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Resumo: Epicentro das reflexões da semiótica de Algirdas Julien Greimas, desde sua origem, a narratividade
é investigada aqui em três direções propositivas: (i) compreender a tensividade implícita no modelo narrativo
greimasiano, a partir das propostas heurísticas de Claude Zilberberg; (ii) incorporar à narratividade – concebida
como antropologia do imaginário humano – o regime tímico-pulsional, defendido por Jean Petitot; (iii) sugerir
a entrada da semiótica no debate sobre as “grandes narrativas da antropogênese” – narrativas científico-
evolucionistas sobre a espécie humana, narrativas humanistas da “exceção humana”, narrativas fenomenológicas
da “diferença antropológica” – para instruir tal debate com a proposta de um relato semiológico que ponha em
evidência a presença e a ação da linguagem na antropogênese.
refere àquelas convocadas ao 7o Congresso Mundial, integração de uma base semiótico-pulsional na narrati-
intitulado “Narrative matters. Récit et savoir” [“Tópicos vidade, a partir de sugestões de Jean Petitot (1985a e
narrativos. Narrativa e saber”], realizado na Univer- 1985b); e (iii) o pleito de exploração de uma narrativa
sidade Paris-Diderot em parceria com a Universidade semiótica no vasto campo da antropologia, qual seja,
Americana de Paris, em 2014; e sua versão anterior, das “grandes narrativas da antropogênese”, tendo por
em 2012, em Paris, com o tema “Vie et récit” [“Vida e contraponto as reflexões fenomenológicas do filósofo
narrativa”]. Nesses dois congressos, gigantescos em Etienne Bimbenet (2014 [2011]).
número de participantes, tal interesse narratológico
se deu referenciado a obras como a de Christian Sal-
mon, Storytelling (2007) ou a de Donald Polkinghorne, 1 Narratividade e tensividade
Narrative Knowing and the Human Sciences (1988),
passando-se ao largo qualquer menção, reconheci- Se o tema do acontecimento ressurge na semiótica de
mento ou referência aos trabalhos de Greimas, com hoje como a principal indicação da imprevisibilidade
nada menos de 20 anos de anterioridade, de experiên- narrativa, já houve tempo em que Greimas o concebia
cia analítica, e de progressos teóricos notáveis de sua como uma “mensagem-espetáculo”, portadora de cate-
disciplina em avanços heurísticos significativos por ele gorias modais e funções actanciais cuja estruturação
próprio e, uma vez não mais presente, pela equipe de garantia uma forma invariável para todos os “micro-
seus discípulos, frente a esses eixos de referência. universos semânticos”. Mais que isso, o autor lituano
Se tal distorção se dá a partir de um âmbito externo via nas organizações subjacentes ao “espetáculo do
à semiótica, temos de convir que a própria semiótica acontecimento” a possibilidade de construção de uma
paga, de seu interior, uma quota de responsabilidade. verdadeira epistemologia linguística, dado que vêm de-
Pela própria força de previsibilidade de seus modelos, las as condições para o nosso conhecimento do mundo
ela avança com demasiada sofreguidão em terrenos (Greimas, 1973a [1966], p. 174).
sempre novos, tal um exército voraz a conquistar no- O acontecimento era então tratado como qualquer
vas terras, sem se preocupar muito em consolidar os outra mensagem passível de ordenação narrativa. A
campos já conquistados. Entramos e logo “saímos” de novidade estava em inaugurar um ponto de vista se-
Propp. Mal o esquema narrativo ficou estipulado e eis miótico para a compreensão do sentido que, embora
que a sintaxe modal ganhou autonomia. Pouco explo- fundado em princípios linguísticos, não se restringisse
rada esta em todo o regime de suas compatibilidades às dimensões frasais nem mesmo às análises de textos
e incompatibilidades, sobreposições e metamodaliza- verbais. Depois de definir os actantes como classes de
ções, tal como previsto no artigo inicial de Greimas sememas, numa visão claramente taxinômica, Greimas
sobre o tema (1976), e já partimos para a figuratividade, dedicava-se cada vez mais ao estudo das operações
e cada vez mais “profunda”. Em pouco mais de uma sintáxicas que dão unidade aos textos. Deixava de
vintena de anos, a semiótica “categorial” logo se viu lado os semas, sememas e classemas, que acusavam
destronada, quase esconjurada, em nome da semió- a origem linguística do seu pensamento, em favor das
tica “gradual” e “tensiva”, e assim sucessivamente, até categorias actanciais e modais, bem mais úteis para es-
ganhar a vastidão de perfis e matizes que caracterizam clarecer a “inteligência sintagmática” que se manifesta
o campo semiótico na atualidade. Enfim, exploramos tanto nas linguagens verbais como nas não-verbais e
muito, e rapidamente, terras virgens, mas cultivamos que, em última instância, rege o imaginário humano.
pouco, e pacientemente, terrenos conquistados. Procurava, no fundo, os sinais de competência nar-
Perante esse duplo desconforto, externo e interno, a rativa que estavam presentes, às vezes de maneira
retomada do interesse e da reflexão sobre a narrativi- camuflada, na maioria dos textos examinados. Foi
dade no próprio interior da semiótica é uma homena- na “morfologia” dos tradicionais contos russos, escrita
gem aos cem anos de nascimento de Greimas – razão por Vladimir Propp (1970), que o idealizador da obra
deste número da revista Estudos Semióticos. Essa Semântica Estrutural (1973a) se inspirou para propor
homenagem, a nosso ver, justifica-se de plena perti- sua sintaxe discursiva. Começou, como se sabe, pelo
nência e atualidade. Nessa perspectiva, o presente estudo das duas principais ordens sintagmáticas: uma
texto tem por finalidade noticiar, nos limites que aqui de natureza teleológica (sujeito → objeto) e outra de na-
se impõem, uma breve contribuição – a ser vista como tureza etiológica (destinador → destinatário) (Greimas,
convite à reflexão mais do que como resultado dela – 1973a [1966], p. 176).
sobre três segmentos da teorização geral da narrativi- Anos depois, a primeira ordem sintagmática deu
dade em vigência no campo greimasiano, segmentos origem a uma ampla semiótica da ação (fazer) que
pouco ou mal explorados até hoje: (i) a compreensão compreendia não apenas a direção inexorável que leva
da tensividade implícita no modelo narrativo greima- o sujeito ao seu objeto, mas também as interrupções
siano, a partir das propostas heurísticas de Claude de percurso provocadas pela atuação de um oponente
Zilberberg (2006 [1988], 2011 [2006]); (ii) o pleito de ou de um antissujeito, como se diz atualmente, tudo
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adotasse a nova noção, Greimas ainda se encontrava suas tendências localizantes, perfazem o impacto ter-
bastante vinculado ao valor semântico do conceito de minativo da implosão silábica, enquanto a resolução,
timia. a verbalização e o movimento modulatório, com suas
Foi Claude Zilberberg quem enxergou desde o início tendências globalizantes, traduzem a recuperação so-
o potencial sintáxico da noção de foria. A partir de sua nora e a expansão conteudística previstas na explosão
acepção etimológica, “força para levar adiante”, o semi- silábica.
oticista francês tratou a foria, não apenas como ímpeto Podemos dizer que o comportamento silábico da so-
sensível e passional, mas sobretudo como um processo noridade traduz de modo minimalista o avanço fórico
tensivo que se desenvolve no plano do conteúdo com nos termos sintáxicos propostos por Zilberberg. Disfo-
características semelhantes às evoluções prosódicas ria e euforia, nesse caso, teriam muito mais a ver com
do plano da expressão. As informações concentradas as orientações implosiva e explosiva do que com seus
(feitos heroicos, revoluções, impactos estéticos e acon- respectivos semantismos. Assim, foria, para o autor,
tecimentos de maneira geral), correspondentes aos tem estatuto pré-narrativo, pré-modal e pré-discursivo.
acentos melódicos de nosso fluxo verbal, tenderiam É uma espécie de matriz da aspectualidade e preenche
à expansão ou resolução do seu sentido (explicações, as condições do conceito hjelmsleviano de direção.
ponderações, elaborações e desenvolvimentos de toda De fato, Zilberberg identifica as direções tensivas
sorte), ou seja, aos elementos difusos que estariam subjacentes aos dois movimentos narrativos canônicos:
associados às modulações entoativas da nossa prosó- a direção descendente, responsável pela instalação da
dia cotidiana. Como já se pode prever, os elementos falta, e a direção ascendente, própria da sua liquidação.
expandidos, em contrapartida, tenderiam à concentra- Em ambos os casos, o que está em jogo é a intensidade
ção tal como ocorre na progressão melódica de nossa da competência modal e dos papéis desempenhados
fala, na qual as modulações se dirigem aos acentos. A pelos actantes. No primeiro, a falta resulta de di-
euforia, nessas condições, acompanharia os fluxos e minuições consecutivas (acréscimos de menos) e, no
os desenvolvimentos, enquanto a disforia assinalaria a segundo, sua liquidação decorre de aumentos consecu-
contração e o refluxo, sem que haja necessariamente tivos (acréscimos de mais). Essa visão retoma, em ou-
uma correspondência semântica entre esses termos e tras bases, o princípio de Claude Brémond (1973) que
os seus pontos de incidência na cadeia sintagmática. definia a narrativa como sucessão de degradações e de
Em outras palavras, expandir o fluxo pode ou não melhoramentos, mas também a interessante noção de
significar “boa disposição de ânimo” (acepção comum progresso narrativo que, na semiótica greimasiana, re-
de euforia), assim como a concentração, fechamento presenta o crescimento do ser semiótico à medida que
ou interrupção do fluxo podem ou não caracterizar um acumula seus papéis actanciais ao longo da trajetória.
sentimento de repulsa ou queda de ânimo (acepção de Os incrementos, representados pelas grandezas mais e
disforia). O que vale é o sentido sintáxico de ambos menos, foram introduzidos pelo autor de Elementos de
os conceitos (tendência à expansão ou tendência à Semiótica Tensiva (2012) como recurso de quantifica-
concentração). ção subjetiva (não numérica) para se aquilatar, entre
Com esse ponto de vista Zilberberg recupera a pro- outras coisas, o nível de progresso conquistado por
posta hjelmsleviana de isomorfia entre os planos da um determinado agente narrativo (Zilberberg, 2012,
linguagem, uma vez que acento e modulação passam p. 51). Constituem ainda a resposta tensiva para o
a corresponder respectivamente a assomo e resolução, projeto de “cálculo” lançado por Greimas e Courtés em
pois, de fato, no plano do conteúdo, os acontecimentos algumas passagens de seu famoso dicionário:
sobrevêm, mas imediatamente dão início a um pro- [. . . ] o esquema narrativo é canônico enquanto modelo
cesso de assimilação subjetiva que desfaz a surpresa de referência, em relação ao qual os desvios, as expan-
e, ao mesmo tempo, expõe o sujeito a novos acon- sões, as localizações estratégicas podem ser calculadas.
tecimentos. O próprio autor dinamarquês, com sua [. . . ] o papel actancial... subsume todo o percurso já
efetuado e traz consigo o aumento (ou a diminuição) de
instigante proposta de que as línguas naturais pulsam seu ser [semiótico]; esse duplo caráter [posição sintá-
em componentes de contração (elementos intensos) e xica e ser semiótico] tem, assim, o efeito de “dinamizar”
de expansão (elementos extensos), já havia sugerido os actantes e oferece a possibilidade de medir, a cada
um funcionamento isomórfico quando identificou os instante, o progresso narrativo do discurso. (Greimas e
Courtés, 2008 [1979], p. 334).
recursos acentuais com as concentrações nominais
e, por outro lado, os recursos modulatórios com as Hoje podemos confirmar que a direção ascendente
difusões verbais (Hjelmslev, 1966, p. 145). concebida pela semiótica tensiva abrange as primeiras
Na mesma linha de prosodização do conteúdo, Zil- ordens sintagmáticas, etiológica e teleológica, estuda-
berberg retoma ainda o célebre modelo da silabação das por Greimas em sua célebre “pesquisa de método”
saussuriana (Saussure, 1971 [1916], p. 70-72). Tanto publicada em 1966. A relação de acordo entre desti-
o assomo produzido pelo sobrevir do acontecimento nador e destinatário favorece a relação de conjunção
quanto as nominalizações e acentos de Hjelmslev, com entre sujeito e objeto, sendo que ambas respondem
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por uma continuidade resolutiva de natureza eufórica, (o que sobrevém ao sujeito) e se comporta geralmente
no sentido sintáxico do termo. Algo que, na evolução como o foco da informação. Esse índice acelerado e
microcósmica saussuriana interpretada por Zilberberg, ao mesmo tempo de expressiva tonicidade não permite
corresponde à explosão silábica e que, na semiótica que esse conceito seja tratado no âmbito da espera for-
narratológica, perfaz o itinerário completo de liqui- mulada pela sintaxe narrativa. Em vez do pensamento
dação da falta. A direção descendente, ao contrário, implicativo, típico dessa sintaxe, Zilberberg propõe
descreve o antiprograma narrativo em seus diversos que se opere com um pensamento concessivo, o único
formatos: recusa da manipulação, polemização e dis- que admite numa esfera gramatical o surgimento do
junção entre sujeito e objeto. Tudo que rompe a con- conteúdo imprevisível: “embora não fosse esperado,
tinuidade entre os actantes e diminui a competência isso aconteceu”.
modal pressuposta pelo fazer concorre para a inação, O criador da semiótica tensiva relembra em diversas
figura narrativa da trajetória degressiva, da involução oportunidades a recomendação de Greimas: “é pre-
ou da disforia. Do ponto de vista tensivo, temos cada ciso sair de Propp” (Zilberberg, 2011 [2006], p. 12 e
vez mais menos e, do ponto de vista silábico, temos o 270). De fato, a pesquisa sobre o sentido precisava se
ponto da implosão (sonoridade máxima que só pode desenvolver para além dos princípios narrativos que
regredir). Não deixa de ser, por fim, o tipo de aconteci- acabaram se tornando a principal ferramenta descri-
mento (na acepção tensiva) mais cultivado pela teoria tiva da teoria semiótica. O estudo das paixões e das
narrativa, ou seja, a falta (Zilberberg, 2011 [2006], manifestações estéticas e estésicas tornou-se então a
p. 172). porta de saída imediata para o tratamento dos con-
Só pelos aspectos aqui relatados já podemos consta- teúdos subjetivos, líricos ou mesmo de cunho social.
tar que há considerável imbricação entre os conceitos A fenomenologia, de um lado, e a retórica, de outro,
narrativos e as noções hoje aplicadas pela semiótica foram incorporadas às investigações como alternati-
tensiva. Mais do que isso, a proposta de Zilberberg vas metodológicas à abordagem meramente actancial.
apresenta-se como um ponto de vista no interior do Nem todas as linhas, porém, trouxeram propostas
mesmo projeto de busca metodológica empreendido verdadeiramente sintáxicas para explicar o aspecto
por Greimas. Entretanto, observamos cada vez mais inopinável do acontecimento e integrá-lo com essa
o abandono dos recursos narrativos nas análises ten- característica no modelo descritivo. A formulação con-
sivas concretas, como se os princípios greimasianos cessiva introduzida pela hipótese tensiva parece-nos
servissem apenas para descrever textos da literatura ser a única a cumprir essa função gramatical.
tradicional ou das manifestações folclóricas. O semio- Por fim, é preciso dizer que “sair de Propp” não signi-
ticista francês chega a afirmar que a sintaxe narrativa fica abandonar a sintaxe narrativa. Greimas inspirou-
é caracterizada por sua “monotonia” descritiva (que o se no autor russo, mas nunca utilizou o modelo canô-
quadrado semiótico traduz na fórmula sumária con- nico tal como foi concebido na Morphologie du conte
tradição → implicação), fundada em previsibilidades (1928). Na realidade, ele já estava saindo de Propp
que impedem o estudo dos fenômenos surpreendentes desde quando, por exemplo, reduziu significativamente
implicados na construção do sentido. o número das funções actanciais encontradas pelo an-
A questão de base está na maneira de conceber o tropólogo e circunscreveu as operações narrativas em
acontecimento e na importância que lhe é atribuída no apenas um dos níveis do percurso gerativo (entre o
quadro geral da teoria. Greimas, como vimos, enxerga nível fundamental e o nível discursivo). O esquema
o acontecimento como uma mensagem organizada narrativo reformulado por Greimas e equipe continua
numa estrutura actancial imutável. Se Lucien Tesnière tendo o caráter universal que lhe foi atribuído há pelo
(1959) vislumbrava um pequeno espetáculo com suas menos quatro décadas. Se agora descobrimos, a par-
funções permanentes (alguém que age e alguém que tir do conceito de foria, que as relações actanciais já
sofre a ação) por trás do enunciado elementar, o semio- eram regidas por oscilações tensivas, também univer-
ticista lituano entende que esse “enunciado-espetáculo” sais, isso não significa que tenhamos que “trocar de
garante também nossa apreensão dos acontecimentos. universalidade” e, muito menos, que o esquema nar-
O importante para o autor, portanto, é que o sistema rativo fique restrito à análise de contos folclóricos ou
linguístico e, por extensão, o sistema semiótico estão de contextos singelos. Assim como os atores discursi-
sempre providos da capacidade de integrar o aconte- vos pressupõem os actantes narrativos que, por sua
cimento (assim como qualquer outra mensagem) em vez, pressupõem relações modais, todos esses concei-
suas estruturas narrativas. Zilberberg, ao contrário, tos pressupõem medidas que levam à concentração,
faz do acontecimento um conceito central da hipótese à expansão, à aceleração ou desaceleração, à tonifi-
tensiva. Sua ênfase recai sobre o caráter inesperado e cação ou atonização, enfim, que determinam a forma
quase inapreensível de sua ocorrência. Dotado inva- e a força do sentido. Cabe ao semioticista manobrar
riavelmente de alta intensidade e forte concentração, com coerência todos esses recursos a depender das
o acontecimento é fruto de uma aparição repentina exigências do objeto analisado.
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2 O imaginário humano como ção, aquém de algum semantismo mais abalizado, fora
da consciência do sujeito; operaria na surdina, não
carne. Uma narrativa pulsional subjetivado, “em suma, um imaginário a-semântico,
não simbolizado ainda (no sentido da metapsicologia)”
É fartamente consensual em semiótica considerarmos
(Petitot, 1985b, p. 284). Anterior às suas articula-
o nível semionarrativo como o coração do percurso gera-
ções em semantismos fundamentais (vida / morte;
tivo da significação – “constante geral da produção da
natureza / cultura...), tal estrato se comporia “por es-
significação”, se quisermos a expressão de Zilberberg
pécies de ‘pregnâncias’ psíquicas (pulsões e/ou ideais)
(2006 [1988], p. 121). Tal nível é também consolidado
‘conferindo sentido à vida’ e cujo sentido jamais é apre-
como lugar da conversão antropomórfica das estrutu-
ensível como tal, apenas por meio de sua conversão
ras elementares profundas. Recebeu vários ajustes ao
em estruturas actanciais” (Petitot, 1985a , p. 50).
longo dos avanços da teoria, e revelou-se como forte
mecanismo de análise da inteligência sintagmática A esses dois aspectos, que abrem espaço a pesquisas
dos discursos humanos, não importando seus gêne- altamente estimulantes – (i) um imaginário que sai do
ros. Contudo, a outra face da estrutura narrativa, isto papel dos textos e ganha a carne da vivência do sujeito,
é, o estatuto de antropologia do imaginário humano – que, em seguida, (ii) desce do pedestal cognitivo da
estatuto implícito desde o seu nascimento em Greimas filosofia para o sensível pulsional da metapsicologia
(cf. epígrafe) – pouca atenção mereceu até hoje, exce- freudiana –, soma-se e sobressai um terceiro: o viés
ção feita a proposições de Jean Petitot, sugestivas em naturalista do seu enraizamento na biologia corporal,
múltiplos aspectos, presentes em seu texto de home- na herança filogenética. Trata-se a nosso ver de um
nagem a Greimas, intitulado “Les deux indicibles ou viés monista e materialista, que se tece como um fio
la sémiotique face à l’imaginaire comme chair” [“Os de Ariadne, como morfogênese física do sentido, a
dois indizíveis ou a semiótica face ao imaginário como amarrar de ponta a ponta a emergência do sentido
carne”] (1985b). desde a matéria ínfima e o bios minúsculo até a mente
Um desses aspectos é o modo pelo qual Petitot enfa- maiúscula e sua imaginação infinita. Justamente por
tiza que as estruturas narrativas são estruturas vividas isso, o ponto de vista lançado por Petitot orientaria a
nas paixões, nas ideologias, nas ações e mesmo no so- semiótica na direção do que ele reivindica como uma
nho. Manifestado sobejamente em discursos vários, o “semiofísica”. As proposições desse arguto discípulo
“sujeito de papel” desce às ruelas obscuras da vivência thomiano, no artigo indicado, aqui apenas noticia-
humana e à concretude do seu corpo. As estruturas das, permanecem (mais uma vez!) um campo apenas
narrativas ganham, com isso, o estatuto de “antropolo- acenado, cuja exploração urge acontecer no campo se-
gia estrutural do imaginário (humano)” (Petitot, 1985b, miótico. Estudos sobre elas permanecem ainda muito
p. 284), expressão que ele empresta de Durand (1984), aquém da heurística que portam em potencialidades,
à qual Petitot acrescenta o complemento: “imaginário sobretudo, porque abrem de imediato à semiótica o
como carne”. É este o segundo aspecto, igualmente desafio de participar e quem sabe também instruir
relevante, das sugestões do conhecido discípulo de as pesquisas sobre o vasto campo da metapsicologia
René Thom: não se trata do imaginário entendido ao freudiana e, mais amplamente, da antropologia geral.
modo cognitivo, mas do imaginario sensível, amarrado Ora, não obstante a fecundidade de suas proposi-
à carne do corpo. Para tal, a direção indicada aponta ções, nossa discordância para com o terceiro aspecto
retamente para a Metapsicologia freudiana, um imagi- de suas proposições – o teor monista e cabalmente
nário pulsional “puramente tímico e afetivo” (Petitot, naturalista de sua semiofísica – leva-nos a lhe con-
1985b, p. 284). Tal imaginário é reivindicado como a trapor a opção de uma integração da metapsicologia
contrapartida substancial, de base, para a forma semió- pulsional de Freud à semiótica greimasiana por meio
tica da estrutura. De natureza inconsciente, estaria da proposição de um “percurso gerativo da subjetivi-
“carregado com todas as obscuras forças da anima- dade inconsciente” de estatuto inteiramente imanente.
lidade, herdadas da filogênese [. . . ] enraizado nos Segundo nossa proposta (Beividas, 2003; 2016), a
processos regulatórios da predação e da sexualidade” integração da pulsionalidade freudiana na semiótica
(Idem, ibid.). pode-se dar imaginando um percurso da subjetividade
Vê-se nitidamente, na formulação, a proveniência humana através de três regimes da timia: um regime
catastrofista (formas pregnantes e salientes da “sintaxe pulsional, um regime patológico e um regime passional,
da predação” thomiana), bem como a co-notação me- integrados por dois mecanismos de conversão. Sendo
tapsicológica da sexualidade freudiana. Interpretado e que uma explanação mais longa ultrapassaria os limi-
interceptado nesse estrato a quo, tal imaginário tímico tes de espaço aqui oferecidos. Tal hipótese poderia ser
e afetivo estaria, segundo Petitot, aquém da significa- sintetizada no seguinte esquema1 :
1
A proposta e as primeiras argumentações podem ser consultadas em Beividas (2003) bem como no recente artigo “La sémioception et
le pulsionnel en sémiotique. Pour l’homogénéisation de l’univers thymique” (Beividas, 2016).
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Figura 1
A diferença (crucial) entre as proposições de Petitot verdade no naturalismo da ciência. (Bimbenet, 2014
e a aqui noticiada incide nos vetores de sua orientação [2011], p. 18-19)
teórica: ao invés de uma morfogênese do sentido en- O escopo de seu desafio, que dá título à obra, é,
raizada na carne do corpo, semiogênese substancial por um lado, reconhecer integralmente nossa origem
(vetor: corpo → sentido), o esquema acima entende a animal, no lastro de um ambiente científico geral, defi-
pulsão já semiotizada pelo ato de “semiocepção” – a nitivo, das aquisições pós-evolucionistas (naturalismo),
ser referida adiante – do sujeito perante seu corpo, se- liberado, portanto, de qualquer metafísica do espírito
miocepção formal (no sentido hjelmsleviano) no vetor: humano (humanismo), mas ao mesmo tempo procura
sentido → corpo. defender, em reflexão filosófica, a ideia, ousada, de
Por sua vez, esta última proposição encontra esteio que o homem “não mais é um animal”:
e ao mesmo tempo corrobora teses recentes de Bim-
O enunciado é voluntariamente provocador; nós espe-
benet (2014 [2011]) sobre a “diferença antropológica”
ramos com ele atiçar o paradoxo e fazer aparecer como
que marcaria uma “ruptura abissal” entre animal e escandalosa nossa origem animal. [. . . ] o fato evolutivo
homem. é definitivamente verdadeiro, [no entanto,] um compor-
tamento humano se apresenta como infinitamente dis-
tanciado dos comportamentos animais dos quais ele é
proveniente. Claro, o homem foi um animal; entretanto
3 Por uma narrativa semiótica da ele não o é mais. Ele está “privado” de sua origem animal,
“diferença antropológica” no sentido que Heidegger dava a esse termo; vivendo
com ela e, entretanto, sem ela. [...] o naturalismo é
verdadeiro [...]. Mas a continuidade do fio genealógico
Com efeito, uma terceira maneira de pleitear o estatuto que nos religa ao animal não impede o salto qualitativo;
antropológico da narratividade, a nosso ver compatível [. . . ] a vida é capaz de introduzir tanta distância entre o
homem e o animal quanto ela coloca entre o animal e a
com a última proposição acima e incompatível com
planta. (Bimbenet, 2014 [2011], p. 26-27)
aquela de Petitot (1985b), pode ser explorada a partir
das pesquisas do filósofo fenomenólogo Etienne Bim- Para esse intento percorre ampla literatura e co-
benet. Em seu sugestivo livro O animal que não sou menta as narrativas sobre a antropogênese, reconhe-
mais (2014 [2011]), ele oferece-nos precioso material cendo preliminarmente verdadeiras rupturas ou re-
de reflexão para um belo debate em que a semiótica voluções científicas atuais, proporcionadas: (i) pelos
pode ser convidada a entrar. Para contextualizar seus avanços da biologia molecular, que asseguram dados
argumentos, o filósofo convoca um panteão de especia- impressionantemente próximos do patrimônio heredi-
listas sobre as “grandes narrativas” da antropogênese, tário e código genético entre animais e entre animais e
isto é, sobre a longuíssima história da hominização, homens; (ii) pelo avanço das ciências cognitivas, sobre-
tanto quanto da humanização. tudo a etologia cognitiva, para as quais os fenômenos
Bimbenet se coloca como desafio uma “experiên- mentais são integralmente fenômenos naturais; (iii) pe-
cia de pensamento”, para examinar a fundo, tendo los avanços da primatologia, que apregoam uma linha
em mãos a metodologia da filosofia fenomenológica, de continuidade não apenas entre os comportamentos
a questão de nossa origem animal, de nosso passado animais e humanos, mas também a continuidade no
animal, enfim, de nossa proveniência natural: conjunto dos processos cognitivos que subjazem a tais
comportamentos – “o homem é um vivente tão super-
Ninguém hoje em dia conseguiria retornar aquém do evo- lativo quanto o queiramos, mas suas performances,
lucionismo, salvo jogando a convicção contra as provas,
as mais excepcionais, são ainda nele performances da
a solidão contra a argumentação ou ainda a autoridade
da fé contra a autoridade dos fatos [. . . ]. O homem é, vida” (Bimbenet, 2014, p. 12-13) ; (iv) pelos avanços so-
da cabeça aos pés, um ser vivente, eis o que existe de bretudo da paleoantropologia, ciência da hominização,
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Luiz Tatit, Waldir Beividas
que nos apresenta uma história contada aos milhões e todos os desdobramentos que disso decorre. Suas
de anos para culminar no homo sapiens, levando com reflexões ignoram o princípio semiológico, vital, da arbi-
segurança cada vez maior ao abandono definitivo da- trariedade do signo, para a construção do mundo como
quilo que Schaeffer (2007) tematiza como o fim da referente internalizado à linguagem e tudo o que isso
exceção humana. Em suma, segundo Bimbenet, tais possa significar na fenomenologia da vivência lingua-
avanços se fundam num pressuposto metodológico geira do homem. Saussure é enfim o grande ausente,
universal: o homem pode ser um animal singular, mas na sua experiência filosófica de pensamento, mesmo a
ele se explica como os outros – expressão que empresta despeito do interesse que lhe adscreveu Merleau-Ponty
de Wolf (2010, p. 150). em vários dos seus textos fundamentais (1960; 1969).
Com essa plataforma de revoluções científicas Bim- E esta ausência se torna comprometedora justo
benet discute as grandes narrativas da hominização quando Bimbenet tem de reunir argumentos para con-
(2011, p. 49-89): (i) a narrativa antropogênica da “pos- testar, por exemplo, um de seus interlocutores, no
tura erecta”, de há muito já tematizada desde a filosofia caso Sokolowski, pelo modo como este acaba vitimado
aristotélica; (ii) a narrativa da antropologia filosófica, por um “realismo” implícito não questionado. Qual
a tematizar o homem como “ser de falta”; (iii) a narra- seja, Bimbenet critica nesse pesquisador o fato de fun-
tiva da antropologia de Lévi-Strauss, da passagem do dar a força antropogênica da linguagem na predicação
estado da natureza ao da cultura, em que sobressai, – atitudes proposicionais e julgamento –, o que, ao
como epicentro, a interdição do incesto. Tais gran- ver do fenomenólogo, seria “confeccionado sob medida
des narrativas são conduzidas, na verdade a preparar por uma apofântica: um objeto somente pode aparecer
terreno, para justificar a inclusão e desdobramentos para mim se eu posso dizer algo dele e determiná-lo
de uma “narrativa fenomenológica” (Bimbenet, 2011, predicativamente” (Bimbenet, 2014, p. 209).
p. 91-121). Arquitetada em solo merleaupontiano e O realismo desse modo de proceder sobressai
heideggeriano, tal narrativa vai lhe permitir estabele- quando se reconhece que, ao declarar que “uma mu-
cer um corte diferencial profundo entre a percepção lher é bela” ou que “o que vemos é uma zebra”, isso já
animal (2011, p. 123-152) e a percepção humana (p. significaria que colocamos “o objeto antes do sujeito”.
153-204). É esse o corte da diferença antropológica Noutros termos, “eu realizo a revolução antropológica
que resulta no animal que não mais sou. É a “rup- que toma o mundo, e o que nele aparece, como fonte de
tura abissal” entre homem e animal, referendada a validade dos meus diferentes comportamentos” (Idem,
expressão no pensamento de Derrida (2007, p. 52-53). ibid.). Esse tipo de atitude, segundo Bimbenet, nada
No que concerne diretamente ao campo linguageiro mais é do que conferir um “estatuto excepcional” a
da semiótica, é alentador verificar seu estudo dedi- um “agente de verdade” inscrito implicitamente e de
car dois capítulos à linguagem, um à linguagem hu- antemão na realidade. A realidade se torna fonte pri-
mana propriamente dita, e outro à confrontação entre meira, “definida então como fonte de direito para o
a linguagem humana e a linguagem animal (Bimbe- conhecer [. . . ]; pressupomos a própria autoridade do
net, 2014, p. 205-242). É também alentador vê-lo mundo, enquanto que justamente seria preciso tentar
examinar a possibilidade de que a linguagem possa de- deduzi-la” (p. 210). E completa, por fim: “uma razão
sempenhar, na longa história da antropogênese, “uma que se contenta da autoridade do real para fazer valer
função antropologicamente mais englobante que o co- seus próprios direitos é uma razão preguiçosa, que
nhecimento ou a troca de informações” (p. 205). Reco- omite estabelecer a gênese da autoridade enquanto
nhece e endossa autores para os quais “a linguagem tal” (p. 210). Assim colocadas as coisas – um real
humana marca um verdadeiro corte (um “Rubicão”) hipostasiado como “o real”, autossuficiente –, a atitude
entre ela e o que a precede” (Bimbenet, 2014, p. 209). realista acaba por se revelar um dogmatismo que “im-
Referencia-se mormente nas definições de Husserl, e pede a compreensão de sua própria gênese” (Bimbenet,
seus influenciados (D. Davidson, R. Sokolowski), em 2014, p. 318). Para se contrapor a tal realismo, o fe-
definições neurolinguísticas (D. Bickerton). Explora nomenólogo dá as pistas corretas: “não há um mundo,
sobremaneira a questão da predicação, da topicaliza- já objetivo, mas a objetivação do mundo, do qual a
ção, tema e rema, no âmbito da filosofia da linguagem, linguagem se faz inevitavelmente preceder” (p. 214).
da gramática gerativa Noam Chomsky e de adeptos (P. É justamente aqui que se vai notar a ausência do
Reynolds, J. Bruner). Reserva até mesmo um lugar, “ponto de vista” saussuriano da linguagem e dos des-
não obstante modesto, às observações, digamos para- dobramentos que ele teve na semiótica narrativa de
linguísticas, de Émile Benveniste, quando comenta a Greimas. Retomemos a questão: Bimbenet constrói ao
linguagem das abelhas. longo de seu trajeto investigativo uma narrativa feno-
Nota-se nitidamente, porém, que suas referências menológica que busca legitimar o corte ou “diferença
sobre a linguagem ignoram completamente o advento antropológica” radical na descomunal distância entre
da teoria saussuriana da linguagem e as proposições a percepção animal e a percepção humana. Assume
radicais dele sobre a natureza do signo linguístico que aquela, a percepção animal, por mais sofisticada
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estudos semióticos, vol. 14, no 1 — março de 2018 (edição especial)
que possa parecer, segundo a diversidade dos animais humana nessa antropogênese.
e dos seus meios, não ultrapassa o limiar de um fas- O ponto de vista saussuriano é inusitado perante a
cínio vital, funcionalmente ancorado no instinto de filosofia analítica, filosofias da mente, e mesmo perante
sobrevivência – um animal “pobre de mundo” (p. 94), a filosofia fenomenológica. A Semiologia de Saussure,
referência importada de Martin Heidegger. Assume o ato arbitrário de fundação do signo, que cria os obje-
igualmente que esta, a percepção humana, tem es- tos do mundo como referentes imanentes à linguagem;
tatuto infinitamente superior e outro por relação ao o ato semiológico que funda a linguagem do ser fa-
animal, dada a “multiplicidade perspectiva” (p. 153- lante e que o fará conceber o mundo sob a égide da
180) que a faz alçar ao topo de um “tribunal do mundo” linguagem; esse ato, que um de nós propõe nomear
(p. 181-204). de semiocepção 2 , e que vai-lhe guiar tudo o que na
O que Bimbenet deixa no entanto escapar, segundo tradição milenar das filosofias e secular das psicologias
nosso entendimento, é o fato de que a melhor estratégia e das etologias atuais se caracteriza como percepção,
para contrapor-se ao realismo (criticado) é assumir a esses dados todos não são triviais a ponto de tal teoria
primazia da linguagem perante o que a fenomenologia permanecer desconhecida no rol das grandes narrati-
tradicionalmente propõe como primazia da percepção, vas da antropogênese humana. Está em branco ainda
no caso humano. É por isso que ao semioticista soa ab- o capítulo de uma narrativa semiológica ou semiótica
surda a declaração do mesmo fenomenólogo, segundo nessa longuíssima história antropogênica e nos deba-
a qual “não há nada no dizer que possa enriquecer o tes que se fazem dela. Haveria boas razões para incluir
ver, aquele que fala vê a mesma coisa que se não fa- no concerto dos motivos da evolução da antropogê-
lasse” (Bimbenet, 2014, p. 252, grifo nosso). Ora, é de nese aquele da presença e da ação da linguagem no
se perguntar: qual pode ser a “coisa” a ser vista por um mundo humano. Talvez seja o elemento fundamental
humano sem a linguagem? De que modo uma eventual que possa explicar com maior legitimidade a diferença
percepção ante-linguageira seria capaz de fazer-nos antropológica radical que faz com que não sejamos
ver alguma “coisa”? Lembremos, primeiramente, que mais o animal que (certamente) o fomos.
“coisa” é um signo linguageiro, como qualquer outro,
submetido às mesmas leis da arbitrariedade das lin- Referências
guagens, apenas hiperonímico perante os outros. Em
seguida, o grande paradoxo ronda: penetrar na cabeça Beividas, Waldir
de um humano sem nenhuma linguagem e tentar ver 2003. Corpo, semiose, paixão e pulsão. Semiótica e
que “coisa” ele vê é tão impossível como querer ver o metapsicologia. Perfiles Semióticos. Mérida (Venezu-
mundo tal qual um morcego, um gato, ou qualquer ou- ela): Ediciones del Rectorado, p. 43-61.
tro animal. Nota-se, pois, o próprio Bimbenet resvalar
no realismo criticado: o real volta a ser hipostasiado Beividas, Waldir
como já estando lá, a ser visto como “coisa” por um 2014. Una epistemología discursiva en construcción:
falante ou não falante, de igual modo. la teoría semiótica inmanente entre la percepción y la
Por outro lado, Bimbenet reivindica, com razão, que semiocepción. La inmanencia en cuestión I. Tópicos
a filosofia da mente – que paira como referência quase del Seminario. Revista de Semiótica n. 31. Puebla:
exclusiva nas investigações dos etólogos, dos primató- Benemérita Universidad Autónoma de Puebla, p. 139-
logos e psicólogos do desenvolvimento – não pode ser a 159.
única “a instruir a questão antropológica” (Bimbenet,
2014, p. 36). Seu estudo porta o grande mérito de Beividas, Waldir
preencher um vácuo de reflexões filosóficas sobre o 2016. La sémioception et le pulsionnel en sémioti-
tema da relação, ou da distância, homem/animal, sob que. Pour l’homogénéisation de l’univers thymique.
a perspectiva da fenomenologia de base husserliana, Actes Sémiotiques, n. 116 (en ligne). Disponible sur:
heideggeriana e merleau-pontiana. Em vista disso, http://epublications.unilim.fr/revues/
podemos deduzir, igualmente, que falta no coral das as/5613.
grandes narrativas da antropogênese o timbre da voz
de uma narrativa semiótica, de base saussuriana e Beividas, Waldir
greimasiana, para o advento do homem, bem como 2017. La sémiologie de Saussure et la sémiotique de
do advento do sentido ao mundo, narrativa que se Greimas comme épistémologie discursive. Une troisième
decide com a presença e ação excedente da linguagem voie pour la connaissance. Limoges: Lambert-Lucas.
2
O conceito de “semiocepção” foi proposto inicialmente em Beividas (2003) e vem sendo elaborado paulatinamente desde então (cf.
Beividas, 2014, 2016 e, sobretudo, 2017: 171-235). Derivada do ato semiológico – radicalmente arbitrário – do signo, a semiocepção dirige a
percepção que o homem possa ter do mundo e de si próprio. É reivindicada como tendo primazia perante a percepção mesma. No caso
humano, o semiológico se antecipa e se impõe ao fenomenológico. Noutros termos, a fenomenologia da vivência humana é de ponta a ponta
semiológica: ouvimos, vemos e sentimos o que a paleta de signos, armados em discurso por nossa linguagem, impregna em nós através da
aprendizagem das linguagens (a língua materna, por excelência, e as demais linguagens, por abrangência).
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Luiz Tatit, Waldir Beividas
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Dados para indexação em língua estrangeira
Abstract: Having been the epicenter of Algirdas Julien Greimas’ reflections on Semiotics since its origins, the
narrativity is here investigated in three propositive directions: (i) To understand the implicit tensivity in the
Greimasian narrative model, from Claude Zilberberg’s heuristic proposals; (ii) to incorporate into narrativity –
conceived as the anthropology of human imaginary – the thymic-drive regime, as defended by Jean Petitot; (iii)
to suggest the entry of semiotics point of view into the debate over the “great stories of anthropogenesis” – such
as the scientific-evolutionary narratives of human species, the humanist narratives of the “human exception”,
the phenomenological narrative of “anthropological difference”, among others – to instruct such debate with the
proposal of a “semiological narrative” that evidences the fundamental presence and action of language in this
anthropogenesis.