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Ti, o pica-pau avisador

Antigamente, quando o senhor Santo Ildefonso andava por aqui fazendo os trabalhos de Deus
na Terra, ficava temeroso de que acontecesse alguma coisa aos filhos quando estivesse longe.
Por isso, encarregou o pica-pau Ti de ficar tomando conta deles e avisá-los dos perigos.

O passarinho passou a fazer isso muito bem. Por qualquer coisa, voava para junto dos
meninos, pousava no ombro de um deles e cantava:

— Ti-ti-ti-ti...

Eles já sabiam. O passarinho não estava só dizendo seu nome. Estava era avisando de algum
risco. Então, tomavam cuidado e se defendiam. Por isso, nunca tinham problemas.

Santo Ildefonso ficou muito satisfeito. Para recompensar o passarinho Ti, fez que ele tivesse
uma plumagem bonita. E também o ajudou para que nunca lhe faltasse comida. Ensinou-o a
bater com o bico na casca das árvores, cavando buraquinhos para poder pegar as lagartas e
outros insetos que se escondessem lá dentro.

Então, o passarinho passava os dias nas árvores apanhando comida para os filhotes:

— Toque-toque-toque...

Mas, quando era preciso avisar os filhos de Santo Ildefonso, já se sabe. O pássaro Ti ia lá,
pousava no ombro de um deles e cantava:

— Ti-ti-ti-ti...

E eles se preveniam contra os problemas.

O pica-pau fazia seu trabalho tão bem que o santo resolveu ser generoso e dividir os avisos de
perigo com todo mundo. Disse ao passarinho:

— Ti, você agora fica encarregado de voar por perto das estradas e veredas, avisando aos
caminhantes quando houver algum perigo. Assim, eles podem se cuidar.

O pássaro Ti passou a fazer isso, sempre muito bem. Pousava no ombro de quem passava e
cantava:

— Ti-ti-ti-ti...

Era só o caminhante tomar cuidado e não acontecia nada de mal.

Mas os filhos do senhor Santo Ildefonso não gostaram nada da novidade. Não queriam dividir
com ninguém os avisos do pica-pau. Por isso, um dia, quando Ti chegou, os meninos cuspiram
nele.

O passarinho voou até a casa onde estava Santo Ildefonso e contou:

— Senhor santo, veja só o que seus filhos me fizeram. Maltrataram-me e cuspiram em mim. E
cuspe de gente deixa passarinho manchado. Olhe só como minhas penas ficaram todas
salpicadas de saliva.

Santo Ildefonso olhou e disse:


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— Não posso fazer nada para consertar sua plumagem. Mas vou castigar meus filhos. De hoje
em diante, eles não vão mais se livrar de nenhum perigo e vão ter muitos problemas. E você
pode cuidar só da sua vida e de seus filhotes. Nunca mais precisa avisar ninguém de nada.

Por isso, até hoje, o pica-pau Ti tem as penas bonitas, mas sarapintadas. E sabe muito bem
procurar comida debaixo da casca das árvores.

Por isso, também, as pessoas correm riscos e têm problemas. Mas, às vezes, o passarinho se
lembra de seus tempos de avisador e canta, embora nunca mais tenha pousado no ombro de
ninguém. E até hoje, pelas estradas de Chiapas, o caminhante atento e devoto toma cuidado
quando ouve o pica-pau Ti no meio de uma viagem, pois sabe que pode ter contratempos pelo
caminho.

Conto inspirado numa lenda do povo tzeltal, de Chiapas,


no México, adaptado por Ana Maria Machado
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Como utilizar o texto em sala de aula

Rico em recursos visuais e lingüísticos, o conto que você acabou de ler pode ser um ótimo
instrumento didático. Quem dá a dica é Alice Vieira, professora de pós-graduação da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que se baseou no texto para
conceber duas versões de plano de aula. A primeira se dirige às séries do primeiro grau menor,
e a segunda, às turmas de sétima e oitava. Acompanhe as sugestões.

Para primeira a quarta série


Difícil, nessa fase, é prendera atenção das crianças. Para evitar dispersões, peça que
desenhem a história enquanto você faz a leitura do texto em voz alta. Com um detalhe: os
alunos não podem tirar o lápis do papel. Divertida, a atividade estimula a concentração e a
percepção da narrativa e possibilita melhor fluência de idéias. Experimente, depois, comparar
os desenhos. Haverá, com certeza, diferenças e semelhanças interessantes entre as releituras.
Nas aulas de Educação Artística, ensine a turma a fazer origamis (dobraduras de papel)
inspirados em elementos do conto: pássaro, árvores, índios, meninos. Outra opção é dividir a
história em oito partes e a classe em oito grupos. Cada grupo deve desenhar um dos trechos
em cartolinas. Monte um mural com as "obras-primas" e a história ganhará lindas ilustrações.

Para sétima e oitava série


Aqui, a professora Alice Vieira sugere uma pesquisa sobre o povo tzeltal, de onde emergiu a
lenda do pica-pau avisador. Os tzeltals vivem até hoje em Chiapas, Estado mais pobre do
México, e sua população é composta por vários povos indígenas. Revoltados com a miséria da
vida rural, eles se organizaram contra o governo mexicano e fundaram, em 1994, o Exército
Zapatista de Libertação Nacional.

Os zapatistas são guerrilheiros que só aparecem em público usando máscaras negras de lã e


cujo líder, o subcomandante Marcos, se transformou na mais famosa lenda da região. O tema
rende boas discussões nas aulas de História, Geografia e Ética.

Nas aulas de Português, a proposta é trabalhar diferentes leituras do texto. Que tal fazê-lo num
estilo de narração de jogo de futebol, em ritmo de câmera lenta ou como se fosse um noticiário
jornalístico?

Se os alunos se empolgarem com essa última categoria, peça que simulem entrevistas
com os personagens da história: o pica-pau Ti, os caminhantes, Santo Ildefonso (600-
667, espanhol) e seus filhos ciumentos. Para arrematar a atividade, e aproveitando a
mensagem que a lenda oferece, organize um debate sobre o egoísmo. Depois, solicite
aos alunos um texto individual com o seguinte tema: "Como podemos combater o
egoísmo no mundo?"
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As três respostas

Na Inglaterra daquele tempo, vivia na corte do rei João um importante prelado, o abade de
Canterbury, tão vaidoso que um dia chegou a se vangloriar de ser mais rico e de ter um palácio
mais belo do que o próprio soberano. Quando essa notícia chegou aos ouvidos do monarca,
este ficou muito irritado e mandou convocar o prelado à sua presença.

O abade apressou-se a comparecer perante o rei, sem desconfiar da surpresa que o


aguardava. O rei João foi ríspido, dizendo que a gabolice do abade constituía crime de lesa-
majestade, punido com a pena de morte e o confisco dos bens do réu. O abade tremeu de
medo, jurando ser inocente e implorando o perdão real. E tanto suplicou que o rei João,
fingindo compadecer-se dele, disse que o perdoaria, se ele respondesse às três perguntas que
lhe faria em seguida.

— A primeira pergunta é a seguinte: assim como me vês, sentado no meu trono de ouro, com a
minha coroa na cabeça e o cetro na mão, dize-me quanto eu valho em dinheiro. A segunda
pergunta é: quanto tempo eu levaria a cavalo para fazer a volta ao mundo? E a terceira é: o
que eu estou pensando aqui e agora?

Assustado, o abade de Canterbury pediu ao rei João que lhe concedesse três dias para pensar
nas respostas. O rei, fazendo-se de generoso e certo de que o prelado jamais responderia às
suas perguntas, concedeu-lhe esse prazo.

O abade saiu apressado, consultou doutores, sábios e feiticeiros, mas ninguém soube
responder àquelas perguntas. Ao entardecer do terceiro dia, de volta ao seu palácio, cruzou
com o pastor do seu rebanho de ovelhas. Reparando no aspecto abatido do amo, o pastor lhe
perguntou qual a razão de tamanha tristeza. O abade, num desabafo, contou-lhe sua infeliz e
perigosa situação. E muito se surpreendeu ao ouvir do pastor uma estranha proposta.

— Acho que sei a solução para o seu caso. Repare que nós dois temos a mesma altura e o
mesmo porte. Se confiar em mim, eu me apresentarei amanhã em seu lugar perante o rei,
disfarçado em traje de monge. Se Deus quiser, acharei as respostas às três perguntas.

Como não tinha nada a perder, o abade concordou com o plano. No dia seguinte, o pastor,
encoberto pelo capuz do hábito do monge, apresentou-se ao rei João à espera das três
perguntas, que o monarca lhe fez em seguida, sem reconhecê-lo.

— Então, abade atrevido, responde-me sem hesitar: assim como me vês, sentado no meu
trono de ouro, com a minha coroa na cabeça e o cetro na mão, quanto eu valho em dinheiro?

— A resposta, disse o pastor disfarçado, é a seguinte. Nosso Salvador foi vendido por 30
moedas. Portanto, o vosso valor é 29 moedas, pois acho que Vossa Majestade concordará que
vale uma moeda menos do que Nosso Senhor.

— Não pensei que eu valesse tão pouco, sorriu o rei. Mas dize-me agora em quanto tempo
posso cavalgar em volta do mundo.

— Vossa Majestade, respondeu o falso abade, deve levantar-se ao nascer do dia e seguir
cavalgando atrás do Sol até a manhã seguinte, quando o astro nascer outra vez. Assim, sem
erro, terá dado a volta ao mundo em 24 horas.

— Nunca pensei, riu o rei, que a volta ao mundo pudesse ser feita tão depressa. Mas agora me
diga, abade, o que estou pensando neste exato momento?

— Vossa Majestade, respondeu o esperto pastor, pensa que está falando com o abade de
Canterbury. Mas a verdade é que não passo de um pobre pastor de ovelhas.
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E, afastando do rosto o capuz de monge, concluiu:

— Estou aqui para pedir perdão para mim e para o meu amo, o abade.

Dessa vez, o rei João riu às gargalhadas e disse:

— Por teres alegrado o meu dia, eu te perdôo pelo atrevimento e mando te dar uma bolsa de
dinheiro como recompensa. Vai em paz e dize ao teu patrão que te agradeça porque, graças a
ti, eu o perdôo também. Mas ele que se guarde de novas gabolices!

Antiga balada inglesa adaptada por Tatiana Belinky


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Como utilizar o texto em sala de aula

Para trabalhar com o imaginário dos alunos, lance mão dos personagens e cenários medievais
que povoam o conto. Se quiser ir mais além, use o texto como apoio nas aulas de Português e
Geografia. Foi o que fez Vera Bastazin, professora de Literatura do Departamento de Arte da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É dela o plano interdisciplinar que
você verá a seguir, pensado para turmas de terceira a sexta série.

BEM-VINDOS À FANTASIA
"Na Inglaterra daquele tempo, vivia na corte do poderoso rei João um importante prelado, o
abade de Canterbury..." A primeira frase do conto introduz rapidamente o aluno no mundo dos
castelos e reis. Leia o período em voz alta e, em seguida, inicie um saudável e interessante
exercício de inquisição, formulando perguntas que devem ser respondidas oralmente. Como
será o interior e o exterior de um palácio? O que faziam os monarcas naquele tempo? Como se
vestiam os reis e as rainhas? O que era a corte real? Existem monarcas ainda hoje? Qual seu
papel atual? Só leia o restante do conto depois de ter instigado a imaginação da garotada. O
texto também é rico em palavras estranhas à linguagem corrente, como "prelado", "gabolice",
"confisco". Ótima oportunidade para, na aula de Português, treinar com a turma o uso do
dicionário. Depois de devidamente esclarecidas, essas palavras se aliam a outras para uma
nova atividade. A partir dos substantivos "rei", "abade" e "pastor", sugira que façam um
agrupamento de termos que se relacionem diretamente com os personagens da história. Como
no quadro abaixo.

REI ABADE PASTOR


majestade prelado rebanho
trono monge capuz
cetro assustado esperto
palácio vaidoso pobre
coroa perdão disfarce

UMA VOLTA AO MUNDO


Nas aulas de Geografia, use a segunda pergunta feita pelo rei ("Quanto tempo eu levaria a
cavalo para dar a volta ao mundo?") para trabalhar questões relativas ao sistema solar.
Comece pela Terra, explorando sua forma e seu tamanho. Para dar uma volta completa no
nosso planeta pela linha do Equador, uma pessoa a cavalo teria que percorrer cerca de 12 mil
quilômetros. Pelos pólos, a distância diminuiria 20 quilômetros, já que eles são achatados. A
resposta do pastor só faz sentido num tempo em que se imaginava que o Sol dava a volta na
Terra, e não o contrário. Bastava seguir o astro-rei do nascente ao poente para completar o
percurso. Era a teoria geocêntrica, que você também pode opor à heliocêntrica, com o Sol no
centro do Universo.
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Os dois ratinhos

Era uma vez dois ratinhos. Bom, na verdade, eram dois camundongos, desses bem
pequeninos que vivem nas casas velhas. E era mesmo onde eles moravam, numa casa de
fazenda que já tinha sido de avós e bisavós de gente. Por isso, a madeira cedia num lugar, o
reboco descascava em outro, um pedacinho de taipa caía mais adiante... Era uma maravilha de
moradia para ratinhos e camundongos. Havia túneis pelas paredes, amplas avenidas no forro e
vastos descampados no porão, além de ruas e vielas por todo o esqueleto da casa.
Pois uma dessas ruas é a que nos interessa — e era a que mais interessava a eles. A que
desembocava na cozinha.
Uma noite, os dois camundongos saíram para um passeio na cozinha. Era sempre uma festa.
Tinha lingüiça no fumeiro por cima do fogão de lenha.
Tinha chouriço pendurado na despensa.
Tinha queijo na prateleira.
Tinha um saco de fubá num canto.
Tinha tanta coisa para comer que nem dá para lembrar tudo.
Os dois ratinhos se banquetearam, se empanturraram, até se fartarem. Depois, deu sede. Mas
um deles ainda tinha lugar na barriga para comer mais um bocadinho. Enquanto discutiam se já
deviam ir beber água ou não, viram uma tigela imensa, coberta por um pano de prato de
beiradas bordadas em ponto de cruz.
Foram olhar de perto. Era leite que a cozinheira deixara para fazer coalhada. Uma tigela
cheinha, quase transbordando.
Pronto! Era a solução! Assim, matavam a sede e o restinho de fome ou gulodice ao mesmo
tempo.
Mas, quando se equilibraram na borda da tigela para beber, um deles perdeu o equilíbrio e
plaft! Caiu lá dentro. Na queda, tentou se agarrar ao rabo do outro e plaft! O segundo ratinho
também caiu.
Começaram a tentar sair. Mas era difícil, as bordas da tigela escorregavam. E eles estavam
pesados, de barriga cheia. Nadaram e se debateram, mas não dava para se apoiarem e sair.
Foram nadando, se debatendo e ficando cansados.
Um deles simplesmente desistiu. O outro resolveu que não ia entregar os pontos. Nadava,
nadava, mesmo que fosse em círculos, só para não parar de lutar. Quando cansava muito,
boiava ou se agarrava às bordas e depois voltava a nadar. Passou assim a noite toda.
De manhã, quando a cozinheira chegou à cozinha e levantou o pano de prato bordado que
cobria a tigela de coalhada, teve duas surpresas. Lá dentro tinha um camundongo morto. Mas
a surpresa maior não foi essa. Foi ver que a coalhada tinha virado manteiga, de tanto ser
batida. E, por cima, havia muito nítido um caminho feito de rastros — as pegadas frescas de
um ratinho que saíra caminhando sobre a manteiga e fora embora.
Moral: se é fábula, tem que ter moral, mas eu prefiro que você a descubra.

Fábula tradicional recontada por Ana Maria Machado


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Como utilizar o texto em sala de aula

Em Os Dois Ratinhos, Ana Maria Machado reconta uma fábula tradicional que, como toda
fábula, possui uma moral. A escritora optou por não revelá-la, convidando cada leitor a
descobrir por conta própria a lição embutida no texto. Você pode enriquecer essa proposta em
classe, aprofundando a leitura com atividades interdisciplinares. É o que sugere Lúcia Pimentel
Góes, coordenadora da área de Literatura Infantil e Juvenil na Faculdade de Letras da
Universidade de São Paulo (USP). Depois de se empanturrarem com a história em aulas de
Ciências, Português, Matemática e Educação Artística, os alunos devem chegar a morais
diferentes. "E isso é ótimo", afirma Lúcia. "Ler descobrindo, criando e recriando é sempre mais
prazeroso."

UM PRATO CHEIO DE IDÉIAS


Em Português, amplie o vocabulário da turma. Proponha que escrevam receitas usando
expressões como tigela, coalhada, chouriço, lingüiça. Ilustre a atividade com uma visita à
cozinha da escola, onde as crianças irão preparar o que elaboraram. Pratos prontos, organize
uma "feirinha" gastronômica e convide alunos, pais e outros professores para se deliciarem. A
feira também é oportuna para explicar operações matemáticas. Com dinheirinho fictício,
algumas crianças "pagam" pelas guloseimas, enquanto outras aprendem a calcular o troco.

LIÇÃO DE HIGIENE
Na aula de Ciências, aguce a curiosidade das crianças revelando que um rato é diferente de
um camundongo. Mas em quê? Para responder à pergunta, a turma pode se dividir em grupos
e estudar as características de cada animal: as espécies às quais pertencem, o espaço onde
vivem, como fazem seus ninhos e do quê se alimentam. Aproveite e passe noções de higiene.
No conto, os ratos aparecem como bichinhos simpáticos, que passeiam com tranqüilidade por
um cozinha repleta de utensílios e alimentos. É importante explicar a seus alunos que, apesar
da aparência inofensiva, a grande maioria desses roedores transmite doenças ao ser humano
— entre elas, a leptospirose. Por esse motivo, são necessárias precauções para mantê-los
longe de casa.

NA COLA DOS RATINHOS


Juntamente com seus alunos, reproduza o passeio dos ratinhos pela casa de fazenda até
chegar à cozinha. Repleto de objetos, dispostos cada um de uma maneira, o cômodo instiga à
produção de um inventário. As crianças podem pesquisar as peculiaridades da arquitetura de
uma casa de fazenda, do seu mobiliário, da vizinhança. Para tanto, devem recorrer a livros e a
entrevistas com profissionais como pedreiros, arquitetos e engenheiros. Esse texto descritivo
será o alicerce da construção de uma maquete durante a aula de Educação Artística.
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Estrelas em greve

Todas as noites, as mulheres se punham diante da televisão para ver as novelas. Os homens
cochilavam no sofá e a criançada brincava com os computadores. Ninguém tinha tempo de
olhar para o céu.

Sem platéia, as estrelas decidiram entrar em greve por tempo indeterminado. A Lua, solidária
com as amigas, aderiu ao protesto e também se escondeu.

Foi um fuzuê no mundo inteiro. As galinhas, que dormiam com a estrela-d’alva, perderam o
sono e deixaram de botar ovos. As corujas pararam de piar. Os tatus não saíram mais das
tocas. Os grilos silenciaram. Os anjos da guarda, que desciam à noitinha para ninar as
crianças, perdiam-se no caminho. As damas da noite não abriram mais suas pétalas. No
escuro, o vento não enxergava nada e não sabia para onde soprar. Os poetas caíram em
desânimo e a produção de poesia imediatamente cessou. Os agricultores ignoravam se era ou
não a época certa para semear. As marés, desorientadas, subiam e desciam à deriva.

Então, os homens descobriram que aquilo tinha a ver com o sumiço das estrelas. Chamaram
os melhores astrônomos, mas eles não souberam explicar o ocorrido. Convocaram as
feiticeiras para resolver o assunto, elas fizeram lá suas mandingas, mas não adiantou nada. A
coisa estava realmente preta.

Até que, numa noite, um homem saiu de casa e se pôs a contemplar o céu na escuridão.
Lembrou que a mãe lhe ensinara a posição do Cruzeiro do Sul. Outro se juntou a ele e
recordou as histórias de Lua cheia, quando aparecia o lobisomem. Um velho ouviu a conversa
dos dois e veio contar que, em criança, tinha visto o Cometa Halley. Apareceu uma mulher e
comentou que só cortava os cabelos na Lua minguante. Outra mulher falou que, havia alguns
anos, vira uma estrela cadente e fizera um pedido. O marido ouviu-a e disse que o pedido era
ter o amor dele para sempre. Outro homem contou que lhe nascera uma verruga no dedo
porque, quando garoto, apontara para as Três-Marias. Aos poucos, as pessoas foram saindo
de casa e cada uma tinha sua história para contar sobre a Lua e as estrelas.

Quanto estavam todos na rua olhando o céu vazio, as estrelas, que os observavam do fundo
da noite, apareceram de surpresa, acendendo-se ao mesmo tempo. Foi lindo: parecia uma
chuva de gotas prateadas. Em seguida, despontou a Lua, com seu brilho magnífico, como um
holofote.

Aí todos entenderam o motivo daquela greve. E, imediatamente, decidiram em consenso:


podiam ver televisão, dormir no sofá e brincar com o computador todas as noites. Mas, de vez
em quando, iriam dar uma espiadinha no céu para ver o show das estrelas.

Conto de João A. Carrascoza


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Como utilizar o texto em sala de aula

Dizem que um bom texto é aquele que consegue captar assuntos conhecidos do leitor. Nesse
sentido, Estrelas em Greve cumpre bem seu papel, já que trata de um tema atualíssimo: a
alienação do homem moderno. Pessoas enfurnadas em suas casas, sem tempo ou disposição
para apreciar o céu, povoam nosso cotidiano. E, sem dificuldade, as crianças acabam se
percebendo personagens da história. "Conquiste sua turma por aí", sugere Andréa Tammaro
Costa, coordenadora pedagógica do grupo de primeira a quarta série do Colégio Giordano
Bruno, em São Paulo. Andréa elaborou várias atividades a partir do conto, tendo como base de
lançamento o Português. Mas deixa claro que você também pode explorar o texto em outras
disciplinas. Anote as propostas da coordenadora para as séries iniciais.

Preparando o terreno
Antes da leitura, estimule um debate sobre o tema principal do conto: a falta de algo
importante. Peça aos alunos que imaginem os efeitos de um blecaute, por exemplo. Sem
energia elétrica, o que aconteceria com nossas noites, nossos banhos, nossas diversões?
Após a discussão, pergunte se alguém da classe conhece um livro, filme ou outra produção
que trate da questão da perda. Deixe que exponham aos colegas aquilo que sentiram ao se
depararem com o assunto. Está criado o clima para que você apresente a greve das estrelas.
O debate sobre suas possíveis conseqüências instiga à leitura do conto, que deve ser feita em
voz baixa. Solicite comentários.
Ao confirmar que compreenderam a história, acrescente suas observações sobre um ou outro
ponto não discutido.

Com a mão na massa


Indo além da leitura, é possível organizar uma oficina de autoria a partir do conto. Mas combine
de antemão um objetivo e um público leitor para os textos. As crianças podem fazer livrinhos
dirigidos a uma outra série sobre a questão da alienação, por exemplo. Ou criar um material
didático-científico para toda a escola com enfoque na astronomia. Ou, ainda, explorar na
própria classe personagens folclóricos presentes no conto, como o lobisomem. E tem mais:
elas ainda podem encenar os próprios textos, parafrasear o original e transformar o conto numa
poesia ou num folheto de literatura de cordel.
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Como se fosse

De nada adiantou a couraça contra o fio da espada. O sangue jorrou entre as frestas metálicas
e o jovem rei morreu no campo de batalha. Tão jovem, que não deixava descendente adulto
para ocupar o trono. Apenas, da sua linhagem, um filho menino.

Antes mesmo que a tumba fosse fechada, já os seus fiéis capitães se reuniam. A escolha de
um novo rei não podia esperar. E determinaram que o menino haveria de reinar, pois a coroa
lhe cabia de direito. Que começassem os preparativos para colocá-la sobre sua cabeça.

Aprontavam-se as festas de coroação, enquanto os capitães instruíam o menino quanto ao seu


futuro. Mas porque o rei seu pai havia sido muito amado pelo povo e temido pelos inimigos, e
porque o rosto do menino era tão docemente infantil, uma decisão sem precedentes foi
tomada.

No dia da grande festa, antes que a coroa fosse pousada sobre os cachos do novo rei, a rainha
sua mãe avançou e, diante de toda a corte, prendeu sobre seu rosto uma máscara com a figura
do pai. Assim, ele haveria de ser coroado, assim ele haveria de governar. E os sinos tocaram
em todo o reino.

Muitos anos se passaram, muitas batalhas. O menino rei não era mais um menino. Era um
homem. Acima da máscara, seus cabelos começavam a branquear. Seu reino também havia
crescido. As fronteiras, agora longas, exigiam constante defesa.

E, na batalha em que defendia a fronteira do Norte, perseguido pelos inimigos, o rei foi abatido
no fundo de uma ravina, sem que de nada lhe valesse a couraça.

Antes que fechasse os olhos, acercaram-se dele seus capitães. Retiraram o elmo. O sangue
escorria da cabeça. O rei ofegava, parecia murmurar algo. Com um punhal, cortaram as tiras
de couro que prendiam a máscara. Soltou-se pela primeira vez aquele rosto pintado ao qual
todos se haviam acostumado como se fosse carne e pele. Mas o rosto que surgiu por baixo
dele não era um rosto de homem. A boca de criança movia-se ainda sobre mudas palavras, os
olhos do rei faziam-se baços num rosto de menino.

Conto de Marina Colasanti


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Como utilizar o texto em sala de aula

O conto Como se Fosse é uma narrativa de ficção e, como tal, possui características típicas:
numa certa época e num determinado ambiente, os personagens vivem um conflito que
apresenta um clímax e um desfecho. O texto em questão tem outro diferencial: a linguagem
rebuscada. Por isso, Maria Fernandes Cócco, pesquisadora na área de língua portuguesa e
autora de livros didáticos, sugere sua aplicação com turmas de sexta e sétima série. Os alunos
devem começar pelas palavras desconhecidas, procurando seus significados a partir do
contexto. Confira outras sugestões.

Tirando a armadura
Proponha um desmonte do conto com as seguintes análises:
1. Características físicas e psicológicas dos personagens, destacando a importância da mãe e
dos capitães para a história.
2. Época em que se passa o conto. Algumas expressões são reveladoras (rei, festas de
coroação, corte).
3. Identificação da seqüência temporal. "No dia da grande festa", "Muitos anos se passaram"
dão pistas sobre a ordem dos fatos.
4. Percepção do clímax — a máscara se desprende.
5. Confirmação do desfecho, com o rosto de menino num corpo de homem.
6. Ponto de vista do narrador. A história está em primeira ou terceira pessoa?
7. Elementos mágicos: a máscara perene e as feições infantis que resistiram ao tempo.

Reúna a corte para confabular


Depois, sugira uma reflexão sobre as idéias contidas no texto. Por que a escolha do novo rei
não podia esperar? Qual a importância da máscara para o povo? Por que o rei adulto manteve
o rosto de menino? Qual a mensagem do conto? Feche as discussões com textos individuais.

Além das fronteiras do conto


Como você reparou, o texto foi ilustrado. É interessante descobrir semelhanças e diferenças
entre as duas linguagens, a textual e a visual.

A temática e o destinatário coincidem, mas a função (contar /ilustrar), o código (verbal/não


verbal) e a estrutura (personagens, época /cores, traços) são diferentes.

Outra opção é apresentar um texto sobre a Idade Média e compará-lo com a história. Os
alunos poderão, ainda, pesquisar sobre as guerras medievais e os costumes da época. Isso
permite ampliar o conhecimento a partir do conto.
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Guilherme Tell

Há muitos anos, antes de ser um país livre e soberano, a Suíça era governada por um regente
autoritário chamado Gessler. Todo mundo tinha medo dele, porque quem desobedecesse às
suas ordens era impiedosamente castigado. A única pessoa que não o temia era um bravo
caçador das montanhas de nome Guilherme Tell, respeitado pelos seus conterrâneos por ser,
além de homem de bem, um exímio arqueiro. Ninguém o superava na pontaria certeira com o
arco e a flecha.

O tirano Gessler, arrogante e vaidoso, gostava de aterrorizar a gente do povo. Por isso,
mandou erguer na praça principal um poste no qual fez pendurar o seu chapéu. Diante desse
ridículo símbolo de autoridade, todos os passantes deveriam se curvar. E todos obedeciam, de
medo de ser cruelmente punidos. Todos, menos Guilherme Tell, que não se submetia àquela
humilhação por considerá-la abaixo de sua dignidade. Até que um dia aconteceu de o próprio
Gessler estar na praça quando Tell passou por ali com seu filho de 8 anos.

Vendo que o caçador não se curvara diante do chapéu, Gessler ficou furioso e mandou que
seus soldados o agarrassem, gritando:

— Tell, tu me desafiaste, e quem me desafia morre. Mas tu podes escapar da morte se fizeres
o que eu te ordeno.

E o perverso Gessler mandou que encostassem o filho do caçador ao poste com uma maçã
sobre a cabeça. Então, continuou:

— Agora, Tell, terás de provar a tua fama de grande arqueiro acertando a maçã na cabeça do
teu filho com uma única flechada. Se acertares, o que duvido, sairás livre. Mas, se errares,
serás executado aqui, na frente de todo este povo.

E Guilherme Tell foi colocado no ponto mais distante da praça, com o seu arco e uma flecha.

— Cumpra-se a minha ordem!, bradou Gessler.

— Atire, meu pai, disse o menino. Eu não tenho medo.

Com o coração apertado, Guilherme Tell levantou o arco, apontou a flecha, esticou a corda e,
de dentes cerrados, mirou em direção ao alvo. Zummmm! A flecha zuniu no ar, rapidíssima, e
rachou ao meio a maçã sobre a cabeça da criança.

Um suspiro de alívio subiu da multidão, que assistia horrorizada àquele cruel espetáculo.

Nesse momento, Gessler viu a ponta de uma outra flecha escondida debaixo do gibão do
arqueiro.

— Para que a segunda flecha, se tinhas direito a um só arremesso?, urrou o tirano.

Guilherme Tell respondeu, em alto e bom som:

— A segunda flecha era para varar o teu coração, Gessler, se eu tivesse ferido o meu filho.

E, pegando o menino pela mão, Guilherme Tell deu as costas ao tirano e foi embora.

Anos mais tarde, o arqueiro foi um valoroso combatente pela independência da sua terra e pela
liberdade de seu povo.

Lenda popular suíça recontada por Tatiana Belinky


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Como utilizar o texto em sala de aula

Seus alunos já devem ter ouvido falar no arquei-ro que flechou uma maçã sobre a cabeça de
uma criança. Mas eles provavelmente não conhecem a história inteira dessa lenda suíça aqui
recontada por Tatiana Belinky. Aproveite o clima de curiosidade em torno do tema para
desenvolver um plano de aula interdisciplinar voltado a turmas de 3ª e 4ª série. A proposta é da
professora de Português Maria Auxiliadora Fontana Bascio, do Colégio Horizontes, em São
Paulo, que vê no texto uma ótima oportunidade para transformar os alunos em arqueiros
valorosos, "sempre a postos para defender com unhas e dentes a própria independência e a
liberdade de expressão".

Brincando
Antes de apresentar o texto à turma, divida-o em sete partes até a passagem em que o tirano
pergunta "Para que a segunda flecha?". Com a classe separada em grupos, distribua o texto
em tiras de papel, de forma que cada grupo possa montar a história e criar um desfecho
diferente. As crianças, então, apresentam suas produções às demais. Num segundo momento,
peça aos alunos que desenhem os personagens principais ou que os retratem com formas e
cores diferentes. É esperado, por exemplo, que o tirano seja representado pela maioria em tons
fortes, próximos ao vermelho.

Desvendando
Já com a lenda de Guilherme Tell em mãos, os alunos partem para a pesquisa das palavras
desconhecidas. Depois, estudam o significado do termo "lenda", destacando sua forte
conotação popular.

Refletindo
O texto dá margem a uma série de reflexões éticas e morais. Anote algumas delas.

 Alguém conhece pessoas como o tirano Gessler no cotidiano ou na história do Brasil e


do mundo?
 O que vocês acharam da atitude do tirano?
 Como vêem o fato de alguém obedecer ao outro apenas por medo do castigo? Quem
já fez ou faria isso?
 Quem é autoritário e quem é autoridade nessa lenda?
 Se algum de vocês fosse o menino, teria confiado de olhos fechados no arqueiro?
 O que é ser chefe? Aqui, pode-se sugerir uma pesquisa sobre os chefes de tribos em
que a noção de poder emana do próprio sentido de comunidade, em que o chefe
assume a vontade da sociedade e fala em nome dela. Lembre à turma que, para
governar, esses líderes devem ter habilidade, talento, coragem e disposição guerreira.

Transformando
O enredo da lenda pode virar uma notícia de jornal, por exemplo. Ou mesmo uma história em
quadrinhos, feita, de preferência, em grupo.

Interligando
É possível aprofundar o estudo da lenda envolvendo outras disciplinas além do Português. Em
História, por exemplo, sugira pesquisas sobre o movimento de independência da Suíça. As
crianças também podem localizar esse país europeu no mapa e destacar aspectos de relevo,
hidrografia, vegetação, clima, vestuário, costumes, línguas faladas — eis uma aula de
Geografia. Em Ciências, use a flecha para passar noções de sentido e velocidade, por
exemplo. A aula de Educação Artística permite a construção de uma maquete da Suíça na
época medieval. Maria Auxiliadora também propõe para essa disciplina uma associação entre a
ilustração do povo aterrorizado e o quadro O Grito, de Edvard Munch (1963-1944). Esse pintor
norueguês foi um dos criadores do expressionismo e se destacou pela atmosfera sombria e
angustiante de suas obras.
15

O segredo do casco da tartaruga

Logo que aprendeu a ler, o menino começou a fazer descobertas. Um dia estava folheando um
livro e se deparou com a palavra "réptil". Procurou no dicionário e se surpreendeu com o
significado: animal que se arrasta. Cobras, por exemplo. Pensava que réptil tinha a ver com
rapidez e era justamente o contrário. O pai riu de seu espanto e disse que as tartarugas
também eram répteis. Aliás, uma lenda chinesa afirmava que Deus escrevera o segredo da
vida no casco de uma tartaruga.

O menino gostou dessa escrita de Deus, que utilizou o casco da tartaruga como se fosse uma
folha de papel. O pai lembrou que aprender a ler nos livros era só o começo. Com o tempo, o
filho poderia ler no rosto de uma pessoa sua história inteirinha. E bastaria observar os olhos de
um amigo para ver se neles brilhava a felicidade. Ou tocar as mãos de um homem do campo
para conhecer seus sofrimentos.

Mas o menino, curioso, queria mesmo era saber qual o segredo da vida. Por isso, começou a
se interessar pela vida das tartarugas. Conheceu a tartaruga-de-couro, cujo casco parecia uma
bola de capotão. A tartaruga-oliva, que lembrava o verde das azeitonas, e a tracajá, típica da
Amazônia. Descobriu que a tartaruga-de-pente tinha esse nome porque de sua carapaça se
faziam pentes, bolsas e aros para óculos. E aprendeu tudo sobre a tartaruga-cabeçuda, sobre
a tartaruga-gigante, atração das Ilhas Galápagos, e sobre a Ridley, das praias da Costa Rica.

Quanto mais estudava, mais o menino se convencia de que realmente poderia descobrir a
escrita de Deus naquelas criaturas que carregavam a casa nas costas. Elas tinham carapaças
misteriosas, com desenhos estranhíssimos, círculos coloridos, arestas longitudinais. Algumas
até pareciam pintura.

O menino foi crescendo e se tornou especialista em tartarugas. Sabia distinguir uma


adolescente de uma adulta e conhecia como ninguém a desova das espécies marinhas no
litoral. Mas também descobriu que, assim como procurava o segredo da vida no casco das
tartarugas, outras pessoas buscavam a mesma coisa em lugares diferentes: no pulsar das
estrelas, no canto dos pássaros, no silêncio dos olhares, no cheiro dos ventos, nas linhas das
mãos, no fim do arco-íris. Tudo ao redor podia ser lido, sorriu ele, lembrando-se das palavras
de seu pai. E só o tempo, como um professor que pega na mão do aluno, ensinava essa lição,
enquanto as pessoas iam fazendo suas descobertas bem devagarzinho — como as tartarugas.
Talvez estivesse aí o segredo.

Conto de João A. Carrascoza


16

Como utilizar o texto em sala de aula

Você não precisa de uma lente de aumento para perceber que a emoção é o segredo desse
conto de João A. Carrascoza. Com uma narrativa sensível, o escritor paulista fala da busca
incessante do homem pelo mistério da vida usando um animal cativante ao mundo infantil: a
tartaruga. Mergulhe com seus alunos nessa pesquisa e aproveite para passear por disciplinas
como Português, Geografia e Educação Artística.

Elisa Pereira, diretora da educação infantil e do ensino fundamental na Escola Pueri Domus,
em São Paulo, propõe que se comece por um levantamento de curiosidades a respeito das
tartarugas. Antes mesmo de ler o texto, o que a classe já sabe e o que mais gostaria de saber
sobre esses animais?

Salve as tartarugas marinhas


Já com o conto em mãos, verifique se ele responde às curiosidades levantadas e se traz
questões nas quais o grupo não havia pensado. É a oportunidade para falar sobre o Projeto
Tamar, uma iniciativa brasileira mundialmente conhecida que já ajudou mais de 2 milhões de
filhotes de tartarugas a chegar ao mar em segurança. Caso seja necessário, trabalhe também o
vocabulário do conto checando a compreensão de palavras como carapaça, desova, bola de
capotão e arestas longitudinais.

Viajando pelo mapa-múndi


Durante a aula de Geografia, proponha aos alunos que localizem num mapa os lugares citados
no texto: Amazônia, Ilhas Galápagos, Costa Rica. Faça um levantamento do clima e da
vegetação nesses locais para identificar se as diferentes tartarugas têm as mesmas condições
de hábitat. Todas as informações podem ser registradas em tabelas. Num casamento entre a
Geometria e a Educação Artística, peça à classe uma pesquisa sobre linhas, formas, ângulos e
arestas encontrados nos cascos das tartarugas estudadas. Os alunos também podem compor
mosaicos e gregas (bainhas arquitetônicas formadas de linhas retas entrelaçadas) utilizando-se
da mesma pesquisa. Dá até para criar novos desenhos.

As múltiplas leituras da arte


Como bem diz o texto, tudo ao redor pode ser lido. Pegue essa frase como gancho para
discutir as possibilidades de leitura do mundo a partir da observação das obras de arte.
Organize uma exposição de fotos trazidas pelos alunos e monte textos curtos sobre o que
conseguem perceber em cada uma delas. As crianças podem avaliar fotografias de rostos,
mãos, pés e fazer deduções sobre a profissão e o tipo de vida de cada pessoa retratada. Ou
ainda observar quadros de pintores famosos, analisar as mensagens das obras e interpretar os
diferentes estilos.
17

A tapeçaria de Aracne

Há muito, muito tempo, na Grécia Antiga, contavam que Palas, a deusa da sabedoria (que
mais tarde os romanos chamariam de Minerva), ensinava todos os segredos de fiação e
tecelagem a uma moça chamada Aracne.

Aracne era de origem humilde, mas se tornou tão habilidosa com fios e tramas que até as
ninfas dos bosques e dos rios vinham vê-la trabalhar. Não só porque os tecidos que fazia eram
incomparáveis, mas até porque a graça de seus movimentos tinha a beleza de uma arte, desde
que puxava os chumaços de lã ou cânhamo até quando fazia novelos e meadas. E,
principalmente, depois, quando a linha macia e longa se convertia em belos panos num tear ou
era ricamente bordada em desenhos divinos. Divinos, sim. Pois todos os que viam o trabalho
de Aracne logo concluíam que ela aprendera seu ofício com Palas, e cobriam a deusa de
louvores.

Ora, quanto mais atenção atraía, mais Aracne se ofendia com os elogios a Palas e negava
qualquer mérito à deusa. Até que certo dia acabou exclamando:

Sou muito melhor tecelã que Palas! Se ela viesse competir comigo, todos iam ver isso. E, se
me vencesse, poderia fazer comigo o que quisesse.

Antes de aceitar o desafio, a deusa se disfarçou e veio visitar Aracne sob a forma de uma
velha, aconselhando-a a respeitar a experiência e a sabedoria dos anciãos e a reconhecer a
superioridade dos deuses.

— Se você se arrepender de suas palavras e pedir perdão, tenho certeza de que Palas a
perdoará — disse.

— Você está é de miolo mole, sua velha. Quer dar conselho? Vá procurar suas netas... Eu me
defendo sozinha. Palas tem medo de mim. Se não tivesse, já teria vindo me enterrar.

A velha deixou cair o disfarce e se revelou em todo o seu esplendor:

— Pois Palas veio, sua tonta!

As ninfas e todas as mulheres se prostraram diante da deusa, mas Aracne manteve seu
desafio.

Sem perder tempo, cada uma das duas foi para um canto do enorme salão, com seus novelos,
meadas, fios e seu tear.

Durante muito tempo, uma belíssima tapeçaria foi surgindo em cada tear. Palas fez questão de
ilustrar em seu bordado todas as histórias de mortais que tinham desafiado os deuses e os
terríveis preços que tiveram de pagar por isso. Aracne, por outro lado, mostrou em sua
tapeçaria os inúmeros crimes que os deuses já tinham cometido, recriados com exatidão e
minúcia de detalhes. Cada uma, ao final, rematou seu trabalho com uma preciosa moldura
tecida.

Ninguém se surpreendeu com a perfeição da obra de Palas. Mas quem ficou surpresa foi a
deusa, pois, por mais que procurasse o mínimo defeito na obra de Aracne, não conseguiu
encontrar uma única falha. Com raiva, bateu várias vezes com seu bastão na testa da tecelã.

Não suportando a dor, Aracne passou um fio no pescoço para se enforcar. Mas Palas teve
pena e a segurou, suspensa no ar, dizendo:

— Você tem má índole e é vaidosa, mas tenho que respeitar sua arte. Não admito que morra.
Porém, você e seus descendentes viverão sempre assim, suspensos o tempo todo.
18

E, ao partir, borrifou-lhe uma poção que fez o cabelo da moça cair, a cabeça e o corpo
encolherem, os dedos crescerem, e a transformou para sempre numa aranha, condenada a
fabricar fio e teia até o final dos tempos. Sempre com perfeição incomparável.

Lenda grega recontada por Ana Maria Machado


19

Como utilizar o texto em sala de aula

Muitas das crianças de hoje conhecem Hércules, herói de histórias em quadrinhos e desenhos
animados. O que elas talvez não saibam é que esse personagem tão "moderno" pertence à
mitologia grega. Não devem igualmente saber de suas doze tarefas, que lhe valeram a
imortalidade e foram reinterpretadas por Monteiro Lobato em Os Doze Trabalhos de Hércules,
obra publicada pela extinta Brasiliense. Esses são excelentes ganchos para apresentar à
classe A Tapeçaria de Aracne, lenda grega recontada aqui por Ana Maria Machado. A
sugestão é de Rosana de Almeida Resende Lima, pedagoga diplomada pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), SP. Ela leciona na Escola Municipal de Educação Infantil
Pedro de Oliveira, em Jundiaí, SP, onde costuma usar textos de literatura para trabalhar as
várias disciplinas. Acompanhe as sugestões da educadora.

Viagem à Grécia Antiga


Antes de apresentar o texto às crianças, conte a elas alguma coisa sobre a Grécia Antiga, um
dos berços da civilização Ocidental. Leve-as então ao mundo da mitologia grega, narrando, por
exemplo, a já citada história de Hércules ou a do Minotauro, também assuntode um livro de
Lobato. Explique que os mitos não estão relacionadosao cotidiano, mas às raízes culturais do
povo que os criou.

Desvendando o significado do texto


Dê a cada uma das crianças uma cópia da historinha e peça a elas para fazerem uma leitura
silenciosa do material. Finda a leitura, converse com elas sobre o conto. É provável que as
opiniões estejam divididas, com muitos alunos criticando Palas e outros tantos acusando
Aracne. Deixe todos se expressarem livremente. Diga então a eles para lerem novamente o
conto, desta vez procurando argumentos para reforçar a defesa do personagem escolhido.

Idéias em ordem, palavras na ponta da língua


Nessa altura, separe a classe em dois grandes conjuntos, o daqueles que atacam Palas e
defendem Aracne e o dos que fazem o contrário. Promova um debate entre os grupos. Se for
preciso, intermedeie a discussão, para garantir que todos se manifestem. Argumentos
esgotados, feche a atividade lançando temas sobre os quais as crianças possam refletir.
Confira os exemplos.

 Os mais jovens devem respeitar os mais velhos? Por quê?


 Como as pessoas idosas são tratadas em nossa sociedade?
 Será que existe alguém que saiba tudo sobre um determinado assunto?
 Quem comete um erro deve ser castigado? Se sim, até que ponto?

Lembre aos alunos os temas escolhidos pelas desafiantes para suas respectivas tapeçarias.
Faça-os perceber que um mesmo fato pode ser interpretado de modos diversos por pessoas
diferentes.

Brincando de recontar
Finalize o trabalho dividindo a turma em pequenos grupos. Peça para as crianças imaginarem
outras situações ou um outro final para a narrativa e escreverem essa nova versão num papel.
Se elas quiserem, também podem recortar o texto original em tiras e colá-las em folhas de
papel, na ordem que desejarem, ilustrando o trabalho com seus próprios desenhos. Reunidas,
as folhas formam um livrinho muito especial.

Outras portas podem se abrir


O texto pode servir ainda como ponto de partida para o estudo das aranhas ou das diversas
técnicas de tecelagem que existiram no passado e das que são usadas hoje. Outra idéia é
montar um pequeno ateliê de tecelagem com as crianças.
20

Segredo de cientista

Lino vinha todo dia espiar pra ver se crescia de novo o rabo do bicho que ele tinha prendido na
porta, sem querer.
Então descobriu: lagartixa bota ovo! Encontrou no racho do muro, onde o animalzinho fora se
esconder fugindo dele, os ovos moles e esbranquiçados. Pegou, curioso, um pouco enojado.
Depois esmagou um a um contra a parede pra ver o que tinha dentro.
Daí começou a reparar nos bichos pequenos. Desenterrava minhocas. Prendia moscas no
copo e ficava olhando.
– Não põe porcaria no copo onde se bebe – a mãe bronqueava.
Então descobriu as formigas. Com um pau, cutucava o formigueiro.
Um dia entrou em casa gritando, os insetinhos subindo pelas pernas. A avó botou um ungüento
(remédio de gente velha, que ela guardava em potes na gaveta da mesa de cabeceira). Então
Lino aprendeu a abrir o formigueiro com cuidado, sem pisar em cima. Tirava os ovos brancos
de dentro, olhava, examinava.
– É curiosidade científica dele! – o pai dizia. E deu-lhe uma lente.
Contava pra todo mundo que o filho ia ser cientista.
A mãe, barriga imensa, vivia carregando o tricô pela casa. Ela e a avó estavam sempre
ocupadas, entretidas com as receitas de mais uma roupinha. Agora, com a lente, Lino passava
os dias observando lagartas e caracóis; aprisionava grilos e borboletas, abria casulos.
Mas foi depois que descobriu os ovos de aranha que o jeito do menino mudou.
Dos ovos da aranha tinham saído vivas dezenas de minúsculas aranhinhas, que se espalharam
correndo por todo lado. Então ele quebrou todos os ovos da geladeira, pra ver se tinha bicho
vivo dentro. Dessa vez levou bronca, que isso já era demais. Tinha virado mania. Ficou triste,
emburrado, não falou mais com a mãe, nem com a avó. E olhava pra mãe desconfiado...
"Onde será que ela guarda?" – pensava. E toca a procurar. Mexia em tudo, abria os armários,
olhava debaixo das roupas, nas gavetas.
– Não mexe aí, menino. São meus guardados. Que mania! – a avó reclamava.
Nas coisas da avó, não estavam. Olhou no cesto de lãs, na caixa de agulhas... Quem sabe
estavam nos potes de remédio? Se ao menos ele soubesse como eles eram...
Começou a curiosidade pelos livros nas estantes. Olhava as figuras, tinha livros com mapas,
índios, um montão de números. Pior: tinha livros sem figuras.
Subiu numa cadeira para alcançar mais em cima. Um dia Lino achou o que queria: a figura
mostrava um feto pequenino, todo encolhidinho dentro da barriga de uma mulher, como as
formiguinhas dos ovos brancos. Só que era avermelhado.
"Então são assim os ovos da mãe? E se eu encontrasse e quebrasse todos?" Voltou a procurar
adoidado.
Foi quando a mãe disse que ia para a maternidade.
– Só por uns dias, pra buscar seu irmãozinho.
E a vovó foi junto.
"Então os ovos... Aquele barrigão... Foi por isso que não achei em casa!"
Lino estava triste, confuso. Sentia falta da mamãe e da vovó, e tinha uma coisa ruim dentro
dele, que apertava.
À noite o pai chegou e quis saber por que ele tinha chorado. ("Como é que o pai sabia?")
– Menino de quatro anos não chora assim à toa. Ainda mais quando vai ser cientista! – o pai
falou: – Ainda mais agora, que vem um irmãozinho pra brincar com ele.
Então Lino achou que devia contar pro pai. Só ele podia ajudar! Lembrou dos ovos de aranha,
com todas aquelas aranhinhas saindo de dentro, de uma só vez. E contou pro pai. Falou tudo.
Naquela noite, Lino e o pai tiveram uma longa conversa, de "homem para homem".

Conto de Stella Carr


21

Como utilizar o texto em sala de aula

Nos dias que correm, quase todo mundo concorda sobre a necessidade de tratar com clareza
as questões relativas ao sexo, mesmo com crianças bem pequenas, como o Lino do conto de
Stella Carr. Falar é fácil. Mas aqui as boas intenções podem bater de frente com certos
obstáculos. Por exemplo: nem todos os pais receberam, eles mesmos, uma educação que lhes
permita tocar com naturalidade num assunto que expõe sua intimidade aos filhos. Assim,
limitam-se a informar: "Você vai ganhar um irmãozinho!" Ou então optam por calar-se, mesmo
quando o abdome distendido da mãe praticamente esfrega no rosto das crianças o que está
acontecendo... Veja como ajudar esses alunos acompanhando as propostas da pedagoga
Maria Inês Marques, professora de Ciências do Colégio Três Poderes, em São Paulo.

Troca de experiências
Leia o conto para a classe, deixando os pequenos se manifestarem à vontade no decorrer da
leitura. No final, a maioria vai querer pronunciar-se espontaneamente, exibindo seus
conhecimentos sobre os animais em geral ou até sobre formas pelas quais eles e os seres
humanos se reproduzem. Nesse clima de troca de experiências, os mais tímidos e introvertidos
terão espaço para expor seus sentimentos e dúvidas.

Vale tudo na Ciência?


Se a escola onde você leciona fica no campo ou numa cidade do interior, pode ser que alguns
alunos se identifiquem com Lino e suas "pesquisas". Valorize o espírito investigativo deles, mas
coloque alguns pontos em debate. Veja o exemplo:

 Os ovos das lagartixas vão dar origem a novas lagartixinhas. Será que é certo esmagar
esses ovinhos só para ver o que tem dentro deles?

Treine a capacidade de observação deles


Volte ao conto, comentando cada trecho com a turminha. Aproveite para introduzir questões
que estimulem a atenção e a capacidade de observação. Acompanhe.

 Vocês sabiam que a lagartixa bota ovos?


 Que outro animal conhecido de vocês (ao vivo, em filmes, vídeos, fotos) põe ovos?
 Esses animais são parecidos com a lagartixa ou diferentes dela? Em quê? (Forma e
coloração do corpo, tamanho e localização dos membros etc.

Nessa altura, mostre à classe álbuns ilustrados ou vídeos com imagens de diferentes animais
que põem ovos.
Por exemplo, artrópodes como a aranha, anfíbios como os sapos, répteis como a lagartixa e as
cobras, aves em geral e o estranhíssimo mamífero ornitorrinco, que tem uma espécie de bico e
dedos interligados por membrana, como o pato.

Na seqüência, peça aos alunos para fazer um desenho dos animais que eles mais gostaram.
Não se preocupe muito se as figuras ficam ou não semelhantes aos animais de verdade. Aqui o
importante é as crianças relaxarem e se divertirem, treinando ao mesmo tempo a memória e a
capacidade de observação.

Todos os ovos dão origem a filhotes?


Chegou a hora de fazer os alunos refletirem sobre o tema da sexualidade. Confira as dicas.

 Podem nascer filhotes dos ovos que estão na geladeira? Por quê?
 Muitas famílias são compostas por mãe, pai e filhos. Por que será?

Em cima das respostas, faça-os entender que os dois sexos são indispensáveis para a
formação do ovo, que depois se desenvolve em um novo ser vivo. Um livro que pode ajudar
22

você nessa tarefa é De Onde Viemos (Peter Mayle, Arthur Robins e Paul Walter, Editora Nobel,
48 págs.,18 reais).

A lebre na lua

Segundo alguns povos do Oriente, as manchas que aparecem na face da lua cheia se
assemelham à figura de uma lebre. E diz a lenda que isto aconteceu assim...

Há muitos milênios, viviam, à margem do rio Ganges, quatro bichos diferentes que eram
amigos e companheiros: um macaco, uma lontra, um pequeno chacal e uma lebre, a mais
virtuosa dos quatro.

Um dia ela reuniu os amigos e lhes disse: "Amanhã será lua cheia, o dia que nós reservamos
para meditar e fazer jejum. Não precisamos, pois, de comida, mas sugiro que cada um de nós
saia à procura de alimentos necessários para dar de esmola caso alguém nos venha pedir".

Os bichos concordaram e cada um foi se recolher para passar a noite, e no dia seguinte sair
em busca de comida. O chacal subtraiu o almoço de um pastor distraído, que era uma gamela
de coalhada com arroz. O macaco tirou algumas mangas maduras de uma mangueira próxima.
A lontra apanhou alguns peixinhos esquecidos por um pescador. E a lebre, que passara a noite
em profunda meditação, pensou consigo mesma: "Não vou preparar nada. Se algum
necessitado vier pedir comida, darei meu próprio corpo para ele se alimentar".

Essa idéia tão generosa chamou a atenção dos mundos superiores, e um dos espíritos, o deus
Sekra, decidiu descer até a terra, encarnado no corpo de um brâmane, para conferir em pessoa
as dádivas dos quatro amigos animais. Primeiro, ele apresentou-se à lontra: "Minha filha lontra,
estou com fome, desde ontem não como nada. Será que você poderia ceder-me algum
alimento? Em troca, eu lhe darei as minhas bênçãos." A lontra entregou-lhe os peixinhos, e ele
agradeceu, dizendo que voltaria logo mais para buscá-los. E foi falar com o pequeno chacal:
"Amigo chacal, você não teria algum alimento para dar a um pobre faminto?" O chacal
ofereceu-lhe a coalhada com arroz, e o brâmane agradeceu e disse que voltaria logo para
buscar a comida. Então, foi procurar o macaco pendurado pelo rabo num galho de árvore e fez
o mesmo pedido. O macaco ofereceu-lhe as mangas maduras. O brâmane agradeceu, dizendo
que voltaria logo para buscá-las.

Por último, o deus Sakra disfarçado em brâmane foi procurar a lebre que continuava a meditar
à beira da sua toca, e tornou a fazer a mesma pergunta, à qual a lebre respondeu: "Meu santo
homem, vou oferecer-lhe um lauto almoço. É um pedaço de carne fresca, que você só terá de
assar numa pequena fogueira. Prepare o braseiro. Quando o fogo estiver alto, eu trarei a carne
para o seu almoço."

O brâmane juntou alguns gravetos, acendeu uma alegre fogueira ao lado da toca da lebre e
perguntou então qual seria a carne que lhe serviria de almoço. "É o meu corpo", respondeu a
lebre, e no mesmo instante pulou para o meio do fogo. Mas o fogo ardia e não queimava a
lebre, que até reclamou: "Ó santo homem, o seu fogo não queima. Você vai ter de aumentá-lo,
pois do jeito que está, chego a sentir frio".

Em vez de responder, o brâmane desapareceu e no seu lugar surgiu um belíssimo e luminoso


jovem, que se apresentou como o deus Sakra encarnado e disse: "Um ato tão nobre e
generoso como este tem de ficar para sempre na memória dos homens." E, crescendo
desmesuradamente, ele arrancou com a mão o cume de uma montanha próxima, amassou-o
dentro do punho, e com essa massa lambuzou a face da lua cheia que acabava de surgir no
céu, formando uma figura na forma de lebre. Esta figura apareceria aos homens a cada lua
cheia para lembrar-lhes a bela ação daquela pequena lebre, que mostrou que quem dá uma
esmola deve dá-la de todo o coração, dando tudo, e às vezes até o próprio corpo.

Lenda indiana recontada por Tatiana Belinky


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Como utilizar o texto em sala de aula

O texto saboroso e o vocabulário rico seriam razões suficientes para usar A Lebre na Lua nas
aulas de Português da 5ª série em diante. Mas para os professores Suely Nogueira e Marco
Aurélio Rocha, professores respectivamente de Ciências e de Geografia do Instituto de
Educação Anita Garibaldi, em São Paulo, SP, há ainda elementos na narrativa que podem ser
"trançados" entre várias matérias, como Geografia, História e Ciências. Acompanhe as
sugestões.

Palavras e idéias
1. Faça cópias da historinha e as distribua entre as crianças. Peça a estas para ler o texto, em
silêncio e com atenção, anotando os termos que não conhecem. Finda a leitura, mostre à
classe como usar o dicionário para descobrir os significados das palavras desconhecidas.
2. Chame uma criança para fazer a leitura do título e do 1º parágrafo do conto. Convoque uma
outra para ler o 2º e assim por diante, até o fim do texto. Escolha os estudantes que lêem
melhor para os parágrafos mais longos e os que têm dificuldades de leitura para os menores.
3. Divida a turma em grupos de 5 ou 6 crianças, para discutir qual é, para elas, a "moral da
história". Quando todas tiverem dado suas opiniões, peça para elegerem aquela que vai
representar a interpretação do grupo. Escreva na lousa as interpretações vencedoras,
eliminando aquelas que coincidirem. Lance aos alunos questões como as que seguem.

 Eles acham que os animais da lenda agiram corretamente ao decidirem ajudar quem
lhes pedisse socorro? Por quê? Na opinião deles, a lebre da história fez bem ao
sacrificar a própria vida para matar a fome do pobre monge? Por quê?
 Como agiriam se uma pessoa em necessidade lhes pedisse auxílio? Por quê? Fariam
algum sacrifício para ajudar essa pessoa? Por quê? Em caso de resposta afirmativa,
até que ponto iria o sacrifício? Por quê?

Vendo as coisas por outro ângulo


Peça às crianças para reescrever "A Lebre na Lua" substituindo os bichos do original por
animais brasileiros, atuando no mesmo contexto (ajudar os necessitados) mas chegando a
soluções e finais diferentes.

Mundo, vasto mundo


Volte ao 1º parágrafo do texto e veja o que as crianças entenderam por "Oriente". Então,
trabalhe:

 Os vários significados do termo (local onde o Sol nasce; os povos da Ásia; o lado
direito de um mapa etc.). Nesse ponto, verifique que povos orientais os alunos
conhecem, aproveitando para mostrar-lhes a composição da Ásia, que não inclui só
Japão, China e Coréia, como muitos podem imaginar.
 As noções de hemisfério geográfico, paralelos e meridianos. Leve as crianças a refletir
sobre o fato de que a Terra está solta no espaço infinito, onde as noções de "em cima",
"embaixo", "esquerda" e "direita" não fazem sentido. Em seguida, faça-as ver que
convenções como as de hemisfério, paralelas e coordenadas são úteis para a
orientação, principalmente no caso de meios de transporte como navios e aviões, que
perdem os pontos de referência ligados à superfície terrestres e devem guiar-se pelas
coordenadas dos mapas e por instruções de rádio.

Seres vivos: lendas à parte


Avalie o conhecimento das crianças sobre os animais que aparecem no conto. Se possível,
passe vídeos ou mostre livros ilustrados sobre os hábitos alimentares e o local (habitat) onde
eles vivem quando livres. Em seguida, pergunte à classe se, na realidade e em condições de
liberdade, seria possível encontrar os quatro animais do conto juntos e amigos.
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Peça para explicarem o porquê de suas respostas. Esse pode ser um gancho para estudar o
ambiente e a vida animal. Se quiser, trabalhe também o conceito de mamífero.

Pégaso e Andrômeda, a princesa acorrentada

Diz a lenda que muito tempo atrás, num distante país do Oriente, havia um rei chamado Cefeu,
casado com a linda rainha Cassiopéia. Tal era a fama de sua beleza, que as pessoas vinham
em caravana dos lugares mais remotos apenas para contemplá-la. Com o passar do tempo, a
rainha começou a se considerar a mulher mais bonita do mundo. Foi nessa época que cometeu
um grande erro. Diante de uma multidão que a aclamava, ousou dizer que era mais bela que as
Nereidas. Estas ninfas, para infelicidade da rainha, eram protegidas pelo poderoso deus dos
mares — Posêidon —, que ficou irado com a comparação. Num acesso de fúria, ergueu-se das
águas segurando o tridente, seu enorme cetro de três pontas, e lançou uma maldição sobre o
reino. O nível do mar subiu rapidamente e inundou grande parte do país. Ainda insatisfeito, o
deus dos oceanos enviou um monstro marinho para devorar qualquer criatura que se
aproximasse do reino pela região costeira.

Os pescadores não se atreviam mais a sair de casa. Os navios estrangeiros que costumavam
trazer preciosas mercadorias, não podendo atracar, nem saíam mais de seus portos. E o rei
Cefeu foi aconselhado a realizar um sacrifício para aplacar a ira do deus ofendido. A vítima
escolhida foi a princesa Andrômeda, sua filha. Deveriam amarrá-la aos rochedos para ser
devorada por Cetus, o monstro que aterrorizava a costa. Andrômeda, que além de linda era
muito corajosa, resolveu apresentar-se ao sacrifício para salvar o reino. E assim foi amarrada
aos rochedos e ficou esperando o monstro.

Enquanto isso, longe dali, um jovem herói cumpria certa profecia. O belo Perseu, filho de Zeus
— deus da terra e do céu, que habitava o monte Olimpo — e da princesa Danae, havia
recebido três presentes muito especiais: o manto da invisibilidade, sandálias com asas e um
escudo de metal, tão polido que mais parecia um espelho. Sua incumbência era matar a
Medusa, um monstro em forma de mulher, cujos cabelos eram serpentes vivas. Todos os seres
que a Medusa olhava se transformavam imediatamente em pedra. Usando seu manto e voando
com as sandálias mágicas, Perseu conseguiu se aproximar da Medusa enquanto esta dormia.
Quando ela pressentiu a presença de alguém, despertou, mas viu apenas sua própria imagem
refletida no escudo polido do nosso herói. Antes que petrificasse, ele cortou-lhe a cabeça e
colocou-a dentro de uma bolsa mágica de couro.

Quando voltava dessa arriscada missão, o jovem encontrou Andrômeda acorrentada nos
rochedos e ambos ficaram perdidamente apaixonados. Mas, no exato instante em que eles se
olharam, o monstro Cetus apareceu. Foi só então que Perseu se lembrou que trazia consigo a
cabeça da Medusa. E não pestanejou. Aproximou-se o mais que pôde e mostrou os olhos
petrificantes da Medusa para Cetus, que imediatamente se transformou em pedra e caiu no
fundo do oceano. Quando tudo parecia terminado, Perseu aproximou-se de Andrômeda para
soltá-la, mas nesse exato instante uma gota de sangue da Medusa, que restara na bolsa, caiu
no mar. Posêidon era apaixonado pela Medusa mas nunca tinha conseguido tocá-la. Esta única
gota de sangue em contato com a água provocou um estrondo e uma abundante espuma
branca, da qual emergiu um belíssimo cavalo alado chamado Pégaso. E assim, ao ver o filho
de sua amada, Posêidon abandonou a idéia de vingança.

Muitas lutas o herói Perseu precisou vencer para chegar à felicidade e casar-se com
Andrômeda. E propagou essa vitória ao mundo, mostrando a todos a cabeça decepada da
inimiga. Por fim livrou-se dela ofertando-a à deusa Atena, sua protetora.

Segundo a lenda, Pégaso foi recebido no monte Olimpo, morada dos deuses gregos e, tempos
depois, transformou-se numa das constelações mais representativas da primavera — estação
do ano que começa em 23 de setembro no hemisfério Sul.

Lenda grega recontada por Walmir Cardoso


25

O segredo da vó Maria

Outro dia, eu estava na casa da vovó Maria e, enquanto ela assistia à novela, aproveitei para
brincar em seu quarto. Estava brincando de cabeleireira de minhas bonecas na penteadeira da
vó quando vi pelo espelho o velho guarda-roupa onde eram guardados os lençóis e as toalhas.
Sempre tivera vontade de abrir aquele móvel. Fui até ele, escancarei a porta e vi que era
grande, tão grande que eu podia até entrar e sentar em seu interior. E foi o que fiz. Fechei a
porta por dentro e tudo ficou escuro e em silêncio, um silêncio abafado que me isolou do resto
da casa. Fui me ajeitando entre os lençóis e as toalhas. Tateando no escuro descobri uma
lâmpada bem pequena e consegui acendê-la. Vi então duas gavetinhas com puxadores de
metal. Tentei abri-las, mas estavam emperradas, como se não fossem usadas há muito tempo.
Precisei usar toda minha força para conseguir puxar uma delas. A primeira coisa que vi lá
dentro foi um envelope com uma carta e uma foto de meu avô Pedro quando era moço. Eu
tinha uma vaga lembrança dele, velhinho, magro e alto. Uma lembrança distante, porque
quando ele morreu, eu era muito pequena. Tentei ler a carta, mas não entendi a letra, toda
enfeitada. Como os antigos escreviam diferente! Só entendi o final: "...com afeto e saudades,
Pedro, 1928". Acho que era uma carta de amor para a minha vó, escrita há 70 anos!

Logo depois, achei um bolo de fotos de gente que nunca ouvi falar. As pessoas pareciam de
cera. As fotos eram todas em marrom e branco, e estavam desbotadas, algumas rasgadas. As
mulheres de chapéu e os homens de bengala. As crianças bem penteadas: as meninas com
fitas no cabelo e os meninos com o cabelo repartido de lado. Foi estranho pensar que hoje
esses meninos e meninas deviam ser velhinhos iguais à minha vó.

Continuei remexendo a gaveta, que era bem comprida e funda. Não podia ver direito as coisas
porque a lampadinha a toda hora se apagava. Eu só podia sentir os objetos com as mãos. Foi
num desses momentos de escuridão total que peguei um saquinho pequeno, que parecia de
veludo e era bem leve. Dentro dele senti que havia papéis enroladinhos como se fossem
canudinhos e amarrados com uma fita. Quando enfim consegui acender de novo a lâmpada, vi
que os canudinhos eram pedaços de papel amarelados, roídos pelo tempo e pelas traças. A
fitinha era velha, toda desfiada. Fui desenrolando um dos canudinhos com muito cuidado, pois
tinha medo que se rasgasse. Nesse primeiro papelzinho estava escrito, com letra de criança, o
seguinte:

Segredo de Amabília
Tenho um segredo que ninguém pode saber: morro de
medo do escuro
Era o segredo de uma criança que vivera em outro tempo, bem distante, e que eu nem sabia
quem tinha sido. Será que essa Amabília era uma irmã da vó? Uma prima? Uma amiga?
Resolvi fechar esse primeiro segredo enrolando devagar o papel. Em seguida, abri todos os
outros, um a um.

Segredo de Henrieta
Detesto a tia Adélia. Principalmente quando ela vem nos
beijar.
Ela tem cheiro de naftalina.
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Segredo de Giulia
Gosto do meu primo Tadeu. Mas ninguém pode saber
disso nunca!
Segredo de Maria
Tenho um esconderijo secreto na minha casa: é dentro do
guarda-roupa de lençóis e toalhas. Lá eu passo horas e
ninguém me encontra. Acendo a lanterninha e leio os
livros de histórias que eu mais gosto.
Tomei um susto. Não sei, a única coisa que fiz foi guardar aqueles velhos segredinhos dentro
do saquinho de veludo, apagar a lâmpada e sair de fininho daquele guarda-roupa cheio de
histórias.

Depois disso, toda vez que olho pra vó Maria tenho vontade de contar que descobri o segredo
dela. Mas logo desisto, porque agora o segredo também é meu.

Beatriz

Conto de Carla Caruso


27

Como trabalhar o texto em sala de aula

Em linguagem delicada e poética, a narrativa de Carla Caruso nos remete aos mais queridos
momentos da infância, quando, mesclando um pouco de realidade e muito de imaginação,
penetramos num mundo só nosso, onde podemos viajar no espaço e no tempo. É nesse
mundo que Beatriz, a heroína de O segredo da vó Maria, pode aproximar-se da avó como se
ambas tivessem a mesma idade e fossem companheiras de antigas e secretas brincadeiras —
coisa impossível na realidade. Pensando nisso foi que Lavínia Denti Vincenti, pedagoga,
bacharela em Letras, mestra em psicologia da educação e professora da EMPG Euclides
Custódio e da Scuola Eugenio Montale, de São Paulo, SP, elaborou as atividades que vão
ajudar você e sua classe a mergulhar no "rio do sangue" (como dizia Carlos Drummond de
Andrade), que liga antepassados e contemporâneos, desaguando no mar da humanidade —
que somos todos nós.

Trabalhando a observação
Leia o texto para a classe e, em seguida, peça que os alunos tentem lembrar a ordem em que
os acontecimentos do conto ocorreram e que objetos Beatriz foi encontrando. Incentive-os a
listar e, sempre que possível, descrever os objetos citados, como por exemplo, os lençóis e as
toalhas, a lampadinha, a gaveta, o envelope com a carta (como era a letra?), o saquinho dos
segredos (de que material era feito?), as fotos (como eram os meninos e meninas que nelas
apareciam?) etc.

Interpretando o texto
Lance a eles questões como:

 O que você pode descobrir da vida da avó por meio dos objetos encontrados pela
menina? (O modo de vestir de uma época, as brincadeiras da avó com suas amigas, o
amor entre a avó e o avô e assim por diante.)
 O que existe de semelhante entre a infância da avó e a da menina? Reflita junto com
os alunos sobre as coisas da infância que não mudam com o tempo: a busca de
esconderijos, a curiosidade, os segredos, a amizade, o amor etc.
 O que existe de diferente entre o tempo da avó e o da menina (o jeito de se vestir, o
jeito de escrever etc.)?

Ligando ficção e realidade

 Você já teve alguma experiência parecida com a da personagem da história?


 É importante para você ter um lugar só seu? Por quê? (Aqui, aproveite para despertar
as crianças para a importância de cada um ficar sozinho consigo mesmo e de
descobrir-se.)
 A história de sua família tem influência sobre sua vida? Por quê?

Interdisciplinaridade

 Leve as crianças a discutir a importância de se buscar a própria origem, e, em seguida,


a traçar um paralelo entre a história pessoal e a história de um povo, de um país.
Procure despertá-los para o fato de que a história, o passado, influi no presente,
naquilo que vivemos no momento atual.
 Peça aos alunos para imaginar e desenhar um esconderijo que gostariam de ter.
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 Ajude-os a elaborar uma listinha de perguntas para fazerem aos pais, tios, avós etc.
Por exemplo, "Que brinquedos e brincadeiras vocês tinham quando crianças?", "Como
era a escola?". Monte um painel com as respostas obtidas.
 Diga a uma metade da turma para trazer à classe objetos de outras épocas (fotos,
brinquedos, livros) e à outra metade para trazer o mesmo tipo de coisas, só que atuais,
para uma comparação entre os dois grupos de objetos.

Quem tem medo de passar ridículo?

Todo mundo tem seus medos


De escuro ou de furacão,  
De cachorro ou de galinha,
De polícia ou de ladrão.  
Mas o medo mais terrível
É de fazer, de repente,
 
Um papel muito ridículo
No meio de toda gente.  

Ridículo dá mais medo


Do que cair de avião, Imagine ir numa festa
Do que dar trombada em poste, Com a turma lá da escola.
Do que tiro de canhão. Sua mãe bota em você
Sua roupa mais frajola...
Dá mais medo que fantasma,
Mais medo até que dentista. Calça comprida, sapato,
Mais que cair de cabeça, Cabelo bem penteado,
Que trombar com terrorista! Camisa com colarinho
E um paletó alinhado!

Quando chega você vê


A turma de jeans rasgado,
De camisa e boné
E tênis bem desbotado...
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Mas às vezes dá mais medo


De saber uma lição
Que a classe inteira não sabe.
Você banca o caretão!

E veja se não dá medo,


De vez em quando, na escola,
Todo mundo está falando,
Não está dando a menor bola...

No meio do barulhão
De repente a gente fala.
É coisa de apavorar, E neste mesmo momento
A vida da gente estraga... A classe inteira se cala.
Dá vontade de matar!
Que mico que a gente paga!

Outra coisa que apavora,


Que nos dá muita aflição,
É em dia de sabatina
Não sabermos a lição...

A gente em frente da classe,


Com uma cara de bocó...
Sem saber coisa nenhuma...
Ridículo de dar dó!

No meio de uma conversa


Causa grande sofrimento
Não conseguir segurar,
Soltar um pum barulhento...
Sua voz sai esquisita,
Com um jeito muito infeliz, Soltar pum é natural,
E quase sempre é besteira Que qualquer pessoa faz.
Aquilo que a gente diz. Mas conforme a situação
É ridículo demais!
Quando a gente está
com a turma Se pensarmos um bocado
E a mãe da gente aparece, Chegamos à conclusão
Às vezes é o maior mico Que ridículo são todos:
Que a gente paga e não esquece! Depende da ocasião!

A gente gosta do irmão Por isso cada um de nós


Ainda mais pequenininho. Será ridículo quando
Mas às vezes dá vergonha Ficar muito preocupado
Carregar nosso irmãozinho! Com o que os outros
tão pensando!
30

Como utilizar o texto em sala de aula

Todo mundo sente certa apreensão quando tem de ir a algum lugar muito diferente daquele
que está acostumado a freqüentar. E não há quem não fique nervoso se tiver de dar sua
opinião sobre um assunto que não conhece bem. Principalmente se for criança, vivendo a fase
da vida em que é grande a necessidade de aprovação pelos outros e quando tudo é
aprendizado e adaptação. Pior ainda se estiver na escola, longe do aconchego de sua família e
exposta aos comentários muitas vezes impiedosos dos colegas.

Nas saborosas quadrinhas de Quem Tem Medo do Ridículo? Ruth Rocha procura, com muito
humor, sossegar os medos e vergonhas tão comuns na infância, deixando claro para a criança
leitora que ela não está sozinha nessa situação: o mundo inteiro está com ela! A professora
Rosana de Almeida Resende Lima, pedagoga e professora da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Pedro de Oliveira, em Jundiaí, SP, completa o trabalho de apaziguamento
propondo atividades que permitem às crianças revelar seus medos em grupo: percebendo que
os colegas possuem os mesmos sentimentos que elas, nas mesmas situações ou em situações
parecidas, elas relaxam e se dão o direito de ser o que são.

Quebrando barreiras

 Para iniciar o trabalho com a classe, avise que eles irão ouvir uma poesia falando
sobre o medo. Comente que todos nós possuímos alguns temores e, muitas vezes,
temos vergonha de admitir isso.
 Proponha que cada aluno, sem se identificar, escreva bem grande numa folha de papel
sulfite, qual é o seu maior medo.

Recolha os papéis sem olhar o que está escrito, para não encabular as crianças (este é um
assunto extremamente delicado para elas). Embaralhe os papéis e faça um grande painel com
todos eles.

Provavelmente, haverá vários papéis com medos iguais. Aproveite o fato para falar como esse
sentimento é comum. Diga que o medo faz parte de toda a nossa vida — ele apenas se
modifica com o passar do tempo.

 Depois disso, leia as quadrinhas em voz alta para a classe, pois a beleza da poesia
está na sonoridade das palavras que a compõem.

Trabalhando os medos

 Divida a turma em pequenos grupos. Cada grupo deve imaginar uma situação que eles
considerariam ridícula e depois descrevê-la. Quando terminarem, os grupos trocam
entre si os textos que elaboraram.
 Se quiser, faça uma votação na classe para escolher as três situações consideradas as
mais ridículas de todas pela turma.
31

Junto com as crianças, organize uma dramatização dessas situações, preparando os cenários
de acordo com a situação da estrofe que trata dos medos em questão.

A vez do texto

 Explore as rimas. Por exemplo, diga aos alunos para lerem os três primeiros versos da
1a estrofe e depois inventarem o último verso, terminando com uma palavra que rime
com a última palavra do 2º verso. Feito isso, diga para escreverem a nova estrofe no
caderno.
 Repita a atividade com outras estrofes e vá complicando as tarefas: mande-os partir de
um só verso ou, dependendo do nível da classe, até de uma única palavra do poema
para realizar o exercício.
 Peça então que cada grupo elabore uma estrofe inteiramente nova, com uma situação
imaginária, e escreva essa estrofe num pedaço de cartolina. Reúna o material obtido e
então, em conjunto, todos montarão uma só poesia coletiva, que pode ficar exposta na
classe.
 Terminado o trabalho, converse com a classe sobre a questão do preconceito, de como
nós, muitas vezes, não aceitamos as outras pessoas como elas são.

Comente ainda a respeito da autenticidade; que cada um deve ser aquilo que é, e não aquilo
que os outros querem que ele seja.
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A lenda de Órion

Dizem que na Grécia Antiga, muito tempo atrás, um jovem caçador chamado Órion
apaixonou-se por uma princesa de nome Mérope. Era filha do rei Enopião, com quem
morava numa ilha do Mar Mediterrâneo. Dona de grande beleza, Mérope era muito
amada pelo pai, que impedia os rapazes de se aproximarem da filha e namorá-la.
Acontece que Órion não era um jovem qualquer, mas filho do deus grego Posêidon,
conhecido na Roma Antiga como Netuno. Muito poderoso, esse deus reinava sobre os
mares. Com receio de deixar Posêidon zangado, Enopião permitiu a Órion achegar-se à
filha, com uma condição: devia capturar todos os animais ferozes que infestavam seu
reino. Sendo um hábil caçador, nosso herói aceitou a proposta, pedindo a mão da
princesa como prêmio pela façanha. Enopião nada respondeu e Órion interpretou seu
silêncio como consentimento. Durante um bom tempo o caçador enfrentou as feras, que
por fim conseguiu aprisionar e transportar para outra ilha, desabitada. Terminada a
missão, ele imaginou que pudesse, enfim, casar-se com Mérope. Contudo, os ciúmes de
Enopião em relação à filha falaram mais alto e ele escondeu-a do noivo num castelo.   
Inconformado, Órion começou a trazer os animais caçados de volta à ilha de Enopião.
Numa de suas viagens foi capturado pelos soldados do rei, que o cegaram e em seguida
o abandonaram numa praia deserta. Felizmente, o caçador cego foi encontrado por um
ciclope, gigante mitológico de um olho só, que o conduziu até Aurora, a deusa do
amanhecer. Apaixonada que era por Órion, ela restituiu-lhe a visão, fazendo-o olhar
para onde o sol nasce. Porém, mesmo com a vista totalmente recuperada, o caçador não
conseguiu casar-se com Mérope.

Tempos depois apaixonou-se por Ártemis, a deusa da caça, conhecida entre os romanos
como Diana. Mas Ártemis tinha um irmão gêmeo, Apolo, muito ciumento dela. Numa
bela tarde, os dois irmãos saíram para um torneio de arco e flecha. No caminho, Apolo
desafiou Ártemis a acertar um alvo no mar, perto da linha do horizonte. Excelente
arqueira, Ártemis aceitou prontamente o desafio e retesou o arco na direção indicada
pelo irmão. Mal sabia ela estar apontando para Órion, que nadava à distância e foi
trespassado por sua flecha certeira. No dia seguinte, andando a beira-mar, a deusa
encontrou o corpo morto do amado, com uma de suas flechas cravada no coração. Pôs-
se a chorar, mas era tarde, o mal estava feito. Penalizado com sua dor, Zeus, o maior dos
deuses gregos, ofereceu-se para transformar Órion numa constelação. Ártemis aceitou a
oferta porque assim, pelo menos, poderia ver seu amado no céu. A mesma sorte não
coube aos dois cães fiéis de Órion, que ganiam desesperados ao ver seu dono brilhando
no céu noturno. Assim, também eles foram transformados por Zeus em constelações.
São elas Cão Maior e Cão Menor, que podem ser vistas no céu junto ao gigante caçador
nas noites quentes de verão do hemisfério Sul.

Lenda grega recontada por Walmir Cardoso


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O leão de Neméia

Era uma vez um homem chamado Anfitrião, que vivia em Tebas, cidade da Grécia Antiga. Ele
era casado com Alcmena, neta de Perseu. Tão linda era Alcmena, que Zeus, o poderoso deus
dos deuses gregos, caiu de amores por ela. Alcmena, porém, era fiel ao marido. Mas, um belo
dia, Anfitrião teve de viajar por alguns dias e não avisou à mulher quando ia voltar.
Aproveitando-se disso, Zeus assumiu a forma física do esposo e passou a viver com Alcmena
como se fossem casados.

Algum tempo depois, ao tomar conhecimento de que Alcmena estava grávida, Zeus,
imaginando que o bebê fosse seu filho, declarou que o próximo descendente de Perseu seria o
soberano da Grécia. Porém, antes que Alcmena tivesse seu nenê, uma artimanha de Hera, a
ciumenta esposa de Zeus, fez nascer antes outra criança que tinha o sangue de Perseu —
Euristeu — que então tornou-se rei.

Logo em seguida Alcmena deu à luz não um, mas dois bebês: Hércules, filho de Zeus, e Íficles,
filho de Anfitrião. Quando os bebês tinham oito meses de vida, a deusa Hera, morrendo de
ciúmes de Alcmena e do filho que ela havia tido com seu amado, decidiu eliminar o pequeno
Hércules mandando colocar em seu berço duas imensas serpentes. Felizmente, o bebê já tinha
a força de um semi-deus e deu cabo dos dois bichos com as próprias mãozinhas!

Anfitrião e Alcmena deram a Hércules e Íficles a melhor educação que se podia ter na época:
eles aprenderam a dirigir carruagens, a usar o arco e flecha, a usar a lança e a tocar lira. Aos
18 anos, Hércules destacava-se entre todos os outros rapazes, por ser de longe o mais alto e o
mais forte. Nunca errava uma flechada ou um golpe de lança e seu olhar resplandecia. Com o
tempo, tornou-se um herói que todos chamavam quando precisavam de proteção ou de alguém
que lhe garantisse o sucesso numa luta. Foi depois de uma dessas lutas vitoriosas que
Hércules casou-se com Megara, uma das princesas do reino vencido, e com ela teve vários
filhos.

Do Monte Olimpo, a morada dos deuses gregos, Zeus observava a vida aventurosa do filho
com ternura, o que deixava Hera cega de ódio. Por fim, ela decidiu destruir a reputação de
Hércules para que Zeus o desprezasse. Hera fez com que o herói tivesse um ataque de
loucura e matasse a mulher e os próprios filhos. Quando voltou a si e viu o que tinha feito,
Hércules ficou desesperado e correu a consultar uma sacerdotisa para saber que castigo
poderia purificá-lo de seu terrível crime.

A sacerdotisa disse-lhe que devia servir ao rei Euristeu por doze anos. A cada ano, Hércules
deveria realizar um trabalho dificílimo. Quando os trabalhos estivessem completos, ele estaria
livre de seu crime, tornaria-se imortal como o pai e poderia viver com este no Olimpo. O
primeiro trabalho que Euristeu deu a Hércules foi trazer-lhe a pele do leão de Neméia, um
monstro terrível, com fama de indestrutível, que vinha aterrorizando a região há um certo
tempo.

Hércules aceitou o encargo e partiu para Neméia, levando um arco, uma lança e uma clava que
ele mesmo havia feito. Ao avistar a fera, o herói disparou uma flecha em sua direção. Mas a
flecha nem sequer arranhou a pele do animal. Hércules decidiu então atacar o monstro com a
clava, atraindo-o para uma caverna que tinha duas entradas. Tapou uma delas com pedras,
entrou pela outra e, depois de uma luta feroz, conseguiu estrangular a fera, passando a usar
sua pele como manto. A bravura do animal, porém, foi reconhecida por Zeus, que o
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transformou na constelação do Leão, que hoje brilha no céu do hemisfério Sul na entrada do
outono.

Lenda grega recontada por Walmir Cardoso

Quem tem medo de dizer ”não”?

A gente vive aprendendo Eu não sei me recusar, Depois que eu estou na fila
A ser bonzinho, legal, Quando me pedem um favor. Pra pagar o supermercado,
A dizer que sim pra tudo, Eu sei que não vou dar conta, Já estou lá há muito tempo...
A ser sempre cordial... Mas dizer não é um horror! Aparece um engraçado...

A concordar, a ceder, E no fim não faço nada Seja jovem, seja velho,
A não causar confusão, E perco toda razão. Se mete na minha frente,
A ser vaca-de-presépio Fico mal com todo mundo, Mas eu nunca digo nada...
Que não sabe dizer não! Só consigo amolação. Embora eu fique doente!

Acontece todo dia, Quando eu estudo a lição A gente sempre demora


Pois eu mesma não escapo. E o companheiro não estuda, A entender esta questão.
De tanto ser boazinha, Na hora da prova pede Às vezes custa um bocado
Tô sempre engolindo sapo... Que eu dê a ele uma ajuda. Dizer simplesmente não!

Como coisas que não gosto, Embora ache desaforo, Mas depois que você disse
Faço coisas que não quero... Eu não consigo negar... Você fica aliviada
Deste jeito, minha gente, Meu Deus, como sou boazinha... E o outro que lhe pediu
Qualquer dia eu desespero... Vivo só para ajudar... É que fica atrapalhado...

Já comi pamonha e angu, Se alguém me pede que Mas não vamos esquecer
Comi até dobradinha... empreste Que existe o "por outro
Comi mingau de sagu O disco do meu agrado, lado"...
Na casa de uma vizinha... Sabendo que não devolvem Tudo tem direito e avesso,
Ou que devolvem riscado... Que é meio desencontrado...
Comi fígado e espinafre,
De medo de dizer não. Sou incapaz de negar, Quero saber dizer NÃO.
Qualquer dia, sem querer, Mas fico muito infeliz... Acho que é bom para mim.
Vou ter de comer sabão! Qualquer um, se tiver jeito, Mas não quero ser do
Me leva pelo nariz... contra...
Também quero dizer SIM!

Poesia de Ruth Rocha


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Como utilizar o texto em sala de aula

A necessidade de agradar e receber aprovação do grupo pode levar crianças, ainda em


processo de formação e autoconhecimento, a dizer "sim" quando na verdade querem dizer
"não". Como levar os alunos ter mais auto-confiança? Ruth Rocha dá suas dicas em Quem
Tem Medo de Dizer Não? Segundo Maria Betânia Sampaio, do Instituto de Educação Emanoel
Marques da Silva, de São Paulo, o texto é um rico material para você trabalhar nas aulas de
Português. Já a professora de Educação Física Cláudia Padovani (tel. 011-2779086) sugere
uma abordagem corporal, com exercícios respiratórios, de flexibilização do corpo e de
integração com o grupo. "Nessa fase da vida a capacidade de abstração e racionalização ainda
é pequena", justifica. Cláudia ressalta que, embora as atividades propostas por ela pareçam só
brincadeiras divertidas, são eficazes para fortalecer a auto-estima se praticados com
regularidade. E adverte: os exercícios não devem ser feitos por crianças com problemas
cardíacos ou desvios acentuados da coluna vertebral.

Faça cópias do texto e distribua entre os alunos. Leia-o devagar, pronunciando bem as
palavras e "interpretando" cada estrofe.

Leia os versos uma segunda vez, agora com pausas a cada quadrinha. Nessas paradas, veja
se a turma tem dúvidas sobre o sentido dos termos e/ou expressões usados pela autora
(exemplos: "vaca-de-presépio", "engolir sapo"). Caso parte das crianças conheça o significado
de certa palavra mas as outras não, peça às primeiras para passar aos colegas o que sabem,
mas... por mímica!

Apresente à classe questões como: "Algum de vocês já esteve em situação parecida com as
descritas no texto?" É possível que várias crianças digam "sim" e comecem a contar suas
experiências. Estabeleça uma ordem para cada uma falar e vá anotando na lousa as situações
relatadas, juntando as semelhantes. Discuta os casos anotados e, a seguir, lance à turma o
seguinte tema: será que os adultos às vezes também aceitam coisas que gostariam mesmo é
de recusar? Ajude os alunos a montar um questionário para eles usarem numa pesquisa com
os pais e outros adultos conhecidos. Se alguns tiverem gravador ou câmera de vídeo e
souberem manejar esses aparelhos, peça para que os usem na pesquisa. A partir da discussão
que você promoveu em sala com as crianças, e das respostas obtidas por elas na pesquisa
com os adultos, puxe uma conversa final sobre as concessões que precisamos fazer para viver
em sociedade e aquelas que fazemos por medo de não sermos aceitos. Termine questionando:
vale a pena conseguir um afeto dirigido a uma falsa imagem que criamos de nós, e não ao
nosso verdadeiro eu?

Prepare os alunos para os exercícios, organizando-os em círculo, com você ao centro. Peça,
então, que fechem os olhos. Com voz pausada e tranqüila, dê os comandos:

Inspirem e expirem profundamente pelas narinas. Relaxem os músculos do rosto e do pescoço.


Imaginem a coluna vertebral como um rio que corre da base da cabeça até o ossinho do
cóccix. Espreguicem-se, soltem os ombros, os braços e as mãos. Inspirem, elevando os
ombros, e prendam a respiração por dois segundos. Soltem o ar, relaxando bem o tronco e o
pescoço. Pensem nos órgãos que estão dentro de sua barriga. Imaginem que estão brilhantes,
inundados pelo oxigênio vindo do ar que respiram. Dobrem de leve os joelhos, mantendo os
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pés paralelos e um pouco afastados. Imaginem-se como um conjunto tranqüilo, sereno. (Daqui
em diante, as crianças estarão preparadas para os exercícios a seguir.)

Movimento de pescoço em arco — Inspirem, alongando bem a coluna, como se quisessem


tocar o céu com a cabeça. Enquanto expiram, tentem fazer a orelha esquerda tocar o ombro
esquerdo. Deixem o lado direito do corpo se estirar. Ao mesmo tempo, com o braço direito solto
ao longo do corpo, imaginem que a mão quer tocar o chão. Enquanto realizam nova inspiração,
relaxem, mas sem perder o alongamento já feito. Repitam a seqüência com o lado direito do
corpo.

Movimento do balanço — Ergam-se sobre a parte da frente dos pés, mantendo-os paralelos e
um pouco afastados entre si. A seguir, batam a parte de trás da sola dos pés contra o chão,
aumentando o ritmo do sobe-e-desce até transformá-lo em vibrações que chegam à cabeça,
como se, com o corpo todo, vocês dissessem "sim, sim, sim" a si mesmos, a seus desejos e a
suas necessidades. Diminuam aos poucos os movimentos até parar por completo. Torçam de
leve a cabeça e a coluna para um lado e para o outro, como o corpo todo dissesse "não, não,
não" a tudo que incomoda ou magoa vocês.

Movimento da cobra — Deitem-se de barriga para baixo, peito dos pés,dorso das mãos, testa e
queixo no chão. Juntem as pernas e contraiam as nádegas. Mãos sob os ombros, palmas das
mãos para baixo, dedos unidos. Inspirem enquanto levantam sucessivamente a testa, o queixo
e o pescoço, imitando uma cobra. Expirem. Agora, inspirando e expirando, empurrem o chão
com as mãos e elevem o peito e a barriga, deixando o resto do corpo apoiado no solo: uma
cobra preparando o bote! Fiquem assim por cerca de um minuto. Desfaçam a posição
descendo o tronco devagar, tocando o chão primeiro com a barriga, depois como peito, os
ombros, o queixo e por fim a testa. Repousem o lado direito do rosto no chão, braços ao longo
do corpo, dorso das mãos voltado para baixo. Relaxem completamente por dez a quinze
minutos.
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O caso do espelho

Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapé esquecida
nos cafundós da mata.

Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho pendurado do
lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos:

— Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui?

— Isso é um espelho — explicou o dono da loja.

—Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai.

Os olhos do homem ficaram molhados.

— O senhor... conheceu meu pai? — perguntou ele ao comerciante.

O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e
moldura de madeira.

— É não! — respondeu o outro. — Isso é o retrato do meu pai. É ele sim! Olha o rosto dele.
Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?

O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho,


baratinho.

Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa todo contente. Guardou,
cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira.

A mulher ficou só olhando.

No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da
penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando
a boca com as mãos. Em seguida, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.

— Ah, meu Deus! — gritava ela desnorteada. — É o retrato de outra mulher! Meu marido não
gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que cabeleira solta! Que pele
macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu!

— Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A mulher,
chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida.

— Que foi isso, mulher?

— Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato?

— Que retrato? — perguntou o marido, surpreso.


38

— Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira!

O homem não estava entendendo nada.

— Mas aquilo é o retrato do meu pai!

Indignada, a mulher colocou as mãos no peito:

— Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre um velho
lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa?

A discussão fervia feito água na chaleira.

— Velho lazarento coisa nenhuma! — gritou o homem, ofendido.

A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo.
Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue mais voltar pra casa.

— Que é isso, menina?

— Aquele cafajeste arranjou outra!

— Ela ficou maluca — berrou o homem, de cara amarrada.

— Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje, depois que ele
saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!

A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato.

Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos.


Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada.

— Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia, velha,
cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e desdentada
que eu já vi até hoje!

E completou, feliz, abraçando a filha:


— Fica tranqüila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova!

Versão de conto popular por Ricardo Azevedo


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Como utilizar o texto em sala de aula

Em O Caso do Espelho, Ricardo Azevedo reconta uma narrativa de origem chinesa, perfeita
para trabalhar com a imaginação e a capacidade de observação das crianças. E também com
seu humor, já que o conto está repleto de situações engraçadas. Por lidar com as imagens
formadas no espelho, ele também pode ser utilizado para passar aos alunos as primeiras
noções de óptica. Veja o plano de aula interdisciplinar elaborado pe-los professores Magali
Filizola Al-ves, de Português, e José Ary Lemos, de Ciências, ambos do Colégio Santa Inês, de
São Paulo.

Um bom começo é lançar para as crianças questões que as façam perceber que certas
tecnologias com as quais elas convivem no seu dia-a-dia nem sempre existiram. Comece, por
exemplo, com a eletricidade (não apenas a energia elétrica: também a de pilhas, baterias,
células de energia solar). Enquanto você pergunta "O que não teríamos hoje se não existisse a
eletricidade?", vá desenhando na metade esquerda da lousa uma tabela com duas colunas
(veja esquema abaixo). No topo da primeira, escreva "Tecnologia" e, na linha de baixo,
"Eletricidade". No topo da segunda, escreva "Benefícios". É possível que as crianças falem de
coisas como televisão, cinema, computador. Vá anotando tudo na 2a coluna. Esgotadas as
sugestões, pergunte sobre benefícios que elas não citaram: "E elevadores, haveria?";
"Microondas?"; "Radinhos de pilha?"; "Automóveis?" e assim por diante.

Introduza, a seguir, a questão dos espelhos. Como seria nossa vida sem os espelhos?
Possivelmente, os alunos dirão que seria difícil pentear os cabelos, fazer a barba, escovar os
dentes.

Pegue o espelho que levou para a sala, vire-o para a classe e pergunte: "Por que é que vemos
nossa imagem nos espelhos ?" Ouça as respostas e vá anotando tudo no lado direito da lousa.
Lance uma segunda questão: "E por que não vemos nossa imagem numa folha de papel?"
Caso nenhum aluno toque na questão da reflexão da luz pelos espelhos, explique um pouco
sobre o mecanismo da nossa visão: tudo o que vemos é a luz refletida pelos objetos. Sem isso,
não há visão. É possível que elas duvidem de suas palavras. Feche, então, as cortinas da sala,
apague a luz e pergunte: "Estão enxergando como antes?" Um coro de nãos será a sua
resposta.

Puxe um pouquinho a cortina, o suficiente para entrar um feixe de luz que se reflita no espelho.
"Que objeto ou pessoa vocês vêem melhor com esse pouquinho de luz?" A resposta será "O
espelho" ou "A luz do espelho". Pronto, agora você pode dizer que, quanto mais lisa uma
superfície, mais ela reflete a luz. Circule então o espelho e uma folha de papel pela classe para
que todos observem qual superfíce é mais lisa: a do papel ou a do espelho.

"Além do espelho, em que outras superfícies vocês já viram sua imagem refletida?" é a
pergunta seguinte. As crianças talvez falem de vidraças, móveis polidos, colheres etc. Se
ninguém sugerir, pergunte: "E na água?" Pelo menos alguns já terão observado seu reflexo
num balde d’água. Passe então para o próximo tópico da aula.
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Leia o conto em voz alta para as crianças. Procure representar dramaticamente as diversas
situações descritas, mudando a voz e a postura do corpo para a fala de cada personagem. O
humor do conto vai contagiar a classe. E nada como boas risadas em grupo para criar um clima
de companheirismo e disposição para o trabalho.

Distribua cópias do conto a todos. A seguir, faça os alunos analisarem a narrativa por um
ângulo diferente do usado pelo escritor. Será que, mesmo sem conhecer um espelho, o homem
do conto nunca teria contemplado a própria imagem? No final da discussão, divida a classe em
grupos e peça a cada um deles para reescrever o conto de Ricardo Azevedo, usando as
noções que aprenderam. Depois, monte um mural com os trabalhos.
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Quem tem medo de cachorro?

O Lulu da Pomerânia Veja o Galgo, que valente,


É cachorrinho cuidado... Correndo, todo pimpão!
Toma seu banho de cheiro, Parece até que persegue
Está sempre penteado... Algum bandido ou ladrão.

Mas o Lulu se amedronta Que nada! Ele está correndo


Quando vê no seu caminho Do Bóxer do alemão...
O Púdol, que ele acha enorme... Pois ele é muito medroso...
Porque ele é pequenininho... Tem medo daquele cão...

O Púdol, todo frisado, O Bóxer do alemão


Com cachinho e laçarote, Tem uma cara medonha,
Usa um lindo casaquinho, Mete medo em todo mundo
Cheio de biriquitote... Com a sua carantonha...

Quando o Púdol vê na esquina Mas sai ganindo baixinho


O Bassê que mora perto Quando perto dele passa
Sai correndo, bem depressa, O Policial do vizinho
Fica logo muito esperto! Que também é cão de raça...

Agora, veja o Bassê, Já sei! O Policial


Que é meio desengonçado... Que parece tão nervoso
Tem as pernas curtinhas... Também tem medo de alguém
Tem um jeitinho engraçado... Que parece perigoso.

O Bassê foge depressa, É claro! Maior que ele


Se enxerga o Cóquer da esquina, É o Dinamarquês. Eu juro,
Fica todo encolhidinho... Quando o grandão aparece
Bem por trás da cortina. Ele até sobe no muro!

O Cóquer, de orelha grande, O Dinamarquês é grande!


De pêlo fino e lustroso, É forte, é muito valente!
Mete medo nos pequenos, Não tem medo de cachorro
Se finge de perigoso... E muito menos de gente!

Mas se o Séter aparece, Mas o susto que ele leva,


Fingindo que nem repara, Vendo o Dóberman por perto...
Vai saindo, vai saindo, É que o Dóberman é feroz,
E quando pode, ó, dispara! Agressivo e muito esperto!

E o Séter? De quem tem medo, Só o Dóberman não teme!


Com toda a sua elegância? Nenhum é bravo como ele!
Com seu ar de cão de raça, Mas o que é isso? Ele treme
Com toda a sua arrogância? Vendo o Lulu perto dele!

O Séter morre de medo É que o Lulu é pequeno,


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Do Galgo, que corre bem, Mas lhe dá um calafrio...


Que tem ares de fidalgo, Pois ele tem muito medo...
E que é grã-fino, também. Que o Lulu tem nariz frio...

______________________
Poesia de Ruth Rocha

Como utilizar o texto em sala de aula

Nessa história em versos, Ruth Rocha mexe outra vez com a questão dos medos infantis.
E de novo lança contra eles a infalível arma do humor. Comparar o mundo canino com o
nosso é a proposta da professora Anna Flora, mestra em Teatro-Educação pela
ECA/USP, autora de 19 livros para crianças e jovens, entre eles A República dos
Argonautas (Cia. das Letras), O Retrato das Figuras (Quinteto) e do didático Escrever e
Criar, em parceria com a própria Ruth Rocha (FTD). Veja algumas atividades sugeridas
por ela para trabalhar o conto.

Investigue: quem na sala tem cachorro em casa? Como o animal é? Como se chama? O
que faz quando vê a criança? Ela já surpreendeu o bichinho fazendo alguma travessura?
Divida a turma em duplas: uma criança será o cachorro e a outra, o seu dono. Cada dupla
se exibe para os colegas, que serão as "visitas". O dono vai dizendo o que seu animal é
capaz de fazer. Enquanto isso, o "cachorro" usa a expressão corporal para obedecer às
ordens do dono.
Em seguida, a classe entrevista o cachorro. Como é o seu dono? Ele tem medo do quê?
Você gosta dele ou se sente obrigado a seguir suas ordens para ganhar casa e comida?
Por que você não larga dele e muda de vida?
Depois que todas as duplas se apresentam para a turma, invertem-se os papéis: quem
era cachorro vira dono e vice-versa.
Separe a classe em grupinhos (três ou quatro crianças em cada um). Peça para cada
grupo produzir um pequeno texto contando como se sentiu durante sua "vida de
cachorro". No final, convide os alunos a elaborar "Os Dez Mandamentos do Dono de Um
Bichinho de Estimação". As regras escolhidas ("Não deixar o animal sem água e comida",
por exemplo) serão copiadas em uma cartolina, que ficará sempre exposta na sala.

Com o ambiente bem descontraído, converse com as crianças sobre o sentido do texto de
"Quem Tem Medo de Cachorro?", no qual cada tipo de cão tem receio de um outro, nem
sempre maior ou mais forte que ele — o Dóberman, por exemplo, apresentado como o
mais feroz de todos, fica aterrorizado diante do pequeno Lulu da Pomerânia.
Debata com as crianças sobre as questões a seguir.
Será que a história fala mesmo só sobre cachorros? Ou ela foi escrita para nos lembrar
que, como os cães da narrativa, também tememos outros seres humanos? Quem, na
turma, temeria enfrentar um colega mais alto ou maior? Por outro lado, alguém conhece
crianças grandonas e fortes, mas que são tímidas e medrosas? E os adultos, será que
não têm mesmo medo de nada? Nem de um cachorrão bem bravo?
Encomende às crianças uma pesquisa com os pais, realizada em duas partes. Na
primeira, elas investigam os temores infantis da mãe e do pai, descobrindo como fizeram
para superá-los (ou não...).
Na segunda parte da pesquisa, os filhos procuram saber se agora os pais têm receio de
alguma coisa (vale medo de barata, de ver sangue, de perder o emprego, de bronca do
chefe...).
O resultado da pesquisa vai mostrar aos alunos que seus pais também sentem temores.
Explique que o medo é uma coisa normal e pode até ser benéfica, pois serve para nos
avisar dos perigos. Imagine se a gente não se amedrontasse ao ver um leão feroz vindo
43

em nossa direção! Aproveite para dizer que a coragem não é ausência de medo, mas a
capacidade de enfrentá-lo quando é preciso.
Encerre a atividade com uma brincadeira no pátio. Divida a classe em grupos de dez. Use
cartolina e alfinetes de segurança para fazer conjuntos de crachás numerados de 1 a 10 e
assim identificados:
1 - Dóberman; 6 - Séter;
2 - Dinamarquês; 7 - Cóquer;
3 - Policial; 8 - Bassê;
4 - Bóxer; 9 - Púdol;
5 - Galgo; 10 - Lulu
Combine que, quando você der o sinal, o "cão" de número 1 correrá atrás do de número 2,
este perseguirá o de número 3 e assim sucessivamente. Quem for o Lulu (o número 10),
além de fugir do Púdol, terá também de correr atrás do Dóberman.

Arranje dez pedaços de cartolina de 15 cm x 15 cm cada. Cole em cada quadrado uma


foto ou uma ilustração de cada raça canina representada no conto. Embaralhe bem e vire
as figuras para baixo no chão da sala.
Sorteie a criança que vai virar o primeiro quadrado. Se ela virar, por exemplo, a peça com
a figura do Bassê (8), a próxima carta que levantar deve mostrar o Cóquer (7). Se mostrar
mesmo, ela continua no jogo, virando uma terceira carta — que deverá exibir o Séter (6),
e assim por diante. Caso apareça um outro tipo de cachorro, a criança dará vez ao
próximo jogador. Ganha o jogo quem levantar a mais longa seqüência decrescente de
cartas.
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Quem tem medo de quê?

Eu vou contar pra você   Piolho é um bichinho à-toa...


O que é meu maior segredo. Não complica nossa vida.
Há uma coisa no mundo É coisa que a gente cura
Que me mete muito medo! Com sabão e inseticida!

Não tenho medo do pai, Agora, mais perigoso,


Nem da mãe e nem do irmão. Pra mim, até que leão,
Mas eu tenho muito medo Que medo mais bobo o seu! Tenho medo é de cachorro,
Do barulho do trovão! Não tenho medo de escuro. Cachorrinho ou cachorrão!
É só acender a luz
E pronto! Acaba-se o escuro!

Do trovão? Mas que bobagem! De cachorro eu até que gosto.


Que medo mais infantil! Na minha casa tem três.
Quando o trovão faz barulho Do que eu tenho muito medo, Agora, do que eu tenho medo
O raio até já caiu... O que me causa pavor, Eu vou contar de uma vez.
É de pensar em vampiro.
Medo eu tenho, vou dizer... Vampiro me causa horror! Não tenho medo de nada!
De uma coisa muito mixa... Nem de bicho nem ladrão!
Mas o que é que eu vou fazer? Mas apesar de valente
Eu detesto lagartixa! Tenho medo de avião!
Vampiro não me dá medo...
Acho que eu nunca senti...
Tenho medo do que existe!
Lagartixa? Vejam só! E não do que eu nunca vi.
Isso parece piada... Avião é uma delícia!
Nem ligo pra lagartixa! Ando pra baixo e pra cima...
Acho ela uma coitada! Não tenho medo nenhum,
Mas existe uma coisinha... Desde que era pequenina.
Sabe do que eu tenho medo? Eu de medo até me encolho!
Que me dói o coração? Eu tenho um medo danado Mas peru, pato, galinha,
Até me arrepia a espinha... Mas é de pegar piolho! Galo, grande ou garnisé,
Tenho medo... de injeção! Tudo que é bicho de pena
Me põe de cabelo em pé!

Ah, de injeção eu não gosto,


Mas não fico apavorado. Pelo que eu vejo, pessoal,
Existe só uma coisa Ter medo não é vergonha.
Que me deixa até gelado... Todo mundo tem um medo,
Que a gente nem mesmo
Do que eu tenho muito medo, sonha.
Que me deixa num apuro...
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É uma coisa meio besta. E eu agora vou andando,


É ter de ficar no escuro... Não temo bicho, nem homem!
  Mas está chegando a hora
De aparecer lobisomem...

Poesia de Ruth Rocha

Como utilizar o texto em sala de aula

este número, Ruth Rocha (que se diz a pessoa mais medrosa do mundo...) faz uma última
narrativa sobre os medos comuns entre as crianças. Outra vez, sua preocupação é mostrar que
todo mundo tem medo de alguma coisa. Se é assim, não há motivo para alguém ter vergonha
do próprio medo. Para fechar o assunto com chave de ouro, a professora e escritora Anna
Flora — tel. (0_ _ 11) 262-6424 — elaborou uma aula especial, um tanto filosófica, tratando dos
"medinhos", que merecem tanto respeito quanto os "medões", e dos significados que medo e
coragem podem ter, dos pontos de vista ético e social. De nossa parte, uma sugestão: reúna os
outros poemas da autora e as aulas propostas para deles em um livrinho para você trabalhar
com suas turmas. Solte a imaginação e invente novas histórias e atividades feitas
exclusivamente para as crianças de sua classe.

Leia para os alunos as quadrinhas do Quem Tem Medo de Quê?. Divida a classe em pequenos
grupos, sorteando entre eles os nomes dos medos citados no poema: trovão, lagartixa, injeção,
escuro, vampiro, piolho, cachorro, avião, bicho de pena e lobisomem. Se não houver grupos
suficientes para todos os medos, sorteie mais de um para cada.
Cada grupo debate sobre o medo que recebeu no sorteio, tentando "enfiar-se" na pele de
alguém que tem mesmo esse sentimento. Depois, a equipe escreve uma minipeça de teatro na
qual um dos personagens tem o tal medo e os outros tentam "curá-lo", usando seus melhores
argumentos.
Os grupos trocam as peças entre si e sorteiam a ordem em que vão representá-las para os
colegas (a atividade de representação pode ficar para as próximas aulas).

Releia para a classe o conto Quem Tem Medo de Cachorro?, publicado na edição 124.
Comece debatendo com meninos e meninas sobre o medo que o Dóberman tem do Lulu.
Parece engraçado tamanho bichão assustador derreter-se diante de um punhadinho de pêlos
com nariz gelado! Argumente então que nossos medos às vezes são irracionais e misteriosos...
Conte como há pessoas que têm horror de besouro, de barata, de sapo, de gato... E até gente
que entra em pânico quando vê uma galinha ou outro bicho de pena, mesmo um pequenino
beija-flor... Todos devem ser respeitados, pois o tamanho do medo está dentro e não fora da
pessoa.
Convide as crianças da classe que têm receio de alguma coisa ou bicho pequeno a falar de seu
próprio "medinho", contando depois quando foi a última vez que se amedrontou.
Em seguida, peça a cada um para escrever uma descrição detalhada e ilustrada dessa
situação: o que sentiu quando o bicho (ou seja lá o que for) apareceu? Como era ele? O que a
criança fez? Use os trabalhos para montar com a turma um "Mural do Medo Pequeno".

Às vezes, alunos ou alunas que vão bem em trabalhos escritos, individuais ou em grupo,
entram em pânico quando precisam fazer sozinhas algum relato oral. Pode ser que essas
crianças tenham problemas de auto-estima, temendo não serem aceitas por você e/ou pelos
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colegas. Nesses casos, não force a criança a ficar em evidência. Em vez disso, faça-a
participar de atividades em grupos cada vez menores, até chegar a uma equipe de dois alunos
— ela e outro. Nesse ponto, passe a atividades individuais que exijam pouca exposição da
criança. Responder "sim" ou "não" a uma questão, por exemplo. Assim que a sentir segura
para fazer isso, vá aumentando aos poucos o grau de exposição: dizer uma pequena frase
durante uma representação, por exemplo, pode ser o próximo passo.
Vá assim, sem fazer muita pressão, sempre encorajando o aluno com frases afetuosas. À
medida que perceber sua aceitação e a dos colegas, ele irá se soltando.

Lance as questões: O que é coragem? Só é corajosa a pessoa que parece não sentir medo de
nada? Ou também aquela que vence o medo e faz o que tem de fazer? Quem tem mais
coragem: quem luta com alguém fisicamente mais forte ou quem defende alguém mais fraco?
Tem mais valor a coragem de quem defende seus próprios interesses ou a de quem luta pelos
direitos de um grupo mais pobre ou mais fraco?
Proponha aos alunos formar grupos para pesquisar em jornais e revistas notícias sobre
experiências, gestos que eles consideram corajosos, não só de pessoas isoladas, mas de
grupos que resistem a determinado tipo de opressão, trabalham na defesa de uma
comunidade, de um bairro e assim por diante. Convide o pessoal a usar as notícias coletadas
para montar um jornal mural com o seguinte título: "Quem Tem Medo, Mas Faz".
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O rei que virou vaca

Certa vez, um rei convocou os nobres da corte e declarou que era uma vaca. Os nobres
ficaram assustados. O soberano disse mais: desejava ser morto e ter sua carne cortada e
distribuída ao povo.
Achando que o rei havia enlouquecido, os nobres convocaram os principais médicos do reino.
Remédios e ungüentos foram experimentados mas, infelizmente, sem nenhum resultado.
Enquanto isso, o monarca piorava. Mugia o dia inteiro. Sujava o chão do palácio. De vez em
quando, saía galopando, dando coices e cabeçadas.
Passado um tempo, o rei chamou novamente seus principais nobres e ministros. Parecia
contrariado. Esbravejou. Disse que, porque suas ordens não haviam sido cumpridas, a partir
daquele dia não ia comer mais nada.
Uma nuvem negra pousou no futuro do reino. O povo, angustiado, acompanhava o drama de
seu querido rei, cada vez mais magro, fraco e abatido.
Um dia, um famoso cientista apareceu no reino. Diziam que era um grande médico. Diziam que
era um filósofo capaz de lidar com os mais intricados segredos da alma humana.
O sábio foi ao palácio examinar o rei. Deitado na cama, o monarca repetiu ao médico suas
alucinações. Mugiu. Confirmou que era uma vaca. Confirmou que seu único desejo era ser
morto, cortado e ter sua carne distribuída ao povo.
Coçando a longa barba, o sábio declarou que o rei tinha razão. Ordens reais eram leis que
precisavam ser cumpridas imediatamante. Em seguida, abrindo a porta, chamou o açougueiro.
Um homem imenso, vestido de branco, entrou no quarto com uma faca na mão. Perguntou
onde estava a tal vaca.
– Estou aqui! – gemeu o soberano, exultante, com os olhos alegres de loucura.
O açougueiro aproximou-se da cama. Levantou, cuidadoso,
a perna fina e branca do monarca. Balançou a cabeça, decepcionado. Aquela vaca estava
magra demais.

De que adiantava matar um animal que era só pele e osso? Cortar o quê? Distribuir o quê?
– Primeiro – aconselhou ele –, é necessário que essa vaca aprenda a se cuidar, a comer,
dormir direito e caminhar pelas montanhas, até ficar forte, alegre e cheia e saúde.
Dizendo que só voltaria quando a vaca estivesse no ponto certo, o açougueiro guardou a faca e
foi embora.
A partir desse dia, o rei decidiu alimentar-se de novo. Aos poucos, foi engordando, as cores
voltaram a brilhar em seu rosto, ficou forte e acabou esquecendo de vez que um dia havia sido
vaca.

Versão de um conto popular, por Ricardo Azevedo


48

Como utilizar o texto em sala de aula

Existiu ou existirá algum dia um rei tão bondoso ou tão louco ao ponto de querer que seus
súditos se alimentem de sua própria carne e seu próprio sangue? Qual a intenção desse “rei
que virou vaca”?Nem se ele fosse um chefe índio seria fácil compreendê-lo! Muitas tribos
comem os inimigos vencidos para dessa forma integrar a si próprios as qualidades dos
oponentes. Nosso rei, porém, quer ser comido pelos súditos! A pedagoga Rosana de Almeida
Resende Lima, Coordenadora Pedagógica da Escola Municipal de Ensino Fundamental Pedro
de Oliveira, em Jundíai, SP, preferiu deixar de lado esse aspecto do conto e montar atividades
possíveis de trabalhar em disciplinas como Português, Filosofia e História.
Veja as sugestões dela:

Inicie o trabalho preparando a turma para a narrativa que será apresentada posteriormente.
Comece com uma sondagem oral a respeito dos contos
de fadas que as crianças conhecem. Caso algum conto bem popular não seja citado por elas,
pergunte, por exemplo: “Alguém conhece uma
história em que a princesa machuca
o dedo num instrumento de tecer
e cai adormecida?”
Se quiser incluir narrativas modernas, estimule a classe a se lembrar de histórias como O Rei
de Quase Tudo, de Ruth Rocha.
Vá escrevendo na lousa os títulos das narrativas que os alunos vão citando. Levantados o
maior número possível de títulos, peça à turminha para dizer em quais das histórias um dos
personagens é um rei. Vale lembrá-los de títulos onde o rei foi esquecido por ser um
personagem pouco atuante, como é o caso de A Bela Adormecida.
Marque um X ao lado do título das narrativas “com rei”.
Peça aos alunos para refletir a respeito do comportamento e da personalidade dos reis dos
contos selecionados por eles.

Como eles costumam se comportar? São bondosos? O povo gosta deles?


Após esse levantamento inicial, faça a leitura da história para a classe somente até o momento
em que o sábio vai consultar o rei e este confirma seu desejo de ser morto e ter seu corpo
distribuído à população.

 Interrompa a leitura e divida a classe em pequenos grupos. Proponha a cada grupo


imaginar e escrever qual deve ter sido a solução encontrada pelo sábio para resolver o
problema real, apenas adiantando que o rei não morreu.
 Terminando esse trabalho, cada grupo lê o desfecho que elaborou para a história.
Todos comentam os textos uns dos outros. No final, fazem uma votação para escolher
o final que a classe acha mais adequado para a narrativa.
 Depois disso, leia o restante do texto para a classe, comparando-o com a hipótese
eleita como a melhor. Discuta se, entre todas, houve alguma com fecho semelhante ao
de Ricardo, se as soluções imaginadas eram coerentes e possíveis dentro do contexto,
se era previsível a atitude tomada pelo sábio.
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O conto de Ricardo Azevedo cai como uma luva para você discutir com a turma os sistemas de
governo monarquista e presidencial. Veja algumas dicas:

 Lance à classe perguntas como as seguintes: ”Qualquer menino ou menina pode ser
rei ou rainha quando crescer? Por que não?” Provavelmente os alunos vão dizer que
só quem pertence às famílias reais podem aspirar o trono de rei ou de rainha.
 Peça para eles refletirem: “Dá para saber se o filho ou a filha de um bom rei também
vai ser um rei ou uma rainha bons?” As crianças sabem perfeitamente que os filhos
nem sempre “puxam” aos pais e vão admitir que é impossível dizer como será o filho
ou a filha de uma pessoa.
 Argumente então: “O pai do primeiro de todos os reis não era rei.Como será então que
ele se tornou rei?” Isso dará margem a uma grande discussão que você poderá desviar
para o estudo de História e da questão de como o poder se transmite.
 Finalize com a questão: “Está certo esse sistema de escolher a pessoa para governar
um país?” Muito possivelmente, os alunos acharão que não.
 É o momento então de você explicar-lhes como funcionam os sistemas democráticos
de governo, como o presidencialismo. Divida novamente a classe em grupos e ofereça
um material informativo que fale a respeito da Monarquia e da República. Proponha
que comparem as duas formas de governo assim como os poderes de um rei e de um
presidente.
 Após essa etapa trace oralmente com eles um paralelo entre a época em que se passa
a história e o Brasil dos dias de hoje.
– Aqui existe um rei?
– Quem exerce uma função semelhante à do rei ?
Para finalizar peça aos grupos que elaborem uma versão da história, tendo um
presidente como personagem principal. Lembre que outros papéis também terão que
ser mudados e que a solução deve ser coerente com a realidade atual.
50

Folhas secas

Eu estava dando uma aula de Matemática e todos os alunos acompanhavam atentamente.


Todos?
Quase: Carolina equilibrava o apontador na ponta da régua, Lucas recolhia as borrachas dos
vizinhos e construía um prédio, Renata conferia as canetas e os lápis do seu estojo
vermelhíssimo e Hélder olhava para o pátio.
O pátio? O que acontecia no pátio?
Após o recreio, dona Natália varria calmamente as folhas secas e amontoava e guardava tudo
dentro de um enorme saco plástico azul. Terminando o varre-varre, dona Natália amarrou a
boca do saco plástico e estacionou aquele bafuá de folhas secas perto do portão. Hélder
observava atentamente. E eu observava a observação de Hélder – sem descuidar da minha
aula de Matemática. De repente, Hélder foi arregalando os olhos e franzindo a testa.
Qual o motivo do espanto?
Hélder percebeu alguma coisa no meio das folhas movendo-se desesperadamente, com
aflição, sufoco, falta de ar. Hélder buscava interpretações para a cena, analisava
possibilidades, mas o perfil do passarinho já se delineava na transparência azul do plástico. Um
pássaro novo tinha caído do ninho e, confundido-se com as folhas secas, foi varrido e agora
lutava pela liberdade.
– Ele tá preso!
O grito de Hélder interrompeu o final da multiplicação de 15 por 127.
Todos os alunos olhavam para o pátio. E todos nós concordamos, sem palavras: o bico do
passarinho tentava romper aquela estranha pele azul. Hélder saiu da sala e nós fomos atrás. E
antes que eu pudesse pronunciar a primeira sílaba da palavra “calma”, o saco plástico
simplesmente explodiu, as folhas voaram e as crianças pularam de alegria.
Alguns alunos dizem que havia dois passarinhos presos. Outros viram três passarinhos voando
felizes e agradecidos. Lucas diz que era um beija-flor. Renata insiste que era uma cigarra. Eu,
sinceramente, só vi folhas secas voando.
E, para concluir esta inesquecível aula de Matemática, pegamos vassouras, pás e sacos
plásticos e fomos varrer novamente o pátio.

Conto de Francisco Marques (Chico dos Bonecos)


51

Como utilizar o texto em sala de aula

Poético e intimista, o texto de Chico dos Bonecos quase não tem diálogos. Mesmo assim, no
final da leitura o leitor tem a sensação de ter assistido pessoalmente às cenas descritas pelo
autor. Simone Pierri, formada em Letras e professora de Português do Colégio Brasília de São
Paulo (tel. 0_ _11-271-0066), captou muito bem essa característica envolvente da narração de
Chico. E criou uma atividade bem criativa que você também pode usar com suas turmas de 5a
série em diante.

Fora da sala, já!

 Trabalhe o conto no pátio, que é o centro de convivência da escola.


Ou use uma sala que dê para ele.
 Antes de levar a classe para lá, crie uma atmosfera diferente. Arranje folhas secas e
cubra o chão com elas. Se dispuser de aparelho de som ou toca-fitas, escolha algumas
músicas para recepcionar o grupo que chega ao pátio para a atividade.
A música deve continuar até todos se acomodarem em seus lugares. Eu usaria a trilha
do filme Cinema Paradiso, por exemplo.
 Outros materiais que você deve providenciar antes do dia da aula:
– Dois sacos plásticos azuis cheios de
folhas secas.
– Uma cesta contendo tantas cópias de dois trechos do conto de Chico quantos forem
seus alunos. O primeiro trecho deve ir do início até “Qual
o motivo do espanto?”; o segundo, de “Hélder percebeu” até o final.
Escreva, datilografe ou imprima os textos dentro de retângulos lembrando janelas,
feitos com canetinhas coloridas.
– Uma caixa de papelão encapada contendo papéis coloridos recortados na forma de
folhas.
– Cartolina ou papel pardo para a conclusão do trabalho.
– Elementos a serem trazidos de casa pela turma: papéis de vários
tipos, cores e tamanhos; cola, tesoura, algodão; tampinhas de garrafa, macarrão,
botões e, claro, uma boa quantidade de folhas secas!

Mãos à obra

 Comece pedindo aos alunos que descrevam, em uma só palavra, aquilo que sentem
ao olhar pela janela da sala de aula. Essa palavra deve ser escrita numa das “folhas”
colocadas por você na caixa.
 Divida a classe em grupos de cinco ou seis membros. Entregue a cada participante
uma cópia do primeiro trecho do conto. Depois de ler e reler o texto, cada equipe
escreve, em conjunto, um final para a narrativa.
 Findo o texto, diga aos grupos que elaborem uma dramatização do conto. Enquanto
eles preparam sua performance, você pode pôr
uma música de fundo.
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 Discuta o trabalho feito pela classe, sem esquecer a diversidade de finais, com todos
sentados em círculo. Feito isso, distribua a segunda metade do conto, avisando que
ninguém deve
lê-la até que todos tenham recebido sua cópia. Enquanto isso, uma nova música pode
sublinhar o momento de curiosidade: como termina realmente o conto? (Eu escolheria
uma música como o Concerto no 4 para Violino e Cordas, de Vivaldi). Com o som em
volume baixo, leia o conto inteiro, enquanto eles acompanham nas cópias o que você
diz. Terminada
a leitura, deixe a turma fazer seus questionamentos, suas comparações
e conclusões. Ajude-a fazendo perguntas como:
– Como foi o relacionamento entre a turma e o professor de Matemática naquela
situação?
– Será que aquela aula foi mesmo “perdida”? Por quê?
– Será que abrimos nossos olhos – verdadeiras janelas interiores – para novas
perspectivas e descobertas?
– Por que as folhas recolhidas no pátio por D. Natália exerciam tanto fascínio sobre
Hélder?
 Recite para a classe o primeiro verso de um poema de Cecília Meireles que diz: “Cada
palavra, uma folha / no lugar certo”. Lance à sala questões como:
– Não serão palavras as folhas secas do conto de Chico dos Bonecos?
– Não teria sido essa a maneira simples e delicada que o autor encontrou para nos
passar um momento de pura alegria, com o que parecia apenas folhas secas
transformando-se em vida?
– E, justamente em vida de pássaro, um símbolo incontestável de liberdade?
– Não estaria a idéia de liberdade outra vez presente na explosão do saco plástico,
fazendo surgir o pássaro em meio às folhas secas que voam?

Fechamento
Finalize o trabalho fazendo uma colagem* em que as crianças utilizarão os materiais que
trouxeram de casa para expressar coletivamenteem forma de desenhos, poemas ou outros
meios as conclusões e os sentimentos que ficaram dos textos de Francisco Marques e de
Cecília Meireles.* Veja mais atividades como essa no livro 100 Jogos para Grupos, de Ronaldo
Yudi K. Yogo, Ágora, tel. (0 _ _11) 3871-4569, 20 reais.
53

A dança do arco-íris

Há muito e muito tempo, vivia sobre uma planície de nuvens uma tribo muito feliz. Como não havia solo
para plantar, só um emaranhado de fios branquinhos e fofos como algodão-doce, as pessoas se
alimentavam da carne de aves abatidas com flechas, que faziam amarrando em feixe uma porção dos fios
que formavam o chão. De vez em quando, o chão dava umas sacudidelas, a planície inteira corcoveava e
diminuía de tamanho, como se alguém abocanhasse parte dela.

Certa vez, tentando alvejar uma ave, um caçador errou a pontaria e a flecha se cravou no chão. Ao
arrancá-la, ele viu que se abrira uma fenda, através da qual pôde ver que lá embaixo havia outro mundo.

Espantado, o caçador tampou o buraco e foi embora. Não contou sua descoberta a ninguém.

Na manhã seguinte, voltou ao local da passagem, trançou uma longa corda com os fios do chão e desceu
até o outro mundo. Foi parar no meio de uma aldeia onde uma linda índia lhe deu as boas-vindas, tão
surpresa em vê-lo descer do céu quanto ele de encontrar criatura tão bela e amável. Conversaram longo
tempo e o caçador soube que a região onde ele vivia era conhecida por ela e seu povo como “o mundo das
nuvens”, formado pelas águas que evaporavam dos rios, lagos e oceanos da terra. As águas caíam de volta
como uma cortina líquida, que eles chamavam de chuva. “Vai ver, é por isso que o chão lá de cima treme
e encolhe”, ele pensou. Ao fim da tarde, o caçador despediu-se da moça, agarrou-se à corda e subiu de
volta para casa. Dali em diante, todos os dias ele escapava para encontrar-se com a jovem. Ela descreveu
para ele os animais ferozes que havia lá embaixo. Ele disse a ela que lá no alto as coisas materiais não
tinham valor nenhum.

Um dia, a jovem deu ao caçador um cristal que havia achado perto de uma cachoeira. E pediu para visitar
o mundo dele. O rapaz a ajudou a subir pela corda. Mal tinham chegado lá nas alturas, descobriram que
haviam sido seguidos pelos parentes dela, curiosos para ver como se vivia tão perto do céu.

Foram todos recebidos com uma grande festa, que selou a amizade entre as duas nações. A partir de
então, começou um grande sobe-e-desce entre céu e terra. A corda não resistiu a tanto trânsito e se partiu.
Uma larga escada foi então construída e o movimento se tornou ainda mais intenso. O povo lá de baixo,
indo a toda a hora divertir-se nas nuvens, deixou de lavrar a terra e de cuidar do gado. Os habitantes lá de
cima pararam de caçar pássaros e começaram a se apegar às coisas que as pessoas de baixo lhes levavam
de presente ou que eles mesmos desciam para buscar.

Vendo a desarmonia instalar-se entre sua gente, o caçador destruiu a escada e fechou a passagem entre os
dois mundos. Aos poucos, as coisas foram voltando ao normal, tanto na terra como nas nuvens. Mas a
jovem índia, que ficara lá em cima com seu amado, tinha saudade de sua família e de seu mundo. Sem
poder vê-los, começou a ficar cada vez mais triste. Aborrecido, o caçador fazia tudo para alegrá-la. Só
não concordava em reabrir a comunicação entre os dois mundos: o sobe-e-desce recomeçaria e a
sobrevivência de todos estaria ameaçada.
54

Certa tarde, o caçador brincava com o cristal que ganhara da mulher. As nuvens começaram a sacudir sob
seus pés, sinal de que lá embaixo estava chovendo. De repente, um raio de sol passou pelo cristal e se
abriu num maravilhoso arco-íris que ligava o céu e a terra. Trocando o cristal de uma mão para outra, o
rapaz viu que o arco-íris mudava de lugar.

– Iuupii! – gritou ele. – Descobri a solução para meus problemas!

Daquele dia em diante, quando aparecia o sol depois da chuva, sua jovem mulher escorregava
pelo arco-íris abaixo e ia matar a saudade de sua gente. Se alguém lá de baixo se metia a querer
visitar o mundo das nuvens, o caçador mudava a posição do cristal e o arco-íris saltava para
outro lado. Até hoje, ele só permite a subida de sua amada. Que sempre volta, feliz, para seus
braços.

Lenda indígena recontada por João Anzanello Carrascoza

Como utilizar o texto em sala de aula

Os mitos da criação do mundo existem em todas as culturas. Entre nossos índios, a idéia de
um buraco no céu por onde teriam descido os primeiros humanos é recorrente. Para os caiapó-
xicrin, por exemplo, os índios moravam no céu. Um dia, dois meninos caçando um tatu teriam
perfurado a camada celeste com uma flechada. Voltaram correndo para a aldeia para contar o
que tinham visto. A tribo teceu um cordão com cipós e colares e por ele desceu até a terra,
onde passou a morar. Para a narrativa de João Carrascoza, a pedagoga Ana Kalili, da Escola I.
L. Peretz, em São Paulo. propôs a aula que se segue, centrada na cultura dos primeiros
brasileiros.

Atividades iniciais

 Faça cópias do conto e distribua entre as crianças. Peça a elas que leiam o texto em
voz alta.
 Divida a classe em equipes de três ou quatro alunos. Cada grupo deve redigir um texto
coletivo contando o que faria se, como o caçador da história, descobrisse um outro
mundo.
 Para avaliar o grau de informação que a classe tem sobre os índios, faça perguntas
como as seguintes: “Vocês já ouviram falar dos índios brasileiros?”, “Sabiam que eles
foram os primeiros habitantes de nosso país?”, “Quem poderia me dizer o nome de
alguma tribo?”, “Alguém sabe como eles costumam se vestir?”, “Como era sua
alimentação?” Deixe todos se manifestarem antes de passar à atividade seguinte.

Buscando novos dados


 Encomende às crianças uma pesquisa sobre nossas tribos em livros, enciclopédias,
revistas e na Internet. A pesquisa deve incluir uma lista de nomes indígenas, junto com
sua respectiva tradução. Alguns exemplos: “cumbica”, que significa “nuvem baixa”;
“itaú”, que quer dizer “pedra preta”, e assim por diante.
 Para enriquecer a pesquisa deles, arranje objetos indígenas, como vasos ou bonecos
de cerâmica, cocares e instrumentos musicais, por exemplo chocalhos ou outros que
conseguir.

Conhecendo as culturas indígenas


 Você também pode, junto com a turma, escolher uma tribo, por exemplo a dos caiapós
ou ianomâmis, que tenha o costume de pintar o corpo. Use os motivos utilizados por
55

eles como modelo para pintar os alunos com tinta lavável e não-tóxica. Se puder,
fotografe sua “tribo” pintada e monte um mural com as fotos.
 Aproveite a aula para dizer que culturas consideradas “primitivas” por alguns não são
necessariamente piores do que a nossa – são apenas diferentes. Conte a eles, por
exemplo, como os índios são carinhosos com suas crianças, que nunca apanham nem
ficam de castigo.
 Nessa altura, faça com a turma uma dramatização da narrativa de João Carrascoza.
Metade da classe trabalhará como o povo das nuvens e a outra metade representará o
povo da terra. Cada equipe deve escrever as falas de seus personagens: o caçador e
seu povo; a moça índia e sua família; a chuva, o sol e o arco-íris.
 Utilize o conto para passar conceitos de solo, agricultura e ciclo da água. Conte à
classe que os índios fazem suas lavouras, colhem o que plantam
e mudam a roça para outro local, deixando o solo descansar. Assim, a terra tem tempo
de recuperar naturalmente os nutrientes cedidos aos vegetais na primeira plantação.
 Providencie um espelhinho, uma bacia com água e uma folha de papel em branco.
Disponha a bacia sobre uma mesa próxima a uma janela por onde entre luz solar
direta. Com uma das mãos, mergulhe o espelho na água e movimente-o de modo que
os raios solares incidam diretamente nele e se reflitam para fora da água. Com a outra
mão, segure a folha de papel branco em frente à luz refletida. Mostre o arco-íris à
turminha.

Obs: Comentar sobre o significado do arco-íris na Bíblia.


56

Andarilhos

Andava pela estrada, sozinho. Um sol de rachar e os dois andando, sem parar. E andando,
resolvidos, iam os três desenxabidos.Os quatro não andavam à toa: buscavam uma terra boa.
Com os pés doendo de tanto andar, os cinco pararam para descansar.
E os seis se deitaram, dormiram, sonharam...
No meio da noite, os sete acordaram e se arrepiaram.

Dezesseis olhos arregalados, brilhando, viram o rio iluminado, o chão iluminado.


Cavando a terra, dezoito mãos traziam, com a respiração ofegante, dezenas de pedrinhas
brilhantes.
Depois de muito cavar, contar e reunir, os dez começaram a discutir.
O centro da discussão era este: onze andarilhos podem suportar tantos brilhos?
Uma dúzia de idéias diferentes, uma ou outra interessante, mas nenhuma idéia brilhante.
Com as palavras doendo de tanto falar, os treze resolveram si-len-ci-ar.
Deitados, silenciosos, os catorze buscavam uma nova rima, quando olharam para cima...
Boquiabertos, ao som de quinze admirações, descobriram estrelas cadentes, candentes em
grandes porções e proporções.
E aquelas dezesseis imaginações tropeçaram nas mesmas conclusões...
"As pedras são farelos de estrelas", dezessete vezes pensaram e dezessete vozes
exclamaram.
E declararam os dezoito andarilhos, acostumados a vagar de déu em déu: "Essa terra tem
parentesco com o céu."
E dezenove caminheiros decidiram fincar o pé e se estabelecer: "De agora em diante, aqui
vamos morar, aqui vamos viver."
Vinte vezes festejavam. Quando uma voz desfestejou: "Continuarei caminhando. Adeus. Já
vou."
E este que se foi, ligeirinho!, posso dizer apenas que ele...
Andava pela estrada, sozinho.

Conto de Francisco Marques


(Chico dos Bonecos)
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Como utilizar o conto em sala de aula

De onde viemos, para onde vamos

A leitura do conto de Chico dos Bonecos vai inspirar seus alunos a pesquisar a
origem do Universo e a refletir sobre seus objetivos na vida.

A professora de Português Simone Pierri, do Colégio Brasília, de São Paulo, sugere que você
coloque sua turma para pensar sobre o conto de Chico dos Bonecos. "A leitura vai estimular a
reflexão sobre crescimento pessoal, aprendizado e trabalho em equipe", afirma. O texto
também permite organizar atividades envolvendo Matemática e Ciências. "No trabalho, vão
entrar o treino de cálculo mental e até uma pesquisa sobre a origem do Universo", completa
Rita de Cássia Santos, que leciona as duas disciplinas no Brasília.

Simone propõe transferir o clima de encantamento do conto para sua sala. Deixe-a escura —
se preciso, forre os vidros — e ponha uma música suave para tocar. Ao lado da porta, coloque
uma caixa contendo várias estrelas de papel. Ao entrar na sala, cada aluno pega uma delas.
"Peça que a turma faça silêncio e se deixe levar pela melodia", explica Simone. Sugira que
pensem num caminho que poderiam seguir e respondam à seguinte questão: o que você
espera da vida? As conclusões devem ser escritas nas estrelas de papel, que serão coladas
numa árvore feita de cartolina. "A árvore ‘florescerá’ com os objetivos de cada um."

Em seguida, leia o texto de Chico dos Bonecos para os alunos, lembrando que os andarilhos,
como eles, estão em busca de algo. Terminada a leitura, abra a discussão. Só então distribua
os textos para todos e lance algumas perguntas: como se dá na escola o respeito pela
individualidade de cada um? Por que a reflexão é importante? Tenho medo de caminhar?
Acredito em meus sonhos? Há caminhos diferentes? Por que é importante trabalhar em
equipe? Quem estava certo, os andarilhos que permaneceram ou o que seguiu sozinho?
Depois, distribua para a classe a letra da música Preciso me Encontrar, de Candeia, gravada
por Marisa Monte (Deixe-me ir, preciso andar / vou por aí a procurar / rir pra não chorar...) e
sugira que eles estabeleçam um contraponto entre os dois textos.

Destaque do conto as frases "As pedras são farelos de estrelas" e "Essa terra tem parentesco
com o céu". Use-as como ponto de partida para falar sobre a origem do Universo. "Depois que
a classe discutir o assunto, peça uma pesquisa sobre o Big Bang", recomenda Rita de Cássia.
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Na aula de Matemática, proponha que a turma identifique, entre os números citados no texto,
os múltiplos de 2 e de 3. Em seguida, toda a classe forma uma roda. Cada aluno deve dizer um
número, em seqüência, começando do 1. Os múltiplos de 3 ou os números que possuem esse
algarismo devem ser trocados pela palavra "pum". Quem erra sai da brincadeira.

Meu amigo dinossauro Antigamente diziam


Que o petróleo era formado
Um pequeno dinossauro Por montes de dinossauros
Apareceu no jardim Um sobre o outro empilhados.
Educado, inteligente,
O seu nome era Joaquim. Mas isso não é verdade!
Foram plantas e outros bichos
Nunca consegui saber Que ficaram bem fechados
De onde foi que ele saiu Entre buracos e nichos.
Quando a gente perguntou
Disfarçou e até sorriu... Sofreram muita pressão
Por muitos milhões de anos
Ficou muito nosso amigo Sofreram muito calor
Fez tudo que é brincadeira. No fundo dos oceanos.
Levou o Miguel pra escola
Levou a mamãe pra feira. — Mas então por que o petróleo
Até parece cigano?
As pessoas espiavam Ora aparece na Terra,
Estranhavam um pouquinho Ora debaixo do oceano!
Onde será que arranjaram
Este dinossaurosinho? É porque o planeta Terra
Esteve sempre a mudar
Nessa tarde o papai trouxe Depois de milhões de anos
Um amigo bem distinto Tudo mudou de lugar
Que se espantou e exclamou:
— Mas este bicho está extinto! Todos ficaram espantados
De tanta sabedoria
Há muitos milhões de anos E perguntavam: — Que mais
Ele já virou petróleo! Sabe Vossa Senhoria?
Ou já virou gasolina, — Sei ainda muitas coisas
Ou algum tipo de óleo.
Disse o amigo Joaquim
Meu dinossauro sorriu Para que serve o petróleo
— Estou vivo, "podes crer"! E outras coisas assim.
Eu não virei querosene Petróleo move automóvel,
Como o senhor pode ver!
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Navio, trem, avião, — Tenho mais uma coisinha


Ônibus e motocicleta, Pra dizer. — Pois então diga!
Helicóptero e caminhão. E o dinossauro puxou
O fecho em sua barriga.
Com petróleo se faz pano,
Brinquedo, bolsas e mala, E saíram lá de dentro
Pele pra fazer salsicha, O Pedro mais o Raimundo
Copos, pratos, nem se fala. — Nós não somos dinossauro,
Enganamos todo mundo!
Se faz tinta, faz garrafa,
Material de construção,
Se fazem peças de automóvel Conto de Ruth Rocha
E se faz tubulação.

Como utilizar o conto em sala de aula

Dinossauro sabido dá aula sobre matéria-prima

O dinossauro amigo da Ruth Rocha nem é de verdade, mas serviu para contar às crianças tudo
sobre a formação do petróleo e seus inúmeros usos. "Com um tema tão rico, é fácil trabalhar
conceitos de qualquer disciplina", afirmam Paulo Basílio Leite e Inês Marques, respectivamente
professores de Ciências e Português do Colégio Aluizio Azevedo, do Recife. Em conjunto, eles
elaboraram as atividades a seguir.

Faça cópias ampliadas do texto, de forma que você tenha um para cada quatro alunos. Cole-o
em cartolina. Recorte os versos das quadrinhas e distribua um conjunto de recortes para cada
equipe. As crianças devem usar o material para montar frases, parágrafos e depois uma ou
mais histórias ilustradas com começo, meio e fim.

Distribua, então, as cópias de Meu amigo dinossauro. Peça que os alunos comparem o
trabalho deles com o de Ruth. Alguma criança usou rimas em suas histórias? É mais fácil ou
mais difícil contar uma história rimada? Alguém conhece outra narrativa em versos? Aqui,
dependendo do interesse das turma, introduza trechos de clássicos como Os Lusíadas ou A
Odisséia. Quem mora no Nordeste pode lançar mão dos saborosos romances de cordel.

Diga aos alunos para listar todos os objetos que usarem durante um dia inteiro. Ajude-os a
identificar quantos desses objetos tiveram sua origem no petróleo. Isso os fará perceber que o
"ouro negro" não é um distante assunto de adultos, mas faz parte da vida de todos nós. Alerte
a meninada para o fato de que o petróleo não traz só benefícios. Seu uso e seus subprodutos
geram poluentes ambientais perigosos.

Entre em contato com alguma indústria ligada à refinação de petróleo ou à distribuição de


gasolina. Agende uma entrevista com técnicos de uma dessas empresas. Junto com os
60

estudantes, prepare perguntas sobre o fato de o petróleo ser um recurso natural não-renovável.
O que ocorrerá quando as reservas estiverem esgotadas? Converse com a turma sobre as
informações obtidas. Quais seriam as alternativas para evitar ou remediar o colapso energético
de nossa civilização? Discuta os prós e os contras de cada sugestão feita pelos estudantes —
álcool combustível, energia solar, eólica e outras —, tanto em relação à sua eficiência
energética como aos possíveis danos ao meio ambiente.

O amigo de Juliana

A Juliana tinha um amigo chamado Fungo. Ele morava na casa de bonecas e conseguia até ajeitar-se bem
nas pequenas cadeiras e na caminha azul, apesar de ser mais gordo que elas.

Fungo era talentoso. Escrevia poemas, histórias e desejava ser um grande escritor, porém sentia falta de
um mestre. Juliana, definitivamente, não podia ser esse mestre, pois aprendera a escrever havia pouco
tempo.

Além do mais, ultimamente a amizade deles andava estremecida, porque Juliana dava mais atenção às
bonecas que a ele. Fungo não entendia qual era a graça que ela via naquelas bonecas mudas, sem cultura e
sem sentimentos.

Fungo suspeitava que fossem mesmo burras, principalmente aquele boneco Tob, que parecia uma
montanha de músculos inúteis, pois nem se trocar sozinho ele sabia. Era uma dependência total, um
vexame, e Juliana é que precisava trocá-lo toda vez.
Numa certa madrugada, em que Fungo estava sem sono, viu jogado no chão o caderno de Juliana com
uma redação assim:

Fungo leu e achou pobre, mal escrito, com cinco erros de português, além da falta de estilo. Num ato de
ousadia arrancou a página e reescreveu a redação do jeito que ele achava que ficava melhor:
61

Fungo foi dormir orgulhosíssimo de sua redação, feliz com a chance de receber comentários da professora
de Português de Juliana, essa, sim, uma verdadeira mestra.

No dia seguinte, a amiga voltou furiosa da escola e proibiu Fungo de escrever uma linha que fosse em
seus cadernos, pois os colegas da classe tinham achado que ela estava maluca por escrever tais bobagens.

Chateado, Fungo recolheu-se à sua casinha e esperou anoitecer.

Quando Juliana finalmente adormeceu, ele foi silenciosamente até a mochila,

apanhou o caderno da menina e leu o comentário da professora:

Redação muito criativa, cheia de imaginação e bem escrita, precisa apenas caprichar mais na letra. Nota
dez.

Fungo adorou, achou o máximo e pensou até em entrar para a escola. Claro, só quando a
Juliana se acalmasse. Talvez pudesse ficar na classe dentro da mochila, já que os adultos
com certeza não iriam entender um monstro culto como ele querendo assistir aula.
Conto de Eva Furnari, ilustrado pela autora

Como utilizar o conto em sala de aula

Levar o absurdo a sério, por algum tempo, pode ser uma tática pedagógica
eficaz

uitas crianças têm amigos imaginários. Quer dizer, imaginários para os outros, principalmente
os adultos. Para elas o companheiro é bem real. Às vezes, até demais, como no caso de
Juliana, a menina do conto desta edição. Imaginem que atrevimento o do Fungo trocar o
trabalho de escola da garota pelo seu. E ainda ganhar elogio da professora!

Pensando na situação da personagem, Rosa Castello, professora do Ensino Fundamental da


Escola Estadual Doutor Reinaldo Ribeiro da Silva, de São Paulo, elaborou as atividades para o
conto de Eva Furnari. "O objetivo é fazer os alunos refletirem sobre o tema, confrontando as
experiências vividas pelos personagens com as suas. Isso despertará neles o espírito crítico,
essencial a qualquer leitor", afirma Rosa.

Tire cópias do texto e distribua entre os alunos. Peça que façam uma leitura silenciosa. Lance
então as questões sugeridas a seguir. Use as respostas da turma para estimular a troca de
idéias.

Você acha que Fungo poderia ter uma família como a de Juliana? Por quê?

Se Juliana apresentasse Fungo aos outros amigos dela, como seria o relacionamento entre
eles? Por quê?
62

Juliana afirma que tem uma família legal. Você escreveria a mesma coisa sobre sua família?
Por quê?

Você tem um amigo imaginário? Se tiver, escreva um texto contando como ele é, onde mora,
como é o relacionamento entre vocês e outros detalhes que desejar. Ilustre com um desenho.

Use argila ou papel machê para fazer uma escultura de seu amigo. Pinte com guache ou
aquarela.

Se você não tem um companheiro imaginário, redija um texto dando sua opinião sobre o
assunto.

Quem é o autor do conto que nós acabamos de ler?

Se o autor fosse você, que título daria à narrativa?

Em sua opinião, Juliana considera Fungo tão importante quanto seus outros amigos? Justifique
sua resposta.

Você também acha a escola importante, como Fungo? Explique suas razões.

Você achou certo Fungo refazer a redação de Juliana sem ela saber? Como se sentiria se um
amigo seu fizesse isso com você? Qual seria sua atitude?

É bom ter uma pessoa para nos ajudar no dever de casa? Você tem alguém para ajudá-lo(a)?

Encontre na narrativa um parágrafo que tenha chamado sua atenção. Troque idéias sobre ele
com seus colegas.

Releia o conto, procurando palavras com uma, duas, três e quatro sílabas. Divida uma folha de
papel em quatro colunas, onde serão escritas as palavras de acordo com a classificação:
monossílabas, dissílabas, trissílabas e polissílabas.
63

A morada do inventor

A professora pedia e a gente levava,


achando loucura ou monte de lixo:

latas vazias de bebidas, caixas de fósforo,pedaços de papel de embrulho, fitas,


brinquedos quebrados, xícaras sem asa,
recortes e bichos, pessoas, luas e estrelas,
revistas e jornais lidos, retalhos de tecido,
rendas, linhas, penas de aves, cascas de ovo,
pedaços de madeira, de ferro ou de plástico.

Um dia, a professora deu a partida


e transformamos, colamos e colorimos.

E surgiram bonecos esquisitos,


bichos de outros planetas, bruxas
e coisas malucas que Deus não inventou.

Tudo o que nascia ganhava nome, pais,


casa, amigos, parentes e país.
E nasceram histórias de rir ou de arrepiar!…

E a escola virou morada de inventor!

Poema de Elias José


64

Como utilizar o conto em sala de aula

Tal qual a professora do poema, desperte a criatividade dos seus alunos


construindo de tudo com sucata

A lata de lixo é o destino mais comum de aparas de papel, retalhos de tecido e o jornal de
ontem. "Essa é uma atitude vista em quase todas as casas", lamenta a professora Eunice
Lamarca, que se especializou em aproveitar em sala de aula materiais inúteis à primeira vista.
"O resultado disso é um enorme desperdício, inclusive de inventividade, como bem nos mostra
o poema de Elias José", completa.

Na opinião de Eunice, não há melhor atividade para ser desenvolvida após a leitura de Morada
do Inventor do que a construção de objetos de sucata. Antes de apresentar o texto aos alunos,
peça que consigam em casa vários materiais que seriam descartados. Na data marcada para
apresentar os objetos, divida a turma em grupos e sorteie entre eles tudo o que foi angariado.

Em seguida, escreva o texto de Elias José no quadro ou providencie cópias para todos. Depois
da leitura silenciosa e dos comentários, vem a tarefa: cada equipe tem de decidir como dar
uma nova utilidade aos objetos recebidos no sorteio. O grupo deve primeiro colocar o plano no
papel, seja por meio de desenho ou texto, para só então começar o trabalho prático. No final da
aula, um representante de cada equipe apresenta sua obra ao restante da turma.

Aproveite a oportunidade também para ensinar a classe a fazer um palhaço. A receita é da


professora Eunice. Para construi-lo, junte quarenta tampinhas de garrafa de cores diferentes,
uma bolinha de isopor, restos de lã, fio de náilon, guache, cola, martelo, prego, pincel e
tesoura. Com o prego e o martelo, fure o centro de cada tampinha. Corte um pedaço de fio com
aproximadamente 40 centímetros e dê vários nós em uma das pontas. Introduza a outra
65

extremidade nos orifícios de oito tampas, tomando o cuidado de alternar as cores (letra A na
ilustração ao lado). Está pronta uma das pernas do palhaço. Em seguida, monte a segunda
perna.
Junte as pontas dos dois fios e passe ambos por outras oito tampinhas (B), formando o tronco.
Os braços são feitos da mesma maneira, só que com apenas seis tampas cada um. Passe as
pontas dos fios que saem do tronco e dos braços por mais quatro tampinhas (C), para montar o
pescoço. Faça um furo que atravesse a bolinha de isopor bem no centro. Introduza nele os
quatro fios, amarre-os juntos na parte superior da bola e corte as pontas (D). Para esconder os
nós, cole um chapeuzinho. O rosto é pintado com guache e os cabelos são de lã, colada nas
laterais da cabeça.

Picasso

Picasso A paixão vermelha


Desde pequeno Corou de rosa sua paleta
Fazia troça
Com traços Mas a fase mais engraçada
Foi a cubista
Parece piada, Picasso embaralhou as formas
Mas dizem que é pura verdade Brincou com as normas
A primeira palavra que disse foi:
"Lápis" Cubismo
Mosaicos
E zapt! Caquinhos
Não parou mais Pedaços
Desenhava as touradas da Espanha,
Cavalos, bonecas Na época
Menino levado Foi aquele estardalhaço
Desenhou perfil de frente
Cresceu, Pôs bumbum no lugar dos braços
Foi pra Paris Fez tudo diferente
Impressionado com a cidade,
Registrou tudo que viu Arte não é fotografia
Que registra o modelo real
Mas um grande amigo partiu tal e qual
E com ele as cores
Sobrou o azul Na tela
Quadros de dores A imagem que fica
É Picasso e
Logo conheceu uma moça Não tem igual
Na tela branca
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Poema de Adriana Abujamra Aith

Como utilizar o conto em sala de aula

De verso em verso, Adriana Abujamra Aith apresenta, com muita graça, um pouco da vida e da
obra do espanhol Pablo Ruiz y Picasso (1881-1973), "fazedor de arte" desde menino. Ela
destaca o período cubista do artista, quando ele pintava figuras fragmentadas — como se
fossem vistas de vários ângulos diferentes ao mesmo tempo. Uma das obras dessa fase
aparece acima: é Guernica, nome da cidade catalã bombardeada pelos fascistas durante a
Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Vera Bastazin, professora-doutora em Literatura, do
Departamento de Arte da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sugere
algumas atividades para você trabalhar com a classe.

Leia o texto em voz alta para os alunos, deixando-se levar pela sonoridade das palavras e pelo
ritmo dos versos. Enquanto lê, mostre a eles os elementos característicos da poesia:

Ao contrário dos textos em prosa, os poéticos não "dizem" de forma clara, explícita, mas
sugerem idéias que se transformam em imagens, sons e sentimentos na cabeça do leitor.

As idéias se expressam por linhas chamadas versos. Certos poemas possuem um único
bloco de versos. Outros, como o Picasso, têm vários blocos, separados entre si pelo espaço de
uma linha — são as estrofes.

Peça às crianças para fazer uma leitura silenciosa do texto e depois pintar com sua cor
preferida todas as letras das três primeiras estrofes que tenham sons de: /s/ (por exemplo,
Pica/s/o; tro/s/a; pare/s/e; E/s/panha) e /z/ (fa/z/ia; te/z/oura). A seguir, é a vez de falar em voz
alta as palavras coloridas, destacando os sons /s/ e /z/. O exercício vai levá-las a perceber a
diferença entre um som surdo (s) e um sonoro (z).
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Estimule os alunos a perceber que, nas três primeiras estrofes há: alguém ("Picasso"/
"menino levado"); que produz uma ação ("faz troça com traços"); realizada em um tempo
determinado e contínuo ("desde pequeno"/ "não parou mais").

Leve para a sala de aula gravuras mostrando pinturas de diferentes fases do artista.
Aproveite o Guernica acima para tratar do cubismo, importante para a construção do olhar
plural, isto é, da capacidade de ver uma mesma coisa de diferentes formas e por meio de
diversos ângulos. Feche o assunto com uma atividade de recorte e colagem para a turma
perceber a desmontagem de uma figura e suas diferentes possibilidades de reconstrução.

Use o Guernica como gancho para conversar sobre História: as guerras civis, o autoritarismo,
o longo caminho que várias nações (na Europa e fora dela) percorreram para conquistar a
democracia.

Crônica para dona Nicota

Foi nos anos finais da década de 40. (Há tanto tempo!) Meu primogênito Ricardo completara 6
anos de idade, e resolvemos matriculá-lo no primeiro ano primário da Escola Americana, do já
então tradicional Mackenzie College, que ficava a três quadras da nossa casa. E Ricardinho,
que era uma criança tímida e um tanto ensimesmada, não gostou nem um pouco da
experiência de ficar "abandonado" num lugar estranho, no meio de gente desconhecida — uma
coisa para ele muito assustadora. E não houve jeito de fazê-lo aceitar tão insólita situação. Ele
se recusava até mesmo a entrar na sala: ficava na porta, "fincava o pé", sem chorar mas
também sem ceder... Eu já estava a ponto de desistir da empreitada, quando a professora da
classe, dona Nicota, se levantou e veio falar conosco. E todo o jeito dela, a maneira como ela
olhou para o Ricardinho, o timbre e o tom da sua voz, a expressão do seu rosto e até a sua
figurinha baixinha, meio rechonchuda, não jovem demais, muito simples e despojada,
causaram imediatamente uma sensível impressão no menino. A tensão sumiu do seu rostinho,
seu corpo relaxou, e — ora vejam! — ele respondeu com um sorriso ao sorriso da dona Nicota!

— Vem ficar aqui comigo — ela disse.

— Você vai gostar. — E acrescentou, para minha surpresa, — Eu mesma vou levar você para
a sua casa. E amanhã cedo, eu mesma vou buscar você, para vir à escola comigo.

Eu não sabia como agradecer. E nem foi preciso — o que dona Nicota disse, ela cumpriu. E
durante vários dias, até semanas, ela passou pela nossa casa, pouco antes do início das aulas,
e levou o Ricardinho pela mão, a pé, até a escola e a sua sala. E o trouxe de volta, da mesma
maneira. E até quando, certo dia, o menino estava adoentado e não pôde ir à escola, ela voltou
para lhe dar uma "aula particular", em casa – para ele não se atrasar no programa. Tudo isso
na maior simplicidade, como se fosse a coisa mais natural do mundo...
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O Ricardinho adorava a dona Nicota — e não era para menos. Dona Nicota era a mais perfeita
e linda encarnação da "professora primária" ideal — a mais nobre e fundamental das
profissões: a de ser a primeira a preparar uma criança pequena nas suas primeiras incursões
na vida real — com competência, dedicação, compreensão, paciência e carinho. E a
consciência plena de estar dando à criança uma verdadeira base para o futuro cidadão.

Por que estou contando tudo isso a vocês, hoje? Porque, no Dia do Professor, eu senti que não
poderia prestar maior homenagem a todos os "mestres-escolas" do Brasil do que incluí-los
nesta "crônica-tributo" a dona Nicota, exemplo e paradigma de uma modesta e maravilhosa
professora "montessoriana" e um grande ser humano.

Ricardo saiu de sob a asa de dona Nicota lendo e escrevendo. E hoje, jornalista, tradutor e
escritor, esse avô de três netos continua se lembrando de dona Nicota, com carinho e gratidão.

Essa dona Nicota que a estas horas deve estar dando aulas montessorianas aos anjinhos do
céu.

Crônica de Tatiana Belinky

Como utilizar o conto em sala de aula

Esta aula é para você, professor! Veja refletidos na crônica bons momentos de
sua carreira

A “Crônica para dona Nicota" é como um espelho mágico. Madza Ednir, pedagoga da Oficina
de Corte e Costura de Idéias, de São Paulo, sugere que você a utilize como mote para uma
atividade diferente. "Este exercício pode ser feito individualmente ou com seus colegas",
recomenda. O objetivo, de acordo com Madza, é encontrar refletidos no texto alguns feitos de
sua carreira docente, considerados "a coisa mais natural do mundo" e que devem estar
marcados na memória de seus alunos. Pondere sobre três pontos:

Quantas vezes você já deparou com estudantes que se recusam a entrar no jogo da
aprendizagem como Ricardinho, que empacou na porta da sala? Lembre-se de como
conseguiu incentivá-lo a transpor os obstáculos.

O sorriso de dona Nicota eliminou a tensão do menino Ricardo. Tente rever o dia em que, ao
se defrontar com a agressividade de uma criança, você a desarmou usando afeto, sinceridade
e humor.

Dona Nicota prometeu buscar Ricardinho em casa — e cumpriu. Procure lembrar pelo menos
uma vez em que você tenha demonstrado aos estudantes coerência entre discurso e gesto,
fazendo com que se sentissem pessoas únicas e especiais.

"Se foi fácil relembrar experiências positivas na sala de aula é sinal de que, como dona Nicota,
você procura transmitir aos alunos a certeza de que são amados e respeitados, condição
básica de aprendizagem", afirma Madza. Se, no entanto, você teve dificuldades em invocar
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imagens positivas de sua prática, a consultora sugere um último exercício: "Imagine como você
gostaria de ser lembrado daqui a vinte anos".

Sozinha

Sozinha, coitada.
Nunca estava acompanhada.
Pega-pega, sozinha não tinha.
Queimada, sozinha não dava.
Então, ela sentava a pensar.
Mas estava tão sozinha que nem pensamento vinha.
Se Sozinha assim estava,
mais sozinha ia ficar,
Porque o S da Sozinha resolveu se mandar.
Mal Ozinha se deu conta, o O aproveitou o embalo e saiu rolando.
Desolada, sentia-se uma zinha qualquer.
"Ô, Zinha", disse o Z.
E zapt, fugiu ligeiro, deixando Inha para trás.
"Inha, Inha, inhaaaá!"
Desandava a chorar.
Chorava, chorava até a lágrima secar.
E agora, o que fazer?
Olhou para um lado.
Olhou para o outro.
Para lá, para cá.
Até que seu pé se animou. Levantou a Inha e se pôs a sambar.
Ali de cima, os olhos de Inha observavam o seu pé,
que sacudia e sacudia.
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E sacudindo contagiou o joelho,


que remexeu a coxa e fez o bumbum rebolar.
Do bumbum para a barriga foi um estalo.
Os ombros, que não são bobos, entraram logo no embalo.
Quando Inha percebeu, do pescoço para baixo estava um grande alvoroço.
Só faltava a cabeça. Então a boca disse: "Entre na dança." Êba! Vamos lá!
A alegria era tanta que atraiu muita gente. E todos os pés ali presentes convenceram seus
donos a participar.
Inha estava contente, mas tão contente, que nem se lembrava mais do tempo em que tinha um
S, um h e um Z,
que a deixavam Sozinha.
Deles queria distância. Mas não entendam mal. O S para um samba,
o O num oi e o Z para um ziriguidum seriam sempre bem-vindos.

Conto de Adriana Abujamra Aith

Como utilizar o conto em sala de aula

Aproveite o conto para estimular o trabalho em equipe e discutir o que é a


solidão

A história de Adriana Abujamra Aith e Ieda Abbud mostra como Sozinha virou Inha e espantou
a solidão. Crianças e adolescentes que começam a dar os primeiros passos no aprendizado de
viver em sociedade precisam compartilhar, desde a escola, emoções e experiências com os
colegas. Para discutir o tema em sala de aula a educadora Marília Marques Machado preparou
algumas sugestões. A partir dos jogos propostos a turma vai poder refletir sobre o que é estar
sozinho.

Inicie explorando os sentimentos que essa palavra traz aos alunos. Essa etapa deve ser feita
antes da leitura do conto. Em grupos, faça um exercício de "tempestade cerebral". Quem
começa a brincadeira deve dizer uma palavra sobre o título do texto. Em seguida, cada
participante diz a sua idéia relacionada à anterior. Por fim, escolha algumas expressões que
surgiram na conversa. Leia para a turma toda, provoque ligeiros comentários e fixe-as num
mural. A atividade pode durar dez minutos.

Após esse aquecimento, inicie o próximo jogo. "Esta sugestão exige uma reflexão maior e o
aluno tem a possibilidade de argumentar, concluir e sintetizar idéias", explica Marília. Distribua
para cada grupo uma folha com dobras propondo um questionamento sobre a solidão. Cada
aluno deve usar apenas uma face da dobra em sua resposta. Depois que a folha dobrada tiver
passado por todo o grupo, a "sanfona de respostas" pode ser aberta. Leia, discuta e estimule
os alunos a escolher uma das opções para colocá-la em discussão. Faça então um plenário
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para que os grupos defendam seus pontos de vista. Lembre-se de colocar as idéias
conclusivas de seus alunos no mural da sala.

A leitura é feita somente depois dessa discussão. Peça um paralelo entre o que as autoras
apresentaram e as produções da sala. Converse também sobre os pontos divergentes.

Feito o trabalho de reflexão, você pode ainda colocar em prática as idéias que surgirem. Uma
boa dica é a técnica do "cineminha". Recorte papeizinhos do mesmo tamanho ou use blocos
pequenos. Os alunos desenharão na primeira folha a personagem Sozinha e, nas seguintes, a
personagem com pequenas alterações, o que dará a ilusão de movimento quando eles
trocarem rapidamente de folha. Coloque como condição criar ilustrações para as seguintes
frases: "Nunca estava acompanhada"; "Mas estava tão sozinha que nem pensamento vinha";
"Até que seu pé se animou"; "A alegria era tanta que atraiu muita gente".

Se seus alunos são pequenos, coloque como proposta a confecção de peças de papelão
grosso e pintadas e que representem as partes do corpo citadas no texto e as lestras S, O e Z.
O corpo pode ser montado e preso por um barbante, de modo que Inha se transforme em uma
marionete, com os pés em destaque. Monte um espetáculo teatral, tendo como cenário os
murais em letras garrafais, para a representação cênica do texto.

Uma lição inesperada

No último dia de férias, Lilico nem dormiu direito. Não via a hora de voltar à escola e rever os
amigos. Acordou feliz da vida, tomou o café da manhã às pressas, pegou sua mochila e foi ao
encontro deles. Abraçou-os à entrada da escola, mostrou o relógio que ganhara de Natal,
contou sobre sua viagem ao litoral. Depois ouviu as histórias dos amigos e divertiu-se com
eles, o coração latejando de alegria. Aos poucos, foi matando a saudade das descobertas que
fazia ali, das meninas ruidosas, do azul e branco dos uniformes, daquele burburinho à beira do
portão. Sentia-se como um peixe de volta ao mar. Mas, quando o sino anunciou o início das
aulas, Lilico descobriu que caíra numa classe onde não havia nenhum de seus amigos.
Encontrou lá só gente estranha, que o observava dos pés à cabeça, em silêncio. Viu-se perdido
e o sorriso que iluminava seu rosto se apagou. Antes de começar, a professora pediu que cada
aluno se apresentasse. Aborrecido, Lilico estudava seus novos companheiros. Tinha um
japonês de cabelos espetados com jeito de nerd. Uma garota de olhos azuis, vinda do Sul,
pareceu-lhe fria e arrogante. Um menino alto, que quase bateu no teto quando se ergueu, dava
toda a pinta de ser um bobo. E a menina que morava no sítio? A coitada comia palavras,
olhava-os assustada, igual um bicho do mato. O mulato, filho de pescador, falava arrastado,
estalando a língua, com sotaque de malandro. E havia uns garotos com tatuagens, umas
meninas usando óculos de lentes grossas, todos esquisitos aos olhos de Lilico. A professora?
Tão diferente das que ele conhecera... Logo que soou o sinal para o recreio, Lilico saiu a mil
por hora, à procura de seus antigos colegas. Surpreendeu-se ao vê-los em roda, animados,
junto aos estudantes que haviam conhecido horas antes. De volta à sala de aula, a professora
passou uma tarefa em grupo. Lilico caiu com o japonês, a menina gaúcha, o mulato e o
grandalhão. Começaram a conversar cheios de cautela, mas paulatinamente foram se
soltando, a ponto de, ao fim do exercício, parecer que se conheciam há anos. Lilico descobriu
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que o japonês não era nerd, não: era ótimo em Matemática, mas tinha dificuldade em
Português. A gaúcha, que lhe parecera tão metida, era gentil e o mirava ternamente com seus
lindos olhos azuis. O mulato era um caiçara responsável, ajudava o pai desde criança e
prometeu ensinar a todos os segredos de uma boa pescaria. O grandalhão não tinha nada de
bobo. Raciocinava rapidamente e, com aquele tamanho, seria legal jogar basquete no time
dele. Lilico descobriu mais. Inclusive que o haviam achado mal humorado quando ele se
apresentara, mas já não pensavam assim. Então, mirou a menina do sítio e pensou no quanto
seria bom conhecê-la. Devia saber tudo de passarinhos. Sim, justamente porque eram
diferentes havia encanto nas pessoas. Se ele descobrira aquilo no primeiro dia de aula,
quantas descobertas não haveria de fazer no ano inteiro? E, como um lápis deslizando numa
folha de papel, um sorriso se desenhou novamente no rosto de Lilico.

Texto de João Anzanello Carrascoza

Como utilizar o conto em sala de aula

O primeiro dia é o melhor momento para você preparar e entrosar sua turma
para as tarefas do ano

Voltar às aulas é uma festa, sinônimo de incerteza em relação ao futuro e alegria por conhecer
os colegas e rever velhos amigos. Um sentimento comum a estudantes e professores. Assim
como o Lilico do conto, seus alunos vão se tornar um grupo ao trabalhar juntos, desenvolver a
confiança mútua e resolver os conflitos de forma construtiva. Segundo Lucia Maria Vinci de
Moraes, orientadora educacional da Escola Móbile e uma das responsáveis pelo curso de
Magistério da Escola Vera Cruz, ambas em São Paulo, a atitude do professor é determinante
no desenvolvimento do grupo. "Ela define se o clima na sala de aula é de aceitação ou
discriminação", diz. "O primeiro dia, assim, deve ter o caráter de celebração, pois é o começo
de um capítulo na vida de todos." Leia a seguir algumas sugestões de Lucia para que você e
seus alunos comecem a se conhecer.

Aquecimento – O ideal é fazer essa atividade no pátio. Todos participam de um "pega-pega


corrente". O professor começa o jogo como pegador, dizendo seu nome e algo de que gosta.
Pega um aluno, que deve fazer a mesma apresentação antes de correr atrás de um colega. Um
a um, os "capturados" vão formando uma corrente, de mãos dadas. Ao final, forme um círculo e
pergunte se todos aprenderam o nome dos colegas, se já é possível saber um pouco de cada
um e como a turma se sentiu.

Círculos Duplos – Ainda no pátio, divida a classe em dois grandes grupos, numerando os
alunos em 1 ou 2. Os de número 1 ficam dentro de um círculo e os de número 2, do lado de
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fora. Forme pares com um estudante de dentro e outro de fora, colocados frente a frente. Se o
número de participantes for ímpar, entre na atividade. Comece fazendo perguntas sobre gostos
e interesses de cada um. Você sabe o nome de seu par? Se o aluno não souber, deve
perguntar. Qual seu programa de TV favorito? Qual sua comida predileta? Que lugar gostaria
de conhecer? Qual o animal preferido? A cada resposta, o grupo que está fora do círculo "roda"
para o colega ao lado. No final, converse sobre as sensações ao executar a tarefa.

Leitura – Em seguida, peça que os alunos leiam, em círculo, o conto Uma Lição Inesperada,
que inspira essas atividades. Terminada a leitura, estimule a turma a fazer comentários,
contando seus sentimentos nesse primeiro dia de aula. Aproveite para contar como você se
sente.

Painel – Por último, coloque uma grande folha de papel ou cartolina no centro do círculo. Nela,
cada aluno deve escrever seu nome. Estimule a garotada a lembrar o que cada um conhece
dos colegas, para escrever um comentário ao lado do nome (e com a assinatura de quem está
escrevendo). A atividade termina quando todo o painel estiver preenchido.

Voltando da escola pra casa

O menino estava voltando a pé da escola. A vida para ele parecia uma coisa sempre igual.
Chegar em casa, comer, fazer lição, brincar, tomar banho, jantar, dormir, acordar. No dia
seguinte, tudo a mesma coisa outra vez.

Um ruído veio de um terreno baldio. Parecia uma voz. Por entre as folhagens, o menino viu um
cachorro cobrindo o focinho com as patas. O bicho, de repente, resmungou:

— Isso não podia ter acontecido!

O cabelo do menino ficou duro feito arame. Saiu correndo, mas parou. Onde já se viu cachorro
falar? Deu risada de si mesmo. Já estava quase na 4a série. Sabia escrever, ler e fazer contas.
Aquilo só podia ser alguma confusão.

Deu meia volta e passou de novo pelo terreno baldio. O cachorro agora estava andando de
uma lado para o outro dizendo:

— Não, não e não!

Quase sem respirar, o menino chegou mais perto.

Foi quando o animal gritou:


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— É a pior desgraça que podia ter acontecido em minha vida!

O menino sabia que aquilo era impossível. Mesmo assim, sentiu pena do cachorro, um bicho
não muito grande com o focinho sujo de terra.

O animal soltou um uivo tão sem esperança que o menino entrou no mato e perguntou se ele
estava precisando de alguma coisa.

Dois olhos surpresos examinaram o menino de alto a baixo. Depois, o bicho encolheu-se,
escondendo o rosto com as patas. O menino sentou-se e acariciou aquela cabeça peluda.

— Se eu contar o que acabo de descobrir hoje — disse o animal — você não vai acreditar.

E continuou falando devagarinho:

— Faz tempo, conheci uma cachorra linda. Eu estava fazendo xixi num poste. Ela passou.
Abanei o rabo. Ela também. Foi amor à primeira vista.

O menino não conseguia piscar os olhos.

— No fim — continuou ele — a gente acabou se casando. A cachorra era viúva e tinha uma
filha já grandinha. Cuidei dela como se fosse minha própria filha. Um dia, meu pai veio me
visitar. Ele também era viúvo. Só sei que os dois gostaram um do outro, namoraram e casaram.

O menino queria fugir e ficar.

— Do casamento de meu pai com minha filha — contou o animal — nasceu uma ninhada de
três cachorrinhos que, ao mesmo tempo, são meus netos, pois são filhos de minha filha, e
meus irmãos pois são filhos do meu pai. Eu também tive três filhotinhos. Eles passaram a ser
irmãos da minha madrasta, a filha da minha mulher. Portanto, além de meus filhos, são meus
tios.

As lágrimas esguichavam dos olhos do cachorro.

— Meu pai é casado com minha filha, ou seja, minha madastra é também minha filha. Por outro
lado, sou pai dos irmãos do meu pai, logo, pai de meu próprio pai. E como o pai do pai de
alguém é avô desse alguém … — e aí o cachorro agitou-se — descobri que sou avô de mim
mesmo!

O queixo do menino balançava debaixo da boca.

— É duro ser avô da gente mesmo! — exclamou o cachorro em prantos.

Abraçado com o menino, o animal chorou ainda durante um bom tempo. Depois, enxugou as
lágrimas, pediu desculpas, despediu-se e, com ar agradecido, sumiu no matagal. Naquele dia,
o menino chegou em casa mais tarde, almoçou e foi para o quarto. Deitado na cama, ficou só
pensando. Como a vida pode ser uma coisa rica, complicada, meio louca, bonita, espantosa e
cheia de surpresas!

Conto de Ricardo Azevedo extraído do livro


Não Tenho Medo de Homem, nem do Ronco, publicado pela Fundação Cargill
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Como utilizar o conto em sala de aula

O conto é uma oportunidade para discutir com seus alunos a importância da


família e de estudar

A enteada que é madrasta, o pai que virou genro e um cachorro que é avô de si mesmo. No
conto "Voltando da Escola pra Casa", o autor mostra de forma divertida as situações curiosas
criadas pelos casamentos entre os cachorros. Desafie seus alunos a desfazer esse nó. Faça-
os perceber que a saída não está apenas na lógica. Ricardo Azevedo considera a cachorrada
como uma família única, em que os laços de parentesco se formam também por vínculos
afetivos. É assim que o pai vira genro — que no coração é como filho — e faz com que o
protagonista vire avô de si mesmo.

Olgair Gomes Garcia, professora de Didática da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e


coordenadora pedagógica da rede municipal de ensino de São Paulo, mostra que a confusão
canina pode render uma boa aula para turmas de 4as e 5as séries. "O texto cria oportunidade
para debater o que é estudar e fazer um trabalho mais aprofundado sobre a família", diz ela.

O papel da escola
Usando pincel e papel craft, escreva com letras bem grandes as quatro frases que compõem o
primeiro parágrafo do texto. Enrole cada uma delas e amarre com barbante ou fita. Coloque os
alunos em círculo e deixe os rolos no meio. A partir daí crie um pequeno suspense, fazendo
com que adivinhem o que eles farão na aula. Pergunte o que está escrito nos papéis. Depois
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disso os rolos devem ser abertos e o material organizado. Se o resultado for diferente do que
está no texto peça que a turma refaça o trabalho após a leitura. Leia o parágrafo em voz alta e
faça um breve comentário sobre o que é estudar.

Em seguida, os alunos devem fazer a leitura completa do conto para ver como essas questões
foram resolvidas. Ajude-os a identificar todos os cachorros e a relação entre eles. Em grupos
de quatro ou cinco proponha que desenhem em cartolina as relações entre os personagens (as
conexões familiares podem ser marcadas com barbante ou lã colorida). Cada equipe apresenta
o trabalho para que todos vejam se o resultado foi o mesmo. Nesse momento é interessante
que os estudantes comparem os painéis com núcleos familiares humanos. Registre as idéias
básicas no quadro-negro.

Para terminar a aula aborde a questão do estudar, mostrando que toda a atividade fez com que
eles desenvolvessem um jeito de aprender diferente. Faça algumas provocações: Como é
possível estudar para aprender e saber mais? De que jeito se estuda? As anotações podem ser
usadas para desencadear um estudo mais detalhado e até de caráter interdisciplinar. Peça que
cada criança monte a relação entre as pessoas de sua família seguindo o modelo utilizado na
elaboração do trabalho feito em sala de aula.

Um encontro fantástico

T odos os anos eles se reuniam na floresta, à beira de um rio, para ver a quantas andava a sua
fama. Eram criaturas fantásticas e cada uma vinha de um canto do Brasil. O Saci-Pererê
chegou primeiro. Moleque pretinho, de uma perna só, barrete vermelho na cabeça, veio
manquitolando, sentou-se numa pedra e acendeu seu cachimbo. Logo apontou no céu a
Serpente Emplumada e aterrissou aos seus pés. Do meio das folhagens, saltou o Lobisomem,
a cara toda peluda, os dentes afiados, enormes. Não tardou, o tropel de um cavalo anunciou o
Negrinho do Pastoreio montado em pêlo no seu baio.

– Só falta o Boto – disse o Saci, impaciente.

– Se tivesse alguma moça aqui, ele já teria chegado para seduzi-la – comentou a Serpente
Emplumada.

– Também acho – concordou o Lobisomem. – Só que eu já a teria apavorado.

Ouviram nesse instante um rumor à margem do rio. Era o Boto saindo das águas na forma de
um belo rapaz.

– Agora estamos todos – disse o Negrinho do Pastoreio.


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– E então? – perguntou o Boto, saudando o grupo. – Como estão as coisas?

– Difíceis – respondeu o Saci e soltou uma baforada. – Não assustei muita gente nessa
temporada.

– Eu também não – emendou a Serpente Emplumada. – Parece que as pessoas lá no


Nordeste não têm mais tanto medo de mim.

– Lá no Norte se dá o mesmo – disse o Boto. – Em alguns locais, ainda atraio as mulheres,


mas em outros elas nem ligam.

– Comigo acontece igual – disse o Negrinho do Pastoreio. – Vivo a achar coisas que as
pessoas perdem no Sul. Mas não atendi muitos pedidos esse ano.

– Seu caso é diferente – disse o Lobisomem. – Você não é assustador como eu, o Saci e a
Serpente Emplumada. Você é um herói.

– Mas a dificuldade é a mesma – discordou o Negrinho do Pastoreio.

– Acho que é a concorrência – disse o Boto. – Andam aparecendo muitos heróis e vilões
novos.

– Pois é – resmungou a Serpente Emplumada. – Até bruxas andam importando. Tem monstros
demais por aí...

– São todos produzidos por homens de negócios – disse o Saci. – É moda. Vai passar...

– Espero – disse o Lobisomem. – Bons aqueles tempos em que eu reinava no país inteiro, não
só no cerrado.

– A diferença é que somos autênticos – disse o Negrinho do Pastoreio. – Nós nascemos do


povo.

– É verdade – disse o Boto. – Mas temos de refrescar a sua memória.

– Se pegarmos no pé de uns escritores, a coisa pode melhorar – disse a Serpente Emplumada.

– Eu conheço um – disse o Saci. – Vamos juntos atrás dele! – E foi o primeiro a se mandar, a
mil por hora, em uma perna só.

Conto de João Anzanello Carrascoza


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Como utilizar o conto em sala de aula

Cada região do Brasil guarda uma variedade enorme de histórias. No conto, João Carrascoza
apresenta algumas dessas crenças e questiona se elas permanecem vivas na imaginação
popular. Toninho Macedo, presidente da Comissão Paulista de Folclore e coordenador do Setor
de Folclore da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, explica que é fundamental
colocar os alunos em contato com nossas tradições. "Os mitos, lendas e contos fazem parte do
inconsciente coletivo e continuam, nos dias de hoje, a estimular o imaginário de adultos e
crianças", diz. O texto, assim, abre uma porta para o mundo do folclore. Aproveite a sugestão
de aula e faça a turma descobrir o Brasil.

Você já viu lobisomem?


A atividade pode ser feita com crianças de 3a a 8a série. Leia o conto, ou convide um dos
jovens a fazê-lo, caso esteja trabalhando com turmas a partir da 7a série. Estimule-os a expor
suas impressões e o que entenderam. Lance alguns questionamentos. Quem já ouviu falar nos
personagens citados? O que o autor diz desses mitos?

Quando a discussão estiver embalada, fale sobre os personagens usando os relatos


tradicionais. Conte como surgiram e o que costumam fazer — e apresente também lendas que
não são lembradas com tanta freqüência ou que são pouco conhecidas.
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Depois de conversar sobre as crenças que aparecem no texto é o momento para que a
garotada exponha histórias próprias. Pergunte se eles conhecem alguma curiosidade ou lenda
típica da região onde vivem. Prepare-se para surpresas pois com certeza surgirão informações
bastante interessantes. Estimule a participação de todos, inclusive nos comentários.

Desenho coletivo
Feita a discussão, é hora de recriar os personagens. Peça à turma para reescrever o conto ou
alguma das histórias que surgiram durante os debates em sala. Outra boa idéia é oferecer
atividades artísticas para, com o uso de rabiscos e borrões, eles materializarem suas
impressões. Para isso, você pode propor que o trabalho seja realizado em equipe. Coloque um
pedaço grande de cartolina ou papel craft na parede ou forme um círculo com os alunos. O
material deve ficar no centro da roda. Usando giz e tintas, peça que um deles inicie o desenho,
esboçando uma parte da história. Em seguida, cada um faz um complemento, até que todos
tenham participado e o cartaz se torne uma expressão coletiva.

Boto
Personagem popular no Pará. A crença diz que ao cair da noite o boto transforma-
se em um rapaz alto e muito bonito. Namorador e simpático, costuma freqüentar
bailes para atrair as moças. Nunca tira o chapéu, que usa para esconder o orifício
no alto da cabeça.
O boto é sempre culpado nos casos de adultério, de sedução de virgens e é o pai
dos filhos de origem desconhecida.

Serpente Emplumada
Conta-se que certo dia, na região de Bom Jesus da Lapa (BA), um missionário
amarrou uma serpente feroz com o fio da barba em uma cova.
Ela começou a criar penas e as pessoas temiam ser atacadas pelo monstro. Um dia,
Frei Clemente aconselhou a todos que rezassem. A cada reza uma pena cairia. E
assim foi até que o monstro morreu. Ainda hoje a cidade tem mais tradição
religiosa.

Lobisomem
Há relatos em todo o Brasil.
Como homem é geralmente magro, branco, de orelhas compridas e nariz
levantado. Nas noites de quinta para sexta-feira ele vira lobo, porco ou cão. Sai à
procura de recém-nascidos e animais para sugar seu sangue. Em alguns lugares
acredita-se que toda mulher que tiver sete filhos machos gera entre eles um
lobisomem. A maldição é quebrada quando alguém o fere.

Saci-Pererê
É comum nos Estados do Sul, mas também aparece em outras regiões, como na
Sudeste. A lenda fala sobre um menino negro, com uma perna só e pouco mais que
meio metro de altura que leva sempre um cachimbo na boca. Usa um gorro
vermelho que o torna encantado. Espanta os viajantes na estrada e costuma
trançar as crinas dos cavalos para que ninguém possa desfazer o emaranhado.

Negrinho do Pastoreio
Muito popular no Rio Grande do Sul, conta a história de um menino negro que
trabalhava como escravo para um fazendeiro. Um dia, cuidando dos cavalos no
campo, ele perde os animais. Como castigo, é surrado e depois jogado ainda
sangrando em um formigueiro, ficando lá até morrer. Hoje ele é visto cavalgando
pelo pasto e ajuda quem lhe acende uma vela a encontrar objetos perdidos.
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A seca e o inverno

Na seca inclemente no nosso Nordeste


O sol é mais quente e o céu, mais azul
E o povo se achando sem chão e sem veste
Viaja à procura das terras do Sul

Porém quando chove tudo é riso e festa


O campo e a floresta prometem fartura
Escutam-se as notas alegres e graves
Dos cantos das aves louvando a natura

Alegre esvoaça e gargalha o jacu


Apita a nambu e geme a juriti
E a brisa farfalha por entre os verdores
Beijando os primores do meu Cariri

De noite notamos as graças eternas


Nas lindas lanternas de mil vaga-lumes
Na copa da mata os ramos embalam
E as flores exalam suaves perfumes
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Se o dia desponta vem nova alegria


A gente aprecia o mais lindo compasso
Além do balido das lindas ovelhas
Enxames de abelhas zumbindo no espaço

E o forte caboclo da sua palhoça


No rumo da roça de marcha apressada
Vai cheio de vida sorrindo e contente
Lançar a semente na terra molhada

Das mãos deste bravo caboclo roceiro


Fiel prazenteiro modesto e feliz
É que o ouro branco sai para o processo
Fazer o progresso do nosso país

Conto de Patativa do Assaré

Como utilizar o conto em sala de aula

Professoras de Fortaleza sugerem duas atividades sobre o texto de Patativa do


Asssaré

A literatura de cordel foi por muitos anos a principal forma de veiculação de notícias em vários
Estados do Nordeste. Com o tempo, ela foi perdendo importância e, hoje, muitos estudantes
nem sequer a conhecem. As professoras Sandra Lúcia de Souza Menezes e Margaret Mota de
Lima, do Instituto Educacional O Canarinho, de Fortaleza, criaram duas propostas de aula para
turmas de 4ª a 6ª série. A primeira apresenta e a segunda aprofunda o manejo dessa forma
popular de versificação.

Rimas pares
Leia em voz alta A Seca e o Inverno, para que seus alunos apreciem a sonoridade dos versos.
Use o dicionário para tirar as dúvidas e estimule uma discussão coletiva sobre o texto. Como o
autor apresenta a vida do nordestino durante a seca? Para você, o que justifica trocar o
Nordeste pelo Sul, saída apontada na primeira estrofe? O que muda para o roceiro com a
chegada das chuvas?

Peça que a turma compare o cordel com outros métodos de versificação. Tenha em mãos
outros exemplos de cordel, para avaliar a quantidade de estrofes e versos, a linguagem, as
rimas e a temática. Enquanto A Seca e o Inverno é metrificado em quatro linhas com rimas no
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segundo e quarto versos, a maioria dos cordéis trabalha com versos de seis linhas, mantendo a
metrificação nos versos pares.

Trovadores medievais
Para as classes mais familiarizadas com a literatura de cordel, o debate começa com outras
indagações. Como definir a literatura de cordel? Que aspectos deve conter um texto para ser
considerado cordel? Que linguagem está presente, com freqüência, nesse estilo literário?
Quais as temáticas mais abordadas pelos cordelistas? O que você sabe sobre Patativa do
Assaré e outros poetas populares?

Proponha a produção, em grupo, de algumas estrofes abordando problemas sociais como


fome, desemprego, falta de moradia ou marginalidade. Exiba o resultado no mural da escola.

É possível, também, integrar à atividade as disciplinas de História e Geografia. Sabemos que o


cordel tem origem nos trovadores medievais, tradicionais contadores de histórias que
circulavam entre as aldeias, e foi muito difundido em alguns países europeus. Entre nossos
colonizadores, já era conhecida como literatura de cordel ou "folhas volantes". Com base nessa
informação, debata com a turma a herança cultural portuguesa, mostrando que a literatura de
cordel é um desses elementos.

O texto de Patativa do Assaré pode ainda mostrar os contrastes regionais entre Nordeste e o
que o autor chama genericamente de Sul. Êxodo rural, diferenças de fauna, flora, clima e a
política de combate à seca revelarão a verdadeira vocação do cordel: usar rimas para propor
soluções para problemas atuais.

Pechada

O apelido foi instantâneo. No primeiro dia de aula, o aluno novo já estava sendo chamado de "Gaúcho". Porque era
gaúcho, recém-chegado do Rio Grande do Sul, com um sotaque carregado.

– Aí, Gaúcho!

– Fala, Gaúcho!

Perguntaram para a professora por que o Gaúcho falava diferente. A professora explicou que cada região tinha seu
idioma, mas que as diferenças não eram tão grandes assim. Afinal, todos falavam português. Variava a pronúncia,
mas a língua era uma só. E os alunos não achavam formidável que num país do tamanho do Brasil todos falassem a
mesma língua, só com pequenas variações?

– Mas o Gaúcho fala "tu"! – disse o gordo Jorge, que era quem mais implicava com o novato.

– E fala certo - disse a professora. – Pode-se dizer "tu" e pode-se dizer "você". Os dois estão certos. Os dois são
português.

O gordo Jorge fez cara de quem não se entregara.

Um dia o Gaúcho chegou tarde na aula e explicou para a professora o que acontecera.
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– O pai atravessou a sinaleira e pechou.

– O que?

– O pai. Atravessou a sinaleira e pechou.

A professora sorriu. Depois achou que não era caso para sorrir. Afinal, o pai do menino atravessara uma sinaleira e
pechara. Podia estar, naquele momento, em algum hospital. Gravemente pechado. Com pedaços de sinaleira sendo
retirados do seu corpo.

– O que foi que ele disse, tia? – quis saber o gordo Jorge.

– Que o pai dele atravessou uma sinaleira e pechou.

– E o que é isso?

– Gaúcho... Quer dizer, Rodrigo: explique para a classe o que aconteceu.

– Nós vinha...

– Nós vínhamos.

– Nós vínhamos de auto, o pai não viu a sinaleira fechada, passou no vermelho e deu uma pechada noutro auto.

A professora varreu a classe com seu sorriso. Estava claro o que acontecera? Ao mesmo tempo, procurava uma
tradução para o relato do gaúcho. Não podia admitir que não o entendera. Não com o gordo Jorge rindo daquele jeito.

"Sinaleira", obviamente, era sinal, semáforo. "Auto" era automóvel, carro. Mas "pechar" o que era? Bater, claro. Mas
de onde viera aquela estranha palavra? Só muitos dias depois a professora descobriu que "pechar" vinha do espanhol
e queria dizer bater com o peito, e até lá teve que se esforçar para convencer o gordo Jorge de que era mesmo
brasileiro o que falava o novato. Que já ganhara outro apelido: Pechada.

– Aí, Pechada!

– Fala, Pechada!

Como utilizar o conto em sala de aula

A garotada vai descobrir a importância de respeitar os costumes de outros


grupos culturais

A diversidade de opiniões, formas de vestir-se ou culto religioso deve ser vivida como algo que
enriquece. Não como justificativa para excluir os "diferentes". O texto de Luis Fernando
Verissimo aponta para essa questão essencial na escola: o convívio com as diferenças.
Segundo Ana Maira Zortéa e Marta Bergallo Rodrigues, assessoras pedagógicas da Secretaria
Municipal de Educação de Porto Alegre, é preciso deixar claro para os alunos que uma cultura
não é superior às outras — da mesma forma que nenhum ser humano tem mais valor que os
demais. O assunto está nos capítulos de Pluralidade Cultural e Ética, temas transversais dos
Parâmetros Curriculares Nacionais.

"A escola deve se preocupar com a contribuição que os conteúdos de sala de aula dão para a
formação de sujeitos cooperativos, livres para expressar suas idéias e capazes de aprender na
troca com os outros", afirma Ana Maira. Ela e Marta sugerem atividades para turmas da pré-
escola à 4a série. De início, peça uma pesquisa sobre as origens, os costumes e os gostos
culinários das famílias de seus alunos.

Formas de Socialização
Com base nos relatórios, organize diferentes formas de socialização. Uma idéia é promover
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uma refeição com alimentos que contem um pouco de cada história familiar. No dia, as
crianças e os convidados ensinam músicas e brincadeiras — e contam casos pitorescos sobre
avós, tios e primos. Outra proposta é organizar uma exposição com objetos significativos,
levados de casa para a escola. Vale tudo: desde uma bomba de chimarrão (para os gaúchos)
até uma foto antiga, roupas ou livros.

Nas aulas de Língua Portuguesa, peça que cada estudante apresente uma palavra nova ao
grupo. Sugira que todos consultem parentes mais velhos. Valem também expressões de outras
regiões. Em seguida, proponha um jogo na forma de um desafio "O que é, o que é...?" Registre
os vários significados levantados pelas crianças. Terminada a brincadeira, monte um dicionário
com o verdadeiro sentido das palavras. As que provocarem mais polêmica podem virar alvo de
pesquisas mais detalhadas.

Um bom exercício de Matemática consiste em montar uma linha do tempo para cada
estudante. Ela começa no nascimento do mais velho parente consultado, inclui os demais
familiares e chega aos dias de hoje. Calcule, então, a diferença de idade entre as gerações
(pais e filhos, pais e avós...). "Nessa hora, você pode trabalhar os conceitos de século, década
e ano", sugere Marta.

O temporal no Amazonas

Passamos o dia em Ponta Alegre, aldeia dos índios Maués, banhada pelo rio Andirá. Muito
aprendi com o jovem tuchaua, conhecedor de ervas mágicas e amigo das estrelas. Ao
entardecer, saímos de canoa com motor de popa, ao rumo da Freguesia, pequenina
comunidade no coração da floresta. Era tempo de cheia. Soprava de leve o vento geral.
Éramos quatro a bordo. Viajávamos rente à margem abarrancada, já na metade do percurso,
quando, de repente, o temporal desabou.

"Este vai ser dos medonhos", disse sereno, lá na popa, onde manejava o motor, Morón, um
índio meu amigo. Junto a ele, no chão da canoa, o seu filho menino, todo encolhido de frio.
Lembro-me de que, antes de escurecer totalmente, do banco da frente onde eu viajava, virei-
me e vi o brilho intenso dos seus olhos enormes. Era o pavor. Na proa, sem camisa, o cabloco
Jari, morador da Freguesia.

Enfrentamos o temporal em silêncio, solidários. A correnteza crescia, a canoa se balançava na


alta crista das ondas, depois se despencava com fragor. A chuva nos vergastava por todos os
lados. Houve um momento em que não vimos mais nada. Repetidas vezes a proa tocava num
tronco. O baque surdo, a canoa parecia que ia virar. Morón inclinava o motor para a frente, de
jeito que a hélice ficasse fora da água.
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Só os relâmpagos nos ajudavam, cortando o céu de um lado a outro: a luz fugaz nos mostrava
um tronco enorme, um pedaço de árvore ainda com ramos frescos, já quase em cima de nós.
O índio, ágil e calado, desviava a canoa num golpe de leme. A escuridão era tanta que eu
sequer enxergava a minha mão aberta a centímetros do meu rosto. Mesmo assim, em alguns
instantes, tive a certeza de que o piloto conseguia distinguir, dentro da treva espessa, alguma
coisa das águas e das margens. Um filho da floresta.

A tempestade cessou pouco antes de chegarmos à Freguesia. E duas coisas aconteceram que
eu preciso contar. A primeira é que, de repente, demos com várias canoas vindo em nossa
direção. Eram homens e mulheres daquele pedaço verde do mundo, certos de que deveríamos
chegar no começo da noite e nossa tardança já era tanta, nos sabiam surpreendidos pelo
temporal e decidiram ir ao nosso encontro, para nos salvar. Quando nos viram, foi um imenso e
prolongado grito de alegria, saído de todas as bocas. Do coração solidário. A segunda coisa é
que depois do temporal o céu acendeu as suas estrelas, perdão, todas as suas estrelas, que
brilhavam enormes, pairando soltas no campo da noite.

Conto de Thiago de Mello

Como utilizar o conto em sala de aula

Texto de Thiago de Mello vira atividades de Matemática, Português, Geografia


e História

C ada região do Brasil é marcada por diferentes características. Nenhuma delas, no entanto,
pode ser estudada sem que se entenda como a população vive e interage com o meio
ambiente. Thiago de Mello, natural do Amazonas, conhece como ninguém a importância da
água para o nortista. Na narrativa, o autor mostra como as chuvas e os rios comandam a vida
das pessoas. Para que seus alunos embarquem nessa viagem, Guilherme Fernandes,
professor da Universidade Federal do Pará e doutorando em Literatura e Cultura Popular, criou
esta sugestão para turmas de 3ª a 7ª série.

Comece o trabalho pedindo uma pesquisa sobre a escassez de água. Os alunos perceberão
que em alguns lugares existe falta (Nordeste) e em outros, fartura (Amazônia). Antes da leitura
do texto, explique que eles vão conhecer uma história sobre o homem da Região Norte e o
convívio com rios e tempestades. É importante que todos percebam onde estão o conflito (a
luta contra o temporal) e os personagens (narrador, índio e caboclo). Parta das atitudes de
cada um em relação às águas revoltas, aos trovões e ao balanço da canoa para explorar os
conceitos de sujeito, verbo e adjetivo, em Língua Portuguesa.
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Fale sobre os diferentes tipos de texto, enfatizando a linguagem literária, gênero a que
pertence "Temporal no Amazonas". Apresente exemplos de metáfora (coração da floresta,
amigo das estrelas, o céu acendia as estrelas) e de vocabulário característico da região
(caboclo, medonho, tardança). Destaque que a palavra tuchaua, que aparece no início da
narrativa com o significado de chefe da tribo, também pode ser grafada como tuxaua.

Características regionais

Aproveite para navegar por outras disciplinas. Em Geografia, mostre as características do


Norte partindo do fragmento "repetidas vezes a proa tocava num tronco". Essa é uma
referência ao fenômeno das terras caídas, comum na Amazônia. No período de cheia (que vai
de fevereiro a agosto), a fúria das águas arranca terra das margens e leva troncos rio abaixo.
Estimule a garotada a descobrir por que isso acontece e quais as conseqüências para o
ecossistema.

Outra idéia é pesquisar os meios de transporte mais usados em outros lugares do Brasil,
levando-se em conta as características geográficas. Mostre que no Norte são comuns as
embarcações de diversos tipos: canoa, montaria, barco-motor, navio, catamarã, alvarenga. E
nas outras regiões? Divida a turma em grupos e proponha a construção de modelos desses
veículos. Depois, monte uma exposição. Durante a confecção das miniaturas, apresente
conteúdos de Matemática. No primeiro ciclo do Ensino Fundamental, explore a noção de
objetos geométricos e os conceitos de grandezas e medidas. Para o segundo ciclo, o ideal é
abordar o sistema de numeração decimal e questões relativas ao espaço e à forma, que
aparecem no estudo das figuras geométricas presentes nas embarcações.

Em História, use os personagens índio e caboclo para fazer uma linha do tempo sobre a
colonização do país pelas várias raças — os estudantes vão compreender como se deu a
miscigenação. E lembre-se: temas ligados a Ética, Pluralidade Cultural e Meio Ambiente
aparecem com freqüência no texto e devem ser discutidos em todas as disciplinas.

Emas

Elas ficavam flanando, as emas.

Nos pátios da fazenda.

A gente sabia que as emas

comem vidros, latas de sardinha, sabonetes,

cobras, pregos.

Falavam que elas têm moelas de alicate.

Nossa mãe tinha medo que as emas comessem

nossas cobertas de dormir e os vidros de


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arnica da avó.

Eu tinha vontade de botar cabresto na ema

e sair pelos campos montado nela.

A gente sabia

que a ema quase voa no correr.

E que quase dobra o vento no correr.

Eu tinha vontade de dobrar o vento no correr.

Poema de Manoel Barros,

Como utilizar o texto em sala de aula

Tem uma ema bem no meio da classe

A ema é um curioso representante do Centro-Oeste. Tem três dedos nos pés e até 1,30 metro de
altura. O macho choca os ovos de várias fêmeas. Na visão do poeta, tem moelas de alicate e um
estômago onde cabe tudo — vidro, lata, cobra, prego... O mato-grossense Manoel de Barros
explora em seu poema as figuras de linguagem. Na brincadeira com as palavras ele leva o leitor
a entrar num baú de memórias e escreve como se os versos fossem uma extensão do vaivém do
pensamento. A ema criada pelo artista plástico goiano Siron Franco é também uma
representação — as impressões que ele tem dela. Ana Maria Nogueira, mestre em artes visuais,
e Maria Luiza Bretas, coordenadora do Programa Cantinho de Leitura de Goiás, prepararam as
sugestões para trabalhar o texto e a obra em sala de aula.

Divida a sala em cinco grupos e comece com um jogo. Uma criança fala um número de 1 a 23.
Cada escolha define uma letra do alfabeto (ao número cinco corresponde o E; ao oito, o H).
Peça que os grupos escrevam o maior número possível de nomes de animais que comecem com
a letra escolhida. Ganha quem tiver a maior lista.
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Baralho de versos
Depois desse aquecimento, explore as idéias ligadas a Geografia e Ciências. Estimule os alunos
a falar tudo o que souberem sobre o habitat dos animais citados, características e alimentação.
Apresente os mais comuns na Região Centro-Oeste e fixe-se, posteriormente, na ema. Feita essa
discussão, é hora de apresentar o poema. Com antecedência, copie o texto cinco vezes e recorte
verso por verso. Cada grupo deve receber o material já recortado e embaralhado. Peça que todos
montem o quebra-cabeça da maneira que acharem mais lógica. Proponha a leitura grupo por
grupo e saliente as diferenças observadas. Terminada essa etapa, cole no quadro o poema de
Manoel de Barros transcrito num cartaz e verifique quem mais se aproximou do original.

A partir daí inicie o trabalho com a linguagem. Questione os possíveis significados das
expressões "elas ficavam flanando", "moelas de alicate", "botar cabresto na ema", "a ema quase
voa no correr" e "eu tinha vontade de dobrar o vento no correr". Para concluir, proponha que os
grupos criem poemas sobre os animais da região pantaneira e ilustrem em papel pardo.

Terminado o texto, explore a obra de Siron Franco. Explique que a arte contemporânea se
apropria de gestos e formas para expressar sentimentos. No caso, o resultado foi uma espécie
única de ema. Peça que os alunos pesquisem como é o animal. Proponha que construam, como
na arte contemporânea, um objeto representativo dele. Para isso, podem usar restos de peças de
automóveis, galhos de árvores ou qualquer outro tipo de sucata que tenha semelhança com o
gogó da ema. Monte os objetos trazidos numa grande instalação.

A chuva

A chuva derrubou as pontes. A chuva transbordou os rios.


  A chuva molhou os transeuntes. A chuva encharcou as
  praças. A chuva enferrujou as máquinas. A chuva enfureceu
  as marés. A chuva e seu cheiro de terra. A chuva com sua
  cabeleira. A chuva esburacou as pedras. A chuva alagou a
  favela. A chuva de canivetes. A chuva enxugou a sede. A
  chuva anoiteceu de tarde. A chuva e seu brilho prateado. A
  chuva de retas paralelas sobre a terra curva. A chuva
  destroçou os guarda-chuvas. A chuva durou muitos dias. A
  chuva apagou o incêndio. A chuva caiu. A chuva
  derramou-se. A chuva murmurou meu nome. A chuva ligou o
  pára-brisa. A chuva acendeu os faróis. A chuva tocou a
  sirene. A chuva com a sua crina. A chuva encheu a piscina.
  A chuva com as gotas grossas. A chuva de pingos pretos.
  A chuva açoitando as plantas. A chuva senhora da lama. A
  chuva sem pena. A chuva apenas. A chuva empenou os
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  móveis. A chuva amarelou os livros. A chuva corroeu as


  cercas. A chuva e seu baque seco. A chuva e seu ruído de
  vidro. A chuva inchou o brejo. A chuva pingou pelo teto. A
  chuva multiplicando insetos. A chuva sobre os varais. A
  chuva derrubando raios. A chuva acabou a luz. A chuva
  molhou os cigarros. A chuva mijou no telhado. A chuva
  regou o gramado. A chuva arrepiou os poros. A chuva fez
  muitas poças. A chuva secou ao sol.

Como utilizar o conto em sala de aula

Use o concretismo de Arnaldo Antunes parainiciar uma viagem pela linguagem


poética

D á para imaginar um poema sem versos? Até 1956, quando surgiu a poesia concreta, poucas
pessoas ousavam pensar assim. Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos
deram destaque a aspectos visuais e sonoros e o papel principal do texto passou a ser da
palavra. A seguir, você conhece as sugestões de Odonir Araújo de Oliveira, professora de
Língua Portuguesa e Literatura e assessora pedagógica em São Paulo, para trabalhar o poema
de Arnaldo Antunes em aula de aula. As idéias servem para todas as séries. Aprofunde as
atividades de acordo com a resposta da turma. "Para explorar a linguagem poética é
fundamental estimular as descobertas, mostrando que é possível ter inúmeras impressões",
ensina Odonir.

Inicie com a leitura frase a frase para que os estudantes percebam o ritmo, as rimas e a
estrutura. Estimule-os a dar explicações que justifiquem o modo como o autor construiu o texto.
Em seguida peça que leiam novamente, deste vez prestando atenção à sonoridade: a repetição
da palavra chuva e o efeito causado pelo som /ch/. Afinal, o que o poeta quer dizer?
90

Forma trabalhada, é hora de explorar o conteúdo. Promova uma discussão sobre as


prosopopéias (personificações das ações e características atribuídas à chuva) e as metáforas.
No texto, a chuva passa a agir como ser humano? Todas as descobertas podem ir para um
grande painel, em que os alunos retratarão com desenhos, colagens ou pinturas as diversas
situações imaginadas pelo poeta. O resultado será uma visão global daquilo que o texto
sugere. Nesta fase, inclua o colega de Arte para uma aula sobre grafite, expressão artística
típica das grandes cidades (leia uma sugestão sobre o tema no Site do Professor).

Para turmas mais avançadas é possível também explorar a estrutura sintática. Compare as
frases em que a palavra chuva aparece como sujeito agente, orações em que o verbo está
elíptico ("A chuva sobre os varais") e frases nominais ("A chuva apenas", "A chuva de
canivetes"). Questione sobre as diferenças e o efeito que cada uma confere aos versos. Peça
que listem todas as estruturas que aparecem no poema e os exemplos que correspondem a
cada uma delas.

Toda essa discussão vai abrir espaço para desenvolver uma série de atividades. Peça uma
pesquisa sobre o concretismo. Vale trazer outros poemas e letras de música de Arnaldo
Antunes para cantar e declamar na sala de aula. Sugira que todos criem as próprias poesias.

Agora, estenda o trabalho para outras disciplinas. Em Geografia, uma boa sugestão é
pesquisar os maiores e menores índices pluviométricos no Brasil, apontando as causas e
conseqüências da falta ou do excesso de chuva (o racionamento de energia certamente vai
animar o debate). Proponha que os alunos confeccionem mapas e trabalhem com legendas.
Em Matemática, compare os números pesquisados e peça a criação de gráficos como síntese
do material. Em Ciências Naturais, discuta com a classe os conceitos de chuva e o ciclo da
água. Você pode ainda complementar esse trabalho com a observação dos dias chuvosos. O
que acontece quando a chuva é fraca ou forte? Como ela começa e termina? Qual a diferença
de som? Registre as conclusões com textos ou desenhos.

Dona Licinha

A senhora não me conhece. Faz tanto tempo e me lembro de detalhes do seu jeito,
sua voz, seu penteado e roupas... A senhora ensinava na 3a série B e eu era aluna
da 3ª série C no Grupo Escolar do Tatuapé... Passava no corredor fazendo figa para
mudar de classe, pra minha professora viajar e nunca mais voltar, pra diretora
implicar e me mandar pra 3a B... Nunca tive tanta inveja na minha vida como tive
das crianças da série B...

Lembro que na sua sala se ouviam risadas quase o tempo todo. Maior gostosura!
De vez em quando, um enorme silêncio quebrado por uma voz suave...era hora de
contar histórias. Suspirando, eu grudava na janela e escutava o que podia...
Também muitos piques e hurras, brincadeiras correndo solto. Esconde-esconde,
telefone sem fio, campeonato de Geografia. Tanto fazia a aprontação inventada.
Importava era sentir a redonda contenteza dos alunos.

A sua sala era colorida com desenhos das crianças, um painel com recortes de
revistas e jornais, figurinhas bailando em fios pendurados, mapas e fotos... Uma
lindeza rodopiante mudada toda semana! Vi pela janela seus alunos fantasiados,
pintados, emperucados, representando cenas da História do Brasil! Maior
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maravilhamento! Demorei, entendi. Quem nunca entendeu foi a minha professora...


Seu segredo era ensinar brincando. Na descoberta! Na contenteza!

Nunca ouvi berros, um "Cala boca", "Aqui quem manda sou eu" e outras mansidões
que a minha professora dizia sem cansar. Não escutei ameaças de provas de
sopetão, castigos, dobro da lição de casa, chamar a diretora, com que a minha
professora me aterrorizava o tempo todo...

Dona Licinha, eu quis tanto ser sua aluna quando fiz a 3a série. Não fui... Hoje,
tanto tempo depois, sou professora. Também duma 3a série. Agora sou sua
colega... Só não esqueço que queria estar na sua classe, seguir suas aulas
risonhas, sem cobranças, sem chateações, sem forçar barras, sem fazer engolir o
desinteressante. Numa sala colorida, iluminada, bailante. Também quero ser uma
professora assim. Do seu jeito abraçante.

Hoje, vi uma garotinha me espiando pela janela. Arrepiei. Senti que estava
chegando num jeito legal de estar numa sala de aula... Por isso resolvi escrever
para a senhora. Vontadona engolida por décadas. Tinha que dizer que continuo
querendo muito ser aluna da Dona Licinha. Agora, aluna de como ser professora.
Fazendo meus alunos viverem surpresas inventivas.

Um abraço apertado,

cheinho de gostosuras, da

Ciça

Conto de fanny Abramovich

Como utilizar o conto em sala de aula

A emocionada carta-crônica de Fanny Abramovich é um ótimo ponto de partida


para um debate sobre o mestre que todos nós gostaríamos de ser

Na carta-crônica de Fanny Abramovich, a professora Ciça se lembra de quando era uma


garotinha da 3a série e desejou muito ser aluna de Licinha. Mas por quê? A menina não
estudava? Não tinha ela uma professora? Na verdade, o depoimento fala do mestre que todos
nós gostaríamos de ser. Pode, então, ser lido como uma homenagem dos estudantes,
representados pela pequena Ciça. Que tal, neste mês de outubro, propor aos colegas a leitura
do texto como uma forma de, antes do bolo, festejar o Dia do Professor e descobrir por que
Ciça queria tanto passar para a turma de dona Licinha? Para facilitar a reflexão, siga este
roteiro, elaborado por Heloisa Cerri Ramos, consultora pedagógica da Fundação Victor Civita e
de NOVA ESCOLA.

O grupo de professores pode começar escolhendo um colega para ler, com dramaticidade, a
carta, da qual todos devem ter uma cópia. O objetivo é descobrir qual é a magia que envolve as
aulas de dona Licinha. Antes de iniciar a leitura dramática, apresente as questões a seguir,
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sem esperar pelas respostas O objetivo é fazer com que todos se familiarizem com o que será
conversado depois.

O que dona Licinha tem que tanto encanta a criança?

Será que ela só propõe brincadeiras na classe?

Ela trabalha com os estudantes fora da sala de aula, ao ar livre, e, por isso, eles se sentem
soltos e alegres?

Será que os alunos gostam mais das aulas quando não têm limites, quando tudo podem
dentro da classe?

As atividades de estudo e pesquisa são muito maçantes para os pequenos?

Você, dentro da sala, dá sempre respostas prontas aos questionamentos? Isso agrada às
crianças, que não precisam se esforçar para pensar nem para resolver situações desafiadoras?

Será que um professor pode ser competente no ofício de ensinar e, ao mesmo tempo, se
tornar admirado e querido por seus alunos?

Todas as questões levam a uma reflexão sobre alguns equívocos muito comuns em torno do
que é ser um bom professor — imagem que costuma ser associada apenas ao "bonzinho". O
que é ser "bonzinho"? Dona Licinha era querida por ser "boazinha"? Será que um dos motivos
para tal encantamento não é o modo como ela conduz à descoberta de novos conhecimentos
numa atmosfera de afeto e alegria?

Elos de afetividade

Sem abandonar a responsabilidade de ensinar, ela consegue recobrir de "maravilhamentos" os


momentos da aprendizagem, provando que conhecimento e afeto não se excluem. Ao
contrário, se complementam. Quando o professor se propõe a ensinar e os alunos a aprender
uma corrente de elos de afetividade vai se formando e o cumprimento das atividades passa a
fazer sentido para todos. Sem vínculos afetivos, a aprendizagem significativa não ocorre.

Depois da leitura da carta-crônica, o ideal é partir para uma conversa franca sobre as questões
propostas. O importante não é buscar respostas únicas, definitivas, mas fazer circular idéias a
respeito do ofício de ensinar e das razões pelas quais alguns professores, em determinados
momentos da carreira, se transformam em modelo para jovens e crianças — e serão
lembrados por eles pelo resto da vida. Durante a discussão, evite o tom de mea culpa que
muitas vezes domina encontros entre colegas. Quando todos sentirem que o que foi falado é o
bastante até aquele momento, unam-se em volta de uma mesa com bolo e velas e comemorem
com alegria o orgulho de ser professor.
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Viola no saco

Vocês sabem por que quando alguém perde uma discussão, ou coisa assim, e tem
de se calar, se diz que "fulano meteu a viola no saco"? Pois eu vou contar.

Há muito tempo, quando os bichos falavam e muitas coisas eram diferentes, havia
muita festança no mundo. Um dia houve uma festa no céu e todos os bichos foram
convidados. Entre eles, um dos mais esperados era o Urubu, porque as danças
dependiam das músicas que ele tocava na viola.

No dia da festa, o Urubu enfiou sua viola no saco e, antes de iniciar a viagem, foi
beber água na lagoa. Lá encontrou o Sapo Cururu, que se secava ao sol. Enquanto
o Urubu bebia, o espertalhão do Cururu, que também queria ir à festa, se escondeu
dentro da viola para viajar de carona.
94

Quando o Urubu chegou ao céu, foi muito bem recebido, pois todos esperavam por
ele para começar a dançar o cateretê e a quadrilha. Mas antes o chamaram para
beber umas e outras.

O Urubu foi, deixando a viola encostada num canto. O Cururu aproveitou para pular
da viola sem ser visto e foi se empanturrar com os quitutes da festa. O Urubu
também comeu e bebeu até não poder mais e não viu que o Cururu, aproveitando
uma distração sua, se escondera de novo dentro da viola para tornar a tirar uma
carona na volta para a terra.

Quando chegou a hora de voltar, o Urubu guardou a viola no saco e saiu voando de
volta para casa. Durante o vôo, estranhou que a viola estivesse tão pesada. "Na
vinda foi fácil, mas na volta está difícil. Será que fiquei fraco de tanto comer e
beber?", pensou ele. Por via das dúvidas, examinou o saco com a viola e acabou
descobrindo o malandro do Sapo Cururu agachado lá dentro. Furioso por ser usado
desse jeito, o Urubu começou a sacudir o saco com a viola, para despejar o Cururu
lá do alto e se ver livre dele.

O Cururu, com medo de se esborrachar no chão pedregoso lá em baixo, recorreu à


sua proverbial esperteza e começou a gritar: "Urubu, Urubu, me jogue sobre uma
pedra, não me jogue na água, que eu morro afogado!".

O Urubu, tolo, querendo se vingar do Sapo, viu lá de cima uma lagoa e tratou logo de
despejar o Sapo dentro d’água, que era pra ele se afogar. O espertalhão do Cururu, que
só queria era isso mesmo, saiu nadando, feliz da vida. O bobão do Urubu só não ficou
"a ver navios" porque não havia navios naquela lagoa. E é por isso que, quando alguém
perde a partida e tem de sair quieto e calado, dizem que "fulano teve de meter a viola no
saco"...

História do folclore paulista,


recontada por Tatiana Belinky

Como utilizar o conto em sala de aula

As malandragens de um sapo no céu podem ser usadas numa discussão com


a turma sobre questões éticas e solidariedade

Frustração, abandono, fracasso. Todos estamos sujeitos a viver, em algum momento,


situações dominadas por sentimentos como esses. Tatiana Belinky conta a história do sapo
que queria levar vantagem a qualquer custo. Para o urubu ficou apenas a sensação de ter sido
passado para trás. Na vida real, no entanto, é importante mostrar que valores como a
solidariedade são muito importantes e devem estar presentes em todos os relacionamentos.

"É preciso dar oportunidades para que os alunos, com base em uma discussão franca sobre
questões presentes no cotidiano, possam refletir a respeito de situações originadas em ações
marcadas pelo uso da esperteza", explica Olgair Gomes Garcia, professora de Didática da
Pontíficia Universidade Católica de São Paulo e diretora de Ensino Fundamental da Secretaria
Municipal de São Paulo. Estimule a reflexão, a criatividade e a comunicação usando as
95

sugestões de Olgair, que podem ser trabalhadas a partir da 4a série (com turmas de 6ª e 7ª, a
atividade pode ser mais aprofundada, conforme os questionamentos que surgirem).

Cochicho em grupo
Escolha um local espaçoso da escola. Pode ser a sala de aula, se ela for grande, ou o pátio.
Proponha que a turma se divida em grupos de três ou quatro e inicie uma rápida atividade de
"cochicho". Cada um deve contar aos colegas da equipe, em voz baixa, situações desastrosas
que viveram e como se saíram delas. Em conjunto, as crianças elegem o caso mais engraçado
e o apresentam em voz alta para todos os colegas.

Com o clima já bem descontraído, fale sobre "Viola no Saco" e em seguida distribua cópias do
texto. Faça uma leitura oral usando recursos de dramatização e estimule comentários sobre o
conteúdo da história. Quando começarem a aparecer opiniões a respeito dos personagens
centrais, faça uma intervenção e proponha um debate com o tema "A esperteza: defeito ou
virtude?". Para organizar a atividade, divida a classe em três grupos. Um deles será
encarregado de coordenar, organizar e desenvolver o debate. Os outros dois devem se dividir
entre a defesa do urubu e a do sapo cururu.

O sucesso do trabalho depende de uma boa preparação para que os alunos possam ter o
envolvimento e a segurança necessárias. É interessante, por exemplo, que o urubu, o sapo e
outros personagens estejam presentes no debate (alguns estudantes caracterizados vão ajudar
a compor o clima). Durante a realização das discussões, com uma duração previamente
combinada, fique atento e registre as principais questões e pontos de conflito que forem
aparecendo. Principalmente as que envolvam atitudes e valores.

Após o debate, você pode ainda fazer alguns encaminhamentos. Elabore um roteiro e peça
para os grupos se auto-avaliarem. Para encerrar, faça uma avaliação com toda a classe e,
usando os dados levantados, apresente os assuntos que surgiram no julgamento simulado.
Para finalizar, proponha a realização de um projeto interdisciplinar sobre solidariedade.

No tempo em que os bichos falavam

Houve um tempo em que os bichos falavam, e eles falavam tanto que Esopo resolveu recolher
e contar as histórias deles para todo mundo.

Esopo era escravo de um rei da Grécia, e divertia-se inventando uma moral para as histórias
que ouvia dos animais.

Na verdade, nem todos os moradores do país eram capazes de entender a linguagem dos
animais, mas Esopo era. Sobretudo dos pequeninos, que falavam muito baixinho, como por
exemplo os ratinhos que moravam num buraco da parede da cozinha do palácio.

Um dia, quando limpava o chão da cozinha, Esopo ouviu uns ruídos que vinham de dentro do
buraquinho. Os ratinhos estavam muito agitados e preocupados pois, o rei havia colocado um
gato grande e forte para tomar conta dos petiscos reais e o tal gato não era de brincar em
serviço, já tinha devorado vários ratos.
96

Esopo apurou os ouvidos e pôde ouvir tudo o que os ratinhos diziam:

Um deles, muito espevitado, parecia ser o líder e, de cima de uma caixa de fósforos,
discursava:

— Meus amigos, assim não é mais possível, não temos mais paz e tudo porque o rei resolveu
trazer aquela fera para cá. Precisamos fazer alguma coisa, e logo, porque senão esse gato vai
acabar com a nossa raça!

Era uma assembléia de ratos e todos estavam muito empenhados em solucionar o problema
que os afligia: um gato, grande e forte, que o rei havia mandado colocar na cozinha.

Já tinham perdido vários amigos nos dentes afiados da fera: o Provolone, o Roquefort, o
Camembert e o pobre Tatá, o mais amado de todos.

Planejaram, planejaram e não conseguiram chegar a nenhuma conclusão que agradasse a


todos. Precisavam de estratégias eficazes e seguras.

Uns achavam que deveriam matar o tal gato; outros diziam que era impossível: "Como matar
uma fera daquelas?"

Horácio estava quase convencido de que a sina de seu povo era morrer entre os dentes do
gato. Com lágrimas nos olhos, já ia descendo da caixa de fósforos quando Frederico, um
ratinho muito tímido que nunca falava, resolveu dar sua opinião:

— Como vocês sabem, eu não gosto muito de falar, por isso serei rápido, mas antes vocês vão
responder a uma pergunta: Por que esse gato é tão perigoso para nós, se somos tão ágeis e
espertos?

E Horácio respondeu:

— Ora, Frederico, esse gato é silencioso, não faz nenhum barulho. Como é que vamos saber
quando ele se aproxima?

— Exatamente como eu pensei. Me perdoem a modéstia, mas acho que a idéia que tive é a
melhor de todas as que ouvi aqui .Vejam só, é simples: Vamos arrumar um guizo, pode ser até
aquele que pegamos da roupa do bobo da corte. Lembram? Aquele que achamos bonitinho e
que faz um barulho enorme.

Os ratos não estavam entendendo nada, para que serviria um guizo?

Frederico tratou de explicar:

— A gente pega o guizo e coloca no pescoço do gato. Quando ele se aproximar, vamos ouvir o
barulho e fugir. Não é simples?

Todos adoraram a idéia. Era só colocar o guizo que todos ouviriam o gato se aproximar.

Todos os ratos foram abraçar Frederico e estavam na maior euforia quando, de repente, um
ratinho que não parava de roer um apetitoso pedaço de queijo, resolveu perguntar:

— Mas quem é que vai colocar o guizo no pescoço do gato?

Todos saíram cabisbaixos. Como não haviam pensado naquilo antes?


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Era o fim da euforia dos ratinhos. Para Esopo, a moral da história era a seguinte: "Não adianta
ter boas idéias se não temos quem as coloque em prática". Ou ainda: "Inventar é uma coisa,
colocar em prática é outra".

Uma releitura de Esopo feita por Georgina Mart

Como utilizar o conto em sala de aula

Quanto mais gente, melhor

Trabalhar em equipe é uma competência essencial que deve ser estimulada

U m desavisado que passe por uma reunião de professores no início do ano pode pensar que
a cena é uma repetição da assembléia dos ratinhos de Esopo. Começo de trabalho é assim:
muita animação, energia e planos para o novo semestre. Só que, com o passar do tempo, a
empolgação pode diminuir. Afinal, trabalho em equipe nem sempre é fácil. Antes de colocar
idéias em prática, é preciso enfrentar problemas e pesar vários pontos de vista.

Para desenvolver essa competência, Eliana Mesquiatti Tayano, orientadora educacional da


Escola Móbile, preparou uma atividade que deve ser conduzida por alguém com liderança entre
os colegas.
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Peça que todos se coloquem em círculo. Antes de distribuir o texto, anuncie que o objetivo é
desenvolver a importância do trabalho em equipe. Comece com uma proposta de leitura que
favoreça o compromisso e a valorização dos elementos do grupo. Cada pessoa deve ler, em
voz alta, um parágrafo da história. Alerte para a necessidade de todos se expressarem de
forma clara e se manterem atentos.

O líder começa a leitura do primeiro parágrafo e, no sentido anti-horário, cada um lê o seguinte,


até o final. Distribua, então, uma folha de papel em branco por pessoa. Peça que, em silêncio,
todos representem (individualmente e sem o uso da escrita) o conceito que têm de equipe.
Insista na utilização de outras linguagens, como desenho, recorte ou dobradura.

Agora, cabe a cada um explicar o significado do que produziu. Anote no quadro-negro ou numa
cartolina palavras-chave relacionadas ao tema "trabalho em equipe" à medida que elas
aparecerem nos relatos. Em seguida, relacione a história "No tempo em que os bichos falavam"
com o conjunto de palavras-chave levantadas. Leve os colegas a refletir: os ratos estavam
trabalhando em equipe?

Nesse momento é importante analisar não só as características da produção coletiva, mas


também a importância e as condições necessárias para que ela aconteça. Algumas questões
facilitam essa reflexão:

Por que o trabalho em equipe é tão valorizado no mundo atual?

Que atitudes são necessárias? Enfatize a importância do respeito e da cooperação.

Que sentimentos emergem quando se trabalha em equipe?

Quais os papéis assumidos pelos componentes de um grupo?

Quando um líder é adequado?

Como se desenvolve a capacidade de trabalhar em equipe?

Com base nessa discussão, o grupo levantará os critérios para considerar um trabalho como
sendo de equipe. Esses parâmetros podem ser colocados num cartaz que fique disponível para
consulta.

Se a terra não existisse, a gente pisava onde?

Tênis é de lona e borracha. Cueca é de pano e elástico. Caderno é de arame e folha de papel.
Televisão é de plástico com uma antena em cima e uma tela na frente.

Casa é feita de telhado, parede, piso, porta e janela.

Vaca é de couro, chifre e quatro tetas pingando leite. Cachorro é um ônibus peludo cheio de
pulgas. Ser humano é feito de carne, osso, coração e idéias na cabeça.

E o mundo em que vivemos?

O mundo é um monte de terra cercada de água por todos os lados.


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A água é o mar, o rio, o lago, a chuva, a poça, a lágrima e o cuspe.

A terra é a terra mesmo.

Tem gente que pensa que terra só serve para cavar buraco no chão, para ser hotel de minhoca,
para enfiar poste de luz ou então para sujar o pé de lama em dia de chuva, mas não é nada
disso.

Se não fosse a terra, a gente pisava onde?

Se não fosse a terra, a gente construía nossa casa onde?

E as cidades? E as estradas? E os campinhos de futebol?

Sem a terra a gente não ia jogar bola nunca mais!

Uma vez eu tive um sonho. Sonhei que estava dormindo com vontade de fazer xixi. Continuei
sonhando e pulei da cama. Pobre de mim! Quando pisei no chão, descobri que naquele sonho
não existia chão. Lá fui eu caindo, despencando, voando, esvoaçando. O mundo ali era um
lugar sem terra, por isso tudo vivia boiando no ar. Saí do quarto, fui voejando, passei pela sala
cheia de cadeiras, móveis e mesas voando e cheguei no banheiro. Lá dentro, o chuveiro, a pia
e a privada pareciam umas coisas brancas flutuando no espaço. Fui tentar fazer xixi, mas a
privada não parava quieta. A vontade apertava cada vez mais. Tentei fazer pontaria, caprichei
na mira, mas não deu. No fim, o sonho acabou. Acordei todo molhado com meu irmão, lá
embaixo, gritando socorro. Acontece que a gente dorme em cama beliche, eu em cima e ele
embaixo.

Meu irmão me xingou de tudo quanto foi nome. Expliquei a ele que se não fosse a terra firme o
beliche estaria voando e aí, sim, ia ser muito pior.

Pensando bem, a terra é a coisa mais importante do mundo em que vivemos. Ela é o solo, o
chão, a gleba, o piso,

o porto, o lugar onde a gente fica em pé e constrói a vida.

Para falar a verdade, a terra é uma espécie de mãe.

A mãe de todos nós.

De onde vêm as árvores para dar sombra e segurança? Da terra.

De onde vêm as frutas para a gente chupar? Da terra.

De onde vem a nascente do rio? E a flor? E o passarinho? E a onça? E a tartaruga? E a


borboleta? E o macaco? E o besourinho? E todos os bichos do mundo inteiro menos os peixes e
as estrelas-do-mar?

Sem a terra, não ia ter nem milho, laranja, caqui, jabuticaba, banana, pêra, uva, cacau,
pitanga, mexerica, romã, maçã, abacate, melancia, abacaxi, nem amendoim nem nada.

O mundo ia ser só um monte de coisa nenhuma cercado de água para todos os lados.

Mas a terra tem seus truques. Ela não gosta de ser maltratada, não senhor!
100

Quando fazem queimadas ou destroem o mato ou enchem o chão de lixo e porcaria a terra fica
triste vira deserto, corpo árido, seco, estéril, que não dá mais nada.

Ela, que era generosa, formosa, úmida, florida, risonha, fofa, macia, fértil, cheia de sombra,
cheia de perfume, cheia de riachinhos, borboletas, besourinhos, bichinhos e bichões, de
repente fica tão dura e rachada que só consegue inventar pó, areia e desolação.

Se a terra fosse um deserto ia ter chão, mas como a gente ia ficar?

Texto de Ricardo Azevedo, extraído do livro


Você Me Chamou de Feio, Sou Feio mas Sou Dengoso,
publicado pela Fundação Cargill

Como utilizar o conto em sala de aula

Atividades de Geografia e Língua Portuguesa despertam um novo olhar sobre a


natureza

C olocar o pé na terra, colher fruta na árvore ou mergulhar no rio. Todas essas atividades criam
uma aproximação mágica entre o homem e a natureza. Promover o contato direto com o
mundo que nos cerca e despertar a consciência de que é preciso preservá-lo faz com que os
jovens assumam o papel de cidadãos. Ricardo Azevedo nos leva a imaginar como seria se não
houvesse terra, chão. Lú Mendes e Candú Marques são consultoras pedagógicas do projeto
Fura-Bolo, da Fundação Cargill, que tem o objetivo de levar boa literatura a crianças carentes, e
prepararam sugestões para usar com turmas de 1a a 4a série.
101

Antes de começar a leitura faça um levantamento de imagens e emoções que a história


desperta. Se a terra não existisse... propõe de forma direta uma ligação com a Geografia.
Elementos como terremotos, vulcões, desertos, rios, riachos e queimadas abrem caminho para
a pesquisa. É possível ainda ressaltar dois temas importantes que contribuem para o
envolvimento da turma. O primeiro é a preservação do meio ambiente. O autor faz um convite
para que professores e alunos construam juntos o conceito de ecossistema.

Na faixa etária indicada para essa atividade, a criança parte da interação com o mundo
concreto para construir o conhecimento. Ela deve olhar o que existe ao redor para conceber
idéias e conceitos sugeridos pelo tema. Faça a seguinte provocação: imagine um encontro com
um extraterrestre. Como você apresentaria nosso planeta? O que gostaria de mostrar em
primeiro lugar? Peça que todos desenhem o que pensaram e apresentem os registros ao
restante da turma.

Depois, trace um paralelo entre o que autor escreveu e a experiência do aluno. Faça os
seguintes questionamentos:

"Quando a terra fica triste ela vira deserto, corpo árido, seco, estéril, que não dá mais nada." E
você quando está triste, como fica?

"Quando a terra está alegre fica cheia de perfume, risonha, fofa, fértil." E você?

Converse em roda sobre as respostas dadas pela garotada. Observe que as descobertas podem
ser, num segundo momento, traduzidas em diferentes linguagens (dramática, verbal, plástica e
gráfica) e organizadas dentro de uma dinâmica de grupo.

Pensar nas próprias experiências é sempre um caminho para construir conhecimento. É bem
mais fácil entender a irritação da terra lembrando momentos em que a gente já se sentiu
assim. Essa proposta é uma forma de relacionar a beleza e a preservação da natureza ao
desenvolvimento e bem-estar do homem.

O segundo tema remete a uma percepção mais subjetiva da realidade, muito comum na
infância, que é a sensação de "perder o chão". No texto, o narrador sonha que, ao acordar, não
tem onde pisar. Leia essa passagem em voz alta. Trabalhe a idéia de perda de controle, que é
sugerida de forma metafórica no sonho do narrador.

Depois da leitura, peça a todos que, em silêncio, lembrem-se de situações em que se sentiram
perdidos. Dê um tempo para a reflexão e oriente-os a se expressarem na forma de texto.
Aprofunde a atividade sugerindo a leitura do trabalho de cada um. Uma boa idéia é reunir o
material num livro com o título "Quando a terra deixou de existir para a ..... série".

A luva

F oi nos tempos distantes do amor cortês. No reino medieval do rei Franz era dia de festa, e o
ponto alto das festividades era a exibição de feras selvagens, trazidas de terras distantes, na
arena do grande castelo. Em volta da arena erguiam-se as arquibancadas, encimadas por altos
balcões onde brilhavam os nobres da corte, ao lado das belas damas faiscantes de jóias. Entre
elas se destacava a donzela Cunegundes, tão rica e formosa quanto orgulhosa, e de pé ao seu
lado estava o seu apaixonado adorador, o jovem cavaleiro Delorges, cujo amor ela desdenhava,
distante e fria.

Chegou a hora do início da função. A um sinal do rei, abriu-se a porta da primeira jaula, da qual
saiu, majestoso, um feroz leão africano e, sacudindo a juba dourada, deitou-se na areia,
102

preguiçoso. Abriu-se a segunda jaula, liberando um terrível tigre de Bengala, que encarou o
leão com olhos ameaçadores e deitou-se também, tenso, como quem prepara um bote mortal.
Em seguida, abriu-se a terceira jaula, da qual saltaram, quais enormes gatos negros, duas
panteras de dentes arreganhados, deitando-se agachados e aumentando a tensão do ambiente.

Fez-se um silêncio no público: todos aguardavam ansiosos um pavoroso embate mortal entre
os quatro monstros felinos... E neste momento, como que sem querer, a donzela Cunegundes
deixou cair, do alto do balcão, sua branca luva, bem no centro da arena, entre as quatro feras
assustadoras. E dirigindo-se com um sorriso irônico ao seu cavaleiro adorador, falou, afetada:

"Cavaleiro Delorges, se de fato me amais como viveis repetindo, provai-o, indo buscar e me
devolver a minha luva."

O cavaleiro Delorges não respondeu nada e sem titubear, desceu rápido do balcão e com
passos decididos pisou na arena, entre as fauces hiantes e as presas arreganhadas das quatro
feras. Calmo e firme ele apanhou a luva, e sem olhar para trás e sem apressar o passo, voltou
para o balcão, sob os sussurros de espanto e admiração de todo o público presente.

A donzela Cunegundes estendeu a mão num gesto faceiro para receber a luva e com um sorriso
cheio de promessas, falou:

"Ganhaste a minha gratidão, cavaleiro Delorges."

Mas em vez de entregar-lhe a luva, o cavaleiro Delorges atirou-a no belo rosto da dama cruel e
orgulhosa: "Dispenso a vossa gratidão, senhora!", ele disse.

E voltando-lhe as costas, o cavaleiro Delorges foi embora para sempre.

Recontado de um poema de Schiller por Tatiana Belinky

Como utilizar o conto em sala de aula

Analisando os recursos utilizados porTatiana Belinky, você pode ensinar a turma


a controlar melhor os efeitosque pretende causar nos leitores

Q ue texto bonito! É o que vem à cabeça do leitor que chega à última linha do conto de Tatiana
Belinky. Que segredos tem um escritor para criar este efeito de magia? Serão poderes especiais
conferidos a poucos privilegiados? Claro que não. Seguindo a proposta de aula elaborada por
Heloisa Cerri Ramos, consultora pedagógica de NOVA ESCOLA, é possível mostrar aos alunos os
recursos da língua para criar efeitos e, assim, montar uma bela narrativa. E, na seqüência,
convidá-los a criar, eles mesmos, uma história.
103

Comece pedindo à turma que imagine o que acontecerá num conto que tem como título A
Luva. Dê tempo para que todos falem. Peça que observem as ilustrações, especialmente as
cores e os traçados. Que sensação eles provocam? O ilustrador quis transmitir a idéia de
leveza? De tempos antigos? As indagações são um exercício para que todos aprendam a ler
imagens, uma competência importante, que deve ser desenvolvida desde cedo.

Depois, faça a leitura em voz alta, com expressividade, colocando entonação especial nas
palavras. Esses momentos costumam ser mágicos, tanto para o professor quanto para os
estudantes. Peça que eles também leiam, desta vez sozinhos, em silêncio, cada um saboreando
as palavras a seu modo. Pergunte quem gostaria de ler, em voz alta, para todos os colegas, na
aula seguinte. Enfatize que leitura em público exige preparação e ensaio.

Como próximo passo, analise com a classe as atitudes dos protagonistas, a donzela
Cunegundes e o cavaleiro Delorges. Peça que opinem e justifiquem suas idéias, num exercício
de argumentação. Pergunte que nome atribuiriam às atitudes da moça: orgulho, soberba,
vaidade, tirania... Aproveite para discutir o comportamento humano. Lembre a turma que há
um gênero literário que apresenta formas de conduta humana representadas por animais — a
fábula —, e faça a seguinte pergunta: Cunegundes poderia ser comparada ao pavão da fábula
"O Corvo e o Pavão" (leia abaixo o Exclusivo On-line)?

Análise do texto

A segunda parte da aula começa com a análise dos recursos da escrita empregados pela
autora. É um texto narrativo clássico, com a situação inicial harmônica, introdução de um
conflito que interfere nela, desenvolvimento e solução desse conflito. Para iniciar o estudo,
pergunte aos alunos que sensações e impressões eles tiveram ao ler o conto: de medo, de
leveza, de ternura, de alegria, de tempos antigos. Provavelmente eles dirão que a história passa
a imagem de antiguidade, de leveza...

Diga a eles que essas impressões resultam de escolhas lingüísticas. Peça-lhes que observem
essas opções no parágrafo inicial. Quais são os substantivos desse trecho? Ensine-os a percebê-
los, bem como os seus caracterizadores. Que adjetivos ou expressões adjetivas estão
relacionados aos substantivos? À medida que forem falando, escreva no quadro-negro. Faça-os
observar que as escolhas remetem a imagens antigas: tempos distantes, amor cortês, reino
medieval, grande castelo, por exemplo. Leveza, delicadeza, beleza e ternura vêm de frases
como "belas damas faiscantes de jóias", "donzela formosa", "apaixonado adorador".

Passe em seguida para os tempos verbais. O primeiro parágrafo inicia-se com o pretérito
perfeito do indicativo (foi). Já para os verbos seguintes foi escolhido o modo imperfeito do
indicativo: era, erguiam, brilhavam, destacava, estava, desdenhava. Peça aos alunos que
comparem o uso das formas de passado. Leve-os a perceber que o imperfeito dá idéia de algo
que não se concluiu, que acontecia com freqüência. É o tempo verbal adequado para falar de
ações que costumavam acontecer numa época remota. Pergunte por que esse tempo verbal foi
escolhido. E o dos parágrafos seguintes? A predominância é do pretérito perfeito. Nesses
trechos é contado o que aconteceu um dia à Cunegundes e Delorges. Trata-se, portanto, de
algo já concluído.

A sensação de época antiga também está presente na linguagem do diálogo entre a donzela e
o cavaleiro. Pergunte o que mais chama a atenção nessa linguagem. Provavelmente dirão que
são as formas verbais da 2ª pessoa do plural (amais, viveis, provai-o, ganhastes), forma de
tratamento atualmente em desuso. Enfatize que o uso de recursos como substantivos e
adjetivos que remetem à época antiga, tempos verbais, o pronome "vós" e a própria ilustração
são intencionais.

Hora de escrever
104

A seguir, proponha uma produção de texto que faça uso consciente e intencional dos recursos
lingüísticos estudados com o conto A Luva. Peça que cada aluno escreva uma história que se
passe nos dias de hoje, mas na qual as personagens tenham o mesmo comportamento da
donzela e do cavaleiro. A escolha de substantivos, adjetivos e caracterizadores do substantivo,
do tempo verbal, da forma de tratamento e da ilustração vai depender do efeito que cada um
tentará produzir.

Embora seja elaborado para turmas de 3º e 4º ciclos, é possível adaptar esse trabalho para o
início do Ensino Fundamental e para a Educação Infantil. A partir do título e das ilustrações,
pergunte-lhes sobre o que deverá ser a história. A seguir, leia o texto. Converse sobre a época,
as personagens, que opinião as crianças têm sobre a atitude da donzela; pergunte como
reagiriam, se fossem o cavaleiro.

Tema: Recursos da língua para produzir efeitos desejados

Objetivo: Produzir um texto, fazendo escolhas lingüísticas


intencionais

Como chegar lá: Ensina-se a ler e a escrever lendo e analisando


bons textos

Dica: Tenha um acervo de bons textos, não só narrativos, como


modelos para ensinar diferentes gêneros: notícias, poemas, cartas,
editoriais, propagandas etc.
Faça com antecedência a leiturae análise do material que você vai
levar aos alunos. Ponha-se no lugar deles. Assim, você sentirá mais
segurança para orientar os passos da classe

O que é o que é?

Bola de ouro
Correndo, sem choro,
Na ponta do pé.

O que é, o que é?
Bola de prata
Quicando, sensata,
No peito do pé.
105

O que é, o que é?
Bola de meia
Caindo sem peia
No pio do pé.

O que é, o que é?
Bola de neve
Roçando de leve
A planta do pé.

O que é, o que é?
Bola de fogo
Ardendo no jogo
De pé contrapé.

O que é, o que é?
Bola de cera,
Chegando matreira,
De pé-ante-pé.

O que é, o que é?
Bola fagueira
Saindo certeira
Do arco do pé.

É gol de Pelé.

Poema de Armando Nogueira, extraído do livro


O Homem e a Bola (publicado pela Ed. Mitavaí)

Como utilizar o conto em sala de aula

Poema de Armando Nogueira permite estudar a estrutura das adivinhas e conhecer o Rei do
Futebol

Q uando estão pouco inspirados, os poetas costumam pôr a culpa nas musas — seres
mitológicos ligados ao estímulo criativo. Mas Armando Nogueira não tem do que reclamar:
para descrever em versos um gol de Pelé, ele pôde escolher qualquer uma das 1284 vezes em
que o Rei do Futebol estufou as redes adversárias. Haja incentivo!
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Agora é com você. Conheça as propostas de uso do poema elaboradas por Maria Paula Parisi
Lauria, autora de livros didáticos de Língua Portuguesa, e bom jogo... ops, boa aula.

Comece resgatando o valor das adivinhas nas várias culturas e em diferentes tempos. Na
Antiguidade, a decifração de enigmas era prova de inteligência. Com o passar do tempo, a
prática perdeu o sentido filosófico. Hoje, tais enigmas são encontrados na voz anônima do povo
e, particularmente, na boca das crianças. Pergunte quem entre os alunos tem adivinhas
guardadas na memória. Peça que eles as recitem para os colegas tentarem descobrir as respostas.
Tenha à mão algumas adivinhações para motivar a classe.

Para iniciar o trabalho com o texto, omita temporariamente o verso final escrito por Armando
Nogueira. A idéia é que as crianças descubram, ou no mínimo discutam, a solução comum a
todas as pistas fornecidas pelo autor (apresente-o à garotada usando os dados do quadro). A
leitura em voz alta pode ser feita por você ou ainda por um ou mais alunos.

Pergunte o que há em comum entre as quadrinhas que compõem o poema ("O que é, o que é?";
"bola de"; uso do gerúndio; construções e expressões a partir da palavra "pé"). Lembre que o
grau de aprofundamento na abordagem desses elementos textuais deve variar de acordo com a
série. Nesse momento, aproveite para falar do significado de palavras e expressões não muito
comuns ao vocabulário dos alunos, como "sensata", "sem peia" e "matreira".

Chame a atenção para os usos que o poeta faz da palavra "pé": ao relacioná-la a outros termos
("do arco do pé" e "pio do pé"), resgatar expressões ("pé-ante-pé") e explorar efeitos de sentido
("De pé contrapé"). Uma consulta ao verbete "pé" num bom dicionário pode dar a dimensão da
quantidade de frases e gírias da nossa língua formadas com esse vocábulo. Deixe claro que o
texto poético permite certas subversões em relação às regras estabelecidas no idioma ("pé-ante-
pé" em vez de pé ante pé).

Peça que os estudantes recortem artigos de jornais ou revistas nos quais apareçam descrições de
jogadas que resultaram em gol. Esse material permite comparar o estilo mais objetivo e
denotativo do texto jornalístico com o estilo mais subjetivo e conotativo do poema.

Com a aproximação de mais uma Copa do Mundo, é interessante lembrar o maior ícone da
história do futebol: Pelé. Oriente a realização de pesquisas biográficas e iconográficas sobre ele
(o quadro é só o "pontapé inicial"). Esse estudo pode resultar na montagem de uma exposição
fotos acompanhada de textos em forma de adivinhas, ou ainda na apresentação de jograis
poéticos tendo o futebol como tema.

Para polemizar, explique que os ídolos, grandes craques que são remunerados como tal, são
minoria. Segundo a Confederação Brasileira de Futebol, de cada 100 jogadores profissionais em
ação no país, 86 recebem até dois salários mínimos por mês.

Tema: Adivinhas e linguagens conotativa e denotativa

Objetivos: Aprender a história das adivinhas e sua função na cultura ocidental.


Conhecer a estrutura repetitiva das adivinhas. Saber distinguir conotação e denotação.
Compreender que as escolhas lingüísticas permitem criar determinados efeitos de
sentido

Como chegar lá: Analise os recursos lingüísticos do poema e compare-os com a


estrutura de textos jornalísticos

Dica: Insista nas atividades de comparação. As crianças constróem conceitos quando


conseguem identificar semelhanças e diferenças entre os elementos examinados
107

Não somos figurinhas!

Uma menina muito ressabiada. Era como se tivesse medo de gente. Família, padrinhos, vizinhos
e professores não conseguiam entender o que a impedia de viver em paz com seus iguais.

"Mas o problema é justamente esse", gesticulava ela, amaciando com seus dedinhos o pêlo
macio de seu gato magro, branco e preto — o Bandidão. "Não somos iguais, não somos iguais,
é tudo mentira. Eu olho para a Pati, o Ivan, o Ademir, a Tatá e só vejo diferenças."
108

Os adultos se entreolhavam desanimados e pediam mais explicações. "Como diferentes, minha


filha? Somos seres humanos, gente igual a você, iguais entre nós: duas pernas, dois bracinhos,
dois olhos, uma língua, um cérebro, dez dedos na mão, dez no pé..."

Bandidão não estava nem aí para aquela conversa sempre tão óbvia. Entediado, deu um pinote,
abandonando o colo de sua dona. Mas, ainda no ar, enquanto preparava suas patas para uma
aterrissagem em segurança, ouviu sair dos lábios dela, também como um pinote, algo que a
garota nunca havia dito: "E quem não tem duas pernas? Ou não escuta? Ou tem dois olhos
mas um é de vidro? Ou é muito feio? Aí não é gente? Para ser gente não basta nascer? E os
bebês, não são diferentes? Por que vocês insistem em me convencer de que somos iguais?
Gente não é como figurinha, que nós arrumamos em fila, deixando de lado as amassadas e as
rasgadas para decidir o que fazer com elas depois".

Bandidão estava emocionado. Entendera tudo, ora pois pois. A menina não tinha medo de
gente. Acuada, sofria por outras razões. Faltava-lhe era coragem para discordar do pensamento
dos adultos.

Confiante por ter conseguido, enfim, explicar sua angústia para os pais, ela experimentou uma
sensação nova: sentiu pressa, muita pressa de ir para a escola. Pela primeira vez, sentia prazer
em ser gente. Dedicou um último olhar de amor para Bandidão e seguiu pela rua.

Texto de Claudia Werneck

Como utilizar o conto em sala de aula

Uma menina que se recusa a comparar pessoas a figurinhas amassadas dá o


mote para uma reflexão sobre nossa visão de mundo e de sociedad

O conto de Claudia Werneck aborda, de forma leve e simpática, um tema delicado e sempre
atual: a inclusão. Por si só, a leitura instiga questões éticas que vão prender a atenção dos
estudantes e permitir que eles entendam por que não podemos ser comparados a figurinhas,
novas ou amassadas. Quem sugere o roteiro a seguir é a professora Maria Teresa Eglér
109

Mantoan, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade da


Univesidade Estadual de Campinas. "Temos de virar as escolas do avesso, pois só assim as
tornaremos inclusivas, acolhedoras, abertas às diferenças", convida ela.

Para começar, tenha em mente o que você pode fazer para praticar uma pedagogia inclusiva:

Estimule tanto o trabalho individual quanto as atividades grupais, pois a combinação de ambos
ajuda no desenvolvimento de responsabilidades e da consciência de que o saber é resultado da
produção coletiva.

Promova a construção ativa do conhecimento, contra a idéia de "fornecer o ensinamento",


infelizmente comum nas culturas escolar e familiar.

Ofereça ajuda mútua e solidariedade. Recuse o espírito de competição e concorrência no ato


de aprender. Lembre que a noção de incompletude (ninguém é auto-suficiente) é essencial
para entender as diferenças.

Diga não a todo tipo de generalização. Refute o conceito de diferença associado à


desigualdade — uns são superiores aos outros.

"Uma escola para todos", destaca Maria Teresa, "combate as atitudes corporativistas, que
distorcem o sentido da inclusão para proclamar os direitos de grupos, como o de professores
especialistas e alunos especiais."

Reconhecer diferenças

Depois de ler com a garotada o texto "Não Somos Figurinhas!", pergunte quem concorda com
as idéias apresentadas pela protagonista. Peça que todos (inclusive os que discordam)
justifiquem as opiniões. Então, tomando cuidado para não constranger nem intimidar ninguém,
corrija as eventuais distorções na percepção de realidade daqueles que consideram todas as
pessoas iguais. Deixe claro que a menina do conto reconhece nossas diferenças individuais e
que esse é o primeiro passo para construir uma sociedade mais justa.

Antes de aprofundar o debate, conte à turma um episódio real, ocorrido recentemente e


relatado aqui por Maria Teresa.

"Estamos em época de racionamento de eletricidade, pois há risco de apagão. Entro numa sala
de aula. A turma é de 4ª série e a professora me recebe com cordialidade. Percebo que os
alunos estão envolvidos com tarefas de Matemática. Porcentagem é o assunto da hora.
Pergunto como ela está lidando com esse conteúdo complexo numa turma tão difícil — há uma
criança cega e outra, o xodó dos colegas, com síndrome de Down. Ambas encontram-se, de
acordo com a professora, defasadas na compreensão da Matemática e de outras disciplinas
‘porque a classe é bem forte’.

A meninada procura saber quais são nossas usinas elétricas e quanto por cento cada uma
produz da energia total do país. A atividade inclui pesquisar as fontes alternativas de energia
existentes no Brasil. Há revistas, livros e papéis por todo lado.

Meninos criam cartazes de cartolina, cheios de números — obtidos ao calcular o que as regiões
Norte e Nordeste poupam porcentualmente —, e o que a escola gasta por dia, conforme o
medidor do consumo elétrico. Eles comparam os dados e checam as porcentagens em
máquinas de calcular. Sabem me dizer quando o uso aumenta ou diminui e levantam hipóteses
sobre a oscilação. É o menino cego quem me aponta os picos de gasto. Quando chega sua vez,
ele também usa a calculadora.
110

A professora ensinara todos a encontrar o resultado numérico, fazendo os cálculos no caderno


e na maquininha. Ela diz que é preciso dominar os dois modos. ‘Quem não consegue acertar
pela conta, que use a máquina’, diz. Ela parece notar que eu nada pergunto sobre o outro
menino, com síndrome de Down, que ainda não sabe montar as operações numéricas nem lê
com precisão. Ele participa do grupo que se dedica à tarefa mais complicada, para a qual esses
conhecimentos contam, e muito!

Sento-me à mesa do garoto cego e seus três companheiros de equipe. Eles recortam anúncios
de um jornal. Dois ditam os preços para outro, que os repassa para o colega cego. Este, por
sua vez, calcula a diferença de preço em seu sorobam. Depois, juntos, buscam a porcentagem
de ganhos em reais.

O rapaz que dita os valores, oservando meu olhar encantado com a rapidez do aluno cego
dedilhando o sorobam, não quer ficar atrás e me mostra que também sabe usar o instrumento.

Enquanto isso, a professora está no fundo da sala, combinando com outro grupo detalhes de
uma lição sobre a importância do cálculo de porcentagens para resolver problemas na escola,
em casa, nas compras no esporte, no lazer..."

Como seus alunos avaliam a atuação dessa professora? A atenção dispensada ao garoto cego
corresponde às necessidades dessa criança? Ela parece integrada ao grupo? Por que não
recebe uma tarefa mais fácil? E quanto ao rapaz com síndrome de Down, por que ele não
acompanha o ritmo de aprendizagem da turma? Que tratamento ele deveria receber? A
inclusão, nesses dois casos, é efetiva?

Leve-os a concluir que as diferenças individuais devem ser reconhecidas e valorizadas para que
todos participem efetivamente da vida em sociedade.

Cidadania

Tema: Inclusão escolar e social

Objetivo: Entender que os seres humanos não são todos iguais e que características físicas,
raciais e culturais, entre outras, diferem as pessoas. Perceber que o respeito a essas
diferenças é condição básica para a prática da inclusão de todos na sociedade

Como chegar lá: Dê como exemplos nossas atitudes cotidianas e reflita com os alunos sobre
as posturas preconceituosas que muitas vezes assumimos sem perceber

Dica: O assunto é delicado e inspira cuidados, já que o conceito de inclusão pode contrariar
convicções arraigadas pelo convívio familiar. Procure sempre mostrar as conseqüências das
atitudes excludentes
Sonhos

Finalmente os computadores chegaram à escola. Os alunos olhavam para eles com orgulho, curiosidade e
respeito.

Naquela noite, Marilena foi dormir feliz. Muito romântica, sonhava com um príncipe encantado e, para
ela, o computador era como um super-herói. Acreditava que ele transformaria sua vida.

"Mas como? Não entendo nada de computação..." — pensou, insegura. E, para espantar a preocupação,
virou-se na cama.
111

De repente, ouviu um ruído estranho. Olhou para o canto do quarto e... iluminado por uma luz azulada, lá
estava ele: o computador. Intrigada, a menina levantou-se, aproximou-se, pé ante pé, e qual não foi seu
espanto quando surgiu na tela do monitor um jovem simpático que foi se apresentando:

— Oi, Marilena! Prazer, eu sou o S.O.

— Oi! — respondeu ela, bastante surpresa. E pensou: "S.O.? Só espero que não seja de Serapiano
Osmundo..."

Como se tivesse adivinhado, o rapaz explicou:

— S.O., de "Sistema Operacional", viu? E foi você mesma quem me escolheu...

Sorrindo ao perceber o olhar de espanto da garota, S.O. completou: — ...para coordenar os trabalhos aqui.

A menina sorriu encabulada e tentou fingir que sabia da existência de outros "sistemas operacionais" e da
possibilidade de escolher entre eles. Depois, resolveu confessar:

— É, é... que eu nunca tive um — gaguejou ela.

E comentou, preocupada:

— Computador... parece só para homem...

Aí foi a vez de S.O. ficar admirado:

— Para homem? Você nunca ouviu falar de Ada Lovelace? Em meados do século 19, Ada criou o
primeiro programa de computador. Ela foi a primeira programadora do mundo!

— Nessa época já existia computador? — perguntou a menina, surpresa.

— Bem, computador, computador... — hesitou ele. — Os programas de Ada eram pra ser usados num
avô dos micros... um precursor do computador, planejado por Charles Babbage, um matemático e
cientista meio maluco.

E o rapaz acrescentou com um olhar sedutor:

— Dizem que eles eram apaixonados.

Para Marilena, descortinaram-se novas perspectivas.

E ela sorriu.

Conto de Edith Modest

Como utilizar o conto em sala de aula

Explore os recursos do computador desafiando a classe a conhecer programas


e a fazer pesquisas na internet

E dith Modesto, a autora de Sonhos, cria um clima onírico e romântico para nos
apresentar o computador sob um ponto de vista incomum. O final da trama, em
aberto, permite que o leitor tire as próprias conclusões sobre o destino da
personagem e estimula a criança a mergulhar no universo da Informática.
112

NOVA ESCOLA convidou José Amando Valente a transformar esse incentivo numa
proposta de aula. O educador, que leciona no Departamento de Multimeios do
Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e coordena o Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, na
PUC de São Paulo, aceitou o desafio. Ele sugere atividades práticas para
demonstrar os recursos e a versatilidade dessa máquina que o imaginário popular
ainda enxerga como um bicho de sete cabeças. Diga que, deletados os mitos, o
computador pode se revelar uma ferramenta indispensável para quem pretende
ficar antenado com o mundo.

Com a mão na massa

"Quem freqüenta uma auto-escola não aprende a história dos carros. Senta-se ao
volante e, já nos primeiros minutos, sai dirigindo", pondera o professor Valente.
Essa premissa também vale para a lição a seguir. O objetivo é fazer a garotada de
2a a 4a série pôr a mão no micro e explorar ao máximo os recursos do
equipamento. Afinal, a desenvoltura no trato com qualquer ferramenta só vem com
alguma prática.

O primeiro passo é ler o conto das páginas anteriores e convocar a classe a


continuar a aula no laboratório de Informática.

Destaque da narrativa algumas palavras que não façam parte do vocabulário


cotidiano da turma ("coordenar", "encabulada" e "perspectivas" servem). Oriente a
meninada a consultar o dicionário eletrônico, caso os computadores da escola
tenham um instalado.

Desafie os pequenos a inventar um desfecho para a história da revista. Pergunte o


que Marilena fez ao chegar à escola no dia seguinte. E à noite, ela voltou a
conversar com o Sistema Operacional? Deixe as respostas por conta da imaginação
de cada um. O importante é que as redações sejam feitas com o auxílio de um
programa de edição de texto. Mostre que é possível alinhar o texto à direita ou à
esquerda da tela e que, nessas versões, não há separação silábica no final das
linhas; o usuário também pode alterar o tipo, o tamanho e a cor dos caracteres;
copiar o texto (ou um trecho dele) e reproduzi-lo em outra página; consultar o
corretor ortográfico e aplicar as devidas mudanças; apagar, inserir ou substituir
letras, palavras ou algarismos. Exiba todas as ferramentas do aplicativo e procure
detalhar o funcionamento de cada uma. Ao final da tarefa, imprima os trabalhos
para que todos comparem os resultados. Os arquivos não devem ser apagados

Em seguida, peça que os estudantes usem o Paintbrush ou equivalente para ilustrar


os textos. Incentive-os a criar um visual para a protagonista, diferente do que
NOVA ESCOLA apresenta. E os colegas de Marilena, como são? Onde se passa o
desfecho da aventura? Lembre que os cenários são parte integrante da narrativa.
Enquanto isso, faça a criançada exercitar o traço, as combinações e os contrastes
cromáticos, o volume, os efeitos de luz e sombra, as texturas e o que mais o
equipamento permitir. Instrua cada aluno a transferir os desenhos finalizados para
o editor de texto e reuni-los no arquivo da redação.

Proponha que a turma escolha algumas palavras-chave do conto de Edith Modesto


e liste quantas vezes os termos se repetem. "Computador", "menina" e "sistema"
são bons exemplos. Use essas informações para ensinar a construir gráficos e
tabelas no micro. Desenvolva tantas variantes quanto puder e explique que as
barras, os círculos e as demais figuras obtidas são formas diversas que
representam uma só realidade. Conte que gráficos e tabelas organizam dados para
facilitar a visualização e análise.
113

Encoraje os pequenos a acessar a internet. Ao fazê-lo, eles estarão conectados a


uma rede que engloba computadores do planeta inteiro. Aprofunde essa noção e
fale que, como os vários povos se comunicam por meio da rede, a língua inglesa foi
escolhida como uma espécie de código universal dos internautas. Ainda assim,
existem milhões de sites em português — e é neles que seus esforços devem se
concentrar nesse momento.

Selecione de antemão endereços eletrônicos que contenham contos de fadas,


clássicos ou modernos. Forneça à garotada a chave para navegar por esses sites.
Deixe que todos se divirtam por algum tempo. Explique, com poucas palavras, que
a internet dispõe de programas de busca. Demonstre a praticidade desses
instrumentos. Solicite, por exemplo, uma pesquisa sobre a vida de Ada Lovelace e
Charles Babbage, pessoas reais citadas no conto. Para evitar que sejam acessados
sites em outra língua, sugira que os alunos digitem, além dos nomes dos cientistas,
vocábulos em português como "computador" e "biografia". Indique, na tela de
abertura dos programas de busca, o espaço em branco destinado a esse fim. A
garotada deve comentar a atividade: foi difícil localizar as informações? Quantas
opções o computador ofereceu? Todas traziam o conteúdo desejado?

Agora só falta o e-mail. Convide a classe a trocar experiências sobre a lição correio
eletrônico. Explique que, como nas cartas, a mensagem só chegará se o endereço
do destinatário for preenchido corretamente. Peça que cada aluno anexe a seu
bilhete o arquivo com o texto escrito no início da aula.

Examine com as crianças os verbetes do glossário que aparece no desenho abaixo


(veja a tela do computador). Eles se referem a expressões comuns ao cotidiano do
usuário de computadores e da internet.

Tema: Utilidades e recursos do computador a serviço da


aprendizagem

Objetivo: Adquirir familiaridade com o instrumental do computador,


conhecer e usar diversos programas para computadores, suas
funções e particularidades. Perceber que essas ferramentas são um
aliado poderoso na vida cotidiana

Como chegar lá: Incentive os alunos a usar o computador com a


mesma naturalidade com que manipulam outras ferramentas do
cotidiano escolar, tais como lápis e cadernos

Dica: O trabalho pode exigir de quatro a cinco aulas. Enfatize as


atividades práticas e, se possível, repita os exercícios, adaptando-os
a outras situações. A desenvoltura diante do hardware é resultado de
Quadrilha da sujeira
experiências acumuladas

João joga um palitinho de sorvete na


rua de Teresa que joga uma latinha de
refrigerante na rua de Raimundo que
joga um saquinho plástico na rua de
Joaquim que joga uma garrafinha
velha na rua de Lili.

Lili joga um pedacinho de isopor na


rua de João que joga uma embalagenzinha
de não sei o que na rua de Teresa que
114

joga um lencinho de papel na rua de


Raimundo que joga uma tampinha de
refrigerante na rua de Joaquim que joga
um papelzinho de bala na rua de J. Pinto
Fernandes que ainda nem tinha
entrado na história.

do livro Você Diz que Sabe Muito, Borboleta Sabe Mais, publicado pela Fundação Cargill),

Como utilizar o conto em sala de aula

poema de Ricardo Azevedo conversa com o de Drummond, que conversa com


o de Gonçalves Dias, que conversa com o de seus alunos... que aprendem a
fazer paródia

O centenário do nascimento de Carlos Drummond de Andrade, que se comemora


agora em outubro, é uma ótima oportunidade para a turma conhecer a obra do
poeta mineiro e escrever textos inspirados em seus versos, como fez o escritor
Ricardo Azevedo. Um trabalho gostoso, que enfoca tanto os atos de ler, ouvir e
115

falar, quanto o de escrever, é o da Quadrilha Poética, sugerido pela professora de


Língua Portuguesa Cleuza Pelá para turmas de 7ª e 8ª séries.

A classe provavelmente perguntará o que é Quadrilha Poética. Bom motivo para


encomendar uma pesquisa acerca do sentido dos termos quadrilha, dança e
contradança. Peça também que cada aluno selecione em casa um poema de
Drummond e ensaie para lê-lo em voz alta.

Na aula seguinte, explique o sentido das palavras-chave pesquisadas e chame a


atenção para o fato de que quadrilha, entre outros significados, refere-se a um tipo
de dança na qual os parceiros ficam face a face, em fila. Eis a deixa para começar a
Quadrilha Poética.

Afaste as carteiras de modo que haja espaço para metade da classe ficar sentada
(em cadeiras ou tapetes) e a outra metade, em pé, formando um corredor (os
alunos dispostos frente a frente). Cada um lê para seu par o poema que escolheu
em casa — e a turma toda ouve. Quando surgirem dois textos iguais, junte os
alunos para que, terminada a leitura individual, eles façam uma leitura combinada
(jogral). Se você preferir evitar a repetição (que não é ruim, pois poesia torna-se
melhor quanto mais lida e relida), promova uma rodada inicial na qual cada
estudante fala apenas o título do texto escolhido, de forma que os pares ou trios se
reúnam. Assim que o grupo que ficou em pé recitar seus poemas, passe a vez para
os que estavam sentados. Isso permite que todos tenham um tempo inteiramente
dedicado a ouvir, sem se preocupar com o próprio desempenho na hora de
declamar.

Ao fim da atividade, é provável que os versos de Quadrilha reproduzidos acima,


tenham sido lidos, pois são dos mais conhecidos. Peça para o aluno que escolheu
essa obra copiá-la no quadro-negro. Se ninguém a selecionou, apresente-a como a
"sua escolha". É um texto curto, que inspira comentários sobre o estilo de
Drummond e revela um de seus temas preferidos — os desejos de realização
amorosa da juventude versus os da vida adulta. Faça a garotada perceber o ritmo
diferenciado que ressoa nos três primeiros versos e o que surge nos seguintes.
Prossiga a análise da estrutura de Quadrilha atentando para a repetição de vogais
(assonância) e do trecho "...que amava...". Examine também a quantidade de
palavras que compõem cada uma das orações e o contraste dos tempos verbais (na
ordem, os pretéritos imperfeito e perfeito do indicativo).

Do original à paródia

Compare a Quadrilha de Drummond com a Quadrilha da Sujeira de Ricardo


Azevedo. Discuta os elementos em comum e o que diferencia os poemas (temática,
organização lingüística, intenções...). Introduza a noção de paródia como um
empréstimo confesso de uma obra famosa. Deixe claro que esse recurso de
linguagem, bem diferente do plágio, oferece uma versão de textos conhecidos, mas
com toques de ironia e crítica social que levam à reflexão e conduzem o leitor a
uma nova mirada sobre a fonte de inspiração.

Assim como no poema original, é importante identificar a repetição do verbo jogar


no presente do indicativo e o uso do artigo um(a), para reforçar o grau diminutivo
aplicado à primeira palavra das expressões designadoras dos tipos de lixo. É um
modo de refletir sobre a crítica de Ricardo Azevedo à idéia de que "apenas um
lixinho" seja inofensivo ao meio ambiente.

Para fixar o conceito de paródia, sugira que a turma faça com outros textos de
Drummond a mesma apropriação operada por Ricardo Azevedo. Exemplifique o
116

exercício pretendido apresentando os trabalhos que Casimiro de Abreu, Murilo


Mendes, Oswald de Andrade, Mario Quintana, José Paulo Paes e o próprio
Drummond fizeram com base na Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. Seus alunos
verão como o poema do romântico maranhense ganha roupagens inesperadas sob
a ótica dos modernistas. Outra boa inspiração é a deliciosa paródia que Millôr
Fernandes criou inspirado em Vou-me Embora pra Pasárgada, de Manuel Bandeira
(esses textos estão no Site do Professor).

Aula interdisciplinar

Igualmente interessante é organizar, em parceria com o professor de Ciências


Naturais, um debate sobre a produção e o destino do lixo e suas formas de
tratamento (reciclagem, compostagem, uso de depósitos adequados, incineradores
etc.). Não deixe de incluir na discussão o destino que os alunos e a escola dão ao
lixo que produzem.

Os textos de Drummond e Ricardo Azevedo também podem ser explorados em


Arte. Proponha que a garotada confeccione máscaras ou marionetes para usar
numa peça teatral escrita coletivamente. O objetivo é polemizar sobre os encontros
e desencontros amorosos entre os seres humanos. Da mesma maneira, a
preservação do meio ambiente e a necessidade de cuidar do lixo urbano merecem
reflexão por parte dos dramaturgos contemporâneos. Na aula de História, o
professor pode resgatar a origem européia da quadrilha e sua influência sobre os
costumes franceses, ingleses e, posteriormente, brasileiros.

Tema: Expressão oral e paródia de poesias

Objetivo: Conhecer Carlos Drummond de Andrade. trabalhar a declamação de


poemas, aprender o que é paródia e produzir paródias

Como chegar lá: Por meio de um jogo didático, a Quadrilha Poética, a classe
entrará em contato com a obra de Drummond, para depois comparar o poema
Quadrilha com a paródia criada por Ricardo Azevedo publicada nesta edição. Outros
exemplos de paródias produzidas com base no poema Canção do Exílio também são
sugeridos

Dica: Como o ritmo e a sonoridade das palavras são intensamente trabalhados em


poesia, acentuar o caráter oral desses textos, por meio da declamação, ajuda a turma
a gostar mais do assunto

Memórias de um infância química

Muitas das minhas lembranças da infância têm relação com metais: eles parecem
ter exercido poder sobre mim desde o início. Destacavam-se em meio à
heterogeneidade do mundo por seu brilho e cintilação, pelos tons prateados, pela
uniformidade e peso. Eram frios ao toque, retiniam quando golpeados.

Eu adorava o amarelo do ouro, seu peso. Minha mãe tirava a aliança do dedo e me
deixava pegá-la um pouco, comentando que aquele material se mantinha sempre
puro e nunca perdia o brilho. "Está sentindo como é pesado?", ela acrescentava.
117

"Mais pesado até do que o chumbo." Eu sabia o que era chumbo, pois já segurara
os canos pesados e maleáveis que o encanador uma vez esquecera lá em casa. O
ouro também era maleável, minha mãe explicou, por isso, em geral, o combinavam
com outro material para torná-lo mais duro.

O mesmo acontecia com o bronze. Bronze! — a palavra em si já me soava como


um clarim, pois uma batalha era o choque valente de bronze contra bronze,
espadas de bronze em escudos de bronze, o grande escudo de Aquiles. O cobre
também podia ser combinado com zinco para produzir latão, acrescentou minha
mãe. Todos nós — minha mãe, meus irmãos e eu — tínhamos nosso menorá de
bronze para o Hanuca. (O de meu pai era de prata.)

Eu conhecia o cobre — a reluzente cor rósea do grande caldeirão em nossa cozinha


era cobre; o caldeirão era tirado do armário só uma vez por ano, quando os
marmelos e as maçãs ácidas amadureciam no pomar e minha mãe fazia geléias
com eles.

Eu conhecia o zinco — o pequeno chafariz fosco e levemente azulado onde os


pássaros se banhavam no jardim era feito de zinco; e o estanho — a pesada folha-
de-flandres em que eram embalados os sanduíches para piquenique. Minha mãe
me mostrou que, quando se dobrava estanho ou zinco, eles emitiam um "grito"
espacial. "Isso é devido à deformação da estrutura cristalina", ela explicou,
esquecendo que eu tinha 5 anos e por isso não a compreendia — mas ainda assim
suas palavras me fascinavam, faziam-me querer saber mais.

Havia um enorme rolo compressor de ferro fundido no jardim — pesava mais de


200 quilos, meu pai contou. Nós, crianças, mal conseguíamos movê-lo, mas meu
pai era fortíssimo e conseguia erguê-lo do chão. O rolo estava sempre um pouco
enferrujado, e isso me afligia — a ferrugem descascava, deixando pequenas
cavidades e escamas —, porque eu temia que o rolo inteiro algum dia se
esfarelasse pela corrosão, se reduzisse a uma massa de pó e flocos avermelhados.
Eu tinha necessidade de ver os metais como estáveis, como é o ouro — capazes de
resistir aos danos e estragos do tempo.

Trecho do livro Tio Tungstênio — Memórias de uma Infância Química,


de Oliver Sacks

Como utilizar o conto em sala de aula

Um bom jeito de estudar os metais que cercam nossa vida é montar uma
exposição

O texto que ocupa as duas primeiras páginas desta seção foi extraído do romance
Tio Tungstênio — Memórias de uma Infância Química. No livro, o médico inglês
Oliver Sacks relembra a meninice passada em Londres nas décadas de 1930 e 40,
118

sempre às voltas com a curiosidade e o prazer das descobertas. A referência ao


menorá revela a origem judia do autor, que discorre sobre os metais, sua paixão
pueril.

Convide os estudantes de 8a série a partilhar o entusiasmo de Sacks pelo tema. É o


que sugere Dalva Tavares, consultora para o ensino de Ciências e para a formação
contínua de professores de Ciências da Natureza, área que engloba as disciplinas
Matemática, Física, Química e Biologia. Depois de apresentar à turma o fragmento
das memórias do escritor, desenvolva a lição a seguir.

Introduza o assunto com uma conversa informal. Diga aos alunos que a Química
em geral e os metais em particular permeiam quase todas atividades cotidianas e
representam um papel essencial no processo do desenvolvimento da tecnologia.

Exposição de metais
Proponha um debate sobre o significado dos metais para a espécie humana desde
épocas remotas. Lembre que as últimas fases da pré-história ficaram conhecidas
pelo nome dos metais mais utilizados — é o caso das idades do cobre e do bronze.
E o que dizer das famosas corridas do ouro, que arrastaram legiões de aventureiros
para os rincões mais inóspitos do planeta, em busca de fortuna? Cite uma
infinidade de artefatos, desde o mais rudimentar parafuso até o revestimento dos
foguetes espaciais. Será que essas maravilhas existiriam sem os metais?

Completada essa etapa, oriente a classe a montar uma exposição com todos os
metais conhecidos por ela (o texto de Oliver Sacks pode ser um bom ponto de
partida). Confira a listagem e, se preciso, incremente-a. Para essa atividade, a
garotada precisa pesquisar:

as características físicas e as propriedades de cada mineral;


seu símbolo (o dado deve vir acompanhado de uma explicação sobre a origem
dessas siglas, muitas delas derivadas de nomes em latim — como o chumbo, cujo
símbolo é Pb porque o nome latino desse metal é plumbum);
a inserção desses metais na Tabela Periódica (vale destacar que esse critério de
classificação foi criado pelo russo Dimitri Ivanovich Mendeleiev e leva em conta o
número atômico de cada elemento químico);
se os metais são usados em estado puro (ouro, prata, ferro, cobre, alumínio, zinco
etc.) ou como ligas (latão, bronze, aço, aço inoxidável...);
o uso desses metais e o modo como são extraídos ou produzidos;
as implicações de sua produção, principalmente no que se refere ao impacto
ambiental.

O ideal é que a mostra contenha exemplos de metais em estado natural, bruto, e


também de como se apresentam depois de industrializados. Valem brinquedos,
utilidades domésticas, componentes eletrônicos... A imaginação é o limite.

O objetivo da exposição é evidenciar a diversidade dos metais e mostrar que,


apesar dessa variedade, eles apresentam características comuns (brilho,
condutividade térmica e elétrica, dureza e tenacidade, maleabilidade e ductilidade,
densidade, pontos de fusão e ebulição), que os reúnem em uma mesma categoria
na Tabela Periódica. Se houver tempo e interesse, promova experiências simples
que demonstrem alguns desses aspectos, como a formação de ferrugem, as
diferentes reações envolvidas no polimento e a transmissão de calor. Então, chame
as outras classes para conferir os resultados.

Ciências

Tema: Características físicas, propriedades e usos dos metais

Objetivo: Adquirir familiaridade com os diversos tipos de metal,


saber diferenciá-los e perceber suas particularidades e utilidades
Como chegar lá: Estimule os estudantes a observar e manusear

119

Samba do aproach

Venha provar meu brunch


Saiba que eu tenho approach
Na hora do lunch
Eu ando de ferryboat

Eu tenho savoir-faire
Meu temperamento é light
120

Minha casa é hi-tech


Toda hora rola um insight
Já fui fã do Jethro Tull
Hoje eu me amarro no Slash
Minha vida agora é cool
Meu passado é que foi trash

Fica ligada no link


Que eu vou confessar, my love
Depois do décimo drink
Só um bom e velho engov
Eu tirei meu green card
E fui pra Miami Beach
Posso não ser um pop star
Mas já sou um nouveau riche

Eu tenho sex appeal


Saca só meu background
Veloz como Damon Hill
Tenaz como Fittipaldi
Não dispenso um happy end
Quero jogar no dream team
De dia um macho man
E de noite drag queen

Letra de Zeca Baleiro,

Como utilizar o conto em sala de aula

Mostre como nosso vocabulário incorpora expressões originárias de outros


idiomas

Q uando aprendemos uma língua não descobrimos apenas um sistema de signos.


Aprendemos também que esses signos carregam significados culturais. A leitura de
121

um texto nos aproxima de hábitos, costumes, conceitos e pontos de vista de povos


e culturas diferentes. Ao preparar uma aula de leitura, o bom professor estimula os
alunos a verbalizar expectativas, utilizar o conhecimento textual, lingüístico e de
mundo e desvendar as pistas formais que o autor fornece. O exercício requer o
domínio de habilidades de decodificação, para um compartilhamento mínimo de
referências simbólicas que permitam a interlocução. Para tanto é importante os
alunos aprenderem estratégias que dinamizem a interação de leitor e texto.

Objetivo  
Ensinar os alunos a usar diferentes estratégias de leitura para se aproximar da intenção do
autor. Ao ler, podemos ter diferentes intenções. Aqui importa atribuir sentido ao uso que o
compositor Zeca Baleiro faz de palavras de origem inglesa e francesa no Samba do Approach.
As atividades propostas enfocam o caráter cultural do signo lingüístico e pretendem mostrar
como usar adequadamente o dicionário.

Primeira aula

Para começar, disponha a classe em grupos. Antes da leitura do texto:


Pergunte quem conhece o Samba do Approach. Alguém já ouviu falar de Zeca
Baleiro e Zeca Pagodinho?
Indague o que a garotada entende quando lê a expressão samba do approach. O
que significa approach? Por que a canção tem esse nome?
Distribua os dicionários de Língua Portuguesa e peça que todos procurem o
verbete approach (os dicionários mais antigos não têm a palavra).
Solicite que os adolescentes exponham o que encontraram e elaborem uma
explicação para a ausência do vocábulo em alguns dicionários.
Segundo o Novo Dicionário Aurélio, approach quer dizer elo, ligação, enfoque.
Com base nesse dado, pergunte o que a garotada entende por samba do approach
e o que espera encontrar na letra da canção.
Verifique que tipo de linguagem, construção lingüística e dificuldades de
compreensão os jovens prevêem na leitura do texto. Estimule-os a expor o próprio
ponto de vista.

Durante a leitura:
Leia a canção em voz alta. Faça pausas e pergunte o que a turma entendeu.
Motive os estudantes a rever perspectivas e conceitos equivocados. É provável que
muitos não compreendam palavras estrangeiras.
Proponha uma leitura silenciosa com o objetivo de apontar outras palavras
estrangeiras além de approach.
Convide os alunos a dizer o que encontraram e como entendem o que cada termo
quer dizer. Sugira que procurem as definições no dicionário.
Entregue os dicionários inglês-português e encomende uma pesquisa sobre as
palavras que não foram encontradas na atividade anterior. Proponha que os grupos
façam anotações e depois comparem com o que produziram os colegas de outros
grupos. Importante: mesmo dicionários inglês-português não oferecem algumas
das respostas. Questione a classe sobre os motivos que levam um vocábulo a ser
dicionarizado.
Pergunte, então, por que incorporamos ao nosso vocabulário palavras de outros
idiomas. Encarregue os alunos de tomar nota das próprias hipóteses, já que a
discussão terá continuidade.

Segunda aula
122

Propor uma análise coletiva da definição que o Novo Dicionário Aurélio oferece
para brunch: "Ing. br(eakfast) + ( l )unch, refeição farta e substanciosa, ingerida
especialmente nos fins de semana e feriados, e que substitui o desjejum e o
almoço". Ressalte que não existe uma palavra em português com o mesmo
significado, o que impossibilita a existência do verbete em dicionários português-
inglês. Outro aspecto que merece atenção: algumas camadas sociais no Brasil já
incorporaram o costume de substituir o café da manhã e o almoço por uma refeição
só — principalmente nos fins de semana — e a chamam de brunch.
Agora tome a expressão happy hour. A prática de se reunir no final da tarde para
beber e comer algo leve já existia entre nós quando passamos a usar a expressão
em inglês para nomear esse momento, certo?
Chegou a hora de pedir que os alunos pesquisem o verbete brunch no dicionário
inglês-inglês. Eles verão uma descrição similar à oferecida pelo Novo Aurélio, só
que em inglês.
Pergunte, então, por que alteramos nossos hábitos de tempos em tempos e
criamos palavras. Se houver oportunidade, defina estrangeirismo e explique que
muita gente considera "sofisticado" e "elegante" empregar vocábulos importados
mesmo quando há equivalentes em português. Discuta a Lei 1.676/99, do deputado
federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), que tenta reduzir o estrangeirismo na mídia.
Por fim, sugira que todos releiam o texto e tentem traduzir a intenção do autor ao
chamar sua obra de Samba do Approach. Que hábitos ele descreve no texto? Que
grupos sociais se identificam com essa linguagem? Peça que os adolescentes
retomem suas anotações para debater em grupo. Observe que Zeca Baleiro mescla
palavras recentes na nossa cultura a outras mais antigas, como ferryboat, macho
man e pop star.

Trocando em
 
miudos
Há três termos usados no início deste plano de aula que merecem um olhar mais atento.
Signo, para os lingüistas, designa o conjunto formado pela palavra e o que ela quer dizer. Mais
adiante aparece decodificação. Leve em conta que toda língua é um código cheio de sinais
que só fazem sentido para seus usuários. Decodificar é traduzir esse código. É ler ou ouvir
uma palavra e entendê-la. A proposta de aula também cita referências simbólicas. O termo
referências, no caso, indica conhecimento. E simbólicas, aqui, tem a ver com o sentido não
literal das palavras. Referências simbólicas, portanto, são o conhecimento de mundo
necessário para perceber as entrelinhas de um texto.

Material necessário  
Vários dicionários de Língua Portuguesa (editados em anos diferentes), dicionários
português-inglês, inglês-português, português-francês e francês-português e
dicionários inglês-inglês e francês-francês. Se a escola tiver acesso à internet,
oriente a classe a utilizar o site www.uol.com.br/dicionarios. O ideal é que a aula
seja conduzida pelos professores de Língua Portuguesa e Língua Estrangeira.

A autora

Este roteiro pedagógico, para 7ª e 8ª séries, foi elaborado por Celina Bruniera,
consultora de Língua Estrangeira do Prêmio Victor Civita — Professor Nota 10, para
ser desenvolvido em duas aulas de 50 minutos.
123

Obs: Não esquecer de usar ilustrações (solicitar aos alunos)

O dia em que a caça consolou o caçador no Pacaembu

Dois alvinegros, Santos e Botafogo, faziam os grandes jogos dos anos 60. Pelé x
Garrincha, fora outros gigantes dos dois timaços.

Num desses jogos, em São Paulo, os cariocas fizeram uma exibição inesquecível e,
estranhamente, pouco badalada nos embates entre os dois melhores times do país
naquela época. Aliás, sempre que se fazem referências aos jogos entre Botafogo e
124

Santos daqueles tempos, só são lembradas as vitórias santistas, as goleadas de


Pelé & Cia. Pois o Pacaembu estava lotado para ver mais uma.

Pelé e Mané estavam em campo, mas o diabo estava era no corpo que vestia a
camisa sete, não a dez. O lateral-esquerdo Dalmo, do Santos, viveu uma tarde de
terror. Garrincha pegava a bola e, andando, levava Dalmo até dentro da grande
área, onde o zagueiro não podia fazer falta.

O Pacaembu não acreditava no que via: um ponta andar desde a intermediária até
a área sem que o lateral tentasse tirar a bola, temeroso do drible desmoralizante.
Até que Dalmo percebeu que tinha virado motivo de chacota dos torcedores, muitos
dos quais nem santistas eram, mas que iam ao campo na certeza do espetáculo.

E Dalmo resolveu bater antes de chegar à grande área. Bateu uma vez, Garrincha
caiu, o árbitro marcou a falta e repreendeu o paulista. Bateu outra vez, Garrincha
voltou ao chão, o árbitro marcou a falta e ameaçou Dalmo de expulsão, porque
naquele tempo o cartão amarelo não existia.

A terceira falta de Dalmo foi a mais violenta, como se ele estivesse pensando:
"Arrebento essa peste, sou expulso, mas ele não joga mais".

Pensado e feito. Enquanto o gênio das pernas tortas estava estirado no bico direito
da área dos portões principais do Pacaembu, o árbitro determinava a expulsão de
Dalmo, cercado por botafoguenses justamente irados com seu gesto.

Eis que, como um acrobata, Garrincha levanta-se, afasta seus companheiros, bota
o braço esquerdo no ombro de Dalmo e o acompanha até a descida da escada para
o vestiário, que, então, ficava daquele lado.

Saíram conversando, como se Garrincha justificasse a atitude, entendesse que,


para pará-lo, não havia mesmo outro jeito.

O Botafogo ganhou de 3 a 0 e saiu aplaudido do estádio. Tinha visto uma autêntica


exibição do Carlitos do futebol, digna mesmo de Charles Chaplin, divertida,
anárquica, humana, sensível, solidária.

Como utilizar o texto em sala de aula

Crônica: um relato da vida cotidiana

Material necessário
Cópia da carta de Pero Vaz de Caminha

Caderno de esportes de um jornal diário


125

Objetivos
Reconhecer a crônica como gênero da Língua Portuguesa; desenvolver a escrita e a produção de
texto e refletir sobre a função e as transformações desse gênero

A crônica, como se conhece hoje, é um gênero de texto que aborda principalmente


temas corriqueiros e diversos do dia-a-dia. Sua popularidade cresceu à medida que
o jornal impresso, surgido no século 19, se consolidava como um importante meio
de comunicação de massa. Mas a história desse gênero vem de longe.

Machado de Assis (1839-1908), em um de seus textos, brinca que a primeira


crônica deve ter se originado provavelmente do comentário feito por duas vizinhas
a respeito do clima e da temperatura do dia. O estágio seguinte dessa conversa, a
fofoca, seria então a verdadeira mãe da crônica.

Os pioneiros nesse gênero foram os escribas e observadores que participaram das


grandes navegações. A função deles era relatar aos patrocinadores da expedição e
aos monarcas tudo o que viam e ouviam nas viagens. Pero Vaz de Caminha foi,
portanto, o autor da primeira crônica que tem como tema a nossa terra. Os meios
de comunicação se aprimoraram e há cerca de 200 anos, nos jornais franceses,
esses textos começaram a aparecer nos rodapés das páginas. O espaço era
conhecido como folhetim - abordava assuntos leves, como acontecimentos festivos
da sociedade, e trazia passatempos para o leitor. Aos poucos, a crônica foi
absorvendo temas políticos, econômicos e sociais, sempre mantendo uma
linguagem mais informal do que a usada na literatura. O texto de Juca Kfouri é um
exemplo disso: relata um momento histórico do futebol, mas transcende a mera
informação.

Lima Barreto (1881-1922), João do Rio (1881-1921) e o próprio Machado formam o


trio de escritores que mais se dedicaram ao gênero em seus primórdios no Brasil.
Depois deles, a crônica se tornou fundamental na imprensa e na literatura
nacionais. Para seus alunos se familiarizarem com esse tipo de texto, Noemi Jaffe,
mestre em literatura pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Escola
da Vila, em São Paulo, elaborou o plano de aula a seguir, para alunos do Ensino
Médio, baseada em uma crônica esportiva.

Ironia e humor fazem parte desse gênero

Depois de contar à turma a história desse gênero, reúna os alunos em grupos e


peça a eles uma lista com as características que definem a crônica, como ironia,
humor, trivialidade, leveza, brevidade, a narrativa em primeira pessoa, referência a
algum fato de época e a presença de poucos personagens.

Apesar de o texto de Kfouri não ser irônico nem humorístico, vale a pena
diferenciar essas duas características. A ironia é caracterizada pelo uso de
linguagem indireta, com a intenção de criticar fatos ou personalidades. Já o humor
pode ou não conter algum tipo de julgamento por parte do autor, mas o discurso é
sempre direto. As charges, por exemplo, geralmente são irônicas; já alguns
quadrinhos têm como intenção simplesmente fazer rir. Em O dia em que a caça
consolou o caçador no Pacaembu, a intenção do narrador foi homenagear o célebre
jogador Garrincha, e não ridicularizar Dalmo.

Muitas das características da crônica podem também pertencer aos contos, como o
número reduzido de personagens e o fato trivial a ser tratado. Algum contos, como
os do escritor Rubem Braga (1913-1990), já foram considerados crônicas por
apresentarem temas mais complexos, extensos e profundos.
126

Imaginação para ir além do fato

Peça à turma para ler atentamente a crônica de Juca Kfouri e identificar pelo menos
cinco características do gênero. Qual o significado do título? Ainda com a classe
dividida em equipes, proponha que cada uma imagine o diálogo que teria ocorrido
entre Garrincha e Dalmo depois da expulsão do jogador santista e que
coletivamente produza uma crônica. Os alunos devem se colocar no papel de um
repórter.

A seguir, mostre a carta de Pero Vaz de Caminha e peça a todos que identifiquem
as diferenças entre a linguagem usada à época pelo relator do rei de Portugal e
pelo jornalista esportivo, nosso contemporâneo. Como seria a crônica de Caminha
se fosse escrita nos dias de hoje? E a de Kfouri, se tivesse sido produzida em 1500?
Eis mais uma atividade para estimular a imaginação e a produção de texto.

Jornal, fonte para escrever uma crônica

Será que os recursos utilizados pelo jogador Dalmo para impedir os gols do
Botafogo ainda são válidos hoje em dia? É comum ver a mesma atitude de
Garrincha - de perdoar o adversário - nos jogadores atuais? Essas questões rendem
uma boa discussão sobre ética e sobre os interesses do futebol.

Por fim, os alunos devem trazer de casa o caderno de esportes de um jornal diário.
Cada um escreve uma crônica sobre alguma notícia ou fato pitoresco ocorrido em
algum jogo, de qualquer esporte.

Ana Terra

(...) D. Henriqueta começou a servir o chimarrão ao marido e aos filhos. A cuia


passou de mão em mão, a bomba andou de boca em boca. Mas ninguém falava.
Maneco apagou a lamparina, e a luz alaranjada ali dentro da cabana de repente se
fez cinzenta e como que mais fria. As sombras desapareceram do pano onde Ana
tinha fito o olhar. Ela então ficou vendo apenas o que havia nos seus pensamentos.
Seus irmãos tinham levado Pedro para bem longe: três cavalos e três cavaleiros
andando na noite. Pedro não dizia nada, não fazia nenhum gesto, não procurava
fugir, sabia que era seu destino ser morto e enterrado ao pé duma árvore. Ana
127

imaginou Horácio e Antônio cavando uma sepultura, e o corpo de Pedro estendido


no chão ao pé deles, coberto de sangue e sereno. Depois os dois vivos atiraram o
morto na cova e o cobriram com terra. Bateram a terra e puseram uma pedra em
cima. E Pedro lá ficou no chão frio, sem mortalha, sem cruz, sem oração, como um
cachorro pesteado. Agora estava tudo perdido.

Seus irmãos eram assassinos. Nunca mais poderia haver paz naquela casa. Nunca
mais eles poderiam olhar direito uns para os outros. O segredo horroroso havia de
roer para sempre a alma daquela gente. E a lembrança de Pedro ficaria ali no
rancho, na estância e nos pensamentos de todos, como uma assombração. Ana
pensou então em matar-se. Chegou a pegar o punhal que o índio lhe dera, mas
compreendeu logo que não teria coragem de meter aquela lâmina no peito e muito
menos na barriga, onde estava a criança. Imaginou a faca trespassando o corpo do
filho e teve um estremecimento, levou ambas as mãos espalmadas ao ventre, como
para o proteger. Sentiu de súbito uma inesperada, esquisita alegria ao pensar que
dentro de suas entranhas havia um ser vivo, e que esse ser era seu filho e filho de
Pedro, e que esse pequeno ente havia de um dia crescer... Mas uma nova sensação
de desalento gelado a invadiu quando ela imaginou o filho vivendo naquele
descampado, ouvindo o vento, tomando chimarrão com os outros num silêncio de
pedra, a cara, as mãos, os pés encardidos de terra, a camisa cheirando a sangue
de boi (ou sangue de gente?). O filho ia ser como o avô, como os tios. E um dia
talvez se voltasse também contra ela. Porque era "filho das macegas", porque não
tinha pai. Tremendo de frio Ana Terra puxou as cobertas até o queixo e fechou os
olhos.
Trecho do Livro Ana Terra, parte da obra O Tempo e o Vento, de Érico
Veríssimo

Como utilizar o texto em sala de aula

Romance: uma narrativa de ficção


Material necessário
 Cópias do trecho do romance Ana Terra, de Erico Verissimo

Objetivos
Reconhecer o romance como gênero da Língua Portuguesa; identificar os elementos desse tipo de
texto; refletir sobre a função e a importância do romance na literatura brasileira; e desenvolver a
escrita de narrativas.
128

Invenção, criação, imaginação... ficção. Aí estão os principais ingredientes de um


romance. Essa forma de narrar, marcada pela revelação minuciosa de fatos e de
personagens, proporciona ao leitor uma visão total do universo que o escritor quer
representar.

Alguns pesquisadores apontam as novelas de cavalaria da Idade Média como as


precursoras do gênero. Outros consideram como grande marco a publicação, em
1605, de Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes (1547—1616).
Durante os séculos 18 e 19 houve uma expansão desse tipo de narrativa, em
alcance e em profundidade. Autores como os franceses Gustave Flaubert (1821-
1880) e Emile Zola (1840-1902), os russos Leon Tolstói (1829-1910) e Fiodor
Dostoévski (1821-1881) e o inglês Charles Dickens (1812-1870) destacaram-se
nessa fase. No século 20, o irlandês James Joyce (1882-1941) influenciou a
literatura internacional, com sua maneira diferente de experimentar palavras e o
tempo em seus textos.

No Brasil, o romance se instalou definitivamente no século 19, com Joaquim Manuel


de Macedo (1820-1882) e José de Alencar (1829-1877). A partir daí, tivemos
grandes romancistas em todas as épocas.

O gaúcho Erico Verissimo (1905-1975), que tem seu centenário de nascimento


comemorado este ano e é o autor de Ana Terra, de onde foi retirado o trecho
publicado nas páginas anteriores, é um deles. Verissimo escreveu diversos gêneros
— como prosa infantil, relatos de viagens, contos e memórias —, mas foi como
romancista que se destacou, com títulos como Clarissa, Caminhos Cruzados, Olhai
os Lírios do Campo, Saga, O Resto É Silêncio, O Tempo e o Vento e Incidente em
Antares.

O escritor sempre dizia que para contar histórias era preciso usar linguagem
simples, procurando estabelecer uma comunicação rápida e fácil entre o autor e o
leitor. Para trabalhar o gênero romance, o professor Ulisses Infante, da Faculdade
de Alagoas, em Maceió, preparou a aula a seguir para turmas de 5ª a 8ª série.

Quais os elementos de um bom romance?

Peça à turma que leia o trecho de Ana Terra. Antes de propor algumas questões,
conte que as narrativas de ficção apresentam o desenvolvimento da ação no tempo
e no espaço por meio da movimentação de personagens. Pergunte aos estudantes
onde se passa a cena e como é descrita a iluminação do ambiente. Será que esses
detalhes são importantes para a criação de uma atmosfera adequada ao que se vai
ser contado?

Nesse gênero, quem conta a história é o narrador, que pode ou não ser um
personagem da história, mas sempre adota um ponto de vista (ou foco narrativo).
Ele pode demonstrar conhecimento total dos dados do universo narrado — incluindo
pensamentos e decisões íntimas dos personagens — ou mostrar apenas o que pode
ser captado pela observação dos fatos.

Há romances em que o desenvolvimento da ação é rico em peripécias e


acontecimentos. Em outros, o ritmo é mais lento e o leitor é conduzido ao mundo
interior dos personagens, acompanhando o fluxo de seu pensamento. Alguns
autores preferem mesclar esses dois processos, tornando a história bem articulada
e deixando a subjetividade dos personagens virar parte da trama.

Com base nessas informações, coloque as seguintes perguntas para a classe: que
nível de conhecimento temos da intimidade de Ana Terra? Temos informações
129

somente de seus atos ou conseguimos acompanhar também seus pensamentos?


Como se permite o acesso a eles e o que eles nos revelam? O que sabemos sobre
Pedro e o filho que Ana espera? Que visão sobre a vida o trecho nos transmite? Ana
é otimista ou pessimista?

Peça à turma para escrever a continuação da história a partir do ponto em que


termina o trecho apresentado. Depois, os estudantes podem comparar seus textos
com o desfecho do romance dado pelo autor.

E vem o sol

Tinham acabado de se mudar para aquela cidade. Passaram o primeiro dia


ajeitando tudo. Mas, no segundo dia, o homem foi trabalhar; a mulher quis
conhecer a vizinha. O menino, para não ficar só num espaço que ainda não sentia
seu, a acompanhou.

Entrou na casa atrás da mãe, sem esperança de ser feliz. Estava cheio de sombras,
sem os companheiros. Mas logo o verde de seus olhos se refrescou com as coisas
novas: a mulher suave, os quadros coloridos, o relógio cuco na parede. E, de
repente, o susto de algo a se enovelar em sua perna: o gato. Reagiu, afastando-se.
130

O bichano, contudo, se aproximou de novo, a maciez do pêlo agradando. E a mão


desceu numa carícia.

O menino experimentou de fininho uma alegria, como sopro de vento no rosto. Já


se sentia menos solitário. Não vigorava mais nele, unicamente, a satisfação do
passado. A nova companhia o avivava. E era apenas o começo. Porque seu olhar
apanhou, como fruta na árvore, uma bola no canto da sala. Havia mais surpresas
ali. Ouviu um som familiar: os pirilins do videogame. E, em seguida, uma voz que
gargalhava. Reconhecia o momento da jogada emocionante. Vinha lá do fundo da
casa, o convite.

O gato continuava afofando-se nas suas pernas. Mas elas queriam o corredor. E, na
leveza de um pássaro, o menino se desprendeu da mãe. Ela não percebeu, nem a
dona da casa. Só ele sabia que avançava, tanta a sua lentidão: assim é o
imperceptível dos milagres.

Enfiou-se pelo corredor silencioso, farejando a descoberta. Deteve-se um instante.


O ruído lúdico novamente o atraiu. A voz o chamava sem saber seu nome.

Então chegou à porta do quarto — e lá estava o outro menino, que logo se virou ao
dar pela sua presença. Miraram-se, os olhos secos da diferença. Mas já se
molhando por dentro, se amolecendo. O outro não lhe perguntou quem era, nem
de onde vinha. Disse apenas: Quer brincar? Queria. O sol renasceu nele. Há tanto
tempo precisava desse novo amigo.

Conto de João Anzanello Carrascoza

Como utilizar o texto em sala de aula

Conto: um texto enxuto com final de impacto

Material necessário
Cópias do texto E vem o sol, de João Anzanello Carrascoza, e contos de diferentes autores e
épocas (veja sugestões em Quer saber mais?)

Objetivos
Conhecer a origem do conto; ler e compreender o texto E vem o sol; analisar os elementos que
caracterizam o gênero; e produzir um conto.
131

As ações acontecem em um espaço delimitado e em um tempo curto. A


característica principal do conto é a síntese. Por esse motivo, o autor tem de
selecionar bem o que deseja enfatizar, eliminando análises detalhadas de
personagens e ambientes e longas complicações de enredo, comuns no romance e
na novela. O gênero apresenta os mesmos elementos de qualquer outro texto
narrativo: fatos em seqüência, personagens, espaço, tempo e narrador. Porém,
nele, o desfecho é essencial e sempre traz uma revelação.

De origem desconhecida, o conto está associado ao desejo do homem de


compartilhar acontecimentos, sentimentos e idéias. Seu aparecimento remete às
narrativas orais que aconteciam ao redor de fogueiras, comuns aos povos antigos.
O conto popular e os da tradição oral estão na base da literatura escrita. Os
exemplares mais típicos vêm do Oriente. Títulos como As mil e Uma Noites, Aladim
e a Lâmpada Maravilhosa e Ali-Babá e os Quarenta Ladrões são alguns deles.

A partir do século 19, o conto conquistou seu lugar definitivo. O Brasil revelou
grandes nomes nessa área, como Machado de Assis (1839-1908). Outros
importantes escritores como Monteiro Lobato (1882-1904), Mário de Andrade
(1893-1945), Guimarães Rosa (1908-1967) e Clarice Lispector (1920-1977)
também são contistas de destaque. Ainda hoje, os brasileiros continuam a tradição
com Lygia Fagundes Telles, Dalton Trevisan e Ignácio de Loyola Brandão. Na
literatura estrangeira, merecem registro o americano Edgar Allan Poe (1809-
1849),o belga-argentino Julio Cortázar (1914-1984), o colombiano Gabriel García
Márquez, o russo Anton Tchecov (1860-1907) e a inglesa Virginia Woolf (1882-
1941).

A leitura de E vem o sol, do escritor paulista João Anzanello Carrascoza, vai ajudar
seus alunos a se familiarizar com o gênero. O autor, que além de escritor é
publicitário e professor, conseguiu nesse texto representar bem as características
do conto. Você vai poder mostrar às turmas de 7ª e 8ª séries quais são elas com
esse plano de aula preparado pela professora Heloisa Cerri Ramos, consultora de
Língua Portuguesa, em São Paulo.

Um texto rico em figuras de linguagem

Antes de apresentar o conto à turma, provoque uma discussão sobre a importância


da amizade. Peça aos alunos para imaginar a vida com e sem companheiros. Como
seria? Nessa discussão, não é importante chegar a conclusões, e sim provocar uma
reflexão sobre como a vida fica mais leve quando temos com quem conversar,
brincar e passear.

Leia o texto E vem o sol em voz alta e apresente o autor aos estudantes. Depois,
peça a eles para comparar a discussão inicial com a situação vivida pelo
personagem principal.

Em seguida, oriente a classe a observar que há um narrador em terceira pessoa.


Ele apresenta cinco personagens que não têm nomes — apenas são chamados
homem, mulher/mãe, vizinha, menino e outro menino. Os acontecimentos são
breves: tudo acontece em dois dias. No primeiro, ocorre a mudança. No segundo,
enquanto o homem sai para trabalhar, a esposa e o filho vão se apresentar à
vizinha. É nesse momento que o protagonista conhece o gato e o outro garoto. O
espaço está limitado a uma sala, um corredor e um quarto. A ação se concentra
apenas no menino que acabou de se mudar.
132

As características da linguagem são outro aspecto importante a ser analisado. Ela é


rigorosa e enxuta, e o autor faz isso de forma consciente. O substantivo é
privilegiado pela economia de adjetivos, os períodos são curtos, não há diálogos e o
sinal de pontuação dois- pontos é empregado por duas vezes para expressar
síntese — ambas no segundo parágrafo. Também há o uso de recursos expressivos,
como a metáfora, a comparação, a elipse, a personificação e a antítese. Peça para
seus alunos localizarem esses recursos no texto. Alguns exemplos. Metáfora: "(...)
Estava cheio de sombras (...)". Comparação: "(...) como sopro de vento no rosto
(...)". Elipse: "(...) a maciez do pêlo agradando (...)". Personificação: "(...) Mas elas
[as pernas] queriam o corredor (...)". Antítese: "(...) Só ele sabia que avançava,
tanta a sua lentidão: assim é o imperceptível dos milagres (...)".

Peça à garotada também para relacionar o título ao texto. Como o personagem se


transformou? O que aconteceu entre o início e o fim da narrativa?

Hora de adaptar e criar para entender o gênero

Depois que a turma já tiver conhecido o estilo literário, proponha que o conto seja
transformado em história em quadrinhos. Com essa atividade, os jovens vão
perceber a seqüência de eventos e a relação de causa e conseqüência entre eles,
além de detectar elementos característicos de qualquer narrativa.

Adaptando E vem o sol, a turma se apropria dos recursos de linguagem estudados.


É possível fazer isso atribuindo nomes aos personagens, especificando o tempo,
incluindo diálogos e até evitando a linguagem metafórica. Tudo que o original não
exibe. Depois disso, peça aos estudantes para comparar o conto de Carrascoza com
a própria produção. Dessa maneira, se destacam os recursos que conferem ao
texto status de conto e de literatura.

Outra proposta é escrever um conto em que ocorre uma mudança de humor do


personagem em um curto espaço de tempo por causa de algum acontecimento. Por
fim, oriente os alunos a elaborar uma antologia com os contos produzidos pela
classe.

Arthur, o rei em busca de um mundo ideal

Noite de tempestade. Baixa Idade Média. Um castelo na Grã-Bretanha. A rainha


Igraine abraça o filho recém-nascido. Capaz de prever o futuro, ela sabe que
Merlim, o grande mago, está a caminho para buscá-lo. Chora porque seu filho será
criado em segredo, na casa humilde de um camponês.

Assim começa a história do grande rei Arthur. Sempre acompanhado de um falcão,


que o protege à distância, o pequeno rei brinca, convive com os irmãos adotivos e
trabalha como pastor, sem jamais desconfiar de sua verdadeira identidade. Porém,
sua coragem e inteligência manifestam-se quando os pais enfrentam algum
133

problema que ele, tão jovem, rapidamente é capaz de resolver. Ou quando a


montanha fala à sua alma. Afinal, Arthur traz a magia no sangue, e a prática da
geomancia, a arte de prever o futuro por meio da observação da natureza, era
comum entre os celtas.

Quem teria realmente invocado o rei dentro do menino? A espada excalibur ou o


espírito da rocha na qual ela fora colocada? O pequeno Arthur, para ajudar um
cavaleiro cuja arma fora danificada, acidentalmente encontra uma espada enfiada
numa rocha. Ele a retira sem ler as inscrições na pedra: "Aquele que extrair a
espada da pedra será o novo rei".

Menino, Arthur assume o trono e descobre que os pássaros que o protegeram


durante toda a vida na verdade tinham sido enviados por seu mentor, o poderoso
Mago Merlim. Conquistas e vitórias surgem na vida do jovem líder e seu sábio
conselheiro. Estes são os tempos que o consagraram como rei mítico, porém,
quando o rei se apaixona pela princesa Guinevere, nem mesmo as palavras de
Merlim impedem que ele sofra como qualquer outro mortal. Se você casar-se com
ela — alerta o Mago —, os ideais da cavalaria serão destruídos.

É nesse momento da vida de Arthur que a aura mágica se quebra e ele passa a
viver sujeito a erros e desilusões. Ignorando o conselho de Merlim, Arthur casa-se
com Guinevere que logo depois o trai com seu melhor amigo. A dor dilacera o
coração de Arthur. No auge do sofrimento, o rei é vítima de um feitiço e concebe
um filho com a meia-irmã, Morgana, hábil nas artes da bruxaria. Mordred, o
príncipe maldito, é treinado para destruir o próprio pai. Quando Arthur cai, em
campo de batalha, Merlim o abraça e chora, e o rei lhe pede: "Conte ao mundo
minha história, Merlim!"

O Mago aceita a missão, sabendo que a vida de Arthur continha um toque divino. E
que, além do sofrimento, restaria sempre seu sonho: a busca de um mundo de
justiça, honra e fraternidade.

Lenda recontada por Heloisa Prieto

Como utilizar o texto em sala de aula

Lenda: uma história com mistério e fantasia

Material necessário

Cópias do texto Arthur, o rei em busca de um mundo ideal, de Heloisa Prieto, e lendas brasileiras
(indicações no quadro Quer saber mais?)

Objetivos
134

Conhecer a origem da lenda; compreender o texto Arthur, o rei em busca de um mundo ideal;
identificar as características do gênero; refletir sobre valores como justiça, honra e fraternidade;
e desenvolver a escrita desse tipo de narrativa.

As lendas surgiram como uma tentativa de explicar acontecimentos de causa


desconhecida. Assim, o homem procurava dar sentido à movimentação dos astros
no céu, à migração dos animais e aos fenômenos naturais inventando histórias
cheias de mistérios e fantasias. Esse tipo de narrativa tem as quatro características
do conto popular: é rica em ações e situações que não encontramos atualmente
(antigüidade), é uma narrativa que conserva-se no tempo (persistência), não tem
autor conhecido (anonimato) e é transmitida de geração em geração (divulgação).

Os processos de transmissão e circulação das lendas são os mesmos utilizados nas


narrativas orais. Elas são passadas entre as pessoas e as comunidades de geração
em geração. O próprio povo que inventa a lenda se encarrega de ampliá-la e de
acrescentar detalhes para tornar o relato mais saboroso. Há nas lendas um outro
atributo da comunicação falada: a convergência, que é o foco do relato. Na história
do rei Arthur, por exemplo, o foco é a busca por um mundo de justiça, honra e
fraternidade.

Nas lendas, os fatos seguem uma seqüência lógica no tempo e no espaço assim
como os textos narrativos. Porém, entre os personagens sempre há um que se
destaca por seus poderes sobrenaturais ou por ser autor de atos heróicos, como no
caso de Arthur. Outro atributo relevante desse gênero é a relação direta com o
momento histórico de determinada região e com o povo que a cria. O final é
sempre emblemático, com desfecho maravilhoso ou extraordinário.

Muitos escritores, viajantes, observadores e críticos contribuíram para o


recolhimento de lendas. Entre os estrangeiros estão o francês Saint-Hilaire (1779-
1853) e o alemão Karl Friedrich Von Martius (1794-1868). Muitas das lendas
brasileiras foram inventadas pelos moradores das zonas rurais. Elas foram
resgatadas por escritores como José de Alencar (1829-1877), Couto de Magalhães
(1837-1898), Sílvio Romero (1851-1914), Simões Lopes Neto (1865-1916),
Monteiro Lobato (1882-1948) e Câmara Cascudo (1898-1986).

O plano de aula a seguir, elaborado para turmas de 3ª e 4ª séries, vai ajudar seus
alunos a perceber as características do gênero. As autoras são as professoras
Claudia Vanessa Sartori Telles de Souza Quaiotti e Viviane Furlan Frasson, do
Colégio Sidarta, em São Paulo.

Como identificar os elementos no texto

Leia com a turma apenas o título de Arthur, o rei em busca de um mundo ideal e
discuta a intenção da autora. Geralmente, o nome da obra traz pistas sobre o teor
da história. Pergunte se alguém conhece o personagem e seus feitos e anote no
quadro-negro as observações. Em seguida, leia o texto em voz alta para a classe e
confronte-o com as idéias levantadas no primeiro momento. Conte às crianças que
essa é uma adaptação de lendas que surgiram na Idade Média, na Grã-Bretanha,
sobre o rei Arthur.

Releia a história com os estudantes. Nesse momento, cada um lê um trecho em voz


alta. Você pode levantar algumas questões como: quem são os personagens e
quais suas características, evidenciando neles a presença de atos sobrenaturais ou
heróicos — Merlim, por exemplo, é um mago e Arthur tem o dom de prever o
135

futuro observando a natureza. No decorrer da leitura, localize indicações sobre o


lugar e o tempo em que acontecem os fatos.

Uma boa oportunidade para falar de valores

Peça aos estudantes que identifiquem os acontecimentos extraordinários. Localize


com eles um ou mais atos que fizeram do jovem rei uma pessoa tão respeitada.
Conte que Arthur ficou conhecido por suas atitudes justas e por seu poder de
liderança. No final da narrativa, Morgana, meia-irmã de Arthur e hábil nas práticas
de bruxaria, gera um filho dele. Aí está mais um elemento sobrenatural que pontua
o texto.

Enfatize os acontecimentos finais. A morte do personagem central deixa um legado


para a humanidade. Retome a discussão inicial — quando os alunos fizeram
deduções sobre o título — e faça uma relação com o pedido que Arthur faz a Merlin
para divulgar sua história. Por que motivo ele acredita que as suas experiências
poderão ser úteis para as futuras gerações? Peça à turma para relacionar a busca
de justiça e de um mundo ideal com os atentados terroristas ocorridos em alguns
países ou com as denúncias de corrupção que estampam os jornais brasileiros.
Ambas as discussões pautam valores.

Como proposta final, sugira a produção de uma lenda em duplas. Os alunos podem
usar como base algum acontecimento social ou político ou fenômeno natural
recente, como furacão ou terremoto, e colocar em prática as características do
gênero. Uma opção é envolver as crianças de 1ª e 2ª séries, convidando-as para
um sarau, no qual ouvirão as produções de seus alunos. Outra sugestão é explorar
a riqueza das lendas brasileiras. Leve algumas para a sala de aula para que os
estudantes leiam e se sensibilizem com nossos personagens e suas ações
mirabolantes. Depois, peça que eles pesquisem com seus familiares e tragam
outras lendas para expor oralmente aos colegas.

A abelha chocolateira

Era uma vez uma abelha que não sabia fazer mel.

- Mas você é uma operária! - gritava a rainha - Tem que aprender.

Na colméia havia umas 50 mil abelhas e Anita era a única com esse problema. Ela se esforçava
muito, muito mesmo. Mas nada de mel...
136

Todos os dias, bem cedinho, saía atrás das flores de laranjeira, que ficavam nas árvores
espalhadas pelo pomar. Com sua língua comprida, ela lambia as flores e levava seu néctar na
boca. O corpinho miúdo ficava cheio de pólen, que ela carregava e largava, de flor em flor, de
árvore em árvore.

Anita fazia tudo direitinho. Chegava à colméia carregada de néctar para produzir o mais gostoso
e esperado mel e nada! Mas um dia ela chegou em casa e de sua língua saiu algo muito escuro.

- Que mel mais espesso e marrom... - gritaram suas colegas operárias.

- Iac, que nojo! - esbravejaram os zangões.

Todo mundo sabe que os zangões se zangam à toa, mas aquela história estava ficando feia
demais. Em vez de mel, Anita estava produzindo algo doce, mas muito estranho.

- Ela deve ser expulsa da colméia! - gritavam os zangões.

- É horrorosa, um desgosto para a raça! - diziam outros ainda.

Todas as abelhas começaram a zumbir e a zombar da pobre Anita. A única que ficou ao lado
dela foi Beatriz, uma abelha mais velha e sábia.

Um belo dia, um menino viu aquele mel escuro e grosso sobre as plantas próximas da colméia,
que Anita tinha rejeitado de vergonha. Passou o dedo, experimentou e, surpreso, disse:

- Que delícia. Esse é o mais saboroso chocolate que eu já provei na vida!

- Chocolate? Alguém disse chocolate? - indagou a rainha, que sabia que o chocolate vinha de
uma fruta, o cacau, e não de uma abelha.

Era mesmo um tipo de chocolate diferente, original, animal, feito pela abelha Anita, ora essa,
por que não...

Nesse momento, Anita, que ouvia tudo, esboçou um tímido sorriso. Beatriz, que também estava
ali, deu-lhe uma piscadela, indicando que tinha tido uma idéia brilhante.

No dia seguinte, lá se foram Anita e Beatriz iniciar uma parceria incrível: fundaram uma fábrica
de pão de mel, juntando o talento das duas para produzir uma deliciosa combinação de mel com
chocolate.

Moral da história: as diferenças e riquezas pessoais, que existem em cada um de nós, são
singulares e devem ser respeitadas. 

Fábula de Katia Canton*,*com idéia de João Roberto Monteiro da Silva, 7 anos .

Como utilizar o texto em sala de aula

Material necessário

Cópias do texto A abelha chocolateira, de Katia Canton

Objetivos
137

Reconhecer a fábula como gênero da língua portuguesa; identificar os elementos desse tipo de
texto; e refletir sobre a moral e a ética no convívio social.

Com diálogos curtos e texto econômico, a fábula é uma história de ficção, escrita
em verso ou em prosa. Uma de suas principais características é ter como
personagens animais e plantas e objetos animados, que ganham características
humanas. Essa forma alegórica de contar uma história apresenta as virtudes e os
defeitos do mundo dos homens e leva a interpretações sociais para ilustrar um
ensinamento ou uma regra de conduta. É por isso que toda fábula tem, no
desfecho, uma moral.

Essa narrativa de natureza simbólica tem origem remota e incerta, pois se mescla à
necessidade do homem de criar e de contar histórias para transcender as atividades
cotidianas e recriar o mundo. Algumas fontes indicam que a fábula começou a ser
contada na Suméria, no século 8 a.C. Mas foi na Grécia Antiga, em meados do
século 5 a.C., pelas mãos do escravo Esopo, que ela ganhou a fórmula atual:
sintética, alegórica, tendo animais demonstrando sentimentos e uma pitada de
humor. Esopo sempre terminava as fábulas explicando a moral e, assim, ensinava
valores. Graças ao francês Jean de la Fontaine (1621-1692), a fábula introduziu-se
definitivamente na literatura ocidental, dessa vez de forma menos sintética e mais
contextualizada. Ontem e hoje, com nuanças e autorias diferentes, as histórias se
repetem.

A principal proposta do gênero é a fusão de dois elementos, o lúdico e o


pedagógico. A leitura de A abelha chocolateira, da escritora Katia Canton, vai
ajudar seus alunos a entendê-lo melhor. O texto pode ser explorado com turmas de
2a série de acordo com o plano de aula elaborado pela pedagoga Wânia Menezes
Picchi, professora da Escola Viva, em São Paulo.

O que cada animal faz, na natureza e na ficção

Antes de apresentar a fábula à turma, provoque uma discussão sobre o


comportamento dos animais em seu ambiente. Divida os estudantes em grupos e
questione-os sobre as funções que cada bicho exerce no seu grupo. O que se
espera da formiga? Que ela transporte folhas, cascas e outros materiais para
construir o formigueiro. E da leoa? Que ela saia para caçar e traga alimentos para
os machos e os filhotes. Na colméia, a função da abelha operária é colher o néctar
para fazer mel. Registre no quadro-negro ou em um papel grande as hipóteses que
a garotada levanta.

Distribua o texto A abelha chocolateira para as crianças e peça para acompanharem


a leitura que você faz em voz alta. Ainda em grupos, elas vão marcar no texto
palavras ou trechos que indicam ações humanas atribuídas às abelhas - "gritava",
"tem que aprender", "fazia tudo direitinho", "esbravejaram", "indagou", "fundaram
uma fábrica de pão de mel" etc. - assim como características - "é horrorosa", "um
desgosto para a raça", "rejeitado de vergonha" etc.

Hora de retomar a primeira discussão sobre as funções de cada animal na natureza


e comparar o registro que está na lousa ou no papel com os trechos grifados no
texto. Provoque um diálogo sobre as conclusões do grupo e vá registrando as
idéias: o que vocês perceberam quando compararam as atitudes do animal em seu
hábitat natural e na história? Na natureza, a abelha age de um jeito e no texto ela
se comporta mais como as pessoas. Vá conduzindo a discussão de forma que os
138

alunos percebam os elementos estruturais da fábula. Peça para copiarem as


conclusões no caderno.

O próximo passo é fazer a leitura de fábulas de autores diversos para os estudantes


perceberem sua estrutura. A repetição facilita a assimilação e a generalização das
características do gênero, permitindo que eles compreendam que aqui é a estrutura
que prevalece e não a autoria, como num romance.

Esses textos podem ser dramatizados. Divida a turma em quatro grupos e entregue
a cada um uma fábula diferente. Após a leitura, cada grupo vai bolar um roteiro e
definir quem será cada personagem. Como lição de casa, peça para treinarem suas
falas - um aluno deve ser o narrador. Reserve uma aula para um ensaio geral outra
para a apresentação dos grupos.

A importância de respeitar as diferenças

Retome o texto A abelha chocolateira para refletir sobre a moral da história. Em


dupla, os alunos devem discutir com o colega e escrever qual a função da abelha
operária dentro da colméia. Depois, individualmente, eles vão responder o que a
autora quis dizer com a frase "Anita fazia tudo direitinho". Como as outras abelhas
operárias reagiram ao comportamento de Anita? No final da fábula, Anita esboçou
um tímido sorriso. Pergunte: como ela estava se sentindo ao produzir um mel
diferente? Alguma vez você já esboçou um tímido sorriso por algum sentimento?
Conte em detalhes como foi.

A idéia é ver se o aluno se identifica com a moral da história. Lembre que a moral
deve ser trabalhada como conseqüência da situação que a fábula apresenta e
nunca isoladamente. Por fim, sugira que as crianças produzam uma narrativa em
que apareçam personagens com características bem distintas. O objetivo é
incentivá-las a trabalhar com as diferenças e as riquezas que existem em cada
pessoa, a base da moral da fábula de Katia Canton. 

Aconteceu na caatinga

Era meio-dia e a caatinga brilhava à luz incandescente do sol. O pequeno Calango


deslizou rápido sobre o solo seco, cheio de gravetos e pedras, parando na frente do
139

majestoso Mandacaru, que apontava para o céu seus espinhos, os grandes braços
abertos em cruz.

- Mandacaru! Mandacaru! Eu ouvi os homens conversando lá adiante e eles


estavam dizendo que, como a caatinga está muito seca e cor de cinza, vão trazer
do estrangeiro umas árvores que ficam sempre verdes quando crescem e estão
sempre cheias de folhas.

- Mas que novidade é essa? - falou a Jurema. 

- Coisa de gente besta - disse o Cardeiro, fazendo um muxoxo irritado e atirando


espinhos para todo lado.

- Eu é que não acredito nessas novidades - sussurrou o pequeno e tímido Preá.

A velha Cobra, cheia de escamas de vidro e da idade do mundo, só fez balançar a


cabeça de um lado para o outro e, como se achasse que não valia a pena falar,
ficou em silêncio.

E no outro dia, bem cedinho, os homens já haviam plantado centenas de


arvorezinhas muito agitadas, serelepes e faceiras, que falavam todas ao mesmo
tempo na língua lá delas, reclamando de tudo: do sol, da poeira, dos bichos e das
plantas nativas, que elas achavam pobres, feias e espinhentas. Enquanto falavam,
farfalhavam e balançavam os pequenos galhos, que iam crescendo, ganhando
folhas e ficando cada vez mais fortes.

Enquanto isso, as plantas da caatinga, acostumadas a viver com pouca água,


começaram a notar que essa água estava cada vez mais difícil de encontrar. As
raízes do Mandacaru, da Jurema e do Cardeiro cavavam, cavavam e só
encontravam a terra seca e esturricada.

O Calango então se reuniu com os outros bichos e plantas para encontrar uma
solução. E foi a velha Cobra quem matou a charada: 

- Quem está causando a seca são essas plantinhas importadas e metidas a besta!
Eu me arrastei por debaixo da terra e vi o que elas fazem: bebem toda a nossa
água e não deixam nada para a gente.

- Oxente! - gritou o Calango. - Então vou contar isso aos homens e pedir uma
solução.

Mas logo o Calango voltou, triste e decepcionado.

- Os homens não me deram atenção - disse. - Falaram que eu não tenho instrução,
não fiz universidade e que eu estou atrapalhando o progresso da caatinga.

E todos os bichos e plantas ficaram tristes, mas estavam com tanta sede que nem
sequer puderam chorar: não havia água para fabricar as lágrimas. Por muitos dias
ficaram assim, e quando estavam à beira da morte houve um movimento: era o
Preá, que levantou o narizinho, farejou o ar e, esquecendo a timidez, gritou:

- Estou sentindo cheiro de água!

- É mesmo! - gritaram todos.


140

- O que será que aconteceu? - perguntou a Jurema.

- Eu vou ver o que foi - e o Calango saiu veloz, espalhando poeira para todos os
lados.

O Mandacaru estirou os braços, espreguiçou-se e sorriu:

- Estou recebendo água de novo! Hum... É muito bom! Mas vejam! O Calango está
de volta com novidades!

E espichando meio palmo de língua de fora, morto de cansado pela carreira, o


Calango contou tudo.

- As pequenas bandidas verdes, depois de beber quase toda a água da caatinga,


estavam ameaçando a água dos rios e dos açudes perto das cidades. Os homens
então viram o perigo e deram fim a todas elas. Estamos salvos!

E todos ficaram alegres, sentindo a água subir pelas raízes. Olharam para o céu
azul da caatinga, aquele céu claro, o sol brilhante, olharam uns para os outros e
viram que eram irmãos, na mesma Natureza, no mesmo Tempo, na mesma Terra.

E a velha Cobra, desenroscando-se toda, piscou o olho e concluiu:

- É como dizia minha avó: cada macaco no seu galho!

Conto de Clotilde Tavares

Como utilizar o texto em sala de aula

Objetivos
Apreciar o texto literário; aprender a tomar notas e a pesquisar; localizar nos mapas do Brasil diferentes
tipos de vegetação e relacionar informações sobre flora e clima da caatinga; compreender os impactos
provocados pela algaroba na região; refletir sobre o desequilíbrio ecológico causado pela ação do
homem na natureza.
Material necessário
Cópias do texto Aconteceu na caatinga, de Clotilde Tavares;
mapas físicos do Brasil;
livros e textos sobre meio ambiente;
imagens sobre a vegetação do país;
141

Caatinga, em Pernambuco: fotos da região que sofre com a seca são referência para desenhos dos
alunos

A introdução da algaroba na caatinga serviu de inspiração para Clotilde Tavares


escrever o conto publicado na página 34. Apesar de o fato ser verdadeiro (leia o
quadro ao lado), a autora usou e abusou da imaginação para criar sua história.
Esse é o ponto de partida do plano de aula elaborado por Neurilene Martins Ribeiro,
formadora de professores na Bahia. Ela sugere o uso do texto literário para estudar
um tema real sem deixar de lado a leitura pela diversão.

O conto Aconteceu na caatinga deve ser apresentado na aula de Língua Portuguesa.


É importante mostrar à garotada a revista em que foi publicado e falar quem são a
autora e o ilustrador. Aproveite para expressar sua opinião sobre o texto e destacar
sua qualidade literária.

Você pode ler a história para a turma e depois distribuir cópias do conto. Com ele
em mãos, os alunos vão acompanhar a segunda leitura compartilhada. Para iniciar
a discussão, Neurilene sugere citar o desabafo do Calango: "Os homens não me
deram atenção (...). Falaram que eu não tenho instrução, não fiz universidade e
que eu estou atrapalhando o progresso da caatinga". Os alunos concordam com a
atitude dos homens? Debata com eles os diferentes saberes que existem na
sociedade.

Outra questão vale ser discutida. Pergunte à classe quais sentidos podem ser
construídos com base nesta fala da Cobra: "É como dizia a minha avó: cada
macaco no seu galho!" Qual a relação entre esse ditado popular e a história de
Clotilde Tavares? Incentive os alunos a dar opiniões e explicar coletivamente o
conflito apresentado no enredo.

Terminada essa etapa, entram em cena os professores de Ciências e de Geografia,


que devem saber o que está acontecendo na etapa orientada pelo colega.
Acompanhe a seguir as sugestões de Neurilene para as duas disciplinas.
142

A caatinga sofre com o desequilíbrio ecológico

Dê início à discussão sobre o tema que inspira a história - o desequilíbrio ecológico


- informando a garotada sobre o problema ocorrido na caatinga com a algaroba.
Leve alguns textos para a sala (veja em Quer saber mais?) e faça uma leitura
compartilhada. Em seguida, discuta o impacto causado pela planta.

Peça à turma que pesquise outros casos de desequilíbrio originados pela


interferência do homem nos ecossistemas. Um exemplo é a chegada do lagarto teju
à ilha de Fernando de Noronha. Lance a idéia de preparar um seminário sobre o
tema para apresentar às 4as séries (que também estudam ecologia).

Releia o conto com os estudantes e peça que, em duplas, analisem e descrevam


por escrito os personagens e o cenário em que se passa a história. Eles devem
explorar a narrativa da autora e complementar com as informações que já possuem
sobre a fauna e a flora da caatinga. Enquanto os alunos socializam os dados e os
comentários, registre tudo no quadro. Destaque que tomar nota das informações
aprendidas - como você está fazendo - é um procedimento importante a ser usado
em qualquer pesquisa.

Com base nesses registros, proponha aos alunos produzir um desenho que
apresente as características da caatinga. A idéia é atualizá-lo conforme avançarem
as pesquisas. No final do trabalho, ele servirá para apoiar o seminário.

Mostre imagens da caatinga e de outras paisagens do Brasil e depois analise os


desenhos da garotada para verificar se as árvores desenhadas realmente
pertencem ao ecossistema estudado. Questione em que região brasileira aparece a
caatinga e por que ela é tão seca. Pergunte também por que uma espécie
estrangeira pode causar desequilíbrio ecológico. Anote as respostas no quadro. Elas
ajudarão os alunos a fazer perguntas na hora de pesquisar.

Livros e mapas servem de base para o seminário

Vá com os alunos à biblioteca e peça que indiquem fontes que desejam usar para
obter outras informações sobre a caatinga e os desequilíbrios ecológicos. Mapas,
enciclopédias, revistas, jornais, sites e livros didáticos são alternativas. Analise os
materiais e distribua-os entre os grupos para que todos possam oferecer
contribuições próprias na hora de socializar as descobertas.

As equipes fazem consultas e tomam nota. É essencial ensinar os alunos a


pesquisar e trabalhar comportamentos leitores: ler o índice das publicações e
localizar informações importantes.

Distribua os mapas físicos do Brasil e peça que a garotada identifique as regiões da


caatinga, estabelecendo uma relação entre a vegetação e o clima. Explore a
linguagem cartográfica, seus símbolos, cores e significados. Para aprender a ler
textos cartográficos, é preciso utilizá-los durante a resolução de problemas como
esse.

Retome as questões apresentadas antes de iniciar a pesquisa: em que pontos do


Brasil podemos encontrar a caatinga? Por que essa é uma região tão seca? Por que
uma espécie de fora pode causar desequilíbrios em um ecossistema? Os estudantes
devem escrever as respostas. Relembre o enredo do conto e o problema vivido
pelos personagens Mandacaru, Jurema e Cardeiro com a chegada da árvore
estrangeira ao local onde viviam. Questione: as espécies competem entre si? Como
143

se dá isso? Aprofunde a discussão mencionando os outros casos de desequilíbrio


apresentados.

Cada equipe amplia a pesquisa em casa e, com base nas anotações, elabora um
texto. Reserve uma aula para supervisionar o trabalho final, que deve incluir, além
do texto escrito, mapas, fotos e as ilustrações preparadas pelos próprios
estudantes. Ajude a garotada a montar a apresentação oral. Após o seminário, faça
uma aula expositiva para sistematizar o resultado dos estudos dos alunos,
aprofundando o conceito de equilíbrio ecológico.

Tadeu x Maria Angélica

À primeira vista, Tadeu e Maria Angélica formavam um casal normal. Gostavam de


cinema, de música e de viagens. Mas, acima de tudo, amavam o futebol. Só que,
infelizmente, torciam para times rivais.

No começo, isso não era um grande problema. Maria Angélica não se importava
quando Tadeu comemorava as vitórias do time dele e Tadeu até dava parabéns
144

para Maria Angélica quando o clube dela vencia. Mas talvez isso só acontecesse
porque os dois times eram muito ruins, e as vitórias, muito raras.

Então, no campeonato deste ano, as coisas mudaram. Novos reforços foram


apresentados, técnicos foram contratados, as equipes melhoraram e as torcidas
começaram a ter esperanças.

As coisas mudaram tanto que os dois times chegaram à final do torneio.

Tadeu comprou um uniforme azul e amarelo para ir ao estádio. Maria Angélica foi
com uma enorme bandeira verde e branca.

Os dois sentaram lado a lado durante a partida. Para evitar brigas, tentavam não
vibrar demais quando seus times acertavam um lance, nem zombar do outro
quando a equipe adversária cometia algum erro.

O zero a zero vinha mantendo a paz do casal, porém, no último lance do jogo,
quando o time de Tadeu marcou o gol da vitória, ele não se conteve e gritou:
"Gooooooooool!".

E assim mesmo, com dez letras "o".

Mas ele não parou por aí. Começou a dançar em volta de Maria Angélica enquanto
cantava "Ê, ô, ê, ô, o meu time é um terror, ê, ô, ê, ô, o seu time é perdedor".

Maria Angélica ficou verde de ódio. Então disparou:

- Tadeu, você passou dos limites. Cartão vermelho!

- Como assim, Maria Angélica, você está me expulsando de campo?

- E do casamento. Você pisou na bola!

- Tá, eu exagerei, mas também não precisa entrar de sola.

- Agora é tarde. Você chutou nosso amor para escanteio!

- Calma, eu não quero tirar o time de campo.

Vamos tentar um segundo tempo...

- Não, senhor. Você já estava na marca do pênalti.

Pode ir para o chuveiro!

- Quem sabe uma prorrogação?

- Não. Fim de jogo.

Tadeu sentou na arquibancada, apoiou a cabeça nas mãos e disse:

- Tudo bem, Maria Angélica, se você quer que eu pendure as chuteiras, é assim que
vai ser. Mas isso me deixa muito triste, porque a gente fazia uma tabelinha e tanto.
145

Eu acho que você bate um bolão e sempre que eu chegava em casa corria para o
abraço. Sabe, eu vestia a camisa do nosso casamento... eu jogava por amor... 

Aquela declaração deixou os olhos de Maria Angélica encharcados como um


Maracanã sem drenagem. Então ela jogou longe sua bandeira e pulou sobre Tadeu
como se ele tivesse marcado um gol decisivo.

Tadeu olhou fundo nos olhos de Maria Angélica e, com voz emocionada, cantou:

"Ê, ô, ê, ô, nosso amor é um terror!"

- Tadeu, foi a coisa mais linda que alguém já me disse. Então os dois beijaram-se,
fizeram as pazes e viveram felizes para sempre.

Ou, pelo menos, até a próxima final de campeonato.

____________________________
Conto de José Roberto Torero

Como utilizar o texto em sala de aula

O tema futebol não sai da boca da meninada. Boa oportunidade para apresentar às turmas
de 1ª a 4ª série um texto bem-humorado sobre o amor pelo esporte nacional
Esporte inglês

Vêm da Inglaterra, o berço do futebol, os termos fundamentais relacionados ao esporte. Football


é formado por foot (pé) + ball (bola).
146

A palavra gol vem de goal, que significa objetivo.

O substantivo time originou-se de team, que quer dizer grupo de pessoas associadas em uma
atividade.

Em tempos de Copa do Mundo, o conto inédito de José Roberto Torero sobre a


paixão pelo futebol deve despertar o interesse da garotada. A leitura, por si só, já
vai garantir momentos de diversão para a turma - e também para você. Mas se seu
objetivo é formar leitores nas séries iniciais do Ensino Fundamental, aproveite o
texto para criar uma rotina de leitura. Esse espaço é importante para você
compartilhar com os estudantes saberes que perdem sentido sem a literatura,
como analisar a linguagem do futebol em um novo contexto.

Para todos entrarem no clima da história Tadeu x Maria Angélica, fale sobre o autor
e o ilustrador (leia o quadro à direita). Você vai aproximá-los da garotada se relatar
um acontecimento interessante da vida de cada um ou se citar outros trabalhos que
tenham feito e que já sejam conhecidos pelo grupo.

Revele por que você escolheu esse conto para ser lido em classe. A leitura sempre
tem um propósito - para distrair, para buscar uma informação, porque um amigo
indicou. Ofereça uma boa prévia da história. Essa antecipação deve suscitar nas
crianças o desejo de ler e ajudá-las a entrar no contexto. Mas cuidado para não
contar tudo! Antes de começar a leitura, ouça o que os alunos têm a dizer sobre as
informações que você passou e valorize as diferentes idéias.

Na hora da leitura, capriche na entonação, enfatize frases e vibre com elas. Quando
Tadeu grita "Goooooooool!", é gol com dez letras "o" mesmo. Se alguma palavra
dificultar a compreensão, não se preocupe: as crianças perguntam. Deixe seus
comentários para o final. Destaque que a narrativa tem um humor construído com
expressões lingüísticas típicas do futebol. Cite como o autor trata do final do
romance proposto por Maria Angélica: "Tadeu, você passou dos limites. Cartão
vermelho!" Ou mesmo como o marido propõe uma continuidade para a relação do
casal: "Quem sabe uma prorrogação?" Explique que a graça está em usar
metáforas futebolísticas para falar de amor. Não se acanhe de ler Tadeu x Maria
Angélica várias vezes. Um mesmo texto pode sempre revelar um aspecto inédito a
cada nova leitura.
Quem é quem
 
Amantes do futebol
José Roberto Torero nasceu em Santos e torce pelo Santos. Quando tinha 12 anos, fez teste
para jogar num time de várzea chamado Universo. Rejeitado pelo clube, desistiu de ser jogador de
futebol. "Como não consegui fazer um gol de letra, decidi estudar Letras", ele conta. Cursou
também as faculdades de Jornalismo e de Cinema. Escreve uma coluna sobre futebol no jornal
Folha de S. Paulo desde 1998 e já publicou 13 livros, entre eles O Chalaça (prêmio Jabuti em
1995), Pequenos Amores, Uma História de Futebol e Futebol É Bom pra Cachorro. Torero é
também autor de roteiros para televisao e cinema. Ganhou alguns troféus pela direção de curtas-
metragens e acaba de ter a felicidade de ver seu time vencer o campeonato paulista deste ano.
Gustavo Duarte é são paulino desde que nasceu mas, aos 8 anos, quando foi para Bauru (SP),
aprendeu a torcer para o Noroeste. Em 2000, deixou para trás a família e o Alfredão (o estádio
Alfredo de Castilho) para fazer design gráfico nas revistas Casa Claudia e Veja, da Editora Abril,
em São Paulo. Atualmente, faz charges para o jornal Lance!, em que também ilustra as colunas de
Armando Nogueira e Paulo César Vasconcelos. Em 2005, publicou, junto com Mario Alberto, o livro
Charges do Lance!.

CONSULTORIA
Denise Nalini, coordenadora pedagógica da Parangolé Assessoria de Cultura, Arte e Educação, em Recife
147

A Gata Apaixonada

Quando perguntam como é que eu consegui sair com a Carla, eu respondo que foi
por causa do Aldemir Martins. O pintor famoso.

Eu estava, tranqüilo, estudando. Juro.


148

Lá pelas 3 da tarde o telefone tocou. Era ela, a vizinha da casa 3.

A mãe morreu há uns quatro anos.

O pai é superciumento, não a deixa sair de casa nunca.

Oi, Rodrigo... Você tem um gato grande, malhado?

Tenho. O nome dele é Sorvete.

Sorvete?

Quando a gente encosta a mão, ele se derrete todo.

Ele briga com a minha gata, a Tati.

Já aconteceu várias vezes. Acho que é ciúme.

De outro gato?

Não. De um quadro. Uma pintura.

Do Aldemir Martins.

Dez minutos depois eu estava na sala da casa dela. Só nós dois.

Você vai ver ela disse.

É sempre na mesma hora. Já ouviu falar do Aldemir Martins?

Já. É um pintor famoso pra caramba. Mora aqui em São Paulo.

Morava. Morreu há pouco tempo. Minha mãe era apaixonada pela pintura dele. Ele
ilustrava livros, revistas, jornais... Pintava cangaceiros, galos, passarinhos,
peixes...

Tô sabendo. Desenhava até rótulos de maionese, de vinho...

Minha mãe comprava tudo que podia.

A gente comia em pratos desenhados por ele, tinha lençóis, tapetes, cortina de
banheiro...

Carla me levou pra um canto da sala. Em cima de uma imitação de lareira, havia
uma tela do Aldemir Martins, pequena, com o desenho de um gato. Um gato gordo,
vermelho e azul, um focinho enorme, mostrando as garras, sedutor, os olhos
verdes calmos, hipnóticos.

Minha mãe adorava esse quadro.

Então ela me puxou pra trás de uma cortina pesada, que cobria a vidraça que dava
pro jardim.
149

Tati entrou na sala. Pulou pro beiral da falsa lareira e parou em frente ao quadro,
olhando pro gato pintado. Ficamos assim uns 20 minutos, escondidos, calados. Até
que ele apareceu. O velho Sorvete.

O gato mais descolado do pedaço. Veio gingando, passou entre os móveis, parou
na frente da lareira, olhou pro alto, e não gostou nada do que viu.

Carla segurou no meu braço.

Sorvete pulou pro beiral.

Briga de gato é mais rápido que videogame. Tati pulou, atravessou uma janela
aberta e fugiu pro jardim, com o Sorvete atrás.

Minha mãe dizia que um artista é capaz de recriar a vida. Se Deus existe, com
certeza é um artista. Mas acho que você vai ter de trancar o Sorvete em casa,
Rodrigo.

Não gostei daquilo.

Não, Carla. A gente encontra outro jeito. Pra mim as pessoas, os bichos, qualquer
coisa que se mexa... têm de ter liberdade. Têm de ter uma janela aberta.

Mas o Sorvete é meio selvagem...

Isso. É assim que eu gosto dele. Eu também sou meio selvagem. Sabe o que eu
faço?

Eu como o tomate inteiro. Eu não fico esperando a minha mãe partir e colocar na
salada!

Ela riu. Não sei de onde eu tirei essa história do tomate. Aí me empolguei, e ia dar
mais exemplos de como eu era selvagem, mas a cortina abriu de repente e o pai
dela apareceu.

O cara ficou nervoso, quase chamou a polícia, mas depois a gente explicou, ele se
arrependeu e acabou até deixando a filha sair comigo.

Eu e a Carla estamos namorando. Juro.

Conto de Ivan Jaf

Como utilizar o texto em sala de aula

Um triângulo amoroso entre gatos aproxima dois jovens e conduz os alunos de 5ª a 8ª


série ao mundo de Aldemir Martins
150

Ler A Gata Apaixonada...

* Ajuda a conhecer o mundo de Aldemir Martins.

* Promove uma aproximação com Ivan Jaf e seu estilo de texto.

A imagem de um gato vermelho, na verdade uma tela de Aldemir Martins, pode


iniciar o contato com o texto A Gata Apaixonada, de Ivan Jaf. Coloque-a dentro de
um envelope para criar suspense. Enquanto a cópia roda entre a turma — que pode
estar sentada em círculo ou dividida em grupos —, diga que o bicho é mais do que
uma parte da ilustração do conto inédito a ser lido. Ele é praticamente um
personagem.

Gatos são uma das marcas do pintor, que nasceu em Ingazeiras (CE) em 1922 e
morreu no início deste ano. Mas ele se tornou famoso no Brasil e no exterior
também por trabalhos mostrando galos, mulheres, flores, frutas e o Nordeste. De
uma viagem na carroceria de um caminhão, ao lado de retirantes, surgiu sua
primeira série de desenhos, com "paus-de-arara", rendeiras e cangaceiros.

Aldemir gostava de ver sua arte acessível ao grande público. Para ele, o artista
tinha como meta aproximar as pessoas da arte. Seus desenhos estampam diversos
produtos — o que é citado no conto durante conversa entre os personagens Carla e
Rodrigo.

Depois de enriquecer o universo da garotada com esse pequeno passeio pelo


mundo das tintas, faça perguntas que despertem um olhar cuidadoso: para quem o
gato olha? O que ele provoca em quem o observa? Ainda enquanto o envelope
percorre a roda, mostre que, sozinho na tela, ele causa a impressão de estar entre
as pessoas. Esse é o gancho para iniciar a leitura. Logo todos vão ver que Sorvete
trata o bicho do quadro como se ele tivesse vida.

Distribua cópias de A Gata Apaixonada para todos e peça que iniciem a leitura
individual. Isso permite estabelecer uma relação particular com o texto e construir
a própria história com a leitura. Depois, em pequenos grupos, os estudantes podem
comentar sobre o que mais lhes chamou atenção. Além de prazeroso, compartilhar
impressões implica relacionar o que foi lido com as experiências pessoais.

Comente sobre a ilustração de Andrea Ebert. Depois, destaque fatos da vida de


Ivan Jaf (leia o quadro abaixo) que se relacionem com o conto e peça que a turma
investigue quais referências e inspirações ele utilizou para escrevê-lo. Valorize a
brincadeira com as palavras — a gata apaixonada é a menina ou o animal?
Pergunte como o autor considerou o interlocutor. Como Ivan escreve para jovens,
faz muito sucesso entre eles.

O pobre cocozinho...

Era uma vez um cocô. Um cocozinho feio e fedidinho, jogado no pasto de uma
fazenda. Coitado do cocô! Desde que veio ao mundo, ele vinha tentando conversar
com alguém, fazer amigos, mas quem passava por ali não queria saber dele:
151

- Hum! Que coisa fedida! - diziam as crianças.


- Cuidado! Não encostem na sujeira! - avisavam os adultos.

E o cocozinho, sozinho, passava o tempo cantando, triste:


Sou um pobre cocozinho
Tão feinho, fedidinho
Eu não sirvo para nada
Ninguém quer saber de mim...

De vez em quando ele via uma criança e torcia para que ela chegasse
perto dele, mas era sempre a mesma coisa:
- Olha a porcaria! - repetiam todos.
Não restava nada para o cocô fazer, a não ser cantar baixinho:

Sou um pobre cocozinho


Tão feinho, fedidinho...

Um dia ele viu que um homem se aproximava;já imaginando o que ia acontecer, o


cocozinho se encolheu."Mais um que vai me xingar", pensou. Mas... Oh! Surpresa!
O homem foi chegando, abrindo um sorriso, e seu rosto se iluminou:
- Mas que maravilha! Que belo cocô! Era exatamente disso que eu precisava.O cocô
nem acreditava no que estava ouvindo. Maravilha, ele? Precisando?
Aquele homem devia ser maluco!Pois aquele homem não era maluco, não. Era um
jardineiro.
E, usando uma pá, com todo o cuidado, ele levou o cocozinho para um lindo jardim.
Ali, acomodou-o na terra, ao pé de uma roseira. E, depois de alguns dias, o
cocozinho percebeu, feliz e orgulhoso, que, graças a sua força, a roseira tinha feito
brotar uma magnífica rosa vermelha, bela e perfumada.

Obs: Montar plano de aula de acordo com situações surgidas em sala de aula

Se assim é, assim será?

Tudo era bem normal lá em Santantônio da Lamparina.


152

As crianças iam para a escola enquanto os pais trabalhavam. Todos riam, se


divertiam e às vezes ficavam bem tristes também. Tomavam banho, soltavam pum
e tinham coceira no pé; como toda gente em qualquer parte.

Só tinha um detalhe, mínimo, insignificante, que deixava tudo com cara de


esquisito e diferente: lá, o dia era escuro como a noite, e quando era noite era
noite também.

Os moradores estavam acostumados. Viviam à sombra da Lua, estudavam à luz de


abajur, sabiam brincadeiras de escuro: gato-mia; cabra-cega, detetive...

Os mais velhos diziam que lá sempre foi assim e que, se é assim, assim será até o
fim; sentiam-se cansados de imaginar como seria viver num lugar claro e diferente.
Os mais jovens sonhavam e diziam que conhecer o Sol era o maior desejo que
tinham no mundo, no universo.

Um desejo infinito.

Por que ninguém pensava em se mudar dali? Porque lá havia o mais lindo luar e o
mais delicioso banho de mar e um povo com um sonho em comum. Às vezes,
coisas assim são suficientes para nos fazer ficar.

Num dia noite, chegou um, chegaram dois e mais três ou cinco equilibristas. Era
uma família de artistas! Enquanto uns tocavam, os outros faziam lances incríveis,
coisa de especialista!

Há muito tempo o vilarejo não recebia visita tão animada. Os equilibristas estavam
acostumados a se apresentar até o Sol raiar e estranharam: já se sentiam
cansados e nada de o dia clarear.

- O Sol não vai aparecer?

E foi assim que souberam que em Santantônio da Lamparina o dia era tão escuro
como a noite e que já estavam acordados fazia dois dias e meio.

- Daí o nome da cidade?

- Daí o nome.

- Mas por que é assim?

- Diz meu avô que o avô dele dizia que o seu tataravô ensinou que é assim porque
sempre foi assim e assim será até o fim!

Os artistas acharam aquela explicação meio fraquinha, de quem já cansou de


procurar solução. Avisaram que por cinco dias escuros e quatro noites noites
treinariam um novo número exclusivo e então voltariam para o espetáculo de
despedida!

Voltaram.

Voltaram com o número mais arriscado e sensacional de equilíbrio, coragem e


precisão já visto em toda a história da humanidade!
153

Precisaram de muita concentração. Foram subindo, um sobre o outro e sobre o


outro e sobre o outro e o outro sobre ainda... Até que o menino equilibrista mais
levinho e muito craque, com o braço bem esticado, atingiu o céu.

Com a ponta do dedo fez um picote. Um pequeno rasgo no céu, por onde passou
um facho de luz.

Era mínimo, mas suficiente para iluminar de alegria e expectativa cada


santantonio-lamparinense. Podiam saber como era o Sol, a luz e o calor que
vinham do céu.

Devagar o rasgo foi aumentando, sozinho; como furo de meia velha, que vai
crescendo até virar um rombo...

E um dia, Santantônio da Lamparina amanheceu toda e completamente iluminada!


Os moradores, que nem tinham venezianas e cortinas, acordaram sobressaltados
com tanta luz.

Festejaram até o Sol raiar outra vez.

Até hoje, não se cansam de ver o Sol nascer e depois o Sol se pôr e de novo o Sol
nascer e mais uma vez o Sol se pôr. Acham graça, agradecidos. 

Silvinha Meirelles

Obs.: Montar plano de aula de acordo com situações surgidas em sala de aula

Na casa do cozinheiro
154

Panelinha
Panelão
Panelinha
Panelão
Panelinha pim pim
Panelão pão pão pão
Vivo entre panelas
Pim piririm pampam
Frigideiras e tigelas
Pão pão pim
Quem sou?
Quem sou?
O cozinheiro, acertou!
Minha casa é muito musical
Panelinha agudinha
Pim pim pim piririm pim pim
Panelão gravão
Pão pão pão pararão pão pão
Minha filha maior
Toca o instrumento maior
Enquanto o feijão cozinha

Minha filha menor


Toca um instrumento menor
Lá no andar de cima
Pepino com caramelo
Violino com violoncelo
Pepino com caramelo
Violino com violoncelo
Uôu uôu
A panela de pressão assobiou!
Pss psss
Pss psss
Panelinha linha
Panelão nelão
Panelinha linha
Panelão
Violino lino lino
Violoncelo celo celo
Violino lino lino
Violoncelo celo celo 

Hélio Ziskind

Obs.: Montar plano de aula de acordo com situações surgidas em sala de aula
( A letra musicada está no site novaescola, ed. Dezembro 2006)

Obs.: Quando for possível, trabalhar o texto juntamente com ilustrações

poluicaodasaguas@com.br
155

(16:14:00) Alex grita com TODOS: S.O.S! Tenho que escrever sobre
poluicão das águas e estou sem idéia nenhuma!!!!!!!!!

(16:14:10) JANUÁRI@ ri para Alex: Não seria poluição das águas?

(16:14:21) Alex fala para JANUÁRI@: Seria, mas não encontro o raio do cê-
cedilha neste teclado!

(16:14:32) Remanso # ! grita com TODOS: Aí, cambada, poluiCÃO é um


nome perfeito! Fomos dançar a marujada hoje cedo e a orla do São
Francisco tava cheia de garrafa, lata, plástico, pneu, até DENTADURA! A
festa foi pelo ralo.

(16:14:43) LU para Remanso # !: … aqui em Pirapora tem uma espuma


esquisita boiando.

(16:15:07) Alex para Remanso # ! Vcs estão na metade do rio, eu teclo


aqui de Neópolis, na foz!

(16:15:19) [=^.^=] entra na sala: Tô no comecinho, perto de Bambuí.


Alguém conhece?

(16:15:30) Alex para TODOS: Precisava de uns nomes de peixes de rio…


Tem curimatã, piava…

(16:16:12) Edu e Zé flerta com JANUÁRI@: TEM NAMORADO… Foi mal,


esse é do mar! Risos.

(16:16:20) [=^.^=] para Alex: Peraí, como é que é mesmo, a água no


estado líquido é água, no estado sólido é gelo, no estato gasoso é vapor…

(16:16:39) Edu e Zé para TODOS: … no estado amoroso a água é lágrima.

(16:16:51) JANUÁRI@ se entusiasma com Edu e Zé: Sabia que vcs não são
tão ruins assim?

(16:16:58) Alex grita com TODOS: Tive uma idéia genial. VALEU! Vou
correndo escrever, senão esqueco! D+! FUI!!!!!!!

(16:17:03) [=^.^=] grita com Alex: QUAL FOI A IDÉIA, CARA?

(16:17:03) Alex: sai da sala…

(16:17:12) Remanso # ! para TODOS: Será que a idéia foi recolher as


garrafas e os plásticos???

(16:17:29) JANUÁRI@ para TODOS: Ou um mutirão? Um abaixo-assinado?


Um poema?

(16:18:00) [=^.^=] para TODOS: Eu cuido das cabeceiras do Véio Chico! E


das matas ciliares!

(16:18:21) LU ri para [=^.^=]: Ai, meu herói… sabia que “ciliar” vem de
cílio? Sem cílio, o olho seca.
156

(16:18:54) [=^.^=] no reservado com LU: Sem mata, o rio seca. Sabia que
meu email é indiog@to.br?

(16:19:22) LU para [=^.^=]: Sabia que vc é muito convencido?

(16:19:31) [=^.^=] no reservado com LU: Vai me escrever? DIZ QUE SIM!

(16:19:42) LU para [=^.^=]: J .

Conto de Roger Mello

Como utilizar o conto em sala de aula

A água é fonte de vida


157

Desenvolver novos valores e novas atitudes é um dos objetivos da educação


ambiental. Este roteiro de trabalho procura esclarecer a importância do manejo
sustentável da água, com a diminuição do desperdício e o controle da poluição. E
essas ações pressupõem uma nova relação da sociedade com a natureza. Só
conhecendo e sendo capazes de diagnosticar problemas no local onde vivem, os
estudantes se sentirão motivados a pensar e agir buscando soluções. Dia 22 de
março é o Dia Mundial da Água. Celebre a data mostrando que ela é um dos
principais elementos que possibilitam a existência de vida no planeta e que em seu
ciclo natural não há fronteiras. Essa cadeia funciona como o chat criado por Roger
Mello. Assim como a conversa toma diferentes rumos de acordo com a interferência
de cada participante, a qualidade da água depende de como cada personagem age
em sua história. As atividades aqui propostas estimulam a investigação e o trabalho
de campo (com um estudo do meio).

Objetivos  
Estimular a reflexão individual e coletiva sobre problemas ambientais. O fato de os
personagens do conto de Roger Mello estarem em diferentes pontos de um mesmo rio e o
perceberem de maneiras diversas ajuda a chamar a atenção dos alunos para os problemas de
onde vivem. O plano de aula mostra como a água está inter-relacionada a todas as formas de
vida na Terra e às atividades cotidianas e destaca a importância do uso sustentável dos
recursos hídricos e os danos causados à saúde por sua má qualidade.

Primeiro dia

Para introduzir o tema pergunte: Que "cara" a água tem para você?

Solicite a leitura individual do texto poluicaodas@guas.com. Cada aluno vai


marcar em azul substantivos e adjetivos que, em sua opinião, têm relação com a
água (peixes, por exemplo) e, em vermelho, aqueles que não têm (mata,
cabeceira...). Essa folha será reutilizada no final da atividade.

Divida a classe em grupos e solicite que cada um relate o valor que a água tem
para os integrantes. Essa importância pode estar relacionada ao lugar onde ela é
encontrada (mar, rio, torneira), à cultura (pintura, música, lenda, dança, tradição
ou ritual religioso) ou a necessidade e o bem-estar (banho, natação, bebida). As
idéias devem ser sintetizadas em frases, desenhos e outras representações.

Demonstre de que maneira os exemplos apresentados pelos grupos se encaixam


no ciclo natural da água — mas com um novo enfoque. Mais importante do que
saber que a água dos rios está no estado líquido, se evapora, se condensa e cai na
forma de chuva é perceber como ela está integrada à vida de cada um. Discuta em
seguida a relação entre a água doce existente no planeta, a água doce de fácil
acesso (rios, lagos etc.) e a água boa para consumo. Com base nessa discussão,
cada grupo deve redigir os próprios conceitos de poluição de água e de água
potável.

Pegue os recortes selecionados previamente de jornais e revistas e artigos da


internet sobre poluição dos recursos hídricos e populações com baixa qualidade de
vida e distribua entre os grupos. Peça que as equipes discutam o que pode
acontecer à água quando ocorre o desmatamento, a ocupação desordenada do
solo, a deposição de lixo, as queimadas, a destruição das matas ciliares, a
agricultura não planejada e o uso de agrotóxicos. Todos devem registrar as
conclusões.

Segundo dia
158

Prepare a pesquisa de campo. O objetivo é levar a turma a perceber que a


qualidade da água está diretamente relacionada à saúde.

Solicite aos grupos uma pesquisa sobre doenças relacionadas à falta de acesso à
água potável e ao esgoto tratado, à disposição inadequada do lixo e à presença de
transmissores de doenças, como mosquitos e ratos.

Os jovens devem descobrir de onde vem a água que abastece a cidade e se a


região de captação está protegida de assentamentos humanos, fábricas, granjas,
matadouros, hortas, currais etc. Nessa fase, é interessante levar a classe à estação
de tratamento de água e esgoto do município e encomendar um levantamento
sobre os principais hospitais e postos de saúde locais.

Organize com os estudantes um roteiro de perguntas para o estudo do meio. Eles


podem entrevistar funcionários e usuários do posto de saúde e antigos moradores
do bairro. Assuntos: doenças mais comuns e sua relação com problemas
ambientais; índice e causas de mortalidade infantil; condições de atendimento nos
serviços de saúde; utilização de métodos alternativos no tratamento de doenças;
condições de saúde do bairro no passado e no presente; hábitos das crianças
(andar descalças, lavar as mãos antes das refeições).

Todo o trabalho deve ser registrado por meio de anotações e fotos

Terceiro dia

É hora de transformar o conhecimento em ações concretas.

Com base em tudo o que foi aprendido até aqui, a turma deve propor algumas
soluções para os problemas encontrados — campanhas, mutirões de limpeza e
outras ações que envolvam a comunidade.

Chegou o momento de rever o texto onde foram marcadas as palavras


relacionadas ou não à água. Após todo o trabalho, cada um faz uma nova
interpretação dos termos, reclassificando-os se achar conveniente.

A avaliação deve considerar a participação em todas as atividades. Valorize mais


as impressões de cada um sobre a questão da água do que as informações
técnicas.

Material necessário
Canetas azuis e vermelhas
Blocos de anotações
Artigos de revistas, jornais e internet
Máquina fotográfica

A autora

Este roteiro pedagógico, para classes de 5a a 7a séries, foi elaborado por Andrée de
Ridder Vieira, presidente da Associação Super Eco e consultora em gestão e
educação ambiental da S.O.S. Mata Atlântica, da WWF do Brasil e da Conservation
International do Brasil.

 
159

Para ir mais longe  


Se sua escola tem computador com aceso à internet, organize um chat, como o
mostrado no texto de Roger Mello. O objetivo é descobrir o estado do principal rio
que corta sua cidade ou região em diferentes pontos, da nascente à foz. Para isso,
convide escolas de diferentes localidades cortadas pelo mesmo rio a participar do
bate-papo. Outra possibilidade é procurar um site de formação de comunidades,
como o nossogrupo.com.br, e abrir um espaço de discussão sobre a poluição do rio
escolhido. Dessa maneira, mais pessoas podem ser mobilizadas.

Perdidos na excursão

Marquito desabou na poltrona. Completamente moído. Exausto! Agarrou o telefone, ligou pro
Tiagão. Dos dois lados do fio, só queixas e reclamações. E altos xingos.

Bocas raivosas, por nada ter dado certo. Só confusão durante a excursão inteira.
160

Marquito relembrou a saída orgulhosa. Um final de semana ecológico-aventureiro. Certeza de


voltar triunfantes! Muito pra contar e pra exibir. Turma animada e a fim de descobrir o
esconderijo-paraíso dos micos-leões-dourados.

Tiagão ouvia rindo. Logo enfezou. Lembrou da primeira desviada. Um caminho lindo que deu
numa cachoeira despencante. Puladas, procuras, nadadas, volta estropiada pra estrada
arrebentada... Depois, só mancadas...

A chuva desviante da trilha. A paralisada hesitante se era pra virar à direita ou à esquerda.

Os em-frente-marche dando em barreiras fechadas, sem brecha pra passagem. As voltas,


semivoltas, voltas inteiras. A parada pra comilança quase dentro duma fazenda murada e o
dono surgindo com as armas em punho... Horror total!!

Marquito parou de sorrir. Partiu pros desabafos gritados. A armação das tendas no escuro e a
descoberta rápida de o lindo lugar estar cercado de cobras... Berros desesperados!

O dar de cara com uma margem do rio sem nenhuma ponte para cruzar... O medaço de se
afogar atravessando a pé.

Tiagão espirrou. Gripou bravo. Desligou avisando que foi a primeira e última excursão
ecológica. Pra ele, fim de papo. Marquito resmungou enfezado. Jurou jurado. Outra, só
sabendo antes por onde ia pisar. Chegava de perder tempo, perder a paciência, perder o
ânimo.

Conto de Fanny Abramovich

Como utilizar o conto em sala de aula


7ª e 8ª séries

Mapa, para saber aonde ir

Toda excursão é precedida de muita euforia. Nem todas, no entanto, atendem às


expectativas e têm final feliz. A planejada pela turma de Marquito e Tiagão, os
personagens do conto de Fanny Abramovich, certamente se encaixa nesse caso.
161

Para que seus alunos não se percam como a dupla, ensine a importância dos mapas
e como interpretá-los. Basta ler a história para perceber isso.

Material necessário

Cópias do mapa do "Parque do Mico-Leão-Dourado"

Papel vegetal

Lápis de cor

Imagens de revistas e livros

A carta geográfica permite ver áreas de uma perspectiva não habitual, de cima
para baixo. Assim, fica mais fácil entender posições, dimensões e distâncias
absolutas e relativas entre os elementos naturais e aqueles construídos pelo
homem.

A linguagem dos mapas é particular. Difere da usada na fala e na escrita por se


valer simultaneamente do sistema gráfico e do verbal. Além disso, não é
linear.Pode-se começar a ler uma carta de qualquer ponto. Para interpretá-la é
essencial criar uma legenda. No caso de um trabalho de campo ou de uma
"excursão ecológico-aventureira", como a do conto, o mais adequado é utilizar uma
que permita reconhecer, na paisagem, os elementos ali descritos.
162

Objetivos  
Descobrir a importância de ler e interpretar mapas com base em elementos gráficos, legendas
e posições relativas (proximidade e distância com relação a algum ponto), bem como construir
cartas geográficas tanto de forma gráfica como verbal. Levantar discussões sobre a
importância de preservar o meio ambiente.
 

Primeiro dia

Depois de lido o conto, pergunte à classe o que faltou à turma de Marquito e Tiagão
para ter um passeio mais agradável. Em seguida apresente o mapa. Para que o
aluno se familiarize com a linguagem cartográfica, mencione que ele foi criado
seguindo regras do mapeamento convencional.

A primeira tarefa é compreender as legendas, observando o sinal gráfico e lendo o


texto correspondente.

Lembre os estudantes que os ícones e as cores têm um significado. Não basta


saber que o verde indica a mata Atlântica. É preciso compreender que o que está
ali representado tem uma história. A área foi desmatada, tem alta biodiversidade
etc.

Peça que todos selecionem, de revistas, jornais e outros materiais, figuras que
mostrem a mata Atlântica, uma cachoeira, um portão, uma ponte e os outros
elementos da área destacada. Isso ajuda a criar uma referência de como é, na
realidade, o que aparece no mapa. (É o que se chama de referência imagética.)

Para que os jovens identifiquem e compreendam o tamanho da área e a extensão


dos caminhos, eles precisam ler a escala. Explique que, normalmente, há dois tipos
de escala, a numérica e a gráfica.

Mostre que a escala numérica informa a quantidade de vezes que um determinado


elemento foi reduzido para caber no papel. Se a escala é de 1:20000 (lê-se um
para 20 mil), isso significa que o objeto real é 20 mil vezes maior do que o que
aparece no mapa. Em outras palavras, 1 centímetro no desenho corresponde a 20
mil centímetros (ou 200 metros) no terreno.

A escala gráfica funciona como uma régua para fazer medições sem precisar de
cálculos.

Chame a atenção para a palavra "Norte", escrita no canto direito do mapa. É ela
que dá a orientação. Por convenção internacional, quando não aparece a seta o
Norte está na parte superior. Essa indicação é importante para posicionar-se com o
uso da bússola.

Segundo dia

A leitura de um mapa é mais eficaz quando existe um problema a resolver. Por


isso, peça que a classe procure uma explicação para o fato de o fim de semana de
Marquito e Tiagão ter sido um desastre. Por quais caminhos eles passaram? O que
aconteceu em cada lugar? Onde eles se perderam?
163

Nesse ponto é preciso retornar ao conto para buscar as pistas do caminho


trilhado: a cachoeira, as barreiras, a fazenda... Quantos quilômetros a turma andou
no primeiro dia? Quanto significa essa distância em relação a lugares que seus
estudantes conhecem? Peça que eles estabeleçam comparação entre esse percurso
e outro com a mesma distância. O ponto de partida pode ser a escola.

Outro exercício interessante é planejar uma excursão bem-sucedida. Os jovens


devem criar, no papel vegetal colocado sobre a carta original, uma rota para o
primeiro dia e outra para o segundo. É essencial seguir as trilhas, calculando
tempos de caminhada, locais para lanche etc. Sem se esquecer de criar legendas
(por exemplo, uma cor para a rota de cada dia).

Terceiro dia

Peça que a turma relate os trajetos criados para os personagens num texto
pautado nos elementos da paisagem e nas referências de orientação e mensuração.
"Saindo do Centro de Convivência do parque, caminharam pela trilha principal na
direção Norte por aproximadamente 600 metros, encontrando a cachoeira", e assim
por diante.

Se os estudantes puderem visitar algum parque da cidade ou da região, peça que


tragam de lá o folder entregue aos visitantes. De volta à escola, sugira que criem
um folheto semelhante para outro parque, fictício. Nele devem constar, além de um
mapa, as atrações e as normas de visitação.

O dicionário de formas

Era uma vez eu, Zé Sorveteiro, que me apaixonei por uma princesa que acabara de
chegar do outro lado da Terra. Bolei para ela um dicionário de quatro palavras:
bola, quadrado, retângulo, triângulo. Japonês se escreve com desenhos. Com
desenhos a princesa aprenderia português!
164

Não demorou, ela estava arrasando. Ia até meu carrinho e pedia, desenhando no
ar:

– Triângulo-bola.

Sorvete na casquinha! O dicionário funcionava às maravilhas.

Eu? Mandava bilhetes. Desenhava um quadrado com um triângulo em cima e


escrevia: casa!!! Caprichava nos pontos de exclamação. Casa!!! Casa!!! Fácil de
entender: casa comigo.

Mas toda princesa tem uma fera para encontrar bilhetes. Uma hora a fera mandou
me chamar. Aí…

Aí eu transformei ponto de exclamação em sinal de aguaceiro:

– Um traço com um pingo é chuva. Três – !!! – muita chuva. Casa, chuva, chuva,
chuva. Estou só avisando… Cuidado com goteiras.

Acabei subindo e limpando as calhas do telhado do futuro sogro e as de cada um de


seus amigos e parentes.

Hoje, 60 anos depois, repito, valeu a pena. E lá vou eu apanhar uns triângulos
vermelhos para a minha rainha arrumar no triângulo do retângulo do quadrado da
frente. Perfeito. Daqui a pouco a jarra da mesa da sala estará toda perfumada com
os… Como é mesmo? Vá lá! Com os triângulos vermelhos.

Conto de Angela Lago

Como utilizar o conto em sala de aula

6 a 8 anos
Objetivos
Reconhecer, nomear, comparar, descrever e desenhar formas geométricas
planas e não planas, resolver problemas e compreender o que é um 165
dicionário e qual sua utilidade.
Material necessário
Papel sulfite
Lápis de cor
Giz de cera
Papel espelho recortado em quadrados, círculos, triângulos e retângulos
Sólidos geométricos (cones e esferas)
Jornais e revistas
Bulas de remédios
Dicionários
Enciclopédias
Livro infantil

A geometria está por toda parte

A geometria ainda é um tema pouco explorado em classe. Uma pena! Quando


trabalhada de forma criativa, ela empolga a garotada. Quer ver? Siga o plano de
aula inspirado no conto escrito por Ângela Lago. Nele aparecem muitas metáforas
envolvendo formas geométricas, o que permite às crianças imaginar e interpretar
as diferentes imagens descritas pela autora – um ótimo passo para que elas
comecem a identificar quadrados, círculos, retângulos e triângulos nos objetos que
as cercam. Você também vai poder mostrar as diferenças entre uma figura plana e
um sólido, mesmo que não utilize termos como polígono e poliedro com os
pequenos.

Primeira etapa

Organize a classe em grupos. Leia apenas o título do conto e questione qual é o


tema da história. Pergunte se todos conhecem o dicionário. Depois apresente, sem
dizer os nomes, diferentes portadores textuais, como revista, jornal, dicionário,
enciclopédia, livro infantil e bula de remédio. Peça, então, que a turma defina qual
é o dicionário. Quando as crianças chegarem a um consenso, solicite que elaborem,
junto com você, um texto sobre as características desse livro e sua utilidade.

Leia o conto sem interrupções. Ao terminar, faça um debate sobre como é o


dicionário que Zé Sorveteiro bolou. Quais as semelhanças e diferenças entre este e
o que a classe havia analisado? Por que na situação mostrada na história um
dicionário de formas faz mais sentido?

É hora de as equipes elaborarem uma dramatização para o conto e a


apresentarem aos colegas. Aproveite para questionar as diferentes interpretações
dadas, já que a aventura de Zé Sorveteiro inclui muitas metáforas envolvendo
formas.

Segunda etapa
166

Liste com a garotada o nome das formas que Zé Sorveteiro pôs no dicionário e
leve todos para procurar pela escola objetos onde elas apareçam. Ao encontrar algo
que contenha uma ou mais formas do dicionário, os estudantes devem parar e
desenhá-lo numa folha branca, com giz de cera ou lápis de cor. De volta à sala,
todos explicam seus desenhos aos colegas.

Organize a classe em grupos de quatro e entregue a cada um figuras de


triângulos, círculos, quadrados e retângulos recortadas em papel espelho, além de
sólidos geométricos na forma de cone e esfera. Faça outra leitura do conto, agora
explorando os trechos em que as idéias são criadas com base nas quatro figuras,
como o sorvete ou o vaso de flores.

Desafie a garotada a reproduzir essas idéias. Nesse momento é possível que


surjam muitas discussões. Explore mais demoradamente a passagem em que a
princesa pede um sorvete desenhando no ar "triângulo-bola". Provavelmente os
estudantes reproduzirão essa imagem de maneiras diversas: com o triângulo e o
círculo, com o cone e a esfera, com o triângulo e a esfera ou com o cone e o
círculo.

Discuta as diferentes soluções, o que mais bem traduz o pedido da princesa (cone
e esfera) e por que ela mostrou o triângulo e a bola. Explique que, no dicionário de
Zé Sorveteiro, não havia um repertório maior de formas e as figuras utilizadas
eram as mais parecidas com um cone e uma esfera.

Encerre a atividade elaborando com a classe uma lista das semelhanças e


diferenças entre o cone e o triângulo e entre o círculo e a esfera. Talvez alguns
digam que a esfera é gorda ou cheia e que o círculo é magro ou fino. Isso mostra a
percepção de que o círculo é plano e a esfera, não.

Terceira etapa

Releia o conto e aproveite para apresentar alguns problemas. Tome o trecho:


"Hoje, 60 anos depois, repito, valeu a pena". Se esse texto foi escrito em 2003,
pergunte quando o personagem subiu no telhado da casa do futuro sogro para
limpar as calhas. Sabendo que isso ocorreu três anos antes de se casar, em que
ano ele se casou? Que idade tinha no casamento?

Destaque o trecho: "E lá vou eu apanhar uns triângulos vermelhos para minha
rainha arrumar no triângulo do retângulo do quadrado da frente". Questione: de
que parte da casa e de que objetos Zé Sorveteiro está falando? A turma deve
ilustrar o que imagina ser a resposta.

Forme duplas e sugira que elaborem algumas adivinhações com base nas figuras
estudadas, como fez o personagem da história. Depois troque os trabalhos para
que a garotada descubra o segredo dos colegas.

Para finalizar, os alunos (divididos em duplas) elaboram uma história contando o


que aprenderam sobre as formas geométricas.

O espelho e a perua
167

A confusão começou Estufou-se, bem danada,


Certa vez, no galinheiro, Mostrando o papo vermelho.
Quando as aves encontraram E com pose de malvada
Um espelho no terreiro. Fez a pergunta ao espelho:

Uma galinha vaidosa — Espelho, espelho meu!


Logo quis contar vantagem: Responda se há no mundo
— Com licença, galináceas, Outra ave mais bonita,
Vim conferir minha imagem! Mais charmosa e elegante,
Mais esperta e fascinante,
A pata, torcendo o bico, Mais incrível e imponente,
Comentou com a vizinha: Mais formosa do que eu?
— Não vale arrancar as penas Diga logo, espelho meu!!
Pra parecer mais magrinha!
Os bichos, impressionados,
E qual não foi a surpresa Ouviram com atenção
Das aves estabanadas: A resposta do espelho
No reflexo do espelho A tamanha pretensão:
Só tinha coisas erradas!
— Se você quer a verdade,
Quem era alta e bela Vou dizê-la, nua e crua.
Viu-se feiosa e baixinha. E mostrar a realidade
Quem era gorda e forte Para uma simples perua.
Ficou magrela e fraquinha.
Você disse que é esperta,
— Credo! — grasnou o marreco. Imponente e charmosa.
— Cruzes! — o pinto piou. Mas parece antipática,
— Incrível! — cantou o galo. Falando assim, toda prosa.
E o papagaio berrou.
Desfila o ano inteiro
A galinha carijó Como se fosse a tal.
Foi quem depressa falou: Mas foge do cozinheiro
— Este espelho tem feitiço... Quando chega o Natal!
Foi a bruxa que o mandou!

— Mentira! — disse a perua,


Balançando as pulseiras.
— Li esse conto de fadas,
Vocês só dizem besteiras!

Conto de Flávia Muniz

Como utilizar o conto em sala de aula 1ª e 2ª séries


Objetivos
Discutir valores referentes à imagem
que cada um tem de si e do outro e 168
relacionar o texto ao conceito de Física
que diz respeito à reflexão da luz em
superfícies espelhadas.
Material necessário
material necessário
Um espelho grande, para se ver de
corpo inteiro
Baú com roupas e acessórios (óculos,
echarpes, pulseiras coloridas, gorros,
coletes etc.)
Objetos com superfície espelhada,
como bandejas de inox, canecas de
alumínio, óculos escuros, medalhas de
ouro, bolas de árvore de Natal e
colheres
Pequenos espelhos sem moldura
Lanterna

Espelho, espelho meu

Quem resiste a um espelho? O hábito de dar uma checada no visual não é


exclusividade das mulheres e muito menos das peruas, como a convencida
personagem do poema de Flávia Muniz. Nele o espelho é elemento central. Por isso,
será essencial também no trabalho em sala de aula. Uma divertida dinâmica vai
permitir a você conhecer melhor ainda os alunos. E as crianças vão descobrir coisas
novas sobre si mesmas e os colegas. O texto serve também de inspiração para uma
divertida aula de Ciências em que são introduzidas noções sobre o conceito de
reflexão. Com a ajuda de muitos e variados espelhos, é claro!

Primeira etapa

Leve um espelho grande para a sala de aula. Proponha que o grupo "leia" a
própria imagem. Para que a dinâmica fique mais rica, deixe à disposição dos
estudantes um baú com roupas e acessórios que vão ajudá-los a se enfeitar. É
essencial que todos participem dessa etapa.

Depois pergunte: qual sua impressão sobre você mesmo? A atividade é


importante para pôr a auto-estima em discussão. Aceite as colocações de cada
criança e faça com que todas ouçam e respeitem os colegas. Não dê conselhos,
mas fique atento às falas. Anote o que achar relevante para, num outro momento,
poder criar em classe situações que possibilitem tratar dos temas abordados.

Segunda etapa

Leia o texto O espelho e a perua e faça os seguintes questionamentos. Por que as


aves não conseguiam se ver como de fato eram? O texto diz que "Quem era alta e
bela, viu-se feiosa e baixinha...". Por que viam o oposto?
169

Em seguida, estabeleça com a turma uma comparação entre a aparência e o jeito


de ser. Pergunte: a resposta dada pelo espelho à pergunta da perua ("Espelho,
espelho meu...") revela o comportamento da personagem ou a forma física dela?

Terceira etapa

Hora de relacionar o texto lido com o conceito de reflexão. Questione de que


maneira nossa imagem aparece refletida no espelho. O importante, aqui, é
perceber que tudo o que vemos é luz refletida. Para facilitar a compreensão, vá
com a turma para uma sala escura. Leve uma lanterna e o espelho grande.
Direcione o foco da lanterna para ele de modo que os estudantes percebam que a
luz segue diferentes trajetos conforme você modifica o ângulo do feixe luminoso.
Em seguida, explique que, quando somos nós que estamos em frente ao espelho, a
luz que incide sobre nosso corpo reflete-se nele e volta para os nossos olhos
fazendo com que enxerguemos.

De volta à classe, pergunte se alguém já teve a curiosidade de verificar como é


um espelho por trás. Pegue um espelho sem moldura e mostre a pintura no vidro.
Questione: se retirarmos toda a tinta, ele continuará refletindo do mesmo modo?
Por quê? A garotada deve perceber que a luz não será mais refletida, pois
atravessará o vidro transparente.

Leve para a sala de aula vários tipos de superfície espelhada. Peça a cada um que
se observe nos objetos. Questione: qual deles permitiu se ver com mais nitidez?
Por que a imagem refletida muda de forma? Provavelmente eles vão perceber que
os objetos planos deformam menos as feições. O objetivo é levar a turma a
compreender que quanto mais curvo e irregular for o espelho maior é a distorção
da imagem refletida.

Há outras atividades que exploram o conceito de reflexão. Uma delas, bastante


curiosa, é observar quadros que mostram imagens refletidas na água ou em
espelhos e confirmar se estão corretas ou não.

Conclua as atividades conversando com os estudantes sobre as descobertas feitas


durante as aulas. Registre as citações no quadro-negro e peça que eles façam
desenhos em que apareçam figuras refletidas.

Primeiro amor
170

É que nem saudade. Mesmo que a pessoa nunca tenha sentido, quando sente já
sabe logo que aquilo é saudade, ou melhor, que saudade é aquilo: aquele vazio que
queria ser cheio. É que nem azia. A sensação puxa a palavra exata na hora, e a
pessoa diz "Que azia!", ainda que seja a primeira vez que tem uma.

Primeiro amor é que nem festa surpresa. Quando acontece não avisa, mas é tão
óbvio que dali pra frente não dá mais para viver sem pensar nele. Apesar de
Tatiana só ter 14 anos, quando viu Felipe pela primeira vez, com sua roupa de
goleiro, teve certeza: "Amei". E amou mesmo. Pulava. Sofria. Gargalhava de amor
quando ele chegava à escola ou jogava nos treinos. Quando ele defendia uma bola,
queria ser bola. Tatiana estava mesmo apaixonada.

O amor já estava transbordando quando ela foi contar a novidade pra Chiquinha
Mota Pereira, sua amiga imaginária desde que elas eram pequenas. As duas
cresceram juntas, Tatiana de verdade e Chiquinha de mentira, se é que se pode
chamar de "mentira" alguém que, apesar de imaginária, é amiga verdadeira.

Chiquinha adorou a novidade e quis saber apenas se aquele amor era


correspondido.

- Como é que eu posso saber? - respondeu (ou perguntou) Tatiana.

- Olhando fundo nos olhos dele.

Tatiana nem dormiu direito, ligada naquela urgência dos que amam pela primeira
vez na vida, esperando amanhecer e ir pra escola, olhar fundo nos olhos de Felipe,
pra conferir se havia algum sinal de amor vindo de lá, feito um espelho.
Finalmente deu 7 e meia e a campainha tocou. Ia começar a aula. Todos nos seus
lugares, restou um lugar vazio. "Cadê Felipe, meu Deus?" Foi na hora do recreio
que ela recebeu a notícia: "Felipe saiu da escola porque o pai dele foi transferido
pra uma outra cidade".

E agora? Não foi fácil aquela manhã segurar o choro pra mais tarde.

- Será que todo amor de verdade tem que ter um impedimento pra se tornar
impossível? - Tatiana soluçou baixinho. E Chiquinha respondeu (ou perguntou):

- Ou será que todo amor, pra se tornar possível, tem que provar que é de verdade?

Conto de Adriana Falcão

Paisagem do brodósqui
171

Paisagem de Brodósqui,
a terra manjedoura,
roxeada, avermelhada,
matriz duradoura
do menino Candinho.

Poeta dos pintores,


escreveu em cores
momentos da infância
na tela acordada.

Um baú de histórias coloridas


na lembrança, reunidas
no quadro, imagens
recorridas.

O papagaio de papel
no imenso azul do céu...

O descanso de um boizinho
num pacato povoado.

Um especial bauzinho
na areia depositado.

Um cavalo apressado
Por um homem montado.
Uma modesta igrejinha,
num vilarejo, abençoada
pelas mãos pintoras
do Candido menino,
Portinari consagrado,
estrela a brilhar
no cenário da pintura
universal, brasileira.

Poema extraído do livro Paisagens Brasileiras

Aquilo
172

Quando aquilo apareceu na cidade, teve gente que levou um susto.

Teve gente que caiu na risada.

Teve gente que tremeu de medo.

E gente que achou uma delícia.

E gente arrancando os cabelos.

E gente soltando rojões.

E gente mordendo a língua, perdendo o sono, gritando viva, roendo as unhas,


batendo palma, fugindo apavorada e ainda gente ficando muito, muito, muito feliz.

Uns tinham certeza de que aquilo não podia ser de jeito nenhum.

Outros também tinham certeza. Disseram: — Viva! Que bom! Até que enfim!

Muitos ficaram preocupados. Exigiram que aquilo fosse proibido. Garantiram que
aquilo era impossível. Que aquilo era errado. Que aquilo podia ser muito perigoso.

Outros, tranqüilos, festejaram, deram risada, comemoraram e, abraçados, saíram


pelas ruas, cantando e dançando felizes da vida.

Alguns, inconformados, resolveram perseguir aquilo. Disseram que aquilo não valia
nada. Disseram que era preciso acabar logo com aquilo ou, pelo menos, pegar e
mandar aquilo para bem longe.

Muitos defenderam e elogiaram aquilo. Juraram que aquilo era bom. Que aquilo ia
ser melhor para todos. Que esperavam aquilo faz tempo.

Que aquilo era importante, bonito e precioso.

Alguém decidiu acabar com aquilo de qualquer jeito.

Mas outro alguém disse não! E foi correndo esconder aquilo devagarinho no fundo
do coração.

Caro leitor: aquilo pode ser muitas coisas.

Se sentir vontade, pegue um lápis e uma folha de papel e escreva sobre aquilo:
diga, em sua opinião e em seu sentimento, o que é aquilo, como é aquilo, o que
aquilo faz, de onde aquilo veio, para onde aquilo vai e que sentido, afinal, aquilo
tem. Se quiser, desenhe aquilo também.

Conto de Ricardo Azevedo,


extraído do livro Se Eu Fosse Aquilo...

Como utilizar o conto em sala de aula


173

Em debate, o direito de se expressar

Material necessário

Xerox do texto Aquilo para toda a classe 


Cartolinas e canetas hidrocor
Declaração Universal dos Direitos Humanos
O Estatuto da Criança e do Adolescente

Objetivos

Valorizar e empregar o diálogo para esclarecer conflitos; compreender que


viver em sociedade exige consensos; aprender a respeitar os diferentes
pontos de vista e as diferenças pessoais; utilizar a discussão de idéias
como forma de trabalhar em equipe e de tomar decisões coletivas;
conhecer e discutir os direitos humanos; reconhecer a liberdade de
expressão como um direito fundamental nas sociedades democráticas.

Se você esperava descobrir o que despertou a atenção dos moradores da cidade


mencionada no texto de Ricardo Azevedo deve ter se frustrado. Como o próprio
autor menciona, "aquilo pode ser muitas coisas". O escritor quis justamente evitar
que os leitores tivessem um ponto de vista fechado sobre o tema. Discutir o que é
aquilo, o que poderia ou deveria ser é uma boa maneira de refletir sobre a
diversidade de idéias e opiniões defendidas por quem está à nossa volta. Cada ser
é único e se relaciona com o mundo de acordo com faixa etária, sexo, classe social,
escolaridade, características biológicas e experiências particulares. A proposta
elaborada pela consultora pedagógica Franciele Busico Barozzi, de São Paulo, é um
desafio interessante para uma aula de Ética. Específica para turmas de 8ª série, a
atividade aborda três temas: a liberdade de expressão, um direito fundamental e
indispensável em uma sociedade democrática; o diálogo, primeiro passo para um
convívio social com justiça; e o respeito às diferenças.

O silêncio na ditadura

Antes mesmo de apresentar o texto à classe, pergunte aos alunos se eles


acreditam que em todos os países o povo pode expressar suas idéias sobre
qualquer assunto. Em seguida, sugira uma viagem no tempo. O ano é 1964 e o
local, o Brasil. Questione: quais eram as sanções previstas por lei para quem
expusesse uma opinião contrária ao do regime vigente? Depois, peça uma pesquisa
sobre a ditadura militar no Brasil. Esse será o gancho para estudar o que é
liberdade de expressão — um dos três princípios básicos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos — e para conhecer a arbitrariedade dos regimes políticos que
não permitem o diálogo e a pluralidade de idéias. Mostre que toda pessoa tem o
direito de buscar, receber e divulgar informações e opiniões livremente e que a
consolidação e o desenvolvimento da democracia dependem disso.

Opiniões sobre aquilo

Distribua cópias do texto Aquilo para os estudantes. Divida a classe em grupos de


no máximo quatro alunos. Peça para as equipes escolherem um integrante para ser
o leitor e outro para ser o escriba de todas as falas do debate. O terceiro vai ficar
responsável pela síntese do que foi dito e o quarto apresentará o resultado da
discussão. Após a primeira leitura, os alunos poderão comentar o que imaginaram
ser aquilo e justificar seu ponto de vista. Nessa etapa, todos devem perceber que a
leitura de mundo que cada um faz está diretamente ligada à sua cultura. Os grupos
vão anotar o que acharam que aquilo poderia ser num cartaz que será afixado na
174

parede da sala. Depois, o representante escolhido vai explicar o porquê da


conclusão do grupo para os colegas.

Preconceito na berlinda

Finalize a atividade desenvolvendo os temas diálogo e respeito. Lance uma situação


hipotética, por exemplo, a chegada de um novo aluno, um jovem infrator que
esteja em liberdade assistida. Se a turma soubesse dessa condição (o que não
costuma acontecer na vida real) concordaria com sua aceitação pela escola?
Comente o que mudaria na rotina da sala, como o adolescente deveria ser recebido
e qual a postura da turma diante dele. Deixe a discussão "pegar fogo" e veja
quantos são a favor e contra a inclusão desse estudante. Peça que todos
justifiquem as opiniões e julguem se o garoto merece ou não uma oportunidade.
Compare a reação de cada um com as dos personagens do texto. Pergunte o que a
turma entende por uma sociedade mais justa e questione ao máximo os
argumentos apresentados. Discuta o Estatuto da Criança e do Adolescente, mais
especificamente o capítulo IV, que trata das medidas socioeducativas, e aponte os
principais direitos da infância e da juventude. Por fim, mostre que as diferenças
individuais precisam ser reconhecidas e respeitadas e que a escola é para todos.

O céu ameaça a Terra


175

Meninos e meninas do povo ikolen-gavião, de Rondônia, sentam-se à noite ao redor


da fogueira e olham o céu estrelado. Estão maravilhados, mas têm medo: um velho
pajé acaba de contar como, antigamente, o céu quase esmagou a Terra. Era muito
antes dos avós dos avós dos meninos, era no começo dos tempos. A humanidade
esteve por um fio: podia ser o fim do mundo. Nessa época, o céu ficava muito
longe da Terra, mal dava para ver o seu azul.

Um dia, ouviu-se trovejar, com estrondo ensurdecedor. O céu começou a tremer e,


bem devagarinho, foi caindo, caindo. Homens, mulheres e crianças mal conseguiam
ficar em pé e fugiam apavorados para debaixo das árvores ou para dentro de tocas.
Só coqueiros e mamoeiros seguravam o céu, servindo de esteios, impedindo-o de
colar-se à Terra. Talvez as pessoas, apesar do medo, estivessem experimentando
tocar o céu com as mãos...

Nisso, um menino de 5 anos pegou algumas penas de nambu, mawir na língua


tupi-mondé dos índios ikolens, e fez flechas. Crianças dos ikolens não podem comer
essa espécie de nambu, senão, diz-se, ficam aleijadas. Era um nambu redondinho,
como a abóbada celeste.

O céu era duríssimo, mas o menino esperto atirou suas flechas adornadas com
plumas de mawir. Espanto e alívio! A cada flechada do garotinho, o céu subia um
bom pedaço. Foram três, até o céu ficar como é hoje.

Em muitos outros povos indígenas, do Brasil e do mundo, há narrativas parecidas


ou diferentes sobre o mesmo assunto. Fazem-nos pensar por que céu e Terra estão
separados agora... O povo tupari, de Rondônia, por exemplo, conta que era a
árvore do amendoim que segurava o céu. (Bem antigamente, dizem, o amendoim
crescia em árvore, em vez de ser planta rasteira).

Antes do céu subir para bem longe, os ikolens podiam deixar a Terra e ir morar no
alto. Iam sempre que ficavam aborrecidos com alguém, ou brigavam entre si, e
subiam por uma escada de cipó. Gorá, o criador da humanidade, cansou de ver
tanta gente indo embora e cortou o cipó, para a Terra não se esvaziar demais.

História contada por Betty Mindlin,

Como utilizar o texto em sala de aula


176

Mitos e lendas revelam como é cada povo

Objetivos

Desenvolver a percepção da alteridade, levando os alunos a


identificar e a respeitar as diferenças entre as várias culturas
existentes. Explorar recursos de oralidade e escrita e estimular a
expressão criativa.

Pela via do conhecimento se combate o preconceito. Por isso, estudar e


compreender a diversidade cultural dos povos é um caminho seguro para
estabelecer entre os alunos o sentido de respeito ao próximo, seja este o colega de
classe ou um indivíduo de outra etnia, região ou religião. Com base na leitura do
mito indígena recontado pela antropóloga Betty Mindlin, você poderá mostrar à
turma diferentes — e encantadoras — visões sobre a natureza. São esses pontos de
vista que revelam a identidade cultural de quem mantém viva a tradição dos povos.
As atividades, indicadas para turmas de 6ª série, foram sugeridas pela professora
de História, Cultura e Folclore Patrícia Raffaini, da Universidade Anhembi Morumbi,
em São Paulo.

Antes, um aquecimento

Não apresente o texto logo de início. Comece uma conversa sobre o tema,
perguntando aos estudantes que tipo de mitos eles conhecem em nossa sociedade
ou em outras. E as lendas? Provavelmente eles se lembram do saci, da iara, da
mula-sem-cabeça... Mas o que seriam mitos, mitologias, lendas? Explique que a
história que conhecerão a seguir é um mito de um dos povos indígenas brasileiros,
os ikolens-gavião. Mencione a imensa quantidade de nações indígenas, cada qual
vivendo em uma região do país, com línguas e culturas distintas. Pergunte aos
alunos o que sabem sobre o modo de vida desses povos. Nas aldeias existe luz
elétrica, televisão? Será que, à noite, o céu visto nas cidades é parecido com o que
as crianças indígenas vêem? Ao conversar com a garotada sobre as diferenças
culturais, você desperta a percepção da alteridade, o reconhecimento da identidade
do outro.

Leitura e interpretação

Feita a introdução, leia o mito. Destaque as referências aos elementos da natureza


e o papel do herói, um menino de 5 anos. Em seguida, peça aos estudantes que
comentem a história. Por que o céu resolveu "cair" sobre a Terra? Por que
coqueiros e mamoeiros sustentavam o céu? Como seria possível tocá-lo? Deixe que
a imaginação da turma voe bem alto. Explique então que os mitos são assim,
histórias que explicam fenômenos da natureza de forma criativa, mas que nos
mostram uma visão muito peculiar da cultura de determinadas sociedades e de
como elas observam e explicam o mundo ao redor.

Produção dos alunos

Em outra aula, peça à turma para realizar em grupo uma atividade artística para
representar a narração. Uma boa sugestão é produzir uma história em quadrinhos.
As equipes podem ser fiéis ao contexto indígena ou fazer adaptações. Com a
produção concluída, organize uma exposição, destacando como o enredo se
transforma. Cada grupo dará importância para um aspecto.
177

Depois, reflita com a turma sobre como as histórias são transmitidas de geração
em geração nas culturas indígenas. Tradicionalmente, esses povos empregam
recursos da oralidade. Entretanto, muitos deles estão começando a fazer uso da
linguagem escrita. Que mudanças podem ocorrer a partir desse fato? Que
diferenças há entre os recursos da oralidade e da escrita?

Outras pesquisas

Proponha à classe um levantamento de fotos que mostrem as pinturas corporais, os


adornos e a arte plumária dos diversos povos indígenas brasileiros. Com base nas
imagens obtidas, monte um mapa do Brasil, fixando cada foto na região
correspondente. Se possível, consulte o site da Fundação Nacional do Índio
(www.funai.gov.br) ou o Mapa Etno-histórico de Curt-Nimuendaju e, com os
alunos, prepare um quadro com informações como os aspectos culturais mais
importantes.

Outra pesquisa interessante é a de mitos indígenas brasileiros. Nesse caso, a


bibliografia é bastante vasta. Com alguns exemplos em mãos, os alunos poderão
comparar versões sobre um mesmo tema, como Betty Mindlin faz em seu texto.
Também de forma comparativa é possível trabalhar com mitos e lendas que vêm de
outros contextos culturais: gregos, hindus e demais povos que no passado
explicavam os fatos da natureza com base na observação dos fenômenos,
acrescidos de muita criatividade. Alguns medos, por exemplo, parecem ser
recorrentes em culturas que não necessariamente tiveram contato entre si.
Podemos lembrar o personagem Abracurcix, chefe da última aldeia gaulesa, onde
vivem Asterix e Obelix. Seu maior temor não é do exército romano, nem de Júlio
César, mas um medo ancestral, de que o céu caia em sua cabeça. Se na Gália
existisse um bravo menino de 5 anos com flechas encantadas talvez esse temor
fosse atenuado.
178

O baú secreto da vovó

Quando eu era menina e sentia medo, no lugar de chorar, ficava com raiva.

Na noite em que descobri o baú de minha avó, eu estava em Santos. Trovejava


muito. Apavorada, comecei a gritar que odiava o mar. Foi quando minha avó me
chamou.

— Minha neta, você sabia que eu tenho um baú cheio de segredos?

— Como assim? Onde?

— Lá no fundo da garagem.

Pronto. Nada como a curiosidade para espantar o medo. Na garagem, vovó o abriu
e retirou de dentro dele uma espécie de régua:

— Você sabe o que é isso?

— Uma régua esquisita — respondi.

— Não, isso é uma palmatória. Quem errasse na escola levava uma batida na
palma da mão.

— Não acredito! E por que a senhora guardou esse treco?

— Pra lembrar que a gente precisa ser mais forte do que as injustiças. Olhe... meu
dedal preferido. Foi com ele que eu costurei essa roupa — e ela me mostrou um
vestidinho com uma espécie de short por baixo.

— Você jogava tênis, vovó?

— Não, isso é um maiô!

— Você nadava de vestido?

— Sim, e era considerada atrevida. Mas foi assim que conquistei seu avô.

— Nadando de roupa?

— Eu vinha de uma família pobre. Seu avô, não. Ele lia, gostava de dançar.

— E de nadar também?

— Sim, e por isso fiz esse maiozinho. Corri até a praia de chapéu. Seu avô estava
tomando sol. Fingi que tinha perdido o chapéu no mar. Ele era um cavalheiro e veio
ajudar. O chapéu foi parar no fundo. Apostamos uma corrida para ver quem o
apanhava. Ele gostou da minha ousadia.

— Foi assim que vocês começaram a namorar?

— E logo me casei. Guardei o dedal pra lembrar que a gente precisa tecer a
felicidade, e o maiô, porque um pouco de coragem não faz mal a ninguém. Olhe
essa caixinha de música. Seu avô me deu quando você nasceu. Não é linda?
179

Vovó mostrou para mim outros objetos e assim fui descobrindo que se não fosse o
mar, que eu temia, não haveria o encontro de meus avós e que viver é saber
perder o medo de tudo o que a gente nunca espera e nunca vai conseguir controlar.

Conto de Heloisa Prieto


180

Como utilizar o conto em sala de aula 

Encontro de gerações para entender presente e passado

Material necessário

Cartolinas
Cola
Gravador
Lápis coloridos
Tesouras
Máquina fotográfica
Objetos antigos e atuais

Objetivos

Observar, descrever e comparar o modo de vida em diferentes tempos e lugares; ter


contato com fontes históricas; perceber a importância de objetos do cotidiano na
reconstrução da história; valorizar o idoso e considerar suas lembranças como fontes de
documentação para estudo da memória popular; perceber-se como parte da história de
uma família, de uma escola, de uma comunidade, do país e do mundo.

Foi-se o tempo em que crianças e adolescentes se sentavam no chão ao redor dos


mais velhos para ouvir, atentos, aos muitos "causos" que eles tinham para contar.
"Vovô está me alugando'", "Não tenho saco para esse papo"... Comentários desse
tipo são comuns entre jovens que não respeitam os idosos ou valorizam o
conhecimento e a experiência que acumularam. A leitura do conto O Baú Secreto
da Vovó pode despertar na garotada o interesse pela memória dos idosos e, mais
ainda, pela história contida nos objetos antigos. Os estudantes vão perceber como
os costumes do passado se tornam curiosos quando analisados sob certo
distanciamento. O texto possibilita confrontar valores e diferenças entre épocas
distintas. Mudam a moda, os gostos, os desejos, as crenças, a linguagem. E,
compreendendo essa evolução, a turma vai deixar de lado o preconceito e perceber
que objetos banais vão ajudar a construir sua própria história. O plano de aula,
para a 2ª série, foi elaborado pela consultora Elody Nunes Moraes, de São Paulo.

Exercício de previsão vai estimular a turma

Comece a aula contando que o texto que você irá ler é sobre uma avó que abre um
baú secreto para a neta. Proponha uma atividade de previsão. Escreva o título da
história no quadro-negro e peça que as crianças desenhem em uma folha de papel
tudo o que, acreditam, haveria dentro do tal baú. Depois, cole na parede uma
cartolina com o desenho de uma grande arca e diga aos estudantes para colar ali os
seus desenhos, já recortados. Só então a história será lida. Em seguida, fixe na
parede um novo cartaz com o desenho do baú e dos objetos que foram realmente
encontrados: a palmatória, o dedal, o maiô e a caixinha de música. Será que todos
são conhecidos? Se possível, mostre diferentes fotos ou ilustrações.

Mudam as épocas, mudam os valores

Comente com a classe em que contexto cada uma das quatro peças foi ou tem sido
utilizada com o passar do tempo. Faça uma tabela contendo os aspectos que
permaneceram inalterados e que se modificaram. É preciso listar também o que
deve ser pesquisado. A palmatória, por exemplo, apesar de estar relacionada ao
ambiente em que os alunos estão, a sala de aula, hoje não tem mais função. A
181

importância de estudar e freqüentar a escola se manteve, porém ninguém mais é


castigado com o instrumento. Questione: como era a escola no tempo dos avós de
vocês? Havia recreio, trabalhos em grupo? Todos terão que buscar respostas.

O maiô rende uma boa discussão sobre o modo de vestir em diferentes lugares e
épocas e sobre valores morais. Como as mulheres vão à praia atualmente? O dedal
remete a um tempo em que não se compravam roupas prontas e em que muitas
mulheres sabiam costurar. As discussões sobre a caixinha de música podem ficar
interessantes se a turma puder comparar o tipo de melodia que agradava os
ouvidos das mocinhas de antigamente com o som apreciado hoje.

Relatos compõem documento histórico

Para responder às dúvidas que surgirem indique, além da pesquisa em livros e na


internet, a consulta às pessoas mais velhas da família, como a avó citada no conto.
Faça uma lista no quadro-negro com o nome daqueles que se dispõem a ir à escola
para ser entrevistados. Os avós que não puderem comparecer enviam os
depoimentos por carta, e-mail e gravação em vídeo ou gravador.

Monte com a turma um roteiro de perguntas divididas por temas. Por exemplo: a
escola, a moda, o comércio, a estrutura familiar, as brincadeiras... Depois é só
marcar o dia das visitas. Para enriquecer ainda mais o bate-papo, peça aos
velhinhos para levar relíquias que demonstrem como era a vida antigamente. Se os
alunos levarem objetos que fazem parte de seu cotidiano, surgirá um ótimo
exercício de comparação. Encerre o evento com um gostoso chá.

Não deixe de registrar esse encontro de gerações. Peça a um estudante para


fotografar e a outro para gravar as entrevistas. O material recolhido é um
documento que deve ficar à disposição na biblioteca escolar. Ou, quem sabe, até se
transformar num livro ou compor uma página da internet elaborada pela classe.
182

Poema para Dalí

Era uma vez


Um sonho de menino
Estranho,
Versátil,
Admirável.

De repente, o tempo não existia mais


Tinha parado,
Congelado,
suspendido.

O relógio começou a escorregar por entre as suas mãos


E o tempo foi derretendo.
O menino então falou comigo:
"eu penso, eu digo e falo
o que vem na mente.
E você sente"

Juntos, escrevemos automaticamente


Tudo o que vem à cabeça
Sem censura
nem suspiro.
A gente se entende.

As imagens que surgem do texto são bonitas.


Surgem Dalí e daqui
Tem sol, tem mar, têm casas e árvores
E tem gente estranha.

As cenas são improváveis


E o ritmo é de um sincopado que não existe,
nem nas mais exóticas músicas que ouvimos.
Apenas sonho de meninos?

Se eu fosse um artista
surrealista
Eu também sonharia assim
Perguntaria teu nome
E no meio da fome
Pediria pra você ficar e pintar comigo
Eu iria me nutrir da tua mão de chocolate
E da tua pele de pêssego.
Juntos, iríamos passar tinta, comemorar
e colorir todos os sonhos do mundo.

Poema de Katia Canton

Como utilizar o conto em sala de aula


183

Material necessário
Papel sulfite
Lápis de cor e de cera
Tintas coloridas
Aparelho de som
CDs
Objetos com diferentes texturas

Objetivos
Provocar o potencial imaginativo e criador; fazer a releitura do pensamento
poético de um artista e não de uma obra; promover a observação, o estudo e a
compreensão das obras de arte surrealistas; perceber as imagens que povoam
o pensamento humano; e experimentar técnicas artísticas.

Os sonhos de Dalí viraram obras-de-arte

O pintor espanhol Salvador Dalí (1904-1989) era considerado excêntrico, criativo e


louco. "A diferença entre um louco e eu é que eu não sou louco", afirmava. Mas
basta conhecer um pouco do seu trabalho para perceber que ele tinha muita
lucidez. Seu método de criação era o "paranóico-crítico". Dalí prolongava o sonho
para os momentos de vigília e permitia que suas fantasias, memórias e as marcas
deixadas pelos grandes artistas se transformassem em novos trabalhos. Um
exemplo é a tela A Persistência da Memória, uma das obras mais importantes do
século 20 — que você recebeu em forma de pôster junto com ESCOLA.

O cartaz e o Poema pra Dalí, de Katia Canton, são as bases do plano de aula
elaborado pela arte-educadora Míriam Celeste Martins, da Universidade Estadual
Paulista e do Espaço Pedagógico, de São Paulo. Indicado para a 4ª série, ele é um
mote para levar os alunos ao contato com a produção de Dalí no ano em que é
comemorado o centenário de seu nascimento.

A sua imaginação

Dalí é o grande ícone do movimento surrealista, surgido na França pela literatura,


logo após a Primeira Guerra Mundial. Sua obra — que inclui desenhos, pinturas,
esculturas, roupas, jóias e cenografias — tem o poder de provocar o humor
corrosivo e a imaginação.

Assim como o artista, solte a imaginação. Pense em um objeto qualquer: um


sapato, uma caneta... Dalí imaginou uma paisagem em A Persistência da Memória.
Questione-se: o que isso pode significar além do que já é? Para o espanhol, o
relógio molengue, como formas humanas, faz pensar na obsessão dos homens pela
passagem do tempo e a pela memória.

Imagine em como representar o objeto escolhido para expressar a sua idéia sobre
ele ou fazer com que se transforme em outra coisa — no pôster, a estranha forma
no lado direito é o próprio Dalí. Brincando com a imaginação, você levará os
estudantes a ir além do real e a superar as dificuldades de colocar as idéias "sem
pé nem cabeça" no papel.

Os sonhos dos alunos


184

Num primeiro momento, não mostre nenhum material à classe. Peça às crianças
para trazer de casa um objeto qualquer e proponha que o desenhem. Depois,
convide-as a fechar os olhos e coloque uma música de fundo. Diga, então, que uma
mágica pode transformar o objeto desenhado em qualquer outra coisa.

Sugira que brinquem com a imaginação, como fez Dalí na instalação da sala Mae
West (acima), no museu do artista, com base na obra de mesmo nome. Cortina,
piso, janelas e paredes formam o rosto da atriz americana dos anos 1930. Faça os
estudantes rirem de suas próprias idéias e em seguida, eles devem escolher uma
das invenções e desenhá-la.

Técnicas surrealistas

Apresente à turma a técnica frottage, fricção em francês, muito utilizada pelos


surrealistas. As crianças passam um lápis de cera deitado em um papel colocado
sobre texturas — a sola do tênis ou uma moeda, por exemplo. Elas podem ainda
carimbar papéis amassados e embebidos em tinta em uma folha. As formas obtidas
vão desencadear a invenção de outros objetos. Exponha todas as idéias e desenhos
surgidos na aula, juntamente com o pôster. O objetivo é que os trabalhos sejam
lidos juntos.

Só então leia a poesia com a turma. Questione quais elementos da obra do artista e
da própria garotada estão presentes no texto. Alerte para o fato de o poema
permitir diversas leituras e diga que a falta de um encadeamento lógico é
característica do surrealismo. Aponte como as atividades pareciam "Um sonho de
menino/Estranho/Versátil/Admirável" e peça que os estudantes encontrem no texto
menção à obra reproduzida no pôster. No final, eles mesmos poderiam se tornar os
objetos inventados e criar uma performance na escola. Cabe a você, professor,
imaginar e ousar!
185

Fora do normal

Na sala de aula, Caio pediu a Aninha uma borracha emprestada.

— Pode pegar aí dentro da minha mochila — disse ela e continuou seu papo com
Alice.

Caio abriu a mochila e enfiou a mão procurando. Sentiu um objeto pequeno no


meio dos livros. De plástico? Sim. Mas plástico mole, quadrado, fininho. Apalpou.
Seria uma embalagem? E com um anel maleável dentro? Trouxe a mão ao alcance
dos olhos. Ah, uma camisinha. Uma camisinha?!

Num gesto brusco, com as faces ruborizadas, voltou a mão lá para as profundezas
da mochila. E atordoado pensou. "Minha nossa, o que isto está fazendo aqui, nas
coisas da Aninha?! A mais novinha da classe, a menorzinha, meiga, boazinha?!"

— Achou, Caio?

— O quê?! Ah, a borracha, Aninha? Achei. Quer dizer, não! Mas deixa pra lá. O
Pedro tem uma. E ele foi em direção ao melhor amigo. Que aliás, era apaixonado
por Aninha. "Por Aninha? Da camisinha?! O Pedro precisa saber disso!", decidiu
Caio. E baixinho para o companheiro segredou:

— Cara, uma bomba. A Aninha não é quem a gente pensa! E contou tudo a Pedro,
que revoltado contou pro Juca, que pasmado deixou escapar pro Plínio, que por
distração babou pra Nanda, que envergonhada avisou Aninha, que rindo contou à
Déia, que uma fera berrou pra classe inteira:

— Quer dizer, moçada, que menino pode andar munido de camisinha, que é chique,
bom pra prevenção. E nós, meninas, não?!

— Não vem com esse papo, Déia. Quem anda com camisinha na bolsa é porque tá
a fim de transar!, berrou Pedro lá do fundo.

— Ué, e menina não pode ter vontade de transar?! — contestou Alice, firme.

— Eu nem tenho vontade ainda — emendou rápido Nanda — mas isso não me
impede de carregar uma!

— Se eu pegar namorada minha com isso na bolsa, termino! — berrou Juca.

— Vai ver que é por isso que ninguém quer te namorar! — gritou Aninha.

— Que bagunça é essa, gente?!, reclamou a professora de Matemática, entrando na


sala. E depois da explicação e de muito bate-boca de toda a turma, ela resolveu:

— Chega! Vamos começar nossa aula! Aninha, me dê aqui a tal camisinha. E


respirando fundo: — Hoje vamos ter uma aula diferente!

Conto de Valéria Polizzi,


186

Como utilizar o conto em sala de aula


Um papo franco sobre sexualidade

Material necessário
 Cópias do conto Fora do Normal para todos os alunos.

Objetivos
Refletir sobre as relações de gênero e prevenção das doenças
sexualmente transmissíveis, inclusive aids, entre adolescentes; discutir
comportamentos que expressam estereótipos e preconceitos; reconhecer
como construções culturais as características socialmente atribuídas ao
masculino e ao feminino; e conscientizar-se sobre a prática de sexo
seguro.

Prepare-se para uma viagem pela alma humana. Falar de sexo é tratar de mitos,
medos, inquietações, fantasias, curiosidades, preconceitos, crenças e dúvidas,
muitas dúvidas — que não pertencem apenas às crianças e aos jovens. Por vezes, a
discussão envolve as suas próprias dúvidas e preconceitos. E quem não os têm? Eis
o desafio da Orientação Sexual! O conflito não pode justificar a ausência do tema
transversal na escola. Por isso, aproveite o conto de Valéria Polizzi para levantar
questões sobre o corpo (erótico e reprodutivo), o ficar, o namoro, a masturbação,
as relações sexuais, os métodos anticoncepcionais, a gravidez na adolescência e a
diversidade sexual. O texto também abre caminho para discussões sobre relações
de gênero e prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, as DSTs. O plano
de aula, sugerido pelo educador Antonio Carlos Egypto, do Grupo de Trabalho e
Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS), de São Paulo, está focado na
interpretação de texto para alunos de 8ª série. A proposta estimula o livre pensar
dos adolescentes e o choque de idéias, sem preocupação com conclusões. O
objetivo é que cada um reflita e encontre as suas próprias respostas.

Esta aula não deve ser um momento raro ou ocasional na escola. Uma conversa
sobre sexo deve acontecer com regularidade, constar no planejamento pedagógico
e se disseminar pelas disciplinas.

O que pensam os jovens

Trabalhar com o texto, centrando as questões nos personagens, é um recurso útil


para evitar que a discussão caia na conversa pessoal, que expõe alunos e
professores e dá margem a incompreensões e constrangimentos. "Lembre-se: aula
não é psicoterapia", afirma Egypto. Assim, divida a turma em grupos, peça a leitura
do texto e respostas às seguintes questões:  Aninha tinha uma camisinha na
mochila. O que isso significa para você?
 Caio descobriu por acaso a camisinha na mochila de Aninha. Como ele interpretou
isso?
 Por que Caio contou o fato ao seu amigo Pedro, apaixonado por Aninha? Por que o
assunto virou fofoca na classe?
 O que Déia pretendia quando berrou para a classe inteira?
 Alice e Juca pensam coisas diferentes sobre esse assunto. Pela participação deles
na história, o que você pode afirmar a respeito dessa diferença de opiniões?
 Por que a professora de Matemática resolveu dar uma aula diferente, quando
pegou a camisinha? O que você imagina que ela quer transmitir à turma, depois do
que viu e ouviu?

Camisinha é indispensável
187

É importante que os alunos se acostumem a ter, manipular e até brincar com a


camisinha. Hoje, ela é um objeto corriqueiro no dia-a-dia dos jovens. Mencione que
não deveria haver surpresa no fato de encontrar uma camisinha entre os pertences
de qualquer adolescente, rapaz ou moça. E muito menos isso pode ser critério de
julgamento sobre os desejos, as intenções ou a vida sexual de qualquer pessoa. O
que a turma tem a dizer sobre isso? Lance essa idéia, coordene as exposições orais
e "tempere" a discussão com as seguintes colocações:

 Todos sabem que a camisinha é importante para a prevenção das DSTs nas
relações sexuais. Além disso, ela é um bom método para evitar uma gravidez sem
planejamento. Você concorda que tanto os homens quanto as mulheres têm desejo
sexual e que a relação sexual pode acontecer quando não se espera ou não se
planejou?
 Não é verdade que mesmo os adeptos da abstinência sexual ou da virgindade
muitas vezes não conseguem realizar suas crenças na prática? Não seria muito pior
se a relação sexual acontecesse sem proteção?
 Questione se o risco de uma gravidez não planejada e de pegar uma DST não
deveria ser capaz de superar preconceitos machistas. Se o homem tem que estar
prevenido, por que a mulher não? Por que ela é vista como "galinha" (ou a fim de
transar) e isso é motivo de crítica, fofoca ou término do namoro pelos meninos?
Não é isso mesmo que as meninas têm que fazer, assim como os meninos?

Atente para o fato de que muitas vezes os alunos respondem o que você espera
deles, o que não significa que eles concordem com o que disseram, ou mesmo que
levem o assunto a sério. Mas se forem estimulados a pensar livremente e a se
expressar, a situação pode mudar com a aquisição de novos sentidos para o tema.

Além de problematizar questões sexuais, apresente dados.e notícias que


corroborem o desenvolvimento das idéias. Pesquisa recentemente realizada em
bairros carentes do Rio de Janeiro apontou o machismo entre os jovens. Mais de
700 homens entre 15 e 24 anos foram entrevistados e 41% afirmaram que é a
mulher quem deve tomar providências para não engravidar; 13,7% consideraram
uma "ousadia" a parceira requisitar o uso da camisinha e 9% classificaram
mulheres que andam com camisinha na bolsa como promíscuas.

Veja onde cada aluno se enquadraria nessa pesquisa e pergunte: não está mais do
que na hora de mudar certos valores?
188

A bolsa, a bolsinha e a bolsona

Ia o menino para a cidade grande pela primeira vez. O pai recomendou:

— Filho, tome o dinheiro para o trem, mas guarde-o sempre nesta bolsinha. Só tire
da bolsinha as notas que precisar e nunca a deixe aberta!

O menino guardou bem aquelas palavras e foi se despedir da mãe. A mãe achou
que a bolsinha não era segura. Pegou outra, maior, e ensinou ao garoto:

— Meu filho, leve a bolsinha de dinheiro sempre dentro desta bolsa. E nunca a
deixe aberta!

O menino foi se despedir da avó. A avó, mais precavida, achou melhor lhe dar uma
bolsa maior ainda. E explicou:

— Meu neto, ponha sempre a bolsa com a bolsinha dentro desta bolsona. E nunca a
deixe aberta!

O menino ouviu tudo com atenção e foi embora pegar o trem. Chegando ao guichê,
abriu a bolsona e tirou dela a bolsa. Fechou a bolsona e abriu a bolsa. Tirou a
bolsinha, fechou a bolsa, abriu a bolsona, guardou a bolsa, fechou a bolsona.
Então, abriu a bolsinha, tirou uma nota de dez e fechou a bolsinha. Abriu a bolsona,
tirou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsa, guardou a bolsinha, fechou a bolsa,
abriu a bolsona, guardou a bolsa, fechou a bolsona. Só então deu o dinheiro para o
funcionário do guichê. Mas este não quis dar o bilhete.

— O preço é 12, rapazinho.

O menino, então, abriu a bolsona, tirou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsa,
tirou a bolsinha, fechou a bolsa, abriu a bolsona, guardou a bolsa, fechou a
bolsona, abriu a bolsinha, tirou mais uma nota de dez, fechou a bolsinha. Daí abriu
a bolsona, tirou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsa, guardou a bolsinha,
fechou a bolsa, abriu a bolsona, guardou a bolsa e fechou a bolsona. Deu a outra
nota para o funcionário, que lhe devolveu o troco.

Para guardar o troco, o menino abriu a bolsona, tirou a bolsa, fechou a bolsona,
abriu a bolsa, tirou a bolsinha, fechou a bolsa, abriu a bolsona, guardou a bolsa,
fechou a bolsona, abriu a bolsinha, guardou o dinheiro, fechou a bolsinha, abriu a
bolsona, tirou a bolsa, fechou a bolsona, abriu a bolsa, porém, antes que ele
guardasse a bolsinha na bolsa, fechasse a bolsa, abrisse a bolsona, guardasse a
bolsa na bolsona e fechasse a bolsona, o trem passou e ele... perdeu o trem!

Conto de Rosane Pamplona


189

Como utilizar o conto em sala de aula

(Pluralidade cultural)
Histórias e ritmos do nosso folclore

Material necessário

 Folhas de sulfite
 Lápis de cor
 Três bolsas de diferentes tamanhos
 Fantoches dos personagens: menino, mãe, pai, avó e vendedor de
bilhete

Objetivos

Conhecer e valorizar a cultura popular; recuperar e


compartilhar as manifestações folclóricas regionais com a
contribuição dos pais; introduzir o gênero poético, explorando a
sonoridade e o ritmo da língua; e estudar os conceitos de
família e meios de transporte.

É difícil fugir das primeiras imagens que vêem à cabeça quando o assunto é
folclore: o saci-pererê, o colorido bumba-meu-boi, as bandeiras das festas de São
João, a beleza de Iara, a mãe-d'água, o temível lobisomem... As manifestações
populares brasileiras são ricas e numerosas, porém não se resumem a festas e
mitos. A cultura popular está presente em casa, na receita antiga da avó, nos
causos de vizinhos e amigos, no chá indicado pela tia contra dores no corpo e até
nas quadrinhas e piadas do avô. Esses costumes permanecem, se propagam
oralmente — mesmo em tempos de avanço na tecnologia das comunicações — e
ganham novas versões por onde passam. "Nada representa melhor o homem, na
sua unidade e na sua esplêndida variedade, do que o folclore, cujo estudo elucida o
conhecimento da continuidade e das reformulações históricas", afirmou a poetisa
mineira Henriqueta Lisboa (1904-1985) na introdução de um livro pioneiro no
assunto, da década de 1950.

A bolsa, a bolsinha e a bolsona, típica história do interior do Brasil, pode ser


aproveitada para mostrar a diversidade cultural de nosso país e estimular a análise
dos causos, lendas e mitos específicos de sua região. O conto possibilita abordar
também as diferenças entre a vida do campo e da cidade, os conceitos de família e
de meios de transporte e a riqueza de sons e ritmos da língua portuguesa,
presentes nas quadrinhas e trava-línguas. As sugestões são de Neide Noffs,
professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que preparou o plano
de aula a seguir para turmas de Educação Infantil.

Família é ponto de partida A história A bolsa... faz parte da tradição oral mineira.
Há muitos anos, um padre em Caraça (MG) a contou para a aluna Rosane
Pamplona, que agora a reconta nas páginas de ESCOLA. Antes de ler o conto para a
turma, acione conhecimentos prévios, como idéias e hipóteses de alguns temas que
aparecem na trama. O primeiro deles é a família. Pergunte às crianças como é a
formação familiar de cada uma. Pai, mãe e avós convivem na mesma casa? Como
eles se relacionam? Qual a função de cada um deles nas tarefas domésticas?
Aproveite a conversa para explorar valores como colaboração, generosidade,
amizade e amor. E fique atenta para valorizar as diferentes organizações familiares!
190

Inicie uma conversa sobre meios de transporte. Questione os tipos mais


conhecidos, os rápidos e os lentos. Aproveite para fazer um mapeamento sobre
aqueles que são mais utilizados em sua região. Encerre esta etapa pedindo
desenhos sobre os assuntos discutidos durante a aula.

A vida rural e a urbana

É hora de ler A bolsa... Capriche na entonação das frases de repetição e, se


possível, tenha à mão três bolsas de tamanhos diferentes para dramatizar a
confusão do protagonista na hora de pegar o dinheiro. Se preferir, utilize fantoches,
mas não deixe que a atenção dos alunos se desvie do texto.

A seguir, parta para a interpretação do conto. Questione quem fez um pedido ao


menino. Qual foi a solicitação? Para onde o garoto deveria ir? Que meio de
transporte usaria? Por que o cuidado excessivo com o dinheiro? Quem poderia
roubar o protagonista? Qual o desfecho da história? Peça para as crianças
recontarem a trama substituindo os personagens por pessoas da família, e o trem
pelo meio de transporte mais utilizado na região. Porém, não fuja do enredo
original.

Faça a turma visualizar a cena apresentada pelo conto, típica da vida no interior,
com a família unida na mesma casa. Pergunte como foi a primeira vez em que as
crianças viajaram para o campo ou para a cidade. Foi difícil chegar lá? Com quem
estavam? Quais os preparativos?

Explore o contraste entre a vida rural e a urbana. Essas diferenças são folclóricas
em nossa cultura, assim como o trem, valorizado na poesia Trem de Ferro, de
Manuel Bandeira, e em músicas como O Trenzinho do Caipira, de Heitor Villa-Lobos.
Esse meio de transporte remete à região Sudeste, marco do desenvolvimento
econômico ocorrido em meados do século 19. Pergunte quem já andou de maria-
fumaça. Que barulho ela faz?

Trava-línguas e poesias

Perceba como o conto é quase um trava-línguas. Repetir palavras, expressões ou


partes de versos, em uma mesma posição ou não, é um modo de explorar o ritmo e
a sonoridade da língua. Mostre aos pequeninos que, assim como o trem, toda a
atividade humana se desenvolve dentro de um ritmo, presente também na
produção artística. De modo especial, na poesia.

Faça uma pesquisa com as crianças sobre quadrinhas populares, trava-línguas,


poesias infantis, parlendas e adivinhas. Peça a contribuição das famílias. Veja que
bom tema para uma reunião de pais! Quais as histórias que eles conhecem sobre o
folclore de onde vivem ou vieram? Organize um painel ou boletim com essas
contribuições para socializar em sala e na reunião de professores. E brinque muito
com o som da repetição das palavras nas aulas. Sem demora, as crianças vão
começar a criar as próprias rimas.
191

Paradoxos

A vida parecia cada vez mais complicada para Alberto. Não ruim, pelo contrário,
mas cada vez mais difícil.

Há alguns anos, ele não tinha com o que se preocupar... Bastava se entregar aos
estudos e às descobertas. Ah! Como ele estava seguro em meio aos seres
invertebrados, aos redemoinhos, às constelações, aos tubos de ensaio e aos
elementos químicos...

A cada dia que passava, Alberto compreendia mais e mais as razões e o


funcionamento de tudo no mundo. Tudo.

A formação do Universo, estrelas anãs e gigantes brancas, buracos negros, novos


planetas e até mesmo um novo anel em algum planeta conhecido... Nada passava
despercebido para Alberto, que, sem ter muito tempo para atividades que não
levassem a alguma conclusão científica, não participava dos jogos do recreio e não
usava, de maneira nenhuma, a internet para o lazer e para o diletantismo, atitude
que ele considerava simplesmente ultrajante!

Então por que dentre todos os jovens da escola justamente ele tinha sido o
escolhido pela mais linda e encantadora menina do grupo?

A vida parecia, sim, mais estranha para Alberto, que, sem entender o porquê de
seu comportamento, ficou quase duas horas tentando montar uma imagem real da
atmosfera de Saturno, que, recentemente, descobriram ser colorida devido aos
gases que a compõem. Uma imagem bela o suficiente para tocar o coração de
qualquer menina!

Duas horas perdidas tentando montar uma foto enquanto o mundo científico estava
em polvorosa com o registro de uma colisão de galáxias! E ele ainda assim tinha
certeza de que o tempo perdido tinha valido a pena!

Alberto guardou com carinho a fotografia em uma pasta e seguiu o caminho da


escola, pensando em uma deliciosa frase de seu ídolo maior, Einstein, que naquele
momento lhe servia de consolo:

"A verdade científica é sempre um paradoxo se julgada pela experiência cotidiana,


que se agarra à aparência efêmera das coisas".

De acordo com Einstein, são paradoxos a Terra se mover em torno do Sol e a água
ser constituída por dois gases altamente inflamáveis...

Quem sabe paradoxos tão grandes como este que ele agora está vivenciando:
saber que tudo o que lhe interessa na vida são as explicações científicas e que não
existe explicação científica para o que mais lhe interessa neste momento, o amor.

Conto de Patrícia Engel Secco


192

Como utilizar o texto em sala de aula

MATERIAL NECESSÁRIO
Lanterna
Disco de papelão ou CD
Placa quadrada de madeira
Bola

OBJETIVOS
Compreender que a ciência não é infalível e que o conhecimento científico evolui;
planejar experimentos que possam confirmar verdades científicas; conhecer exemplos
de conhecimentos científicos que foram superados; comprovar, com base em
pesquisa com os mais velhos, como o conceito de criança saudável evoluiu.

Há duas leituras possíveis para a frase de Einstein sobre o paradoxo da verdade


científica, que tanto delicia o personagem Alberto, criado por Patrícia Engel Secco.
Uma delas, mais rasa, apenas opõe o conhecimento científico ao senso comum.
Mas, se olharmos um pouco para a história da ciência, vamos perceber que essa
"aparência efêmera das coisas" foi, muitas vezes, a base dos próprios cientistas
para a formulação de suas "verdades".

Basta lembrar a teoria geocêntrica, que colocava a Terra no centro do Universo e


todos os astros, inclusive o Sol, girando ao nosso redor. Hoje, sabe-se que não é
nada disso. Observações astronômicas associadas a cálculos matemáticos
comprovam que a Terra gira em torno do Sol. Mas esses cálculos não são nada
corriqueiros. Por isso, se apenas observarmos o que está ao nosso alcance, nossa
conclusão não poderá ser diferente da alcançada pelos antigos pensadores.

Esta proposta de aula, formulada pelo professor Marcos Engelstein, do Colégio


Santa Cruz, em São Paulo, pretende levar você a discutir com seus alunos de 5ª
série como algumas verdades do passado foram sobrepostas pelo conhecimento
científico e como não se pode encarar a ciência como um saber absoluto e
imutável.

Geocêntrico, por que não?

Comece a aula apresentando um desafio à turma: afirme que a Terra é plana e


peça aos alunos (muitos vão achar que você está de gozação) que provem o
contrário. Se houver condições, leve o grupo ao último andar de um edifício ou ao
topo de alguma montanha que dê a todos uma boa visão do horizonte. O que se
vê? De forma geral, uma longa extensão de superfície plana. Peça à turma algum
argumento observável que seja contrário a essa idéia. Diga em seguida que o Sol
gira em torno da Terra. Se ele nasce no leste e se põe no oeste, nada mais natural.
Pergunte novamente: alguém tem argumentos observáveis que demonstrem o
contrário?

De volta à escola, escureça a sala de aula e providencie uma lanterna, uma


pequena placa quadrada de madeira ou qualquer outro material, um disco de
papelão ou um CD e uma bola.

Usando a fonte de luz, projete a sombra da placa plana (a Terra!) na parede; mude
várias vezes a posição da mesma. Repita, agora, com o disco. Perceba que,
dependendo da posição, a sombra será redonda, o que não acontece com a placa
193

quadrada. Por fim, repita a experiência com a bola. Com base nessas observações,
a idéia de a Terra ser plana não é nenhum absurdo. A simples observação não
mostra o contrário. O mesmo acontece com a idéia do geocentrismo.

Explique aos estudantes que os antigos gregos, ao olhar a sombra da Terra na Lua,
durante os eclipses, entendiam que a forma circular da sombra indicava que nosso
planeta era, no mínimo, uma circunferência, tal como nosso disco. Foram
necessários muitos cálculos de geometria para demonstrar que a Terra estava mais
para a bola do que para o disco.

A ciência está recheada de casos em que a falta de informações precisas levava a


conclusões falsas. No passado, acreditava-se que as doenças eram transmitidas
pelo vento, por mudanças climáticas ou até pelo cheiro. A malária, por exemplo,
tem a origem do seu nome em "mal ar" — não se conheciam os microorganismos
causadores de doenças.

No século 18, os cientistas queimavam madeira e depois pesavam as cinzas. Como


a massa era menor que a da madeira, eles achavam que a "alma" da madeira
(chamavam-na de flogístico) havia sido libertada. Naquela época não se conheciam
os átomos e a constituição da matéria. Nada se sabia sobre a formação de gases,
como o gás carbônico, liberado na combustão.

Geração espontânea

A invencionice do século 18 não pára por aí. É desse período a idéia da geração
espontânea. Os cientistas acreditavam que a matéria viva poderia surgir da matéria
não viva. O médico belga Jean Baptiste van Helmont (1577-1644) escreveu até
uma receita para fazer surgir ratos. Bastava juntar camisas sujas a um punhado de
trigo e um pouco de palha ou feno. Para obter os pequenos roedores, era só deixar
a "mistura" descansando no escuro, em um celeiro fechado, por 21 dias.

Uma atividade interessante pode ser realizada por seus alunos para que
compreendam a falibilidade da teoria da geração espontânea. Pergunte se eles
acreditam que o bicho da goiaba nasce do fruto apodrecido. Peça então que
planejem um experimento controlado para derrubar essa idéia. A turma não precisa
realizar a atividade. O importante é perceber quais controles são necessários para
validar as conclusões. Primeiro, é necessário evitar que a mosca pique a goiaba.
Num segundo momento, observar imediatamente o fruto após ter sido picado pela
mosca. Dessa forma, é possível verificar que não há fungos e bactérias, mas que a
porta para a entrada desses organismos foi aberta.

Gorduchos saudáveis

Termine a aula pedindo aos alunos que façam uma pesquisa com pais e avós sobre
qual a idéia de criança saudável que se tinha no passado. Deixe que debatam sobre
o tema, apresentando as informações que trouxeram de casa. Muitos deverão
contar que os bebês precisavam ser, antes de tudo, gordinhos. Hoje, tanto a
pediatria como os conhecimentos em nutrição desassociam a saúde do peso
exagerado de uma criança.
194

O amigo secreto

A turma reuniu-se na sala enfeitada.

Martinha carregava um pacote enorme, cheio de laços. Suzana e Antônio


conversavam animados. Mariana pediu para Juju começar a brincadeira. Cada um
devia explicar antes porque escolhera o presente para seu amigo secreto.

Quando Juju terminou de falar, um tênis, que mais parecia uma nave espacial, foi
parar nas mãos de Felipe. Este contou porque comprou o CD importado para o Luís.
Que explicou porque escolheu a bermuda de surfista para o Bruno.

— Bruno! — a turma gritou. — Agora é você!

Bruno pôs-se a falar:

— Bom, pessoal. Na primeira semana de dezembro, tarde da noite, lá em casa,


ouvimos um grito de filme de terror.

Todo mundo saltou da cama: "O que foi? O que foi?"

Minha mãe apontou, soluçando: "A ge-la-de-dei-ra!

Ela que-que-brou!"

"O técnico avisou que, se ela enguiçasse de novo, já era", disse meu pai.

"Não faço questão de geladeira", minha irmã falou.

"O que não dá é ficar sem computador."

Aí, minha mãe disse: "Se a gente fosse esquimó, jogava a caça sobre a neve,
cobria com gravetos pros lobos não roubarem, e pronto. Mas, em pleno verão
brasileiro, geladeira é prioridade. Precisamos comprar uma nova".

"E daí?", minha irmã perguntou.

"E daí que o mesmo dinheiro não sai da mesma carteira duas vezes", disse meu
pai.

"Então o computador dançou?!", eu perguntei.

Meu pai respondeu: "O computador e outras coisinhas. Nossa geladeira é dúplex,
ela custa mais caro".

"E o presente do amigo secreto", minha irmã lembrou.

"Bolem um presente criativo e que não custe nada", falou meu pai.

— Foi aí que eu tive a idéia — continuou Bruno, abrindo a mochila e tirando de lá


um pequeno pacote.
195

— Espero que meu amigo secreto goste. Ele é o Rafa.

— Aí, Rafa! Vai lá! — gritou a turma.

Rafa começou a abrir o pacote. O silêncio era total.

— Não acredito que você guardou esta foto, cara!

Que idade a gente tinha?

— Mostra! Mostra!

E a foto emoldurada de Bruno e de Rafa, quando tinham 6 anos de idade, foi


passando de mão em mão.

O maior sucesso.

— Puxa, Bruno. Só faltou uma coisa — disse Rafa.

— O quê?

— Um abraço, cara. Gosto de você! Bom fim de ano!

Conto de Regina Chamlian


196

Como utilizar o texto em sala de aula


Como gastar dinheiro com responsabilidade!

MATERIAL NECESSÁRIO
Revistas semanais
Jornais diários
Calculadoras

OBJETIVOS
Observar com olhar crítico a propaganda veiculada em TV, rádio, jornal e
revista; conhecer a legislação do Brasil e de outros países sobre
publicidade para crianças; reconhecer o valor do dinheiro; promover
hábitos de consumo mais saudáveis; e desenvolver a criatividade com a
produção de um presente artesanal.

Dia das Crianças, das Mães, dos Pais, dos Namorados, festa do amigo secreto... As
comemorações acabam sempre pedindo um presente. Comemorar, nesse caso,
acaba virando sinônimo de comprar. Quem mais se anima são os publicitários, que
incentivam o consumo, e os comerciantes, porque as vendas aumentam, e muito.
Do outro lado estão os compradores, seduzidos pelas novidades. Mas o que fazer
quando a despesa com a "lembrancinha" não cabe no orçamento doméstico? Para
que a garotada entenda a questão, é preciso incentivar o consumo consciente e
ensinar desde cedo o valor do dinheiro e a diferença entre necessidade e desejo.

O conto O Amigo Secreto, de Regina Chamlian, trata de uma situação que poderia
muito bem acontecer com algum de seus alunos. Resolver o conflito pelo qual
passou o personagem Bruno é desafio para crianças e adolescentes que vivem sob
o constante apelo das compras. O plano de aula a seguir vai ajudar você a discutir
com os estudantes de 5ª a 8ª série as razões do consumismo. A sugestão é de José
Domingos T. Vasconcelos, professor de Física e consultor pedagógico em Educação
Ambiental e Consumo, em São Paulo.

Ser crítico diante das propagandas

Proponha que cada aluno observe e descreva duas propagandas veiculadas em TV,
rádio, revistas e outdoors: uma que ele goste, outra que não goste. Oriente a
observação com as seguintes perguntas:

Que produto ou serviço a propaganda quer vender?

Qual é a faixa etária, o sexo e a etnia das pessoas que participam da propaganda?

Qual é o texto (escrito ou falado) do anúncio?

Ele é convincente? Ajuda a vender o produto? Por quê?

Tenha à mão revistas e jornais e proponha uma análise coletiva de algumas


propagandas. Pergunte quem se lembra de quando foi influenciado pela
propaganda ao pedir algum presente aos pais. Mostre como os consumidores
raramente são levados a comprar alguma coisa movidos pela razão.
197

Brinquedos e alimentos costumam ser transformados, principalmente pela TV, em


objetos de desejo da garotada — no Brasil, crianças e jovens de até 14 anos
representam quase 40% da população. Alguns países, como a Suécia e a Noruega,
não permitem os anúncios destinados ao público infantil na TV. Austrália, Áustria e
Reino Unido proíbem a propaganda em programas infantis. Questione se a turma
concorda com leis de regulamentação da publicidade e proponha uma pesquisa na
internet para descobrir em que pé está a questão no Brasil.

Aprender a dar valor ao dinheiro

Peça a leitura de O Amigo Secreto e pergunte se os colegas de Bruno, ao pedir


dinheiro aos pais para comprar o presente, levaram em conta o orçamento da
família. Mostre que lidar com dinheiro é fazer escolhas e que não é possível nem
saudável comprar tudo o que se quer. É preciso estabelecer regras, como não
gastar toda a mesada na cantina da escola para poder ir ao cinema no final de
semana.

Sugira que cada um faça uma lista de coisas que gostaria de comprar neste final de
ano: óculos de sol, roupa, mochila, presente para o amigo secreto... Terminada a
seleção, entregue a eles este roteiro de questões:

Do que eu realmente preciso? O que tenho apenas vontade de comprar?

De quanto dinheiro vou precisar para comprar tudo? (Faça uma pesquisa de
preços e, com a ajuda da calculadora, ponha os gastos no papel.)

Quais os itens da lista que eu poderei comprar? Por quê? (Justifique.)

Por fim, oriente a turma a comparar os gastos da compra de final de ano com o
salário mínimo do trabalhador brasileiro, que é de 260 reais. Quantos dias de
trabalho são necessários para poder comprar a lista inteira?

Um presente com a "cara" do amigo

Releia o conto de Regina Chamlian, observando as reações dos alunos no desfecho,


e ouça o que eles fariam no lugar de Bruno e de Rafa. Muitos adorariam um
presente feito pelo amigo. Outros achariam uma porcaria! Incentive um debate
sobre as expectativas que cada um tem ao receber e entregar um presente. Lance
algumas perguntas:

Qual a diferença entre um produto industrializado e um artesanal?

É possível comprar um presente personalizado?

Você sentiria vergonha ou orgulho em dar a um amigo algo feito por você?

Para finalizar, organize com a classe uma brincadeira de amigo secreto para
comemorar o final do ano letivo. Apresente o desafio: o presente tem que ser feito
pelos próprios estudantes. Quem será o artesão mais criativo?
198

Lado a lado, bem bolado

Ricardinho andava sem sorte. Acho até que, se ele fosse jogar cara-ou-coroa ou
par-ou-ímpar dez vezes seguidas, ele perderia todas elas.

O caso é que ele tinha aprendido que “em cima” se escreve separado e “embaixo”
se escreve junto. Mas, na hora de escrever suas redações, ele seeeeempre se
confundia e acabava fazendo tudo ao contrário.

Foi queixar-se pra Vovó. Afinal, a Vovó tinha sido professora a vida inteira e sabia
tudo, tudinho mesmo de todas as coisas.

– É fácil, Ricardinho – ensinou a Vovó. – Levante a mão esquerda, bem aberta.

– Assim?

– Não. Essa é a direita.

– Então é essa?

– É claro, você só tem duas, não é? A mão esquerda é a que fica do lado do
coração.

– E de que lado fica o coração?

– Do lado dessa pintinha que você tem no rosto.

– Ah, ficou fácil! Mas o que tem a ver mão esquerda levantada com “em cima” e
“embaixo”?

– Veja, querido: seus dedos, “em cima”, estão separados e, “embaixo”, eles estão
juntos, grudados na palma, não estão? Quando você ficar em dúvida, é só levantar
a mão aberta, que você nunca mais vai errar! “Em cima” é sempre separado e
“embaixo” é sempre junto!

Ricardinho achou genial a idéia da Vovó. No dia seguinte, na escola, tratou logo de
contar o novo truque para o Adriano, seu melhor amigo na primeira série.

– Tá vendo, Adriano? É só levantar a mão esquerda e...

– Não vai dar certo – respondeu o amigo.

– Por que não?

– Porque, se eu levantar a mão esquerda, como é que eu vou escrever? Eu sou


canhoto!

– Bom, então levante a direita, que dá no mesmo.

– E como é que eu sei qual é a direita?


199

– É fácil. Eu, por exemplo, sei que a minha mão esquerda é esta, que está do lado
da pintinha que eu tenho na cara.

– Mas eu não tenho pintinha nenhuma na cara – discordou o Adriano.

Ricardinho chegou a sugerir que o Adriano pintasse uma pinta na cara com a
caneta, mas Adriano acabou achando mais fácil saber que a sua mão esquerda era
aquela com que ele escrevia e desenhava e a direita era... bom, era a outra!

Conto de Pedro Bandeira


200

Como utilizar o texto em sala de aula


A garotada aprende a ir e vir sem se perder

MATERIAL NECESSÁRIO
Papel Kraft
Caneta de ponta grossa
Giz

OBJETIVOS
Entrar em contato com as dificuldades próprias da orientação e refletir sobre
ela; resolver problemas comuns, desenvolvendo a sociabilidade e o senso
coletivo; adquirir as primeiras noções de orientação para se deslocar com mais
segurança; orientar-se com base em referências; aplicar o uso de esquerda e
direita em situações do dia-a-dia; escrever textos coletivos após a realização
de atividades de aprendizagem.

Um dos primeiros e mais importantes conceitos do aprendizado de Geografia é o de


orientação espacial – indispensável para a criança se familiarizar com a utilização
de pontos de referência e para compreender indicações em placas. A brincadeira do
braço esquerdo e direito, citada no conto de Pedro Bandeira, pode ser usada como
motivador em uma aula sobre o tema. A idéia é criar uma situação concreta em
que a orientação vai ser necessária.

Nas primeiras séries do Ensino Fundamental, os alunos têm dificuldade de se


deslocar com segurança e sentem a necessidade de se orientar antes de ir a algum
lugar. Quem nunca viu uma criança perdida em lugares públicos como shoppings,
supermercados e parques? Você pode elaborar uma aula pensando em minimizar
esse problema. O mais adequado é conduzir as atividades em lugares que fazem
parte do cotidiano da turma. Os espaços abertos, como o pátio ou a quadra da
escola, são os melhores. Ao propor um desafio, você vai levar a meninada a refletir
e a participar da resolução de um problema real.

O plano de aula a seguir, adequado a turmas de 1ª série, foi sugerido por Cláudio
Giordano, consultor de Geografia e professor da escola Lourenço Castanho, em São
Paulo. (Sobre localização na escola, veja também nesta edição.)

Mapa da escola ajuda na orientação

Leve os alunos ao pátio ou à quadra. Abra uma roda e leia o conto Lado a lado,
bem bolado. Explique que a atividade será sobre movimentação na escola. Faça
perguntas sobre os caminhos que utilizam para seguir de onde estão até algum
ponto no próprio prédio, como a biblioteca ou a cantina. Identifique, pelas
respostas, o modo como a turma se desloca e utiliza referências. Dessa forma, você
conhece as hipóteses e experiências dos alunos, uma maneira de avaliar que
permite planejar as próximas etapas.

Desenhe em papel Kraft um esboço da escola visto de cima, ou seja, uma planta.
Outra possibilidade é fazer o mapa com giz no chão do pátio ou da quadra. Nele,
risque os trajetos que os alunos descreveram. Se achar conveniente, peça para as
próprias crianças indicarem seus caminhos no mapa. A partir daí, elas já estarão
estimuladas para a aula de orientação, já que algumas dificuldades devem ter
201

surgido. Se a escola tem uma área muito pequena, as etapas anteriores podem ser
pouco eficazes. Nesse caso, fale sobre a importância de se deslocar com segurança
pedindo para os estudantes contarem como fazem para ir de casa até a escola.

Esquerda e direita para indicar caminhos

A próxima etapa tem por objetivo identificar as crianças que utilizam o braço
esquerdo ou o direito para se orientar, as que usam outras referências (uma porta,
um vaso, um painel etc.) e aquelas que ainda não sabem lidar com esses
procedimentos. É possível que haja diferenças dentro do grupo. Alguns estudantes
podem estar em nível mais avançado e contribuir para estimular os demais.
Pergunte a eles como fariam para explicar a um novo colega como chegar até
algum ponto dentro da escola. Nesse momento, a classe pode apresentar alguma
dificuldade se houver várias opções. Referências vão ser necessárias.

Utilize novamente o mapa da escola. Indique nele o caminho descrito pelos alunos
para observar se a orientação é eficiente ou se há falhas. Identifique os
deslocamentos eficazes e destaque quem utiliza a esquerda e a direita para se
orientar. Pergunte se todos sabem diferenciar os dois lados e peça para – em
duplas ou trios – desenharem uma pessoa e pintarem cada braço de uma cor.
Outros exercícios podem ser feitos, como escrever com letras bem grandes as
palavras esquerda e direita nas laterais do quadro-negro. Utilize as mesmas cores
do exercício feito com os braços para facilitar a memorização.

As crianças destacam os pontos de referência

Para reforçar a importância dos referenciais, dê uma volta com a turma pela escola
e chame a atenção para objetos que se destaquem e possam ser utilizados como
indicação, um vaso ou um bebedouro, por exemplo. De volta à sala de aula, os
alunos relatam quais são esses objetos e os desenham no mapinha. Peça que
expliquem novamente o trajeto ao colega utilizando as referências desenhadas e as
noções de direita e esquerda. Pergunte se eles perceberam alguma diferença entre
o primeiro caminho e aquele que utiliza essas novas informações. Para encerrar a
atividade, escreva um texto coletivo destacando as vantagens dos novos
procedimentos mencionados pela própria garotada. Transcreva o relato em
cartolina branca e afixe no painel da classe.
202

Minha querida C.

[RJ, 2 mar. 1868/9?]

Recebi ontem duas cartas tuas, depois de dous dias de espera. Calcula o prazer que
tive, como as li, reli e beijei! A mª tristeza converteu-se em súbita alegria. Eu
estava tão aflito por ter notícias tuas que saí do Diário à 1 hora para ir à casa e
com efeito encontrei as duas cartas, uma das quais devera ter vindo antes, mas
que, sem dúvida, por causa do correio foi demorada.

Também ontem deves ter recebido duas cartas minhas; uma delas, a que foi escrita
no sábado, levei-a no domingo às 8 horas ao correio, sem lembrar-me (perdoa-
me!) que ao domingo a barca sai às 6 horas da manhã. Às quatro horas levei a
outra carta e ambas devem ter seguido ontem na barca das duas horas da tarde.
Deste modo, não fui eu só quem sofreu com demora de cartas. Calculo a tua aflição
pela minha, e estou que será a última.

(...) tu não te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido.
Espírito e coração como os teus são prendas raras; alma tão boa e tão elevada,
sensibilidade tão melindrosa, razão tão reta não são bens que a natureza
espalhasse às mãos cheias pelo teu sexo. Tu pertences ao pequeno número de
mulheres que ainda sabem amar, sentir e pensar. Como te não amaria eu? Além
disso tens para mim um dote que realça os mais: sofreste.

(...) A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com


alegria, e estou que saberei desempenhar este agradável encargo.

Olha, querida; também eu tenho pressentimento acerca da mª felicidade; mas que


é isto senão o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz?

Obrigado pela flor que me mandaste; dei-lhe dous beijos como se fosse em ti
mesma, pois que apesar de seca e sem perfume, trouxe-me ela um pouco de tua
alma.

Sábado é o dia de minha ida; faltam poucos dias e está tão longe! Mas que fazer? A
resignação é necessária para quem está à porta do paraíso; não afrontemos o
destino que é tão bom conosco.

(...) Depois... depois, querida, queimaremos o mundo, por que só é


verdadeiramente senhor do mundo quem está acima das suas glórias fofas e das
suas ambições estéreis. Estamos ambos neste caso; amamo-nos; e eu vivo e morro
por ti. Escreve-me e crê no coração do teu

MACHADINHO

Trecho da carta de Machado de Assis,


publicada em Obra Completa, vol.III
203

Como utilizar o texto em sala de aula

Carta: um dos meios mais antigos de comunicação escrita

Material necessário
Cópias da carta Minha querida C.
 Livros de Machado de Assis ou trechos de obras
Computadores com acesso a internet e e-mails

Objetivos

Reconhecer a carta - tipo de texto escrito e interpessoal - como um gênero da


língua portuguesa; desenvolver a escrita e a produção de texto; reconhecer o
valor documental das cartas antigas; identificar as características da carta e
refletir sobre sua função e transformações; identificar as mensagens eletrônicas
como um desenvolvimento do gênero epistolar e reconhecer as características
dessa linguagem virtual.

Os reis do antigo Oriente Médio já escreviam cartas muito antes de Machado de


Assis conhecer Carolina. Na época, os mensageiros oficiais e pessoais, com muita
pompa, faziam o papel do correio e da internet nos dias de hoje. Estudiosos
suspeitam que a carta seja a "mãe" de todos os gêneros de texto, ao lado dos
mitos e contos populares.

A correspondência de Machado de Assis (1839-1908) coloca a turma em contato


com um tipo de texto diferente dos romances, crônicas e contos que fizeram do
autor um dos mais importantes da língua portuguesa. O valor de Minha querida C.
não é literário, mas histórico. Um pouco da personalidade e do estilo do escritor
está presente no texto. Elaborado para turmas de 5ª a 8ª série, o plano de aula de
Cléo Tibiriçá, consultora de língua portuguesa, em São Paulo, aborda as
características desse gênero interpessoal e sua evolução, com a chegada dos e-
mails.

Apresente Machado e a estrutura da carta

Peça à turma que aponte as correspondências que os pais recebem, como extrato
bancário, propaganda, contas... Elas mostram que, apesar do desenvolvimento
tecnológico, a mensagem escrita é fundamental para a comunicação entre pessoas
e instituições. Explique que o texto-carta transita entre o público e o privado e faz
parte da vida pessoal, do trabalho e da literatura.

Pergunte aos alunos, então, se eles conhecem Machado de Assis. Apresente


algumas de suas obras e questione: como será que ele escrevia cartas pessoais?
Mostre a eles Minha querida C. e pergunte: quem escreve? Para quem? De onde
escreve? Qual o assunto?

Em seguida, explique que uma carta bem redigida deve ter a seguinte estrutura:
local e data; saudação; o "corpo"; saudação final e assinatura. Depois, divida os
alunos em grupos e peça a eles que escrevam uma carta incorporando Carolina. O
que ela responderia para Machadinho?
204

O texto indica traços da época

Explique à turma que a comunicação por carta depende do correio - e que falhas na
postagem podem mudar uma história. Já no início do texto fica evidente o caminho
percorrido pela mensagem de Machado e a aflição do remetente, que tinha nela o
único meio de contato com a amada.

Carta envolve comportamento social. Comente como as correspondências dizem


muito sobre o remetente e o tempo em que foram escritas. Quando Machado
escreveu essa carta a Carolina, eles eram noivos e moravam em cidades diferentes.
Não demorou para que se casassem. A maneira cortês ("querida"; "perdoa-me") do
futuro esposo demonstra um tipo de tratamento valorizado entre as pessoas no
século 19. O pessimismo e a amargura, traços estilísticos de Machado, podem ser
notados no trecho: "... o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz?"

Este texto de Machado não é literatura, mas uma carta pode, sim, virar arte.
Apresente à classe a canção Meu Caro Amigo, de Chico Buarque de Holanda - que
apresenta toda a estrutura de uma correspondência -, e peça uma comparação com
Minha querida C.

E-mail inova essa forma de comunicação

A praticidade e a velocidade da internet mudaram a forma de comunicação entre as


pessoas. A linguagem se tornou mais objetiva e cada vez mais próxima da fala:
muitos internautas dispensam a pontuação; encurtam palavras; utilizam siglas e
abreviaturas nada convencionais; e rompem com a estrutura tradicional da carta.
Embora o tamanho dos e-mails seja ilimitado, nunca se economizou tanto na
escrita.

Na sala de informática, peça à turma que troque mensagens eletrônicas sobre


diversos assuntos. Depois proponha a comparação entre a linguagem da carta e do
e-mail. Quais as diferenças? Qual a relação entre a economia na linguagem e as
características da vida atual? Peça a produção de um novo texto eletrônico. Como
poderia ser uma resposta de Carolina por e-mail a Machado de Assis se os dois
vivessem nos dias de hoje?
205

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