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2018
Nas últimas décadas, cada vez mais cientistas têm chamado atenção para o fato de o planeta
estar passando por um processo de “Sexta Extinção”, ou seja, um sexto período de extinção em
massa de espécies. O principal agente causal desse processo é o próprio ser humano, intervindo
de variadas formas na natureza. O presente artigo visa discutir como essa ideia da “Sexta
Extinção” se desenvolveu intimamente associada à emergência histórica do conceito de
biodiversidade, especialmente a partir dos anos 1980. Não é nossa intenção esgotar o assunto,
mas indicar como a noção de que vivemos uma perda de diversidade biológica sem precedentes,
devida em grande parte à ação humana, possui uma historicidade.
Abstract
In recent decades, more and more scientists have called attention to the fact that the planet is
going through a process of “Sixth Extinction”, that is, a sixth period of mass extinction of
species. The main causal agent of this process is the human being himself, intervening in
various ways in nature. This article aims to discuss how this idea of “Sixth Extinction”
developed intimately associated with the historical emergence of the concept of biodiversity,
especially since the 1980s. It is not our intention to exhaust the subject, but to indicate how the
notion that we live a loss of unprecedented biological diversity, due in large measure to human
action, has a historicity.
Resumen
En las últimas décadas, cada vez más científicos han llamado la atención sobre el hecho de que
el planeta está pasando por un proceso de “Sexta Extinción”, es decir, un sexto período de
extinción masiva de especies. El principal agente causal de este proceso es el propio ser
humano, que interviene de diversas maneras en la naturaleza. Este artículo pretende discutir
cómo esta idea de “Sexta Extinción” se desarrolló íntimamente asociada con el surgimiento
histórico del concepto de biodiversidad, especialmente desde la década de 1980. No es nuestra
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Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (UnB).
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intención agotar el tema, sino indicar cómo la noción de que vivimos la pérdida de una
diversidad biológica sin precedentes, debida en gran medida a la acción humana, tiene una
historicidad.
Introdução
Nas últimas décadas, cada vez mais cientistas têm apontado para o fato de que
estamos vivendo um período de extinção em massa de espécies. Contudo,
diferentemente dos outros cinco períodos em que houve eventos de extinção massiva,
nos quais os agentes causais eram de ordem natural, o principal agente responsável pelo
atual processo é o ser humano. O crescimento demográfico e a exploração cada vez
maior da natureza têm provocado uma série de impactos, dentre os quais a perda da
diversidade biológica a nível global. Daí autores batizarem este processo como a “Sexta
Extinção”.
O presente artigo tem como objetivo propor uma discussão histórica sobre as
relações entre esta ideia de “Sexta Extinção” e o conceito de biodiversidade. Não
pretendemos esgotar o assunto, mas demonstrar, a partir de análise da literatura, como
esta percepção de que o planeta passa por uma sexta extinção em massa de espécies
surgiu intimamente atrelada à emergência histórica do conceito de biodiversidade.
Para atingir este objetivo, analisaremos autores que têm trabalhado com a
importância da preservação da diversidade biológica e das formas como o ser humano
tem atuado para a redução acelerada dela. Boa parte destes autores aqui abordados é
ligada à disciplina da Biologia da Conservação, que surgiu junto ao desenvolvimento do
conceito de biodiversidade. Assim, procuraremos deixar claro que a manutenção da
diversidade da vida no planeta tem uma dimensão humana e ética, pois, apesar de serem
agentes de destruição, somente os seres humanos podem atuar para reduzir os
problemas ambientais causados por eles mesmos.
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José Luiz Franco (2013, p. 23) indica que, em 1979, Myers havia publicado o livro The Sinking Ark: A
New Look at the Problem of Disappearing Species. Neste livro, o autor alertava para o fato de que a taxa
de extinção de espécies estava muito acima do que seria esperado no desenrolar do processo evolutivo.
Assim, tratava-se de uma crise global de extinção de espécies, sendo que a grande causa eram os seres
humanos, e não uma catástrofe natural.
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Franco (2013, p. 25) ressalta que esse deslocamento não se deu repentinamente. Ele já vinha ocorrendo
desde a “grande síntese” dos anos 1930 e 1940, momento em que se confirmaram as teorias de Charles
Darwin sobre a evolução das espécies e a seleção natural. A partir daquele momento, o papel do processo
evolutivo no surgimento e extinção de espécies e o próprio conceito de espécie foram se tornando mais
claros. Mayr (2005, p. 141) também argumenta que essa síntese dos anos 1940 tratou primordialmente do
problema de como e por que surgem novas espécies, questão ligada à origem e significado da
biodiversidade.
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Nesta mesma linha de raciocínio, Edward O. Wilson (1994, p. 61) afirma que a origem da maior parte
da diversidade biológica é, em suma, um subproduto da evolução.
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Soulé é destacado por José Luiz Franco (2013, p. 36) como o grande arquiteto da Biologia da
Conservação, tendo reunido, ao longo dos anos 1980, em uma série de eventos e publicações, os
principais cientistas envolvidos com as questões relacionadas à conservação da diversidade biológica.
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Primack e Rodrigues (2001, p. 79) indicam que os estudos sobre comunidades de ilhas têm levado ao
desenvolvimento de princípios gerais sobre a distribuição da diversidade biológica, como o modelo de
biogeografia de ilhas, desenvolvido por MacArthur e Wilson. A relação espécies-áreas é parte importante
deste modelo, assumindo o princípio geral que ilhas grandes têm mais espécies que ilhas pequenas. David
Quammen (1997, p. 52-54) aponta algumas dicotomias que afetam a riqueza biológica de uma ilha: sua
antiguidade; seu tamanho; e se sua origem é continental ou oceânica. Estes aspectos podem afetar
também a quantidade de espécies endêmicas presentes. O autor compara duas ilhas, Madagascar e Bali,
como exemplo: a distância de Madagascar em relação ao continente, sua maior antiguidade e maior área
favorecem a especiação e manutenção do endemismo (com espécies presentes apenas ali).
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Como aponta Wison (1994, p. 293), o sucesso demográfico humano trouxe ao mundo a crise da
biodiversidade. Nossa espécie se apropria de 20% a 40% da energia solar capturada em tecidos orgânicos
pelas plantas terrestres. Não há como utilizar os recursos do planeta nesse nível sem reduzir drasticamente
as condições de sobrevivência da maioria das outras espécies.
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Wilson (1994, p. 331-332) destaca que cada espécie é parte de um ecossistema, uma especialista perita.
Eliminá-la é provocar mudanças em outras espécies, correndo o risco de colocar todo o conjunto maior
numa espiral descendente. Se fôssemos desmontando um ecossistema aos poucos, retirando uma espécie
por vez, um resultado geral seria praticamente certo: em algum ponto, o ecossistema entraria em colapso.
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lentos, tão lentos que poderia passar despercebida. O próprio Charles Darwin
argumentava que se a extinção é causada pela seleção natural, os dois processos devem
ocorrer mais ou menos no mesmo ritmo, ou seja, gradualmente. Contudo, como Kolbert
(2015, p. 101-119) indica, neste ponto a teoria de Darwin foi diretamente contrariada
pelos fatos; embora a extinção seja um processo natural, catástrofes podem acontecer e
ocasionar processos de extinção em massa. Haveria, assim, longos períodos de tédio
interrompidos pelo pânico ocasional. No entanto, cada período de extinções em massa
pode ter causas diferentes, daí ser inviável haver uma teoria geral acerca dessas
extinções.
Entre as décadas de 1980 e 1990, Edward O. Wilson já se debruçava sobre esse
aspecto. O biólogo aponta que o planeta passou por cinco catástrofes de extinção nos
últimos quinhentos milhões de anos. A vida foi depauperada em cinco grandes eventos
e, em menor grau, em diversos outros episódios em todo o mundo. Depois de cada
declínio, voltou a recuperar pelo menos o seu nível original de diversidade. Entretanto,
essa recuperação de cada uma das cinco grandes extinções exigiu dezenas de milhões de
anos. Assim, o autor faz um alerta, afirmando que
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Elizabeth Kolbert (2015, p. 110-119) indica que, ao longo dos anos, diversos nomes foram sugeridos
para a nova era que os seres humanos instauraram. Uma delas é a palavra “Antropoceno”, de autoria do
químico holandês Paul Crutzen, ou seja, uma era geológica dominada pelo homem.
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fórum sobre Biodiversidade, em 1986, Paul Ehrlich alertava de forma pessimista para as
consequências das ações humanas, questionando
Entre os diversos exemplos trazidos em seu livro sobre o impacto das ações
humanos sobre a biodiversidade, Kolbert (2015, p. 203-226) ressalta como uma das
características centrais do “Antropoceno”10 a “bagunça” que ele causou nos princípios
de distribuição geográfica. Por um lado, rodovias, desmatamentos e plantações criam
ilhas que antes não existiam; por outro lado, o comércio global e as viagens globais
negam até mesmo às ilhas mais remotas o seu distanciamento. Assim, o processo de
remixagem da flora e da fauna mundiais, que começou lentamente, junto às estradas no
início da migração humana, tem acelerado nas décadas recentes a ponto de, em algumas
partes do mundo, plantas não nativas superarem as nativas em quantidade. Embora na
maioria dos casos a espécie invasora não sobreviva, em outros não só ela sobrevive,
como se estabelece e se expande. Daí os biólogos utilizarem o termo “Nova Pangeia”
para se referirem a este fenômeno: ao transportarmos espécies entre continentes,
estamos reunindo o mundo num único e imenso continente, com sérias consequências
para a biodiversidade, com um declínio da diversidade global.
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Como a autora também argumenta, hoje parece cada vez mais seguro afirmar que o ser humano teve
um papel central na extinção da megafauna em tempos “pré-históricos”. Assim, embora haja autores que
considerem que o Antropoceno começou com a Revolução Industrial ou com o crescimento demográfico
após a Segunda Guerra Mundial, a extinção da megafauna sugere outra perspectiva. Antes de os humanos
surgirem e se expandirem, ser uma criatura grande e de reprodução lenta era uma vantagem evolutiva, e
os animais enormes dominavam o planeta. Então, no que foi apenas um instante geológico, essa estratégia
tornou-se a fórmula para a derrota. E assim permanece até hoje, o que coloca em ameaça animais como
elefantes, ursos e grandes felinos. Neste sentido, não existem evidências de que, algum dia, o homem
tenha vivido em harmonia com a natureza (KOLBERT, 2015, p. 240-245).
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Assim, Kolbert (2015, p. 10-11) também aponta para os impactos das atividades
humanas na natureza. A população humana tem conseguido se reproduzir e aumentar
numa escala sem precedentes. Várias florestas são destruídas. Organismos são
deslocados de um continente para o outro, reorganizando a biosfera. A composição da
atmosfera tem sido alterada, o que modifica o clima e a química dos oceanos. Algumas
plantas e animais se adaptam e se deslocam para outro lugar; porém, uma imensa
quantidade de espécies se vê ilhada. Os níveis de extinção, assim, disparam. A autora
conclui, então, que
Conclusão
Podemos concluir que cada vez mais a literatura especializada vem apontando
para a ocorrência de um processo de Sexta Extinção em massa de espécies. A perda da
diversidade biológica em escala planetária tem ocorrido de forma acelerada, estando
diretamente associada às atividades humanas. Embora a extinção faça parte do ciclo
natural, e outros períodos pontuais de extinção massiva já tenham ocorrido, atualmente
o ser humano desponta como o principal agente responsável pela perda da diversidade
da vida na Terra.
Como pudemos perceber, esta percepção surgiu intimamente associada à
emergência histórica do conceito de biodiversidade e o conseguinte desenvolvimento da
disciplina da Biologia da Conservação. O atual processo de extinções tem, sobretudo,
uma dimensão humana: a preocupação com a perda acelerada da diversidade biológica,
relacionada à ação dos seres humanos, vem levando cientistas e pesquisadores de
diversas áreas do conhecimento a se reunirem e buscarem esforços conjuntos em prol da
minoração desse problema.
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