Você está na página 1de 2

Furão Fernandes - Entrevista

— Então… É você? — Eu perguntei à figura quase irreconhecível, obscurecida,


sentada na minha frente.
— Sim. E você é?
— Você não sabe? Achei que parte essencial do seu trabalho fosse saber. — Eu
disse confuso.
— Não. Não vejo nomes. — Ela parou por um momento, mas antes que eu pudesse
fazer qualquer outra pergunta continuou — Nem rostos. Eu só vejo marcas. Como alvos.
Eu só sigo ordens, esse é meu propósito.
— Entendo. Eu não sabia que era assim. — Peguei meu bloco de notas e fui
escrevendo — Nesse caso, eu acho que meu nome não é relevante. Me trate apenas
como entrevistador. Esse será o meu propósito, então.
— Como desejar — A voz dela era, na melhor descrição, morta. Não parecia ter
qualquer carga de emoção. Mal parecia se propagar pelo ar como quando as pessoas
falam. Se houvesse qualquer eco na sala dela, eu duvido que a voz o faria. — Quais
perguntas devo responder?
— Eu não sei se eu saberia como começar. É a primeira vez que estou na presença
de algo tão poderoso e absoluto. — Isso era mentira.
— Talvez você não seja tão bom no seu trabalho, então. E talvez eu devesse me
dedicar mais ao meu — Eu tinha certeza de que aquilo era algum tipo de piada para ela,
mas novamente, era indistinguível com seu tom de voz.
— Deixe-me começar com o básico. O que você é?
— Eu sou uma serva. De uma força maior, como deve saber a esse ponto. Eu sou
quem finaliza tudo. Não faço as decisões, eu sou só responsável pela ação.
— E como você é de verdade?
— Eu sou como você me vê. Pra você, quase invisível, porque não tenho mais
significado pra você. Tudo que devia ter sido, já foi. Para as outras pessoas, depende da
interpretação de cada uma. Algumas veem como uma bela mulher, com capacidade de
sedução sem igual. Alguns me veem como uma estrada, uma rota de saída. Alguns me
veem como um terror do qual devem fugir a qualquer custo. Esses, as vezes me veem
com uma foice. Eu gosto dessa ideia. Mas na verdade eu uso uma espada.
— Espada? — Mais uma vez eu estava surpreso. Embora não lembrasse, talvez eu
fosse uma das pessoas que a via com uma foice.
— Uma espada. É algo de família. Eu e meus irmãos usamos espadas.
— É verdade que você está em todo lugar? Sempre a espreita?
— Não. Só meu pai está em todo lugar. Mas eu sou muito rápida, como pode
perceber — Foi o momento em que me dei conta, que a imagem já quase imperceptível
dela se movia. Em frente a ela subia um brilho dourado amorfo. Provavelmente o último
trabalho.
— De fato, surpreendente. Você parece insuperável. Tem alguma forma de vencer
você? — Depois de minha pergunta houve um momento de silêncio. Não acredito que
tenha sido pelo conteúdo da pergunta, uma vez que a resposta, logo depois, não abordou
um modo tradicional de vitória. Então imagino que ela estava pensando em quais seriam
as palavras exatas para responder.
— Muitas pessoas chegaram a essa conclusão. O amor pode me vencer. — De
certa forma trabalhar a ideia parecia incômodo pra ela, como se no fim, o trabalho dela
fosse sempre incompleto, mas, como sempre, sua voz não transparecia qualquer
sentimento. — As coisas do plano material, ficam no plano material. Essas não são de
ninguém. As coisas do plano etéreo, retornam ao plano etéreo. Essas pertencem ao meu
pai. Eu faço a ponte. Separo o que é do plano material do que é do plano etéreo. Mas é
só isso. Quem você é, o que fez, os sentimentos que gerou nos outros, para o bem ou
para o mal, esses permanecem. Esses não se vão realmente. Seu pai, seus amigos, seu
afeto e outras pessoas de significância, do jeito que são para você, são intocadas pelo
meu trabalho.
— Isso parece certo. — Aquilo era muito apara assimilar. Haviam muitas perguntas
que eu estava me fazendo. Se eu havia vencido ela, se eu era imune ao trabalho dela ou
se eu havia sido derrotado pela espada. Quantas das pessoas que estavam ali foram de
fato completamente apagados da existência pela lâmina dela? Eram perguntas
perturbadoras, mas eu não podia me manter preso a elas. — Para terminar, eu gostaria
de saber, você alguma vez pensou em fazer algo diferente?
— Na verdade, não. Eu sou um soldado. Fui criada pra isso. Essas vontades são
para vocês. Eu só tenho propósito. E sigo. Sem sentimento, sem vontades, sem
ambições, somente o meu trabalho.
— Entendo. Obrigado pelo tempo e pelas respostas — Enquanto eu me levantava e
me retirava ela me chama.
— Minha pergunta para você. Você decidiu que a entrevista era seu propósito. Por
que? — Eu não tinha uma grande e elaborada resposta para a pergunta dela. Fiquei com
o mais simples que podia dizer.
— Com o tempo, nós mudamos de propósito. Fazemos coisas diferentes. E agora,
tudo que eu tenho é tempo, seu trabalho faz com que não se possa fazer nada a respeito.
Mas não quero só ver o tempo passar.

Você também pode gostar