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8 ESTÉTICA EM ORTODONTIA ARTIGO INÉDITO

© Dental Press Publishing | Rev Clín Ortod Dental Press. 2018 Dez-2019 Jan;17(6):8-15
Os conjuntos de partes e contrapartes do perfil facial
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Os conjuntos de partes e contrapartes do

Perfil Facial
Carlos Alexandre Câmara

INTRODUÇÃO no esclarecer e desvendar das variantes e nuances


que interferem na sua estética.
Olhando-se as nuances de um perfil, facilmente se
percebe quais são os seus componentes. Mesmo Saber identificar e perceber o peso que cada estru-
que a sua representação seja feita apenas por um tura irá imprimir sobre o todo facilitará a leitura e
risco, não é difícil identificar as suas partes. Dessa interpretação do conjunto. Relacionamentos e po-
forma, um perfil facial não precisa mais do que um sições irão formar pontos e ângulos que irão reve-
leve traço para que todas as suas estruturas sejam lar facilmente os acordos e desacordos entre cada
rapidamente identificadas. componente e com ele próprio.

Testa, nariz, lábios e mento são imediatamente Do ponto de vista ortodôntico, as estruturas que fa-
avistados. Cada um dos segmentos do perfil facial é zem parte dos terços médio e inferior, como nariz,
identificado com precisão e justeza. Juntas, as es- lábios e mento, têm um peso maior na avaliação
truturas se tornam as partes e contrapartes do do ortodontista. A possibilidade de interferir, direta
perfil facial. Entender a influência de cada parte ou indiretamente, nesse arcabouço proporciona e
e a sua respectiva contraparte é tarefa primordial credencia esse fato.

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Entre as partes e contrapartes, existem relaciona- contrapartes do perfil facial são fundamentais para
mentos entre si que causam influências e interfe- o trabalho e perícia de todo ortodontista, a saber:
rências que, dependendo de cada uma das partes,
causarão um efeito diferente para cada situação  Nariz – lábio superior (Fig. 1A e 1B).
específica. Isto é, mesmo que, em situações diferen-
tes, um ângulo formado por duas estruturas seja o  Lábio superior – lábio inferior (Fig. 2A e 2B).
mesmo, o efeito estético pode ser muito diferente.
 Lábio inferior – mento (Fig. 3A e 3B).
É por isso que a interpretação dos efeitos e da in-
fluência de cada parte e contraparte é tão impor-  Queixo – pescoço (Fig. 4A e 4B).
tante em um diagnóstico estético. Se, por vezes,
duas estruturas formam um relacionamento que Vale, aqui, uma observação: o conjunto testa – na-
resulta em linhas, que formam um determinado riz poderia fazer parte desse grupo e, na verdade,
ângulo, esse mesmo ângulo terá impacto estético o faz — sendo, então, o quinto elemento. Porém,
diferente dependendo de cada parte, que sofre a como a Ortodontia não tem a menor possibilidade
influência da sua contraparte. de atuação sobre ele, o seu estudo e avaliação não
serão abordados, deixando a farta literatura sobre
Não é necessário dizer que o estudo e a correta esse assunto fazer a sua parte.
interpretação das partes e contrapartes do perfil
facial são fundamentais e imprescindíveis quando
pensamos em fazer um correto diagnóstico estéti-
co ortodôntico. CONJUNTO NARIZ – LÁBIO SUPERIOR

Quanto maior o domínio do ortodontista sobre O ângulo formado pela base do nariz (Columella,  C)
esse assunto, mais apurada e precisa a sua diagno- com o contorno do lábio superior (Subnasale, Sn/

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se e melhor para as possibilidades dos resultados Labiale Superius, Ls) (Fig. 1A) é uma importante re-
do tratamento. ferência estética e qualquer alteração desse ângu-
lo terá repercussões na harmonia e no equilíbrio
Sendo assim, vale a pena conhecer e explorar esse do perfil facial. Pode-se considerar um ângulo de
assunto, sob pena de uma má interpretação levar 100 ± 10º (Fig. 1B) como uma medida razoável para o
a caminhos não desejados, com irreparáveis danos ângulo nasolabial1. Entretanto, mais importante do
ao perfil facial, que criarão máculas ao paciente e, que o número em si, é a correta interpretação dos
também, ao profissional. Em primeiro lugar, por- fatores envolvidos na formação desse ângulo.
que haverá danos estéticos e, em segundo pela
imprudência, que certamente irá contribuir para a É fácil entender que a linha da base do nariz pode
imperícia. Ambas as situações trazem efeitos nega- apontar para cima ou para baixo e, mesmo assim,
tivos à vida pessoal e, provavelmente, profissional. o ângulo nasolabial permanecer inalterado. Basta
haver uma compensação da parte labial para que
Pode-se dizer que o conhecimento e a interpreta- o ângulo seja mantido. No entanto, se, na pers-
ção das relações dos quatro conjuntos de partes e pectiva matemática, não há diferença se o nariz é

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“arrebitado” ou “caído”; do ponto de vista estético, horizontal verdadeiro seja avaliado em separado
isso traz uma enorme e considerável imprecisão. com o ângulo formado pela tangente do lábio su-
Nariz com a ponta para baixo costuma ser visto perior e o plano horizontal verdadeiro. Esse proce-
com desconfiança; já quando a ponta está para dimento é positivo pois avalia a parte e contraparte
cima, predispõe a uma melhor avaliação. Por isso, de forma independente. O ângulo do componente
o melhor é separar o ângulo nasolabial em par- superior costuma ficar entre 10º e 20º, sendo que
tes (componente superior e inferior), utilizando as mulheres apresentam valores maiores do que
uma linha horizontal verdadeira através do ponto os homens, justificado pela maior tendência que
Subnasal (Sn). Essa manobra permitirá que o ân- elas têm de apresentar o nariz mais “arrebitado”
gulo referente à tangente da columela e o plano (do ponto de vista morfológico).

C
Sn
Ls

A B

Figura 1: (A) Parte e contraparte nariz - lábio superior. Pontos: Subnasale (Sn); Columella (C); Labiale superius (Ls).
(B) Ângulo nasolabial (100 ± 10º)1.

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CONJUNTO 125º, sendo obtido entre as linhas dos contornos


LÁBIO SUPERIOR – LÁBIO INFERIOR labiais (Ponto B’, B’/Labiale inferius, Li / Labiale su-
perius, Ls / Ponto A’, A’) (Fig. 2A e 2B).
A relação anteroposterior ideal entre lábios é de
um “quase” alinhamento exato. Só não o é por-
que o lábio superior se posiciona um pouco mais
para anterior, em relação ao inferior. Melhor di- CONJUNTO MENTO – LÁBIO INFERIOR
zendo, passando-se uma linha vertical verdadeira
que tangencie o lábio superior, esse deve ficar um O conjunto mento – lábio inferior se situa na man-
pouco à frente do inferior. Essa é a relação ideal díbula. Parte e contraparte ocupam lugar na mes-
no indivíduo ortognata, no qual grandes com- ma estrutura, o maxilar inferior. A relação entre o
pensações dentárias não são esperadas. O ângu- mento e o lábio inferior é uma importante referên-
lo ideal formado entre os lábios (interlabial) é de 2
cia estética, que tem forte influência no equilíbrio

A’
Ls Carlos Alexandre Câmara
Li
B’

A B

Figura 2: (A) Parte e contraparte lábio superior – lábio inferior. Pontos: Ponto A’; Labiale superius (Ls); Ponto B’; Labiale
inferius (Li). (B) Ângulo interlabial (125º)2.

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e harmonia do perfil facial. Esse conjunto, quando com contornos bem definidos, junto com um lábio
bem balanceado costuma imprimir uma agradável inferior bem posicionado e assentado, valoriza e
atratividade aos indivíduos. embeleza uma face. Como a maioria dos ângulos
que envolvem dois componentes faciais, é interes-
A medida ideal do ângulo mentolabial (Labiale infe- sante que se divida em duas partes: superior (lábio
rius, Li/ Ponto B’, B’/ Pogonion, Pg’) (Fig. 3A) costuma inferior) e inferior (mento). O valor médio da parte
se situar nas imediações de 125º a 130º (Fig. 3B),
3,4
superior3 fica em torno de 50 ± 15º.
mas pode variar bastante. Mais uma vez, é bom
lembrar que a medida em si não diz muita coisa. Caso haja um defeito, irregularidade ou deficiência
O importante é como se comporta cada estrutura. no mento ou lábio inferior, um ângulo mentolabial
Mento e lábio inferior, cada um exerce uma impor- ideal pode não representar algo importante. Repe-
tante função na agradabilidade do perfil. Um men- tindo, o importante é o equilíbrio e harmonia da
to bem desenhado, equilibrado verticalmente e parte e contraparte, e não o ângulo em si.

Ls
B’

Pg’

A B

Figura 3: (A) Parte e contraparte lábio inferior – mento. Pontos: Labiale inferius (Li); Ponto B’; Pogonion (Pg’). (B) Ângulo
mentolabial (125º-130º)3,4.

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CONJUNTO SUBMENTO – CERVICAL Todavia, a linha submento – cervical, como o


(QUEIXO PESCOÇO) próprio nome já indica, não está sozinha. A sua
contraparte, o pescoço, é quem credencia o seu
A linha ou plano submento – cervical é o elo entre a destaque. A relação entre queixo e pescoço é um
face e o pescoço. Inicia-se no ponto Menton (Me) e dos elementos fundamentais da estética facial.
termina no ponto Cervical (C) (Fig. 4A) ou vice-versa. O  vínculo que essas duas estruturas guardam
Tendo como limite posterior o pescoço, ela deter- entre si é recheado de informações e referências.
mina o comprimento mandibular clínico.
Marcado pelo ponto C (o ponto localizado na in-
O tamanho da linha queixo – pescoço pode ser ava- terseção das linhas da região anterior do pes-
liado por números (57 ± 6 mm) , por nomes (curta,
5
coço e do submento), o ângulo formado entre o
média ou longa) ou por “dedos” (três, quatro ou cin- queixo e o pescoço dará muitas pistas e parâme-
co). O importante, aqui, é perceber a importância tros de diagnóstico.
clínica que essa informação está passando.

Carlos Alexandre Câmara


C Me’

A B

Figura 4: (A) Parte e contraparte mento – pescoço. Pontos: Cervical (C); Menton (Me’). (B) Ângulo submento - cervical
(105º-120º)3.

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O ângulo “ideal” entre o queixo e o pescoço3 deve REFERÊNCIAS:

se situar entre 105 e 120º (Fig. 4B). Porém, mais uma


1. McNamara JA Jr. A method of cephalometric evaluation.
vez, mais importante do que um valor isolado, são os Am J Orthod. 1984 Dec;86(6):449-69.
valores fracionados. Isto é, passando uma linha ver- 2. Nguyen DD, Turley PK. Changes in the Caucasian male
tical verdadeira e dividindo os planos, chega-se aos facial profile as depicted in fashion magazines during the
twentieth century. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1998
valores individualizados. O ângulo entre o plano Aug;114(2):208-17.

submento e a linha horizontal verdadeira deve ser 3. Farkas LG. Anthropometry of the Head and Face. 2nd ed.
New York: Raven Press; 1994.
reto, e entre o plano cervical ficar entre 15 e 30º.
4. Lines PA, Lines RR, Lines CA. Profilemetrics and facial
Em outras palavras, quanto mais paralela for a li- esthetics. Am J Orthod. 1978 June;73(6):648-57.
nha submento – cervical à linha horizontal verda- 5. Worms FW, Isaacson RJ, Speidel TM. Surgical orthodontic
treatment planning: profile analysis and mandibular
deira, melhor. Também, quanto mais paralela for a surgery. Angle Orthod. 1976 Jan;46(1):1-25.
linha do pescoço com a linha vertical verdadeira,
mais favorável para a estética de perfil. Medidas
diferentes do ideal irão indicar onde está o desar-
ranjo (Fig. 4A e 4B).

Carlos Alexandre Câmara


Como citar: Câmara CA. Os conjuntos de partes e contrapartes do perfil facial. Rev Clín Ortod
Dental Press. 2018 Dez-2019 Jan;17(6):8-15.
• Ortodontista, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro/RJ).

• Autor do livro “Estética em Ortodontia: um sorriso para cada face”.


Enviado em: 09/10/18 - Revisado e aceito: 27/10/18
• Editor emérito da Revista Clínica de Ortodontia Dental Press.
DOI: https://doi.org/10.14436/​1676-6849.17.6.008-015.est
• Ex-presidente do Colégio dos Diplomados do Board Brasileiro de
Ortodontia e Ortopedia Facial.
Endereço para correspondência: Carlos Alexandre Câmara
E-mail: carlosalexandrecamara@gmail.com • Clínica privada (Natal/RN, Brasil).

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