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SE MI ÓT I C A
À LUZ DE
GUIMARÃES ROSA
S emiótica à L uz de G uimarães R osa
L uiz T atit
S emiótica à L uz de
G uimarães R osa
Copyright © 2010 by Luiz Tatit
Tatit, Luiz
Semiótica à Luz de Guimarães Rosa /
Luiz Tatit. – São Paulo: Ateliê Editorial, 2010.
isbn: 978-85-7480-492-7
Bibliografia.
1. Crítica literária 2. Rosa, Guimarães, 1908-
-1967 – Crítica e interpretação 3. Semiótica e
literatura I. Título.
Direitos reservados à
Ateliê Editorial
Estrada da Aldeia de Carapicuíba, 897
06709-300 – Granja Viana – Cotia – SP
Telefax: (11) 4612-9666
www.atelie.com.br / atelie@atelie.com.br
2010
Nota Introdutória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1. Estamos nos referindo aos estudos pioneiros realizados por Claude Zilberberg desde
a década de 1980, cuja síntese mais completa encontra-se em sua obra de 2006b.
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nota introdutória
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3. Lançado em 1987 na França, esse último trabalho exclusivo de Greimas já ganhou ver-
são brasileira (Da Imperfeição, 2002) à qual nos reportaremos ao longo deste volume.
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nota introdutória
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nota introdutória
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1. O D estinador T ranscendente –
“N ada e a N ossa C ondição ”
I ntrodução
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o destinador transcendente – “nada e a nossa condição”
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PENSAR
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o destinador transcendente – “nada e a nossa condição”
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2. Instância em que o sujeito desenvolve o seu percurso narrativo em busca dos valo-
res já devidamente avaliados na instância transcendente pelo destinador (Greimas e
Courtés, 2008: 255).
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5. Greimas teria dito que enquanto a filosofia prossegue em sua busca do “sentido do
ser”, à semiótica caberia apenas conceber o “ser do sentido” (leia-se: seu processo de
construção).
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O C aminho de V olta
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R eta F inal
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6. Significando “terreno próprio para o cultivo” ou “terra em que se nasce” (cf. Dicio-
nário Houaiss), o termo “gleba” mantém a isotopia da abertura mesmo ao se referir a
um recinto sepulcral (observação que nos foi assinalada por José Miguel Wisnik).
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o destinador transcendente – “nada e a nossa condição”
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2. A V erdade E xtraordinária –
“A s M argens da A legria ”
R elatos E pifânicos
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C ontrato E missivo
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a verdade extraordinária – “as margens da alegria”
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2. Essa é uma das teses defendidas por G. Bachelard no volume intitulado A Dialética
da Duração.
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a verdade extraordinária – “as margens da alegria”
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3. Eric Landowski desenvolve essa ideia no texto “De l’Imperfection, o Livro do Qual
se Fala”, publicado na seção final da versão brasileira do famoso volume do fundador
da semiótica (Greimas, 2002: 125-150).
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realização virtualização
atualização potencialização
do destinador do antissujeito
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V erdade E xtraordinária
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E feito de E ternidade
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plenitude incompletude
(realização) (virtualização)
falta perda
(atualização) (potencialização)
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V alores - limite
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realização virtualização
atualização potencialização
do antissujeito do destinador
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nos outros sujeitos, confiança essa que lhe assegurava na vida o re-
conhecimento de uma “verdade extraordinária”, e de tudo que isso
podia trazer de paz e “eternidade” à sua existência: “Tudo perdia a
eternidade e a certeza; num lufo, num átimo, da gente as mais belas
coisas se roubavam. Como podiam? Por que tão de repente? Sou-
besse que ia acontecer assim, ao menos teria olhado mais o peru –
aquele. O peru – seu desaparecer no espaço. Só no grão nulo de um
minuto, o Menino recebia em si um miligrama de morte”.
Se a eternidade define-se pelo encontro iterativo com a ver-
dade extraordinária e, portanto, por sua permanência num siste-
ma de presença em que se alternam breves períodos de alta densi-
dade (atualização → realização) com médios ou longos períodos
de pouca densidade (potencialização → virtualização), a morte
define-se justamente pela supressão desse sistema, o que, em ter-
mos narrativos, representaria a vitória total do antissujeito.
Mas não é “morte” em seu sentido absoluto de interrupção
definitiva de uma trajetória a noção que predomina na maior parte
na obra de Guimarães Rosa. Bem mais importantes para o autor
são os seus indícios disseminados ao longo da vida (ou dos textos),
em forma de “oclusão”, “parada”, “resistência antagonista” ou, em
duas palavras, em forma de valores remissivos. Trata-se, na verdade,
de um movimento recíproco entre o todo e suas partes. A morte
fragmenta-se em pequenas doses (“miligramas”), mas, ao mes-
mo tempo, por obra dessas experiências descontínuas pontuais, o
sujeito vai tomando consciência de que há uma descontinuidade
suprema e inexorável para a qual, em última instância, tudo se en-
caminha. Em “As Margens da Alegria”, ao se dar conta da ausência
do peru e do grau de contundência que pode adquirir a atuação
do antissujeito, o Menino tem o seu primeiro aprendizado sobre a
morte: “descobria o possível de outras adversidades”.
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R evelação do D estinador
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C onclusão
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3. O E ncontro do R itmo –
“O s C imos ”
I ntrodução
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forto e bem-estar (“o Tio disse que ele não devia se agarrar com tão
tesa força, mas deixar o corpo no ir e vir dos solavancos do carro”
– grifo nosso).
Mas a estratégia do Tio colide com a do Menino que não vê
segurança alguma na descontração. Seria deixar às forças antago-
nistas um ponto expugnável. Único aspecto da argumentação do
parente que lhe cala fundo é a possibilidade de ele também ser aco-
metido por uma doença grave, caso se mantenha invulnerável aos
estímulos externos. Sua preocupação com a tal doença é de ordem
extensiva: “como ia ficar, mais longe da Mãe, ou mais perto?”
Esse espaço transitório, das indefinições, é o domínio cons-
tante de sua atual existência subjetiva. Do ponto de vista narrati-
vo, o Menino é um “soldado” que perdeu contato com a base e se
sente à deriva (sem direção), apenas se esquivando, para ganhar
tempo, das investidas do antissujeito. Nada lhe parece ter sentido
enquanto não restabelecer a conexão com o destinador.
Mas a vivência dessa fase passageira, em que se encontra ao
sabor dos acontecimentos, é um constante ir e vir entre sonho
e realidade, entre “não-estar-mais-dormindo e não-estar-ainda-
-acordado”, que lhe permite “receber” pensamentos bastante im-
prováveis em sua faixa de idade (“feito ele estivesse podendo co-
piar no espírito ideias de gente muito grande”). E suas indagações
incidem justamente sobre a apreensão dos acontecimentos: “que
a gente nunca podia apreciar, direito, mesmo, as coisas bonitas ou
boas, que aconteciam. Às vezes, porque sobrevinham depressa e
inesperadamente, a gente nem estando arrumado. Ou esperadas,
e então não tinham gosto de tão boas, eram só um arremedado
grosseiro. Ou porque as outras coisas, as ruins, prosseguiam tam-
bém, de lado e do outro, não deixando limpo lugar. Ou porque
faltavam ainda outras coisas, acontecidas em diferentes ocasiões,
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ocorrência sem que lhe seja acrescentada lentidão, só pode ser en-
tendido “com o coração”, concebe o Menino mais à frente.
Do mesmo modo, é com o coração que decide se reaproxi-
mar da Mãe simulando sua sanidade física e negando qualquer
opinião contrária: “Dentro do que era, disse, redisse: que a Mãe
nem nunca tinha estado doente, nascera sempre sã e salva!” Sem
dar atenção às notícias objetivas, o filho aplica-se na reconstru-
ção do “lugar” materno em seu íntimo, como se disso dependesse
a continuidade de sua própria vida. Refaz o actante para esperar
o retorno do ator. Os sinais desse gesto já apareceram anterior-
mente na hipertrofia conjuntiva que, em passagem já comentada,
o Menino lamentava não ter cultivado: “Soubesse que um dia a
Mãe tinha de adoecer, então teria ficado sempre junto dela, es-
piando para ela, com força, sabendo muito que estava e que es-
piava com tanta força, ah”. Acrescentando mais ao mais conjun-
tivo (“mais do que se estivessem juntos, mesmo, de verdade”), ele
imaginava que poderia ter assegurado melhores condições para o
encadeamento dos bons acontecimentos.
Por outro lado, sua incansável vigília contra as “coisas ruins”
que, segundo a razão 3, caminham em sincronia com as boas, tinha
o intuito de reduzir o campo de ação do antissujeito ou, pelo me-
nos, retirar um pouco de sua potência igualmente vigorosa. Enfim,
fortalecendo o elo com o destinador, nosso herói aumenta o grau
de conjugação das coisas que concorrem para uma apreciação ple-
na do acontecimento (razão 4); ao mesmo tempo, mantendo-se
atento às táticas traiçoeiras das “coisas ruins” (“Enquanto a gente
brincava, descuidoso, as coisas ruins já estavam armando a assa-
nhação de acontecer”), consegue de algum modo frear suas atua-
ções e retirar um pouco de sua força de ocupação de espaço (me-
nos mais). Entre a exacerbação dos elos afetivos e a atenuação da
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T eoria do “F az de C onta ”
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o seu objeto maior, nosso herói “faz de conta”5 que sua Mãe
está presente na função de destinador e reativa essa categoria ao
menos para avalizar breves programas narrativos – talvez pro-
gramas de uso –, desses que permitem apreciar as coisas boas
nos intervalos entre tempos, espaços e forças. Já descrevemos,
em diversas passagens, a ginástica que o personagem principal
executa para reunir as condições de apreensão do acontecimen-
to milagroso no hiato entre os estados claramente definidos.
Acrescentemos, agora, que esse esforço produz, na verdade,
uma narrativa de mão dupla, na qual apenas ele, o Menino, se
estabiliza na categoria do sujeito.
Na primeira orientação, um simulacro da presença materna
– obtido a partir dos numerosos ajustes de intensidade e exten-
sidade elaborados pelo Menino desde o início de sua viagem à
“grande cidade” e por ele mantido mediante rigorosa vigilância
contra as ações antagonistas – permite-lhe contemplar o Belo (o
fascinante tucano), com alegria, num lapso de tempo reduzido.
Ou seja, no jargão semiótico, um destinador, ativo do ponto de
vista sintáxico (mas contendo apenas a sombra do ator), desen-
cadeia a ação (ou inação) de seu destinatário-sujeito (o Menino)
que se resume numa fruição emocionada do valor (a beleza) de
seu objeto (o tucano). O encontro desse objeto é um sinal evi-
dente de que os pontos vitais do programa narrativo (destinador/
destinatário-sujeito) estão despertos e atuantes para garantir o
êxito da experiência-limite descrita pelo enunciador.
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“Ainda que relutasse, não podia pensar para trás. Se queria atinar
com a Mãe doente, mal, não conseguia ligar o pensamento, tudo
na cabeça da gente dava num borrão”.
Cada nova aparição da ave e, em seguida, do sol, nos horá-
rios precisamente demarcados, reforça a crença e a premonição
do filho de que “a Mãe tinha de ficar boa, tinha de ficar salva!”
Se, por fim, a hipótese da salvação materna é confirmada, num
contexto mítico em que o crer vale muito mais que o saber, isso
não se deve apenas à encenação figurativa do milagre, pela qual
as forças que vêm das alturas e de um clarão luminoso atendem
ao forte desejo do Menino, mas sobretudo ao minucioso trabalho
de ajuste tensivo e de precaução narrativa por ele desenvolvido
desde o início da novela. Essa palavra, “trabalho”, transferida
metaforicamente ao pássaro tem a função de definir a segunda –
e principal – orientação narrativa: destinador (tucano) → sujeito
(Menino) → objeto (Mãe).
Mas o Menino intui que o êxito desse programa narrativo
principal depende da recorrência sistemática do programa au-
xiliar, cuja configuração básica – destinador (valores associa-
dos à Mãe) → sujeito (Menino) → objeto (tucano) – pressupõe
um “faz de conta” atorial, suficiente para manter ativa a sintaxe
actancial. Esse remanejamento recíproco de atores nas funções
de destinador e objeto só é possível quando há forte identidade
dos valores cultivados em ambos os polos. Nesse caso, as articu-
lações figurais dos “cimos” (altitude, leveza, luminosidade) po-
dem ser condensadas tanto na figura da ave como na figura da
Mãe. Portanto, reforçar uma das orientações já significa de algum
modo reforçar a outra. Apreciar a beleza do pássaro é alimentar o
pressentimento da presença materna.
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plenitude incompletude
(realização) (virtualização)
falta perda
(atualização) (potencialização)
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7. Eric Landowski propõe, nessa linha, uma interessante formulação para o conceito
de “hábito”: “O hábito é justamente esse processo de entrar em relação com a pre-
sença imediata do outro e, ao mesmo tempo, o meio de acesso ao sentido cultivado
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na interação com os próprios elementos que definem sua alteridade. É por esse
motivo que, em vez de privar o objeto de sua novidade, ele [o hábito] a renova
do seu interior, como o efeito do ajuste entre as duas forças vivas e recíprocas que
caracterizam a relação entre o sujeito e o seu outro” (2004: 157).
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P or F im , o R itmo
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4. P ráticas I mpregnantes –
“A T erceira M argem do R io ”
P reliminares T ensivas
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práticas impregnantes – “a terceira margem do rio”
P ráticas U tilitárias
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P ráticas I mpregnantes
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ficante valem mais por sua recorrência cênica do que pela pro-
gramação sintagmática que eventualmente pudessem adquirir ao
longo dos anos: a “estranheza” da “verdade”, que se resumia em
“permanecer naqueles espaços do rio” para sempre, alimenta-se
justamente da manifestação intervalada da mesma ocorrência.
Por isso, a gestualidade produzida pelo pai jamais se desse-
mantiza em função de um projeto geral de significado nem se
individualiza como se fosse expressão autônoma. Ela compõe o
que arriscamos denominar “acontecimento extenso”, aquele que
só se realiza plenamente ao cabo de numerosas ocorrências do
mesmo gesto ou do mesmo fenômeno1. Os significantes que sus-
tentam esse tipo especial de evento decorrem de práticas impreg-
nantes, ou seja, de atos que se somam no campo de percepção do
sujeito comprometendo sua capacidade de dar respostas parciais
a cada um deles. No caso em pauta, as aparições longínquas do
homem na canoa representam etapas do mesmo fenômeno que
vão impregnando a mente do filho, intensificando o seu espanto,
à maneira de um acontecimento que demora a acontecer plena-
mente. O efeito de todo esse processo é semelhante ao do acon-
tecimento inesperado que surpreende o sujeito e lhe rouba mo-
mentaneamente a capacidade de reagir. Como se trata, porém,
de um acontecimento extenso, prolongado, o efeito do impacto
também tende a permanecer e, até mesmo, a recrudescer em vir-
tude das novas ocorrências.
Sentindo-se penetrado por um acontecimento que não se
consuma, mas que lhe consome o mundo subjetivo, o filho re-
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se desvenda aos seus olhos: “Pai, o senhor está velho, já fez o seu
tanto… Agora, o senhor vem, não carece mais… O senhor vem,
e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo
o seu lugar, do senhor, na canoa!”.
Pela primeira vez, desde que se lançou à experiência de estar
no rio para sempre, “nosso pai” ouve uma resposta afinada com
sua decisão de vida, sem as costumeiras tentativas de dissuadi-lo
da empresa. Pela primeira vez, também, parece tomar consciên-
cia de que seu gesto se impôs, não mais como acontecimento ex-
traordinário, efêmero por natureza, mas sim como atuação regu-
lar, própria de uma outra dimensão de existência. Com a resposta
do filho a tudo que se passara anteriormente, pode-se considerar
encerrado o ciclo do longo acontecimento e aberta a passagem
para um novo cotidiano.
O que o filho não previa, porém, era a prontidão da resposta
do pai à resposta que levara décadas para conceber. O velho rea
ge como se já esperasse que, em algum momento de sua longa
experiência sobre as águas, o enunciador compreendesse o seu
gesto e se aliasse à missão de “permanecer naqueles espaços do
rio” como seu sucessor natural. Nesse sentido, o apelo citado an-
teriormente não lhe causa o mesmo espanto paralisante – nem
intenso nem extenso – que teria caracterizado o comportamento
do filho durante todo o episódio. Ao contrário, na condição de
mensagem esperada, aquelas palavras penetram com moderação
no mundo subjetivo do canoeiro sem provocar qualquer desar-
ranjo em sua capacidade de pensar. Isso equivale a dizer que seu
tempo e espaço interiores não sofrem o impacto desnorteante
das ações inesperadas nem a subtração progressiva das ações im-
pregnantes, e, desse modo, preservam a faculdade de assimilação
dos conteúdos, bem como de preparação quase imediata de nova
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2. Sobre o “ajuste dos hábitos”, ver texto de Eric Landowski já citado à página 98, nota 7.
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A juste T ensivo
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5. Q uando o S er É S ubstância –
“ S ubstância ”
I ntrodução
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aceleração Sionésio
andamento
Maria
Exita
desaceleração
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O perações C oncessivas
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P lenitude C onjuntiva
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6. A E xtinção que não se A caba –
“N enhum , N enhuma ”
I ntrodução
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P otencialização
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a extinção que não se acaba – “nenhum, nenhuma”
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I mutabilidade
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C rença na F ábula
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P ercurso A ntagonista
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do é que veio a mim, como uma nuvem, vem para ser reconhecido:
apenas, não estou sabendo decifrá-lo”. O passado lhe chega como
uma nuvem e “as nuvens são para não serem vistas”, de acordo
com o pensamento enunciativo que sucede a caracterização do
silêncio do Homem velho.
O enunciador vislumbra com nitidez os pontos tônicos de
sua memória, mas se aflige quando vê se desfazerem os elos que
lhes dão coerência numa espécie de névoa escura difícil de dissi-
par (“Cerra-se a névoa, o escurecido, há uma muralha de fadiga”).
O seu trabalho se assemelha ao do psicanalista que “inventa”
uma ordem para dar consistência ao discurso aparentemente
atabalhoado do paciente. Mas como ambas as funções residem
no mesmo ator, com todas as formas de “esconde-esconde” (su-
blimações, resistências etc.) que isso implica, o sujeito debate-
-se contra si mesmo (“Luta-se com a memória”), mostrando-se
às vezes vencido pelo cansaço, às vezes recuperado para traçar
novos vínculos (“é uma ponte, ponte”). No primeiro caso, sen-
te os efeitos de um encolhimento afetivo e cognitivo, processo
descendente que pode levar à extinção; a viagem do Menino ao
lado do Moço (“Falido, ido”) e seu reencontro final, claramen-
te decepcionante, com os pais, constituem representações fiéis
desse esgotamento contínuo do mundo subjetivo. No segundo,
sente-se capaz de restabelecer o sentido global de suas experiên-
cias, a partir das conexões entre lembranças avulsas, e de expan-
dir consideravelmente o seu mundo interior; a árdua restau-
ração da memória empreendida pelo enunciador durante toda
a história ilustra o movimento ascendente de conquista desse
saber, processo que contribui para a neutralização das ações do
antissujeito. O cruzamento das direções com os pontos de vista
pode ser assim resumido:
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DIREÇÕES
ascendente descendente
PONTOS DE VISTA
narrativo (actancialização) sujeito antissujeito
existencial (potencialização) lembrança esquecimento
modal (cognição) saber ignorar
temporal (imutabilidade) para sempre nunca mais
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P ercurso do S ujeito
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a extinção que não se acaba – “nenhum, nenhuma”
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semiótica à luz de guimarães rosa
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a extinção que não se acaba – “nenhum, nenhuma”
E pílogo
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semiótica à luz de guimarães rosa
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a extinção que não se acaba – “nenhum, nenhuma”
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R eferências B ibliográficas
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Título Semiótica à Luz de Guimarães Rosa
Autor Luiz Tatit
Editor Plinio Martins Filho
Produção editorial Aline Sato
Capa Tomás Martins
Editoração eletrônica Daniela Fujiwara
Formato 14 × 21 cm
Tipologia Minion
Número de páginas 189