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@ 2000 Leonardo Boff
Todos os direitos desta edição reservados
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5
BoFF, Leonardo.
Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Brasma : Letraviva,
2000.
Ilustrada.
165p.
ISBN 85-87374-19-2
COO 170
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URG~NCtA DE UM ETHOS MUNDIAL,
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o ETHOS MUNDIAL DE QUE PRECISAMOS, 13 I
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1. Problemas globais, soluções globais, 13
2. A revoluçõo possível em tempos de globolização, 16
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E T H O MUNDIAL
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PREFÁCIO
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E T H O MUNDIAL
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l E O N DoBoff E T H O U N D I A I
A atividade humana irresponsável em face da máquina e da cultura. Essa forma é profundamente desigual, por-
de morte que criou pode produzir danos irreparáveis à que privilegia as minorias que detêm o ter, o poder e o
biosfera e destruir as condições de vida dos seres huma- saber sobre as grandes maiorias que vivem do trabalho;
nos. Numa palavra, vivemos sob uma grave ameaça de em nome de tais títulos se apropriam de maneira privada
desequilibrio ecológico que poderá afetar a Terra como dos bens produzidos pelo empenho de todos. Os laços
sistema integrador de sistemas. Ela é como um coração. de solidariedade e de cooperação não são axiais, mas o
Atingido gravemente, todos os demais organismos vi- são o desempenho individual e a competitividade, cria-
tais serão lesados: os climas, as águas potáveis, a química dores permanentes de apartação social com milhões e
dos solos, os microorganismos, as sociedades humanas. milhões de marginalizados, de excluídos e de vitimas.
A sustentabilidade do planeta, urdida em bilhões de anos A raiz do alarme ecológico reside no tipo de relação
de trabalho cósmico, poderá desfazer-se. A Terra bus- que os humanos, nos últimos séculos, entretiveram com a
cará um novo equilibrio que, seguramente, acarretará Terra e seus recursos: uma relação de domínio, de não reco-
uma devastação fantástica de vidas. Tal princípio de nhecimento de sua alteridade e de fàlta do cuidado necessá-
autodestruição convoca urgentemente outro: o princí- rio e do respeito imprescindível que toda alteridade exige. O
pio de co-responsabilidade por nossa existência como projeto da tecnociência, com as caracteristicasque possui hoje,
espécie e como Planeta. Se queremos continuar a aven- só foi possível porque, subjacente, havia a vontade de poder
tura terrenal e cósmica, temos de tomar decisões coleti- e de estar sobrea natureza e nãojuntodela e porque se destruiu
vas que se ordenam à salvaguarda do criado e à manu- a consciência de uma grande comunidade biótica, terrena! e
tenção das condições gerais que permitam à evolução cósmica, na qual se encontra inserido o ser humano, junta-
seguir seu curso ainda aberto. mente com os demais seres.
Esta constatação não representa uma atitude
2. A revolução possível em
obscurantista em face do saber científico-técnico, mas
tempos de globalização
uma critica ao tipode saber científico-técnico e àjormacomo
A causa principal da crise social se prende à for- ele foi apropriado dentro de um projeto de dominium mundi.
ma como as sociedades modernas se organizaram no Este implica a destruição da aliança de convivência har-
acesso, na produção e na distribuição dos bens da natureza mônica entre os seres humanos e a natureza, em favor de
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L E O N DOBOFF T H O UNO I A l
interessesapenas utilitaristase parcamente solidários.Não outro tipo de história, caracterizada pelas culturas
se teve em conta a subjetividade,a autonomia e a alterida- regionais e pelos estados-nações. Para tal revolução
de dos seres e da própria natureza. global, far-se-ia necessária uma ideologia revolucio-
Importa, entretanto,reconhecer que o projeto da tec- nária global, com seus portadores sociais globais que
nociência trouxe incontáveis comodidades para a exis- tivessem tal articulação, coesão e tanto poder que
tência humana. Levou-nos para o espaço exterior, crian- fossem capazes de se impor a todos. Ora, tal situação
do a chance de sobrevivência da espécie homo sapiens/ de- não é dada nem possivelmente dar-se-á proximamen-
mens em caso de uma eventual catástrofe antropológica. te. E os problemas gritam por um encaminhamento,
Universalizou formas de melhoria de vida (na saúde, na pois sem ele poderemos ir de encontro ao pior.
habitação, no transporte, na comunicação, etc.) como ja- A saida que muitos analistas propõem e que nós
mais antes na história humana. Desempenhou, portanto, assumimos - é a razão de nosso texto - é encontrar
uma função libertadora inestimável. Hoje, entretfU1to,a uma nova base de mudança necessária. Essa base de-
continuação desse tipo de apropriação utilitarista e veria apoiar-se em algo que fosse realmente comum
anti-ecológica poderá alcançar limites intransponíveis e e global, de fácil compreensão e realmente viável.
dai desastrosos. Atualmente, para conservar o patrimô- Partimos da hipótese de que essa base deve ser ética,
nio natural e culturalacumulados,devemos mudar. Senão de uma ética mínima, a partir da qual se abririam
mudarmos deparadigmacivilizatório,senão reinventarmos possibilidades de solução e de salvação da Terra,
relações mais benevolentes e sinergéticascom a natureza da humanidade e dos desempregados estruturais.
e de maior colaboração entre os vários povos, culturas e Bem o reconheceu o ex-governador do Distrito
religiões,dificilmente conservaremos a sustentabilidade Federal, o educadol; e economista Cristovam Buarque:
necessária para realizar o projeto humano, aberto para o
"O programa de erradicação da pobreza não
futuro e para o infinito.
será o resultado de uma revolução social, nem será
Para resolver esses três problemas globais, de- possível com o poder exclusivo de um único parti-
ver-se-ia, na verdade, fazer uma revolução também do; qualquer que seja o governo, será necessária
global. Entretanto, assim nos parece, o tempo das uma base de apoio ampla, baseada ... numa
revoluções clássicas, havidas e conhecidas, pertence a coalizão que se fará por razões éticas, muito mais
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LEON/DOBOFF
ETHOS UNO I A I
Nessa linha, dever-se-á, pois, fazer um pacto ético, periência do Ser, de uma nova percepção do todo
fundado, como veremos, não tanto na razão ilustrada, ligado, re-ligado em suas partes e conectado com a
mas no pathos, vale dizer, na sensibilidade humanitária Fonte originária donde promanam todos os entes.
e na inteligência emocional expressas pelo cuidado,
pela responsabilidade social e ecológica, pela
solidariedade generacional e pela compaixão, atitudes
essas capazes de comover as pessoas e de movê-las
para uma nova prática histórico-social libertadora. Urge
uma revolução ética mundial.
Tal revolução ética deve ser concretizada dentro da
nova situaçãoem que se encontram a Terra e a humanida-
de: o processo de globalização que configura um novo
patamar de realização da história e do próprio planeta.
Nesse quadro, deve emergir a nova sensibilidadee o novo
ethos, uma revoluçãopossívelnos tempos da globalização.
Por ethoI, entendemos o conjunto das inspirações,
dos valores e dos princípios que orientarão as rela-
ções humanas para com a natureza, para com a
sociedade, para com as alteridades, para consigo
mesmo e para com o sentido transcendente da exis-
tência: Deus. Como veremos ao longo de nossas re-
flexões, esse ethos não nasce límpido da vontade, como
Atena nasceu toda armada da cabeça de Júpiter. Mas
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i 21
2. O PLANETÁRIO: NOVO
PATAMAR DA TERRA E DA
HUMANIDADE.
A irrupção da consciênciáacerc
pátria e mátria comum de todos os seres funda o novo
patamar da realização da história e do próprio Pla-
neta. Esse processo de constituição já possui mais de
quatro bilhões de anos. A figura dos estados-nações
circunscritos aos seus limites geográficos e culturais
pertence a um outro tipo de história, embora como
modelo seja ainda dominante e funcionalmente por
enquanto seja imprescindível.
Importa reconhecer que o estado-nação repre-
senta ainda um fator político decisivo na coorde-
nação de um projeto nacional, aberto ao global':
no estabelecimento de políticas públicas que so-
mente um ente público pode operar e no controle
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LEONA JOBOFF ETHOS i N O I A l
dos grandes conglomerados globais que, ao buscar ,Colocará no centro não este ou aquele país ou bloco
seus interesses privados, assaltam e dilapidam as eco- geopolítico e econômico, esta ou aquela cultura, mas a
nomias regionais e nacionais, indefesas diante de sua Terra, entendida como um macros sistema orgânico,
voracidade ilimitada. um super-organismo vivo, Gaia, ao qual todas as ins-
Ademais, enquanto não forem estabelecidas as tâncias devem servir e estar subordinadas. A esse cen-
instituições e as configurações jurídicas que assumem tro pertence a humanidade, composta por @hos e fi-
a governança da república terrenal e zelam pelo pa- lhas da Terra, humanidade entendida como a própria
trimônio comum da biosfera e da humanidade, o es- Terra que alcançou o estágio de sentimento, de pensa-
tado não pode ver seu poder erodido, a preço de mento reflexo, de responsabilidade e de amorização.
não se aplicarem soluções globais somente possíveis Juntamente com a humanidade, devem ser con-
mediante ações inter-estatais. Enquanto tais instâncias siderados os demais organismos da rede da vida, com
não surgirem, cabe aos estados, em espírito de par- os quais a humanidade está numa profunda ligação
ceria global, buscar soluções para todo o planeta e de parentesco, pelo fato de que fundamentalmente a'
para a humanidade. vida é uma e única (a mesma estrutura básica da ca-
Apesar desta sua função de salvaguarda, a cate- deia ADN se encontra em todos os seres vivos) na
goria estado-nação está sendo lentamente superada diversidade de suas manifestações. Nesse sentido, não
pela crescente consciência da cidadania planetária e se pode pensar a Terra-Gaia e a humanidade à parte
pelo cuidado na preservação do patrimônio natural dos demais representantes da vida e das condições
e cultural comum da humanidade e da biosfera, físico-químicas que garantem a existência e a perpe-
preocupação esta assumida pela própria humanida- tuidade da vida.
de, por suas instituições de todo o tipo (especialmente A partir destas imbricações, nos damos conta
os estados) e por cada cidadão terrenal. de que tudo depende da salvaguarda da Terra e da
manutenção das condições de sua vida e reprodução.
1. Uma visão ecocêntrica Nenhum outro projeto tem sentido, pois lhe falta a
pré-condição fundamental, exatamente a sobrevivên-
A globalização está ainda buscando sua expres-
cia da Terra e dos @hos e @has da Terra. A consciência
são institucional. Ela será seguramente ecocêntrica.
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lEONA, o 80FF ETHOS N o I A l
desta nova percepção está ainda longe de ser coleti- nova sensibilidade, o pathos, estruturador de uma
vamente partilhada. nova plataforma civilizatória.
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lEONAR o B o F F ETHosM N D I A l
consciência que se sente unificada com a Terra e, por 4. O diálogo obrigatório de todos
meio da Terra, com o cosmos. com todos
O sistema-Terra, por sua vez, com seus sub-
sistemas ecológicos, é fruto da história do univer- Essa unidade complexa, ao ser pensada e cons-
so. A vida aparece como emergência da complexi- truída como projeto coletivo, não pode ter como
dade da história da Terra, como matéria que se referência única o modelo do ser humano ocidental,
auto-organiza; e a vida humana, como irrupção da branco, adulto, científico-técnico, cristão, seculariza-
história da complexidade da vida. Aqui não há do, mas deve incorporar outros elementos
disjunção, mas conjunção. Tudo constitui um úni- civilizacionais, como o multiétnico, o multirreligio-
co processo complexo (portanto, não linear), di- so, o feminino, os vários estados etários, entre ou-
nâmico e ainda aberto. tros. Mas fundamentalmente deve dar centralidade à
Mais ainda, com o surgimento do cibionte (a questão ética e moral, pois, como vimos, a Terra está
combinação do ser humano com a cibernética), en- ameaçada em seu equilibrio ecológico (ecologia
tramos definitivamente numa fase nova do processo ambiental) e a maioria da humanidade sofre sob
evolucionário humano. Quer dizer, a tecnologia não pesadas injustiças sociais (ecologia social). Importa
é algo instrumental e exterior ao ser humano. Incor- construirmos uma civilização planetária que consiga
porou-se à sua natureza concreta. Sem o aparato inserir a todos, que impossibilite a bifurcação da hu-
tecno-científico, não se pode mais entender a existên- manidade (ecologia integral) e que mantenha unidos,
cia concreta e a sobrevivência humana. Paripassu está conscientemente, os pólos da unidade e da diversi-
se criando um novo cérebro, um novo córtex cere- dade como valores complementares (ecologia mental).
bral, a world wide web (rede mundial de comunicação): Faz-se mister, pois, por um lado, manter as cul-
a conexão de todos com todos, o acesso individual a turas em sua singularidade e, por outro, abri-las a um
todo o conhecimento e informação acumulada pela diálogo obrigatório com todas as demais, com as
humanidade (via internet e rede global de comunica- perdas e ganhos que tal processo comporta. Caso
ção). Cada pessoa se transforma, de certa forma, num contrário, fecham-se sobre si mesmas e originam os
neurônio do cérebro ampliado de Gaia. fundamentalismos de todo matiz. Mas, ao se abrirem,
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lEONA ElHOSI N D I A l
DoBoFF
revelam virtualidades latentes insuspeitadas, enrique- Esta leitura modificou nossa concepção do mun-
cendo a si e às outras culturas. do, do ser humano e de sua missão na história cósmi-
Para tal diligência, faz-se necessário superar o ca. Para nova música, novos ouvidos. Que ética e que
paradigma moderno, que fraciona, atomiza e reduz. moral importa viver nesta era ecozóica e planetária?
Há de se chegar ao paradigma holístico contempo- Por ela, fazemos frente aos problemas que deman-
râneo, que articula, relaciona tudo com tudo e vê a dam equacionamentos urgentes, como a crise social,
coexistência do todo e das partes (holograma), a a redefinição do trabalho e o alarme ecológico.
multidimensionalidade da realidade com sua não-
linearidade, com equilíbrios/desequilíbrios, com
caos/cosmos e vida/morte. Enfim, todas as coisas
devem ser contempladas na e através de sua relação
eco-organizadora com o meio ambiente cósmico,
natural, cultural, econômico, simbólico, religioso e
espiritual.
Urge, pois, alimentar uma postura global, quer
dizer, pensar globalmente e agir localmente; e de pen-
sar localmente e agir globalmente. Como Edgar
Morin, o gtande teórico da complexidade, chamou a
atenção, o novo pensar planetário não opõe o uni-
versal ao concreto, o geral ao singular. O universal se
tornou singular, porque cada singular é parte e par-
cela do universo. O concreto é o universo terrestre,
dentro do qual vivemos, nos movemos e somos. As-
sistimos, hoje, de forma extremamente densa, ao nas-
cimento do universal concreto: a planetização, novo
patamar da Terra e da humanidade.
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3. COMO FUNDAR UMA
ÉTICA PLANETÁRIA?
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lEONI DoBoFF ETHosM N D I A l
não criarem um acordo quanto a exigências éticas e ele sentir-se bem no mundo. Ela não é, de antemão ,
morais mínimas, como poderão co-existir pacifica- dada pela natureza, mas tem de ser construída pela
mente, preservar o lar comum e garantir um futuro atividade humana. Eis a obra da cultura. A morada
para todos? .deve ser cuidada e continuamente retrabalhada , en-
feitada e melhorada. Em outras palavras: o etbos não
a) Que é ética, que é moral
é algo acabado, mas algo aberto a ser sempre feito,
No encaminhamento destas questões, precisa- refeito e cuidado como só acontece com a moradia
mos voltar ao sentido originário da ética e da mora- humana. E/hos se traduz, então, por ética. É uma rea-
lidade. Todas as morais, por mais diversas, nascem lidade da ordem dos fins: viver bem, morar bem.
de um transfundo comum, que é a ética. Ética so- Ética tem a ver com fins fundamentais (como poder
mente existe no singular, pois pertence à natureza hu- morar bem), com valores imprescindíveis (como de-
mana, presente em cada pessoa, enquanto a moral está fender a vida, especialmente a do indefeso), com prin-
sempre no plural, porque são as distintas formas de cípios fundadores de ações (dar de comer a quem
expressão cultural e histórica da ética. tem fome), etc.
I
Que é a ética? A filologia da palavra ética nos O centro do ethos (moradia) é o bem (platão),
serve de orientação para seu sentido originário. pois somente ele permite que alcancemos nosso fim,
Ética vem do grego etbos. Essa palavra se escreve que consiste em sentirmo-nos bem em casa. E nos
de duas formas: com eta, (a letra e em tamanho peque- sentimos bem em casa (temos um ethos, realizamos o
no) e com o epsílon (a letra E em tamanho grande). fim almejado) quando criamos mediações adequadas,
E/bos com e pequeno significa a morada, o abri- como hábitos, certas normas e maneiras constantes
go permanente seja dos animais (estábulo), seja dos de agir. Por elas, habitamos humanamente o mundo ,
seres humanos (casa). No âmbito da totalidade da que pode ser a casa concreta, ou o nosso nicho eco-
Mãe-Natureza (chamada de p!?ysis, filosoficamente, e lógico local, regional, nacional ou nossa casa maior ,
Gaia, miticamente), o ser humano delimita uma por- o planeta Terra.
ção dela e aí constrói para si uma morada. A morada Para Aristóteles, o centro do etbos (moradia) é a
o enraíza na realidade, dá-lhe segurança e permite a felicidade, não no sentido subjetivo moderno, mas
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L E O N ,DOBOFF ETHOS , N O I A l
no sentido objetivo, como aquele estado de autono- (ethos/ moral) visam a fazer a moradia humana e o meio
mia vivido no nível pessoal e no nível social (polis). social sustentáveis, autônomos e habitáveis (ethos/ éti-
Poderíamos traduzir essa felicidade/ autonomia como ca) para todos, portanto, bons e produtores de felici-
a auto-realização do cidadão em sua dimensão pes- dade. Demos um exemplo concreto dessa imbrica-
soal e social. Esse fim, a autonomia, realiza-se por ção entre ética e moral. Para efeito de clareza, vamos
intermédio de mediações, tais como hábitos, virtu- usar formulações negativas.
des e estatutos jurídicos, que são os caminhos con- Que significa dizer: "essa pessoa não possui éti-
cretos da auto-realização pessoal e societária. ca"? Significa dizer: "essa pessoa não possui prinápios,
Esses meios também eram chamados de ethos, mas age oportunisticamente, consoante as vantagens que
escrito com E grande (o epsílon, em grego). Ele signi- possa auferir; dela não se poderá esperar nenhum com-
fica os costumes, vale dizer, o conjunto de valores e de o portamento coerente e previsível, porque não possui
hábitos consagrados pela tradição cultural de um povo. uma opção fundamental de vida". Não tem ética, por
Ethos como o conjunto dos meios ordenados ao fim exemplo, um jornalista que trai seus prinápios para
(bem/ auto-realização) se traduz comumente por mo- fazer, por bom dinheiro, a campanha de um político
ral. Moral (mos-mores, em latim) significa, exatamente, notoriamente corrupto. A alegação de que faz um "tra-
os costumes e valores de uma determinada cultura. balho profissional" não justifica a traição ética do jor-
Como são muitos e próprios de cada cultura, tais va- nalista ou de qualquer outro profissional.
lores e hábitos fundam várias morais. Como se Que significa dizer: "essa pessoa não possui
depreende, o ethos/moral está sempre no plural, en- moral"? Significa: "essa pessoa não possui virtudes,
quanto o ethos/ casa está sempre no singular. mente, engana clientes, rouba dinheiro público, ex-
plora trabalhadores, faz violência em casa". Essa pes-
b} como se relaciona a ética com a soa pode até ter ética (prinápios e valores fundamen-
moral tais) mas age em contradição com os seus prinápios.
Pode ocorrer que a pessoa não possua nem ética
Ethos com e pequeno (morada) e ethos com E
nem moral: age aleatoriamente, consoante seus inte-
grande (costumes e tradições), ou ética e moral, arti-
resses mais imediatos. Não tem prinápios e atua
culam-se intrinsecamente. Os hábitos e os 'costumes
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consoante as vantagens individuais. Exemplo disso como a energia originária (pf?ysis), não se inimiza com
pode ser o de uma modelo ou atriz que se deixa foto- o fogos, mas se expressa por meio dele e com ele.
grafar nua, em poses provocantes, em revistas de gran- Aqui se operou uma decisão grávida de conse-
de circulação, em troca de muito dinheiro. A alega- qüências para toda a história, pelo menos ocidental:
ção de que se trata de "nu artístico" ou de que é "um conferir centralidade ao fogos, à capacidade intelecti-
trabalho profissional" não desculpa a falta de ética va e racional do ser humano. Como veremos mais
(princípios, atitudes fundamentais) e a falta de moral abaixo, e já antecipando, a mensagem da natureza não
(atos contrários aos princípios). Outras artistas igual- é captável apenas pelo fogos, mas por outros órgãos
mente formosas, mas com ética e moral, jamais ven- que compõem a capacidade perceptiva do ser huma-
deriam sua imagem por dinheiro nenhum, exatamen- no, como a intuição, a simpatia, a empatia (pathos), os
te para não contradizer sua ética e moral. sentidos espirituais, especialmente o sentido do cui-
Mas eisque surgeuma questão iniludível:quem defi- dado para com tudo o que vive e tem valor. De todas
ne o que seja ético e moral para a morada humana? Que I as formas, importa constatar que a nossa cultura oci-
instância apontará os critérios de bondade ou de malda-
i dental privilegiou o fogos e fez dele a instância básica
de, sejam da moradia humana (ethos) sejam dos costu- de discernimento que orienta a decisão da vontade.
mes e valores (moral) que organizam essa moradia? Natureza e fogos,nessa compreensão, andam sempre
Há muitas respostas. A tradição grega, da qual juntos e constituem as referências comuns para os com-
somos herdeiros, diz unanimemente: cabe ao fogos portamentos morais da sociedade. Concemem a todas as
humano (razão) definir o que é bom e habitável para pessoas indistintamente, porque todas são portadoras de
todos. Para cumprir bem essa sua missão, o fogos deve natureza e de fogos.Ambos visam à felicidade,quer dizer,
saber auscultar a natureza. Ela não é muda. Está cheia à auto-realização humana num ambiente sociale ecológi-
de mensagens e de apelos. Os gregos vão mais longe. co integrado e equilibrado. Natureza e fogos fundam um
Afirmam que o fogos humano não está fora e acima da casamento feliz,cada um diferente do outro, mas de mãos
natureza (pf?ysis); é parte dela, um órgão da própria dadas a serviço da morada humana pessoal e social (ethos).
natureza que capacita captar o que é bom ou ruim Ora, ocorre que natureza e fogos estão inseridos
para a morada humana. Portanto, a natureza, entendida na história, o que não foi percebido, adequadamente,
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lEONA DoBoFF
ETHOSM"NDIAl
pelos gregos. A história não pode ser freada e enges- uma compreensão metafísica da natureza, entendida
sada. Está sempre em processo, em mudança, em de forma estática, com leis e diretivas imutáveis e pre-
construção do ainda não ensaiado e instituído. visíveis. Posteriormente, esta leitura foi encampada
Na história posterior às grandes sínteses da filoso- pelo magistério oficial da Igreja Católica. A lei natu-
fiaclássicagrega, hgos e natureza seguiram rumos distin- ral é interpretada como a manifestação da lei eterna
tos. Romperam o idilio da integração mútua e da har- dentro do mundo natural, pensado como um siste-
monização. Como dois cavalos, começaram a puxar a ma acabado e fechado. Aqui se tenta equilibrar, como
carruagem em direções diferentes e até contrárias. entre os gregos, a natureza com a razão, a serviço do
A natureza desborda do fogos. Este expressa al- plano eterno de Deus.
gumas virtualidades da natureza. Mas ela comporta
outras e outras. Emerge a historicidade da natureza c) os dois projetos éticos da
e da razão. Surgiram assim os conflitos das razões e modernidade
das interpretações sobre a natureza e a missão da
Em seguida, nos tempos modernos, as mu-
razão.
danças ocorreram na compreensão do fogos. Este
Coube aos modernos perceber essa dimensão
é subjetivado. O s'!Jeito racional, e não tanto a na-
de historicidade. Natureza e fogos não são grandezas
tureza, é visto como portador privilegiado, senão
simples e eqüipolentes. Todo fogos é natural. Mas nem
exclusivo, do fogos. A natureza é antes caótica (sel-
toda natureza é lógica. Ela pode ser ilógica e até de-
vagem) e deve ser ordenada (civilizada) pela ra-
mente. As combinações natureza/razão estão sujei-
zão humana. Ela é objeto e lugar da ação livre do
tas às variações históricas, às conjunturas e às inter-
ser humano. Em face dela não há que se alimentar
pretações no quadro das mais diferentes culturas.
respeito e veneração. Antes, pelo contrário, como
Podem ser influenciadas também ptla dimensão de
dizia Francis Bacon, um dos pais fundadores do
demência, de drama e de tragédia. O próprio ser hu-
paradigma moderno, ela deve ser submetida à
mano se descobre, perplexo, como sapiens e demens.
cama de Procusto. Deve ser torturada, à moda
As mudanças ocorreram, inicialmente, na com-
do inquisidor, até que entregue todos os seus se-
preensão da natureza. Os mestres medievais projetaram
gredos.
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I
,
i
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LEONA OOBOFF ETHOSI N o I A l
As características desse sujeito racional são a Cada um desses projetos funda seu ethos, o
criatividade, a capacidade de projeção e de ordena- conjunto de valores, princípios de ação e utopias de
ção, a liberdade, a autonomia, a maioridade, a res- futuro. Cada um deles traduz o ethos em morais práti-
ponsabilidade por sua intervenção no mundo e na cas. A atitude básica (ethos) se traduz por atos con-
história. Mais que auscultar a ordem da natureza, o cretos (morais).
ser humano se faz auscultador de si mesmo, de seus Moral é tudo aquilo que beneficia cada um dos
desejos e planos. Portanto, transforma-se em criador projetos referidos; imoral, o que se lhe opõe. Moral,
de uma ordem da qual se sente responsável. para a burguesia, é tudo o que lhe ajuda a acumular e a
Dois sujeitos coletivos principais ocuparam a cena garantir a posse e o controle dos meios de produção e
histórica da modernidade: a burguesia e o proletariado. dos instrumentos de construção de subjetividades co-
Cada qualprocura realizaro seu projeto: a burguesia, o de .letivasadequadas ao seu ethos. Para o ploletariado, moral
dominar o mundo pelo sabercientífico-técnico,que estána é o que visa a alargar seu poder de pressão sobre a
base de seu poder econômico e militar,gestando riqueza burguesia, aumentar sua força de classe,intemalizar nas
mesmo à custa de uma perversa taxade iniqüidadesociale pessoas ideais revolucionários e ocupar o estado para
de grave degradação ecológica;e o proletariado, o de re- transformar a partir dele as relações sociais.
volucionar as relações sociaisdissimétricaspara eStabele- Repetimos, a questão básica não reside na
cer uma sociedade de igualdade,de justiçae de fratemida- avaliação moral dos atos que se ordenam à realização
de para todos, a começar pelos marginalizadose excltÚdos. de ambos os projetos, mas na avaliação de seus prin-
Hegel projetou sua filosofia a partir do sujeito cípios, de suas atitudes fundamentais, vale dizer, do
burguês, considerado plasmador e condutor da his- ethos subjacente. Cabe a pergunta: como o ethos bur-
tória. Marx, a partir do sujeito proletário, submetido guês e o ethos proletário organizam a casa humana?
ao senhor, com a missão de revolucionar e ultrapas- Quem dela cuida melhor para benefício comum?
sar a relação senhor-escravo, na direção de uma Quem mais a ameaça em sua sustentabilidade
sociedade de cidadãos livres, solidários e participati- ambiental e social?
vos: o socialismo entendido como a realização plena Os frutos falam por si. O ethos da tradição socialista,
da democracia. cujo portador era o proletariado, apresentava-se mais,
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lEON' DoBoFF ETHosI N D I A l
generoso e mais solidário com os oprinúdos. O ethos da partir dos interesses de coletividades que mutuamen-
tradição capitalista, cujo sujeito histórico é ainda a bur- te se excluem. Verifica-se, na cultura atual, grande
guesia, por sua própria natureza, é centrado no suspeita das possibilidades integradoras do logos. Ele
individualismo e na concorrência, que limitam enorme- mostrou-se, por meio das guerras modernas de ex-
mente a solidariedade.Nos dias atuais,esse ethos capita- termínio em massa, extremamente ameaçador para
lista representa a grande ameaça à natureza, às relações o futuro da biosfera e da humanidade. Entregues ce-
amistosasentreospovos e ao futurocomum dahumanidade. gamente a ele, poderemos ser lançados ao abismo.
Ambos, porém, são expressões da mesma subjeti-
vidade moderna. Ambos possuem a mesma atitude fun- d) natureza e espírito na ética
contemporânea
damental de objetivação e de exploração da natureza,
que não é incluída no pacto social, pois se nega a ela Em reação ao logos subjetivado, verifica-se
subjetividade e alteridade. Esta subjetividade moderna, atualmente um retomo poderoso à natureza e ao 10-
tanto numa versão quanto na outra, não nos fornece cri- gos universal, pensados no horizonte dos novos co-
térios seguros para responder a questões coletivas deri- nhecimentos acumulados pelas ciências da Terra, pela
vadas da globalização, da nova geossociedade, das ecologia e pelas várias vias espirituais.
ameaças que pesam sobre a Terra e a humanidade. A Assim, na nova cosmologia, a natureza é muito
carga de interesses particulares de um e de outro proje- mais do que a natura dos medievais e a natureza dos
to ofusca a visão da globalidade. O afã de agilizartodos modernos. Estamos mais próximos ao conceito de
os meios produtivos na perspectiva da acumulação, seja pf?ysis dos gregos. Para nós, hoje, a natureza é o con-
apropriadaprivadamente (capitalismo),sejacoletivamente junto articulado de todas as energias cósmicas em
(socialismo), sem, contudo, considerar os recursos limi- processo de materialização ou desmaterialização; são
tados da Terra e seu frágilequilibrio ecológico, transfor- as infindas probabilidades, irrompendo do vácuo
mou os meios produtivos em meios altamente destruti- quântico, abertas à concretização; é a complexidade
vos da natureza e da biosfera. da matéria sempre em interação; é a vida em sua uni-
Essa situação, hoje alarmante, questiona o pro- dade e diversidade de manifestações como processo
jeto da subjetividade moderna e do logos, pensado a de auto-organização (poiesis) da matéria; é o próprio
44 45
,,.
lEONA DoBoFF
ETHosA N D I A l
logos universal e cósmico se expressando na história e do que leis fixas e indicações rígidas, encontramos:
produzindo cultura, significações e processos de (1) uma totalidade de sentido, vale dizer,
espiritualização. A natureza, na compreensão contem- encontramos diversidades que se articulam numa
porânea, possui subjetividade e espiritualidade. O unidade dinâmica; (2) encontramos um sentido de
acesso a ela não se faz apenas pelo logos e pela razão direção (seta do tempo), em vista do crescimento
instrumental-analítica. Seria muito insuficiente. Faz- da complexidade e, por meio dela, de formas mais
se principalmente pelo pathos (estrutura da sensibili- altas e ordenadas de vida (estruturas dissipativas
dade), pelo cuidado, pelo eros (estrutura do desejo), da entropia com crescimento de informações e nÍ-
pela intuição, pelo simbólico e sacramental. veis de memória), convergências e finalidades que
O ser humano possui nela um lugar singular. Ele constituem valores e excelências a serem realiza-
desempenha uma dupla função. Por um lado, está den- das na vida pessoal, comunitária e social; (3) en-
tro, é parte da natureza, inserido no imenso processo contramos na natureza a convivência, a adaptação,
de evolução natural e cibiôntica. Por outro, está de a tolerância e a solidariedade entre todos, fato que
frente, é um vis-à-vis à natureza. Por sua consciência e inspira atitudes fundamentais para a existência hu-
por seu saber técnico, intervém nela, fazendo-se seu mana pessoal e social; e, por fim, (4) encontramos
plasmador. Nem por isso deixa de ser parte da bios- na natureza possibilidades de regeneração, utiliza-
fera e geologicamente um objeto bem concreto. O ção ótima de todos os recursos, ausência de deje-
ser humano é sempre parte da natureza e interventor tos, demonstração da sinergia (a colaboração de
da natureza. A relação ser humano-natureza é dialé- todos faz com que 2+2 sejam 5) e a manifestação
tica, quer dizer, ambos se encontram indissoluvelmen- do todo na parte e a inserção da parte no todo,
te intrincados um no outro, de tal forma que o desti- visão que foi perdida no nosso mundo da atomi-
no de um se transforma no destino do outro. zação, da racionalização e da tecnificação dos pro-
Nesta perspectiva contemporânea, própria da jetos humanos.
era ecozóica, que resgata uma compreensão mais aber- Como veremos mais abaixo, essa natureza, as-
ta e abrangente de natureza (que inclui o Espírito re- sim compreendida, funda uma das correntes da ética
fletido no logos), que encontramos na natureza? Mais de valor universal, inspiradora de um ethos mundial.
46 47
r
l-
I
lEONA DoBOFF
Introdução
48 49
1
I
L E O N , DO BOFF THOS~ N D I A l
50 51
l E O N , DoBoFF ETHOS~ N D I A l
number). Tal postulado nos abre a outro princípio, próximo princípio - o princípio social - visa a im-
que completa o argumento utilitarista. por limites a esse risco.
Princípio do hedonismo: o bem ganha uma realiza- Prindpio social: o cálculo deve incluir a perspecti-
ção ótima quando satisfaz necessidades e atende a ,va social, objetivando a felicidade do maior número
preferências humanas, portanto, na proporção em que possível de pessoas e de seres vivos, como animais e
produz prazer, alegria e felicidade (o assim chamado plantas. O maior número possível significa a maior
proporcionalismo). Na determinação do que seja felici- média possível de pessoas e de seres beneficiados,
dade, alegria e prazer, devemos ser tolerantes, dizem os associada à maior média possível de utilidade. Isso
utilitaristas: cada um estabelece seu projeto de vida e se aplica, por exemplo, à economia, no caso do pro-
em função dele deve calcular quanto de prazer, de felici- duto interno bruto de um país. Quanto maior a quar;t-
dade e de alegria pode auferir dentro desse projeto. tidade de bens e serviços produzidos, tanto maior o
Trata-se de lograr proporções, combinando o número dos beneficiados potenciais.
quantitativo com o qualitativo. Mas não de maneira Entretanto, cabe reconhecer que, nesse cálculo,
indiferenciada. O qualitativo tem preferência sobre o não está decidida a forma de distribuição, se eqüitati-
quantitativo (famosa é a frase de S. Mill: "é melhor va ou discriminatória, quer dizer, não se coloca a ques-
um homem insatisfeito que um porco satisfeito"). tão da justiça distributiva. No sistema de capitalismo
Mesmo entre as preferências há diferenciações. Tan- dependente, por exemplo, há grandes diferenças so-
to pode sentir-se feliz quem assiste a um filme porno- ciais que constituem situações de injustiça, pois pe-
. gráfico quanto quem assiste a A sinfonia dos dois mun- quenas elites detêm os principais meios de vida e de
dos, de Dom Helder Câmara. Entretanto, a qualidade poder, com exclusão dos demais. Como se depreen-
deste segundo é superior ao primeiro, pois realiza de, o bem vem entendido no sentido do hedonismo
mais plenamente o ser humano, que não é apenas um (quantidade e intensidade de prazer). O útil é com-
ser de instintos (um animal faminto de sensações), mas preendido no sentido do cálculo social, e não apenas
principalmente um ser de estética e de ética (um ser da vantagem individual.
de transcendência). Mas na busca da correta propor-
ção, não se corre o risco do individualismo? O
52 53
lEONA )OBOFF
54 55
llONA DO BOFF ETHosM I D I A l
minante, altamente predatórias. Em seguida, na for- escola crítica de Frankfurt, que trouxe inestimáveis
ma como se encara a questão dos excluídos: eles são contribuições à tradição marxista e aos ideais da de-
ponta que substituem a força de trabalho, privilegiando especialmente Habermas submeteram a uma pode-
rosa reavaliação crítica o Iluminismo, chamado
os lucros auferidos, sem considerar as conseqüências
sociais, que são o desemprego estrutural e a exclusão também de modernidade, com suas pretensões uni-
versalistas e libertárias. Essa modernidade possui duas
social. Por fim, a grave crise social: devido à forma
vertentes básicas: uma técnica e outra ética. A pri-
como se organizou a sociedade mundial nos parâme-
tros da cultura capitalista e por causa do seu modo meira, a técnica, foi realizada amplamente. A segun-
cooperativo, a riqueza produzida conhece uma con- seu espaço, relegada à marginalidade. Particularmen-
te ]ürgen Habermas (nascido em 1928) atacou a alma
centração em megaconglomerados, como nunca an-
secreta da modernidade técnica, a utilização massiva
tes na história, e uma produção de miséria e de exclu-
ela razão instrumental-analítica, posta a serviço dos
são que raiam a barbárie. Para quem é útil todo esse
interesses do projeto da tecnociência e da domina-
processo?
ção política sobre classes, nações e povos.
Os representantes do utilitarismo social não
movem uma palha para modificar a situação anti-éti-
a) o resgate da dimensão ética da
ca em que se encontra a humanidade. Seu pragmatismo
modernidade
termina por sacralizar a ordem vigente discricioná-
ria. É uma ética dos satisfeitos que pouco considera Mas o projeto da modernidade continua inaca-
os reclamos dos insatisfeitos. bado. Pode e deve ser completado mediante o incre-
mento de sua dimensão ética pela via da mais ampla
56 57
l E O N DoBOFF ETHOSM N O I A l
emancipação e concretização dos direitos do cida- devem se subordinar a esta dignidade, criar-lhe con-
dão, da democracia e dos meios do diálogo e da ação dições de realização e atender a todas as pessoas. À
comunicativa. É o esforço da proposta filosófica e luz destes postulados, os imperativos apresentam a
crítico-social de Habermas. seguinte aplicação:
Tanto ele quanto as várias tendências afins articu-
- Em conflitos de interesses e na distribuição
lam duas tradições importantes da ética: a tradição kan- das responsabilidades, as normas funcionam como
tiana do dever e do imperativo categórico e a tradição regras na solução eqüitativa dos conflitos ou na
marxista do sentido da emancipação, da justiça social e coordenação das liberdades, visando à construção co-
da democracia integral aplicada em todos os funbitos letiva de uma convergência comum.
(socialismo). Uma sociedade moderna e democrática - A justiça é sempre justiça para todos; por isso,
se constrói na medida em que vive uma prática de co- as normas, para serem justas, devem buscar o con-
municação permanente (kommunikatives Handeln) e alcan- senso social. Daqui deriva a centralidade e a univer-
ça seus consensos mediante o diálogo generalizado e o salidade do projeto da justiça. Os destinatários, os
discurso razonado. Este deve, consoante esta vertente, cidadãos, devem poder acolher tais normas. Sem o
substituir as instâncias clássicasde fundamentação ética, consenso, falta às normas o laço de legitimidade que
que são as tradições e as religiões, hoje vastamente es- as torna válidas. O consenso, no entanto, só é alcan-
garçadas por múltiplas crises. çado quando as normas atendem aos interesses legí-
Para essa vertente, normas morais e jurídicas são timos das pessoas, de tal forma que elas possam aco-
regras de coordenação das liberdades subjetivas. Elas lhê-las e sentir seus direitos formalizados nelas. As
se fundamentam na moderna teoria do contrato so- normas são justas somente quando são distributiva-
cial (Hobbes, Locke, Rousseau), que ganhou com mente vantajosas.
Kant um respaldo filosófico com a idéia do "reino Esta tendência ética e moral se baseia na confiança
dos fins". Para Kant, cada pessoa humana é um fim na razão e na capacidade de argumentação e de con-
em si mesmo e não pode jamais servir de meio para \;encimento no âmbito de um mesmo espaço lingüísti-
qualquer outra coisa. A autonomia da pessoa faz com co. Questões de gostos e de valorações subjetivas,
que ela possua uma inarredável dignidade. As leis portanto, questões que dizem respeito a "projetos
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l E O N DoBoFF ETHosM N O 1 A 1
,
de felicidade", são, nesta corrente, consideradas se- e do discurso de persuasão da escola crítica de
cundárias, embora relevantes. Não se faz necessário Frankfurt.
nenhum consenso social sobre elas. Por isso são re-
metidas às coordenadas do arranjo existencial das b) aplicação dos princípios à
pessoas (Lebenswelt). Entretanto, tais propostas de globalização
"bem viver" não podem ser realizadas à custa do
Apliquemos as perspectivas desta visão a uma
necessário projeto da justiça social e ecológica.
possível ética planetária que tome em conta os três
Nesse modelo ético, mostra-se um esforço cons-
problemas globais enunciados no início de nossas
trutivista notável, quer dizer, a preocupação de so- reflexões.
mar perspectivas, elaborar consensos, estabelecer di-
Em primeiro lugar, faz-se urgente um pacto so-
retrizes de coordenação de interesses e regras do
cial universal de não usar a máquina de morte já cons-
jogo ético-social. As questões de uma ética da lei
truída para destruir o sistema-Terra (a questão eco-
natural que trabalha constantes antropológicas são
lógica). Trata-se de um pacto de salvação da Terra
pouco consideradas, por causa dos pressupostos
ameaçada. Entretanto, cabe assinalar um limite no
metafísicos nela implicados e sobre os quais h~ mais
projeto emancipatário de Habermas e de seus afins,
dissenso que consenso.
que atinge diretamente a questão ecológica. Referi-
Junto com essa ética do discurso, surgiu, a par-
mo-nos ao seu reducionismo antropocêntrico. Na
tir dos anos 70, uma série de expressões ético-ftlo-
verdade, no seu projeto, a natureza não entra no novo
só ficas que se inscrevem dentro desse horizonte co-
pacto social mundial, porquanto ela e os demais se-
municativo, dialógico e do ideal da justiça, com
res são considerados ainda como meros objetos da
K. O. Appel, na Alemanha, J. Rawls e J. M. Bucha-
atividade e da discursividade humana. Não são tidos
nan, nos USA; com A. Cortina, na Espanha, com
como valores intrínsecos e como portadores de di-
N. Bobbio, na Itália; com O. Pegoraro e M. Araújo
reitos, por isso, caracterizados por subjetividade. A
de Oliveira, no Brasil. Dispensamo-nos de sua dis-
compreensão ecologizada, ao contrário, visa a cons-
cussão, pois nos levaria longe e seus frutos mais madu-
truir uma democracia sociocósmica na qual a nature-
ros se inscrevem dentro da ética do agir comunicativo
za, os animais, as plantas e outros organismos vivos
60 61
r
. '
l E O N DOBOFF ETHOSM 1 O I A L
são vistos como novos cidadãos que compõem a so- existir como povo, com sua cultura e idiossincrasias.
ciabilidadehumana ampliada. Somente compreenden- Estes devem poder participar da ação comunicativa
do assim a natureza, associada ao ser humano e à so- coditiana, pois é por ela que a democracia se
ciedade, poder-se-á pensar numa salvaguarda da Terra constrói como valor universal e se mantém viva. O
e da biosfera. modelo de Habermas está assentado sobre a expe-
Em segundo lugar, faz-se necessário um proces- riência centro-européia de construção da ação co-
so de dialogação global entre todos os povos, entre os municativa, não partindo de uma base mais baixa e
blocos norte-sul, entre os continentes, nações e etnias, ampla, lá onde se situam as grandes maiorias da hu-
religiões e filosofias, no sentido de garantir o direito à manidade que precisam ter garantido seu direito de
vida a cada cidadão terrestre. Em princípio, tal postu- ser e de se expressar, o qual ainda não é suficiente-
lado está presente no projeto da ação comunicativa de mente garantido.
Habermas. Mas ela é demasiadamente abstrata. Não Em quarto lugar, importa chegar a consensos
toma na devida conta as sociedades silenciadas do mínimos com referência à satisfação das necessida-
mundo que constituem as grandes maiorias. Para que des básicas de comer, de vestir, de morar, de lazer,
possam aceder ao reino do diálogo aberto, profundas de ter saúde, de trabalhar e de se comunicar com
revoluções sociais precisam ser feitas. Estas, por certo, outros seres humanos. O ser humano não é apenas
derrubariam a atual ordem vigente e o tipo de demo- um ser de materialidade, mas também de espirituali-
cracia reduzida ainda em vigor, representativa e dele- dade. Por isso, nessas necessidades básicas, deve-se
gaticia. No horizonte do projeto de Habermas, mal incluir a satisfação mínima da sede de beleza e de
cabem os milhões e milhões de excluídos que, para transcendência que caracteriza a profundidade huma-
serem inseridos na sociedade minimamente democrá- na. Como criar condições mínimas para que os seres
tica, exigiriam transformações fundamentais nas ~tuais humanos possam subsistir (garantir o ter) e dar senti-
formas de convivialidade. do à vida (garantir o ser), especialmente os excluídos
Em terceiro lugar, dentro do processo geral de do processo produtivo? Aqui, precisa-se mais que da
hominização, socialização e globalização, deve-se ga- simples razão em que Habermas confia tanto. Faz-se
rantir a cada povo o direito de poder continuar a mister a inteligência emocional, o pathos para a
62 63
,
I
;.
l E O N 'DoBoFF ETHosM N D r A l
. solidariedade e a com-paixão e o sentido espiritual tem condições, pela pura razão, por mais dialógica
da existência. Esses elementos careceriam de uma que ela seja, de assegurar um horizonte de esperança
melhor explicitação no projeto da escola de Frank- e de confiança para a humanidade. Junto com ela, pre-
furt (com a excessão de W Benjamin) e deveriam ser cisamos resgatar outros exercícios da razão que se
melhor tematizados, como tentaremos fazer mais abrem para uma ótica mais ampla, base para uma éti-
abaixo. ca melhor fundada.
Mas importa reconhecer que as demandas ético-
morais do projeto de J. Habermas estão centraliza- 3. A ética fundada na natureza:
das no tema da vida em sociedade, da liberdade, da qual natureza?
dialogação global de todos com todos, da solidarie-
dade, do respeito às diferenças e do incentivo à co-
o clássico formulador da argumentação ética
pela lei natural é Tomás de Aquino, na esteira de Aris-
municação intersubjetiva dos cidadãos. Por meio do
tóteles. A moral católica, especialmente retratada nos
exercício comunicativo se descobrem as diferenças e
documentos do magistério pontifício, segue funda-
se valorizam as complementaridades.
mentalmente essa tendência.
Apesar das limitações antropocêntricas e, no fun-
Este tipo de argumentação não se arranca do
do, eurocêntricas, foi mérito de Jürgen Habermas ter
estabelecimento de regras de coordenação a partir
colocado claramente tais questões, resgatando o me-
das liberdades subjetivas das pessoas que celebram
lhor da tradição iluminista, em sua vertente emanCl-
um contrato social entre elas. Ela parte de constan-
patória e ética. Entretanto, como outros filósofos da
tes antropológicas e das inclinações humanas, que
modernidade, também ele parte do pressuposto de
se mostram independentes da vontade e dos con-
que a sobrevida do planeta Terra e da humanidade
sensos dos indivíduos. Tais constantes (incluindo a
está garantida. Hoje sabemos que ela não está garan-
própria vontade e a liberdade) oferecem a base para
tida, pois a máquina de morte montada pela razão
a obrigatoriedade e a universalidade das normas.
instrumental-analítica e pela degradação ambiental
Portanto, o utilitarismo social e o construtivismo,
mudaram as condições de existência da humanidade.
baseados no consenso das partes, encontram na lei
Uma sociedade racionalizada comunicativamente não
natural seu limite.
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L E O N RDOBoFF
ETHosM N O I A l
66 67
LEONI DOBOff ETHOSML D I A L
previamente estudadas (a questão dos transgêni- trazer à cena tais dados. Pretende fundar a convicção
cos). Igualmente seria sumamente irresponsável de que a autonomia dos sujeitos deve tomar em con-
jogar combinações químicas no ar e no solo, nas ta aquilo que se adequa, convém e se coordena com
águas e nos centros urbanos para observar as suas os condicionamentos objetivos da natureza humana.
conseqüências boas ou ruins sobre a biosfera e as Isso seria ético. Essa argumentação sublinha o fato
pessoas. de que a felicidadeda vida humana não é arbitrariamente
Nestes campos fundamentais não podemos de- construída à revelia das condições que a própria vida
pender de qualquer tipo de consenso, fruto de nego- humana coloca. Esta vida humana, enquanto humana
ciações e acertos (especialmente entre peritos em seus (portanto não é uma pedra, nem uma planta, nem uma
laboratórios, onde se manipulam genes, e empresários ameba, mas exatamente vida humana), aponta para
que os financiam para deles auferir altos lucros~. An- opções de sentido e para valores que compõem o
tes, os consensos devem partir da aceitação dos fato- bene vivere e estruturam o bem-estar da casa humana ,
res objetivos da natureza da eco-esfera e da natureza vale dizer, do e/hos. Neste sentido, tem razão Herácli-
humana em interação com ela. Mesmo em campos to ao sentenciar: "O e/hos é o daimon (quer dizer, o
onde o natural não é imediatamente dado, como na gênio protetor) do ser humano".
educação, os fatores objetivos ligados aos processos ,'o
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l E O N ,lDOBoFF ETHOSM N D I A l
Esta metafísica se abstrai de algo essencial e na- natureza humana para, eventualmente, fundar um ethos
tural ao ser humano, seu caráter interativo, sua ca- mundial.
pacidade de diálogo e de intervenção nos proces- Por uma parte, pode-se afirmar que, sob certos
sos da natureza e sua historicidade. Tal rigidez não aspectos, a natureza humana é um dado singular, sem-
valoriza suficientemente a relativa autonomia e pre aberto, pois veio, juntamente com os outros seres ,
criatividade do ser humano, tão caras à modernida- formando-se ao longo do processo evolutivo há mi-
de, nem acolhe as boas razões que fundam a ética lhões de anos e ainda não se encontra pronto. Nesse
do diálogo necessário e da justiça imprescindível sentido, natureza é sempre história natural (evolução).
para todos, enfatizadas com razão pela escola de A partir dessa natureza dada e ainda em gênese, pode-
Frankfurt; e, por fim, por sua inflexibilidade, torna mos distinguir, como fazem os etólogos, o ser huma-
estéril a contribuição católica ao debate ético atual no dos animais, das plantas, das amebas. Não obstante
sobre tantos temas candentes, como o do corpo, o a unidade sagrada da vida em suas múltiplas manifes-
do prazer, o da população mundial e o da manipu- tações, o ser humano é uma espécie que possui cons-
lação genética, entre outros. tantes que geram certo tipo de comportamento singu-
Afastamo-nos também da concepção pobre da lar, propriamente humano, caracterizado pela fala,pela
modernidade iluminista, que vê a natureza como pura liberdade, pela responsabilidade, pela criatividade, pelo
res extensa ("coisa extensa" = matéria), como a define afeto, pelo cuidado e por sua dimensão de abertura ao
Descartes no seu Discurso do Método: "não entendo por outro, ao mundo e à totalidade; dramatiza ainda sua
natureza nenhuma deusa ou qualquer outro tipo de realidade a dimensão demens e dia-bólica que sempre
poder imaginário, antes me sirvo dessa palavra para acompanha a dimensão sapiens e sim-bólica, distorcen-
significar a matéria". do os valores acima enunciados.
Por outra parte, a natureza humana é histórica ,
c) O dado e o feito na natureza porque é trabalhada pela liberdade humana que a
molda, lhe dá configurações culturais e a mantém
Desconsiderando tal reducionismo em face da
aberta a novas concreções futuras. Esse caráter histó-
intuição originária, cabe ressaltar essas duas dimen-
rico faz com que nenhuma compreensão compreenda
sões dialéticas presentes no recurso à lei natural e à
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l E O N DOBoFF
ETHosM N D I A l
tudo do ser humano, só o fazendo dentro de limi- As tendências e as paixões ou o seu capital de
tes históricos. Por isso, a questão do que seja o ser desejo e seu universo complexo de impulsos não in-
humano, sua essência e natureza, é uma questão a dicam, concretamente, nenhuma norma de ação con-
ser sempre retomada e aprofundada. Não se trata creta. Pedem um projeto, uma direção, um caminho
apenas de saber o que é dado, mas também de cons- para onde devem ser canalizadas. É aqui que emer-
tatar como o dado é feito, refeito, entendido, rein- gem a liberdade e a responsabilidade ética do ser
terpretado e projetado. Ademais, cabe compreen- humano. Sua razão e sua capacidade de autodetermi-
der o virtual, o potencial e o utópico também como nação são forças da natureza para fazer da natureza
pertencentes à natureza humana dada, fazendo com uma história reflexa, marcada pela emoção, pela von-
que nunca seja simplesmente dada de uma vez por ta~e e pela autodeterminação.
todas. Ela possui as características de um sistema
aberto. d) aplicação do ethos da natureza à
Aplicando esta compreensão ao ser humano, ele globalização
é um ser que está aí, produto de longa evolução, um
Apliquemos esta visão da natureza humana ao
dado com configurações concretas. Entretanto, ele não
ethos planetário. Temos um dado em comum: somos
está ainda pronto, pois está ainda nascendo; não é um
todos humanos, interconectados, num mesmo siste-
projeto de médio ou de longo prazo, mas um projeto
ma-Terra, vindos do imenso processo cosmogênico.
tendencialmente infinito. Por isso, o ser humano sente
Esta realidade exige ser preservada, para que possa
que deve ir além dele mesmo e deve se autotranscen-
se reproduzir tal como veio do passado, há milhões e
der. Só assim será radicalmente humano.
milhões de anos; mais ainda: pede que sejam manti-
Dito em poucas palavras: o ser humano é um ser
das as condições para que possa se desenvolver como
de relações ilimitadas, juntamente com outros no mes-
vinha se desenvolvendo desde sempre.
mo mundo e no mesmo cosmos. É um em-si. Mas um
Com o advento do ser humano, entrou alguém
em-si original, pois somente se realiza como em-si na
capaz de copilotar a natureza: ele pode desentranhar
medida em que épara os outros, sai de si e se rehlciona
a potencialidade dela e acelerar seu processo. Pode
com os demais. Ele é, portanto, um em-si relacionado.
criar novas potencialidades e moldar um mundo de
72 73
ETHOSM D I A l
l E O N DOBOFF
segunda e terceira mão. Pode também frear p~oces- Com referência à questão social dos excluídos, a
sos da natureza e até se voltar contra ela. natureza não conhece excluídos nem acumula deje-
Esse recurso à natureza é capaz de gerar um dis- tos. Ela tudo inclui e tudo recicla. Todos são interde-
curso racional compreensível por todos. Ele tem algo pendentes e reciprocamente solidários e exercem sua
de comum: todos somos humanos. Possui algo de função em benefício do todo, como o temos assina-
'distinto: somos humanos de forma sempre diferen- lado ao longo de nosso estudo.
te, no modo chinês, indiano, azteca, italiano, sami, bra- O fato de o sistema mundial excluir, praticamen-
sileiro. A diferença não destrói a comunhão. Apenas te, dois terços da humanidade, denuncia seu caráter
mostra a fecundidade desta essência comunitária, pois antinatural. Ele não poderá ter futuro, pois se opõe
ela só se dá na medida em que se realiza de diferentes diretamente à lógica básica do universo, que é a co-
formas. E se realiza cada vez de forma limitada, por nectividade e a solidariedade cósmica.
isso aberta para os lados (para outras realizações) e Com referência aos desempregados estruturais, a
para o futuro (outras possíveis realizações). natureza sempre trabalha e vai moldando de forma não
Nesta quadra nova da consciência mundial, im- linear, mas complexa, todas as ordens de ser. O univer-
porta articular os dois pólos: temos algo de comum so se expande autocriando-se. A liquidação do trabalho
que urge preservar e por ele construir as conver- assalariado não liquida com o trabalho. Antes o liberta
gências; e temos algo de diverso que cabe respeitar: corpo a capacidade do ser humano de criar e moldar
as maneiras diversas de historizar o que temos de seu entorno e sua própria história. O desafio atual é o
comum, dando origem às várias culturas e às tradi- de como politicamente organizar a sociedade mundial e
ções espirituais. As duas forças são diferentes e com- as populações prescindindo do trabalho humano, mas
plementares, complexas e convergentes no sentido com o trabalho das máquinas inteligentes que trabalham
de apontar para o mistério da aventura humana den- para o ser humano, de tal forma que seus ganhos sejam
tro da história terrenal e cósmica. socializados com certa eqüidade entre todos. A nature-
Como este tipo de argumentação nos ajuda a za trabalha com semelhante equilíbrio dinâmico. Nin-
equacionar os três problemas que nos desafiam guém tem demais nem de menos. Mas todos participam
globalmente? da economia do suficiente para todos.
74 75
L E O RDOBoFF ETHosML D I A L
Com referência à questão ecológica, nada me- a) paz religiosa, base para a paz
lhor do que seguir a lógica complexa da natureza para política
garantir lugar para todos e condições de sobrevivên-
'Hoje vigora ampla convicção de que, sem um
cia para todos os ecossistemas com seus respectivos
consenso básico minimo sobre determinados valores,
representantes. A crise ecológica mundial se assenta
normas e atitudes, é impossível a convivência humana
sobre a ruptura da aliança de sinergia e de conatura-
em sociedade, sobretudo na emergente sociedade
lidade do ser humano com a natureza. Salvar o pla-
mundial. Não se trata apenas de construir um ethosmíni-
neta significa atender àquilo que ele pede ao~ gritos:
mo , mas de um consenso minimo acerca de um ethos
que haja respeito e veneração das alteridades; que o
minimo, universalmente válido. Como construir esse
desenvolvimento do ser humano não se faça contra a
consenso? Como instaurar um ethos minimo?
natureza, mas em sinergia com ela; e que se mantenha
Inicialmente, Küng critica os modelos vigentes
de forma dinâmica e coesa a integridade sagrada de
de universalização ética, apontados acima, demasia-
todo o Criado.
damente abstratos para lograrem o consenso míni-
mo exigido. Este deve ser universalmente viável e efe-
4. Ética mundial fundada nas tivo e deve ser obrigatório para todas as pessoas, nas
tradições religiosas
suas diferentes culturas. Confiantes nas possibilida-
des da razãó, os formuladores desses modelos des-
Na discussão sobre um ethos mundial, não se
cartaram com demasiada facilidade as tradições reli-
pode passar ao largo da contribuição de Hans Küng
giosas que fundam, delato, os comportamentos éticos
(nascido em 1928 na Suíça), o promotor mais
da grande maioria da humanidade. Essas tradições
proeminente da reflexão sobre a urgência de um con-
guardam virtualidades insuspeitadas, não para um
senso ético minimo, base para uma sociedade mun-
consenso total, mas para um consenso mínimo entre
dial. Seu motto é: "um ethos mundial para uma política
os humanos, pois é disso que se trata.
mundial e para uma economia mundial" (título origi-
,Hans Küng insiste: "Não haverá nenhuma nova
nal: Weltethos ftir Weltpolitik und Weltwirtschqft, 1997; cf.
ordem mundial sem um ethos mundial". Mas
também Projekt Weltethos, 1990).
realisticamente assevera: não haverá nenhuma ordem
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no tratamento justo dispensado ao detido e na inte- Entretanto, não são poucos os politólogos que
gridade física e psíquica de cada ser humano. É a base percebem a decisiva importância da religião para as
comum mínima, sem a qual não há convivência pos- políticas globais. P. Huntington escreveu:
sível em nenhuma parte do planeta.
"No mundo moderno, é a religião uma força
É pela religião que os povos concretamente en-
central, talvez a força central que motiva e mobili.
contraram o meio para fazer valer e garantir o cará-
za as pessoas ... O que finalmente conta para elas
ter universal e incondicional desse consenso mínimo.
não é a ideologia política ou o interesse econômi.
A religião funda a incondicionalidade e a co. Convicções religiosas e família, sangue e dou-
obrigatoriedade das normas éticas muito melhor que trina são as realidades com as quais os pessoas
a razão abstrata ou o discurso racional, parcamente se identificam e em função das quais lutam e mor-
convincentes e só compreensíveis por alguns setores rem" (citado em Küng, op. cito 162).
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aja com veracidade; obrigue-se a uma cultura da to- ocupada pela economia, pelas taxas de juros, pelos
lerância e a uma vida na verdade". Por fim, ensina- níveis de inflação, pelos índices de crescimento mate-
ram: "não cometer adultério". Traduzindo: "amem- rial e pelas oscilações das bolsas de valores.
se e respeitem-se uns aos outros, imponham-se como
obrigação a cultura da igualdade e da parceria entre 5. A ética fundada no pobre e no
o homem e a mulher". excluído
Uma sociedade mundial única (geossociedade)
A situação de empobrecimento e de exclusão
necessita de um único ethos básico, caso contrário, não
em que vivem grandes porções da humanidade e
se garante o futuro comum. Desta vez, o perigo é
as dificuldades históricas de suscitar com-paixão e
total e a salvação deverá ser também total; não have-
solidariedade têm desafiado a reflexão de muitos
rá uma saída escondida, nem salvação para alguns pri-
pensadores situados na periferia dos grandes cen-
vilegiados. Ou nos salvamos todos, mediante a incor-
tros metropolitanos e dos sistemas imperantes. Ob-
poração de uma ética mundial, ou todos podemos
je,tivamente, esta anti-realidade provoca indigna-
conhecer o destino das grandes devastações que dizi-
ção e até iracúndia sagrada. Diante das multidões
maram outrora milhões de espécies.
famélicas, dos olhos transtornados pelo desespero
A contribuição de Hans Küng tem sido inesti-
e dos corpos retorcidos pela fome, a reação hu-
mável e, no conjunto das propostas mundiais, é uma
mana mínima é: "Isto não pode ser. Isto tem de ser
das mais sensatas e factíveis.
mudado". Deste sentimento visceral, nasce a von-
Como se depreende, essa ética cria a atmosfera
tade política por um processo de libertação, car-
adequada para balancearmos os três problemas glo-
regado de densidade ética.
bais que colocamos como os desafios emblemáticos
O Manifesto Comunista de 1848 e a teologia
para um consenso mínimo: o social, o ecológico e o
da libertação do Terceiro Mundo constituem mo-
do trabalho. Essa proposta cria a sensibilidade para
numentos éticos de primeira grandeza, originados
colocar no centro das atenções humanas tais ques-
pelo protesto contra a miséria e pela solidarieda-
tões, e não como se faz hoje em dia na globalização
de para com os miseráveis. No interior dessa tra-
econômico-financeira, na qual a centralidade é
dição profética, surgiu um dos nomes mais
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conhecidos pela produção ética consistente e por Nesse sentido, os marginalizados e mais ainda
sua capacidade de diálogo com outras propostas. os excluídos são portadores de um privilégio
epistemológico. A partir deles, pode-se fazer um juí-
a) princípio supremo: liberta o pobre zo ético-crítico sobre todos os sistemas de poder do-
minantes. O excluído grita. Seu grito denuncia que o
Enrique Dussel (nascido em 1934), teólogo, sistema social e ético está falho, é injusto e deve ser
ftlósofo e historiador argentino, que vive atualmen- transformado. Normalmente os sistemas constituídos
te no México opera, antes de mais nada, uma rigo- se consideram naturais e os únicos válidos a serem
rosa desconstrução dos discursos éticos vigentes. impostos a todos no mundo inteiro. Tal fenômeno
Em sua grande maioria, observa ele, os formula- ocorre, nos dias atuais, com algumas correntes ftlo-
dores dessas éticas não têm consciência do lugar só ficas dos países centrais, com o monoteísmo polí-
social a partir donde pensam e atuam: dentro dos tico do neoliberalismo e com o fundamentalismo do
sistemas dominantes e a partir de quem ocupa o mercado. Alguns ideólogos vêem a ambos como o
centro do poder. Praticamente não tomam em con- fim e a culminância da história.
ta o fato de que existem uma periferia e uma exclu- Como universalizar um discurso ético que en-
são mundial, fruto desses sistemas fechados sobre globe realmente a todos sem distinção? Dussel é en-
si mesmos, incapazes de incluir a todos e, por isso, fático ao afirmar: somente chegamos à universalida-
produtores permanentes de vítimas. Como podem de se partirmos de uma parcialidade, dos últimos,
universalizar suas propostas, deixam-se de fora os dos que estão de fora, dos que têm seu ser negado.
pobres e os excluídos, que constituem as grandes Partindo dessa parte maior, podemos nos abrir a to-
maiorias da humanidade? Tais pensadores não fazem dos os demais, sentindo a urgência das mudanças ne-
um juízo ético prévio do sistema histórico-social em que cessárias, capazes de garantir uma efetiva inclusão e
vivem imersos e do tipo de racionalidade que uti- universalidade. Deixando-os de fora, teremos discur-
lizam. Partem como se suas realidades fossem evi- sos éticos seletivos, encobridores, não universalisá-
dentes e inquestionáveis. Sua crítica não é suficien- veis e abstratos (cf. Etica de la liberación en la edad de la
temente radical. globalización y de la exclusión) 1998).
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outro ante o sistema" (Ética comunitária, 51-2). inclusão n~ sociedade da qual se sentem excluídas. Em
O princípio supremo e absoluto da ética reza: função disso, hierarquiza prioridades: primeiro, sal-
"Liberta o pobre" (Ética comunitária, 88). O princípio var a vida dos pobres; depois, garantir os meios de
é absoluto porque rege a práxis, sempre, em todo o vida para todos (trabalho, moradia, saúde, educação,
lugar e para todos. "Liberta o pobre" supõe: (a) a segurança); em seguida, assegurar a sustentabilidade
denúncia de uma totalidade social, de um sistema fe- da casa comum, a Terra, com seus ecossistemas e a
chado que excluie produz o pobre; (b) supõe um opres- imensa biodiversidade e, a partir dessa plataforma
sor que produz o pobre e o excluído; (c) supõe o po- básica, garantir as condições para realizar os demais
bre injustamente feito pobre, por isso, empobrecido; direitos humanos fundamentais, consignados em
tantas declarações universais.
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Em razão dessa visão essencial, Dussel elabora suscitadas no início deste trabalho: a social, a ecoló-
uma ética política, para sociedades abertas que se sa- gica e a do trabalho humano. E continuará valendo
bem imperfeitas e sempre dispostas a processos de até que se cale o último grito do último oprimido do
aperfeiçoamento; aprofunda também uma ética eró- último rincão da Terra.
tica que rede fine os papéis do feminino/masculino, e
as relações parentais e representa uma alternativa às 6. Dignitas Terrae: uma ética eco-
éticas masculinizantes e falocráticas; projeta uma éti-
centrada
ca pedagógica da socialização humana, vale dizer, dos
Mais do que qualquer outra, esta corrente colo-
processos e métodos de internalização de valor~s
ca de forma explícita a questão de um ethos mundial.
comuns e, por fim, uma ética antifetichista, quer di-
Representa a cristalização até agora mais bem suce-
zer ,desmascaradora dos processos de absolutização
dida da nova consciência ecológica e planetária, na
e de cerramento dos sistemas sobre si mesmos que
perspectiva consciente de um novo paradigma civili-
impedem uma experiência efetivamente de transcen-
zatório.
dência e de encontro verdadeiro com a Fonte origi-
Decididamente, parte de uma visão ética inte-
nária de todos os seres e o objeto secreto do desejo
gradora e holística, considerando as interdependên-
insaciável do ser humano, Deus.
cias entre pobreza, degradação ambiental, injustiça
Essa ética possui um inegável caráter messiâni-
social, co~flitos étnicos, paz, democracia, ética e cri-
co, na medida em que leva a salvar vidas, a enxugar
se espiritual.
lágrimas, a despertar a com-paixão e a inceritivar a
Seus formuladores dizem-no claramente: ''A
colaboração para que todos se sintam ftlhos e ftlhas
Carta da Terra está concebida como uma declaração
da Terra e irmãos e irmãs uns dos outros. Ela se cen-
de princípios éticos fundamentais e como um roteiro
tra em coisas essenciais ligadas à vida e aos meios da
prático de signiftcado duradouro, amplamente com-
vida. Por isso que tem a ver com a maioria da huma-
partido por todos os povos. De forma similar à De-
nidade empobrecida. É uma ética do óbvio humano,
claração Universal dos Direitos Humanos das Na-
compreensível e realizável por todos. Daí seu irre-
ções Unidas, a Carta da Terra será utilizada como um
nunciável valor ao dar centralidade às questões
código universal de conduta para guiar os povos e as
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Verde Internacional, com o apoio do governo holan- 1999 foram de ampla discussão em todos os continen-
dês. Assumiram o desafio de buscar formas pa~a che- tes e em todos os níveis (desde escolas primárias e co-
gar a uma Carta da Terra. Em 1995, copatrocinaram munidades de base até centros de pesquisa e ministérios
um encontro em Haia, na Holanda, onde 60 repre- de educação) sobre a Carta da Terra. Cerca de 46 países
sentantes de muitas áreas junto com outros interessa- e mais de cem mil pessoas foram envolvidas. Muitos
dos criaram a Comissão da Carta da Terra com o projetos de Carta da Terra foram propostos, até que,
propósito de organizar uma consulta mundial duran- em abril de 1999, sob a orientação de Steven
te dois anos, ao fim dos quais se deveria chegar a um Rockfeller, budista e professor de fJlosofia da religião
esboço de Carta da Terra. e de ética, escreveu-se um segundo esboço de Carta da
Ao mesmo tempo, foram recompilados os prin- Terra}reunindo as principais ressonâncias e convergên-
cípios e os instrumentos existentes de direito inter- cias mundiais. De 12 a 14 de março de 2000, na
nacional num informe com o título "Princípios de UNESCO, em Paris, fizeram-se as últimas contribui-
Conservação Ambiental e Desenvolvimento Susten- ções e se ratificou a Carta da Terra. A partir de agora,
tado: Resumo e Reconhecimento". será um texto oficial, aberto a discussões e a novas
Em 1997, criou-se a Comissão da Carta da Ter- contribuições, até que seja proposto ao endosso da
ra, composta por 23 personalidades mundiais, oriun- ONU em 2002. Aprovou-se uma campanha mundial
das de todos os continentes, para acompanhar o pro- dt; apoio à Carta da Terra com o propósito de conquis-
cesso de consulta e redigir um primeiro esboço de tar mais e mais pessoas, instituições e governos à essa
Carta da Terra sob a coordenação de Maurice Strong nova visão ética e ecológica, capaz de fundar um prin-
(do Canadá, coordenador-geral da Cúpula da Terra, cípio civilizatório benfazejo para o futuro da Terra e
Rio-92) e Mikhail Gorbachev (da Rússia, presidente da humanidade.
da Cruz Verde Internacional). Em março de 1997,
durante o Fórum Rio + 5, a primeira tentativa de ba-
Princípios e valores éticos da Carta da
Terra
lanço do que se implementou das decisões da Cúpula
O mérito principal da Carta é colocar como eixo
da Terra (Ri0-1992), a comissão apresentou um pri-
articulador a categoria da inter-retro-relação de tudo
meiro esboço da Carta da Terra. Os anos de 1998 e
com tudo. Isso lhe permite sustentar o destino comum
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ElHOS/! N D I A l
LEON RDOBoff
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LEO"ARDOBoff ETHOS J N o I A l
- reforçar as instituições democráticas em to- ma origem e o mesmo destino que ela. Nela não ha-
dos os níveis e garantir-lhes transparência e credibili- verá mais lugar para o empobrecido, o desocupado
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A razão, diz o ftlósofo lovaniense Jean Ladriêre, existência jamais é pura existência; é uma co-existên-
não é nem o primeiro nem o último momento da cia, sentida e afetada pela ocupação e pela preocupa-
existência humana (Le destin de la raison et les táches de la ção, pelo cuidado e pela responsabilidade no mundo
philosophie, 1973, 35). Ela se abre para baixo e para com os outros, pela alegria ou pela tristeza, pela es-
cima. Para baixo, emerge de algo mais antigo, pro- perança ou pela angústia.
fundo e elementar, a afetividade, o cuidado essencial A primeira relação é sem distância, de profunda
e o pathos. Para cima, ela se abre à experiência espiri- passividade ativa: sentir o mundo, os outros e o eu
tual, que é a descoberta do eu dimensionado para a como uma totalidade una e complexa, dentro do
totalidade e a descoberta da totalidade presente no mundo, como parte dele e, todavia, vis-à-vis com ele,
eu; em outras palavras, a interconectitividade de tudo como distinto para vê-lo, pensá-lo e moldá-lo. Fun-
com tudo. Além disso, existe ainda o a-racional e o damentalmente, é um estar com e não sobre as coisas, é
irracional, que mostram a presença do caos junto do um con-viver dentro de uma totalidade ainda não di-
cosmos, da desordem acolitando a ordem. O demens ferenciada.
sempre acompanha o sapiens, o dia-bólico se empare- Martin Heidegger, em seu Ser e Tempo, fala do
lha com o sim-bólico. Há vasta convergência na ad- ser-no-mundo como um existencial, quer dizer, como
missão de que a inteligência é emocional pois é ela uma experiência-base, constitutiva do ser humano, e
que dá conta dessa dialética viva da realidade e do não como mero acidente geográfico ou geológico.
pensamento. Por isso, as estruturas axiais da existência circulam
em torno da afetividade, do cuidado, do eros, da pai-
1. Sinto, logo existo xão, da com-paixão, do desejo, da ternura, da simpa-
tia e do amor. Esse sentimento básico não é apenas
Qual é a experiência-base da vida humana? É o
moção da psiqué. É muito mais. É uma "qualidade
sentimento, o afeto e o cuidado. Não é o logos, mas o
existencial", um modo de ser essencial, a estrutura-
pathos. Sentio, ergo sum (sinto, logo existo): eis a propo-
ção ôntica do ser humano.
sição-raiz. Pathos é a capacidade de sentir, de ser afe-
O pathos não se opõe ao Iogos. O sentimento tam-
tado e de afetar. Esse é o Lebenswelt, o arranjo exis-
bém é uma forma de conhecimento, mas de natureza
tencial concreto e pro to-primário do ser humano. A
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diversa. Engloba dentro de si a razão, transbordan- humana; havia respeito e veneração para com todos
do-a por todos os lados. Quem viu genialmente esta os elementos, especialmente para com os seres vivos
dimensão foi Blaise Pascal, um dos fundadores do e para com a Terra, venerada como Grande Mãe.
cálculo de probabilidades e construtor de máquinas Tudo isso se obscureceu posteriormente. O ho-
de calcular, ao afIrmar que os primeiros axiomas do mem moderno e pós-moderno está à procura desse
pensamento vêm intuídos pelo coração e que cabe acordo perdido que subsiste, no entanto, na lógica
ao coração colocar as premissas de todo o conheci- do cotidiano (nisso somos tão arcaicos como os hu-
mento possível do real. Nos tempos atuais, Daniel manos de antanho), nos seus sonhos, nas utopias re-
Golemann, com seu estudo já clássico Inteligência Emo- gressivas e progressivas e em seu fértil imaginário.
cionai comprovou empiricamente a tese filosófIca do
sentimento e da afetividade (pathos) como dinlensão 2. A essência humana: o cuidado
básica do ser humano. Primeiro sente o coração, so-
Mas não basta. Importa transformar opathos num
mente após reage o pensamento. projeto histórico que englobe a tradição do logos, ne-
O conhecimento pelo pathos se dá num processo cessário para salvar a humanidade e a Terra. Logos e
de sim-pathia, quer dizer, de identifIcação com o real, palhos precisam dar-se as mãos. Cabeça e coração pre-
sofrendo e se alegrando com ele e participando de cisam redescobrir que são dimensões do mesmo cor-
seu destino. po e que são faces de uma mesma moeda. Desta com-
O homem arcaico, antes da hegemonia da razão,
binação, nascerá o cuidado. O cuidado, segundo uma
vivia uma union mystique com todas as realidades, sen- antiga tradição filosófica ligada à fábula 220 de Higi-
tia-se umbilicalmente ligado a elas; participava da no, o escravo de César Augusto, tão bem explorada
natureza das coisas e as coisas participavam de sua por Heidegger em Sere Tempo (41-3) e levada avante
natureza. Percebia que as pedras, as plantas e os ani- por nossa investigação Saber cuidar: ética do humano)
mais pertenciam a sua própria história, embora se compaixão pela Terra (Vozes, Petrópolis, 1999) define
perdesse na penumbra do tempo antigo. Por isso, o a essência concreta do ser humano.
sentimento de pertença e de parentesco universal per- O ser humano é fundamentalmente um ser de
mitia uma integração bem sucedida da existência
cuidado mais que um ser de razão e de vontade.
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que é parte e parcela do Todo e merece ser respeitado e da Carta da Terra) como a expusemos anteriormente.
continuar a existir.O cuidado expressa a importância da Nós mesmos, na obra Saber, cuidaraprofundamos seus
razão corclial,que respeita e venera o tIÚstérioque se vela principais eixos: cuidado com o nosso único planeta,
e re-vela em cada ser do universo e da Terra. Por isso, a cuidado com o próprio nicho ecológico, cuidado com
vida e o jogo das relações só sobrevivem se forem cerca- a sociedade sustentável, cuidado com o outro, ani-
dos de cuidado, de desvelo e de atenção. A pessoa se mus-anima, cuidado com os pobres, oprimidos e ex-
sente envolvidaafetivamentee ligadaestreitamenteao des- cluídos, cuidado com o nosso corpo na saúde e na
tino do outro e de tudo o que for objeto de cuidado. Por doença, cuidado com nossa alma e seus anjos e de-
isso, o cuidado provoca preocupação e faz surgir o senti- mônios interiores, cuidado com nosso espírito e seus
mento de responsabilidade. Bem dizia o poeta Horácio sonhos e o Grande Sonho, Deus, cuidado com a gran-
(65-8 a.q: "o cuidado é o permanente companheiro do de travessia da morte.
ser humano", no amor às coisase às pessoas e na respon- O futuro do planeta e da espécie homo sapiem/ demens
sabilidadee no envolvimento daí decorrentes. depende do nível de cuidado que a cultura e todas as
Sem cuidado, triunfa a entropia, vale dizer, o des- pessoas tiverem desenvolvido.
gaste de todas as coisas sob a usura irrefreável do
tempo; com cuidado, cresce a sintropia, a conjura
2. Ética da solidariedade
suave de todos os fatores que mantêm e prolongam
Cresce a percepção de que vigoram interdepen-
o mais possível a existência.
dências entre todos os seres, de que há uma origem e
Não é difícil perceber que o cuidado funda a pri-
um destino comuns, de que carregamos feridas co-
meira atitude ética fundamental, capaz de salvaguar-
muns e de que alimentamos esperanças e utopias co-
dar a Terra como um sistema vivo e complexo, pro-
muns. Somos, pois, solidários em tudo, na vida, na
teger a vida, garantir os direitos dos seres humanos e
sobrevivência e na morte.
de todas as criaturas, a convivência em solidarieda-
de, compreensão, compaixão e amor.
a) a lei cósmica da solidariedade
Não precisamos detalhar mais os conteúdos de
A solidariedade emerge aqui como uma catego-
uma ética do cuidado, pois ela perpassa todo o texto
ria ôntica e, ao mesmo tempo, política. Ôntica porque
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está inscrita, objetivamente, no tecido de todos os solidariedade, e não o strugglefOr life organizou social-
seres. Todos são seres-de-relação e por isso inter-re- mente nossos ancestrais hominídeos. Ao recoletarem
tro-conectados e reciprocamente solidários. Esta é a alimentos ou ao retornarem da caça, repartiam entre
estrutura básica do universo que gerou as mais dife- si o que haviam reunido. Foi a sociabilidade originá-
rentes diversidades, especialmente a biodiversidade, ria que, milhões de anos atrás, permitiu o surgimento
como forma de garantir, solidariamente, a subsistên- da fala, mediante a qual o ser humano se distingue
cia do maior número possível de seres, senão de to- dos demais primatas superiores e com a qual cons-
dos os atualmente existentes. A própria lei da seleção trói o mundo de significações e de valores. Finalmen-
natural de Darwin deve ser entendida no interior dessa te, a vida depende da solidariedade, tanto ontem
lei mais universal da solidariedade de todos com to- como hoje. Ninguém dá a vida a si mesmo, senão que
dos. Ao nível humano, ao invés de seleção, devemos a recebe de alguém que a acolhe solidariamente e a
propor o cuidado, para que todos possam continuar introduz na comunidade dos humanos. Todos depen-
a existir e não sejam marginalizados ou eliminados demos de um prato de comida e de um copo de água
em nome dos imperativos do interesse de grupos ou e daqueles que nos aceitam, suport;am e decidem con-
de um tipo de cultura que coloca a ambição acima da viver conosco. Sem essa solidariedade básica, não ha-
dignidade. veria sociedade, nem entre os animais e outros orga-
nismos societários.
b) a solidariedade política
A solidariedade política ou será o eixo articula-
A solidariedade é ainda uma categoria política dor da geossociedade mundial ou não haverá mais
central. A solidariedade ôntica pode ser assumida futuro para ninguém. Pois dessa solidariedade depen-
conscientemente num projeto político e constituir o de a conservação do patrimônio natural comum da
eixo das relações sociais. humanidade, sem o qual a vida não será mais possí-
Aqui novamente precisamos resgatar a tradição vel. Antes de mais nada, há de se entender, numa vi-
de solidariedade que se encontra nos primórdios do são ecocêntrica que deixou para trás todo o antropo-
processo de hominização. Etnoantropólogos e bió- centrismo, que a biosfera é patrimônio comum de
logos contemporâneos nos fizeram saber que a toda a vida (common heritage o/ afl life), dos
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microorganismos aos seres humanos. Tal fato anula Serres (1990): "A Declaração dos Direitos do Ho-
os limites nacionais e espaciais, pois a questão églo- mem teve o mérito de dizer 'todos os homens' e o
bal, e não regional. defeito de pensar 'só os homens'. Assim como ou-
O imperativo ético primeiro, elaborado pelo trora houve discussões acerca da atribuição ou não
famoso A. Leopold em sua Ética da Terra (1949), soa: de direitos às mulheres, aos indígenas e aos escravos,
"uma ação é justa quando tende a preservar ~ estabi- hoje verifica-se a mesma discussão acerca da
lidade, a integridade e a beleza da comunidade bióti- atribuição ou não de direitos aos animais, às plantas e
ca e injusta quando tende ao contrário". Formula- à Terra como Gaia. Como viemos enfatizando, pre-
ções semelhantes encontramos em H. Jonas, em sua cisamos enriquecer nosso conceito de democracia, no
ética ecológica para as modernas sociedades tecno- sentido de uma biocracia e cosmocracia, em que to-
lógicas (O prindpio da respo11Sabilidade, 1984) ou em A. dos os elementos entram a compor, em distintos ní-
Schweitzer, em sua ética da veneração e do respeito veis, a sociabilidade humana.
diante de cada forma de vida (A reverência diante da A Carta Mundial da Natureza, elaborada pela
vida) 1966). Nesta ética em grau zero, o ser humano ONU em 1982, esposa essa compreensão da
emerge, em sua missão singular, como tutor (guardian) subjetividade da natureza e faz dos seres humanos os
em inglês, e na linguagem bíblica, jardineiro) e res- representantes jurídicos (guardians) de todos os de-
ponsável pela biosfera e por todo p criado. mais concidadãos e concidadãos da comunidade
I biótica e terrenal. A mesma visão preside a Carta da
c) a subietividade da natureza Terra) como já temos considerado.
Há um pressuposto nesta compreensão que deve Junto com o patrimônio comum natural da vida
ser explicitado: a subjetividade da Terra, da natureza e da humanidade vem o interesse comum da humani-
e de cada ser vivo. Todos eles têm história, comple- dade (col11l11onconcem 0/ hUl11ankind). Questões concre-
xidade e interioridade. São sujeitos de direitos que tas que afetam diretamente toda a humanidade mere-
devem ser respeitados. Existe pois uma ampliação cem uma preocupação comum e solidária de toda a
da personalidade jurídica às plantas, aos animais, aos humanidade, tais como as alterações dos climas, a
rios, aos ecossistemas, às paisagens. Bem disse M. poluição da atmosfera, a camada de ozônio, o efeito
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estufa, a escassez de água potável, eventuais epidemias limitados da Terra e como realização plena dos ideais
letais, a seguridade alimentar e a questão dos transgê- democráticos, que incluem a cidadania de todos os
rucos, entre outros. elementos da natureza.
Qual é a ética que preside essa preocupação co-
mum da humanidade senão a ética da solidariedade? 3. Ética da responsabilidade
Aqui deriva sua centralidade e essencialidade. Ela deve
Pressupondo a discussão feita acima, ao anali-
penetrar em todas as instâncias e fazer-se carne e san-
sarmos os vários projetos éticos, queremos aqui ape-
gue em todas as pessoas. Por isso, o portador natural
nas sinalizar algumas pistas.
dessa ética é a sociedade civil, as pessoas concretas e
suas organizações. Os estados devem orientar suas Trata-se da sobrevivência de todos, seres huma-
políticas públicas no espírito da solidariedade, bem nos, demais seres vivos e da Terra como sistema inte-
como as relações inter-estatais. Bem o dizia a Decla- grador de subsistemas. O ser humano faz-se co-res-
ração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvi- ponsável, juntamente com as forças diretivas do uni-
mento em seu princípio VII: "Os estados coopera- verso e da natureza, pelo destino da humanidade e
rão num espírito de parceria global para conservar, de sua casa comum, o planeta Terra.
proteger e recuperar a saúde e a integridade do ecos- Sentir-seresponsável é sentir-se sujeito de ações que
sistema da Terra". Portanto, é por meio de ações in- podem dar-se num sentido de benvolência para com a
ter-estatais visando à comunidade universal que se ex- natureza e os outros seres ou num sentido de agressão e
pressará a solidariedade, que atende em primeiro lu- submetimento. A responsabilidade mostra o caráter
gar ao interesse comum da humanidade e, por refra- ético da pessoa. Ela escuta o apelo da realidade
ção, ao bem ecológico de cada estado. ecoando em sua consciência. Ele dá uma resposta a
Essa solidariedade política permitirá a retoma- esse apelo, resposta sempre qualificada, seja de ma-
da do sonho socialista em outros moldes, fora dos neira negativa, seja positiva, seja de qualquer outra
contextos ideológicos conhecidos, como forma de forma. Desta capacidade de resposta (responsum) nas-
integração de todos, em vista da sobrevivência, da .J ce a responsabilidade, o dever de responder e de aten-
utilização racional e compartilhada dos recursos der aos apelos da realidade captados pela consciência.
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Essa responsabilidade, na esteira de Hans Jonas, futuras (intergeneracional) que têm o direito de her-
pode ser formulada no seguinte imperativo categóri- dar uma Terra habitável, instituições político-sociais
co: "Age de tal maneira que as conseqüências de tuas minimamente humanas e uma atmosfera cultural e
ações não sejam destrutivas da natureza, da vida e da espiritual benfazeja para com a vida nas suas múlti-
Terra". Nos dias atuais, conhece três concretizações plas formas, com uma fina sensibilidade para com
básicas, resumidamente: todos os seres, companheiros de aventura terrenal e
- responsabilidade pelo meio ambiente, que se traduz cósmica e para com a Fonte originária de tudo: Deus.
por um pacto de cuidado, de benevolência e de res- a modo como esse ethos básico vai-se concreti-
peito para com a natureza, condição para todos os zar dependerá das diferentes culturas que encontra-
demais pactos; rão os modos singulares para cada uma delas
- responsabilidade pela qualidade de vida de todos os preencher os requerimentos da responsabilidade. A
seres, a começar pelos humanos e, dentre estes, em partir do ethos da responsabilidade, surgem as dife-
primeiro lugar, pelas grandes maiorias excluídas, rentes morais concretas com a marca das diferentes
humilhadas e ofendidas e, a partir daí, abrindo-se tradições humanas.
para os demais seres (florestas, rios, animais, mi-
croorganismos, ecossistemas), pois todos perten- 4. Ética do diálogo
cem à comunidade biótica e terrenal, são interde-
pendentes e, por isso, têm direito de ser e de viver A crise social mundial, o desemprego estrutural
junto conosco. É o novo pacto sociocósmico, fun- e a degradação ambiental dão, indiscutivelmente, ori-
dado na combinação entre a justiça social e li justi- gem a uma natural solidariedade. Mas essa
ça ecológica no espaço de uma democracia tam- solidariedade, sozinha, não é suficiente. Ela precisa
bém sociocósmica-planetária, na qual todos os se- ganhar corpo político, jurídico e pedagógico numa
res, humanos e não-humanos, fazem parte como dimensão transespacial e transtemporal. Isso implica
sujeitos de direitos; uma decisão política e jurídica dos estados e dos po-
- responsabilidade generacional: pacto com as gera- vos. a que permite, porém, a construção coletiva da
ções atuais (intrageneracional) em função das gerações solidariedade universal é o recurso sistemático ao
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diálogo em todas as frentes e em todos os níveis. Im- levantar a pretensão de validade" a. Habermas).
põe-se, portanto, uma ética do diálogo universal. Pre-
Uma norma que não respeita o processo comunica-
cisamos oferecer uma fundamentação filosófica mí- tivo, porque elaborada sob coação, manipulação dos
nima para esse tipo de ética. dados, com o uso da falsidade, seria imoral. A nor-
O ser humano, já o enfatizávamos anteriormente, ma assumida deve encaminhar ações concretas, pois
é um ser de relação e de comunicação, portanto, um somente assim funciona como cânon crítico para ou-
ser dialógico. É sua dimensão ôntica e transcenden- tras realizações da vida.
tal, sempre presente em todos os sujeitos humanos
Junto com essa exigência vem a outra: todos
de ontem, de hoje e de sempre. Essa dimensão ganha
devem ter seu lugar na comunidade de comunicação.
concreção e feição na história e na cultura. Ela foi
Nela todos devem caber e devem poder falar e ser
aprofundada pelo personalismo europeu e, especial-
e~cutados. Para que tal ocorra, fazem-se necessárias
mente em sua funcionalidade política, pela escola crí-
mudanças sociais para que os que estiverem excluí-
tica de Frankfurt, que inspiram nossas afirmações.
dos e silenciados (hoje são 2/3 da humanidade) par-
Na relação e no diálogo, o ser humano estabe- ticipem do discurso comunicacional. Uma república
lece princípios que se dão no próprio ato de comu- terrenal com cidadania ativa supõe uma permanente
nicação: a reciprocidade, vale dizer, o mútuo reco- dialogação dentro da humanidade. O ideal é que as
nhecimento dos sujeitos autônomos que se acolhem comunicações transformem a Terra numa única gran-
como interlocutores válidos e responsáveis pelas de ágora grega onde os cidadãos se acostumam a
ações comunicativas; todos se comprometem a usar opinar, discutir e, juntos, a elaborar consensos míni-
as regras comuns, sem as quais não há comunicação; mos em benefício de todos.
surge, pois, uma comunidade lingüística de interlo- Essa linha ética, predominante na reflexão filo-
cutores, com capacidade de argumentos aceitáveis sófico-social, vem acompanhada por uma teoria da
entre todos. Esta pressuposição implica uma ética evolução humana, pedagógica e social: o ser humano
segundo a qual "somente as normas que encontram aprende moralmente, na medida em que convive, re-
(ou poderiam encontrar) aceitação por parte de to- laciona-se e intercambia continuamente com os dife-
dos os envolvidos no discurso prático podem rentes. Essa ética invalida o pretenso caráter ético das
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ações dos poderosos do mundo. Na verdade, eles se São humanos que infligem este flagelo a outros
reúnem não para coordenar um diálogo ger~ sobre humanos, seus semelhantes. Não o fazem porque são
o futuro da Terra e da humanidade, mas para garan- perversos, mas porque aceitam passivamente as con-
tir sua hegemonia sobre os outros, consolidar suas seqüências produzidas por um tipo de relação social
posições de poder, negociar interesses particulares cuja lógica férrea de ter vantagens individuais e de
entre eles, à revelia do interesse coletivo da acumular privadamente bens e serviços apresenta-se
humanidade, e, principalmente, assegurar os ruveis de cruel e sem piedade. Esse sistema, que já tem séculos
ganhos do processo produtivo mundial. De suas prá- de existência, hoje expandiu-se praticamente em
ticas não virão luzes sobre o problema social, traba- todo o planeta e configura a maior desordem ética
lhista e ecológico. Antes eles agravam tais questões. e política de que se tem notícia. Ele compromete a
sustentabilidade de Gaia, da maioria dos seres vi-
5. Ética da com-paixão e da vos e de dois terços dos humanos. Empiricamente,
libertação significa uma desproporcional assimetria, socialmen-
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holograma, reflete-se em cada parte. Adaptabilida- A arte do pensamento holístico não é desconsi-
de, versatilidade, consorciação, continua aprendiza- derar as morais em nome de um ethos abstrato e no
gem, regeneração, reciclagem e sinergia são algumas fundo a histórico, mas, ao valorar as diferentes mo-
das características da perspectiva holística. rais, guardar o sentido da unidade e da totalidade
O novo paradigma se funda sobre esta nova per- complexa e orgânica de um mesmo ethos subjacente.
cepção sempre diferenciada, complexa e globaliza- Holisticamente, as diferentes morais são comple-
dora. Por essa lógica do complexo e do holístico, mentares. O fato de uma desempenhar a função de
podemos dar conta dos graves problemas ligados à violino; a outra, a de contrabaixo; e estoutra, a de
globalização, em que tantas diversidades convivem bumbo não significa que todas elas deixem de per-
numa mesma e única casa comum, o planeta Terra, e tencer à mesma orquestra e deixem de tocar a mes-
no interior de uma grande e única república global. ma grandiosa sinfonia.
Já nos albores da idade moderna, o grande jurista de O holismo permite ver e apreciar tanto a árvore
Salamanca, Francisco de Vitória, dizia, ao se referir que, soberana, eleva-se sobre a paisagem, quanto a
ao sentido do poder civil: "totus orbis, aliquo modo, est floresta luxuriante da qual ela faz parte. Elas se per-
una repubh'ca'~ (de certa forma, toda a orbe é uma úni- tencem mutuamente e pertencem ao mesmo todo.
ca república).
Em termos, o nosso tema de um ethos mundial
significa, holisticamente: poder identificar por trás das
muitas morais históricas, seja do passado, seja do pre-
sente, o mesmo ethos, aquela intenção originária de
organizar a casa humana, aquela boa-vontade que
Kant colocava como a pré-condição para qualquer
discurso ético e como o único valor sem ruga nem
mácula, boa-vontade que instaurou (bem ou mal)
normas, leis e ordenações, visando ao "viver feliz" e
"ao bem con-viver".
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1. M~STICA E
ESPB RiTUALIDADIE:
BASE PARA UMA
ÉTICA MUNDIAL?
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; Imperativos éticos claros são fundamentais, mas
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insuficientes. Há exigências éticas que contradizem
II.
interesses imediatos de pessoas, classes e nações. Por
que, então, segui-las? Os apelos éticos para uma con-
tenção mundial, para uma nova solidariedade e para
uma co-responsabilidade planetária ficam, não raro,
sem eficácia. A razão sozinha e a nova compreensão
da natureza (cosmologia) não têm força suficiente para
i fazer valer incondicionalmente imperativos categóri-
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cos, mesmo sob ameaça da autodestruição humana.
A dimensão del11ensdos seres humanos explica opções
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pelo absurdo. Por outra parte, tudo cai sob o hori- da qual nos sentimos inseridos como parte e parcela
zonte histórico e aí, sob o condicionado, o relativo e e do Fundamento que a origina e sustenta. São tais
o transiente.
experiências seminais que movem a vida humana e
Podem tais instâncias exigir algo de absoluto e dão força aos imperativos éticos.
incondicionado? Um imperativo verdadeiramente
categórico? Como o enfatizou, com razão a tradi- 1. Que é espiritualidade e mística
ção teológica transcultural, só um Incondicionado
pode exigir algo incondicionado. Só a Suprema Re- Formalizando, a espiritualidade é aquela ati-
alidade pode fundar algo supremo. Talvez devamos tude pela qual o ser humano se sente ligado ao
reconhecer que esse Incondicionado e Supremo não todo, percebe o fio condutor que liga e re-liga
possa ser demonstrado pelo tipo de razão, hoje do- todas as coisas para formarem um cosmos. Essa
minante, a instrumental-analítica, mas organizada experiência permite ao ser humano dar um nome
para dominar o mundo por meio do projeto da tec- a esse fio condutor, dialogar e entrar em comu-
no ciência, do que dar razões e oferecer significados nhão com ele, pois o detecta em cada detalhe do
existenciais. Mas ele pode ser acolhido por uma en- re'al. Chama-o por mil nomes, Fonte Originária
trega humana sensata, globalizante e racional, por- de todas as coisas, Mistério do Mundo ou sim-
tanto, por outro tipo de razão mais cordial e holís- plesmente Deus.
tica, tão humana, senão mais, que qualquer outra A mística é aquela forma de ser e de sentir que
forma de razão. Eis o lugar da razão hermenêutica, acolhe e interioriza experiencialmente esse Mistério
simbólica, sacramental e utópica. sem nome e permíte que ele impregne toda a existên-
É no âmbito do pathos que a dimensão espiritual . cia. Não o saber sobre Deus, mas o sentir Deus fi.lO-
pode emergir como profundidade do ser humano e da o místico. Como dizia com acerto L. Wittgens-
do próprio universo e, juntamente com ela, a perspec- tein: "O místico não reside no como o mundo é mas no
tiva mística. Tanto a espiritualidade quanto a mística fato de que o mundo é". Para ele, crer em Deus é com-
têm a ver com experiências profundas e com grandes preender a questão do sentido da vida; crer em Deus
emoções vinculadas à percepção da totalidade dentro é afirmar que a vida tem sentido. É esse tipo de mís-
tica que confere um sentido último ao caminhar
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humano e a suas indagações irrenunciáveis sobre a fazem com que a ética tenha mais a ver com a sabe-
origem e o destino do universo e de cada ser huma- doria do que com a razão, mais com o bem-viver do
no. É por meio delas que o ser humano vê sentido que o bem-julgar, e mais com virtudes do que com
em renunciar a interesses menores, em fazer sacrifícios idéias.
pessoais, em seguir o chamado ético de sua consciên-
cia e atender aos apelos da realidade ferida. 2. Convergências entre as
A mística e a espiritualidade se exteriorizam ins- religiões
titucionalmente nas religiões do mundo. Normalmen-
Não obstante as diferenças doutrinais e os cami-
te, as religiões estão em guerra entre si. Mas apesar
nhos espirituais diversos, as religiões convergem em
disso, se olharmos mais profundamente, elas são as
alguns pontos, decisivos para um ethosmundial, como
grandes gestadoras de esperança, dos grandes sonhos,
o enfatizou tão convincentemente Hans Küog em suas
de integração, de salvação, de um destino transcen-
obras sobre o ethos mundial. Vejamos alguns:
dente do ser humano e do universo. Todas elas rea-
a) cuidado com a vida: todas as religiões defendem
firmam o futuro da vida, contra a evidência cruel da
a vida, especialmente aquela mais penalizada e sofri-
morte. As religiões trabalham com valores e anunciam
da. Propõem-se expandir o reino da vida e prome-
sempre o Supremo Valor.
tem a perpetuidade, quando não a ressurreição e a
A espiritualidade e a mística subjazem aos dis-
eternidadé da vida. Mas não apenas da vida humana,
cursos éticos, portadores de valores, de normas e de
mas também de todas as formas de vida, particular-
atitudes fundamentais. Sem elas, a ética se transforma
mente das mais ameaçadas;
num código frio de preceitos e as várias morais em
b) comportamento ético elementar: todas as religiões
processos de controle social e de domesticação cul-
colocam um imperativo categórico: não matar, não
tural. Por isso, a ética, como prática concreta, remete
mentir, não roubar, não violentar, amar pai e mãe e
a uma atmosfera mais profunda, àquele conjunto de
ter carinho para com as crianças. Esses imperativos,
visões, sonhos, utopias e valores inquestionáveis que
quando traduzidos em nosso dialeto cultural, favore-
se compediam na mística e na espiritualidade. São
cem uma cultura de veneração, de diálogo, de siner-
como a aura, sem a qual nenhuma estrela brilha. Elas
gia, de não-violência ativa e de paz;
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e deve ser limitado pelo direito e pelo controle da 6. não só produtividade, mas também solidarie-
comunidade; dade para com a natureza e as gerações futuras;
5. a fé, o amor, a compaixão, o altruísmo, a for- 7. não só tolerância, mas também ecumenismo;
ça do espírito e a veracidade interior são, em última 8. não só a Terra, mas também o cosmos;
instância, muito superiores ao ódio, à inimizade e ao 9. não só o cosmos, mas também a Fonte origi-
egoísmo; nária de todo ser, Deus;
6. deve-se estar, por obrigação, do lado dos 10. não só a vida terrenal e a morte, mas tam-
pobres e oprimidos e contra seus opressores; bém a ressurreição e a vida eterna.
7. alimentamos profunda esperança de que, no Iniciamos nossas reflexões aceitando o desafio
[mal, a boa-vontade triunfará. de' três questões globais: os empobrecidos do mun-
Aqui se nota um consenso ao redor de valores do, os desempregados estruturais e o clamor da Ter-
que, observados, poderão salvar a Terra, resgatar os ra. Para debelar estas questões, precisamos de um
excluídos e dar sentido às lutas dos que buscam vida consenso mínimo sustentado pela razão cordial, pelo
e liberdade. Mais que prescrições, são apelos, chama- cuidado essencial, pela reverência em face de cada
mentos ao melhor do que existe em nós. O lado lu- realidade, da Terra e do cosmos. Essa atitude signifi-
minoso poderá redimir o lado sombrio que sempre ca o ethos básico que poderá dar origem a muitas
nos acompanha. expressões morais, consoante a diversidade das
O cristianismo-ecumênico se soma a essa con- culturas, das tradições e dos tempos. Mas todas elas
vergência das religiões mundiais. Na esteira de Hans devem expressar o mesmo ethos e a mesma boa-von-
Küng, podemos postular (projekt Weltethos, 93-96): tade fundamental de servir à vida, defendê-la, expan-
1. não só a razão, mas também o coração; di-la e permitir que ela continue a fazer sua trajetória
2. não só a cultura material, mas também a espi- no universo rumo à Fonte originária de toda vida.
ritual; Aos que despertamos para a urgência destas ques-
3. não só liberdade, mas também justiça; tões, a história nos impôs esta missão: alimentar a cha-
4. não só igualdade, mas também pluralidade; ma sagrada que arde em cada ser humano, quallampa-
5. não só coexistência, mas também paz; tina santa, com o óleo da veneração e do cuidado
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onde possam ser cumpridas mais efetivamente. tura ou a destruição de espécies que não são o alvo
[ou o objetivo].
14. Integrar na educação formal e na
aprendizagem ao longo da vida os
conhecimentos, valores e habilidades 16. Promover uma cultura de
necessários para um modo de vida tolerância, não violência e paz
sustentável a. Estimular e apoiar os entendimentos mútuos,
a. Oferecera todos, especialmente a crianças e a jo- a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas,
vens, oportunidades educativas que os preparem a con- dentro e entre nações.
tribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável. b. Implementar estratégias amplas para prevenir
b. Promovera contribuição das artes e humanidades, conflitos violentos e usar a colaboração na resolução
assim como das ciências,na educação sustentável. de problemas para manejar e resolver conflitos am-
c. Intensificar o papel dos meios de comunicação bientais e outras disputas.
de massas no sentido de aumentar a conscientização c. Desmilitarizaros sistemas de segurança nacional
dos desafios ecológicos e sociais. até chegar ao nível de uma postura não provocativa
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