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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

“O perigo só existe para aqueles que o temem”: Análise das percepções de risco e
comportamentos de segurança entre trabalhadores da construção civil na cidade de
Maputo

Monografia apresentada em cumprimento parcial dos requisitos exigidos para a obtenção do grau de
Licenciatura em Sociologia na Universidade Eduardo Mondlane

Autor: Mohomede Saide

Supervisor: Dr. Book Sambo

Maputo, Outubro de 2014

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Universidade Eduardo Mondlane

Faculdade de Letras e Ciências Sociais

Departamento de Sociologia

Título: “O perigo só existe para aqueles que o temem”: Análise das percepções de
risco e comportamentos de segurança entre trabalhadores da construção civil na
cidade de Maputo

Monografia apresentada em cumprimento parcial dos requisitos exigidos para a obtenção do grau de
Licenciatura em Sociologia na Universidade Eduardo Mondlane

Autor: Mohomede Saide

Supervisor: Dr. Book Sambo

Maputo, Outubro de 2014

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“O perigo só existe para aqueles que o temem”: Análise das percepções de risco e
comportamentos de segurança entre trabalhadores da construção civil na cidade de
Maputo

Monografia apresentada em cumprimento parcial dos Requisitos exigidos para a obtenção do grau de
Licenciatura em Sociologia na Universidade Eduardo Mondlane

Mohomede Saide

(Autor)

O Supervisor: Dr. Book Sambo

O júri:

O Supervisor O Presidente O Oponente

Maputo, Outubro de 2014

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Declaração de Honra

Eu, Mohomede Saide, declaro por minha honra que esta Monografia nunca foi apresentada,
parcial ou integralmente, em nenhuma instituição para obtenção de qualquer grau académico e
que constitui o resultado da minha investigação individual, estando indicadas nas citações do
texto e nas referências bibliográficas as fontes utilizadas.

Maputo, Setembro de 2014

_______________________________________________

Mohomede Saide

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Dedicatória

Dedico este trabalho a minha família, em especial aos meus pais, Saide Sufo, meu exemplo de
vida, fonte de inspiração e aprendizagem. Sandra Manuel Carlos, mulher da minha vida, a quem
devo cada partícula de ar que respiro. É imensurável a gratidão que tenho por vocês, pelo esforço
e dedicação que dispensaram para instruir e cultivar a pessoa que hoje me tornei. Pai, mãe, muito
obrigado por tudo! Esta vitória é mais vossa que minha.

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Agradecimentos

Agradeço em primeiro lugar a Allah - todos os louvores e bênçãos vêm da parte dele - pela
dádiva da vida, pela saúde de todos os dias, e pelo êxito de concluir esta etapa da minha vida.

Faço uso desta oportunidade para expressar a minha gratidão a todos que contribuíram para a
realização deste trabalho. Ao meu supervisor, Dr. Book Sambo, que com muita paciência me
acompanhou neste trilho, desde a concepção até a execução do trabalho de campo. Apesar da sua
agenda sempre preenchida, demonstrou uma incondicional disponibilidade em emprestar o seu
tempo e conhecimentos para que esta monografia fosse uma realidade.

A todo corpo docente do Departamento de Sociologia da UEM, que durante estes quatro anos,
dispuseram seus conhecimentos para o sucesso da minha formação académica. Em especial,
agradeço ao Dr. Baltazar Muianga, ao Dr. João Carlos Colaço e ao Dr. Danúbio Lihahe, que, de
alguma forma, se destacaram neste meu percurso, mais do que conhecimentos teóricos, estes três
senhores transmitiram-me ensinamentos que carrego para a vida. Muito obrigado!

Agradeço ainda aos meus colegas de turma de Sociologia 2010, que compartilharam comigo os
momentos de aprendizado, em particular a Énia Leonardo, Rassul Mardade, Issufo Pintane, aos
meus “mazas”, e aos membros do meu grupo de trabalho, a “Câmara dos Lordes” (Benjamim
Capito, Cristiano Daniel, Francisco Comé, Crimildo, jovem Silva e Isac), tanto pelos acesos e
construtivos debates como pelo companheirismo fora da academia. Estamos juntos Xitiqueiros!
Aos trabalhadores da construção civil afectos a Indiconstroi, empresa onde recolhi os dados.
Muito obrigado, sem a vossa colaboração, não teria sido possível materializar este trabalho.

Aos meus irmãos Miguel, Sunildany, Zuneid e Nabir, as minhas caçulas Anica, Djenny, Tacha,
Ngamo e manas Rafazila, Zainaba e Mimy, obrigado pelo vosso amor e carinho. Aos meus tios e
primos, em especial ao meu primo Rogério, a mana Yumbe, Injuma, a tia Fátima Chababe, aos
meus tios Agaisse, Luís, Valgy, Mily, Atabo e Salafo Alua. As minhas mamas Fátima e Ivone
por terem contribuído também na minha educação. Enfim, agradeço a todos aqueles que directa
ou indirectamente, acreditaram e me incentivaram nesta caminhada. Muito obrigado a todos!

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Lista de Abreviaturas/Siglas

CMCM - Conselho Municipal da cidade de Maputo

DNPET - Direcção Nacional de Planificação e Estatísticas do Trabalho

INE - Instituto Nacional de Estatística

INEFP - Instituto Nacional do Emprego e Formação Profissional

INSS - Instituto Nacional de Segurança Social

IGT - Inspecção Geral do Trabalho

MITRAB - Ministério do Trabalho

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Resumo

Neste trabalho, aborda-se a percepção social de risco de acidentes de trabalho entre


trabalhadores do sector da construção civil na cidade de Maputo. Procurou-se compreender
como é que a percepção de risco influencia a prática quotidiana dos trabalhadores, a tipificação
dos factores de risco e a adopção de estratégias de gestão de risco. Adoptou-se como
fundamentação teórica a perspectiva sociológica de análise do risco, especificamente, a
Abordagem Construtivista de Beger e Luckmann (2004), com a qual procurou-se discutir e
problematizar a visão dominante/objectiva na análise do risco. Sustenta-se que mais do que
determinações técnico-quantitativas de mensuração do risco, é a forma como os actores sociais
percepcionam fenómenos como a saúde/doença, o infortúnio e a morte que determinam a sua
prática quotidiana face aos riscos no trabalho. Verificou-se que os factores de risco são tidos
como uma realidade concreta no dia-a-dia de trabalho, ainda que percebidos e explicados de
maneiras diferentes. O risco tende a ser individual e colectivamente enfrentado por via da
apropriação, minimização e sobrevalorização. O acidente é visto como um fenómeno fora do
controle humano, o que determina, em alguns casos, a não adopção de estratégias de gestão de
risco. Verificou-se ainda que parte das orientações institucionais de protecção são
“marginalizados”, e a experiencia com acidentes de trabalho está, directa e indirectamente,
presente na vida dos trabalhadores entrevistados.

Palavras-chave: Acidente de trabalho, Percepção social de risco, Exposição voluntária ao risco

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Summary

This paper discusses the social risk perception of accidents among workers in the construction
sector in the city of Maputo. We sought to understand how risk perception influences the
everyday practice of workers, the characterization of risk factors and the adoption of risk
management strategies. Were adopted as the theoretical foundation of the sociological
perspective risk analysis, specifically the Constructivist Approach of Beger and Luckmann
(2004), with which sought to discuss and problematize the dominant/objective view of risk
analysis. Is argued that more than technical and quantitative determinations of risk
measurement, is how social actors perceive phenomena such as health/illness, misfortune and
death, which determine their daily practice address risks at work. It was found that the risk
factors are taken as a concrete reality in the day-to-day work, although perceived and explained
in different ways. The risk tends to be individually and collectively faced by way of ownership,
minimize and overvaluation. The accident is seen as a phenomenon beyond human control,
which determines, in some cases, failure of management strategies. It was also found that some
of the institutional guidelines for protection are "marginalized", and the experience with
accidents is directly and indirectly, in the lives of the workers interviewed.

Keywords: Accident at work, social perception of risk, voluntary exposure to risk

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Índice
Introdução ................................................................................................................................................... 12
Capítulo I - Contextualização do objecto de pesquisa ................................................................................ 15
1.1.Acidentes de Trabalho na Construção Civil.......................................................................................... 15
1.2.A situação de Moçambique ................................................................................................................... 16
Capítulo II - Problemática ........................................................................................................................... 17
2.1.Da revisão de literatura à Problemática ................................................................................................ 17
2.1.1.Abordagem Objectiva do risco (Análise de Risco) ............................................................................ 17
2.1.2.Abordagem Subjectiva do Risco (Análise das Percepções de Risco) ................................................ 20
2.3.Hipótese ................................................................................................................................................ 26
Capítulo III – Enquadramento Teórico e Conceptual ................................................................................. 27
3.1.Quadro Teórico ..................................................................................................................................... 27
Teoria Base: Abordagem Fenomenológica Construtivista de Berger e Luckmann (2004) ........................ 27
3.2.Quadro conceptual ................................................................................................................................ 30
3.2.1.Risco .................................................................................................................................................. 30
3.2.2.Percepção social de risco ................................................................................................................... 31
3.2.3. Risco Voluntário ............................................................................................................................... 32
3.2.4 Estratégia de Gestão de Risco ............................................................................................................ 33
Capítulo IV – Opções Metodológicas ......................................................................................................... 34
4.1.Método .................................................................................................................................................. 34
4.2.Técnicas ................................................................................................................................................ 35
4.3.Amostragem .......................................................................................................................................... 36
4.4.Área de estudo....................................................................................................................................... 37
4.5.Constrangimentos enfrentados no processo de recolha de Dados......................................................... 37
Capítulo V - Apresentação e Discussão de Resultados ............................................................................... 39
5.2.Perfil Sócio-demográfico dos entrevistados ......................................................................................... 39
5.3.Tipificação dos factores de risco ........................................................................................................... 42
5.3.1.Risco de contaminação por substâncias químicas .............................................................................. 42
5.3.2.Risco de queda nos trabalhos em altura ............................................................................................. 43
5.3.3.Tarefas ou manobras críticas.............................................................................................................. 44
5.3.4.Falha humana/negligência do trabalhador ......................................................................................... 45
5.3.5.Organização do trabalho .................................................................................................................... 46
5.4.Percepção de Risco: Sua racionalidade e formas de representação ...................................................... 49

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5.4.1.O risco como “parte do ofício” .......................................................................................................... 49
5.4.2.O risco como uma “vontade divina” .................................................................................................. 51
5.5.Estratégias de gestão de risco................................................................................................................ 53
5.5.1.Consciência do risco, controle e domesticação .................................................................................. 53
5.5.2.Ausência de estratégias de gestão e descrença na eficácia dos métodos de protecção ...................... 56
5.5.2.1.Da falta de equipamentos de protecção à exposição voluntária ao risco ........................................ 57
5.5.3.Experiências com acidentes de trabalho ............................................................................................ 59
Capítulo VI – Considerações Finais............................................................................................................ 61
Capítulo VIII – Bibliografia........................................................................................................................ 63
7.1.Referências bibliográficas ..................................................................................................................... 63
7.2.Monografias, dissertações e teses ......................................................................................................... 65
7.3.Documentos oficiais: ............................................................................................................................ 66
7.4.Documentos de suporte electrónico: ..................................................................................................... 66

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Introdução

Os acidentes de trabalho se constituem actualmente num fenómeno amplo e complexo. Devido a


sua peculiaridade e ao impacto que causa na vida dos indivíduos, este fenómeno tem sido alvo de
estudos em várias áreas de conhecimento. Porém, maior parte dos estudos em torno desta
problemática descrevem as estatísticas das áreas mais afectadas, as causas e os tipos dominantes
de acidentes sem com isso aprofundar os factores sociais em torno da mesma. São poucos os que
debruçam sobre a percepção social de risco entre os profissionais envolvidos e a sua influência
na prática quotidiana na relação que estabelecem com o risco ocupacional, especialmente nas
áreas consideradas críticas.

É dentro deste interesse que se circunscreve o presente trabalho, intitulado “O perigo só existe
para aqueles que o temem: Análise das percepções de risco e comportamentos de segurança
entre trabalhadores da construção civil na cidade de Maputo”, cujo objectivo geral consiste em
compreender quais as percepções que os profissionais de construção civil têm em relação aos
riscos de acidentes de trabalho presentes na sua actividade.

Em termos específicos, o estudo busca: identificar as diferentes categorias de riscos de acidentes


construídas entre trabalhadores no seu local de trabalho; descrever como eles percebem,
tipificam e dão significado aos riscos de acidentes a que estão sujeitos; relatar a experiencia
desses trabalhadores com os acidentes de trabalho; e finalmente, identificar as estratégias de
gestão do risco adoptadas por estes trabalhadores face a aos riscos ocupacionais identificados.

A partir deste tema, trazemos uma abordagem sociológica no estudo do comportamento social
dos indivíduos face ao risco de acidentes de trabalho. Em síntese, argumentamos que a exposição
ao risco pode ser uma atitude voluntária e racional, sendo que, a percepção de risco de acidentes
é baseada em lógicas locais, social e culturalmente reproduzidas entre os indivíduos.

Como forma de capitalizar este argumento, buscamos a fundamentação teórica na perspectiva


social do risco, especificamente, na Abordagem fenomenológica construtivista de Berger e
Luckmann (2004). Esta vertente de análise insere-se num debate teórico mais amplo que procura
demonstrar a relevância da construção social do risco em contraposição a visão dominante que
assume uma abordagem objectiva do risco privilegiando os factores técnico-quantitativos.

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A realização desta pesquisa justifica-se pela dimensão e complexidade desta realidade, mas
também, pela lacuna verificada nos estudos nacionais em torno da mesma. “Tradicionalmente”, o
sector da construção civil em Moçambique tem sido apontado como um dos mais afectados pelo
problema dos acidentes de trabalho, porém, a mera análise das estatísticas não permite ter um
conhecimento integral sobre o fenómeno, tanto é que, apesar da inegável contribuição das
referidas pesquisas, continuamos sem compreender, por exemplo, qual é a relação entre a
percepção social de risco e as práticas quotidianas dos trabalhadores na jornada de trabalho.

Por outro lado, o volume de negócios da construção civil assim como a extensão de mão-de-obra
que o sector acolhe exigem uma atenção mais evidente sobre a questão da segurança no trabalho.
Assim, a relevância desta pesquisa é justificada também pela importância deste numeroso grupo
social, constituído por homens e mulheres e até crianças, em alguns casos, que trabalham na
construção civil no nosso país. Portanto, esta pesquisa propõe, em última estância, a reflexão e o
reconhecimento da insegurança no trabalho como um problema social e de saúde pública.

A pesquisa foi realizada na cidade de Maputo, mais concretamente no bairro do Zimpeto, e teve
como caso de estudo a empresa Indiconstroi - Sociedade de Construções de Moçambique Lda. A
recolha de dados foi feita durante o mês de Maio de 2014, que compreendeu uma primeira fase
exploratória de reconhecimento do campo de pesquisa e uma segunda fase de recolha de
informação junto dos trabalhadores definidos como grupo alvo.

A amostra foi constituída por um total de 14 trabalhadores ligados a diferentes áreas operacionais
ou específicas dentro das obras, designadamente: cinco pedreiros, três serventes, um pintor, um
electricista, um responsável de limpeza, um operador de grua, um director de obra e um
Engenheiro e técnico de construção civil.

Quanto à estrutura, para além desta introdução, onde fez-se a apresentação integral do tema e do
assunto em análise, o trabalho organiza-se da seguinte maneira: No primeiro capítulo, faz-se a
contextualização do objecto de pesquisa, onde, apresentamos uma breve radiografia da situação
dos acidentes de trabalho em Moçambique, com especial enfoque às tendências do sector da
construção civil. Esse mapeamento se estende, igualmente, a alguns dados estatísticos sobre
acidentes de trabalho a nível regional.

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No segundo capítulo, apresentamos a problemática de pesquisa que inclui a delimitação do tema
e a revisão da literatura com enfoque aos estudos nacionais e internacionais que se dedicaram no
estudo desta problemática. Nesta fase, ilustramos as abordagens dominantes dentro das quais se
tem discutido a questão do risco, procedemos com a formulação do problema de pesquisa, e
concluímos com a colocação da pergunta de partida e a sua respectiva hipótese.

No terceiro capítulo, apresentamos o quadro teórico e conceptual que serviu de suporte da nossa
pesquisa. Para além de esmiuçar a teoria-base com a qual se fundamenta o nosso debate,
apresentamos os conceitos-chave da pesquisa e a sua devida operacionalização, ou seja, como é
que são compreendidos no contexto deste estudo e em que medida esses conceitos foram
relevantes aos propósitos deste estudo.

Por sua vez, o quarto capítulo destina-se à apresentação das opções metodológicas da pesquisa.
Para além da metodologia base, nesta secção, destacamos os métodos, técnicas e instrumentos de
recolha de informação assim como a delimitação da área de estudo, do universo e a amostragem.
Este capítulo fica completo com a apresentação dos principais constrangimentos enfrentados no
decorrer da pesquisa, em especial, no processo de recolha de dados.

Segue-se o quinto capítulo destinado a apresentação e discussão dos resultados. Contém um total
de 6 subcapítulos temáticos, nos quais apresentamos: O perfil social dos entrevistados; as
categorias de risco construídas entre os trabalhadores da construção civil; as percepções ligadas
aos riscos de acidentes de trabalho, sua racionalidade e formas de representação; experiencias
ligadas aos acidentes ocupacionais e ao infortúnio; e por fim as estratégias de gestão de risco
individuais, colectivas e institucionais que têm sido postas em prática entre os trabalhadores, sua
relação e dinâmicas.

Por fim, reservamos o sexto capítulo para a apresentação da conclusão do trabalho. Nesta secção,
apresentamos, naturalmente, as considerações finais do trabalho e as ilações da discussão
levantada a respeito das percepções de risco entre os operários da construção civil na cidade de
Maputo. Destacamos os principais resultados da nossa pesquisa, seus pontos convergentes e
divergentes com relação a literatura até então consultada, a confrontação entre a nossa hipótese e
a realidade encontrada no campo, enfim, as principais constatações desta monografia.

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Capítulo I - Contextualização do objecto de pesquisa

1.1.Acidentes de Trabalho na Construção Civil

Globalmente, o sector construção civil apresenta várias peculiaridades que reflectem uma
estrutura dinâmica, complexa e com alto grau de risco inerente as actividades desenvolvidas.
Segundo Navarro (2004), a construção civil, é responsável por grande parte do emprego das
camadas pobres da população masculina mas é também considerada uma das mais perigosas em
todo o mundo, liderando as taxas de acidentes de trabalho fatais, não-fatais e anos de vida
perdidos na maior parte dos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.

Nas economias nacionais e regionais, o papel da construção civil no sector produtivo é


extremamente importante, sendo este o grande responsável por toda a infra-estrutura necessária
ao desenvolvimento do país, como obras públicas, saneamento, habitações, obras viárias e
indústrias, e pela geração de um número significativo de emprego, principalmente nas camadas
carentes (Haslam; Bentley, 2006).

Durante muito tempo, a indústria de construção civil esteve desligada da vertente humana. Por
via disso, a questão de segurança no trabalho nem sempre foi tratada como uma componente
preponderante. Até meados do século XX, as condições de trabalho nunca foram levadas em
conta, sendo sim importante a produtividade, mesmo que tal implicasse riscos de doença ou
mesmo a morte dos trabalhadores. Para tal contribuíam dois factores: uma mentalidade em que o
valor da vida humana era pouco mais que desprezível e uma total ausência por parte dos Estados
na criação de leis que protegessem o trabalhador (Espínola, 2008).

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (2009) todos os anos, cerca de 330
milhões de trabalhadores são vítimas de acidentes de trabalho em todo o mundo, além de 160
milhões de novos casos de doenças ocupacionais. Sobre as mortes, a OIT aponta mais de 2
milhões relacionadas ao trabalho: 1.574.000 por doenças, 355.000 por acidentes fatais e 158.000
por acidentes de percurso. Estes números são representativos de um problema social que afecta
vários países, e cuja complexidade e dimensões exige uma análise profunda e cuidadosa.

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1.2.A situação de Moçambique

Em Moçambique, o sector de construção civil tem exercido um contributo significante para a


melhoria do desempenho da actividade económica e o crescimento do PIB. Nos últimos anos,
influenciado pela tendência do investimento público e privado no desenvolvimento de infra-
estruturas, este sector tem sido um dos mais dinâmicos da economia do país, estando, por isso,
entre os que regista melhores índices de desenvolvimento e produção de renda (Mosca, 2011).

Existem registados em todo o país cerca de 1400 empreiteiros, 600 dos quais sedeados na capital
do país. No geral, o sector de construção representa um volume de negócios de cerca de 500 a
600 milhões de dólares norte-americanos (USD) por ano, excluindo os mega-projectos, sendo
assim, inegável o enorme contributo que o sector tem dado a economia nacional, tanto em postos
de emprego como em infra-estruturas. Porém, o índice de acidentes de trabalho neste sector
continua sendo dos mais altos, o que coloca sérios desafios as empresas e ao próprio executivo.1

Segundo dados do INE (2007), desde 2003 que o país tem superado a média de 500 acidentes de
trabalho por ano. Aliás, só em 2013, registam cerca 611 acidentes de trabalho, tendo causado
morte e lesões de incapacidade a dezenas de trabalhadores. Estes números representam um
crescimento dos acidentes de trabalho na ordem dos 24% relativamente ao mesmo período do
ano anterior, 2012 (INE, 2013, p.16).

Depois de em 2012 terem sido as províncias de Maputo e Tete as mais afectadas, com 157 e 109
casos, respectivamente, no ano seguinte, 2013, a província e cidade de Maputo foram segundo a
mesma fonte, as mais afectadas pelos acidentes de trabalho contando com uma percentagem total
de 29 e 19.3%, respectivamente (INE, 2012, p.17; 2013, p.16).

A Inspecção Geral do Trabalho na cidade de Maputo já tem registado só no primeiro semestre de


2014, cerca de 43 casos de acidentes de trabalho nesta área (sem contar com os casos ocultos que
não chegam a ser reportados as instancias competentes), ou seja, a situação dos acidentes de
trabalho nesta área permanece ainda problemática, e os números tendem a aproximar a média
global de acidentes verificados nos anos anteriores, o que demonstra que este fenómeno está
longe de melhorar.

1
In Jornal Notícias, Edição de 2ª Feira, 11 de Fevereiro de 2008

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Capítulo II - Problemática

2.1.Da revisão de literatura à Problemática

Nesta secção, procedemos com a apresentação de alguns estudos desenvolvidos em torno da


questão do risco no local de trabalho. A busca por estes estudos foi feita tanto no contexto
nacional assim como internacional e teve como propósito a construção de um debate teórico
dentro do qual se insere o nosso problema de pesquisa. Com efeito, como forma de sistematizar o
material analisado nesta secção, estratificamos os estudos tendo em conta o tipo de abordagem.
Assim, na primeira parte ilustramos os estudos que abordam o risco tendo como enfoque uma
abordagem objectiva e, na segunda, os estudos que assumem uma abordagem subjectiva do risco.

2.1.1.Abordagem Objectiva do risco (Análise de Risco)

A abordagem objectiva do risco envolve um grupo de estudos em que o risco é tratado sob ponto
de vista “mecânico”. Tais estudos adoptam uma postura essencialmente técnica defendendo a
objectividade da ciência e da tecnologia no gerenciamento dos riscos de acidente de trabalho.
Neste tipo de abordagem, onde predominam os engenheiros, a questão é objectiva, e os riscos
podem ser identificados, caracterizados, quantificados e, finalmente, gerenciados através de
medidas técnicas definidas por profissionais especializados. Neste primeiro grupo destacamos os
estudos de França (2006), Medeiros & Rodrigues (2011), e Oliveira (2001).

Medeiros & Rodrigues (2011), no seu estudo intitulado “A Existência de Riscos na Indústria da
Construção Civil e sua relação com o saber do operário” realizado no contexto português,
procuram investigar as causas do elevado índice de acidentes de trabalho na área da construção
civil, e incidem sobre a componente “formação e informação”.

Tendo um enfoque técnico da questão do risco, argumentam que um trabalhador instruído tem
muito mais facilidade de captar as informações concedidas tanto no treinamento e como no
esclarecimento das normas de segurança do trabalho, de modos que, este trabalhador não estará
sujeito a acidentes de trabalho tão facilmente quanto aquele que é carente de tal recurso. Desta
forma, olham para o domínio do aparato técnico como garantia da segurança entre os operários.

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Desta feita, Medeiros & Rodrigues (2011), concluem que em muitas actividades industriais,
especialmente na construção civil, reina a ignorância sobre os processos e seus incidentes.
Concluem ainda que os trabalhadores ignoram o funcionamento exacto do processo industrial,
pois têm apenas “dicas” de um saber descontínuo. Não existe um conhecimento coerente, nem
sobre o próprio processo, nem sobre o funcionamento das instalações pois não existe formação
destinada aos trabalhadores visto que o saber circula entre os engenheiros de projectos.

Oliveira (2001), desenvolve uma análise semelhante ao abordar o risco na área da saúde. No seu
estudo intitulado “Análise dos riscos na terapêutica transfusional: Uma abordagem ergonômica
baseada na técnica dos incidentes críticos”, desenvolvido no contexto brasileiro, defende que o
risco de saúde está associado a práticas dos profissionais dos laboratórios, que tem como base a
capacidade de controle e orientação baseada em regras pré-estabelecidas e cientificamente
comprovadas. Assim, o desenvolvimento das actividades de trabalho exige uma recuperação de
conhecimentos formalizados, associados com o aprendizado profissional e com conhecimentos
tácitos da experiência na realização da tarefa.

Em função da sua base explicativa, Oliveira (2001) afirma que o risco de saúde, está associado a
outros riscos, nomeadamente o risco físico de trabalho (associado aos dispositivos técnicos como
computadores, microscópio, espaço físico), o risco biológico (associado a lixeira do lixo
biológico, a utilização dos tubos e transfusão de sangue), o risco químico (se associa ao não
controle dos riscos químicos previstos) e o risco organizacional (se associa a falta de manuais, a
falta de treinamento, entre outros elementos do género).

Esta análise, tal como é apanágio na abordagem objectiva do risco, tende a ignorar um conjunto
de factores subjectivos adjacentes, que na base explicativa de Oliveira (2011) tais factores
reflectem a mera incapacidade do profissional em manusear as ferramentas pertencentes ao seu
trabalho. Esta é uma forma técnica objectiva de abordar o risco, que veicula a não construção do
risco de saúde, mas sim sua existência independentemente da vontade dos indivíduos.

Por fim, ainda nesta abordagem, surge o estudo de França (2006), intitulado “A Gestão de
pessoas como facilitador para o gerenciamento de risco na indústria da construção civil”
também realizado no contexto brasileiro. França (2006), busca neste estudo abordar as causas
dos acidentes de trabalho na área da construção civil tendo como fio condutor a ideia de que

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nenhum acidente ocorre por acaso. Neste estudo, defende que os acidentes da área da construção
civil são relacionados principalmente a dois factores: a condição insegura e o acto inseguro.

A análise de França (2006) é particularmente interessante uma vez que abarca simultaneamente
argumentos centrados na abordagem objectiva sem descorar a abordagem subjectiva. França (op.
cit idem) considera que o reconhecimento de uma situação de risco está associado ao contexto
técnico de trabalho, mas também, à própria percepção individual do risco. Porém, este autor
inclina-se para a visão essencialmente técnica do risco ao concluir que, em última análise, os
acidentes de trabalho são o resultado das causas imediatas e das causas raiz.

Nas Causas Imediatas, agrupam-se as práticas inseguras ou erro humano (relacionadas com a
atitude do trabalhador no desempenho das suas tarefas), e as condições inseguras (estão
relacionadas com as condições de equipamento, instalação, local e organização do trabalho), e as
Causas de Raiz constituem manifestações puras de falha do sistema de gestão de segurança e
podem incluir deficiências de controle do sistema administrativo.

Os estudos com abordagem essencialmente objectiva na análise do risco são unânimes em


privilegiar factores de natureza puramente técnica, portanto, passível de identificar e quantificar.
Nesta abordagem, o comportamento de segurança de um trabalhador depende dos conhecimentos
sobre as regras de segurança, das aptidões necessárias para desempenhar as suas funções, bem
como do correcto estado do equipamento de segurança existente no local de trabalho.

Estes estudos trazidos acima, reflectem uma das perspectivas dominantes com as quais se tem
abordado o risco de acidentes de trabalho. Esta abordagem tende a ignorar ou secundarizar os
factores subjectivos na análise do risco. Tais factores “marginalizados” neste primeiro grupo de
estudos, constituem uma parte essencial da abordagem subjectiva do risco que passaremos a
apresentar a seguir. Nesta vertente de estudos, procura-se olhar para o indivíduo, como um actor
social, racional, que constrói a sua realidade, atribuindo sentido e significado as situações que
vivencia no quotidiano, esta abordagem privilegia, portanto, a percepção social de risco.

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2.1.2.Abordagem Subjectiva do Risco (Análise das Percepções de Risco)

A abordagem subjectiva do risco assenta na ideia de que os riscos são construídos e percebidos
socialmente e, portanto, não podem ser analisados e gerenciados sem considerar a percepção
daqueles que estão ou estarão expostos a eles. Desta feita, a literatura dentro da qual se insere
esta abordagem, em geral, indica que os comportamentos de segurança influenciam a ocorrência
de acidentes de trabalho mas também são influenciados pelas percepções dos trabalhadores sobre
a envolvente da segurança e ao próprio risco.

Nessa concepção, a percepção de risco é entendida como “julgamentos intuitivos”, utilizados


pela maioria das pessoas leigas em oposição aos “métodos tecnologicamente sofisticados”
empregados pelos engenheiros (Slovic, 1987, p. 280). Partindo desse enfoque, a análise de
percepção de risco tem utilizado métodos psicométricos em estudos de atitudes, visando
compreender a percepção das pessoas sobre um determinado risco e, assim, encontrar as formas
mais adequadas para convencê-las da segurança dos processos de gerenciamento do mesmo.

Dentro desta abordagem, Oliveira (2007), em “Os comportamentos de Segurança: O contributo


da experiencia de acidentes de trabalho e do clima de segurança”, realizado no contexto
português, analisa o papel de alguns factores individuais e psicossociais no desenvolvimento dos
comportamentos de segurança no trabalho. Para Oliveira (2007), o enfoque cultural, defende que
a percepção de riscos de cada indivíduo é construída a partir da sua trajetória de vida e de seus
valores culturais, ao passo que a abordagem sociológica tem como base a importância do estudo
das atitudes para compreender a percepção de riscos.

Oliveira (2007), conclui que apesar de os acidentes de trabalho serem frequentemente associados
a patrões negligentes que oferecem condições de trabalho inseguras e a empregados displicentes
que cometem actos inseguros, as causas dos acidentes de trabalho, normalmente, não
correspondem a essa associação, mas sim às condições ambientais a que estão expostos os
trabalhadores e ao seu aspecto psicológico, envolvendo factores humanos, económicos e sociais.

Em “Percepção de risco e cognição: reflexões sobre a sociedade de risco”, Navarro & Cardoso
(2005) defendem uma ideia similar a esta. Neste estudo, desenvolvido no contexto brasileiro,
acrescentam que ao considerarmos que a percepção de risco é construída socialmente, admitimos

20 | P a g e
que existe uma racionalidade por de trás de qualquer comportamento do operário no seu local de
trabalho, portanto, ocorre uma manifestação concreta da cultura. Nesta perspectiva, abordam o
risco tendo como enfoque as lógicas e racionalidades que estruturam o comportamento dos
trabalhadores no seu local de trabalho.

Navarro & Cardoso (2005) desenvolvem uma base explicativa a esta realidade tendo em conta a
ideia de que as características da percepção do risco estão relacionadas em como o risco é
percebido: voluntário ou não; controlado por um sistema ou pelo indivíduo; confiável ou não;
moralmente relevante ou neutro; natural ou artificial; estranho ou familiar; memorável ou não;
certeza ou incerteza; detectável ou não; amedrontador ou não, de modo que em cada situação o
risco ganha significados diferentes para os indivíduos.

Assim, Navarro & Cardoso (2005) concluem que o risco se constitui em escolhas sociais as quais
os indivíduos ou grupos se submetem, sendo que, essas escolhas estão relacionadas a valores
éticos e morais conformados em culturas particulares, portanto, os valores pessoais e colectivos
comuns a cada grupo determinam comportamentos sobre determinadas circunstâncias, no caso,
em situações concretas de risco e perigo no local de trabalho.

A abordagem do risco é, desta forma, complexa, e envolve a percepção social de risco. Essa
percepção não é um fenómeno individual mas sim socialmente construído. Para estes autores,
quando os benefícios para determinado grupo são considerados superiores aos prejuízos, a
tendência é a minimização e aceitação dos riscos, e neste ponto, concluem que múltiplos factores
como o contexto de inserção, demanda do ambiente, ocupação, características culturais, de
personalidade e história de vida determinam a percepção de risco (Navarro & Cardoso, 2005).

A produção científica nacional em torno do risco, denota grande proximidade a esta segunda
abordagem. Do contexto moçambicano, trouxemos estudos realizados sobre a percepção de risco
em diferentes espaços da vida social. Para além da abordagem do risco no trabalho (Lihahe, 2004;
Granjo, 2008), os estudos nacionais incidem em realidades como as doenças (Quembo, 2010;
Chicamisse, 2011), o lixo, (Sevela, 2011), e a sinistralidade rodoviária (Manjate, 2012).

Granjo (2004), em “Dragões, régulos e fábricas: espíritos e racionalidade tecnológica na


indústria moçambicana” procura abordar a percepção social de risco na indústria moçambicana
(tem a Mozal como caso de estudo). Nessa pesquisa, defende que há factores que extravasam a

21 | P a g e
racionalidade científica no comportamento dos trabalhadores durante o seu trabalho, incluindo
aqueles altamente qualificados. Segundo Granjo (2004), na indústria moçambicana mais
actualizada os operários regem o seu trabalho por uma estrita racionalidade tecnológica, porém,
os anteriores sistemas locais de domesticação do infortúnio, envolvendo espíritos e feitiçaria, são
partilhados na maioria deles.

Para Granjo (2004), estas racionalidades coexistem em paralelo, com âmbitos de aplicação
separados: ou a normalidade do funcionamento tecnológico, ou a interpretação dos acidentes que
a subvertem. Por isso, e por ambos os sistemas exigirem atitudes securitárias semelhantes, não
são contraditórios nem põem em causa a produtividade e a segurança.

Assim, no seu estudo, Granjo (2004) conclui que durante o seu trabalho, a percepção de risco dos
trabalhadores da Mozal é influenciada por duas lógicas e racionalidades, pertencendo a dois
sistemas de referência distintos: por um lado a rigidez e racionalidade tecnológica, portanto,
científica, e por outro lado as racionalidades tradicionais de interpretação dos fenómenos locais,
incluindo o acidente, o infortúnio.

Para este autor, não há razões para que a hegemonia da racionalidade tecnológica leve ao
abandono das racionalidades “tradicionais”, aliás, estas duas formas de interpretação da realidade
coexistem entre os trabalhadores da indústria de alumínio da Mozal e independentemente dos
seus níveis de instrução, são duas lógicas que influem sobre a sua percepção sobre o risco.

Desta feita, a semelhança de Navarro & Cardoso (2005), Granjo (2004), refere que o risco deve
ser lido e interpretado social e culturalmente, ele só tem existência enquanto identificado e aceite
como tal, esta identificação e aceitação é contextual. O risco, para Granjo (2004) se constitui
num perigo domesticado e é, portanto, construído e concebido para responder a certos objectivos
e propósitos de quem concebe, sempre no sentido de responder a incerteza e a aleatoriedade.

Esta base explicativa do risco é usada igualmente por Lihahe (2004) em “Vidas sobre carris –
apropriações socioprofissionais do perigo entre os maquinistas no Sul de Moçambique”. Nesse
estudo, Lihahe (2004) constrói a sua argumentação em volta daquilo que considera ser uma
“apropriação socioprofissional do perigo” dos maquinistas do Sul de Moçambique.

22 | P a g e
Segundo Lihahe (2004), na empresa Portos e Caminhos-de-Ferro de Moçambique, os perigos
laborais são percepcionados e enfrentados de forma colectiva, mas sem descurar o recurso a
mecanismos individuais de protecção e de construção da segurança. Lihahe (2004) demonstra
que trabalhar num contexto de risco, como é o caso dos maquinistas, pressupõe a manipulação de
procedimentos técnicos complexos só dominados pela experiência, pela “mestria profissional”
mas também pelas crenças locais (concebidas como mágico-religiosas).

Lihahe (2004), conclui que há processos formais e informais de construção da segurança entre os
maquinistas, que operam em paralelo na percepção (e apropriação) do perigo. O processo formal
diz respeito à questão da selecção, da formação teórica e do treinamento prático da profissão,
enquanto a dimensão informal remete para o processo de aprendizagem quotidiana do trabalho.

Em “Percepções de profissionais de saúde em relação aos riscos na maternidade”, Quembo


(2010) busca analisar as percepções que os profissionais de saúde têm em relação aos riscos
biológicos e químicos presentes na maternidade. Nesse estudo, nota que os profissionais adoptam
atitudes e estratégias que não são de todo normais e aceites na óptica da instituição, mas tais
estratégias e atitudes contornavam e reduziam as possíveis infecções e contaminações.

Os seus resultados demonstram que diferente do que sugere a abordagem normativa, os factores
de risco são concebidos tendo em conta fenómenos sociais, históricos e contextuais, e nem
sempre convergem com os factores institucionalmente aceites. Assim, Quembo (2010) conclui,
em síntese, que os profissionais entendem e percebem os riscos de forma diferente e designam
por factores de risco todo o cenário que ponha em causa a sua vida e a do utente.

Chicamisse (2011), em “Construção social do risco: Um estudo de caso da epidemia de cólera


no bairro Polana caniço A”, desenvolve uma abordagem semelhante do risco. Tendo como
objectivo principal compreender a relação existente entre as percepções formadas em torno da
cólera e a determinação dos factores de risco, neste estudo Chicamisse (ibidem), argumenta que
as percepções sobre a cólera influenciam na determinação de factores de risco e resulta das
experiências que os indivíduos vão tendo com a epidemia ao longo de suas vidas.

No seu estudo, o autor conclui essencialmente que a forma como a sociedade tipifica a cólera,
faz como que os indivíduos atribuam a ocorrência da doença a factores externos. Esta atribuição
surge das experiências vividas e as crenças formadas em torno da cólera que levam a não-

23 | P a g e
aceitação por parte dos indivíduos dos factores de risco individuais que são assumidos pelos
especialistas ou médicos como relevantes para a ocorrência da enfermidade. Assim, em função
da negligência dos factores individuais, a ocorrência da cólera é percebida como um fenómeno
natural, surgida pelas condições impostas pela sociedade que podem afectar todos indivíduos.

Por fim, em “Percepção social de risco e Acidente de viação: Uma dimensão sociológica da
sinistralidade rodoviária na cidade de Maputo”, Manjate (2012) busca estudar os acidentes de
viação tendo em conta a perspectiva de risco, analisando as crenças, e as práticas quotidianas que
propiciam a produção e reprodução de comportamentos de risco associados aos acidentes.
Manjate (2012) sustenta a ideia de que a forma como os actores sociais percepcionam fenómenos
como a morte minimiza o risco deles adoptarem comportamentos de risco, pois, os acidentes de
viação são encarados como fenómeno “transcendental”.

Nesta pesquisa, Manjate (2012), conclui que existem diferentes racionalidades em torno das
causas dos acidentes de viação, no entanto, as crenças sobre a vida e a morte, a forma como o
risco é percepcionado são elementos centrais nessa análise, na medida em que os actores sociais
orientam suas acções recorrendo a tais crenças e teorias. A convicção de que os acidentes de
viação são independentes da vontade e acção humana orienta o comportamento dos condutores
independentemente do sexo, da idade, da escolaridade, do estado civil e da profissão.

A revisão de literatura demonstra a existência de duas principais abordagens tendencialmente


opostas na produção do conhecimento científico em torno do risco: a primeira, a Análise de
Risco, é uma abordagem objectiva do risco, os estudos dentro desta abordagem têm, no geral,
uma visão mecânica, probabilística, quantitativa, previsível e controlável do risco. Por outro
lado, a segunda abordagem, dentro da qual se inserem a maior parte dos estudos nacionais em
torno desta realidade é a Análise da percepção social do risco e busca enfatizar, essencialmente,
a componente social e cultural do risco, sendo assim uma abordagem subjectiva do risco.

Desta feita, para além deste problema social que é a (in)segurança no trabalho, o nosso trabalho
insere-se dentro de um problema teórico em torno do estudo do risco que divide as ciências
exactas das ciências sociais. Estas, buscam evidenciar a importância da vertente subjectiva do
risco negligenciada por aquelas primeiras. Autores como Beck (1992), Giddens (1991), Douglas

24 | P a g e
(1985), Lash e Wynne (1992), trouxeram importantes contribuições no estudo do risco com a sua
análise cultural do risco, tornando o risco num problema sociológico.

Ocupando lugar de destaque na teoria social, Beck (1992) e Giddens (1991), procuraram discutir
os riscos como parte integrante ao desenvolvimento histórico da contemporaneidade. Foi Beck
(1992), o responsável pela incorporação do conceito de sociedade de risco dentro das teorias
sociológicas, onde procurava alertar sobre os riscos que as sociedades actuais estão sujeitas,
particularmente os riscos de carácter tecnológico e ambiental. Para Beck (1997), a sociedade de
risco significa que vivemos na idade dos efeitos secundários, isto é, habitamos um mundo fora de
controlo, onde nada é certo além da incerteza (apud Areoso, 2010).

A partir deste conceito, Beck (1997), procura demonstrar que algumas decisões humanas podem
envolver consequências e perigos globais que não reconhecem fronteiras, e que, portanto, o
problema não está situado na “quantidade” do risco, mas sim, no reconhecimento de que a
grande diferença histórica entre o passado e o presente é que hoje sabemos ser impossível
controlar as consequências de algumas decisões civilizacionais (apud Areoso, 2010).

Neste âmbito, Beck (1997), denuncia a necessidade de se incluir o conhecimento leigo na


discussão sobre o problema do risco, pois, a incerteza que invade o conhecimento especializado,
científico, obriga-o a abrir-se para outras formas de conhecimento, tomando em consideração a
validade do conhecimento prático dos indivíduos.

Assim, o estudo e a reflexão em torno do risco em acidentes de trabalho deve incorporar o estudo
das percepções, representações e crenças dos indivíduos como variáveis operacionalizáveis para
a clarificação do risco como um problema já assumido dentro da sociologia. Nesta pesquisa,
compreender as percepções formadas sobre o risco de acidentes de trabalho e a determinação dos
factores de risco assumidos pelos indivíduos coloca-nos num “confronto” entre a abordagem
objectiva, quantitativa e produtora de uma ideia generalizada e dominante de risco, e o contra-
discurso da população que re-categoriza essa noção dominante a partir de seus próprios critérios.

Em Moçambique, a literatura em torno dos acidentes de trabalho no contexto da construção civil


tem enfoque nos aspectos técnicos-funcionais e assume uma abordagem objectiva do risco,
veiculando a ideia de que a exposição ao risco e a vulnerabilidade de sofrer acidentes de trabalho
derivam da falta de instrução e do desconhecimento das regras de segurança (Nhacule, 2003).

25 | P a g e
Neste âmbito, entendemos que esta abordagem peca por associar de uma forma automática o
conhecimento das regras de segurança ao seu uso, ao mesmo tempo que não demonstra interesse
nas racionalidades que justificam o comportamento de risco dos trabalhadores perante as tarefas
críticas de exposição ao risco, limitando-se a explicar que os acidentes de trabalho ocorrem
somente porque os operários são desleixados ou desconhecem as regras de segurança.

Defendemos o argumento de que a exposição ao risco pode ser, consciente, voluntária e racional
por parte do trabalhador, há factores sociais e culturais que podem explicar essa racionalidade.
Portanto, há que compreender este problema a partir das lógicas e racionalidades que justificam e
dão sentido o comportamento de risco dos indivíduos durante o trabalho, que factores
determinam a forma como os indivíduos compreendem situações concretas de perigo, como
vivenciam, como reagem a essas situações, enfim, qual é a percepção social de risco destes
trabalhadores, este é o nosso ponto central de análise.

A este nível, ao adoptarmos uma perspectiva subjectiva de análise do risco, buscamos explorar
essencialmente a percepção social do risco que permite discutir e problematizar muitas das
explicações técnicas a respeito desta realidade. Portanto, em virtude da necessidade de colmatar
as insuficiências deixadas pela abordagem objectiva do risco, incorporando a dimensão social no
estudo dos acidentes de trabalho na construção civil em Moçambique, para esta pesquisa,
elaboramos a seguinte pergunta de partida:

“Como é que os trabalhadores da construção civil percebem os riscos de acidentes de


trabalho a que estão sujeitos, e, que implicações existem sobre o seu comportamento
durante a realização das suas tarefas?”

2.3.Hipótese
Como forma de responder, provisoriamente a pergunta de partida, a nossa hipótese de estudo
considera que o acidente de trabalho é percebido como um acontecimento fora do controlo
humano, ou seja, que os acidentes de trabalho ocorrem independentemente das suas acções
concretas, e isso, determina a não adopção de estratégias específicas de precaução e gestão de
risco. Explica-se, portanto, que os comportamentos de segurança derivam das representações dos
indivíduos a respeito do risco e nem sempre estão necessariamente associados aos padrões
técnicos de segurança previamente estabelecidos.

26 | P a g e
Capítulo III – Enquadramento Teórico e Conceptual

A materialização de toda pesquisa social envolve, necessariamente, a selecção de um corpo


teórico e conceitual a partir do qual se estuda uma determinada realidade. A teoria constitui,
portanto, um discurso sistemático, através do qual se apreende e se explica cientificamente essa
realidade. Deste modo, neste capítulo fazemos a apresentação da Teoria base com a qual se
fundamentou a nossa pesquisa.

3.1.Quadro Teórico

Teoria Base: Abordagem Fenomenológica Construtivista de Berger e Luckmann (2004)

Neste trabalho, adoptamos a Abordagem Fenomenológica de Berger e Luckmann (2004), como


teoria base. Esta abordagem se fundamenta na tese da construção social da realidade. Entende a
sociedade como um produto humano e o homem como um produto social, sendo que, a
sociedade é simultaneamente uma realidade objectiva e subjectiva. A teoria da construção social
da realidade ocupa-se em analisar a forma como o conhecimento da sociedade humana é
desenvolvido, transmitido e mantido em diferentes circunstâncias e realidade social específica.

Esta teoria, inspirada nos pressupostos defendidos pela Fenomenologia de Schutz, busca estudar
a realidade a partir do reconhecimento de dois conceitos: realidade e conhecimento. Schutz
incorpora o mundo da vida quotidiana na investigação sociológica trazendo como objecto de
estudo o âmbito da sociabilidade, ou seja, “o conjunto de relações interpessoais e atitudes
pessoais que, ainda que dependam de padrões adquiridos, são pragmaticamente reproduzidas ou
modificadas na vida quotidiana”.

Nesse sentido, o autor parte da constatação de que a realidade é construída socialmente através
do conhecimento, ou seja, das diferentes atribuições de sentido que os seres humanos
desenvolvem em determinados contextos. Berger e Luckmann definem, desta forma, a realidade
como “uma qualidade pertencente a fenómenos que reconhecemos terem um ser independente de
nossa própria volição (não podemos desejar que não existam)” e o conhecimento como a “certeza
de que fenómenos sociais são reais e possuem características específicas” (p. 11).

27 | P a g e
De acordo com Berger e Luckmann (2004), a realidade é ao mesmo tempo objectiva e subjectiva
e qualquer compreensão teórica relativa a ela deve ter em conta estes dois aspectos. Estes
aspectos recebem um correcto reconhecimento se a sociedade for entendida como um processo
dialéctico, caracterizado por três momentos: a interiorização, em que o mundo social objectivado
é reintroduzido na consciência no curso da socialização; a objectivação e exteriorização, onde o
homem e o seu mundo social actuam reciprocamente um sobre o outro. Estes três momentos da
realidade correspondem a uma determinada característica do mundo social, nomeadamente: a
sociedade como produto humano, a sociedade como uma realidade objectiva e o homem como
um produto social (Idem, 2004, p. 72).

Neste âmbito, a apreensão da realidade social como uma realidade objectiva é simultaneamente
exteriorizada e institucionalizada, ou seja, a tradução dos valores culturais, crenças, ideias tanto
em normas como em papéis sociais passam a exercer um controlo directo sobre a interacção dos
indivíduos dentro da colectividade. Segundo Berger e Luckmann (2004), a institucionalização
dá-se quando há uma tipificação recíproca, por tipo de actores e de acções tornadas hábitos.

As percepções de risco que os indivíduos constroem na sua relação com o trabalho constituem
acervo de conhecimento que permite ao indivíduo explicar os fenómenos e interagir com os
demais actores da sociedade. É em função desta influência das percepções no comportamento
dos actores sociais que fazem com o risco surja como uma realidade objectiva que se impõe ao
próprio indivíduo, ainda que, em alguns casos esse processo ocorra de forma inconsciente.
Portanto, a partir desta análise do risco explica-se como é que determinados comportamentos são
influenciados pelas concepções construídas em volta do risco e da própria sinistralidade laboral.

Por outro lado, partimos do pressuposto que as estratégias de gestão de risco de acidentes de
trabalho adoptadas pelos trabalhadores são influenciadas pelas suas percepções sociais de risco e
nem sempre podem estar associados à lógica formal e institucional de gestão. Buscando a
contribuição fenomenológica de Schutz, consideramos que os trabalhadores dentro da construção
civil (mundo da vida) são dotados de um “estoque de conhecimento” que serve de guia nas suas
acções durante a realização quotidiana das suas actividades, portanto, as estratégias que os
mesmos adoptam para minimizar o risco são resultantes das suas percepções empíricas,
informais, dispares das técnicas gerais de protecção de riscos de acidentes de trabalho na área
laboral, pré estabelecidas.

28 | P a g e
É importante destacar que para que os processos de exteriorização, objectivação e interiorização
sejam realizados é preciso que as regras formais sejam activadas e legitimadas (que o mundo
institucional seja legitimado), isto é, modos pelos quais deve ser explicado e justificado de forma
que as normas e os valores sejam reproduzidos no seio do grupo. Segundo Schutz (1979), as
experiências sedimentadas e situações experimentadas ao longo do tempo se constituem num
estoque de conhecimento que permitem a interpretação do mundo social e um meio pelo qual o
indivíduo busca critérios para a sua acção.

Assim sendo, para a abordagem fenomenológica construtivista o conhecimento e a realidade


social são produtos não só do contexto social mas também das experiências intersubjectivas dos
indivíduos. Assim, podemos compreender como o comportamento dos indivíduos no local de
trabalho, não tem em conta apenas aquilo que constituem as prescrições técnicas baseadas na
logica que norteia o funcionamento da empresa, mas também, e sobretudo, um conjunto de
experiencias individuais e grupais, muitas vezes dispares e informais acumuladas ao longo do
tempo.

Desta feita, a partir dos pressupostos da teoria construtivista de Berger e Luckmann (2004) e das
contribuições da fenomenologia de Schutz (1979) procuramos perceber como é que o risco surge
como uma realidade sujeita a interpretação dos indivíduos, carregada de significados e crenças.
Entendemos que a explicação de como os trabalhadores da construção civil entendem,
categorizam e dão significado às situações de risco envolve um conjunto de “racionalidades” e
crenças partilhadas neste espaço social específico. E a escolha deste quadro teórico, mostrou-se
portanto mais adequado neste empreendimento.

Compreender o risco como uma realidade da vida quotidiana implica o reconhecimento de que o
risco é uma realidade construída e reproduzida socialmente e não somente uma realidade
objectiva. Ademais, ao nos colocarmos perante o desafio de resgatar as percepções dos actores
sociais como uma categoria analítica indispensável na compreensão da problemática, assumimos
que a própria insegurança no trabalho é uma realidade construída e reproduzida socialmente,
portanto, tanto a tipificação dos factores críticos de risco, assim como a adopção de estratégias
de gestão são dependentes deste quadro de saberes e referencias quotidianas.

29 | P a g e
3.2.Quadro conceptual

Nesta secção, apresentamos os conceitos-chave deste estudo, designadamente: risco, percepção


social de risco, risco voluntário e estratégia de gestão de risco. A definição destes conceitos faz-
se acompanhar da sua respectiva operacionalização, ou seja, como é que são compreendidos no
contexto deste estudo, e em que medida são relevantes aos propósitos do nosso estudo.

3.2.1.Risco

De acordo com a norma portuguesa de gestão da segurança do trabalho (NP, 2008), “risco é a
combinação da probabilidade de ocorrência de um acontecimento ou exposição perigosa que
podem causar lesões ou afecções graves à saúde decorrentes ou agravadas por situações
relacionadas ao trabalho”, portanto, o risco representa a probabilidade do perigo se materializar.

Segundo Fisher (2002), a definição do conceito de risco deve ter em consideração o conceito de
perigo, uma vez que ambos estão intimamente relacionados. Em termos genéricos o perigo é
toda e qualquer fonte, situação ou acto com potencial para o dano ou afecções à saúde, ou seja,
todo o agente físico, factor humano, situação, condição ou um conjunto de situações que têm
potencial de ocasionar ou contribuir para uma lesão ou morte num indivíduo. Daí é que surge o
conceito de o risco que é uma função da natureza do perigo e sinaliza a chance de ocorrência de
perda de seu controle, portanto, “risco é a probabilidade ou chance de lesão ou morte”.

Este conceito é multifacetado e o seu âmbito de aplicação desdobra-se em vários campos de


análise, no entanto, neste estudo, olhamos para o risco especificamente no contexto do trabalho.
Segundo, Mesquita (1998) os riscos do trabalho (também designados riscos profissionais), são
os agentes presentes nos locais de trabalho, decorrentes de condições, que afectam a saúde, a
segurança e o bem-estar do trabalhador, podendo ser relativos ao processo operacional (riscos
operacionais) ou ao local de trabalho (riscos ambientais). Neste domínio, indica, o risco pode
estar presente, mas as precauções implantadas diminuem sua severidade, e portanto, o risco irá
variar na proporção directa da probabilidade e da severidade: quanto maior a probabilidade e a
severidade, maior o risco.

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Neste estudo abordamos o risco de acidentes de trabalho de maneira genérica, ou seja, a presença
de toda e qualquer possibilidade de que algum ambiente, elemento, processo ou circunstância
existente no local de trabalho possa causar danos à saúde, a lesões ou até a morte do trabalhador
ao ser experimentado acidentalmente. Por outras palavras, entendemos o risco como sendo todos
agentes físicos, químicos e biológicos existentes nos ambientes de trabalho que, em função de
sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à
saúde do trabalhador. Ao ser operacionalizado, este conceito, nos ajuda a identificar situações
concretas empiricamente observáveis no qual o perigo, de facto existe, e durante as actividades
normais do dia-a-dia, os trabalhadores estão sujeitos a ele, independentemente da questão de se o
percebem ou como o percebem.

3.2.2.Percepção social de risco

Seguidamente, importa trazer o conceito de percepção social de risco. Este conceito é central na
nossa abordagem na medida em que mais do que identificar ou mensurar situações concretas de
perigo existentes num determinado espaço, desenvolve o entendimento de que são os indivíduos
quem constroem e percebem o risco. A percepção social de risco está relacionada a um conjunto
específico de racionalidades, crenças, e saberes acumulados pelos indivíduos e grupos na sua
relação com o perigo.

Segundo Wiedemann (apud Peres, 2005), a percepção de riscos é definida como a habilidade de
interpretar uma situação de potencial dano à saúde ou à vida da pessoa, ou de terceiros, baseada
em experiências anteriores e sua extrapolação para um momento futuro, habilidade esta que varia
de uma vaga opinião a uma firme convicção. Essa percepção sofre influências das crenças,
experiências e informações sobre acidentes anteriores e a chance de um novo evento ocorrer.
Sendo relacionadas a experiências anteriores e à idealização de situações de perigo, normalmente
pessoas que lidam corriqueiramente com tais situações tendem a subestimar o risco.

É dentro deste entendimento que Fyynn & Slovic (2008), afirmam que muito embora os riscos
possam ser reais, não existe por assim dizer um risco “real” ou “objectivo”. Esta afirmação
remete-nos para a multidimensionalidade, subjectividade e carácter valorativo da percepção
social dos riscos. Aliás, Slovic et al (1982), vai indicar que mais do que um instrumento mental

31 | P a g e
individual, as percepções dos riscos devem ser compreendidas dentro dos contextos sociais em
que os indivíduos se inserem, não apenas em termos de suas interacções, mas igualmente em
termos dos modos como cada constelação social se relaciona com a natureza e a tecnologia.

Por outro lado, Pereira (1998), considera que a probabilidade mensurável da ocorrência e a
gravidade estimável dos perigos, assim como a extensão dos seus efeitos, não são as únicas
componentes que os indivíduos accionam no modo como percepcionam e avaliam o risco. É
essencialmente o contexto no qual o risco é experimentado, que determina a percepção do
mesmo, e esse contexto envolve crenças, atitudes, julgamentos e os sentimentos das pessoas,
assim como suas extensas disposições culturais e sociais, que adoptam em relação aos perigos e
seus benefícios (Pereira, 1998).

Portanto, neste trabalho, a percepção de risco é entendida na sua dimensão social, que nos remete
a ideia do como é que situações concretas de perigo susceptíveis de criar danos físicos (ou até a
morte) são percebidas, encaradas e vivenciadas pelos trabalhadores durante o seu trabalho. A
percepção social do risco apesar de ser individual, a sua constituição não é isolada do contexto
relacional e dos valores dos profissionais assim como dos quadros socialmente produzidos,
transmitidos e reprodutivos no contexto da construção civil.

3.2.3. Risco Voluntário

Starr (1969), entende o risco voluntário como aquele estabelecido pela sociedade como níveis
aceitáveis a partir de análises de risco/benefício. Segundo este entendimento, um risco voluntário
envolve uma certa motivação para a obtenção de ganhos possíveis com o comportamento de
risco. Lash (1993), contribuiu também para a conceptualização do risco voluntário ao demonstrar
que as pessoas respondem emocional e esteticamente ao risco, como membros de subgrupos
culturais em vez de indivíduos atomizados.

Esta abordagem surge em oposição à tese da individualização, ao assegurar a importância de se


pertencer a um grupo para a estruturação das respostas ao risco. Lash (ibidem) também assinala o
papel desempenhado pelas assumpções desarticuladas, valores morais e práticas nas respostas
das pessoas ao risco. Este autor argumenta a noção de risco é partilhada e desenvolvida através
de aculturação e tem o sujeito como o agente que pode receber e incorporar valores tendo em

32 | P a g e
conta factores de influenciação externa que geram no individuo um conjunto de principio que
tende a convergi-lo a determinadas praticas úteis ou não ao sistema em que esta inserido.

Deste modo, neste trabalho, o conceito de risco voluntário nos é útil na medida em que permite
compreender os modos como as pessoas tomam consciência e respondem a riscos específicos,
demonstrando a existência de lógicas de risco dentro de espaços sócio-culturais e históricos
particulares. A exposição ao risco, não é nesse entendimento, obra do acaso, mas sim, justificado
por racionalidades produzidas no seio do grupo, e que tem uma componente social e cultural de
percepção de risco que os indivíduos partilham quer informal ou empiricamente, ou então
dotados de certas lógicas de procedimentos científicos que os condiciona a agir correctamente de
acordos as regras de higiene e segurança adquiridas.

3.2.4.Estratégia de Gestão de Risco

Segundo Hill e Dinsdale (2003), gestão de risco é tido como um processo de lidar com incertezas
num dado ambiente seja ele público ou privado. O objectivo deste, é aumentar os benefícios e
reduzir os custos de actividades cujos resultados são incertos. Uma situação de risco bem
gerenciada, reduz a probabilidade e a severidade de eventos indesejáveis. O processo de gestão
de risco envolve 4 etapas a saber: a identificação do risco; medição do impacto do risco
identificado; decisão de como cada risco pode ser minimizado e finalmente a resposta ao risco
(que implica aceitar, reduzir ou evitar o risco).

Segundo Michel (1990), citado por Nicolau (2001), as estratégias de gestão do risco podem
comportar três naturezas distintas: eliminação do risco - significa torná-lo definitivamente
inexistente; A neutralização do risco - o risco existe, mas está controlado, esta opção é utilizada
na impossibilidade temporária ou definitiva da eliminação de um risco; e por fim; A sinalização
do risco - é a medida que deve ser tomada quando não for possível eliminar ou isolar o risco
(exemplo: máquinas em manutenção devem ser sinalizadas com placas de advertência; locais
onde é proibido fumar devem ser devidamente sinalizados).

33 | P a g e
Capítulo IV – Opções Metodológicas

Segundo Medeiros (2006), qualquer investigação para ser considerada pesquisa científica deve
produzir ideias capazes de ser problematizadas e sistematizadas para compreensão de um dado
fenómeno. Portanto, é indispensável a apresentação de um quadro metodológico, racional e
sistemático que busca alcançar as respostas para os problemas que o pesquisador se coloca.
Neste capítulo, faz-se a apresentação de todas as opções metodológicas utilizada nesta pesquisa.

4.1.Método

Para a materialização dos objectivos preconizados no presente trabalho privilegiámos o método


qualitativo. A escolha deste método deve-se ao facto de auxiliar ao investigador na compreensão
das percepções e os discursos dos indivíduos no contexto social em que estes estão inseridos, de
modo a analisar os significados subjectivos construídos pelos actores sociais (Gil, 2008).
Segundo Yin (2005), a pesquisa qualitativa é favorável ao estudo de percepções e significados,
ela se preocupa com a dimensão dos fenómenos sociais que não pode ser quantificada.

Segundo Richardson (1999), ao buscar a compreensão detalhada de significados e características


situacionais apresentadas pelos entrevistados, este método dá primazia as convicções subjectivas
das pessoas, devido a concepção de que os conhecimentos que os indivíduos formam em torno
dos fenómenos sociais estão carregados de significados e possuem características específicas,
que determinam a percepção das coisas e o condicionamento das acções dos actores sociais.

Deste modo, o método qualitativo procura estudar o fenómeno situado no local em que ocorre,
com objectivo de analisar o sentido deste e interpretar os significados que as pessoas dão a ele.
Portanto, esta escolha justifica-se, em síntese, pelo facto de buscarmos compreender as crenças e
significados ligados ao risco de acidentes de trabalho entre os trabalhadores que constituem o
nosso objecto de estudo. Não constituiu uma prioridade para a nossa pesquisa a produção dados
quantitativos a respeito da realidade estudada.

Quanto ao método de abordagem, a pesquisa foi do tipo hipotético-dedutiva, visto que ela parte
de um problema definido e que é solucionado através de hipóteses de investigação, tais hipóteses
são sujeitas à verificação através da pesquisa empírica. O método hipotético-dedutivo parte da

34 | P a g e
constatação de um problema, constrói-se a hipótese pelo processo de inferência dedutiva e com
base nesta inferência, testa-se a ocorrência do fenómeno levantado pela hipótese (Demo, 2000).

No que se refere ao procedimento, optamos pelo método monográfico (ou estudo de caso) na
medida em que consideramos o caso particular de estudo os trabalhadores da área da construção
civil. Segundo Lakatos (1992), este método consiste, na selecção de caso com características
específicas para posteriores análises a luz de um quadro tórico e conceitual previamente definido.

4.2.Técnicas

Como forma de operacionalizar o método qualitativo, recorremos as entrevistas semi-


estruturadas como técnica de recolha de informação. Segundo Menga & Andre (1986), as
entrevistas escritas definem-se como uma listagem de indagações escritas que se caracteriza pela
sistematização das questões conforme critérios estabelecidos, elas caracterizam-se por dar
profundidade e revelar o contexto pessoal através da fala do entrevistado. Por outro lado, Lakatos
& Marconi (1994) entendem que tal método consiste em conversas orais com indivíduos/grupos,
cuidadosamente escolhidos a fim de obter informações sobre factos ou representações.

Desta forma, a entrevista apresentou-se mais adequada aos nossos objectivos, por permitir
recolher informações muito pormenorizadas sobre a realidade estudada. Aliás, tal como referem
Lakatos & Marconi (1994), nesta técnica de recolha de informação, há uma maior flexibilidade,
podendo o entrevistador repetir ou esclarecer algumas das perguntas, formular de maneira
diferente ou especificar algum significado, como garantia de estar sendo compreendido. Nesta
pesquisa, a entrevista serviu como uma forma de interacção social no qual nós buscamos colectar
dados e os trabalhadores - tidos como grupo alvo - se apresentaram como fonte de informação.

A observação directa permitiu-nos ter um contacto directo com a realidade social no momento e
no local onde decorre, daí que, para além da recolha de dados com base nas entrevistas semi-
estruturadas, recorremos a captação de imagens com recurso a câmara fotográfica com vista a
demonstrar por um lado os acessórios e materiais de trabalhos padronizados que os trabalhadores
trazem no decorrer das obras, por outro lado este método, permitiu confrontar por exemplo o que
os trabalhadores apresentam discursivamente como estratégias de gestão de risco e aquilo que é a
sua prática quotidiana.

35 | P a g e
Adicionalmente, recorremos a gravação áudio das entrevistas com recurso ao gravador de voz do
telemóvel, em 13 dos entrevistados (1 deles não aceitou o registo áudio da sua entrevista). Esta
técnica permitiu ter de forma fidedigna toda informação recolhida nas entrevistas, sendo que, a
partir desses conteúdos fizemos as transcrições demonstradas ilustradas ao longo do trabalho.

O processo de recolha de dados decorreu durante o mês de Maio de 2014 e abrangeu três
semanas. Na primeira semana, efectuamos visitas ao local das entrevistas onde procedemos com
levantamento das condições de acesso aos potenciais entrevistados, os horários adequados e
todas informações úteis para o sucesso da recolha de informação. Realizamos as entrevistas ao
longo das duas semanas seguintes (excepto sábados e domingos). As secções decorriam dentro
dum escritório (contentor) nos estaleiros da empresa Indiconstroi e tinham, em média, uma
duração de 15 a 20 minutos.

4.3.Amostragem

Definimos como universo, os trabalhadores directamente ligados à construção, mas também por
profissionais ligados à fiscalização da higiene e segurança no trabalho (encarregados de
construção civil e supervisores). A Indiconstroi, conta com mais de 300 trabalhadores locais,
divididos em turnos diários de 80 trabalhadores, com carga horária de 8 horas por dia. De acordo
com Gil (1999), no geral, as pesquisas sociais abrangem um universo de elementos tão grande
que se torna impossível considerá-los em sua totalidade, por essa razão, se usam “amostras”,
uma pequena parte dos elementos que compõem o universo. Nestes casos, cabe ao pesquisador
decidir ou pelo estudo de todo o universo ou apenas sobre uma amostra desta.

O tamanho da nossa amostra é de 14 trabalhadores. Tendo em conta que na presente monografia


buscamos captar as percepções dos indivíduos sobre os fenómenos sociais (no caso, o risco de
acidentes de trabalho), e o método qualitativo como o método através do qual colhemos estas
percepções, a componente estatística não foi usada para garantir a representatividade da amostra,
ela foi definida por acessibilidade ou por conveniência, onde seleccionamos os elementos a que
tínhamos acesso, e, baseando-se na relevância das informações facultadas ao longo da entrevista,
admitíamos que estes podiam de alguma forma representar o universo.

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Deste modo, não empregamos critérios ou técnicas probabilísticas de amostragem, porém, tal
como referem Lakatos & Marconi (1994, p.163), o mais importante nas pesquisas qualitativas é a
correcta utilização de uma variedade de procedimentos, tais como a entrevista, a observação e a
análise de conteúdo (técnicas usadas nesta pesquisa) para que a informação recolhida junto do
pequeno número de elementos - definidos como amostra - seja representativa daquilo que são os
traços característicos do total do universo.

4.4.Área de estudo

A Indiconstroi - Sociedade de Construções de Moçambique Lda., é uma empresa de capitais


portugueses, criada em 2007. A empresa, com sede na cidade de Maputo, nasceu da parceria de
um grupo privado com 20 anos de experiência na construção civil/obras públicas. Desde 2008
que a Indiconstroi executa o Projecto de Urbanização da Reserva do Zimpeto que consiste na
construção de 574 casas habitacionais em uma área comercial com 600m2 na reserva do
Zimpeto. O projecto ocupa no total, 7.2 hectares, junto do Estádio Nacional, e representa um
investimento global de 47 milhões de dólares (resultante da sua parceria com o CMCM e o
Millennium Bim).

Os empreendimentos da Indiconstroi situam-se no espaço que inclui o Estádio Nacional do


Zimpeto e outros edifícios de grande porte naquele bairro da cidade capital. Convém salientar
que o bairro do Zimpeto se localiza no Norte da cidade de Maputo e faz fronteira com o Distrito
de Marracuene (a Norte), com o Bairro de Maguanine “C” (a Este), com o Bairro Malhazine e
Benfica (a Sul), e com o Vale do Infulene (a Oeste). O Bairro do Zimpeto possui uma área total
de 9km2, divididos em 13 quarteirões, que actualmente encontram-se em vias de reestruturação.

37 | P a g e
4.5.Constrangimentos enfrentados no processo de recolha de Dados

O processo de recolha de dados contou com pequenos sobressaltos dos quais destacamos três. O
primeiro teve a ver com a longa distância entre a residência do pesquisador ao local de realização
das entrevistas. O uso do transporte público para este percurso seria extremamente desgastante,
tendo em conta os conhecidos défices deste meio na cidade de Maputo. Para ultrapassar este
constrangimento contei com a ajuda de uma colega de faculdade que disponibilizava a sua
viatura como “boleia” de ida e volta ao local de pesquisa ao mesmo tempo que funcionava como
ajudante de campo.

O segundo constrangimento teve a ver com os horários. Inicialmente estava previsto que as
entrevistas seriam realizadas no período de tarde, após o turno de trabalho (na empresa em que a
nossa pesquisa foi efectuada), porém, quase todos potenciais entrevistados não se mostravam
disponíveis em conceder entrevista nesta parte do dia, alegavam o cansaço e a necessidade de
apanhar o “chapa”, o mais cedo possível para evitar engarrafamento. Ultrapassamos este
constrangimento a partir da colaboração do Sócio-gerente da empresa. Os funcionários eram
“liberados” durante uma hora, dentro do seu turno de trabalho para conceder a entrevista, assim
conseguimos, com sucesso, efectuar todas as 14 entrevistas.

Por fim, o terceiro constrangimento foi o da falta de domínio das línguas locais, designadamente
o Changana. Alguns dos entrevistados não tinham domínio da língua portuguesa e tinham
dificuldades em expressar todas as suas ideias sobre os assuntos abordados, se limitando a fazer
comentários superficiais. Para ultrapassar esta dificuldade, criávamos um ambiente de conversa
com recurso a vocabulário simples e estimulando o raciocínio do entrevistado a partir da
explicação dos conceitos ou então pelo recurso exemplos.

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Capítulo V - Apresentação e Discussão de Resultados

Nesta secção, faz-se a apresentação integral dos resultados desta pesquisa. Tendo em conta a
necessidade de sistematizar a apresentação e discussão dos resultados, apresentamos esta secção
em cinco subcapítulos temáticos: no primeiro subcapítulo ilustramos o perfil sócio-demográfico
dos entrevistados; no segundo, apresentamos as categorias de risco de acidentes de trabalhos
construídas pelos trabalhadores entrevistados; no terceiro, apresentamos e discutimos as
percepções e significados ligados aos acidentes de trabalho partilhados entre os trabalhadores; no
quarto subcapítulo, identificamos as estratégias de gestão de risco adoptadas pelos trabalhadores
face a presença do risco de acidentes no trabalho, e por fim, apresentamos, nas considerações
finais, a súmula de todas as ilações do debate teórico levantado nesta pesquisa.

5.2.Perfil Sócio-demográfico dos entrevistados

No presente subcapítulo, ilustramos o perfil dos trabalhadores da construção civil entrevistados


tendo em conta as seguintes variáveis: idade, sexo, estado civil, origem/residência, nível de
escolaridade ou formação profissional, e as tarefas ou actividades que desempenham nas obras.

Dos 14 trabalhadores entrevistados 13 são homens e apenas uma é mulher. Portanto, neste
primeiro nível de análise verificamos a predominância da presença masculina, de resto, um dos
traços característicos de trabalhadores da própria construção civil em Moçambique. Há vários
estudos que buscam demonstrar a influência da dimensão género nas apropriações sócio-
profissionais dos indivíduos. Segundo Navarro (2004), o “trabalho em obras” é normalmente
considerada uma actividade masculina dada a necessidade de habilidades como agilidade,
capacidade e força física, coragem e outras características rotuladas como “típicas” dos homens.

Poeschl (2003), no seu estudo sobre as representações das diferenças entre os sexos conclui que
existe uma reprodução social das relações assimétricas entre os sexos na sociedade. Estas
reproduções definem actividades e tarefas específicas destinadas aos homens e às mulheres, que
são perpetuadas culturalmente na vida quotidiana, e interferem na tomada de decisões e
posicionamento dos indivíduos frente às situações diárias.

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As idades dos entrevistados variam dos 24 aos 61 anos de idade, com uma média de 27 anos.
Neste grupo, a faixa mais representativa situa-se entre os 24 a 37 anos de idade com um total de
10 entrevistados. Portanto, constatamos a evidência de que o ramo da construção civil constitui
uma das alternativas profissionais mais dominantes entre os jovens residentes nos bairros
periféricos, sobretudo, face ao contexto do desemprego urbano, especialmente no sector formal.

Face ao elevado índice de desemprego em Moçambique, sobretudo na camada juvenil, os


trabalhadores têm procurado novos mecanismos capazes de garantir a geração de renda e o
suprimento de suas necessidades básicas. O sector da Construção civil é, actualmente, um dos
que mais oferece oportunidades de emprego no país para esta faixa etária, sendo por isso, uma
possibilidade de integração ao mercado de trabalho para jovens, muitas vezes, com baixos níveis
de qualificação (Lalgy, 2008).

Quanto a naturalidade, verificamos que a maior parte dos entrevistados (nove trabalhadores), são
naturais da província/cidade de Maputo. Dos outros cinco trabalhadores, dois são de naturalidade
portuguesa, e os restantes três trabalhadores são naturais de Gaza, Inhambane e Nampula,
respectivamente.

Destes 14 entrevistados, a maior parte reside nos bairros periféricos da cidade de Maputo, a
saber: George Dimitrov/Benfica (3 trabalhadores), bairro Central, Zimpeto, e Hulene, com 2
trabalhadores cada, e finalmente, os restantes cinco trabalhadores divididos entre os bairros 25 de
Junho, Intaca, Congolote, Malhazine e Patrice Lumumba, respectivamente.

Quanto ao seu estado civil, a maior parte dos entrevistados, seis trabalhadores, encontra-se na
situação de casado, seguindo-se o grupo de cinco trabalhadores na situação de solteiro, e os
restantes três trabalhadores na situação de união de facto, divorciado e viúvo, respectivamente.

Por outro lado, os níveis de escolaridade dos entrevistados variam do nível primário até ao nível
superior. Em termos concretos, verificamos a predominância de trabalhadores (cinco no total)
com o nível secundário incompleto, ou seja, que ainda está a frequentar a 11ª e 12ª classes, ou
então que tenham desistido ainda sem concluir este nível. Seguidamente, surge o grupo de quatro
trabalhadores com o nível básico completo, quatro trabalhadores com nível primário e, por fim,
dois trabalhadores com ensino superior completo.

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Finalmente, no que diz respeito à formação profissional, verificamos que a maior parte dos
trabalhadores entrevistados, designadamente sete trabalhadores, não possuem nenhuma formação
profissional. Dois trabalhadores tiveram formação em Informática/reparação e montagem de
computadores. Os restantes quatro trabalhadores tiveram formação nas áreas de electricidade,
pintura, higiene e segurança no trabalho, e construção civil, respectivamente.

A baixa qualificação dos operários de base da construção civil, é uma constatação de várias
pesquisas em torno desta realidade. Segundo Martins (2003, p. 56) na sociedade, o objecto e a
posição que o trabalho ocupa definem conceitos, representações, status social, económico e
político. É comum existir hierarquização de valor nos postos de actividade. O trabalho penoso e
árduo, como é o caso da construção civil é normalmente executado por indivíduos com menor
nível de escolaridade e pertencentes à classe com menor poder aquisitivo. Para este grupo, sobra
o trabalho duro, muitas vezes estigmatizado e mal remunerado.

Em Moçambique, grande parte dos operários que tem ingressado no sector da construção civil
não detém nenhum nível de escolaridade ou formação profissional. Segundo o INE (2007),
globalmente, a semelhança do que sucede na maior parte das áreas produtivas como a
agricultura, a pecuária e a pesca, apenas 15% do total de trabalhadores deste sector apresentam
níveis de escolaridade acima do ensino primário. Segundo esta mesma fonte, perto de 38% dos
trabalhadores nem se quer é alfabetizada, e esse facto tem sido apontado como um dos factores
que coloca em risco a formação de grupos sindicais de revindicação dos direitos laborais e
salariais entre estes profissionais.

Nestas circunstâncias, grande parte dos trabalhadores contratados para empresas de construção
civil, convivem com a ausência de contratos formais e garantias de segurança social, precárias
condições de trabalho, discriminação, exploração de mão-de-obra e baixo rendimento. Estes
factores, explicam também o não reconhecimento por parte da sociedade em geral das enormes
contribuições económicas e sociais da sua actividade.

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5.3.Tipificação dos factores de risco

Neste capítulo, descrevemos as diferentes situações tipificadas como sendo de risco ou então
potenciais fontes de risco no local de trabalho. Os resultados da nossa pesquisa permitiram-nos
agrupar a forma como os trabalhadores identificam o risco em cinco categorias, designadamente:
o risco por contaminação; risco de queda objectos e/ou do trabalhador nos trabalhos em altura;
tarefas ou manobras críticas; falha humana/negligência do trabalhador e organização do trabalho.

5.3.1.Risco de contaminação por substâncias químicas

O trabalho na construção civil implica um contacto permanente e contínuo com substâncias


químicas tais como o cimento, betume, alumínio, tintas, colas entre outros. O risco relacionado à
presença de materiais químicos está referenciado no estudo Navarro (2004), em que descreve que
no ambiente de trabalho, especialmente nos locais confinados, o pó do cimento pode ser
facilmente absorvido por inalação, sendo, um produto irritante para o aparelho respiratório, os
pulmões podem ser afectados pela exposição repetida ou prolongada às partículas de poeira.

A partir dos resultados da nossa pesquisa, verificamos que o risco causado pela presença de
produtos químicos e substâncias tóxicas está presente no discurso de todos os entrevistados, e é
reconhecido por estes como actividade que interfere directamente no processo saúde-doença dos
trabalhadores, e portanto, a sua presença é tida como sinónimo de risco:

“Como eu faço a montagem de tijoleiras, tenho contacto com cimento de cola, e também a poeira que é
muito elevada nesta actividade, para mim este é um trabalho perigoso porque como não temos condições
de leite, essas coisas, aquela poeira que a gente consome mais tarde pode nos causar riscos da vida, pode
não estar doente agora, mas mais tarde a pessoa pode vir a ficar doente e cair” (E2, Pedreiro, 34 anos)

“Tem muitos riscos aqui…o cimento é uma coisa química, já entrou um produto e quando existe contacto
com o sangue pode causar problemas de pele, entre outros (…) A própria massa que a gente usamos para
assentar tijoleira é preciso ter luvas, e no momento não temos essas condições” (E6, Pedreiro, 35 anos)

“Eu trabalho com cimento cola e betume, eu não sei que tipo de substâncias tem naquele produto, mas
ponho a mão e tenho que mexer mesmo sem luvas, ao cortar as tijoleiras soltam-se estilhaços que podem
causar ferimentos” (E9, Pedreiro/Montador de tijoleiras, 24 anos)

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Os depoimentos acima ilustram a identificação da presença de substâncias químicas no ambiente
de trabalho como um factor de risco, e que devido a interferência na saúde e na qualidade de vida
do trabalhador, suscita vários cuidados a nível da protecção individual, esmiuçaremos, no
entanto, esta vertente de análise no capítulo sobre as estratégias de gestão de risco.

5.3.2.Risco de queda nos trabalhos em altura

Em segundo lugar, encontramos a categoria de queda nos trabalhos em altura como um dos
riscos mais mencionados entre os trabalhadores. Nos estudos a que tivemos acesso é unânime
também a referencia a este tipo de acidentes que pode se manifestar pela queda do próprio
trabalhador ou então a queda de um objecto susceptível de atingir e causar danos a um membro
da equipa de trabalho em superfície. Globalmente, segundo a OIT (2009), este tipo de acidentes é
responsável por mais de 80% do total dos acidentes fatais cifrado na ordem dos 355.000 casos
por ano só na área da construção civil.

Nossa pesquisa demonstra que os trabalhos em altura são tidos como sinónimo de risco e estão
presentes nos discursos de praticamente todo os trabalhadores entrevistados, como podemos
observar nos trechos que se seguem:

“A queda em altura é o mais provável risco que os trabalhadores no geral correm. Normalmente quem está
envolvido nesse tipo de actividades em alturas são os mais vulneráveis, em detrimento de quem esteja a
trabalhar ao solo que tem outros tipos de riscos, nomeadamente queda de objectos entre outros riscos”
(E13, Encarregado de construção/Técnico de obras, 49 anos)

“A carpintaria na fase de confrangem, os pedreiros e serventes são os mais vulneráveis, pois essas áreas
mais detêm risco, a própria natureza do seu trabalho é de risco elevado por trabalhar em alturas, ao
contrário dos trabalhos que se realizam na periferia da infra-estrutura” (E11, Director de obras, 42 anos)

“Tenho o risco de cair, quase em 2.70 metros, alturas das casas, outras vezes eu tenho que trabalhar lá em
cima, inclusive no terraço” (E8, Pintor, 43 anos)

“As vezes é um trabalho de risco por causa dos trabalhos em alturas, quando trabalho em alturas para
limpar os vidros das janelas, é um risco, podes escorregar e cair” (E4, Responsável de Limpeza, 38 anos)

Outra parte há um risco grande, como por exemplo pode cair um ferro e ferir alguém, então tem que por o
capacete e luvas, que são essenciais para a segurança do trabalhador” (E2, Pedreiro, 34 anos)

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Na classificação de Oliveira (2001), este é o riso relacionado a estrutura física do ambiente de
trabalho da construção civil, sobretudo, nas obras de média e altas envergaduras. Globalmente, o
sector construção civil apresenta peculiaridades que reflectem uma estrutura dinâmica, complexa
e com alto grau de risco inerente as actividades desenvolvidas. O risco de queda em alturas,
sendo um dos riscos mais letais, exige portanto, uma abordagem mais cautelosa assim como
conhecimentos formalizados e tácitos da experiência na realização da tarefa, esta percepção está
presente no discurso dos entrevistados, como veremos no capítulo que se segue.

5.3.3.Tarefas ou manobras críticas

Em terceiro lugar identificamos a categoria de tarefas ou manobras críticas. Para além dos
trabalhos em altura mencionados acima, algumas tarefas ou procedimentos comuns entre os
trabalhadores no sector da construção são largamente descritos como momentos potenciais de
causar acidentes de trabalho. Podemos observar que procedimentos corriqueiros no dia-a-dia dos
trabalhadores tais como o corte de tijoleiras, a montagem do andaime, a operação da grua, o
transporte de carga entre sectores perfilam nesta classificação. Vejamos os depoimentos a seguir.

“Uso rebarbadora, as colheres para puxar a massa, e pente para assentar a tijoleira, assim como o
martelo. São instrumentos que podem causar cortes, mesmos as tijoleiras cortam, basta você pegar mal ou
querer fazer um corte, logo a querer passar a tua mão, te corta” (E2, Pedreiro, 34 anos)

“Montagem e desmontagem de andaimes, gruas, rebarbadoras de corte de metal/madeira, manuseamento


da grua. São as manobras e actividades que envolvem maiores riscos” (E11, Director de obras, 42 anos)

“Subir o andaime lá em cima é um dos mais perigosos, sobretudo, quando não tens cinto de segurança. Ai
tem mesmo que ter muito cuidado, enquanto os outros são pequenos riscos” (E6, Pedreiro, 35 anos)

Nestes casos, observamos ainda que os entrevistados tendem a minimizar as outras categorias de
risco presentes no seu trabalho, preferindo dar ênfase a esta categoria específica. Isso demonstra
o quanto a percepção de risco pode se diferenciar entre os trabalhadores, mesmo que estes
estejam envolvidos nos mesmos tipos de riscos. Portanto, corroborando com Quembo (2010)
nesta vertente de análise em particular, concluímos, que os profissionais entendem e percebem os
factores riscos de forma diferente.

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5.3.4.Falha humana/negligência do trabalhador

Para além dos componentes técnicas acima indicadas, uma parte significativa dos trabalhadores
considera que alguns comportamentos do próprio trabalhador são o primeiro factor de risco.
Nesses casos, para além da falha humana, a negligência, o excesso de confiança e as brincadeiras
durante o trabalho são identificados e tipificados como potenciais fontes de risco de acidentes de
trabalho.

“Uma boa parte do risco é humano, uma vez que os trabalhadores também devem prestar atenção desde a
protecção pessoal até a forma como devem executar o trabalho (…) já houve aqui dois acidentes críticos,
e em ambos os casos foi por negligência dos trabalhadores, por estarem ora, facilitar, ora distrair-se ora
estar a conversa enquanto opera a grua” (E11, Director de obras, 42 anos)

“Os tipos de comportamento que normalmente estão associados a produção de situações de risco são a
brincadeiras, a negligência ou própria distração total do trabalhador…” (E13, Encarregado de
construção/Técnico de obras, 49 anos)

“Epah não sei, porque, (…) há aqueles que as vezes dizem, “haa não é nada pah, vou fazer” só que depois
a hora do acidente você não sabe. Isso assim é um comportamento de risco” (E6, Pedreiro, 35 anos)

“As vezes, pode se dizer que é negligencia da tal pessoa que foi ferida ou qualquer coisa, ou até minha,
porque quando eu estou a trabalhar não se pode movimentar muito por baixo da máquina, tenho que
trabalhar num sítio livre” (E5, Operador de grua, 24 anos)

Há dois aspectos que merecem destaque nos depoimentos em torno da negligência do


trabalhador durante o trabalho. O primeiro é que esta classificação aparece mais evidente entre
os técnicos e supervisores de obras, com o qual, buscam justificar a maior parte dos acidentes
registados no trabalho. Por outro lado, entre os trabalhadores referem a negligência como factor
de risco, adoptam um discurso de terciarização, ou seja, referem-no quase exclusivamente como
um comportamento “dos outros” colegas de trabalho.

De resto, a falha humana é referenciada em muitos estudos em torno dos acidentes de trabalho na
construção civil. Na classificação de França (2006), este factor aparece veiculado às causas
imediatas, ou seja, aquelas relacionadas com a atitude do trabalhador no desempenho das suas
tarefas, o que difere das causas de raiz, que reflectem manifestações puras de falha do sistema de
gestão de segurança e podem incluir deficiências de controle do sistema administrativo.

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5.3.5.Organização do trabalho

A quinta e última categoria na tipificação dos factores de risco tem a ver com a organização do
trabalho. Esta categoria reflecte as dinâmicas e a própria demanda do sector e comporta três
elementos apontados pelos entrevistados: a ideia de trabalhar “sob pressão” na carga horária
estabelecida, tendo em vista o cumprimento de prazos; a autonomia e excesso de confiança dos
trabalhadores durante a execução de tarefas; e por fim os trabalhos em equipa.

Na primeira dimensão mencionada, verificamos que a realização de tarefas tendo em conta o


cumprimento de prazos é uma das exigências a que os entrevistados têm tido no seu trabalho, de
resto, uma das características das empresas de construção civil. Esta prática reflecte um factor de
risco uma vez que nem sempre consegue-se observar o equilíbrio entre a necessidade de cumprir
com os prazos e a necessidade de cumprir integralmente com os procedimentos de segurança.
Verificamos que essa relação assimétrica entre custos e benefícios está na origem de vários
comportamentos arriscados tais como o de usar ferramentas inadequadas por estarem mais
próximas e permanecer em baixo de cargas suspensas ou movimentadas pelo operador de grua
para não ter que interromper uma tarefa.2

“Aqui é exigido para trabalhar de forma rápida (…) o patrão a tendência é de ganhar mais dinheiro, há
que trabalhar mesmo sob pressão por ter que entregar alguma obra” (E3, Pedreiro, 33 anos)

“As vezes, nós facilitamos, eu próprio facilito. Para ser rápido, para ser mais prático e ignoramos
pequenos procedimentos de segurança. No entanto, o perigo está sempre a espreita, uma coisa que é
incrível é que muitas vezes o perigo advém do facilitar das coisas, eu conheço imensos casos deste género
na minha vida” (E11, Director de obras, 42 anos)

“As vezes, na empresa, tentamos puxar as obras porque precisam etc… Isso as vezes sim, tens que usar a
tua própria iniciativa e fazer a maneira que achas mais flexível” (E6, Pedreiro, 35 anos)

Para além destes depoimentos, a própria observação directa permitiu-nos verificar que por mais
perigosa que represente a circunstância ou a manobra, se gerar aumento da produtividade ou
celeridade na execução de tarefas, é tida como parte do processo, e, muitas vezes tolerada. Desta
forma, podemos capitalizar aquilo que é nosso argumento central, ou seja, a exposição ao risco

2
Alguns dos comportamentos mencionados neste capítulo estão devidamente documentados nas imagens em anexos

46 | P a g e
pode ser voluntária e racional, ainda que, essa escolha de exposição a situações de risco seja
minimizada com a necessidade de tomar mais cuidado, pois, “é preciso ter mais atenção”.

Estes dados são semelhantes aos resultados alcançados por Navarro & Cardoso (2005), onde
concluem que o risco se constitui em escolhas sociais aos quais os indivíduos ou grupos se
submetem. Essas escolhas estão relacionadas a valores éticos e morais conformados em culturas
particulares, que ao serem reproduzidos colectivamente, determinam comportamentos nas várias
circunstâncias de relação com os factores de risco.

Para estes autores, quando os benefícios para determinado grupo são considerados superiores aos
prejuízos, a tendência é a minimização e aceitação dos riscos. Porém, os dados da nossa pesquisa
revelam uma peculiaridade: os benefícios da exposição voluntária ao risco, não se fundamentam
no proveito directo daquele a quem está envolvido no risco, literalmente falando, mas são
resultado da pressão exercida pela elevada demanda do ambiente de trabalho.

Portanto, apesar de reconhecer que a exposição ao risco é, até certo ponto, voluntária e racional -
na classificação de Starr (1969), o risco voluntário define aquele estabelecido pela sociedade
como níveis aceitáveis a partir de análises de risco/benefício - contrariámos um pouco a tese de
que essa exposição tenha necessariamente que deter vantagem para quem o experimenta, e, os
nossos dados não permitem tirar essa conclusão, como aliás, pode-se observar neste trecho onde
um dos nossos entrevistados “desabafa”:

“Queria dizer, sobre essas coisas sobre trabalho há riscos de ficar doente e a única coisa que eu não vejo é
a segurança. O pedreiro moçambicano não tem recompensa, é mais vulnerável, o salário é muito baixo e a
pessoa faz muito esforço, imagina subir e descer escadas, acordar todos os dias, pelo menos leite sexta a
sexta-feira tínhamos que ter, mas já que o patrão não dá, fazer o que?” (E2, Pedreiro, 34 anos)

Em segundo lugar, aparece identificada a autonomia na execução de tarefas como factor de risco,
e vem, quase sempre, acompanhado pelo excesso de confiança. Apesar da existência de padrões
institucionais para a execução de tarefas, há um processo de aprendizagem e de acumulação de
experiencia que propícia a adopção de formas singulares de execução do trabalho (truques),
sendo este um dos factores de risco na componente “organização do trabalho”.

“Há certas situações em que podes ser mais criativo e realizar a actividade do jeito que achares mais
adequado e rápido” (E5, Operador de grua, 24 anos)

47 | P a g e
“Sim, as vezes, tenho a capacidade de escolher, dão te uma tarefa x, ai já depende de ti que forma você
acha mais adequada para realizar a actividade” (E3, Pedreiro, 33 anos)

Apesar de reconhecer que experiencia torna-os mais autónomos e criativos ao executar as tarefas,
os trabalhadores olham isso como uma fonte real de risco, o que gera posteriores recomendações
como “mas há que ter mais atenção/cuidado”, concepções que sugerem que os trabalhadores
devem ser capazes de manter um elevado grau de vigilância durante a jornada de trabalho.

“Um trabalhador que opera uma máquina há vinte e tal anos, acha que pode brincar com a máquina, mas
ela não perdoa, é qualquer coisa de irracional, e qualquer comportamento de risco pode ser fatal para si,
inclusive, muitos acidentes acontecem exactamente quando as pessoas estão demasiado familiarizadas com
as coisas e que geralmente se sentem muito confiantes”(E11, Director de obras, 42 anos)

Por fim, são referenciados os trabalhos em equipa como potenciais geradores de riscos, e para
isso, contribui a imprevisibilidade e a multiplicidade de riscos criados entre os sectores:

“Acho que os riscos ocorrem mais nos trabalhos em equipas porque, o risco vem de formas diferentes,
cada um esta a trabalhar no seu sector, na obra é assim, então, você não pode controlar todos os perigos,
cada um tem que ser responsável, mas as vezes não tem como evitar…” (E1, Electricista, 61 anos)

“A maior parte dos riscos aqui não dependem de mim, porque aqui somos muitos, há quem as vezes, a
trabalhar lá em cima e não ter aquele cuidado que eu tenho. Isso depende mais da pessoa. Tem que
controlar pessoalmente. Não pode vir alguém para te chamar atenção” (E6, Pedreiro, 35 anos)

Como podemos observar a partir destes dois depoimentos, a quantidade de tarefas que se
executam em simultâneo e no mesmo espaço físico representa um desafio acrescido à segurança
de cada trabalhador. O cuidado redobrado de cada membro do grupo é visto como um factor de
protecção de prevenção de acidentes, o que tornaria o trabalho mais seguro tanto individual
como colectivamente.

De todos os factores de risco até aqui citados, este último enquadra-se naquilo que Navarro &
Cardoso (2005) designam de factores ambientais, e realça o contexto que envolve o risco. Os
resultados da nossa pesquisa neste domínio, nos permitem corroborar com a observação de que
não só os comportamentos de risco ou inseguros estão envolvidos nos acidentes de trabalho, a
cultura de segurança envolve ao todo três tipos factores designadamente: pessoais, ambientais e
comportamentais (França, 2006; Granjo, 2009; Lihahe, 2004).

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5.4.Percepção de Risco: Sua racionalidade e formas de representação

No capítulo anterior, abordamos a identificação dos factores de risco entre os entrevistados. Face
a esses dados, fica demonstrado que a área da construção civil comporta objectivamente diversos
factores de risco de acidentes de trabalho, que são devidamente tipificados pelos trabalhadores,
porém, esta constatação é apenas uma parte do que tomamos como objectivos de pesquisa.

Desta forma, nesta quinta secção, descrevemos as representações e significados ligados ao risco
de acidentes de trabalho. Os resultados da pesquisa nos permitem agrupar a percepção social de
risco de acidentes de trabalho em duas categorias distintas: por um lado o risco como “parte do
ofício” (em que é tomado como uma realidade concreta), e por outro o risco como uma “vontade
divina” (em que é tomado como um acontecimento sobrenatural, independente do individuo).

5.4.1.O risco como “parte do ofício”

Como primeira categoria no que se refere as formas dominantes de atribuir significado ao risco
identificamos os trabalhadores que percebem e tem consciência do risco como uma realidade
concreta e objectiva no seu trabalho. O trabalhador sente-se envolvido numa actividade passível
de criar danos a saúde ou acidentes sendo que, normalmente consideram o seu trabalho perigoso
e entendem que correm vários riscos ao trabalhar no sector da construção civil.

“Os riscos são comuns para quem trabalha em obras, nunca faltam…”(E5, Operador de grua, 24 anos).

“Este é um trabalho perigoso, por alguma razão o perigo sempre aparece” (E12, Pedreiro, 25 anos)

“Claramente que corro riscos ao trabalhar aqui, a pessoa pode sofrer situações” (E1, Electricista, 61 anos)

Nestes casos, verificamos a naturalização como uma das formas dominantes de atribuir
significado aos riscos, os entrevistados tendem a perceber o risco como parte inerente ao próprio
“ofício” e que, portanto, devem-no enfrentar como algo normal. Os estudos sobre a segurança no
trabalho constatam que a inter-relação entre o indivíduo e o ambiente, tende a naturalizar as
situações de risco, ou seja, o domínio do risco é tomado como algo inerente à própria actividade
tornando algo invisível e insignificante o potencial de risco de várias situações ou manobras
críticas durante o trabalho (Navarro e Cardoso, 2004; Medeiros, 2006).

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“Os riscos no trabalho são normais e tenho que passar por eles, eles podem aparecer durante a actividade
por alguma eventualidade” (E2, Pedreiro, 34 anos)

“Eu acho que os riscos são normais tendo em conta esta actividade que eu faço, os riscos que corro
influenciam na maneira como trabalho pois temos que tentar contorná-los” (E1, Electricista, 61 anos)

“Os riscos no trabalho são coisas naturais com os quais os trabalhadores devem lidar. Uma das minhas
funções consiste em consciencializar os funcionários das situações de risco a que se corre por trabalhar na
construção civil num plano geral”(E13, Encarregado de construção/Técnico de obras, 49 anos)

Estes dados revelam uma realidade peculiar a que Porto (2000), chamou atenção, ou seja, um
ponto muito importante é a percepção de riscos pelos trabalhadores. A abordagem construtivista
de Berger e Luckmann (2004), faculta a ideia de que a percepção de risco não é um fenómeno
individual mas sim socialmente construído, e a própria sociedade como uma realidade objectiva,
representa um processo através do qual é criada uma realidade social, o indivíduo ao exteriorizar
o seu próprio ser no mundo, passa a ser uma realidade objectiva que se impõe a ele mesmo.

Verificamos que a ideia de que o risco é algo normal do ofício é partilhada e reproduzida entre os
trabalhadores e determina a que, em alguns casos, não percebam ou mesmo neguem a presença
de riscos às vezes muito graves (aprofundaremos este aspecto na secção sobre as estratégias de
gestão de risco). Segundo Porto (2000), a angústia frente a riscos graves e a falta de perspectiva
de mudanças faz com que algumas pessoas neguem de forma subconsciente os próprios riscos
que se expõem no local de trabalho.

Neste trabalho, chegamos a uma conclusão similar a esta. Porém, o que podemos constatar, não é
necessariamente a “negação” dos riscos, uma vez que, tal como vimos eles são entendidos como
uma realidade concreta e tipificados - ainda que de forma heterogenia - pela maioria dos
trabalhadores. Partindo da perspectiva social, o que verificamos aproxima-se mais a um processo
de normalização do risco, portanto, o risco de acidentes de trabalho tende a ser subjectivamente
interiorizado e tomado “naturalmente” como uma realidade intrinsecamente ligada ao “ofício”,
entendido como o contexto do trabalho na construção civil.

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5.4.2.O risco como uma “vontade divina”

A outra categoria dominante de percepção que encontramos entre os entrevistados versa sobre as
explicações sobrenaturais em torno do risco. Neste grupo de trabalhadores, o risco é percebido
como um acontecimento sobrenatural controlado pela “vontade divina” e que, portanto, é
independente do indivíduo, ou seja, está fora do controlo humano. Contrariamente a primeira
categoria ilustrada acima, esta forma de atribuir significado ao risco aparece veiculada a ideia de
que o infortúnio e a própria morte são eventos divinos, que não cabe ao homem controlar.

Concordamos com a concepção de Granjo (2004), segundo a qual o risco pode ser passível de
interpretações de vários domínios, desde a “racionalidade científica até aos sistemas locais
(tradicionais)”. No seu estudo, este autor conclui que há factores que extravasam a racionalidade
científica no comportamento dos trabalhadores durante o seu trabalho mesmo aqueles altamente
qualificados. Os resultados da nossa pesquisa espelham formas de explicação do risco no âmbito
sobrenatural, no qual concepções como “é a vontade divina”, “era o destino”, “estava escrito”,
“aconteceu porque tinha que acontecer” são sucessiva e repetidamente mencionados no discurso
dos entrevistados. Vejamos os seguintes trechos:

“As vezes, mesmo com esses equipamentos acontecem [os acidentes], pode ser um destino, a pessoa caiu,
tinha essas coisas todas, mas não aguentou, uma coisa que partiu, ou escapou o cinto, isso já é um destino,
e nesses casos só posso dizer que epah, Deus mesmo é que destinou” (E2, Pedreiro, 34 anos)

“As vezes, mesmo tomando cuidado o acidente acontece. Há certos casos em que podemos dizer que é
destino mano, há factores que não dependem de mim… a natureza própria de como as coisas são, pode ser
destino” (E5, Operador de grua, 24 anos)

“Tudo pode acontecer, as vezes, mesmo tomando cuidado, se é para acontecer pode vir a acontecer. Eu
digo, nesses casos, que acontece por destino, não por querer da pessoa, aconteceu porque Deus tinha
escrito para acontecer” (E8, Pintor, 43 anos)

“Se está traçado, pode ter todos esses equipamentos, com a tua precaução, mas acontecer. Por exemplo,
trabalhar com cimento, os que trabalham nas minas, podes usar os equipamentos, pode ter a doença se
estar destinado. Ai já não se evita” (E3, Pedreiro, 33 anos)

“Há certos casos em que podemos dizer que é destino, porque as vezes, mesmo tomando cuidado o
acidente acontece (…) acidente que é acidente sempre acontece” (E6, Pedreiro, 24 anos)

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Verificamos, a partir destes depoimentos que o trabalhador tira de si o “poder” de influir sobre os
acontecimentos do dia-a-dia, incluindo os infortúnios. Vários estudos tendem a associar este
factor ou aos baixos níveis de formação e escolaridade, ou então às “típicas culturas africanas”
de explicação dos fenómenos sociais (Granjo, 2004; 2011). Esta percepção de risco resulta do
que Macamo (s/d) chamou de oscilação entre mundo irreal dos espíritos e o mundo surreal duma
existência social precária, que é constitutiva das relações e factos sociais em África.

Verificamos, porém, que este factor não interfere de forma tão linear/automática. Nem todos os
trabalhadores são africanos, e muito menos de fraca qualificação, ainda assim, as representações
do acidente ou infortúnio por via de factores sobrenaturais coexistem entre esses profissionais.
Aliás, uma constatação semelhante encontramos num outro desenvolvimento de Granjo (2004)
no qual refere que na indústria moçambicana mais actualizada os operários regem o seu trabalho
por uma estrita racionalidade tecnológica, porém, os anteriores sistemas locais de domesticação
do infortúnio, envolvendo espíritos e feitiçaria, são partilhados na maioria deles.

“Eu particularmente sou uma pessoa cautelosa, não sou uma pessoa de facilitar, e já estou a 20 anos nas
obras. Mas já ia morrendo numa obra em Alcochete/Portugal, não morri porque não calhou, acontecem
coisas do diabo numa obra” (….) “Um trabalhador que opera por exemplo uma máquina há vinte e tal
anos, acha que pode brincar com a máquina, mas ela não perdoa, é qualquer coisa de irracional, e
qualquer comportamento de risco pode ser fatal para si” (E11, Director de obras, 42 anos)

O depoimento acima espelha essa realidade, e demonstra o quanto o acidente de trabalho pode
ser explicado por lógicas culturais e que muitas vezes, ultrapassam aquele que é o paradigma
dominante técnico-científico a respeito do risco. Em Berger e Luckmann (1999), está evidente a
ideia segundo a qual não existe percepção em si, mas sim percepção de uma realidade exterior, a
partir da qual os indivíduos concebem suas ideias. As percepções sociais sobre um determinado
facto da vida social reflectem por um lado a forma como os indivíduos, grupos constroem seus
conhecimentos a partir da sua inscrição social, cultural, e por outro, como a sociedade se dá a
conhecer e constrói esse conhecimento com os indivíduos.

De forma geral, verificamos que a forma como interagem os indivíduos e a sociedade para
construir a realidade circundante assenta em pressupostos culturais, portanto, a utilização deste
conhecimento - leigo, na classificação de Lash - não pode ser ignorado ao fazermos a análise da
questão do risco ocupacional.

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5.5.Estratégias de gestão de risco

Neste capítulo, apresentamos as estratégias de gestão de risco adoptadas pelos entrevistados face
aos riscos ocupacionais do seu local de trabalho. Há duas categorias distintas: a primeira consiste
na consciência de risco e adopção de estratégias de gestão, inclui minimização e domesticação; e
a segunda é a ausência de estratégias de gestão e que reflecte a descrença e “marginalização” dos
métodos institucionais de segurança no trabalho, nestes casos, a lógica normativa e técnica que
norteia a instituição nem sempre coincide com as lógicas individuais e grupais dos trabalhadores.

5.5.1.Consciência do risco, controle e domesticação

A categoria de controle e domesticação do risco reflecte a ideia de que o risco pode ser gerido de
modo a não potenciar danos a saúde e a integridade de quem está envolvido no processo laboral.
Os trabalhadores dentro deste grupo têm confiança nos mecanismos de protecção pessoal, o que
Slovic (1987) designa de “confiança nos mecanismos e entidades de gestão dos riscos”, e
portanto, mais do que ser assumido como obra do acaso, ele é enfrentado e administrado.

“Minha experiencia me demonstra que se não haver distração, não há risco, não há perigo. A experiencia
que tenho em encarregado de construção civil, em várias partes do mundo, tive margens muito mínimas de
acidentes por onde tenho passado, justamente por causa de precaução” (…) “Não, não considero o meu
trabalho perigoso. Pela experiencia que tenho neste trabalho e pelos anos que já tenho permite-me falar
assim” (E13, Encarregado de construção/Técnico de obras, 49 anos)

Neste âmbito, verificamos que as estratégias de gestão podem ser individuais ou colectivas e se
subdividem em duas classificações: a ideologia defensiva (os trabalhadores acreditam ter o poder
de evitar e se proteger dos riscos) e a neutralização do risco (os trabalhadores tendem a aceitar e
conviver com riscos inerentes as suas actividades).

Nos primeiros casos, a ideia de prevenção de riscos está relacionada ao trabalho com alto nível
de atenção que é difundido como sinónimo de protecção, o trabalhador assume responsabilidade
por sua saúde e a do grupo, surgindo a auto-culpabilização nos casos de acidentes, pois o risco é
entendido como controlável, pelo uso dos equipamentos estipulados nas normas, nomeadamente
a máscara, botas, luvas, cinto de segurança (nos trabalhos em alturas), e capacete.

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“Tento tomar as melhores medidas possíveis, muita atenção, quando estou a trabalhar, deixo de pensar
muitas coisas, estar concentrado. Não tenho excesso de confiança, e em certas situações perigosas prefiro
parar a actividade, já perderam a vida muitas pessoas por causa da grua” (E5, Operador de grua, 24 anos)

“Colocando luvas, cinto de segurança, capacete e máscara, uso todos esses equipamentos e tomo muito
cuidado. Nas actividades perigosas, sem esses equipamentos não trabalho” (E6, Pedreiro, 35 anos)

“Uso de botas luvas capacetes, que são os instrumentos normais de segurança. E para os trabalhos em
altura temos os guarda corpos” (E13, Encarregado de construção/Técnico de obras, 49 anos)

Esta forma de enfrentar o risco consubstancia naquilo que Michel (1990) designa de
“neutralização do risco”, ou seja, o risco existe mas está controlado, esta opção é utilizada na
impossibilidade temporária ou definitiva da eliminação de um risco. O enfrentamento do risco
com neutralização é difundido entre os nossos entrevistados e está presente durante todo
processo de trabalho.

Sobre a questão da formação e informação sobre a segurança no trabalho, verificamos que ela é
tida como responsabilidade da entidade patronal (normalmente tem a ver com programas
concretos de sensibilização/educação dos trabalhadores face aos riscos do trabalho). Neste
domínio, verificamos a valorização daquilo que Lihahe (2004), designa de “aprendizagem diária
no quotidiano do trabalho”, um processo informal de aquisição de saberes práticos transmitida
entre os trabalhadores:

“Nos não temos o hábito de dar cursos ou formações etc, mas trabalhamos numa lógica do dia-a-dia,
fazendo acompanhamento muito mais de perto em que dizemos, no momento em que vão executar as
actividades, como proceder as regras de segurança. Temos duas reuniões semanais, uma com todos
empreiteiros, em que fazemos o planeamento dos trabalhos e damos enfoque sobre a questão da
segurança. Há desafios a ultrapassar, mas estamos num bom caminho” (E11, Director de obras, 42 anos)

“Aqui não há formação em tanto que tal, uma formação técnica, mas há um alerta que é permanente e que
se faz de tarefa a tarefa. Sempre se alerta a cada trabalhador que esteja a executar uma tarefa de risco.
Reunimo-nos e alertamos para os riscos existentes em cada actividade. Os mecanismos que temos
adoptado têm minimizado os riscos” (E13, Encarregado de construção/Técnico de obras, 49 anos)

“Relativamente a informação e formação dada aos trabalhadores sobre saúde e segurança no trabalho,
para ser verdadeiro… zero, mas é obrigação da empresa fazer isso (…) para nós levarmos a risca as
regras de segurança, envolve custos. Há claramente um défice nesse sentido, mas devido a falta de
fiscalização isso está como esta” (E11, Director de Obras, 42 anos)

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As estratégias indicadas acima, espelham formas dominantes de lidar com o risco ocupacional
entre os trabalhadores. Verificamos que essas estratégias podem ser individuais ou colectivas e
nem sempre são homogéneas. Contudo, é importante reflectir sobre a relação entre estas
estratégias individuais e os mecanismos institucionais de gestão de risco.

A Indiconstroi Lda, tal como todas as empresas de construção civil a operar no país, rege-se pelo
Diploma Legislativo nº 48/73, um dispositivo legal que “tem como objectivo a prevenção técnica
dos riscos profissionais e a higiene nos estabelecimentos industriais”. Esse diploma refere que:

“as entidades patronais são responsáveis pelas condições de instalação e laboração dos locais de
trabalho, devendo assegurar ao pessoal protecção contra acidentes e outras causas que possam
afectar a saúde dos trabalhadores ao serviço da empresa” (Secção 3, Art.1, p.506). Por outro lado,
os trabalhadores devem cumprir as prescrições de segurança e higiene estabelecidas na legislação
ou concretamente determinadas pela entidade patronal ou seus representantes.

Os resultados da nossa pesquisa demonstram que a observância das normas de segurança, mais
do que uma prescrição legal, ela se constitui num processo de negociação entre os próprios
trabalhadores, designadamente, o que estará envolvido na tarefa crítica, potencial de risco, e o
seu supervisor, que tem a tarefa de monitorar o cumprimento dos mecanismos de protecção:

“Podem dizer que vai trabalhar no sitio x, primeiro tenho que investigar se no sitio esta bom para
trabalhar e se não estiver em condições tenho que dizer ao “boss” que ali não esta bem para trabalhar,
mas se ele insistir tenho mesmo que trabalhar porque estou a defender meu pão” (E6, Pedreiro, 35 anos)

Podemos verificar que este depoimento, espelha um processo negocial (que envolve, inclusive,
uma relação de poder entre as partes), e que entra em contradição com o que normalmente, os
supervisores definem como sendo a sua função dentro das obras:

(…) minimizar, sim, essa é uma das tarefas que normalmente faço. Ajudamos a precaver o risco que se
possa correr e evitar a negligência, temos que tomar precauções de modo a minimizar esses riscos” (E13,
Encarregado de construção/Técnico de obras, 49 anos)

Por via destes depoimentos, podemos afirmar que, ainda que as normas de segurança dependam
de padrões estabelecidos, a sua aceitação e aplicação integral são pragmaticamente reproduzidos
e modificados na vida quotidiana dos trabalhadores na sua relação com os riscos, portanto, o
cumprimento das normas de protecção nunca está desvinculado daquilo que são os factores

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subjectivos de quem percebe e lida com os riscos ocupacionais, enfim, do conhecimento leigo.
Observamos que tanto o supervisor, que tem uma função eminentemente preventiva dos riscos,
assim como o trabalhador envolvido nas actividades críticas “marginalizam” os mecanismos
formais de protecção, e, portanto, concluímos que, tal como refere Granjo (2004), o risco só tem
existência enquanto identificado e aceite como tal, esta identificação e aceitação é contextual.

5.5.2.Ausência de estratégias de gestão e descrença na eficácia dos métodos de protecção

Verificamos, em segundo lugar, que parte dos entrevistados não toma as estratégias de protecção
como um aspecto imperativo ao realizar as tarefas na obra, independentemente do nível de risco
percebido em cada tarefa, em alguns casos, a adopção de estratégias é inexistente:

“Não há uma garantia a 100% porque a segurança na obra não é total. As vezes mesmo usando esses
equipamentos pode acontecer um acidente (…) em certos trabalhos não costumamos usar, é importante
usar, mas como eu disse, mais importante é a pessoa saber como trabalhar” (E3, Pedreiro, 33 anos)

“Em algumas actividades, faço sem protecção. Como por exemplo agora que estamos a trabalhar lá dentro
não é preciso usar capacete, a não ser que esteja a partir blocos, paredes ou carregamentos de uma coisa
(…) eu vejo sempre o sítio onde estou a passar se há um sítio com ferros que podem cair em cima de mim,
tenho que ver se dá para passar ou não” (E2, Pedreiro, 34 anos)

“Isso não sei, (risos) porque as vezes, não podemos pensar que isto que estou a fazer… mas as vezes, posso
dizer que sim, é muito arriscado [não usar os equipamentos de protecção] porque pode cair um bloco e
atingir alguém, é um exemplo” (E6, Pedreiro, 35 anos)

“Eu trabalho a vontade porque isso é sempre espontâneo. São perigos que aparecem espontaneamente
nunca esperamos. Para mim, todos os riscos são muitos difíceis de controlar” (E12, Pedreiro, 25 anos)

No grupo dos entrevistados que se mostram pouco receptivos a usar os métodos de protecção,
observamos um discurso de descrença nesses mecanismos, em que os trabalhadores, de um modo
geral, não acreditam exercer uma gestão sobre os riscos, sobretudo, os relacionados a acidentes
em alturas e a contaminação. Nestas circunstâncias, apesar de os entrevistados reconhecerem a
importância de usar os equipamentos de segurança, o não uso dos mesmos é recorrente devido ao
facto destes profissionais não acreditarem na sua eficácia em termos de prevenção:

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“Sim, a máscara que devemos usar, por aquilo que eu disse, podes não estar doente agora mas, passando
tempo, pode nos causar problemas de não respirar bem porque a caixa já não consegue, está cheio de
poeira, que em si é muito grande e você faz contacto directo no trabalho” (E2, Pedreiro, 34 anos)

“É sempre importante usar os equipamentos adequados mas (…) não acho que são suficientes, porque as
coisas são muito imprevisíveis” (E9, Pedreiro/Montador de tijoleiras, 24 anos)

“As vezes me defendo assim mesmo, acidente de cair lá de cima por exemplo, com essas medidas tu não
consegues evitar o acidente, com cinto de segurança, pode acontecer, mas não será grave, essas medidas
diminuem o impacto ou as consequências, mas não se pode dizer que evita” (E6, Pedreiro, 35 anos)

“Essa protecção dos acidentes, depende das situações, há aqueles que pode-se prevenir com estes
equipamentos, e há outros que não dependem disso” (E2, Pedreiro, 34 anos)

5.5.2.1.Da falta de equipamentos de protecção à exposição voluntária ao risco

Um aspecto que não podemos ignorar nesta secção é o da alegada falta de equipamentos de
protecção dentro da empresa, esta opinião divide, no entanto, os trabalhadores e como veremos a
seguir, a contradição sobre este aspecto está patente no discurso dos entrevistados. O Diploma
legislativo nº 120/7, 13 de Novembro, legislação sobre higiene e segurança no trabalho, ao qual
cabe as empresas (incluindo, logicamente a Indiconstroi), cumprir, preconiza que:

“Deverá existir nas obras, em condições de poder ser fornecido prontamente e em bom estado de
conservação, o seguinte equipamento de protecção individual, para uso obrigatório: Capacetes rígidos,
quando haja risco de ferimentos na cabeça, em trabalhos subterrâneos; Botas altas de borracha e fatos
impermeáveis; Máscaras e óculos; Cinto de segurança e cordas – nos trabalhos que haja risco de quedas ou
escorregamento do pessoal, com previsíveis consequências de gravidade; Luvas – nos trabalhos de
soldadura e quando haja necessidade de manusear substâncias que caustiquem ou queimem a pele,
incluindo naquelas substâncias o cimento - na descarga, no abastecimento de máquinas, ou na aplicação,
com a mão, de pastas ou argamassas. (…) Todo este equipamento deve encontrar-se limpo e em condições
de satisfazer o fim a que se destina” (Art. 5º, n.1).

Apesar desta orientação concreta sobre as obrigações da empresa, o discurso dos entrevistados
apontam para a insuficiência e, em alguns casos, a total ausência dos equipamentos de protecção:

“Há dois casos, há que não usar porque não tem, e há não colocar por não querer. Assim, quando a
pessoa mesmo tendo o capacete não usa é uma coisa errada” (E5, Operador de grua, 24 anos)

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“Dificilmente tomamos cuidados especiais, mesmo na tarefa perigosa, subir o andaime tinha que ter cinto
de segurança mas não tem, as medidas tomadas aqui não são suficientes” (E12, Pedreiro, 25 anos)

“Por enquanto pouca coisa, uma vez que em todos dias que trabalho tinha que tomar leite para combater a
esses males mas já que não temos eu tenho que desenrascar sozinho (…) por falta de condições quando
recebo o salário compro leite e se não fico assim mesmo” (E10, Servente/Pedreiro, 37 anos)

“Sim, tem que usar, eu uso só as vezes, quando tem (…) os que não usam é porque não tem, quando tem
usamos” (E9, Pedreiro/Montador de tijoleiras, 24 anos)

“Precisa sempre tomar cuidado, é preciso usar capacete, botas, e luvas, mas não temos luvas, nem
capacete também temos, é possível evitar acidentes, com os equipamentos completos é capaz de evitar.
Mas sem equipamento não é possível evitar” (E8, Pintor, 43 anos)

Na minha actividade seria muito importante usar luvas e máscaras, até há líquidos que podem queimar as
mãos, mas não temos luvas (…) Bom, não é uma atitude correcta, mas como lhe disse, esses equipamentos
não são disponíveis aqui” (E4, Responsável de Limpeza, 38 anos)

A partir destes depoimentos, verificamos que parte significativa dos entrevistados é consciente
quanto aos riscos e a importância dos equipamentos, e assim, tendem a apontar a ausência dos
equipamentos como a principal razão de não usar. Entretanto, estas explicações não recebem
aval por parte dos superiores hierárquicos da empresa, que apontam a negligência como principal
razão do não uso dos equipamentos.

“A nível de equipamentos não falta, mas há negligência deles. Não gostam de usar os equipamentos. As
vezes por teimosia deles, por tentarem fazer as coisas de modo que acham melhor. Este é um dos
comportamentos de risco” (E11, Director de obras, 42 anos)

Certo é que a nossa observação directa, devidamente documentada por imagens recolhidas no
processo de pesquisa (ver em anexos) revelam que coexistem duas realidades distintas, por um
lado trabalhadores que usam os mecanismos de protecção, designadamente botas, luvas, e
capacetes, e outros que não apresentam nenhum destes itens durante o trabalho, inclusive,
aqueles que estão ligados aos riscos mais críticos, o que nos leva a inferir que a questão da
ausência dos equipamentos, ainda que tenha a sua importância, não é certamente o único factor
que justifica o comportamento de risco entre os trabalhadores.

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5.5.3.Experiências com acidentes de trabalho

Finalmente, buscamos nesta secção, descrever experiências pessoais com acidentes de trabalho.
Este é um aspecto a não perder de vista uma vez que assumimos que representa uma das fontes
por onde os trabalhadores buscam os seus conhecimentos e referencias sobre o risco. Neste
âmbito, verificamos que a maioria dos trabalhadores afirma ter passado por uma experiência com
acidentes, ainda que não estando directamente envolvidos. Apenas uma pequena parte destes
entrevistados afirma ter tido uma experiencia directa com o acidente, definidos como pequenos
acidentes que não implicaram uma paragem do trabalho.

Portanto, a experiencia com o acidente é, predominantemente explicada pela terceirização e


minimização. A terceirização reflecte a resistência de reconhecer a experiencia pessoal com o
acidente e só a partir da referência feita aos casos de envolvimento de terceiros, os acidentes de
trabalho adquirem um carácter real de infortúnio, podemos observar nos seguintes depoimentos:

“Já trabalho há 3 anos e meio, ainda não tive acidentes graves. Mas trabalhei noutros locais, na África do
sul onde me formei, tive essa experiencia, por descuide, alguém levou o serrote, o quadro estava desligado,
levou o serrote para cortar um cabo, isso criou um acidente” (E1, Electricista, 61 anos)

“Aqui não tive ainda acidentes, houve situações mas eu não estive envolvido directamente. No meu
trabalho anterior sim, eu trabalhava na Auto-construção. E lá o acidente que houve foi desabamento de
terra, porque não tínhamos máquinas para fazer a escavação. Fazíamos a mão e tinha uma cova de dois
metros de profundidade, desabou e provocou ferimentos num senhor lá” (E2, Pedreiro, 34 anos)

“Não aqui, mas assisti um acidente na costa do sol, aconteceu com um meu colega quando eu estava a
trabalhar lá com ele, é dai que comecei a prestar muita atenção nessa questão” (E6, Pedreiro, 35 anos)

“Já tive experiência de acidentes, mas não aqui, caiu um murro sobre uma pessoa, e já vi a rebarbadora
girar em torno de alguém e lhe cortar os dedos…” (E9, Pedreiro/Montador de tijoleiras, 24 anos)

Observamos ainda o discurso da minimização por parte dos trabalhadores que assumem ter
sofrido algum acidente, ou seja, apenas são relatadas situações sem gravidade e que não
implicaram uma paragem do processo laboral. Estes tipos de acidentes são normalizados e
reconhecidos como parte integrante da vida profissional e quotidiana dos trabalhadores:

“Sim, esses pequenos acidentes ocorrem sempre, aqui já tive um corte, uma vez, mas não houve
necessidade de parar o trabalho” (E2, Pedreiro, 34 anos)

59 | P a g e
“Aqui já tive pequeno acidente e tive, nenhum muito grave, mas num deles tive que ficar uma semana em
casa” (E5, Operador de grua, 24 anos)

“Desde que cá estou só registamos dois acidentes graves, que resultaram da negligência dos trabalhadores
na operação da grua. O resto trata-se de pequenos arranhões…” (E11, Director de obras, 42 anos)

Estes resultados, permitem-nos corroborar com a pesquisa de Porto (2000), que concluiu que a
percepção do risco está muitas vezes ao nível do palpável, do visível. Aquilo que pode ser visto e
sentido como os cortes, quedas e as infecções de pele são, facilmente, percebidos e identificados
como riscos ocupacionais todos os demais ficam ocultos.

Globalmente, em todos casos estudados, não há referencia as doenças ocupacionais como uma
experiencia de infortúnio no trabalho. Apenas a queda de objectos ou de próprio trabalhador, e os
danos ao trabalhado, na vertente física merecem destaques e são tratados como realidade tanto
nos casos de experiencia directa como naqueles em que não houve tal experiencia pessoal. De
qualquer modo, podemos constatar as evidencias deixadas por alguns estudos sobre esta
realidade, a situação dos trabalhadores sob exposição de riscos profissionais resulta em grandes
percas da massa laboral, representando, por isso, um complexo problema social de análise.

60 | P a g e
Capítulo VI – Considerações Finais

Neste trabalho procuramos abordar a problemática dos acidentes de trabalho no sector da


construção civil na cidade de Maputo. Para este empreendimento, tomamos como ponto de
partida o estudo das percepções e significados ligados aos riscos ocupacionais entre os
trabalhadores deste sector, sua racionalidade e dinâmicas. Além disso, buscamos reflectir sobre
como é que é explicado o acidente, e que estratégias de gestão de risco são adoptadas face a
presença do risco. Como resultados, assinalamos as seguintes constatações:

A identificação do risco como uma realidade é comum no discurso de todos entrevistados, apesar
disso, há formas diversas de tipificar e ordenar esses riscos. Os contextos de incertezas e
exposição aos riscos enfrentados pelos trabalhadores tende a tornar alguns dos factores de risco
como parte indissociável do ofício, percebidos também como obra da vontade divina.

No tocante aos comportamentos de risco, verificamos que é comum a atribuição dos acidentes a
comportamentos inadequados do trabalhador tais como o descuide, imprudência, negligência,
desatenção, e que geram posteriores recomendações circunscritas nas seguintes premissas: “deve
se prestar mais atenção”, “tomar mais cuidado”, concepções estas que pressupõem que os
trabalhadores devem ser capazes de manter elevado grau de vigilância durante a jornada de
trabalho, e por via disso, evitar situações potenciais de riscos no trabalho.

A exposição a situações que podem ocasionar acidentes e lesões sofrem interferência do


contexto, do comportamento e medidas de prevenção adoptadas. Porém, a percepção dominante
dos visados neste estudo aponta para a imprevisibilidade do infortúnio, ou seja, “acidente que é
acidente sempre acontece”, independentemente de que medidas o trabalhador for a adoptar. Esta
percepção, determina, em alguns casos, a não adopção de estratégias de gestão do risco.

É facto que esta percepção de risco entre os entrevistados resulta daquilo a que Macamo (s/d)
designou “oscilação entre mundo irreal dos espíritos e o mundo surreal”, porém, os nossos
resultados permitem acrescentar a ideia que essa percepção não se verifica apenas nas camadas
menos instruídas. Mesmo os profissionais altamente qualificados e regidos por aquilo que Granjo
(1999) designa de “rígidas racionalidades científicas” adoptam também as explicações de âmbito
“sobrenatural” a respeito desta realidade.

61 | P a g e
Os resultados desta pesquisa permitem-nos problematizar as explicações sobre os acidentes de
trabalho veiculados ao desleixo dos trabalhadores. Verificamos que há uma multiplicidade de
factores que torna o sector da construção civil, particularmente vulnerável, desde as crenças (que
muitas vezes vêm imbuídos os trabalhadores), a sua estrutura ambiental, até aos contextos sociais
e locais nos quais aparece inserido, os riscos, mais do que entidades físicas eles são resultado de
uma construção social quotidianamente reproduzida entre os trabalhadores.

No respeitante às estratégias de gestão de risco, estas podem ser individuais e colectivas e variam
em três níveis: a neutralização, a minimização e a sobrevalorização. Verificamos que os saberes
por onde se fundamentam as formas de lidar com o risco - a que nós chamamos “racionalidades”
- se diferem, em sua origem e construção, entre o conhecimento técnico e o leigo. Porém, a
constatação mais peculiar neste nível, é que as normas institucionais são, muitas vezes
“marginalizadas” pelos trabalhadores, incluindo aqueles cuja tarefa é fazê-las cumprir.

O trabalho nas obras envolve, de facto, um conjunto de riscos e de condições de trabalho


desfavoráveis ao trabalhador, contudo, foi possível constatar que a adopção de estratégias de
gestão desses riscos envolve, muitas vezes, um certo processo de “negociação” entre os
trabalhadores. Nestes casos, a pretensão de tornar o trabalho mais flexível, por exemplo, justifica
um conjunto de práticas de risco e negligência das mais elementares regras de segurança.

Face aos resultados indicados, concluímos que qualquer programa sobre riscos profissionais deve
apoiar-se, naturalmente, no conhecimento de dados estatísticos respeitante aos acidentes de
trabalho (para estabelecer a prioridade na sua actuação e prevenção), porém, mais importante
ainda é ter em conta a forma como os profissionais a quem são direccionados percebem os
riscos, como tipificam, que estratégias de gestão eles mais se identificam e quais eles menos
“têm fé”. Esse conhecimento é relevante, e permite ter uma visão mais ampla sobre a segurança
no trabalho e, consequentemente, uma melhor resposta institucional aos desafios adjacentes.

O próprio quadro jurídico nacional evidencia a necessidade da definição de uma política sobre
segurança, higiene e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho, que se fundamente
não só nos princípios técnicos internacionalmente aceites, mas também, e sobretudo, na
percepção de risco entre aqueles que estão directamente ligados aos trabalhos considerados
críticos dentro das organizações.

62 | P a g e
Capítulo VIII – Bibliografia

7.1.Referências bibliográficas
AREOSA, João. O risco nas Ciências Sociais: Uma visão crítica ao Paradigma Dominante, Revista
Angolana de Sociologia, 2010.

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_________________O mundo na era da Globalização, Lisboa: Editorial Presença, 2012.

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GRANJO, Paulo. Dragões, régulos e fábricas: espíritos e racionalidade tecnológica na indústria
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_______________ “Trabalhamos sobre um Barril de Pólvora”: Homens e Perigo na refinaria de Sines;


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MACAMO, E. A constituição de uma sociologia das sociedades Africanas. Maputo, I. Universitária, s/d.

MEDEIROS, A. D. Moraes & RODRIGUES, Celso L. Pereira. A Existência de Riscos na Indústria de


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QUIVE, S. A. Protecção Social em Moçambique. Maputo: Fundação Friedrich EbertStiftung, 2007.

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SCHUTZ, Alfred. Fenomenologia e Relações Sociais: textos escolhidos de AlfredSchutz. In: WAGNER,
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YIN, Robert K. Estudo de caso: Planejamento e métodos. 3ª Ed. Editora Bookman, Porto Alegre, 2005.

7.2.Monografias, dissertações e teses


CHICAMISSE, Rosa Armindo Zinhame. Construção social do risco: um estudo de caso da epidemia de
cólera no bairro Polana Caniço A, Maputo, 2011. Monografia submetida para a obtenção do grau de
Licenciatura em Sociologia, Universidade Eduardo Mondlane, FLCS. 2011.

FRANÇA, S. L. B.A gestão de pessoas como facilitador para o gerenciamento de risco na indústria da
construção civil. Tese de Doutoramento - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.

LALGY, Tânia B. Relações de Trabalho nas Empresas de Construção civil O Caso da TAMEGA.
Monografia submetida para a obtenção do grau de Licenciatura em Gestão, Universidade Eduardo
Mondlane, Faculdade de Economia. 2008.

LIHAHE, Danúbio. 2004. «Vidas sobre carris – apropriações socioprofissionais do perigo entre os
maquinistas no Sul de Moçambique». Tese de licenciatura, Maputo, Universidade Eduardo Mondlane.

MANJATE, Carlos J. Batista: Percepção Social de Risco e Acidente de Viação Uma Dimensão
Sociológica da Sinistralidade Rodoviária na Cidade de Maputo. Monografia submetida para a obtenção
do grau de Licenciatura em Sociologia, Universidade Eduardo Mondlane, FLCS. 2012.

OLIVEIRA, Maria João dos Santos. Os comportamentos de Segurança: O contributo da experiencia de


acidentes de trabalho e do clima de segurança. Tese submetida como requisitoparcial para obtenção do
grau de Mestre em Psicologia Social e Organizacional. ISCTE – Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empresa, Outubro de 2007.

RUGUÊ, M. B. S. V. Qualidade das condições de trabalho x produtividade estudo de caso: Indústria de


Alimentação em Goiânia. 2001. Dissertação (Mestrado) –Engenharia de Produção, Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.

QUEMBO, (sd) Percepções de riscos biológico e químico entre os profissionais de saúde na


Maternidade do Hospital Geral de Mavalane. Monografia submetida para a obtenção do grau de
Licenciatura em Antropologia, Universidade Eduardo Mondlane, FLCS.

65 | P a g e
UAMUSSE, Edson C. O Sector da Construção civil em Moçambique e a Integração Regional.
Monografia submetida para a obtenção do grau de Licenciatura em Gestão, Universidade Eduardo
Mondlane, Faculdade de Economia. 2008.

7.3.Documentos oficiais:
Ministério do Trabalho (2005). Boletim de Estatísticas do Trabalho – Maputo, 2005.

__________________ (2011). Boletim de Estatísticas do Trabalho – Maputo, 2011.

__________________ (2010). Diploma Legislativo nº 48/73 de 5 de Junho – Regulamento Geral de


Higiene e Segurança no Trabalho nos Estabelecimentos Industriais. Maputo, 2010.

Lei de Protecção Social de Moçambique, Lei no 4/2007 de 7 de Fevereiro.

INE. Inquérito Demográfico e de Saúde: relatório final sobre traumatismo. Instituto Nacional de
Estatística, 2003.

7.4.Documentos de suporte electrónico:


Agência Europeia para a Higiene e segurança no trabalho. Prevenção de Acidentes no Sector da
Construção Civil. Revista SESI, Abril de 2010. Disponível em: http://osha.europa.eu/en

BECK, U. (1990). Incertezas fabricadas. Entrevista concedida a IHU On-Line, São Paulo. UNESP.
Disponível em http://www.unisinos.br/ihu

NHACULE, Carlos. Todo o acidente tem uma causa. Artigo. Acessado a 10/04/2013;disponível em:
http://www.emose.co.mz/por/divulgacao/todo_o_acidente_tem_uma_causa

SLOVIC et al. Whay Study Risk Perception? V.2, Nº 2, 1982. Artigo disponível em:
http://www.sds.hss.cmu.edu/risk/articles/WhyStudy Risk Percep.pdf. Acessado a 12/04/2013.

66 | P a g e
Anexo 1 - Guião de Entrevista

Entrevista nº____

Secção I - Dados Pessoais/Socio-Demográficos

1.1.Idade:____

1.2.Sexo:a) M___ b) F___

1.3.Naturaliade:_____________________________________

1.4.Bairro de Residência:_____________________________

1.5.Estado Civil: Casado/a___ Solteiro/a___ União de Facto___Divorciado/a___Viúvo/a___ Outros___

1.6.Nível de Escolaridade: Nível Primário___ Nível Médio/Básico___ Nível Secundário___ Nível


Superior___ Outros ___

1.7.Outra formação (profissional ou não)____________________________________________________

Que tipo de trabalho você faz? (descrever a tarefas/atividade) ___________________________________

Quantas horas você trabalha por semana? ______horas

Secção II - Categorias de riscos de acidentes de trabalho/ Factores de risco

2.1.No seu trabalho você tem contacto com substancias químicas/Compostos orgânicos? Sim___ Não___,
Se sim, Quais?_________________________________________________________________________

2.2.Você tem que trabalhar em altura? Sim__ Não__ Quais?____________________________________

2.3.Você trabalha em locais fechados e estreitos/confinados? Sim__ Não__

2.4.No seu trabalho, você usa máquinas/ferramentas que podem causar cortes/ferimentos, queimaduras?
Sim___ Não___

Secção III - Percepção social de risco e sua racionalidade

3.1.Considera o seu trabalho perigoso? Sim___ Não___ Que tarefas acha que detêm maior risco?

3.2.Acha que corre algum risco ao trabalhar neste local? Quais? Porque?

3.3. De que forma esses riscos são produzidos ou aparecem?

3.4. Qual e o significado que atribui aos riscos presentes durante o seu trabalho?

3.5.Os riscos de acidentes de trabalho que corre interferem na realização das suas tarefas diárias?

3.6.Quais factores de risco são mais difíceis de controlar? Porque?

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Secção IV - Estratégias de gestão do risco

4.1.Como é que você lida com os riscos que corre durante o trabalho?

4.2.Que cuidados têm tomado quando realiza as actividades que você considera perigosas? Acha que
essas medidas são suficientes para evitar o acidente? Porque?

4.3.No seu trabalho você tem que utilizar equipamentos de protecção individual como botas, luvas,
máscara, capacete, protetor auditivo ou outros? Não___ Sim___

4.3.1.Com que frequência os usa? Sempre___ Regularmente___ As vezes___ Nunca___ Só quando há


inspecção___ Outros___

4.4.O que acha desses equipamentos/qual sua opinião em relação a este mecanismo? Acha que é
útil/importante usar?

4.5.Oque acha daqueles que não colocam de forma correcta estes equipamentos?

Secção V – Exposição ao risco

5.1.Seu trabalho exige muita habilidade ou conhecimento especializado?

5.2.Com que frequência você tem que fazer suas tarefas de trabalho com muita rapidez?
Frequentemente___ As vezes___ Raramente___ Nunca___

5.3.Seu trabalho exige que você tome iniciativa? Você pode escolher como fazer o seu trabalho?

5.4.Experiências com acidentes de Trabalho

5.4.1.Já alguma vez ocorreu algum desabamento no seu local de trabalho?

5.4.2.Houve queda de Objectos metálicos ou de outra natureza?

5.4.3.Você já se machucou, cortou, quebrou, queimou ou levou choque no trabalho? Não___ Sim___;

Se Sim, quantas vezes? ___ vezes. Teve que ser afastado do trabalho por acidente ou por doença? Não___
Sim___; Se Sim, quantas vezes? ___ vezes.

Se não, O que tem feito para evitar a ocorrência de acidente de trabalho consigo?________________

Tem alguma coisa que gostaria de acrescentar a respeito de tudo o que conversamos nesta
entrevista?____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________

Muito obrigado pela sua colaboração.

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Anexo 2 - Imagens que espelham o dia-a-dia laboral dos entrevistados

Figure 1 - As imagens acima ilustram o trabalho em alturas. Apesar de ter sido identificado como um dos factores críticos de
risco, observamos que ambos trabalhadores executam as suas tarefas sem nenhuma protecção de segurança.

Figure 2 - Já nestas outras duas imagens, podemos observar os trabalhos em alturas em que os trabalhadores usam apenas uma
das medidas de protecção identificadas como formas de contornar o impacto dos riscos nos trabalhos em altura: o capacete.

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Figure 3 - Nestas imagens observamos trabalhadores em actividades consideradas críticas pelo alto poder de contaminação por
substâncias químicas. A esquerda o corte de tijoleiras e a direita o manuseamento do cimento. Apesar dessa percepção indicada
pelos próprios trabalhadores, verificamos que eles trabalham sem máscaras de protecção ou outras medidas de gestão de risco.
Observa-se na margem superior da imagem dois capacetes amarelos… aparentemente no lugar errado!

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Figure 4 - Já nestas imagens, observamos os trabalhos envolvendo o manuseamento da Grua. Apesar de ser identificado pelos
funcionários como uma actividade de risco, observamos o transporte de carga enquanto os outros andam e exercer a sua
actividade. É eminente o risco de queda de objectos, e a grua é operada, literalmente, por cima dos trabalhadores.

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