à
engenhosos para socorrer de mil modos tantas almas
mergulhadas nos mais atrozes sofrimentos e que con­
tam conosco para o seu resgate e salvação. Não há
nada tão vantajoso como desfazer-se, às mãos da San­
ta Virgem, em favor dos defuntos, de tôdas as in­
dulgências que pudermos ganhar ou que nos puderem
aplicar, quer durante a vida, quer depois da morte.
Esquecendo-nos assim dos próprios interesses, os ele­
vamos de modo sublime! (2)
Estão à vossa disposição, caros Terceiros, dois re­
cursos principais para socorrer as almas do purgató­
rio: são, “o Caminho da Cruz”, e a “Missa cotidiana”,
para a qual a vossa Regra vos convida. “Se um raio
de íuz celestial vos abrisse os olhos quando fazeis o
Caminho da Cruz — exclamava S. Leonardo, — verteis
2) Em virtude de concessão especial, são aplicáveis às
almas do purgatório tôdas as indulgências concedidas aos
Terceiros. Ver no fim do volume o Sumário das indul­
gências.
CARIDADE PARA COM OS DEFUNTOS 223
tÔdas as estações cercadas de almas sofredoras que,
de mãos postas, vos suplicam de auxiliá-las, e vos
dizem: Tende compaixão de nós, ao menos vós que
sois nossos amigos/' (3) Fazei com frequência o Ca­
minho da Cruz para essas almas queridas. Ainda me­
lhor, ide ouvir Missa todos os dias em intenção delas.
A Missa é para as almas do purgatório o que é o sol
para dissipar as trevas, o orvalho para a flor resse­
cada, a água para apagar o incêndio, a liberdade para
o prisioneiro, a ressurreição para o morto.
Não vos esqueçais nunca, caros Terceiros: uma al­
ma do purgatório liberta pelas vossas orações, é mais
um filho na grande família do céu, mais uma bôca
que se abrirá para o louvor divino, mais um astro no
firmamento, que cintila com luzes tão diversas e tão
suaves no seu esplendor; é mais ura coração para
receber as efusões eternas do Espírito de amor!
S) Instruções Sôbre o Caminho da Cruz.
Capítulo XIV .
O USO DO ESCAPULARJO E DA CORDA
4.

OS PRIMEIROS TERCEIROS USAVAM EXTERIORMEN­


TE O HABITO RELIGIOSO COMPLETO. — O ESCAFU-
LARIO E A CORDA SÂO A REDUÇÃO DÊLE E COMO
QUE O RESUMO. — O ESCAPULARIO LEMBRA-NOS
A TÜNICA DE CARNE HUMANA QUE REVESTIU O
FILHO DE DEUS NA SUA INCARNAÇAO. — REVISTA-
MO-NOS DE JESUS CRISTO. — A CORDA, SÍMBOLO
DOS LAÇOS DA PAIXAO. — O NOSSO HABITO RELI­
GIOSO, PÜRPURA REAL, TINTA NO SANGUE DO SAL­
VADOR. — É PRECISO AMA-LO, HONRA-LO COM UM
PROCEDIMENTO VERDADEIRAMENTE CRISTÃO.
"No princípio — diz a Regra Seráfica, — usavam
os Terceiros um hábito particular. Todos os historia­
dores nos dizem que os primeiros membros da Ordem,
o bem-aventurado Luquésio e sua esposa, foram reves­
tidos por S. Francisco com uma roupa simples e mo­
desta, de côr cinzenta, com uma corda de muitos
nós. Um grande número de Terceiros usaram êsse há­
bito; o rei S. Luis vestia-o às vêzes. Mas diminuin­
do o fervor, introduziram-se grandes modificações. A
principio usavam uma túnica grande sob as roupas
seculares, como fazem ainda hoje um certo numero
de Terceiros fervorosos de ambos os sexos; depois re-
duziram-na às proporções do hábito pequeno ou es-
capulário, cujo uso foi autorizado por Júlio II. Êste
escapulário deve ser de lã; pode-se empregar a côr par­
da ou cinzenta; deve ser bastante comprido na frente
e atrás, para que desça abaixo da cintura, de modo
que se possa amarrar em cima a corda. As duas tiras
que passam sõbre os ombros são ordinariamente da
mesma fazenda que o hábito. A. corda pode ser de
cânhamo, de linho, ou de lã, com três nós em honra da
Santíssima Trindade. E’ de uso geral ser da gros3u-
ra de meio dedo. Basta que seja bento o primeiro há­
bito; depois substitui-se por outro, logo que fique usa­
do, sem ser obrigado a recorrer a nova bênção. 0 uso
do hábito ou escapulário e da corda é de rigor para
gozar-se dos privilégios e direitos concedidos.”
Para compreender-se bem a significação do escapu­
lário e da corda, deve-se reler as orações prescritas
Ò ÜSO DO ESCAFUULRIO E DA CORDA 246

para a cerimônia de tomada de hábito: “Senhor Jesus


Cristo, que quisestes revestir-vos com a nossa carne
mortal e ser envolvido em panos no presépio; Vós
que inspirastes a nosso Pai S. Francisco, Vosso glo­
rioso confessor, instituir três Ordens e fazê-las apro­
var pelos Vossos Vigários, os Soberanos Pontífices;
nós suplicamos humildemente Vossa soberana Majes­
tade que se digne abençoar e santificar êste vestuário
que o bem-aventurado Francisco impôs aos seus Ir­
mãos da Ordem Terceira da Penitência, tomo possan­
te armadura contra os ataques do mundo, da carne
e do demônio, a fim de que o Vosso servo, receben­
do-o com devoção, se compenetre de tal modo dos Vos­
sos sentimentos, que persevere até o fim em tôda hu­
mildade e fidelidade no caminho dos Vossos manda­
mentos. Vós que viveis e reinais nos séculos dos sé­
culos. Assim seja."
O hábito religioso, o escapulário que trazeis, caros
Terceiros, deve iembrar-vos o mistério da Incarnação
em que o Filho eterno de Deus revestiu-se com a car­
ne humana e mortal. O que digo? deve lembrar-vos
uma obrigação que se impõe a todo o cristão, para
vós ainda mais rigorosamente, e que S. Paulo expri­
miu com estas palavras ardentes e enérgicas: “Re­
vestí-vos do Senhor Jesus Cristo e não façais caso
da carne em seus apetites." (Rom 13, 14.) Antes de
revestir-nos do Senhor Jesus Cristo, devemos renun­
ciar a nós mesmos e às nossas paixões no que forem
contrárias & razão, & lei e às inspirações do Espiri­
to Santo. Se nos- esquecermos da lei da temperança
cristã, 3e frequentarmos as reuniões mundanas proibi­
das pela Regra, se formos nos expor às ocasiões de
pecado, faremos provisão para a carne em seus apeti­
tes. Mas ao entramos para a Ordem Terceira, re­
nunciamos a isto tudo; e o hábito que recebemos, sím­
bolo expressivo da presença de Jesus Cristo em nós,
que nos vem revestir com a sua fôrça para nos im­
pedir de sucumbir na peleja, tornou-se para nós po­
derosa armadura contra os ataques do mundo, da car­
ne e do demônio.
Eapfrlto da O T — IS
226 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

Mas, caros Terceiros, a obrigação principal e posi­


tiva que vos lembra o hábito religioso é de revestir-
vos do Senhor Jesus Cristo. O que quer dizer isto?
Revestir-se de Jesus Cristo é reproduzir as suas vir­
tudes em nosso proceder; é imitar o seu fervor etn
nossas orações, o seu perdão aos inimigos, a sua inal­
terável mansidão, a sua divina modéstia, a sua pro­
funda humildade, a sua fidelidade em fazer bem tô-
das as coisas, a sua indomável coragem. E assim co­
mo um hábito completo cinge o corpo todo e adere a
tôdas as suas partes, também não deve haver em nos­
sa alma só faculdade, em nossa vida um só instan­
te, que não seja de algum modo revestido de Jesus
Cristo.
As nossas roupas não são somente um véu para co­
brir o nosso corpo, são também ornamento e lhe co­
municam a elegância que tiverem. Do mesmo modo
Jesus Cristo encobre a nossa nudez espiritual com
os seus merecimentos e comunica-lhe também a sua
beleza. Assim, vivendo a nossa alma continuamente
sob o influxo do seu amor e das suas inspirações,
toma um fulgor e um esplendor celestial que nos lem­
bram estas palavras de Nosso Senhor a uma Santa:
“Se visses a beleza de uma alma em estado de graça,
seria a última coisa que verias nesta vida, porque no
mesmo instante morrerías de amor.”
As roupas que trazeis ordinariamente não vos pe­
sam; e longe de estorvar a liberdade dos movimen­
tos, facilitam-nos pelo contrário. Mas se levardes do­
bradas na mão, durante um longo trajeto, causar-
vos-ão cansaço e estôrvò. Caros Terceiros, não vos
contenteis de trazer convosco a Jesus Cristo só em
teoria. Se a vossa fé fôr somente teórica, isto é, se
não decorrerem dela consequências práticas, que de­
vem introduzir Jesus Cristo em todos os recantos da
vossa alma e das vossas afeições, carregareis pesado
fardo; ao passo que, se Jesus Cristo vos servir de
manto divino sôbre a vossa inteligência, a vossa me­
mória, a vossa vontade, a vossa atividade, a vossa
0 USO DO ESCAPULARIO E DA CORDA 227

maneira de ver e as resoluções de todos os dias, fi­


careis admirado da facilidade de ação e de pensamento
que ves dará o divino Mestre. Que seja um jugo, em
certas ocasiões, para as nossas paixões múltiplas e
caprichosas, é fácil de se compreender; mas aconte­
ce que êste jugo honroso e meritório nos liberta de
um jugo vergonhoso e insuportável; depois o amor
nos toma leve êste jugo, e nos alivia êste pêso.
Ah! sem dúvida, quando Jesus Cristo toma posse
inteira de uma alma, Êle traz consigo a sua Cruz; mas
aos pés e à sombra desta Cruz, torna-se a morte pre­
ferível à vida.
. Isto nos leva à significação simbólica da corda que
faz parte do hábito franciscano. Antes de revestí-la,
caros Terceiros, aquele que vos abriu as portas da vi­
da religiosa, fêz a Deus esta oração: “Oh! Deus que,
para o resgate dos escravos, quisestes que o Vosso
Filho fôsse ligado com cordas, abençoai, nós vos su­
plicamos, esta corda; e fazei que o Vosso servo- que
cingir êste laço de penitência, lembre-se sem cessar
dos laços que ligaram o próprio Jesus Cristo Nosso
Senhor, e que se considere .para sempre preso ao Vos­
so serviço. Pelo mesmo Jesus Cristo Nosso Senhor.
Assim seja,”
“Se nós nos quisermos revestir de Nosso Senhor,
se quisermos viver piamente em Jesus Cristo”, como
diz o Apóstolo (2 Tim 3, 12), devemos contar com
a perseguição; mas a lembrança da paixão, incessan­
temente renovada em nossa memória pela corda, sím­
bolo dos laços que amarraram o divino Mestre, au-
xiliar-nos-à poderosamente a triunfar de todos os
obstáculos. Se nos acabrunhar a tentação, saibamos
que a lembrança do Crucificado crucifica os vícios,
como diz S, Antônio de Pádua. Sc o sofrimento físico
nos experimentar, se formos vitimas de decepções
cruéis, se a injustiça dos homens fizer aos nossos co­
rações uma dessas chagas que nada humano possa
cicatrizar, o pensar nAquele que tanto sofreu, dá alen­
to às nossas almas e não as deixa sucumbir sob o
ia*
228 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
fardo. E se, pelo contrário, alegrias humanas dema­
siado fortes nos expuserem a abandonar a seriedade
da virtude, para nos entregarmos à dissipação de es­
pírito e de coração, à lembrança da Paixão represen­
tada pelo símbolo da corda francíscana, nos ensina
a sofrear as nossas alegrias no Coração trespassado
dAquele que, pelo mais atroz dos martírios, abriu-
nòs o manancial da verdadeira alegria.
Ah! pensemos muitas vêzes nos laços que amarra­
ram a Jesus, e aceitaremos com amor os nossos.
Quem não está de qualquer modo atado neste mun­
do? O pai de família é escravizado, a mãe de famí­
lia é escravizada, os filhos escravizados, os criados,
os patrões escravizados, e o mais escravizado é o que
carrega com as responsabilidades de todos e que, de­
pois de ter feito tudo, tudo ter tentado, deve resignar-
se ao insucesso aparente dos seus esforços, e a rece­
ber por salário a humilhação e a ingratidão. Mas quem
podería queixar-se, lembrando-se da maior dor que
houve jamais e do imenso amor que aceitou esta imen­
sa dor?
Imitemos o nosso Pai Seráfico. Que os nossos laços
voluntários nos prendam ainda mais à grande Vitima
do Calvário, o que fazia S. Francisco dizer: “Nada
é mais agradável para mim do que a lembrança da
vida e da Paixão de Jesus Cristo. Não precisaria de
outra leitura ainda que vivesse até o fim do mundo."
Tais são, caros Terceiros, os ensinamentos que nos
dão o escapulário e a corda, vossas insígnias francis-
canas. Não vos separeis nunca dêstes dois objetos tão
preciosos, nem de dia, nem de noite. Quando uma ne­
cessidade urgente vos impedir de trazê-los sobre vós,
tende-os à mão; beijai-os muitas vêzes com amor; e,
dêste modo, elevai-vos pelas coisas visíveis &s coisas
invisíveis.
Wadding, o analista da nossa Ordem, felicitava-se
uma vez por ver um Cardeal ilustre revestir-se com
o hábito da Ordem Terceira de S. Francisco. Respon-
deu-lhe o Cardeal: “Eu é que me felicito por ter ajun-
O USO DO ESCAPULARIO E DA CORDA 229
tado a púrpura à púrpura; por ter acrescentado à púr-
pura romana que me eleva, na Igreja, ao auge das hon­
rarias, a púrpura do hábito franciscano, tinta com o
Sangue de Jesus e do seu estigmatizado Francisco.”
Sejam tais os vossos sentimentos, caros Terceiros.
Agradecei a Nosso Senhor o ter-vos atraído poderosa­
mente ao seu amor pela santa fascinação que exer-
ceiit sôbre vós o Pai Seráfico. Amai o vosso hábito.
Honrai-o pela vida francamente e seriamente cristã;
honrai-o pela piedade inteligente e amável, que tor­
ne amada a religião onde estiverdes; honrai-o pela
igualdade do vosso humor e do vosso caráter. Con­
siderai-o como símbolo de vossa união mais íntima com
Jesus Cristo e com a sua santa Cruz. Depois de ter
sido escudo de guerra, torna-se êste hábito, no mo­
mento da morte, para vós uma vestimenta de glória.
Capitulo XV

ASSEMBLÉIAS MENSAIS
AVISAR A PESSOA COMPETENTE, QUANDO NÂO SE
PUDER ASSISTIR A ELAS. — 1* ORAÇÕES: SALMO-
DIA DO OFICIO; MISSA; ORAÇÕES ANTES E DEPOIS
DA REUNIÃO. — 2." INSTRUÇÃO: ELA ADAPTA-SE
ESPECIALMENTE AS NECESSIDADES ESPIRITUAIS
DOS TERCEIROS; OUVI-LA COM ESPIRITO DE FÉ;
AS COISAS SÃO CONFORME NÔS AS ENCARAMOS. —
3.® ESMOLAR, GENEROSIDADE REGULADA PELA DIS­
CRIÇÃO; EM TODAS AS REUNIÕES RENOVAR A DÁ­
DIVA DE TODO O NOSSO SER A DEUS. ___

Deveis, caros Terceiros, frequentar assiduamente es­


tas assembléias, e quando motivo sério vos impedir,
é preciso avisar o Superior. De outro modo seria a
Fraternidade uma palavra vã, seria a Regra violada
impunemente, e perdería assim a Ordem Terceira pou­
co a pouco seu prestígio e seu poder de santificação
para a nossa alma: não teria mais nervo.
Deve-se considerar três coisas nas assembléias: a
oração, a palavra de Deus, a coleta.
I. A oração. — Em um grande número de Frater­
nidades, há o hábito de saümodiar, quer antes quer
depois da assembléia, uma parte do Ofício da Vir­
gem Santíssima correspondente à hora da reunião.
Nunca serão demasiados os louvores a êsse costume
que se deve espalhar. Lembra êle praticamente aos
Terceiros que constituem uma corporação religiosa;
relembra-lhes a dignidade do Ofício; acostuma-os a
rezá-lo melhor em particular.
Depois, como observa S. Boaventura (1), o Ofício
rezado em côro tem a grande vantagem da edifica­
ção; os seus ecos, mesmo de longe, são uma exorta­
ção aos simples fiéis, convidando-os ««i™ à oração
e à união com Deus, fim da oração.
Mas a mais bela entre as orações à qual possam
assistir os Terceiros, é sem dúvida ó santo sacrifí­
cio da Missa. Há Fraternidades que fazem a S. Missa
preceder à reunião mensal propriamente dita; e nas
1) 3. Boav., De Sex Alia Seraphlm, cap. VIU,
ASSEMBLÉIAS MENSAIS 331

quais, além desta reunião mensal, são convocados to­


dos os membros em certas circunstâncias, em certos
dias de festa, ao pé dos altares, para que juntos as­
sistam ao Santo Sacrificio. Nada mais eficaz nem mais
edificante do que esta fusão de corações, do que esta
união de orações, no momento em que Jesus, nossa
Vítima, comparece ao altar, por milagre de amor re­
novado incessantemente.
Há enfim orações particulares, de cujo cerimonial
a Ordem Terceira nos dá a fórmula: invocação ao Es­
pirito Santo, oração & Virgem Santíssima e ao nos­
so Pai Seráfico S, Francisco. Com a seguinte oração
dizemos a Deus: "Senhor, suplicamo-Vos, iluminai o
nosso espirito com a Vossa luz resplandecente, a fim
de que possamos discernir o que devemos fazer e te­
nhamos forças para executar o bem.” Assim como o
orvalho precede a aparição do sol, e prepara a terra
para aproveitar os seus raios benéficos, assim a ora­
ção em comum, a oração, como disse Nosso Senhor:
"Onde se acham dois ou três reunidos em meu nome,
aí estou eii no meio dêles” (Mt 18, 20), esta oração,
rezada com fé e humildade, é precursora da graça em
nossas almas.
A oração dá princípio à reunião, a oração termi-
na-a: nada mais justo. Não basta ver o que se de­
ve fazer; ê preciso sobretudo pô-lo em prática, e dis-
por-se a triunfar dos obstáculos que se opõem ao efei­
to pleno da palavra de Deus em nós. Vêm a seguir
as orações de ação de graças, orações para os nos­
sos benfeitores, para as pessoas que nos são reco­
mendadas, pelas almas do purgatório. Sêde unidos,
caros Terceiros, para juntos tomardes de assalto o Co­
ração de nosso Pai celestial, ainda mais disposto a vos
conceder os seus favores do que‘ vós a recebê-los; e
que, entretanto, quer que os soliciteis da sua miseri­
córdia com instância e perseverança. Tal o pai que
' gosta de ouvir as importunações afetuosas do filho
ternamente querido; demora a conceder o favor soli­
citado só para gozar mais tempo de uma presença
que é encantadora para êle, das inflexões de uma voz
que desperta em seu' coração emoções que só êle
conhece.
232 ‘ ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

II. Á palavra de Deus. — Caros Terceiros, tudo o


que fôr palavra de Deus deve ter para a vossa fé
um encauto sempre novo. Mas nestas reuniões de fa­
mília, como são as vossas assembléias mensais, a pa­
lavra de Deus, proporcionada especialmente e intima­
ra ente aos vossos atrativos e gostos espirituais, aos
quais a Ordem Terceira deu corpo, por assim dizer,
será para vós a palavra de Deus particularmente ben-
vinda. Ela vos lembrará a vossa santa Regra nos seus
múltiplos pontos; e, através da letra, vos iniciará so­
bretudo no espírito, instruindo-vos a fundo sôbre os
vossos deveres de estado, deveres comuns ou espe­
ciais. Segundo a recomendação do próprio Seráfico
Patriarca, ela exortar-vos-á à penitência, que é a ba­
se da vida cristã, e ao mesmo tempo companheira in­
separável da mais alta perfeição; incitar-vos-á à prá­
tica das boas obras; no meio das trevas e das tris­
tezas da existência ela será para vós raio luminoso
indicando o caminho que conduz à salvação.
O apóstolo S. Paulo dizia a um discípulo que êle
estava preparando para o ministério das almas: "Que
instes a tempo e fora de tempo, que repreendas, ro­
gues, admoestes com tôda paciência e doutrina.” (2
Tim 4, 2.) O Diretor da Fraternidade não deve dar
somente exortações e louvores, às vêzes precisa re­
preender. A prudência deve inspirá-lo. Quanto a vós,
caro Terceiro, aceitai com tôda a humildade o que
vos tocar dêsses conselhos e também das repreensões.
Sois ainda inocente? Dizei a vós mesmo que, pelo amor
de Deus, quereis aceitar a humilhação passageira de
sentir ou de saber que vos censuram injustamente.
■Lembrai-vos que a Ordem Terceira, iniciando-vos nas
vantagens da vida religiosa, deve fazer-vos participar
das suas provações, que são as suas maiores vanta­
gens, quando aceitas com paciência; porque a paciên­
cia, segundo a palavra dos nossos Santos Livros, "deve
ser perfeita nas suas obras”. (Tgo 1, 4.) Se fordes
culpado? Emendai-vos pelo amor de Deus. Se fordes
meio inocente, meio culpado? Se inocente, humilhai-
vos, lembrando-vos que a humildade sem a humilha­
ção é como o fogo sem lenha; e se culpado, deveis
emendar-vos.
ASSEMBLÉIAS MENSAIS 233
Em certas circunstâncias, a palavra de Deus, nas
reuniões mensais, toma a forma de leitura espiritual.
Aceitai a divina palavra sob tôdas as suas formas,
com retidão e simplicidade de fé que vê a Deus em
tôda parte e que em tôda parte ouve a sua voz. Po-
de-se dizer, em regra geral, que as criaturas são o
que nós as considerarmos. As mais sublimes coisas
nada dizem a uma alma vulgar. Em compensação, as
coisas mais vulgares têm um sentido para a alma que
possui o senso sublime da inteligência ou da virtude,
pelas considerações que ocasionam ou pelos atos de­
correntes que elas incitam a praticar. Um artista põe
a sua alma em tudo o que faz, e dá alma a tudo em
que toca. A pessoa que, pelo contrário, não tiver o
sentimento do belo ou do bem e praticamente aguça­
do, passa pelos espetáculos e acontecimentos mais di­
versos, sem que se despertem os seus sentimentos
"comezinhos”.
Caros Terceiros, tende o senso da fé, que S. Paulo
cliama "a mente de Jesus Cristo”. (1 Cor 2, 16.) Te­
reis então o senso de Deus, que é o Belo e o Bem por
excelência. A rotina terá menos fôrça sôbre vós, e nas
instruções que vos forem dirigidas, seja qual fôr a
sua forma, tereis o segredo de encontrar a Deus. Achá-
Lo-eis nas virtudes que elas vos fizerem praticar, acei­
tando-as com tôda a fé e submissão; ou nos horizon­
tes que se desenrolarem sob o vosso olhar espiritual;
muitas vêzes por. ocasião de uma consideração fami­
liar e da mais simples observação.
III. Coleta de esmolas. — Não se deve descuidar da
coleta prescrita no capítulo XIII da santa Regra, e
que dá ocasião de pôr em prática a recomendação da
Constituição Miserícors: “Que ponham em comum, ca­
da um segundo os seus recursos, uma soma de dinhei­
ro.” (2) Muito recebestes de Deus, caros Terceiros,
especialmente nessa assembléia mensal, que vos deu
o ensejo de unir as vossas orações e as vossas almas,
e onde vos alimentastes com êsse pão da palavra di­
vina que, à semelhança da santa Eucaristia, "guarda
2) Ver a “Direção e Visita às Fraternidades”, pelo R, Pe.
Júlio do Sagrado Coração, O. F. M.
234 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
oa vossos corações para a vida eterna". Deveis agora
abrir as vossas bolsas; dar o óbolo do pobre ou a
contribuição do rico, para os necessitados da Frater­
nidade, e para as boas obras instituídas pela Frater­
nidade. A prudência deve dirigir tôdas as vossas vir­
tudes, deve sobretudo guiar êsses atos em que um
desvio de justiça pode ser prejudicial a uma tercei­
ra pessoa: sobretudo quando êsse terceiro fôr uma fa­
mília, ou então, e sobretudo, um pai ou uma mãe ne­
cessitados. Mas se amardes verdadeiramente a Nosso
Senhor e à sua Mãe Santíssima, se seguirdes as pe­
gadas do Seráfico Patriarca, a mortificação dos vos­
sos gostos e da vaidade, nas coisas que forem apenas
úteis, sereis generosos sem causar o menor prejuízo
a outrem e com tôda a discrição desejável.
Caros Terceiros, dai na medida das vossas posses.
Mas ao terminar essa assembléia mensal, que devo
ter alimentado o vosso fervor, fazendo-vos apreciar
melhor a graça da Ordem Terceira, dai-vos sobretudo
vós mesmos a Deus sem medida, ou melhor renovai
a vossa primeira consagração, com a resolução bem
prática de ser fiel aos menores deveres durante o mês
que seguir. Dai-vos ao vosso próximo, principalmen­
te ao que está perto de vós e que ides encontrar de
novo ao voltar para casa; dai-vos com renovada
bondade, generosidade e paciência; com maior delica­
deza e pensando menos em vós mesmos; com resolu­
ção bem firme de fazerdes de tôdas as criaturas, agra­
dáveis ou não, de todos 03 acontecimentos^ felizes
ou aborrecidos, escada para elevar-vos até Deus. Dai-
vos assim a vós mesmos, inteiramente, “à coleta de
almas desinteressadas que Nosso Senhor faz". Tereis
então pôsto em prática a palavra do Pai Seráfico:
"Não guardeis nada de vosso em vós mesmos, a fim
de que Aquele que se deu a vós sem reserva vos re­
ceba também sem partilha."
Capitulo XVI

FIDELIDADE NO DESEMPENHO DOS ENCARGOS


TEXTO DA REGRA. — A SUPERIORIDADE Ê UMA
SERVIDÃO QUE É PRECISO ACEITAR COM AMOR. —
DE BOA VONTADE VOLTAR A SER SIMPLES SOLDA­
DO DEPOIS DE TER SIDO CAPITAO. — NAO RECUSAR
OS ENCARGOS SEM MOTIVO. — CONFIAR EM DEUS.
— OS DISCRETOS DEVEM DAR O EXEMPLO DE PON­
TUALIDADE, DE RESERVA, DE CARIDADE. — SUBOR­
DINAÇÃO ENTRE OS DIVERSOS MEMBROS E OS DI­
VERSOS ENCARGOS DA FRATERNIDADE.

“Os diversos encargos são conferidos aos Terceiros


na assembléia. Durarão três anos. Ninguém deverá
recusá-los sem motivo» nem exercê-los com negligên­
cia," (1) A superioridade é um encargo que Deus põe
sobre os ombros daqueles que destina para guiar os
outros. Propriamente dito» são os Superiores os ver­
dadeiros servos. S. Francisco dã-ihes o nome signifi­
cativo de Ministros, que significa servidores. “Que se­
jam os Ministros os servos dos outros Irmãos”, diz
êle na Regra dos Irmãos Menores.
Antes de S. Francisco, tinha dito Jesus Cristo: “Os
reis dos gentios dominam sôbre êles; não bà de ser,
porém, assim entre vós outros." (Lc 22, 25.) Aquêle
que estiver, pela sua dignidade, acima dos outros,
deverá estar aos seus pés pelos humildes serviços. Ah!
como cumpriu literalmente o divino Mestre essa re­
comendação, quando na Ceia, antes de instituir o sa­
cramento da Eucaristia, começou a lavar os pés aos
discípulos! (Jo 23, 5.) Para desempenhar os encar­
gos no espírito de Jesus, é preciso não considerá-los
como meio de obter honrarias e não impor a sua von­
tade aos outros: mas, sim, quando tiver ocasião, ser­
vir aos outros pelo amor de Jesus Cristo. Depois de
ter três vêzes perguntado e obtido resposta de S. Pe­
dro que O amava mais do que aos outros» sobrecarre-
gou-o o Salvador mais do que aos outros e disse-lhe:
“Apascenta as minhas ovelhas." (Jo 21, 15-17.) Sim,
é preciso amar muito a Jesus, quando se tem um en-
1) Constituição "Misericors Del Flllus".
236 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
cargo, a fim de encontrar na posição elevada só mo­
tivos de praticar melhor a humildade, a dedicação e
a obediência; porque um verdadeiro Superior tem tan­
tos senhores quantos forem os seus inferiores, pois
que êle deve-se a todos, a exemplo do Apóstolo, a fim
de levá-los todos a Jesus Cristo. Mas os Superiores,
os Ministros, devem-se animar à lembrança desta oni­
potente oração dirigida ao Pai pelo Filho: “E onde eu
estiver, estará ali também o que me serve.” (Jo 12, 26.)
"03 cargos durarão três anos.” As constituições da
Ordem Terceira, autorizando as reeleições, podem em
prática passar os cargos muito além do triênio. En­
tretanto devem os Ministros sempre regozijar-se de
voltar para as fileiras de simples Terceiros, quando
se findar o tempo do seu superiorato. Seria menos
compreensível 0 procedimento do Terceiro que se ape­
gasse, habilmente ou não, à sua posição de precedên­
cia e honras na Fraternidade, do que a do Terceiro
que recusasse sem motivo os cargos para os quais
fôsse chamado. Êstes exemplos não devem ocorrer na
Ordem Terceira. Seria compreender muito mal a vida
religiosa, o espírito do §eráfico Pai e o de Nosso Se­
nhor, deixar com pesar os cargos que devem ter si­
do aceitos por espirito de sacrifício. Seria inútil lem­
brar àqueles que, depois de terem ocupado os pri­
meiros lugares na Fraternidade, voltarem a posição
secundária ou mesmo aos mais infimos lugares, que
evitem cuidadosamente quer ditar ordens aos que es­
tão à testa do govêrno, quer recusar a sua coopera­
ção e seus conselhos, quando forem requisitados para
o beneficio comum, e isso por instigação do amor pró­
prio ferido, o que dificilmente se confessa a si mes­
mo. Nosso Senhor livre as nossas Fraternidades de se­
melhantes mesquinharias!
“Ninguém deverá recusar um cargo sem motivo jus­
tificado.” Pode-se às vêzes, por motivos legítimos, re-
ousar um cargo que nos fôr imposto. Ser Terceiro é
às vêzes bem árdua tarefa para aquêles que vivem
em um meio dificil. E 0 que seria, se fôsse preciso
ainda mais, aceitar empregos que exigindo um certo
vagar, forçasse 0 Terceiro a negligenciar, na sua fa­
mília ou estado, certos deveres de preceito que têm
FIDELIDADE NO DESEMPENHO DOS ENCARGOS 231
primazia sôbre os que são simplesmente de conselho.
O que dizer se, por aceitar um cargo, ae expusesse
às censuras da família, a ponto de fazer mais mal do
que hem, e de causar mais escândalo do que edifica­
ção? Nestas circunstâncias não há que hesitar: expõe-
se o caso ao Diretor ou ao Visitador, e sem dúvida
se obterá justiça.
Entretanto é preciso dizer-se aqui: muitas pessoas
julgam-se impossibilitadas com impedimentos exagera­
dos antecipadamente, ou pelo receio de sobrecarre­
gar muito as suas obrigações; poderíam, contanto que
o quisessem, minorar, contornar, evitar a dificuldade.
Sabem dispor tão bem de tudo para conseguir o êxito
dos projetos que têm a peito, e que não ultrapassam
um certo nível de virtude e de generosidade que de­
terminaram para si mesmas! Na realidade, elas fogem
ao encargo, só porque é aborrecido depender assim
dos outros e dobrar-se às diversas exigências. Isto
iria modificar de qualquer modo o seu plano de vi­
da e a rotina em que vivem desde .tantos anos; isto
iria pô-las em contacto com uma certa classe de pes­
soas que querem ver só à distância, por motivos inspi­
rados em última análise pelo amor próprio. Essas
pessoas nunca compreenderam bem a natureza da Or­
dem Terceira. Para elas, ela não é a vida religiosa
no mundo; mas sim uma confraria, de cujas vanta­
gens querem aproveitar-se secretamente, e da qual se
envergonham em público. Também essas pessoas, mem­
bros honorários das nossas Fraternidades, não são da
raça dessas almas fortemente temperadas que salvam
o mundo.
Alguns se desculpam de não poderem aceitar os
cargos, sob pretexto de ser indignos. Para êsses trans­
crevemos aqui a passagem de uma carta de S. Fran­
cisco de Sales a uma religiosa, que queria furtar-
se ao superiorato sob pretextos vãos: "Mas deve-se
procurar entre os servidores algum que seja fiel. E eu
vos digo que sereis fiel, se fordeà humildes." — "Mas
serei eu humilde?" — “Sim, se o quiserdes." — "Mas
eu quero ser.” — "Então já o sois." — "Mas sinto bem
que não sou." — "Tanto melhor, porque então o se­
reis com mais certeza. Não são necessárias tantas
23S ORDEM 'TERCEIRA FRANCISCANA
sutilezas, 6 preciso caminhar francamente; e assim co­
mo Ele vos deu o encargo dessas almas, encarregai-O
com a vossa, a fim que Ele carregue a vós, e a vossa
carga sôbre vós. O seu coração é grande, e Êle quer
que o vosso tenha aí o seu lugar— À medida que em-
preenderdes, sob a pressão da santa obediência, mui­
tas coisas para Deus, Êle secundar-vos-á com o seu
socorro, e fará convosco a vossa tarefa, se quiser­
des fazer a sua com Êle; ora, a sua é a santificação
e a perfeição das almas— Não é justa a paz quan­
do se foge do labor requisitado para a glorificação do
nome de Deus!"
“Ninguém deverá exercer com negligência os car­
gos conferidos." Sois Superior, de algum modo? Cum­
pri exatamente as obrigações do vosso emprego; es­
forçai-vos por amar o vosso cargo, porque não se faz
bem e com perseverança, senão o que interessa ou se
tem gosto em fazer. E se por natureza não tiverdes
essa dedicação, dirigí-vos a Nosso Senhor; pedi-Lhe
com oração humilde e perseverante que vos comu­
nique uma centelha desse fogo ardente de zêlo, cujo
foco se acha no seu divino Coração.
Diretor e membros do Discretório devem dar à Fra­
ternidade exemplo de inteligente pontualidade, Êles
devem ser pontuais, antes de tudo, nos exercícios
comuns a todos os Terceiros; porque com que direi­
to pregarão sôbre a fidelidade e regularidade, se não
querem tocar com o dedo no fardo que põem às cos­
tas dos outros? Êles devem ser pontuais no concer­
nente ao funcionamento e às reuniões particulares do
'Discretório, como também nas coisas referentes aos
cargos respectivos; e isto farão nas oportunidades
que tiverem e quanto lhes permitirem as suas obri­
gações.
Lembrar-se-ão que a denominação de Discretos,
membros do Discretório, obriga-os ao dever de guar­
dar silêncio sôbre as deliberações tomadas em vista
do bem comum; porque devem às vêzes ficar secretas,
no todo ou em parte; ou nos seus considerandos ou
em tal circunstância em que o simples bom senso
aconselha calar. Devem, pois, considerar o alcance das
FIDELIDADE NO DESEMPENHO DOS ENCARGOS 239
suas palavras, principalmente nas coisas da adminis­
tração da Fraternidade.
Que tenham os membros do Discretório, uns para
os outros, a mais cordial caridade. Não deve haver
entre êles nem altercação nem disputas, Procurarão
esciarecerem-se uns aos .outros, porque é difícil en­
contrar espíritos universais que possam igualmente
bem discernir em tõdas as coisas; também não são
preciso êsses, para ser bem guiado; não há mal, pa­
rece-me, em colher de muitas flores o mel que não se
pode encontrar numa só. (2)
Praticando os membros do Discretório a caridade
entre si, devem mostrar-se amáveis, complacentes, ser-
viçais para com todos os outros membros da Fra­
ternidade : não somente com palavras mas com atos e
de fato. Que nunca ós domine a altivez; que pela
simplicidade, temperada de discrição, sejam acessíveis
a todo o mundo, para serem o traço de união entre
os membros da Fraternidade. Que pelo amor da paz
tentem tudo, tudo experimentem, tudo sofram, para
restabelecer a boa harmonia e concórdia, onde tiverem
desaparecido e for necessário restabelecê-las: não há
ocupação mais edificante, mais meritória, e sobretudo
mais cara ao Coração do nosso divino Mestre. Mas
que não haja exagero no seu zêlo. Que nunca façam
da Ordem Terceira, coisa mesquinha, intolerável e ao
mesmo tempo ridícula, com exigências fora de pro­
pósito num claustro e, com mais razão, descabidos no
mundo. "Que o zêlo nunca os faça exceder, que fiquem
sempre nos limites do bom senso.*'
Caros Terceiros, reverenciai aquêles que escolhestes
ou propusestes para serem vossos Ministros, isto é, vos­
sos servidores; amai-os em Deus e para Deus. Que
por sua vez os membros do Discretório, unidos entre
si e cumprindo os seus respectivos deveres, sem úsür-
pação nem teimosia, sejam perfeitamente solidários
com o Diretor da Fraternidade. Que êste, pelo seu
lado, se lembre que êle não é, num sentido, senão
primtis iater pares, que é também e que se deve mos­
trar, antes de tudo, membro muito submisso da Or-
2) Tirado das cartas de 3. Francisco de Sales.
240 ORDEM TERCEIRA ERANCISCAÍfA

dem a que pertence. Que considere um dever e uma


felicidade estar em comunicação regular com os Su­
periores da sua família religiosa; que se esforce em
ter a visita dêles, tão indispensável para manter o
espírito da Ordem; e que nunca dêem preferência às
suas idéias pessoais, por melhores que sejam, em pre­
juízo das regras e tradições da Ordem. Organizada
e ramificada deste modo, será a Fraternidade uma
imagem verdadeira, no mundo, da Comunidade religio­
sa; o bem que fizer com o tempo será incalculável;
contribuirá fortemente, com a sua caridade bem orde­
nada e comunicativa, para a renovação do espírito
cristão.
Capitulo XVII

A VISITA CANÔNICA
IMPORTÂNCIA DA VISITA CANÔNICA NAS ORDENS
RELIGIOSAS. — ELA POI ESTABELECIDA PELA PRI­
MEIRA REGRA DA ORDEM TERCEIRA E A CONSTI­
TUIÇÃO "MISERICOR3 DEI FILIUS”. — ELA DEVE
INCITAR O TERCEIRO A SER MAIS FIEL CUMPRIDOR
DOS DEVERES DE ESTADO; DESENVOLVER NELE A
VIDA SOBRENATURAL; ELA DEVE CORRIGIR OS
ABUSOS. — COMO RECEBER AS ADMOESTAÇOES DO
VISITADOR.

A Visita é uma obrigação grave imposta às Ordens


religiosas pelo Direito canônico. A intervalos determi­
nados, um Visitador, delegado da autoridade superior,
é mandado às diversas casas com a missão de se in­
formar das coisas e das pessoas, de verificar por si
mesmo do estado real das comunidades respectivas
no que diz respeito às regras e constituições que as
regem. As vantagens da visita canônica são conside­
ráveis. Se existem abusos, são suprimidos; se come­
çam a introduzir-se, são abafados ainda em germe;
se não houver nada para corrigir, serve a visita para
conservar e -desenvolver o espírito religioso.
O Seráfico Pai desejou que fosse a Ordem Terceira
a vida religiosa no mundo e quis que ela participas­
se do insigne benefício da Visita canônica. Eia consa­
gra e mantém tôdas as vantagens da Ordem Tercei­
ra. Sem ela perdem as Fraternidades o nervo da re­
gularidade e dessa disciplina inteligente, compatível
com todos os deveres domésticos e sociais. Vâo-se tor­
nando pouco a pouco em meras confrarias ou asso­
ciações pias, embotando assim extraordinariamente o
seu poder de edificação e de ação.
Compete aos Diretores das Fraternidades ser os pri­
meiros, a convocar esta Visita, pelo menos anualmen­
te, ordenada por S. Francisco e expressamente inti­
mada por Leão XIIX na sua Constituição Misericors
Dei Filius. Que êles sejam os primeiros filhos de obe­
diência, nas diligências eficazes que fizerem para as­
segurar êste benefício para a sua Fraternidade; be-
Esplrlto da O T — 16
242 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANÀ

nefício que deve fazer decorrer sôbre a cabeça, aòbre


o vestuário e até a orla da veste o perfume da gra-
ça (SI 132, 2), essa emanação da vida religiosa que
vem do Coração de Jesus, "o Religioso de seu Pai",
cujo canal privilegiado é a humilde pessoa do Visitador.
Depois do Diretor, compete ao Discretório cuidar de
assegurar à Fraternidade, de que é chefe, o benefício
da visita anual.
-A Constituição Miserícors Dei diz: "O Visitador de­
ve averiguar cuidadosamente se a Regra é bem obser­
vada. Deve visitar, segundo o seu poder, a séde das
associações todos os anos, e mais vêzes, se fôr neces­
sário; convocará em assembléia geral os Ministros e
os confrades que são todos obrigados a comparecer."
Não se pode ter uma idéia justa do bem que pro­
duz a Visita, quando è feita com a seriedade conve­
niente. Quando Deus visita uma alma com favores
extraordinários, a alma assim favorecida abisma-se no
seu„ nada, à medida que a exalta a operação divina.
Ela torna-se cada vez mais fiel a todos os seus de­
veres; não se descuida da mínima obrigação; e o que
pouco comove a uma alma menos santa, como uma pá­
gina de catecismo, ou um ato de benevolência a exer­
cer, aí encontra a alma visitada por Deus horizon­
tes sublimes, ou material para a caridade com que cum­
prirá o dever todo e toda a justiça. O sobrenatural de­
ve tornar o que é de ordem natural (cumprimento dos
deveres de estado, relações de família, relações sociais)
mais exato, mais fiel, mais suave, mais perseverante.
Deve ser êsse o efeito produzido numa Fraternida­
de pela visita canônica. Mas Visitadores e visitados
nunca se esqueçam: é preciso que à medida que o Ter­
ceiro se eleva à perfeição, o pai ou a mãe de famí­
lia, o esposo ou esposa, o senhor ou o servo, o ope­
rário ou o patrão, também deve elevar-se. Uma per­
feição que não se apoia sôbre esta base, é como teto
sem suporte, casa sem alicerces, letreiro enganador.
Quando êste princípio fôr bem compreendido e ainda
melhor praticado, quanto bem fará a visita! Ela dei­
xará na alma dos Terceiros, nas Fraternidades, nas
famílias, nas paróquias, o bom perfume de Jesus Cris­
to. A visita deve inspirar aos Terceiros um acréscimo
A VISITA CANÔNICA 243

de sólida piedade, que põe o essencial antes do extra­


ordinário, o dever antes do sentimento, e que ensina
a encontrar a Deus em tóda parte.
Por outro lado, é a visita, quando bem feita e bem
aceita, a condensação, a realização do que hà mais
rico e mais eficaz na vida espiritual; e isto em fa­
vor de pessoas de tôdas as classes e de tôdas as for­
mações.
A todos sem distinção diz Nosso Senhor: "Sêde per­
feitos como vosso Pai celeste é perfeito.” (Mt 5, 48.)
Aquêle que criou a natureza, preparou-a para a gra­
ça; e neste sentido pôde dizer Tertutiano que a alma
nasce cristã. Se não há homem, por mais perfeito
que seja, que não mostre de algum modo a fraque­
za humana, não h& natureza, rude como seja, que não
tenha o seu lado bom. Deixando de parte essas gene­
ralidades, pode-se dizer que em tôda alma seriamen­
te cristã há estofo para a santidade, se é permitido
usar-se esta expressão vulgar; e os Terceiros que são,
em geral, almas de eleição, podem, auxiliados pela
graça, elevar-se acima do nível comum, pela humil­
dade singela e pela fidelidade perseverante. Ora, a vi­
sita tem uma virtude particular para descobrir as al­
mas que têm fome e sêde dc perfeição, sem que elas
percebam, e que só anseiam encontrar uma mão que
as dirija. E mesmo quando (o que deve ser regra ge­
ral nas Fraternidades) estas almas já tivessem en­
contrado a mão que as guie para Deus, a visita traz-
lhes sempre uma graça especial de renovação.
O Visitador não se contenta em perguntar: “Tendes
rezado o vosso oficio, usado o santo hábito, assistido
à S. Missa, às reuniões da Fraternidade, etc., etc.?”
Em cada Terceiro que se lhe apresenta, êle vê uma al­
ma amada por Deus e que ama a Deus; não isenta,
sem dúvida, de misérias ou de êrros, mas que, median­
te conselhos salutares, pode perder pouco a pouco a
ferrugem humana e transformar-se em ouro puro. O
Visitador ensinará ao Terceiro, se fôr necessário, a
possibilidade e a facilidade da oração mental, sem
alongar de um minuto a parte consagrada aos exer­
cícios religiosos. Ele ensinará a maneira prática de
combater o defeito dominante.
10*
244 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

Indicar-lhes-á em que e como devem praticar a vir­


tude da pobreza e do desprendimento que é, com a ca­
ridade, o sinal distintivo dos filhos do Seráfico Pai.
Fá-los-á compreender que na prática da penitência
muitas vêzes basta dizer “Hat", faça-se: Hat no
cumprimento do dever, na aceitação das cruzes e das
responsabilidades que se apresentaram sem terem sido
procuradas; Hat no suportar os caracteres diferen­
tes; Hat na imolação do 'trabalho cotidiano. Dir-lhe-á
ao mesmo tempo com que grãos de mortificação dis­
creta pode e deve temperar a oferenda de sua vida
a Deus, nas diversas circunstâncias de saúde, de
ocupações e da posição em que se acha.
Alguns minutos bastam para averiguar assim tan­
tas obrigações sagradas, e para despertar, talvez, em
certas almas, mais de uma aptidão sobrenatural que
aí estava latente. Assim feita, a visita tem ação ou
antes tem um tal poder sõbre a alma, que só Deus e
os anjos podem avaliar. Ela é alavanca poderosa que
eleva á perfeição a mulher do povo como a nobre
dama; o operário, o proletário, tanto como o homem
de posição superior. E quando a visita é feita regular­
mente todos os anos, quando essa direção popular de
sério espiritualismo, prático e forte, fôr aplicada em
uma multidão de almas, vão se tornando essas almas
pouco a pouco focos de vida sobrenatural ardente. O
que elas podem fazer para a salvação dos seus e para
a edificação do mundo, o poder que têm sõbre o Co­
ração de Jesus para reparação de tantos ultrajes com
que o fere a ingratidão dos homens, só Deus conhe­
ce e um dia o revelará.
Acrescenta a Constituição: "Se o Visitador lembrar
a um membro o seu dever por melo de admoestação
ou reprimenda, ou se lhe infligir uma pena salutar,
deverá o culpado submeter-se com modéstia e não
recusar a penitência."
Uma noite, estando em oração, viu S. Domingos um
diabo rondando o seu mosteiro. Êle ordenou-lhe ex­
pressamente, em nome de Deus, dizer o que fazia
assim nos diversos lugares do convento. O Santo -e o
diabo andaram por tôda parte. Quando chegaram à
igreja, disse o diabo: “Aqui eu faço cometer tal e tal
A VISITA CANÔNICA 245
falta.” O refeitório, o recreio, a biblioteca, o dormi­
tório, as diversas saias de trabalho sugeriram-lhe iguais
revelações. Mas ua sala do Capítulo, (lugar regular
onde todos os Religiosos acusam-se publicamente das
suas transgressões e recebem do Superior uma penitên­
cia adequada), o diabo suspirou profundamente, ex­
clamando: "Aqui, ai de mim! perco tudo o que ga­
nhei”; e dizendo isto desapareceu.
Caros Terceiros, quem quer que sejais, diretores, dis­
cretos, ou simples membros da Fraternidade, aceitai
as observações e as correções do Pe. Visítador. Acei­
tai-as com grande simplicidade de fé, mesmo quando
vos parecer que a medida e a justiça não forem per­
feitas. A visita é para vós a sala do Capítulo. Aí, uma
humilhação merecida é uma reparação necessária; e a
humilhação, quando não merecida, é a reparação de
tantas faltas públicas ou secretas que cometestes e que
ficaram sem castigo. Lembrai-vos de tôda a importân­
cia que a Igreja, os Papas e S. Francisco ligam à Vi­
sita, pois vos fazem dizer expressamente no ato da
profissão: "Eu prometo dar satisfação, segundo a von­
tade do Visitador, pelas transgressões que cometer con­
tra esta Regra.”
Considerai a Visita uma das maiores graças da Or­
dem Terceira; e considerai a Ordem Terceira "arca
de salvação", onde Jesus Cristo vos colocou para vos
pôr ao abrigo de tantos escolhos e vos levar a si, fon­
te de tôda Vida, foco de tôda Verdade, Via e têrtno
de tôda perfeição.
Capitulo XVIII

A ORAÇÃO MENTAL
EDA ESTÁ NO ESPIRITO DA ORDEM TERCEIRA. —
EXAGERA-SE A DIFICULDADE. — A MEDITAÇÃO NÃO
Ê INDISPENSÁVEL A ORAÇÁO. — MUITAS PESSOAS,
INCAPAZES DE MEDITAR, SÃO MUITÍSSIMO APTAS
A SE UNIREM A DEUS NA ORAÇÁO. — NÃO SE DE­
VE, POR ISTO, DESPREZAR O MÉTODO, SOBRETUDO
NO PRINCIPIO. — MAS AQUI, SÁO A SIMPLICIDADE
E A UNIDADE A PERFEIÇÃO NO GÊNERO. — ORAÇÃO
SUBLIME DO CAMPONÊS DE ARS. — A GENEROSI­
DADE DEVE SER O FRUTO DA ORAÇÃO ASSIM COMO
. JÁ Ê A SEMENTE. — NÃO SE PERTURBAR COM ARI-
DEZES E INAPTIDÕES. — CONSELHOS PRÁTICOS. —
EXEMPLO DO SERÁFICO PAI. — A ORAÇÃO NOS FAZ
PENETRAR NAS POTÊNCIAS DO SENHOR.

Não se pode dizer que a oração mental seja uma


das obrigações da Ordem Terceira, mas ela está abso­
lutamente no seu espírito. O nosso Seráfico Pai era
sobretudo uma alma de oração. Tomás de Celano dis­
se dêle esta palavra expressiva: "Não era tanto um
homem em oração como a oração mesma.” (1) A
exemplo dêle, deve o Terceiro fazer todos os esfor­
ços para conseguir o dom da oração.
Há oração mental e oração vocal.
A oração vocal que parte dos lábios, sob o impul­
so do coração, é a que nós fazemos com o auxílio
de fórmulas consagradas pelo uso, como o Padre Nos­
so, a Ave Afaria, etc. A oração mental é a que faze­
mos sem mover 03 lábios e deixando falar só o co­
ração. Esta maneira de conversar com Deus é da mais
alta importância na vida espiritual; e, em regra ge­
ral, pode-se dizer que, sem a oração mental, a alma
não será nunca recolhida e “em plenas águas espi­
rituais”. Ora, uma multidão de pessoas, capazes de
fazer a oração mental, nunca experimentaram fazê-
lo, ou pelo menos não perseveraram nas tentativas,
por causa da idéia falsa que fazem da oração. Admi-
1) Non tam orans quam oratfo factus. (Secunda Vita,
Çelani.)
A ORAÇAO MENTAL 247

tamos que elas sejam incapazes de fazer a medita­


ção propriamente dita, Infelizmente elas não ouvem
falar 3enão de meditação; porque na maioria dos li-
vroa espirituais que lêem, não encontram senão a pa­
lavra “meditação”: palavra que é para tantos causa
de equivoco aborrecido. A meditação não é na rea­
lidade senão uma parte da “oração mental”, pois que
sem a oração mental não servirá de nada a meditação.
Também há um número considerável de pessoas ver­
sadas na oração mental para quem “a meditação”,
longe de ser necessária, seria embaraço e obstáculo
nas relações com Deus.
Não imaginemos que, para fazer a oração mental,
seja preciso dirigir a Deus um discurso bem eloquen­
te, e desenrolar no espírito uma série de pensamentos
que se encadeiem com ordem.
Sem dúvida, é bom, ao começar a oração mental,
refletir alguns momentos sôbre a leitura que se tiver
feito antes. A imaginação será mais refreada, a inte­
ligência fixar-se-à; e a vontade, convencida, será le­
vada mais facilmente às santas afeições da oração,
mais decidida a tomar uma boa resolução de servir
melhor a Deus. Mas está longe de ser indispensável
para a oração mental. Felizmente! Porque muita gen­
te, animada de boa vontade, é incapaz de seguir um
método e discorrer, sendo o seu único recurso “pôr-se
na presença de Deus” e falar-Lhe simplesmente como
um filho a seu pai.
Uma célebre pecadora, que se tinha retirado para
um deserto, passou a existência inteira dizendo a Deus;
“O’ Vós que me criastes, tende piedade de mim!” Não
achais que esta é a mais excelente das orações men­
tais? E a falta de “meditação propriamente dita" ou
de "reflexão” mais ou menos bem composta, impediu
a ilustre penitente de elevar-se muito alto sôbre as
asas desta oração jaculatória, sempre a mesma, mas
repetida a todos os instantes do dia com sentimentos
sempre renovados? O bem-aventurado Cura de Ars
adznirava-se de encontrar frequentemente, na igreja,
um pobre campônio de joelhos diante do taberoá-
culo, imóvel como uma estátua, e ficando assim horas
inteiras. Um dia chega-se a êle o santo Pastor e diz-
248 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

lhe; "O que estás fazendo aí tanto tempo, meu ami­


go?” Apontando o campônio para o tabernáculo, res­
ponde; "Eu olho para Ele, Ele olha para mim.” Este
ignorante das coisas do mundo praticava, sem saber,
esta definição da oração dada por S. Francisco de
Sales: "No santo exercício da oração, basta olhar e
deixar-se olhar”, olhar para Nosso Senhor e abrir in­
teiramente o coração ao seu olhar e ao seu amor.
Caros Terceiros, não é tão difícil fazer oração! Basta
pôr-se em presença de Deus, e confiar ao seu Cora­
ção as alegrias e tristezas, os temores e esperanças,
as dificuldades e receios. Vós, que tendes filhos para
educar, subordinados para vigiar e conduzir a Deus,
pedí-Lhe com o coração mais do que com os lábios
para tomar-vos "a vós e ao vosso fardo sôbre si”;
ficai assim alguns minutos diante do vosso Crucifixo,
e tereis feito excelente “oração mental".
Se estiverdes em posição quase miserável, com gran­
des sacrifícios podeis saldar as vossas obrigações. Ain­
da mais; precisais trabalhar muito, tendo como re­
compensa a ingratidão, sofrendo recusas, aturando
maus tratos, vendo que menosprezam as vossas in­
tenções, maldizem de vós, talvez até vos caluniem.
Apresentai-vos então diante de Nosso Senhor, sem fel
e desejoso de fazer, no trato com Ele, provisão de
coragem e de resignação. A vossa oração terá sido
extremamente prática e vantajosa. Se fordes ainda jo­
vem e vos atacar a tentação com violência, enquanto
precisais viver num meto difícil. Talvez não fiqueis
ao abrigo dessas surpresas que são a desgraça da vos­
sa alma, e para o Coração de Jesus Cristo motivo
de amargas queixas. Ide ter com Nosso Senhor, di-
zei-Lhe com o pobre leproso; "Se tu queres, Senhor,
bem me podes limpar.” (Mt 8, 2.) Ou então pedí-Lhe
para vos tirar a febre que vos devora, que vos tome
pela mão, dizendo-vos para caminhar doravante sem
desfalecimento.
Sozinho no mundo, sem fortuna, sem prestígio, vos
sentis incapaz de trabalhar no mundo para a dilata-
ção do Reino de Jesus Cristo, como desejaria o vos­
so coração. Empregai, pois, as vossas horas vagas
em fazer “oração", em dizer a Deus: “Venha a nÓB
A OHACAO MENTAL 249

o Vosso Reino, seja feita a Vossa vontade assim na


terra como no céu!” Não pode haver melhor oração
mental,
"No santo exercício da oração» consiste a perfeição
em ter simplicidade e uniformidade.” Mas não nos
esqueçamos que Deus é Senhor absoluto dos seus dons,
e que favorecidos com os seus dons devemos ter em
nossa alma humildade cada vez maior; tanto mais;
como observa Santa Teresa, que Êle eleva, ãs vêzea,
almas muito imperfeitas a alta contemplação, com o
fim dc atraí-las a si, fonte de todo bem.
Aqui notemos: o fim da oração é unir-nos com Deus.
Ora não nos unimos com Deus senão na medida em
que renunciamos a nós mesmos. Daí a necessidade, no
fim da oração, de renovarmos as resoluções, sobretu­
do a resolução de combater o defeito dominante du­
rante o dia, nesta ou naquela circunstância que já de­
vemos prever "naquele momento em que a alma, es­
tando perto de Deus, vê melhor tôdas as coisas à sua.
divina luz”.
Se desejarmos ter a "generosidade” como fruto da
nossa oração mental, deve também ser como que a
semente. Não podemos conjuntamente beber à fonte
divina e à fonte da satisfação dos sentidos e do amor
próprio. De resto, Deus pauta o seu modo de atuar
pelo nosso. Se Lhe formos fiéis, Êle far-nos-â experi-.
mentar “quanto Êle é doce e suave para aquêles que
O procuram”. Se, pelo contrário, rejeitarmos conti­
nuamente as suas inspirações, seguindo em tudo o nos­
so capricho» em vez de nos conformar com o dever
e sob a inspiração da sua graça; quando chegar o mo­
mento de conversarmos com Êle na intimidade da
oração, Êle deixar-nos-á muito tempo à porta do seu
Coração, e nos punirá assim do nosso egoismo.
Entretanto não percamos confiança, quando esti­
vermos em aridez e impotência espiritual. Se êsse es­
tado fôr consequência de culpa nossa, humilbemo-nos
perante a Majestade divina, reconhecendo que mere­
cemos ser tratados, assim; talvez Deus abrevie êste
purgatório. Em todo caso não nos impacientemos; e
sob pretêxto de nada sentirmos, não abandonemos a
Oração. Depois da tempestade virá a bonança; depois
360 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
da desolação, o consôlo; e se não fôr aqui na terra,
será no céu. E se, pelo contrário, êsse isolamento em
que estamos fôr uma simples provação que Deus noa
manda, no seu amor, suportemo-la com coragem, lem­
brando-nos desta palavra do bem-aventurado Jacopo-
ne da Todi: “Eu sempre considerei como uma gran­
de graça saber ficar privado de' Deus: porque então
a fé exerce-se sem precisar testemunho, a esperança
sem esperar recompensa, a caridade sem a menor pro­
va da benevolência divina."
“Deveis ter tão grande amor a Deus — escrevia S.
Francisco de Sales a uma pessoa piedosa, — que, mes­
mo não podendo fazer nada para Êle e na sua presen­
ça, vos esforceis em procurá-Lo só para vê-Lo e con-
templâ-Lo, às vêzes. Pouco antes de fazer oração,
deixai ficar em paz e repouso o vosso, coração e ten­
de esperança de fazê-la bem; porque enfastiado e sem
esperança, muito custará voltar o apetite. Quando o
vosso coração se desencaminhar ou se distrair, fazei-o
voltar com mansidão ao ponto de partida, ponde-o ter­
namente perto do Mestre; e se não puderdes fazer
outra coisa durante todo o tempo, senão repreender
mansamente o vosso coração e de novo colocá-lo jun­
to de Nosso Senhor, e se, todas as vêzes que o fizer­
des, êle se afastar, estará bem empregada a vossa hora
e fareis sacrifício muito agradável ao querido Espôso."
O essencial, caros Terceiros, é ter todos os dias um
momento para fazer oração mental. Consagrai a êste
santo exercício cinco, dez, quinze minutos, uma meia
hora, mais ou menos, como puderdes. Quer seja de
manhã, depois da vossa oração, ou no meio do dia,
ou à tarde: escolhei a hora que vos fôr mais conve­
niente, de acôrdo com as vossas ocupações e os vos­
sos deveres de estado.
Há pessoas absolutamente incapazes de fixar o es­
pirito na oração sem se apoiarem em alguma prática
exterior, rezando por exemplo muito devagar o Padre
Nosso, a Ave Maria, ou alguma outra oração que es­
colherem. Outras vêzes pegam no Rosário e o desfiam
devagar, meditando quanto podem sôbre os mistérios
correspondentes do Rosário. Outras vêzes fazem men­
talmente a volta das estações do Caminho da Cruz;
A ORAÇÃO MENTAL
i
251

ou então parem em uma ou outra Estação, segundo


a inclinação ou a provação do momento.
O importante é fazer ato de boa vontade, que não
.exagerem as dificuldades da oração, que se humilhem
diante de Deus, que se Lhe dê tôda a confiança, e que,
no fim do santo exercício da oração, tome-se, como
jà se disse acima, firme e sincera resolução de emcn-
dar-se dos defeitos.
Não vos esqueçais, caros Terceiros, que sois filhos
do Seráfico Patriarca, e que a oração era a alma da
sua vida. Como êle, considerando a inclinação ou ne­
cessidade atual da vossa alma, falai a Deus, ora como
discípulo ao seu Mestre, ora como culpado ao seu Juiz,
a criatura ao seu Criador, o filho ao Pai, o amigo ao
seu Amigo, a espôsa ao seu Espôso.
"Êle considerava a oração como a vida da alma.
A sua convicção era que sem ela não se podería avan­
çar nos caminhos de Deus. Na oração tinha estabe­
lecido o centro da sua vida e da sua atividade religio­
sa. A ela consagrava, não somente as forças vivas
do seu espírito e do seu coração, “totutn cordis”, se­
gundo a recomendação do Senhor, mas ainda, no dizer
dos seus historiadores, a totalidade do seu tempo,
“totum temporis". Quer estivesse andando, quer senta­
do, trabalhando ou descansando, interiormente ou ex­
teriormente êle rezava; não somente com as fórmulas
usuais, mas com essa atitude da alma que constitui o
fundamento da oração. Deus estava-lhe continuamente
presente, êle estava continuamente diante de Deus;
havia entre êles uma troca incessante de olhares e de
ternura. Êle era a realização em grau elevado da pa­
lavra de Nosso Senhor: "Eu estou em vós e vós estais
em mim." (2)
Para a luta que está sendo travada, caros Tercei­
ros, precisamos de cristãos inteiriços, vivendo da vida
de Jesus Cristo, pela inteligência em primeiro lugar,
mas também pelo coração; soldados de Deus, comple­
tamente armados, cuja cabeça seja protegida pelo ca­
pacete da fé, e cujo coração seja igualmente prote­
gido pela couraça da piedade. Filhos de S. Francisco,
2) “História de 3. Francisco de Assis", pelo Abade La
Monnier, cap, xvm.
262 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

sêde dêsses cristãos completos. Sêde homens de fé vi­


va, prática e corajosa; mas sêde também homens de
piedade. A oração mental far-vos-á penetrar “nas obras
do poder do Senhor" (SI 70, 16); ela pôr-vos-á na sua
mão como instrumento dócil; lançar-vos-à no seu amor
como o ferro no fogo.
Santa Teresa promete 0 céu a quem tiver coragem
de consagrar um quarto de hora por dia a êste santo
exercício. Encontrareis aí as melhores consolações da
vida, resposta a tantas dificuldades que apresentam
exteriormente as coisas humanas, em que há tanto joio
ao lado do bom grão, tantos escândalos, injustiças,
extravagâncias singulares! Aí achareis o segredo de
nunca parar no caminho da perfeição e de exercer
sôbre os outros a santa influência da virtude.
CONCLUSÃO
Disse Leão XIII: “A minha reforma social i a Re­
gra da Ordem Terceira de S. FranciBco."
Quanta inquietação em torno de nós! As dificulda­
des são imensas! Para vencer tantos e tão grandes
obstáculos, inventou-se uma multidão de combinações.
Todos êstes pretensos remédios nada valem nem vale­
rão. São de feição humana. Ora, para tocar e curar
as chagas sociais, uma só mão pode fazê-lo, a Mão di­
vina. Já há muito tempo dizia Tertuliano: “A solu­
ção de tôdas as dificuldades é Cristo!” Verdadeira en­
tão, esta palavra o é hoje ainda mais! E Jesus Cristo
é o Evangelho.
O remédio está, pois, na prática séria e franca dos
másculos ensinamentos dêste Livro divino.
Eu digo, “na prática”. Não basta, com efeito, ler o
Santo Evangelho, é preciso aplicar nas mil e mil miu­
dezas da nossa vida cotidiana 09 ensinamentos lidos.
0 verdadeiro, o único segredo da santidade e da imen­
sa influência social de S. Francisco consistiu nisto.
A sua virtude, tôda de arrôjo e de ímpeto, tirava a sei­
va das divinas Escrituras. Ouvi as palavras de Leão
XIII: “Francisco organizou sabiamente a Ordem Ter­
ceira, menos com regras particulares do que pela
adaptação das próprias leis evangélicas que nunca pa­
recerão demasiado severas ao cristão. Estas regras
consistem em obedecer aos mandamentos de Deus e
da Igreja; em abster-se de facções e rixas; em não
sonegar o quer que seja dos bens alheios; em não
pegar em armas senão pela Religião e pela Pátria; em
guardar temperança à mesa e no modo de viver; em
evitar 0 luxo; em abster-se das seduções perigosas da
dança e do teatro.” (1)
“Tôdas as regras franciscanas visam precisamente
a observância dos preceitos de Jesus Cristo; porque
o seu santo Instituidor propôs-se unicamente fazer com
êste gênero de vida uma escola em que cada um se
exercite cuidadosamente na prática das virtudes cris­
tãs.” (Constituição Misericors.)
1) Encícltca “Auaplcato”.
264 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

Quereis conhecer os resultados imediatos e maravi­


lhosos desta regra, isto é, do Evangelho? E’ ainda o
Papa que nos vai ensinar: “Os Terceiros demonstra­
ram sempre tanta piedade como coragem na defesa
da religião católica. Se estas virtudes lhes valeram
o ódio dos maus, mereceram-lhes, pelo menos, a estima
dos sábios e dos bons, que é a coisa mais honrosa e
a única que se deva desejar. E mesmo o nosso prede-
cessor Gregório IX, tendo louvado publicamente a sua.
fé e coragem, não hesitou em protegê-los com a sua
autoridade e a dar-lhes a denominação honrosa de:
Soldados de Cristo, novos Macabeus.” {"Auspícato>‘.)
A êste testemunho tão glorioso de Gregório IX,
acrescentou Leão XIII o seu; têde-o, relêde-o e medi-
tai-o. "E' verdade que a paz doméstica e a tranquili­
dade pública, a integridade dos costumes e a benevo­
lência, o bom uso e conservação do patrimônio, que
é a base principal da civilização e da estabilidade dos
Estados, brotam como de uma raiz da Ordem Ter­
ceira Franciscana, e a Europa deve em grande parte
a Francisco a conservação dos seus bens. Vê-se, pois,
que fonte de benefícios decorrem só dêste homem para
a sociedade cristã e civil. Mas como o seu espírito;
eminentemente e plenamente cristão, está aparelhado
de modo admirável para todos os lugares e para todos
os tempos, ninguém porá em dúvida que a instituição
franciscana não preste grandes serviços em nossa épo­
ca, tanto mais que o caráter dos nossos tempos asse­
melha-se em muitos pontos ao do tempo desta insti­
tuição.’' ("Auspicato".)
Se há alguém competente para julgar a sua época,
essa pessoa é seguramente o Soberano Pontífice. Po­
demos, pois, aceitar com tôda a confiança o remédio
indicado por êle. Dirigindo-se aos Bispos do mundo
inteiro, êle disse-lhes: “No meio de tantos e tão gran­
des perigos, compreendereis certamente que temos ra­
zão de contar muito com as instituições franciscanas
restabelecidas no seu primitivo estado. Esforçai-vos
por tomá-las conhecidas e estimadas no seu justo va­
lor; cuidai que 03 encarregados de velar pelas almas
ensinem o que é a Ordem Terceira, quanto é acessível
a todos, quais os privilégios de que goza para a sal-
CONCLUSÃO 265

vagão das almas e quanto é útil ao público e aos par*


ticulares." (“Auspicato”.) Os conselhos dados aos Sra.
Bispos e Padi-es devem ser obedecidos sobretudo pelos
Terceiros. Compete a êles serem zelosos no meio do
mundo. “Prouvera a Deus *— exclama o Papa, — que
as populações cristãs acudissem & Ordem Terceira com
tão grande ardor e número como afluiam outrora ao
chamado do próprio Francisco! Nós exortamos viva­
mente os fiéis a não recusarem a se inscrever nesta
santa milícia.” (“Auspicato".)
“Nada mais agradável Nos podem fazer do que pro­
pagar o mais possível a Ordem Terceira de S. Francis­
co,” (Carta a diversos Cardeais, 26 de outubro de
1882,) “Temos recomendado calorosamente esta ilus­
tre Instituição do Patriarca de Assis na carta encícli-
ca Auspicato. Nós a escrevemos no desejo e única in­
tenção de chamar, com o nosso convite, o maior nú­
mero possível de almas à aquisição da santidade cristã.
— A Ordem Terceira foi instituída e disposta para as
multidões. — Os fatos do passado e a experiência do
presente dão testemunho do seu poder para tornar
os costumes puros, íntegros e religiosos.” (Constitui­
ção Misericors.)
Na sua Encíelica Humanum genus, dirigida contra
as seitas maçônscas, exprime-se deste modo o Santo
Padre: “Nós aproveitamos propositadamente da no­
va ocasião que se nos apresenta de insistir na reco­
mendação, já feita por Nós, da Ordem Terceira de
São Francisco, cuja disciplina moderamos com sábias
modificações. E’ preciso grande zêlo para propagá-la
e estabelecê-la; ela pode prestar grandes serviços para
ajudar a vencer o contágio dessas seitas detestáveis.
Possa esta santa associação fazer todos os dias no­
vos progressos! Entre as numerosas vantagens que se
pode esperar dela, bâ uma que tem primazia sôbre
todas as outras: esta associação é uma verdadeira es­
cola de liberdade, fraternidade, igualdade, não na ma­
neira absurda como as compreendem os maçãos, mas
tais como Jesus Cristo quis enriquecer 0 gênero hu­
mano e S. Francisco pós em prática.”
O exemplo é o mais eloquente sermão e o melhor
apostolado. Compete sobretudo aos Terceiros divulgar
256 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

em tõrno de si o bom perfume de Jesus Cristo e daque­


le que apelidaram “O Cristo da Ümbria".
Recebendo no mês de abril de 1893, cinco mil mem­
bros da Ordem Terceira, dizia-lhes o Santo Padre:
“Asseveramos que será a ação da Ordem Terceira
verdadeiramente poderosa e eficaz, quando todos os
seus membros, cada um no seu posto, e fiéis ao es­
pirito da sua Regra, trabalharem todos como verda­
deiros cristãos, dando a todos exemplos edificantes."
Para sermos modelos de vida robustamente cristã no
meio do mundo, basta-nos seguir as pisadas de Fran­
cisco. E' êste o convite do supremo Pontífice.
“O ponto principal da nossa recomendação é, para
aqueles que se tiverem revestido com as insígnias da
Penitência, de considerar a imagem do seu santíssimo
Autor e de se devotarem a êle, sem o que nada do
que se espera de bom realizar-se-á... O fruto real
e duradouro é adquirir alguma semelhança com êste
eminente Santo e esforçar-se em se tornar melhor, imi­
tando-o. Se, com o auxílio de Deus, trabalhar-se para
êsse fim com ardor, ter-se-á achado o remédio opor­
tuno e eficaz para os males presentes... Com admi­
rável constância, e retidão igual à sua firmeza, esfor-
çou-se Francisco com suas palavras e atos por colo­
car sob os olhos do mundo envelhecido, a imagem au­
têntica da perfeição crista... Levado por Deus à prá­
tica das grandes ações, êle obtinha a graça de incitar
os cristãos à virtude e de reconduzir à imitação de
Cristo aqueles que muito e por muito tempo se tinham
extraviado." (“Auspícato”.)
O nosso dever è obedecer ao chefe da Igreja. Estu­
demos, pois, a Regra e a História da Ordem Tercei­
ra, o Santo Evangelho e a vida de nosso Pai. Para
amar é preciso conhecer; e não podemos conquistar
os outros corações senão na medida que o nosso o
tiver sido. Lembremo-nos que Deus exige de nós o tra­
balho e não o êxito. Para executar êste trabalho é pre­
ciso contar com as graças divinas e também com a
proteção especial do nosso glorioso Fundador. Talvez,
até aqui, não tenhamos bastante implorado S. Fran­
cisco. Um dia, aparecendo o Santo à bem-aventurada
Ângela de Foligno, diz-lhe: “Irmã, se me tivésseis cha-
CONCLUSÃO 257
mado há mais tempo, já voa teria atendido: o que pe­
dis está concedido.” Possa esta palavra servir para
nós de lição. (2)
Possamos, a exemplo do Seráfico Francisco, pela ora­
ção e fervorosa devoção, chegar a uma imitação mais
perfeita de Jesus Cristo. Como Paulo, Francisco diz-
nos a todos: "Sede meus imitadores como também eu
o sou de Cristo.” (1 Cor 11, 1.) — Conhecer, amar,
imitar a Jesus Cristo; resume-se nestas três palavras
tôda a vida do Patriarca de Assis. Tudo consiste nisto,
com efeito. Tal é o fim de tôda existência humana;
tal é o fim de tôda vida cristã; tal é a razão de ser
da Ordem Terceira Franciscana, assim como de tôda
vida religiosa: será a chave de ouro que nos abrirá
o céu.
Digne-se a Santíssima Virgem, que é a porta, "/anua
caeli”, pôr esta chave em nossas mãos, satisfazendo
assim tão bem o seu desejo de levar-nos todos ao
seu Filho.
Et Jesumt beneáictum fructum ventris tui% nobis post
hoc exilium ostende. O clemensl O pia! O dulcis Virgo
Maria!
2) Tudo o que precede £ um "comunicado” do K. Pe.
P&scoal, aos Terceiros e aos católicos do guardianato de
Roubaix, Parece-nos resumir de modo claro e sucinto os
atoa de Leão XTTT sôbre a Ordem Terceira*

Espirito da O T — 17
APÊNDICES
APÊNDICE I
CONSTITUIÇÃO
SÔBRE A
REGRA DA ORDEM TERCEIRA SECULAR
DE S. FRANCISCO
Dada por JV. S. P, o Papa Leão XIII
Papa Pela Divina Providência
Leão Bispo, Servidor dos Servidores de Deus, Ad Per­
petuam Rei Memória nt
"Misericors Dei Filitis”. — O misericordioso Filho
de Deus, que, impondo aos homens um jugo suaye e
leve, provê à vida e salvação de todos, deixou a Igre­
ja fundada por Êle, herdeira não somente do seu po­
der, mas também da sua misericórdia, a fim de que os
benefícios adquiridos por Êle fossem perpetuados em
todos os séculos com a mesma caridade. Eis por que,
assim como nos atos e preceitos de Nosso Senhor Je­
sus Cristo, e em tôda a sua vida mortal, refulgiram
doce sabedoria e magnitude de invencível bondade, do
mesmo modo se nota em tôdas as instituições da re­
pública cristã, uma admirável indulgência e doçura,
de sorte que neste ponto a Igreja parece reproduzir
exatamente a semelhança de Deus, que é Amor. (1 Jo
4, 16.)
0 característico desta bondade -maternal é a adapta­
ção sábia, no que fôr possível, das leis aos tempos e
costumes, guardando sempre máxima equidade nos pre­
ceitos e nas obrigações. Esta caridade, constante, jun­
ta à sabedoria, permite à Igreja aliar a imutabilidade
absoluta e eterna da doutrina com as prudentes modi­
ficações da disciplina.
Pautando sôbre êstes princípios Nosso espírito e
Nossa alma, no exercício do Pontificado, consideramos
Nosso dever de julgar com retidão a natureza dos
tempos, de pesar tôdas as circunstâncias, a fim de
que ninguém se amedronte com as dificuldades na prá­
tica das virtudeS úteis.
262 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
Prouve-Nos hoje aplicar esta lei à associação doa
Franciscanos da Ordem Terceira Secular, e deliberar
cuidadosamente em a necessidade de suavizar as pres­
crições, por causa da diferença dos tempos.
Temos recomendado calorosamente esta ilustre Insti­
tuição do Patriarca Francisco, na carta Auspicato, da­
da no dia 17 de setembro do ano passado. Nós escre­
vemo-la no único intuito e desejo de chamar a pro­
pósito, pelo Nosso convite, o maior número de almas
possível, à santidade cristã. Com efeito, a fonte prin­
cipal dos males que nos afligem e dos perigos que nos
ameaçam é a negligência das virtudes cristãs; os ho­
mens não remediarão a uns e não desviarão os outros
senão à condição de apressar a volta dos indivíduos
e da sociedade para Jesus Cristo, “que pode salvar
perpetuamente aos que por Êle mesmo se chegam a
Deus”. (Hb 7, 25.)
Tôdas as regras franciscanas visam precisamente
a observância dos preceitos de Jesus Cristo, porque o
seu santo Instituidor propôs-se unicamente fazer com
êste gênero de vida uma escola em que se pudesse exer­
citar cuidadosamente na prática das virtudes cristãs.
Seguramente, as duas primeiras Ordens franciscanas,
votadas à prática das grandes virtudes cristãs, alme­
jam um fim. mais perfeito e mais divino; mas estas
duas Ordens são acessíveis somente a um pequeno nú­
mero daqueles, a quem a graça de Deus permitiu as­
pirar à santidade das prescrições evangélicas com es­
pecial ardor. A Ordem Terceira, pelo contrário, foi
instituída e disposta para a multidão. 03 monumen­
tos do passado e a experiência do presente dão tes­
temunho do poder que tem para purificar os costu­
mes, tomá-los íntegros e religiosos.
Devemos dar graças a Deus, Autor e Sustentá-
culo dos bons conselhos, de não se fecharem os ouvi­
dos do povo cristão ás Nossas exortações. Muito
mais; infonnam-Nos de muitos países do progresso
da devoção a S. Francisco de Assis, e do número cres­
cente daqueles que pedem para entrar na Ordem Ter­
ceira. Ê, pois, para dar maior incremento a êsse mo­
vimento que Nós temos decidido voltar o Nosso pen-
CONSTITUIÇÃO SOBRE A REGRA 263

sarnento para as causas que possam ser obstáculo ou


retardar êsse impulso salutar das almas,
Primeiro que tudo, Nós temos considerado que a Re­
gra da Ordem Terceira, aprovada e confirmada pelo
nosso predecessor Nicolau IV, na Constituição Apos­
tólica Supra Montem, de 18 de agôsto de 1287, não
corresponde mais em todos os pontos com os costumes
e os tempos presentes. Como não se pode, também,
cumprir as prescrições sem custo e sem dificuldade,
tem sido preciso até aqui, a pedido de Terceiros, dis­
pensar da maioria das regras mais importantes r o que,
compreende-se, não se pode fazer sem detrimento da
disciplina comum.
Havia ainda, relativamente a esta Sociedade, uma
outra questão que reclamava a Nossa solicitude. Nos­
sos predecessores, os Pontífices romanos, na soberana
benevolência com que tinham acolhido a Ordem Ter­
ceira desde a sua origem, concederam aos seus mem­
bros grandes e numerosas Indulgências para a expia-
ção dos seus pecados. No decorrer dos anos, o caráter
e o motivo destas Indulgências provocaram questões
perplexas e discutia-se muitas vêzes se, em tal caso,
o indulto pontifício era bem certo e em que ocasião
e em que medida seria permitido servir-se delas. Não,
certamente, que tenha a previdência da Sé Apostólica
deixado a desejar nestas circunstâncias. O Papa Bento
XIV sobretudo, na sua Constituição Ad Romanum Pon-
tiiicem, de 15 de março de 1751, pô3 têrmo às dúvidas
anteriores; mas desde então, vieram outras em grande
número.
Foi também pensando nestes inconvenientes que Nós
fomos Levados a designar, na Congregação das Indul­
gências e Santas Relíquias, alguns Eminentíssimos Car­
deais, para verificar cuidadosamente a antiga legisla­
ção dos Terceiros, para também examinar as Indulgên­
cias e Privilégios, dar-Nos relação especificada delas,
e para Nos assinalar em seguida, depois de maduro
exame, os pontos a conservar e a modificar, visto a di­
ferença dos tempos. Depois de terem executado as Nos­
sas ordens, propuseram-nos estes Cardeais abrandar as
antigas leis, adaptá-las aos hábitos da vida atual, mo­
dificando alguns capítulos. No assunto das Indulgên-
264 ORDEM TERCEIRA FRANCISCÀNA

cias, a fim de que não haja mais dúvida possível, e


para evitar o perigo de alguma irregularidade, êles
pensaram que, a exemplo de Bento XIV, Nós agiriamos
sabiamente e utilmente, revogando e abolindo tôdas
as Indulgências concedidas até aqui e decretando ou*
tras, por nova concessão para os membros desta So­
ciedade.
Então, para beenfício e vantagem do futuro, para
acréscimo da glória de Deus, para animar a piedade
e zêlo na prática das virtudes, pelas Cartas presentes,
em virtude da Nossa autoridade apostólica, Nós re­
novamos e sancionamos, como já se disse acima, a
Regra da Ordem Terceira Franciscana para secula*
res. Não se pense, entretanto, ter sido suprimido al­
guma coisa da natureza intima da Ordem, que Nós
queremos conservar na sua integridade e sem altera­
ção. Nós queremos, além disto, e ordenamos que todos
os Terceiros gozem das Indulgências e Privilégios enu­
merados no catálogo a seguir, suprimindo tôdas as
Indulgências e Privilégios concedidos pela Sé Apostó­
lica, em todos os tempos, sob qualquer nome ou for­
ma até hoje a esta Sociedade.
REGRA DA ORDEM TERCEIRA
DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
PARA SECULARES

CAPÍTULO PRIMEIRO
Da Admissão, do Noviciado e da Profissão
§ 1. Só é lícita a admissão de pessoas de mais de
14 anos de idade, de bons costumes, amigas da concór-
dia, e previamente examinadas sobre a integridade da
sua fé católica e sobre o respeito à Igreja romana e
à Séde Apostólica.
§ 2. As senhoras casadas não serão recebidas senão
com o conhecimento e o consentimento dos respectivos
maridos, a menos que de outro modo autorize o Con­
fessor.
§ 3. As pessoas admitidas ao sodalício usarão o pe­
queno escapulário e o cordão, conforme o costume, sem
o que não participarão dos direitos e privilégios ineren­
tes ã Ordem.
§ 4. As pessoas admitidas à Ordem Terceira cum­
prirão um ano de Noviciado, findo o qual professarão,
segundo o ritual, obrigando-se a observar os manda­
mentos de Deus, a obedecer aos preceitos da Igreja
e a satisfazer pelas faltas cometidas contra o que
prometeram.

CAPITULO SEGUNDO
Do Modo de Viver ►

§ 1. Em tudo que concerne ao modo de viver e ao


vestuário os Terceiros, menosprezando o que fôr de
mais luxo e ostentoso, tenham como regra a modera­
ção, consoante o estado de cada um.
§ 2. Abstenham-se com muita cautela de danças, de
divertimentos e de espetáculos licenciosos, assim co­
mo de comezainas.
§ 3. Sejam frugais no comer e no beber. Não se sen­
tem à mesa nem dela se levantem sem ter invocado a
Deus com piedade e gratidão.
266 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

§ 4. Jejuem na Vigília das festas da Imaculada Con­


ceição de Maria e do Patriarca S. Francisco. São mui­
to dignos de louvor os que» segundo o antigo costume
da Ordem, jejuarem às sextas-feiras e se abstiverem
de carne às quartas-feiras.
§ 5. Cada mês recebam o sacramento da Penitên­
cia e a Sagrada Comunhão.
§ 6. Os Terceiros que, sendo clérigos, rezam todos os
dias os salmos canônicos, a nada mais estão obrigados
neste assunto; os leigos, porém, que não recitam o Bre-
viário nem o Pequeno Oficio de Nossa Senhora, di­
gam cada dia, por doze vêzes, o Padre Nosso com a
Ave Maria e o Glória ao Padre, exceto quando, por
doença, o não puderem fazer.
§ 7. Aqueles que têm o direito de testar, disponham
em tempo dos seus bens por testamento.
§ 8. Na família sirvam de guia aos outros pelo exem­
plo, encaminhando-oa no exercício da piedade e das
boas obras. Não consintam a entrada em suas casas de
livros ou jornais perniciosos à virtude e não permitam
a sua leitura às pessoas sôbre as quais tiverem au­
toridade.
§ 9. Empenhem-se por manter entre si e com os es­
tranhos benévola caridade; e, quando possam, procu­
rem apaziguar as discórdias.
§ 10. Não façam juramento sem necessidade. Abste-
nham-se de palavras indecorosas, chocarreiras e zom­
beteiras. Examinem cada noite a consciência para veri­
ficar como procederam durante o dia; e, se houverem
incorrido em alguma culpa, imponham a si mesmos uma
penitência, para se corrigirem.
§ 11. Os que cômodamente puderem, assistam todos
os dias à Santa Missa. Compareçam às reuniões men­
sais que forem anunciadas pelo Ministro.
§ 12. Contribuam todos, cada um segundo as suas
posses, para formar um pecúlio comum com o qual
socorram os Confrades mais necessitados, especialmen-
te os doentes, ou auxiliem a manter a dignidade do cul­
to divino.
§ 13. Visitem os Ministros aos Irmãos enfermos ou
mandem quem, por êles, cumpra êsse dever de cari-
REGRA DA ORDEM TERCEIRA 267

dade; e, sendo a moléstia, perigosa, avisem o enfermo


e o persuadam a cuidar, em tempo, da salvação da
sua alma.
§ 14. As exéquias dos Irmãos falecidos compareçam
os Irmãos do lugar e os de fora que aí estiverem hos­
pedados. Rezem, em sufrágio do finado, um terço do
rosário instituído pelo Patriarca S. Domingos. Além
disso, os Confrades sacerdotes, durante a Missa, e os
leigos que o puderem fazer, ao receber a Santa Co­
munhão, orem com boa vontade e devoção pela eter­
na paz do Irmão defunto.

CAPITULO TERCEIRO
Dos Cargost da Visitação e da Própria Regra
§ 1. Os cargos serão conferidos pelos Irmãos convo­
cados em assembléia. O prazo de cada um é de três
anos. Não devem ser recusados sem motivo justo, nem
exercidos com negligência.
§ 2. Cumpre ao Visitador investigar com diligência
se a regra está sendo observada. Para isso visitará os
sodalícios uma vez por ano ou mais frequentemente,
se fôr necessário, convocando em assembléia geral os
Ministros e todos os Irmãos. Se o Visitador, para cha­
mar alguém ao cumprimento do dever, o advertir, o
admoestar, ou lhe impuser alguma salutar penitência,
êste modestamente a aceite e execute.
§ 3. Os Visitadores pertencerão à Primeira ou Ter­
ceira Ordem regular de São Francisco de Assis e,
quando requeridos, serão designados pelos respectivos
Custódios ou Guardiães. Aos leigos não é permitido
exercer o ofício de Visitador.
§ 4. Os Terceiros insubordinados ou malfazejos que,
admoestados por três vêzes, não se emendarem, se­
rão expulsos da Ordem.
§ 5. Se alguém desobedecer a algum dos preceitos
desta regra, saiba que não peca por isso, exceto se,
ao mesmo tempo, ofender a algum mandamento da
lei de Deus ou da Igreja.
| 6. Se alguém se sentir impedido, por justo e gra­
ve motivo, de observar algum preceito desta regra,
268 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
pode lhe ser concedida dispensa ou prudente comuta­
ção. Aos Superiores ordinários dos franciscanos da
Primeira e da Terceira Ordem regular, assim como
aos Visitadores supramencionados, é que compete êsse
poder. (1)
* * *

E Nós queremos que todas e cada uma destas coi­


sas, tais como foram acima decretadas, fiquem perpe­
tuamente estabelecidas, confirmadas e ratificadas, não
obstante tõdas as Constituições, Cartas Apostólicas,
estatutos, costumes, privilégios e outras regras tanto
Nossas como da Chancelaria Apostólica, e tudo o que
fôr em contrário. Não seja, pois, permitido a pessoa
alguma violar, de algum modo ou em algum ponto,
Nossas Cartas Apostólicas. Mas se alguém ousar de
algum modo atacá-las, saiba que incorrerá na indigna­
ção do Deus onipotente e dos seus bem-aventurados
apóstolos S. Pedro e S. Paulo.
Dado em Roma, junto a S. Pedro, no ano da Incar-
nação do Senhor mil oitocentos e oitenta e três, ter­
ceiro dia das calendas de junho (2), sexto ano do
Nosso Pontificado.
C. Card. Sacconi, Protonotário.
Th, Card. Mertel.
visa da Cúria: I. Visconde de Áquila. Lugar do
-j- sêlo.
Registado na Secretaria dos Breves.
X. Cugnoní.

1) Omitímos aqui a parte da Constituição referente ãs


Indulgências e Privilégios, modificadas e aumentadas pos-
terlormente. Veja-se o Catálogo definitivo adiante.
2) 30 de maio de 1883.
APÊNDICE II
CATÁLOGO AUTÊNTICO 0
DAS INDULGÊNCIAS E PRIVILÉGIOS
DA ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO
A Sagrada Congregação das Indulgências, para prevenir
qualquer controvérsia e dissipar
* dúvidas no assunto das
Indulgências da Ordem Terceira, mandou redigir um Sumá­
rio exato dos privilégios e concessões que gozam agora oa
Terceiros seculares de S. Francisco. Este Sumário que ela
declarou autêntico e aprovado canõnicamente, é absoluta­
mente completo; encerra, ao mesmo tempo, as novas indul­
gências, concedidas pelo Breve de 7 de setembro de 1901
c as Indulgências e privilégios já concedidos. Além disto,
substitui e revoga todos os outros Sumários publicados até
então, sejam quais forem. Em outros têrmos, podem os
Terceiros, — na qualidade de Terceiros, — ganhar tôdas
as indulgências que aí estiverem indicadas; mas não pode­
rão ganhar senão estas. Eis aqui a tradução dêste Sumário.

SUMÁRIO
das indulgências, privilégios e concessões concedidas
aos membros da Ordem Terceira secular de S. Francisco
CAPITULO PRIMEIRO
Indulgências Plenárias
1. Indulgência plenária aos Terceiros de um e outro
sexo, verdadeiramente contritos, confessados e comun­
gados:
1/ No dia da entrada para a Ordem;
2.® No dia da Profissão;
3.° Tôdas as vezes que, no intuito de aperfeiçoar-se,
fizerem um retiro de oito dias consecutivos;
4.° No dia 16 de abril, aniversário da Profissão re­
ligiosa do Seráfico Pai S. Francisco — se tiverem im­
pedimento justificado nesse dia, no domingo seguinte
— com a condição de renovarem a sua profissão na
Ordem Tereeira.
-II. Indulgência plenária aos ditos Terceiros, se de­
vidamente dispostos, como já foi acima mencionado,
rezarem na intenção de Sua Santidade:
Espirito da O. T. — 18
270 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
1.* Duas vêzes por ano, se receberem a Bênção dada
em nome do Soberano Pontífice. (1)
Nos seguintes dias, quando receberem a Absolvição
ou Bênção (2):
2.” Natal;
3.” Páscoa;
4.” Pentecostes;
5.* Festa do Sagrado Coração de Jesus;
0* Festa da Imaculada Conceição;
7.* Festa de S, José, EspÔso da bem-aventurada Vir­
gem Maria (19 de março);
8.* Festa de S. Luís, Rei de França, Padroeiro e
celestial Protetor da Ordem Terceira (25 de agosto);
9.° Festa da impressão dos Estigmas do Seráfico Pai
S. Francisco (17 de setembro);
10.” Festa de S. Isabel de Hungria (19 de no­
vembro.) ■

III. Indulgência plenária aos ditos Terceiros, se dis­


postos, como já foi acima mencionado, visitarem com
devoção uma igreja ou capela pública e rezarem al­
gum tempo na intenção do Soberano Pontífice:
1.” O dia em que forem à reunião ou conferência
mensal;
2.” Uma vez por mês, a gôsto de cada um.
IV, Indulgência plenária aos ditos Terceiros, que de­
vidamente dispostos, como já foi acima mencionado,
visitarem a igreja onde fôr estabelecida a Fraternida­
de da Ordem Terceira, no dia das seguintes festas (1):
1.” Santíssima Trindade;
2.” Circuncisão de Nosso Senhor Jesus Cristo;
3.” Epifauia;
4* Ascensão;
5.” Natividade da bem-aventurada Virgem Maria;
6.” Purificação;
7” Anunciação;
8.° Assunção;
1) Ou Bênção Papal.
2) Comuraente chamada Absolvição Geral.
1) Depois da reforma definitiva do Calendário Seráfico,
algumas das seguintes festas «elebram-se em outro dia, pas­
sando ao mesmo dia também a Indulgência plenária.
INDULGÊNCIAS E PRIVILÉGIOS 271
&,* S. Miguel Arcanjo;
10.* Os santos Anjos da Guarda;
11.* S. João Batista;
12.* Os santos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo;
13.* O bem-aventurado Odorico, confessor da Ordem
Terceira (14 de janeiro);
14.* Os santos Berardo, Pedro e seus companheiros,
primeiros mártires da Ordem Seráfica (16 de janeiro);
15.* Santa Jacínta de Mariscotti, virgem da Ordem
Terceira (30 de janeiro);
16.* O bem-aventurado André de Contes (de Segui),
confessor da 1.* Ordem (1 de fevereiro);
17.° S. Pedro Batista e seus companheiros, márti­
res no Japão, da 1.* e 3.* Ordem (5 de fevereiro);
18.* S. Conrado de Placência, confessor da Ordem
Terceira (19 de fevereiro);
19.* Santa Ângela de Merici, virgem da 3.* Ordem
(21 de fevereiro);
20.* Santa Margarida de Cortona, da 3.* Ordem (22
ou 23 de fevereiro);
21.* Santa Coleta, virgem da 2.* Ordem (6 de
março);
22.* Santa Catarina de Bolonha, virgem da 3* Or­
dem (9 de março);
f>23." S. Fidélis de Sigmaringa, mártir da 1.* Ordem
(24 de abril);
24.* O bem-aventurado Luquésio, primeiro Tercei­
ro, que recebeu o hábito da Ordem Terceira das pró­
prias mãos do santo Fundador (15 ou 28 de abril);
25* S, Pascoal Bail&o, confessor da 1/ Ordem (17
de maio);
26“ S. Ivo, confessor da 3.* Ordem (19 de maio);
27.* S. Bern&rdino de Sena, confessor da 1." Ordem
(20 de maio);
28.* S. Fernando Eei, confessor da 3.* Ordem (30
de maio);
29.* S. Antônio de Pádua, confessor da 1/ Ordem
(13 de junho);
30.* S. Lourenço de Brindes, confessor da 1* Ordem
(7 de julho);
31.* S. Verônica Juliani, virgem da 2.* Ordem (9 de
julho ou 13 de setembro);
lí*
272 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA
32." S. Isabel, Rainha de Portugal, da 3.* Ordem
(8 de julho);
33.” S. Boaventura, Doutor da Igreja, da 1.” Ordem
(14 de julho);
34.” S. • Roque, confessor da 3.” Ordem (16 de
agôsto);
35.” S. Luís, Bispo de Tolosa, da 1.” Ordem (19
de agôsto);
36.” S. Rosa de Viterbo, virgem da 3.” Ordem (4
de setembro);
37.® S. José de Cupertino, confessor da 1.” Ordem
(18 de setembro);
38.” S. Elzeário, conde de Ariane, confessor da 3.”
Ordem (27 de setembro);
39.” S. Maria Francisca das Cinco Chagas de Nos­
so Senhor, virgem da 3.” Ordem (6 de outubro);
40.” S. Daniel e seus companheiros mártires, da 1.”
Ordem (13 de outubro);
41.” S. Pedro de Alcântara, confessor da 1.” Ordem
(19 de outubro);
42.” S. Delfina, virgem da 3.” Ordem (27 de no­
vembro) ;
43.” Festa de Todos os Santos das Três Ordens1 de
S. Francisco (29 de novembro.)
V. Indulgência plenária aos ditos Terceiros que, de­
vidamente dispostos, como já foi acima mencionado,
visitarem com devoção a igreja onde a Fraternidade da
Ordem Terceira estiver estabelecida, e aí rezarem pie-
dosamente, durante algum tempo, na intenção do So­
berano Pontífice:
1.” No dia da Festa do seu seráfico legislador S.
Francisco (4 de outubro);
2.” No dia da festa de S. Clara, virgem e Funda­
dora (12 de agôsto);
3.” No dia do santo Titular da igreja onde estiver
estabelecida a Fraternidade da Orde mTerceira;
4.” Tantas vêzes — "toties quoties" — quantas visi­
tarem, a partir das primeiras vésperas até o pôr do
sol do dia 2 de agôsto, a igreja ou mesmo a capela
INDULGÊNCIAS E PRIVILÉGIOS 273
*
onde estiver estabelecida a Fraternidade da Ordem
Terceira. (2)
VI. Os ditos Terceiros, rezando seis vêzes o Padre
Nosso, a Ave Maria e o Glória ao Padre (a saber: cin­
co vézes pelo bem da cristandade e uma vez nas in­
tenções do Soberano Pontífice), ganham cada vez, "fo-
ties quoties”, todas as indulgências que podem obter os
fiéis que visitam (3) as Estações de Roma, a Por-
ciúncula, os Lugares Santos de Jerusalém e o Santuá­
rio de S. Tiago de Compostela; tendo em considera­
ção, neste caso, o decreto “Indulgentias vero“ de 7 de
março de 1678 e os decretos de 16 de fevereiro de 1852
e de 14 de abril de 1856.
VII. Os ditos Terceiros, rezando a coroa francisca-
na ou as sete alegrias da Santíssima Virgem (rosá­
rio que consta de 72 Ave-Marias e de sete Padre-Nos­
sos), acrescentando um Padre Nosso e uma Ave Ma­
ria para o Soberano Pontífice, ganham a indulgência
plenária, ligada à reza desta coroa da Ordem seráfica.
VIII. Indulgência plenária, enfim, aos ditos Tercei­
ros, à hora da morte, contanto que, verdadeiramente
contritos, confessados e comungados, ou pelo menos
contritos, invocarem vocalmente, se puderem, e no ca­
so contrário, de coração, o santo Nome de Jesus.
CAPITULO SEGUNDO
Indulgências das Es fações de Roma
Nos dias de Estações indicados no Missal Romano,
os ditos Terceiros, se visitarem a igreja onde está es­
tabelecida a Fraternidade da Ordem Terceira e aí re­
zarem nas intenções do Soberano Pontífice, ganham
as mesmas indulgências que ganhariam, se em dias
idênticos, visitassem pessoalmente as igrejas .estacio­
nais, quer dentro ou fora dps muros de Roma. (4)
2) Para se lucrar esta Indulgência, dita "da Poreiúncuia",
exige-se atualmente a reza de 6 Padre-Nossos, Ave-Marias
e Glória ào Padre, em cada visita que se fizer à igreja.
3) As indulgências chamadas "das Estações" são atual­
mente estas: a) de 10 anos tôda vez que se recitem os ditos
6 Padre-Nossos, Ave-Marias e Glória ao Padre, na intenção
do Papa; b) plenária, uma vez no decurso do mês, sob as
quatro costumadas condições.
4) Veja-se o que se disse em a Nota 3.
274 ORDEM TERCEIRA, FRANCISCANA
CAPITULO TERCEIRO
Indulgências parciais
I. “Sete anos e sete quarentenas" a todos os Tercei­
ros de ambos os sexos que visitarem devotamente a
igreja onde está estabelecida a Fraternidade da Ordem
Terceira e ai rezarem nas intenções do Soberano Pon­
tífice, nos dias seguintes:
1." O dia da Impressão dos Estigmas;
2." Na festa de S. Luís Rei;
3/ Na festa de S. Isabel de Hungria;
4.” Na festa de S. Margarida de Cortona;
5.* Na festa de S. Isabel, Rainha de Portugal;
6.* Em doze outros dias por ano, dias êsaes esco­
lhidos “ad Hbitum'\ com aprovação todavia do Supe­
rior da Ordem;
7* Na festa do Desposório da Virgem Santíssima;
8.® Na festa da Visitação;
9.° Na festa da Apresentação;
10.* Na festa da Invenção da Santa Cruz;
11.* Na festa da sua Exaltação.
II, "Trezentos dias" de indulgência aos Irmãos e
Irmãs da Ordem Terceira, todas as vêzes que assisti­
rem à Missa, aos outros ofícios divinos; ou às reuniões,
quer públicas quer particulares da Fraternidade; to­
das as vê2es que derem hospitalidade aos pobres; apa­
ziguado ou contribuído em apaziguar alguma briga;
tomado parte em alguma procissão; acompanhado o
SS. Sacramento, quando fôr levado, ou, se não pude­
rem acompanhá-Lo, rezado ao sinal da campainha um
Padre Nosso e uma Ave Maria pelas necessidades da
cristandade ou pelas almas dos Terceiros defuntos;
acompanhado os mortos ao cemitério; feito voltar ao
dever alguém que se transviara; ensinado a alguém
os mandamentos de Deus e as outras coisas necessá­
rias à salvação; enfim ter feito alguma outra obra
de piedade ou de caridade.'
Tôdas as indulgências mencionadas até aqui neste
Sumário, são tôdas e cada uma de per si, excetuan­
do-se somente as indulgências plenárias em artigo de
INDULGÊNCIAS E PRIVILÉGIOS 278

morte, aplicáveis às almas do purgatório. (Constitui­


ção de 30 de maio 1883; Breve de 7 de setembro
1001.)
CAPITULO. QUARTO
Privilégios
1* Os Padres Terceiros, celebrando em um altar
qualquer, gozam pessoalmente do altar privilegiado
três dias de cada semana, contanto que não tenham
obtido igual indulto para um outro dia (Constituição
de 30 de maio 1883);
2.* Tôdas as Missas celebrados na intenção dos Ter­
ceiros defuntos são sempre e por tôda parte privi­
legiadas.
CAPITULO QUINTO
Concessões
1.* Todos os Terceiros que motivo justo impedir
de ir à igreja para receber a Absolvição Geral, quando
designada para dia não feriado, podem recebê-la no
dia de festa de obrigação que cair na oitava dêsse dia
não feriado. (Rescrito da S. C. das Indulgências, de
16 de janeiro 1886);
2.° Os Terceiros podem receber a Absolvição Ge­
ral na véspera da festa, depois da sua confissão sa­
cramental (Decreto da S. C. das Indulgências, de 31
de julho de 1888);
3 * Os Terceiros moradores de localidades onde não
efltiver estabelecida a Fraternidade da Ordem Tercei­
ra, podem receber duas vêzes por ano, em vez da bên­
ção dada em nome do Soberano Pontífice,- a Absolvi­
ção ou Bênção com indulgência plenária (Decreto da
S. C. das Indulgências, de 31 de janeiro de 1893);
4* Os Terceiros doentes ou convalescentes que não
puderem, com comodidade, sair de suas casas, ganha­
rão, rezando cinco Padre-Nossos e cinco Ave-Marias
e rezando nas intenções do Soberano Pontífice, as
mesmas indulgências que ganhariam se visitassem em
pessoa a igreja da Ordem ou da Fraternidade (Breve
de 7 de setembro de 1901);
276 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

5.* Os mesmos Terceiros, doentes ou em convales­


cença, podem receber a Absolvição Geral, e mesmo
ganharem tôdas as indulgências plenárias concedi­
das em certos dias determinados, um dia qualquer
durante a oitava da festa à qual estiver ligada a Absol­
vição ou Indulgência plenária; eles devem todavia
cumprir as outras condições. (Rescrito da S. C. das
Indulgências, de 13 de agôsto de 1901);
6* Nas localidades onde não existirem nem igre­
jas franciscanas, nem capelas públicas da Ordem Ter­
ceira secular, nem outra igreja na qual esteja estabe­
lecida canônicamente a Fraternidade, podem os Ter­
ceiros ganhar tôdas as indulgências, tanto as que fo­
rem concedidas a todos os fiéis, visitando as igrejas
franciscanas, como as que são próprias à Ordem Ter­
ceira secular, com a única condição de visitarem a
igreja paroquial. (Decreto da S. C. das Indulgências,
de 31 de janeiro de 1893.)

Decreto
A Sagrada Congregação das Indulgências e das San­
tas Relíquias, usando de poderes a ela concedidos pelo
Nosso Santo Padre o Papa Leão XIII, verificou, apro­
vou e permitiu imprimir o presente Sumário de tôdas
as indulgências, de todos os privilégios, de tôdas as
concessões concedidas aos membros da Ordem Tercei­
ra secular de S. Francisco de Assis, Sumário que foi,
aliás, tirado e pela primeira vez dos documentos au­
tênticos.
Dado em Roma, na Secretaria da dita Congregação,
no dia 11 de setembro de 1901.
S. Cardeal Cretoni, Prefeito.
Pelo R. Pe. D. Francisco, Arcebispo de Amida,
Secretário. Lugar j* do sélo.
José-Maria Coselli, Substituto. (5)
5) Hoje em dia existe comunhão das Indulgências e Boas
Obras entre a 1/ Ordem (Franciscanos, Capuchinhos, Con-
ventuais), a 2.4 e a 3.", e longe iria enumerá-las aqui; estão
incluídas no “Manual da Ordem Terceira1*. (Edltôra Vozes
Ltda., 1942, 3 * edição oficial.)
APÊNDICE III
NOTICIA SUCINTA
SÔBRE A ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO
O que é a Ordem Terceira?
Em 1208, tinha S. Francisco de Assis fundado a
Ordem doB Irmãos Menores, que denominaram mais
tarde com o seu nome (latino: “Franciscus>‘) Fran-
ciscanos. Foi a sua “primeira'* Ordem. Em 1212 foi
S. Clara de Assis revestida por êle com a libré da po­
breza, tornando-se a mãe das "Damas Pobres” ou Cla­
rissas. Era a "segunda" Ordem de S. Francisco. Mas
estava dado o impulso. De tôda parte acudiam a se
alistar na milícia de um Santo, cuja simples aparên­
cia dava desejo de trabalhar para a salvação. Não que­
ria, entretanto, Francisco despovoar a sociedade! E
depois, tantas almas, retidas no mundo pelos seus de­
veres de estado, desejavam viver da vida do claustro!
Foi para estas almas, desejosas da perfeição cristã,
que Francisco fundou a sua "terceira" Ordem, a Or­
dem Terceira da Penitência. Todos aquêles que quise­
rem ser verdadeiros cristãos poderão fazer parte dela,
quer presos ou não ao estado do Matrimônio.
Qual a vantagem de se alistar na Ordem Terceira?
São as seguintes: 1/ Ela foi instituída por um San­
to que tinha recebido do Céu a missão de regenerar
o mundo e torná-lo cristão. E* o que a Igreja assegura
na oração da sua Festa. Ora, foi sobretudo pela Or­
dem Terceira que S. Francisco infiltrou o espírito cris­
tão nas multidões.
2." Pelos frutos se deve julgar a árvore, e, no tes­
temunho de muitos Soberanos Pontífices, a Ordem
Terceira foi para os séculos que seguiram a sua insti­
tuição, uma verdadeira regeneração social. E’ fato que
até hoje conta mais de 300 Santos ou bem-aventurados.
3.” Ela dá direito a uma proteção especial dos inú­
meros Santos das três Ordens de S. Francisco, e a
uma mais abundante participação aos frutos das ora-
278 ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA

ções, sacrifícios, penitências, trabalhos de tdda sorte


de cêrca de 42.000 Franciscanos da 1." Ordem, de mui­
tos milhares de Clarissas e de número incalculável
de Terceiros.
4.* Os Soberanos Pontífices convidam instantemen-
te os fiéis a entrarem nesta santa milícia. Leão XIII
recomenda entrar na Ordem Terceira em quatro Encí-
clicas endereçadas a tôda a Igreja.
5.” Hoje os homens se julgam cristãos, sem ter o
espírito de Jesus Cristo. Ora, a graça da Ordem Ter­
ceira dá coragem de viver como verdadeiro cristão,
de renunciar às máximas do mundo e aos seus costu­
mes anticristãos.
6.* Acrescentem-se a estes motivos os inúmeros pri­
vilégios, indulgências, etc., com que aprouve aos So­
beranos Pontífices enriquecer a Ordem Terceira dc
S. Francisco.
Quais.são as Obrigações da Regra da Ordem Terceira?
I. Todos os dias. — 1) Rezar doze Padre-Nossos,
Ave-Harias e Glória ao Padre, ou então o Ofício Pe­
queno da Santíssima Virgem, ou o Breviário. 2) In­
vocar a Deus antes e depois das refeições. 2) Fazer
todas as noites, o exame de consciência e pedir per­
dão a Deus. 4) Ouvir a Missa, “se fõr possível fazê-
lo cômodamente".
n. Todos os meses. — 1) Confessar-se e comungar.
2) Assistir à reunião da Fraternidade, quando se faz
parte dela. 3) Dar, segundo os meios, para os Tercei­
ros pobres e doentes, assim como para a capela onde
se fazem as reuniões.
III. Todos os anos. — 1) Jejuar no dia 3 de outu­
bro, vigília da festa do Santo Patriarca, e no dia 7
de dezembro, vigília da Imaculada Conceição. 2) Cum­
prir a satisfação imposta pelo Visitador da Fraterni­
dade pelas transgressões cometidas contra a Regra.
IV. Em todos os tempos. — 1) Usar o hábito da Or­
dem Terceira: escapulàrio e corda. 2) Observar, se­
gundo as promessas da Profissão, os mandamentos
de Deus e da Regra. 3) Evitar o luxo no vestuário e
a elegância mundana. 4) Fugir dos bailes, dos espe-
NOTÍCIA SUCINTA 27S

táculos perigosos, e de tôda assembléia onde o pudor


não fôr acatado. 5) Ser frugal nas bebidas e comidas.
6) Dar o bom exemplo na sua família. 7) Proibir-se,
e aos seus subordinados, a leitura dos maus livros e
jornais perigosos. 8) Entreter a paz e a caridade com
todos e apaziguar discórdias. 9) Não prestar juramen­
to, a menos de necessidade evidente. 10) Não usar
linguagem chula, chocarreira ou vil. 11) Nas Fraterni­
dades, aceitar os cargos com humildade e exercê-los
com zelo, 12) Em ocasião de morte de cada TerceL-
ro, assistir aos funerais, se fôr possível; rezar o ro­
sário e fazer a Comunhão ã intenção dêle.
V. Quando se puder. — Fazer o testamento, a fim
de evitar as preocupações no momento da morte e as
questões entre os herdeiros. ■
k

Observação importante
Na Regra da Ordem Terceira nada obriga "sob pe­
na de pecado”, mesmo venial, a não ser nos pontos em
que a Regra coincide com a lei divina. Quanto ao je­
jum c abstinência já se vê que os mesmos motivos
que dispensam de abstinência e jejum da Igreja, com
mais razão dispensam das penitências impostas pela
Regra.
Jesus Cristo' seja louvado! Para sempre! Amém!
índice
Advertência pelo Dr. Mesquita Pimentel S
Aprovação do Revmo. Pe. Geral doa Franciscanos 7
Prefácio do Autor 9
Prefácio do Cardeal Vaugham à edição inglesa 13
Introdução Gorai 19
PRIMEIRA FARTE. — Volta ao Fervor da Igreja
Primitiva............. ................... :...................... 27
Prólogo......................................................... 29
Cap. I. Espírito do afastamento do mundo 33
Cap. XI. Espirito de penitência ............... 37
Cap. HI. Espírito de fé esclarecida.......... 42
Cap. IV. Espírito de oração ..................... 51
Cap. V. Espírito de fôrça ................... . 55
Cap. VI. Espirito de caridade ................. 59
SEGUNDA FARTE. — Extensão da Vida Religio­
sa no Mundo ................................................... 65
Cap. I. Comunicação de graças a tôdas as situa-.
ções da vida......................................... ........... 67
Cap. H. Pobreza, castidade, obediência .... ........... 73
Cap. m. A vida em comum ................................ 79
Cap. IV. A perfeição do amor de Deus............... 84
Cap. V. O zelo pelas almas ................................ 90
Cap. VI. A Ordem Terceira é uma Ordem vertia-
deira . . . ...................................................... 97
TERCEIRA PARTE. — A Ordem Terceira e a Mv
çonaria . . . 101
Cap, I. Duas encíclicas célebres .......................... 103
Cap. n. A O. T. atrai os homens ao amor de Je­
sus Cristo .............. ................... ............... . 108
Cap. m. Amor da Ordem Seráfica por Jesus
Cristo......................................................... "... 113
Cap, IV. A O. T. atrai os homens ao amor da
Igreja.............................................................. 118
Cap. V. A O. T. atrai os homens à prática das
virtudes cristãs ...................... ...................... 123
Cap. VI. A O. T. e a liberdade ...................... 127
282 ÍNDICE

Cap. VII. A O. T. e os mandamentos de Deus ,.. 131


Cap, Vm. A O. T. produz a verdadeira igualdade 140
Cap. IX. A O. T. produz a verdadeira fraternidade 145
QUARTA PARTE. — As Obrigações da Ordem
Terceira....................................... 149
Cap. I. O. Ofício . . . ........................ 151
Cap. H. A Missa cotidiana ............... 156
Cap. UI. A Comunhão........................ -fe *- -■ 162
Cap. IV. Preparação para a Comunhão 167
Cap. V. A Confissão ....__........ 172
Cap. VI. O exame de consciência ...., 176
Cap. VH. O exame particular .......... 183
Cap. VHI. O que é preciso observar durante as
refeições . . . .......... ................. ................. 189
Cap. IX. O bom exemplo ...................... 195
Cap. X. Fazer bem tôdas as coisas ..................... 204
Cap. XI. O testamento.......................................... 212
Cap. XU. Prática exterior da caridade............... 216
Cap. Xm. Caridade para com os defuntos......... 219
Cap. XIV. O uso do escapulário e do cordão____ 224
Cap. XV. Assembléias mensais ........................... 230
Cap. XVI. Fidelidade no desempenho dos encargos 235
Cap. XVH. A visita canônica 241
Cap. XVUI. A oração mental 246
Conclusão............................. 253
Apêndices.......................................... 259
l. Constituição “Miserlcors Dei Filias” 261
n. Catálogo das indulgências e privilégios da O. T. 269
m. Notícia sucinta sobre a Ordem Terceira Fran-
ciscana 277

Você também pode gostar