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Formas de proteção e concretização de Novos Direitos

Prof. Dr. Clóvis Eduardo Malinverni da Silveira


Disciplina de Novos Direitos Individuais e Coletivos
Universidade de Caxias do Sul

O discurso sobre os novos direitos é marcado por uma abordagem que


confere bastante importância à eficácia dos direitos e não apenas a sua existência
formal. Muitas vezes, não basta da consagração formal de direitos nas leis e nas
constituições se esses direitos não são, de fato, realizados.

Isso pode ocorrer porque as leis são vagas, imprecisas ou desprovidas de


sanções – muitas vezes são as sanções, negativas ou positivas, que constrangem ou
incentivam os indivíduos e instituições a agirem de modo a implementar de fato
direitos previstos em lei. A falta de eficácia também pode decorrer de más políticas
que, tecnicamente equivocadas, ilegítimas ou desprovidas de recursos humanos e
financeiros apropriados, não conseguem atingir os fins aos quais se propõem.

Diversos outros motivos – por exemplo, aqueles de ordem econômica,


política ou cultural, explicam a dificuldade em “implementar” direitos mesmo
quando, em tese, eles já foram “garantidos”, ou seja, instituídos formalmente.

Vimos que o estudo de novos direitos envolve não apenas novos direitos
no sentido material (os direitos propriamente ditos), mas também novos direitos
no sentido instrumental; ou seja, novas formas de assegurar direitos. Muitas vezes
um novo direito (ou mesmo um direito mais tradicional) é reconhecido
juridicamente, mas há uma dificuldade muito grande em torná-lo efetivo.

A concretização dos novos direitos é tarefa multifacetada. Primeiramente,


é uma tarefa dos cidadãos individualmente, na medida em que têm o dever legal
de agir de maneira a respeitar e proteger os direitos de terceiros, que dependem
de um exercício amplo da cidadania. Podem também ser promovidos por ações
privadas, seja mediante contrapartida ou por ação solidária ou filantrópica.
Ainda, é uma tarefa dos agentes públicos, por meio de políticas públicas,
programas e projetos, seja em uma perspectiva tradicional (governo apenas) ou
multicêntrica (vários atores privados, indivíduos e instituições, além do poder
público e em parceria com ele). Aqui entram as inovações em termos de políticas
públicas capazes de instituir e concretizar direitos (veja podcast sobre políticas
públicas e novos direitos).

Além das inovações em termos de políticas públicas, fazem parte do


processo histórico de afirmação dos novos direitos as inovações em termos de
gestão e, sobretudo, de processos decisórios de natureza administrativa, ou das
formas de atuação dos diversos órgãos ou entidades da administração direta e
indireta (IBAMA, FUNAI, PROCON, Conselhos tutelares, Agências reguladoras,
etc.).

Vale ressaltar que não apenas decisões judiciais ou administrativas


implementam direitos. O cumprimento das leis pelos cidadãos e pelas instituições
públicas e privadas é a maneira mais efetiva de concretizar direitos, bem como
possuem papel insubstituível as políticas públicas constituídas para essa finalidade.
Algumas políticas públicas costumam suscitar debates inflamados. A presença de
argumentos de natureza político ideológica nos debates sobre esses assuntos é
natural, e até certo ponto desejável. O mais importante é compreender esses
problemas de maneira técnica (tanto do ponto de vista jurídico como das ciências
sociais e naturais), avaliando as políticas públicas a partir do seu fundamento legal
e constitucional, da coerência dos valores e princípios que são pressupostos nessas
medidas, a efetividade ou capacidade de alcançar as finalidades às quais a política
se propõe.

Entretanto, quando os titulares de direitos têm seus direitos lesados, ou


sofrem ameaça de lesão, esses direitos podem ser implementados pela atividade
jurisdicional (jurisdição, em síntese, é atividade de “dizer o direito”, que cabe ao
Estado de Direito através do poder judiciário ou da jurisdição administrativa). Por
exemplo, o poder judiciário pode tomar decisões válidas em abstrato para todos
os casos, no caso das ações de controle de constitucionalidade concentrado,
realizado pelo Supremo Tribunal Federal via Ação Direta de Constitucionalidade
(ADI ou ADIN), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC ou ADECON) ou
Arguição de Descumprimento de preceito fundamental (ADPF), dentre outras; ou
pode tomar decisões incidentais, que surgem no contexto de uma disputa judicial
específica, de maneira que a decisão tomada não serve para todos, mas apenas
para as partes, naquele caso específico. Esse é o chamado controle de
constitucionalidade difuso. Às vezes o que está em jogo não é a interpretação da
constituição (objeto do controle de constitucionalidade), mas a interpretação das
leis e outros atos normativos pelos órgãos do poder judiciário, tendo como
intérprete superior o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Tem-se ainda todos os chamados writs constitucionais, como o habeas


corpus e habeas data, mandado de segurança individual e coletivo, mandado de
injunção e outros, que possuem longa tradição e previsão na Constituição
brasileira de 1988.

Compreendemos também no campo dos novos direitos, portanto, todas


aquelas inovações em matéria processual, voltadas a assegurar um amplo acesso à
justiça (não apenas no sentido de acesso ao poder judiciário, mas de acesso a
soluções efetivas para as demandas relacionadas ao exercício de direitos) aos
titulares de (novos) direitos. Exemplo disso foram a lei dos juizados especiais e o
novo Código de Processo Civil de 2015.

A inovação mais importante das últimas décadas foi, possivelmente, a


coletivização das demandas; ou seja, a criação e evolução de meios de defesa
judicial de direitos de ordem coletiva, ou transindividual (direitos difusos, coletivos
e individuais homogêneos). Destaca-se aqui a Lei da Ação Civil Pública (lei
7.347/1985) e a ampliação do escopo da Ação Popular (Lei 4.717/1965) no marco
da Constituição de 1988.

A tutela coletiva de direitos permitida por esse microssistema processual


(que inclui também dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto
da Criança e do Adolescente e várias outras legislações temáticas com previsão de
proteção coletiva) é extremamente importante, conferindo (ao menos em tese)
mais eficiência, mais agilidade e isonomia no tratamento de problemas de lesão a
direitos.

Além das ações coletivas, contribui muito para a democratização da justiça


a ampliação das formas de gratuidade do acesso à justiça. Ainda, possui
importância crescente o fenômeno da criação de métodos alternativos ao processo
judicial tradicional. Tanto os novos direitos de caráter individual quanto aqueles
transindividuais (difusos e coletivos) podem ser protegidos métodos alternativos
de solução de conflitos.
Os métodos alternativos como a mediação, a conciliação e arbitragem vêm
sendo desenvolvidos no Brasil a partir dos anos 1990. Apesar de encontrarem
muita resistência em uma cultura muito voltada ao litígio (como se apenas uma
sentença judicial pudesse resolver nossos problemas), esses métodos vêm
ganhando cada vez mais força, quer seja do ponto de vista da sua regulamentação
(uma vez que o novo Código de processo Civil de 2015 dá uma importância
bastante grande para esses mecanismos); quer seja do ponto de vista cultural,
porque a ideia de resolver os problemas de maneira autocompositiva tem ganho
muita força.

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