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Pode um planeta ter sua própria mente?

Redação do Site Inovação Tecnológica - 18/02/2022

Experimento mental junta teoria científica e questões mais amplas sobre como a vida
altera um planeta, para postular quatro estágios para descrever o passado e possível
futuro da Terra.
[Imagem: Michael Osadciw/Universidade de Rochester]

Gaia consciente

Está na hora de dar um upgrade na hipótese Gaia, indo um passo além e arguindo
consciência para um planeta repleto de vida.

Esta é a ideia apresentada agora por Adam Frank (Universidade de Rochester), David
Grinspoon e Sara Walker (Universidade do Estado do Arizona).

A hipótese Gaia, de autoria do professor James Lovelock, vem sendo a referência


fundamental para explicar como a vida persistiu na Terra apesar do dinamismo do
planeta. Ela propõe que a biosfera interage fortemente com os sistemas geológicos não-
vivos de ar, água e terra para manter o estado habitável da Terra.
Considere, por exemplo, as plantas: As plantas "inventaram" uma maneira de fazer
fotossíntese para aumentar sua própria sobrevivência, mas, ao fazê-lo, elas liberaram
oxigênio, que mudou tudo no nosso planeta. Este é apenas um exemplo de formas de
vida individuais realizando suas próprias tarefas, mas tendo coletivamente um impacto
em escala planetária.

Mas o que o trio está propondo agora vai além: Se a atividade coletiva da vida -
conhecida como biosfera - pode mudar o mundo, será que a atividade coletiva da
cognição e a ação baseada nessa cognição também podem mudar um planeta? Uma vez
que a biosfera evoluiu, a Terra ganhou vida própria; se um planeta com vida tem vida
própria, ele também pode ter mente própria?

E não é apenas especulação: Naquilo que eles chamam "experimento de pensamento",


os pesquisadores combinam a compreensão científica atual sobre a Terra com questões
mais amplas sobre como a vida altera um planeta.

Eles usam o que chamam de "inteligência planetária" - a ideia de uma atividade


cognitiva operando em escala planetária - para levantar novas ideias sobre as maneiras
pelas quais os humanos podem lidar com questões globais, como as mudanças
climáticas.

Cada camada dos sistemas planetários acoplados constitui sua própria rede de interações
químicas e físicas.
[Imagem: Adam Frank et al. - 10.1017/S147355042100029X]
Homem a serviço do planeta

O trio começa fundamentando seu experimento mental citando os estudos recentes de


biologia que demonstraram como as raízes das árvores em uma floresta se conectam
através de redes subterrâneas de fungos, conhecidas como redes micorrízicas.

Se uma parte da floresta precisa de nutrientes, as outras partes enviam às porções


estressadas os nutrientes de que precisam para sobreviver, através da rede micorrízica.
Dessa forma, a floresta mantém sua própria viabilidade.

Mas tem também o homem.

No momento, nossa civilização é o que os pesquisadores chamam de "tecnosfera


imatura", um conglomerado de sistemas e tecnologias produzidas por humanos que
afeta diretamente o planeta, mas não é autossustentável.

Por exemplo, a maior parte do nosso uso de energia envolve o consumo de combustíveis
fósseis, que degradam os oceanos e a atmosfera da Terra. A tecnologia e a energia que
consumimos para sobreviver estão afetando o planeta, o que, por sua vez, pode ameaçar
nossa espécie.

Seria razoável então que, para sobreviver como espécie, precisamos trabalhar
coletivamente no melhor interesse do planeta. "Mas ainda não temos a capacidade de
responder comunitariamente pelos melhores interesses do planeta. Há inteligência na
Terra, mas não há inteligência planetária," disse Frank.

A esperança está no "ainda" expresso por Frank: Pode ser que estejamos em um
processo evolutivo, e apenas "ainda" não tenhamos chegado lá. E, agora que sabemos
que a evolução biológica não é aleatória como os cientistas pensavam, e dada a
capacidade do homem de tomar ações pensadas, talvez possamos acelerar isto.
Quatro domínios possíveis da inteligência planetária.
[Imagem: Adam Frank et al. - 10.1017/S147355042100029X]

 Teoria radical explica origem, evolução e natureza da vida

Rumo à inteligência planetária

Os pesquisadores postulam quatro estágios do passado e possível futuro da Terra para


ilustrar como a inteligência planetária pode desempenhar um papel no futuro de longo
prazo da humanidade. Eles também mostram como esses estágios de evolução
impulsionados pela inteligência planetária podem ser uma característica de qualquer
planeta da galáxia que evolua a vida e uma civilização tecnológica sustentável.

 Estágio 1 - Biosfera imatura: Característica da Terra muito primitiva, bilhões


de anos atrás e antes de uma espécie tecnológica, quando os micróbios estavam
presentes, mas a vegetação ainda não havia surgido. Havia poucas
realimentações globais porque a vida não podia exercer forças sobre a atmosfera,
hidrosfera e outros sistemas planetários.
 Estágio 2 - Biosfera madura: Característica da Terra também antes de uma
espécie tecnológica, de cerca de 2,5 bilhões a 540 milhões de anos atrás.
Continentes estáveis se formaram, a vegetação e a fotossíntese se
desenvolveram, o oxigênio se acumulou na atmosfera e a camada de ozônio
emergiu. A biosfera exerceu uma forte influência sobre a Terra, talvez ajudando
a manter a habitabilidade da Terra.
 Estágio 3 - Tecnosfera imatura: Característica da Terra atual, com sistemas
interligados de comunicação, transporte, tecnologia, eletricidade e
computadores. Contudo, a tecnosfera ainda é imatura, porque não está integrada
a outros sistemas da Terra, como a atmosfera. Em vez disso, ele extrai matéria e
energia dos sistemas da Terra de maneiras que levarão o todo a um novo estado
que provavelmente não inclui a própria tecnosfera. Nossa tecnosfera atual está, a
longo prazo, trabalhando contra si mesma.
 Estágio 4 - Tecnosfera madura: Onde a Terra deve almejar estar no futuro,
com sistemas tecnológicos implementados que beneficiam todo o planeta,
incluindo a coleta global de energia em formas como a solar, que não
prejudicam a biosfera. A tecnosfera madura é aquela que co-evoluiu com a
biosfera para uma forma que permite que a tecnosfera e a biosfera prosperem.

"Os planetas evoluem através de estágios imaturos e maduros, e a inteligência planetária


é indicativa de quando você chega a um planeta maduro," disse Frank. "A questão de
um milhão de dólares é descobrir como é a inteligência planetária e o que ela significa
para nós na prática, porque ainda não sabemos como avançar para uma tecnosfera
madura."

Representação esquemática da evolução de sistemas planetários acoplados em termos de


graus de inteligência planetária.
[Imagem: Adam Frank et al. - 10.1017/S147355042100029X]

Complexidade da inteligência planetária

Embora ainda não saibamos especificamente como a inteligência planetária pode se


manifestar, os pesquisadores observam que uma tecnosfera madura envolve a integração
de sistemas tecnológicos com a Terra por meio de uma rede de ciclos de realimentação
que compõem um sistema complexo.
Um sistema complexo é qualquer coisa construída a partir de partes menores que
interagem entre si de tal forma que o comportamento geral do sistema é inteiramente
dependente da interação. Ou seja, o todo é mais do que a soma de suas partes. Exemplos
de sistemas complexos incluem florestas, a internet, os mercados financeiros e o cérebro
humano.

Por sua própria natureza, um sistema complexo tem propriedades inteiramente novas,
que emergem quando peças individuais estão interagindo. É difícil discernir a
personalidade de um ser humano, por exemplo, examinando apenas os neurônios em seu
cérebro.

Isso significa que é difícil prever exatamente quais propriedades podem emergir quando
indivíduos formam uma inteligência planetária. No entanto, um sistema complexo,
como uma inteligência planetária, terá, segundo os pesquisadores, duas características
definidoras: Ela terá um comportamento emergente e precisará ser autossustentável.

"A biosfera descobriu como hospedar a vida por si mesma bilhões de anos atrás criando
sistemas para movimentar nitrogênio e transportar carbono," disse Frank. "Agora temos
que descobrir como ter o mesmo tipo de características de automanutenção com a
tecnosfera."

Bibliografia:

Artigo: Intelligence as a planetary scale process


Autores: Adam Frank, David Grinspsoon, Sara Walker
Revista: International Journal of Astrobiology
DOI: 10.1017/S147355042100029X

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