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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE


INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

Ariana Machado de Camargo

Defeitos Congênitos e Exposição a Agrotóxicos no


Brasil

Rio de Janeiro
2010
Ariana Machado de Camargo

Defeitos Congênitos e Exposição a Agrotóxicos no


Brasil

Dissertação de Mestrado apresentada


ao Programa de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva da UFRJ, como
requisito à obtenção do Título de
Mestre em Saúde Coletiva.

Orientador: Professor Dr. Armando Meyer

Rio de Janeiro
2010
C172 Camargo, Ariana Machado de.
Defeitos congênitos e exposição a agrotóxicos no Brasil/
Ariana Machado de Camargo. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto
de Estudos em Saúde Coletiva, 2010.
63 f.: il.; 30cm.

Orientador: Armando Meyer.

Dissertação (Mestrado) - UFRJ/Instituto de Estudos em


Saúde Coletiva, 2010.

Referências: f. 57-61.

1. Praguicidas. 2. Mortalidade infantil. 3. Anormalidades


congênitas. I. Meyer, Armando. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. III.
Título.

CDD 632.95
ii

Ariana Machado de Camargo

Defeitos Congênitos e Exposição a Agrotóxicos no


Brasil

Dissertação de Mestrado apresentada


ao Programa de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva da UFRJ, como
requisito à obtenção do Título de
Mestre em Saúde Coletiva.

Aprovada em

_____________________________________________
Prof. Dr. Armando Meyer, IESC – UFRJ.

_____________________________________________
Prof. Dra. Katia Regina de Barros Sanchez, IESC – UFRJ.

_____________________________________________
Prof. Dra. Gina Torres Rego Monteiro, ENSP – FIOCRUZ.
iii

Agradecimentos

À Coordenação do IESC representada pelos colegas Ivisson e Diego,


sempre solícitos e colaboradores.
Ao meu orientador, Professor Dr. Armando Meyer, pela perseverança e
paciência na minha orientação.
Aos professores Volney Câmara e Carmem Fróes, pelas sugestões no
desenvolvimento deste trabalho.
À amiga, Juliana, por dividir seus conhecimentos, pelo incentivo e
orientação durante todo o tempo em que trabalhamos juntas.
Aos meus pais, Valéria e Sérgio, que com seu apoio, amor e dedicação me
ajudaram a cumprir mais esta etapa da vida.
Aos meus irmãos, Natália e Daniel, pela amizade, por todo o amor e pelas
eternas palavras de apoio.
Ao meu marido, Leonardo, que mesmo em tão pouco tempo de vida em
comum, foi meu porto seguro nos momentos de falta de fé e minha força
para seguir adiante. Agradeço pela amizade, pela paciência, por ser meu
maior incentivador e exemplo a seguir.
iv

CAMARGO, Ariana Machado de. Defeitos congênitos e exposição a


agrotóxicos no Brasil. 2010. 63 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) –
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 2010.

RESUMO

Este estudo teve como objetivo avaliar o grau de associação entre o


consumo de agrotóxicos e a mortalidade por malformações do Sistema Nervoso
Central e do Sistema Cardiovascular em crianças menores de 1 ano na
população brasileira. Trata-se de um Estudo Ecológico, no qual buscou-se
correlacionar o consumo per capita de agrotóxicos em dois períodos distintos
(1985 e 1996) e a mortalidade por malformações específicas em períodos
subseqüentes (1986 a 1990 e 1997 a 2001). O consumo per capita de
agrotóxicos representou nossa exposição e o desfecho avaliado foi a
mortalidade por malformações do Sistema Nervoso Central e Sistema
Cardiovascular em crianças menores de 1 ano de idade nas Microrregiões
Brasileiras. Criaram-se grupos de consumo: microrregiões em geral,
microrregiões urbanas e rurais e divididas por aglomerados e sexo e calculou-se
as correlações entre as variáveis de interesse para todos os grupos criados.
Dividiram-se as Microrregiões estudadas em decis de consumo para
calcularmos a razão de taxa de cada decil. Calculou-se a taxa de mortalidade
global de cada decil e o de menor consumo serviu como referência ou
comparação. Os resultados demonstraram uma correlação significativa entre as
variáveis avaliadas nas Microrregiões em Geral e nas Microrregiões Rurais. Ao
contrário as Microrregiões Urbanas não apresentaram correlações significativas.
Este resultado foi observado tanto para mortalidade por malformações do SNC
como do SCV nos dois períodos analisados. A estratificação por sexo não
condicionou mudanças significativas. As análises de razão de taxa mostraram
um aumento significativo do risco de morte em todos os decis de consumo para
Microrregiões Rurais, tanto para mortalidade por malformações do SNC como do
SCV. Concluiu-se que a atividade agrícola e a conseqüente exposição a
agrotóxicos podem estar relacionadas ao aparecimento de defeitos congênitos
na população infantil.

Palavras-chave: Praguicidas, Mortalidade infantil, Anormalidades congênitas.


v

CAMARGO, Ariana Machado de. Defeitos congênitos e exposição a


agrotóxicos no Brasil. 2010. 63 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) –
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 2010.

ABSTRACT
This study aimed to evaluate the degree of association between the use
of pesticides and mortality due to malformations of the central nervous system
(CNS) and cardiovascular system (CVS) in children under 1 years in our
population. This is an Ecological Study, which sought to correlate the per capita
consumption of pesticides in two different periods (1985 and 1996) and mortality
by specific malformations in subsequent periods (1986 to 1990 and from 1997 to
2001). Our exposure was represented by per capita consumption of pesticides
and the assessed outcome by mortality from malformations of the central
nervous system and cardiovascular system in children under 1 year of age in
Brazilian regions. This study considers 3 different groups based on their
consumption behaviour: general microregion, micro-urban and rural settlements.
These groups were divided by sex and correlations between variables of interest
to all groups were analysed. The microregions were categorized in deciles of
consumption to calculate the rate ratio for each decile. The overall mortality rate
for each decile was calculated, then the lowest consumption was used as a
reference. The results showed a significant correlation between the variables in
the general microregions and the Rural microregions. On the contrary, urban
microregions showed no significant correlations. This result was observed for
both mortality CNS malformations such as the CVS in both periods analyzed.
Stratification by gender didn't exhibit significant changes. The analysis of rate
ratio showed a significantly increased risk of death in all deciles of consumption
for Rural Microregions for both mortality CNS malformations as the CVS. This
study has shown that agricultural activity and the consequent exposure to
pesticides may be related to the occurrence of birth defects in children.

Keywords: Pesticides, infant mortality, birth defects.


vi

LISTA DE FIGURAS E TABELAS


Figura 1. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade
dos SNC e SCV para 1985 e 1996. .............................................................31
Figura 2. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade
dos SNC e SCV para 1985 em Microrregiões Rurais e Urbanas.................32
Figura 3. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade
dos SNC e SCV para 1996 em Microrregiões Rurais e Urbanas.................33
Figura 4. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade
dos SNC e SCV para 1985 em Microrregiões Rurais estratificadas por sexo.
.....................................................................................................................35
Figura 5. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade
dos SNC e SCV para 1985 em Microrregiões Urbanas estratificadas por
sexo. ............................................................................................................36
Figura 6. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade
dos SNC e SCV para 1996 em Microrregiões Rurais estratificadas por sexo.
.....................................................................................................................37
Figura 7. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade
dos SNC e SCV para 1996 em Microrregiões Urbanas estratificadas por
sexo. ............................................................................................................38
vii

Tabela 1. Correlação entre gasto percapita e mortalidade por malformações no


SNC e SCV em menores de 1 ano. .............................................................30
Tabela 2. Correlação entre gasto percapita e mortalidade por malformações no
SNC e SCV em menores de 1 ano nos períodos de 1986-1990 e 1997-2001.
.....................................................................................................................32
Tabela 3. Correlação entre gasto percapita de agrotóxicos e mortalidade por
malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano em microrregiões
urbanas e rurais, extratificado por sexo – Brasil, 1986-1990. ......................34
Tabela 4. Correlação entre gasto percapita de agrotóxicos e mortalidade por
malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano em microrregiões
urbanas e rurais, extratificado por sexo – Brasil, 1997-2001. ......................35
Tabela 5. Consumo percapita de agrotóxicos em 1985 em Microregiões do
Brasil e risco de morte por malformações do SNC e SCV em menores de 1
ano de 1986-1990........................................................................................39
Tabela 6. Consumo percapita de agrotóxicos em 1996 em Microregiões do
Brasil e risco de morte por malformações do SNC e SCV em menores de 1
ano de 1997-2001........................................................................................40
Tabela 7. Consumo percapita de agrotóxicos em 1985 em Microrregiões
Urbanas do Brasil e risco de morte por malformações do SNC e SCV em
menores de 1 ano de 1986-1990.................................................................41
Tabela 8. Consumo percapita de agrotóxicos em 1985 em Microrregiões do
Brasil de aglomerados Rurais e risco de morte por malformações do SNC e
SCV em menores de 1 ano de 1986-1990. .................................................42
Tabela 9. Consumo percapita de agrotóxicos em 1996 em microrregiões
urbanas e risco de morte por malformações do SNC e SCV em menores de
1 ano de 1997-2001.....................................................................................43
Tabela 10. Consumo percapita de agrotóxicos em 1996 em microrregiões rurais
e risco de morte por malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de
1997-2001....................................................................................................45
viii

Tabela 11. Consumo percapita de agrotóxicos em 1985 e risco de morrer por


malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de idade, de acordo
com o sexo, em microrregiões urbanas, no período de 1987-1990.............46
Tabela 12. Consumo percapita de agrotóxicos em 1985 e risco de morrer por
malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de idade, de acordo
com o sexo, em microrregiões rurais, no período de 1987-1990.................47
Tabela 13. Consumo percapita de agrotóxicos em 1996 e risco de morrer por
malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de idade, de acordo
com o sexo, nas microrregiões urbanas, no período de 1997-2001. ...........49
Tabela 14. Consumo percapita de agrotóxicos em 1996 e risco de morrer por
malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de idade de acordo
com o sexo nos aglomerados rurais de 1997-2001. ....................................51
ix

SUMÁRIO
Resumo...............................................................................................................iv
Abstract ...............................................................................................................v
INTRODUÇÃO....................................................................................................10
1. Defeitos Congênitos........................................................................................10
1.1. Definição e Histórico .............................................................................10
1.2. Causas dos Defeitos Congênitos e Agentes Teratogênicos .................10
1.3. Epidemiologia e Importância dos Defeitos Congênitos.........................13
2. Disruptores Endócrinos...................................................................................14
3. Agrotóxicos .....................................................................................................16
4. Agrotóxicos e a Saúde Humana .....................................................................18
OBJETIVOS .......................................................................................................25
MÉTODO ............................................................................................................26
RESULTADOS ...................................................................................................29
1. Análise Geral ..................................................................................................29
2. Análise de Correlação.....................................................................................30
3. Razão de Taxas de Mortalidade .....................................................................38
DISCUSSÃO ......................................................................................................51
CONCLUSÃO.....................................................................................................56
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................57
10

INTRODUÇÃO
QUADRO TEÓRICO CONCEITUAL

1. Defeitos Congênitos

1.1. Definição e Histórico


Um defeito congênito refere-se a uma alteração de origem genética e/ou
ambiental ocorrida durante o período embrionário ou fetal. Em sua maioria,
ocorrem nos três primeiros meses de gestação (Carlson, 1996; Brent &
Beckman, 1990). São também chamados de malformações ou anomalias
congênitas. Essas malformações podem ser estruturais, funcionais, metabólicas,
comportamentais ou hereditárias e nem sempre podem ser vistas ao nascimento
(Moore & Persaud, 1994; Cavieres, 2004).
Foi a partir do século XX que pesquisadores e autoridades de saúde
começaram a demonstrar preocupação com os possíveis efeitos deletérios à
saúde do recém-nascido por exposições químicas, físicas ou biológicas da mãe
durante a gravidez.Inicialmente, isto se deu com a identificação da síndrome da
rubéola congênita por Gregg em 1941 e depois por Lenz e McBride com a
tragédia da talidomida no início da década de 1960. Os dois eventos serviram
para demonstrar que a barreira placentária não era uma proteção indevassável
para diversos tipos de agentes (Faccini, et al, 2002; Moore & Persaud, 1994).
1.2. Causas dos Defeitos Congênitos e Agentes Teratogênicos
Muitas são as causas que podem levar a um defeito congênito. Em torno
de 40 a 65% dos defeitos de formação são de origem desconhecida, de 20 a
26% são atribuídas a causas hereditárias e a anormalidades cromossomiais e
de 5 a 10% a doenças maternas, como diabetes e infecções ou ao uso de
drogas ou contato materno com substâncias químicas ou agentes físicos - os
chamados fatores ambientais (Tagliabue, et al, 2007; Brent & Beckman, 1990;
Faccini, et al, 2002).
Os agentes ambientais responsáveis por defeitos congênitos são também
chamados de agentes teratogênicos, a partir do termo teratologia, cunhado no
11

início do século XIX por Etienne Geoffroy de St. Hilaire, que literalmente significa
“estudos de monstros” (Carlson, 1996). A Teratologia é o ramo da ciência
médica que estuda as anomalias e malformações ligadas a uma perturbação do
desenvolvimento embrionário ou fetal e agente teratogênico é definido como:
“qualquer substância, agente físico, organismo ou estado de deficiência que,
estando presente durante a vida embrionária ou fetal, seja capaz de alterar
estrutural ou funcionalmente o organismo ou partes do organismo em
desenvolvimento”.
(Dicke, 1989).
Os órgãos e tecidos em desenvolvimento são particularmente mais
sensíveis à ação dos agentes teratogênicos nos períodos de diferenciação
rápida da embriogênese, ou seja, quando a divisão ou a diferenciação celulares
e a morfogênese estão em seu pico. Dessa forma, os tecidos e órgãos têm
susceptibilidades diferentes aos agentes teratogênicos, pois seus períodos de
desenvolvimento são diferentes.
De forma didática os agentes teratogênicos podem ser divididos em:
biológicos, físicos e químicos.
Dentre os agentes biológicos, podemos citar como os mais importantes o
vírus da rubéola – causando a síndrome da rubéola congênita, cujas principais
consequências são catarata, defeitos cardíacos e surdez, o citomegalovírus, o
HIV, o Vírus do herpes simples, o HPV, o Treponema pallidum e o Toxoplasma
gondii. Microcefalia, retardo mental, cegueira, malformações de membros e
Sistema Nervoso Central são algumas das consequências teratológicas comuns
da exposição a esses agentes biológicos (Brent & Beckman, 1990).
Como exemplo de agentes físicos, podemos citar a radiação ionizante
como poderoso agente teratogênico. Retardo no crescimento, microcefalia,
espinha bífida, alterações de pigmentação da retina, fenda palatina e
retardamento mental são algumas das alterações observadas em crianças que
sobreviveram após receberem altos níveis de radiação ionizante durante a
gestação. Os riscos são maiores quando a exposição ocorre entre a 8ª e 15ª
semanas de idade gestacional. Durante este período, o risco de retardo mental
12

severo é de aproximadamente 4% para exposições de 10 rads e 60% para


exposições de 150 rads. Doses muito maiores (>50 rads) são necessárias para
afetar o feto entre a 16ª e 25ª semanas de idade gestacional (SIAT, 2009).
Na categoria de agentes químicos podemos citar as drogas lícitas ou
medicamentos (tetraciclinas, retinóides sistêmicos, talidomida, andrógenos e
progestágenos). Outro agente químico, o álcool (etanol), causa a chamada
Síndrome do Álcool Fetal (SAF), um conjunto de características associadas ao
alcoolismo materno, caracterizado por malformações, alterações principalmente
faciais, retardo de crescimento, retardo da maturação psicomotora e
desenvolvimento intelectual diminuído. Atualmente, esta síndrome é reconhecida
como a principal causa de retardo mental em países desenvolvidos (SIAT,
2009).
As drogas ilícitas (cocaína, crack, LSD, metadona, etc.) também são
conhecidas por seus efeitos adversos na gravidez. A cocaína, por exemplo,
pode causar vasoconstricção no bebê em formação, o que pode levar a
anormalidades como lesões graves no cérebro, malformações no intestino,
crânio, face, olhos, membro, coração, genitais e aparelho urinário (SIAT, 2009).
Outras substâncias químicas, muitas vezes relacionadas à ocupação do
sujeito podem levar a problemas reprodutivos. De fato, há uma preocupação
cada vez maior relacionada à possível teratogenicidade de produtos químicos
ambientais, em sua maioria poluentes industriais ou aditivos alimentares. A
maioria destes produtos ainda não foi caracterizada definitivamente como
teratógenos humanos, e talvez por isso sejam largamente utilizados em
inúmeros processos produtivos.
No final do século passado já surgiam relatos de abortos espontâneos e
natimortos em mulheres ocupacionalmente expostas ao chumbo. Anomalias
fetais, retardo do crescimento intra-uterino e déficits funcionais também estão
relacionados à exposição gestacional ao chumbo. Crianças nascidas de mães
que foram expostas a níveis subclínicos de chumbo podem apresentar distúrbios
neurocomportamentais e psicomotores (Graham et al, 2001).
13

Da mesma forma, em 1959, observaram-se os primeiros relatos de


malformações em humanos devido à contaminação de peixes por metilmercúrio
na baía de Minamata, Japão (Leite & Faccini, 2001), local que deu nome à
doença que acomete crianças nascidas de mães expostas a altos níveis de
mercúrio orgânico durante a gestação: doença de Minamata fetal. O metil
mercúrio é considerado um teratógeno que causa atrofia cerebral, espasticidade,
apoplexia e retardo mental (Moore & Persaud, 1994).
Como outro exemplo, podemos citar as Bifenilas Policloradas, nome
genérico da classe de compostos organoclorados que sofreram reação do grupo
bifenila com o cloro anidro na presença de um catalisador. Essas substâncias
foram largamente utilizadas em vários ramos da indústria como: capacitores e
transformadores elétricos, fluidos hidráulicos, resinas plastificantes, adesivos,
óleos de corte, lubrificantes e pesticidas (Penteado, et al, 2001). Esses agentes
podem causar retardo no crescimento intra-uterino e descoloração da pele.

1.3. Epidemiologia e Importância dos Defeitos Congênitos


De acordo com a Organização Mundial da Saúde, os defeitos congênitos
são a maior causa de morbidade e mortalidade infantil hoje no mundo, atingindo
5% de todos os nascidos vivos globalmente, sendo responsável por um grande
número de mortes infantis em vários locais no mundo (Rosano, et al, 2000).
Além disso, aqueles que sobrevivem têm a necessidade de cuidados especiais e
hospitalares durante toda a vida, impactando a economia do país (WHO, 2002).
De todos os nascidos vivos nos EUA, 33 recém-nascidos são afetados
por defeitos congênitos todo ano. Os defeitos congênitos são responsáveis por
mais de 20% das mortes infantis neste mesmo país (CDC, 2010).
É importante ressaltar que os defeitos congênitos chamados maiores
também são responsáveis por um grande número de mortes fetais e estão
relacionados com abortos espontâneos, não entrando nas estatísticas de
mortalidade infantil (Amorim, et al, 2006). Em um estudo realizado em
Pernambuco, Brasil, pesquisadores verificaram que 47% dos óbitos fetais por
14

anomalias congênitas relacionaram-se com malformações do SNC (Arruda, et al,


2008).
Em todo o mundo cerca de 7,6 milhões de crianças desenvolvem defeitos
congênitos e cerca de 95% deste número encontra-se nos países em
desenvolvimento. Na América Latina, a mortalidade por malformações ou
defeitos congênitos tem alcançado importância igual ou superior a das doenças
infecciosas diarréicas ou respiratórias. De acordo com a Organização Pan-
Americana da Saúde, em 1999, no México, os defeitos congênitos já eram a
segunda maior causa de mortes infantis (0 – 4 anos) e em terceiro lugar
estavam as doenças infecciosas. No Uruguai, este quadro repete-se, sendo as
anomalias congênitas responsáveis por 7,9 em 100.000 mortes infantis, seguida
de doenças respiratórias e pneumonia (7,1 em 100.000). Na Venezuela,
novamente os defeitos congênitos e anormalidades cromossômicas são
detentores do segundo lugar em causa de morte em menores de 1 ano (16,4%),
seguido pelas doenças parasitárias e infecciosas (11,3%) e por doenças do trato
respiratório (5,3%)(OPAS, 2002).
No Brasil, os defeitos congênitos, antes obscurecidos pelas doenças infecciosas,
também ganharam importância com a transição epidemiológica. Vale ressaltar
que de 1985 a 1987 os defeitos congênitos eram responsáveis por 7,1% das
mortes em menores de 1 ano no Brasil, passando a 11,2% de 1995 a 1997 e a
16,3% em 2005 (Luquetti & Koifman, 2009).

2. Disruptores Endócrinos
A literatura tem tentado ao longo dos anos relacionar os pesticidas, que
englobam uma ampla gama de substâncias, a diversos desfechos adversos da
gravidez. De fato, inúmeros trabalhos já consideraram a hipótese de algumas
classes de pesticidas agirem como poderosos desreguladores endócrinos, que
poderiam produzir alterações biológicas durante a gestação (Carreño et al, 2007;
Koifman et al, 2002; Andersen et al, 2008).
15

São chamados de desreguladores ou disruptores endócrinos substâncias


químicas que têm a capacidade de interferir em alguns processos bioquímicos
ou fisiológicos mediados pelo sistema endócrino (Koifman et al, 2002). Por
exemplo, um período crítico do desenvolvimento fetal que inclui a diferenciação
sexual do feto é regulado por hormônios sexuais e a exposição à
desreguladores endócrinos pode afetar o fenótipo e a função gonadal do feto em
desenvolvimento (Andersen et al, 2008).
As dioxinas, por exemplo, ocorrem no ambiente principalmente como
subprodutos da combustão de materiais que contenham cloro, como o que
ocorre na incineração de resíduos industriais como os herbicidas do grupo
clorofenoxi (ácido 2-4-diclorofenoxiacético). As dioxinas são consideradas uma
das substâncias mais tóxicas geradas pelo homem. Alguns trabalhos
experimentais relatam decréscimo na espermatogênese e no peso testicular em
animais de laboratório expostos a altas doses de dioxina. Em peixes, pássaros,
mamíferos e répteis do sexo masculino foram demonstradas alterações na libido
e na fertilidade por efeitos desta substância sobre o comportamento sexual.
PCBs também são consideradas importantes agentes desreguladores
endócrinos e possíveis agentes teratogênicos, tendo efeito não apenas no
sistema reprodutor, mas também como desregulador da tireóide, hipófise e de
hormônios corticosteróides. Estudos mostram que os níveis de PCBs estão
correlacionados inversamente com a motilidade dos espermatozóides e que
meninos nascidos de mães expostas a PCBs durante a gestação apresentaram
desenvolvimento anormal do pênis (Waissmann & Queiroz, 2006).
Muitos distúrbios reprodutivos, morfológicos e funcionais, podem dever-se
à exposição a esse tipo de substância. De fato, muitas malformações
urogenitais, como criptorquidismo e hipospadias, podem ter suas origens na
exposição pré-natal a desreguladores endócrinos, em especial ao agrotóxicos
(Fernandez et al, 2007).
16

3. Agrotóxicos
São chamados de pesticidas ou agrotóxicos todas as substâncias
químicas ou biológicas destinadas a controlar, destruir ou prevenir qualquer tipo
de praga, incluindo vetores de doenças animais ou humanas, espécies
indesejáveis de plantas ou animais que causem dano ou que, de alguma forma
interfiram durante a produção, processamento, estocagem, transporte ou
comercialização de alimentos, assim como, substâncias que possam ser
administradas em animais para o controle de insetos, aracnídeos ou outras
pragas dentro ou sobre seus corpos, bem como outras substâncias utilizadas
como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento, ou
ainda agentes para prevenir a queda prematura de frutas e substâncias
aplicadas à plantação ou ao produto final para prevenir sua deterioração durante
sua estocagem ou seu transporte (WHO/UNEP, 1990; Silva, et al, 2005; Dich et
al, 1997).
Os riscos à saúde humana associados ao uso e à exposição a
agrotóxicos têm sido um tema de grande interesse no âmbito da saúde pública.
O crescimento acelerado da população mundial e o aumento da demanda por
alimentos têm exigido uma utilização cada vez mais intensa deste tipo de
insumo (Nunes & Tajara, 1998). Além disso, desde a “Revolução Verde”, na
década de 50, com a implantação de um novo modelo de produção baseado nos
pilares tecnológicos do agronegócio (moto mecanização, manipulação genética
e agroquímica) tem havido um incremento crescente na utilização destes
produtos para o controle de pragas, doenças e ervas invasoras das plantações
(Moreira et al, 2002; Jesus, 2005; Silva, et al, 2005). Atualmente, estima-se que
mais de três milhões de toneladas de agrotóxicos sejam utilizados na agricultura.
Em 2008, o faturamento das indústrias de química fina na área de vendas de
agrotóxicos foi de mais de 7 milhões de dólares, contra 4,5 milhões em 2007.
(ABIFINA, 2010). No Brasil, o consumo destes produtos encontra-se em franca
expansão e em algumas regiões do país, como a Sudeste, chega a 52Kg de
agrotóxicos/ trabalhador/ ano podendo atingir valores superiores a este em
algumas áreas produtivas. Na região da Microbacia do Córrego de São
17

Lourenço, no município de Nova Friburgo, Rio de Janeiro estes números


chegam a atingir 56,5Kg de agrotóxicos/ trabalhador/ ano, o que é muito superior
a média deste estado, que é de 18 Kg de agrotóxicos/ trabalhador/ ano (Moreira
et al, 2002).
Os agrotóxicos são um dos mais importantes fatores de risco à saúde
humana, especialmente no ambiente rural. São intensamente utilizados por
vários setores produtivos e têm sido alvo de inúmeros estudos para avaliação
dos impactos do seu uso sobre a saúde das populações, principalmente, sobre a
saúde dos trabalhadores rurais. Além, é claro, da análise de prováveis danos ao
meio ambiente, já que muitas dessas substâncias são persistentes em inúmeros
nichos ecológicos por décadas, perpassando cadeias alimentares e
influenciando negativamente na reprodução de espécies. Como exemplo
podemos citar a quase extinção da águia careca, símbolo dos EUA. Por causa
do acúmulo no ambiente de DDT, um pesticida organoclorado, as cascas dos
ovos desses animais tornaram-se muito frágeis, inviabilizando o filhote. Por
causa desse evento o DDT, utilizado como controle de vetores, teve seu uso
proibido nos EUA (Flores et al, 2004).
As principais exposições humanas aos pesticidas ocorrem nos setores
agropecuário, de saúde pública, firmas desinsetizadoras, transporte,
comercialização e produção de agrotóxicos. Além dessa exposição ocupacional,
outros grupos populacionais podem estar expostos aos agrotóxicos devido a
contaminações alimentares e ambientais. Mesmo assim, o maior impacto ainda
é na população de agricultores, suas famílias e populações circunvizinhas a
alguma unidade produtiva que utilize esses tipos de insumo (Bochner, 2007).
A magnitude do impacto desses agentes sobre a saúde humana pode ser
vista a partir dos dados do Ministério da Saúde. De acordo com estes dados, em
2004 ocorreram 9.128 casos de intoxicação por agrotóxicos, dos quais 2.763
ocorreram na zona rural (Sinitox, 2004). A Organização Mundial da Saúde
estima uma incidência anual de cerca de três milhões de intoxicações agudas
por agrotóxicos em todo o mundo (WHO/UNEP, 1990). Destas, dois terços
seriam de intoxicações intencionais, suicídios e homicídios e um terço seriam
18

devido a exposições não intencionais, incluindo-se aí as exposições


ocupacionais.
Mas, estas estatísticas possuem limitações e a principal delas é que estes
registros baseiam-se em internações. Neste caso, apenas os eventos mais
graves resultariam em ocorrências hospitalares. O Ministério da Saúde estima
que para cada evento de intoxicação por agrotóxico notificado, há outros 50 não
notificados (Peres, 2001).

4. Agrotóxicos e a Saúde Humana


Os efeitos nocivos à saúde humana causados pela exposição a
agrotóxicos podem se divididos em dois tipos: agudos e crônicos. Os efeitos
agudos são caracterizados por sinais e sintomas que podem ser específicos
para cada substância ou conjunto de substâncias, mas que essencialmente se
tornam aparentes em um curto período de tempo, em geral, 24 horas após a
exposição a níveis normalmente elevados do agente ou agentes em questão.
Como exemplos, podemos citar os organofosforados e carbamatos,
inseticidas inibidores da colinesterase, que entraram no mercado pela primeira
vez em 1944. Esses pesticidas têm como principais efeitos tóxicos agudos sinais
muscarínicos e nicotínicos: cialorréia intensa, cefaléia, tontura, tremores, ataxia,
fasciculação, fraqueza muscular, pode também ocorrer paralisia dos centros
respiratório e circulatório (Alonzo & Corrêa, 2003).
Já os inseticidas organoclorados induzem a um estado de
hiperexcitabilidade do Sistema Nervoso Central, com hiperreflexia, agitação
psicomotora, convulsões tônico-clônicas generalizadas, náuseas, vômito e
diarréia. Esses compostos se caracterizam por conter em sua estrutura um ou
mais anéis aromáticos ou cíclicos saturados (Alonzo & Corrêa, 2003) e podem
ser encontrados em quase todo o ambiente. Armazenam-se em plantas e
tecidos animais devido a sua característica de elevada lipossolubilidade e,
consequentemente, capacidade de acúmulo no tecido adiposo.
Os inseticidas organoclorados mantêm-se no ambiente por um longo
período de tempo, alguns são voláteis e outros podem aderir-se em partículas
19

de ar ou do solo. Podem também ser adsorvidos por sedimentos aquáticos e,


dessa forma, bioacumularem-se nos tecidos de peixes ou de mamíferos
aquáticos (CDC, 2005). Essas substâncias estão proibidas na maior parte do
mundo, inclusive, no Brasil há mais de 20 anos, podendo ser usadas apenas em
emergências de saúde pública (controle de vetores). Apesar disso, ainda são
massivamente utilizadas na agricultura, principalmente em países em
desenvolvimento que não possuem uma legislação muito rígida a esse respeito
(Peres & Moreira, 2007; Ecobichon,2001).
Os piretróides, grupo de inseticidas sintéticos que surgiram a partir da
piretrina, extraída das flores de crisântemo, entraram no mercado a partir da
década de 1970 e hoje são utilizados na agricultura, pecuária, no domicílio, em
campanhas de saúde pública e no tratamento de ectoparasitoses (Alonzo &
Corrêa, 2003).
Os sintomas das intoxicações agudas pelos diferentes piretróides são
bastante similares. Na exposição dérmica são: eritema, vesículas, parestesias e
sensação de queimação e prurido nas áreas atingidas.
Na intoxicação pela via digestiva, normalmente ocorrem náuseas e
vômitos. Sonolência, cefaléia, anorexia, fadiga, fraqueza e fasciculação
muscular podem ocorrer de 10 a 60 minutos depois da ingestão. Pode haver
pneumonite decorrente da aspiração de solventes orgânicos presentes na
formulação.
Outros sintomas decorrentes da exposição respiratória podem ser: coriza,
congestão nasal e sensação de “garganta arranhada”. Nas reações de
hipersensibilidade podem ocorrer espirros, respiração ofegante, broncoespasmo,
rinite, sinusite, faringite e bronquite (Alonzo & Corrêa, 2003).
Os efeitos crônicos dos pesticidas são aqueles resultantes de exposições
continuadas e a doses relativamente baixas de uma ou mais substâncias. Estes
efeitos podem se tornar evidentes desde meses até anos após o período de
exposição e, por isso mesmo, são mais difíceis de serem relacionados ao
agente tóxico. Podem ser efeitos da exposição crônica a pesticidas o câncer e
20

as malformações, mas tanto o potencial carcinogênico como o potencial


teratogênico dos agrotóxicos ainda não foram bem definidos ou esclarecidos.
Estudos experimentais têm mostrado que muitos pesticidas podem ser
teratogênicos para animais de laboratório. Esses estudos sugerem que em altas
doses, vários inseticidas induzem efeitos feto-tóxicos como alterações cognitivas
e comportamentais (Roeleveld et al, 1990). Os estudos sobre efeitos adversos
da gravidez em humanos, relacionam pesticidas com abortos espontâneos,
baixo peso ao nascer e diminuição da circunferência do crânio (Wolff et al,
2007).
Em um estudo caso-controle, conduzido na Espanha, observou-se que
meninos filhos de pais expostos ocupacionalmente a pesticidas tinham uma
maior chance de apresentar malformações do Sistema Reprodutivo Masculino
(OR=2,98; IC 95%: 1,11-8,01), representados por criporquidismo (falha na
descida de um ou dos dois testículos para a bolsa escrotal) e hipospadia
(abertura da uretra na parte ventral do pênis) – do que os não expostos. O
trabalho materno na agricultura também foi relacionado a um aumento do risco
(OR=3,47; IC 95%: 1,33-9,03)(Fernandez et al, 2007).
A exposição a pesticidas tanto no período pré-natal, quanto na
adolescência ou vida adulta pode estar relacionada a distúrbios reprodutivos
funcionais como esterilidade e disfunções eréteis. Azoospermia (ausência de
espermatozóides), oligozoospermia (diminuição do número de
espermatozóides), teratozoospermia (alteração na forma), astenozoospermia
(diminuição da motilidade) e necrospermia (diminuição da vitalidade) são alguns
dos motivos que podem levar a esterilidade(Waissmann & Queiroz, 2006).
Alterações morfológicas e no genoma da célula reprodutiva masculina
podem ocorrer, levando a gestação futura de um feto com malformações. Dessa
forma, podemos concluir que a exposição a pesticidas que poderia levar a
defeitos congênitos não necessariamente ocorre durante a gestação, mas pode
também ocorrer em períodos anteriores a esta (Waissmann & Queiroz, 2006;
Cavieres, 2004).
21

Para alguns tipos de pesticidas a literatura cita possíveis efeitos na saúde


reprodutiva. O dicloro-difenil-tricloro-etano (DDT) pode estar envolvido com uma
diminuição da contagem de espermatozóides e da fertilidade em homens. De
acordo com estes estudos o DDT possui atividade estrogênica fraca, mas como
esse pesticida tem alto poder de bioacumulação seus efeitos podem ser
significativos a longo prazo. O DDE, um metabólito do DDT, possui atividade
anti-androgênica, podendo alterar a formação das células de Sertoli produtoras
de espermatozóides em humanos (Waissman & Queiroz, 2006).
Outros tipos de malformações que a literatura procura relacionar com a
exposição a pesticidas são as malformações do sistema nervoso.
A partir da terceira semana de desenvolvimento embrionário inicia-se a
formação da placa neural que dará origem ao tubo neural, estrutura embrionária
que dará origem ao SNC. Como já foi dito, este período engloba processos de
intensa replicação celular o que o torna mais sensível a exposições ambientais.
Defeitos durante o fechamento do tubo neural, que ocorrem entre a terceira e a
quarta semana de vida pós concepcional, podem produzir uma série de
malformações diferentes dependendo da extensão e da altura da falha. Como
exemplo podemos citar anencefalia, encefalocele e espinha bífida (Carlson,
1996).
Em um estudo na área rural de Minnesota, EUA, os autores
demonstraram que a ocorrência de anomalias do sistema nervoso central em
filhos de aplicadores de pesticidas apresentou uma Razão de Chance (OR)=
1,42 (IC 95% 1,09 – 1,86) quando comparadas com a população geral e
separadas por tipo de cultura, neste caso cultura de milho e soja (Garry, et al,
1996). Neste mesmo estudo, quando os autores comparam a incidência de
malformações nas áreas de alto uso de pesticidas com as áreas de baixo uso de
pesticidas observam uma OR=1,86 (IC 95% 1,69-2,05) para malformações do
sistema nervoso central, circulatório e respiratório, urogenital e
musculoesquelético. Em outro estudo (Rull, et al, 2006), conduzido na Califórnia,
pesquisadores tentaram relacionar malformações do tubo neural, com a
proximidade de moradia das mães com locais de aplicação de pesticidas. Como
22

resultado, observaram que havia aumento no risco de ter um filho com defeito de
tubo neural morando-se a 1.000m e a 500m das áreas que aplicavam pesticidas
como benomyl, metil carbamatos e organofosforados. No mesmo trabalho
observou-se ainda uma associação entre certos tipos específicos de pesticidas e
DTN (defeitos do tubo neural). Associado a defeitos do tubo neural em geral
encontraram o benomyl, um agente fungicida, com uma OR=2,0 (95% IC 0,9–
4.3). Associado ao aparecimento de espinha bífida, observaram o clorpirifós, um
inseticida organofosforado, com uma OR= 1,5 (95% IC 0,9–2,7) e ao
aparecimento de anencefalia o naled, também um organofosforado, com uma
OR=2,0 (95% IC 0,9–4,3).
Em outro estudo caso-controle realizado em três estados mexicanos, os
autores observaram que mães expostas a pesticidas durante o “período de risco
agudo”, sendo este compreendido entre três meses antes e um mês depois da
última menstruação, tinham um alto risco de ter uma criança com anencefalia
com uma OR=4,58 (95% IC 1,05-19.96) (Lacasaña, et al, 2006).
Em um trabalho de 1996, pesquisadores tentaram avaliar o aparecimento
de malformações nos filhos de trabalhadores rurais noruegueses. Neste trabalho
a exposição à pesticidas foi estimada através do gasto na compra de pesticidas
de cada unidade produtora e na presença ou não de equipamentos (tratores)
borrifadores de pesticidas. Observaram que os filhos de pais expostos a
pesticidas apresentaram aumento do risco de ter malformações no SNC em
relação aos pais não expostos, com uma OR=2,30 (95% IC 1,31-4,04), quando
avaliados quanto a presença de equipamento borrifador em pomares e estufas.
Esse quadro apresentou-se também para o aparecimento de espinha bífida e
hidrocefalia com uma OR=2,76 (95% IC 1,07-7,13) e OR=3,49 (95% IC 1,34-
9,09), respectivamente, também quando avaliada a presença de equipamento
borrifador em pomares e estufas (Kristensen, et al, 1996).
As alterações no desenvolvimento embrionário do sistema cardiovascular
também têm sido consideradas importantes no que concerne à exposição
ocupacional a pesticidas. O coração e os vasos sanguíneos desenvolvem-se
23

muito cedo no período embrionário, por volta da terceira semana de gestação, e


são os primeiros sistemas orgânicos a tornarem-se funcionais (Carlson, 1996).
As anomalias congênitas do sistema cardiovascular são as mais
frequentes entre as malformações congênitas graves e apresentam alta
mortalidade no primeiro ano de vida (Hoffman, et a, 1978).
As cardiopatias congênitas podem ser acianóticas ou cianóticas. Algumas
das cardiopatias acianóticas são: comunicação interventricular (falta do tecido
septal entre os ventrículos permitindo sua comunicação, é sempre patológica),
comunicação interatrial (comunicação entre os átrios na região da fossa oval,
pode ser fisiológica até o 1° ano de vida), persist ência do canal arterial (liga a
artéria pulmonar antes de sua bifurcação à aorta descendente, fisiológica até
12h depois do nascimento). Já dentre as cardiopatias cianóticas podemos citar:
Transposição das grandes artérias (artéria pulmonar parte do VE ao invés do VD
e a aorta parte do VD ao invés do VE, sempre patológica, para que haja
sobrevida necessita tratamento cirúrgico), Tetralogia de Fallot (dextroposição da
aorta, estenose da via de saída do VD, comunicação interventricular e hipertrofia
do VD) (Braunwald, 1999).
Apesar da escassez de trabalhos sobre exposição a pesticidas e
malformações cardiovasculares, alguns estudos já investigaram esta possível
associação. Em um estudo realizado em Massachusetts, EUA, cientistas
observaram um aumento significativo (p<0,0001) de malformações cardíacas em
embriões de anfíbios (Xenopus laevis) expostos experimentalmente ao herbicida
Atrazine (Lenkowski, et al, 2008).
Em um estudo de caso-controle em Baltimore, EUA, pesquisadores
encontraram uma associação significativa entre exposição materna a herbicidas
e rodenticidas e transposição de grandes artérias em seus filhos, com uma
OR=2,8 (95% IC=1,3-7.2) e OR=4,7(95% IC=1,4-12,1), respectivamente.
Observaram também que no período de 4 a 6 meses antes da gravidez havia
uma forte associação entre exposição materna a esses dois tipos de agentes
químicos e a ocorrência deste tipo de malformação nos filhos nascidos, com
uma OR=6,1(95% CI=1,8-20,7) para rodenticidas e OR=4,7(95% IC=1,6-13,6)
24

para herbicidas. Apesar de não haver dados específicos sobre o tipo de


herbicida ou redenticida utilizado pelas mães, observou-se que os rodenticidas
eram em sua maioria derivados cumarínicos e os herbicidas compostos do ácido
clorofenoxiacético e compostos glifosfatos. Todos os produtos utilizados para
controle de pragas no ambiente doméstico (Loffredo, et al, 2001).
25

OBJETIVOS
Objetivo Geral
Este projeto tem como objetivo principal avaliar o grau de associação
entre o consumo geral de agrotóxicos na população brasileira e a mortalidade
por malformações do Sistema Nervoso Central e do Sistema Cardiovascular em
crianças menores de 1 ano desta mesma população.

Objetivos Específicos
− Levantar dados sobre consumo de agrotóxicos no Brasil;
− Avaliar a mortalidade infantil em crianças menores de um ano por
malformações do SNC e Sistema Cardiovascular nos períodos de 1986 a
1990 e de 1997 a 2001, de acordo com a Classificação Internacional de
Doenças na população brasileira;
− Estimar a magnitude de associação entre consumo de agrotóxicos e
ocorrência destes tipos específicos de malformações na população estudada;
− Estimar o risco de morte por malformações do SNC e SCV em menores de 1
ano de idade entre Microrregiões que mais consomem agrotóxicos e que
menos consomem;
− Estimar a tendência deste risco, no caso de sua ocorrência, entre as
Microrregiões participantes do estudo.
26

MÉTODO
População de Estudo:

Participaram deste estudo todo menor de 1 ano de idade que teve óbito
nos períodos de 1986 a 1990 e 1997 a 2001.
Os dados de mortalidade foram obtidos nos bancos de dados do Sistema
Único de Saúde do Ministério da Saúde, DATASUS.

Desenho do Estudo:

Este é um Estudo Ecológico, no qual buscou-se correlacionar o consumo


per capita de agrotóxicos em dois períodos distintos e a mortalidade por
malformações específicas em períodos subseqüentes. O consumo per capita de
agrotóxicos representa nossa exposição e o desfecho avaliado é a mortalidade
por malformações do Sistema Nervoso Central e Sistema Cardiovascular em
crianças menores de 1 ano de idade nas Microrregiões Brasileiras.

Dados sobre o consumo de agrotóxicos:

Os dados sobre consumo de agrotóxicos foram obtidos através do


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para o ano de 1985, utilizamos as informações oferecidas pelo Censo
Agropecuário de 1985. Para o ano de 1996, utilizamos como fontes de dados a
contagem populacional de 1996.
Esses dados contêm informações sobre o total gasto em agrotóxicos em
cada microrregião brasileira e também o contingente populacional no período
avaliado. Dividimos o total gasto em agrotóxicos, em reais, pelo total da
população de cada microrregião e obtivemos o gasto per capita para cada uma
delas.

4 - Dados sobre a mortalidade:

A partir do Sistema de Informação em Mortalidade (SIM) do Ministério da


Saúde, disponível em www.datasus.gov.br, obtivemos as informações sobre
27

óbitos ocorridos em crianças menores de 1 ano de idade devido a malformações


congênitas. As malformações congênitas, a partir de 1996, estão incluídas no
Capítulo XVII da CID 10 como Malformações congênitas, deformidades e
anomalias cromossômicas. Para os anos de 1979 a 1995 são incluídas no
Capítulo XIV da CID 9 como Anomalias Congênitas. A Classificação
Internacional das Doenças é sistematizada e disponibilizada pela Organização
Mundial de Saúde (WHO) com intuito de fornecer globalmente dados para a
confecção de estatísticas e estudos sobre morbidade e mortalidade.
Trabalhamos apenas com malformações do sistema nervoso (Itens Q00
- Q07 do Cap. XVII da CID 10 e Itens 740 – 742 do Cap.XIV da CID9) e
cardiovascular (Itens Q20 - Q28 do Cap. XVII da CID 10 e Item 747 do Cap. XIV
da CID 9), que são normalmente incompatíveis com a vida.
As taxas de mortalidade foram calculadas da seguinte forma: Para cada
desfecho foi calculado o total de mortes nos dois períodos englobados no estudo
(1986 a 1990 e 1997 a 2001) em cada Microrregião. Com dados disponíveis no
DATASUS obtivemos a população estimada de menores de 1 ano para os meios
dos períodos inclusos no estudo também para cada Microrregião. Assim,
pudemos estimar uma taxa de mortalidade global em menores de 1 ano de
idade para cada período avaliado.

Análise dos dados:


Correlação
A primeira análise feita foi a correlação do consumo per capita de
pesticidas em cada microrregião brasileira e a taxa mortalidade por
malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de idade nas respectivas
microrregiões.
Para estimarmos a associação entre essas duas varáveis, utilizamos o
coeficiente de correlação de Spearman, para dados não paramétricos. Foram
calculadas as correlações para todos os grupos de consumo criados:
microrregiões em geral, microrregiões urbanas e rurais e divididas por
28

aglomerados e sexo. Para realizarmos a análise de correlação utilizamos o


programa estatístico SPSS 16.0.

Razão de Taxa
Dividiu-se as Microrregiões em decis de consumo para calcularmos a
razão de taxa de cada decil. Calculou-se a taxa de mortalidade global de cada
decil utilizando-se a mortalidade em menores de 1 ano total no intervalo de
tempo estudado e a população do meio do período tanto para malformações do
SNC como para do SCV. O decil de menor consumo serviu como referência ou
comparação.
Ambas as análises foram realizadas em dois períodos distintos. Para
relacionar o consumo per capita dos municípios no ano de 1985, utilizamos as
mortalidades nos anos de 1986, 1987, 1988, 1989 e 1990, usando a
classificação da CID 9. Já para o consumo per capita dos municípios no ano de
1996, utilizamos as mortalidades nos anos de 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001,
usando a classificação da CID 10.

Análise de Tendência
Foi avaliada a tendência do aumento da taxa de mortalidade entre os
decis de consumo. Esta avaliação foi feita para mortalidade por malformações
do SNC e SCV, para as microrregiões em geral, microrregiões urbanas e rurais
e divididas por sexo. Para o cálculo da tendência das taxas globais de
mortalidade em cada decil, utilizamos o teste Qui-quadrado de tendência e o
nível de significância adotado foi de 5%.
O programa estatístico utilizado para realizar a estimativa do risco e
análise de tendência foi o WINPEPI.
29

RESULTADOS

1. Análise Geral
Ao todo participaram do estudo 41.953 menores de 1 ano de idade com
óbito por malformações do Sistema Nervoso Central e do Sistema
Cardiovascular nos períodos de 1986 a 1990 e de 1997 a 2001.
De 1986 a 1990 tivemos 20.814 mortes por malformações do SNC e SCV
em menores de 1 ano nas Microrregiões participantes do estudo, esse número
corresponde a 4% do total de mortes em menores de 1 ano no mesmo período.
No período de 1997 a 2001 tivemos 21.139 óbitos por esses tipos de
malformações, o que corresponde a 6,5% do total de óbitos por qualquer causa
neste mesmo período e nas mesmas microrregiões avaliadas.
O consumo de agrotóxicos nas variadas microrregiões mostrou-se
heterogêneo. Quando observamos as microrregiões globalmente, no ano de
1985, vemos uma média de consumo de Cr$ 24,79 per capita no decil de menor
consumo e uma média de Cr$ 4.222,64 e Cr$ 14.786,70 per capita nos dois
decis de maior consumo, respectivamente. Estes dois decis de maior consumo
perfazem mais de 74% da média total de consumo de todos os decis neste
período.
Ao observarmos os dados de 1996 também notamos esta
heterogeneidade. A média do decil de menor consumo neste período é de R$ 5,
273 per capita e de R$ 1796,8 e R$ 5055,1 nos dois decis de maior consumo,
respectivamente, mostrando que os dois decis de maior consumo, em 1996, são
responsáveis por 77% do valor total das médias de consumo dos decis neste
período.
Os Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo demonstraram o
maior consumo de agrotóxicos per capita. Nos resultados do ano de 1985, mais
de 76% das 80 microrregiões participantes dos dois decis de maior consumo,
pertencem a estes três Estados. Os dados de 1996 mostram que 64% das 100
microrregiões que compõem os dois decis de maior consumo também
pertencem a estes três Estados.
30

De modo geral, observamos que Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo
possuem, respectivamente, 59%, 42,4% e 39,3% do total de suas microrregiões
nos dois decis de maior consumo para ano de 1985. Para o ano de 1996,
observamos que estes três Estados apresentam a proporção de 55,3%, 54,3% e
38,1%, respectivamente.

2. Análise de Correlação
Ao analisarmos os dados de consumo de 1985 nas várias microrregiões
brasileiras e a mortalidade em menores de 1 ano de idade nos períodos de
1986,1987,1988,1989 e 1990, observamos um coeficiente de correlação r=0,307
(p=0,000) para mortalidade por malformações do SNC e r=0,391 (p=0,000) para
mortalidade por malformações do SCV.
Para os dados de consumo percapita de agrotóxicos em 1996 e
mortalidade por malformações específicas dos SNC e SCV em
1997,1998,1999,2000 e 2001, observamos uma correlação de r=0,296 (p=0,000)
e r=0,402 (p=0,000) respectivamente. Esses dados estão apresentados na
Tabela 1.

Tabela 1. Correlação entre gasto percapita e mortalidade por malformações no


SNC e SCV em menores de 1 ano.
SNC SCV
r p-value r p-value
1985 0,307 0,000 0,391 0,000
1996 0,296 0,000 0,402 0,000

Esses resultados demonstram uma correlação fraca, porém significativa,


entre consumo percapita de agrotóxicos e mortalidade por malformações do
SNC e SCV em menores de 1 ano, como mostram os diagramas de dispersão
na figura 1.
31

Figura 1. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade


dos SNC e SCV para 1985 e 1996.

Ao avaliarmos tais correlações, estratificando-se por microrregiões


urbanas e rurais, observou-se uma mudança de padrão (Tabela 2).
Para o consumo de 1985, observamos um r=0,488 (p=0,000) para
mortalidade do SNC e r=0,468 (p=0,000) para SCV nos aglomerados rurais. Ao
contrário, observamos neste mesmo período um r=0,000 (p=0,999) para SNC e
r=0,128 (p=0,203) para SCV nos aglomerados urbanos.
No período de 1996, obtivemos um r=0,442 (p=0,000) para SNC e
r=0,578 (p=0,000) para SCV nos aglomerados rurais. Um r= -0,062 (p=0,538)
para SNC e r=0,011 (p=0,910) para SCV foram observados para os
aglomerados urbanos.
Os diagramas de dispersão referentes a estas análises estão
demonstrados nas figuras 2 e 3.
32

Tabela 2. Correlação entre gasto percapita e mortalidade por malformações no


SNC e SCV em menores de 1 ano nos períodos de 1986-1990 e 1997-2001.
SNC SCV
Urbano Rural Urbano Rural
r p-value r p-value r p-value r p-value
1985 0,000 0,999 0,488 0,000 0,128 0,203 0,468 0,000
1996 -0,062 0,538 0,442 0,000 0,011 0,910 0,578 0,000

Figura 2. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade


dos SNC e SCV para 1985 em Microrregiões Rurais e Urbanas.
33

Figura 3. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade


dos SNC e SCV para 1996 em Microrregiões Rurais e Urbanas.

Calculou-se também a correlação entre o consumo percapita de


agrotóxicos e a taxa de mortalidade por malformações do SNC e SCV,dividindo-
se as microrregiões em urbanas e rurais e a população por sexo.
Observou-se que o sexo não é um fator condicionante, pois os
coeficientes de correlação não apresentam grande variação entre sexos em
ambos os períodos analisados. Já a estratificação por status urbano/rural
continua demonstrando que para ambos, meninos e meninas, existe uma
correlação muito mais forte entre consumo de agrotóxicos e mortalidade pelas
malformações estudadas nas área rurais que nas áreas urbanas.
Nas microrregiões urbanas, o consumo de agrotóxicos em 1985
apresentou correlações fracas, não significativas, com as taxas de mortalidade
por malformações do SNC, tanto para os nascidos do sexo
masculino(r=0,107;p=0,287), quanto para os do sexo feminino(r= -
0,139;p=0,167). Padrão semelhante foi observado, nestas microrregiões, no que
se refere ao grau correlação entre consumo de agrotóxicos e mortalidade por
34

malformações no SCV, ou seja, correlações apenas fracas e sem significância


estística (masculino: r=0,159; p=0,112 e feminino: r=0,055; p=0,582).
Já entre as microrregiões rurais, observou-se um grau de correlação
moderado, estatísticamente significativo, entre o consumo de agrotóxicos e a
taxa de mortalidade por malformações do SNC, tanto para o sexo masculino
(r=0,429; p=0,000), quanto para o feminino(r=0,417; p=0,000). Da mesma forma,
quando correlacionado às taxas de mortalidade por malformações SCV, o
consumo de agrotóxicos apresentou uma força de correlação moderada,
também sigficativa, para ambos os sexos, masculino (r=0,431; p=0,000) e
feminino (r=0,476; p=0,000) (Tabela 3).

Tabela 3. Correlação entre gasto percapita de agrotóxicos e mortalidade por


malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano em microrregiões urbanas e
rurais, estratificado por sexo – Brasil, 1986-1990.
SNC SCV
Masc Fem Masc Fem
r p-value r p-value r p-value r p-value
Urbano 0,107 0,287 -0,139 0,167 0,159 0,112 0,055 0,582
Rural 0,429 0,000 0,417 0,000 0,431 0,000 0,476 0,000

É interessante notar que o perfil da correlação entre as taxas de


mortalidade por malformações do SNC e SCV nos anos que sucederam o
consumo de agrotóxicos em 1996, seguiu padrão semelhante ao descrito
ateriormente para consumo destas substâncias no ano de 1985. Ou seja,
correlações muito fracas em microrregiões urbanas e bem mais elevadas,
formalmente consideradas moderadas, nas microrregiões rurais (Tabela 4). No
entanto, algumas diferenças merecem nota. Primeiro, no que tange as
malformações do SNC, nas microrregiões urbanas, a correlação passou a ser
negativa, para ambos os sexos (masculino: r= -0,101; p=0,311 e feminino: r= -
0,040; p=0,688). O mesmo ocorreu na correlação com as taxas de mortalidade
por malformações do SCV, para o sexo feminino (r=-0,142; p=0,154). Ainda em
relação ao período anterior de análise, observou-se também uma mudança na
intensidade das correlações nas microrregiões rurais. Enquanto que esta
intensidade, neste período foi um pouco menor para as malformações do SNC
35

(masculino: r=0,328; p=0,000 e feminino: r=0,362; p=0,000), para aquelas do


SCV, elas foram mais elevadas (masculino: r=0,519; p=0,000 e feminino:
r=0,563; p=0,000).

Tabela 4. Correlação entre gasto percapita de agrotóxicos e mortalidade por


malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano em microrregiões urbanas e
rurais, estratificado por sexo – Brasil, 1997-2001.
SNC SCV
Masc Fem Masc Fem
r p-value r p-value r p-value r p-value
Urbano -0,101 0,311 -0,040 0,688 0,180 0,070 -0,142 0,154
Rural 0,328 0,000 0,362 0,000 0,519 0,000 0,563 0,000

Os diagramas de dispersão referentes as tabelas 3 e 4 estão representados nas


figuras 4, 5, 6 e 7.

Figura 4. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade


dos SNC e SCV para 1985 em Microrregiões Rurais estratificadas por sexo.
36

Figura 5. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade


dos SNC e SCV para 1985 em Microrregiões Urbanas estratificadas por sexo.
37

Figura 6. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade


dos SNC e SCV para 1996 em Microrregiões Rurais estratificadas por sexo.
38

Figura 7. Diagramas de Dispersão Consumo percapita x Taxa de mortalidade


dos SNC e SCV para 1996 em Microrregiões Urbanas estratificadas por sexo.

3. Razão de Taxas de Mortalidade


As análises de razão de taxas foram feitas em etapas, como já citado
anteriormente. Em primeiro lugar categorizamos as microrregiões com base no
decil de consumo per capita de agrotóxicos, tanto para o período de 1986-1990
como para 1997-2001. Em seguida, calculamos as taxas de mortalidade por
malformações do SNC e SCV para cada decil. Por fim, calculamos as razões de
taxas, tendo o decil de menor consumo (1o. decil) como referência.
A tabela 5 apresenta as razões de taxas de mortalidade para o período de
1986-1990 nas microrregiões estudadas independente de seu status urbano ou
rural. Pode-se observar que, de forma global, não há aumento do risco de morte
por malformação do SNC ou SCV em menores de 1 ano no Brasil nas
microrregiões de maior consumo de agrotóxicos, quando a análise inclui
indistintamente, microrregiões urbanas e rurais.
Para a análise de tendência dos mesmos dados, podemos perceber que o
valor da magnitude da tendência é baixo tanto para mortalidade por
39

malformações do SNC quanto para do SCV. Sendo que, para o SNC esta
tendência é considerada significativa ao contrário do observado para o SCV.

Tabela 5. Consumo percapita de agrotóxicos em 1985 em Microrregiões do


Brasil e risco de morte por malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano
de 1986-1990.
Decis de
SNC SCV
Consumo Tendência
Tendência
RR(IC95%) RR(IC95%)
1 1 1

Qui-sq= 4,35 p= 0,037

Qui-sq= 1,03 p= 0,310


2 0,51 (0,46-0,57) 0,51 (0,47-0,55)
3 0,72 (0,66-0,79) 0,75 (0,71-0,80)
4 0,77 (0,69-0,85) 0,69 (0,64-0,75)
5 0,78 (0,71-0,86) 0,80 (0,75-0,85)
6 0,65 (0,59-0,63) 0,79 (0,74-0,84)
7 0,76 (0,69-0,85) 0,81 (0,76-0,87)
8 0,99 (0,90-1,09) 0,99 (0,93-1,06)
9 0,93 (0,84-1,04) 0,90 (0,83-0,97)
10 0,91 (0,81-1,03) 0,99 (0,91-1,06)

Já na tabela 6, observam-se as razões de taxas de mortalidade para o


período de 1997-2001 nas microrregiões estudadas, independente de seu status
urbano ou rural. Neste período, um aumento no risco de morte por
malformações do SNC no nono e décimo decis (R.R:1,04; IC95%:0,94-1,15) e
(RR:1,02; IC95%:0,92-1,15) pôde ser observado. Para mortalidade por
malformações do SCV, observou-se também um aumento do risco no oitavo
(RR:1,03; IC95%:0,96-1,06), nono (RR:1,04; IC95%:0,97-1,12) e décimo (RR:
1,03;IC95%:0,95-1,12) decis de consumo de agrotóxico.
Apesar destes resultados observados para a mortalidade por
malformações no período de 1997-2001, que se seguiu ao consumo de
agrotóxicos em 1996, os aumentos no risco de malformações não mostraram
significância estatística.
Para este mesmo período, a análise de tendência apresentou valores
também muito baixos e não-significativos estatisticamente.
40

Tabela 6. Consumo percapita de agrotóxicos em 1996 em Microrregiões do


Brasil e risco de morte por malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano
de 1997-2001.
Decis de
Consumo SNC Tendência SCV Tendência
RR(IC95%) RR(IC95%)
1 1 1
2 0,80 (0,74-0,96) 0,75 (0,71-0,80)

Qui-sq= 1,35 p= 0,244

Qui-sq= 2,61 p= 0,106


3 0,35 (0,31-0,38) 0,61 (0,56-0,65)
4 0,86 (0,78-0,94) 0,85 (0,80-0,91)
5 0,83 (0,75-0,91) 0,74 (0,69-0,80)
6 0,81 (0,73-0,89) 0,78 (0,73-0,83)
7 0,97 (0,88-1,07) 0,89 (0,83-0,96)
8 0,99 (0,90-1,09) 1,03 (0,96-1,06)
9 1,04 (0,94-1,15) 1,04 (0,97-1,12)
10 1,02 (0,92-1,15) 1,03 (0,95-1,12)

Ao estratificar-se a análise de razão de taxas de mortalidade em


microrregiões urbanas e rurais, foi possível observar um padrão completamente
distinto para estas duas situações.
A tabela 7 apresenta os resultados para as microrregiões urbanas no
período de análise de 1986-1990, ou seja, microrregiões que, teoricamente, não
teriam a atividade agrícola como principal atividade econômica.
Para mortalidade por malformações no SNC, não foi observado nenhum
aumento de risco de acordo com os decis de consumo. Já para as
malformações do SCV, observamos um significativo aumento do risco para o
segundo e o décimo decis de consumo (RR: 1,08; IC 95%: 1,03-1,14) e
(RR:1,18; IC 95%: 1,04-1,34), respectivamente. Observou-se também um
aumento no risco para o quarto e sexto decis, porém não-significativos (RR:
1,04; IC 95%: 0,96-1,12) e (RR: 1,02; IC 95%: 0,94-1,10), respectivamente.
A análise de tendência neste mesmo período demonstrou resultados
estatisticamente significativos (p=0,000), tanto para mortalidade por
malformações do SNC e SCV. A magnitude desses valores demonstrou um
pequeno aumento, sendo de χ² = 28,20 para SNC e χ² = 73,28 para SCV,
respectivamente.
41

Tabela 7. Consumo percapita de agrotóxicos em 1985 em Microrregiões


Urbanas do Brasil e risco de morte por malformações do SNC e SCV em
menores de 1 ano de 1986-1990.
Aglomerados Urbanos
Decis de
SNC SCV
Consumo Tendência Tendência
RR(IC95%) RR(IC95%)
1 1 1
2 0,99 (0,92-1,07) 1,08 (1,03-1,14)

Chi-sq= 28,20 p= 0,000

Chi-sq= 73,28 p= 0,000


3 0,71 (0,62-0,82) 0,62 (0,56-0,69)
4 0,86 (0,76-0,96) 1,04 (0,96-1,12)
5 0,83 (0,72-0,96) 0,74 (0,67-0,83)
6 0,96 (0,85-1,08) 1,02 (0,94-1,10)
7 0,61 (0,52-0,72) 0,67 (0,60-0,75)
8 0,78 (0,67-0,91) 0,80 (0,73-0,89)
9 0,83 (0,68-1,00) 0,91 (0,80-1,04)
10 0,91 (0,74-1,11) 1,18 (1,04-1,34)

Quando se calculou as razões de taxas, utilizando-se somente aquelas


microrregiões consideradas rurais no mesmo período (1986-1990), observou-se
um aumento crescente no risco de morte por malformações entre crianças
menores de 1 ano em função do decil de consumo de agrotóxicos. Os resultados
mostram esse comportamento tanto para malformações do SNC como SCV
(Tabela 8).
Para malformações do SNC, observou-se um risco significativo para todos
os decis, ressaltando os três decis de maior consumo (oitavo, nono e décimo),
que apresentaram estimativas de risco bastante elevadas se comparados ao
primeiro decil (RR:5,22; IC 95%: 4,11-6,63; RR: 4,18; IC 95%: 3,26- 5,37; RR:
4,77; IC 95%: 3,71-6,13, respectivamente).
Já para as malformações do SCV, no mesmo período em microrregiões
rurais, os resultados mostram o mesmo padrão de resposta, porém com
estimativas de risco de magnitude ligeiramente mais elevadas. É possível
observar isto já a partir do segundo e persistindo até o décimo decil. Para as
malformações do SNC as estimativas de risco variaram de 1,81 a 5,22 e para o
SCV, tais estimativas flutuaram entre 2,35 a 5,66.
42

Na análise de tendência neste período observamos também um resultado


estatisticamente significativo (p=0,000) para os aglomerados rurais. Além disso,
podemos verificar um grande aumento da magnitude desta tendência, com um
χ² = 282,99 para SNC e χ² = 615,92 para SCV. É interessante ressaltar que
esses valores são quase dez vezes maiores que os valores de tendência
observados para os aglomerados urbanos no mesmo período.

Tabela 8. Consumo percapita de agrotóxicos em 1985 em Microrregiões do


Brasil de aglomerados Rurais e risco de morte por malformações do SNC e SCV
em menores de 1 ano de 1986-1990.
Aglomerados Rurais
SNC SCV
Decis de Tendência Tendência
Consumo RR(IC95%) RR(IC95%)
1 1 1
Chi-sq= 282,99 p= 0,000

Chi-sq= 615,92 p= 0,000


2 1,81 (1,38-2,37) 2,35 (1,95-2,82)
3 2,87 (2,22-3,72) 3,03 (2,52-3,65)
4 3,71 (2,91-4,74) 3,84 (3,23-4,57)
5 2,63 (2,04-3,40) 3,55 (2,98-4,23)
6 3,19 (2,46-4,14) 4,36 (3,65-5,21)
7 4,46 (3,49-5,69) 5,40 (4,55-6,41)
8 5,22 (4,11-6,63) 5,66 (4,77-6,71)
9 4,18 (3,26-5,37) 4,23 (3,54-5,06)
10 4,77 (3,71-6,13) 5,64 (4,73-6,72)

As análises do risco de morte por malformações em menores de 1 ano de


idade, estratificada por microrregiões urbanas e rurais, para o período de análise
subseqüente, ou seja, 1997-2001 estão apresentadas nas tabelas 9 e 10,
respectivamente.
Na tabela 9, observamos um aumento, não-significativo, no risco de morte
por malformações do SNC apenas para o sétimo decil de consumo per capita de
agrotóxicos (RR: 1,02; IC 95%: 0,87 – 1,09), quando comparado com o primeiro
decil. Na análise de tendência para este tipo de malformação, assim como no
período de 1986 a 1990, observamos um valor de magnitude baixa apesar de
significativo (χ² = 4,53 p= 0,033). Já para a mortalidade por malformações do
SCV, quando comparado com o primeiro decil, observamos aumento no risco
em diversos decis de consumo: estes foram significativos para o segundo (RR:
43

1,18; IC 95%:1,11-1,25), terceiro (RR: 1,09; IC 95%:1,02-1,16), quinto (RR: 1,15;


IC 95%:1,07-1,24), sétimo (RR: 1,13; IC 95%:1,01-1,26) e décimo decis (RR:
1,15; IC 95%:1,01-1,31). Foi também mais elevado, porém não significativo para
o oitavo decil (RR: 1,10; IC 95%: 0,99-1,22).
É importante salientar que tal elevação no risco de morte por malformações,
observada principalmente para o SCV, parece não guardar relação com o
consumo de agrotóxicos, uma vez que a análise de tendência apresenta um
valor de magnitude muito baixa e não significativo estatisticamente.

Tabela 9. Consumo percapita de agrotóxicos em 1996 em microrregiões


urbanas e risco de morte por malformações do SNC e SCV em menores de 1
ano de 1997-2001.
Aglomerados Urbanos
SNC SCV
Decis de Tendência Tendência
Consumo RR (I.C. 95%) RR(I.C. 95%)
1 1 1
2 0,95 (0,87-1,03) 1,18 (1,11-1,25)
Qui-sq= 4,53 p= 0,033

Qui-sq= 2,92 p= 0,088


3 0,98 (0,90-1,07) 1,09 (1,02-1,16)
4 0,88 (0,77-0,99) 0,85 (0,78-0,94)
5 0,94 (0,85-1,05) 1,15 (1,07-1,24)
6 0,84 (0,73-0,97) 0,75 (0,68-0,84)
7 1,02 (0,87-1,09) 1,13 (1,01-1,26)
8 0,93 (0,79-1,08) 1,10 (0,99-1,22)
9 0,80 (0,67-0,96) 0,89 (0,79-1,02)
10 0,95 (0,78-1,14) 1,15 (1,01-1,31)

A tabela 10 mostra as razões de taxas de mortalidade por malformações


do SNC e SCV no período 1997-2001, subseqüente ao consumo de agrotóxicos
em 1996, em microrregiões rurais. Nota-se, que para estas microrregiões,
quando comparado às microrregiões de menor consumo per capita de
agrotóxicos (primeiro decil), todos os demais decis apresentaram risco mais
elevado de morte por malformações do SNC. Além disso, com exceção do
segundo decil, para todos os demais os riscos foram estatisticamente
significativos. Para este mesmo tipo de malformação, a análise de tendência
revelou uma magnitude novamente bem maior quando comparada aos
aglomerados urbanos, sendo igualmente significativa.
44

Padrão muito semelhante foi observado para o risco de morte por


malformações do SCV. Entretanto, para este desfecho, a magnitude do risco
estimado foi significativamente mais elevada em todos os decis de consumo de
agrotóxicos do que aqueles estimados para as malformações do SNC. Outra
diferença, é que para as malformações do SCV, as estimativas do risco foram
sempre significativas do ponto de vista estatístico, inclusive no segundo decil. A
análise de tendência para esta malformação específica também apresentou
magnitude bem mais alta do que a tendência observada nos aglomerados
urbanos para malformações do SCV, sendo que para os aglomerados rurais
esta tendência é estatisticamente significativa.
Neste ponto, se compararmos as estimativas do risco de morte por
malformações do SNC e SCV no período de 1997-2001, nas microrregiões
urbanas (Tabela 9) e rurais (Tabela 10). É possível notar uma diferença clara no
comportamento da magnitude do risco em função do decil de consumo. Como
dito anteriormente, nas microrregiões urbanas, ainda que se tenha observado
aumento no risco de morte, principalmente para malformações do SCV, a
magnitude deste risco não se alterou com o aumento do consumo de
agrotóxicos. Já entre as microrregiões rurais, percebeu-se que a magnitude do
risco de morte aumenta, com o aumento do consumo de agrotóxicos, tanto para
as malformações SNC quanto para o SCV.
Vale ressaltar, mais uma vez, que as análises de tendência dos
aglomerados rurais apresentaram valores de magnitude muito maiores que dos
aglomerados urbanos. A tendência para malformações do SNC foi χ² = 255,86
com p= 0,000, mais de cinqüenta vezes maior que a encontrada para os
aglomerados urbanos. Já a tendência para malformações do SCV nos
aglomerados rurais foi de χ² = 805,42 com p= 0,000, mais de duzentas vezes o
valor da tendência para o mesmo tipo de malformação nos aglomerados
urbanos.
45

Tabela 10. Consumo percapita de agrotóxicos em 1996 em microrregiões rurais


e risco de morte por malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de
1997-2001.
Aglomerados Rurais
SNC SCV
Decis de Tendência Tendência
Consumo RR (I.C. 95%) RR (I.C. 95%)
1 1 1

Qui-sq= 255,86 p= 0,000

Qui-sq= 805,43 p= 0,000


2 1,07 (0,89-1,30) 1,59 (1,35-1,87)
3 1,39 (1,14-1,69) 1,70 (1,43-2,03)
4 1,47 (1,23-1,77) 2,41 (2,06-2,81)
5 1,70 (1,41-2,04) 2,57 (2,19-3,01)
6 1,84 (1,54-2,20) 2,69 (2,30-3,14)
7 1,96 (1,63-2,35) 3,16 (2,70-3,69)
8 2,55 (2,16-3,02) 4,27 (3,69-4,94)
9 2,45 (2,06-2,93) 4,19 (3,61-4,87)
10 2,39 (1,99-2,87) 4,10 (3,51-4,78)

Outra análise interessante seria perceber se o risco de morte por


malformações nos diversos decis de consumo de agrotóxicos, em microrregiões
urbanas e rurais varia entre os menores de 1 ano do sexo masculino e feminino.
Para o período de estudo de 1986-1990, tal análise é apresentada nas tabelas
11 (microrregiões urbanas) e 12 (microrregiões rurais).
Na tabela 11 observamos os resultados para as microrregiões urbanas.
Não há aumento de risco para a mortalidade por malformações do SNC , tanto
para o sexo masculino quanto para o feminino, exceto por um ligeiro aumento,
não significativo, observado para o segundo decil no sexo feminino. Para as
malformações do SCV, observamos aumento risco de morte em alguns decis,
mas mais uma vez tal elevação no risco parece não acompanhar o aumento no
consumo de agrotóxicos, representado aqui pelo aumento no decil de gasto
percapita com agrotóxicos.
Neste mesmo período, os aglomerados urbanos apresentam novamente
valores baixos de tendência para os dois tipos de malformação avaliados, tanto
para o sexo masculino como para o feminino, sendo que as magnitudes
encontradas para o sexo feminino foram relativamente mais altas que para o
sexo masculino. Apesar de estatisticamente significativas, estas magnitudes
46

baixas corroboram a impressão de que os aumentos de risco encontrados nesta


análise não parecem estar associados ao consumo de agrotóxicos.

Tabela 11. Consumo percapita de agrotóxicos em 1985 e risco de morrer por


malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de idade, de acordo com o
sexo, em microrregiões urbanas, no período de 1987-1990.
Aglomerados Urbanos / RR (IC 95%) - Masculino
Decis de consumo SNC Tendência SCV Tendência
1 1 1
2 0,93 (0,83-1,04) 1,09 (1,01-1,17)

Qui-sq= 10,47 p= 0,001


Qui-sq= 7,36 p= 0,007
3 0,77 (0,63-0,94) 0,65 (0,56-0,75)
4 0,74 (0,62-0,88) 1,07 (0,97-1,18)
5 0,85 (0,70-1,04) 0,74 (0,64-0,85)
6 0,98 (0,84-1,17) 1,05 (0,95-1,17)
7 0,57 (0,45-0,73) 0,65 (0,56-0,76)
8 0,81 (0,66-1,01) 0,88 (0,73-0,96)
9 0,98 (0,75-1,27) 1,01 (0,85-1,19)
10 0,93 (0,70-1,24) 1,17 (0,99-1,38)
Aglomerados Urbanos / RR (IC 95%) – Feminino
Decis de consumo SNC Tendência SCV Tendência
1 1 1
2 1,05 (0,95-1,17) 1,04 (0,93-1,03)
Qui-sq= 20,64 p=0,000

Qui-sq= 14,82 p=0,000


3 0,66 (0,53-0,81) 0,59 (0,50-0,89)
4 0,98 (0,84-1,14) 1,00 (0,90-1,12)
5 0,82 (0,67-1,00) 0,76 (0,65-0,88)
6 0,94 (0,79-1,11) 0,98 (0,87-1,10)
7 0,65 (0,52-0,82) 0,70 (0,60-0,82)
8 0,75 (0,61-0,93) 0,77 (0,66-0,90)
9 0,69 (0,52-0,93) 0,81 (0,66-0,99)
10 0,91 (0,68-1,20) 1,20 (1,00-1,44)

A tabela 12 traz os resultados da mesma análise, mas para as microrregiões


rurais. Para mortalidade por malformações do SNC, podemos notar que para
todos os decis de consumo de agrotóxicos houve um aumento significativo no
risco de morte por tais malformações e que o padrão de aumento na magnitude
do risco em função do aumento do consumo permaneceu. Para a análise de
tendência verificamos que a magnitude encontrada para o sexo masculino é
22,86% maior que a magnitude do sexo feminino. Para as malformações do
SCV, os riscos também foram mais significativamente elevados em todos os
decis de consumo de agrotóxicos, quando comparados ao primeiro. A
47

magnitude deste risco cresceu com o aumento do consumo de agrotóxicos e,


para este conjunto específico de malformações, a magnitude da tendência
encontrada para o sexo feminino foi 16,96% maior que a encontrada para o sexo
masculino. Esta análise nos mostra mais uma vez que a magnitude da tendência
para os aglomerados rurais é bem maior que nos aglomerados urbanos. As
magnitudes das tendências nos aglomerados rurais foram, em média, vinte
vezes maiores que as magnitudes dos aglomerados urbanos para ambos os
sexos, tanto para malformações do SNC como do SCV.

Tabela 12. Consumo percapita de agrotóxicos em 1985 e risco de morrer por


malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de idade, de acordo com o
sexo, em microrregiões rurais, no período de 1987-1990.
RR (IC 95%) – Masculino
Decis de consumo SNC Tendência SCV Tendência
1 1 1
Qui-sq= 161,24 p= 0,000

Qui-sq= 282,20 p=0,000


2 1,78 (1,20-2,64) 2,24 (1,75-2,85)
3 2,70 (1,85-3,95) 3,01 (2,37-3,82)
4 3,95 (2,78-5,62) 3,79 (3,02-4,76)
5 2,74 (1,89-3,96) 3,47 (2,76-4,36)
6 3,21 (2,20-4,68) 3,84 (3,04-4,87)
7 4,54 (3,18-6,48) 4,72 (3,77-5,92)
8 5,55 (3,92-7,85) 5,13 (4,10-6,42)
9 4,09 (2,83-5,89) 3,82 (3,02-4,04)
10 5,62 (3,93-8,04) 5,14 (4,07-6,48)
RR (IC 95%) – Feminino
SNC Tendência SCV Tendência
1 1 1
Qui-sq= 339,83 p= 0,000
Qui-sq= 124,39 p=0,000

2 1,91 (1,31-2,77) 2,50 (1,88-3,34)


3 3,11 (2,17-4,46) 3,07 (2,30-4,09)
4 3,59 (2,55-5,06) 3,87 (2,95-5,08)
5 2,62 (1,83-3,75) 3,62 (2,75-4,76)
6 3,29 (2,29-4,74) 5,09 (3,87-6,70)
7 4,55 (3,26-6,48) 6,35 (4,87-8,27)
8 5,13 (3,66-7,19) 6,41 (4,92-8,35)
9 4,44 (3,13-6,30) 4,81 (3,65-6,35)
10 4,15 (2,90-5,96) 6,34 (4,83-8,33)
48

Por fim, nas tabelas 13 e 14 são apresentados os resultados da


estratificação das razões de taxas, por status urbano/rural das microrregiões e
sexo do menor de 1 ano, para o período de 1997-2001, que sucede o consumo
de agrotóxicos em 1996.
Da mesma forma que para o período anterior, não houve aumento no
risco de morte por malformações do SNC nas microrregiões urbanas e não
houve nenhuma correlação entre a magnitude do risco e os decis de consumo
de agrotóxicos para ambos os sexos. Para as malformações do SCV, um
aumento no risco de morte foi observado, alguns significativos ou não, em
diversos decis de consumo. Entretanto, mais uma vez, para as microrregiões
urbanas, tal elevação no risco foi de pequena magnitude e sem uma relação
clara com o aumento no consumo de agrotóxicos. Outro aspecto importante é
que a magnitude dos riscos estimados foi muito semelhante nos dois sexos.
A análise de tendência reforça esta observação mostrando novamente
magnitudes muito baixas nos aglomerados urbanos. Além disso, os resultados
não demonstraram significância estatística com exceção do sexo feminino em
malformações do SCV
49

Tabela 13. Consumo percapita de agrotóxicos em 1996 e risco de morrer por


malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de idade, de acordo com o
sexo, nas microrregiões urbanas, no período de 1997-2001.
RR (IC 95%) - Masculino
Decis de consumo SNC Tendência SCV Tendência
1 1 1
2 0,95 (0,84-1,08) 1,19 (1,10-1,29)

Qui-sq= 2,95 p= 0,086

Qui-sq= 0,00 p= 0,954


3 0,91 (0,79-1,05) 1,09 (1,00-1,20)
4 0,87 (0,73-1,05) 0,83 (0,73-0,95)
5 0,92 (0,78-1,08) 1,18 (1,06-1,31)
6 0,89 (0,73-1,09) 0,79 (0,69-0,92)
7 0,98 (0,78-1,24) 1,15 (0,99-1,34)
8 0,90 (0,72-1,14) 1,12 (0,96-1,29)
9 0,78 (0,59-1,02) 0,96 (0,81-1,14)
10 0,90 (0,67-1,19) 1,28 (1,08-1,51)
RR (IC 95%) - Feminino
SNC Tendência SCV Tendência
1 1 1
2 0,95 (0,84-1,06) 1,17 (1,07-1,28)

Qui-sq= 5,47 p= 0, 019


Qui-sq= 1,75 p= 0,186

3 1,02 (0,90-1,16) 1,07 (0,97-1,18)


4 0,87 (0,74-1,04) 0,87 (0,76-1,00)
5 0,97 (0,84-1,13) 1,11 (0,99-1,25)
6 0,81 (0,67-0,98) 0,72 (0,61-0,84)
7 1,04 (0,85-1,29) 1,12 (0,95-1,31)
8 0,99 (0,77-1,18) 1,09 (0,93-1,27)
9 0,81 (0,63-1,04) 0,83 (0,68-1,01)
10 0,99 (0,77-1,28) 1,01 (0,83-1,23)

As estimativas do risco de morte por malformações do SNC e SCV em


menores de 1 anos, residentes em microrregiões rurais, estratificado por sexo,
estão apresentadas na tabela 14. Como era esperado, em virtude dos resultados
apresentados até o momento, o risco de morte por malformações do SNC foi
mais elevado nos demais decis, se comparados ao primeiro. Exceção a esse
padrão foi observada apenas para o segundo decil, entre os menores do sexo
masculino. Para as malformações do SCV, nenhuma exceção a esse padrão foi
observada, ou seja, para todos os demais decis, o risco de morte por estas
malformações entre menores de 1 ano foi significativamente mais elevado
quando comparados ao decil de menor consumo de agrotóxicos.
Da mesma forma, a análise de tendência não apresenta resultados
divergentes dos explicitados até agora, continuando as magnitudes dos
50

aglomerados rurais mais elevadas que dos aglomerados urbanos. Para


malformações do SNC temos um resultado estatisticamente significativo para os
dois sexos sendo a magnitude encontrada para o sexo feminino 21% maior que
a encontrada para o sexo masculino.
Para a mortalidade por malformações do SCV também encontramos
magnitudes significativas do ponto de vista estatístico, sendo a do sexo feminino
apenas 4,6% maior que a magnitude encontrada para o sexo masculino.
Uma consideração digna de nota é o fato de que, de maneira geral, as
magnitudes dos riscos estimados para malformações do SNC foram menores
que aquelas estimadas para malformações do SCV. Entre as malformações do
SCV, menores do sexo feminino apresentaram estimativas de risco com
magnitudes mais elevadas que aquelas observadas para menores do sexo
masculino.
A análise de tendência demonstra o mesmo comportamento. As magnitudes de
tendência observadas para o desfecho morte por malformações do SCV foram,
vias de regra, maiores que as observadas para SNC.
51

Tabela 14. Consumo percapita de agrotóxicos em 1996 e risco de morrer por


malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano de idade de acordo com o
sexo nos aglomerados rurais de 1997-2001.
RR (IC 95%) - Masculino
Decis de consumo SNC Tendência SCV Tendência
1 1 1

Qui-sq= 115,13 p= 0,000

Qui-sq= 398,05 p= 0,000


2 0,92 (0,70-1,22) 1,36 (1,10-1,68)
3 1,43 (1,08-1,88) 1,33 (1,05-1,69)
4 1,35 (1,04-1,75) 2,04 (1,67-2,50)
5 1,37 (1,05-1,80) 2,24 (1,82-2,75)
6 1,74 (1,35-2,24) 2,40 (1,97-2,93)
7 1,81 (1,39-2,35) 2,74 (2,24-3,36)
8 2,45 (1,94-3,11) 3,64 (3,02-4,40)
9 2,29 (1,79-2,94) 3,48 (2,87-4,23)
10 2,09 (1,61-2,72) 3,43 (2,81-4,19)
RR (IC 95%) - Feminino
SNC Tendência SCV Tendência
1 1 1
Qui-sq= 146,12 p= 0,000

Qui-sq= 417,27 p= 0,000


2 1,27 (0,97-1,66) 2,01 (1,56-2,61)
3 1,36 (1,01-1,82) 2,34 (1,78-3,07)
4 1,57 (1,21-2,05) 3,09 (2,41-3,96)
5 2,12 (1,64-2,75) 3,10 (2,41-4,01)
6 2,02 (1,56-2,71) 3,24 (2,52-4,16)
7 2,19 (1,69-2,85) 3,95 (3,08-5,08)
8 2,75 (2,16-3,50) 5,49 (4,34-6,95)
9 2,70 (2,09-3,47) 5,56 (4,37-7,07)
10 2,81 (2,17-3,64) 5,36 (4,19-6,85)

DISCUSSÃO
As malformações ou defeitos congênitos vêm crescendo em importância
como agravos a saúde nos últimos anos. Os óbitos devidos a causas infecciosas
vêm decaindo em importância, resultando em um aumento da proporção de
mortes atribuíveis aos defeitos congênitos (WHO, 2004). De acordo com
Horovitz, et al(2006), este comportamento também é visto no Brasil, onde entre
1980 e 2000 observou-se um declínio proporcional de óbitos por causas
infecciosas e respiratórias, passando as malformações congênitas do quinto ao
segundo lugar em causas de óbitos infantis. Na cidade do Rio de Janeiro a
porcentagem de mortes devido a malformações congênitas passou de 15% no
ano de 2000 para 18% no ano de 2003 (Costa, et al, 2006).
52

Além deste quadro epidemiológico, também é preciso lembrar que o


consumo de agrotóxicos tem crescido no Brasil nos últimos anos e a tendência é
que esse crescimento seja mantido. Em 2008 o Brasil assumiu a liderança
mundial no consumo de agrotóxicos, superando os EUA. Dados preliminares da
indústria indicam que os produtores brasileiros compraram cerca de US$ 7
bilhões em agrotóxicos, US$ 200 milhões a mais que os norte-americanos, até
então líderes mundiais. Um levantamento do Instituto Internacional de Pesquisa
em Agronegócios mostra um crescimento de quase 30% no mercado de
insumos agrícolas no mesmo ano (AGED, 2009).
De acordo com estimativas do SINDAG, o mercado brasileiro de
agrotóxicos cresceu 35% de 2007 para 2008. Em 2007, todos os segmentos de
agrotóxicos somados gastaram cerca de R$ 6.291 milhões contra R$ 8.484
milhões em 2008 (SINDAG, 2008).
Nossos resultados mostraram haver uma correlação positiva entre o
consumo percapita de agrotóxicos e as taxas de mortalidade por malformações
do SNC e SCV em microrregiões rurais brasileiras, tanto para o período que
sucedeu o consumo em 1985 (1986-1990) quanto 1996 (1997-2001). Tal
correlação não foi observada entre microrregiões urbanas. Isto sugere, que a
exposição a agrotóxicos deve ser um fator definidor do padrão de morte por
malformações apenas no ambiente rural, já que os fatores de risco para
malformações no ambiente urbano são de outra natureza e por vezes
inexistentes no meio rural.
Alguns trabalhos tentaram relacionar local de moradia ou data de
concepção com maior ou menor chance de ter um filho apresentando defeitos
congênitos ao nascer. Em um trabalho realizado nos EUA, mulheres expostas
ocupacionalmente a agrotóxicos tiveram um aumento no risco de ter um filho
apresentando defeitos de fechamento do tubo neural e anormalidades do
sistema límbico (OR:1,6; IC 95%: 1,1-2,5) e (OR:1,6; IC 95%: 1,0-2,7),
respectivamente. No mesmo estudo verificou-se também um aumento no risco
de se ter um filho com defeitos de fechamento do tubo neural em mulheres que
53

residiam próximas a locais de aplicação de agrotóxicos (OR:1,5; IC 95%:1,1-2,1)


(Shaw, et al, 1999).
Em um estudo do Texas, EUA, com mulheres de origem mexicana,
observou-se um aumento no risco de se ter um bebê apresentando defeitos de
fechamento tubo neural para aquelas que aplicavam agrotóxicos no quintal ou
no jardim (OR:2,0 IC 95%: 1,1-3,7) e para aquelas que moravam próximas a
locais de aplicação (OR:2,7; IC 95%:1,4-5,5) (Brender, et al, 2010).
Em outro trabalho, realizado em Minnesota, também nos EUA, os autores
observaram um aumento significativo do risco se ter um filho apresentando
defeitos congênitos nas regiões de maior consumo de pesticidas (OR:1,86; IC
95%:1,69-2,05)(Garry, et al, 1996).
No presente trabalho, buscou-se estudar a associação entre mortalidade
por malformações específicas do SNC e SCV e exposição a agrotóxicos no
Brasil, utilizando-se como variável substituta o consumo percapita de
agrotóxicos no país. Observou-se uma correlação positiva entre consumo
percapita de agrotóxicos tanto para mortalidade por malformações do SNC como
do SCV, principalmente nas regiões agrícolas (p<0,000).
Em um estudo ecológico realizado também nos EUA, os autores
perceberam um aumento significativo do risco de dar à luz a uma criança
apresentando defeitos congênitos quando o período de concepção situava-se
nos meses de maior uso de pesticidas (abril-julho). Esta correlação foi
observada para espinha bífida, malformações do sistema circulatório (p<0,01) e
sistema urogenital (p<0,05), entre outros (Winchester, et al, 2009).
Todos os estudos citados apresentaram a possibilidade de associação
entre exposição a agrotóxicos e ocorrência de defeitos congênitos na população
estudada, assim como o presente estudo.
Utilizou-se o Sistema de Informação em Mortalidade, que reúne
informações sobre óbitos de todo o país. Infelizmente, essa fonte de dados pode
levar à erros nas estimativas de risco, já que um número significativo de mortes
deixa de ser registrado todos os dias. Cabe dizer ainda que muitas mortes em
menores de 1 ano de idade devidas a malformações congênitas deixam de ser
54

registradas com tal, sendo consideradas complicações no período do pós-parto,


sem investigações posteriores (Victora & Barros, 2001).
Em um estudo sobre a qualidade das notificações de defeitos congênitos
no Brasil, observou-se uma subnotificação de 46,8% para anomalias congênitas
em geral, diminuindo para 36,4% quando a análise restringiu-se a anomalias
congênitas maiores (Luquetti & Koifman, 2009).
Além disso, o SIM não coleta informações sobre saúde e hábitos de vida
do indivíduo, como consumo de álcool, doenças pregressas e durante a
gestação, consumo de drogas ilícitas, utilização de medicamentos,
acompanhamento pré-natal, utilização ou não de ácido fólico. A falta de todos
estes itens pode levar a vieses no estudo, já que todos eles podem contribuir
para a ocorrência de malformações congênitas.
A utilização da mortalidade para avaliar a associação entre o fator de
risco e a ocorrência de malformações específicas do SNC e SCV pode levar à
distorções da estimativa de risco.
Primeiramente, devemos avaliar que muitas vezes os fetos acometidos
por malformações não chegam a nascer, sofrendo morte fetal e aborto
espontâneo e, dessa forma, não chegam a fazer parte das estatísticas de morte
utilizadas neste trabalho. Aqueles que nascem e vêm a óbito dentro de 1 ano
podem ser considerados sobreviventes dentro desta perspectiva. Torna-se
importante ressaltar que anomalias graves, como as do SNC e SCV, associam-
se ao aumento de morte fetal anteparto tanto em países desenvolvidos como em
países subdesenvolvidos e que mais de 20% das gestações com fetos
malformados terminam em abortamento espontâneo (Amorim, et al, 2006).
Em segundo lugar devemos considerar que em muitos casos estas
malformações específicas não chegam a levar a morte, como no caso de alguns
graus de encefalocele, espinha bífida, transposição dos grandes vasos e
comunicação interventricular, alguns desses já podendo ser corrigidos com
cirurgia em centros médicos de qualidade. Apesar disso, as malformações do
SNC e SCV são de grande seriedade e em sua maioria incompatíveis com a
vida se não tratadas em tempo hábil. Considerando que a maioria da população
55

brasileira não tem condições econômicas de arcar com as despesas exigidas em


um centro especializado em saúde materno-infantil, talvez para este trabalho a
mortalidade forneça uma boa idéia da realidade de ocorrência desses defeitos
congênitos.
As fontes de informação sobre o consumo de agrotóxicos também podem
levar a falsas estimativas de risco, pois muitos trabalhadores não informam
adequadamente o uso destes insumos, ora por falta de informação, ora por
medo de retaliações por parte dos patrões. Além disso, o mercado paralelo
destes produtos no Brasil ainda é muito forte por conta da falta de fiscalização
dos órgãos competentes (Soares, et al, 2003).
Devemos ressaltar também que o acesso aos serviços de saúde no Brasil
são de importante iniqüidade, sendo que as populações de áreas rurais não
dispõem da mesma facilidade em acessar serviços de saúde que a população
urbana. Utilizamos a mortalidade como forma de comparação entre os dois
grupos e é possível que pelo motivo acima citado a mortalidade por
malformações nas áreas rurais seja maior que nas áreas urbanas. Este fato
pode ter contribuído para o aumento do risco nas áreas rurais.
Por fim, ao avaliarmos a análise de tendência pudemos observar
resultados sempre significativos para os aglomerados rurais, demonstrando ser
provável que se aumentássemos o número de decis de consumo avaliados para
este grupo, continuaríamos observando um aumento do risco à medida que
crescesse o consumo.
Outra observação importante decorrente desta análise é a diferença das
magnitudes das tendências entre aglomerados urbanos e rurais. Observamos
que os resultados para os aglomerados rurais foram sempre, pelo menos, dez
vezes maiores que os encontrados para aglomerados urbanos. Com isso,
podemos inferir que apesar dos dois grupos, urbanos e rurais, apresentarem
tendências significativas existe a possibilidade de esta tendência ter maior força
nos aglomerados urbanos.
56

CONCLUSÃO
Os resultados do presente estudo demonstram uma correlação positiva
entre consumo percapita de agrotóxicos e as taxas de mortalidade por
malformações do SNC e SCV em menores de 1 ano nos períodos de 1986 a
1990 e de 1997 a 2001. Esta associação sofre um incremento quando avaliamos
apenas as microrregiões rurais, demonstrando a importância da exposição a
estas substâncias nestas regiões de mais intensa atividade agrícola.
Quando se avaliou o risco relativo de morrer por malformações do SNC
ou SCV, em menores de 1 ano de idade, residentes em microrregiões de alto
consumo de agrotóxicos, comparando-os com os riscos naquelas de mais baixo
consumo, observou-se um aumento deste risco naquelas microrregiões de
maior consumo.
Constatamos também uma tendência significativa de aumento deste risco
para os aglomerados rurais e uma magnitude de tendência muito maior neste
grupo quando comparado aos aglomerados urbanos.
Em relação à categoria de malformação, verificou-se que o risco foi
levemente maior para mortalidade por malformações do SCV tanto para o
período de 1986 a 1990 como para o período de 1997 a 2001, nas microrregiões
rurais.
O risco de morte por malformações do SCV foi ligeiramente maior entre
os menores de 1 ano do sexo feminino.
Tais informações sugerem que a atividade agrícola e a conseqüente
exposição a agrotóxicos podem estar relacionadas ao aparecimento de defeitos
congênitos na população infantil.
Essa consideração é importante, levando-se em conta a alta participação
das mulheres no trabalho agrícola, acompanhando os maridos ou limpando o
material utilizado na lavoura, muitas vezes, sem a percepção de que estão
sendo expostas. Esse contexto pode contribuir para o aumento da ocorrência de
mal-formações, pois as mães não se afastam do trabalho agrícola nem utilizam
equipamentos de proteção durante a gestação.
57

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