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Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 43, n. 4, p. 1147-1162, out./dez., 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201702149008 1147
History curriculum in the reform of Rio de Janeiro
Municipal Department of Education
Abstract
Keywords
1148 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201702149008 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 43, n. 4, p. 1147-1162, out./dez., 2017.
Introdução de elaboração deste material. A pesquisa 2
(MORAES, 2012) investigou como professores
Este artigo tem a intenção de apresentar de história da rede municipal do Rio de Janeiro
duas pesquisas qualitativas que utilizaram o ciclo reinterpretaram essa política curricular no
de políticas (BOWE; BALL; GOLD, 1992) como contexto da prática, em vista de sua autonomia
um dos referenciais teórico-metodológicos. As docente.
investigações foram desenvolvidas durante O ciclo de políticas elaborado por Stephen
os anos de 2012 e 2013, vinculadas ao Grupo Ball e colaboradores é um referencial analítico
de Estudo Formação de Professores, Currículo útil para a apreciação de programas e políticas
e Cotidiano Escolar (GEFOCC), no programa educacionais e nos auxiliou a refletir sobre
de pós-graduação da Pontifícia Universidade como os textos oficiais, no caso dessa política
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). educacional, são estruturados e de que forma
Os temas das pesquisas estão relacionados são implementados nos diferentes contextos. A
à política curricular empreendida durante o elaboração do roteiro da entrevista teve como
mandato da Secretária de Educação do município base a ficha sugerida por Mainardes (2006) para
do Rio de Janeiro, Claudia Costin, quando investigações que utilizam o ciclo de políticas
uma nova política educacional foi elaborada, como referencial teórico-metodológico.
proporcionando mudanças no currículo das
escolas. Essas mudanças aconteceram por meio da A política educacional da SME/RJ
reorganização curricular e do sistema de avaliação,
através da elaboração de Orientações curriculares, Em 2009, Eduardo Paes assumiu o cargo
Cadernos pedagógicos, lista de descritores com de prefeito da cidade do Rio de Janeiro e Claudia
habilidades a serem avaliadas a cada bimestre e Costin foi escolhida como secretária municipal
avaliações unificadas para verificar os resultados de Educação. Essa gestão iniciou uma série de
da aprendizagem nas escolas. mudanças no sistema de ensino, tendo como
Foi uma opção delimitar o campo in- justificativa “dar um salto na qualidade da
vestigado às propostas curriculares da discipli- Educação no Rio de Janeiro”.1
na história na rede municipal. Primeiramente, Segundo a secretária, a elaboração de um
porque ambas as pesquisadoras são graduadas “currículo municipal único, claro, organizado
nessa área. Além disso, a análise demarca- por bimestre” (COSTIN, 2013) seria fundamental
da em uma área de conhecimento específica para que as demais iniciativas pedagógicas
possibilitou um melhor aprofundamento das fossem criadas e para a garantia da qualidade
questões levantadas, uma vez que se optou esperada. Nas Orientações curriculares, são
por uma pesquisa de caráter qualitativo, sendo estabelecidos objetivos, conteúdos, habilidades
utilizadas entrevistas como principal recurso e são feitas sugestões para serem desenvolvidas
metodológico (MINAYO, 2008). Com esse li- bimestralmente, durante o ano letivo, em cada
mite estabelecido, foi possível dialogar com disciplina escolar. Essa diretriz é destinada
outros estudos da mesma temática, podendo à educação infantil, ensino fundamental
contribuir com a produção de conhecimento (primeiro e segundo segmentos) e ao programa
no campo da educação. de educação para jovens e adultos (PEJA).2
A pesquisa 1 (SPINDOLA, 2014) esteve
relacionada, mais diretamente, ao contexto
1- SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO.
de produção dos Cadernos pedagógicos de Conheça a Secretaria. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/
história da Secretaria Municipal de Educação exibeconteudo?article-id=94101>. Acesso em: 9 out. 2012.
2- As Orientações curriculares de história possuem apenas as listas
do Rio de Janeiro (SME/RJ) a partir da atuação com objetivos, conteúdos e habilidades e não apresentam sugestões de
dos professores formuladores no trabalho atividades.
1150 Caroline da Luz MORAES; Luisa Kaufman SPINDOLA. O currículo de história na reforma da Secretaria...
Reformas políticas semelhantes são O ciclo de políticas
introduzidas atualmente em diversos países.
Apresentadas como solução para a educação O ciclo de políticas (BOWE; BALL; GOLD,
pública, aparecem articuladas aos pressupos- 1992) é considerado uma abordagem produtiva
tos de eficiência, resultados, avaliação e com- para a análise das atuais políticas globais, pois
petência (BARROSO, 2005a). Encontram-se ressalta a natureza complexa e controversa da po-
inseridas no novo paradigma da gestão pú- lítica educacional e é um referencial teórico-ana-
blica, como denomina Ball (2001), um pacote lítico que não é estático, mas dinâmico e flexível.
de reformas caracterizado pela ação mais fo- Mainardes (2006, p. 49) destaca que os autores
cada nos resultados em termos de eficiência, acreditam na variedade de intenções e disputas
eficácia e qualidade dos serviços. O Estado que influenciam o processo político e, por isso,
assume um papel regulador: embora a formu- rejeitam os modelos de política educacional que
lação das normas e leis continue centralizada, separam as fases de formulação e implementação.
a gestão das políticas aparece descentralizada Assim, Ball afirma (MAINARDES; MARCONDES,
e o princípio da avaliação, como um aspecto 2009, p. 35): “Quero rejeitar completamente a
fundamental para que o Estado exerça o con- ideia de que as políticas sejam implementadas,
trole dos resultados dessas mesmas políticas pois isso sugere um processo linear pelo qual elas
(BARROSO, 2005b). se movimentam em direção à prática de maneira
As iniciativas da secretária de educação, direta [...] O processo de traduzir políticas em prá-
Claudia Costin, que modificaram a política ticas é extremamente complexo”.
educacional municipal, tiveram como princípio Ball reconhece a importância da análise
a responsabilização, em que o desempenho do Estado no ciclo de políticas, mas não
dos alunos é visto como objetivo principal se limita à perspectiva do controle estatal.
do trabalho da escola. O uso das avaliações Os processos macro e micro na análise de
externas é legitimado para medir a eficácia políticas são aspectos importantes do ciclo de
da escola e dos professores no cumprimento políticas, pois é possível enfatizar os processos
dessa tarefa. Além disso, de acordo com os micropolíticos. O autor coloca-se contrário às
resultados dos alunos, determinada escola ou abordagens estadocêntricas, que interpretam os
professor poderia receber ou não incentivos, textos e discursos sem considerar a interlocução
o que sinaliza a transferência do ônus pelos com “o discurso pedagógico, com as demandas
esforços de melhoria em direção à escola educacionais da sociedade mais ampla e as
(BROOKE, 2012, p. 143). tradições curriculares das escolas e do meio
Um sistema de responsabilização educacional” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 253).
envolve três elementos: testes para O processo de formulação é considerado
os estudantes, divulgação pública do como um ciclo contínuo, no qual as políticas são
desempenho da escola, recompensas e sanções formuladas e recriadas. A sua estrutura é composta
(FREITAS, 2012, p. 383). As recompensas e por três contextos inter-relacionados, que “não
sanções compõem o caráter meritocrático do têm uma dimensão temporal ou sequencial e
sistema, pois, na base da proposta política, não são etapas lineares” (MAINARDES, 2006, p.
está a igualdade de oportunidade e não de 50): os contextos de influência, o de produção
resultados. Assim, as oportunidades são de texto e o da prática. Posteriormente, Ball
dadas, mas o que faz a diferença é o esforço acrescenta dois contextos: o dos resultados/
pessoal, o mérito de cada um. No entanto, efeitos e o da estratégia política.4
como afirma Freitas (2012), nada é dito sobre 4 - Os contextos dos resultados e da estratégia política foram
a igualdade de condições no ponto de partida. acrescentados por Ball ao referencial original em 1994, no livro Education
1152 Caroline da Luz MORAES; Luisa Kaufman SPINDOLA. O currículo de história na reforma da Secretaria...
professores formuladores conseguiram integrar recolhidos com a intenção de investigar como
a política oficial e o que eles entenderam como os professores elaboradores dos Cadernos
necessário para o trabalho do professor na sala pedagógicos de história lidaram com as
de aula. orientações da nova política educacional da
A metodologia utilizada seguiu os SME/RJ na produção do material, tendo em
princípios de um estudo qualitativo, utilizando a vista que muitos eram professores da rede.
entrevista, realizada com a equipe que formulou No período em que as entrevistas foram
os Cadernos pedagógicos de história da SME/ feitas, a equipe dos formuladores dos Cadernos
RJ, para a coleta de dados. Por sua vez, os pedagógicos de história contava com cinco
documentos como as Orientações curriculares pessoas: o consultor, o coordenador, que também
de história e os Cadernos pedagógicos de era o formulador do Caderno pedagógico de
história auxiliaram a confirmação e validação história do 6º ano, e os outros três formuladores,
das informações obtidas através das entrevistas. do 7º, 8º e 9º anos, que são professores regentes.
A equipe formada para trabalhar na Todos os entrevistados afirmaram que o
elaboração do material pedagógico esteve convite para esse trabalho surgiu a partir do
inserida em um contexto de mudança da reconhecimento e consideração da qualidade de
proposta curricular. Os depoimentos foram suas práticas pedagógicas.
Especialização
em 3 anos e 3 anos e
Formulador 2A 27 anos História 2ª 01
História da Ciência e da 8 meses 8 meses
Saúde
Especialização
Formulador 3J 57 anos História em 34 anos 34 anos 1ª 01
Ensino de História
Especialização
em
Formulador 4T 49 anos História 22 anos 8 anos 10ª 01
História Social das
Ideias
Fonte: Elaboração própria utilizando os dados da ficha de caracterização.
1154 Caroline da Luz MORAES; Luisa Kaufman SPINDOLA. O currículo de história na reforma da Secretaria...
diminuiu os momentos de estudo dos autores, da SME/RJ. Dessa forma, demonstraram que a
dificultando o trabalho com novos conteúdos, relação com o aluno foi muito importante nesse
com a atualização das Orientações curriculares trabalho, pois os textos e atividades elaborados
ou elaboração de um texto. ou escolhidos para constituir os cadernos,
Outras dificuldades foram descritas muitas vezes, foram aqueles que já haviam sido
pelos autores, como: o trabalho de formatação utilizados em sala de aula.
e diagramação; a limitação do número de Mesmo diante de uma política curricular
páginas, que impediu avançar um pouco mais em prescritiva e de uma política de metas e
determinado conteúdo; a impressão dos Cadernos premiações, os elaboradores acreditavam que
pedagógicos em preto e branco, que torna o estavam produzindo um material que pudesse
material pouco atrativo para os alunos e também servir de suporte para o trabalho do professor.
prejudica determinadas atividades como, por Assim, concluímos que, dentro do
exemplo, aquelas com bandeiras; a escolha das contexto da produção de texto, houve a
imagens ilustrativas dos Cadernos, que devem ser influência da prática pedagógica, caracterizada
somente as disponibilizadas na internet. pelo funcionamento do trabalho da equipe e
Sobre o espaço de participação dos profis- pelas ideias de cada professor elaborador sobre
sionais envolvidos na elaboração dos Cadernos os Cadernos pedagógicos de história. Esses
pedagógicos, a maioria dos formuladores afir- profissionais procuraram dar um sentido diferente
mou a existência de liberdade no momento da ao material, com um direcionamento que foge da
construção dos textos do material. No entanto, política de responsabilização e metas.
na etapa de finalização, eles apontaram diversos Isso se deu porque a equipe que formulou os
casos de interferência que modificaram o tex- Cadernos de história foi formada por professores
to produzido. Assim, os elaboradores contaram da rede. Por estarem em sala de aula, estavam
que: já foram chamados para dar explicações acostumados a interpretar e vivenciar a política
sobre o que escreveram; autores se retiraram do de diversas formas. Quando passaram a atuar
trabalho porque tiveram seus textos modificados no contexto da produção dos Cadernos, levaram
sem concordar; os textos voltaram da revisão as suas experiências como docentes. Assim,
com modificações consideradas por eles inapro- afirmaram aproveitar os materiais de suas aulas,
priadas; atividades foram retiradas sem a con- as experiências com os alunos, a preocupação
cordância do formulador. com os demais colegas e os questionamentos de
Os integrantes da equipe dos Cadernos suas próprias práticas pedagógicas.
pedagógicos de história consideraram a Portanto, através desta pesquisa, foi
existência de uma forte influência da experiência possível constatar que a elaboração dos Cadernos
docente no trabalho de elaboração dos cadernos. pedagógicos de história foi uma produção não
Um exemplo disso surgiu na fala do formulador de especialistas, mas sim de docentes que
do material do 7º ano, quando, no momento de atuavam no contexto da prática. Talvez por
elaboração do Caderno, procurou pensar em serem professores de história, não abriram mão
atividades que pudessem envolver os alunos: de seus princípios políticos ao se recusarem
“Que o aluno consiga chegar a algum lugar a seguir essa política de responsabilização e
depois de fazer aquela atividade, que aquela metas. Sendo assim, podemos afirmar que os
atividade não seja uma coisa maçante para ele. professores elaboradores foram autores desse
Que ele não faça com dor, que ele faça com material pedagógico, pois trouxeram para o
o prazer de descobrir alguma coisa diferente.” trabalho as suas práticas pedagógicas e ideais
Foi nessa vivência, decorrente do contato com como educadores.
os alunos nas aulas ministradas, que os autores No entanto, mesmo considerando que
procuraram inspiração para elaborar o material a esfera do Estado não domina os sentidos
1156 Caroline da Luz MORAES; Luisa Kaufman SPINDOLA. O currículo de história na reforma da Secretaria...
Os entrevistados eram de diferentes pressuposto eurocêntrico, com uma diminuição
faixas etárias. A experiência profissional e o acentuada dos conteúdos de história nacional,
tempo de atuação na rede também variavam. da América e África.
Oito entre dez professores entrevistados Foi constatado que os professores não
possuíam cursos de pós-graduação. Outro dado consideram as Orientações curriculares como
fundamental para a análise foi a diversidade de um modelo de currículo fechado em seu
coordenadorias às quais pertenciam. Apenas planejamento, já que disseram fazer adaptações
quatro docentes estavam lotados na 2ª CRE. e não seguir essa diretriz integralmente.
Desses, três foram entrevistados no período Afirmaram que não é possível cumprir toda
fora da greve, seguindo o cronograma inicial a lista de conteúdos, seja por falta de tempo,
da pesquisa. Entre os professores entrevistados ou seja porque selecionam os conteúdos mais
durante a greve, apenas um era dessa significativos para o local onde atuam.
coordenadoria. Como as escolas permaneceram Em relação às listas de habilidades e
fechadas durante a paralisação, foi necessário de objetivos presentes nas Orientações, os
buscar docentes que aderiram ao movimento entrevistados afirmaram que essas dificilmente
e realizar mudanças no cronograma e na são introduzidas em seus planejamentos,
metodologia da pesquisa.7 porque elas não consideram as particularidades
Essa mudança metodológica foi realizada das escolas e as diferenças encontradas na
não apenas por uma questão prática, mas também rede. Verificou-se, portanto, que os próprios
porque a greve acabou se transformando em um professores estabelecem habilidades a
indicador a mais para a pesquisa. Apesar de não desenvolver e objetivos a alcançar.
haver nenhuma questão específica no roteiro de Sobre os Cadernos pedagógicos, foi
entrevista, os professores trouxeram esse assunto observado que são utilizados com frequência por
e percebem a paralisação como uma reação da cinco dos professores. Três outros entrevistados
categoria à reforma empreendida pela SME/RJ, relataram que o material não satisfaz seus
uma vez que apresentaram discursos críticos às objetivos e, por essa razão, é utilizado
mudanças curriculares, à avaliação unificada e à apenas quando encontram uma atividade que
política de metas. consideram interessante. Os dois professores
Entretanto, além de toda a problemática que não usam os Cadernos em suas aulas assim
ocasionada pela greve, ainda foi necessário o fazem porque assumiram uma postura crítica
investigar outros aspectos dos depoimentos dos em relação à reforma iniciada pela Secretaria.
professores para uma análise mais aprofundada Sobre as vantagens em utilizar os Cadernos
sobre os sentidos atribuídos à política na prática. pedagógicos, foi dito que: eles “apresentam links
Os depoimentos sobre os usos do currículo para pesquisa na internet”, “possuem textos curtos”,
oficial foram fundamentais nesse sentido. “possuem letra grande”, “utilizam joguinhos”.
Os entrevistados afirmaram que a lista de Entretanto, nove entre dez professores pesquisados
conteúdos presente nas Orientações curriculares fizeram severas críticas ao material. Esses foram
não é diferente da que tradicionalmente compõe descritos como “fracos”, “ruins”, “precários” e
a disciplina no ensino fundamental, segundo a “mal feitos”. Afirmaram que apresentam “erros de
lógica da história integrada, em que a história português”, “erros de conteúdo”, “erros conceituais”
do Brasil aparece vinculada à história mundial e e “erros de revisão”. Deixam a desejar porque são
principalmente da Europa. Segundo Bittencourt “muito simplificados”, “reduzidos” e “resumidos
(2011, p. 157), essa abordagem apresenta demais”. O fato de serem impressos em preto e
algumas inovações, mas mantém o criticado branco também foi citado como um problema do
7- A ficha de caracterização e os questionários das entrevistas estão material, conforme foi mencionado na pesquisa 1
disponíveis na pesquisa 1 (SPINDOLA, 2014). (SPINDOLA, 2014).
1158 Caroline da Luz MORAES; Luisa Kaufman SPINDOLA. O currículo de história na reforma da Secretaria...
de aula”. Entretanto, no caso aqui investigado, desconsideração de projetos criados na escola;
não é possível reduzir os professores à função de a interferência de gestores na aprovação e
técnicos aplicadores de diretrizes produzidas fora reprovação de alunos; e o estabelecimento de
do contexto escolar, já que constatamos que são datas fixas para as avaliações da rede, sem
sujeitos ativos nesse processo. levar em conta o calendário interno das escolas.
Concluímos que outros sentidos foram
atribuídos ao currículo oficial no contexto Considerações finais
da prática. Esses são construídos de acordo
com as particularidades presentes em cada O contexto da educação municipal
unidade escolar. As relações estabelecidas entre pesquisado era caracterizado pela busca
professores, estudantes e as disputas presentes permanente da qualidade e excelência do ensino
entre eles e a gestão das unidades escolares nas escolas e esteve atrelado à atualização de
interfere na reinterpretação da política curricular Orientações curriculares, lista de descritores
e na resignificação do material curricular (para as disciplinas língua portuguesa,
produzido pela SME/RJ. matemática e ciências) e elaboração de Cadernos
Porém, a política da SME/RJ foi descrita pedagógicos, que compõem o currículo oficial
pelos entrevistados como limitadora da da SME/RJ. Discutimos anteriormente que
autonomia docente (CONTRERAS, 2012) e da essas iniciativas tiveram a intenção de oferecer
autonomia da escola (BARROSO, 1996), porque orientações prescritivas para o trabalho dos
aumenta o controle da Secretaria de Educação professores, objetivando melhores resultados
sobre a escola e os sujeitos que nela atuam, dos alunos nas avaliações unificadas da rede
principalmente por conta da relação entre ou a aprovação na disciplina história para
currículo, avaliação, estabelecimento de metas conseguir um bom fluxo escolar.
e responsabilização. A política de bonificação Através da análise das entrevistas da
concedida às escolas não foi defendida por pesquisa 1 (SPINDOLA, 2014), foi possível
nenhum dos entrevistados, porque essa não perceber que os professores elaboradores
seria capaz de garantir a qualidade da educação acreditavam que estavam produzindo um
pública, e provocaria disputas entre gestão material útil; no entanto, muitas vezes essa ideia
e professores, ou mesmo entre professores, não foi compartilhada pelos professores da rede.
quando as questões burocráticas ou a busca De acordo com a pesquisa 2 (MORAES, 2012), os
pela bonificação superam as expectativas em professores criticaram o material, apenas metade
relação à aprendizagem dos estudantes. dos entrevistados disseram que o utilizam com
No caso específico dos professores de frequência, e mesmo estes consideram que o ele
história, foi relatado nas entrevistas que a possui inúmeros problemas.
aprovação dos alunos em todas as disciplinas, Dessa forma, podemos identificar a
mesmo naquelas que não realizam as avaliações complexidade das esferas da política. No contexto
unificadas, é supervalorizada como uma estratégia da produção de texto, as ações dos elaboradores
para que a escola atinja a meta estabelecida. estavam voltadas ao preparo de um material de
Sendo assim, a análise dos depoimentos qualidade e utilidade para o professor. A SME/
sugere que a reforma curricular da SME/RJ, RJ deveria oferecer as melhores condições de
atrelada à reforma da política educacional de trabalho para a equipe formular o material.
modo mais amplo, trouxe como consequência Todavia, os entrevistados mencionaram diversas
a limitação da autonomia docente e da escola. dificuldades que interferiram na produção
Os entrevistados citaram outros fatores que dos Cadernos pedagógicos de história, o que
provocam essa limitação: a falta de diálogo provavelmente repercutiu negativamente na
com a Secretaria; a imposição de projetos e a qualidade do material.
1160 Caroline da Luz MORAES; Luisa Kaufman SPINDOLA. O currículo de história na reforma da Secretaria...
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