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Revista Dia-Logos, v. 12, n. 2, p. 118-131, jul.-dez.

2018

A “SEXTA EXTINÇÃO” E SUAS RELAÇÕES COM O


CONCEITO DE BIODIVERSIDADE: UMA ANÁLISE HISTÓRICA

THE “SIXTH EXTINCTION” AND ITS RELATIONS WITH


THE BIODIVERSITY CONCEPT: A HISTORICAL ANALYSIS

LA “SEXTA EXTINCIÓN” Y SUS RELACIONES CON EL


CONCEPTO DE BIODIVERSIDAD: UN ANÁLISIS HISTÓRICO

Douglas de Araújo Ramos Braga1


Resumo

Nas últimas décadas, cada vez mais cientistas têm chamado atenção para o fato de o planeta
estar passando por um processo de “Sexta Extinção”, ou seja, um sexto período de extinção em
massa de espécies. O principal agente causal desse processo é o próprio ser humano, intervindo
de variadas formas na natureza. O presente artigo visa discutir como essa ideia da “Sexta
Extinção” se desenvolveu intimamente associada à emergência histórica do conceito de
biodiversidade, especialmente a partir dos anos 1980. Não é nossa intenção esgotar o assunto,
mas indicar como a noção de que vivemos uma perda de diversidade biológica sem precedentes,
devida em grande parte à ação humana, possui uma historicidade.

Palavras-chave: Sexta Extinção; biodiversidade; história da biologia.

Abstract

In recent decades, more and more scientists have called attention to the fact that the planet is
going through a process of “Sixth Extinction”, that is, a sixth period of mass extinction of
species. The main causal agent of this process is the human being himself, intervening in
various ways in nature. This article aims to discuss how this idea of “Sixth Extinction”
developed intimately associated with the historical emergence of the concept of biodiversity,
especially since the 1980s. It is not our intention to exhaust the subject, but to indicate how the
notion that we live a loss of unprecedented biological diversity, due in large measure to human
action, has a historicity.

Keywords: Sixth Extinction; biodiversity; history of biology.

Resumen

En las últimas décadas, cada vez más científicos han llamado la atención sobre el hecho de que
el planeta está pasando por un proceso de “Sexta Extinción”, es decir, un sexto período de
extinción masiva de especies. El principal agente causal de este proceso es el propio ser
humano, que interviene de diversas maneras en la naturaleza. Este artículo pretende discutir
cómo esta idea de “Sexta Extinción” se desarrolló íntimamente asociada con el surgimiento
histórico del concepto de biodiversidad, especialmente desde la década de 1980. No es nuestra
1
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (UnB).

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intención agotar el tema, sino indicar cómo la noción de que vivimos la pérdida de una
diversidad biológica sin precedentes, debida en gran medida a la acción humana, tiene una
historicidad.

Palabras clave: Sexta Extinción; biodiversidad; historia de la biologia.

Introdução

Nas últimas décadas, cada vez mais cientistas têm apontado para o fato de que
estamos vivendo um período de extinção em massa de espécies. Contudo,
diferentemente dos outros cinco períodos em que houve eventos de extinção massiva,
nos quais os agentes causais eram de ordem natural, o principal agente responsável pelo
atual processo é o ser humano. O crescimento demográfico e a exploração cada vez
maior da natureza têm provocado uma série de impactos, dentre os quais a perda da
diversidade biológica a nível global. Daí autores batizarem este processo como a “Sexta
Extinção”.
O presente artigo tem como objetivo propor uma discussão histórica sobre as
relações entre esta ideia de “Sexta Extinção” e o conceito de biodiversidade. Não
pretendemos esgotar o assunto, mas demonstrar, a partir de análise da literatura, como
esta percepção de que o planeta passa por uma sexta extinção em massa de espécies
surgiu intimamente atrelada à emergência histórica do conceito de biodiversidade.
Para atingir este objetivo, analisaremos autores que têm trabalhado com a
importância da preservação da diversidade biológica e das formas como o ser humano
tem atuado para a redução acelerada dela. Boa parte destes autores aqui abordados é
ligada à disciplina da Biologia da Conservação, que surgiu junto ao desenvolvimento do
conceito de biodiversidade. Assim, procuraremos deixar claro que a manutenção da
diversidade da vida no planeta tem uma dimensão humana e ética, pois, apesar de serem
agentes de destruição, somente os seres humanos podem atuar para reduzir os
problemas ambientais causados por eles mesmos.

A emergência histórica do conceito de biodiversidade

O conceito de biodiversidade possui uma historicidade, tendo uma origem


recente. Como destaca José Luiz Franco (2013, p. 22), ele foi idealizado por Walter G.
Rosen, do National Research Council/National Academy of Sciences (NRC/NAS), em

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1985, enquanto planejava a realização de um fórum sobre a diversidade biológica. Este


fórum ocorreu em 1986, na cidade de Washington, com o nome de National Forum on
BioDiversity (Fórum Nacional sobre BioDiversidade). As questões centrais no fórum
eram a preocupação com a destruição de habitats e com a extinção acelerada de
espécies. Naquele contexto, o interesse pelo conhecimento da diversidade da vida e as
preocupações com a sua conservação, tanto entre cientistas quanto em outras parcelas
da sociedade, tomavam impulso. Em 1985 foi fundada a Society for Conservation
Biology (SCB), e em 1987 foi publicado o primeiro número da revista Conservation
Biology, que se tornou o principal veículo de divulgação científica e debate sobre
questões relacionadas com a biodiversidade.
Os resultados do fórum foram publicados em 1988, na primeira publicação que
traz o termo “biodiversidade”, destacado em seu título: Biodiversity. Nesta publicação,
uma coletânea de artigos de pesquisadores do fórum, seu organizador, o biólogo
Edward O. Wilson (1997, p. 3), já alertava sobre estarmos “presos numa corrida” pela
preservação da diversidade biológica. O autor chamava a atenção para o fato de que,
embora não houvesse uma estimativa precisa do número de espécies se extinguindo nas
florestas tropicais ou outros habitats principais, pela simples razão de não se conhecer
os números de espécies originalmente presentes, não havia dúvida de que a extinção
estava seguindo em ritmo muito mais rápido do que antes de 1800 (WILSON, 1997, p.
13).
Na mesma coletânea, o ecólogo Norman Myers2 já apontava a centralidade do
ser humano como causador de um processo de extinções em massa, argumentando que:

Há forte evidência de que nos encontramos nos estágios iniciais de um


espasmo de extinção. Isto é, estamos testemunhando um episódio de
extinção em massa, no sentido de um declínio mundial, repentino e
prolongado, na abundância e na diversidade de diversos grupos
ecológicos de organismos. [...] É claro que a extinção tem sido um dos
fatos da vida desde a emergência das espécies há quase quatro bilhões
de anos. [...] se as extinções do passado ocorreram em virtude de
processos naturais, no presente a causa exclusiva é o Homo sapiens,
que elimina habitats inteiros e comunidades completas de organismos
de maneira ultra rápida. Tudo está acontecendo num piscar de olhos
evolucionário (MYERS, 1997, p. 36).

2
José Luiz Franco (2013, p. 23) indica que, em 1979, Myers havia publicado o livro The Sinking Ark: A
New Look at the Problem of Disappearing Species. Neste livro, o autor alertava para o fato de que a taxa
de extinção de espécies estava muito acima do que seria esperado no desenrolar do processo evolutivo.
Assim, tratava-se de uma crise global de extinção de espécies, sendo que a grande causa eram os seres
humanos, e não uma catástrofe natural.

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Embora ações para salvar as espécies de extinção, especialmente as mais


carismáticas, não fossem novas, houve uma ressignificação do entendimento acerca da
diversidade biológica nos anos 1980.3 Portanto,

O National Forum on BioDiversity e o livro Biodiversity [...] foram


um ponto de convergência para a reflexão sobre o conhecimento
acumulado durante anos de pesquisas a respeito da diversidade
biológica e de práticas voltadas para a conservação dela. O conceito
de biodiversidade e o consenso entre cientistas e ativistas sobre a
urgência em evitar que a biodiversidade continuasse a ser destruída
pelos excessos da espécie humana conduziram a um deslocamento na
maneira de enfocar a questão da conservação da natureza. De uma
preocupação com a preservação da wilderness, com suas paisagens
sublimes e com a fauna e flora carismáticas, aos poucos, houve uma
transição para a noção de conservação da biodiversidade (FRANCO,
2013, p. 24-25).

Como destacam Primack e Rodrigues (2001, p. 10), a diversidade biológica pode


ser, então, considerada a partir de três níveis: primeiramente, a diversidade no nível das
espécies, que inclui toda a gama de organismos da Terra, desde as bactérias e protistas
até reinos multicelulares de plantas, animais e fungos; no nível da variação genética
entre as espécies, tanto entre populações geograficamente separadas quanto entre
indivíduos de uma mesma população; e no nível da variação entre as comunidades
biológicas nas quais as espécies vivem, os ecossistemas nos quais as comunidades se
encontram e as interações entre esses níveis. Os autores apontam que a maior ameaça à
diversidade biológica é a perda de habitat; por isso, a maneira mais importante de
proteger essa diversidade é a proteção dos habitats (PRIMACK; RODRIGUES, 2001, p.
85).
Assim, de acordo com Wilson (1994, p. 335), os estudos de biodiversidade são
os estudos sistemáticos de toda a gama de diversidade orgânica e de origem dessa
diversidade, juntamente com os métodos pelos quais ela possa ser preservada e usada
em benefício da humanidade. Esses estudos estão intimamente ligados ao
evolucionismo. Mayr (2005, p. 170) destaca que evolução não é uma mudança na
frequência de genes, como é comum se afirmar, mas uma mudança de fenótipos, em

3
Franco (2013, p. 25) ressalta que esse deslocamento não se deu repentinamente. Ele já vinha ocorrendo
desde a “grande síntese” dos anos 1930 e 1940, momento em que se confirmaram as teorias de Charles
Darwin sobre a evolução das espécies e a seleção natural. A partir daquele momento, o papel do processo
evolutivo no surgimento e extinção de espécies e o próprio conceito de espécie foram se tornando mais
claros. Mayr (2005, p. 141) também argumenta que essa síntese dos anos 1940 tratou primordialmente do
problema de como e por que surgem novas espécies, questão ligada à origem e significado da
biodiversidade.

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particular a manutenção (ou a melhoria) da adaptação e a origem da diversidade.


Mudanças na frequência de genes são o resultado de tal evolução, não sua causa.4
Um marco importante para o desenvolvimento do conceito de biodiversidade foi
o Encontro da Terra, realizado em junho de 1992, no Rio de Janeiro. Conhecida
oficialmente como a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações
Unidas (UNCED), o evento reuniu representantes de 178 países, sendo mais de cem
chefes de Estado, além de líderes das Nações Unidas e as maiores Organizações Não-
Governamentais de conservação. O objetivo da conferência foi discutir formas de
combinar maior proteção ao meio ambiente com um desenvolvimento econômico mais
efetivo em países menos ricos. Dentre os principais documentos resultantes do evento,
consta a “Convenção sobre Biodiversidade”, que possui três objetivos: a proteção da
diversidade biológica; seu uso sustentável; uma divisão equitativa dos benefícios
provenientes de novos produtos manufaturados a partir de espécies silvestres e
cultivadas (PRIMACK; RODRIGUES, 2001, p. 289-290).
Dessa preocupação com a crise da biodiversidade nasceu a disciplina da
Biologia da Conservação. Segundo Primack e Rodrigues (2001, p. 2-5), esta disciplina
reúne pessoas e conhecimentos de diversas áreas, tendo dois objetivos principais:
primeiro, entender os efeitos da atividade humana nas espécies, comunidades e
ecossistemas; e, segundo, desenvolver abordagens práticas para prevenir a extinção de
espécies e, se possível, reintegrar as espécies ameaçadas ao seu ecossistema funcional.
Como aponta Michael Soulé5 (1986, p. 3-4), disciplinas não são construções
lógicas, mas resultados de associações e interesses sociais e bastante humanos. O autor
cita, assim, antecedentes que teriam tornado possível o surgimento da Biologia da
Conservação, dentre os quais: as pesquisas em ecologia comunitária e biogeografia de
ilhas dos anos 1960 e 1970;6 a separação de disciplinas e departamentos em diferentes

4
Nesta mesma linha de raciocínio, Edward O. Wilson (1994, p. 61) afirma que a origem da maior parte
da diversidade biológica é, em suma, um subproduto da evolução.
5
Soulé é destacado por José Luiz Franco (2013, p. 36) como o grande arquiteto da Biologia da
Conservação, tendo reunido, ao longo dos anos 1980, em uma série de eventos e publicações, os
principais cientistas envolvidos com as questões relacionadas à conservação da diversidade biológica.
6
Primack e Rodrigues (2001, p. 79) indicam que os estudos sobre comunidades de ilhas têm levado ao
desenvolvimento de princípios gerais sobre a distribuição da diversidade biológica, como o modelo de
biogeografia de ilhas, desenvolvido por MacArthur e Wilson. A relação espécies-áreas é parte importante
deste modelo, assumindo o princípio geral que ilhas grandes têm mais espécies que ilhas pequenas. David
Quammen (1997, p. 52-54) aponta algumas dicotomias que afetam a riqueza biológica de uma ilha: sua
antiguidade; seu tamanho; e se sua origem é continental ou oceânica. Estes aspectos podem afetar
também a quantidade de espécies endêmicas presentes. O autor compara duas ilhas, Madagascar e Bali,
como exemplo: a distância de Madagascar em relação ao continente, sua maior antiguidade e maior área
favorecem a especiação e manutenção do endemismo (com espécies presentes apenas ali).

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campos relativos à Biologia; a expansão do movimento ambientalista; a percepção da


existência de uma crise de extinção; e a liderança de determinados indivíduos e agências
de pesquisa. Soulé (1986, p. 6-10) define a Biologia da Conservação como uma
disciplina de crise, envolvida em dilemas éticos, para a qual os riscos de não agir podem
ser maiores do que os riscos de uma ação inapropriada, amparada em dados
insuficientes; e como uma disciplina da escassez, já que o biólogo da conservação é
chamado quando um ecossistema, habitat, espécie ou população está sujeito a algum
tipo de limitação artificial, geralmente uma redução de espaço ou quantitativa.
A ideia da Biologia da Conservação como uma disciplina de crise também é
enfatizada por Jared Diamond (1986, p. 501). Este autor indica que o objeto da
disciplina é a resolução de problemas, sob a pressão de prazos e orçamentos curtos. Os
pesquisadores acabam tendo que fazer recomendações com base no conhecimento que
possuem, ainda que seja inadequado. O biólogo da conservação, geralmente, opera com
comunidades de centenas ou milhares de espécies, muitas das quais se desconhecem as
distribuições, histórias de vida e necessidades. Além disso, opera também com
orçamentos e prazos mínimos, impostos por projetos de desenvolvimento que podem
provocar consequências irreversíveis.
Edward O. Wilson adota uma metáfora para abordar o senso de crise que
envolve a disciplina, argumentando que

Como a extinção é para sempre, as espécies raras são o ponto focal da


biologia conservacionista. Os especialistas desta jovem disciplina
científica realizam seus estudos com o mesmo senso de urgência que
os médicos de um pronto-socorro. Eles buscam diagnósticos e
procedimentos rápidos que possam prolongar a vida das espécies até
que um trabalho regenerativo mais diligente seja possível (WILSON,
1994, p. 245).

Também neste sentido, Orians e Soulé (2001, p. 2-4) caracterizam a Biologia da


Conservação como uma disciplina normativa, ou seja, como uma ciência que é
empregada visando a um objetivo ético, a manutenção da biodiversidade da Terra. É
nesta direção que ela procura fornecer conceitos científicos e informações que
informem ações de conservação.
Em outro artigo, Soulé e Orians (2001, p. 280) chamam os cientistas à ação, para
que se organizem e façam lobby para educar políticos e tomadores de decisão sobre os
méritos de medidas de conservação informadas cientificamente e os custos de não agir

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neste sentido. Formar um consenso em torno das prioridades de pesquisa seria um


degrau importante dentro de um processo sociopolítico que é extremamente complexo,
no qual interferem múltiplas agendas e diferentes motivações. Sem que os tomadores de
decisões sejam educados sobre os benefícios das políticas ambientais, e desenvolvam
uma apreciação dos valores éticos, espirituais, filosóficos, físicos e econômicos da
natureza, eles irão continuar apoiando programas danosos à natureza e à sociedade.
Embora o comportamento humano seja a maior ameaça à preservação da
biodiversidade, somente as pessoas podem atuar para reduzir estas ameaças. É o que os
autores chamam de “dimensão humana” da crise da biodiversidade.7
A importância dos valores éticos e sua articulação com medidas concretas são
apontadas também por Arne Naess (1986, p. 510-511). O autor ressalta que é fácil
concordar que a riqueza e diversidade da vida na Terra tem um valor intrínseco,8 que
merece ser preservada por si só, independentemente de outros determinantes (como as
motivações econômicas). Entretanto, seria necessário articular juízos e premissas
básicas sobre o valor da natureza com decisões práticas. Para Naess, cientistas e
especialistas deveriam aprofundar seus argumentos e apresentar as discussões
ambientais dentro do mais compreensivo quadro de referência em termos de tempo e
espaço – em termos de milhões de anos de evolução e das interações globais. Assim,
iluminariam um problema que enfrenta adversários poderosos, tais como forças
políticas, sociais e econômicas, além das atitudes e estilos de vida dos indivíduos
forçados a assumir um estilo de vida consumista. Dessa forma, assume postura
semelhante à do biólogo Edward O. Wilson, para quem

Os problemas ambientais são intrinsecamente éticos. Exigem uma


visão que se estenda simultaneamente para os futuros próximo e
distante. O que é bom para os indivíduos e sociedades neste momento
pode facilmente transformar-se em desencanto daqui a dez anos, e o
que parece ideal para as décadas seguintes poderá arruinar gerações
futuras. Escolher o que é melhor a curto e a longo prazo não é uma
tarefa fácil, parecendo às vezes contraditória e exigindo
conhecimentos e códigos éticos que ainda estão em sua maior parte
por escrever (WILSON, 1994, p. 335).

7
Como aponta Wison (1994, p. 293), o sucesso demográfico humano trouxe ao mundo a crise da
biodiversidade. Nossa espécie se apropria de 20% a 40% da energia solar capturada em tecidos orgânicos
pelas plantas terrestres. Não há como utilizar os recursos do planeta nesse nível sem reduzir drasticamente
as condições de sobrevivência da maioria das outras espécies.
8
Wilson (1994, p. 331-332) destaca que cada espécie é parte de um ecossistema, uma especialista perita.
Eliminá-la é provocar mudanças em outras espécies, correndo o risco de colocar todo o conjunto maior
numa espiral descendente. Se fôssemos desmontando um ecossistema aos poucos, retirando uma espécie
por vez, um resultado geral seria praticamente certo: em algum ponto, o ecossistema entraria em colapso.

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Ainda hoje, um problema central para a Biologia da Conservação é a falta de


conhecimento sobre as espécies existentes no planeta. Em livro recente, publicado
originalmente em 2013, Wilson chama a atenção para essa questão e para possíveis
soluções:

O poço ainda profundo da ignorância sobre a biodiversidade é um


problema não apenas para especialistas, mas para todas as pessoas.
Como vamos administrar o planeta e mantê-lo sustentável sabendo
pouco sobre ele? [...] Em 2003, sugeri o que em retrospecto parece ser
a solução óbvia: a criação de uma Enciclopédia da Vida on-line, que
incluiria fotografias digitalizadas, de alta resolução, de espécimes de
referência, com toda informação sobre cada espécie, atualizada
continuamente. [...] No momento em que escrevo, mais da metade das
espécies conhecidas da Terra foram incorporadas (WILSON, 2018, p.
13-14).

A emergência do conceito de biodiversidade e, por conseguinte, da disciplina da


Biologia da Conservação, se deram, assim, em um contexto de ampla preocupação com
a perda da diversidade biológica. Ao longo dos anos 1980 e 1990, a literatura passou a
dar destaque à ideia de que o planeta estava entrando em um novo processo de extinção
global de espécies, cujo principal responsável era o ser humano. Neste sentido, tornou-
se cada vez mais comum se falar em um processo de “Sexta Extinção”.

A “Sexta Extinção”: a atuação humana e a perda da diversidade biológica

Inicialmente, vale notar que, assim como o conceito de biodiversidade, o


conceito de extinção também possui uma historicidade. Elizabeth Kolbert (2015, p. 32-
100) aborda esta questão, argumentando que, no Iluminismo, a visão preponderante era
de que todas as espécies estavam ligadas a uma imensa e indestrutível “cadeia de seres”.
A ideia de extinção só surgiu na França revolucionária graças às análises de fósseis
feitas por Georges Cuvier. O pesquisador francês acreditava que, como os animais eram
unidades funcionais, idealmente adequados às próprias circunstâncias, não havia razão
para que desaparecessem no curso ordinário dos eventos. A única explicação possível
seria a ocorrência de múltiplos cataclismos. Esta perspectiva “catastrofista”, termo
cunhado em 1832 por William Nehwell, era compartilhado por outros cientistas do
século XIX. Contra ela havia a posição “gradualista”, defendida pelo geólogo Charles
Lyell, para quem as evidências fósseis indicavam que a extinção ocorreria em ritmos

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lentos, tão lentos que poderia passar despercebida. O próprio Charles Darwin
argumentava que se a extinção é causada pela seleção natural, os dois processos devem
ocorrer mais ou menos no mesmo ritmo, ou seja, gradualmente. Contudo, como Kolbert
(2015, p. 101-119) indica, neste ponto a teoria de Darwin foi diretamente contrariada
pelos fatos; embora a extinção seja um processo natural, catástrofes podem acontecer e
ocasionar processos de extinção em massa. Haveria, assim, longos períodos de tédio
interrompidos pelo pânico ocasional. No entanto, cada período de extinções em massa
pode ter causas diferentes, daí ser inviável haver uma teoria geral acerca dessas
extinções.
Entre as décadas de 1980 e 1990, Edward O. Wilson já se debruçava sobre esse
aspecto. O biólogo aponta que o planeta passou por cinco catástrofes de extinção nos
últimos quinhentos milhões de anos. A vida foi depauperada em cinco grandes eventos
e, em menor grau, em diversos outros episódios em todo o mundo. Depois de cada
declínio, voltou a recuperar pelo menos o seu nível original de diversidade. Entretanto,
essa recuperação de cada uma das cinco grandes extinções exigiu dezenas de milhões de
anos. Assim, o autor faz um alerta, afirmando que

Esses números deveriam fazer pensar melhor aqueles que acreditam


que aquilo que o Homo Sapiens destrói a Natureza há de redimir.
Talvez, mas não num intervalo de tempo que tenha algum significado
para a humanidade atual. [...] Apresentarei provas de que a
humanidade iniciou o sexto grande espasmo de extinção, lançando
para a eternidade em uma única geração uma grande parcela de nossas
espécies contemporâneas. Finalmente, argumentarei que qualquer
pequena migalha de diversidade biológica é inestimável, e deve ser
conhecida e acalentada. Não podemos renunciar a ela sem luta
(WILSON, 1994, p. 41-42).

O mesmo autor apresentou a estimativa pela qual, sendo o mais otimista


possível, o número de espécies condenadas a cada ano é 27 mil. A cada dia
desaparecem 74 espécies, uma média de três por hora. Segundo seus cálculos,

Se as espécies do passado perduraram por algo em torno de um milhão


de anos na ausência de interferência humana (uma cifra comum para
alguns grupos documentados no registro fóssil), segue-se que a taxa
de extinção ‘de fundo’ é cerca de uma espécie a cada um milhão de
espécies por ano. A atividade humana aumentou a extinção em mil e
dez mil vezes além desse nível nas florestas tropicais apenas pela
redução da sua área. Claramente estamos vivendo um dos grandes
espasmos de extinção da história geológica (WILSON, 1994, p. 302).

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Primack e Rodrigues (2001, p. 36-37) apontam que o aumento da diversidade de


espécies na Terra tem sido caracterizado por períodos de altas taxas de especiação,
seguidos de períodos de mudança mínima e episódios de extinção em massa. A
extinção, tanto quanto a especiação, é parte do ciclo natural, e ocorre mesmo na
ausência de um distúrbio violento. A preocupação se dá, assim, em relação às taxas
relativas de extinção e especiação. Nos períodos geológicos passados, a perda de
espécies esteve equilibrada ou pouco abaixo da evolução de novas espécies. Contudo, as
atividades humanas estão causando extinção em proporção que excede, em muito, a taxa
de reposição das espécies. A perda destas que está ocorrendo no presente, assim, não
tem precedentes. É neste sentido que os autores também consideram que estamos no
início de um sexto episódio de extinções em massa, onde as populações humanas
eliminaram as espécies através da perda de habitat e colheita exagerada.
Seguindo esta perspectiva, Orians e Soulé (2001, p. 3) afirmam que, ao longo do
tempo, as taxas de especiação excederam as taxas de extinção, sendo que o resultado
disso é que a biota atual da Terra deve ser mais rica do que jamais fora. Entretanto, o
aumento geral da riqueza de espécies no planeta ao longo do tempo evolucionário tem
sido pontuado por um pequeno número de episódios maiores de extinção, e um maior
número de episódios menores de extinção, após cada qual a diversidade da vida
retornou ao seu curso após milhões de anos. Atualmente, a ação humana seria um fator
central a aumentar as taxas de extinção.
Desta forma, Primack e Rodrigues (2001, p. 74-82) destacam que, embora a
extinção em si seja um processo natural, mais de 99% das atuais extinções de espécies
podem ser atribuídas à atividade humana.9 As maiores ameaças à diversidade biológica
que resultam dessa atividade são: destruição; fragmentação; degradação do habitat
(incluindo poluição); superexploração das espécies para uso humano; introdução de
espécies exóticas; e aumento de ocorrência de doenças.
Soulé e Orians (2001, p. 279) também abordam a importância dos cientistas
definirem prioridades de pesquisa a fim de fornecerem conhecimentos para instituições
públicas e privadas direcionarem os investimentos para salvar a natureza, durante o
atual sexto episódio de extinção em massa causado pelos seres humanos. No primeiro

9
Elizabeth Kolbert (2015, p. 110-119) indica que, ao longo dos anos, diversos nomes foram sugeridos
para a nova era que os seres humanos instauraram. Uma delas é a palavra “Antropoceno”, de autoria do
químico holandês Paul Crutzen, ou seja, uma era geológica dominada pelo homem.

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fórum sobre Biodiversidade, em 1986, Paul Ehrlich alertava de forma pessimista para as
consequências das ações humanas, questionando

O que acontecerá, então, se a atual dizimação de diversidade orgânica


continuar? As colheitas das plantações serão mais difíceis de se
manter em razão de fatores como mudança climática, erosão do solo,
perda de reservatórios de água seguros, declínio de polinizadores e
ataques cada vez mais sérios de pestes. A conversão de terra produtiva
em terra devastada se acelerará; os desertos continuarão em sua
inexorável expansão. A poluição do ar aumentará e os climas locais
ficarão mais severos. [...] À medida que os serviços dos ecossistemas
começarem a falhar, a mortalidade de doenças epidêmicas e
respiratórias, os desastres naturais e especialmente a fome diminuirão
as expectativas de vida a um ponto no qual o câncer (basicamente uma
doença de gente mais velha) não será mais importante. A humanidade
trará para si mesma consequências tristemente parecidas com as de um
inverno nuclear (EHRLICH, 1997, p. 32).

Entre os diversos exemplos trazidos em seu livro sobre o impacto das ações
humanos sobre a biodiversidade, Kolbert (2015, p. 203-226) ressalta como uma das
características centrais do “Antropoceno”10 a “bagunça” que ele causou nos princípios
de distribuição geográfica. Por um lado, rodovias, desmatamentos e plantações criam
ilhas que antes não existiam; por outro lado, o comércio global e as viagens globais
negam até mesmo às ilhas mais remotas o seu distanciamento. Assim, o processo de
remixagem da flora e da fauna mundiais, que começou lentamente, junto às estradas no
início da migração humana, tem acelerado nas décadas recentes a ponto de, em algumas
partes do mundo, plantas não nativas superarem as nativas em quantidade. Embora na
maioria dos casos a espécie invasora não sobreviva, em outros não só ela sobrevive,
como se estabelece e se expande. Daí os biólogos utilizarem o termo “Nova Pangeia”
para se referirem a este fenômeno: ao transportarmos espécies entre continentes,
estamos reunindo o mundo num único e imenso continente, com sérias consequências
para a biodiversidade, com um declínio da diversidade global.

10
Como a autora também argumenta, hoje parece cada vez mais seguro afirmar que o ser humano teve
um papel central na extinção da megafauna em tempos “pré-históricos”. Assim, embora haja autores que
considerem que o Antropoceno começou com a Revolução Industrial ou com o crescimento demográfico
após a Segunda Guerra Mundial, a extinção da megafauna sugere outra perspectiva. Antes de os humanos
surgirem e se expandirem, ser uma criatura grande e de reprodução lenta era uma vantagem evolutiva, e
os animais enormes dominavam o planeta. Então, no que foi apenas um instante geológico, essa estratégia
tornou-se a fórmula para a derrota. E assim permanece até hoje, o que coloca em ameaça animais como
elefantes, ursos e grandes felinos. Neste sentido, não existem evidências de que, algum dia, o homem
tenha vivido em harmonia com a natureza (KOLBERT, 2015, p. 240-245).

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Assim, Kolbert (2015, p. 10-11) também aponta para os impactos das atividades
humanas na natureza. A população humana tem conseguido se reproduzir e aumentar
numa escala sem precedentes. Várias florestas são destruídas. Organismos são
deslocados de um continente para o outro, reorganizando a biosfera. A composição da
atmosfera tem sido alterada, o que modifica o clima e a química dos oceanos. Algumas
plantas e animais se adaptam e se deslocam para outro lugar; porém, uma imensa
quantidade de espécies se vê ilhada. Os níveis de extinção, assim, disparam. A autora
conclui, então, que

Nenhuma criatura alterou a vida no planeta dessa forma, mas, ainda


assim, já ocorreram eventos comparáveis. Muito, mas muito de vez
em quando, no passado remoto, o planeta sofreu mudanças tão
violentas que a diversidade da vida despencou de repente. Cinco
desses antigos eventos tiveram um impacto catastrófico o suficiente
para merecer uma única categoria: as Cinco Grandes Extinções. No
que parece ser uma coincidência fantástica, mas que provavelmente
não é coincidência alguma, a história desses eventos é recuperada bem
na hora em que as pessoas começam a perceber que estão provocando
mais um. Embora ainda seja demasiado cedo para saber se atingirá as
proporções dos anteriores, esse novo evento fica conhecido como a
Sexta Extinção (KOLBERT, 2015, p. 11).

Conclusão

Podemos concluir que cada vez mais a literatura especializada vem apontando
para a ocorrência de um processo de Sexta Extinção em massa de espécies. A perda da
diversidade biológica em escala planetária tem ocorrido de forma acelerada, estando
diretamente associada às atividades humanas. Embora a extinção faça parte do ciclo
natural, e outros períodos pontuais de extinção massiva já tenham ocorrido, atualmente
o ser humano desponta como o principal agente responsável pela perda da diversidade
da vida na Terra.
Como pudemos perceber, esta percepção surgiu intimamente associada à
emergência histórica do conceito de biodiversidade e o conseguinte desenvolvimento da
disciplina da Biologia da Conservação. O atual processo de extinções tem, sobretudo,
uma dimensão humana: a preocupação com a perda acelerada da diversidade biológica,
relacionada à ação dos seres humanos, vem levando cientistas e pesquisadores de
diversas áreas do conhecimento a se reunirem e buscarem esforços conjuntos em prol da
minoração desse problema.

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Além disso, além da dimensão humana, a crise da biodiversidade apresenta


também uma dimensão ética. Cada espécie é única e tem um valor em si mesma,
merecendo ser protegida; a extinção de uma espécie pode causar desequilíbrios em um
determinado ecossistema. A “Sexta Extinção” que está ocorrendo exige, assim, que
olhemos para as gerações futuras, levando em conta os impactos ambientais de nossa
ação sobre a natureza em longo prazo.

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