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Sonia Leite
Livro: Rosset, C., Alegria: a força maior. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.
1
Publicado na Revista Psicologia Clínica – Clínica Psicanalítica e Laço Social, PUC-Rio, vol.14,
número 1,ano 2002
2
Lacan, J. - Mais ainda, Livro 20, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,1996.
3
Freud, S (1915) Sobre a transitoriedade, Imago Editora, Rio de Janeiro,1977.,
Revela-se, aqui, a importância da memória, do recordar, independentemente da
qualidade da lembrança ser notável ou alegre, pois é isto que dá provas, afirma a
efetividade da existência. Rememorar é, então, aquilo que tem, como marca, o
reconhecimento de tudo que é existente e renovável a cada lembrança.
Outro ponto importante do estudo em questão, diz respeito à análise da música,
situada como centro nervoso da filosofia nietzscheana e protótipo da experiência do
júbilo e da alegria. Isto é, Rosset destaca que a alegria de ser tem seu ponto
culminante, exatamente, na expressão musical, visto que o efeito melódico, no seu
ápice, é a própria expressão do sim ao mundo. Aqui, encontramos um importante
aspecto da filosofia de Nietzsche onde ser e parecer não se distinguem um do outro,
pois não há oposição entre superfície e profundidade, sendo a “ontologia” nietzscheana
a doutrina de um ser, inteiramente, presente em seu próprio parecer.
Por outro lado, Rosset vai nos mostrar que o fato de o dionisíaco ser a marca
fundamental, em Nietzsche, isto não exclui a experiência do conhecimento, ao
contrário, temos aqui a combinação mais paradoxal onde a embriaguez do ser
possibilita, simultaneamente, o mais intenso dos conhecimentos – a gaia ciência. Este
saber está pautado, sobretudo, na afirmação do caráter insensato de qualquer
realidade e, é por isso que podemos defini-lo como a ciência do contra-senso, da
insignificância, do caráter, portanto, paradoxal de tudo o que existe.
É por isso que a chamada moral, em Nietzsche aponta, em última instância, para
uma verdadeira reviravolta na moral tradicional, pois o chamado homem virtuoso é,
aqui, o homem da beautitude e do gozo que, por saber da dor e do sofrimento, enfim,
do trágico da existência, é capaz de afirmá-la até as suas últimas conseqüências.
Esta perspectiva põe, em cheque, toda uma tradição que sustenta um elo entre
gozo e culpa, constituindo-se numa verdadeira crítica do remorso. Este é pensado,
aqui, como incapacidade do saber-gozar, um verdadeiro vício (vitium=defeito, falha)
na possibilidade de afirmação da existência, cujo efeito é a passividade e a impotência
para a ação.
Viver implica na ação afirmativa da existência e isto resulta no que Nietzsche
denomina de aceitação do eterno retorno, revelador da verdade do desejo humano,
devendo, como tal, ser acolhido com favor e amor, pois o homem da beautitude e do
gozo é, também, do bis e do da capo, simplesmente, pelo fato de querer e tornar a
querer sem descanso o que ele tem e sente.
É por isso que a aceitação do eterno retorno é a marca mais indiscutível da
alegria, aos olhos de Nietzsche, pois ele faz voltar as melhores e as piores coisas,
sendo a forma da mais plena aquiescência e da paixão pelo sim, por excelência.
Finalizando, consideramos o trabalho em questão não, apenas, fundamental para
todo aquele que se interesse pela reflexão filosófica, mas também, para o âmbito da
psicanálise, ao possibilitar um importante eixo para pensarmos os caminhos e os
descaminhos na construção e nos desenlaces da experiência psicanalítica.